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Frankl
Rafael Mendonça de Paula
Eric Hobsbawn em sua análise histórica do século XX, que ele não sem motivos
denominou “Era dos Extremos”, afirma que, em certo sentido, pode-se dizer que o
século XX somente iniciou em 1914 com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, pois
até essa data, vivia-se ainda sob o espírito do século XIX, um século materialista,
herdeiro das Revoluções do século das Luzes – revoluções que teriam libertado o
homem das supertições e preconceitos obscurantistas dos séculos anteriores, vividos
nas trevas privadas da luz da Razão – que acreditava no Progresso, no poder do
método e da Ciência em alçar o homem para além da penúria e da necessidade,
encerrando o período em que a humanidade esteve à mercê das forças Natureza,
iniciando, assim, um período inaudito de paz e prosperidade. Não à toa, esse período
de altas esperanças e otimismo no futuro da humanidade é chamado de belle époque.
A eclosão da Guerra leva ao fim das ilusões do triunfo da humanidade sobre a morte e
o sofrimento, dando início a um século que pretendia-se como emancipatório, mas
provou ser uma era de extremos, um século onde o domínio material e científico
serviu ao horror e a crueldade humana poucas vezes visto, a um projeto de dominação
e extermínio de toda uma população e, algo que não existia, regimes políticos
totalitários.
E desse modo, Frankl narra, em um livro escrito em nove dias, sua experiência
pessoal como sobrevivente de Auschwitz e Daschau, visando assim, responder à crucial
questão “de que modo se refletia na mente do prisioneiro médio a vida cotidiana do
campo de concentração?”.
Mas não foi somente indiferença e apatia que Frankl descobriu no campo de
concentração, mas, também, a liberdade interior, pois para Frankl fica evidente que se
nos perguntássemos sobre a liberdade humana, sobre o que há além dos múltiplos
determinantes e condicionamentos do comportamento da pessoa, encontraríamos,
exemplificados no comportamento de diversas pessoas, tantos prisioneiros quanto
guardas ou capos, que conseguiram transcender as terríveis condições do campo e
apresentar um comportamento decente demonstrando “se pode privar a pessoa de
tudo, menos da liberdade última de assumir uma atitude alternativa frente às
condições dadas” (pág. 88). A todo momento, nós humanos, temos a possibilidade de
escolha, a liberdade última de decidirmos qual será a nossa atitude, de buscar o
sentido de cada situação, de nos fazermos dignos de nosso tormento (palavras de
Dostoievsky que Frankl sempre lembrava em seu calvário), e configurar a nossa vida de
modo que tenha sentido. O sentido da vida não se encontra na exclusão do sofrimento
e da morte, pois “se é que a vida tem sentido, também o sofrimento necessariamente
o terá [...] Aflição e morte fazem parte da existência como um todo” (pág. 90).
Por fim, cabe ressaltar uma última reflexão que Frankl extraiu de sua
experiência nos campos de concentração, que tanto entre guardas quanto entre
prisioneiros, tanto entre algozes quanto vítimas, haviam pessoas capazes de atos de
crueldade quanto de atos dignos da humanidade, revelando-se o ser humano como ele
é, uma liga entre o bem e o mal, colocando como resposta a pergunta do que consiste
o ser humano como “o ser que sempre decide o que ele é. É o ser que inventou as
câmaras de gás; mas é também aquele ser que entrou nas câmaras de gás, ereto, com
uma oração nos lábios.” (pág. 112, 113)