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A Semântica dos Papéis

Temáticos: contribuições para a


descrição das vozes verbais
FLL0440 - SEMÂNTICA (2023)
Profa. Dra. Ana Lúcia de Paula Müller

Ma. Luciana Aparecida Paraguassú Amaral


Introdução Toda sentença é composta de predicado,
estrutura insaturada que pede
(1) a. A Maria caminhava. determinado número de argumentos que
b. O João construiu o muro. lhe saturem o sentido.

(2) a. A Maria quebrou a janela com a bola. Há outras relações em jogo, além das
sintáticas, que dizem respeito aos sentidos
b. A janela quebrou.
entre o verbo e os seus argumentos.
c. A bola quebrou a janela.
O verbo também atribui a esses
(3) a. A Maria acertou a janela. argumentos FUNÇÕES SEMÂNTICAS, as
quais determinam a sintaxe da sentença.
b. * A janela acertou.

“O conhecimento linguístico do falante sobre os verbos (ou predicadores em geral) fornece-lhe


uma lista dessas funções semânticas associadas aos argumentos dos predicadores”
(CANÇADO, 2009, p. 45).
Introdução
Na Gramática... (Cunha e Cintra, 2016)
DA ATITUDE DO SUJEITO

Quando o verbo exprime uma ação, a atitude do sujeito com referência ao processo verbal
pode ser de atividade, de passividade, ou de atividade e passividade.
OBJETO DIRETO – complemento que indica o
Maria levantou o menino. ser para o qual se dirige a ação verbal.
O sujeito Maria executa a ação expressa pela forma verbal levantou. O sujeito é, pois, o AGENTE.
AGENTE DA PASSIVA – designa o ser que
O menino foi levantado por Maria. pratica a ação sofrida ou recebida pelo sujeito.

A ação não é praticada pelo sujeito o menino, mas pelo AGENTE DA PASSIVA – Maria. O sujeito, no
caso, sofre a ação; é dela o PACIENTE.

Maria levantou-se.
A ação é simultaneamente exercida e sofrida pelo sujeito Maria. O sujeito é então, ao mesmo
tempo, o AGENTE e o PACIENTE dela.
Introdução
(4) a. A Maria ganhou um livro. AGENTE?
b. *O livro foi ganhado por Maria.

(5) a. As provas preocupam os alunos. AGENTE?


b. *Os alunos são preocupados pelas provas.
c. Os alunos estão preocupados com as provas.

(6) a. Maria se levantou. AGENTE e PACIENTE?


b. *Maria levantou a si própria.

(7) a. Maria se lavou.


b. Maria lavou a si própria.
Nosso Percurso

1. As vozes verbais nos livros didáticos.

2. As vozes verbais nas Gramáticas de Língua Portuguesa.

3. A descrição linguística dos papéis temáticos.

4. A definição de uma abordagem para os papéis temáticos.

5. Uma proposta de descrição das vozes verbais.


1. As Vozes Verbais
nos Livros Didáticos
1. As Vozes Verbais nos Livros Didáticos
Tecendo Linguagens (Oliveira e Araújo, 2018), editora FTD Educação.
O interacionismo valoriza a bagagem que cada indivíduo traz do seu cotidiano [...].
Pede-se para que o aluno:
(a) Identifique os sujeitos que correspondem a tais formas verbais;
(b) Verifique se tais sujeitos são agentes da ação ou sofrem a ação desses verbos;
(c) defina qual é a transitividade desses verbos nas orações que compõem, verifique se
precisam de complemento e explicitar os respectivos objetos;
(d) explicite a função do pronome que nesse trecho. Dessa forma, caracterizar o
funcionamento da estrutura de uma sentença em voz ativa.

Cada indivíduo traz a bagagem de seu cotidiano.


