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Sumário

Psicologia e Abuso sexual infantil


Uma delicada e essencial intervenção
Introdução
Criança X abuso sexual
Abuso sexual infantil
Família
Comportamento social e escolar
Sequelas
Consequência lá psicológicas do abuso sexual infantil na vida adulta
O contexto do abuso sexual infantil
Consequências proveniente do abuso sexual
As implicações psicológicas e comportamentais do abuso sexual
infantil
Consequências psicológicas do abuso sexual infantil
A dialética abusador / abusado e o sistema de enfrentamento
Definições e características
Novas iniciativas para o combate à violência sexual infantil.
Psicologia preventiva
O fenômeno do falso abuso sexual infantil no setting psicoterápico
O falso abuso
O psicólogo clínico frente ao abuso sexual
Trauma e depressao na vida adulta

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Na atualidade o abuso sexual infantil (ASI) é considerado um grave problema de


saúde pública, tanto devido à elevada incidência epidemiológica, quanto devido ao seu
impacto deletério no indivíduo, nos familiares e na sociedade.
A Organização Mundial de Saúde conceituou o abuso sexual infantil como uma
emergência de saúde silenciosa e o considerou como a mais cruel e trágica infração aos
direitos da criança à saúde e proteção. Essa forma de mau trato é definida como o
envolvimento da criança em uma atividade sexual que ela não compreende totalmente, para
a qual ela não é hábil para dar consentimento, ou ainda para a qual ela não está preparada,
em termos desenvolvimentais.
Trata-se de um problema interdisciplinar, em que Psicologia, Direito, Medicina,
Serviço Social, entre outras disciplinas, devem estar preparadas para enfrentá-lo.
Especificamente, o psicólogo tem um papel importante nessas situações, podendo trabalhar
tanto com o atendimento desses casos, quanto somente na avaliação destes.
Na medida em que a Psicologia se instrumentaliza para atender às demandas do
setor judiciário, ela contribui para a proteção da vítima e para seu desenvolvimento
psicossocial. O olhar diferenciado visa minimizar o sofrimento e a revitimização, propondo
um ambiente diferenciado para o inquérito, num esforço de proteger a vítima e resguardar
seus direitos, enquanto crianças e adolescentes.
O abuso sexual tem um impacto muito grande na saúde física e mental da criança e
do adolescente, deixando marcas em seu desenvolvimento, com danos que podem persistir
por toda vida. Esses casos são permeados de dúvidas e incertezas, histórias complexas e

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dinâmicas difíceis, que muitas vezes impedem que um diagnóstico da situação seja
consubstanciado.
Os investigadores têm que obter e integrar matérias muitas vezes contraditórias,
uma vez que não há um indicador específico que possa determinar se houve abuso sexual ou
não. Em muitos casos, a única evidência disponível é o testemunho da criança e, em todos
os casos, é crucial que uma descrição confiável da alegada vítima seja obtida.
Nesse contexto, a participação do Psicólogo se constitui essencial, uma vez que o
manejo da situação e, principalmente, a maneira pela qual a criança ou adolescente passa
pelo processo de inquérito, serão elementos constituintes de sua resiliência, evitando assim,
maiores danos e traumas, bem como o desenvolvimento de transtornos psicopatológicos.
A ideia de trabalhar este tema vem surgindo desde um minicurso oferecido pela
Faculdade Luciano Feijão (FLF) em 2012, durante um evento acadêmico de Psicologia, e
mais tarde se fortalecendo após um encontro na mesma faculdade durante os sábados deste
ano. Tema também bastante discutido durante a disciplina de Psicologia Jurídica na mesma
faculdade, o que gerou forte interesse de estudar um pouco mais e expor todo o conteúdo
apreendido nesses momentos.
Essa temática aos poucos vem se evidenciando devido ao cuidado e à atenção
oferecidos pela Justiça e pelos órgãos que acolhem as vítimas e defendem os Direitos das
Crianças e dos Adolescentes, como o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e
CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), entre outros.
Dada a importância dessa temática e, mais ainda, do delicado trabalho exercido por
esses profissionais, o objetivo desse estudo é esclarecer e pontuar, de maneira geral, como se
dá a atuação do psicólogo em situações de abuso sexual infantil, bem como analisar as
estratégias que compõem o fazer do profissional de Psicologia, e explicar, basicamente,
como ocorrem os processos de tratamento, levando em consideração o importante papel do
psicólogo na escuta e na terapia com as vítimas. É de suma importância salientar que esta
escuta com crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual é bastante delicada e requer
profissionalismo e compreensão do profissional, exigindo que este estabeleça uma relação de
confiança e respeito com quem for entrevistar.

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Esse estudo foi desenvolvido com base no método dedutivo, partindo de leis gerais
para a compreensão de questões locais ou pontuais. Para tanto, foi utilizado de pesquisa
bibliográfico-documental, através de investigações em diversas obras, de autores que versam
sobre o assunto. Estabelecendo assim, uma abrangência significativa.
Para realizar este estudo bibliográfico contou-se com a participação e orientação da
Professora e Psicóloga Esp. Geórgia Feijão, a qual ministrou os cursos e as aulas baseadas
neste tema e forneceu material e informações necessárias para a elaboração deste trabalho.

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O abuso sexual infantil foi tratado por muitos anos em silêncio, tendo em vista
principalmente de o agressor ser alguém da família ou muito próximo. Diante da atenção
dos profissionais que trabalham com as famílias, crianças e adolescentes, e do avanço no
estudo das consequências que esses abusos causam nas vítimas, esse assunto tem se tornado
mais evidente e medidas foram criadas de modo evitar que aconteça tão largamente.
As crianças e os adolescentes passam a ter a concepção de “sujeitos de direitos” após
a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 1989, cujos princípios foram implementados
no Brasil por meio do art. 227 da Constituição Federal de 1988 (que incorporou a doutrina
da “proteção integral” que estava sendo discutida nas Nações Unidas) e desenvolvidos na
legislação infraconstitucional a partir do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), de
1990 (LOWENKRON, 2010).
Também segundo Lowenkron (2010), o Estado, a família e toda a sociedade têm o
dever e o compromisso de proteger a criança contra quaisquer formas de exploração e abuso
sexuais, e movidos por essa luta é que a sociedade civil e o poder público têm reunido
esforços para o desenvolvimento de políticas de enfrentamento desse tipo de violência, onde
uma das principais áreas que está cada vez mais conquistando espaço no enfrentamento das
consequências e na redução dos sintomas causados pelos traumas, é a Psicologia.
Justamente no âmbito da luta contra o abuso sexual infantil e no processo da escuta
terapêutica, de modo reduzir os impactos sofridos pelas vítimas, que se intensifica o
trabalho do psicólogo. O acompanhamento psicológico de crianças vítimas de abuso sexual

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é essencial, e é desenvolvido de acordo com as necessidades de cada criança, pois não é
possível generalizar os efeitos do abuso sexual para todas as crianças, uma vez que a
gravidade e a quantidade das consequências variam de caso a caso de acordo com a
experiência vivida pela vítima. Os atos de acolher e oferecer segurança e confiabilidade são
os primeiros passos para obter sucesso no tratamento físico e emocional da vítima. É de
extrema importância escutar sua história, sua vivência, sem pré-julgamentos, interrupções
ou detalhamentos desnecessários que apenas possam constranger mais ainda a criança ou o
adolescente (COGO, et al., 2011).
Para Cogo et al. (2011), o psicólogo deve acolher a criança e oferecê-la um ambiente
seguro, para que esta perceba a atenção e a credibilidade deste profissional, e assim sinta-se à
vontade para relatar seu caso. Uma criança bem acolhida e sentindo a confiança no
profissional, poderá deixar transparecer seus reais sentimentos e detalhes vividos em sua
experiência. O trauma vivido por essas crianças e adolescentes geralmente perpetuam por
toda sua vida, e muitas vezes, infelizmente, em alguns casos podem influenciá-los a cometer
os mesmos abusos ao chegarem à idade adulta, como defende Azambuja (2004) no trecho
“as experiências ficam marcadas na herança genética e nos padrões de vínculo, sendo,
portanto, repassadas de uma forma ou outra para a descendência” (Azambuja, 2004, p.
125).

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Visto que o abuso sexual é um problema de responsabilidade pública, social e


familiar, é essencial que haja mais práticas preventivas e novas pesquisas dentro dessa área,
como também intensificar mais o trabalho desenvolvido com as próprias vítimas,
ampliando os serviços de acolhimento e escuta terapêutica.
O foco nas equipes multidisciplinares é uma boa estratégia nesse acolhimento, onde
se faz necessário que valorizem o papel do psicólogo neste processo de escuta, uma vez que
este profissional poderá possibilitar um resgate de detalhes através do vínculo de confiança,
proporcionando um atendimento mais acolhedor, reduzindo os impactos e os receios da
vítima, que após o trauma poderá ter dificuldades em estabelecer relações com os demais, já
que sua confiança nos outros está fragilizada.

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Por meio deste breve estudo, espera-se futuramente aprofundar mais estas reflexões
e construir mais pesquisas dentro desta temática. De antemão, o conteúdo aqui apresentado
servirá como base para um estudo mais elaborado que visa esclarecer o papel do psicólogo
no processo de escuta de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, onde é importante
ressaltar que a intervenção do psicólogo é essencial na reconstrução da vida da criança, pois
valoriza a infância perdida e busca a superação dos traumas sofridos durante este ato de
violência.

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ABUSO SEXUAL INFANTIL – CRIANÇA X ABUSO SEXUAL

RESUMO

Até muito recentemente, o abuso sexual de crianças era tratado como um assunto proibido
na sociedade. Entretanto, de alguns anos pra cá esse tabu vem sendo quebrado, principalmente
por conta da ação dos movimentos feministas, visto ser a mulher a vítima mais comum. E o que
tem sido encontrado é alarmante, não apenas em freqüência de tais práticas, mas também em
termos de conseqüências biopsicossociais. A criança, além de todo o sofrimento durante o abuso
sexual, pode sofrer danos a curto e longo prazo; e uma simples intervenção precoce e efetiva
pode modificar todo o desenvolvimento da criança. O “poder masculino” na relação de gênero,
ou seja, o fato do homem ainda possuir o papel de patrão, de dono e de ser superior à mulher, é
fator determinante da violência contra crianças, baseada numa cultura adultocêntrica (o adulto
sabe tudo, pode tudo).
O abuso sexual se caracteriza como um ato de violência praticado quando alguém se utiliza
de uma criança para sentir prazer sexual e é caracterizado como toda ação que envolver a questão
do prazer sexual quando a criança não for capaz ou não tiver idade para compreender,
consequentemente provocando culpa, vai auto-estima, problemas com a sexualidade, dificuldade
em construir relações duradouras e falta de confiança em si e nas pessoas. Com tudo isso, sua
visão do mundo e dos relacionamentos se torna muito diferente do jeito das outras pessoas.
Diante do exposto, após tomar conhecimento de uma situação de abuso sexual é importante
amparar a vitima, dando apoio, amizade e transmitindo segurança, pois esta criança poderá estar
com sua confiança abalada e geralmente não acredita quem alguém possa ajudá-la e procurar
ajuda para que possa ser denunciado o caso, pois é denunciando que podemos combater o

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problema, a omissão, além de permitir a continuidade do abuso e da impunidade do abuso e da
impunidade, também é crime, punido por lei.
Entretanto, fechar os olhos, colar de fingir que o abuso sexual de crianças “só pode
acontecer na familia dos outros”e o mesmo que negar sua existência. Deixar de denunciar só
favorece sua perpetuação.

Palavras-chave: abuso sexual infantil, família, comportamento social e escolar, seqüelas

1.INTRODUÇÃO

Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90) art.º 5, 18,


130, 245 e 250, como o caput de extraordinário e seminal artigo 227 da Constituição
Federal: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 1

Em 1923 teve inicio a grande caminhada da comunidade internacional em favor dos


Direitos da Criança. Nesse ano, a União Internacional “Save the Children” redigiu e aprovou um
documento conhecido como Declaração de Genebra, continham nessa Declaração de cinco
pontos os princípios básicos da proteção à infância.

Sem querer entrar na esfera do inconsciente, pois sabemos que nele existem coisas só
nossas, e lembrando o que Freud queria dizer com “traumas de infância”, fatores que vêm
interferir quando já se é adulto, e que têm levado milhares de pessoas a buscar um
analista, um psicoterapeuta, uma religião, ou o uso de mecanismos de defesa do ego
constantes. Para que a pessoa continue a viver, não digo bem, mas satisfatoriamente,
consigo mesma........ 2

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A violência é um fenômeno social global, considerando como um problema de saúde
pública que perpassa as diferentes classes sociais, culturas, relações de gênero, raça e etnia. As
relações interpessoais são situações em que podem ocorrer violência, caracterizando a violência
interpessoal.
Trata-se de uma situação muito mais freqüente do que a sociedade imagina, ou do que
parece. É considerado violência mesmo quando o abusador não usa força física, já que a criança
é dependente e o adulto tem domínio sobre ela.
O objetivo desse artigo é abordar o abuso sexual infantil, tendo como problema entender o
porquê as crianças se calam diante de tamanha atrocidade, apontando quais os possíveis efeitos
causado pelo abuso à criança, tendo como metodologia uma pesquisa teórica.
Este estudo poderá evidenciar que para enfrentar a violência sexual é imprescindível
compreender o fenômeno, reconhecer que o problema existe e intervir precocemente. Para isso é
necessário uma mobilização da sociedade, envolvimento da familia, do interesse mobilização do
estado na implementação das políticas públicas de prevenção e proteção efetiva. Além da
garantia de uma assistência integral, em rede e interdisciplinar para impedir que as crianças
sejam abusadas ou sexualmente exploradas. Promover as condições necessárias para que possam
exercer a sua sexualidade de forma segura e saudável.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Abuso sexual Infantil

O Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec) acredita que a
informação é fundamental para o conhecimento dos direitos da crianças e adolescentes para que
possam lutar pela sua efetivação. Até muito recentemente, o abuso sexual de crianças era tratado
como um assunto proibido na sociedade. Entretanto, de alguns anos pra cá esse tabu vem sendo
quebrado, o alvo mais comum dos abusos sexuais são as mulheres, evidente que não se podem
deixar de lado os do sexo masculino que hoje estão sendo alvo desses abusos. E o que tem sido
encontrado é alarmante, não apenas em freqüência de tais práticas, mas também em termos de
conseqüências biopsicossociais. A criança, além de todo o sofrimento durante o abuso sexual,
pode sofrer danos a curto e longo prazo; e uma simples intervenção precoce e efetiva pode ter
impacto decisivo, em longo prazo, no crescimento e desenvolvimento da criança e um efeito
positivo em todo o funcionamento.
Em tese, define-se Abuso Sexual como qualquer conduta sexual com uma criança levada a
cabo por um adulto ou por outra criança mais velha. Isto pode significar, além da penetração
vaginal ou anal na criança, também tocar seus genitais ou fazer com que a criança toque os

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genitais do adulto ou de outra criança mais velha, ou o contacto oral-genital ou, ainda, roçar os
genitais do adulto com a criança, muitas vezes a família não acredita no que falam as crianças e
os adolescentes, só acreditam quando ocorre o sangramento genital. Às vezes ocorrem outros
tipos de abuso sexual que chamam menos atenção, como por exemplo, mostrar os genitais de um
adulto a uma criança, incitar a criança, incentivar a ver revistas ou filmes pornográficos, ou
utilizar a criança para elaborar material pornográfico ou obsceno, o que muitas vezes ocorrem é a
presença da criança nos atos sexuais em si, não como participantes, o que favorece essa
participação é devido ao ambiente familiar não terem condições de privacidade, faz com que as
crianças participem passivamente dos atos sexuais dos pais.
Vários fatores concorrem para dificultar a identificação desses casos, muitas vezes à criança
chegam à escola com um comportamento estereotipado, não tem uma atenção direcionada dos
colaboradores, motivo: dos pais já chegarem com um discurso que essa criança é muito danada, é
muito inquieta, é muito chorona, tem dificuldade de concentração e aprendizagem, tem
dificuldade de fazer amizades, tem uma agressividade excessiva, é muito rebelde. O terror e
medo de algumas pessoas ou alguns lugares fazem com que essas crianças não queiram ir à
escola, lugares públicos, etc.
Em geral, aqueles que abusam sexualmente de crianças podem fazer com que suas vítimas
fiquem extremamente amedrontadas de revelar suas ações, incutindo nelas uma série de
pensamentos torturantes, tais como a culpa, o medo de ser recriminada, de ser punida, etc. Por
isso, a criança não consegue dizer que esta sendo molestada até obter confiança suficiente, mas
dá indícios que algo de errado está acontecendo. Nos desenhos feitos por crianças e adolescentes
molestadas sexualmente está sempre presente a figura de um animal devorador ou de uma figura
humana gigantesca, ao passo que eles frequentemente se colocam como figuras muito pequenas,
o que expressa os sentimentos, como também, aparecem as representações que fazem do conto de
fadas “Chapeuzinho Vermelho”, onde a identificação com “Chapeuzinho” se faz presente na
impotência diante do “Lobo Mau”.

“Ele aparece no meu sonho entrando em minha cada para me pegar. Eu fico com muito
medo, porque ele pode me pegar à força.....” (R.M. nove anos, 2002).
“Eu tentei sair, mas ele era muito grande, gordo e forte, e eu não pude fazer nada.....” (A.C.
oito anos, 2001).

Alguns sinais nas mudanças de comportamento quando apresentados devem ser observados
por parte das pessoas mais próximas, como por exemplo, a família, que pode detectar algo
estranho na criança abusada sexualmente.

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2.2 Família

“A transmissão é a capacidade dada a uma pessoa de dispor de certos números de certezas


ou, ao menos, de informações sobre o que é uma família, a sua família, de tal modo que
ela possa articular seu próprio projeto fundador, seja em continuidade seja em ruptura
com a geração precedente: a transmissão da capacidade de transmitir. A ferramenta da
transmissão é a memória: no caso, a memória familiar.. 3

A família sempre teve um importante papel por sua função socializadora. O grupo
familiar constituiu o grupo de participação e de referencia fundamental e é por isso que os
valores desse grupo constituem bases significativas na orientação da criança, quer a família atue
como grupo positivo de referência, quer opere como grupo negativo de referência. Para Erich
Fromm (1990), “o amor não é uma relação comum uma pessoa especifica: é uma atitude, uma
orientação de caráter, que determina a relação de alguém para com o mundo como um todo, e
não para com um objeto de amor”. “O amor é preocupação ativa pela vida e crescimento daquilo
que amamos”. A relação familia criança refere-se ao cuidado das necessidades físicas e
emocionais. Os efeitos organizadores e desorganizadores das emoções estão no cotidiano da
criança, na familia.
No Relatório de Pesquisa de Campo realizado em Dezembro de 2002 pelo Cendhec –
Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social, “através de pergunta aberta, que os
entrevistados precisassem onde ocorrem a violência sexual no seu município, obtivemos diversas
respostas, sendo que do total de entrevistados a “residência” apareceu como um local de maior
índice (22), além de postos de gasolina (13), casa de prostituição (10), estradas/BR (7), bares e
praças(6), e outros com números menores significativos. “Levantamento realizado pelo
Laboratório de Estudos da Criança/USP entre 1996 e 2002 registrou mais de seis mil ocorrências
de violência sexual contra crianças e adolescentes, sendo 73% praticadas contra meninas. Já a
Abrapia (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência) recebeu
só em 2002, mais de 1.500 denúncias de Abuso Sexual, sendo que 58% dos casos aconteceram
dentro da família da vítima”. 4

Com base nessas pesquisas o agressor, geralmente, é uma pessoa conhecida em que se
confia e ama, mas também pode ser um desconhecido, abuso sexual às crianças pode de fato
acontecer muitas vezes dentro de casa, no ambiente familiar, através do pai, do padrasto, do
irmão ou outro parente qualquer, essa fato dificulta ainda mais que a criança fale sobre com
medo de sofrer ameaças por parte do agente agressor. Outras vezes ocorre no ambiente externo,

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digo, fora de casa, como por exemplo, na casa de um amigo mais velho, de uma pessoa que toma
conta da criança, na casa do vizinho, de um professor ou mesmo por um desconhecido.
Acontecem nas diferentes classes sociais.

2.3 Comportamento Social e Escolar

No inicio, a totalidade do processo de desenvolvimento ocorre devido a tendências


herdadas tremendamente vitais em direção ao desenvolvimento – à integração, ao
crescimento: a coisa que um dia faz a criança querer andar e assim por diante. Se houver
uma provisão ambiental satisfatória, essas coisas ocorrem com a criança. Porém, se o
ambiente facilitador não for satisfatório, rompe-se a linha da vida, e as tendências
herdadas, muito poderosas, não podem levar a criança à plenitude pessoal. 5

Quando esse ambiente não está favorável à criança por diversos motivos faz com que o
social fique comprometido juntamente com a aprendizagem.
aprendizagem. Contudo, a criança não consegue
interagir com os amigos na escola, tem receio de falar com os adultos e sempre esta com olhar de
desconfiança. Vários sintomas comportamentais, psicológicos e físicos aparecem na criança
sexualmente abusada.
Existem alguns comportamentos emocionais, quando apresentados, também devem ser
investigados, como: choro excessivo sem razão aparente; irritabilidade ou agitação extrema na
criança; fracasso no desenvolvimento; regressão a etapas do desenvolvimento anteriormente já
ultrapassadas como: enurese, chupar o dedo, falar como bebê; fugas constantes e resistência para
voltar para casa; mudanças repentinas de comportamento; comportamento abaixo do esperado
para a idade; tentativa de suicídio; problemas de sono (pesadelos, insônia); tristeza profunda,
comportamento amuado, isolamento, dificuldade de aprendizagem e de concentração; sentimento
profundo de insegurança, culpa, presença de medo como: medo do escuro, de ir para cama, ser
deixado com certas pessoas, etc. Brincadeira repetitiva de sexo com bonecas, brinquedos,
animais, com outras pessoas ou sozinha. Essa brincadeira geralmente tende a ser bastante
específica, pois a criança simula o que aconteceu com ela. Este tipo de brincadeira ultrapassa os
limites da exploração sexual normal para a sua idade; masturbação excessiva, chegando ao grau
de irritar os órgãos genitais ou comportamento repetitivo, incessante, em público; apego
excessivo e particularmente a certos adultos; mudança nos hábitos alimentares, tanto aumento
como diminuição do apetite e Conhecimento explícito de atos sexuais, acima do nível de
desenvolvimento normal para a idade.

5
Em Tudo Começa em Casa de D.W.Winnicott, pág. 139 O ambiente facilitador se tornar uma questão de
relação interpessoal, começa com o crescimento e a notar a existência de outras pessoas, esse ambiente
requer uma qualidade humana em direção à integração da personalidade em corpo e mente e em direção
ao relacionamento objetal.

