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POLÍTICA EDUCACIONAL E EDUCAÇÃO FÍSICA


Lino Castellani Filho
Trabalho realizado por: gagaufera2003@yahoo.com.br

Conselho Editorial:
Casemiro dos Reis Filho, Dermeval Saviani,
Gilberta S. de M. Jannuzzi, Walter E. Garcia

Diretor Executivo
Flávio Baldy dos Reis

Diretora Editorial
Gilberta S. de M. Jannuzzi

Diagramação e Composição
Selene Nascimento de Camargo

Revisão
Marcia da Costa Nunes Neto

Capa
Criação
Milton José de Almeida

Arte Final
Selene Nascimento de Camargo

Copyright © 1998 by Editora Autores Associados

EDITORA AUTORES ASSOCIADOS


Caixa Postal 6164 - CEP: 13081-970 - Campinas - SP
Fone/Fax:(019) 289-5930
editora @ autoresassociados.com.br
www.autorosassociados.com.br
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POLÍTICA EDUCACIONAL
E EDUCAÇÃO FÍSICA

Lino Castellani Filho

Coleção Polêmicas do Nosso Tempo


Trabalho realizado por: gagaufera2003@yahoo.com.br

SUMARIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................. 5 
CAPITULO: UM ................................................................................................. 6 
Os Impactos da Reforma Educacional do Governo FHC na Educação
Física Brasileira ................................................................................................ 6 
Antecedentes .................................................................................................. 6 
Novos Tempos, Velhas Concepções ............................................................ 10 
A Educação Física no Ensino superior: o Fim da Obrigatoriedade Anacrônica
...................................................................................................................... 20 
Em Conclusão .............................................................................................. 26 
Bibliografia .................................................................................................... 27 
CAPÍTULO: DOIS ............................................................................................ 29 
Educação Física Escolar: Temos o que Ensinar? Ou Considerações
acerca do Conhecimento (Re)Conhecido pela Educação Física Escolar . 29 
Bibliografia .................................................................................................... 36 
CAPÍTULO: TRÊS ........................................................................................... 37 
Classes de Aceleração: uma Proposta Pedagógica para a Educação Física
......................................................................................................................... 37 
Educação Física e a Cultura Corporal .......................................................... 37 
Reflexões acerca da Metodologia de Ensino ................................................ 41 
Refletindo sobre as Possibilidades de Avaliação.......................................... 43 
Comentando as Referências Bibliográficas .................................................. 45 
Bibliografia .................................................................................................... 47 
CAPÍTULO: QUATRO ..................................................................................... 50 
Do Nhenhenhém à Teoria da Prática ............................................................ 50 
CAPÍTULO: CINCO ......................................................................................... 57 
Teses acerca da Questão da Regulamentação da Profissão ..................... 57 
Bibliografia .................................................................................................... 63 
Sobre o Autor ................................................................................................. 64 
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APRESENTAÇÃO

Quando encaminhei à Autores Associados o projeto do livro que


ora apresento, tinha em mente dar organicidade a um conjunto de artigos
produzidos entre os anos de 1995 e 1997 que, por encontrarem-se dispersos
nas diferentes revistas que os abrigavam, ressentiam-se da ausência de um
ordenamento que resgatasse a percepção da existência de um encadeamento
entre eles. Via, na oportunidade que me estava sendo concedida, a
possibilidade de dar vazão ao movimento articulador das idéias e reflexões
neles contidas, no intuito de expressar a lógica que os animava e os colocava
em sintonia com minha produção teórica anterior.

Movimento...Era ele que, no fundo, queria explicitar...O meu


movimento na dinâmica de elaboração dos textos, sintonizado com o
movimento presente no contexto social no qual o movimento das mudanças na
educação física brasileira era gerado, em sintonia com as mudanças nos
movimentos fomentados em seu interior...

POLÍTICA EDUCACIONAL E EDUCAÇÃO FÍSICA organiza-se em


dois planos: No primeiro deles - o de reflexão em torno do movimento das
mudanças havidas sobre o entendimento da educação física enquanto
disciplina pedagógica e de sua normatização e sistematização no espaço
escolar - os Artigos Educação Física Escolar: Temos o que ensinar? Ou
considerações a respeito do conhecimento (re)conhecido pela Educação Física
Escolar e Classes de Aceleração: Uma proposta pedagógica para a Educação
Física orbitam ao redor do que lhes serve de satélite, qual seja, o Os impactos
da Reforma Educacional do Governo FHC na Educação Física Brasileira. No
segundo plano - o do movimento organizativo dos profissionais da área -
articulam-se outros dois, Do Nhenhenhém à Teoria da Prática e Teses acerca
da questão da Regulamentação da Profissão.

Nas ocasiões em que os utilizei - cursos, seminários, encontros


especiais - fomentaram acalorados debates, gerando e motivando a reflexão
crítica. Por isso entendo que este livro não poderia estar em melhor coleção.
Daí a razão da minha satisfação em estar apresentando-o, momento que
aproveito para agradecer à Autores Associados por esta possibilidade.

Campinas, janeiro de 1998


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CAPITULO: UM

Os Impactos da Reforma Educacional do Governo FHC na


Educação Física Brasileira1

Antecedentes

Há algum tempo, era comum ouvir-se, no interior dos fóruns de


debate dos profissionais de Educação Física, a afirmação - expressa sob a
forma da mais inquestionável verdade - de que a Educação Física deveria ser
contextualizada. Ouvia-se mais. Que a sua não contextualização, somada à
dificuldade de alcançarmos um consenso em torno do seu significado, estava
na raiz do seu não reconhecimento pela sociedade que, por causa disso tudo,
não lhe atribuía importância. Pois bem. Anos se passaram e já em meados
daquela década - estamos falando dos anos 80 - alcançou-se o entendimento
de que não era a Educação Física que não estava contextualizada, mas sim
nós é que não a percebíamos contextualizadamente! E mais, que a sua
legitimação social estava intimamente ligada aos papéis por ela representados
no cenário educacional armado no palco social brasileiro. Papéis, cenário e
palco esses que mudavam de configuração em conformidade com as
mudanças ocorridas no campo sócio-político-econômico que se descortinavam
nos mais distintos momentos históricos.

Assim, já há quase uma década, pudemos nos deter na construção


de uma leitura da Educação Física brasileira2 com a finalidade de - longe da

1
Este texto é parte integrante de estudos voltados para a elaboração de Tese de Doutorado a
ser defendida junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UNICAMP
neste ano de 1998. Sua provisoriedade decorrente dessa situação, poderá comprometer ou
dificultar seu entendimento, pelo que pedimos escusas. Mesmo com as limitações
mencionadas, subsidiou - numa 2ª versão - minha participação em simpósio organizado pela
Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Londrina, em agosto de 1997,
quando proferi palestra sob o tema A EDUCAÇÃO FÍSICA NO CONTEXTO DA NOVA LDB -
título sob o qual foi publicado nos anais daquele evento - como também, numa 1ª versão, a
palestra por mim proferida no X CONBRACE - Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte -
promovido pelo Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte e realizado em outubro daquele ano
em Goiânia, GO, tendo sido publicado às páginas 45 - 60 do volume I dos seus Anais. Este
artigo caracteriza-se como sua 3ª versão, semelhante, porém, não idêntica, às anteriores.
2
Com efeito, em 1988, a Editora Papirus publicou em livro o resultado de meus estudos de
mestrado. Sob o título Educação Física no Brasil: A História que não Se Conta, o trabalho —
hoje em sua 4ª edição, vem servindo de referência para os profissionais e pesquisadores da
área. Recentemente (outubro/96), o Professor Amarílio Ferreira Neto organizou uma coletânea
intitulada Pesquisa Histórica na Educação Física Brasileira, publicada pela editora da
Universidade Federal do Espírito Santo, que traz um artigo de sua autoria (O Contexto de
Produção de "Educação Física no Brasil: A História que não se conta") retratando — ao me
entrevistar — o processo de elaboração/construção do livro em questão. Anteriormente, o
Professor Vitor Marinho de Oliveira, em sua tese de Doutorado depois transformada em livro
pela mesma Editora Papirus, já havia se detido na análise de um Artigo de minha autoria
denominado "A (Des)Caracterização Profissional-Filosófica da Educação Física", por mim
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intenção de nos colocarmos como historiadores da área - nos


instrumentalizarmos para a tarefa que desafiava a todos que não se
conformavam com a maneira dela se vincular aos projetos políticos nacionais,
de construir uma nova Educação Física, embora lá, menos do que aqui, agora,
não soubéssemos exatamente como ela deveria ser. A frase "Caminhante! Não
há caminho. O caminho se faz ao andar” embalava nossa ação numa época
em que ter utopia não era motivo de escárnio.

Quando hoje nos deparamos com o consignado no parágrafo 3° do


artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, recentemente
aprovada, sentimos na pele o quanto se faz necessário ler o texto no contexto
e buscar saber das linhas aquilo dito nas entrelinhas. Isso porque o ali
enunciado pouco elucida sobre a motivação dos legisladores como também
não permite a compreensão dos interesses que estiveram em jogo ao longo do
processo de sua elaboração, nem tampouco a forma como se traduziu a
correlação de forças entre os setores existentes no interior da área.

Como sabemos, a Educação Física esteve contemplada na primeira


Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei n° 4.024 de 20 de
dezembro de 1961 em seu artigo 223. Os motivos justificadores do tratamento
por ela recebido já estavam presentes há três décadas. Basicamente,
centravam-se no processo de industrialização do modelo econômico brasileiro,
em substituição ao agrário de índole comercial-exportadora implementado nos
anos 30, e apoiavam-se na necessidade da capacitação física do trabalhador
ao lado daquela de natureza técnica. A necessidade do adestramento físico—
era esse o termo utilizado pela Carta Magna do Estado Novo4 — estava
associada à formatação de um corpo produtivo, portanto forte e saudável, que
fosse ao mesmo tempo dócil o bastante para submeter-se à lógica do trabalho
fabril sem questioná-la, portanto obediente e disciplinado nos padrões
hierárquicos da instituição militar. A extensão da obrigatoriedade de sua prática
— sim, dela, pois não se cogitava de uma Educação Física que não se
subordinasse ao eixo paradigmático da aptidão física e que não centrasse sua
ação pedagógica, na atividade física — até o limite de dezoito anos de idade —

publicado, em 1983, na Revista do CBCE ( Vol.4(3), set/83), que mereceu sua atenção por ter
sido um dos dez mais lidos — conforme levantamento por ele efetuado —, dos produzidos no
decorrer dos anos 80 e que trazia os primeiros alinhavos de uma leitura da história da
Educação Física que se diferenciava daquelas até então formuladas.
3
"Será obrigatória a prática da Educação Física nos cursos primários e médio até a idade de
18 anos".
4
A Lei Constitucional n° 01 da Constituição dos Estados Unidos de Brasil, promulgada em 10
de novembro de 1937, trazia em seus artigos 131 e 132, respectivamente, que 'A Educação
Física, o Ensino Cívico e os Trabalhos Manuais, serão obrigatórios em todas as escolas
primárias, normais e secundárias, não podendo nenhuma escola de qualquer desses graus ser
autorizada ou reconhecida sem que satisfaça àquela exigência" e "O Estado fundará
instituições ou dará o seu auxílio e proteção às fundadas por associações civis, tendo umas e
outras por fim, organizar para a juventude, períodos de trabalho anual nos campos e oficinas,
assim como promover-lhes a disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a prepará-la
ao cumprimento dos seus deveres para com a economia e a defesa da nação"
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três a menos do que o estabelecido pela Reforma Capanema5 nos anos 40 —,


justificava-se pela compreensão de ser essa a idade na qual se dava o término
do processo de instrução escolar e o subseqüente ingresso no mercado de
trabalho, cabendo a esse último os cuidados com a manutenção da
capacitação física do não mais educando e sim trabalhador.

Dez anos depois, a reforma educacional do ensino de 1º e 2º graus


— traduzida na Lei n° 5.692 de 11 de agosto de 1971 —, ao reportar-se à
Educação Física em seu artigo 7ª6, deixava de fazer referência ao limite de
idade de obrigatoriedade de sua prática — sim, dela, pois, mais do que nunca,
ela continuava presa ao seu velho paradigma —, optando por regulamentar a
questão através de outro mecanismo. Com efeito, naquele mesmo ano de 1971
(1º de novembro), a promulgação do Decreto n° 69.450, regulamentador da
Educação Física nos três níveis de ensino7, aludia nos quatro incisos de seu
artigo 6º às condições outras que facultavam ao aluno a prática da Educação
Física8. A sua lógica interna mostrava-se coerente com o raciocínio descrito,
senão vejamos:

a) Facultá-la àquele aluno que comprovadamente trabalhasse mais


de seis horas/dia e estudasse à noite — condição logo estendida a todos que
atestassem o vínculo empregatício, independentemente do turno em que
viessem a estudar —, reforçava a lógica de que, estando o aluno já integrado
ao mercado de trabalho, caberia a esse — e não à escola — a
responsabilidade pela capacitação, manutenção e reprodução de sua força de
trabalho. Tanto é verdade que, alguns meses antes da promulgação desse
Decreto (1º de junho de 1971), o Presidente da República fez publicar a Lei
n°5.664 que, nos termos abaixo descritos, acrescenta parágrafo único ao
Decreto-lei n°705 de 25 de julho de 1969: "Os cursos noturnos podem ser
dispensados da prática da Educação Física". Primeiro, então, faculta-se aos
estabelecimentos de ensino a possibilidade da oferta da Educação Física em
seus cursos noturnos subentendendo-se que neles estudam

5
Denominou-se de Reforma Capanema a um conjunto de Decretos-lei que, a partir de 1942 e
até 1946, objetivaram a regulamentação do preceituado no Artigo 129 da Constituição
estadonovista.
6
"Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística
e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus,
observado, quanto à primeira, o disposto no Decreto-lei n° 869, de 12 de setembro de 1969".
7
Em 25 de julho de 1969, o Decreto-lei n° 705 alterava a redação do artigo 22 da Lei n°
4.024/61, dando-lhe a seguinte redação: Artigo I ° - "Será obrigatória a prática da Educação
Física em todos os níveis e ramos de escolarização, com predominância desportiva no ensino
superior". As possíveis razões para tal normatização são por mim analisadas no livro já
mencionado (pp. 117 - 122), e serão retomadas mais adiante, quando da reflexão acerca da
educação física no 3º grau.
8
Decreto n°69.450, Artigo 6 - "Em qualquer nível de todos os sistemas de ensino, é facultativa
a participação nas atividades físicas programadas: a) aos alunos do curso noturno que
comprovarem, mediante carteira profissional ou funcional, devidamente assinada, exercer
emprego remunerado em jornada igual ou superior a seis horas: b) aos alunos maiores de
trinta anos de idade; c) aos alunos que estiverem prestando serviço militar na tropa, d) aos
alunos amparados pelo Decreto-lei n° 1.044 de 21 de outubro de 1969, mediante laudo do
médico assistente do estabelecimento".
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alunos/trabalhadores; depois estende-se a possibilidade de optar por cursá-la,


aos próprios alunos/ trabalhadores desses (e, como vimos, dos demais) cursos!
Nesse particular, nos parece equivocada a compreensão manifestada pelos
professores Estáquia Salvadora de Sousa e Tarcísio Mauro Vago no Artigo O
Ensino de Educação Física em face da Nova LDB (1997), por eles assinado.
Ao afirmarem, em uma passagem do texto, que a Educação Física "sem a
obrigatoriedade que a antiga lei determinava também para esses cursos... "(p.
127), "passa a ser facultativa nos cursos noturnos" (p. 125), nos levam a supor
que desconheciam a existência da lei acima aventada9;

b) Facultá-la ao aluno com mais de 30 anos de idade, expressava a


compreensão de que, a essa altura da vida, ele (sim, ele, homem e não a
mulher, pelos motivos que veremos logo adiante) já estaria, na condição de
arrimo de família ou prestes a sê-lo, vinculado ao mercado de trabalho,
cabendo a esse, como já dissemos, tomar as devidas providências para a
manutenção e, quando necessário, recuperação da aptidão física de seu
funcionário;

c) Facultá-la ao aluno que estivesse prestando serviço militar na


tropa, correspondia ao entendimento da similitude existente entre o trabalho
corporal levado a efeito nas Forças Armadas e aquele outro das aulas
escolares de Educação Física;

d) Facultá-la, por fim, ao aluno que estivesse fisicamente


incapacitado, confirmava a tese de que ela só se justificava pela centralização
exclusiva de sua ação pedagógica, na atividade física isenta da necessidade
de ser pensada, refletida, teorizada. 10

Seis anos mais tarde, a essas quatro alíneas se juntaram outras


duas, através da Lein°6.503 de 13 de dezembro de 1977. A primeira (e) a
facultava ao aluno de pós-graduação. Também aqui o raciocínio não deixava
dúvidas: estudos de pós-graduação tinham íntima relação com trabalho
intelectual, o que afastava a necessidade da capacitação física para o exercício
profissional. A segunda e última (f), dizia respeito a tornar facultativo a prática
da Educação Física à mulher com prole, numa clara alusão à compreensão de
que a ela —e tão somente a ela — cabia o cuidar dos filhos, já que ao esposo
era destinado a responsabilidade de prover o sustento do lar.

9
Em outra passagem do Artigo (p. 133), Eustáquia e Tarcísio constroem um entendimento de
que o artigo 6 do Decreto n° 69.450/71 excluía alunos das aulas de educação física, ao prever
que determinados alunos "fossem dispensados das aulas...". Chamo a atenção para o fato de
que a dispensa da aula era prerrogativa do aluno e não da escola o que, a meu ver,
desautoriza a leitura feita pelos autores.
10
A exarcebação da relação da educação física com a questão da aptidão física — ou no dizer
de Alcir Lenharo em seu Sacralização da Política (1986), com o "aprimoramento eugênico
incorporado à raça”— pode ser percebido pelo teor do artigo 27, letra b do Decreto n° 21.241 e
no item 10 da Portaria n° 13, de 16 de fevereiro de 1938, do Ministério da Educação e da
Saúde, que estabeleciam a proibição de matrícula nos estabelecimentos de ensino secundário
"de alunos cujo estado patológico os impeçam permanentemente da freqüência às aulas de
educação física".
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Novos Tempos, Velhas Concepções

Não obstante as mudanças ocorridas no interior da Educação Física


brasileira — processadas em concomitância com as presentes no tecido social
brasileiro e obviamente por elas determinadas —, assinaladas em vários textos
acadêmicos e registradas na configuração de distintas concepções
pedagógicas dotadas de fortes elementos superadores do eixo paradigmático
que a caracterizava, não foram elas consideradas pelos parlamentares ao final
do processo de tramitação, no Congresso Nacional, da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional que. viria substituir a de n° 4.024/61 e as que lhe
reformaram (Leis nOs5.540/68 e 5.692/71) por força da necessidade da
regulamentação do Capítulo sobre Educação da Carta Magna de 5 de outubro
de 1988, batizada pelo então Deputado Federal pelo PMDB, Ulisses
Guimarães, de Constituição Cidadã.

Em sua primeira versão — aquela apresentada à Câmara dos


Deputados, em dezembro de 1988, pelo Deputado Octávio Elísio —, não havia
menção à obrigatoriedade da Educação Física, trazendo seus artigos 33, 37 e
46 (pertinentes, respectivamente, à educação escolar de 1º , 2º e 3º Graus), a
explicitação de que os currículos das escolas de 1º grau abrangeriam
"obrigatoriamente, o estudo da língua nacional, matemática, ciências naturais e
ciências sociais"; os de 2º grau abrangeriam “obrigatoriamente, além da língua
nacional, o estudo teórico-prático das ciências e da matemática, em íntima
vinculação com o trabalho produtivo” e que, quanto ao 3°Grau, caberia ao
Conselho Federal de Educação "fixar o currículo mínimo e a duração mínima
dos cursos superiores correspondentes a profissões reguladas em lei".

Em sua segunda formatação — Substitutivo Jorge Hage, aprovado


em junho/90 —, a primeira já reflexo da correlação de forças que se instaura no
Congresso em torno do tema11, ela é mencionada textualmente no artigo 36,
trazendo em si resquícios da influência bio-psicologizante que a marcou
notadamente a partir da segunda metade dos anos 70: "A Educação Física,
integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular
obrigatório na Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições
da população escolar, de modo a contribuir para o desenvolvimento do
organismo e da personalidade do educando".

11
Segundo o Deputado Jorge Hage, iniciou-se em março de 1989 “o que talvez tenha sido o
mais democrático e aberto método de elaboração de uma lei de que se tem noticia no
Congresso Nacional”. De acordo com Saviani (p.57) — de onde extraímos a passagem acima
— "importa considerar que diferentemente da tradição brasileira em que as reformas
educacionais resultam de projetos invariavelmente de iniciativa do Poder Executivo, neste caso
a iniciativa se deu no âmbito do Legislativo e através de um projeto gestado no interior da
comunidade educacional (que) manteve-se mobilizada através do Fórum em Defesa da Escola
Pública na LDB", o qual reunia aproximadamente 30 entidades de âmbito nacional, dentre as
quais vamos encontrar o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, CBCE, e a Federação
Brasileira de Associações de Profissionais de Educação Física, FBAPEF. Os volumes 10(3) e I
1(1) da Revista Brasileira de Ciências do Esporte trazem, por sua vez, os relatórios —
elaborados pela professora Carmen Lúcia Soares, então assessora do CBCE para assuntos da
LDB — acerca do envolvimento do CBCE com a questão.
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Também é nesse Substitutivo que aparece, em seu artigo 37, inciso


I, — por conta da forte influência de setores da Educação Física vinculados à
órbita do Conselho Nacional do Desporto, CND, e da Secretaria da Educação
Física e do Desporto do Ministério da Educação, SEED/MEC, nos tempos da
Nova República, presidido o primeiro pelo Professor Manoel Gomes Tubino,
que também assumiu a Secretaria ao final do governo Sarney — referências ao
esporte escolar e às práticas esportivas não formais, da maneira já
consubstanciada em documento elaborado em 1985 por uma comissão
especial, por ele coordenada, constituída pelo então Ministro da Educação,
Marco Maciel, com a finalidade de traçar rumos para o Esporte Nacional12. Em
plena consonância com o indicado naquele Relatório, o CND— em maio de
1989 — dá publicidade à Recomendação CND n° 01, que "Recomenda a
inclusão de dispositivos que tratem da Educação Física e do Esporte
Educacional nos termos relativos à legislação da Educação". Após 12
considerandos, recomenda aos Congressistas, na elaboração da Nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, adotarem o seguinte conceito de Desporto
Educacional:

O Desporto Educacional, serviço público assegurado pelo Estado,


dentro e fora da Escola, tem como finalidade democratizar e gerar
cultura, através de modalidades motrizes de expressão da
personalidade do indivíduo em ação, desenvolvendo este indivíduo,
numa estrutura de relações sociais recíprocas e com a natureza, a
sua formação corporal e as próprias potencialidades, preparando-o
para o lazer e o exercício crítico da cidadania, evitando a seletividade,
a segregação social e a hipercompetitividade, com vistas a uma
sociedade livremente organizada, cooperativa e solidária.

