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LIVRO - Abuso Sexual Contra Crianças e Adolescentes
LIVRO - Abuso Sexual Contra Crianças e Adolescentes
Luís a F Habigzang
Sumário
Apresentação....................................................................................9
Prefácio........................................................................................... 13
Introdução......................................................................................15
Anexos............................................................................................ 165
pode ser feito para resolver o problema; por ser um assunto tabu; por
não saber o que fazer (Cohen, 1997).
Mesmo que a maioria dos casos de abuso sexual envolvendo
crianças raramente seja revelada, devido a culpa, vergonha e tolerância
da vítima, há outros fatores que geram essa condição - como, por
exemplo, a relutância de alguns médicos em reconhecer o problema
e relatá-lo, a insistência de tribunais em regras estritas de evidência e
o medo da dissolução da família, se for descoberto o abuso.
Possivelmente, uma das principais questões que levam os profissionais
de saúde a negar e a subestimar a severidade e a extensão do abuso
sexual é o fato de ele significar a violação de tabus sociais - como o
incesto -, despertando sentimentos de raiva e desconforto nos próprios
agentes de saúde (Fumiss, 1993; Zavaschi e cols., 1991).
O abuso sexual contra crianças ou adolescentes é, portanto, um
fenômeno que envolve variáveis complexas na caracterização de sua
dinâmica. Por esta razão, é considerado um problema multidisciplinar,
requerendo uma estreita cooperação de diferentes profissionais. Como
questão legal e terapêutica, requer, por parte de todos os profissionais
envolvidos, o conhecimento dos aspectos criminais e de proteção da
criança, assim como dos psicológicos (Fumiss, 1993).
Dados epidemiológicos
A intervenção
A amostra do estudo foi composta por treze meninas com idades
entre nove e dezesseis anos vítimas de abuso sexual. O critério de
inclusão na amostra foi a presença de pelo menos um episódio de
abuso na história das participantes - situações de assédio sexual,
carícias em partes íntimas do corpo, manipulação de genitais, sexo
oral e genital.
Doze meninas sofreram abuso sexual intrafamiliar e uma foi
vítima de exploração sexual. No primeiro grupo, os abusadores foram:
padrasto (nove casos), tio (dois casos) e irmão (um caso). No caso de
abuso extrafamiliar, foi constatado que a mãe estava envolvida na
exploração sexual da menina. Todos os casos já haviam sido notifi
cados aos órgãos de proteção a crianças e a adolescentes. Quando
chegaram ao programa, oito meninas estavam convivendo com as
famílias e cinco estavam abrigadas como medida de proteção. Durante
as entrevistas de avaliação individual verificou-se que uma das
94 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
Grupoterapia cognitivo-comportamental
A grupoterapia cognitivo-comportamental teve como objetivos:
1) cessar a exposição da criança ou do adolescente ao evento
estressante; 2) abordar terapeuticamente a experiência traumática,
com a recuperação e a reestruturação semântica da memória trau
mática; 3) construir estratégias cognitivas e comportamentais
funcionais para lidar com as reações psicológicas e fisiológicas
relativas ao trauma; 4) desenvolver estratégias cognitivo-compor-
tamentais de autoproteção; 5) potencializar a proteção externa
(familiares e/ou cuidadores) para a criança (Habigzang & Caminha,
2002a, 2002b).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 97
Analisando a intervenção
EM ABUSO SEXUAL NA INFÂNCIA E
NA ADOLESCÊNCIA
Resultados da intervenção
da irmã de sete anos, com a separação dos pais. Ela apresentava alguns
critérios de TEPT, como, revivência do trauma por meio de lembranças
intrusivas, angústia nas lembranças traumáticas e dificuldade de
concentração, embora não tenha fechado critérios diagnósticos para
tal psicopatologia.