A bagagem é trazida por cada indivíduo de seu cotidiano.
Pede-se para que o aluno:
(a) identifique os sujeitos de ambas as orações reconstruídas;
(b) questiona-lhe se esses são os mesmos identificados na atividade 1;
(c) questiona-lhe se os sujeitos são agentes ou sofredores da ação expressa pelo verbo, e
pede-se a explicação.
1. As Vozes Verbais nos Livros Didáticos
Tecendo Linguagens (Oliveira e Araújo, 2018), editora FTD Educação.
1. As Vozes Verbais nos Livros Didáticos
Tecendo Linguagens (Oliveira e Araújo, 2018), editora FTD Educação.

Escola e professores [...] levam o aluno ao aprimoramento de suas capacidades intelectuais,


sociais e políticas
a) Qual é o sujeito do verbo na voz ativa levar?;
b) Qual é a transitividade do verbo levar?; Esse verbo precisa de complemento? Qual(is)?;
c) Como ficaria essa oração na voz passiva analítica?;
d) Como ficaria essa oração na voz passiva sintética?;
e) Qual efeito de sentido é produzido quando se passa a oração para a voz passiva?” Voz Reflexiva?
1. As Vozes Verbais nos Livros Didáticos

BNCC Voz Reflexiva?

(EF08LP08) Identificar, em textos lidos ou de produção própria, verbos na


voz ativa e na voz passiva, interpretando os efeitos de sentido de
sujeito ativo e passivo (agente da passiva).

(...)

(EF08LP14) Utilizar, ao produzir texto, recursos de coesão sequencial


(articuladores) e referencial (léxica e pronominal), construções passivas e
impessoais, discurso direto e indireto e outros recursos expressivos
adequados ao gênero textual.

(BRASIL, 2018, p. 191, grifos nossos)


1. As Vozes Verbais nos Livros Didáticos

Português: Conexão e Uso (Delmanto e Carvalho, 2018), editora Saraiva.

“Observe e analise.
[...] lavou-se, vestiu-se [...].
Nessas orações, o sujeito estabelece uma relação de atividade ou de
passividade em relação à ação verbal?”. De acordo com a resposta obtida no
manual do professor, as autoras esperam que o aluno perceba que o sujeito
estabelece ambas as relações de atividade e de passividade em relação à
ação verbal.

Espera-se que o aluno perceba que o sujeito estabelece ambas as relações de atividade e de passividade
em relação à ação verbal.

“Quando a forma verbal se reverte para o próprio sujeito com o auxílio de um pronome e o sujeito é ativo e
passivo simultaneamente, temos a chamada voz reflexiva”.
“Quando a voz reflexiva corresponde a um sujeito composto, é chamada de voz reflexiva recíproca”
2. As Vozes Verbais nas
Gramáticas de Língua
Portuguesa
2. As Vozes Verbais nas Gramáticas de Língua Portuguesa

Cunha e Cintra (2016)- Nova Gramática do Português Contemporâneo


“O VERBO apresenta as variações de NÚMERO, de PESSOA, de MODO, de TEMPO, de ASPECTO e de VOZ”.
O fato expresso pelo verbo pode ser representado de três formas:
a) Como praticado pelo sujeito:
João feriu Pedro. No primeiro caso, diz-se que o verbo está
na VOZ ATIVA; no segundo, na VOZ PASSIVA;
Não vejo rosas neste jardim. no terceiro, na VOZ REFLEXIVA.
b) Como sofrido pelo sujeito: Como se verifica dos exemplos acima,
Pedro foi ferido por João. o objeto direto da VOZ ATIVA corresponde
ao sujeito da VOZ PASSIVA; e, na voz
Não se veem [= são vistas] rosas neste jardim. reflexiva, o objeto direto ou indireto é a
c) Como praticado e sofrido pelo sujeito: mesma pessoa do sujeito. Logo, para que
um verbo admita transformação de voz, é
João feriu-se.
necessário que ele seja TRANSITIVO.
Dei-me pressa em sair.
2. As Vozes Verbais nas Gramáticas de Língua Portuguesa