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A criança cria uma imagem distorcida do corpo e problemas relacionados, tais como
medo de tomar banho com outros, medo de outros verem-na despida, muitas vezes chegam a usar
várias camadas de roupas para esconder o corpo. “Adorava tomar banho e no dia que sofreu o
abuso chorava muito dizendo que não ia tomar banho, cobrindo o sexo com a mão. Não queria
mais entrar em casa e nem deitar na cama. Com a genitália vermelha e cortada, não queira que
chamassem o pai, mas contou tudo que aconteceu sobre a ameaça que sofreu”(mãe de J.M, 2005)

2.4 Sequelas.

Geralmente em todos os casos que a criança e adolescente que vivenciam uma situação de
violência sexual demonstram sentimentos de culpa, como se fossem responsáveis pelo abuso que
sofreram. Ainda existe um sentimento muito comum com essas crianças que é o medo das
ameaças sofridas. A insegurança relacionada a uma incerteza de que não serão acreditadas. Por
tanto, dentre os sintomas psicologicos existem as seqüelas físicas temos: dor abdominal crônica,
enurese, encoprese, infecção recorrente do trato urinário, corrimento vaginal, erupção nos
genitais, dano anogenital, queixa anal, dificuldade se sentar, muitas idas ao banheiro,
principalmente em vítimas do sexo masculino (f (fissuras, constipação) e às vezes chegam a
engravidar na adolescência.
Os sintomas ao longo dos tempos, na fase adolescência/adulta, são mais freqüentemente
associados com abuso sexual prévio, encontram-se: distúrbios psicológicos e psicossomáticos,
frigidez, vaginismo, promiscuidade sexual, impotência, pedofilia e pederastia, dificuldade sexual
no casamento, incesto, prostituição, homossexualismo, uso de drogas, delinqüência juvenil, baixa
auto-estima, depressão, sintomas conversivos e dissociativos, automutilação e múltiplas
tentativas de suicídio. Como também podemos ver problemas no desenvolvimento da
personalidade, como: sensação de impotência, medo e ansiedade associados, sentimentos de
traição (desconfiança, hostilidade e raiva nos relacionamentos), auto-acusação (vergonha, culpa e
auto-esvalorização), baixa auto-estima como a dificuldade com a colocação de limites para si e
na interação com os outros, confusão de papéis no relacionamento interpessoal.
Os problemas comportamentais da ao longo do tempos para crianças/adolescentes
abusados sexualmente são dentes eles: comportamento sexual inapropriado para idade e nível de
desenvolvimento (comparado com a média das crianças e adolescentes da mesma faixa etária e
do mesmo meio sócio-cultural e no mesmo momento histórico): comportamento excessivamente
sexualizado ou erotizado; promiscuidade sexual; homossexualidade; disfunções sexuais; aversão
a sexo; comportamento impulsivo (sexual, abuso de álcool/drogas); conduta auto-mutilatória
(cortar-se, queimar-se, fincar-se, até tentativa de suicídio); fuga de casa; depressão;
transtornos de conduta (mentira, roubo, violência física ou sexual, atear fogo, invadir
propriedade); sintomas dissociativos (como amnésia) ou conversivos (sintomas sugerindo a

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presença de um problema médico na ausência de achados compatíveis, como crises parecendo
epilepsia); isolamento afetivo (parece indiferente, anestesiada frente aos eventos da vida);
dificuldade de aprendizagem; fobias; isolamento social; irritabilidade; ansiedade; transtornos do
sono e da alimentação (como obesidade, anorexia, bulimia).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que é abuso sexual (violência) e exploração sexual contra criança e adolescentes? É


quando alguém de mais idade faz uso do corpo de uma criança ou de um adolescente, buscando
sentir prazer sexual. Essa violência pode se expressar de duas formas: a agressão e o abuso
sexual. O agente agressor faz uso da coação física ou psicológica no primeiro caso, como no
estupro, já no segundo caso o agressor seduz a criança, como é o caso do pedófilo para poder
praticar o sexo, podem ser tanto meninos como meninas. Aquilo que acontece é tão terrível que
não pode ser falado, toma uma proporção enorme e é mais difícil de ser elaborado como uma
parte da vida. Segue, assim, interferindo em todas as áreas do funcionamento do individuo
(escola, família, relacionamentos).
Faz com que criança não mantenha interação com familiares, amigos ou mesmo na escola
(tem dificuldade para adquirir conhecimentos), podem afetar o desenvolvimento psicológico da
criança, nas reações emocionais utilizadas para sobreviver à avassaladora agressão do abuso.
Pode assim paralisar o desenvolvimento emocional e a evolução da aquisição progressiva
de capacidades para resolver de forma independente os problemas do dia-a-dia da vida e lidar
com suas próprias angústias, confiando cada vez mais em si.
Assim, para prevenção do abuso sexual infantil deve começar logo nos primeiros anos
com o esclarecimento da criança sobre o seu corporpo e sua sexualidade. É preciso que a criança
esteja segura para dizer “não”, quando alguém de mais idade quiser tocar determinadas partes do
seu corpo. Os pais precisam estar atentos para saber quem está ficando com seus filhos em casa
ou nos momentos de lazer, as mães ou pais que tem filhos que não são do conjugue atual tem que
está atento(a) para as possíveis abordagem.
É importante criar o hábito de conversar com filhos e filhas, onde eles possam sentir-se a
vontade para conversarem tudo que quiserem, sobre tudo e, principalmente, sobre algo que lhes
provoquem tanto medo. Nesse caso há necessidade do carinho e o respeito, escutando o que eles
dizem como também é necessário atenção nos comportamentos e nas atitudes, quando denotam o
que estão sofrendo, para que, conversando com eles, possamos evitar atos violentos por parte de
quem deveria protegê-los e respeita-los.

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CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS DO ABUSO SEXUAL
INFANTIL NA VIDA ADULTA

RESUMO

O presente trabalho se baseia em pesquisas bibliográficas e exploratória com o propósito de


compreender o contexto, as circunstâncias e os impactos que o abuso sexual a crianças e
adolescentes podem gerar ao longo de suas vidas. Faz-se necessário apresentar questões que
podem influenciar na vida adulta devido às experiências sentidas na infância como a
vulnerabilidade, abusos emocionais, físicos, eventos estressores que ocorrem comumente em
situações de maus tratos gerando traumas ou transtornos psicopatológicos associados ao
desenvolvimento
lvimento psicossexual, psicossocial. Em seu meio familiar quando é acometido pela
violação, o vínculo afetivo familiar pode ser prejudicial para a vítima, que pode dificultar o
desenvolvimento da sua relação com o que está a sua volta e consigo mesma. É im importante
observar, cuidar e encaminhar para tratamento as pessoas que estão vivenciando os impactos
que esta violência traz, sendo um problema de saúde pública, devido à alta incidência
epidemiológica e às graves consequências dela decorrentes.

INTRODUÇÃO
O abuso sexual infantil é tratado atualmente como um problema de saúde
pública, pois tem uma alta taxa de prevalência e suas consequências podem ser

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graves para a vítima, seus familiares e sociedade. Os estudos referentes ao tema
são recentes e o interesse na pesquisa se iniciara apenas nos últimos quarenta
anos (COGO et al., 2011).
Na antiguidade, a criança era vista de maneira diferente, não havia padrões
afetivos como os atuais no relacionamento com os filhos, eles eram vistos como
um problema ou como objetos de pertença, com os quais os pais poderiam fazer
o que quisessem. Somente no século XX as crianças começaram a ser vistas
como seres dependentes dos pais e passou-se a entender que estes deveriam
dar todo suporte às suas necessidades e prover um desenvolvimento saudável.
Dessa forma, compreende-se que a preocupação com o bem-estar e o
desenvolvimento da criança é algo contemporâneo (BATISTA, 2009).
O abuso sexual de crianças e adolescentes é umas das formas de
violência mais preocupantes hoje no Brasil. Diversos estudos conceituam o abuso
sexual como uma relação onde o agressor seja sexualmente mais adiantado que
a criança ou o adolescente. Ocorre por meio de práticas sexuais, utilizando-se de
violência física, indução ou ameaça, variando desde atos que não envolvam
contato físico até variadas ações envolvendo penetração ou não. É um fenômeno
de funcionamento específico, que se inicia sutilmente, e à medida que o abusador
ganha a confiança da vítima, vai começando os contatos sexuais, tornando-se
mais íntimos. O fato de o abuso sexual ser feito sem a violência física está
relacionado com a confiança e a lealdade que a criança tem no abusador, este,
que se utiliza desse fato para ter o silêncio da vítima (SANTOS; DELL’AGLIO,
2010).
Os danos causados pelo abuso são complexos e sua intensidade podem
variar de acordo com o contexto no qual a criança está inserida, podendo durar
por toda a vida. A criança abusada pode ter seu desenvolvimento cognitivo,
afetivo e social afetado; quanto mais cedo a vítima revelar a violência e receber o
devido tratamento, maiores são as possibilidades de atenuar os efeitos causados
pelo abuso (SIEBRA et al., 2019).

018
Essa experiência traumática é um fator de risco para o desenvolvimento de
psicopatologias, como transtornos de ansiedade, de humor e de personalidade,
além de interferir em outros âmbitos da vida (HABIGZANG et al., 2005).
Esta pesquisa teve como objetivo realizar uma revisão bibliográfica e
exploratória a respeito do Abuso Sexual Infantil e sua repercussão na vida adulta,
especificamente identificar o desenvolvimento e a permanência de transtornos
psicológicos em vítimas de abuso sexual na infância. Para isso, será necessário
descrever o conceito de abuso sexual infantil, compreender as circunstâncias e os
desdobramentos do abuso para a criança e verificar os efeitos a longo prazo do
abuso infantil. A revisão da literatura é narrativa, compreendendo que esta,
segundo Mattos (2015 p. 2) “não utiliza critérios explícitos e sistemáticos para a
busca e análise crítica da literatura”, foram usados artigos acadêmicos
disponibilizados no Google Acadêmico e para a busca as palavras chave “abuso
sexual infantil”, “trauma”, “transtorno”, “vida adulta”, “consequências” e sinônimos,
sendo utilizado materiais das áreas da saúde e sociais, especificamente da
psiquiatria e psicologia.
O assunto se mostra relevante, visto que o abuso sexual infantil é um tema
que tem sido muito discutido e seu combate tem se intensificado nos últimos anos
através de campanhas e portais de denúncias como o Disque 100. Dados
disponibilizados pelo Governo Federal (2019) revelam que o abuso sexual e a
exploração sexual foram as violações mais notificadas para a faixa etária de
crianças e adolescentes em 2019, grande parte das vítimas tem entre 4 a 11 anos
e a maioria dos abusos são cometidos dentro de casa, com padrasto, madrasta e
pai como as figuras abusadoras que aparecem com mais frequência. (BRASIL,
2019)
Segundo Santos e Dell'aglio (2010), por essa relação de proximidade e do
poder exercido sobre a vítima, os abusos podem ser mantidos em segredo por
muitos anos, muitos casos não são sequer notificados. A soma da violação com o
vínculo afetivo familiar pode ser devastadora a vida da criança, podendo afetar

019
seu desenvolvimento físico e psicológico, alterando sua maneira de enxergar o
mundo, suas relações e a si própria (COGO et al., 2011).
Essas questões podem ser levadas para a vida adulta, essa
vulnerabilidade experienciada na infância está associada a ao desenvolvimento
de transtornos psicopatológicos (KRINDGES; MACEDO; HABIGZANG, 2016).

REFERÊNCIAL TEÓRICO

VIOLÊNCIA IN ANTIL E ABUSO SEXUAL IN ANTIL

O abuso sexual infantil é apontado como um grave problema de saúde


pública, pela grande ocorrência da violência e pelas consequências físicas,
psicológicas e sociais para o indivíduo, para a família e para a sociedade (COGO
et al., 2011). Segundo a Organização Mundial da Saúde (2016), violência é:
O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça,
contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma
comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em
lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou
privação (OMS, 2016 p. 16).

A violência infantil possui um vasto processo histórico, com diferentes


transformações até os dias atuais, a cada ano vêm se intensificando as agressões
contra crianças e adolescentes no nosso país. Sabemos que a violência sofre
influência de diversas culturas, épocas, locais e realidades muito diferentes.
Sendo cada vez mais complexas, e apresentando sob diferentes formas, a
violência existe desde quando o homem vive sobre a Terra. (PASCOLAT et al.,
2010).
Historicamente, a violência infantil sempre esteve associada à ação
educativa, virando um problema histórico-cultural, percorrendo de década em
década até os dias atuais. Ressalta Pascolat (2001) “quando se tentou identificar
o motivo pelo qual se gerou a violência contra a criança, a maioria dos agressores

020
alegou a necessidade de colocação de limites como forma de educação”
(PASCOLAT et al., 2001, p.37).
Nas antigas civilizações, as crianças eram maltratadas por meio do
infanticídio, usado para matar crianças que nasciam com deficiências físicas, para
equilibrar os sexos, como medidas econômicas e por motivos religiosos, e quando
não aguentavam as longas caminhadas eram abandonadas ou mortas. (ARAKAKI
et al., 2019).
Desde a antiguidade, a maioria dos casos de violência infantil acontece no
ambiente familiar, contradizendo o papel de proteção que a família deveria
exercer (ARAKAKI et al., 2019).
Diante disso, pode-se constatar que a violência não causa apenas
prejuízos físicos, como também psicológicos ao indivíduo. Entre os tipos de
violência à criança podem ser citados os maus-tratos, bullying, violência física,
violência sexual, violência emocional ou psicológica e testemunhar violência
(OMS, 2016).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (2016), é considerado
violência sexual:
Inclui contato sexual não consensual, efetivado ou tentado; atos não
consensuais de natureza sexual que não envolvem contato (tais como
voyeurismo ou assédio sexual); atos de tráfico sexual cometidos contra
alguém incapaz de recusar ou consentir; e exploração on-line (OMS,
2016 p. 16).

Para Rezende (2013, p. 92), esta “ação sexual tem por finalidade estimular
sexualmente a criança no objetivo do agressor conseguir sua própria satisfação
sexual”, o abusador pode iniciar o abuso com gestos pequenos que podem ser
confundidos com carinho e progredir para contato íntimo e concretizar a violência
sexual. Dessa forma, o abuso pode ser praticado com a violência sexual, através
da penetração vaginal ou anal, com o uso ou não de objetos, masturbação, sexo
oral ou interfemoral, ou sem o contato físico que abarca o voyerismo,
exibicionismo, utilização de imagens pornográficas e conversas obscenas
(SANTOS; DELL'AGLIO, 2010; REZENDE, 2013; HABIGZANG et al., 2005).

021
Conforme Rezende (2013), o abuso sexual infantil pode ser praticado de
diversas formas, acompanhado de violência física ou não, pode ser um ato
permitido pela criança por uma falta de maturidade, conhecimento ou pela
familiaridade que ela tem com o agressor.
O abuso sexual infantil pode acontecer em contexto intrafamiliar ou
extrafamiliar. O abuso sexual extrafamiliar é praticado por pessoa fora da
formação familiar, mas que tem algum grau de proximidade com a criança, como
um vizinho, um amigo da família ou professores. O abuso sexual intrafamiliar é
praticado por um membro da família, como o tio, primo, padrasto ou pai, sendo
este considerado incesto (SANTOS; DELL'AGLIO, 2010; REZENDE, 2013;
HABIGZANG et al., 2005).
O incesto é descrito por Cogo e colaboradores (2011, p.132) como sendo
“caracterizado pela estimulação sexual intencional provocada por alguns dos
membros do grupo que possuem vínculo parental. Assim, o que caracteriza o
incesto é o abuso sexual e o vínculo familiar”, de forma que pode ser
extremamente prejudicial ao desenvolvimento da criança:
Sua devastação é maior do que as violências sexuais não incestuosas
contra a criança, porque o incesto se insere nas constelações das
emoções e dos conflitos familiares. Não há um estranho de que se possa
fugir, não há uma casa para onde escapar. A criança não se sente mais
segura nem mesmo em sua própria cama. A vítima é obrigada a
aprender a conviver com o incesto, ele abala a totalidade do mundo da
criança. O agressor está sempre presente e o incesto é quase sempre
um horror contínuo para a vítima (COGO et al., 2011 p.132).

Em grande parte dos casos o abuso é realizado por alguém do círculo de


confiança da criança, pesquisas apontam que na maioria dos casos o abuso é
realizado pela figura paterna, como o pai biológico ou padrasto, como revela
Batista (2009):
De acordo com o Sistema Nacional de Combate à Exploração Sexual
Infanto-Juvenil, mais da metade das denúncias de ASI realizadas no
período de 2000 a 2003 se caracterizaram como intrafamiliares, sendo
que em 42% dos casos o pai foi apontado como o autor. Outros estudos
apontam para o mesmo dado: o pai biológico é o principal agressor,
seguido do padrasto e do tio. Esse dado abre espaço para a

022
compreensão do baixo número de denúncias no mundo todo (BATISTA,
2009 p.22).

Tem-se uma estimativa que menos de 10% dos casos de abuso sexual
infantil são devidamente denunciados e que demoram em média quatro anos para
que a criança denuncie a violência quando o abusador é um membro da família e
quando o abuso é frequente (BATISTA, 2009).
Dados da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 2003) revelam
que 3,2% das meninas e 13% dos meninos sofreram abuso sexual em Costa
Rica. Já em Nicarágua, 26,0% para meninas e 20,0% para meninos. Uma
investigação na Venezuela mostrou que a cada 100 vítimas de abuso sexual, 20
são para menores que 6 anos. Os estudos apontam o abuso sexual e físico com
maior frequência na população infantil (MARTINS; JORGE, 2010).
Serviços de atendimento em São Paulo mostram que grande parte dos
casos de violência contra crianças são por abuso sexual. Em Curitiba, a Rede de
Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a violência
mostra que 6,2% das notificações são de violência sexual (MARTINS; JORGE,
2010).
Da Silva (2018) apresenta que na maioria dos casos o abusador é do
gênero masculino e esta questão de gênero não pode ser encarada como natural,
mas que é uma característica cultural com origens no machismo, principalmente,
considerando que a maioria das vítimas são do gênero feminino. Segundo Batista
(2009), o abuso sexual infantil intrafamiliar é um fenômeno que pode ser
encontrado em diversas culturas, e independentemente dos argumentos utilizados
para defender ou da maneira que possa ocorrer, é uma violência que pode causar
muitas consequências.

O CONTEXTO DO ABUSO SEXUAL IN ANTIL

A infância é um período em que o indivíduo está em pleno desenvolvimento


físico, cognitivo, emocional e social, devido à imaturidade nesses aspectos, a

023
criança é dependente de seus cuidadores, é um relacionamento envolvido por um
vínculo de confiança e afetividade. O abuso sexual infantil no contexto
intrafamiliar é caracterizado por uma dinâmica própria e complexa (BATISTA,
2009).
De acordo com Habigzang e colaboradores (2005), é comum que crianças
vítimas de abuso sexual no ambiente familiar também sofram outros tipos de
violência como negligência, abusos emocionais e físicos. Essas famílias
costumam ter relações interpessoais que apresentam algum nível hierárquico e
de desigualdade.
Para Pascolat e seus colaboradores (2001) o abuso sexual e físico tem
uma maior probabilidade de se desenvolver em lares onde os pais são alcoolistas,
imaturos e de pouca idade. Além da situação econômica, brigas familiares,
histórico de abuso de drogas e álcool e baixa escolaridade. No grupo de risco
estão inclusas crianças portadoras de algum tipo de deficiência, seja física ou
mental, abaixo do peso, não planejadas, crianças que foram adotadas ou estão
sob guarda legal.
Os abusadores de crianças se convencem de que as vítimas querem ter
relações com eles, e que o abuso não é prejudicial para ela (SANTOS;
MESQUITA, 2019). A ingenuidade da criança frente ao abuso faz com que ela
não tenha consciência da situação a que ela está exposta, principalmente quando
há algum vínculo afetivo com o abusador. Nessa circunstância, a criança pode
apresentar uma insegurança tardiamente, e quando essa insegurança é
observada pelo abusador, ele inverte os papeis, fazendo com que ela se sinta
responsável por aceitar os “carinhos”, ou se aproveitando da lealdade e confiança
depositada pela criança para obter o silêncio dela (HABIGZANG et al., 2005;
REZENDE, 2013).
Um modelo proposto por Jean Von Hohendorff, Luísa Fernanda Habigzang e
Silvia Helena Koller explica a dinâmica encontrada no Abuso Sexual Infantil, em
que:

024
(i) inicialmente o agressor estabelece uma relação de confiança com o menor, (ii) após, dá
início as interações de cunho sexual, que podem envolver vários tipos de contato, desde carícias
até o ato sexual em si, (iii) caso o menor identifique que está sofrendo abuso sexual, o agressor
tende a utilizar de artimanhas o calar, tal como proferir ameaças contra a vítima; (iv) em regra, o
abusado teme que as ameaças se concretizem e costuma se manter em silêncio; (v) quando há a
revelação da situação, esta geralmente ocorra de forma acidental e levas muitos anos para
acontecer; (viii) ocorrendo a revelação, o menor pode se sentir compelido a se retratar por se
sentir pressionado pela família, abusador ou até pelos órgãos de proteção (SIEBRA et al., 2019
p.361).

A criança pode se silenciar diante do sentimento de culpa, por ter permitido


o ato, vergonha de si mesma e medo do agressor, deste modo, o abuso pode
ficar em segredo durante anos, impossibilitando a busca de ajuda (SANTOS;
DELL'AGLIO, 2010). Quando se trata do abuso sexual intrafamiliar, pode ocorrer
o pacto do silêncio entre o abusador, a criança e a família, o agressor usa a
sedução e a ameaça para manipular a vítima, que por culpa ou por identificação
com o agressor opta por silenciar-se, enquanto o resto da família tende a negar
ou minimizar os fatos (BATISTA, 2009). Em alguns casos, mesmo depois do
abuso ser revelado pela criança, ela ainda tem que conviver com o agressor, pois
a possibilidade de desestruturação da família faz com que os familiares ignorem
as agressões (DA SILVA, 2018; REZENDE, 2013; HABIGZANG et al., 2005).
Como é descrito por Santos e Dell’Aglio (2010):
O receio em contar as experiências de abuso pode estar associado ao
medo da rejeição familiar, ao fato da família não acreditar em seu relato,
ao medo de perder os pais ou ser expulso de casa, de ser o causador da
discórdia familiar ou, ainda, à falta de informação ou consciência sobre o
que é abuso sexual (SANTOS & DELL'AGLIO, 2010 p. 330).

Segundo Batista (2019), essa manipulação que ocorre com a criança


abusada faz com que esta fique confusa, a vítima começa a compreender que
culpa é sua e que a participação foi por escolha dela, isso pode dificultar a
denúncia, pois seu discurso fica incoerente e desajustado, o que pode gerar um
descrédito em quem ouve.

025
Para entender um pouco sobre a violência sexual, vamos utilizar o modelo
ecológico, que estuda os fatores em quatro âmbitos: familiar, individual,
sociocultural e comunitário, seu foco é a interação entre esses quatro níveis, que
produzirá a violência. Nesses níveis não há um fator determinante, mas sim um
conjunto de fatores que interagem provocando e favorecendo a violência.
Conhecendo seus diferentes contextos e culturas é possível identificar os pontos
fracos e estudar os caminhos para intervenção e prevenção da violência.
(CASIQUE; FUREGATO, 2006).
O modelo ecológico visa investigar os fatores que influenciam no
comportamento dos indivíduos.
No primeiro nível analisamos a história pessoal e os fatores biológicos.
Educação, sexo, renda, idade, características pessoais e seus antecedentes. No
segundo nível, analisam-se as relações interpessoais, as relações familiares, as
mais próximas, como amigos. No terceiro nível são explorados os contextos onde
se desenvolvem as relações. Analisam-se as características desses ambientes,
pois elas podem aumentar o risco de atos violentos. No quarto nível são
analisados os fatores no geral, a cultura da sociedade. Os fatores ajudam a
desenvolver um ambiente que inibe ou incita a violência. Também são
encontrados nesse nível outros aspectos como políticas econômicas, sociais e
educativas, políticas sanitárias, que colaboram para criar desigualdades sociais e
econômicas (CASIQUE; FUREGATO, 2006).
O contexto em que a vítima e o abusador estão inseridos é um fator
primordial, as condições desse ambiente, a proximidade entre as vítimas e o
abusador. As agressões cometidas às crianças incluem maus-tratos físicos,
psicológicos, violações e o abuso sexual. Quase sempre o abuso sexual é
acompanhado pelo abuso psicológico (SANTOS; MESQUITA, 2019).