Ticiane tinha doze anos e realizou a avaliação para ser incluída
no grupo. Ela veio por intermédio da mãe, que buscava atendimento
para si. A mãe relatou que precisava de ajuda, pois o marido havia
abusado sexualmente de sua filha e, diante da confissão dele, ela
tinha pedido a separação, o que a estava fazendo sofrer muito. Disse
que era apaixonada pelo marido e que percebia que estava maltratando
a filha, como se ela a tivesse traído. A mãe foi encaminhada para
psicoterapia e concordou em trazer a filha para avaliação. Ticiane
contou que o padrasto entrou em seu quarto à noite, enquanto a mãe
trabalhava (no turno da noite, como auxiliar de enfermagem em um
hospital), e deitou-se com ela, acariciando-lhe o corpo. A menina
contou que saiu correndo, trancou-se no quarto da mãe e ligou para o
celular dela pedindo ajuda. Contou que quando a mãe chegou o
padrasto havia fugido, voltando dias depois para buscar suas coisas.
Ticiane disse que se sentia culpada pela tristeza da mãe, e que, depois
do ocorrido, não conseguia estudar, tinha pesadelos, isolou-se dos
amigos e passou a ter medo de qualquer homem que se aproximasse.
Ela apresentava quadro de TEPT e relatou desejo de morrer. Contou
que um tempo antes tentara suicídio por auto-sufocamento com o
travesseiro. Também revelou sentir medo de que a mãe tivesse uma
recaída e voltasse para o padrasto, pois ele ligava freqüentemente e
eles ficavam horas conversando no telefone. A mãe de Ticiane contou
que havia retirado a queixa contra o ex-marido para não prejudicá-
lo, mas que a filha não sabia de nada.
As Tabelas 1 e 2 apresentam os resultados da avaliação inicial
do G1 e do G2, com relação aos sintomas de TEPT e às alterações
comportamentais identificadas.
no Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
falta de apetite 2 0
aumento de apetite 0 1
atraso do desenvolvimento 1 1
(Cognitivo; motor; afetivo)
atuação tipo Mentiras e furtos 0 3
atuação sexual 0 1
perda de peso 1 1
abandono de hábitos lúdicos 1 0
comportamento suicida 0 5
uso de maconha 0 2
Grupoterapia
A seguir estão descritas em detalhes as técnicas cognitivas e
comportamentais desenvolvidas em cada sessão do grupo. Os resultados
estão apresentados através de recortes clínicos do G1 e G2.
Ia sessão
Rapport. Incluiu apresentação dos terapeutas coordenadores e
todas as informações necessárias sobre o funcionamento do grupo,
tais como: dia dos encontros, horários, tempo de duração, etc.
Dinâmica de apresentação. Foi realizada uma dinâmica de grupo
que favoreceu a apresentação e a caracterização das participantes,
envolvendo a realização de entrevistas entre as meninas. As perguntas
mais freqüentes foram: nome, idade, onde mora, onde estuda, o que
gosta de fazer. Depois, as informações obtidas nas entrevistas foram
apresentadas no grupo.
Identidade do grupo. O passo seguinte foi conversar com as
meninas do grupo sobre o porquê de estarem reunidas, abordando quais
experiências de vida as trouxeram para o atendimento (cabe lembrar
que as meninas foram individualmente preparadas para o grupo). Nesse
momento, discutiu-se no grupo o que é um abuso sexual, pois as
112 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
2a sessão
Estabelecimento de confiança. Realizaram-se dinâmicas para
estimular a confiança e a coesão entre os membros do grupo. Por
exemplo, “caminhada em confiança” (Smith, 1996), na qual as
meninas foram divididas em duplas, e uma delas vendou os olhos
para ser conduzida em uma caminhada pela sua companheira. Depois
os papéis se inverteram. No final da técnica exploramos os sentimentos
e os pensamentos com relação à atividade realizada, buscando
salientar o quanto é importante ter alguém para confiar quando
enfrentamos alguma dificuldade. Reforçou-se a idéia de que o grupo
constituía um espaço seguro e possível para expor as experiências
sexualmente abusivas a que foram submetidas.