Cunha e Cintra (2016) - Nova Gramática do Português Contemporâneo


Voz passiva. Exprime-se a VOZ PASSIVA: Voz reflexiva. Exprime-se a voz reflexiva
a) com o VERBO AUXILIAR ser e o PARTICÍPIO do verbo juntando-se às formas verbais da voz ativa os
que se quer conjugar: pronomes oblíquos me, te, nos, vos e se
(singular e plural):
Pedro foi ferido por João. Eu me feri [= a mim mesmo]
a) com o PRONOME APASSIVADOR se e uma terceira Tu te feriste [= a ti mesmo]
pessoa verbal, singular ou plural, em Ele se feriu [= a si mesmo]
concordância com o sujeito:
Nós nos ferimos [= a nós mesmos]
Não se vê [=é vista] uma rosa neste jardim. Vós vos feristes [= a vós mesmos]
Não se veem [são vistas] rosas neste jardim. Eles se feriram [= a si mesmos]

OBS: Além do verbo ser, há outros auxiliares que, combinados


com um particípio, podem formar a voz passiva. Estão nesse Os homens já estavam tocados pela fé.
caso certos verbos que exprimem estado (estar, andar, viver, Ficou atormentado pelo remorso.
etc.), mudança de estado (ficar) e movimento (ir, vir): Os pais vinham acompanhados dos filhos.
2. As Vozes Verbais nas Gramáticas de Língua Portuguesa

Said Ali (1964) – Gramática Secundária da Língua Portuguesa

Chama-se voz média ou medial ao verbo conjugado com o pronome reflexivo.


Emprega-se com significações diferentes:

1) Ação rigorosamente reflexa, que o sujeito em vez de dirigir para algum ente
exterior, pratica sobre si mesmo.
Pedro matou-se.

2) Estado ou condição nova, equivalendo a forma reflexa à combinação de ficar


com particípio do pretérito.
Renato feriu-se nos espinhos [= ficou ferido].
O menino afogou-se no rio [= ficou afogado].
O gelo derreteu-se [= ficou derretido].
Carlos zangou-se com o irmão [= ficou zangado].
2. As Vozes Verbais nas Gramáticas de Língua Portuguesa
Said Ali (1964) – Gramática Secundária da Língua Portuguesa

3) Ato material ou movimento que o sujeito executa em sua própria pessoa,


idêntico ao que executa em cousas ou outras pessoas, sem haver propriamente a
ideia de direção reflexa como no 1° caso.
Afastei-me do fogo [à semelhança de: Afastei a criança, o livro do fogo].
Ele arremessou-se sobre o inimigo [à semelhança de: arremessou uma pedra].
A mãe deitou-se na cama [à semelhança de: deitou a criança na cama].
Sentamo-nos no sofá.

4) Ato em que o sujeito aparece vivamente afetado.


Ufano-me de ser brasileiro.
Todos se queixaram da grave injustiça.
Colombo atreveu-se a empreender viagem tão arriscada.
3. A descrição
linguística dos papéis
temáticos
3. A Descrição Linguística dos Papéis Temáticos
Listagem empregada por Saeed (2003), extraída a Os primeiros autores a estudarem os papéis temáticos adotavam a
partir das propostas de autores como Allan (1986), posição de que consistem em informações primitivas, semânticas,
Fillmore (1968), Givón (1990), Gruber (1976), que um item já traz marcadas em suas informações lexicais.
Jackendoff (1972, 1990), Dowty (1986, 1989, 1991), Normalmente, define-se essas propriedades semânticas através de
Andrews (1985) e Radford (1988). uma listagem de papéis temáticos.