Em seguida à conceituação do desporto educacional, propõem a


inclusão na LDB dos seguintes dispositivos, sob a forma de artigos:

Art. 1º) A Educação Física, como componente indissociável da


Educação, integrará o núcleo comum obrigatório de âmbito nacional,
dos currículos do ensino fundamental e médio.
Parágrafo único - Os sistemas de ensino fixarão os objetivos da
Educação Física ajustados às necessidades biopsico-sociais de cada
faixa etária da população escolar, através da prescrição do
desenvolvimento de condutas motrizes ligadas à expressão da
personalidade; 2) As práticas desportivas formais e não formais,
direito de cada um e dever do Estado, serão ofertados no ensino
fundamental, no ensino médio e em todos os cursos superiores; 3) Ao
desporto educacional serão destinados prioritariamente os recursos
do Ministério da Educação para o desporto.
Parágrafo único - O desporto educacional, será entendido como
aquela manifestação desportiva que evitando a seletividade e a
hipercompetitividade de seus praticantes, ocorre na Escola e em
outros ambientes, tendo como finalidade a formação para a
cidadania". O artigo 37 do Substitutivo Jorge Hage diz, então, que "os
sistemas de ensino promoverão, em todos os níveis, (I) o desporto

12
Constituída em 1985 pelo então Ministro da Educação, Marco Maciel, foi responsável pela
elaboração do documento Uma nova Política para o Desporto Brasileiro: Esporte Brasileiro -
Questão de Estado. Relatório Conclusivo. Esse Documento, publicado pela SEED/MEC em
dezembro daquele ano, traz em si os princípios conceituais sustentadores daquilo que ficou
configurado na Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 217, no concernente ao
Desporto.
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educacional e as práticas desportivas não formais, tendo como


objetivo a formação integral para a cidadania e o lazer, evitadas as
características de seletividade e competitividade de outras
manifestações desportivas"13.

Quanto à presença da Educação Física no Ensino Superior,


subentende-se que sua obrigatoriedade, definida por Decreto-lei em 1969,
deixaria de existir, já que caberia às Instituições, de posse da autonomia
didático-científica estabelecida nos incisos I a IX do parágrafo primeiro do
artigo 77, observado o caput do mesmo, "criar, organizar, alterar e extinguir
cursos, habilitações e programas de ensino, pesquisa e extensão"'(III) e "definir
os currículos dos seus cursos, observadas as diretrizes gerais do Conselho
Nacional de Educação" (IV).

Na versão que sucedeu à do Substitutivo Jorge Hage — construída


sob a relatoria, na Comissão de Educação, da Deputada Angela Amin
(PDS/SC), já mediada por uma nova correlação de forças ainda mais
desfavorável que a anterior, dada a natureza conservadora tomada pelo
Congresso Nacional a partir das eleições de 1990 para a legislatura iniciada em
fevereiro de 199114 — vamos encontrar, também no referente à Educação
Física, uma construção de texto que alterava para pior o presente até então.

Nessa versão, aprovada na Câmara dos Deputados em 13 de maio


de 1993 sob o n° 1.258B/88, estava presente uma redação que trazia
implicitamente a idéia da associação da Educação Física com a questão da
capacitação física. Expressava o artigo 34 daquele Projeto de Lei que "A

13
A Constituição brasileira de 05/10/88 trata, em seu artigo 217, do Desporto. Então, a
expressão Esporte é errada? Possuí outro significado? João Lyra Filho (mentor intelectual do
decreto-lei n° 3.199/ 41), logo após o prefácio do Professor Gilberto de Macedo à 3ª edição
(1974) de seu Livro Introdução à Sociologia dos Desportos e antes do Preâmbulo, nos
apresenta as seguintes considerações sobre o assunto: "Desporto, Sport ou Esporte? Pedi
uma resposta ao saudoso mestre Antenor Nascentes, que se manifestou assim: — ' Nem
desporto nem sport, esporte. Desporto é um arcaísmo que Coelho Neto procurou reviver
quando se criou a respectiva Confederação. Coelho Neto era muito amante de neologismos.
Haja vista o paredro. A palavra inglesa há muito tempo está aportuguesada e bem
aportuguesada; é usada por toda a gente. Devemos usar a linguagem de todos, para não nos
singularizarmos. Não está de acordo?' Respondi-lhe, com a vénia devida, que permaneço na
dúvida. Não desconheço a influência do gosto popular e estimo deveras as dominantes da
literatura oral. Mas indo às origens do nosso vernáculo, identifico o uso da palavra desporto
nas letras e na boca de Portugal. Não só os quinhentistas, inclusive Sá de Miranda,
empregavam desporto. Não tem havido outra opção no escrever e no falar dos portugueses. A
palavra desport já era de uso no francês antigo, significando prazer, descanso, espairecimento,
recreio; com este sentido, figura em poesias de Chaucer. Os ingleses a tomaram por
empréstimo, convertendo-a, depois, no vocábulo sport. Uma nova razão faz-me permanecer
adepto do vocábulo arcaico: ele foi atraído à própria Constituição desta nossa República
Federativa. O artigo 8º , sobre a competência da União, dispõe na alínea q do item XVII:
'legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional; normas gerais sobre desportos Não
desejo ser denunciado como infrator da nossa Carta Magna...Mas a denúncia pode prosperar,
com mudança de acusado, pois não são raras, na legislação do país, as vezes em que os
autores dos respectivos textos oficializam o vocábulo esporte." Com todo respeito a João Lyra
Filho, eu fico com Esporte!
14
Saem de cena parlamentares que representaram papéis centrais na peça entabulada: Jorge
Hage (PTD/BA), Octávio Elísio (PSDB/ MG), Hermes Zanetti (PSDB/RS), Carlos Sant’Anna
(PMDB/BA), Lídic da Mata (PCdoB/BA, à época), Gumercindo Milhomem (PT/SP).
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Educação Física, integrada à proposta pedagógica da Escola, é componente


curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições
da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos", reproduzindo
dessa forma o preceituado na Lei n° 5.664/71 que acrescenta parágrafo único
ao artigo I do Decreto-lei n° 705/69, já aqui comentado.

Ao ser encaminhado para o Senado, o Projeto de lei n° 1.258B/88


passa a ser identificado como PLC n° 101/ 93, tendo como seu relator, na
Comissão de Educação, o Senador Cid Sabóia (PMDB/CE) que, em 12 de
dezembro de 1994, encaminha um novo Substitutivo — consubstanciado no
Parecer n°250/94, previamente aprovado na Comissão de Educação, em 30 de
novembro — para votação em Plenário, fato esse que acabou não ocorrendo,
por conta de manobra regimental.

No que tange à Educação Física, o Senador Cid Sabóia afasta-se da


redação presente no texto originário da Câmara dos Deputados como também
daquela formulada pelo Senador Darcy Ribeiro, expressa da seguinte maneira
no Projeto de Lei do Senado n°67 por ele apresentado naquela Casa em 1992,
quando de sua primeira e frustrada tentativa de atropelar o Projeto de lei
originado na Câmara:

Artigo 26 (...) Parágrafo primeiro - A Educação Física, integrada à


proposta pedagógica da escola, é atividade obrigatória no ensino
fundamental e médio, sendo oferecidas progressivamente
oportunidades apropriadas para alunos excepcionais.

Se tal redação prevalecesse, voltaria a Educação Física a ter a


conotação de atividade curricular, certamente de acordo com o sentido dado ao
termo pelo Conselho Federal de Educação em 1971, através do Parecer n° 853
e da Resolução n° 815. Segundo expressão utilizada pelo Conselheiro Valnir
Chagas, relator do Parecer em apreço, "nas atividades, as aprendizagens
desenvolver-se-ão antes sobre experiências colhidas em situações concretas
do que pela apresentação sistemática dos conhecimentos", entendimento esse
que me levou a dizer que:

a compreensão da Educação Física, enquanto matéria curricular


incorporada aos currículos sob a forma de atividade — ação não
expressiva de uma reflexão teórica, caracterizando-se dessa forma
no 'fazer pelo fazer' —, explica e acaba por justificar sua presença na
instituição escolar (...) enquanto uma mera experiência limitada em si
mesma, destituída do exercício da sistematização e compreensão do
conhecimento, existente apenas empiricamente. Como tal, faz por
reforçar a percepção da Educação Física acoplada, mecanicamente,
à educação do físico, pautada numa compreensão de saúde de
índole bio-fisiológica, distante daquela observada pela Organização
Mundial da Saúde, compreensão essa sustentadora do preceituado
no parágrafo primeiro do artigo 3 do Decreto n°69.450/7l, que diz
constituir a aptidão física "a referência fundamental para orientar o

15
Essa Resolução traduz, no caput do artigo 4, a forma como as matérias curriculares
deveriam ser escalonadas nos currículos plenos de 1° e 2º graus, tratando em seus parágrafos
1º , 2º e 3º de definir obtermos Atividades, Áreas de Estudo e Disciplinas.
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planejamento, controle e avaliação da Educação física, desportiva e


recreativa, no nível dos estabelecimentos de ensino" 16.

Ao desvincular-se das redações acima referidas, o Senador Cid


Sabóia, no parágrafo 1º , do artigo 30, de seu Substitutivo, restitui à Educação
Física sua condição de componente curricular, dando-nos a impressão de
perceber a importância de sua inserção para além de seus atributos de
capacitadora física dos educandos:

São também componentes curriculares obrigatórios do ensino


fundamental e médio o estudo da arte, a Educação Física e, a partir
da 5ª série do ensino fundamental, o estudo de pelo menos uma
língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da
comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição.

No parágrafo 3° daquele mesmo artigo, reporta-se ao desporto


educacional é à prática desportiva não formal, dizendo caber aos sistemas
educacionais a promoção do primeiro e o apoio à segunda. Todavia, tal
impressão em parte se desfaz quando, no capítulo XI— Da Educação Básica
de Jovens e Adultos trabalhadores— nos deparamos com o dispositivo da
facultatividade da matrícula em Educação Física, no período noturno, expressa
no inciso V do parágrafo único do artigo 47.

No entanto, antes mesmo que maiores gestões fossem entabuladas


no intuito de alterar-se a redação dos pontos do PLCn° 101/93 que tratava da
Educação Física, os olhares foram dele retirados e voltados para a nova
investida do Senador Darcy Ribeiro que, em 21 de março de 1995, vê aprovado
na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania seu Parecer (75/95), onde
aponta vícios de inconstitucionalidade tanto no Projeto de lei, com origem na
Câmara, como no elaborado pelo Senador Cid Sabóia. Nesse Parecer, em seu
artigo 25, parágrafo único, Darcy Ribeiro retoma a redação sobre a Educação
Física formulada em seu PLS 67/92.

Dando continuidade à estratégia da base parlamentar governista


urdida em manobra regimental que contou com a importante participação do
Senador Beni Veras, Darcy Ribeiro, dá encaminhamento, a partir de seu
Parecer, a um Substitutivo que, após diversas modificações realizadas com o
propósito de diminuir as resistências que pairavam sobre ele, é aprovado pelo
Senado, em 8 de fevereiro de 1996, configurando-se o espectro de uma vitória
certamente obtida por conta do novo tom político delineado a partir da eleição
de Fernando Henrique Cardoso, acirrador do perfil conservador do legislativo
nacional francamente favorável às iniciativas neoliberais privatistas do governo
que se iniciava. Em seu Substitutivo, Darcy Ribeiro refere-se à Educação Física
no parágrafo primeiro do artigo 24. A maneira como o faz — "Os currículos
valorizarão as artes e a Educação Física de forma a promover o
desenvolvimento físico e cultural dos alunos"— causou espécie entre os
profissionais da área. O Professor da Universidade Federal de Uberlândia,

16
In Educação Física no Brasil: a história que não se conta (1994, pp. 108 - 109). Também
referi-me ao assunto no livro Educação Física: Diretrizes Gerais para o Ensino de 2º Grau:
Núcleo Comum (1988,1 e no Artigo Pelos Meandros da Educação Física (1993).
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Apolônio Abadio do Carmo, manifesta veementemente sua contrariedade num


artigo denominado Congresso Nacional e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira: a arte da inflexão (1996)17. Nele, afirma que Darcy
Ribeiro,

ao colocar de forma descomprometida a exigência curricular destes


conhecimentos (...) desconsiderou toda a história de como os
currículos são organizados em nosso 'sistema' educacional, (onde) os
curriculistas, pressionados pelos planejadores e economistas,
trabalham sempre com propostas que possibilitem tanto aos Estados
e Municípios, quanto aos dirigentes de instituições privadas, o
máximo de economia possível em cada grade curricular.

"Manter o texto como está é o mesmo que decretar a extinção


desses conteúdos dos currículos do ensino fundamental e médio", atesta ainda
o mesmo professor, demostrando perplexidade pela contradição presente, em
sua opinião, entre o previsto nesse parágrafo primeiro e o previsto no inciso IV
do artigo 2518, que traduz, como uma das diretrizes dos conteúdos curriculares
da Educação Básica, "a promoção do desporto educacional e apoio às práticas
desportivas não-formais".

Essa questão, pois, a nosso ver, revela-se contraditória somente em


sua aparência, senão vejamos: a referência à Educação Física presente no
Substitutivo Darcy Ribeiro estabelecia, de fato, a sua retirada da base nacional
comum dos currículos do Ensino Fundamental e Médio, vinculando sua
permanência no currículo pleno à parte diversificada que, por sua vez, — e
ainda de conformidade com o caput do artigo 2419 — seria composta pelas
exigências próprias às "características regionais e locais da sociedade, da
cultura, da economia e da clientela".

Tal enunciado, contudo, longe de opor-se àquele contido no artigo


25, inciso IV, aqui já mencionado, revela-se parte indissociável dele. Para que
assim entendamos, faz-se necessário nos referirmos à existência da Lei n°
8.946 de 05 de dezembro de 1994, que cria o Sistema Educacional Desportivo
Brasileiro integrado ao Sistema Brasileiro de Desporto. Tendo como objetivo
propalado o "desenvolvimento integral do educando e a sua formação para
a cidadania e o lazer" a ser alcançado através "do sistema de ensino e de
formas assistemáticas de educação"— conforme dita o seu artigo 2—, sua
subordinação aos fins últimos do Sistema Esportivo Nacional materializa-se,
todavia, como seu objetivo real, praticamente em todo o corpo do texto legal,

17
O mencionado professor já havia se manifestado sobre a questão da LDB em Artigo
denominado Educação Física e a nova Lei de Diretrizes e Bases: Subsídios para a Discussão
(1988)
18
Artigo 25 - "Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes
diretrizes: IV - promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não-formais".
19
19 Artigo 24 - "Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional
comum a ser complementada pelos demais conteúdos curriculares especificados nesta Lei e,
em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada exigida
pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela".
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configurando o que já foi denominado por estudiosos do assunto de Esporte na


Escola e não da Escola20.

Estruturada em 13 artigos e 2 parágrafos, a Lei n°8.946/ 94, já no


seu artigo 1°obriga o Ministério da Educação a incluir o Sistema Educacional
Desportivo Brasileiro na elaboração do Plano Nacional do Desporto, na forma
do parágrafo 3° do artigo 4 da Lei n° 8.672/93, — a lei Zico, que fixa Diretrizes
e bases para a organização do desporto nacional. Dentre os programas
organizados — preceitua o artigo 5° — "será obrigatória a realização anual de
Olimpíadas estudantis em âmbito nacional, nas diversas modalidades
desportivas que compõem o sistema federal", das quais — segundo o artigo 6º
- somente poderá participar o aluno que "comprovar rendimento e freqüência
escolar satisfatórios". As referidas olimpíadas terão — de acordo com o artigo
7º - "etapas classificatórias em âmbito municipal e estadual", sendo que -
conforme seu parágrafo 1º — "os resultados das olimpíadas municipais
servirão de base para a escolha das seleções que disputarão as olimpíadas
estaduais, e o resultado destas, para a escolha das que concorrerão em âmbito
nacional", e — reza seu parágrafo 2° — "os ganhadores da olimpíada nacional
credenciar-se-ão para a formação das seleções que representarão o Brasil em
olimpíadas estudantis internacionais”.

Em artigo denominado Esportes nas Escolas e Olimpíadas, o então


Deputado Federal por Rio Grande do Sul, Victor Faccioni— autor do Projeto de
Lei n° 1.377/91 depois transformado na lei acima citada — eufórico com a sua
aprovação no Senado e certo da sanção presidencial a ele, comentando a
importância do que estaria prestes a se concretizar afirma:

prática de esportes exerce uma influência muito forte no


desenvolvimento físico e psicológico da criança e do jovem, além de
oportunizar alívio para frustrações e agressividade, afastar das
drogas e estimular a participação e o desenvolvimento de hábitos de
disciplina, camaradagem, espírito de equipe, fraternidade e
solidariedade num ambiente positivamente competitivo, sendo
inclusive, fator de orgulho cívico. Pelo meu projeto— acrescenta — as
Olimpíadas preparadas desde as escolas — uma prática largamente
difundida nos Estados Unidos — serão um meio de incentivarmos a
prática do esporte amador e o preparo de atletas com vistas às
olimpíadas internacionais.

Em última instância, temos a possibilidade de entender que a


exclusão curricular da Educação Física, pela sua não obrigatoriedade, abriria a
porta — agora oficialmente, pois oficiosamente ela já se encontra escancarada
há muito tempo — para a promoção do esporte na escola que, por caracterizar-
se como atividade extra-curricular, permitiria a cobrança, por parte da
instituição, de uma taxa/mensalidade daqueles alunos que dela desejassem
participar, ou então a busca de parceria para a sua concretização na escola.
Com os recursos daí advindos o estabelecimento educacional poderia contratar

20
Valter Bracht foi quem, pela primeira vez, fez uso da expressão, utilizando-a em artigo
denominado Educação Física: A busca da autonomia pedagógica, publicado em 1989, e
republicado numa coletânea de outros artigos seus, em 1992, chamada Educação Física e
Aprendizagem Social. Também vali-me da expressão no Artigo Pelos meandros da Educação
Física (1993) e no Projeto Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino Fundamental(1996).
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não professores de Educação Física, mas técnicos esportivos, com formação


profissional ou não, e ainda auferir uma boa margem de lucro na ação
comercial entabulada21.

Tal possibilidade já se fazia presente no horizonte das intenções


daquele deputado gaúcho, quando de sua iniciativa. Com efeito, no artigo
mencionado, ele propõe que "o esporte nas escolas e as olimpíadas possam
ser patrocinados por empresas privadas, que também poderão custear os
estudos dos estudantes atletas, através de bolsas de estudos". E aí aponta a
fonte de sua inspiração:

Um sobrinho da lole e meu, Gustavo Zatti, foi bolsista nos Estados


Unidos, jogando Tênis numa universidade, e Marcelo Mânica estudou
naquele país numa escola de 2º grau e ambos voltaram
entusiasmados com a intensa atividade esportiva nas escolas. Eles
me inspiraram para o projeto.

E concluí, enfaticamente, pautando-se no velho — e hoje mais do


que nunca atual — aforisma de que o que é bom para os EUA é bom para o
Brasil. "Se os Estados Unidos, um país rico, valoriza o equipamento das
escolas, por que não o Brasil?". A Lein° 8.946/94, em seu artigo 9º, estabelece
que
é permitido às escolas de todos os graus buscar e receber patrocínio
empresarial sob a forma de bolsas desportivas paralelas a bolsas de
estudo, bem como convênios de mútuo fornecimento de informações,
pesquisas e projetos vinculados ao patrocínio de atividades
desportivas.

Já a regulamentação dessa Lei — por mais que seu autor tenha se


esmerado em viabilizá-la, envolvendo até o governador de seu Estado nesse
intento — não se processou até o presente momento.

No entanto, o Substitutivo Darcy Ribeiro, em sua reta final na


Câmara dos Deputados teve, no apagar das luzes — como diríamos nós, os
esportistas —, alterada a sua redação pelo seu Relator, Deputado José Jorge,
que, por pressões de Deputados acionados por setores da Educação Física
ligados ao movimento sindical dos trabalhadores da Educação22, recuperou a

21
Tal dinâmica já é prática corrente em muitos Estados brasileiros, notadamente os da região
norte/nordeste. Obter bons resultados esportivos nas competições escolares promovidas pelo
Estado traz ótimos dividendos promocionais, melhores — e mais baratos — até do que aqueles
obtidos com anúncios veiculados nos meios de comunicação.
22
O Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro fez circular um documento
endereçado aos Professores de Educação Física e Educação Artística, no qual sugere — a
partir da afirmação do Deputado José Jorge, estampada na Folha de São Paulo, de que iria
"aproveitar o texto do Senado, que é mais resumido, e incluir algumas coisas do Projeto da
Câmara" — o envio de cartas e telegramas aos deputados Federais do Rio de Janeiro e ao
Relator do Projeto com o seguinte texto "Como professor de Educação Física e Artística,
solicito a manutenção do texto aprovado em 1993 pela Câmara dos Deputados". Em Juiz de
Fora, MG, professores de Educação Física passaram abaixo-assinado endereçado ao Relator
no qual, a partir de alguns considerandos, reivindicavam "que o Parecer do ilustre Deputado
seja favorável à manutenção da Educação Física como Componente Curricular Obrigatório nas
escolas de 1°,2° e 3º Graus como é hoje e historicamente sempre o foi, pelo seu importante
papel e valor reconhecidos pela sociedade Brasileira". Em Minas Gerais, professores de
educação física contataram o professor da Universidade Federal de Minas Gerais e presidente
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redação presente no Projeto original daquela Casa. Dessa forma, a Lei de


Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 17 de dezembro de
1996 e sancionada três dias depois, 20 de dezembro, trouxe em seu corpo, no
referente à Educação Física, a seguinte redação estampada em seu artigo 26,
parágrafo 3°:

A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é


componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas
etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos
cursos noturnos.