CONSEQUÊNCIAS PROVENIENTES DO ABUSO SEXUAL


Diversos autores descrevem que o impacto do abuso sexual no
desenvolvimento da criança pode depender de diversos fatores, do seu âmbito

026
social, de sua personalidade, do tipo de abuso sofrido, da idade em que ocorreu,
da duração e da frequência em que os abusos ocorriam (HABIGZANG et al.,
2005; REZENDE, 2013; SIEBRA et al., 2019; COGO et al., 2011; BORGES;
DELL'AGLIO, 2008). Esse evento traumático pode trazer consequências que
ultrapassam aquelas da violência em si:
O desenvolvimento psicossexual e psicossocial da criança pode ser
prejudicado, pois a experiência de ser estimulada sexualmente rompe
com a sequência normal do desenvolvimento. A criança é forçada a um
desenvolvimento genital prematuro, uma vez que o suporte cognitivo,
psicológico e físico necessário para o estabelecimento de uma
experiência sexual não foi atingido plenamente (BATISTA, 2009 p.28).

As consequências podem vir a curto e longo prazo, impactando suas


relações afetivas, desatando problemas emocionais, cognitivos e sociais e em
diferentes intensidades e formas, conforme descreve Siebra (2019):
O abuso sexual de menor é bem complexo, mormente por envolver uma
criança, pois está pode não ter capacidade física, tampouco cognitiva,
para identificar o ocorrido ou se defender; bem como porque se trata de
crime potencialmente capaz de prejudicar a saúde mental do menor,
uma vez que desperta a sensação de traição e de impotência, o que tem
369).
visivelmente caráter traumático (SIEBRA et al., 2019 p. 369

A curto prazo, as consequências para criança que sofreu abuso podem ser
físicas, como problemas para dormir e mudança nos hábitos alimentares;
problemas comportamentais, como a hiperatividade, agressividade,
comportamento suicida e de autoflagelo; problemas sexuais relativos à identidade
sexual, conhecimento sexual precoce e masturbação compulsiva (COGO et al.,
2011; REZENDE, 2013; SIEBRA et al., 2019), podem ocorrer traumas físicos, o
contágio de doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada e
tentativas de aborto (BORGES; DELL'AGLIO, 2008).

O abuso sexual infantil é um dos maiores causadores de transtornos


psicológicos, e quanto mais velha a criança for mais acentuados serão os
sintomas vivenciados, pois tem um maior entendimento do que a ação representa
e das consequências que o abuso traria para as pessoas ao seu redor. Desse

027
modo, a idade da criança, período de tempo e a constância dos abusos, o uso de
violência e de ameaças pelo agressor, quanto mais estreita for a relação entre a
vítima e o abusador, como o grau de parentesco, e a atitude da família ou
responsáveis de ignorar ou negar o abuso, têm impacto sobre a dimensão que
assumirão as consequências para a criança, que podem ser carregadas até a
vida adulta (SIEBRA et al., 2019; KRINDGES; MACEDO; HABIGZANG, 2016).
Pessoas abusadas sexualmente têm maior probabilidade de desenvolver
distúrbios psicológicos do que as que não sofreram abuso sexual, assim como
tendem a experienciar mais eventos traumáticos durante a vida do que pessoas
não abusadas (SIEBRA et al., 2019; KRINDGES; MACEDO; HABIGZANG, 2016).
De acordo com o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, o
sofrimento psicológico do indivíduo que passa por um evento traumático pode
variar muito, em parte dos casos são vivenciados ansiedade e medo, mas muitos
indivíduos podem experienciar “sintomas anedônicos e disfóricos, externalizações
de raiva e agressividade ou sintomas dissociativos” (APA, 2014 p. 265).
O abuso sexual tem sido associado como fator traumático para o
senvolvimento de psicopatologias e transtornos de humor, especialmente a
desenvolvimento
depressão (FIGUEIREDO et al., 2013).
Diante do exposto, é notório que o indivíduo que vivenciou o abuso adquire
marcas que consequentemente irão influir em diversos aspectos de sua vida,
gerando prejuízos irreparáveis, que em seu melhor cenário só poderão ser
minorados. Essas lacunas que se abrem em alguém que sofre esse tipo de
violência, que em geral ocorre de modo furtivo, se tornam um ambiente propício
que permite o cultivo dos processos de revitimização e do autoflagelo, que em
razão dos traumas, acabam perdurando, como é descrito por Siebra e
colaboradores (2019):
O indivíduo pode desenvolver problemas familiares e sociais, bem como
pode acabar carecendo de suporte médico e psicológico constante e por
muito tempo, o que significa altos custos para as instituições de saúde,
assistência social, e, inclusive para o Judiciário (SIEBRA et al., 2019 p.
369).

028
A vítima na idade adulta tem a tendência de buscar o suicídio, consumo de
drogas, manifestar transtornos de identidade e de ansiedade (REZENDE, 2013).
O indivíduo vítima de abuso pode enfrentar problemas de autoestima, medo,
mudanças no humor (REZENDE, 2013; SIEBRA et al., 2019), assim como há a
prevalência do transtorno de estresse pós-traumático e sintomas de dissociação
(BORGES; DELL'AGLIO, 2008).
O abuso pode impactar no estabelecimento de vínculos sociais, nota-se
que vítimas de abuso sexual têm uma diminuição na sociabilidade, optando pelo
isolamento, que resulta na redução do número de amigos, assim como outras
consequências podem ser notadas por Rezende (2013):
Além de tudo isso, muitas outras consequências podem se
apresentar nas pessoas que sofreram algum tipo de abuso na
infância, após adulto, o indivíduo provavelmente voltará à
experiência em sonhos e flashbacks, revivendo dolorosamente a
frustração passada, fazendo com que isso afete integralmente sua
vida social (REZENDE, 2013, p. 95).
Considerando a natureza da agressão, a vítima pode ter impactos
significativos na sua vida sexual, que variam desde ter associações negativas ao
sexo ou de ter um maior interesse sexual em comparação com pessoas que não
sofreram abuso (KRINDGES; MACEDO; HABIGZANG, 2016). A vítima pode o
desenvolver comportamento sexual compulsivo, dificuldade em expressar
sentimentos e comportamento de submissão (REZENDE, 2013; SIEBRA et al.,
2019).
O adulto provavelmente também sofrerá de problemas
com a transformação da imagem corporal, ou seja, sendo uma
pessoa que já passou por algum tipo de violência sexual na
infância e que de alguma forma teve seu corpo desejado e
dominando por alguém, passa a querer ter sua própria imagem
corporal totalmente fora dos padrões que interpreta como beleza
para poder torna-se ignorado por outros possíveis interesses
(REZENDE, 2013 p. 96).

O atendimento psicológico a vítima é importante e a repercussão do abuso


pode variar para cada indivíduo, dessa forma, a escuta e a criação de um espaço
seguro é de grande valia para o acolhimento da criança e de sua dor e para um

029
bom resultado no tratamento (COGO et al., 2011). Como forma de tratamento na
literatura tem sido recomendado a terapia cognitivo-comportamental no
tratamento das vítimas de abuso, que tem sido eficaz na atenuação dos efeitos,
como a redução da ansiedade, dos quadros depressivos, do estresse pós-
traumático e de problemas no comportamento e sexuais (SIEBRA et al., 2019).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das consequências e dos danos que a violência sexual causa em


crianças, adolescentes e adultos, este tipo de abuso compreende em um
problema de saúde pública.
Cercado pelo silêncio, o abuso sexual tem se perpetuado pela ignorância.
Com equipes multidisciplinares, estratégias de acolhimento às vítimas devem ser
criadas, focando no entendimento e atendimento de como essa violência afeta a
vítima, e de como é vivenciada.
Viver o trauma do abuso sexual faz com que a vítima perca autoridade
sobre o próprio corpo, que pode ser controlado sem o seu consentimento.
Afetando não só a própria vítima, mas a sociedade ao redor, essas
consequências e tantas outras, pode fazer com que uma criança que foi
traumatizada, hoje se torne um indivíduo com comportamentos agressivos ou até
mesmo passivos para lidar com o cotidiano.
Deste modo, é necessário que os órgãos públicos e seus setores
(instituições de saúde, escolas, conselhos tutelares, instituições de atendimento a
crianças e adolescentes, poder judiciário) trabalhem para detectar precocemente
os abusos e violências, com a intenção de interromper a sua ocorrência e
possibilitar acompanhamentos e tratamentos adequados, para reduzir as
consequências devastadoras decorrente da violência sexual.

030
AS IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS E COMPORTAMENTAIS DO ABUSO
SEXUAL INFANTIL

INTRODUÇÃO

A violência é um problema que assume uma evidente relevância na sociedade


contemporânea e, mais especificamente, a do abuso sexual. Esse fato se trata de uma
prática antiga que vem sendo cada vez mais revelada, merecendo, assim, uma atenção
especial, não apenas das autoridades, mas também dos profissionais de diversas áreas
(BOMFIM; ANDRADE, 2012). Nessa perspectiva, pretende-se analisar e compreender o
seguinte problema de pesquisa: quais são as implicações psicológicas e comportamentais
imediatas do abuso sexual em crianças em idade pré-escolar?
Segundo a ABRAPIA (2002), o abuso sexual pode ser entendido como o estado em que
uma criança ou adolescente é utilizado para gratificação sexual por parte de um adulto ou
de um adolescente mais velho, com base em uma relação de poder que pode conter
desde carícias, manipulação de genitália, mama ou ânus, pornografia, exibicionismo,
exploração sexual, voyeurismo, até o ato sexual com ou sem penetração, com ou sem
violência física.
Tais casos de violência sexual contra crianças, em geral, são cometidos por
pessoas conhecidas e próximas à vítima, como parentes, vizinhos, professores e amigos
(CAMÕES, 2005). Visto que fica cercado por um complô de silêncio e negação, uma vez
que se trata de um ato que envolve medo, vergonha e culpa, diversos autores têm
concentrado seus esforços em apontar determinados indicadores físicos,

031
comportamentais e psicológicos que auxiliariam profissionais e pais na identificação de
casos de abuso sexual infantil (SILVA, 1998).
Com esta pesquisa busca-se, portanto, compreender o conceito de abuso sexual
infantil, analisá-lo à luz da teoria psicanalítica, bem como compreender as consequências
psicológicas e comportamentais por ele desencadeadas, primeiramente, através da
pesquisa bibliográfica e, posteriormente, por meio de entrevistas com psicólogos de
orientação psicanalítica para, por fim, propor medidas interventivas de tratamento
psicológico.

MATERIAL E MÉTODOS

Para a realização do projeto, está sendo utilizada uma pesquisa bibliográfica


exploratória a partir do levantamento bibliográfico, por meio de livros, artigos, dissertações
e periódicos online com a finalidade de oferecer um embasamento teórico.
Em seguida, será realizada uma pesquisa de campo com cinco psicólogos de orientação
psicanalítica que atuam com indivíduos em situação de ameaça ou violação de direitos.
Para tanto, será realizada a aplicação de entrevistas com base em um roteiro de
perguntas semi-estruturado, abordando dados acerca da experiência dos entrevistados
em casos de abuso sexual infantil, particularmente, em crianças com idade pré-escolar.
Tais entrevistas serão realizadas com locais, datas e horários previamente estipulados,
além do que será utilizado gravador eletrônico, a fim de se obter melhor captação e
fidedignidade dos dados. Após a coleta de dados, as entrevistas individuais realizadas
serão transcritas e, então, analisadas.
A partir da análise das entrevistas feitas com os psicólogos será realizada a
correlação das informações coletadas com a teoria para, assim, oferecer um
entendimento aprofundado sobre as manifestações psicológicas e os comportamentos
imediatos manifestados em crianças em idade pré-escolar que são vítimas de abuso
sexual.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo os pressupostos psicanalíticos, o bebê humano é entendido como alguém


que nasce totalmente dependente. Dessa forma, os pais exercem funções específicas no
desenvolvimento da criança, como o fato de serem os protagonistas naturais das
primeiras fantasias sexuais, que configuram o Complexo de Édipo (HUH; SANTUZA,
2011).
De acordo com Mendes e França (2012), sob a ótica do psicanalista Sándor
Ferenczi, pode-se considerar que as fantasias edípicas da criança podem abrir caminho
para o adulto perverso, na medida em que facilitam sua aproximação, pois a criança quer
mesmo seduzir – sentar no colo, acariciar, beijar –, mas espera um retorno equivalente,
ou seja, na linguagem da ternura. No entanto, quando a sexualidade genital adulta atribui
uma excitação excessiva ao seu corpo, as fantasias inconscientes de sedução
relacionadas ao adulto tendem a se confundir com a realidade, causando a manifestação
de um forte sentimento de culpa na criança vítima de violência. Dessa forma, uma
“confusão de línguas” por parte do adulto, que compreende o comportamento da criança
como sedutor e não como de ternura pode, em diversos casos, levar a situações de
abuso sexual (FERENCZI, 2001).
Segundo Silva (1998), quanto mais próxima for a relação da vítima com o
abusador, maiores são os prejuízos à criança, por conta da quebra de confiança com as
figuras. O sentimento de ambivalência também está presente, pois, ora a criança sente

032
afeto pelo agressor e não consegue renunciar a esse sentimento e vínculo, ora sente ódio
e desamparo em relação a este.
O abuso sexual infantil afeta e altera a história de vida do sujeito. A criança que é
abusada vivencia uma condição de ameaça e desamparo, sendo a angústia
experimentada de morte. Se sente traída e, concomitantemente, culpada, pois é levada a
fantasiar que foi a causadora de sua própria situação de abuso (HUH; SANTUZA, 2011).
Dentre os sintomas imediatos apresentados têm-se: o comportamento sexualizado,
de modo que as brincadeiras da criança passam a expor um padrão mais sexualizado,
como nos casos em que ela se masturba de forma demasiada, chegando até mesmo a
repetir esse ato em locais públicos; a ocorrência de comportamento sedutor através da
solicitação de estimulação sexual; e o conhecimento sobre sexo inapropriado à idade
(BOMFIM; ANDRADE, 2012).
Sintomas histéricos, reações de conversão e estados de dissociação podem refletir
tentativas da criança de se defender de impressões traumáticas que a situação de abuso
lhe gerou, associados a mecanismos de defesas primitivos, tais como negação,
separação interna do evento e isolamento de afeto (SILVA, 1998).
Conforme Williams (2005), outros indicadores de crianças sexualmente abusadas
achados na literatura são ansiedade (manifestando-se em medos e pesadelos),
depressão, baixa auto-estima, isolamento, queixas somáticas, comportamentos
agressivos, dificuldades escolares, Transtorno de Estresse Pós-Traumático,
comportamentos regressivos (enurese, encoprese, birras, choros), fuga de casa,
comportamentos auto-lesivos e ideação suicida.
Segundo Huh e Santuza (2011), a imagem que a criança tem de si e do mundo se
torna distorcida, causando uma confusão na percepção de si mesma e de suas emoções,
uma vez que a vivência traumática acontece em uma fase de grande vulnerabilidade, no
qual a criança está desenvolvendo sua capacidade de elaboração psíquica.
Levando-se em consideração que a presente pesquisa está em andamento,
apresentam-se os resultados parciais obtidos através do levantamento bibliográfico.

CONCLUSÃO

A partir do exposto, pode-se dizer que o abuso sexual infantil é definido como todo
ato ou jogo sexual cujo agressor se encontra em um estágio de desenvolvimento
psicossexual mais adiantado do que a criança e tem por intenção estimulá-la sexualmente
ou obter satisfação sexual. Atualmente, é considerado um dos tipos de maus-tratos mais
frequentes contra a criança e tem recebido crescente atenção dos meios de comunicação
e da sociedade. Apesar disso, as notificações desses casos não representam a totalidade
de vítimas abusadas sexualmente devido à relação de silêncio que é estabelecida com o
abusador. Por isso, a importância de analisar as implicações psicológicas e
comportamentais imediatas de crianças vítimas de abuso sexual e, dessa forma, propor
uma reflexão para pais e profissionais em relação à importância da realização do
tratamento psicológico o mais breve possível.
Este tipo de violência se trata de uma excitação excessiva e inesperada para o
corpo e o psiquismo da criança, despreparados para tais sensações, podendo ocorrer
devido a uma "confusão de línguas" entre a ternura da criança e as respostas passionais
ou perversas do adulto. Neste sentido, o fato de o relacionamento sexual coincidir com a
realização de fantasias inconscientes relativas ao Complexo de Édipo é um fator de
amplificação da violência pela complexidade de suas repercussões no âmbito psicológico.
O abuso sexual infantil provoca efeitos traumáticos aos sujeitos que o vivenciam,
de modo que as crianças têm seu desenvolvimento físico, psíquico, social e sexual

033
comprometidos. As principais implicações psicológicas e comportamentais são: medo,
depressão, ansiedade, raiva, hostilidade, comportamento sexual inapropriado, aparição
de fobias, enurese e atraso escolar.
É preciso direcionar um olhar sobre os efeitos que o abuso implica, percebendo a
criança como um sujeito marcado por um trauma em sua constituição, sendo importante o
auxílio de pais e profissionais na ressignificação de suas vivências, retomando a criança
seu lugar de sujeito. Nesta perspectiva, a orientação familiar e uma escuta qualificada à
criança são essenciais para uma intervenção satisfatória.

034
Consequências psicológicas do abuso sexual infantil

Resumo

Este estudo teve por objetivo conhecer as consequências psicológicas do abuso sexual em crianças de
3 a 10 anos. A experiência do abuso sexual pode afetar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social
de crianças de diferentes formas e intensidade. Estes fatores contribuem para o desenvolvimento
de consequências psicológicas severas para a criança que se não tratadas podem se perpetuar por
toda a vida. Participaram da pesquisa três psicólogas do extremo oeste de Santa Catarina as quais
responderam um questionário semi estruturado. Os dados foram tratados por meio da análise de
conteúdo. Os resultados apontam para diversas consequências decorrentes da prática do abuso
sexual, relacionadas a vários fatores, que podem ser minimizadas através do atendimento psicológico.
Palavras-chave: Abuso sexual. Crianças. Consequências psicológicas.

1 INTRODUÇÃO

Maus-tratos contra crianças podem ocorrer das mais variadas formas, porém estudos apontam
que o abuso sexual se destaca por ser o que mais trás danos físicos e psicológicos.
Atualmente o abuso sexual infantil é considerado um grave problema de saúde pública
tanto pela elevada prevalência do fenômeno, quanto pelo seu impacto deletério no indivíduo, nos
familiares e na sociedade (HABIGZANG; CAMINHA, 2008).
Os abusos sexuais têm suas ocorrências primárias já na Antiguidade. Pesquisas apontam que
o imperador romano Tibério tinha inclinações sexuais que incluíam crianças como objeto de prazer.
Há relato de que ele se retirou para a ilha de Capri com várias delas, e que as obrigava a satisfazer
sua libido através da prática de diversas formas de atos sexuais (ADED et al., 2006).
Segundo Sanderson (2008) durante o modo de infanticídio no século IV, as filhas eram
estupradas. Meninas da Grécia e de Roma dificilmente possuíam um hímen intacto. Os filhos também
estavam sujeitos a abusos sexuais e estupros em que eram entregues a homens mais velhos a partir
dos sete anos de idade até a puberdade.

035
A prática de abusos sexuais e maus-tratos foram bastante aceitos até o século XVIII. A
partir de então ocorreram mudanças nas atitudes em relação ao abuso sexual em crianças. Com
as reformas humanísticas, religiosas e políticas associadas com a Renascença, as práticas de abuso
sexual foram mantidas sob controle. Assim, manter meninos e meninas para que tivessem relações
sexuais com adultos tornou-se um ato não aceito pela sociedade, sendo este totalmente proibido.
Então, a família começou a se moldar e a criança ganha destaque tendo como princípio a educação,
o carinho e a compreensão. Isso, no entanto, não significa que o abuso sexual em crianças não mais
exista (SANDERSON, 2008).
O estudo dos maus tratos contra crianças é recente. Somente nos últimos quarenta anos é
que se iniciaram as investigações acerca dessa temática. Segundo Aded et al. (2006) o abuso sexual
é uma das formas mais danosas, no entanto, pouco se avançou no sentido de prevenir e amenizar
suas consequências. Diferenças culturais, legais e de procedimentos dos profissionais envolvidos
talvez expliquem a dificuldade em se estabelecer políticas públicas de prevenção e enfrentamento
do problema no mundo inteiro.
A experiência do abuso sexual pode afetar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social de
crianças de diferentes formas e intensidade. Os diversos fatores associados ao abuso também devem
ser considerados, visto que contribuem para o desenvolvimento de consequências psicológicas
severas para a criança, que se não tratadas podem se perpetuar por toda a vida.
O objetivo deste artigo é identificar os aspectos relacionados ao abuso sexual infantil e suas
consequências psicológicas em crianças de 3 a 10 anos. A investigação dessas conseqüências é de
grande importância para o conhecimento das “marcas” deixadas por esse tipo de violência, como
a criança lida com estas marcas, e também como os profissionais atuam para que estas crianças
possam futuramente superar os traumas decorrentes desta prática. Para conhecer tais aspectos
foram entrevistadas três psicólogas do Extremo Oeste de Santa Catarina que atenderam ou atendem
casos de crianças vítimas de abuso sexual infantil, as quais se posicionaram sobre o tema através de
um questionário semi estruturado.
Segundo Azevedo e Guerra (2000, p. 42) o conceito de abuso sexual está longe de ser preciso,
mas pode ser definido como:

Todo ato ou jogo sexual, sendo relações heterossexuais ou homossexuais, entre


um ou mais adultos e uma criança menor de 18 anos, com a finalidade de
estimular sexualmente a criança ou utilizá-la para obter uma estimulação sexual.