AGENTE: o iniciador de alguma ação, capaz de EXPERIENCIADOR: a entidade que está ciente da ação
agir com vontade. ou do estado descrito pelo predicado, mas que não
está do controle dessa ação/estado.
(1) José cozinhou dois ovos.
(2) O gato saltou para fora da casa. (7) A Lara se sente casada.
(8) A Maria viu a neblina.
PACIENTE: a entidade que sofre o efeito de (9) O menino ouviu o degrau ranger.
alguma ação, muitas vezes passando por alguma
mudança de estado. BENEFICIÁRIO: a entidade para cujo benefício (ou
malefício) a ação foi realizada.
(3) A prefeitura podou as árvores.
(4) O calor derreteu o picolé. (10) A mulher perdeu cem reais.
(11) O chefe pagou o funcionário.
TEMA: a entidade que é movida por uma ação, ou
cuja localização é descrita. INSTRUMENTO: o meio pelo qual uma ação é realizada
ou algo acontece.
(5) Roberto passou a bola.
(6) O livro está na biblioteca. (12) Ela limpou a ferida com um pano antisséptico.
(13) Eles assinaram o contrato com a mesma caneta.
3. A Descrição Linguística dos Papéis Temáticos

LOCATIVO: o lugar em que algo ocorre ou está PERCEPÇÃO: nomeia uma entidade que é percebida
situado. ou experienciada.
(14) O menino estava escondido embaixo da (20) O general inspecionou as tropas.
escada. (22) Aquele moço fantasiado assustou as crianças.
(15) A banda tocou em um iate. DESTINATÁRIO: tipo de alvo envolvido em ações que
ALVO: a entidade para a qual algo se move, descrevem mudanças de posses.
seja literalmente ou metaforicamente. (23) Ele me vendeu a caminhonete.
(16) Sara entregou a CNH para o policial. (24) Ele deixou sua fortuna para a caridade.
(17) Patrícia contou uma história para os seus OBJETO ESTATIVO: entidade ou situação à qual se faz
amigos. referência, sem que esta desencadeie uma ação ou
FONTE: a entidade da qual algo se move, seja seja afetada por uma ação.
literalmente ou metaforicamente: (25) A menina adora o seu brinquedo.
(18) O avião voltou de São Paulo. (26) O moço analisou o documento.
(19) Nós pegamos a ideia de um blog de CAUSA: desencadeador de um ação sem controle.
moda. (27) A ventania destruiu o telhado.
(28) O vestibular angustia os alunos.
3. A Descrição Linguística dos Papéis Temáticos

(29) A mocinha ganhou cem reais. {BENEFICIÁRIO; TEMA} Trata-se tanto da entidade
para cujo benefício a ação
(30) A cozinheira lavou a panela. {AGENTE; PACIENTE} foi realizada, quanto da
entidade para o qual algo se
(31) Eu entreguei para você. {AGENTE; ALVO} move.

(32) A senhora recebeu uma carta. {BENEFICIÁRIO e/ou (?) ALVO; TEMA} Trata-se tanto da entidade
que inicia a ação, com
(33) Um louco pulou da ponte. {AGENTE e/ou (?) TEMA; FONTE} volição, quanto a entidade
movida por uma ação.

Assim, em um primeiro momento, essas A RELEVÂNCIA DO ESTUDO DOS PAPÉIS TEMÁTICOS


noções, por serem muito intuitivas e vagas, Como se estabelece a correspondência dos papéis
foram consideradas muito informais para temáticos da estrutura argumental de um
um tratamento teórico. predicador às posições sintáticas de uma sentença?
3. A Descrição Linguística dos Papéis Temáticos
Em português, o agente é sujeito e o
GRADES TEMÁTICAS – os papéis requeridos pelo verbo paciente é complemento.
Mas por que, quando se vê um evento no
v: {AGENTE, PACIENTE} mundo de um pai arrumando o seu filho,
não se relata esse evento por meio da
v: {AGENTE, TEMA, LOCATIVO} sentença
o filho arrumou o pai ?
(34) O paiAGENTE arrumou o filhoPACIENTE.
Porque, no português, o argumento
agente da ação sempre está associado à
(35) JoãoAGENTE colocou o livroTEMA na prateleiraLOCATIVO. posição de sujeito e, consequentemente,
o paciente à posição de complemento.
v: <AGENTE, TEMA, DESTINATÁRIO> Uma primeira regra teórica de ligação
entre os papéis temáticos e a sintaxe –
(36) BárbaraAG emprestou o dinheiroTEMA para o MiguelDEST regra que é parte de um princípio,
deu denominado
pediu
... Princípio da Hierarquia Temática.
3. A Descrição Linguística dos Papéis Temáticos
O princípio da hierarquia temática organiza os argumentos que compõem os predicados, isto
é, estabelece-se a correlação entre as propriedades semânticas e as posições dos argumentos
sujeito e complemento das sentenças.
É comum que os sujeitos tenham papel de AGENTE, objetos diretos tenham papel de PACIENTES
e TEMAS, e INSTRUMENTOS venham em posição de locução prepositiva.
Contudo, essa estrutura não é obrigatória. Há situações em que isso não ocorre:
(i) quando um dos papéis é simplesmente omitido, fazendo com que a relação gramatical
tenha que reagir a isso; ou
(ii) quando o falante opta por alterar a correspondência entre papel temático e a posição
sintática usual, gerando, em consequência, uma mudança de voz verbal.

