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Vol. 3 Nº 1 págs. 149-169.

2005
https://doi.org/10.25145/j.pasos.2005.03.010
www.pasosonline.org

Turismo em áreas “menos desenvolvidas”: caracterização,


desenvolvimento e planejamento turístico da Vila de Trindade,
município de Paraty / Rio de Janeiro – Brasil
Alexandra Campos Oliveira †

Resumo: A intenção deste artigo é discutir o planejamento e ocupação turística na Vila de Trindade,
localizada em Paraty, litoral sul do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Apesar da existência do
planejamento turístico no município, a atividade vem gerando uma série de conflitos na Vila os quais
pretende-se discutir. A existência do planejamento implica a maximização dos impactos positivos do
turismo e melhor distribuição dos mesmos? Minimiza impactos negativos? O planejamento vincula-se ao
crescimento organizado da atividade? Contribui para que o turismo torne-se fator de desenvolvimento
local? Tais questionamentos serão discutidos tomando-se como exemplo um município que tem
percebido significativos investimentos na atividade, se tornando um referencial enquanto destino
turístico no cenário nacional.

Palavras chave: Planejamento turístico; Desenvolvimento; População

Abstract: The aim of this article is discussing the tourism planning and occupation in Trindade Village,
located in Paraty, south coast at the state of Rio de Janeiro, Brazil. Besides the existence of tourism
planning in the village, tourism has been creating a lot of conflicts, which this article intends to discuss.
Does the existence of planning imply the maximization of the positive impacts of tourism and their bet-
ter distribution? Does it minimize the negative impacts? Does the planning link to the activity's organ-
ized growing? Does it contribute for the tourism to become a factor of local development? Those ques-
tions will be discussed by taking as example a town in which there have been significant investments in
the activity, becoming a reference as tourism destination in the National Setting.

Keywords: Tourism planning; Development; Population


• Alexandra Campos Oliveira e Bacharel em Turismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (Brasil). E-mail:
alexandratur@hotmail.com

© PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. ISSN 1695-7121


150 Turismo em áreas “menos desenvolvidas”...

Introdução ou regiões de um município)


correspondem à grande parte dos destinos
O município de Paraty, localizado ao “descobertos” pela atividade turística, por
sul do litoral do Estado do Rio de Janeiro, suas peculiaridades naturais e culturais
é considerado um do mais importantes preservadas, representando uma alter-
pólos turísticos do Brasil. Área turística nativa de fuga do cotidiano aos indivíduos
de alcance internacional, tem como dos conglomerados urbanos (que, por sua
atrativo principal seu centro histórico, vez, correspondem em grande medida ao
constituído por casario de arquitetura mercado consumidor de turismo). A partir
genuinamente colonial. do desenvolvimento do turismo, tais
No entanto, o município de Paraty localidades passam a sofrer alterações
possui uma grande variedade de atrativos profundas (econômicas, sociais, culturais,
que exercem apelo a outros segmentos ambientais, etc.) que, não raro, suas
turísticos. Além de belas praias rodeadas populações não estão aptas a acom-
pela Mata Atlântica, possui vários bens panhar, tendo em vista suas desvan-
imateriais de grande relevância, como as tagens econômicas e despreparo para
culturas caiçara, negra, indígena, dos lidar com a atividade.
quilombos e portuguesa. Tais atrativos se A população dessas áreas, então, é
localizam ou manifestam-se majoritaria- especialmente frágil aos impactos
mente nas áreas periféricas do município. negativos da atividade, o que reforça a
Nesse cenário, destaca-se a Vila de necessidade da existência de um planeja-
Trindade, situada na região mais ao sul mento turístico nas mesmas.
do de Paraty, cujas praias são
consideradas as mais belas do município. A Vila de Trindade
Parte de seu território está inserido na
Área de Preservação Ambiental do Trindade é uma vila de pescadores de
Cairuçu. Possui, ainda, traços remanes- Paraty, município pertencente à
centes da cultura caiçara. Tais caracte- Mesorregião Sul Fluminense, Região da
rísticas contribuíram para que a Vila Costa Verde e à microrregião da Baía da
passasse a experimentar significativo Ilha Grande (PDDT2, 2003:25). Paraty
desenvolvimento turístico, tornando-se a tem por limites os municípios de Angra
segunda região de maior crescimento da dos Reis (RJ), Cunha (SP) e Ubatuba
atividade do município, perdendo apenas (SP). Localiza-se entre as duas maiores
para o centro histórico. cidades brasileiras: São Paulo e Rio de
Os aspectos sócio-econômicos de Janeiro. Situa-se, ainda, dentro da zona
Trindade correspondem à realidade de tropical, apresentando um relevo
muitas localidades de países pobres e predominantemente montanhoso, marca-
países em desenvolvimento. São do pela existência de dezenas de ilhas por
localidades ditas “menos desenvolvidas”1. todo seu litoral.
Não se trata, aqui, de áreas cujos A faixa urbana do município de Paraty
habitantes vivem em extrema pobreza, localiza-se, em sua maior parte, na área
guetos ou os mais sórdidos subúrbios de Baixa Litorânea (entre a Serra e a Costa),
cidades, subprodutos da lógica dominante constituída por estreitas planícies
de desenvolvimento, uma vez que tais sedimentares (PDDT, 2003:87).
áreas não apresentam apelo turístico. A Vila de Trindade pertence à Macro-
Trata-se sim de localidades cujas Região Sul de Paraty, ao lado dos bairros
populações são ditas tradicionais e que de Patrimônio, Laranjeiras, Sono, Ponta
vivem (ou viviam, anteriormente ao de Juatinga e Campinho (PDDT,
processo de desenvolvimento turístico), 2003:101). Situa-se a 30 km da região
basicamente, da pesca e da agricultura de central do município. Desta, são 22 km
subsistência, bem como municípios pela BR-101 (Rodovia Rio-Santos),
interioranos que não se inserem tão sentido São Paulo, até o trevo de
amplamente, em termos relativos, na Patrimônio, que dá acesso a PRT-101.
economia global. Estes locais (municípios Esta rodovia leva ao luxuoso condomínio
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de Laranjeiras, à Praia do Sono e à isso, pode-se considerar tais praias entre


Trindade. Deste ponto são mais 8 km pela as mais bonitas de Paraty, atraindo
PRT-101, popularmente conhecida como visitantes de todas as Macro-regiões do
Morro do Deus-me-livre. município (2003:46).
Não raro, Trindade recebe a Área privilegiada com praias,
denominação de praia de Paraty. Nos cachoeiras, rios e formações rochosas,
dados da prefeitura do município, no Trindade encontra-se rodeada pela Mata
entanto, a vila aparece como um bairro. Atlântica, estando situada dentro da Área
PDDT de Paraty esclarece: de Preservação Ambiental de Cairuçu.
(...) deve-se salientar que Trindade não É importante ressaltar que cerca de
é uma única praia, mas sim uma região 80% do território paratiense é composto
com grande fluxo turístico e que por unidades de conservação (PDDT,
apresenta praias com características 2003:80).
semelhantes. São elas: Brava, Cepilho, A Praia Brava é a primeira praia de
Dos Ranchos (Fora), Do Meio, Caixadaço Trindade, partindo do trevo de
e Figueira. Todas elas apresentam Patrimônio e seguindo-se a PRT-101. O
considerável atratividade, graças a sua acesso a esta só é feito por trilha a pé.
peculiar condição natural, caracterizada Deserta e escondida entre costões
pela coloração esverdeada da água, rochosos e densa Mata Atlântica, não
temperatura agradável e vegetação possui nenhuma infra-estrutura turística.
atlântica em seus arredores. Por tudo

Mapa 1. Paraty
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Mapa 2. Paraty: Arredores


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Figura 1. Vista aérea de Trindade

Figura 2. Praia dos Ranchos

Retomando a PRT-101, a praia praias.htm acessado em: 14/03/2004).