Relato das situações abusivas. As participantes foram convi
dadas a revelar as experiências de abuso sexual de forma verbal, escrita
ou desenhada. Buscou-se compreender a dinâmica dos abusos, os
rituais dissociativos, a freqüência, a duração, a intensidade, o segredo
e a coerção. Paula relatou: “A minha vida não é como a maioria das
gurias que tem no meu colégio. Quando eu ia para a escola me sentia
uma menina muito triste, porque tudo aquilo que estava acontecendo
comigo não era certo. Por que só comigo e não com as outras meninas
que passavam por mim.” (sic)
114 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
Mariana relatou: “Foi muito bom ter contado o que meu padrasto fez
comigo e não ter passado por mentirosa, como ele disse que iria
acontecer no dia em que eu contasse isso a alguém.” Todas as meninas,
de ambos os grupos, manifestaram sentir alívio em compartilhar o
abuso e constatar que ninguém ali as julgou de forma negativa.
3a sessão
Reações da família. Foram abordadas as reações, da família e das
demais pessoas significativas, diante da revelação. Muitas vezes as
meninas falaram do fato de terem sido responsabilizadas pelo ocorrido
e pela desestruturação da família. Outras vezes, relataram que tentaram
contar o que acontecia a alguém, mas que não tinham credibilidade.
As meninas abrigadas queixaram-se da falta que sentiam dos irmãos e
da mágoa com relação às mães que não acreditaram nelas.
Minhas famílias. “Desenho de minha família ou de minhas
famílias ou cuidadores atuais” (Smith, 1996). Este foi um dispositivo
interessante para abordar as mudanças na configuração familiar. As
participantes desenharam sua família antes e depois da revelação, e
depois comentaram as produções.
Mapeamento das mudanças. Buscou-se conhecer e compreender
as mudanças ocorridas na vida das meninas depois das situações
abusivas e da quebra do segredo. No G1, no qual cinco meninas estavam
institucionalizadas, verificou-se que o abrigo era entendido como
punição, o que reforçava a crença de que eram culpadas pelo abuso.
Durante a sessão, Gabriela, que estava na casa abrigo, perguntou a
Daiana, que morava com a mãe, porque ela pôde ficar em casa. Daiana
respondeu que a mãe havia mandado o padrasto embora, mas que tinha
medo de ficar em casa, porque pensava que ele viria seqüestrá-la para
cumprir as ameaças. Então Daniela disse: “É ruim ficar longe de casa,
mas pelo menos agora a gente está segura. Temos um lugar para morar
e ninguém abusa da gente.” Além das mudanças na configuração
familiar, as meninas apontaram alterações na vida escolar (diminuição
do rendimento), maior agressividade com os outros, desconfiança das
116 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
4a sessão
Psicoeducação quanto ao modelo cognitivo-comportamental.
O modelo foi introduzido com o jogo “o que são emoções”, no qual
o grupo ligava colunas de situações cotidianas às reações afetivas
correspondentes. Foram trabalhadas diversas emoções, como medo,
raiva, tristeza, culpa e alegria, por meio de cartões com “carinhas”
que as representavam. Esse dispositivo possibilita aprender a
discriminar emoções e nomeá-las de acordo com as situações
cotidianas. Inicialmente, abordamos as emoções em situações gerais,
e depois focalizamos as emoções relacionadas à experiência de abuso
sexual, com o objetivo de ampliar o repertório afetivo. As emoções
citadas em comum pelas pacientes foram raiva, ódio, medo e culpa.
O abusador. Abordaram-se afetos e pensamentos com relação
ao abusador. Um dispositivo utilizado para isso foi a construção do
abusador em massa de modelar e a realização de role play com ele
(Knell & Ruma, 1999). Essa técnica proporcionou uma evasão de
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 117
5a sessão
Psicoeducação quanto ao modelo cognitivo-comportamental.
Foi introduzida a compreensão do pensamento como lembrança, idéia
ou imagem que passa pela nossa cabeça e que muitas vezes é
involuntário (pensamento automático). Foi trabalhada a noção de que
nossos pensamentos estão relacionados ao modo como nos sentimos.
