Você está na página 1de 3

Estou rascunhando : 

PEQUENO ÁLBUM AFETIVO


PUBLICAÇÃO COMEMORATIVA  DA VINDA DE VIOLANTE SARAMAGO MATOS AO BRASIL - 2022. 

...apenas o tempo de um relancear de olhos,


reencontrei-me com todos os anos passados.
(José Saramago)

“Foi um instante, nada mais que um instante,


mas a lembrança dele durará o que a minha vida
tiver de durar” (José Saramago)

“Se passo as minhas lembranças ao


papel, é mais para que não se percam
(em mim) minutos de ouro, horas que
resplandecem como sóis no céu
tumultuário e imenso que é a memória.
Coisas que são também, com o mais, a
minha vida” (José Saramago)

Foi nestes lugares (pequena província


de Azinhaga) que vim ao mundo, foi
daqui, quando ainda não tinha dois
anos, que meus pais, migrantes
empurrados pela necessidade, me
levaram para Lisboa, para outros
modos de sentir, pensar e viver, como
se nascer eu onde nasci tivesse sido
consequência de um equívoco do
acaso, de uma casual distracção do
destino, que ainda estivesse nas suas
mãos emendar (José Saramago)

“Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados


por uma memória”, escreveu José Saramago, para quem o tema da memória,
como evidenciado nas epígrafes acima, era dos mais importantes. Aos 74
anos, a filha única do escritor remexe seu álbum de família. Abrindo as páginas
do vivido, Dona Violante revisita memórias sentimentais que hoje a habitam,
nos dando a conhecer um outro lado do nobel de literatura. Um lado privado,
mais escondido.

Pois esse é um álbum verdadeiramente afetivo, que traz uma minúscula


fotografia da mãe de José: Maria da Piedade, casada com José de Sousa,
camponeses sem terra, descendentes de camponeses sem terra, da província
do Ribatejo. Maria da Piedade, mulher de José de Sousa e mãe de José de
Sousa, esse hoje mundialmente famoso, o Saramago.
Saramago que, afinal, só recebe esse sobrenome porque o funcionário do
Registro Civil de Azinhaga (do Ribatejo?) acresenta, por erro próprio, a
alcunha pela qual a família de seu José era conhecida: Saramago, cujo nome
científico é Raphanus raphanistrum, planta nativa do Ribatejo. Que fique dito
que, nas épocas difícies, as folhas dos saramagos alimentavam às famílias
pobres da região.

Pois então vamos conhecer mais um pouco de José, casado, em 1944, com a
então datilógrafa Ilda Reis, que se tornaria uma das mais importantes artistas
plásticas portuguesas. José, pai da menina Violante, nascida em 1947, em
Lisboa, e que tomaria caminho diverso da mãe e do pai, abraçando a biologia e
tornando-se professora.

Mas o fruto não cai mesmo longe da árvore, pois a natureza e os animais foram
sempre preocupações do pai. Como também a política, e Violante torna-se
ativista e dirigente da luta estudantil contra a ditadura e a guerra colonial. Presa
em  1º de Maio de 1973, cumpre 3 meses na prisão de Caxias, onde nunca
recebe uma carta que lhe escreve o pai e está hoje guardada na Torre do
Tombo. A carta também integra o presente volume.

Pois esse é, assim, um álbum afetivo, singelo, como a flor do saramago. Um


álbum que vem complementar a imagem que o grande autor nos deixou em
sua obra - na poesia, no romance, nos contos, na crônica, no teatro - e em
suas inúmeras entrevistas e aparições públicas. São fotos, quase todas,
inéditas, acompanhadas de comentários da própria Dona Violante que se
dispõs a revisitar suas memórias fotográficas, trazendo-nos o pai, que “nunca
me ofereceu um vestido ou uma caixa de bombons. A primeira grande oferta
que me fez foi um livro”, como ela conta. Lembranças de um passado que
nunca voltará, mas que ao revisitar, com emoção, com carinho, talvez com um
certo sofrimento, provocam sensações novas, trazem uma nova perspectiva
sobre o vivido.

Como escreveu o próprio Saramago em As pequenas memórias: “Não se sabe


tudo, nunca se saberá tudo, mas há horas em que somos capazes de acreditar
que sim, talvez porque nesse momento nada mais nos podia caber na alma, na
consciência, na mente, naquilo que se queira chamar ao que nos vai fazendo
mais ou menos humanos. “

É preciso haver uma filha para reunir essas recordações do passado, um


passado que forma e depura um homem, e do qual o autor é consequência. Só
Violante Saramago Matos, singela como a flor de saramago, poderia nos
presentear com esse album afetivo. 

Você também pode gostar