Retira-se, com essa redação, a camisa de força que a aprisionava


nos limites próprios ao famigerado eixo paradigmático da aptidão física, à
medida que a vinculava tão somente à busca do desenvolvimento físico do
aluno, como constava no texto do Senador Darcy Ribeiro, embora a
permanência do seu caráter facultativo para os cursos noturnos revele que o
perigo da estreiteza pedagógica ainda a espreita. A esse respeito, parece-nos
que está incorporado em um só texto, aquilo que na legislação anterior estava
normatizado em três instrumentos legais, quais sejam, o Decreto n°69.450/71
que, em conjunto com a Lei n°6.503/77, regulamentava as condições da
facultatividade da prática da Educação Física pelos alunos, e a Lein°5.664/71,
que facultava aos cursos noturnos o seu oferecimento. O Parecer n°5/97 do
CNE não permite dúvidas quanto ao sentido da facultatividade, possuindo ela,
segundo seu entendimento, dupla mão, tanto podendo ser evocada pelo
Instituição escolar quanto pelo aluno. Assim se manifesta a respeito, o referido
Conselho:

Certamente à escola caberá decidir se deseja oferecer Educação


Física em cursos que funcionem no horário noturno. E ainda que o
faça, ao aluno será facultado optar por não freqüentar tais atividades,
se esta for a sua vontade.

Ficamos com a compreensão de que, com esse Parecer, o CNE


demonstra não ter se afastado o suficiente da tese da Educação Física
percebida como atividade curricular e, por conseguinte, de tudo o que isso
significa! Por outro lado, sua integração à proposta pedagógica da escola
amplia-lhe os horizontes, abrindo a possibilidade para as distintas concepções
que hoje granjeiam em seu interior se manifestarem objetivamente, na ação
pedagógica concreta, embora o fantasma dos PCNs paire velada e sutilmente
sobre ela, ameaçando-a com uma outra espécie de limitação23.

da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Carlos Roberto Jamil


Coury, solicitando sua intervenção junto ao Deputado José Jorge no intuito de sensibilizá-lo
para a reivindicação aludida.
23
Embora exista hoje, na Educação Física brasileira, uma considerável quantidade de
concepções pedagógicas de distintos matizes teóricos, a versão preliminar do PCN, elaborada
para a área e analisada por profissionais contratados pela Secretaria de Ensino Fundamental
do MEC, limita em apenas um referencial — o construtivismo piagetiano respingado de
nuances sócio-interacionistas vigotskianas que lhe reveste de um charmoso ecletismo — a
possibilidade de sua organização pedagógica. Isso já é bastante para que o PCN em Educação
Física venha a merecer um capítulo a parte que busque explicitar o processo de sua
elaboração. O CBCE (1997) organizou e lançou no X CONBRACE, uma coletânea sob o titulo
Educação Física Escolar frente à LDB e aos PCNs: Profissionais analisam renovações,
modismos e interesses.
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Por outro lado, a facultatividade que lhe é atribuída nos cursos


noturnos é, ao mesmo tempo, a explicitação de sua obrigatoriedade nos cursos
diurnos. Não bastasse isso, o Conselho Nacional de Educação, em duas
oportunidades, neste ano de 1997, manifestou-se ratificando o teor do
parágrafo 3º do artigo 26 da Lei n° 9.394/96. A primeira delas no Parecer da
sua Câmara de Educação Básica n°5, de 7 de maio, no qual expressa a
compreensão de devermos somá-la aos componentes curriculares da base
comum nacional. A segunda, em / / de junho, pelo Parecer n°376, no qual
reforça sua condição de componente curricular da Educação Básica. Tal
obrigatoriedade ganha contornos distintos com as medidas — sintonizadas
com a intenção de regulamentação da LDB, no concernente ao aumento dos
dias letivos, de 180 para 200 — voltadas para a reorganização curricular do
Ensino Médio, encaminhadas pelo Ministério da Educação e do Desporto ao
Conselho Nacional de Educação, no mês de Julho do corrente ano.

Segundo elas, as 2.400 horas mínimas obrigatórias para aquele


nível de escolarização seriam desmembradas entre uma Base Curricular
Comum Nacional, com 1.800 horas distribuídas em três áreas de conhecimento
(Código e Linguagem, Ciência e Tecnologia e Sociedade e Cultura), e uma
Parte Diversificada com 600 horas abertas ao ensino dito propedêutico, técnico
e de aprofundamento de conhecimento.

A organização em áreas de conhecimento traz subentendida a


superação da idéia de currículo mínimo estruturado em torno de matérias
curriculares — tal e qual observamos na Resolução n° 003/87 do Conselho
Federal de Educação, que trata da Reforma Curricular dos Cursos Superiores
de Educação Física - definindo a afinação dos instrumentos voltados para o 2º
Grau com o estabelecido para o Ensino Fundamental pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Isso se depreende das palavras do Diretor do
Departamento de Desenvolvimento da Educação Média e Tecnológica, Ruy
Berger Filho, em matéria publicada em 8 de julho do corrente ano (p.A 16) pelo
jornal O Estado de São Paulo, na qual afirma que

nossa intenção não é estabelecer quais disciplinas devem constar do


currículo comum (e que) embora a gente reconheça que o
conhecimento se organiza em disciplinas, ao estipularmos áreas de
conhecimento estamos dando uma visão mais globalizada e a
oportunidade de que as matérias tradicionais possam ser aplicadas
de forma interligada.

De acordo com o previsto para essas áreas de conhecimento,


deverão estar nelas contempladas conhecimentos das formas contemporâneas
de Linguagem, além da Filosofia, Sociologia, Informática, Língua Estrangeira e
Educação Física, conforme nos informa a matéria publicada pelo jornal
campineiro Correio Popular24, que também dá voz ao Diretor do Departamento
de Desenvolvimento do Ensino Médio e Técnico do MEC. A área denominada
Código e Linguagem abarcaria a verbal, icônica, sonora e corporal, aí
localizando-se a justificativa para a presença da Educação Física, se
24
“Projeto de Reforma do Segundo Grau aumenta a carga horária" é o título da matéria
publicada pelo jornal em sua edição de 5 de julho.
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compreendida como disciplina responsável pelo trato do movimento humano


enquanto forma de expressão e/ou linguagem. Podemos também aferir a
pertinência de vê-la na área de conhecimento Sociedade e Cultura se a
percebermos como disciplina que trata pedagogicamente dos temas
constitutivos da Cultura Corporal — dimensão da Cultura — do homem e da
mulher brasileiros25.

A Educação Física no Ensino superior: o Fim da


Obrigatoriedade Anacrônica

A obrigatoriedade da Educação Física na Educação Básica,


configurada na Lei n° 9.394/96, contudo, não é extensiva ao Ensino Superior.
Pois se tal constatação fere de morte consideráveis segmentos dos seus
profissionais — notadamente àqueles abnegados defensores de sua presença
no 3°grau por motivos únicos de mercado de trabalho — responde às
expectativas de outros tantos que, vacinados contra princípios corporativos, há
muito vinham buscando mecanismos legais para a sua extinção naquele nível
de ensino.

Com efeito, data do início dos anos 80 os primeiros sinais


abonadores de medidas que viessem aboli-la da educação superior. Tais
sinais, todavia, foram rapidamente sufocados, basicamente, pelos mesmos
setores que aplaudiram o ingresso coercitivo da Educação Física naquele grau
de ensino, no final dos anos 60, atentando apenas para o horizonte profissional
que se delineava e nem de longe analisando os possíveis motivos que a
estariam levando para dentro do sistema universitário.

A análise desses motivos, pois, passou a ser feita também naquela


década, um pouco mais para o seu final, corroborando para o crescer do
posicionamento favorável à alteração daquele quadro26. Mesmo assim a
situação permaneceu quase que inalterada até meados da década seguinte,
quando passamos a assistir o espocar de experiências voltadas para a
modificação do quadro existente. Em 1996, após tentativas frustradas da USP
em eliminá-la do rol das disciplinas obrigatórias, paralelamente a estudos que
buscavam saber do estado de ânimo dos profissionais da área sobre o
assunto, a Faculdade de Educação Física da UNICAMP delibera — em
Assembléia Geral de seus docentes, convocada pela sua Direção para essa
finalidade — a favor da busca de meios para suprimi-la do rol das disciplinas
obrigatórias dos currículos de graduação da Universidade. Naquela ocasião,
elaboramos um texto onde expúnhamos nossa compreensão sobre o assunto.

25
A perspectiva crítico-superadora de Educação Física — traduzida em livro (1992) e
elaborada por um Coletivo de autores (Carmen Lúcia Soares; Celi Taffarel; Elizabeth Varjal;
Micheli Escobar; Valter Bracht e por mim) —, é uma das concepções que busca traduzir o
referido entendimento em metodologia de ensino.
26
Particularmente, trato desse tema no livro Educação Física no Brasil: A História que não se
conta, publicado pela Editora Papirus em 1988. Já em 1983, a ele me reportei no artigo “
(des)caracterização profissional-filosófica da Educação Física", publicado pela Revista
brasileira de Ciências do Esporte, volume 4(3), de maio daquele ano.
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Sob o título A Educação Física no Ensino Superior: A Obrigatoriedade


Anacrónica assim nos reportamos à matéria:
26.

Convivemos, nesta UNICAMP com uma situação criada ao final dos


anos 60, período de amargas lembranças para aqueles que sabem de seu
significado histórico, que absolutamente nada justifica continuar persistindo
nestes anos 90. Refiro-me à existência da obrigatoriedade — extensiva a todos
os alunos desta Universidade, como ademais aos de todo o ensino superior
brasileiro — do cursar da disciplina curricular Educação Física.

Como é sabido, teve a Educação Física ratificada sua


obrigatoriedade no então denominado ensino primário e médio, na Lei n°
4.024/61, em seu artigo 22. Não se cogitava até então, e é importante frisar tal
fato, torná-la obrigatória também no ensino superior. Anos mais tarde, em
1966, o Conselho Federal de Educação deixou transparecer sua posição a
esse respeito quando, no Parecer nº 424, assim se expressou. 'Todos
reconhecemos a necessidade e o benefício de exercícios físicos em qualquer
idade, desde que devidamente adaptados. Entretanto, a razão de ser da
obrigatoriedade prescrita em lei, não é tanto o benefício, e sim o papel de fator
formativo, que inclui atitudes físicas, mentais e morais. Por isso, a
obrigatoriedade da Educação Física se ajusta bem aos cursos de nível médio
que, de conformidade com a lei de diretrizes e base, se destinam à formação
do adolescente. Ultrapassada essa faixa de formação, a prática de exercícios
físicos já deve ser um hábito agradável e saudável, resultante de um processo
formativo...' E concluí: 'Nada impede que nas escolas superiores, haja diversas
modalidades de exercícios físicos. O que parece não caber mais, é a
obrigatoriedade da Educação Física'. Não poderia ser mais claro o ponto de
vista defendido pelo CFE.

Passados dois anos desse Parecer, a Lei n° 5.540 de 28 de


novembro — lei da Reforma Universitária — parecia concordar com tal
pensamento quando, em seu artigo 40, letra ‘C’, incitava as instituições de
ensino superior a estimularem as atividades esportivas, vindo por intermédio do
Decreto-lei n° 464, de 11 de fevereiro de 1969, dizer ser através de orientação
adequada e instalações especiais, a maneira pela qual deveria se dar tal
estímulo. Entretanto, não demorou mais do que 5 meses para que a Educação
Física — por força do Decreto-lei n°705, de 25 de julho — passasse a ter a sua
obrigatoriedade estendida a todos os níveis e ramos de escolarização,
contrariando dessa maneira, tudo o que se configurava nos pronunciamentos
do Conselho Federal de Educação. Fica-nos evidente que não é através
desses ou de outros documentos legais, vistos e analisados em si mesmos,
que vamos entender o porquê da obrigatoriedade preceituada. Em nenhum
momento eles deixaram transparecer tal intenção. A explicação, a nosso ver,
encontra-se em outra instância de entendimento.

Se é verdade que o movimento deflagrado em 10 de abril de 1964


teve respaldo em amplos setores da classe dominante, também o é que
encontrou — desde os primeiros momentos que se seguiram ao golpe — fortes
resistências em diversos outros segmentos sociais brasileiros.
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É sabido que os estudantes, notadamente os universitários,


localizavam-se entre aqueles que opunham ferrenha resistência às intenções
anti-democráticas dos que falavam em nome do Estado. A União Nacional dos
Estudantes, UNE, extremamente combativa, incomodava por demais os
militares, fazendo com que, já em 1964, tivessem eles que lançar mão de
mecanismos legais — ao lado da sempre presente e ativa repressão física —
para tentar arrefecer o ânimo daquela entidade estudantil. Em 9 de novembro
daquele ano, foi então promulgada a Lei n° 4.464 — a Lei Suplicy, como então
ficou conhecida em 'homenagem' ao seu idealizador, Deputado Suplicy de
Lacerda — que dispunha sobre os órgãos de representação dos estudantes e
criava, para substituir a UNE, afigurado Diretório Nacional dos Estudantes.

Isso, porém, não alterou substancialmente a combatividade da UNE,


nem sua legitimidade junto aos estudantes e à sociedade em seu conjunto,
fazendo com que o Governo promulgasse, em 14 de janeiro de 1966, um outro
documento legal, o Decreto n° 57.634, que suspendia por 6 meses, a partir
daquela data, as suas atividades. Mesmo assim, na clandestinidade a partir de
então (os '6 meses' tornaram-se para efeitos práticos, sinônimo de sua
extinção), a UNE continuou presente tanto nos debates acerca das questões
nacionais — manifestando sempre a intenção de ver implementado os planos
políticos pré-64 — como também nas questões propriamente educacionais,
como aquelas que diziam respeito à reforma universitária em gestação,
colocando-se contrária aos convênios MEC-USAID então ensaiados.

As retaliações sofridas pela UNE em 1966 — dentre outras coisas —


fizeram com que sua presença, no plano nacional, ficasse abalada, guardando
suas lutas proporções mais regionalizadas daquela época até início de 68,
quando, então, teve sua força recrudescida por contingência de determinados
fatos ligados à morte de um estudante. Nesse ano de 1968 e início de 69, veio
a entidade sofrer, malgrado sua revitalização, toda sorte de pressões, sendo
praticamente aniquilada — afora a violência dos aparelhos repressivos — por
força da promulgação do Ato Institucional n° 5, de 13 de dezembro de 1968, e
dos Decretos-lei nos464 e 477 de fevereiro de 1969.

Nesse cenário, coube à Educação Física o papel de — entrando no


ensino superior por força do Decreto-lei n° 705, de 25dejulhode 1969 —
colaborar, através de seu caráter lúdico-esportivo, com o esvaziamento de
qualquer tentativa de rearticulação política do movimento estudantil. Mas não
somente à Educação Física foi destinado esse papel. Os passos dados por ela,
nesse sentido, foram acompanhados pelos da educação moral e cívica, em
uma demonstração inconteste de que a inclusão compulsória da Educação
Física no ensino superior, veio atender a uma ação engendrada pelos
'arquitetos' da ordem política vigente, no intuito de aparar possíveis arestas —
no campo educacional — que pudessem vir a colocar em risco a consecução
do projeto de sociedade em construção.

Assim, se a Lein°5.540/68 referia-se à Educação Física em sua letra


'C do artigo 40, a letra 'D' do mesmo artigo fazia referência à necessidade das
instituições de ensino superior estimularem '...as atividades que (visassem) a
formação cívica, considerada indispensável à criação de uma consciência de
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direitos e deveres do cidadão e do profissional...'. Se o Decreto-lei n° 705/69


tornou a Educação Física obrigatória em todos os níveis e ramos de
escolarização, coube ao Decreto-lei n° 869, de 12 de setembro daquele mesmo
ano, determinar medida idêntica com relação à Educação Morai e Cívica. Por
sua vez, qualquer semelhança entre o disposto no artigo 32 do Decreto n°
68.065/71 — que criava a figura dos centros cívicos, os quais deveriam
funcionar '...sob a assistência de um orientador, elemento docente designado
pela direção do estabelecimento...' — com o previsto no parágrafo 1º, do artigo
13, do Decreto n°69.450/71 — que dizia ser incumbência dos clubes esportivos
(escolares) desenvolverem '... atividades físicas supervisionadas pelos
professores de Educação Física...'—, não é mera coincidência! Colocavam-se
ambas, pois, na direção de responder aos princípios de Desenvolvimento com
Segurança, próprios à famigerada Doutrina da Segurança Nacional.

Assim, a exclusão da Filosofia do rol das disciplinas obrigatórias dos


currículos de 2º Grau e a inclusão da Educação Moral e Cívica no 1º Grau,
Organização Social e Política do Brasil no 2º e Estudo dos Problemas
Brasileiros no 3º, paralelamente à Educação Física — com seu repertório
lúdico-esportivo associado às implicações decorrentes de sua presença na
instituição escolar, entendida unicamente enquanto Atividade, vale dizer, fazer
prático destituído de qualquer necessidade de ser refletido, teorizado,
compreendido— não pode ser visto como medidas díspares, como se tivessem
sido tomadas aleatoriamente. Compõem, isto sim, um conjunto de medidas que
refletia a opção pela eliminação da disciplina Filosofia — enquanto dotada de
conteúdo potencialmente gerador de posturas constituídas de criticidade —,
optando por outras que, segundo imaginavam — tal qual a Educação Física —,
estariam prenhas de atitudes e conteúdos potencialmente geradores de
consciências acríticas.

Os anos 70 assistiram, assim, ao fortalecimento do sistema


esportivo universitário, associado a uma Educação Física no ensino superior
extremamente competente no buscar dar conta de pelo menos uma de suas
tarefas, qual seja, aquela de canalizar as atenções dos estudantes para
assuntos mais amenos, deixando que os confrontos e conflitos, quando
acontecessem, se circunscrevessem aos campos esportivos. Com relação à
outra, aquela que visava capacitá-los fisicamente para o trabalho, pairam
dúvidas sobre o seu alcance, não obstante todos os esforços desenvolvidos no
fomento de estudos e pesquisas centradas no eixo paradigmático da aptidão
física.

Os ventos democráticos que passaram a varrer a sociedade


brasileira ao final dos 70, início dos 80, alcançou a Educação Física, soprando-
lhe novas idéias, abrindo-lhe novos horizontes.

Hoje, já é possível identificarmos no sistema educacional brasileiro,


experiências bem sucedidas que nos permitem visualizar propostas
metodológicas para o seu ensino que apontam para a sua compreensão de
disciplina pedagógica responsável pelo tratamento dos temas (Esporte, Dança,
Ginástica, jogos...) da cultura corporal — uma dimensão da cultura — do
homem e da mulher brasileiros. Seguramente, o avançar dessas concepções
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pedagógicas coloca-a em sintonia com um projeto educacional voltado para o


desenvolver da capacidade de apreensão (no sentido de constatação,
demonstração, compreensão e explicação), por parte dos alunos, da realidade
social complexa na qual se inserem, de modo a autónoma, crítica e
criativamente, nela poderem intervir. Isso posto, no ensino fundamental e
médio, torna injustificável o caráter obrigatório que a acompanha a Educação
Física no ensino superior. Assim sendo, defendemos continuar cabendo às
instituições de ensino superior, o garantir das condições para o acesso, por
parte de seus alunos, aos elementos da cultura corporal, permitindo-lhes
vivenciá-los de forma qualitativamente distinta daquela presente nas intenções
governamentais de outrora, podendo, com eles, envolverem-se
facultativamente.

Os argumentos até agora utilizados por aqueles que teimam em


defender a permanência do caráter de obrigatoriedade a ela vinculada, são
tanto de natureza corporativa (o fim da obrigatoriedade implicaria em
diminuição do campo de trabalho) quanto administrativa (a média de atividades
de ensino da Faculdade de Educação Física seria bastante abalada — para
baixo — com tal medida). Ambos os argumentos podem, contudo, ser
facilmente refutados, mediante a constatação de que vagas em aulas de
qualidade (aulas essas, em número significativo nesta nossa FEF) são
disputadas por muitos interessados, os quais são em quantidade mais do que
suficiente para não se ter abalada a tão necessária(l) média.

Procedimentos para que este anacronismo deixe de existir precisam


ser adotados! Cabe à Faculdade de Educação Física desta Universidade a
iniciativa de desencadear o processo. O envolvimento de toda a UNICAMP
pode ser articulado a partir do esforço conjunto de suas Coordenações de
Graduação, tendo no horizonte ações junto às outras instituições de ensino
superior, ao Governo Federal e Congresso Nacional com vistas à promulgação
de norma legal que venha extinguir a obrigatoriedade em pauta, nos moldes
daquela que, há cerca de 3 anos, decretou o fim da obrigatoriedade do ensino
da disciplina 'Estudo dos Problemas Brasileiros', no 3o Grau (Lei. n°8.663, de
14/06/93).

A 'bola' está com a FEF. Vamos ao jogo!"

