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A “FIGURA LIVRO” DE BERNARDO SOARES, EM LIVRO DO

DESASSOSSEGO, DE FERNANDO PESSOA

INTRODUÇÃO

Em Livro do Desassossego, obra em que Fernando Pessoa escreve por meio do


semi-heterônimo Bernardo Soares, encontramos frequentemente uma inquietação com o
cotidiano mundano, com a monotonia dos dias e o tédio da realidade terrena. Seu
narrador, um ajudante de guarda-livros da Rua dos Douradores, em Lisboa, envolto pela
modernidade da capital lusitana, leva uma vida comum, mas altamente reflexiva quanto
ao seu lugar no mundo e sua existência dentro dele. ok
Acompanhamos então suas divagações, numa espécie de diário, sem marcações
exatas de tempo, com fragmentos esparsos em sua maioria. Nele contém ideias que em
momentos parecem lúcidas de consciência e outras que são totalmente entregues às
emoções, criando uma ponte entre o que é vivido e o que pertence ao reino do
pensamento. AÉ na união de sua dificuldade em agir dentro de um ambiente que lhe
causa desassossego com a sua “fuga” para a contemplação é que cria boa parte da
caracterização de Bernardo Soares. ok
Entretanto, ainda que essa saída para o imagético? pudesse ser vista (por
quem?) inicialmente como positiva, o que encontramos na obra não é exatamente
isso. O estado de inação encontra, por diversas vezes, inevitavelmente, o sonho,
espaço que está para fora da realidade, ainda que esse também não seja menos
inquietante, (a conformação/relação semântica entre esses/nesses dois períodos não
está clara). como aponta logo no segundo fragmento: “Tenho que escolher o que
detesto – ou o sonho, que minha inteligência odeia, ou a ação, que a minha sensibilidade
repugna; ou a ação, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu”
(PESSOA, p. 16). Temos então um indivíduo que não se enquadra nem mesmo onde o
inconsciente tem um campo aberto para? (se uma escolha estilística, poderia usar as
reticências). Isso significa que nem a consciência nem a inconsciência são lugares em
que Bernardo Soares encontra seu lugar, onde possa encontrar seu pertencimento e seu
sossego.
Assim sendo, o objetivo deste trabalho/texto torna-se entender como ambos
atuam na autoanálise do próprio narrador, explorando suas visões para entender
como é possível se manter existindo quando nenhum dos cenários possíveis lhe é
agradável, além de como se manifesta neles apesar de seu desagrado incessante. ok

DESENVOLVIMENTO
Para entender o que se encontra entre a consciência no cotidiano e a
inconsciência do sonho, é preciso, primeiro, compreender a visão mais profunda de
Bernardo Soares em relação a ambos os estados. Elas variam dentro do livro em longas
digressões ou breves comentários, mas que ainda juntas conseguem elucidar um todo
que se encaminha para uma mesma direção, a escrita do livro, pois, dentro da visão que
iremos seguir aqui, é essa a verdadeira forma que Bernardo Soares adquire? para se
adequar de alguma forma na existência inconciliável. A representação de si na/pela
escrita do livro é um modo de agenciar, entender-se perante a sua existência
inconciliável?
Para começar, ao tratarmos de sua insatisfação com o mundo terreno, torna-se
necessário tratar principalmente sobre o meio em que vive, a Rua dos Douradores da
cidade de Lisboa. Numa grande cidade, o fluxo contínuo de ações e o movimentoado
desenfreado compõem quase de forma totalizante a vida de seus moradores. Ainda
muito anterior em relação àa época em que vive Bernardos Soares, uma famosa citação
do filósofo Friedrich Engels em Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, ao
discorrer sobre o tema das grandes cidades, utilizando Londres de exemplo, questiona a
perda da humanidade que um aglomerado imenso de seres num mesmo lugar poderia
causar:

Esses milhares de indivíduos, de todos os lugares e de todas as classes, que se


apressam e se empurram, não serão todos eles seres humanos com as mesmas
qualidades e capacidades e com o mesmo desejo de serem felizes? E não
deverão todos eles, enfim, procurar a felicidade pelos mesmos caminhos e
com os mesmos meios? Entretanto, essas pessoas se cruzam como se nada
tivessem em comum, como se nada tivessem a realizar uma com a outra e
entre elas só existe o tácito acordo pelo qual cada uma só utiliza uma parte do
passeio para que as duas correntes da multidão que caminham em direções
opostas não impeçam seu movimento mútuo – e ninguém pensa em conceder
ao outro sequer um olhar (ENGELS, 2010 [1845], p. 68).