Para Sanderson (2008) o abuso sexual é o envolvimento de crianças e adolescentes dependentes


em atividades sexuais com um adulto ou com qualquer pessoa um pouco mais velha ou maior, em
que haja uma diferença de idade, de tamanho ou de poder, em que a criança é usada como objeto
sexual para gratificação das necessidades ou dos desejos, para a qual ela é incapaz de dar um
consentimento consciente por causa do desequilíbrio no poder, ou de qualquer incapacidade mental
ou física.
Conforme Sanderson (2008), o abuso sexual em crianças com contato físico pode envolver
uma gama de atividades sexuais, tais como: beijos inapropriados para a criança, carícias para excitá-
la, toques nos órgãos genitais para obtenção de prazer sexual, além de comportamentos como
masturbar a criança, fazer sexo oral, ejacular na criança ou penetrar o ânus ou a vagina com os
036
dedos, órgão genital ou outros objetos para prazer sexual.
O abuso sexual pode ocorrer no meio intrafamiliar e extrafamiliar. O abuso intrafamiliar
ocorre quando é provocado por parentes próximos, dentro do próprio lar gerando consequências
psicológicas mais danosas a vítima (AMAZARRAY; KOLLER, 1998). Outra forma de abuso sexual
intrafamiliar é o incesto. Segundo Azevedo (2000), o incesto é toda atividade de caráter sexual,
implicando uma criança de 0 a 18 anos e um adulto que tenha para com ela, seja uma relação de
consanguinidade, seja de afinidade ou de mera responsabilidade.
O incesto é caracterizado pela estimulação sexual intencional provocada por alguns dos
membros do grupo que possuem vínculo parental. Assim, o que caracteriza o incesto é o abuso
sexual e o vínculo familiar (COHEN, 2000).
De acordo com Habigzang e Caminha (2008), o incesto é poderoso. Sua devastação é maior
do que as violências sexuais não incestuosas contra a criança, porque o incesto se insere nas
constelações das emoções e dos conflitos familiares. Não há um estranho de que se possa fugir, não
há uma casa para onde escapar. A criança não se sente mais segura nem mesmo em sua própria
cama. A vítima é obrigada a aprender a conviver com o incesto, ele abala a totalidade do mundo
da criança. O agressor está sempre presente e o incesto é quase sempre um horror contínuo para a
vítima.
Estudos comprovaram que mais de 50% dos abusos são cometidos por membros da família e,
geralmente, a violência sexual é produzida por homens. Assim, o incesto mais comum é aquele que
envolve a vítima, o pai ou o padrasto (AMAZARRAY; KOLLER, 1998).
O abuso extrafamiliar é provocado por pessoas que possuem vínculos com a família, mas não
convivem no mesmo lar. Ocorre com uma frequência menor, mas com níveis elevados. Os principais
abusadores são adultos que cuidam dessas crianças, como casos ocorridos em creches, escolas, lares
grupais, etc. (AMAZARRAY; KOLLER, 1998).
O impacto do abuso sexual infantil sobre o desenvolvimento depende de vários fatores, os
quais estão relacionados às características individuais da criança, da família e do meio social em que
ela vive. Depende ainda do contexto do abuso e de como foi a revelação deste para os pais ou para
o confidente da criança. Por outro lado, depende muito da idade que iniciou o abuso, da frequência,
duração e da presença ou não de penetração (BORGES; DELL’AGLIO, 2008).
De acordo com Sanderson (2008) estudos apontam que quanto mais frequente e prolongado o
abuso sexual na criança, maiores serão os impactos e as probabilidades da criança ficar traumatizada.
As consequências do abuso são diversas e severas. Tem-se sequelas a curto prazo como:
problema de ajustamento sexual, preocupação com assuntos sexuais, aumento das atividades
masturbatórias, súbito aumento das atividades heterossexuais, desenvolvimento prematuro e
discrepante dos interesses e da independência do adolescente. Dessa forma, a criança se sente
incapaz de controlar as demandas sexuais apresentando desespero relativo. (ADED et al., 2006).
Mudanças súbitas e extremas tais como distúrbios alimentares e afetivos, comportamentos
agressivos ou de autodestruição e pesadelos podem ser observados em crianças e adolescentes em
situação de abuso sexual. Medo, perda de interesse pelos estudos e brincadeiras, dificuldades de se
ajustar, isolamento social, déficit de linguagem e aprendizagem, distúrbios de conduta, baixa auto-
estima, fugas de casa, uso de álcool e drogas, ideias suicidas e homicidas, tentativas repetidas de
suicídio, automutilação e agressividade também têm sido descritos. A dificuldade em fixar memórias
relativas ao abuso pode estar presente em crianças menores, entre 3 e 10 anos de idade (ADED et
037
al., 2006).
As alterações cognitivas podem incluir: baixa concentração e atenção, dissociação, refúgio na
fantasia, baixo rendimento escolar e crenças distorcidas. Tais crenças revelam-se pela percepção de
culpa pelo abuso, diferença em relação aos seus pares, desconfiança e percepção de inferioridade
e inadequação. As alterações emocionais referem-se aos sentimentos de medo, vergonha, culpa,
ansiedade, tristeza, raiva e irritabilidade. Entre as alterações comportamentais destacam-se: conduta
hipersexualizada, abuso de substâncias, fugas do lar, furtos, isolamento social, agressividade,
mudanças nos padrões de sono e alimentação e comportamentos autodestrutivos, tais como se
machucar (HABIGZANG et al., 2006).
O abuso sexual também pode ocasionar sintomas físicos, tais como hematomas e traumas
nas regiões oral, genital e retal, coceira, inflamação e infecção nas áreas genital e retal, doenças
sexualmente transmissíveis, gravidez, doenças psicossomáticas e desconforto em relação ao corpo
(HABIGZANG et al., 2006).

2 MÉTODO

Esta pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa de campo qualitativa, a qual trabalha com
um nível de realidade que não é mensurável, quantificado, responde a questões muito particulares,
ocupando-se das significações, motivos, aspirações, valores e atitudes; seu objeto de estudo
dificilmente poderá ser traduzido em números (MINAYO, 2008). Possui como métodos utilizados
o descritivo e o exploratório. O método descritivo tem como objetivo primordial a descrição das
características de determinada população ou fenômeno. No método exploratório o objetivo é
proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir
hipóteses (GIL, 1999).
O método de investigação utilizado foi o de pesquisa de campo. De acordo com Gil (1999),
este método é caracterizado mais pelo aprofundamento das questões propostas do que pela
distribuição das características da população segundo determinadas variáveis. Como consequência,
o planejamento do estudo de campo apresenta maior flexibilidade. No estudo de campo, o
pesquisador realiza a maior parte do trabalho pessoalmente, pois é enfatizada a importância de o
pesquisador ter tido ele mesmo uma experiência direta com a situação de estudo (GIL, 1999).
Foram entrevistadas três psicólogas do Extremo Oeste de Santa Catarina escolhidas por
conveniência que atendem ou atenderam casos de crianças de 3 a 10 anos que tenham sido vítimas
de abuso sexual infantil.
Os instrumentos utilizados foram: um questionário reformulado com base em Battisti (2009),
com perguntas semiestruturadas abertas e fechadas (ANEXO A) o qual se destina a obter dados
sobre os aspectos relacionados ao abuso sexual infantil e suas consequências psicológicas, bem
como um gravador que foi utilizado para gravar as entrevistas.
Primeiramente foi feito o contato com as participantes no qual a pesquisadora se apresentou
e mencionou o tema e os objetivos da pesquisa, além da importância da sua participação nesta.
Quando da aceitação na participação da pesquisa, houve as combinações de data, local e o horário
para a coleta dos dados. Neste dia também foi entregue às participantes o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (ANEXO B) o qual tem por objetivo garantir a confiabilidade e o anonimato das
participantes da pesquisa. Após a coleta, as entrevistas foram transcritas para a análise dos dados.
038
Os dados colhidos foram interpretados a partir da análise de conteúdo. Segundo o modelo
de Bardin (2000), a análise de conteúdo trata do desenvolvimento de significações de diferentes
tipos de discurso. Assim, permite um olhar imediato e espontâneo à mensagem que foi transmitida.
Ainda, a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações através de
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, a qual visa
obter indicadores que permitem inferir conhecimentos relativos às condições de produções dessas
mensagens (BARDIN, 2000).

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O abuso sexual doméstico sempre foi e ainda é um tabu, assunto proibido, protegido pelo
silêncio ou pelos “pactos” familiares. Porém, as barreiras estão começando a ser derrubadas, porque
o assunto desperta a curiosidade e a atenção de profissionais que trabalham com famílias, crianças
e adolescentes (CRAMI, 2005).
Aded et al. (2006) postulam que na maioria dos casos o abusador é um familiar, amigo ou
vizinho, mas sempre alguém que faça parte do universo da criança. Este dado pode ser confirmado
através dos relatos a seguir:

Pai e padrasto são os que mais abusam, mas também existem tios, avós e primos que abusam
crianças e adolescentes. (Psicóloga 3).

A frequência maior é de pai, padrasto ou cuidador. Eu já tive casos de tios que cuidavam e
abusavam, mas eu acho que pessoas de fora da família são minoria. Na maioria dos casos são
cuidadores, pais, padrastos, tios, sobrinhos, uma pessoa mais velha que fica responsável pela
criança, entre outros. (Psicóloga 2).

O agressor utiliza-se, em geral, de seu papel de cuidador, da confiança e do afeto que a criança
tem por ele para iniciar, de forma sutil, o abuso sexual. A criança, na maioria dos casos, não identifica
imediatamente que a interação é abusiva e, por esta razão, não a revela a ninguém (HABIGZANG,
2008). Podemos verificar parte desse aspecto através do relato a seguir:

Os abusadores são pessoas bem próximas e também muito ligadas afetivamente. Geralmente
é parente, tio, vizinho, padrasto. (Psicóloga 1).

Alguns autores têm considerado a influência da família e sua desestruturação como preditores
para o abuso sexual infantil. Amazarray et al. (1998) destacam que as famílias nas quais acontece
o incesto são bastante disfuncionais. As relações familiares em que ocorre o incesto são caóticas,
a divisão de fronteiras é nebulosa e há a inversão de papéis. Para Cohen (2000), quando ocorre
algum tipo de relação incestuosa deve-se considerar que as funções familiares estão alteradas. Esta
constatação pode ser verificada nos seguintes depoimentos:

A família é totalmente desestruturada. Geralmente são famílias maiores, em que a mãe precisa
trabalhar e acaba deixando os filhos, então não existe um cuidado, e aí tudo pode acontecer.
(Psicóloga 1).

Geralmente quando acontece dentro da família, a mãe é cúmplice. Então, é uma desestrutura
para a criança, porque ela tá sofrendo violência física, sexual e psicológica e não tem ninguém
que cuide direito dela dentro de casa. (Psicóloga 3).

039
Os homens historicamente têm sido socializados para exercerem o poder e as mulheres para
se submeterem a ele, chegando ao ponto de provocar relações assimétricas através da dominação,
com as mais diferentes consequências na vida social e familiar (SCHMICKLER, 2006). As dificuldades
financeiras que poderão surgir com o afastamento do pai é um dos motivos que leva a mãe a manter
um olhar “cego” diante da situação:

Quando se trata do pai que abusa, existem casos em que as mães desconfiam e muitas vezes se
calam, porque talvez o pai seja o provedor da casa, a figura que sustenta a família. (Psicóloga 3).

[...] como se trata da figura de pai, a criança tem uma visão dele como um ser que protege, que
cuida, e isso confunde muito a criança e ela não se encoraja em contar. (Psicóloga 2).

De acordo com Aded et al (2006), o abuso sexual tem consequências psíquicas que vão além
daquelas causadas pelo fato em si. Elas se referem, direta ou indiretamente, aos efeitos do processo
legal e seus desdobramentos. Segundo a Psicóloga 1:

Quando o caso é denunciado, e aí a gente sabe que há a possibilidade de estar acontecendo,


a criança não precisa falar sobre o assunto, agora quando vai para nível judicial eu sinto que
expõe tanto, que às vezes parece que fica meio banal para criança, ela não consegue desenrolar
esse assunto, de tanto ter que dar o depoimento e falar sobre o assunto.

As consequências do abuso sexual são múltiplas, sendo que seus efeitos físicos e psicológicos
podem ser devastadores e perpétuos (AMAZARRAY et al., 1998). Ao longo da pesquisa, fica evidente
a presença destas consequências, pela fala das psicólogas:

Existem casos muito sérios do não controle dos esfíncteres, casos de crianças perturbadas
que tiveram que frequentar a APAE por algum tempo, eu já atendi crianças em estado de
choque, crianças que não falavam, que tinham delírios [...]. (Psicóloga 2).

[...] mais tarde começam os sentimentos de inferioridade, baixa auto-estima, dificuldade na


escola, medo. Dificuldade no contato com outros, dificuldade em se relacionar, medo de ficar
com pessoas diferentes. (Psicóloga 3).

[...] voltam a falar errado, tem enurese e encomprese. (Psicóloga 2).

Ligação afetiva com uma só pessoa, dificuldade em falar sobre o assunto e sobre sua própria
sexualidade, pois parece que fica sempre um tabu na frente, é como se ignorasse, se fechasse,
não dando abertura pra tocar no assunto. (Psicóloga 1).

[...] na maioria dos casos as crianças têm uma regressão no comportamento. (Psicóloga 2).

Há os traumas também, que são terríveis. Eles choram muito, são crianças que se não tratadas,
vão carregar essa cicatriz do medo, da insegurança pelo resto da vida. (Psicóloga 2).

Outra consequência, que aparece com maior frequência no período da adolescência, é a


dificuldade em relacionar-se com o sexo oposto. As vítimas de abuso sexual infantil podem apresentar
comportamento agressivo e medo excessivo de adultos, particularmente de homens (ADED et al.,
2006). De acordo com as psicólogas:

Eu sinto que há muita aversão ao sexo oposto principalmente com aqueles que têm a mesma
idade do abusador, bastante dificuldade em lidar, por exemplo, se é menina com homens, e se
é menino com mulheres. (Psicóloga 1).

040
[...] no adolescente acontece um retraimento em relação ao namoro, no relacionamento com
o outro, (Psicóloga 3).

[...] há essa dificuldade em contar, por exemplo, no caso da menina, que ela não é mais virgem
e aí também há o medo de o parceiro não acreditar, (Psicóloga 2).

Adultos que foram abusados sexualmente quando crianças podem apresentar vários
problemas que se relacionam com a violência sofrida no passado:

Eu já atendi mulheres que foram abusadas sexualmente, e que hoje têm um comprometimento
na sexualidade com o companheiro, que precisam trabalhar essa questão para pode se libertar
desse trauma, encarando de forma mais tranquila essa parte da sexualidade, (Psicóloga 1).

Eu atendo vários casos de mulheres que hoje são agredidas fisicamente, e no passado foram
violentadas sexualmente dentro de casa, e nunca denunciaram, nunca contaram para ninguém,
e agora estão sendo revitimizadas, (Psicóloga 3).

O atendimento psicológico de crianças vítimas de abuso sexual é de extrema importância, e


vai de acordo com as necessidades de cada criança. Não é possível generalizar os efeitos do abuso
sexual para todas as crianças, pois a gravidade e a quantidade das consequências dependem da
singularidade da experiência de cada vítima. O acolhimento da criança e de sua dor é o primeiro
passo para um bom resultado do tratamento físico e emocional que serão necessários.
A escuta de sua história, livre de preconceitos, sem interrupções ou solicitações de detalhamentos
desnecessários para a condução do caso, vai demonstrar respeito a quem foi desrespeitado no que
tem de mais precioso, que é seu corpo, sua imagem e seu amor-próprio (PFEIFFER; SALVAGNI, 2005).
Além disso, suas consequências podem estar ainda latentes e talvez se manifestem posteriormente,
frente à resolução de uma crise evolutiva ou situacional e frente ao estresse (AMAZARRAY et al.,
1998). As particularidades de cada caso devem ser tratadas com sensibilidade e respeito, de acordo
com os relatos a seguir:

Eu acho que o acompanhamento psicológico é de extrema importância para amenizar este


trauma deixado e eu vejo resultado, porque crianças que no início eu atendia e eram muito
retraídas, passaram agora a desenvolver auto-estima e a se relacionar melhor [...], (Psicóloga 3).

Eu acho que o trabalho do psicólogo é muito grande no sentido da própria escuta da criança
que sofreu, porque ninguém quer isso. Mas é uma escuta em que muitas vezes as palavras
não são ditas, então deve ser uma escuta que vai além do que é dito [...], (Psicóloga 1).

Eu procuro ajudar de todas as formas. As crianças vêm com uma carência muito grande, não
tem como você não se envolver. No momento em que chegam, elas precisam de carinho,
então deve ser feito o acolhimento, oferecer afeto para aquela criança [...], (Psicóloga 2).

O estabelecimento de um espaço seguro, no qual a criança percebe a atenção, a disponibilidade


e a credibilidade do psicólogo é de grande importância para que esta se sinta à vontade em relatar o
caso. Isto é fundamental, uma vez que este relato pode desencadear emoções intensas que precisam
ser acolhidas (HABIGZANG, 2008).

Eu acho que é escutar, estar junto, porque acontecimentos como esse é só o tempo que vai
resolver, porque na pessoa, principalmente em crianças, isso vai refletir em toda a vida. Nós
temos casos em que a criança foi obrigada a passar por cirurgias de reconstrução dos órgãos
genitais, de retirada do útero, devido ao “estrago” causado na vida dessa menina, (Psicóloga 1).

041
Muitas vezes eu não interfiro em nada quando estou em atendimento com essas crianças,
mas só a questão de sentar e brincar, utilizar da ludoterapia, para que essa uma hora que eles
passam aqui seja marcada por momentos de carinho, de afeto, de acolhimento, (Psicóloga 2).

Eu sinto muito isso, de “estar junto” mesmo que seja complicado, mesmo que seja difícil de
falar, mas então supõe-se que o trabalho do psicólogo possa ajudar a pessoa a organizar
aquilo tudo que ela está sentindo, e poder tocar a vida pra frente, não se colocando no lugar
de vítima, que vai levar aquilo como uma desgraça na própria vida [...] mas poder ajudar no
sentido dela estar se recuperando para poder seguir em frente como autora da própria vida,
(Psicóloga 1).

Não adianta você chegar com algo já pré-estabelecido porque não flui, então não adianta
se basear somente nos livros que dizem que o abuso vai interferir em tal aspecto da vida da
pessoa porque às vezes não é só isso, (Psicóloga 2).

4 CONCLUSÃO

O abuso sexual permanece cercado por uma barreira de silêncio e se mantém perpetuado pela
ignorância. Estratégias de atendimento e acolhimento à vítima devem ser criadas, com a presença
de equipes multidisciplinares que estejam focadas no atendimento e entendimento de como essa
violência é vivenciada pela criança.
Viver um trauma físico e psicológico faz com a vítima questione sua capacidade de defesa. Ela passa
a perceber que o seu corpo pode ser controlado por outras pessoas, que alguém pode tocá-lo sem o seu
consentimento. Essas consequências, entre tantas outras, afetam não só a própria vítima, mas a sociedade
como um todo, que pode vir a sofrer com uma criança que fora traumatizada no passado e hoje se torna
um adulto que adota comportamentos agressivos ou passivos para lidar com as situações cotidianas.
Concordando com Pfeiffer e Salvagni (2005), quando estas dizem que a atenção continuada e
especializada deve ser dada a vitima bem como à sua família, e este processo deve ser feito por uma
equipe multidisciplinar, focada no restabelecimento da auto-estima e da integridade física e psíquica
da vítima, reestruturando sua confiança nas pessoas e sua capacidade de lutar dignamente pela vida.
Dado que o abuso sexual consiste em um problema de cunho público, social e familia familiar,
considera-se a importância de novas pesquisas na área, com análise de uma população maior e
também com vistas a estabelecer contato com as próprias vítimas.
Espera-se que os resultados possam contribuir para um conhecimento mais elaborado sobre
as consequências deixadas por esse tipo de violência contra a criança, além de fornecer dados
comprovadores de que o trabalho do psicólogo é importante para a reconstrução da vida da criança,
tendo como objetivo o resgate da infância perdida e a vivência de uma vida sem traumas.

042
VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTIL: A DIALÉTICA ABUSADOR/ABUSADO E O
SISTEMA DE ENFRENTAMENTO

RESUMO
O
O presente
presente artigo
artigo éé uma
uma revisão
revisão dede literatura
literatura acerca
acerca dada violência
violência sexual
sexual infantil,
infantil, que
que ocorre
ocorre na
na
maioria
maioria das
das vezes
vezes nono ambiente
ambiente intrafamiliar
intrafamiliar ee pode
pode ser
ser caracterizada
caracterizada como
como umauma relação
relação dede poder
poder
entre
entre oo abusador
abusador ee aa criança
criança abusada.
abusada. O O perfil
perfil psicológico
psicológico do do abusador
abusador foi
foi caracterizado,
caracterizado,
constatando-se
constatando-se aa presença
presença dede propriedades
propriedades psicopatológicas,
psicopatológicas, queque vêm
vêm àà tona
tona aa partir
partir das
das situações
situações
negativas
negativas que
que ocorrem
ocorrem na
na vida
vida daquele
daquele queque comete
comete oo abuso
abuso ee que,
que, consequentemente,
consequentemente, impactam
impactam nono
surgimento
surgimento desta
desta parafilia.
parafilia. O
O papel
papel dada escola
escola nana detecção
detecção dede crianças
crianças abusadas
abusadas éé extremamente
extremamente
relevante,
relevante, embora
embora tenha
tenha sido
sido constatado
constatado que que os
os professores
professores não
não estão
estão preparados
preparados para
para lidar
lidar com
com
essa
essa situação
situação ee nem
nem para
para fazer
fazer aa denúncia
denúncia de de forma
forma apropriada.
apropriada. O O Disque
Disque 100,
100, que
que consiste
consiste num
num
canal
canal de de comunicação
comunicação social,
social, éé umum importante
importante meiomeio para
para denunciar
denunciar aa violência
violência sexual
sexual
anonimamente,
anonimamente, de de forma
forma que,
que, este
este artigo
artigo propõe
propõe um um programa
programa similar,
similar, que
que atenda, além dos
atenda, além dos
abusados,
abusados, osos abusadores
abusadores que
que desejam
desejam auxílio,
auxílio, àà luz
luz de
de iniciativas
iniciativas como
como oo Stop it Now, programa
implantado
implantado em em alguns
alguns países
países da
da Europa.
Europa. Além
Além disso,
disso, este
este estudo
estudo evidencia
evidencia aa importância
importância dodo
atendimento
atendimento psicológico
psicológico ee dede como
como esteeste deve
deve ser
ser feito
feito apropriadamente
apropriadamente visando
visando um um tratamento
tratamento
eficaz.