seguinte é a Praia do Cepilho. Com cerca A Praia de Fora ou dos Ranchos
de 300 metros de extensão, possui belas acompanha toda a Vila de Trindade e é
formações rochosas e ondas de até 4 uma das mais freqüentadas por turistas.
metros, o que atrai muitos surfistas A denominação Ranchos se deve a
(Disponível em: www.trindade.tur.br/- presença de ranchos de pesca utilizados
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antigamente pelos nativos, hoje Praia do Caixadaço. Esta é uma longa


transformados em bares à beira-mar praia de areia fina e branca e águas
(Disponível em: www.trindade.tur.br/- esverdeadas. Nela não há luz elétrica.
praias.htm. Acessado em: 14/03/2004). Existem apenas alguns campings e uma
Em época de maré baixa, avista-se desta espécie de albergue. Tem grande apelo
a Praia das Conchas, acessível por uma turístico por sua rusticidade e
trilha no meio da mata (Pereira, 2001:13). preservação, aos quais a relativa
A Praia do Meio é pequena e possui dificuldade de acesso contribui. Ainda
forte declive. É dividida por uma ilhota de assim, esta praia é bastante freqüentada
onde se avista o mar aberto, outras praias por turistas, especialmente por dar
e a pedra Cabeça do Índio. Possui acesso, após o Rio Barrinha, à trilha que
quiosques à beira-mar e também é leva às pedras da Piscina Natural do
bastante freqüentada por turistas. Caixadaço (Disponível em: www.trinda-
Pela Praia do Meio deságua o Rio de.tur.br/praias.htm. Acessado em:
Codó, cujo curso leva a cachoeira dos 14/03/2004).
Codós. Esta é uma pequena cachoeira, A Piscina Natural do Caixadaço é
que se desdobra em muitas quedas formada por grandes pedras vulcânicas
d’água. Seu diferencial está na existência que represam a água do mar. Possui cerca
de uma pedra cuja fenda pode ser de 50 metros de diâmetro e é apropriada
atravessada, aproveitando-se para tanto a para a prática de mergulho (Pereira,
força da água; devido a essa recreação, tal 2001:13). É um dos maiores atrativos
cachoeira ficou popularmente conhecida turísticos de Trindade, sendo muito
como Cachoeira da Pedra que Engole. visitada turistas.
Do encontro do Rio Codó com a Praia
do Meio existe uma trilha que leva à

Figura 3. Praia do Meio


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Figura 4. Trilhas rodeadas pela Mata Atlântica

Figura 5. Piscina Natural do Caixadaço

A mesma trilha que leva à Piscina histórias de índios e piratas que fazem
Natural do Caixadaço dá acesso à Praia parte da cultura local. Da Cabeça do Índio
da Figueira, popularmente conhecida é possível apreciar uma bela vista
como Praia dos Pelados, a última praia do panorâmica de várias ilhas, do mar
sul do Estado do Rio de Janeiro. aberto e da Trindade.
Constitui-se em área liberada para a A avenida Sobral Pinto atravessa a
prática do naturismo. vila, constituindo-se na sua principal via.
A Pedra da Cabeça do Índio, marco Concentra os estabelecimentos
divisório entre os Estados do Rio de comerciais, restaurantes, pousadas e
Janeiro e São Paulo, é uma grande pedra campings. A infra-estrutura urbana e
na Ponta da Trindade, cujo formato turística aí existente difere da infra-
assemelha-se ao perfil de um índio. Seu estrutura do centro histórico de Paraty.
acesso se dá por trilhas íngremes; não há Na região central do município
praias nem cachoeiras, mas existe a concentra-se a maior parte da infra-
beleza exuberante da Mata Atlântica. No estrutura urbana. 69,9 % dos domicílios
caminho, há duas cavernas, dentre as de Paraty são contemplados pela rede
quais a Toca dos Ossos. Estas envolvem geral de abastecimento de água, enquanto
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27,50% utiliza água proveniente de poços turismo, como será abordado adiante,
e nascentes (realidade comum nas áreas para a pesca e agricultura de
periféricas). As fossas correspondem pela subsistência. A população de Trindade
maior parte do destino de esgotos vivia relativamente isolada e mantinha
domiciliares (78,9%). Parte do centro um sistema de trocas. Segundo relatos de
histórico possui coletores de esgoto moradores, os homens responsáveis pela
ligados a rede geral, enquanto os bairros pesca em alto-mar iam para o município
periféricos, em especial a Ilha das Cobras de Santos depois da lua cheia, e por lá
e Mangueira, não possuem coleta de permaneciam durante um mês; outros
esgoto (PDDT, 2003:47). Tais estatísticas cuidavam do “cerco”, atividade ainda
se justificam pela baixa taxa de existente em Trindade. Estes
urbanização do município, que, por sua permaneciam na Vila. O peixe era a base
vez, tem precedentes históricos que serão da alimentação local. Saulo Alves da
abordados adiante. De acordo com dados Silva, atual presidente da Associação de
do IBGE3 (2000), a população de Paraty é Moradores Nativos e Originários da
de 29.544 habitantes, dos quais 47,6% Trindade, descreve a realidade da Vila
vivem na área urbana e o restante na anteriormente ao desenvolvimento
área rural: turístico: “o seu café era peixe frito,
Paraty não sofreu um processo de farinha, peixe com banana, que é o
êxodo rural significativo, mantendo mais famoso azul marinho. Carne você não
da metade de sua população vivendo comia, comia carne de caça, do mato. Aí
nessa região. Para efeito de comparação, era peixe, com banana, aí vinha uma isca
a taxa de urbanização da Baía da Ilha que você pegava e cozinhava. Por
Grande é de 86,3%. Em razão da baixa exemplo, o seu café da manhã poderia ser
urbanização, a densidade demográfica peixe assado na brasa. Feijão você comia
também é pequena, com 31,6 habitantes do que você plantava, arroz não. Óleo era
por km². (PDDT, 2003:71). muito difícil, porque tinha porco, você
Trindade, enquanto bairro periférico, fazia banha. O frango comia porque tinha
caracteriza-se por uma infra-estrutura galinha caipira. Então era disso que se
urbana regular. No entanto, vem vivia”.
apresentando grande crescimento da taxa A pesca ainda é um dos esteios da
de urbanização, processo que sofre economia de Trindade. A Vila se destaca
contribuição significativa do como uma das principais áreas pesqueiras
desenvolvimento do turismo na vila. de Paraty. Atualmente, no entanto, nota-
A economia de Trindade foi voltada, se que a maior parte da população se
anteriormente ao desenvolvimento do dedica à atividade turística.

Bairro Urbanização Infra-estrutura urbana Infra-estrutura turística Acesso


Trindade Alta Regular Boa PRT
101
Observações População flutuante em virtude do turismo.
Quadro 1. Descrição dos Bairros. Fonte: PDDT, 2003:30.

Ramo Atividade %
Agropecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Pesca 0,5
Comércio, Turismo, Alimentação, Transporte e Comunicação 51,60
Financeiro, Imobiliário e Outros Serviços 8,0
Administração Pública, Defesa e Seguridade Social 27,3
Educação, Saúde e Serviços Sociais 6,9
Indústria Extrativa da Transformação e da construção 5,6
Produção e Distribuição de Eletricidade, Gás e Água 0,1
Quadro 2. Distribuição de Pessoas Ocupadas por Ramo de Atividade. Fonte: Ministério das Cidades apud
PDDT, 2003:77. Nota-se que a atividade turística e outras atividades a ela ligadas, direta ou
indiretamente, respondem pela maior parte do número de ocupações existentes no município.
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O turismo tem grande importância de barracas do município (meios de