Retomando os monitoramentos extra-sessão, nos quais foram
registradas situações e emoções, verificaram-se quais foram os
pensamentos associados. Para facilitar a compreensão, utilizamos a
técnica de role play com três personagens: a situação, o pensamento
e o afeto. Elas foram divididas em pequenos subgrupos, que ensaiaram
a dramatização dos personagens para depois apresentar para o grupo.
As meninas que estavam assistindo identificam qual foi a situação, o
pensamento e a emoção.
No Gl, foi dramatizada uma situação registrada, na qual Daiana
atendia um telefonema e identificava a voz do padrasto. Ela lembrou
de cenas do abuso e das ameaças, o que desencadeou emoções como
medo e raiva intensos. Outro grupo dramatizou uma situação em que
Gabriela estava dentro de um ônibus que passou em frente a um local
onde havia sido abusada. A situação desencadeou lembranças do abuso,
que a deixaram muito triste, fazendo-a chorar compulsivamente.
No G2, os pensamentos foram trabalhados através de uma
atividade escrita na qual as meninas descreviam o que significou para
elas ter vi vendado situações de abuso sexual. Elas escreveram sobre
as mudanças que perceberam em si mesmas e quais pensamentos e
sentimentos mudaram com relação à tríade cognitiva (como elas se
vêem, como vêem os outros e como vêem o futuro). Depois, as meninas
leram para o grupo suas produções escritas e identificaram semelhanças
de sentimentos e pensamentos com relação ao abuso. Luciana relatou:
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 119
6a sessão
Psicoeducação quanto ao modelo cognitivo-comportamental.
Foi trabalhada a compreensão de que os pensamentos e os afetos
estão relacionados com nossos comportamentos e podem provocar
reações físicas. Nesse momento foi introduzida a abordagem integral
do modelo cognitivo-comportamental. Utilizaram-se os registros da
tarefa extra-sessão para verificar quais foram os comportamentos e
as alterações fisiológicas associados às emoções e aos pensamentos
identificados. Para integrar o modelo cognitivo-comportamental
utlizou-se a construção de histórias em quadrinhos a partir de situações
relatadas pelo grupo, assim como quebra-cabeças ilustrativos.
Psicoeducação quanto ao problema. Evidenciou-se o quanto
situações-problema e pensamentos, afetos, comportamentos e reações
120 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
7a sessão
Oficina de educação sexual. Essa oficina foi interdisciplinar,
contando com a participação de alunos de enfermagem. O objetivo foi
abordar as alterações naturais sofridas pelo corpo feminino na puberdade
122 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
8a sessão
Treino de inoculação de estresse. O TIE foi utilizado como
dispositivo para ativar a memória traumática e detalhar os estímulos
desencadeantes de lembranças intrusivas, possibilitando à pessoa uma
sensação de controle da intensidade das emoções associadas. Nesse
processo, o paciente apresenta, de forma gradual, as situações abusivas
experienciadas e o terapeuta faz uma mediação, para que a memória
possa ser alterada semanticamente, ou seja, a memória é
reinterpretada, ressignificada. A mediação é realizada por meio de
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 123
9a sessão
Treino de inoculação de estresse e reestruturação cognitivo-
comportamental. Realizou-se o treinamento de substituição de
memórias e comportamentos a partir do detalhamento gradual das
situações abusivas, a fim de enfrentar lembranças traumáticas.