A multidão é vista por Engels como algo negativo, que fará com que os
humanos já não se vejam mais como pessoas semelhantes a entre si. Essa seria uma
característica que alcançaria não as apenas as ruas, mas todo o centro de uma cidade
moderna. Sendo assim, para onde quer que se olhe é possível perceber que há pessoas,
ainda que seja difícil ver com nitidez vida nelas.
Bernardo Soares, no primeiro fragmento, faz uma autoanálise de si sobre seu
lugar de visão do mundo: “Pertenço, porém, àquela espécie de homens que estão sempre
na margem daquilo a que pertencem, nem veem só a multidão de que são, senão
também os grandes espaços que há ao lado.” (PESSOA, 2019, fragmento 1, p.15).
Nisso, podemos ver um caráter semelhante ao de um grande admirador de
multidões da modernidade, o poeta francês Charles Baudelaire. Para ele, principalmente
na prosa poética As Multidões, afirma que há um prazer artístico em observar a
multidão: “Não é dado a todo o mundo tomar um banho de multidão: gozar da presença
das massas populares é uma arte” (BAUDELAIRE, 2018 [1869],p. 18). Além disso, em
meio à solidão da multidão, há a possibilidade de tornar-se outro: “O poeta goza desse
incomparável privilégio que é o de ser ele mesmo e um outro. Como essas almas
errantes que procuram um corpo, ele entra, quando quer, no personagem de qualquer
um” (BAUDELAIRE, 2018 [1869], p. 18).
A linha de Baudelaire e Bernardo Soares pode ir de encontro (contra? Ou você
quis dizer “ao encontro”?) à de Engels na medida em que percebem que as pessoas
aglomeradas não vêem mais umas às outras como seus iguais. Porém, para Baudelaire, é
exatamente nesse momento que deve entrar a figura do artista, que extrai delas (o
quê?), tornam-se elas, e por meio disso podem utilizá-losas? como matéria para sua
arte.
Bernardo Soares, no terceiro fragmento, comenta amar o bulício das ruas em sua
volta, mesmo que elas lhe encham de tristeza. Sua comparação, ao dizer sentir-se coevo,
com Cesário Verde, indica para a sua inadequação com o meio moderno: “...tenho em
mim, não outros versos que como os dele, mas a substância igual à dos versos que
foram dele”. Logo após, se coloca a si coloca no lugar das ruas (o sentido dessa
expressão não ficou claro), comentando ter uma sensação de vida parecida com a delas:
“de dia elas estão cheias de um bulício que não quer dizer nada; de noite estão cheias de
uma falta de bulício que não quer dizer nada. Eu de dia sou nulo, e de noite sou eu”.
Isso tudo irá desembocar para uma reflexão que o leva a perceber a abstração, que
carrega um sentimento plural, do interno que se alimenta do externo:

Mas há mais alguma coisa... Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à
mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo
uma sensação minha e uma coisa externa, que não está no meu poder alterar.
Ah, quantas vezes os meus próprios sonhos se me erguem em coisas, não
para me substituírem a realidade, mas para se me confessarem seus pares em
eu os não querer, em me surgirem de fora, como o elétrico que dá a volta na
curva extrema da rua, ou a voz do apregoador noturno, de não sei que coisa,
que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da monotonia do
entardecer! (PESSOA, 2019, fragmento 3, p. 17)
Para então se ver numa percepção dos passantes da multidão (poderia rever a
formulação para deixar sua ideia mais clara), seus vários personagens singulares e, ao
mesmo tempo, tão comuns que fazem parte de aglomerado de seres. Tal observação
vale tanto para o que ocorre no momento em que Bernardo Soares narra quanto para ...
sendo um panorama geral do movimento nas ruas:

Passam casais futuros, passam os pares das costureiras, passam rapazes com
pressa de prazer, fumam no seu passeio de sempre os reformados de tudo, a
uma ou outra porta reparam em pouco os vadios parados que são donos das
lojas. Lentos, fortes e fracos, os recrutas sonambulizam em molhos ora muito
ruidosos ora mais que ruidosos. Gente normal surge de vez em quando. Os
automóveis ali a esta hora não são muito frequentes; esses são musicais. No
meu coração há uma paz de angústia, e o meu sossego é feito de resignação.
(PESSOA, 2019, fragmento 3, p. 17)