para todo o município de Paraty. Apesar hospedagem 2), o que equivale a 61,03%
de a agropecuária responder por 63,2% do da capacidade de campistas de Paraty.
produto interno bruto municipal, de As diferenças entre Trindade e região
acordo com dados do Ministério das central, além da infra-estrutura
Cidades (1996), observa-se que 79,6% das existente, estão no perfil do turista e na
atividades econômicas desenvolvidas oferta de atrativos. Na vila predomina o
pelas empresas de Paraty se referem ao turismo baseado na tríade sol e praias e
comércio, turismo, transporte, mar, enquanto na região central o
alimentação e comunicação. Tais turismo cultural é o segmento mais
atividades respondiam, no mesmo ano, procurado pelos turistas (PDDT,
por 32,4% do produto interno bruto 2003:281).
municipal. (PDDT, 2003:74;76). A Observa-se se que o fluxo de turistas
importância do turismo para o município de Trindade é mais independente que o
também é observada na distribuição da fluxo de outras áreas periféricas, em
população economicamente ativa por grande parte devido à existência de uma
ramo de atividade, como apresenta o boa quantidade de meios de hospedagem
quadro a seguir: (PDDT, 2003:35). A Vila de Trindade, ao
A oferta técnica turística4 de Paraty lado do Sono e Ponta Negra, figura como
apresenta uma taxa média de crescimento segundo motivador à visita ao município,
anual de 11,56%, considerando-se o perdendo apenas para o centro histórico
período de 1975 a 2003. Em 1975, esta (PDDT, 2003:291).
correspondia a um total geral de 20
estabelecimentos. Já no ano de 2003, Antecedentes históricos
existiam 406 estabelecimentos deste tipo
no município (PDDT, 2003:108). O município de Paraty, durante o ciclo
Esta oferta se distribui desigualmente do ouro, tornou-se entreposto comercial
pelo município, concentrando-se na região de significativo desenvolvimento,
central. A macro-região sul, onde se chegando a possuir o segundo mais
localiza Trindade, também apresenta importante porto do Brasil. Por este
grande desenvolvimento neste sentido. De escoava para a Europa o ouro vindo de
acordo com o PDDT de Paraty (PDDT, Minas Gerais (rota conhecida como
2003:124), o centro histórico possui a Caminho Velho). Posteriormente, era
maior capacidade de equipamentos de escoado o café do Vale do Paraíba que,
alimentação, seguido por Trindade, bem juntamente com a produção de pinga e
como concentra a oferta de unidades derivados de cana, auxiliou no
habitacionais dos Meios de Hospedagem 1 desenvolvimento da economia local.
(80%). A macro-região sul é a segunda A partir de 1725, com a abertura do
região em número de unidades Caminho Novo, “que a excluía do roteiro
habitacionais desse tipo (13%), para as Minas Gerais, reduziu-se o seu
perfazendo um total de 869 leitos, o que comércio” (Enciclopédia dos Municípios,
corresponde a 14,19% dos leitos 1950: 359). Já em 1870, aberto um
existentes em Paraty. caminho ferroviário entre Rio de Janeiro
e São Paulo, através do Vale do Paraíba,
Leitos estimados sua economia se viu ainda mais abalada
Trindade 650 (PDDT, 2003:30).
Macro-região Sul 869 O colapso da economia de Paraty deu-
Total Municipal 6126 se com a Abolição da Escravatura, em
Quadro 3. Numero de leitos de Trindade Fonte: 1888, causando um êxodo populacional de
PDDT, 2003:118. Adaptado pela autora. grande dimensão: “dos 16.000 habitantes
existentes em 1851, restaram, no final do
De acordo com o quadro, percebe-se século XIX, apenas 600 velhos, mulheres
que na macro-região sul, a oferta de leitos e crianças, isolando Paraty
de meios de hospedagem 1 concentra-se definitivamente por décadas” (PDDT,
em Trindade. Por outro lado, esta mesma 2003:30).
região responde por 55,51% da capacidade
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Figura 6. Trindade aldeia antiga

A falta de comunicações terrestres encontrava em estado de estagnação.


contribuiu para o isolamento do Wilk, entrevistando D. João Maria de
município. Durante esta época, o acesso à Orleans e Bragança, neto da princesa
Vila de Trindade se dava somente por Isabel, que se instalou definitivamente
mar ou, como relata moradores, feito a pé. em 1972 em Paraty, relata
Devido ao isolamento, as populações entusiasticamente o “desenvolvimento”
caiçaras passaram “a viver quase que proporcionado pelo turismo no município:
exclusivamente de suas culturas e O casarão real da Rua Fresca, de
estratégias de sobrevivência”, tecendo as portas e janelas verdes, única construção
redes do modo de vida tradicional residencial não-germinada da cidade, foi
(Luchiari5, 2000:137). arrematado por uma ninharia de um
A implementação da Rodovia Rio- nativo. Como, de resto, aconteceu com
Santos (BR-101), ocorrida no período de muita gente depois da abertura da Rio-
1978-1985, inaugurou uma nova fase no Santos. Muitos cariocas e paulistas
município: depois do ouro e do café, o arrumaram a trouxa, compraram seu
turismo, devido à preservação de seu casarão colonial da mão de pescadores por
patrimônio histórico e elementos uma pechincha, abriram pousadas, lojas e
naturais, passou a constituir, ao lado da restaurantes e vão muito bem, obrigado
agricultura e da pesca, o principal suporte (1997:44).
financeiro. Se, por um lado, a atração de
Paraty passou, então, a receber um empreendedores possibilitou a
grande número de visitantes que buscava transformação e adequação de Paraty ao
“a sensação de estar numa pacata vila mercado turístico, trazendo consigo novo
colonial perdida e cercada por um paraíso conhecimento e nova dinâmica, por outro,
natural” (Wilk, 1997:44). Ao lado deste se deu mediante a marginalização da
fluxo, passou também a atrair população local. Em passagem da
empreendedores que investiam em reportagem de Wilk, tem-se um retrato da
diversos ramos da atividade turística, exclusão da população paratiense no
integrando-se o município à economia de processo de ocupação turística da região
mercado com a transformação de seu central do município:
espaço em produto turístico, atendendo à Já os paratienses nativos não moram
demanda de lazer das populações mais no Centro Histórico e nem ao redor
urbanas. dele. Os que conseguiram garantir uma
A primeira vista, a atividade turística casinha perto do pedaço preservado pelo
pode ser considerada estritamente Patrimônio Histórico tiveram sorte. A
benéfica, imprimindo uma nova dinâmica maioria foi mesmo para a zona rural e
à economia local que, então, se para a vizinha cidade de Cunha (Wilk,
Alexandra Campos Oliveira 159