043
INTRODUÇÃO

A violência sexual infantil se configura por qualquer ato sexual para com uma criança, com
a finalidade de obtenção de prazer sexual sobre uma pessoa que exerce de alguma forma poder
sobre ela. Conforme veremos mais adiante, e como nos coloca Braun (2002, p. 16), a maioria dos
casos de violência sexual (80% a 95%) acontecem sendo que o agressor é conhecido da vítima, ou
tem uma relação de cuidado, proteção e responsabilidade para com ela.
A violência sexual infantil invadiu de tal maneira o cotidiano que é urgente combatê-
la, especialmente no que se refere à questão dos mitos e fatos relativos à vitimização sexual
em crianças e adolescentes. Mitos que devem ser revistos, como por exemplo, que a família é um
lugar sagrado. Infelizmente, segundo estatísticas, muitos lares são verdadeiras ditaduras
familiares em violência sexual, o que permite que os abusos se perpetuem imunes às
intervenções externas (BRAUN, 2002).
A violência sexual pode afetar o desenvolvimento de crianças e adolescentes de diferentes
formas,
formas, uma
uma vez que algumas
vez que algumas apresentam
apresentam efeitos
efeitos mínimos
mínimos ou ou nenhum
nenhum efeito
efeito aparente,
aparente, enquanto
enquanto
outras
outras desenvolvem
desenvolvem graves problemas emocionais,
graves problemas emocionais, sociais
sociais ou
ou psiquiátricos
psiquiátricos (HABIGZANG
(HABIGZANG et al,
2005).
2005). A A literatura aponta que
literatura aponta que este
este trauma
trauma pode
pode causar
causar inúmeras
inúmeras patologias,
patologias, como
como depressão,
depressão,
transtornos
transtornos alimentares,
alimentares, transtorno
transtorno dede estresse
estresse pós-traumático,
pós-traumático, entre
entre outras.
outras.
Outro
Outro mito,
mito, segundo
segundo Braun
Braun (2002)
(2002) éé oo de
de que
que aa criança
criança denuncia
denuncia quando
quando se se sente
sente ameaçada
ameaçada
pela
pela violência.
violência. OO fato
fato éé muitas
muitas vezes
vezes oo oposto:
oposto: asas crianças
crianças podem
podem não
não falar
falar por
por medo
medo de de violência
violência
contra
contra si
si ou
ou contra
contra alguém
alguém que que amam.
amam. Elas
Elas também
também não não rompem
rompem oo silêncio
silêncio quando
quando temem
temem censura
censura
ou
ou têm
têm medo
medo dede acarretar
acarretar aa ruptura
ruptura dada família.
família.
Segundo
Segundo Pfeiffer
Pfeiffer ee Salvagni
Salvagni (2005),
(2005), aa violência
violência sexual
sexual infantil
infantil éé considerada,
considerada,
pela Organização
pela Organização Mundial
Mundial da da Saúde
Saúde (OMS),
(OMS), como
como um um dos
dos maiores
maiores problemas
problemas de de saúde
saúde pública.
pública.
Estudos realizados
Estudos realizados emem diferentes
diferentes partes
partes do
do mundo
mundo sugerem
sugerem queque 7-36%
7-36% das
das meninas
meninas ee 3-29%
3-29% dosdos
meninos sofreram
meninos sofreram abuso
abuso sexual.
sexual. Dados
Dados da da Polícia
Polícia Civil
Civil –– Secretaria
Secretaria da
da Justiça
Justiça ee da
da Segurança
Segurança dodo
Estado do
Estado do Rio
Rio Grande
Grande do do Sul,
Sul, revelam
revelam que,
que, dede janeiro
janeiro aa julho
julho de
de 2004,
2004, 525525 crianças
crianças foram
foram
vítimas de
vítimas de violência,
violência, sendo
sendo que
que 333,
333, ou
ou 63,43%,
63,43%, estavam
estavam relacionadas
relacionadas àà violência
violência sexual.
sexual.
Diante
Diante deste
deste panorama,
panorama, este
este artigo
artigo visa
visa caracterizar
caracterizar aa Violência
Violência Sexual
Sexual Infantil;
Infantil; as
as instâncias
instâncias
envolvidas como
envolvidas como aa dinâmica
dinâmica familiar
familiar ee aa escola;
escola; os os impactos
impactos psicológicos
psicológicos na na vida
vida dada
criança abusada; e também o perfil psicológico do abusador que, em muitos casos, revela
históricos de abuso. Para além desses prolegômenos, este estudo busca apontar alternativas e
iniciativas para o enfrentamento desta parafilia nesse processo dialético entre abusado/abusador, em
que se verifica a necessidade de medidas preventivas a paliativas.

VIOLÊNCIA SEXUAL INFANTIL: DEFINIÇÕES E CARACTERÍSTICAS

De acordo com Habigzang et al (2005), a violência sexual infantil pode ser definida
como qualquer ato ou contato de envolvimento com a criança em atividades de cunho sexual, no
qual o adulto ou um indivíduo em estágio psicossexual mais avançado venha a usar a criança
para sua

044
estimulação sexual.
Crianças abusadas sexualmente são usadas para gratificação sexual de um adulto,
geralmente baseado em uma relação de poder, apresentando atos como “[...] carícias, manipulação
da genitália, exploração sexual, voyeurismo, pornografia e exibicionismo, até o ato sexual com ou
sem penetração, com ou sem violência” (CONTI, 2008, p.65).
Importante ainda salientar que a violência sexual pode ocorrer de duas formas. Drezzet
(2001) diferencia o estupro, o qual se caracteriza pelo constrangimento de pessoas femininas ao
coito vaginal mediante força física, e o atentado violento ao pudor, que diz respeito a algum ato de
caráter libidinoso, com ou sem contato físico (mas não penetração vaginal) que provoque
constrangimento a pessoas de ambos os sexos.
No Brasil, o relatório do Sistema Nacional de Combate à Exploração Sexual Infanto-juvenil
(Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência [ABRAPIA],
2003) reporta que, no período de janeiro a dezembro de 2002, foram realizadas 994 denúncias de
violência sexual infantil. Destas, 41,65% se tratavam de violência sexual extra-familiar, enquanto
que 58,35%,
que 58,35%, erameram relacionadas
relacionadas àà violência
violência sexual
sexual intrafamiliar
intrafamiliar ouou incesto.
incesto. EmEm relação
relação ao
ao perfil
perfil das
das
vítimas, constatou-se
vítimas, constatou-se aa presença
presença hegemônica
hegemônica do do sexo
sexo feminino,
feminino, ocupando
ocupando cerca
cerca de
de 85%
85% dos
dos casos.
casos.
A
A literatura
literatura indica
indica que
que as
as vítimas
vítimas de
de violência
violência sexual
sexual são
são mais
mais vulneráveis
vulneráveis aa outros
outros tipos
tipos de
de
violência, aa transtornos
violência, transtornos sexuais,
sexuais, aoao uso
uso de
de drogas,
drogas, àà prostituição,
prostituição, ao
ao estresse
estresse pós-traumático,
pós-traumático, àà
depressão, aos
depressão, aos sentimentos
sentimentos de de culpa,
culpa, àà ansiedade,
ansiedade, entre
entre outros
outros (LUCÂNIA
(LUCÂNIA et al, 2008, 2008, p.75).
p.75). Sendo
Sendo
assim, oo atendimento
assim, atendimento aa essas
essas vítimas
vítimas sese torna
torna essencial,
essencial, tendo
tendo em
em vista
vista oo grande
grande comprometimento
comprometimento
psicológico, social
psicológico, social ee físico
físico que
que aa violência
violência pode
pode causar.
causar.
Os
Os casos
casos de
de violência
violência sexual
sexual intrafamiliar
intrafamiliar “[...]
“[...] consistem
consistem no
no abuso
abuso envolvendo
envolvendo pais
pais ou
ou
outros parentes
outros parentes próximos,
próximos, os os quais
quais sese encontram
encontram em em uma
uma posição
posição de
de maior
maior poder
poder emem relação
relação àà
vítima” (CODEN,
vítima” (CODEN, 2008,2008, p.13).
p.13). De
De acordo
acordo com
com esse
esse contexto,
contexto, podemos
podemos perceber
perceber que
que oo abusador
abusador ee oo
abusado convivem
abusado convivem no no mesmo
mesmo ambiente,
ambiente, sendo
sendo que
que oo abusador
abusador pode
pode se
se tratar
tratar de
de pai,
pai, mãe,
mãe, padrasto
padrasto
ou madrasta,
ou madrasta, irmão
irmão ou ou algum
algum outro
outro indivíduo
indivíduo da da conjuntura
conjuntura familiar.
familiar. Conforme
Conforme Santos
Santos ((apud
PEDERSEN 2009,
PEDERSEN 2009, p.
p. 114-115),
114-115),

[...] aa violência
[...] violência sexual
sexual contra
contra crianças
crianças ee adolescentes
adolescentes tem
tem origem
origem nas
nas relações
relações desiguais
desiguais de
de
poder.
poder. Dominação
Dominação dede gênero,
gênero, classe
classe social
social ee faixa
faixa etária,
etária, sob
sob oo ponto
ponto de
de vista
vista histórico
histórico ee
cultural, contribuem para a manifestação de abusadores e exploradores. A vulnerabilidade
da criança, sua dificuldade de resistir aos ataques do abusador são condições que favorecem
a ocorrência da violência sexual.

Esta relação de poder do abusador para com a criança coloca-a em uma situação de intenso
sofrimento. O vínculo que se estabelece entre a criança e o abusador passa a desenvolver-se de
forma perversa, pois ao mesmo tempo que gera sofrimento, ocorre em um contexto afetuoso, o que
então promove uma série de sentimentos ambivalentes na criança (PACHECO e MARQUES,
2009).
Estes sentimentos ambivalentes ocorrem geralmente em casos incestuosos, nos quais as
crianças abusadas ficam aterrorizadas e confusas, o que se consolida numa situação de silêncio, na
qual a criança não faz a denúncia por medo de ser culpada, ou então de provocar a desagregação
familiar (BALLONE apud SANTOS e ALVES, 2010).
Nos casos de incesto, pesquisas realizadas constatam que a maior parte dos abusos sexuais
ocorridos são realizados por pais e padrastos. Isto é confirmado pelo Conselho Tutelar de Ribeirão
Preto (1995-2010) (apud RIBEIRO et al, 2004), que relata que os pais são os responsáveis pelo
abuso em 34,2% dos casos, enquanto que os padrastos em 30,8%.
Além destas relações doentias estabelecidas com pais e padrastos, pode-se constatar, com
frequência, a violência sexual entre irmãos. Furniss (1993) (apud AMAZARRAY e KOLLER,

045
1998) destaca o fato de que a diferença de idade entre irmãos é fator essencial. Nos casos em que o
irmão mais velho é o abusador, supõe-se que este esteja em uma posição de autoridade familiar,
enquanto que o mais novo situa-se em uma condição de dependência e imaturidade, o que dificulta
a denúncia.
Como referido anteriormente, a família ocupa posição significativa nos casos de violência
sexual infantil, o que é relevante, pois este deveria ser o grupo social acolhedor e seguro, e passa a
se constituir como um ambiente de terror e sofrimento. Quanto a isto, é significativo o discurso de
Fígaro-Garcia (2004, p. 66):

Uma característica muito comum presente nas famílias incestuosas é a confusão de funções
familiares revelada por uma perda de assimetria nas relações intrafamiliares e no
consequente esvaecimento da organização hierárquica do grupo familiar. Desta confusão,
podem aparecer transtornos que muitas vezes parecem comprometer a adequação ao
princípio de realidade para estas pessoas.

Pode-se perceber
Pode-se perceber que
que aa dinâmica
dinâmica familiar
familiar nos
nos casos
casos de
de violência
violência sexual
sexual ocorre
ocorre de
de forma
forma
zada, confusa
desorganizada, confusa ee doentia.
doentia. Ribeiro
Ribeiro et al (2004),
(2004), relatam
relatam que
que indivíduos
indivíduos que
que tendem
tendem aa receber
receber
cuidados de
cuidados de diferentes
diferentes pessoas
pessoas na
na infância
infância têm
têm as
as chances
chances de de violência
violência sexual
sexual consideravelmente
consideravelmente
aumentadas. Isto
aumentadas. Isto ocorre
ocorre devido
devido àà inconstância
inconstância de de pessoas
pessoas envolvidas
envolvidas nos nos cuidados
cuidados primários
primários dada
criança, que,
criança, que, porpor consequência,
consequência, pode
pode tornar-se
tornar-se umum adulto
adulto ansioso,
ansioso, desconfiado
desconfiado ee com
com sérios
sérios
problemas relacionais,
problemas relacionais, sendo
sendo assim
assim mais
mais propenso
propenso aoao envolvimento
envolvimento sexual
sexual com
com crianças.
crianças.
A
A característica
característica ansiosa,
ansiosa, desconfiada
desconfiada ee retraída
retraída dodo indivíduo
indivíduo tende
tende aa deixar
deixar seu
seu limiar
limiar de
de
frustração mais
frustração mais sensibilizado.
sensibilizado. Dessa
Dessa forma,
forma, quando
quando exposto
exposto aa eventos
eventos estressores
estressores de
de grande
grande pressão
pressão
psíquica (como
psíquica (como demissão,
demissão, problemas
problemas conjugais
conjugais ouou qualquer
qualquer outro
outro evento
evento dede significância),
significância), tende
tende
então aa pôr
então pôr em
em prática
prática suas
suas fantasias
fantasias sexuais
sexuais com
com crianças
crianças (SERAFIM
(SERAFIM et al, 2009).2009).
Para Cohen
Para Cohen ee Gobbetti
Gobbetti (2002)
(2002) (apud
(apud MARQUES,
MARQUES, 2005), 2005), os os indivíduos
indivíduos que
que cometem
cometem oo
violência sexual
violência sexual possuem
possuem distúrbios
distúrbios de de ordem
ordem moral,
moral, social
social ee psicológica,
psicológica, tornando-se
tornando-se
incapacitados para
incapacitados para apreender
apreender as as representações,
representações, os os sentimentos
sentimentos ee os os pensamentos
pensamentos do do outro,
outro,
constituindo-se assim
constituindo-se assim como
como pessoas
pessoas passíveis
passíveis dede tratamento.
tratamento. Padilha
Padilha ee Gomide
Gomide (2004)
(2004) ressaltam
ressaltam
que aa formação
que formação da da estrutura
estrutura psicopatológica
psicopatológica do do abusador
abusador se se desenvolve
desenvolve geralmente
geralmente aa partir
partir de
de
vivências de
vivências de maus-tratos
maus-tratos na na infância
infância ee na
na adolescência.
adolescência.
Em um estudo das características psicopatológicas em indivíduos detidos por violência
sexual infantil, relata Pechorro et al (2008, p. 617),

Pode-se concluir que os abusadores sexuais de crianças presos demonstram ter níveis
relativamente altos de psicopatologia, nomeadamente uma maior perturbação emocional,
dependência, timidez, introversão e tendem a responder de uma forma mais reservada que
os homens da população normal.

De certa forma, pode-se dizer que o abusador perpetua características patológicas, passando-
as adiante a partir de seu comportamento abusivo. Isto se constata a partir das consequências
negativas que ocorrem na vida daquele que sofreu o abuso. Em uma pesquisa realizada com
meninas que sofreram abuso sexual, inferiu Borges et al (2009, p. 93), o diagnóstico atual de
Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) foi encontrado em oito das 12 participantes do Grupo
Caso (66,67%). De um modo geral, todas as meninas vítimas de violência sexual infantil
apresentavam elevados sintomas de TEPT, sendo que nos casos em que não foi observado o
diagnóstico completo poder-se-ia sugerir a presença de TEPT parcial.
Embora esta pesquisa comporte uma pequena amostra, outros estudos corroboram os
achados destes pesquisadores, e além de confirmarem a forte probabilidade no desenvolvimento do

046
estresse pós-traumático em consequência da violência sexual infantil, trazem ainda, uma série de
outras complicações para a vida do indivíduo. Explica Friedrich (1998) (apud PADILHA e
GOMIDE, 2004, p. 54),

[...] indivíduos abusados sexualmente podem apresentar sintomas de natureza interna, tais
como ansiedade, depressão, queixas somáticas, inibição e sintomas de stress pós-traumático
(hiperexcitação fisiológica, medos e evitação, reexperiência) ou externa, como agressão,
delinquência, envolvimento em prostituição, em níveis aumentados de atividade, além de
problemas de comportamento sexual.

Existem evidências relatando também que é comum que os indivíduos que sofreram abusos
na infância tornem-se adultos que também abusem de crianças. Coden (2008, p. 20) relata que “[...]
isto ocorre com frequência quando o trauma vivido na infância não é tratado. O agressor não
consegue parar por vontade própria, e é necessária intervenção especializada”.
O papel da escola é muito importante na detecção e intervenção de casos de violência sexual
contra crianças,
contra crianças, pois,
pois, novamente,
novamente, oo agressor
agressor na
na maioria
maioria das
das vezes
vezes encontra-se
encontra-se na
na família.
família. Contudo,
Contudo,
aa escola,
escola, e,e, principalmente,
principalmente, os os professores
professores queque têm
têm contato
contato direto
direto com
com aa criança
criança devem
devem estar
estar
preparados para
preparados para acolhê-la,
acolhê-la, encaminhando-a
encaminhando-a para para os
os órgãos
órgãos responsáveis,
responsáveis, tomando
tomando asas providências
providências
propostas em
propostas em lei
lei ee denunciar
denunciar oo caso.
caso. Segundo
Segundo um um estudo
estudo feito
feito por
por Hazzard
Hazzard ee Rupp
Rupp (1986)
(1986) (apud
(
BRINO ee WILLIANS,
BRINO WILLIANS, 2003, 2003, p.p. 115),
115), os
os profissionais
profissionais dada saúde
saúde mental
mental ee pediatras
pediatras possuíam
possuíam
maiores informações
maiores informações sobre
sobre aa violência
violência sexual
sexual infantil
infantil do
do que
que os
os professores,
professores, que,
que, por
por consequência
consequência
de sua
de sua profissão,
profissão, passam
passam mais
mais tempo
tempo com
com asas crianças.
crianças.
Isso se
Isso se dá
dá pela
pela falta
falta de
de preparo,
preparo, de de acesso
acesso ee dede capacitações
capacitações acerca
acerca do
do tema
tema para
para osos
profissionais da
profissionais da educação.
educação. Em Em estudo
estudo feito
feito por
por Brino
Brino ee Willians
Willians (2003)
(2003) com
com professores
professores dede uma
uma
escola particular,
escola particular, apenas
apenas 15%
15% dosdos entrevistados
entrevistados foram
foram capazes
capazes dede enunciar
enunciar informações
informações –– embora
embora
equivocadas –– contidas
equivocadas contidas nono Estatuto
Estatuto da da Criança
Criança ee dodo Adolescente
Adolescente sobre
sobre aa violência
violência sexual,
sexual,
demonstrando um
demonstrando um conhecimento
conhecimento superficial
superficial sobre
sobre oo tema.
tema.
Além disso,
Além disso, outra
outra informação
informação preocupante
preocupante dizdiz respeito
respeito àà falta
falta de
de preparo
preparo dos
dos professores
professores
acerca do
acerca do que
que fazer
fazer quando
quando sese há
há aa suspeita,
suspeita, ou
ou até
até confirmação,
confirmação, de de um
um caso
caso de
de violência.
violência. Muitos
Muitos
professores afirmam
professores afirmam que que iriam
iriam conversar
conversar comcom aa criança
criança ee chamar
chamar os os pais
pais para
para saber
saber oo que
que está
está
acontecendo, ao
acontecendo, ao invés
invés de
de fazer
fazer oo que
que está
está proposto
proposto porpor lei:
lei: aa denúncia
denúncia aoao Conselho
Conselho Tutelar.
Tutelar.
Segundo Fagot (1989) (apud BRINO e WILLIANS, 2003, p. 115), educadores treinados poderiam
identificar precocemente os sintomas de abuso e promover uma intervenção, com o intuito de evitar
ou amenizar as consequências imediatas da violência sexual.
A afirmativa de que a violência sexual infantil se trata de um sério problema de saúde
pública é válida, considerando sua gravidade e os significativos índices de ocorrência. Um
importante programa criado no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes é o
Sentinela, de âmbito federal, que atende a partir de centros de referências capacitados com
estruturas físicas e recursos humanos especializados em atendimentos sociais às crianças vítimas de
violência sexual (FELIPE, 2006).
Apesar da interessante iniciativa do Governo Federal na criação de um programa estratégico
desenvolvido a partir de equipes multidisciplinares, devem ser feitas algumas críticas quanto a
abordagem que estabelece como pré-requisito o número de denúncias provenientes do Conselho
Tutelar para abertura do Sentinela, que prejudica algumas cidades que não conseguem instituir o
programa. Conforme Paixão et al (2010), a iniciativa do Sentinela como programa de abrangência
total do país falha, pois, ao definir esse critério de abertura, deixa cair no esquecimento inúmeras
cidades carentes do interior do Brasil desprovidas de conselhos tutelares. Estas cidades muitas vezes
são as mais necessitadas, pois se encontram em condições de extrema carência e ignorância, o que
propicia o desenvolvimento da violência sexual infantil.

047
Além de uma política fragilizada para abertura de novos centros de atendimento a violência
sexual infantil, podemos destacar também que, ao centralizar o atendimento da criança abusada, o
método de trabalho adotado para o combate ao abuso sexual infantil se configura a partir de um
caráter muito mais remediativo do que preventivo, pois, de acordo com Sanderson (2008), a
prevenção só pode ocorrer a partir do momento em que as campanhas tiverem por objetivo englobar
não somente as crianças, mas também, os pais e os demais adultos envolvidos nesta trama.
O atendimento à vítima de violência sexual infantil começa com o acolhimento, que é
fundamental para um bom resultado no tratamento físico e emocional, que, sem dúvida, será
necessário. Pfeiffer e Salvagni (2009, p. 201) afirmam que a escuta livre de preconceitos, sem
interrupções ou solicitações de detalhamentos desnecessários para a condução médica do caso,
demonstra respeito a quem foi desrespeitado no que tem de mais precioso.
A ação dos órgãos que compõem a rede de apoio social para as vítimas e suas famílias deve
adotar as medidas de proteção previstas na lei, levando em consideração que essa intervenção deve
minimizar o impacto físico e psicológico na criança que foi abusada. Habigzang et al (2006) expõe
que
que as
as ações
ações profissionais
profissionais não
não devem
devem se
se restringir
restringir apenas
apenas aos
aos campos
campos disciplinares,
disciplinares, devendo
devendo
acontecer
acontecer uma
uma ação
ação multidisciplinar,
multidisciplinar, considerando
considerando os os aspectos
aspectos previstos
previstos em
em lei
lei ee os
os aspectos
aspectos
psicológicos.
psicológicos. Desta
Desta maneira,
maneira, haverá
haverá uma
uma intervenção
intervenção adequada
adequada minimizando
minimizando impactos
impactos para
para aa
vítima.
Quanto
Quanto aa isso,
isso, Ferreira
Ferreira ee Scharamm
Scharamm (2000,
(2000, p.660)
p.660) ainda
ainda colocam:
colocam:

Sendo assim,
Sendo assim, os
os profissionais
profissionais encontram-se
encontram-se diante
diante dodo desafio
desafio dede evitar
evitar as
as formas
formas
traumáticas
traumáticas de
de intervenção,
intervenção, sem
sem resvalar,
resvalar, contudo,
contudo, nana negligência
negligência com
com que
que oo tema
tema da
da
violência
violência contra
contra crianças
crianças tem
tem sido
sido tratado
tratado no
no Brasil,
Brasil, com
com raras
raras ee honrosas
honrosas exceções.
exceções.

mento psicológico
O atendimento psicológico àsàs vítimas
vítimas possui
possui características
características próprias
próprias que,
que, segundo
segundo Lucânia
Lucânia
(2008, p.
et al (2008, p. 75),
75), diferenciam
diferenciam esse
esse processo
processo do
do terapêutico
terapêutico em
em geral,
geral, sendo
sendo “[...]
“[...] imprescindível
imprescindível
que os
que os profissionais
profissionais que
que atuam
atuam na
na área
área tenham
tenham formação
formação continuada
continuada ee específica,
específica, bem
bem como
como apoio
apoio ee
supervisão frequentes”,
supervisão frequentes”, pois
pois este
este éé um
um fenômeno
fenômeno complexo,
complexo, envolvendo
envolvendo múltiplas
múltiplas variáveis.
variáveis. O
O
local de
local de atendimento
atendimento deve
deve proporcionar
proporcionar àsàs vítimas
vítimas um
um ambiente
ambiente seguro
seguro ee de
de aceitação.
aceitação.
Cabe frisar
Cabe frisar que
que oo indivíduo
indivíduo adulto
adulto que
que comete
comete oo abuso
abuso éé considerado
considerado emem certos
certos termos
termos um
um
sujeito desajustado afetivamente. Dalgalarrondo (2008) enfatiza que o comportamento do pedófilo é
patológico, inserindo-se no grupo das parafilias ou transtornos da identidade de gênero, dos quais,
considerada a parafilia mais perturbadora de todas.
Diante disso, explica Figueiredo (2009, p. 09):

Como um transtorno psiquiátrico a pedofilia seria, então, passível de tratamento. Isso quer
dizer que algumas pessoas, por razões imprecisas, padeceriam de tendências incontroláveis
que lhes são próprias e, por isso, necessitariam de um tratamento para conter essa disfunção
de conduta. Nesse caso, o pedófilo seria vítima de uma doença a ser tratada.