Porém, as iniciativas desencadeadas visando a reversão da situação


foram abortadas por conta da tramitação do Projeto de lei de Diretrizes e Bases
da Educação que, àquela altura, colocava em risco a sua presença no Ensino
Básico. O receio era que a intenção de suprimir sua obrigatoriedade no ensino
superior, por parte da comunidade acadêmica da área, fosse usada como
argumento para também retirá-la nos outros níveis. Em carta encaminhada ao
Coordenador do Ensino de Graduação da Faculdade, Professor Roberto
Vilarta, em 4 de outubro de 1996, assim me pronunciei:

Como é de conhecimento dessa Coordenação, por decisão de


Assembléia docente, realizada dia 8 de maio do ano em curso, foram
constituídas duas comissões de trabalho com a incumbência de
definirem mecanismos — políticos e pedagógico/administrativos,
respectivamente — com vistas à viabilização da deliberação dos
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docentes, tomada naquela ocasião, de eliminação da obrigatoriedade


da disciplina de serviço Educação Física, as denominadas 'Efs'. A
mim, coube a responsabilidade pela coordenação da Comissão
mencionada no primeiro parágrafo deste documento. Para tanto, a
Comissão — constituída pelos professores António Augusto de
Pádua Báfero, João Batista freire da Silva e Paulo Ferreira de Araújo
— reuniu-se na semana subsequente à da realização da Assembléia
mencionada (...) quando então traçou um plano de ação a ser
desencadeado de imediato. Nesse ínterim, contudo, fomos todos
'atropelados 'pelos acontecimentos vinculados à aprovação no
Senado, do Parecer n° 30, de 1996, referente à redação final do
substitutivo do Senado ao Projeto de Lei da Câmara n° 1.258/88 (...)
Assim, ao tempo em que esclareço a V Sa. os motivos que levaram o
Grupo de Trabalho, sob minha coordenação, a não avançar nos
procedimentos com vistas à viabilização do fim da obrigatoriedade da
disciplina de serviço EF, venho solicitar o empenho dessa
Coordenação de fazer chegar à comunidade da FEF/UNICAMP
nossa compreensão sobre a gravidade do momento pelo qual passa
a educação brasileira em geral, e a Educação Física em particular, de
modo a podermos, institucionalmente, envolver-nos seriamente na
busca de soluções para as questões neste documento arroladas....

Aprovada a LDB em dezembro de 1996 e estando nela assegurada


a obrigatoriedade da Educação Física na educação básica, voltou-se
novamente a atenção para a problemática da sua presença no ensino superior.
A Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, dada a
significativa gama de consultas formuladas por distintas instituições de ensino
superior, instaura processo (n°23001.000159/97-25 e outros) nomeando a
Conselheira Silke Weber para a sua relatoria. Em seu Parecer— de n°376 de
11 de junho de 1997, mesma data de sua aprovação — consubstanciado em
Relatório, diz caber " 'as instituições de Ensino Superior decidirem sobre a
oferta ou não de Educação Física nos seus cursos de graduação".

No Relatório em que aglutina elementos justificadores de seu voto, a


Conselheira Silke Weber, entretanto, incorre — a nosso ver — em erro, ao
apoiar-se no teor do artigo 26, parágrafo 3o, da LDB, para justificá-lo, dizendo
que "nenhuma outra menção sobre o ensino de Educação Física é feita na Lei,
do que se depreende que a sua oferta passa a ser facultativa para o ensino
superior". Ora, como vimos, a obrigatoriedade da Educação Física no ensino
superior jamais se sustentou por força de Lei Ordinária ou Complementar e sim
por conta do Decreto lei n°705 de 25 de Julho de 1969, o que nos induz a dizer
não estar naquele artigo a base legal justificadora do fim de sua
obrigatoriedade, mas sim — e aí a Conselheira acerta o alvo — no parágrafo
primeiro, do artigo 47 ("as instituições informarão aos interessados, antes de
cada período letivo, os programas dos cursos e demais componentes
curriculares, sua duração, requisitos, qualificação dos professores, recursos
disponíveis e critérios de avaliação, obrigando-se a cumprir as respectivas
condições") e, no inciso II, do artigo 53, que diz ser asseguradas às
universidades, no exercício de sua autonomia e sem prejuízo de outras, a
atribuição de "fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as
diretrizes gerais pertinentes". 'Além disso — continua ela dizendo — tendo em
vista terá lei superado a definição de currículo mínimo para os cursos de
graduação, a oferta de Educação Física decorre de proposta institucional de
ensino e não de norma oriunda de órgão superior."
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Em Conclusão

Em vários momentos neste artigo, fizemos alusão ao estado da arte


da Educação Física brasileira sem, contudo, adentrarmo-nos em sua análise.
Várias foram as razões que nos levaram a assim proceder, todas apoiadas na
idéia de centrarmos nossas atenções na análise dos impactos da reforma
educacional sobre ela.

Porém, ao aqui chegarmos, nos damos conta de que estamos diante


de uma situação paradoxal: por um lado, temos uma Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional que ainda revela, no que diz respeito à Educação
Física, não ter superado o entendimento de vê-la subordinada ao eixo
paradigmático da aptidão física, compreensão essa corroborada pelo Conselho
Nacional de Educação, especialmente nas ocasiões em que foi chamado a
manifestar-se sobre a forma de ela inserir-se na Educação Básica. Por outro,
encontramos em seu interior, uma gama de abordagens e concepções
pedagógicas que, cada uma à sua maneira, sinalizam — umas mais, outras
menos — para a suplantação daquele parâmetro, alargando o horizonte para
práticas pedagógicas passíveis de se ajustarem sem maiores dificuldades à
dinâmica curricular pensada para a Educação Básica.

Ainda nessa direção, soa desafiador darmos à sua inserção no


espaço universitário, como área acadêmica, um sentido realmente consonante
com o caráter crítico que nele deve prevalecer.

Como podemos perceber, vários são os desafios que nos espreitam,


como também variadas são as suas características. Uns, de natureza
predominantemente político-pedagógica, remetem-nos de pronto à questão da
socialização do conhecimento produzido em nossa área. Torna-se imperioso
fazê-lo chegar tanto aos cursos responsáveis pela formação dos profissionais
de Educação Física — aproximadamente 150 cursos superiores — quanto
àqueles professores já integrantes das redes de ensino, as quais, desatentas
(para se falar o mínimo), quase nada investem na formação em serviço de seus
quadros. Nesse particular, urge chamarmos a atenção de nossa academia,
muito mais preocupada com as formalidades do rigor científico, banalizando-o,
do que com a imperiosa necessidade de intervenção qualificada e consequente
na nossa realidade educacional, abrindo e preservando espaços de debate e
reflexão crítica em torno das questões nela presentes.

Dentro desse quadro, ganha importância o Colégio Brasileiro de


Ciências do Esporte — CBCE— como espaço vitalizador e explicitador da
nossa capacidade de resistência à avalanche neoliberal que assola a
sociedade brasileira em geral e nossa área em particular. Entidade científica
com 20 anos de existência, reflete em sua história a luta — em seu interior,
vitoriosa — dos setores comprometidos com princípios balizadores de ações
voltadas para a defesa da tese de que os recursos públicos destinados ao
financiamento da pesquisa em Educação Física sejam alocados com
transparência e eivados de sentido público, a partir da observância de critérios
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técnicos ancorados no conceito de relevância social e não os de ordem política


privilegiadores de castas que — de mãos dadas aos poderosos de sempre —
apropriam-se da coisa pública, dela fazendo uso privado.

Seja no CBCE, no Partido Político ou no nosso local de trabalho —


faculdade, escola, clube, administração pública... — enfim, seja lá onde for,
devemos estar cientes de que é no nosso cotidiano que podemos e devemos
construir as condições objetivas — na extrapolação dos limites impostos pelas
reformas educacional e política imperantes —, tanto para a superação da forma
atual de ser da Educação Física, quanto — num alargar de horizonte — da
forma de organização social brasileira o que, em última instância, defendemos
e almejamos.

Bibliografia
BRACHT, V "Educação Física: a busca da autonomia pedagógica". In Revista
da Fundação de Esporte e Turismo do Paraná. Curitiba, PR, I (2), pp. 12-19,
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__________. Educação Física e Aprendizagem Social. Porto Alegre, RS,
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CASTELLANI FILHO, L. Educação Física no Brasil: A História que não se


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__________. Educação Física: Diretrizes Gerais para o ensino de 2o Grau -


Núcleo Comum. Brasília, DF Editora MEC, 1988

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Educação Física Escolar Frente à LDB e aos PCNs: Profissionais analisam
renovações, modismos e interesses. Ijuí, RS, Sedigraf, 1997.

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Edição, São Paulo, SR Editora Cortez. 1996.

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Porto Alegre, Rs, 4/1 2/1 994.
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LENHARO, A. Sacralização da Política. Campinas, SR Editora Papirus, 1986.

LYRA FILHO, J. Introdução à Sociologia dos Desportos. 3 Edição, Rio de


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SAVIANI, D. A nova lei da educação - LDB: Trajetória, Limites e Perspectivas.


Campinas, SR Editora Autores Associados, 1997.

SEED/MEC. Uma nova Política para o Desporto Brasileiro: Esporte Brasileiro -


Questão de Estado - Relatório Conclusivo. Brasília, DF, Editora MEC, 1985.

SOARES, C. L. "Educação Física Face a nova LDB". In Revista Brasileira de


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__________. "Carta aos membros do CBCE". In Revista Brasileira de Ciências


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SOUSA, E. S.; VAGO, T. M.. "O Ensino de Educação Física em face da Nova
LDB". In COLÉGIO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE (org).
Educação Física Escolar Frente à LDB e aos PCNs: Profissionais analisam
renovações, modismos e interesses. Ijuí, RS, Sedigraf, pp. 121-141, 1997.
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CAPÍTULO: DOIS

Educação Física Escolar: Temos o que Ensinar? Ou


Considerações acerca do Conhecimento (Re)Conhecido pela
Educação Física Escolar1

...Ao professor de Educação Física compete, pois (e não há exagero


algum nesta afirmativa) dirigir e orientar os exercícios de modo que
influam enérgica e eficazmente sobre cada organismo, ordená-los em
série gradual, harmonizá-los com o período de evolução orgânica,
incutindo o prazer ou, ao menos, evitando o tédio, e constatar, enfim,
pelos processos vários de mensurações corporais, os resultados de
seu ensino, lazer, em uma palavra, o registro de benefícios que
provieram dos exercícios e dos inconvenientes que determinaram...
Fernando de Azevedo (1920)

Sim, temos o que ensinar. Embora seja velha conhecida entre nós a
afirmação — dita em tom de galhofa mas, como toda piada, com uma pitada de
verdade de que a grande revolução ainda por ocorrer na Educação Física
escolar brasileira, traduzir-se-ia no simples fato de se dar aula, não receamos
afirmar que não só temos o que ensinar como, ao longo desse século, vimos
ensinando.

Isso, porém, longe de dar por respondida à questão que dá título a


este II Seminário, abre as portas para a reflexão acerca do debate que já, há
alguns anos, vem, num crescendo, ocupando as atenções de parcela dos
profissionais que tem, na Educação Física escolar, seu horizonte de estudo.

Queremos encaminhar esta reflexão na perspectiva apontada pelo


título que contrapusemos ao enunciado pelo evento: Considerações acerca do
Conhecimento (Re)conhecido pela Educação Física Escolar sugere darmos
trato às questões:

- O que a Educação Física e seus profissionais reconhecem como


conhecimento a ser conhecido;
- O que a Educação Física e seus profissionais conhecem, e
- O que a Educação Física e seus profissionais precisam
reconhecer como conhecimento a ser conhecido.

Não enfatizaremos a discussão sobre a seleção, organização e


sistematização do conhecimento da Educação Física escolar, no que tange à
questão da metodologia do ensino propriamente dita, não porque a
consideramos de menor importância , mas sim porque — nos limites próprios a

1
Este Artigo foi escrito com vista à minha participação, como conferencista, em Seminário
promovido pela Escola Superior de Educação Física da Universidade de São Paulo, USP em
dezembro de 1994. O tema central do evento, Educação Física Escolar: Temos o que ensinar?
me levou a elaborar o subtítulo acima, construindo o texto a partir do diálogo entre eles. No
entanto, os promotores do Seminário, ao publicarem-no em Suplemento da Revista Paulista de
Educação Física (1995), houveram por bem nominá-lo a partir do subtítulo proposto,
subtraindo-lhe a expressão que deu título ao acontecimento.
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este Artigo — desejamos ser fiéis ao tema orientador do seminário, que nos
questiona sobre se temos ou não o que ensinar.

Extraindo-se algumas expressões que caíram em desuso, a citação


que acima reproduzimos de um artigo dos anos 20, de Fernando de Azevedo,
traz em si semelhanças com o entendimento, ainda hoje presente em nosso
meio, que extrapolam quaisquer possibilidades de serem vistas como meras
coincidências. Isso porque — como já tivemos oportunidade de frisar em
algumas outras oportunidades — a Educação Física brasileira vê-se
hegemonicamente vinculada ao eixo paradigmático da aptidão física2 .

Recentemente, no artigo Pelos Meandros da Educação Física


(1993), assim nos referimos ao assunto:

....Vinculada, portanto, a políticas governamentais elaboradas sob a


ótica funcionalista, a Educação Física primou por enfatizar sua ação
pedagógica em procedimentos que buscavam garantir-lhe eficácia no
alcance de seus objetivos. Com efeito, se a melhoria da aptidão física
era o que, em última instância, justificava a sua presença na escola,
nada mais coerente do que buscar estabelecer parâmetros para a
sua ação pedagógica a partir de critérios oriundos da fisiologia do
exercício. Foi nela apoiado que se definiu os padrões de referência
para as aulas de Educação Física: três sessões semanais,
distribuídas em dias intercalados, com cinqüenta minutos de duração,
compostas por turmas de alunos do mesmo sexo e constituídas a
partir de dados das suas idades biológicas, encontram-se implícita ou
explicitamente citadas no Decreto n° 69.450/71, que a regulamenta
nos três níveis de escolarização...

Fica-nos evidente denotarmos dessas normatizações — ratificadas 4


anos mais tarde pela Lei de Diretrizes e Base do Esporte Nacional(Lei n°
6.251) que, em seu artigo 3°, ao tratar dos objetivos da Educação Física e do
esporte no Brasil, refere-se em seu inciso /ao "aprimoramento da aptidão física
da população brasileira" — as inferências de tal compreensão naquilo que
deveria ser conhecido pelos seus profissionais, como também do como tal
conhecimento deveria ser por eles reconhecido. Sim, porque se é a aptidão
física que deveria ser buscada pela Educação Física em sua ação pedagógica,
os conteúdos a ela pertinentes — Dança, Esporte, Ginástica, Jogo... —
deveriam ser compreendidos e assimilados de forma que fosse garantido o
alcance do seu objetivo último.

...São as atribuições que todos os entendidos lhes demarcam ( a


eles, professores de Educação Physica). Mas como realizar estas
atribuições amplíssimas que lhes são impostas, sem conhecer os
órgãos do movimento, a fisiologia do trabalho muscular, os seus
efeitos sobre a circulação, respiração e sistema nervoso, e a
necessidade de um método progressivo que possa evitar o mais

2
Desde o Educação Física no Brasil: A história que não se conta (1988), até o Pelos Meandros
da Educação Física (1993), passando pelo Educação Física: Diretrizes Gerais para o Ensino
de 2° Grau - Núcleo Comum (1988) e pela produção em 6 mãos do Metodologia do Ensino de
Educação Física (1992), vimos desenvolvendo estudos que tratam da problemática da
educação física escolar relacionada com a questão da aptidão física enquanto eixo
paradigmático balizador das suas ações.
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possível a fadiga e fornecer-lhes a base para a apreciação dos


diferentes sistemas de educação individual e coletiva?...
Fernando de Azevedo (1920)

De novo, a contemporaneidade das palavras de Fernando de


Azevedo nos toma de assalto. E no universo por ele mencionado, há mais de
meio século a traz, que vem se localizando o conhecimento reconhecido pela
Educação Física e seus profissionais, como aquele necessário de ser
apropriado de forma a garantir-lhes a consecução de seus propósitos. Em
outras palavras, é no âmbito das ciências biológicas que os profissionais da
área vêm buscando o saber necessário às suas ações pedagógicas.

Pois é assim que, ainda hoje, os especialistas em Educação Física


são informados— e formados— sobre o rol de conhecimentos orientadores de
suas práticas. Se é a aptidão física que a justifica na escola, é o conhecimento
que possa vir garantir a sua consecução que, pri-vilegiadamente — não
exclusivamente — vem ocupando lugar no processo de formação profissional,
porque o que vem orientando a formação de seus especialistas, nos mais de
uma centena de centros de ensino superior dispersos por este país, é a visão
hegemônica de uma Educação Física que fundamenta sua prática na ótica do
eixo paradigmático tão enfaticamente aqui mencionado, vinculando-a a
caracteres inerentes à — que entende ser sua — função higiênica e eugênica,
acoplada à idéia do rendimento físico/esportivo, malgrado as mudanças
havidas na organização social do trabalho em nossa sociedade, motivadas —
dentre outras razões — pelo processo de automação da força de trabalho que
levou à secundarização da busca do corpo produtivo e ao deslocamento do
foco das atenções sobre o corpo, do momento de produção para o de
consumo, matizando, dessa forma, os corpos mercador/mercadoria e
consumidor (CASTELLANl FILHO, 1993).

Muitas e variadas seriam as maneiras pelas quais poderíamos


exemplificar — para trocarmos em miúdos— o até aqui aludido. No entanto,
optamos por fazê-lo através do esporte e, em particular, do futebol, enquanto
manifestação cultural corporal de natureza esportiva.

Por que um exemplo via esporte? Porque a constatada


esportivização3 da Educação Física escolar tem trazido como conseqüência, o
fortalecimento de posturas equivocadas, que acabam por desconsiderá-lo
como conteúdo dela. Não atentam — os responsáveis por tais posturas — para
o fato de que a sua desèsportivização tem que ser compreendida como uma
crítica à mentalidade esportiva prevalecente na escola, responsável por
concebê-la como uma instituição privilegiada para servir de locus aos objetivos
próprios à instituição esportiva (em última instância, a otimização do
rendimento físico-esportivo), e não como uma crítica ao esporte, prática social
— portanto construção histórica — que, dada a significância com que marca a
sua presença no mundo contemporâneo, caracteriza-se como um dos seus
mais relevantes fenômenos socioculturais.

3
Reporto-me detalhadamente à questão da esportivização da educação física no artigo Pelos
Meandros da Educação Física, já mencionado.
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E porque o futebol? Porque em nome do combate à pseudo


monocultura esportiva do brasileiro — nele centrada — vem-se sonegando na
escola o acesso do aluno ao conhecimento afeto a ele, desconsiderando-o em
sua qualidade de responsável pela afirmação da identidade cultural corporal
esportiva do brasileiro.

Notem que nos referimos ao esporte em geral e ao futebol em


particular, enquanto conhecimentos. Mas de que forma os profissionais da
Educação Física — e a sociedade brasileira em seu conjunto — vêm
caracterizando aquilo que poderíamos nominar de conhecimento esportivo e
futebolístico! Vejamos... Passa agora diante de meus olhos, a experiência que
vivenciei na disciplina futebol nesta mesma casa onde nos encontramos.
Recordo-me da dedicação com que nos debruçávamos sobre o conduzira bola
em batimentos alternados sem deixá-la fugir ao nosso controle, o mesmo
repetindo-se com a cabeça, coxa... percorrendo distâncias estimadas em 25/30
metros. Lembro-me, ainda, das tantas e quantas vezes executamos o ato de
lançara bola para o alto com os pés, partindo dela descansada no chão, com o
intuito de abafá-la com o peito do pé, buscando impedi-la de quicar...E em
quantas outras ocasiões não conduzimos a bola, não realizamos tintas, dribles,
arremates ao gol, chutando das mais distintas formas possíveis?

Sim. Durante 2 dos 3 anos que terminalizavam o curso naquela


época, essas foram práticas rotineiras, mesmo porque éramos, ao final,
avaliados predominantemente no nosso saber fazer. Quanto às avaliações
teóricas, circunscreviam-se às perguntas relacionadas às regras do jogo, às
suas formulações técnicas e táticas, extrapolando, às vezes, para outras que
nos argüíam sobre seqüências pedagógicas para o desenvolver do
aprendizado do jogar futebol.