1997:47). existentes entre poder econômico e


De uma maneira geral, observa-se que interesse das populações locais, não raro,
o desenvolvimento turístico em Paraty com a prevalência do primeiro.
está vinculado ao poder econômico, Dentro desse cenário de
freqüentemente favorecendo grupos ou marginalização dos paratienses, situa-se
indivíduos de outras localidades e não a Vila de Trindade. Na década de 1970,
englobando grande parte da população seu conjunto de sete praias, caracterizado
local. Meneses, nesse sentido, afirma que pela cor esverdeada da água e rodeado
o município, “como bem cultural não é, pela Mata Atlântica, conquistou a atenção
para seu habitante, cidade boa para viver de uma multinacional. Esta pretendia
enquanto cidade, mas boa, enquanto construir na Vila um condomínio de luxo
cenário, para fruição dos proprietários, e passou a comprar terras dos nativos,
paulistas ou cariocas, de seus imóveis muitas vezes mediante ameaça: “quando
mais carregados de valor” (2002:98). ela [multinacional] chegou, ela disse que
Os residentes das áreas periféricas ou isso aqui não era da gente, que a gente
mesmo aqueles que se dirigiram a essas não tinha escritura. Eles diziam ‘se você
áreas com o desenvolvimento turístico na não vender, a gente vai trazer o perito da
região central, mais tarde (re)viveriam companhia, vai botar valor nisso aqui e
essa realidade. Alheio à ausência de vai te dar o quanto a gente achar que tem
instrumentos de incentivo ou reguladores que te dar”, relata Saulo Alves da
do poder público, o turismo passou a se Associação de Moradores.
constituir, por um lado, em uma Muitos se recusaram a deixar suas
oportunidade de renda para essas casas. A multinacional enviou para área,
populações e, por outro, em uma ameaça então, jagunços armados, reclamando o
às suas estratégias de sobrevivência. direito de posse de terra, passando a
Brandão trata desta questão aliada às destruir o pouco da área construída
mudanças culturais na Praia Grande do existente, desabrigando moradores
Cajaíba, zona rural do município: (Pereira, 2001:11).
Dos velhos bailes de bate-pé, com Em Laranjeiras, próximo à Trindade,
dança de tamanca em piso de tábua, a mesma multinacional construiria o
restaram apenas versos de canoa. (...) Não luxuosíssimo Condomínio de Laranjeiras,
faltam sinais da morte iminente da um dos mais exclusivos condomínios do
cultura caiçara na Praia Grande da país. Nessa região, contrariamente à Vila,
Cajaíba. Num recanto litorâneo ameaçado não houve uma luta pela terra:
por violentas disputas de território, pelo “Laranjeiras resolveram de maneira
turismo predatório e pela ausência do pacífica, porque não existia praticamente
poder público, a grande vítima é o nativo: ninguém. Na Trindade eles passaram por
dos 87 caiçaras residentes na região até uma questão mais agressiva, usando
junho do ano passado, restam apenas 23 pessoas armadas, usando poder
(2004:28). econômico”, relata Antônio Porto Filho,
Brandão (2004) se refere, em seu paratiense envolvido com a política
artigo, à assinatura de comodatos pelos municipal.
caiçaras, em sua maioria analfabetos, A população de Trindade conseguiu
efetivada por uma família que se diz garantir o direito a terra na justiça,
proprietária da praia e que tem vetado o através da ajuda dos poucos turistas que,
comércio na praia. A população ali apesar do isolamento, freqüentavam a
residente, no entanto, tornou-se Vila. Estes instruíram e apoiaram aos
dependente deste comércio, possibilitado moradores, conseguindo a divulgação da
através do turismo. invasão na mídia nacional e internacional
À medida que o turismo avança pelo e a ajuda de um grande jurista, o Dr.
território paratiense, através do modelo Sobral Pinto (que hoje dá nome à rua
excludente de desenvolvimento da principal de Trindade). Foi devido a essa
atividade que vem se perpetuando, mais articulação entre visitantes e população
indivíduos se vêem ameaçados. São local que a Vila não deu lugar ao
diversos os exemplos de conflitos empreendimento. Em 1981, estabelecia-se
160 Turismo em áreas “menos desenvolvidas”...

um acordo entre a multinacional e De acordo com Leila Anunciação Oliveira,


nativos, segundo o qual grande parte das nativa de Trindade e atual diretora de
terras ainda permaneceria sob poder da Marketing da Secretaria de Turismo e
primeira. Porém, além do direito a terras, Cultura de Paraty, este asfaltamento foi
os nativos conquistaram a garantia da conquistado pela Associação de
liberdade de acesso às praias. Qualquer Moradores Nativos e Originários da
empreendimento da multinacional não Trindade, através do bloqueio à obra de
poderia, assim, privatizar espaços implantação de fibras óticas que vinha
públicos, tampouco se diferenciar sendo efetivada pela companhia
significativamente das construções locais, telefônica.
o que impede a existência de mega- A pavimentação do Morro do Deus-me-
projetos na Vila. livre, ao lado da chegada da energia
Após este acordo, deu-se início o elétrica à vila, além de beneficiar aos
processo de recuperação do lugar, da moradores, contribuiu para o aumento
moradia, modo de vida e cultura local considerável do fluxo de visitantes:
que, segundo Guadalupe Lopes, Uma ladeira denominada “Deus me
presidente da ONG local Caxadaço livre”, com uma inclinação fortíssima e
Bocaina Mar, não logrou êxito: “foi um totalmente enlameada selecionava
processo doloroso, no qual os caiçaras naturalmente os freqüentadores. Hoje o
conseguiram permanecer, mas teve uma asfalto e a iluminação elétrica chegou até
ruptura cultural muito grande que mexeu a vila, aumentando bastante o número de
muito com a auto-estima deles e seus turistas, grande parte vindo de Paraty
valores”. Isso porque, paralelamente ao para passar o dia. (...) os mais radicais já
processo de recuperação da Vila, ocorria elegeram a Praia do Sono, a alguns
também o processo de desenvolvimento quilômetros por trilhas ou barco, como
turístico, caracterizado por uma atuação novo refúgio contra a civilização moderna.
deficiente do poder público. Entre as duas, como que desafiando a
ideologia vigente, está o luxuoso
Os reflexos do turismo na Vila de condomínio da Praia de Laranjeiras com
Trindade suas belas mansões (Revista Scuba,
2003:22).
O desenvolvimento do turismo em A notoriedade adquirida pelo conflito
Trindade se deu de forma diferenciada da com a multinacional na década de 1970
região central. Enquanto esta percebia a ensejou o processo de desenvolvimento
atração de investimentos e o aumento da turístico e melhorias como o acesso e
especulação imobiliária imediatamente iluminação proporcionaram o contínuo
após a abertura da Rodovia Rio-Santos, crescimento da atividade.
Trindade se encontrava, ainda, O aumento do fluxo turístico teve como
relativamente isolada. A razão está na conseqüência a atração de
distância da Vila da região central, empreendedores de diversas localidades
totalizando 30 km, dos quais 22 km que se dedicam a atividades ligadas
correspondem a um trecho da Rodovia direta ou indiretamente ao turismo.
Rio-Santos e 8 km se faziam por uma Assim, o estilo das construções,
trilha. Somente após a construção do organização dos serviços e composição
Condomínio de Laranjeiras, implantou-se demográfica vêm sofrendo profundas
uma estrada aproveitando-se o corte da alterações. Como afirma Pereira, as casas
trilha (PRT-101). Porém, tal via não foi de veraneio, pousadas, restaurantes e
asfaltada, ficando conhecida como Morro bares, feitas de modo desorganizado,
do Deus-me-livre, devido às suas curvas “concorrem com as práticas comerciais
sinuosas, declives e aclives, bem como ao dos nativos, aumentando o impacto de
fato de que se apresentava uma estrada desordem social já bastante grave entre
instransponível em dias de chuva. os nativos e novos residentes lá
Em 1999, esse trecho foi asfaltado por estabelecidos” (2001:7).
uma companhia telefônica que implantou Nesse processo, a cultura caiçara
uma espécie de subestação em Trindade. passou a sofrer modificações significa-
Alexandra Campos Oliveira 161

tivas, enfatizadas por Guadalupe Lopes. anteriormente nestes núcleos.