Inicialmente, as meninas foram convidadas a fechar os olhos e
imaginar uma situação agradável. O grupo recebeu a instrução de
imaginar o lugar e o que estava acontecendo com detalhes incluindo
sons, cheiros e demais sensações. Em seguida, foi pedido que
escrevessem ou desenhassem a cena agradável construída em suas
cabeças. Depois foi solicitado que imaginassem uma gaveta dentro
da cabeça e que guardassem a situação boa dentro dela. Então, as
meninas foram instruídas a lembrar de alguma cena do abuso, algum
momento marcante, também com detalhes. Elas escreveram a cena
lembrada e leram para o grupo. Finalmente, foi explicado que dentro
de nossa cabeça existe uma coisa chamada memória na qual ficam
registradas todas nossas experiências, que a lembrança traumática
está “guardada em uma gaveta que abre sem que a gente queira” e é
impossível deletá-la da memória como fazemos no computador. Então
explicamos que é possível aprender a lidar com essas lembranças
quando a gaveta abre; uma maneira é abrir a gaveta da situação
agradável e substituir uma imagem pela outra. A substituição é treinada
com o grupo até que todas as meninas experimentem pelo menos
uma vez a troca da cena do abuso por uma cena agradável.
Os registros do abuso inicialmente foram bastante superficiais.
Daiana: “Tenho muitas lembranças do que me aconteceu. Lembro de
várias coisas. Vejo-me apanhando outra vez, ele está me xingando.
Talvez seja por isso que não consigo ver ninguém me xingar que já
fico estourada. Vejo ele ‘de carne e osso’, em minhas lembranças,
quebrando as coisas dentro de casa e quase batendo em minha mãe
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 125
10a sessão
Treino de inoculação de estresse e reestruturação cognitivo-
comportamental. Continuou-se com o trabalho terapêutico de detalhar
as situações abusivas e desenvolver as estratégias cognitivas e
comportamentais para lidar com a memória traumática.
As meninas produziram textos com riquezas de detalhes sobre
cenas do abuso sexual que foram terapeuticamente abordados. Daiana
escreveu: “Uma das lembranças piores que tenho é de quando ele me
pegava e me jogava na cama. Ele começava a tirar minha roupa e,
como me debatia muito, não querendo aquilo, ele começava a me
bater na cara. Sempre me machucava muito e, não tendo como me
defender, aí é que ele me machucava ainda mais. Isso acontecia em
minha casa, na cama de minha mãe. Geralmente isso ocorria quando
126 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
11a sessão
Treino de inoculação de estresse e reestruturação cognitivo-
comportamental. Foi realizado o detalhamento do “pior momento”
relativo ao abuso e o ensaio cognitivo e comportamental das
estratégias para lidar com as lembranças traumáticas.
Manejos contingenciais. Discutiu-se como situações
anteriormente estressantes do cotidiano estavam sendo manejadas.
As meninas relataram como estavam lidando com situações
provocadoras de ansiedade. Daiana, por exemplo, estava mexendo
Luísa F. Habigzang & Renato M. Caminha 127
com facas sem sentir medo. Vanessa descobriu que ouvindo música
e cantando era mais fácil lavar a louça e Camila percebeu que escrever
poesias a distraia de pensamentos ruins. Afreqüência das lembranças
era semanalmente monitorada. Foi verificado que elas diminuíam a
cada sessão.
12a sessão
Treino de habilidades sociais focado em medidas protetivas.
Realizou-se a construção coletiva e o treino de repertório cognitivo-
comportamental para evitar situações de risco e saber como agir, caso
ocorressem novas tentativas de abuso. Inicialmente, trabalhou-se com
as meninas a importância de dizer não. Para isso, foram verificadas
as crenças delas sobre o que significa dizer não a alguém e como se
sentem ao dizer não. Paula disse que tem dificuldades em dizer não
porque pensa que a pessoa ficará brava e deixará de gostar dela.