Tudo isso era-me enormemente prazeroso, pois, tanto quanto hoje,


tinha pelo futebol um fascínio apaixonado! Porém, por mais gostosamente que
me envolvesse com aquelas aulas, sentia-me incomodado com o fato de —
passados 2 anos estudando futebol — não saber explicar os motivos que
levavam os pais a pendurarem uma chuteirinha, nos quartos — na maternidade
— das mães que tivessem parido meninos! Sim, meninos, pois as meninas não
tinham acesso ao mundo do futebol! De outra forma, queríamos saber— e não
tínhamos apreendido conhecimento que nos levasse a conhecer — como se
constituía a identidade cultural corporal esportiva de um povo. Por que era o
Brasil, na expressão do dramaturgo Nelson Rodrigues, a pátria das chuteirase
não a pátria das raquetes de tênis, das bolas de vôlei, de basquete, dos pés-
de-pato?... Por que nunca nos tinham chamado a atenção para a plasticidade e
o sentido estético do gesto esportivo no futebol? ... Já repararam na beleza de
uma matada de bola no peito, de uma bicicleta, de um peixinho'. Por que ainda
não nos tinham levado a conhecer a característica ímpar do jogador de futebol
que, por conta da lei do passe, configura-se ainda hoje, mesmo com a lei Zico
em vigor, como trabalhador que não possui a propriedade sobre sua própria
força de trabalho, sendo talvez mais pertinente referirmo-nos a ele como
escravo da bola?
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Em 1985, em um artigo denominado O Fenômeno Cultural chamado


Futebol: Uma proposta de Estudo, levantei algumas perguntas cujas respostas
vão ao encontro do entendimento de que, para nos dizermos possuidores de
conhecimento sobre determinada modalidade esportiva, não é suficiente
dominarmos apenas o saber prático de seus gestos técnicos, ou a lógica do
jogo em si mesma, pois temos claro que essas são apenas dois de seus
elementos constitutivos. Perguntava, então, à certa altura daquele estudo:

...Que segredo é esse do futebol que faz com que 130 milhões de
brasileiros — uns, vítimas da seca do nordeste, outros, das
enchentes do sul, a maioria vítima de um sistema que deles suga
toda a vontade de resistir — de repente, como que tocados por uma
varinha mágica, por um feitiço coletivo, permaneçam durante noventa
minutos presos à magia de 22 homens (ou deuses?) dentro de um
campo de futebol? Que encantamento é esse do futebol que faz
surgir de todas as esquinas do país, das palafitas cobertas de folhas
de babaçu às suntuosas residências dos coronéis, a mesma emoção,
o mesmo sofrimento, a mesma alegria contagiante no instante do gol,
como que se aquele momento supremo do jogo de bola fosse capaz
de anular as diferenças sociais? Que mistério é esse do futebol que
faz surgir do orçamento deficitário do povo, uma inesperada reserva
para o deslocamento até os grandes estádios (...), para a compra de
rojões, panos e tinta para as faixas visando a saudação de seus
ídolos e para a leitura de toda a gama de jornais e revistas,
especializadas ou não, pois todas reportam-se a ele, futebol? Que
fenômeno é esse do futebol, capaz de viabilizar (ainda que
circunstancial e provisoriamente) a união de todos em torno de um
ideal comum — como por ocasião dos campeonatos mundiais —
aproximando os extremos e congraçando todas as correntes de
pensamento, união esta por demais tentada e poucas vezes
alcançada em outros momentos da vida nacional? (...) Serão as
respostas a essas perguntas a demonstração de estar no futebol, um
espécie de reafirmação do espírito brasileiro, de sublimação dos seus
problemas, da sua capacidade de luta e de seu desejo de marcar a
sua posição no cenário internacional? Quais serão seus verdadeiros
valores? O que o faz despertar tantas paixões? Qual a razão de sua
tamanha identificação com o brasileiro?

Bem... Mas essa experiência se deu há vinte anos atraz (ufa!). Hoje,
as alunas em muitos desses cursos já participam das aulas de futebol e
certamente o conhecimento reconhecido nos cursos superiores de Educação
Física vinculados ao esporte e ao futebol, não se limita àqueles aqui
relembrados, certo? Nem tanto. Continuamos afirmando que a maioria absoluta
das escolas de Educação Física ainda não incorporaram à bibliografia da
matéria futebol, o clássico de Mário Filho, O Negro no Futebol Brasileiro, nem
tampouco o História Política do Futebol Brasileiro de Joel Rufino dos Santos,
como também a dissertação de mestrado do professor Antônio Jorge
Gonçalves Soares, Malandragem no Gramado: o Declínio de uma Identidade,
que não merece o mesmo destino da maioria da produção acadêmica de
nossos mestrados e doutorados, qual seja, as gavetas das secretarias das
Posou as estantes empoeiradas das bibliotecas — normalmente só daquela da
instituição onde se deu a defesa —, nas quais podemos encontrar, por
exemplo, a dissertação de Benedito T.. César — defendida em 198 I, no
IFCH/UNICAMP — Os Gaviões da Fiel e A Águia do Capitalismo. Isso sem
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falar do recentíssimo A Sombra das Chuteiras Imortais, coletânea de crônicas


de futebol de Nelson Rodrigues, organizada por Rui Castro.

Queremos afirmar, com isso, que talvez a grande mudança ocorrida


esteja no fato de hoje as alunas já poderem compartilhar, com seus colegas, a
miséria intelectual das aulas de futebol que continuam — e as exceções
confirmam a regra — não dando conta de o estudarem a partir do instrumental
teórico das ciências humanas, pressuposto básico para reconhecê-lo como
prática social e fenômeno sociocultural. Enquanto isso, a chuteirinha continua
nas portas das maternidades, guardando em si suas misteriosas razões...

Mas... e lá fora, na rua, qual o conhecimento reconhecido como


necessário de ser conhecido para se dizer expert no assunto? A Folha de São
Paulo nos ajuda a responder. Em matéria alusiva à Bienal do Livro de São
Paulo, realizada em 1992, datada de 7 de setembro daquele ano, afirma o
articulista Marcos Malafaia que "o total de livros esportivos não chega a cem —
menos de 0.1% do universo apresentado... E continua ele:

Apesar da ausência do produto, não falta consumidor. Os (livros)


mais procurados são os sobre Kung-Fu, principalmente para crianças
e adolescentes (...) os mais vendidos são Os segredos do Ninja e
Ninja, os segredos da invisi-bilidade. Outras modalidades procuradas
são o futebol, A voleibol e handebol. Na maioria, os livros sobre esses
esportes se prendem a explicações de regras e táticas básicas. Não
há um livro sequer que aponte inovações ou analise a estrutura das
modalidades no país ou no exterior...

Em caixa, o mesmo articulista — sob o título Leitor busca a boa


forma— afirma que:

um dos raros tesouros esportivos mais visitados na bienal tem sido a


prateleira de títulos referentes à Educação Física, no estande da
editora Record. No cardápio, alguns livros pouco aprofundados
tecnicamente, mas de muito apelo, como 30 dias para perder a
barriga, Cinco minutos por dia para manter-se em forma ou Programa
de preparo físico do Corpo de fuzileiros navais dos EUA, para
homens e mulheres. Essas publicações — afirma, concluindo — tem
ótimo ritmo de vendas.

Ainda abarcando o esporte, a Folha de São Paulo trouxe mais


recentemente (11/10/93), matéria assinada por Tereza Cristina Gonçalves
sobre A função do Esporte na criança. Num quadro explicativo, elenca os
objetivos do esporte em geral e para cada faixa etária em particular, a função
dos técnicos, o papel dos pais — inclusive durante as competições — e as
desvantagens da especialização precoce. Vamos a ele:

O quadro é significativo no que tem de ratificador daquilo que vimos


afirmando, vale dizer, o esporte 1) em nenhum momento é visto como passível
de ser apreendido pela criança enquanto prática social constitutiva da sua
cultura corporal, e 2) as funções atribuídas à prática esportiva traz inferências
sobre o conhecimento que se reconhece deva ser conhecido pelo profissional
para o desenvolver de suas atribuições, restringindo-o ao campo das ciências
da saúde.
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No referente ao futebol, o mesmo jornal nos contemplou, por ocasião


da Copa do Mundo de 90, com uma reportagem assinada por Flávio Gomes
intitulada Brasileiro entende pouco de futebol, diz pesquisa. Afirma o articulista,
num certo momento, que

numa hipotética prova de futebol, a população de São Paulo passaria


de ano raspando, com nota 5,1. Os que garantem que se interessam
muito pelo esporte ficariam com a nota 5,6. Os que se interessam um
pouco estariam reprovados com 3,8. Aqueles que não estão nem aí
para a bola, ficariam com 2,3.

Quais as questões desse teste de conhecimento sobre futebol? Aí


vão elas:

Como podemos ver, o conhecimento reconhecido como aquele


necessário de ser conhecido para nos dizermos conhecedores de futebol, pela
sua limitação, acaba desrespeitando aquilo que diz querer valorizar, qual seja,
o próprio futebol, por não dar conta de aquilatar o seu sentido / significado na
cultura corporal esportiva do brasileiro.

Não se trata — e é bom que não pairem dúvidas — de negar o


conhecimento circunscrito ao saber jogar e ao saber ensinar a jogar'na
composição do acervo daquilo que deve ser conhecido pelos profissionais da
área. O que defendemos é a ampliação desse, acervo, motivado pelo
entendimento da imperiosa necessidade e importância de nos
instrumentalizarmos para podermos vir a tratar o esporte — e, no caso que nos
serviu de exemplo, o futebol — como prática social, redefinindo, assim, o
universo daquilo que compreendemos deva ser reconhecido na área como
passível de ser conhecido por seus especialistas.
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Portanto... sim, temos o que ensinar. E vimos ensinando. Porém,


como buscamos explicar neste espaço, para que esse ensinar extrapole os
limites mencionados precisamos, mais do que depressa, redimensionarmos o
espectro do conhecimento a ser (re)conhecido pelos profissionais da área, de
modo a garantir que a Cultura Corporal do brasileiro seja apreendida como
dimensão significativa da sua realidade social complexa.

Bibliografia

AZEVEDO, E de. Da Educação Physica: o que ella é; o que tem sido, o que
deveria ser. 2a Edição. Rio de Janeiro, RJ, Editora Weiszflog, 1920.

CASTELLANI FILHO, L. Educação Física no Brasil: A História que não se


conta. 4a Edição. Campinas, SR Editora Papirus, 1994.

________________. "Pelos Meandros da Educação Física". In Revista


Brasileira de Educação Física. CBCE, 14 (3), pp. I 19-125, mai/93.

________________. Educação Física: Diretrizes Gerais para o Ensino de 2o


Grau - Núcleo Comum. Brasília, DF; Editora MEC, 1988.

________________. "O Fenômeno Cultural chamado Futebol: Uma proposta


de Estudo". In Revista ARTUS. Universidade Gama Filho, VIII (15), pp. 6-9,
1985. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física.
3a Edição. São Paulo, SP, Editora Cortez, 1996.

GOMES, F "Brasileiro entende pouco de Futebol, diz pesquisa". In Jornal'Folha


de São Paulo - Caderno Guia da Copa Especial. São Paulo, SR p. 2-3,
4/6/1990.

GONÇALVES, T C. “A Função do Esporte na Criança". \n Jornal Folha de São


Paulo - Caderno Saúde. São Paulo, SR p. 3-4, 11/10/1993.

MALAFAIA, M. "Livros sobre esportes são raros nos estandes. Leitor busca a
Boa Forma". In Jornal'Folha de São Paulo -Caderno Esporte. São Paulo, SR p.
5-4, 7/9/1992.
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CAPÍTULO: TRÊS

Classes de Aceleração: uma Proposta Pedagógica para a


Educação Física

Educação Física e a Cultura Corporal

Pensar uma proposta para a disciplina pedagógica Educação Física,


visando sua inserção no projeto Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino
Fundamental1, requer que a percebamos, por um lado, como um componente
curricular responsável pela apreensão (no sentido da constatação,
demonstração, compreensão e explicação) de uma dimensão da realidade
social, na qual o aluno está inserido, que denominamos cultura corporal, parte
da cultura do homem e da mulher brasileiros. O desenvolver de tal capacidade
de apreensão tem, por sua vez, a finalidade de vir a proporcionar a intervenção
autônoma, crítica e criativa do aluno nessa dimensão de sua realidade social,
de modo a modificá-la, tornando-a qualitativamente distinta daquela existente.

Trocando em miúdos, o que queremos dizer é o seguinte: integrante


da cultura do homem e da mulher brasileiros, a cultura corporal'constitui-se
como uma totalidade formada pela interação de distintas práticas sociais, tais
como a dança, o jogo, a ginástica, o esporte que, por sua vez, materializam-se,
ganham forma, através das práticas corporais. Enquanto práticas sociais,
refletem a atividade produtiva humana de buscar respostas às suas
necessidades. Compete, assim, à Educação Física, dar tratamento pedagógico
aos temas da cultura corporal, reconhecendo-os como dotados de significado e
sentido porquanto construídos historicamente.

Se, aparentemente, tal compreensão parece tranqüila, ela não o é,


de fato. Ao longo do tempo, vem predominando entendimento contrário, que
lhe atribui a tarefa de responder pela melhoria da aptidão física da população
brasileira em geral e dos educandos — quando falamos da escola — em
particular. Já tive a oportunidade de explicar as razões que, a meu ver, fizeram
por configurar uma Educação Física pedagogicamente balizada pelo parâmetro
da aptidão física, como também explicitar todo o esforço desencadeado por
profissionais que buscam estudá-la, desenvolvendo metodologias para o seu
ensino a partir de parâmetros histórico-sociais que a desincompatibilizem dos
códigos que, originários das instituições médica, militar e esportiva,
descaracterizavam-na como prática pedagógica autônoma.

1
O mencionado projeto foi elaborado no início de I 996 por um conjunto de especialistas — o
qual integrei, assumindo a responsabilidade pela área da Educação Física —, consultores da
Fundação para o Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (FDE), com a
intenção de recuperar a trajetória escolar de alunos em situação de defasagem, através da
criação de classes que desenvolvessem uma proposta de aceleração (daí a expressão classes
de aceleração) da aprendizagem que lhes possibilitassem avanços reais, reintegrando-os no
percurso regular do ensino fundamental. Sua execução encontra-se em andamento sob a
coordenação da FDE e da Secretaria de Estado da Educação. O projeto, em sua íntegra, foi
publicado pela Revista IDÉIAS, daquela Fundação, em 1996.
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Por outro lado, dada a natureza do projeto em questão, evidencia-se


a necessidade de a pensarmos como componente curricular privilegiado para a
incorporação de princípios norteadores da ação pedagógica, tais como os
mencionados nas considerações preliminares da proposta do projeto, quais,
sejam mobilizar interesses, ativar a participação, valorizar os avanços, desafiar
o pensamento, aceitar contribuições, melhorar a auto-estima, possibilitar
acertos, instalar entusiasmo e confiança...

Assim, optamos por ter o ESPORTE como tema central da ação


pedagógica. Por quê? Porque a propalada esportivização da Educação Física
trouxe como conseqüência, o fortalecimento de posturas equivocadas que
levaram à sua desconsideração como conteúdo dela. Não atentaram para o
fato de que a sua desesportívízação deve ser compreendida como uma crítica
à mentalidade esportiva dominante na escola, responsável por vê-la como uma
instituição mais do que adequada para vir atender aos objetivos próprios da
instituição esportiva (em última instância, a otimização do rendimento físico-
esportivo) e não como uma crítica ao esporte, prática social — portanto,
construção histórica — que, dada a significância com que marca a sua
presença no mundo contemporâneo, apresenta-se como um dos seus mais
relevantes fenômenos socioculturais.

Mas não só ele, esporte, merecerá nossa atenção. Também a


DANÇA e a GINÁSTICA deverão ser tematizadas pela disciplina pedagógica
Educação Física. O reconhecimento das práticas constitutivas da cultura
corporal, como práticas sociais, vale dizer - nunca é demais repetir –produzidas
pela ação (trabalho) humana com vistas a atender determinadas necessidades
sociais, leva-nos, necessariamente, avivenciá-las tanto naquilo que possuem
de fazer corporal, quanto na necessidade de se refletir sobre a sua significância
e propósito.

Se por si só motivadores, o esporte, a dança e a ginástica deverão


estar envoltos numa embalagem tão ou mais motivadora, qual seja, a
COMPETIÇÃO, que servirá de eixo articulador do processo de tematização
desses elementos da cultura corporal pela Educação Física. Também aqui
queremos chamar a atenção para um outro equívoco: por presenciarmos, em
nossa sociedade, via de regra, o prevalecer de um sentido de competição,
comprometido com os valores hegemônicos na sociedade, que faz por
exarcebá-la naquilo que possui de desumanizadora (ao menos para um projeto
de sociedade que não este que aí está), nega-se a possibilidade de se olhar a
competição como elemento passível de ser construído em outros patamares
que não o existente, retirando-se, apríori, a possibilidade de tratá-la
pedagogicamente. Tratamento pedagógico esse que venha nela particularízar
o princípio do competir com, no lugar do competir contra/que contemple as
diferenças sem camuflá-las, respeitando e valorizando-as igualmente. Dessa
maneira, a competição esportiva presente no espaço escolar tende a distinguir-
se daquela realizada em outros campos pois, diferentemente daquela, deve
estar comprometida com os objetivos da instituição escolar e não com os da
instituição esportiva, tornando-se legitimamente possível falarmos do esporte
da escola - e não na escola - da competição esportiva da escola e não do
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sistema esportivo que, imiscuindo-se nas coisas da escola, a faz perseguir


interesses outros que não os dela,2

Bem... a esta altura, muitos poderão estar se sentindo


desqualificados para tratar pedagogicamente os temas da cultura corporal da
forma enunciada. Esporte, Dança, Ginástica são conteúdos, por si sós, de
difícil trato. Ainda mais privilegiando uma dinâmica que tem como eixo a
competição, tudo isso - se já não bastasse - vinculado ao desafio de serem
tratados a partir de pressupostos pouco comuns, distantes do tradicionalmente
conhecido e hegemonicamente dominante. Por fim - podem estar pensando -
ainda há o agravante de não ser o professor especialista aquele que estará
presente nessas classes de aceleração. Engraçado é que aquilo que, num
primeiro instante pode ser visto como obstáculo, tem lá suas vantagens, Senão
vejamos: se é verdade que o professor ou professora de classe não está
instrumentalizado(a) teoricamente para tratar os conteúdos da cultura corporal,
como aqui defendemos, também o é que os especialistas, embora, em tese,
melhor qualificados para a tarefa, em sua maioria, encontram-se preparados
para lidar pedagogicamente com os temas da cultura corporal, a partir do eixo
da competição, na direção aqui explicitada como aquela da qual pretendemos
nos afastar. Mesmo assim, poderíamos argumentar que o domínio do
conteúdo, em si mesmo considerado, é uma referência de ponto de partida
mais aceitável do que nenhum conhecimento sobre o assunto. Se isso é
verdade, também o é que os professores e professoras de classe conhecem
mais a dinâmica escolar da escola de I °grau, notadamente da Ia a 4a série, do
que os especialistas.

Há não muito tempo, escrevi uma historinha, a qual cha-mej JOGOS


INTERNOS. Nela traço linhas que, ao serem desenvolvidas, desencadeiam a
possibilidade de desenvolvermos nos alunos a competência de perceberem-se
dotados de uma cultura corporal repleta de significações, ao mesmo tempo em
que, ao envolvê-los nas ações nela propostas, valermo-nos da enorme
capacidade de sociabilização inerente aquele universo lúdico-esportivo.
Vejamo-la:

"...Uma olhadela para a folhinha pendurada na parede foi o bastante


para que aquela sensação de 'friozinho' na barriga se manifestasse. A tensão
era grande. Durante meses, todas as atividades desenvolvidas nas aulas de
Educação Física giraram em torno dos preparativos para a competição que
agora se avizinhava.

Como que num piscar d'olhos, vieram à cabeça de Marcos cenas


daqueles dias. Logo cedo, o correr na busca de um melhor condicionamento
físico. Depois, e isso se repetiu por intermináveis dias, horas afio, o trabalho

2
Tal compreensão do papel da competição esportiva escolar, aqui defendido, reflete
entendimento antagônico àquele adotado até o presente momento por esta mesma rede de
ensino, por ela explicitado na normatização vigente voltada para a Educação Física, como
também em práticas administrativas adotadas por Delegacias de Ensino, que levam em conta a
participação de escolas, sob sua jurisdição, nos jogos escolares oficiais promovidos em
parceria com a Secretaria de Esportes e Turismo, chegando ao extremo de considerar a ordem
de classificação por elas obtida como critério de distribuição de material escolar esportivo.
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com bola, na busca do aprimoramento técnico. Interessante, refletia ele, como


o 'jogar bola', de que ele tanto gostava, havia se tornado ao longo daqueles
dias, algo maçante, chato mesmo. O prazer de brincar com a bola, acariciá-la
com os pés, cabeça, peito, havia cedido espaço à repetição exaustiva,
mecânica, de 'chutes a gol' na busca de um rendimento esportivo, de uma
melhor 'performance', que o fazia sentir-se como uma máquina, sem emoções,
robotizando seus movimentos, estereo-tipando-os, vinculando-os aos padrões
'normais', cerceando sua capacidade de movimentar-se livre e criativamente.

Algo, porém, o incomodava. Não sabia bem o quê. Apenas sentia


ser alguma coisa relacionada com a tristeza presente no olhar de Carlos,
ansioso por jogar mas que, por não o saber, não havia encontrado lugar na
equipe e, assim como a maioria, buscava conformar-se em ser mero
espectador.

Mas ainda não era tudo. Incomodava-o também a sensação de


participar de uma competição promovida na e pela sua escola, sem conhecer
sequer os procedimentos adotados em sua organização. Era como se o vissem
incapaz de organizar alguma coisa.

— Por que, pensava ele, nos nossos jogos, não pude me envolver,
em nenhum momento, em seus preparativos, apenas cabendo-me o papel de...
treinar, treinar, treinar, como que se todo o resto não me dissesse respeito? Ah!
Que bom seria se... E assim pensando, adormeceu ,., e sonhou... Sonhou que
todos na escola estavam não só se preparando para os jogos, mas também —
e com que alegria — preparando os jogos. Para começar, na primeira reunião
convocada por ele mesmo para debaterem o assunto, tinham decidido que
naqueles Jogos, todos os alunos jogariam. Trataram, depois, de encontrar uma
maneira de concretizar tal intenção, de forma a preservar o prazer de jogar
tanto para aquele que o sabia fazer bem, quanto para aquele outro que o fazia
não tão bem ou mesmo mal.

— Ora, mas eu só sou bom em futebol. Não sei jogar voleibol muito
bem e no basquete então, mal consigo 'caminhar' na quadra, falou Pedro, o
'Pedrinho', questionando a viabilidade de concretização da decisão,

— Pois então, disse Roberto, o 'Betinho', você ensina futebol para


quem tiver dificuldade em praticá-lo e por sua vez outros o ensinarão a jogar
vôlei e basquete! Afinal, concluiu ele, é de interesse da turma que todos se
saiam bem, pois será o esforço de todos que garantirá o sucesso de nossa
turma, não é pessoal?

E assim ficou combinado. E após essa definição, fazia-se necessário


encontrar um sistema de competição que melhor se ajustasse à situação
existente: instalações e materiais esportivos, dias suficientes para a
competição, número de equipes participantes...

— Puxa! Exclamou Marcos. Quanta coisa para resolver!