Segundo ela, poucos antigos moradores da Outro ponto levantado por moradores
Vila “permaneceram dentro das é o superfaturamento dos preços de
atividades originárias: a pesca, o mercadorias básicas que promove o
artesanato. A economia passou a ser o aumento do custo de vida em Trindade.
turismo, que é uma coisa que eles Segundo o morador A.6, apenas o peixe é
construíram, mas não sabem negociado mais barato: “somos turistas
administrar”. Ela também cita, dentre permanentes. Pagamos o mesmo preço
essas mudanças, a alteração na que os turistas durante todo o ano”. A.
alimentação, o contato com a poluição, critica também a tarifa de ônibus em
violência, drogas, e novos costumes aos Trindade (linha Trindade-Paraty), que
quais os caiçaras tentam se adaptar. Os corresponde ao valor de R$ 5,00. Os
benefícios, segundo Guadalupe Lopes, moradores da Vila possuem uma
estão no contato com o dinheiro: “os carteirinha, lhes sendo cobrado R$ 2,60
valores eram outros, eles tinham um pela mesma passagem. Ainda assim,
sistema de troca, todo mundo plantava, Gusmão afirma: “é o ônibus mais caro do
todo mundo pescava. Muitos deles acham Brasil”.
que a vida de hoje é muito melhor. São os Os diversos problemas e alterações
empresários, os que conseguiram se dar advindos do desenvolvimento turístico,
bem”. Porém, ressalta que a maioria não bem como o direcionamento da população
obteve o mesmo êxito. da Vila de Trindade à atividade, dão
Grande parte da população da Vila de ênfase à necessidade do planejamento do
Trindade, assim como em diversas áreas turismo. A histórica exclusão da
do município, vem sofrendo um processo população no processo de ocupação
de marginalização resultante do turística no município de Paraty, por sua
“desenvolvimento” proporcionado pelo vez, destaca a necessidade de participação
turismo. Além do desconhecimento das da população da Vila neste planejamento.
novas formas de trabalho a população
possui ainda desvantagens econômicas Planejamento Turístico e a Vila de
com relação aos empreendedores que vêm Trindade
de outras localidades.
Não se trata aqui de criticar a atração A deficiência da atuação do poder
de empreendimentos ou a mobilidade de público municipal em Trindade não só é
indivíduos que vieram à Vila se dedicar apontada pela população da Vila como
ao turismo. Pelo contrário, em Trindade, também é reconhecida pelo próprio poder
tais empreendedores trazem consigo novo público. Deve-se em grande medida ao
conhecimento e nova dinâmica à foco do órgão oficial de turismo do
atividade. Muitos se envolvem na luta município, a Secretaria de Turismo e
pela preservação das características locais Cultura, no desenvolvimento da atividade
e estabelecem relações mais que em torno do centro histórico paratiense.
econômicas com a região. A distinção dos Tal realidade é confirmada pela atual
indivíduos que residem nos núcleos responsável pela Secretaria, a
turísticos (população original e correntes turismóloga Valéria Mozzer.
migratórias) tem apenas a intenção de A Secretaria de Turismo e Cultura de
mostrar que os benefícios advindos do Paraty é responsável pelo planejamento
turismo à “população local” não são estratégico e operacional da atividade
percebidos igualmente por todos que a turística. A atual gestão é apontada pelos
compõem. Freqüentemente estes moradores de Trindade como a que mais
benefícios atendem aos interesses de se empenhou no desenvolvimento
determinadas empresas e grupos turístico municipal. No entanto, os
dominantes e de indivíduos que estão mesmos criticam sua atuação na Vila.
mais preparados para participar desse Segundo eles, a população de Trindade
processo de exploração turística, ficando à participa muito pouco das ações de
margem, geralmente por ignorância e Paraty.
inexperiência, aqueles que viviam De acordo com Valéria Mozzer, não
162 Turismo em áreas “menos desenvolvidas”...

existem registros de ações de por investimentos em infra-estrutura e


planejamento turístico anteriores à atual capacitação da população envolvida com o
gestão da Secretaria de Turismo e turismo. Ainda, tendo em vista que a
Cultura. Tal realidade denuncia a região central possui infra-estrutura e
inexistência de vínculos entre uma gestão visibilidade maiores, muitos dos turistas
e outra, caracterizando uma que vão à Trindade apenas permanecem
descontinuidade do planejamento na Vila durante o dia. Com isso, reduzem-
turístico e desperdício de informações que se os gastos dos mesmos no local.
se perderam com a mudança de gestões. Outra realidade que contribui para a
Antônio Porto Filho, envolvido na redução da permanência e dos gastos do
política municipal há muitos anos e ex- turista é a estagnação da diversificação
secretário de Turismo de Paraty, diz não da oferta turística em Trindade. Segundo
terem sido realizadas muitas ações de Leila Anunciação, os serviços oferecidos
planejamento por parte do poder público na Vila se restringem à tríade “pousada,
em Trindade. Das ações catalogadas restaurante e lojinha”. No entanto, a
através do discurso do poder público e dos população aponta como necessária uma
próprios moradores da Vila, identifica-se efetiva capacitação da mão-de-obra local e
uma atuação voltada para a divulgação dos pequenos empreendedores. Uma vez
da mesma e iniciativas incipientes no que os moradores não estão devidamente
sentido de organizar a atividade que ali preparados nem mesmo para lidar com
se desenvolve. Dentre elas, cita-se a essa tríade, não é difícil imaginar que
proibição de estacionar veículos na rua terão dificuldades em desenvolver outros
principal em feriados e no verão; criação serviços e atender outros segmentos do
da Rua das Artes para exposição de mercado turístico. Ressalta-se a
artesanato (não necessariamente importância da intervenção do poder
artesanato local), evitando comércio público neste sentido. Por outro lado, são
desorganizado também na rua principal; louváveis as iniciativas de muitos
implantação do Destacamento de membros da população no sentido de
Policiamento Ostensivo (DPO) no acesso à desenvolver a atividade. A capacitação
Trindade; sinalização do trevo de acesso à profissional possibilitar-lhes-ia, segundo
Vila e mais duas placas no interior da relatos de moradores, maior inserção no
mesma; e distribuição de folheteria. processo de desenvolvimento turístico.
Grande parte dessas iniciativas se deu Tendo em vista o contexto em que se
através do envolvimento e pressão desenvolve o turismo em Trindade, de que
populares. A criação da Rua das Artes se maneira, então, a Vila alcançou a
restringiu apenas à indicação de um local segunda colocação no ranking de atração
para venda de artesanato, não havendo de turistas do município? Seus atrativos
um projeto ou investimentos adequados naturais ao lado da criatividade local e de
em infra-estrutura. Pôde-se presenciar, uma infra-estrutura razoável, apesar de
em dias de chuva intensa, a destruição rústica (que imprime um diferencial à
das estruturas improvisadas pelos Trindade, inclusive), atraem cada vez
moradores. A sinalização é deficiente, mais turistas. No entanto, esse fluxo é
complementada por iniciativas da concentrado em determinadas épocas do
população, encontrando-se, assim, ano (especialmente durante os períodos
desprovida de padrão e, ainda, do Reveillon, Carnaval e Semana Santa e
provocando poluição visual em alguns feriado de Sete de Setembro). Durante a
locais. Segundo Leila Anunciação, existe a alta temporada, a Vila de Trindade recebe
intenção de se aproveitar o trabalho número maior de turistas que
realizado pela Escolinha de Entalhes efetivamente tem condições de comportar.
existente em Trindade: “além de a O resultado é uma superutilização dos
comunidade ficar mais bonita, as crianças serviços urbanos, já deficientes para o
ganham com isso e a comunidade atendimento à própria população.
também”, afirma. Segundo Leila Anunciação, a
Com relação à divulgação da Vila, pavimentação do Morro do Deus-me-livre
observa-se que esta não é acompanhada contribuiu para uma melhor distribuição
Alexandra Campos Oliveira 163

do fluxo turístico ao longo do ano. Ainda locais envolvidas diretamente com o


assim, a população se encontra turismo não participam do planejamento
dependente dos rendimentos da alta turístico, não é de se admirar que grande
temporada, não permanecendo, parte da população não tenha nem mesmo
entretanto, inerte mediante essa maléfica conhecimento da existência do PDDT.
dependência. A elaboração desse plano por uma
Através da iniciativa dos moradores, a consultoria indica o fracasso do PNMT em
Secretaria de Turismo e Cultura incluiu seu objetivo final, que seria a criação de
dois eventos de Trindade no calendário de um plano estratégico de turismo pela
Paraty, visando atrair turistas em épocas própria população em conjunto com
de fluxo turístico reduzido. Dentre esses, lideranças definidas pelo poder público.
chama a atenção o “Trindade em Festa”, Observa-se que a participação da
evento que ocorre na mesma data em que população de Trindade no planejamento
se fez o acordo entre população de turístico municipal ocorre pontualmente,
Trindade e a multinacional que na década em ocasiões específicas e parte da
de 1970 invadiu a vila. A organização do iniciativa da própria população, ainda que
mesmo, segundo Leila Anunciação, é a Vila se constitua em área de grande
responsabilidade da Associação de potencial turístico, de freqüência nacional
Moradores Nativos e Originários da e internacional, e que o turismo tenha se
Trindade em conjunto com a população da tornado o esteio da economia local.
Vila: “a Secretaria de Turismo estará O abandono do poder público é
dando o apoio necessário”, afirma. evidente no que se refere à infra-
Considerando-se as iniciativas do estrutura urbana. Se a população da Vila
poder público acima citadas, pode-se e o fluxo turístico sofreram aumentos
prematuramente inferir que a população significativos, os serviços urbanos, por
de Trindade possui grande participação outro lado, experimentaram poucos
nas mesmas. No entanto, se por um lado o avanços.
interesse da população na organização da Mediante a ausência de ações do poder
atividade se faz visível, por outro o público, os moradores de Trindade
interesse do poder público em alavancar passaram a envolver-se de maneira
esse potencial de envolvimento é obscuro. positiva para intervir na realidade local.
Porém, não obtêm apoio adequado dos
Participação da População da Vila de governantes municipais: “a gente vai lá,
Trindade no Planejamento Turístico conversa, reivindica tudo, mas eles não
fazem muito. Você anda na Trindade e
Toma-se como exemplo a aplicação do não vê obra da Prefeitura. Tudo o que a
Programa Nacional de Municipalização gente tem a gente ganhou”, afirma Saulo
do Turismo (PNMT)7, elaborado pela Alves.
Embratur em 1994 e aplicado em Paraty As melhorias na Vila são mais que
no final da mesma década. Tal programa, “ganhos”: são conquistas que vêm se
cujo pilar é exatamente a participação da perpetuando desde o conflito com a
população no planejamento turístico, não multinacional através de mobilizações e
teve repercussões na Vila de Trindade. reivindicações da população. Outras são
Nem mesmo as lideranças locais investimentos dos próprios moradores.
participaram de suas oficinas e grande Dentre suas ações está a disponibilização
parte da população não tem conhecimento de um médico e enfermeira durante o
do programa. Carnaval de 2004, mediante rateio em
Em 2003, uma empresa de consultoria conjunto com a Associação de Moradores.
paulista elaborou o Plano Diretor de Esta Associação é também responsável
Desenvolvimento Turístico do Município pela implantação de um sistema de água
de Paraty (PDDT), que passou a balizar na Vila, ainda que de maneira
as ações do poder público. Entrevistando improvisada.
lideranças da Vila de Trindade, verifica- Houve também a tentativa de se
se que estas também não participaram da implantar uma rede de coleta de esgoto,
elaboração do PDDT. Se as lideranças iniciativa apontada como a ação do poder
164 Turismo em áreas “menos desenvolvidas”...