(37) O menino quebrou o gelo com um martelo.

(38) O martelo quebrou o gelo.

(39) O gelo foi quebrado / (40) O gelo (se) quebrou.


4. A Definição de uma
abordagem para os Papéis
Temáticos
4. A Definição de uma abordagem para os Papéis Temáticos

(1) x arrumou y.

O verbo arrumar acarreta lexicalmente para os seus argumentos x


e y, respectivamente, as propriedades de ‘ser arrumador’ e ‘ser
arrumado’. Logo, o papel temático individual de x é o “papel de
arrumador” e o papel temático individual de y é o “papel de
arrumado”, somente por sabermos que uma sentença como x
arrumou y é verdadeira.
4. A Definição de uma abordagem para os Papéis Temáticos

(2) A mãe arrumou o armário.


(3) O estudante escreveu um poema.
(4) A cozinheira fez um bolo.

Notamos que os argumentos em posição de sujeito – a mãe, o


estudante e a cozinheira - têm acarretamentos lexicais em comum:
desencadear uma ação, ter intenção de fazer essa ação, ter
controle sobre essa ação, ter animacidade (entre outros).

(CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 88)


4. A Definição de uma abordagem para os Papéis Temáticos

A partir da observação dessas propriedades, Dowty (1991) desenvolve a


noção de “papel temático-tipo”: um conjunto de acarretamentos lexicais
gerais, comuns a todos os papéis temáticos individuais de argumentos de
diferentes verbos.

Dowty (1991) determina que há apenas dois tipos de papéis temáticos


prototípicos: um protoagente – que se liga à posição de sujeito – e um
protopaciente – que se liga à posição de objeto –; cada qual gerando
acarretamentos específicos.
4. A Definição de uma abordagem para os Papéis Temáticos

Segundo Cançado e Amaral (2016), mesmo que que o papel temático de


um argumento possa ser composto por um grupo maior de propriedades,
decorrentes dos acarretamentos lexicais dos predicadores, há apenas
algumas que são de fato relevantes para o estabelecimento do Princípio de
Seleção Argumental:
• ser um desencadeador de um processo,
• ser afetado por um processo e
• ser ou estar em um determinado estado.
resumidamente: DESENCADEADOR, AFETADO e ESTATIVO.
4. A Definição de uma abordagem para os Papéis Temáticos

Princípio de Seleção Argumental


Nível semântico: desencadeador > afetado > estativo
Nível sintático: sujeito > 1º complemento > 2º complemento

(5) a. A Alice desenhou uma flor → desencadeador > afetado


b. Ele analisou o texto → desencadeador > estativo
c. O João ganhou um prêmio → afetado > estativo
d. A Luísa enviou a carta para José → desencadeador > afetado > estativo
4. A Definição de uma abordagem para os Papéis Temáticos

Princípio de Seleção Argumental


Regra de violação da hierarquia: todo argumento cujo papel temático viola a
ordem temática é marcado com uma preposição na posição de adjunção.