Questionamos as evidências dessa crença e ensaiamos como dizer
não em situações gerais, como, por exemplo, recusar um sorvete, até
chegai' a possíveis futuros abusos. Os ensaios cognitivos e compor-
tamentais foram empregados através de dramatizações. Também foram
construídas e ensaiadas estratégias para lidar com situações nas quais
identifiquem risco de abuso sexual, e definiu-se a quem elas poderíam
recorrer para pedir ajuda. Um exemplo disso foi Daiana, que revelou
sentir-se em perigo porque o padrasto estava livre e perambulava pelo
bairro onde morava. A menina relatou que tinha medo de que ele a
perseguisse até a escola e a raptasse, cumprindo a ameaça de matá-la
por ter quebrado o segredo. Além de encaminhar um relatório dessa
situação ao Juizado da Infância e Juventude e ao Conselho Tutelar,
construímos, com o auxílio do grupo, estratégias para reduzir os riscos
de Daiana. Ficou combinado que ela iria à escola acompanhada de
alguém e que, ao perceber a presença do padrasto nas proximidades,
comunicaria ao guarda e ligaria para sua mãe.
Adulto-referência. Cada menina indicou um adulto-referência
a quem ela poderia recorrer caso avaliasse situações reais ou
128 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
13a sessão
Oficina do ECA. O vídeo Estatuto do Futuro foi apresentado e
realizou-se um debate com esclarecimentos sobre os direitos das
crianças e dos adolescentes. O grupo assistiu ao filme e depois apontou
os aspectos que lhe chamou a atenção. Foi distribuído um exemplar
do estatuto para cada criança, com a explicação de que se tratava de
uma lei. Falou-se dos direitos fundamentais das crianças e dos
adolescentes e explorou-se a lei que aborda a questão dos maus-tratos
e das penalidades previstas para perpetração de abuso sexual infantil.
Ressaltou-se quais são os órgãos de defesa de crianças e adolescentes
e a função de cada um. A importância de denunciar situações de
descumprimento da lei aos Conselhos Tutelares foi reforçada. Foram
fornecidos endereços e telefones desses órgãos. No final, o grupo foi
convidado a construir um painel sobre o que aprenderam na sessão
como feedback.
Role Play de audiência. Foi realizado o ensaio de uma situação
de depoimento em tribunal (obrigatória em casos que estão na Justiça).
Isto foi fundamental porque as meninas possuíam muitas dúvidas quanto
aos procedimentos. Relataram o receio de ficar nervosas e não conseguir
dizer ao juiz o que aconteceu. Também apresentaram questões sobre o
que seria importante falar e quem estaria presente no local. Os terapeutas
fizeram um esquema no quadro com a representação espacial do local,
identificando quem são as pessoas que estariam presentes. Um aspecto
comunicado, e que reduziu a ansiedade das meninas, é de que o abusador
pode ser retirado do local de depoimento enquanto a criança ou
adolescente relata o ocorrido. Os exercícios de relaxamento para
controle da ansiedade foram retomados. Em seguida, distribuímos os
papéis (juiz, advogados de defesa e acusação, etc.) entre as meninas
para simular a situação. Todas ensaiaram seus depoimentos recebendo
ajuda do restante do grupo. Definiram-se os termos que cada paciente
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 129
14a sessão
Oficina de psicomotricidade. Foram trabalhados exercícios de
psicomotricidade, coordenados por alunos da Educação Física,
visando: a reintegração do esquema percepto-corporal; o corpo
enquanto fonte tanto de prazer como de desprazer; a transmissão de
afeto via corpo; a discriminação de afeto sexualizado e não sexua-
lizado. Os exercícios trabalhados permitiram a percepção desses
fatores e da noção de pertencimento e gerenciamento do corpo e da
sexualidade das participantes do grupo.
As técnicas utilizadas foram: apresentação com um palito de
fósforo, símbolos que identificam (jogo no qual se chama a pessoa
pelo movimento que ela se identifica ou som), técnica do ursinho
(em círculo passar um ursinho e fazer algo com ele, depois fazer isso
com a colega ao lado), nó humano (entrelaçam os braços e depois
tentam desenrolar sem largar as mãos) e dança com olhos vendados.
No final, foi proposto uma “volta à calma” através da percepção da
letra de uma música e do corpo, com relaxamento, observando a
respiração e as sensações.