público mais urgente pelos moradores suas terras e pronto. Há um interesse por
entrevistados. Guadalupe Lopes diz que parte de Paraty em Trindade, mas não é
sua filha, devido a essa deficiência no com a comunidade que está presente. Ela
saneamento urbano local, adquiriu uma quer para esse lugar uma outra história,
doença e veio a falecer em 1997. Desta para daqui a alguns anos. Mas um
forma, iniciou-se em Trindade um interesse com a comunidade em si, não
levantamento de fundos para que fossem sinto. Nenhuma prefeitura. Não é uma
realizadas obras nesse sentido. coisa deste governo. E é um lugar que tem
Guadalupe relata o apoio externo uma importância histórica, é um lugar
adquirido pelos moradores: “o pessoal do que deveria ser apoiado, porque tem uma
Partido dos Trabalhadores de Santos resistência aqui dentro para poder
mandou os técnicos, começamos a fazer a permanecer onde nós estamos”.
obra. Quando chegou em uma certa hora O morador B concorda: “a Trindade
da obra a Prefeitura entrou. O Secretário como pólo turístico para cidade de Paraty
do Meio Ambiente apresentou uma verba não é muito negócio para o governo do
mirabolante e com essa verba município, porque eles querem imposto,
desmobilizou a comunidade inteira. Todo arrecadação. E caiçara não tem dinheiro
mundo ficou por conta desse dinheiro. O para pagar imposto. Agora o pessoal de
dinheiro veio só a metade, ninguém Laranjeiras, os magnatas, gente que tem
conseguiu pegar o resto até hoje. E está aí grana pra implantar um condomínio
abandonado, ninguém conseguiu concluir desses é que pagam impostos, altos.
a obra”. Então para eles é negócio que os caiçaras
Outra iniciativa dos moradores se saiam daqui e venha para cá gente que
refere à coleta do lixo, realizada apenas tem grana. Se dependesse deles já não
duas vezes por semana, resultando em tinha mais essa comunidade aqui”.
um acúmulo na alta temporada. Segundo Saulo Alves diz que, em 2003, a
Guadalupe Lopes, houve uma tentativa Prefeitura apresentou um projeto de
de se implementar a coleta seletiva na criação de uma estrada-parque em
Vila: “colocamos coleta seletiva na Trindade. Assim, seriam cobrados R$
comunidade, estávamos de parceria com a 10,00 dos turistas para entrada a Vila. A
SOS Mata Atlântica, estava dando tudo receita seria destinada à Prefeitura
certo. Fizemos um galpão, a comunidade Municipal de Paraty. A Associação de
estava separando, estávamos com um Moradores rejeitou esse projeto. Para
trabalho de educação ambiental. Tinha Saulo Alves, a cobrança desta taxa
até uma cartilha. Mudou de governo, poderia engendrar, por um lado, a
passou-se toda a coleta seletiva para as diminuição do fluxo turístico na Vila, do
mãos da Prefeitura. A única coisa que a qual os moradores são extremamente
Prefeitura precisava fazer era organizar a dependentes. Por outro, Saulo Alves
coisa da coleta, buscar o nosso material. afirma que seria uma forma de atrair um
Ela não conseguiu fazer isso, o galpão turista de maior poder aquisitivo e, sem
começou a ficar uma monstruosidade. capacitação profissional e melhoria da
Acabou a coleta seletiva”. infra-estrutura, muitos moradores se
Guadalupe conclui que a Prefeitura, ao veriam prejudicados: “o morador da
invés de oferecer apoio à população, só a comunidade não teria para quem vender o
prejudica: “[a Prefeitura] quando quer seu prato de comida, alugar seu camping,
ajudar, só atrapalha. E sempre pega na sua pousada”.
coisa pior que é o lixo e o esgoto. Não O projeto não foi aprovado, porém
deixa a gente resolver, não dá uma força Saulo Alves relata que, em dezembro do
pra gente conseguir fazer isso”. Ainda, mesmo ano, houve uma outra tentativa de
Guadalupe conclui: “até onde eles vão implantá-lo: “ele [Prefeito] votou a mesma
querer chegar? Acho que eles vão querer lei. Ele mandou uma pessoa cobrar aqui
dar mais um tempo para destruir as no alto no Carnaval. Na Semana Santa
comunidades, porque quem fica aqui ele não cobrou mais, agora está parado”.
somos nós. A população começa a ficar Saulo reconhece a necessidade de
enfraquecida, doente, começa a vender enfrentamento de problemas advindos do
Alexandra Campos Oliveira 165

crescimento do turismo, porém completa: No entanto, considerando-se que o turista