(6) a. O policial multou o meu pai.


b. Meu pai foi multado pelo policial.
(7) a. A batida de carro feriu as pessoas.
b. As pessoas se feriram com a batido de carro.
(8) a. Meu pai preocupa toda a família.
b. Toda a família está preocupada com o meu pai.
5. Uma proposta de
abordagem para as Vozes
Verbais
5. Uma proposta de abordagem para as Vozes Verbais

Voz Passiva
(1) a. O moço moveu a geladeira. {DESENCADEADOR, AFETADO}
b. A geladeira foi movida pelo moço.

(2) a. O barulho alto perturba o bebê. {DESENCADEADOR, AFETADO}


b. *O bebê é perturbado pelo barulho alto.
c. O bebê fica/está perturbado com o barulho alto.

CONTROLE
A CAPACIDADE DE SE COMEÇAR OU DE SE INTERROMPER
ALGO VOLUNTARIAMENTE (CANÇADO, 2005).
5. Uma proposta de abordagem para as Vozes Verbais

Voz Passiva
(3) a. O filho recebeu a herança. {AFETADO/CONTROLE, ESTATIVO}
b. A herança foi recebida pelo filho.

(4) a. O menino recebeu uma bronca. {AFETADO, ESTATIVO}


b. *Uma bronca foi recebida pelo filho.
c. *Uma bronca ficou/está recebida com o filho.
5. Uma proposta de abordagem para as Vozes Verbais

Voz passiva eventiva


(5) a. A moça limpou / ajeitou / pintou a casa. {DESENCADEADOR/CONTROLE, AFETADO}
b. A casa foi limpa / ajeitada / pintada pela moça.
(6) a. O casal recebeu / levou / o prêmio. {AFETADO/CONTROLE, ESTATIVO}
b. O prêmio foi recebido / levado pelo casal.

Voz passiva adjetival


(7) a. A ginástica cansou / esgotou / animou o atleta. {DESENCADEADOR, ESTATIVO}
b. *O atleta foi cansado / esgotado / animado pela ginástica.
c. O atleta ficou / está cansado / esgotado / animado com a ginástica.

Estrutura argumental *não passivizável


(8) a. A moça perdeu o emprego. {AFETADO, ESTATIVO}
b. *O emprego foi perdida pela moça.
(9) Entes queridos foram perdidos na pandemia.
(10) Produto com defeito foi ganhado de presente.
(ESTRELA, 2013)
5. Uma proposta de abordagem para as Vozes Verbais

Voz Média
(11) O menino se machucou.

a. O menino machucou a si próprio com uma faca. > Reflexiva


b. O menino se machucou com a brincadeira na areia. > Incoativa

Em (11b), o menino não machucou a si próprio, é apenas envolvido no processo.

o sujeito não é propriamente o agente do processo, mas atua como tal de certa
maneira; que não é propriamente o paciente, mas sofre de certa maneira o efeito do
processo verbal. A denominação média é muito significativa: não é ativa nem
passiva; está no meio, situada entre as duas (...)" (MACAMBIRA, 1978, p. 79).
5. Uma proposta de abordagem para as Vozes Verbais

Voz Média
(12) A Maria se arrumou. REFLEXIVA
= A Maria arrumou a si própria. {DESENCADEADOR/CONTROLE, AFETADO}

(13) O atleta (se) cansou. INCOATIVA


≈ A maratona cansou o atleta. {DESENCADEADOR, AFETADO}

(14) A menina se deitou. QUE DENOTA ATO PRÓPRIO


≠ A mãe deitou a menina (no berço). {DESENCADEADOR/CONTROLE, AFETADO}

(15) O menino se comportou. INERENTE


*Algo comportou o menino.
Atividade

O verbo espalhar, no segundo balão, está em


voz média. Indique o seu tipo e explique.
O verbo espalhar está na voz média incoativa