Essa descrição da pedofilia como um desvio patológico com tendências incontroláveis põe
em questão toda a política de combate a violência sexual infantil. Em primeiro lugar, se este
indivíduo é alguém com um desvio patológico dotado de forças incontroláveis, por que o serviço
público não se submete a atendê-lo para que se estabeleça um método preventivo e garanta a
integridade das possíveis crianças que seriam por ele abusadas?
Um dos poucos enfoques preventivos utilizados no Brasil hoje é o Disque 100. O Disque
100 (Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes) é
um canal de comunicação da sociedade com o poder público. O serviço recebe e encaminha
denúncias sobre violência sexual e outras formas de violência contra crianças e adolescentes, como

048
tráfico, violência física e psicológica e negligência.
De acordo com o Disque 100 (2009), de maio de 2003 a maio de 2009, ocorreram cerca de
2.285.671 denúncias, das quais 58,55% eram relativas a violência sexual infantil. Ou seja, em seis
anos, mais de duas milhões de crianças no Brasil passaram por experiências aterrorizantes com
consequências sérias para seu desenvolvimento.
O atendimento telefônico no Brasil mostra-se como uma ferramenta de grande alcance
social. Diante desta situação, pode-se questionar: por que a não-existência de um programa de
atendimento via telefone no Brasil para o auxílio de abusadores em potencial que desejam frear seus
impulsos?
Essa iniciativa foi adotada em países como Reino Unido e Irlanda por meio de um programa
chamado Stop It Now. A vantagem deste programa é que a responsabilidade do relato é colocada
mais no abusador latente do que na criança, facilitando, desta forma, o auxílio, para que o abusador
em potencial não se torne abusador efetivo.
Explica Sanderson (2008, p. 289),

O telefone
O telefone de
de ajuda
ajuda éé oo primeiro
primeiro ponto
ponto de
de parada
parada de
de qualquer
qualquer abusador
abusador potencial.
potencial. Daí
Daí em
em
diante, uma vez
diante, uma vez que
que aa natureza
natureza do
do problema
problema tenha
tenha sido
sido estabelecida,
estabelecida, eles
eles serão
serão enviados
enviados
para
para instituições
instituições de
de tratamentos
tratamentos apropriadas.
apropriadas. Ainda
Ainda que
que oo disque-ajuda
disque-ajuda não
não possa
possa oferecer
oferecer
tratamento,
tratamento, eleele usa
usa um
um sistema
sistema de
de semáforo
semáforo (vermelho,
(vermelho, verde
verde ee amarelo)
amarelo) para
para avaliar
avaliar aa
gravidade
gravidade do do comportamento
comportamento relatado.
relatado. Embora
Embora oo serviço
serviço ofereça
ofereça anonimato
anonimato ee
confidencialidade
confidencialidade aa quemquem faz
faz aa chamada,
chamada, sese em
em sua
sua avaliação,
avaliação, uma
uma criança
criança estiver
estiver em
em
situação
situação de
de risco,
risco, ele
ele pode acionar agências
pode acionar agências apropriadas
apropriadas para
para cuidar
cuidar disso.
disso.

A proposta
A proposta dada instalação
instalação de
de um
um programa semelhante no
programa semelhante no Brasil
Brasil parece
parece ir
ir de
de encontro
encontro com
com
uma
uma política
política de
de poucos
poucos gastos
gastos em
em saúde
saúde pública,
pública, como
como éé aa política
política brasileira,
brasileira, pois
pois se
se tratando
tratando de
de
custo/benefício
custo/benefício tal
tal iniciativa
iniciativa não
não desenvolveria
desenvolveria tantos
tantos gastos
gastos públicos,
públicos, se
se feitas
feitas algumas
algumas adaptações.
adaptações.
É
É oo que
que será
será discutido
discutido nana parte
parte final
final do
do artigo
artigo sobre
sobre aa inserção
inserção dodo psicólogo
psicólogo nos
nos serviços
serviços de
de
combate
combate aa violência
violência sexual
sexual infantil.
infantil.

NOVAS
NOVAS INICIATIVAS
INICIATIVAS PARA
PARA O
O COMBATE
COMBATE A
A VIOLÊNCIA
VIOLÊNCIA SEXUAL
SEXUAL INFANTIL,
INFANTIL, UMA
UMA
PSICOLOGIA
PSICOLOGIA PREVENTIVA
PREVENTIVA

De acordo com o Tribunal de Contas da União (2005), entre 2004 e 2007 foram destinados
cerca de R$108.000.000,00 (cento e oito bilhões de reais), somente para o programa Sentinela, o
que evidencia um alto investimento no combate a violência sexual no Brasil. Levando em
consideração os gastos públicos que vêm sendo bancados pelo Estado, torna-se interessante o
desenvolvimento de medidas que venham a reduzir o investimento financeiro e tornar mais efetivo
o combate a violência sexual.
O Disque 100, que está sendo utilizado somente para denúncias, seria também um canal de
atendimento e encaminhamento do abusador. Segundo Sanderson (2008, p. 290),

Os primeiros sinais de que campanhas como a da Stop It Now! UK And Ireland podem
realmente funcionar são encorajadores. Durante o primeiro ano piloto, a Stop It Now! UK
and Ireland recebeu mais de 700 chamadas, incluindo a de um homem que ligou três vezes
preocupado por se sentir sexualmente estimulado pelos amigos de seus filhos.

Desta maneira, além de servir para denunciar, o programa agiria também como forma de
atendimento primário aos abusadores ou possíveis abusadores, podendo encaminhá-los para
atendimento especializado. Melo et al (2010), afirma que é extremamente importante o
acompanhamento psicológico para os pedófilos, como uma forma de auxiliá-los a não cometer ou

049
reincidir no crime da violência sexual infantil.
Esta abordagem preventiva mostra-se de grande interesse para a comunidade, necessitando
apenas de algumas modificações nas estruturas dos programas brasileiros, como treinamento dos
profissionais e campanhas publicitárias que estimulem a busca de auxílio das pessoas com
inclinações sexuais por crianças.
Outras abordagens como essa seriam interessantes, entretanto, não se deve deixar de levar
em consideração que a escola, que passa a maior parte do tempo com a criança, é um importante
detentor da violência sexual. A questão é: será que os professores estão preparados para lidar com
um caso de violência sexual por eles detectado? Conforme já mencionamos anteriormente, em um
estudo feito por Brino e Williams (2003), é constatado que a maioria das professoras tomaria
medidas que prejudicariam a criança ou colocariam sua própria segurança em risco, como chamar
os pais para uma conversa ou tentar ajudar a criança em sala de aula.
Diante disso, os profissionais da Psicologia deveriam atuar informando e capacitando os
profissionais da educação, pois, como se pode perceber, a maioria das professoras não tinha
conhecimento
conhecimento sobresobre oo tema
tema (nunca
(nunca haviam
haviam lido
lido oo Estatuto
Estatuto dada Criança
Criança ee do
do Adolescente),
Adolescente), havendo
havendo
também
também uma uma predominância
predominância de de tabus ee crenças
crenças inadequadas.
inadequadas. O O trabalho
trabalho do
do psicólogo
psicólogo ee dede toda
toda aa
rede
rede envolvida
envolvida devedeve ser preventivo. Em
ser preventivo. Em Campina
Campina GrandeGrande (PB),
(PB), éé feito
feito um
um trabalho
trabalho queque visa
visa àà
prevenção,
prevenção, preparando
preparando os os educadores
educadores para
para trabalhar
trabalhar comcom aa temática
temática dada exploração,
exploração, dodo abuso,
abuso, ee do
do
apoio
apoio àsàs vítimas
vítimas da da violência
violência sexual.
sexual. Baptista (2008) alega
Baptista et al (2008) alega que
que esse
esse trabalho
trabalho éé realizado
realizado em
em
parceria
parceria com
com oo Sentinela
Sentinela ee oo Conselho
Conselho Tutelar.
Tutelar.
Medidas
Medidas assim
assim devem
devem serser implantadas
implantadas em em todo
todo oo país,
país, com
com aa ajuda
ajuda dos
dos sentinelas
sentinelas ee dos
dos
conselhos
conselhos tutelares,
tutelares, no
no qual
qual oo papel
papel dodo psicólogo
psicólogo éé oo de de agir
agir intervindo
intervindo nessas
nessas instituições,
instituições, com
com oo
propósito
propósito dede instruir
instruir professores,
professores, diretores
diretores ee profissionais
profissionais dada educação
educação com
com palestras
palestras informativas
informativas ee
educativas,
educativas, mostrando,
mostrando, principalmente,
principalmente, quais
quais asas atitudes
atitudes corretas
corretas frente
frente aa uma suspeita de
uma suspeita de abuso
abuso
sexual
sexual contra
contra aa criança
criança ou
ou oo adolescente.
adolescente.
O
O trabalho
trabalho dodo psicólogo
psicólogo neste
neste sentido
sentido mostra-se
mostra-se como
como fundamental para oo desenvolvimento
fundamental para desenvolvimento
de
de estratégias
estratégias preventivas,
preventivas, demonstrando
demonstrando queque este
este éé oo profissional
profissional responsável
responsável pela
pela capacitação
capacitação dede
outros
outros profissionais
profissionais ligados
ligados aa vida
vida cotidiana
cotidiana da da criança.
criança. Neste
Neste ponto,
ponto, cabe-se
cabe-se questionar
questionar sobre
sobre oo
atual
atual panorama
panorama da da formação
formação do do profissional
profissional de de Psicologia
Psicologia no no que
que tange
tange aos
aos casos
casos dede violência
violência
sexual
sexual infantil, pois, conforme
infantil, pois, conforme Fingleton
Fingleton (1989)
(1989) (apud
(apud ALMEIDA,
ALMEIDA, 2003),2003), oo nível
nível da
da formação
formação
acadêmica é a base fundamentadora tanto para o reconhecimento quanto para intervenções efetivas.
Assim, evidencia-se a importância da realização de estudos que investiguem algumas
questões, tais como: existem espaços disponíveis para o graduando (psicologia, pedagogia e
licenciaturas) desenvolver estágios nesta área?; o Governo fornece programas de especialização
para os profissionais que atuam na educação e na saúde pública?; existe espaço/tempo para o
diálogo de psicólogos, pais e professores?
Nesta lógica, a formação de psicólogos e de outros profissionais revela-se como o eixo
central de uma proposta preventiva, principalmente, a formação do psicólogo, considerando seu
papal como capacitador de outros profissionais. Almeida (2003) revela a condição de despreparo
dos psicólogos escolares, apontando a existência de crenças, como no caso de psicólogos escolares
masculinos que teriam a tendência de culpar a mãe pelos casos de abuso sexual do filho.
Este fato demonstra certo despreparo por parte dos profissionais para lidarem de forma
competente com o fenômeno da violência sexual infantil. Desta forma, como se pretende capacitar
pais e professores para o desenvolvimento de um trabalho preventivo, se nem mesmo os psicólogos
demonstram-se capacitados?
Para que este trabalho possa realmente ser desenvolvido, é necessário começar pelo seu
fundamento, que consiste no exercício profissional do psicólogo. Costa et al (2005), demonstram a
necessidade de avanço nas práticas e possibilidades de inovações nos atendimentos, bem como a

050
emergência de avanços nas reflexões teóricas e na formação de psicólogos mais especializados para
atuarem nos casos de violência sexual infantil.
Para que o exercício profissional do psicólogo no atendimento de crianças abusadas possa
torna-se mais efetivo, torna-se visível a urgente necessidade de políticas públicas que venham a
priorizar a formação e especialização sobre a violência sexual infantil. Paixão et al (2010), apontam
a existência de uma política pública que se centraliza no atendimento ao abusado e aos familiares,
esquecendo-se da importância de atender o abusador, bem como fornecer recursos financeiros que
venham possibilitar a capacitação dos profissionais para o desenvolvimento de um trabalho mais
efetivo.
A realização da prevenção da violência sexual infantil e a consequente diminuição destes
casos trágicos de violência só poderá ocorrer a partir do momento em que as instituições
governamentais tomarem o conhecimento da importância da valorização que deve ser dada aos
profissionais atuantes nesta área e não somente por meio de investimentos financeiros que tenham
propósito paliativo, como o que vem sendo desenvolvido por programas como o Sentinela.

CONSIDERAÇÕES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
FINAIS

A
A partir
partir do
do levantamento
levantamento bibliográfico
bibliográfico sobre
sobre aa temática
temática dada violência
violência sexual
sexual infantil,
infantil,
constatou-se
constatou-se oo fato
fato de
de que
que oo meio
meio familiar
familiar vem
vem sendo
sendo oo local
local de
de maior
maior manifestação
manifestação desta
desta grave
grave
modalidade
modalidade de de violência,
violência, desmistificando
desmistificando deste
deste modo
modo alguns
alguns mitos
mitos sobre
sobre oo perfil
perfil do
do abusador
abusador como
como
alguém
alguém desconhecido
desconhecido ee distante
distante da
da realidade
realidade da
da criança.
criança.
Sendo
Sendo oo abusador
abusador um um indivíduo
indivíduo de de estreitas
estreitas relações
relações com
com aa criança,
criança, frequentemente
frequentemente oo
próprio
próprio pai,
pai, evidenciou-se
evidenciou-se que as formas
que as formas dede enfrentamento muitas vezes,
enfrentamento muitas vezes, mesmo
mesmo sendo
sendo muito
muito bem
bem
planejadas,
planejadas, provocam
provocam todotodo um
um movimento
movimento familiar
familiar para
para aa resolução
resolução do do caso
caso que
que muitas vezes
muitas vezes
causam
causam ainda
ainda mais
mais sofrimento
sofrimento para
para aa criança, devido ao
criança, devido ao fato
fato de
de modificarem
modificarem aa dinâmica
dinâmica familiar.
familiar.
Onde
Onde sese pretende
pretende chegar
chegar com
com esta
esta afirmativa?
afirmativa? A A intervenção
intervenção nos
nos casos
casos de
de descoberta
descoberta de de pais
pais
abusadores
abusadores éé completamente
completamente plausível,
plausível, este
este trabalho
trabalho deve
deve ser
ser feito.
feito. Mas
Mas oo que
que se
se coloca
coloca emem xeque
xeque éé
que
que as
as próprias
próprias intervenções
intervenções vêm
vêm trazendo
trazendo fatores
fatores complicadores
complicadores para
para aa saúde
saúde mental
mental da da criança.
criança.
No
No decorrer
decorrer dodo artigo
artigo explicitou-se
explicitou-se aa necessidade
necessidade de de estratégias
estratégias preventivas,
preventivas, evitando
evitando assim
assim
aa consumação
consumação do do abuso
abuso sexual.
sexual. Mostrou-se
Mostrou-se claro
claro também
também que que aa modificação
modificação de de um
um enfoque
enfoque
remediativo para um enfoque preventivo seria algo que demandaria toda uma reformulação das
políticas públicas referentes a violência sexual infantil. Programas como capacitação de professores,
especialização contínua de profissionais de psicologia, trabalho com a comunidade e até mesmo
campanhas publicitárias, seriam os eixos norteadores deste processo preventivo.
A palavra prevenção empregada neste artigo deve ser claramente entendida como a
utilização de estratégias que realmente venham impedir o acontecimento da violência sexual
infantil. Muitas dessas atividades, chamadas preventivas, ocorrem, mesmo em pequeno número.
Contudo, ainda pode-se observar inúmeros casos de violência sexual. Será que o fato destas
atividades ocorrerem em pequena escala é justificativa dos inúmeros casos de violência sexual que
ocorrem no país?
Parece que não. O que realmente mostra-se significativo na falha das estratégias preventivas,
é que estas não levam em conta o acolhimento ao abusador. Acolhimento ao abusador deve ser
entendido como uma estratégia preventiva no sentido de que o indivíduo tomado por criminoso é
muitas vezes uma pessoa com características de personalidade patológicas não tratadas no decorrer
de sua história. Apesar da existência de diferentes perfis psicopatológicos de abusadores, que vão da
neurose a perversão, os números do programa Stop It Now mostram uma grande quantidade de
abusadores em potencial dispostos a trataram-se.
Desta maneira, muitos casos de violência sexual poderiam ser evitados, se existisse um

051
sistema de acolhimento anônimo a pessoas com inclinações sexuais por crianças. A Psicologia neste
caso deveria entrar como área do conhecimento de maior autoridade, expondo a existência não
somente de abusadores criminosos, mas também de abusadores que em sua essência psicológica
deveriam ser consideradas como pessoas doentes.
Esta medida não traria abaixo todos os casos de violência sexual, mas evitaria inúmeros
casos de violência sexual contra a criança, como também diminuiria as chamadas intervenções
remediativas, onde toda a família é colocada em questão, criando-se assim um ambiente ainda mais
conflituoso para a criança.
As intervenções por meio de programas como o Sentinela são importantes, são válidas, não
devem ser descartadas, mas também não devem ser tratadas como medidas realmente preventivas e
únicas. Sendo assim, o que seria mais efetivo parece ser aliar o programa Sentinela com propostas
que realmente tragam aspectos preventivos. Deste modo, colocar o abusador não somente como um
criminoso, mas como um indivíduo que pode e deve ser tratado, parece ser o novo paradigma da
Psicologia, se tratando da elaboração de modelos preventivos de atuação ao enfrentamento da
violência
violência sexual
sexual infantil.
infantil.

052
O FENÔMENO DO FALSO ABUSO SEXUAL INFANTIL NO SETTING
PSICOTERÁPICO1

Resumo: A presente pesquisa teve como objetivo geral investigar, por meio de psicólogos
clínicos infantis, a possibilidade de existência de relatos falsos de abuso sexual em clientes. A
pesquisa foi aplicada com profissionais psicólogas clínicas infantis de Tubarão, Santa
Catarina, que trabalham ou já trabalharam com casos de abuso sexual, compondo uma
amostra de seis psicólogas. Foram investigados os seguintes aspectos: como se configura o
atendimento do psicólogo clínico com crianças supostas vítimas de abuso sexual; dificuldades
encontradas por estes profissionais ao se depararem com estes casos; o fenômeno do falso
abuso e suas implicações no atendimento de crianças. As respostas das entrevistadas foram
caracterizadas quanto à condução psicoterápica com o tema ASI; dificuldades ao atender esta
demanda; formas utilizadas pelas pesquisadas para lidar com as dificuldades encontradas na
atuação; o fenômeno do falso abuso e da alienação parental; o psicólogo clínico infantil frente
o ASI. A análise dos resultados evidencia que as psicólogas entrevistadas cogitam a
possibilidade do relato de abuso sexual infantil ser falso, criam hipóteses ao atender os casos e
no decorrer do atendimento, suas hipóteses são confirmadas ou refutadas. De acordo com as
pesquisadas, há uma preocupação em relação ao fenômeno do falso abuso, da alienação
parental e da implantação de memórias em suas conduções psicoterápicas, tendo sempre
presente que o foco do trabalho visa minimizar o sofrimento da criança inserida nesta
situação.

053
1 INTRODUÇÃO

O abuso sexual infantil é uma transgressão dos direitos da criança, uma violência
extremamente inescrupulosa e silenciosa. Várias pesquisas evidenciam os impactos que uma
violência destas pode acarretar em todo o desenvolvimento de um indivíduo. Dependendo da
configuração desta violência os impactos podem ser maiores ou menores, mas independente
da forma que se apresente, se trata de uma violação dos diretos humanos (SANDERSON,
2005; COGO et al, 2011; ROMERO, 2007; AZAMBUJA, 2005).
O psicólogo frente a este fenômeno, segundo o Código de Ética do Psicólogo,
(RESOLUÇÃO CFP Nº 010/05, 2005, p.7), art. 2º afirma que é vedado “quaisquer atos que
caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão”.
Sendo assim necessário que o profissional psicólogo ao receber uma demanda de abuso sexual
infantil trabalhe de forma consciente e não conformando-se a conviver com a não denuncia do
caso. O psicólogo deve fazer um bom acolhimento desta criança suposta vítima do abuso
sexual, com uma boa escuta pode vir a investigar sobre como ocorreu o abuso, e o mais
importante como a criança está lidando com este acontecimento de maneira emocional,
comportamental e psíquica.
Marques, Teles e Feijão (2013) definem como essencial a participação do
psicólogo neste contexto, no sentido de poder amenizar maiores danos e traumas em todo o
processo e no manejo da situação. Os autores trazem ainda que a intervenção do psicólogo
auxilia na reconstrução da vida da criança, buscando a superação dos traumas sofridos e
valorizando a infância.
Cesca (2004) aponta em seu estudo a importância do psicólogo buscar garantir os
direitos dos envolvidos, a busca da cidadania e visar a saúde mental dos mesmos, o autor
afirma também que esta violência quando acontece dentro do ambiente doméstico, deve ser
tratada e não somente punida, de maneira que a punição pode acarretar ainda mais sofrimento
psíquico aos familiares envolvidos, e que não resolverá o problema de fato. Para o autor,
deve-se então fazer uma boa investigação e pensar em uma reestruturação desta família,
pensando em amenizar o sofrimento dos envolvidos, entender seu funcionamento familiar e
pensar em estratégias de resiliência e enfrentamento, possibilitando assim uma melhor
qualidade de vida.

054
Com o aumento do número de denúncias de casos de abuso aos órgãos de
proteção, os autores Santana e Rios (2013, p. 368) apontam que é necessário ser cuidadoso ao
se deparar com casos desta temática, “Porque, muitas vezes, acusar alguém de pedófilo ou
abusador passou a se afigurar como estratégia para destituir a imagem pública desse alguém,
para torná-lo/a um perigoso/a criminoso/a.” Sendo assim, em alguns casos a denúncia do
abuso sexual não se configura como uma medida protetiva contra o agressor visando zelar
pelo bem estar da criança, e sim como uma “arma”, um meio para se obter vantagens
jurídicas, ou para se vingar, prejudicar a vida de um outro alguém. É necessário que o
profissional fique atento para os sinais e sintomas do abuso, mas que, além disso, possa
compreender o contexto em que esta criança está inserida e a forma de funcionamento desta
família, para assim tentar evitar cair na armadilha do falso abuso sexual e não contribuir com
esta violência que a criança está sofrendo, bem como resguardar os direitos da criança e dos
outros envolvidos neste fenômeno.
Este tema é de muita significância para a atuação do psicólogo em todas as áreas,
mas por excelência na prática clínica, para se pensar em medidas de proteção às crianças
vítimas de abuso sexual, garantir seus direitos, pensar em estratégias de resiliência e formas
de amenizar os danos emocionais e psicológicos ocasionados aos envolvidos.
O objetivo geral deste estudo é investigar, por meio de psicólogos clínicos
infantis, a possibilidade de existência de relatos falsos de abuso sexual em clientes. Como
objetivos específicos temos: compreender como se configura o atendimento do psicólogo
clínico com estas crianças; conhecer as dificuldades encontradas por estes profissionais ao se
casos; investigar o fenômeno do falso abuso e suas implicações no
depararem com estes casos
atendimento de crianças. Tendo isto em vista, formulamos a seguinte pergunta de pesquisa: O
psicólogo clínico infantil em sua prática psicoterápica cogita a possibilidade do relato de
abuso sexual ser falso?