“o que adiantaria seria a gente ficar na depende desses serviços e provoca a
Trindade e ser participante do que ele superutilização dos mesmos, acredita-se
[prefeito] tem a fazer”. que a Secretaria de Turismo e Cultura
A partir dessa realidade percebida deveria somar esforços àqueles que
pela ótica de muitos moradores, torna-se cobram por melhorias nesse sentido.
difícil o envolvimento da população com o Ressalta-se que, como afirma Antônio
poder público: “a comunidade está Porto Filho, a Secretaria de Turismo e
abandonada a tanto tempo que não Cultura tornou-se a Secretaria mais
acredita mais em nada. Então é difícil importante do município, podendo
você articular uma reunião, organizar um contribuir para a mudança da realidade
curso”, afirma Guadalupe Lopes. Nesse na Vila.
sentido, ela ressalta a importância de se
estudar o fator histórico da Vila. Além de Considerações Finais
passar por toda a questão da luta pela
terra, o nativo teve uma difícil O turismo em Paraty (incluindo-se o
reconstrução de seu modo de vida que, turismo de segunda residência) tem
sofrendo influência do turismo, passou promovido significativa atração de
por alterações profundas. Ainda, grande investimentos ao município. Praias e
parte da população, embora envolvida ilhas, patrimônio da sociedade, têm se
com a atividade, não tem um tornado áreas exclusivas da elite nacional
conhecimento maior a respeito do e internacional. Em áreas menos
turismo, o que vem ameaçando sua exclusivas, porém bastante valorizadas,
inserção no processo de ocupação verifica-se a presença cada vez maior de
turística. indivíduos dos grandes centros.
É necessária a existência de uma A atração desses investimentos é
política de inclusão que contemple a associada à promoção do desenvolvimento
preparação e capacitação da população do município: a decadente Paraty, ao ser
para o turismo. Como afirma o morador “descoberta” pelo turismo, passa a reviver
B, os habitantes de Trindade dedicam-se tempos prósperos. A adequação do espaço
majoritariamente à atividade, tornando- de Paraty (e tudo que esse espaço contém:
se dever da Prefeitura apoiá-los no suas populações e relações sociais) ao
desenvolvimento da mesma. Ressalta que consumo das elites dá ao município uma
as atuais gestões da Prefeitura e simbologia vinculada ao status social de
Secretaria de Turismo e Cultura, ainda seus consumidores. Pouco se fala a
com todos os problemas, foram as que respeito da marginalização da população
mais investiram no turismo: “mas ao local.
mesmo tempo em que investe quer cobrar O “desenvolvimento” paratiense ocorre
um preço muito alto. A condição é a de maneira controversa: aqueles que
comunidade se submeter ao controle sobreviveram aos períodos de decadência
deles. Queriam cobrar para controlar o econômica não conseguem sobreviver ao
fluxo turístico, mas primeiramente tem “progresso”. Não parece existir o interesse
que investir na infra-estrutura do lugar. em se elevar os níveis técnicos e de
Novamente rede de saneamento, a conhecimento da população para
educação, a preparação dos profissionais acompanhar esse processo de
que trabalham com o turismo aqui para o “desenvolvimento”. A sua função seria
turista vir e pagar por uma coisa que ele outra dentro da engrenagem da ocupação
está recebendo: o conforto e a consciência turística: a sua exclusão é mais lucrativa
de que o lugar está sendo preservado”. do ponto de vista dos interesses
Uma política de inclusão da população dominantes. A população é, assim,
deve ser acompanhada por investimentos incorporada ao novo sistema de produção
em infra-estrutura. É certo que muitas e consumo com papel distinto dos novos
das deficiências existentes em Trindade proprietários e produtores do espaço, bem
aqui apontadas não competem como dos novos usuários (turistas).
diretamente ao órgão oficial de turismo. Constitui-se, quando muito, na mão-de-
166 Turismo em áreas “menos desenvolvidas”...

obra barata empregada na nova das formas de trabalho do turismo, a


economia. responsabilidade pelo desenvolvimento da
A população de Trindade representa atividade.
um movimento de resistência a essa De fato, o desenvolvimento endógeno
realidade. Para os moradores da Vila, o apresenta diversos desafios. Porém, ao se
“desenvolvimento” não é apenas obra dos descartar essa hipótese opta-se por
detentores de capital ou do poder público. endossar os mesmos modelos excludentes
A despeito da ausência deste, a população baseados na exploração turística por
de Trindade busca sobreviver intervindo grupos de poder econômico, obtendo, por
na realidade local. um lado, resultados mais facilmente e,
O abandono do poder público enseja o relativamente, em curto prazo. Por outro,
afastamento da população com relação ao a marginalização da população e
mesmo. É preocupante a constatação de deterioração dos indicadores sociais; a
que, para muitos moradores, esse construção de um produto turístico
abandono é intencional. Seria uma crítica desprovido de relação com o cotidiano da
dos habitantes da Vila não exatamente à população local, receptáculo para o
Secretaria de Turismo e Cultura, mas a turista; a padronização dos serviços e
toda Prefeitura, e não especificamente à aspectos urbanos; descaracterização
atual gestão, mas também às gestões cultural, dentre outros impactos
anteriores. Para eles, a Prefeitura teria negativos. A experiência turística deixa
sim interesse em Trindade, porém de ser o contato com a realidade local
direcionado a grupos de hegemonia para constituir-se em contato comercial
econômica que têm interesse na região e, com um espaço “mercadorizado”.
portanto, não direcionaria esforços para A participação da população no
que a população que hoje vive na Vila planejamento turístico se apresenta
fosse beneficiada através do enquanto diferencial estratégico no
desenvolvimento da atividade. desenvolvimento da atividade. Através
De maneira geral, o modelo de dessa participação, promove-se a
desenvolvimento turístico exógeno, construção de um modelo de ocupação
dependente de investimentos externos e turística, e não apenas a cópia e aplicação
excludente com relação à população local, de modelos, comumente adotada por todo
é comum no Brasil. Diversas localidades o país. Cria-se um produto que estabelece
que apresentam vocação natural para a maior relação com a realidade local e com
atividade optam por esse modelo, os interesses, desejos e valores da
passando a adequar seus territórios aos população.
padrões de consumo da elite nacional e Uma relação positiva entre turismo e
internacional. Ao mimetizar desenvolvimento passa, primeiramente,
características de outras localidades, por uma nova formulação no
perdem, assim, exatamente os traços que planejamento turístico, que implique uma
originaram o fluxo turístico inicial. visão mais humana que mercadológica da
Seguem a padronização vigente da atividade, bem como na atribuição de
produção dos espaços turísticos. Desta novos papéis à população local. Além de
forma, compreende-se a afirmação de servir à adequação e competitividade das
Yázigi: “por toda parte, o que vejo são localidades turísticas, o planejamento
fragmentos de cidade grande espalhados deve conceber uma política de inclusão da
pelo interior que, mais cedo ou mais população no desenvolvimento turístico,
tarde, tendem a deixar tudo igual” especialmente em áreas mais sensíveis
(2002:135). aos impactos negativos da atividade.
A inércia à espera de investimentos A Vila de Trindade representa a
que possam promover o desenvolvimento possibilidade de desenvolvimento
turístico parte de uma visão míope dos turístico que contemple essa inclusão.
responsáveis pelo planejamento da Enquanto o modelo dominante excludente
atividade. Não se credita à população de ocupação turística não extingue
dessas localidades, desprovida de maiores qualquer capacidade de resistência local,
recursos financeiros e de conhecimentos perdura-se a oportunidade ao turista de
Alexandra Campos Oliveira 167

conviver com a cultura caiçara: ouvir Turismo, então órgão máximo do turismo
histórias da “aldeia antiga”, como no país).
chamam os moradores a Vila antes do Um dos objetivos deste programa
conflito com a multinacional; histórias do seria, de acordo com a Embratur,
próprio conflito ou de piratas que teriam despertar a sensibilidade dos residentes
sido atraídos pelo ouro que de Paraty era nos município para o fato de que apenas
transportado para Portugal; com sorte possuir atrativos, ou potencial turístico,
pode-se experimentar a comida caiçara ou não seria suficiente para que a atividade
acompanhar o cerco dos pescadores. cresça e se desenvolva. Procura também
Dentre os empreendedores, pode-se estimular o reconhecimento da
encontrar nativos da Vila. Dentre as importância do turismo enquanto gerador
construções existentes, pode-se observar de emprego e renda. Ressalta-se que nas
técnicas utilizadas pela cultura caiçara, diretrizes do PNMT não se faz menção à
como nos ranchos de pesca transformados discussão dos potenciais impactos
em barzinhos à beira-mar. negativos da atividade junto à população
No entanto, tais traços se vêem, a que se dirige o programa.
especialmente na alta temporada, em O PNMT orienta-se por cinco
segundo plano, tendo em vista o princípios gerais: descentralização,
crescimento desorganizado da atividade. sustentabilidade, parcerias, mobilização e
Toma-se como atrativo apenas os capacitação.
elementos naturais da Vila que, diga-se A descentralização consiste no
de passagem, são de rara beleza. Isso fortalecimento do poder público
porque o “turismo cultural” elegeu o municipal. A sustentabilidade contempla
centro histórico e seu rico patrimônio, a compatibilidade dos aspectos
embalagens de status dos novos econômicos, sociais, ambientais, culturais
empreendimentos, como cenário para se e políticos do município no
desenvolver. A cultura das áreas desenvolvimento do turismo. As
periféricas não tem merecido atenção parecerias se referem à identificação de
equivalente, apesar de sua riqueza. meios econômicos, técnicos e financeiros
Talvez essas áreas venham a alcançar capazes de contribuir para o
destaque a partir da atração de novos desenvolvimento da atividade. A
empreendedores, retirando a população mobilização, por sua vez, trata do
“incapaz” desse progresso, por seu estímulo à atuação da população na busca
despreparo e desvantagens econômicas, de alternativas e objetivos que possam
tornando-se apenas cenário desprovido de orientar os projetos de turismo. Por fim, a
um conteúdo autêntico. capacitação se refere tanto a
disseminação de métodos de gestão
ANEXO. Programa Nacional de Munici- participativa quanto ao treinamento em
palização do Turismo serviços, e se dirige a pessoas envolvidas
com a atividade no município.
O Programa Nacional de Adotou-se a metodologia de enfoque
Municipalização do Turismo foi criado, participativo para formação de equipe
em 1994, mediante a necessidade de técnica de operacionalização do PNMT.
articulação entre as diversas esferas de Esta se constituiria de Agentes
poder no planejamento turístico no Brasil, Multiplicadores Nacionais, designados
de maneira descentralizada. Parte do por instituições parceiras nacionais;
reconhecimento de que os processos de Agentes Multiplicadores Estaduais,
planejamento e gerenciamento devem se designados por instituições parceiras
concentrar no plano municipal e de que as estaduais; Monitores Municipais,
soluções e os caminhos a serem selecionados a partir dos quadros das
percorridos pela atividade devem ser Prefeituras Municipais e dos segmentos
encontrados pelos próprios moradores. representativos da população local;
Direcionou-se a localidades brasileiras Facilitadores Estaduais que sejam
consideradas potencialmente turísticas técnicos de universidades ou de outras
pela Embratur (Instituto Brasileiro de instituições; e Monitor Municipal: esta
168 Turismo em áreas “menos desenvolvidas”...