15a sessão
Feedbacks oficina de psicomotricidade. Foram exploradas as
informações cognitivas, afetivas, comportamentais e fisiológicas
geradas pelo trabalho com o corpo, situações de conforto e des
conforto, de prazer e desprazer físico; mediação metacognitiva das
informações e das crenças acionadas no trabalho com o corpo;
130 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
16a sessão
Prevenção à recaída. Foi verificada a eficácia do repertório
cognitivo-comportamental aprendido no gerenciamento de situações
de estresse, reais ou presumidas, por meio de dramatizações no grupo.
Também foi realizado um jogo para retomar as estratégias construídas
ao longo do processo terapêutico.
No G1 cada, dupla recebeu um balão com uma pergunta dentro.
As questões foram as seguintes:
• Passou pela minha cabeça que tenho culpa pelo abuso. O
que posso fazer?
• De repente lembrei de algumas cenas do abuso. O que posso
fazer nesse momento?
17a sessão
Perspectivas com relação ao futuro. Nesta sessão, trabalhou-se
especificamente as perspectivas das meninas com relação ao futuro.
No Gl, utilizou-se um jogo no qual as meninas eram convidadas a se
imaginar daqui a cinco, dez, quinze e vinte e cinco anos. As
participantes do G2 sugeriram fazer um “bate papo” ao ar livre sobre
namoro, casamento e planos profissionais. Para esse bate papo,
organizaram um piquenique, com pratos preparados por elas mesmas.
Em ambos os grupos, verificou-se o desejo delas de casar e ter uma
família. Algumas manifestaram a vontade de ser mãe, outras disseram
que filhos dão muito trabalho. Todas as que falaram que gostariam
de ter filhos demonstraram preocupação com as condições econômicas
para sustentá-los e poder dar aquilo que elas não tiveram. E ressaltaram
que não basta suprir as necessidades materiais, mas é importante dar
bons estudos e carinho. Segundo elas, os filhos devem ser criados
com muito amor e conversa, precisam de abertura para que possam
contar as coisas, e é muito importante acreditar neles. As meninas
relataram que não permitirão que seus maridos agridam fisicamente
nem elas nem seus filhos. Também disseram que ele deverá ser
trabalhador e não poderá beber.
Além da constituição de uma família, as meninas falaram sobre
as profissões que pretendem seguir. No Gl, muitas pretendiam ser
professoras. No G2, surgiram várias profissões, entre elas pediatria,
direito, administração de empresas, arquitetura e veterinária. As
meninas perguntaram sobre o funcionamento das universidades,
sistemas de bolsas de estudos e carga horária necessária. Segundo
elas, precisarão trabalhar e estudar ao mesmo tempo, uma vez que as
famílias não têm condições de pagar uma universidade.
As meninas do G2 conversaram muito sobre namoro. Algumas
falaram que às vezes sentem vergonha dos namorados e que têm medo
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 133
do dia em que terão relações sexuais com eles. Certas crenças foram
discutidas, e Carolina disse: “Quando a gente encontrar um namorado
que a gente goste de verdade vai ser bom transar, porque vai ser a
gente que vai decidir com quem e quando isso tem que acontecer. E
isso é diferente do abuso, que foi contra nossa vontade.” Vanessa
complementou dizendo que se sente à vontade com o namorado porque
eles se conhecem bem, conversam muito e ele a respeita, o que faz
toda a diferença. Foram retomados cuidados básicos como uso de
preservativos e a importância de consultar um ginecologista quando
decidirem ter relações sexuais com os namorados.
Todas as meninas, de ambos os grupos, demonstraram ter planos
para o futuro e esperanças de que boas experiências lhes estejam reservadas.
18a sessão
Oficina de psicomotricidade. Continuidade do encontro anterior.
Nesse momento, foram aprofundados exercícios de percepção e
integração de esquema corporal, e feedback, ao final da sessão, para
avaliação dos objetivos trabalhados na oficina.