1.1 ABUSO SEXUAL INFANTIL

O abuso sexual infantil (ASI) é uma forma de violência silenciosa, que pode
passar até mesmo despercebida para muitos, mas que deixa marcas profundas em suas
vítimas. Esta violência acaba com a inocência, faz com que suas vítimas sintam-se culpadas,

055
com vergonha, se sintam sujas, faz com que se isolem de amigos e da família, as vítimas
podem sofrer com baixa autoestima e outros sentimentos (SANDERSON, 2008; ROMERO,
2007; AZAMBUJA, 2005).

A experiência do abuso sexual pode afetar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e


social de crianças de diferentes formas e intensidade. Os diversos fatores associados
ao abuso também devem ser considerados, visto que contribuem para o
desenvolvimento de consequências psicológicas severas para a criança, que se não
tratadas podem se perpetuar por toda a vida (COGO et al., 2011, p. 131).

De acordo com Cogo et al (2011) o abuso sexual infantil pode estar presente como
um segredo na família, como nos casos de um abuso intrafamiliar que é o que ocorre dentro
de um grupo familiar, sendo que muitas vezes a criança vítima apresenta alguns
comportamentos não adequados para sua idade cronológica ou possui uma mudança
significativa no comportamento, em que alguns professores ou pessoas próximas podem vir a
perceber que algum abuso pode estar acontecendo. Como descrito por Araújo (2008) na
família há um mito em torno deste segredo, visto que em alguns casos todos sabem da sua
existência e ignoram o seu conteúdo. Para o autor, podem-se passar várias gerações sem que
seja denunciado já que é silenciado visando uma pseudo-harmonia familiar. Romero (2007)
aponta que este dito “complô do silêncio” pode perpetuar o abuso por várias gerações, sendo
este um aspecto que contribui para que o abuso continue.
Há casos em que a mãe ou os pais não acreditam na criança, negam o abuso, há
também os casos em que “A criança ou adolescente vitimada reluta em denunciar o agressor
(pai, padrasto ou irmão), pois corre o risco de ser desacreditada, insultada, punida ou até
afastada de casa sob a acusação de destruir a harmonia e a unidade familiar.” (ARAÚJO,
2002, p. 8).
Quando o abusador é alguém muito próximo como o pai, por exemplo, a situação
fica ainda pior. Há, comumente, uma relação de amor e ódio para com o abusador. “Tais
comportamentos deixam a criança confusa e, dependendo do tipo de relação que mantém com
o agressor, ela oscila entre calar ou denunciar tais atos praticados por alguém que, por
obrigação, deveria lhe dispensar cuidados e proteção.” (ARAÚJO, 2002, p. 7).
“O abuso sexual em crianças (ASC) é de natureza social, tendo em vista que é
influenciado de maneira intensa pela cultura e pelo tempo histórico em que ocorre, o que
dificulta em estabelecer uma definição aceita universalmente” (SANDERSON, 2008, p. 1).

056
Ribeiro e Costa (2007) afirmam que o fenômeno do abuso sexual está atrelado a questões
individuais, culturais e transgeracionais. Ainda sobre esta questão, Azambuja (2005) aponta
que a violência é considerada um objeto da saúde, pois além do atendimento às vítimas, existe
a possibilidade de se pensar em estratégias de proteção para que se possa evitar as formas de
violências.
Segundo dados do Disque 100, no ano de 2016 foram registradas 17.523
denúncias de violência sexual contra crianças no Brasil. (SECRATARIA ESPECIAL DE
DIREIROS HUMANOS, 2016). Os autores supracitados defendem que o número real de
crianças que sofrem violência sexual é muito maior, há uma subnotificação no sentido de que
como é uma violência “sigilosa” pode-se levar muitos anos para que a vítima relate o fato ou
até mesmo podem passar anos sem ser ouvida, neste sentido:

[...] cabe destacar que a subnotificação dos casos de violência contra crianças é um
problema grave, na medida em que é partir de dados epidemiológicos que os
governantes pautam as ações sociais de prevenção. Ao se mostrar como uma
realidade desconhecida, ou mal conhecida, acaba por se configurar como mais uma
forma de violência, que opera no nível estrutural: a invisibilidade (que vem
acompanhada pelo descaso) (AZAMBUJA, 2005, p. 11).

No abuso sexual há também o abuso emocional quanto à violação da criança, este


abuso faz parte de um conjunto de abusos que uma criança pode experimentar tais como o
abuso físico, a negligência e o abuso emocional. Estas formas de abuso podem se interligar ou
se sobrepor. (SANDERSON, 2008).
Sanderson (2008) utiliza a definição de abuso sexual ao referir a este fenômeno,
retirada do Departamento de Saúde (2003) do Reino unido, que descreve:

[...] forçar ou incitar uma criança ou um jovem a tomar parte em atividades sexuais,
estejam ou não cientes do que está acontecendo. As atividades podem envolver
contato físico, incluindo atos penetrantes (por exemplo estupro ou sodomia) e atos
não-penetrantes. Pode incluir atividades sem contato, tais como levar a criança a
olhar ou a produzir material pornográfico ou a assistir a atividades sexuais ou
encorajá-la a comportar-se de maneiras sexualmente inapropriadas.
(DEPARTAMENTO DE SAÚDE, 2003 apud SANDERSON, 2008, p. 5);

Ainda segundo este autor, os tipos de abuso sexual realizados em crianças incluem
o abuso sem contato, tais como a exposição indecente, exibicionismo, voyeurismo e o uso de
crianças na criação ou na exibição de imagens ou filmes pornográficos, também pode incluir

057
tirar fotografias para propósitos pornográficos, utilizar linguagem referente a sexo
inapropriada em relação à criança e insistir que a criança se vista de maneira sexualmente
excitante para o abusador. Comportamentos como nudez e observá-la de maneira inapropriada
enquanto estiver se despindo ou utilizando o banheiro, ou o comportamento sexual na frente
da criança também podem ser considerados como formas de abuso, para o referido autor.
Araújo (2002, p. 5) define abuso sexual infantil como:

[...] uma forma de violência que envolve poder, coação e/ou sedução. É uma
violência que envolve duas desigualdades básicas: de gênero e geração. O abuso
sexual infantil é frequentemente praticado sem o uso da força física e não deixa
marcas visíveis, o que dificulta a sua comprovação, principalmente quando se trata
de crianças pequenas.

É visto que a criança não possui a maturidade plena ou a consciência destes atos
abusivos, sua participação geralmente é mediante coerção psicológica ou física que viola as
regras sociais e os papéis familiares. (ROMERO, 2007).
A Lei Federal 8.069/90 (BRASIL, 1990) dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) e em seu artigo 5º prescreve que “nenhuma criança ou adolescente será
objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais” (p.12). Sobre esta lei, Silva (2010, p. 138), afirma que “mais do que uma lei,
trata-se
se de um pacto nacional em defesa dos direitos da criança e do adolescente”. Configura-
Configura
se então o abuso sexual infantil como uma violação aos direitos da criança.

Fundamental também é compreender que o abuso sexual infantil é um fenômeno


complexo e difícil de enfrentar, que envolve questões legais de proteção à criança,
punição do perpetrador e também questões terapêuticas de atenção à saúde física e
mental (ROMERO, 2007, p. 17).

Ao se discutir sobre abuso sexual infantil, diversas nuances acerca deste tema tão
intrigante suscitam questionamentos e dúvidas nas mais variadas áreas. Atualmente, tem-se
discutido acerca de uma nova estratégia utilizada por algumas possíveis vítimas e seus
familiares que tem chocado pesquisadores da área, profissionais que atendem crianças e
adolescentes em situação de vitimização, juízes, promotores, advogados e, principalmente,
psicólogos - o chamado falso abuso.

058
1.2 O FALSO ABUSO

Os autores Schaefer, Rossetto e Kristensen (2012, p. 227), apontam que “ao


mesmo tempo em que denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes são cada vez
mais frequentes, implicando em medidas protetivas urgentes para as vítimas e punições para
os perpetradores, também são crescentes os casos de falsas denúncias”. Além disso, Santana e
Rios (2013, p.368) pontuam que “[...] também há a impressão de um aumento de ‘outros’ usos
da ‘violência sexual’”.
Santana e Rios (2013) descrevem que o falso abuso aparece em falsas acusações
por parte de quem acusa e que não se configura como uma ação de proteção da criança,
aparentando assim uma intencionalidade. Estas falsas acusações podem aparecer em casos
aonde
nde há disputa de guarda judicial da criança; casos de alienação parental
parental; mágoas em
relação a separação do casal; como uma estratégia para destituir a imagem de uma pessoa
pessoa;
para considerar o outro um criminoso; pode ser ainda uma má interpretação ou uma ssugestão
acidental. Os autores supracitados afirmam que “[...] a falsa acusação é apontada como tão
danosa quanto uma denúncia verdadeira para as crianças envolvidas.” (SANTANA; RIOS,
2013, p. 374)
“Não menos
Todavia a autora Brockhausen (2011, p. 207) ressalta que “N
importante, devemos frisar que diagnosticar uma alegação de abuso sexual falsa também pode
gerar proteção da criança.”, no sentido de que cabe ao profissional relatar para os órgãos
como o Conselho Tutelar que esta situação de falso abuso ocorreu, para que se possa ter um
cuidado maior com o caso e com esta família. A autora supracitada aponta alguns dos
problemas que podem ocorrer a partir de considerar um falso abuso como real, dentre eles
romper laços familiares saudáveis, rotular a criança como vítima abusada e desta forma
reforçar a violência psicológica que uma falsa alegação como esta pode causar na criança.
Devido a criança apegar-se aos cuidados de um adulto, este pode utilizar-se do
afeto para implantar falsas memórias, ocasionando a alienação parental para que obtenha
benefícios a partir da fala desta criança. Comumente, com o passar do tempo nem a criança e
nem o genitor sabem afirmar com certeza se o fato não ocorreu da maneira como falado,
acabam acreditando na própria mentira (ASSUMPÇÃO, 2011). A autora Amendola (2009)
afirma sobre isto que

059
[...] reconhece-se que as crianças não estão, geralmente, inclinadas a criar
declarações falsas do abuso sem que haja a influência parental ou de um adulto a
quem estabelece relações de lealdade. Nessas condições, a criança tende a acreditar
no que lhe foi imposto como sendo a sua verdade, elaborando um registro psíquico
de um abuso sexual, o que promove a confusão entre realidade e fantasia,
compreendido como uma forma de violência psicológica. (AMENDOLA, 2009,
p.211).

Assumpção (2011) aponta a gravidade da falsa denúncia, que muitas vezes é


utilizada como uma arma para afastar o filho do genitor acusado, a criança fica submetida a
uma mentira e é emocional e psicologicamente manipulada e abusada pelo genitor alienador.
Levando a possibilidade de um falso abuso em consideração é necessário investir
mais tempo na coleta, análise e reflexão dos supostos casos de abuso sexual infantil, “Errar na
elaboração de um parecer pode significar mudar contundentemente, para “pior”, a vida de
uma pessoa inocente. A sensação de responsabilidade sobre a vida do outro é grande.”
(SANTANA; RIOS, 2013, p. 376). É preciso então não isolar os comportamentos que podem
indicar uma forma de abuso infantil, deve-se considerar o contexto da família, para não
alarmar ou cair em erros de interpretação. “É possível deduzir que a sintomatologia
apresentada pelas crianças deve ser observada em concomitância a um repertório de fatores,
tais como o contexto social e familiar em que vivem“ (AMENDOLA, 2009, p. 200). O
psicólogo clínico deve levar todo esse contexto para a sua condução clínica, não isolar apenas
os sinais de abuso.
Nesta gama de significados e costumes nos contextos e comportamentos
familiares,

[...] é preciso cuidado ao se analisar todo e qualquer comportamento que,


hipoteticamente, possa ser considerado violento, pois, tanto a expansão do conceito
de violência sexual quanto a sua contração serão percebidos a partir do valor moral
que os compõem. Isso permite questionar se um beijo dado na boca de uma criança
por sua mãe seria um comportamento desviante, patológico, um abuso ou uma
demonstração de amor. Válido também o é aplicar este questionamento ao beijo
dado pelo pai (GONÇALVES, 2003 apud AMENDOLA, 2009, p. 198).

Ainda sobre o cuidado em se interpretar os comportamentos da criança suposta


vítima, além dos atos que podem sugerir um abuso, a autora Amendola (2009) nos relata a
importância do cuidado ao se analisar, “se o comportamento dirigido a uma criança estiver
dissociado do contexto cultural, existe o risco deste ser interpretado como um desvio, uma

060
doença e/ou um fracasso de adequação às regras sociais. Portanto, a violência sexual não deve
ser entendida como ato isolado”, (AMENDOLA, 2009, p. 198).
O abuso sexual pode aparecer através da manifestação de sintomas emocionais na
criança vítima, de comportamentos que não condizem com os conhecidos pela criança e da
sua idade cronológica, através de sinais físicos, ou até mesmo através da estrutura familiar. É
importante salientar que isto não se torna uma regra e as consequências do abuso também não
são sempre iguais, visto que variam de caso para caso, e estão ligados a alguns fatores como a
duração de abuso, se envolveu violência, idade da criança, o tipo do abuso sexual, o
relacionamento com o abusador, entre outros (ARAÚJO, 2002; SANDERSON, 2007).
Amendola (2009, p. 199) aponta a dificuldade na identificação de um abuso sexual
dada a subjetividade envolvida em situações como estas, “nem sempre é possível identificar
as consequências de um abuso sexual na criança- o que torna o processo de diagnóstico
isto, a autora alega
dificultoso e sujeito a erros de interpretação pelos profissionais”. Devido a isto
pré-escolar não implica
que identificar os comportamentos sexuais em crianças em idade pré-es
necessariamente em uma ocorrência de abuso sexual, devem-se analisar os contextos e a
dinâmica familiar com muita atenção.
O tema falso abuso ainda é considerado recente e há poucas publicações científicas
em relação ao mesmo, pode-se interpretar que devido a isto muitos profissionais não cogitam
a hipótese de existir uma falsa alegação de abuso sexual infantil. Brockhausen (2011) sugere
para os profissionais sempre considerarem 50% de chances tanto para um falso abuso quanto
para um verdadeiro abuso, assim o profissional estará mais atento e criterioso em sua escuta e
poderá cuidar de possíveis equívocos conseguindo desta maneira fazer uma avaliação
imparcial, analisando todas as possibilidades envolvidas na questão.
O psicólogo clínico infantil ao atentar para a existência de um possível falso abuso
amplia o seu olhar sobre as diversas armadilhas em sua prática profissional sem esquecer que
crianças e adolescentes precisam ser protegidos sempre com vistas a garantir suas
integridades físicas e psicológicas.

1.3 O PSICÓLOGO CLÍNICO FRENTE AO ABUSO SEXUAL

O abuso sexual infantil deve ser atacado interdisciplinarmente entre Psicologia,


Direito, Medicina, Serviço Social e outras áreas que devem estar preparadas para enfrentá-lo

061
da melhor maneira possível. Por se tratar de um tema complexo é necessário ter este auxílio
interdisciplinar (MARQUES; TELES; FEIJÃO, 2013; BENIA, 2015).
Sendo o abuso sexual um problema que envolve também questões legais de
proteção à criança e punição do agressor, visando as consequências psicológicas dos mesmos,
deve-se pensar em medidas terapêuticas de atenção à saúde física e mental dos envolvidos. O
psicólogo como um dos profissionais que atua nestas demandas, pode trabalhar tanto no
atendimento desses casos, quanto somente na avaliação do abuso. É de fundamental
importância que os psicólogos compreendam a dinâmica do abuso sexual e as suas
repercussões para a criança, para a família e para o abusador, aprimorando assim a sua
intervenção quer seja na clínica ou subsidiando casos na justiça.
É necessário que os profissionais entendam que a família, em alguns casos, tenta
fugir do atendimento, e que isto ocorre devido a diversos fatores, dentre eles as emoções que
envolvem a situação e a carga de ansiedade que pode ser gerada. Devido a esta situação
muitas vezes é necessário um apoio jurídico para que se possa manter o atendimento. É
fundamental este atendimento às vítimas, agressores e famílias para que seja possível
amenizar os sofrimentos ocasionados pela violência e dar uma base de acolhimento,
segurança e garantia dos direitos a todos os envolvidos (ARAÚJO, 2002; ROMERO, 2007).
Como caracterizam os autores Santana e Rios (2013), os psicólogos diante de uma
acusação grave como a do abuso sexual infantil necessitam fazer uma análise exaustiva do
caso, com todos os envolvidos, levando em conta que as consequências desta acusação podem
ser drásticas para todos os envolvidos, e utilizando-se de instrumentos e procedimentos
pertinentes para sua área.
O psicólogo em sua prática clínica precisa possuir um olhar amplo e diferenciado
que vise minimizar o sofrimento e a revitimização, que possa olhar além das demandas de
cada sujeito e que atinja o contexto social em que esta violência está inserida, sempre tendo
em mente proteger a vítima e em resguardar os seus direitos (CESCA, 2004; MARQUES;
TELES; FEIJÃO, 2013).
Sanderson (2008, p. 202) argumenta que “é fundamental que o profissional
contextualize a situação, conhecendo a criança, sua família e seu mundo social, assim como
sinais e sintomas observados na criança, a fim de evitar julgamentos precipitados da
ocorrência do abuso”, e o autor segue apontando o que pode advir de um olhar preconceituoso

062
e descontextualizado “uma vez que um diagnóstico errado ou prematuro pode causar trauma
desnecessário tanto na criança quanto na família” (SANDERSON, 2005, p. 202).
De fato, é complexa a identificação de um abuso sexual por sua subjetividade,
sendo que ao analisar não se pode isolar comportamentos ou emoções da possível vítima e
desta forma caracterizá-la como uma vítima de abuso sexual baseando-se em apenas uma
manifestação. O risco ao se fazer isto e causar um sofrimento ainda maior às famílias e aos
envolvidos é muito grande, visto que há casos de má interpretação de pais, professores ou
pessoas próximas que ao imaginarem que um suposto abuso possa estar acontecendo e não
verificar com cautela esta gama de sinais e comportamentos acaba causando uma histeria em
toda a família e uma culpabilização na vítima que não consegue entender ou visualizar se o
abuso de fato aconteceu ou não, reforçam os autores.
Devido o abuso sexual infantil ainda ser considerado um tabu e um fato delicado
de se debater, Romero (2007) adverte que é necessário que os profissionais psicólogos não
contribuam para a manutenção do complô do silêncio ao não notificarem os casos de suspeita
de abuso, utilizando como argumento o seu sigilo profissional. É obrigatória a notificação de
casos confirmados ou mesmo suspeitos de violência contra crianças e adolescentes, sendo
assim muito importante o conhecimento do mesmo e suas implicações para que os
profissionais possam combater a violência e prevenir ocorrências futuras.
Do mesmo modo Saliba et al. (2007) apontam que apesar do psicólogo possuir em
seu art. 9º do código profissional que deve guardar o sigilo de informações durante seu
exercício profissional, há também o art. 10 que delimita que a integridade, a liberdade e o
direito a vida devem prevalecer, sendo as situações conflitantes a isto resolvidas pela regra do
menor prejuízo. Quanto a isso podemos concluir que o profissional deve sempre levar em
conta o que cause menos dano à vitima ao passar informações relacionadas ao abuso a demais
profissionais.
Conforme afirma Gadelha e Menezes (2004), é importante o atendimento
psicoterápico com a criança, pois através dela o psicólogo estabelece um vínculo, passa a
avaliar suas habilidades verbais e como está o seu desenvolvimento cognitivo, físico e
psíquico. Além disso, a entrevista informa sobre as interações da criança com os familiares e
suas relações.
O tema abuso sexual infantil é delicado e devido a isto o profissional psicólogo
deve estar atento em sua condução pensando em visar melhorias para as vítimas, as famílias e

063
os acusados, deve procurar sempre a não vitimização, o respeito aos indivíduos, e a garantia
de seus direitos legais. Conforme apontado pelos autores já citados, conhecendo mais sobre o
tema, melhor será a atuação do profissional que venha a lidar com estes casos, e dependendo
de sua atuação muito poderá auxiliar as vítimas e os envolvidos neste processo, caso o
contrário poderá acabar prejudicando os envolvidos sem se dar conta da importância deste
conhecimento e da escuta nestes casos delicados.

2 MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa de campo de caráter qualitativo, pois “Pretende buscar a


informação diretamente com a população pesquisada. Nesse caso, o pesquisador precisa ir ao
espaço onde o fenômeno ocorre, ou ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem
documentadas [...]” (GONSALVES, 2001 apud PIANA, 2009, p. 169). Em relação aos seus
objetivos se trata de uma pesquisa exploratória que, conforme Gil (2002, p. 41), “[...] têm
como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais
explícito”. Tornando assim o tema sobre o abuso sexual mais visto, desmistificando seus
tabus, e apontando as dificuldades que o profissional psicólogo enfrenta ao trabalhar com este
tema.

2.1 PARTICIPANTES

A pesquisa foi aplicada com profissionais psicólogas clínicas infantis de Tubarão,


Santa Catarina, que trabalham ou já trabalharam com casos de abuso sexual. A amostra da
pesquisa foi de seis psicólogas, doravante identificados como entrevistada de 1 a 6. A
pesquisa caracterizou-se conforme Gil (2008) de uma amostragem por acessibilidade, sendo
esta uma amostra não probabilística. A forma de escolha das participantes se deu através do
tipo de amostra bola de neve, sendo que o critério de inclusão era ser psicóloga clínica infantil
e o critério de exclusão era não ter atendido nenhum caso de abuso sexual infantil.

2.2 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS

064
Por se tratar de uma pesquisa com seres humanos, a mesma foi encaminhada ao
Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, sendo submetida à análise e sendo aprovada sob nº
2.244.336. Após a aprovação do CEP entrou-se em contato com as psicólogas sobre a
pesquisa, foi relatada a importância de uma sala reservada para a entrevista, levando em
consideração o sigilo das informações, e comentado sobre o tema do trabalho, agendando
assim as datas para as entrevistas.
As entrevistas ocorreram no período de 05 a 21 de setembro e foram realizadas
nos consultórios das entrevistadas. No início da entrevista foi explicado o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e o Termo de Consentimento de Gravação de
Voz e coletada a assinatura da participante nos mesmos.
Para a coleta de dados foi utilizada uma entrevista semiestruturada elaborada pela
pesquisadora, sendo as respostas das entrevistadas gravadas com o aplicativo Gravador de
Voz Fácil.