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Mas o engraçado era que, apesar de saber ter pela frente muito
trabalho, sentia-se bem disposto. Aqueles eram realmente os seus jogos! Os
Jogos de todos da escola! Sim, porque era evidente que a presença dos
professores também era necessária, pois havia muitos conhecimentos de
ordem técnica que eles desconheciam. Sistemas de competição, por exemplo.
Mas se era verdade que não os conheciam, também o era serem capazes de
passarem a conhecê-los.

— Incrível! Como é gratificante saber-se capaz, pensou Marcos.

E tinha mais... De repente era-lhe clara a possibilidade de


redefinirem as regras do jogo. Elas não eram 'para sempre', pô! Eles poderiam
elaborar outras que mais se ajustassem àquela competição... Por que não?

E ainda mais... Tinham que se decidir pela sistemática de arbitragem


dos jogos e ... ora, mas quem diria que isso pudesse ser possível? Até
checarem a hipótese de não terem juizes!

— Quem estivesse jogando assumiria o compromisso de respeitar


as regras do jogo que, por sinal, ajudariam a elaborar, falou Carlos, aquele
mesmo que, lá no início, estava triste por ter que se contentar em assistir aos
Jogos...

— Puxa vida! gritou Pedro, não conseguindo conter seu


entusiasmo. Nunca poderia imaginar que para organizar jogos em nossa escola
era preciso fazer tanta coisa!

— Mas nós vamos fazê-lo, não é pessoal? perguntou


afirmativamente Marcos.

E foi assim, maravilhado com aquela constatação, que despertou de


seu sono e de seu sonho...

Os Jogos daquele ano correram conforme o tradicionalmente


previsto. Por isso, ninguém conseguia entender aquele sorriso que Marcos
trazia em seus lábios, dando a seu rosto uma feição de felicidade para todos
injustificável. E que somente ele sabia que aqueles tinham sido os últimos
Jogos de sua escola realizados daquela maneira!"

Reflexões acerca da Metodologia de Ensino

Não! Ninguém aqui está sugerindo que, a partir deste projeto,


envolvamos a escola toda numa grande competição escolar centrada nos
procedimentos e valores enunciados ao longo da história que acabam de ler!
Trata-se, isto sim, de nos darmos conta das possibilidades concretas de
lidarmos -- nos limites próprios àqueles das classes de aceleração -- com
elementos da cultura corporal integrantes do cotidiano de nossos alunos e
alunas, de modo a permitir-lhes interagir com eles, não na condição de
consumidores passivos de mercadorias produzidas pela indústria cultural
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corporal esportiva, mas, sim, como sujeitos capazes de construírem, de forma


participativa, crítica e criativa, seus próprios processos de incorporação, em
suas vidas, de parte daquilo presente no universo dessa dimensão cultural.

Pela forma apontada, o aprender a jogar essa ou aquela modalidade


esportiva, a dançar ou a movimentar-se ginastica-mente de modo não
associado à busca do rendimento físico-esportivo, mas sim percebendo a
técnica como conhecimento historicamente produzido e o movimento humano
ali presente, necessário de ser apreendido para além de sua condição de ato
motor; o aprender das regras esportivas percebendo-as enquanto construções
socioculturais modificáveis a partir do desenvolvimento científico-tecnológíco; o
qualificar-se para implementar procedimentos organizacionais de suas próprias
competições esportivas, tudo isso, enfim, comporia unidades programáticas a
serem desenvolvidas.

A esta altura, muitos poderão estar imaginando quão difícil será


desenvolver tais unidades programáticas. Calma! A coisa não é tão complicada
quanto aparenta ser! Que tal pegarmos carona com a historinha acima para
buscarmos entender como lidarmos com todos esses conteúdos
programáticos? Peguemos a questão da competição. O que precisamos saber
para implementá-la? Podemos começar fazendo um levantamento do que
temos de recursos... De quais espaços e equipamentos esportivos dispomos?
Quais suas condições de uso? Quais modalidades esportivas poderiam ser
desenvolvidas? E quanto ao pessoal... quantas pessoas estariam passíveis de
se envolverem na organização e realização da competição? E dinheiro? De
que recursos financeiros disporíamos? Nenhum? E aí? A falta de reais é
obstáculo intransponível à realização dos jogos? Como transpô-lo? E o tempo!
De quanto teríamos? Só finais de semana? Algumas manhãs e tardes? Isso
tudo resolvido, qual sistema de competição melhor se enquadraria às
condições concretas existentes? Campeonato! Em qual variação? Rodízio
simples, duplo, em séries... ou torneio! Em qual variante? Eliminatória simples
ou dupla? Porque não a da consolação?

Peguemos um outro aspecto inerente à implementação de uma


competição esportiva. Divulgação. Como fazer com que os atletas fiquem
sabendo do dia, hora e local de seus jogos? E o restante da comunidade
escolar, como avisá-la? Temos que pensar num Boletim informativo. Como
elaborá-lo? Precisaremos de uma Comissão de Divulgação. Que outras
comissões se farão necessárias? Técnica/'Sim, pois haverá a necessidade de
estabelecermos uma dinâmica que incorpore a idéia de que todos deverão
jogar, sem que isso venha a desconsiderar o nível técnico: quem joga sabe o
quanto é ruim jogar com colegas situados em patamares distintos de domínio
do fazer esportivo. Em contrapartida, homogeneizar as equipes, colocando-as
em "divisões", não poderá significar que quem estiver na divisão b seja inferior
ao da a. Como fazê-lo? Simples, nada complicado, veremos.

O importante é que não percamos de vista a idéia de que técnica é


conhecimento e como tal deve estar presente no horizonte pedagógico da
Educação Física e não como atributo de rendimento esportivo, como
costumeiramente acontece. Será que um aluno que sabe jogar determinada
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modalidade esportiva não é capaz de ajudar um colega a fazê-lo? Vejam... tudo


isso é conhecimento que tradicionalmente é de domínio exclusivo do professor.
E dele a responsabilidade de decidir por esse ou aquele sistema de
competição, essas ou aquelas modalidades esportivas, pelo tempo do evento.
Aos alunos compete... competir, assumirem o papel único de atletas, deixando
todos os procedimentos organizacionais sob os ombros do professor.
Propomos enfaticamente o fim dessa concepção pedagógica. Doravante
desejamos que todo o conhecimento necessário à organização de um evento
esportivo seja entendido como patrimônio da cultura corporal a ser estendida
ao acervo cultural do aluno, de modo a permitir-lhes autonomia na realização
de suas competições esportivas. Mais do que isso, perceberem-se capazes de
realizarem seus jogos, ainda que não automática e mecanicamente, farão com
que eles se sintam confiantes e sensíveis à possibilidade de chamarem para si
a tarefa de resolução dos seus problemas, de todos eles, não só aqueles
restritos ao universo esportivo.

Mas não só do fazer esportivo se constituí a cultura corporal. Como


vincularmos a uma competição escolar iniciativas que também levem em conta
a necessidade de refletirmos sobre tudo aquilo que nela se faça presente?
Mostras de vídeo esportivo? Painéis, debates com atletas profissionais,
técnicos, professores de Educação Física, pesquisadores em ciências do
esporte? Por que não? Mas por que não formarmos uma outra comissão com a
atribuição de propor uma programação a ser seguida no decorrer dos jogos?
Grupos de Ginástica (de Solo, Rítmica, de Aparelhos, por que não?) e de
Dança (popular, moderna, regional...) poderiam ser constituídos. Tudo isso, e
muito mais, é possível, e sua concretização estará subordinada à capacidade
mobilizadora que o trabalho pedagógico puder alcançar, pois o importante é
que se tenha claro que tudo o que foi até agora proposto tem, no professor, o
sujeito desencadeador que vê em seu aluno um parceiro na tomada de
decisões e não uma dócil criança a ser adestrada.

Refletindo sobre as Possibilidades de Avaliação

Falarmos de avaliação em Educação Física não é tarefa fácil, se


desejarmos extrapolar os limites impostos pelo parâmetro da aptidão física, até
hoje — pelo menos enquanto normatização — vigente em nosso país. Por ele,
como a melhoria da aptidão física é o objetivo a ser alcançado pela Educação
Física, delimitavam-se as intenções de avaliação à esfera do aquilatar a
contribuição da atividade física no desenvolver da resistência orgânica dos
alunos, muitas das vezes — e não por acaso — sendo tal contribuição checada
na perspectiva do grau de rendimento físico e esportivo desenvolvido através
da atividade corporal.

Entendemos que, na direção da superação da forma de


entendimento construído a partir do parâmetro mencionado, podemos pensar
basicamente, em dois níveis de avaliação. O primeiro deles, diz respeito à
observância do grau de acervo corporal do aluno, vale dizer, ao grau de
apropriação por ele obtido, das diferentes formas de se movimentar,
proporcionadas tanto pelas modalidades esportivas quanto no referente às
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outras atividades corporais. Não se trata — sempre é bom repetir — de avaliar


performance, mas sim buscar saber se, e em quanto, o acervo corporal Ao
aluno sofreu modificações. Trata-se mesmo de, em se sabendo dos seus
limites no início dos trabalhos, observarmos a signifi-cância dos avanços
obtidos ao final dos mesmos,

O segundo, refere-se ao grau de apreensão do significado histórico-


social dos elementos da cultura corporal, por parte do aluno. Nele buscamos
avaliar sua compreensão acerca dos valores ético-politicos que formam e
informam a nossa cultura corporal. Notem que em ambos os níveis de
avaliação, primamos por atentar para o desenvolvimento do aluno e não para o
seu desempenho. Vincula-se a essa compreensão de avaliação, a
preocupação de estarmos atentos à maneira pela qual o processo de
sociabilização, motivado pela dinâmica pedagógica adotada, desencadeia-se.
Depreende-se, assim, estarmos nos referindo à avaliação do processo ensino-
aprendizagem, no qual a avaliação do aluno é apenas um dos componentes,
não mais ou menos importante que os demais.

Como horizonte a ser alcançado pelos alunos, no que se relaciona


ao desenvolvimento de suas capacidades de apreensão da realidade social
complexa, temos como referência -- dada a faixa etária em que se situam, a
especificidade desse componente curricular frente aos demais e a
particularidade do processo de escolarização, a eles pertinente — a
configuração de um salto qualitativo que os situem nas linhas limítrofes dos
campos dos ciclos de iniciação à sistematização do conhecimento e ampliação
da sistematização do conhecimento.

No primeiro deles (Ciclo de iniciação à sistematização do


conhecimento), o aluno vai adquirindo a consciência de sua atividade mental,
confrontando os dados da realidade com as representações do seu
pensamento sobre eles. Começa a estabelecer nexos, dependências e
relações complexas, representados no conceito e no real aparente. Estabelece
o salto qualitativo para o próximo ciclo (de ampliação da sistematização do
conhecimento) ao se fixar generalizações. Nesse ciclo, amplia as referências
conceituais do seu pensamento, tomando consciência da atividade teórica, ou
seja, de que as operações mentais exigem a sua reconstituição na imaginação,
com o fim de atingir sua expressão discursiva, vale dizer, a leitura teórica da
realidade. Qualifica-se para o próximo ciclo (de aprofundamento da
sistematização do conhecimento) ao dar conta da reorganização da
identificação dos dados da realidade através do pensamento teórico —
propriedade da teoria,

Exemplos concretos de como isso se dá na disciplina Educação


Física, ao tematizar as práticas sociais componentes da cultura corporal,
tratando-as pedagogicamente, serão objetos de nossas atenções em texto que
se sucederá a este. Por ora, fiquemos abertos à possibilidade de olharmos
para a disciplina pedagógica Educação Física, com os olhos de quem a
percebe integrada a um determinado processo pedagógico de um determinado
projeto educacional, centrados em parâmetros histórico-sociais.
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Comentando as Referências Bibliográficas

As idéias contidas neste texto fundamentam-se em livros e artigos


publicados, em sua maioria, a partir da segunda metade dos anos 80, quando
passamos a viver no interior da Educação Física, um momento de anunciação
do novo, daquele que surge não pela pura e simples eliminação do velho, mas
sim pela sua apreensão e subseqüente superação.

Assim, podemos nos referir, hoje, a um quadro de Teorias da


Educação Física no qual localizamos concepções pedagógicas que, no
concernente à questão da metodologia do ensino, podem ser agrupadas em
não propositivas e propositivas, dentro da qual localizamos aquelas não
sistematizadas e as sistematizadas. Quanto às não propositivas, encontramos
as abordagens fenomenológica (representada pelos professores Silvino Santin
e Wagner Wey Moreira), Sociológica (representada pelo professor Mauro Betti)
e Cultural(representada pelo professor Jocimar Daólio). Em comum, abordam a
Educação Física escolar sem contudo estabelecerem metodologias para o seu
ensino. No campo das propositivas não sistematizadas, deparamo-nos com as
concepções desenvolvimentista (representada pelo professor Go Tani),
construtivista (representada pelo professor João Batista Freire), crítico-
emancipatória (representada pelo professor Elenor Kunz) e uma outra,
originária da abordagem Cultural, recém-batizada pelo seu representante de
Plural. Todas essas apontam para uma configuração de Educação Física
escolar, sem, todavia sistematizarem-na metodologicamente.

Por fim, no universo das propositivas sistematizadas, encontramos


aquela que centra sua ação pedagógica no eixo paradigmático da aptidão física
e uma outra, que nos serve de referência para este trabalho, chamada crítico-
superadora.

Falamos de Cultura Corporal nos termos presentes no trabalho


publicado pela editora Cortez, em primeira edição datada de 1992, segunda de
1994 e terceira de 1996, sob o título de Metodologia do ensino de Educação
Física, assinado por um Coletivo de Autores constituído por Carmen Lúcia
Soares, Celi Taffarel, Elizabeth Varjal, Micheli Escobar,Valter Bracht e por
mim. A meu critério, resumo da forma abaixo descrita a proposta nele contida:

a) pautamo-nos no Materialismo Histórico Dialético, enquanto


método de análise da realidade;

b) a concepção pelo Coletivo denominada de crítico-superadora,


situa-se dentre as teorias críticas da educação, tendo-se como referência o
quadro das Concepções Filosóficas da Educação elaborado por Saviani;

c) crítico-superadora porque tem a concepção histórico-crítica como


ponto de partida. Assim como ela, entende ser o conhecimento elemento de
mediação entre o aluno e seu apreender (no sentido já explicitado). Porém,
diferentemente dela, privilegia uma dinâmica curricular que valoriza, na
constituição do processo pedagógico, a interação dos diversos elementos (trato
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do conhecimento, tempo e espaço pedagógicos, normatização...) e segmentos


sociais (professores, funcionários, alunos e seus pais ...);

d) a Educação Física, disciplina pedagógica, tem como objeto de


estudo temas inerentes à Cultura Corporal, os mesmos que, historicamente, a
vem compondo: Jogo, Ginástica, Dança, Esporte, Não se localiza aí, contudo, a
distinção dessa concepção com as demais, mas sim na forma proposta de
tratamento pedagógico desses conteúdos, como apontamos no texto;

e) preconiza uma outra estrutura para o processo de escolarização,


centrada na idéia de Ciclos de Escolarização. Para facilitar o trânsito de um
modelo seriado para o de Ciclos, estabelece uma relação entre os modelos,
ficando o mesmo assim configurado:

‐ 1° Ciclo (Pré-Escola à 3ª série): Ciclo de Organização da


identificação dos dados da realidade;
‐ 2° Ciclo (4ª à 6ª série): Ciclo de iniciação à sistematização do
conhecimento;
‐ 3° Ciclo (7ª à 8ª série): Ciclo de ampliação da sistematização do
conhecimento;
‐ 4° Ciclo (1ª à 3ª série - Ensino Médio): Ciclo de aprofundamento
da sistematização do conhecimento;

f) defende o prevalecer da Diretividade Pedagógica (no sentido


difundido por George Snyders). Cabe ao professor explicitar a prioria
intencionalidade de sua ação pedagógica, pois ela não é neutra. Ao contrário, é
Diagnostica (parte de uma "leitura "/interpretação da realidade, de uma
determinada forma de estar no mundo), Judicativa (estabelece juízo de valor) e
Teleológica (é "ensopada" de metas, fins a alcançar). Tal ação pedagógica,
tem no conhecimento sobre a realidade, manifesta pelo aluno, o seu ponto de
partida. Como seu horizonte de trabalho pedagógico, tem o de qualificar o
conhecimento do aluno sobre aquela mesma realidade — no sentido de dotá-lo
de maior complexidade —, de tal forma que ela, Realidade, é a mesma... e é
diferente!;

g) privilegia a avaliação do processo ensino-aprendizagem. As


razões que fizeram por traduzir uma Educação Física pedagogicamente
centrada no parâmetro da aptidão física, além dos esforços de profissionais da
área para desincompatibilizarem-na dos códigos originários das instituições
médica, militar e esportiva, foram por nós analisados, em 2 artigos: "Pelos
meandros da Educação Física"(RBCE, n ° 14(3), I 993) e "Considerações a
respeito do conhecimento (re)conhecido pela Educação Física escolar"
(Revista Paulista de Educação Física: USR suplemento n°1, 1995). Antes
deles, também já nos debruçamos sobre o assunto em livro publicado pelo
Ministério da Educação, em 1988, sob o título Educação Física - Projeto
Diretrizes Gerais para o ensino de 2º Grau - Núcleo Comum, como também em
outro, do mesmo ano, publicado pela Papirus, hoje em sua 4ª edição,
denominado Educação Física no Brasil: A História que não se conta. Também
o professor Valter Bracht, em artigo publicado pela Revista da Fundação de
Esporte e Purismo do Paraná (ano 1(2), Curitiba, 1989), intitulado Educação
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Física: a busca da autonomia pedagógica, trata do tema. Já em 1983, Bracht


publicava no n° 9(3) da Revista Brasileira de Ciências do Esporte, o artigo
Educação Física Escolar como Campo de Vivência Social, ambos os artigos
compilados ao lado de outros no livro Educação Física e aprendizagem social,
publicado pela editora Magister, de Porto Alegre, no ano de 1992. Já as
professoras Carmen Lúcia Soares, Celi Taffarel e Míchelí Escobar tiveram
publicado na Coletânea organizada por Wagner Wey Moreira denominada
Educação Física e Esportes - Perspectivas para o Século XXI, no mesmo ano
da publicação do Livro do Coletivo de Autores mencionado neste texto, o artigo
A Educação Física Escolar na perspectiva do Século XXI. Quanto ao tema
competição esportiva, no sentido de instrumento de sociabilização dos
educandos, reportamo-nos a um livro publicado no Brasil em 1979 pela
EDUSP, do educador francês Auguste ListelIo, sob o título Educação pelas
Atividades Físicas, Esportivas e de Lazer que corrobora, junto com os demais
textos aqui citados, com a concepção pedagógica orientadora desta proposta.

Listamos a seguir, as referências bibliográficas acima comentadas


assim como outras que, embora não caminhem necessariamente na direção
apontada por este trabalho, situam-se no horizonte das concepções
pedagógicas localizadas na Educação Física brasileira.

Bibliografia
BETTI, M. Educação Física e Sociedade. São Paulo, SR Editora Movimento,
1991.

__________. "Ensino de I °e 2°graus: Educação Física para quê?", In Revista


Brasileira de Ciências do Esporte, CBCE, I 3 (12), pp. 282-287, jan/1992.

BRACHT. V. Educação Física e Aprendizagem Social. Porto Alegre, RS,


Editora Magister, 1992.

__________. "Educação Física: a Busca da Autonomia Pedagógica", In


Revista da Fundação de Esporte e Turismo do Paraná, Curitiba, PR, 1(2), pp.
12-19, 1989.

CASTELLANI FILHO, L. Considerações a Respeito do Conhecimento


(Re)Conhecido pela Educação Física Escolar", In Revista Paulista de
Educação Física, São Paulo, SP Suplemento n° 1, pp. 10-17, dez/1995.

__________. Educação Física no Brasil: a História que Não se Conta. 4ª


Edição, Campinas, SP Editora Papirus, 1994.

__________. "Pelos Meandros da Educação Física", In Revista Brasileira de


Ciências do Esporte, CBCE, 14(3), pp. 119-125, mai/1993.

__________. "Jogos Internos". In Revista Motrivivência, Aracaju, SE, 1(1), pp.


23 - 24, dez/1988.
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__________. Educação Física: Diretrizes gerais para o Ensino de 2° grau -


Núcleo Comum. Brasília, DF Editora MEC, 1988.

COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. 3a


Edição, São Paulo, SR Editora Cortez, 1996.

DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas, SR Editora Papirus, 1995.

__________. "Educação Física Escolar: uma Abordagem Cultural". In: Piccolo,


V L. (org.). Educação Física Escolar: Ser...ou não Ter? Campinas, SR Editora
UNICAMR pp. 49-57, 1993.

FREIRE, J. B. De Corpo e Alma: o Discurso da Motricídade. São Paulo, SR


Editora Summus, 1991.

__________. Educação de Corpo Inteiro: Teoria e Prática da Educação Física,


São Paulo, SR Editora Scipione, 1989.

GALLARDO, J. S. R "Proposta de uma Linha de Ginástica para a Educação


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Ter/Campinas, SR Editora UNICAMR pp. 117-129, 1993.