Entre as atividades desenvolvidas, destacaram-se: brincadeiras
livres com bolas e amendoins grandes de borracha, jogo de vôlei no
qual a rede era uma das participantes, dança da cadeira na qual o que
era excluído era somente a cadeira, caminhada em duplas com mãos
dadas, pés encostados, costas com costas e bochecha com bochecha.
Outras brincadeiras foram propostas, como a do rádio, na qual
uma menina de cada dupla era o rádio e a outra deveria descobrir
qual parte do corpo da companheira representava o botão para ligá-
lo e desligá-lo. O rádio, quando ligado, deveria cantar. Depois, em
vez de rádio, elas passaram a representar robôs. Também brincaram
de massa de modelar, na qual uma menina era a massa e outra a
artista plástica. Os papéis foram invertidos em seguida. Depois de
prontas as obras de arte, as outras artistas visitavam a exposição. A
mesma proposta foi realizada em trios e finalmente todo o grupo foi
massa de modelar do coordenador da atividade.
134 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
19a sessão
Resumo de metas. Nesse momento, foram resgatadas, com as
meninas, as metas traçadas no início da grupoterapia e compartilhados
os dados de evolução do grupo.
Registro de mudanças. Foi solicitada às meninas uma auto-
avaliação, por escrito, do seu processo de mudança e de como eram
suas vidas antes e depois de participar do grupo. As avaliações das
meninas do G1 foram as seguintes:
Daiana: “Antes eu era uma pessoa perturbada, com medo e sem
paciência, e isso me trazia muitas conseqüências, tanto em casa como
na escola. Pensava que como nem eu me ajudava, ninguém conseguiría
me ajudar. Mas isto mudou. Hoje me vejo como uma pessoa normal,
porque superei meus medos, tenho mais paciência, e isso faz me sentir
melhor na escola e em casa. O grupo me ajudou muito, pois foi nesse
lugar que compartilhei tudo o que sentia, e sinto, por ter passado uma
experiência horrível. E foi passando por essa experiência que conheci
pessoas legais, que compreendem o que sinto. Se me transformei em
uma pessoa mais madura foi por causa das Meninas Secretas, que
me ajudaram e me compreenderam.”
Daniela: “Antes eu era triste, não era calma. Não conseguia
fazer as tarefas da sala de aula e tirava nota baixa no boletim. Depois
no paraíso do PIPAS, fiquei mais alegre, brinquei mais. Também
não tirei mais nota baixa. Não chorei mais e consigo fazer melhor
meus temas.”
Tatiana: “Eu era uma menina muito triste, solitária, vivia muito
magoada, me odiava, ficava com raiva de mim mesma. Depois que
passei a vir ao grupo, comecei a me sentir mais alegre. Também
percebi que o grupo não só passou a me fazer esquecer as coisas que
eu passei, como também me fez abrir os olhos e esticar a boca para
sorrir, porque antes ficava de olhos fechados e de boca calada. Não
contava nada porque ficava com medo. Hoje eu gostaria de agradecer
às pessoas que me tiraram da casa do homem que marcou a minha
vida e às Meninas Secretas que me ajudaram muito.”
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 135
20a sessão
O último encontro foi combinado com cada grupo. As meninas
foram convidadas a planejar a última sessão com os terapeutas. As
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 137
Considerações finais
Considerações finais
Início:
• Rapport (apresentação);
• explorar assuntos amplos de interesse da criança;
Meio:
• Narrativa livre através de questões abertas (perguntar desde
quando acontecia, quantas vezes, se haviam ameaças, explorar
sentimentos, pensamentos e atitudes);
Fim:
• Explorar sentimentos da revelação;
• examinar as perspectivas futuras com relação à criança, à
família e ao abusador de forma realista;
• colocar-se disponível.
Check-List
Alterações Comportamentais - Abuso Sexual
Transtorno do sono Perda de peso
na escola
relacionam ento
170 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
quando necessário
Filha que foge de casa, prom íscua, autodestrutiva ou que usa drogas
Crianças que se isolam , sem am igos, sem vínculo próxim o com ninguém
Observações adicionais
Anexo C
Automonitoramento