Atividade - resposta porque “isso pode se espalhar pelo globo” é a versão


incoativa da sentença causativa “pôr isso no grupo pode
espalhar fake news pelo globo”. O verbo atribui
propriedade de papel temático DESENCADEADOR, apenas,
ao argumento pôr isso no grupo, de forma que se fosse
atribuída também a propriedade CONTROLE, não
usaríamos a voz média para expressar tal evento. Por
exemplo, se soubéssemos que determinado fulano
espalhou notícias que são fake news no grupo da
família, não falaríamos algo como “fake news se
espalharam no grupo da família”, posto que essa voz
média implica na existência de causas, apenas.
Atividade
a) O verbo ofender aparece em duas orações, cada qual
em uma voz: na primeira oração, em voz média, e, na
segunda, em voz ativa. Indique, para cada um dos
casos, quais propriedades de papéis temáticos tal
verbo está atribuindo às entidades envolvidas.
b) Identifique o tipo de voz média em que o verbo
ofender se encontra na primeira oração. Explique o
porquê, caracterizando tal tipo de voz média.
a) Na primeira oração, o verbo ofender está em voz
média, atribuindo somente propriedade de papel

Atividade - resposta temático AFETADO ao argumento quem. O pronome


reflexivo “se” não recebe papel temático. Na
segunda oração, o verbo ofender atribui as
propriedades de papel temático: DESENCADEADOR ao
argumento quem se ofende, de forma que ocupa a
posição de sujeito; e AFETADO ao argumento os
outros, que, portanto, ocupa posição de
complemento.
b) O verbo ofender, na primeira oração, está na voz
média incoativa. Quando o verbo está nesse tipo de
voz, o argumento em posição de sujeito recebe
propriedade de papel temático AFETADO.
Trata-se de uma cena do seriado de televisão Todo Mundo
Atividade Odeia o Chris. Examine a sentença depreendida da fala da
senhorita Morello, professora de Chris: “A melhor surra foi
recebida pelo Chris”. Considere o que aprendeu sobre as
propriedades de papéis temáticos e as diferenças entre os tipos de
voz passiva e assinale a alternativa CORRETA:
a) O verbo receber atribui ao argumento Chris propriedade de
DESENCADEADOR.
b) O argumento Chris recebe as propriedades de papel temático
AFETADO e CONTROLE, pois o personagem Chris quis receber o
prêmio pela melhor surra.
c) Trata-se de uma sentença em voz passiva adjetival, pois a “forma
participial” de receber é um adjetivo, não um evento.
d) O argumento Chris recebe somente a propriedade de papel
temático AFETADO, por isso a sentença em questão, em voz
passiva, é estranha.
e) Para que haja licenciamento de sentenças em voz passiva, o
sujeito não deve receber composicionalmente a propriedade
CONTROLE.
Atividade - resposta

ALTERNATIVA D
Referências
AMARAL, Tânia Oliveira; ARAÚJO, Lucy Aparecida Melo. Tecendo Linguagens: Língua Portuguesa: manual do professor – 8º ano. 5. ed.
Barueri-SP: IBEP, 2018.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Língua Portuguesa. Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 2018.

CANÇADO, Márcia; AMARAL, Luana. Introdução à Semântica Lexical: papéis temáticos, aspecto lexical e decomposição de predicados.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.

CANÇADO, Márcia. Posições argumentais e propriedades semânticas. Delta, vol. 21, n. 1, p. 23-56, 2005.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 7. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016.

DOWTY, David. Thematic proto-roles and argument selection. Language, vol. 67, n. 3, p. 547-619, 1991.

ESTRELA, Antónia P. A Aquisição da Estrutura Passiva em Português Europeu. Tese (doutorado em Linguística) – Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 2013.

MACAMBIRA, José Rebouças. Dìatese verbal. Revista de Letras, Fortaleza, v.1, n. 1, 1978, p. 61-83.

SAEED, John. Sentence Semantics 2: Participants. In: Semantics. Blackwell Publishing. 2. ed. p. 148-178, 2003.

SAID ALI, Manuel. Gramática secundária e Gramática histórica da língua portuguesa. 3 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília.,
1964.
OBRIGADA !
(luciana.amaral@usp.br)

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