GHIRALDELLI JÚNIOR, R Educação Física e Pedagogia: a Questão dos


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HILDEBRANDT R. "Experiência: Uma Categoria Central na Teoria Didática das


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__________. Educação Física no Ensino de 1° Grau: do Acessório ao


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TAFFAREL, C. Criatividade nas Aulas de Educação Física. Rio de Janeiro, RJ,


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TANNI, G, et ai. Educação Física Escolar: Fundamentos de uma Abordagem


Desenvolvimentista. São Paulo, SR EPU -EDUSR 1988.
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CAPÍTULO: QUATRO
1
Do Nhenhenhém à Teoria da Prática

NHENHENHÉM: S. M. Brás. I. Resmungo. Rezinga; 2. I Y Falatório


interminável. É assim que o Novo Dicionário Básico Da Língua Portuguesa -
Folha/Aurélio reporta-se à expressão trazida novamente para baixo dos
holofotes por Fernando Henrique Cardoso — recentemente rebatizado de
Fernando Honoris Causa, por conta dos títulos que vem recebendo de seus
pares, em várias partes do mundo, maravilhados por terem um colega na
presidência de um país — , retrucando seus opositores que o taxavam de
neolíberal travestido de social-democrata. —Resmungo, falatório interminável
de uma esquerda jurássica, nhenhenhém... Num típico exemplo do feitiço
virando contra o feiticeiro, nhenhenhém passou a ser sinônimo das ações do
Governo FHC, defensor cada vez mais desavergonhado do "capitalismo sem
risco, da socialização de prejuízos privados, da estatização dos problemas e
privatização de benesses e privilégios", segundo palavras estampadas em
editorial pela insuspeitadíssima flor do liberalismo tupiniquim Folha de São
Paulo, em 16 deste mês de agosto. Mês de verdadeiro inferno astral para um
governo que se viu às voltas com a impossível tarefa de justificar os
injustificáveis casos Dallarie Banco Econômico do ACM, digo, da Bahia,
buscando conter a perda da já escassa credibilidade que ainda lhe resta.

Sim, mas se o assunto é Educação Física, o que tudo isso aí em


cima tem a ver com ela? Bem... para muitos em nossa área, absolutamente
nada! — Isso é coisa do pessoal do "social"; é tudo política, coisa de gente que
não se apercebeu que os tempos são outros, que o "muro de Berlim" caiu já há
algum tempo, que o comunismo morreu e que Marx já era, dirão. Dirão não,
pensarão (?!),pois se abrirem a boca... aí então vai ter debate, discussão...
nhenhenhém. Para outros tantos, porém, contextualizar as reflexões acerca da
Educação Física é condição essencial para que possamos buscar respostas ao
significado da pertinência de sua permanência, enquanto disciplina
pedagógica, no sistema educacional brasileiro. E hoje, mais do que nunca, falar
da educação formal em nosso país, é falar da investida governamental contra a

1
Este Artigo foi escrito por conta de minha participação no Seminário Educação Física Escolar:
Tendências e Desafios dos Anos 90, organizado pela Seção São Paulo do Colégio Brasileiro
de Ciências do Esporte, CBCE, e pelo Núcleo de Estudos e Debates em Educação Física,
NEDEF, ambos tendo à frente, naquela ocasião, Francisco Eduardo Caparroz, Renato Saddi e
..., então professores de Educação Física da Rede de Ensino Paulista. Realizado em agosto de
1995 nas dependências do SINPRO— Sindicado Nacional dos Professores da Rede Particular
de Ensino — em São Paulo, teve o mérito de promover o debate entre três professores da
Faculdade de Educação Física da UNICAMP'(João Batista Freire, Jocimar Daólio e eu) com
contribuições tidas como significativas para a disciplina pedagógica Educação Física, debate
esse não realizável naquela instituição por motivos que busquei retratar em minha participação
e no meu texto. Em 1996, o NEDEF publicou um Caderno de Debates, com tiragem diminuta e
circulação restrita aos participantes, com os textos dos palestrantes e dos elaborados pelos
organizadores, fazendo constar também respostas às perguntas formuladas por eles aos
debatedores. É interessante notar como muito daquilo que lá, agosto de 995, se perspectivava,
fez-se por concretizar nos anos que se seguiram, dando ao texto, neste 1998, um ar de grave
atualidade.
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escola pública, articulada basicamente em duas frentes que correm paralelas:


Uma, privilegia o ataque regular e sistemático ao ensino público, suca-teando-o
com vistas a construir, junto à opinião pública, a idéia de que o oriundo da
iniciativa estatal não presta, tendo qualidade incomparavelmente inferior àquela
encontrada em similares na iniciativa privada. Escolas velhas, carcomidas pelo
tempo e pela ausência de manutenção regular, docentes aviltados por salários
e condições de trabalho indignos, configuram um quadro de terra arrasada,
sobre a qual a privatização do ensino se insinua cada vez mais
descaradamente. Outra, busca corroer e desarticular as instâncias organizadas
dos trabalhadores da educação, responsáveis pela construção de um Projeto
de Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional— ora em tramitação no
Senado sob o n° 101 - substitutivo Cid Sabóia - neste momento sob fogo
cruzado no Congresso, apunhalado por uma tentativa de golpe manipulada
pelo senador Darcy Kibeiro, arauto dos interesses palacianos em sua cruzada
privatísta no campo da Educação.

O eco dos acontecimentos presentes no cenário nacional ressoa


vivamente em nosso Estado, São Paulo. É de 20 de agosto, próximo passado,
uma matéria paga publicada, na Folha de São Paulo, pelo Sindicato dos
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo - APEOESP. Sob o
título A Escola Pública exige respeito, conclama os professores da Rede
Estadual de Ensino a paralisarem suas atividades no dia 23 para, em
assembléia, deliberarem sobre questões traduzidas pela nota que, dada a sua
importância neste momento, passamos a transcrever:

Os professores e a comunidade escolar não suportam mais as


arbitrariedades do governo estadual. Em meio ano de gestão já foram baixados
diversos decretos, resoluções e comunicados, sempre de forma unilateral e
autoritária. O pacote contém, entre várias, uma medida ilegal sobre faltas de
professores, uma que disvirtua o objetivo do trabalho pedagógico(HTP), outras
sobre afastamento de professores, aposentadoria, avaliação de funcionários,
além de reposição de aulas.

Ao mesmo tempo, o Orçamento do Estado, que determina a


aplicação de 20,9% do ICMS na folha de pagamento do pessoal da Educação,
vem sendo sistematicamente desrespeitado. Em vez do que diz a lei, Covas
destina apenas 13,65% aos salários. Com isso, os salários continuam
aviltantes. Por uma aula, o Estado paga apenas R$ 2,00. É um desrespeito!

A Secretaria de Educação não se propõe a negociar com as


entidades ou com a comunidade escolar e espalha uma grande apreensão
quanto ao que pode acontecer nas escolas no próximo ano letivo. Nada é
comunicado sobre o projeto global para a Educação em 96 e o que vemos
muito claramente é um forte desejo do governo estadual em 'enxugar' os
quadros e os recursos, sem nenhum esforço em buscar a qualidade do ensino.

Aqui cabe um parêntese para falarmos das Universidades Públicas


Paulistas. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do Estado de São Paulo,
para 1996, decretou o congelamento, de fato, da cota parte do ICMS destinada
a elas — 9,57% — ao valor máximo arrecadado em I 995, o que,
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objetivamente, corresponde à não observância do percentual estabelecido,


configurando arranhões profundos na tão propalada autonomia universitária.
Mas voltemos à nota da APEOESP:

Todos sabemos que hoje existe falta de professores nas escolas e


as classes estão superlotadas. No entanto, a secretária anuncia seu projeto de
reestruturação da rede onde pretende manter apenas 180 mil professores, o
que significa a demissão de 60 mil dos atuais. Será que ela vai fechar escolas?
Vai 'amontoar' alunos nas salas de aula?

A secretária afirma que o projeto para o Plano de Carreira não está


definido, mas também não se dispõe a discutir amplamente com a rede. Não é
direito dos professores discutirem os rumos da sua própria carreira
profissional?

A secretária tem anunciado seu propósito de municipalizar da Ia à 4a


séries, mas diz não ter os termos do projeto. Essa municipalização pode
ocorrer já em 95. Pela imprensa, a Secretaria de Educação anunciou que quer
dividir a rede: algumas escolas abrigariam apenas da Ia à 4a séries; outras, da
5a à 8a, além do 2o grau. Caso a secretária se preocupasse ao menos em
ouvir quem freqüenta as escolas cotidianamente, saberia que muitas famílias
têm, na mesma escola, um filho numa série mais adiantada encarregado de
cuidar do irmão mais novo que cursa uma inicial. Como ficam essas crianças?
Há também os problemas do magistério: a atribuição de aulas fica sem efeito?
O professor que é titular em uma escola pode ser obrigado a se transferir?

Discordamos dos método utilizados pela SE, impondo sua política.


Por isso, a APEOESP reivindica que a secretária venha a público, em um
Fórum de Debates, para tratar das questões que pretende implementar e que
podem mudar substancialmente a vida de toda a comunidade escolar.

A discordância, pois, com os métodos adotados pela Secretaria de


Educação do Estado de São Paulo parece também ter encontrado guarida
entre os parlamentares da Assembléia Legislativa do Estado, que advogam a
necessidade para a implementação do chamado Projeto de inovações no
ensino básico - IEB -, de ele voltar a tramitar por aquela casa, conforme
noticiado em matéria assinada por Fernando Rosseti publicada na Folha de
São Paulo do dia 18 de agosto p.p.

Assistimos, portanto, tanto no plano nacional quanto estadual, um


cotejo entre forças sociais e políticas antagônicas, que buscam defender
políticas educacionais sintonizadas com seus projetos históricos de sociedade.
Todos, porém, guardam uma coisa em comum: demonstram, a seu modo,
terem consciência de que a análise das transformações do e no processo de
trabalho face às inovações tecnológicas vem colocando em evidência — ainda
que, às vezes, subliminarmente — a imperiosa necessidade do
redimensionamento do sistema educacional brasileiro, na direção da definição
de novos referenciais para a configuração do binômio Educação e
desenvolvimento.
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Dentro deste novo paradigma científico/tecnológico, as instâncias


responsáveis pela formação profissional, nas suas mais distintas áreas, vem
enfrentando o desafio de buscar precisar, dentre outros aspectos de ordem
político-administrativa, d.) qual conhecimento deve ser selecionado e levado
para dentro das escolas formadoras, b) como organizá-lo e sistematizá-lo no
seu interior e c) qual o tempo pedagógico necessário ao processo de
qualificação do trabalhador.

E aqui estamos nós, de novo, de volta à Educação Física Como


essas questões vêm repercutindo em sua comunidade? Como as instituições
de ensino superior responsáveis, hoje, por aproximadamente 150 cursos
superiores de Educação Física que descarregam, literalmente, no mercado de
trabalho, aproximadamente 10 mil novos profissionais por ano, vêm
respondendo a esses desafios? Como vêm tratando elas, a questão da
Educação Física, matéria curricular integrante dos currículos plenos de todos
os níveis de ensino, do 1º ao 3º grau?

Vamos aos fatos. Do final dos anos 70 para cá, ela vem
consolidando-se enquanto área acadêmica. Implantou e implementou seus
programas de pós-graduação strito sensu, primeiramente, no mestrado, e, a
partir dos anos 90, no doutorado, os quais são responsáveis por uma gama
quantitativamente significativa de dissertações e teses, mais aquelas do que
estas, defendidas. A partir da segunda metade dos anos 80, por conta de
movimentos já identificados e interpretados em várias oportunidades por
diferentes profissionais, passamos a conviver com propostas pedagógicas dos
mais distintos matizes, que ampliaram significativamente o leque de
possibilidades de tratamento dessa disciplina pedagógica, fazendo-nos supor
que os seus dias de apêndice da educação escolar estariam contados, à
medida que germinaria, tanto no ambiente universitário quanto no das escolas
de 1°e 2° graus, um salutar ambiente de debate e reflexão coletiva acerca de
sua ação pedagógica.

Pobre engano! Por mais paradoxal que possa parecer, deparamos -


nos com a existência de um quadro caracterizado por uma gritante aversão ao
debate político-filosófico-pedagógico em nossa área. Domina, em nosso meio,
apoiado em uma compreensão de sociedade organicamente harmoniosa, um
sentimento altamente refratário ao embate acadêmico, por traduzi-lo como
espaço de explicitação de diferenças e divergências que não se coadunam
com a percepção de sociedade acima mencionada. Posições contrárias essas
que se configuram, por conta da visão de mundo presente hegemonicamente,
como manifestações patológicas de desarranjos organizacionais.

Foge-se do debate como o diabo foge da cruz! Ambiguamente,


defende-se o pensamento plural, buscam-se construir práticas consensuais
desde que essa pluralidade não macule a ordem estabelecida e o consenso
seja obtido em tomo do pensamento dominante, comprometido com a
manutenção do status quo. Busca-se a paz dos cemitérios. Reveste-se a
estrutura administrativa acadêmica de mantos protetores, impermeáveis a
dúvidas ou questionamentos. Nela, todos reinam absolutamente, cada
departamento constituindo-se num todo maior e independente, cada docente
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dentro dele também livre para cuidar de seus próprios interesses, reagindo
intempestivamente quando, camaleonicamente travestidos de progressistas,
são flagrados em práticas conservadoras, quando não reacionárias.

Aqueles que se recusam compactuar com essa perspectiva de ação,


são destinados rótulos que buscam estigmatizá-los enquanto profissionais não
dotados de sentido prático, mal humorados, do contra, preocupados em tudo
teorizar. Não se apercebem — os que assim agem — que ao negarem a
necessidade de se refletir sobre a prática, sobre a realidade social complexa na
qual agem e se encontram inseridos, produzem aquilo que mais acreditam
abominar, qual seja, uma Educação Física abstrata, desvinculada da realidade,
desconexa, irreal, fictícia. Constroem, dessa maneira, uma prática que já nasce
impossibilitada de ser crítica e, por isso mesmo, criativa. Nasce fadada a ser
igual a tudo o que já existe e que dizem desejar modificar. Não é de se
estranhar que, diante desse quadro, deparemo-nos com a seguin-te frase,
encontrada em uma (in)certa faculdade, de uma (in)certa universidade de um,
cada vez mais, (in)certo país: teoria é quando se sabe tudo e nada funciona;
prática é quando tudo funciona e ninguém sabe o porquê. Neste recinto,
conjugam-se teoria e prática: nada funciona e ninguém sabe o porquê.

Estou querendo demonstrar que não é a inexistência de propostas


pedagógicas consistentes que vêm inibindo a implementação de uma prática
pedagógica, comprometida com o novo, na Educação Física brasileira. Nos
artigos mais recentemente publicados por mim sobre essa temática, detive-me
sistematicamente em abordar historicamente os determinantes de uma
Educação Física construída a partir de um certo eixo paradigmático, e alinhavar
os pressupostos para a superação daquele parâmetro na direção de um de
natureza histórico-social. Em um esforço coletivo de construção de um novo
patamar de síntese provisória sobre a questão da Metodologia do Ensino de
Educação Física, apresentamos aos seus profissionais, um trabalho que
sintetiza, a meu juízo e sem motivos para falsa modéstia, o que de mais
elaborado podemos hoje encontrar acerca do assunto, malgrado seus visíveis
limites.

Vi-me ainda, nestes últimos anos, envolvido com projeto voltado


para a capacitação dos professores de Educação Física da rede de ensino
deste Estado. Refiro-me ao Programa de Capacitação para Assistente de
Apoio Pedagógico implantado e implementado pela Fundação para o
Desenvolvimento da Educação - FDE- da Secretaria da Educação do Estado
de São Paulo, durante o ano de 1993, no qual desempenhei a função de
Coordenador da área de Educação Física. Em certo instante do relatório por
mim formulado e encaminhado à coordenação geral do Programa, afirmo:

...Evidentemente, a responsabilidade pela qualificação profissional,


originariamente é das Instituições de Ensino Superior. Cabe, porém, à
rede pública de ensino buscar estabelecer mecanismos que
viabilizem a capacitação/atualização profissional de seu quadro
docente, ao mesmo tempo em que alertem àquelas IES, da falácia
contida no processo de formação profissional, chamando-as à
responsabilidade. Sem o envolvimento conseqüente desses setores,
a pergunta 'como definir mecanismos eficazes de
capacitação/atualização profissional de aproximadamente 17.000
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professores' — no caso da Educação Física — , ficará sem


resposta....

Em outra passagem do mesmo relatório, assim posiciono-me:

... Quatro questões — de ordem geral — merecem ser aqui


colocadas, como dificultadoras de ações inerentes ao Programa em
particular e na alteração da prática pedagógica afeta à Educação
Física nesta Rede Estadual de ensino, a saber: a) está configurado
um conflito institucional entre a FDE e a CENP que, sem margem de
dúvida, afeta sobremaneira a consecução deste (e provavelmente de
outros) Programa. Nesse particular, vimos intercedendo junto ao setor
de Educação Física da CENP, de modo a aparar as arestas
existentes, localizadas, originariamente, não no interior daquela
equipe, mas na administração superior daquele órgão: b) Os
desencontros de natureza administrativa vinculados à consecução do
Programa, em muitos momentos geraram situações atritivas,
explicitadoras de uma 'disritmia' entre FDE/DRES/DES/UES; c) A
constatação da inexistência de sequer uma Divisão Regional de
Ensino — quanto mais uma Unidade Educacional, ou mesmo
Delegacia de Ensino — possuidora de um acervo bibliográfico que
contemple, ao menos, a bibliografia do concurso público, em um
contexto onde o salário docente torna cada dia mais proibitivo a
aquisição de livros pelos professores, coloca em xeque a veracidade
política do compromisso com um ensino de qualidade; d) No
pertinente à especificidade da área da Educação Física, detectou-se
uma marcante influência da Secretaria de Esportes e Turismo do
Estado na configuração dos Jogos Escolares. Tal Influência vem
sendo determinante para que os mencionados Jogos sintonizem-se
com os objetivos inerentes à instituição esportiva — que tem a
Secretaria de Esportes como fiel representante — e não àqueles
afetos à instituição educacional, de modo a termos um 'Jogos
Escolares' na escola e não da escola, vale dizer, sintonizados com o
projeto pedagógico da escola. Tal quadro acaba por configurar
deturpações absurdas, como aquelas constatadas em algumas
Delegacias de Ensino, que adotam a participação da escola nos
Jogos — ou até mesmo a ordem de classificação obtida por ela —
como critério para a distribuição de material esportivo para a área de
Educação Física! (no final daquele ano, mais especificamente no dia
30 de dezembro, a Secretaria do Estado da Educação fez publicar a
Resolução SE-275, que veio corroborar com este item do relatório); e)
Não podemos perder de vista que tal quadro se configura com a
aprovação da maioria dos professores da área, que por conta de seu
processo formativo, afina-se com uma concepção de Educação Física
escolar que tem no esporte quase que seu exclusivo conteúdo, ainda
por cima voltado ao atendimento dos valores afetos à instituição
esportiva, ou seja, performance esportiva, rendimento físico-
esportivo.

E assim concluía o relatório;

Resta saber se a concepção de Educação Física defendida pela


Secretaria do Estado da Educação, chancela tal quadro. Cabe
ressaltar que as Portarias regulamentadoras dos Jogos Escolares —
portanto desta concepção de Educação Física escolar — são
consignadas pela FDE e CENR

Foi a partir das experiências acumuladas no conjunto dessas ações,


que me decidi por tomar a iniciativa de privilegiar, neste instante, um enfoque
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que realçasse a necessidade de buscarmos dar tratamento técnico-político a


questões que, em nosso meio, são tratadas ou por um academicismo
inconseqüente ou por posturas técnico-burocráticas tão equivocadas quanto
aquelas.

Em documento denominado A Educação Física no 3o Congresso


Estadual de Educação, realizado no período de 27 a 29 de março de 1985 —
há mais de 10 anos, portanto —, concluíamos nosso raciocínio dizendo:

...Quanto à Educação Física, fica-nos a esperança de que a


participação do professorado nas 'coisas' de sua categoria se
concretize efetivamente, de forma a permitir avanços cada vez mais
visíveis na busca de soluções para os problemas que insistentemente
permeiam a nossa prática profissional.

De lá para cá, muita coisa aconteceu! Nos reorganizamos enquanto


setores da sociedade civil, fortalecemos instâncias partidárias comprometidas
com os de baixo, fomos às ruas pelas diretas já, destituímos um presidente da
república corrupto... Em nossa área, assumimos a direção do Colégio Brasileiro
de Ciências do Esporte, CBCE, e da Federação Brasileira das Associações de
Professores de Educação Física, FBAPEF, fazendo avançar as reflexões em
torno de uma cultura corporal comprometida com uma sociedade justa e
democrática. Colaboramos para o amadurecimento da Educação Física como
área de conhecimento, amadurecemos com ela... e parece que cansamos, à
medida que os resultados parecem não corroborar com tanto trabalho, com
tanta luta!

Não podemos nos deixar apanhar pelas armadilhas do nhenhenhém


neoliberal que grassa à nossa volta. Não podemos ter vergonha de continuar
acreditando na imperiosa necessidade de teorizarmos nossa prática, de a
refletirmos exaustivamente em nosso cotidiano, em buscarmos reconstruir
nossa confiança e esperança de que somos capazes de intervir nesta realidade
em que nos inserimos, de maneira a construirmos, dia a dia, os pilares de uma
Educação Física comprometida com um quadro de cultura corporal
qualitativamente novo, constitutivo da cultura do homem e da mulher brasileiros
e comprometido com a estruturação de uma sociedade socialista.

Fica aqui, a tradução livre de um poema de um escritor negro,


James Baldwin, gravado na lápide do túmulo de Mártir Luther King: "Nem tudo
o que se enfrenta pode ser modificado. Mas nada pode ser modificado até que
se enfrente".
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CAPÍTULO: CINCO
1
Teses acerca da Questão da Regulamentação da Profissão

Tese primeira - O movimento pela regulamentação reflete a tentativa


de retomada de espaço político pelos setores conservadores da Educação
Física.

A FBAPEF — Federação Brasileira de Associações de Professores


de Educação Física — foi reativada em 1984, por esforços desenvolvidos pela
Subsecretária de Esporte Para Todos da Secretaria de Educação Física e
Desportos do Ministério da Educação — SEED/MEC, com o intuito maior de
aparelhá-la, e às APEFs — Associações de Professores de Educação Física —
com vistas a viabilizar um novo impulso ao Movimento EPT que, àquela altura,
já dava sinais de esgotamento bastante significativos. Dada a inviabilização do
nome do Professor Inezil Penna Marinho para a sua presidência — que traria
uma simbologia toda própria à sua refundação, haja vista ter sido ele seu
fundador e primeiro Presidente, por volta dos anos 402— foi eleito o então
Presidente da APEFde São Paulo, Professor Walter Giro Giordano, para o
cargo.