Assim como Baudelaire, Bernardo Soares assume a figura do observador da


presença das massas, como quem percebe a vida deles? Minuciosamente?, além de um
mero aglomerado que vai e vem. Mas, ao fim desse mesmo fragmento, dirá que tudo
isso para nada significa:

Passa tudo isso, e nada de tudo isso me diz nada, tudo é alheio ao meu
destino, alheio, até, ao destino próprio — inconsciência, carambas ao
despropósito quando o acaso deita pedras, ecos de vozes incógnitas — salada
coletiva da vida. (PESSOA, 2019, fragmento 3, p. 17)

Isso ocorre pois há uma percepção de que o artista que analisa a multidão, em
meio à qual transcorre onde ocorre o cotidiano, a banalidade, não é parte dela enquanto
ocupa seu local. O poeta que antes tinha esse local de privilégio em relação ao
movimento mundano, já perdeu esse posto como exclusividade, pois ele mesmo agora
invariavelmente vai fazer parte da vida da multidão. Esse distanciamento gera uma
repugnância, semelhante àquela de Engels, em relação à multidão, como observa Leyla
Perrone-Moisés:

O poeta perdeu sua grinalda, não pode casar-se com a multidão, não por uma
convicção romântica de suas prerrogativas de inspirado ou de Gênio [..], mas
pelo sentimento intenso de sua falta de função, da ausência de qualquer
finalidade útil em seu ofício. Só lhe resta então permanecer na “mansarda” e
ficar olhando, cético quanto à multidão e cético quanto a si mesmo
(PERRONE-MOISÉS, 1990, p. 47-48). ok

Nessa visão, o observador não é parte da vida, ele apenas faz o que sua função
pretende, ou seja, observar. Sendo assim, todos esses passantes, na verdade,
representam para ele o que é a vida verdadeira, não aquela que ele tem, ou seja, a vida
de ação (qual será mesmo a vida verdadeira para BS?). O escritório da Rua dos
Douradores, de onde observa tudo isso, percebe ele, no nono fragmento, que lá é onde
se pode ver a “verdadeira” face da vida, representada na figura do patrão Vasques:

Ah, compreendo! O patrão Vasques é a Vida. A Vida, monótona e necessária,


mandante e desconhecida. Este homem banal representa a banalidade da
Vida. Ele é tudo para mim, por fora, porque a Vida é tudo para mim por fora.
(PESSOA, 2019, fragmento 9, p. 20)

O patrão Vasques, assim como o escritório e a rua, representam a banalidade da


vida, aquele em que Bernardo Soares não quer estar, a da ação. As exigências
frequentes do cotidiano prosaico abatem a figura do contemplativo ajudante de guarda-
livros devido a pouca inspiração que nele causam, não encontrando nela a razão para
seu viver.
Essas exigências pouco interessantes para um caráter artístico e sonhador pouco
seriam úteis para encontrarem (que encontrasse?) uma razão de viver. O que ocorre
então, é uma ato de esquivar-se desse modo de viver, indo para um outro plano, como
argumenta Hugo Friedrich ao comentar sobre os decadentistas, que viam o suicídio
como um modo de evasão:
“O desconcertante de tal modernidade é que está atormentada até à neurose pelo
impulso de fugir do real, mas se sente impotente em crer ou criar um transcendência de
conteúdo definido, dotada de sentido” (FRIEDRICH, 1978, p. 49). A tal evasão da
modernidade encontrada por Bernardo Soares não está no suicídio, em que na verdade
associa a sua pir forma na vida prática: “A vida prática sempre me pareceu o menos
cómodo dos suicídios. Agir foi sempre para mim a condenação violenta do sonho
injustamente condenado” (PESSOA fragmento 247, p. 152). Além disso, vemos aí o seu
modo de evasão quanto à ação, o sonho, tantas vezes abordado na obra.
Como já visto, o sonho também não é de todo agradável a Bernardo Soares, mas
é inevitável sonhar, assim como é viver. Porém, em uma das suas evasões oníricas, no
fragmento 7, encontramos uma fuga precisamente daquele ambiente moderno e das
pessoas que representam a tal vida banal já comentada:

Hoje, num dos devaneios sem propósito nem dignidade que constituem
grande parte da substância espiritual da minha vida, imaginei-me liberto para
sempre da Rua dos Douradores, do patrão Vasques, do guarda-livros
Moreira, dos empregados todos, do moço, do garoto e do gato. Senti em
sonho a minha libertação, como se mares do Sul me houvessem oferecido
ilhas maravilhosas por descobrir. Seria então o repouso, a arte conseguida, o
cumprimento intelectual do meu ser (PESSOA, 2019, p. 19).