metodologia consiste em “Oficinas de apoio do moderador, conduzirá os


Capacitação” compostas por grupos de trabalhos para a elaboração da Estratégia
trabalho em que todos os participantes, Municipal de Desenvolvimento do
com base em perguntas ou em Turismo, centrada no enfoque
documentos orientadores, vão propondo a participativo. Participarão desta oficina
construção do conhecimento, a partir da os membros do Conselho Municipal,
realidade individual. No decorrer do pessoas envolvidas com a atividade
processo, essa construção vai sofrendo turística e especialistas (Diretrizes
ajustes, correções, sugestões e novas PNMT, EMBRATUR).
interpretações” (Diretrizes PNMT, No ano de 2003 ocorreram diversas
EMBRATUR). alterações no plano federal que
Desta forma, todos os envolvidos implicaram profundas mudanças em toda
podem contribuir para a construção do estrutura oficial de turismo. Criou-se,
conteúdo, eliminando conflitos e buscando pela primeira vez na história brasileira,
o consenso do grupo, disseminando a um ministério exclusivo para o turismo.
informação e estabelecendo missões, Um novo Plano Nacional de Turismo
etapas e tarefas práticas a serem (PNT) foi elaborado, contemplando o
cumpridas no desenvolvimento da rotina período de 2003-2007. Extinguiu-se o
de trabalho (Diretrizes PNMT, PNMT e criou-se, como programa de
EMBRATUR). descentralização o Programa de
As oficinas do PNMT seriam Regionalização do Turismo – Roteiros do
conduzidas por um moderador que teria Brasil.
por missão estimular o debate, a O PNMT tem resultados, em muitos
cooperação e integração e introduzir casos, questionáveis, tendo em vista a não
recomendações e técnicas. concretização da última fase
A elaboração da estratégia municipal (descontinuidade do programa). Também
de turismo seria a última das três fases é alvo de crítica por parte de alguns
do PNMT. A implementação do programa estudiosos no sentido de que muitos
se daria, inicialmente, com uma fase de municípios, através deste programa,
sensibilização e posteriormente com as aplicaram recursos nas oficinas de
oficinas de capacitação propriamente treinamento e não obtiveram resultados
ditas. Nesta fase, propõe-se discutir, esperados. Também recebe crítica o fato
também, a criação do Conselho Municipal de que a metodologia adotada no
de Turismo e do Fundo Municipal de programa é alemã, e não uma
Turismo. metodologia criada especificamente para
O Conselho Municipal de Turismo o planejamento turístico no Brasil.
(COMTUR), criado dentro do PNMT, é A participação da população perpetua-
um importante órgão de gestão se enquanto um desafio recorrente do
municipal, definido pela Embratur como discurso político; porém, mesmo em
Órgão superior de consulta da programas como o PNMT, cujo foco
Administração Municipal, de caráter central estaria justamente nesta
consultivo e deliberativo, para conjugação participação, não foram obtidos, em
de esforços entre Poder Público e a municípios como o de Paraty, Rio de
Sociedade Civil, para assessoramento da Janeiro, resultados práticos capazes de
municipalidade em questões referentes ao revolucionar o planejamento turístico
desenvolvimento turístico municipal, nesse sentido.
composto de vários segmentos
organizados da sociedade. Bibliografía
Depois de finalizadas as fases acima
descritas e criado o COMTUR, o Brandão, Túlio.
município pode dar início à elaboração do 2004 “A Meteórica Agonia dos Caiçaras
Plano Municipal de Turismo. Esta se dará de Paraty”. O Globo. Rio de Janeiro, 29
com realização de uma oficina na qual o de fevereiro de 2004.
Facilitador Municipal, com a co- Enciclopédia dos Municípios.
moderação do Facilitador Estadual e o 1950. Paraty.
Alexandra Campos Oliveira 169

Luchiari, Maria Tereza D. P. NOTAS


2000 “Turismo e Cultura Caiçara no
Litoral Norte Paulista”. En Rodrigues, 1
Vale ressaltar que o conceito de
Adyr Balastreri (Ed.). Turismo. desenvolvimento tem se submetido, não raro,
Modernidade. Globalização. (pp. 136- majoritariamente à crítica econômica, assumindo
o significado de crescimento econômico. No
154) 2ª ed. São Paulo: Editora Hucitec.
entanto, o crescimento da economia pode ocorrer
Oliveira, Alexandra Campos. sem que haja melhorias no quadro de
2004 Turismo e População: Um Estudo de concentração de renda e dos indicadores sociais,
Caso do Planejamento Turístico inerentes ao conceito de desenvolvimento.
2
Participativo na Vila de Trindade – Plano Diretor de Desenvolvimento Turístico do
Paraty/RJ. Juiz de Fora: Município de Paraty.
UFJF/DEP.TUR. 3
Instituto Brasileiro de Geografia Estatística.
Pereira, Francine Maria.
2001 Vila da Trindade, Paraty, RJ: 4
De acordo com o PDDT (2003:102-103), a
Turismo Sustentável? Santo André: oferta técnica constitui-se das agências e
Uni ABC operadoras de turismo, equipamentos
Plano de Desenvolvimento Turístico do complementares de apoio, equipamentos de
Município de Paraty. alimentação e de entretenimento e recreação,
equipamentos turísticos de apoio, meios de
2003 Paraty. hospedagem I (meios de hospedagem hoteleiros
Revista Scuba. e extra-hoteleiros, excetuando-se campings) e
2003 “Paraty: Turismo Aventura”. meios de hospedagem II (campings).
Revista Scuba. São Paulo, 59: Vox
5
Editora. Embora o estudo de Luchiari (2000) se refira ao
Trindade.tur.br. litoral norte paulista, corresponde, nesse aspecto,
à realidade histórica do município de Paraty.
[Online]. Disponível: www.trindade.tur.-
br/praias.htm. [14/03/2004]. 6
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Wilk, Cindy. Trindade foram omitidos para preservar a
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25: 42-53. Para maiores informações sobre o PNMT, ver
anexos.
Yázigi, Eduardo.
2002 “Vandalismo, Paisagem e Turismo
no Brasil”. En Yázigi, Eduardo; Carlos,
Ana Fani Alessandri y Cruz, Rita de
Recibido: 11 de noviembre de 2004
Cássia Ariza da (Eds.). Turismo:
Aceptado: 22 de diciembre de 2004
Espaço, Paisagem e Cultura. (pp. 133-
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