Se o aparelhamento das APEFs e da FBAPEFpelo EPT não surtiu o


efeito almejado, acabou propiciando o encaminhamento por parte daqueles
setores, da bandeira da Regulamentação da Profissão. Naquele mesmo ano de
1984, assistimos, na Escola de Educação Física da USP, por ocasião das
comemorações dos 50 anos daquela Universidade, um grande debate em torno
desse tema, tendo o Professor Walter como um de seus
organizadores/coordenadores. O Movimento pela Regulamentação naquela
ocasião deflagrado, culminou com a aprovação do Projeto de Lei pelo
Congresso Nacional, na segunda metade dos anos 80, em plena Nova
República, numa dinâmica de votação centrada no esforço concentrado de
votos das lideranças partidárias, mas com o veto do Presidente Sarney, já ao
final de seu governo, haja vista prevalecer no Ministério do Trabalho — que
tinha à sua frente Almir Pazzianotto, interlocutor respeitado e reconhecido

1
Este texto foi elaborado visando subsidiar minha intervenção — representando a direção
nacional do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte — na Audiência Pública promovida pelo
Deputado Federal Paulo Paim — relator do Projeto de Lein°330/95'na Comissão de Trabalho,
de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados— no dia i 7 de outubro de
1996. Posteriormente, foi publicado no Boletim Informativo do CBCE ano XVIII (3), set/dez/96,
juntamente com o Substitutivo ao PL 330/95, elaborado por aquele Deputado e por ele
apresentado àquela Comissão em 3 I daquele mesmo mês. De lá para cá, aguarda ser votado
no pleno daquela Comissão para, se aprovado, dar seqüência à sua tramitação no Congresso
Nacional, fato esse que não acreditamos vá acontecer nessa atual legislatura. Por sua vez, ao
longo desse período, inúmeros debates foram e continuam sendo realizados sobre o assunto,
todos eles revestidos de caráter altamente polêmico.
2
A referência primeira que temos acerca da origem da FBAPEF — e à Inezil Penna Marinho
em sua direção — é do ano de I 94 I. Naquela ocasião, o Departamento de Imprensa e
Propaganda, DIP — órgão responsável pelo "marketing" do governo estadonovista — fez
realizar, em conjunto com a Associação Brasileira de Educação Física, um Ciclo de
Conferências sobre Educação Física.
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pelos setores de esquerda — posicionamento contrário à tese da reserva de


mercado profissional.

Tal fato — articulado a outros vinculados a desavenças havidas no


interior do próprio setor que assumiu a direção da FBAPEF, naqueles anos3 —
trouxe como conseqüência o esvaziamento da luta daqueles que estavam à
frente das APEFs e FBAPEF que, com a derrota de sua grande bandeira,
passaram a não mais ver sentido em suas ações. Paralelamente, desde 1985,
por ocasião do VI ENEEF— Encontro Nacional de Estudantes de Educação
Física — realizado em João Pessoa, PB, assistíamos à configuração de um
grupo de resistência àqueles setores conservadores, — sob o título de
OPOSIÇÃO À FBAPEF— passou a desencadear uma forte pressão junto à
Direção daquela entidade, a qual acabou encetando a sua vitória, no
Congresso Brasileiro de Educação Física, do ano de 1989, realizado em
Florianópolis, SC. Naquele Congresso, o mencionado grupo elegeu-se para a
Direção da entidade sem que a situação apresentasse resistências ao intento,
sequer registrando chapa para o processo eleitoral.

Todavia, já naquela época, colocava-se no debate a pertinência da


luta no interior das APEFs e FBAPEF, ganhando espaços significativos a tese
de que ela deveria se dar no universo das lides maiores dos Trabalhadores da
Educação (CNTE, SINPRO...) e da Classe Trabalhadora (em suas instâncias
partidárias, predominantemente). Somava-se a esse entendimento, a
necessidade — advinda dos resultados das eleições de I 989 — de assumir os
trabalhos em governos municipais administrados pelos Partidos de esquerda
vitoriosos nas urnas, com vistas à implementação de ações políticas
direcionadas à vitalização do conceito de cidadania associada à concepção de
um governo popular e democrático. Presenciávamos, também naquele período,
toda uma ação engendrada no espaço universitário voltada para a
consolidação da Educação Física enquanto área acadêmica, tudo isso
contribuindo, enfim, para um novo esvaziamento do espaço das APEFs e
FBAPEF, configurador do esfacelamento dessa estrutura, bastante evidente na
primeira metade dos anos 90.

Pois foi nesse vácuo que os setores conservadores voltaram a cerrar


fileiras por espaço político. Em dezembro de 1994, no 8° Congresso Brasileiro
de Educação Física, realizado em Brasília, DF, numa plenária bastante
esvaziada por conta das razões acima explicitadas, deliberou-se pela
deflagração do Processo de Regulamentação já! acoplada a um cronograma a
ser implementado pela Diretoria da FBAPEF eleita naquele evento. Composta
majoritariamente por diretores comprometidos com o Governo Cristovan
Buarque (eleito naquele mesmo final de ano para o período 1995/98), a
Diretoria não consegue arcar com as tarefas da entidade e, em meados do

3
Está para ser contada a história do movimento dos professores de Educação Física e do
processo de sua organização em torno das Associações de Professores e da Federação
Brasileira de Associações de Professores de Educação Física. É de domínio público os
episódios ocorridos por ocasião do Congresso Brasileiro de Educação Física realizado em
1988, em Recife, PE. No que ali se processou, podemos localizar elementos determinantes dos
fatos que levaram ao afastamento, do embate político, dos setores que estavam à frente
daquelas entidades.
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primeiro semestre de 1995, é surpreendida com a notícia da tramitação no


Congresso Nacional, do PL 330/95, de autoria do Deputado Eduardo
Mascarenhas (PSDB).

Tal Projeto tem sua origem em uma articulação desenvolvida pela


APEF/RJ, na pessoa de seu Presidente, Professor Jorge Steinhilber,
adversário histórico do grupo OPOSIÇÃO À FBAPEF & de trajetória política
associada a princípios — e grupos — retrógrados no espectro da Educação
Física brasileira. Significa a percepção de que, através da bandeira da
Regulamentação, abriu-se novamente espaço para que aqueles setores
afastados da cena política da Educação Física brasileira, desde o final dos
anos 80, voltassem a ela de forma avassaladora, valendo-se para tanto do
vazio encontrado nas instâncias já mencionadas e do sentimento de
perplexidade existente em nossa sociedade, face à crise estrutural do emprego
motivada pelas políticas neoliberais postas em operação pelo governo FHC.
Assim, o Movimento pela Regulamentação reflete, em última instância, a
possibilidade concreta visualizada por setores da Educação Física, situados no
campo de centro / centro direita, de voltarem ao cenário político da categoria.
Não temos dúvidas que, aprovada a Regulamentação, os setores que
historicamente a defendem, açodadamente buscarão ocupar os Conselhos—
Federal e Regionais — de Educação Física a serem constituídos por força de
lei, com o intuito de fazerem-nos funcionar de conformidade com a ótica que os
caracteriza, utilizando-os como instrumentos de imposição de suas concepções
conservadoras de sociedade, bem como — e não tenham dúvidas disso — de
deles servirem-se como espaços privilegiados para implementação de seus
projetos políticos pessoais e particulares.

A presença, dentre eles, de alguns poucos profissionais


historicamente comprometidos com as posições progressistas, reflete, a meu
ver, equívoco de avaliação. Entendem a necessidade de se desmitificar a figura
dos Conselhos que adviriam com a aprovação do Projeto de Regulamentação,
vistos idealizadamente por muitos como a grande panacéia para os males que
acometem a Educação Física brasileira. Segundo acreditam, ao constatarem a
inoperância dos Conselhos m. resolução dos -problemas existentes, aqueles
que os mitificavam passariam a perceber que os determinantes do quadro são
outros, não passíveis de serem enfrentados e resolvidos por aquelas
instâncias. O que parece não perceberem é o significado de Conselhos em
mãos de profissionais imbuídos de valores conservadores, o que certamente se
daria, dada a correlação de forças constituída a partir dos elementos acima
elencados.

Tese segunda: A defesa da regulamentação da profissão estaria


refletindo uma visão estática de sociedade de índole cartorial.

Estão em jogo duas concepções distintas de mundo. Aquela que dá


pano de fundo aos que defendem a Regulamentação, sustenta-se numa visão
estática de sociedade. Para eles, a Sociedade já se encontra transformada,
cabendo a todos, única e tão somente, desenvolver mecanismos que melhor
possibilitem nela se ajustarem. Desenvolvem, por conta dessa compreensão,
uma leitura fatual, cronológica, descontextualizada e, por conseguinte, a
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histórica da Educação Física — e do processo de organização de seus


profissionais — que se sustenta numa ótica legalista e cartorial. Acreditam que
somente artifícios legais poderão resolver os problemas que afligem a
categoria, sendo através deles que conseguirão sanar questões como a da
presença dos leigos e de profissionais de outras áreas em nosso (!) campo de
atuação, ausência de piso salarial e inexistência de mecanismos que protejam
a sociedade daqueles que exercem a profissão sem estarem qualificados (leia-
se diplomados) para o fazerem com a competência devida, aquela que adviria
— e não poderia ser diferente — da aquisição do título acadêmico.

Por outro lado, a concepção de sociedade presente junto àqueles —


dentre os quais me incluo — que se situam no campo contrário à da idéia da
Regulamentação da Profissão, sustenta-se numa visão dinâmica de sociedade.
Para eles, a sociedade está em constante processo de transformação, sendo o
confronto entre os distintos interesses das classes sociais constitutivas da
textura social, o motor de sua história. Assim, entendem estar na própria
capacidade organizativa dos distintos setores sociais, a possibilidade concreta
e objetiva de fazerem valer seus direitos, dentre eles o de receberem de áreas
profissionais diversas, serviços de qualidade. Leis e regulamentos existiriam,
dessa forma, como ratificadores daquilo reconhecido como direito inerente ao
pleno exercício da cidadania.

Tese terceira: O discurso que busca associara reserva de mercado à defesa


dos usuários dos serviços centrados nas práticas corporais é falacioso.

Mascara, de fato, a disposição inequívoca de defender o profissional


de Educação Física da concorrência de outros setores profissionais.
Embora, publicamente, tenham elegido os leigos como inimigos preferenciais,
de fato buscam atingir os profissionais de outras áreas de formação
(fisioterapeutas, recreacionistas...) que possuem, no universo da cultura
corporal, interesses legítimos. É extremamente elucidativa as palavras do
Professor Jorge Steinhilber — as quais também chamaram a atenção de outros
professores, como aqueles que assinam o artigo "O Velho problema da
Regulamentação -Contribuições críticas à sua discussão" (CUNHA JÚNIOR ET
AL, 1996)— a esse respeito. Vamos a elas:

Normalmente indagam-me por que os leigos podem atuar no nosso


mercado de trabalho. Ficam boquiabertos quando percebem que,
para atuar nestes segmentos, não há a necessidade de formação
específica. Ficam estarrecidos ao enxergar que esse mercado não é
nosso. Que esse mercado pertence a qualquer um. Qualquer pessoa,
com qualquer formação e, mesmo sem nenhuma formação pode
atuar em academias, clubes, condomínios (...) Hoje as atividades
nesses segmentos são terra de ninguém, são espaço vazio. Sendo
espaço vazio qualquer um pode ocupá-lo. Portanto, devemos nós
ocupá-lo antes que outros o façam.

Tese quarta: O discurso de que a regulamentação resolverá o


problema da presença de leigos no mercado profissional

É a ausência de políticas de incentivo à interiorização profissional a


responsável pela não presença desses profissionais em municípios distantes
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dos grandes centros urbanos. Senão vejamos: ofereça a um profissional,


recém formado ou não, "x"% a mais em seus vencimentos, despesas com
moradia cobertas pelo empregador e contagem em dobro do tempo trabalhado,
para efeito de aposentadoria, e veja se ele não responderá positivamente ao
convite para se deslocar para um município distante dos grandes centros
urbanos! E o que precisamos para que isso se torne factível é de vontade
política dos governantes e não da Regulamentação da Profissão!

Tese quinta: O discurso da inexistência, hoje, de condições de


implementação de programas que visem à fiscalização dos locais de práticas
corporais é falacioso

O que hoje impede as faculdades de Educação Física executarem,


por exemplo, projetos de catalogação e classificação das academias de
ginástica de Estados e/ou Municípios, agrupando-as de acordo com as
condições de funcionamento (qualificação do profissional, condições de
trabalho [salário, registro em carteira profissional, possibilidade de atualização
acadêmica/profissional...], qualidade dos equipamentos e capacidade de
manutenção dos mesmos, condições de higiene do estabelecimento...) em
cinco, quatro, três halteres, chegando à não recomendação daquelas que não
estiverem de acordo com os padrões estabelecidos? O que impede a
divulgação, nos meios de comunicação existentes na localidade, do catálogo
das academias, orientando os cidadãos para os riscos das más academias?
ABSOLUTAMENTE NADA! A ausência de poder de polícia é fundamental,
nesses casos? Definitivamente NÃO!

Tese sexta: Dizer que investir na organização dos cidadãos -


buscando fazê-los defensores de seus direitos, implementando e dotando os
conselhos estaduais e municipais de esporte de mecanismos que possibilitem
a fiscalização dos estabelecimentos comercializadores das práticas corporais -
é inviável, é falacioso

Em nome da Regulamentação, aqueles que a defendem


argumentam pela sua imperiosa necessidade para a proteção dos cidadãos
(melhor seria dizer consumidores) dos leigos e de estabelecimentos comerciais
prestadores de serviços (academias de Ginástica, por exemplo.)
desqualificados. Tal argumentação não se sustenta face à evidente
constatação da existência — já hoje — de mecanismos que, se devidamente
acionados, dariam conta da mencionada defesa do consumidor, aí sim
imbuídos do espírito de cidadania. Referimo-nos, por exemplo, à possibilidade
de dotarmos os Conselhos Estaduais e Municipais de Esporte — definidos nas
Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas Municipais, a partir da
promulgação da Carta Magna de 1988, e constituídos por representantes da
sociedade civil — de instrumentos que visem assegurar a fiscalização dos
estabelecimentos comercializadores das práticas corporais, buscando garantir
a qualidade dos serviços por eles oferecidos, bem como a observância dos
direitos trabalhistas de seus profissionais. Esse é o caminho a ser trilhado em
uma sociedade que se deseja democrática!
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Tese sétima: Dizer que somente a regulamentação da profissão - com a


subseqüente criação dos conselhos - poderá garantir um piso salarial
condizente com o trabalho desenvolvido pelos profissionais da área é falacioso.

Somente uma compreensão respaldada numa concepção a histórica


de sociedade, daria margem à crença de que artifícios legais — como a
Regulamentação pretendida se afigura — dariam conta de garantir a definição
e observância, de fato, de piso salarial e condições plenas de trabalho aos
trabalhadores da área.

Na direção oposta, entendemos que a existência de mais de uma


centena de cursos superiores de Educação Física — aproximadamente 70%
deles vinculados a instituições privadas — responsáveis pelo oferecimento ao
mercado de trabalho de aproximadamente 9.000 novos profissionais/ano, a
maioria deles situada nos grandes centros urbanos, face a inexistência de
políticas/programas de incentivo à interiorização dos recém graduados — nos
moldes dos sugeridos acima —, cria uma relação de demanda/oferta de
recursos humanos desfavorável a qualquer possibilidade concreta de definição
de parâmetros aceitáveis de condições de trabalho.

Objetivamente, o que assistimos — notadamente nos grandes


centros — é a existência de uma oferta de profissionais com formação superior,
em número absurdamente superior à necessidade da demanda. Ao mesmo
tempo, presenciamos o contínuo proliferar de cursos superiores de Educação
Física que, sem a observância de critérios justificadores da necessidade de
suas criações e contando, em boa parte das vezes, com profissionais de
conceituadas universidades públicas colaborando com elas, fazem por
aumentar, a olhos vistos, a oferta de profissionais — de qualidade no mínimo
duvidosa — em um mercado já evidentemente saturado, empurrando para
baixo quaisquer possibilidades concretas de remuneração condizente com o
trabalho a ser desenvolvido.

Somente esforços sérios e conseqüentes de avaliação das


instituições de ensino superior responsáveis pela formação dos profissionais de
nossa área, seguida de ações concretas que apontem para o fechamento
daquelas destituídas de qualificação para fazê-lo, associados a iniciativas como
a acima enunciada, que viabilize a descentralização da atuação profissional,
deslocando-a dos aglomerados urbanos mais desenvolvidos para os menos,
será capaz de reverter o quadro inquietante que ora se apresenta aos nossos
olhos.

Tese oitava: Somente uma ação articulada dos setores que se


opõem à idéia da regulamentação poderá fazer frente ao Movimento Nacional
pela Regulamentação do Profissional de Educação Física.

Na Audiência Pública levada a efeito pelo Deputado Paulo Paim, em


17 de outubro próximo passado, ficou patente que — à exceção da Direção
Nacional do CBCE, que se fez nela representar através de minha pessoa, de
representantes da Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física, de
professores de instituições públicas de ensino superior e de administradores de
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governos estaduais e municipais— a maioria ali presente sintonizava-se com o


projeto de Regulamentação. Diferentemente do que poderia se supor, a
configuração de tal maioria representa menos a expressão da vontade dos
profissionais da área e mais a motivação de mobilização em torno desse tema
presente em parte dessa comunidade. Não temos dúvidas de que segmentos
representativos das esferas acadêmica e sindical contrários à Regulamentação
precisarão urgentemente — se desejarem, de fato, contraporem-se aos
esforços pela sua efetivação — organizar-se e definir uma ação articulada junto
ao Congresso Nacional, à comunidade da área e à sociedade em seu conjunto,
de modo a impedir que o Movimento aludido saia vitorioso da contenda.
Devemos registrar que no universo das regras do jogo hoje existente em nossa
sociedade — malgrado sabermos que muitas das vezes regras foram e são
construídas em situações de favorecimento de um time em detrimento do outro
—, é legítimo o posicionamento por este ou aquele entendimento, desde que
sejam utilizados mecanismos que não deponham contra princípios intrínsecos
à uma sociedade que se deseja justa e democrática.

Bibliografia
CASTELLANI FILHO, L. Educação Física no Brasil;A História que não se conta.
4a Edição. Campinas, SR Editora Papirus, 1995.

CUNHA JÚNIOR, C.EE; FARIA JÚNIOR, A. G. de.; MELO, V. A. de.; NOZAKI,


H.T. "O velho problema da Regulamentação - Contribuições críticas à sua
discussão". In Revista Brasileira de Ciências do Esporte, CBCE, 17 (3), pp.
266-272, mai/96.

STEINHILBER, J. "Profissional de Educação Física...Existe?" In Anais do


VCiclo de Palestras - CAEFALF- UERJ, Rio de Janeiro, pp. 43-58, 1996.
Trabalho realizado por: gagaufera2003@yahoo.com.br

Sobre o Autor

Lino Castellani Filho, paulista nascido em São Paulo, após passar


sua juventude/adolescência em Atibaia, interior do Estado, retorna à capital
onde, em 1974, conclui sua graduação em Educação Física pela Universidade
de São Paulo, USR Recém formado, desloca-se para Ribeirão Preto, de onde
transfere-se, um ano depois, para São Luiz do Maranhão, lá passando sete
ricos anos. Vinculado à Universidade Federal daquele Estado, regressa em I
983 para a capital paulista, por conta de seu ingresso no Mestrado em
Educação da PUC/SR onde desenvolve seus estudos sem abrir mão de viver
intensamente todo o processo de reorganização política da sociedade civil
brasileira e da comunidade da Educação Física em particular. Em meados de I
986, atende a convite da Faculdade de Educação Física da Universidade
Estadual de Campinas, UNICAMR passando, desde então, a fazer parte do seu
corpo docente, centrando seus estudos nas questões afetas às políticas
públicas em Educação, Educação Física, Esporte e Lazer. Sua forma de
encarar o trabalho acadêmico, contudo, tem-no levado a trilhar caminhos pouco
ortodoxos. Assim, no ano de 1989, por ocasião da administração petista de
Luiza Erundina, assume a assessoria da Secretaria Municipal de Esporte,
Lazer e Recreação de São Paulo, nela permanecendo até os primeiros meses
de I 990. De volta à FEF/UNICAMP, passa a coordenar o Conjunto de Estudos
do Lazer, permanecendo nessa função até sua transformação em
Departamento. Sempre atento aos assuntos universitários — o que não o
impediu de fazer parte da Coordenação Nacionalào Setorial Esporte e Lazer da
Frente Brasil Popular, por ocasião das eleições presidenciais de I 994 —, após
vários anos representando os professores da FEF junto ao Conselho de Re-
presentantesda ADUNICAMP — Associação de Docentes da Unicamp— passa
a integrar a diretoria da entidade, eleita por seus pares para o biênio I 995/96,
vindo a assumir, na gestão seguinte (1997/98), a sua presidência. Tais
atividades, longe de afastá-lo dos assuntos próprios à Educação Física, deram-
lhe elementos para nela intervir de forma substantiva. Assim, seja pela sua
produção teórica expressa através de publicações de livros (é seu o Educação
Física no Brasil: A História que não se conta, hoje a caminho de sua 5a edição,
integrando também o Coletivo de Autores responsável pelo Metodologia do
Ensino de Educação Física), capítulos de livros ( como o "Lazer e Qualidade de
Vida "presente no livro Políticas Públicas Setoriais de Lazer, publicado por esta
editora) e artigos, seja pela sua inserção, desde os anos 80, no Colégio
Brasileiro de Ciências de Esporte, CBCE, seja pela sua participação — sempre
polêmica — nos eventos nacionais, é visto com respeito por todos,
constituindo-se em referência para aqueles que têm, na Educação Física, seu
objeto de estudo.
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