Porém, logo após, lamenta tal acontecimento, pois seria perder aqueles que já
fazem parte de sua vida:
Mas de repente, e no próprio imaginar, que fazia num café no feriado
modesto do meio-dia, uma impressão de desagrado me assaltou o sonho:
senti que teria pena. Sim, digo-o como se o dissesse circunstanciadamente:
teria pena. O patrão Vasques, o guarda-livros Moreira, o caixa Borges, os
bons rapazes todos, o garoto alegre que leva as cartas ao correio, o moço de
todos os fretes, o gato meigo — tudo isso se tornou parte da minha vida; não
poderia deixar tudo isso sem chorar, sem compreender que, por mau que me
parecesse, era parte de mim que ficava com eles todos, que o separar-me
deles era uma metade e semelhança da morte (PESSOA, 2019, p. 19).

Nota-se novamente a dualidade na preferência por um e, logo depois, por outro


estado?. Isso porque a vida sonhada não está para ele em um lugar totalmente nulo da
realidade, ainda que não seja a mesma coisa. O sonho para Bernardo Soares seria um
almejo particular, algo individualizado, sendo a única coisa que nos pertence e, por isso,
diferente da vida comum, como que ocupando um outro espaço entre os acontecimentos
comuns da vida?ela (nela?), o do ideal:

...Os sonhos também serão talvez ou ainda outra dimensão em que vivemos,
ou um cruzamento de duas dimensões; como um corpo vive na altura, na
largura e no comprimento, os nossos sonhos, quem sabe, viverão no ideal, no
eu e no espaço. No espaço pela sua representação visível; no ideal pela sua
apresentação de outro género que a da matéria; no eu pela sua íntima
dimensão de nossos. (PESSOA, 2019, fragmento 76, p. 58)

O sonho então se torna uma evasão da vida não somente por ser algo diferente
dela, mas também por encontrar no inconsciente algo íntimo e próprio, diferente de todo
que é a vida, compartilhada com outros, mesmo que não se queira. É por isso que
declara que “Só o que sonhamos é o que verdadeiramente somos, porque o mais, por
estar realizado, pertence ao mundo e a toda a gente” (Fragmento 348, p. 206). Mesmo
assim, sua insatisfação com o sonho surge exatamente por não ser ele um inibidor total
da realidade, mas sim uma outra forma dela, ou seja, a realidade pessoal, o que também
lhe causa tédio, como declara no fragmento 414, após argumentar longamente sobre o
sonho no fragmento anterior: “Mas as paisagens sonhadas são apenas fumos de
paisagens conhecidas e o tédio de as sonhar também é quase tão grande como o tédio de
olharmos para o mundo” (Fragmento 414, p. 241).
Isso nos faz voltar para a questão inicial, a de entender como Bernardo Soares
consegue então encarar a vida, que nem mesmo o sonho consegue suprir
completamente, para então chegarmos a uma conclusão. Se o ajudante de guarda-livros
faz questão de observar o movimento da modernidade, comentando que não o diga
nada,? então supomos que o mesmo faz com os sonhos. Sua atividade é, na verdade,
unicamente a de comentador em prosa (poética ou não) de seus acontecimentos
cotidianos ou oníricos, sua principal característica e seu modo de encarar ambos. O que
isso quer dizer é que, o que nós lemos, o tal Livro do Desassossego, é o seu modo de
conseguir conviver com esses ambientes que lhe causam desagrado.
Em vários trechos, encontrará na sua escrita a sua verdadeira singularidade e sua
principal razão de mundo, como no 18: “Em sonhos sou igual ao moço de fretes e à
costureira. Só me distingue deles o saber escrever. Sim, é um acto, uma realidade
minha que me diferencia deles. Na alma sou seu igual” (Fragmento 18, p.24). Ou,
inclusive, naquele em que coloca o patrão Vasques como símbolo da vida banal, pouco
depois do trecho citado:

E, se o escritório da Rua dos Douradores representa para mim a vida,


este meu segundo andar, onde moro, na mesma Rua dos Douradores,
representa para mim a Arte. Sim, a Arte, que mora na mesma rua que a Vida,
porém num lugar diferente, a Arte que alivia da vida sem aliviar de viver, que
é tão monótona como a mesma vida, mas só em lugar diferente. Sim,
esta Rua dos Douradores compreende para mim todo o sentido das
coisas, a solução de todos os enigmas, salvo o existirem enigmas, que
é o que não pode ter solução. (PESSOA, 2019, p.49).

A arte, ou seja, a escrita não serve de evasão nem para a vida cotidiana, nem
para o sonho, mas como o próprio narrador argumenta, ela é que “alivia a vida sem
aliviar de viver”. Adota tanto o escritório como a rua como o sentido de tudo, pois é
sobre os acontecimentos e no seu escritório, que fica na mesma rua, porém em
outro lugar, pois é sobre eles ou neles que escreve. (aqui ficou confuso seu
argumento)
Sendo assim, a tal “figura de livro” citada no fragmento, se torna aquele sendo o
próprio livro, já que é através dele que consegue achar alguma função, dizendo que:
“Sou, em grande parte, a prosa que escrevo”, e após divagar sobre isso, encontramos
dois parágrafos depois, sua declaração de que: “O que sinto é (sem que eu queira)
sentido para escrever o que se sentiu”. Bernardo Soares aceita que sua existência é para
a escrita, suas experiências mesmo do real mundano ou do sonho são para que sirvam
para a sua escrita, que vira então inteiramente ele, numa simbiose para que consiga
continuar vivendo e que o livro também continue sendo escrito. Perfeitamente!

CONCLUSÃO
Como foi analisado, Bernardo Soares está em um estado de insatisfação
constante com a realidade cotidiana pela banalidade das atividades de um ambiente
moderno, da Rua dos Douradores, do Patrão Vasques e da multidão, o que lhe faz
recorrer para algum tipo de evasão, que poderia ser encontrada no sonho, como fizeram
alguns artistas anteriores. Porém, para o ajudante de guarda-livros da cidade de Lisboa,
o sonho também não pode ocasionar uma fuga total da realidade, mas sim criar um
ambiente totalmente particular, de desejo, da intimidade do inconsciente, que serve mais
como uma outra dimensão para sua vida.
Desse desassossego perante com ambosesses inevitáveis ambientes, o mundano
e o onírico, encontra na escrita o modo de extrair os sentimentos deles para então
transformá-los em matéria para sua escrita, fazendo com que ele mesmo se torne
uma “figura de livro”, que tanto vive para escrever como se mantém vivo pela escrita.
Seu ato de escrever une tanto o mundo cotidiano, por estar nele e tratar dele em seus
escritos, como do mundo dos sonhos, pois encontra também na escrita um modo de
transmitir os sentimentos do sonhado e dar aà eles uma nova forma, adquirindo
juntamente aquela característica de particularidade exaltada dos sonhos.
Para concluir, o Livro do Desassossego é a abstração total de Bernardo Soares,
de todas as suas reflexões do reino do real e dos sonhos em seu único modo de encarar
essas duas dimensões, aliviar a vida nelas sem aliviar de viver. Muito bom esse
arremate.
REFERÊNCIAS

BAUDELAIRE, Charles. O Spleen de Paris: Pequenos Poemas em Prosa. Trad.


Alessandro Zir. Porto Alegre: L&PM Editores, 2018, p. 18.

ENGELS, Friedrich. Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. Trad. B.A.


Schumann. São Paulo: Boi Tempo Editorial, 2010, p. 68.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Aquém do Eu, Além do Outro. São Paulo: Martins


Fontes Editora, 1990, p. 47-48.

FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da Lírica Moderna. São Paulo: Livraria Duas Cidades,
1978 p 49.

PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. São Paulo: Princíipios, 2019.

Bom trabalho, Matheus!

Uma boa revisão do seu texto evitaria pequenas incorreções ou falta de clareza em
algumas partes. Só por isso, acabei relativizando um pouquinho a sua nota final.

Nota: 4,7

2,6 + 2,0 + 4,7: 9,3

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