3 O FENÔMENO DO FALSO ABUSO NO SETTING PSICOTERÁPICO


PSICOTERÁPICO:
RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para a análise de dados utilizou-se da análise de conteúdo. Laville e Dionne


(1999) pontuam que a análise de conteúdo é um estudo do conteúdo pesquisado em que se
busca o sentido e as intenções das palavras e frases, com o intuito de reconhecer o essencial e
descartar os acessórios, bem como comparar e avaliar os seus significados, sendo este o
procedimento que foi utilizado para a análise dos dados, visando extrair os significados do
conteúdo que as entrevistadas trouxeram sobre o fenômeno do abuso sexual infantil e do falso
abuso sexual.
As entrevistas foram realizadas com seis psicólogas clínicas infantis, todas atuam
na cidade de Tubarão – Santa Catarina, o tempo de atuação na clínica infantil varia de 8 a 21
anos. As abordagens psicológicas que utilizam na sua atuação são a análise transacional,
gestalt terapia, terapia cognitiva comportamental e psicanálise.
A partir da pesquisa de campo, com vistas a apresentar os resultados e promover
uma discussão acerca da temática, criou-se algumas categorias de análise denominadas:
condução psicoterápica com o tema ASI; dificuldades ao atender esta demanda; formas

065
utilizadas pelas pesquisadas para lidar com as dificuldades encontradas na atuação; o
fenômeno do falso abuso e da alienação parental; o psicólogo clínico infantil frente o ASI.
Em relação à primeira categoria condução psicoterápica com o tema ASI, sendo
este um assunto delicado até mesmo de se discutir com adultos, foi questionado às
entrevistadas como estas conduzem psicoterapicamente este fenômeno nos atendimentos com
as crianças, a entrevistada 4 relata

Eu sempre busco deixar a criança à vontade né para que relate, na maioria das vezes
o relato ele vem um relato que denota muito sofrimento então eu busco sempre
ouvir, não julgar; a criança muitas vezes vem com muita culpa achando que foi ela
que provocou que o que ela fez, ela o fez e ela fez errado, então eu sempre busco
conduzir no quesito assim de esclarecer e evidenciar para a criança que não né, que
houve digamos uma atuação de um adulto que realmente abusou, se aproveitou da
condição da criança, então eu conduzo dessa forma.

De acordo com o relato da pesquisada acima, percebe-se ser muito importante o


psicólogo dar esse suporte de esclarecer à criança que ela não tem culpa pelo que lhe
aconteceu e de que ela não fez nada de errado. Sanderson (2005) reforça a importância de que
a escuta do relato da criança seja sensível, cuidadosa e gentil, afirmando que esta escuta
auxiliará a criança em obter uma percepção mais acurada do abuso e, consequentemente, a
permitir se sentir livre do fardo da responsabilidade.
É evidenciado, por meio dos autores pesquisados e das entrevistadas, que
inúmeros são os sentimentos que perpassam a criança vítima do abuso sexual, tais como
medo, receio, culpa, muitos destes apenas reforçam os comportamentos de esquiva e da não
denúncia do abuso ocorrido. A entrevistada 3 aponta que na sua condução visa amenizar estes
sentimentos e sofrimentos da criança,

Então a gente sempre tenta trazer a criança pro atendimento e já verifica nos
primeiros atendimentos que ela tem essa necessidade de falar né, e é aonde é
trabalhado essa questão com ela, de amenizar o sofrimento, de ela colocar para fora,
o que pode ser feito, porque muitas vezes ela cria outras fantasias que o cara ou que
o abusador possa a vir fazer ou que possa fazer com a mãe, dependendo das
situações de ameaça a própria família, então tentar amenizar esse sofrimento [...].

Observa-se uma preocupação em comum nas conduções das entrevistadas, que é


a de amenizar o sofrimento da criança, de tirar o sentimento de culpa e de deixá-la à vontade
durante a sessão. A entrevistada 5 leva este sofrimento a um outro lado, apontando que “[...]
algumas vezes a criança não entende o que aconteceu, e não sofre por isso né, é muito

066
pequena, não sabe que foi um abuso. Então muitas vezes a criança não vem com esse
sofrimento, quem tá sofrendo é os pais [...]”, o ideal neste caso é que o psicólogo possa dar o
suporte para a família que está sofrendo com esta situação, que a oriente sobre as medidas
jurídicas que podem tomar, e também amenizar o sofrimento dos pais, apontar que não
necessariamente a situação de abuso foi culpa deles, e investigar com essa criança se houve
alguma sequela mínima do abuso sofrido, ou sentimentos que ela não conseguiu expressar aos
pais.
As crianças muitas vezes não conseguem expressar seus sentimentos de maneira
verbal, na psicoterapia infantil utiliza-se do lúdico (jogos, brincadeiras, desenhos, e outros
instrumentos) para caracterizar uma situação natural para a criança e para assim acessar seus
sentimentos. (GADELHA; MENEZES, 2004). A condução lúdica é uma forma de
atendimento às crianças, a entrevistada 1 relata que utilizou do lúdico como estratégia para
suas intervenções,

[...] eu tive que arrumar alguns materiais, tive que tentar assim ser muito natural
aqui, inventar algumas brincadeiras porque diretamente ela não falava, então a
minha estratégia assim foi entrar no mundo dela né, que é o que a gente tem que
fazer com o paciente, e então eu tentei entrar no mundo dela assim com algumas
brincadeiras pra poder extrair a informação [...].

Dando prosseguimento a pesquisa de campo, como segunda categoria questionou-


se acerca das dificuldades ao atender esta demanda. Vários pontos diferentes foram
apresentados. Destacamos as falas da entrevistada 2 “então assim o meu maior entrave é lidar
com a omissão e é lidar com as falsas verdades que a família cria em torno daquela situação
de abuso.”, e arremata:

[...] porque a família tem dificuldade de acreditar que aquele abuso de fato
aconteceu, mesmo que se tenha provas materiais, então a família acaba não
acreditando [...] o abusador é alguém muito próximo da família, ou um próprio
familiar assim, e então pra família é mais fácil tu negar aquele abuso do que entrar
em contato de fato com aquela situação ali que envolve um outro familiar [...].

A resposta apontada pela entrevistada acima traz um contexto bastante difícil de


ser administrado pelos profissionais que atuam com o tema, que são os segredos familiares. A
não denúncia do abuso sexual no ambiente familiar pode ser ocasionada por inúmeros fatores.
Há muitos casos em que a mãe, ou os pais podem vir a não acreditar na criança. Afirmam que

067
ela imaginou o abuso e devido a isto dizem não denunciar sem provas, algumas mães tendem
a não denunciar no sentido de uma negação, um conformismo, ou até mesmo por ser o pai
quem sustenta o lar, com medo assim de que o autor do abuso seja condenado e a família
fique sem o seu sustento (ROMERO, 2007; SANDERSON, 2005).
Ainda em relação às dificuldades ao atender essa demanda, a entrevistada 3 versa
sobre o emocional do psicólogo clínico diante destas situações:

[...] os desafios é o profissional saber separar, porque isso mexe muito com o
profissional [...] dependendo da violência que fez mexe muito com o meu estado
mulher além do profissional, então o desafio é saber sempre separar, deixar aqui e
não levar para casa, sempre ajudar esta família e essa criança.

A mesma dificuldade relacionada ao envolvimento emocional do psicólogo com


este delicado tema aparece na fala da entrevistada 1 “[...] é muito fácil de a gente ser
contaminada né, porque querendo ou não tu tem aquele cuidado, aquele zelo pela criança,
então se a gente não se cuidar a gente também se contamina muito fácil do que é e o do que
não é realmente uma informação, pra psicoterapia [...]”. Quanto a essas dificuldades Araújo
(2002) afirma que este fenômeno “É difícil para a criança e para a família, pois a denúncia do
segredo explicita a violência que ocorre dentro da própria família. É difícil também para os
profissionais, que muitas vezes não sabem como agir diante do problema” (ARAÚJO, 2002,
p. 6). A entrevistada 6 aponta que estes sentimentos despertados no caso que atendeu auxiliou
a aprender e entender mais sobre essas emoções despertas em si própria.

E também foi um grande ensinamento assim porque trabalhar com crianças e esse
vínculo que a gente forma é muito intenso, e a gente tem que saber até qual é o
limite de envolvimento e até que ponto tu pode realmente estar ajudando a criança,
saber o momento de se aproximar e de se afastar, é muito importante assim. Eu acho
que foi, tem sido, a grande lição desse caso foi a história do vínculo mesmo. E eu
não posso deixar de dizer que era uma história que me comovia assim.

Ribeiro e Costa (2007) reforçam o discurso da entrevistada e apontam que estes


sentimentos do profissional devem ser reconhecidos e colocados a favor do trabalho, não
devem ser tratados como elementos que paralisam o profissional frente a este fenômeno.
Necessário então se faz que o profissional busque maneiras de lidar com esses sentimentos
que surgem ao se trabalhar com esses casos.

068
Tendo ciência de que dificuldades entorno deste fenômeno são corriqueiras no
setting psicoterápico, a terceira categoria versou sobre as formas utilizadas pelas
pesquisadas para lidar com as dificuldades encontradas na atuação. A entrevistada 2
afirma que busca chamar a família para alguns atendimentos “trabalhar essa família também
assim, conscientizar a família da importância de eles colaborarem com aquele atendimento,
não necessariamente para se punir o agressor, mas para diminuir o dano daquela vítima [...]”.
De acordo com Araujo (2002) e Sanderson (2008), crianças que vivem em ambientes onde se
percebem desacreditadas tendem a desenvolver comportamento de esquiva, negam sua dor
por se sentirem confusas. Isso evidencia a importância da família se conscientizar do quanto
sua participação no atendimento psicoterápico gera resultados positivos à superação do
trauma da criança.
Tanto autores pesquisados quanto entrevistadas, defendem que é muito
importante que a família compreenda e acredite na criança, possibilitando assim que a mesma
supere os traumas vivenciados com o apoio dos familiares. Importante também se faz o que a
entrevistada 1 relata “[...] eu fiz alguns atendimentos com a mãe que dai eu fiz alguns
questionamentos assim né, para ver se batia com o que eu pensava, do que eu suspeitava, do
que eu li.”.. É importante este atendimento aos familiares para que se possa sanar dúvidas em
relação a violência sofrida, e entender mais sobre o funcionamento desta família.
A entrevistada 6 relata que usou da supervisão como forma de auxílio
a no
enfrentamento das dificuldades que encontrou ao atender o caso de ASI “[...] a supervisão
principalmente, pra lidar com a forma de esclarecer para a criança até onde eu podia ajudar, e
para esclarecimento sobre sexualidade pra pessoas religiosas [a pesquisada estava se referindo
à orientações dadas aos profissionais da casa lar religiosa em que a criança estava], foi
fundamental nessa época.”. A supervisão de casos citada pela pesquisada, refere-se ao
procedimento do psicólogo que está atendendo crianças vítimas de abuso buscar um
profissional mais gabaritado no tema com vistas à ampliação do conhecimento e suporte no
atendimento oferecido à criança, possibilitando ao psicólogo que está atendendo esta demanda
pela primeira vez, se sentir mais seguro e agir de maneira mais adequada em sua condução
psicoterápica.
O profissional da psicologia em sua atuação com crianças com queixas de abuso
sexual precisa estar atento a todo o contexto envolvendo a demanda. A quarta categoria leva
em consideração o fato de atualmente existir um aumento de casos que envolvam o falso

069
abuso sexual infantil e a alienação parental, questionou-se as entrevistadas sobre este
fenômeno na sua atuação clínica. De maneira geral, todas as entrevistadas relataram que já
ouviram falar em falso abuso sexual e na alienação parental, como traz a entrevistada 1

Já ouvi falar em falso abuso e acredito que isso aconteça sim [...], mas assim acho
que essas falsas memórias são bem comuns também, mistura, como a criança
também pela idade dela ela mistura o que ela quer o que ela não quer, as vezes
sonhos as vezes o que as outras pessoas falam do pai e da mãe, então assim, a
criança ela nem sempre consegue ter essa clareza, pra ela é mais difícil. Acho que é
bem comum aparecer estas falsas memórias.

Sobre esta mistura de memórias, o autor Benia (2015) aponta que “A


contaminação da memória pode ocorrer de várias maneiras, seja através de elementos
inseridos nas próprias perguntas feitas à criança, seja nas expressões e comportamentos dos
adultos.”
.” (p. 30).
O mesmo na fala da entrevistada 2 “Já ouvi falar do falso abuso sim, não só em
um sentido assim, crianças não tão ingênuas que criam abusos fantasiosos por alguns motivos
né.”. Não se pode desconsiderar que dificilmente uma criança inventaria situações e cenas dde
abuso se não tivesse experienciado ou ouvido falar sobre o tema, é o que defende a autora
Amendola (2009) ao afirmar que geralmente nestas declarações falsas de abuso a criança
considera o que lhe foi imposto por um adulto ou um dos pais/cuidadores como a sua verdade,
sendo assim a mesma foi inserida neste tema.
As psicólogas entrevistadas trazem que o falso abuso está atrelado as memórias
falsas que podem ter sido implantadas por alguém, visto assim, mistura-se falso abuso e
alienação parental em suas falas, conforme a entrevistada 2

[...] e tem as situações também de memória implantada que eu acho que ta mais ou
menos nessa linha [...] que são por conveniência os adultos acabam convencendo as
crianças, tentando convencer as crianças de que elas foram vítimas e eles trazem as
crianças como se elas fossem vítimas assim, isso é bem comum nos casos de
divórcios litigiosos e disputa de guarda, é comum em historinhas da mãe que
gostaria que o pai ficasse com ela e com a filha e o pai não ficou e daí para afetar de
alguma forma ela cria.

Este relato vai ao encontro dos estudos que afirmam que estes casos de alienação
parental são evidenciados principalmente quando há disputas de guarda judicial, sendo assim
o filho mais uma arma contra o parceiro, mais um objeto de manipulação para prejudicar o
outro. Assumpção (2011) referenda o tema ao defender que “O filho é convencido da

070
existência de um fato e levado a repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente
acontecido. Nem sempre a criança consegue discernir que está sendo manipulada e acaba
acreditando naquilo que lhe foi dito de forma insistente e repetida.” (p. 2).
Amendola (2009) aponta que identificar um abuso sexual como falso ou alienação
parental, é algo complexo e difícil, e que o profissional deve estar atento aos demais sintomas
emocionais que a criança apresenta. Deve-se relacionar com os contextos e principalmente
conhecer a criança e a dinâmica familiar, para que não se precipite em uma conclusão de que
o abuso ocorreu, ou esteja ocorrendo. Na prática esta dificuldade aparece nas seguintes falas
da entrevistada 1

Essas falsas memórias, é isso o que eu digo assim, confunde sabe, nem sempre é
fácil tu extrair o que é verdadeiro e o que é memória falsa, como tem essa questão da
alienação muito forte e às vezes as pessoas acabam induzindo, ‘ah fala isso, ah como
que foi, ah imita’, [...] e eu fiquei muito em dúvida às vezes né, do quê que
realmente era dela e do que era falso, o quê que era assim [...] induzido já um pouco
forçado.

As questões envolvendo o tema são diversas. As entrevistadas foram bastante


contundentes ao afirmarem a necessidade de não julgamento, muito conhecimento e cuidado
na análise. A entrevistada 2 relata que “É difícil para o terapeuta lidar com isso algumas vezes
porque tem que ter um pouco de conhecimento assim pra se dar conta de que isso de fato está
acontecendo [...].” . A importância de se atentar quanto ao abuso ser falso ou de a criança
estar sofrendo alienação parental aparece na fala da entrevistada 3

[...] nós estamos aqui para de repente tentar amenizar a criança no sofrimento que
ela tem, por exemplo no caso do falso abuso né, tentar junto com a criança reverter
isso, por que que a mãe fez, porque provavelmente ela vai dar algum motivo ali de
conflito com a mãe logo, algum sentimento de ansiedade [...].

Para Romero (2007) e outros autores, o psicólogo mostra-se como um importante


aliado da criança vitima do abuso, ou da criança vitima de uma alienação parental, na sua
reestruturação do psíquico e das suas emoções. Na quinta categoria as entrevistadas relataram
que o psicólogo frente ao ASI tem relevante importância em diversos fatores relacionados a
esse fenômeno, como ilustra a entrevistada 2

O psicólogo clínico ele vai reparar o dano, ele vai ajudar aquela criança a superar
aquele trauma que ela teve, que ela vivenciou pra que ela leve o mínimo possível pra

071
vida assim, eu falo o mínimo possível porque sempre vai levar alguma coisa,
impossível uma criança ou adolescente vítima de abuso, vítima de violência não
levar consigo isso influenciando pra sua vida assim, mas o papel do psicólogo
clínico é esse.

Percebe-se no discurso das entrevistadas que estas reconhecem seus papeis


diante da profissão que elegeram e quanto podem fazer a diferença entre um resultado
adequado e satisfatório no contexto das crianças envolvidas e um trágico problema familiar e
social. A psicóloga 1 fala um pouco sobre a importância social do psicólogo frente a este
fenômeno delicado, e também sobre a orientação da família que está neste contexto,

Então assim a gente tem o papel também de orientar, de instruir, de orientar as


famílias, a gente tem um papel social além deste papel individual dos casos clínicos,
acho que a gente tem um papel social de orientação de prevenção, de cuidados, de
mostrar o quanto isso é comum infelizmente e o quanto isso prejudica, pode estar
prejudicando o desenvolvimento infantil.

Sanderson (2005) aborda a importância de o psicólogo não ser preconceituoso em


relação ao tema. Ser profissional consciente de sua tarefa, o que vai ao encontro do que foi
defendido pela pesquisada acima ao defender a orientação, instrução de todos os envolvidos.
A entrevistada 3 traz a importância sobre este apoio do psicólogo neste fenômeno
em todas as áreas de atuação, “Então pra mim independente de onde o psicólogo esteja ele vai
tentar ajudar essa criança a superar esta problemática que ela está enfrentando. Acho que o
psicólogo em todas as áreas é fundamental.”, a entrevistada 4 aponta algo importante na
atuação:

[...] e eu acredito que muito mais do que identificar de uma forma fidedigna, a gente
após de isso ter ocorrido já que a gente não consegue evitar na maioria dos casos,
quando o caso chega já aconteceu, a gente tem que ter embasamento, instrumento
pra ajudar a criança a lidar com aquilo na vida adulta.

A necessidade de embasamento apontada pela entrevistada acima é referendada


pelos autores Amendola (2009), Brockhausen (2011) e Cesca (2004). O abuso sexual infantil
é um assunto delicado, mas que precisa ser discutido, desmistificado, debatido e orientado. É
abordando este fenômeno que se cria estratégias para sua prevenção, possibilitando assim que
os pais fiquem mais atentos aos sinais e sintomas apresentados por seus filhos, e aos
profissionais que busquem estudos sobre o tema, para que possam estar por dentro desta

072
imensidão de sentimentos, emoções, comportamentos, dinâmicas e contextos que envolvem
este fenômeno e todos os envolvidos, principalmente as crianças – foco deste artigo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os atendimentos psicológicos a crianças vítimas ou supostas vítimas de abuso


sexual tem como objetivos auxiliá-las a superar os traumas vivenciados; possibilitar uma
escuta cuidadosa e sem julgamentos; pensar em medidas de proteção para que a violência não
mais aconteça; orientar os pais/cuidadores sobre as medidas a serem tomadas após o abuso ter
ocorrido, dentre outros objetivos. Todas estas ações do psicólogo visam preservar e melhorar
a saúde psicóloga e física da criança, possibilitando suporte à família.
Através da pesquisa foi evidenciado que as psicólogas entrevistadas cogitam a
possibilidade do relato de abuso sexual infantil ser falso, criam hipóteses ao atender os casos e
no decorrer do atendimento, suas hipóteses são confirmadas ou refutadas. De acordo com as
pesquisadas, há uma preocupação em relação ao fenômeno do falso abuso, da alienação
parental e da implantação de memórias em suas conduções psicoterápicas, tendo sempre
presente que o foco do trabalho visa minimizar o sofrimento da criança inserida nesta
situação.
Observou-se também que a importância do psicólogo clínico infantil em casos de
abuso sexual infantil vai além de oferecer suporte psicoterápico para as vítimas e famílias, e
sim atentar-se aos possíveis falsos abusos, principalmente quando houver alienação parental
envolvido no contexto apresentado, possibilitando assim o bem estar psíquico infantil e de
todos os envolvidos.
Os objetivos da pesquisa foram devidamente alcançados por meio das categorias
de análise criadas: condução psicoterápica com o tema ASI; dificuldades ao atender esta
demanda; formas utilizadas pelas pesquisadas para lidar com as dificuldades encontradas na
atuação; o fenômeno do falso abuso e da alienação parental; o psicólogo clínico infantil frente
o ASI.
Segundo as pesquisadas, a condução psicoterápica com o tema ASI se dá de forma
livre para a criança, utiliza-se das brincadeiras e estratégias lúdicas para que se possa acessar
o seu mundo, seus sentimentos, emoções e para investigar como está seu funcionamento

073
psíquico. Aparecem algumas dificuldades ao atender a demanda como o engajamento da
família, os sentimentos despertados no psicólogo frente à temática delicada, a aceitação dos
pais de o abuso ter acontecido, dentre outros.
Como formas de manejar as dificuldades encontradas na prática ao atender os
casos com esta demanda, as psicólogas entrevistadas trazem os pais/cuidadores para os
atendimentos, e realizam supervisão de casos. Há de se pensar em estratégias como engajar-se
na rede de profissionais para medidas protetivas a criança e família, realizando assim os
encaminhamentos necessários.
O fenômeno do falso abuso e da alienação parental aparecem como sinônimos
nos discursos das pesquisadas, é importante poder/saber diferenciar, sendo que o primeiro
refere-se a quando não ocorreu abuso e a criança é levada a mentir ao dizer que houve, e no
segundo há a manipulação de um dos pais, ou até mesmo dos dois lados. A alienação parental
aparece normalmente ligada a casos litigiosos. Há comumente também na alienação parental a
implantação de falsas memórias; é válido frisar que mesmo não havendo esta diferenciação na
fala das entrevistadas, foi evidenciado que este fenômeno tem sua devida importância na
condução psicoterápica das mesmas, bem como evidenciou-se facilmente que as psicólogas
ficam atentas se os relatos são verdadeiros ou não, assim possibilitando uma melhor escuta
das crianças atendidas.
Sugerem-se novas pesquisas em relação à temática do falso abuso no contexto de
atendimento clínico psicológico para um aumento de discussões sobre o assunto, bem como
maiores investimentos para a capacitação dos psicólogos como a criação de cursos e palestras
na área sobre o abuso sexual infantil e o falso abuso, visando a um entendimento mais
apurado dos profissionais sobre este importante fenômeno.

074
Abuso sexual infantil, trauma e depressão na vida adulta:
um estudo de caso

Resumo
Este trabalho tem como objetivo verificar e analisar a associação entre os acontecimentos traumáticos na infância —
em especial o abuso sexual — e o transtorno depressivo. Fundamenta-se principalmente nos pressupostos
psicanalíticos de Winnicott, Ferenczi e Masud Khan. Trata-se de um estudo de caso de uma mulher de sessenta e
dois anos que apresentava, no processo psicoterápico, acentuado quadro depressivo e severos sentimentos
inconscientes de culpa. As reflexões clínicas derivadas dos questionamentos teórico-práticos trazidos pelo
atendimento da paciente e a melhora de sua sintomatologia com a psicoterapia motivaram a elaboração deste artigo.
Os resultados indicam que os múltiplos e crônicos traumas intrafamiliares ocorridos na infância foram fatores
importantes para o quadro de depressão da paciente, levando a crer que o trauma decorrente do abuso sexual pode
ser decisivo para a futura eclosão dessa patologia.

075
Este trabalho consiste em um estudo teórico-clínico sobre a depressão na

perspectiva winnicottiana e sua relação com os traumas intrafamiliares vividos na infância.

Fundamenta-se nas elaborações de D.W. Winnicott sobre o estágio do concernimento, base

para o estudo da depressão em suas diferentes formas de manifestação, e visa identificar

aspectos do cuidado parental na infância associados à doença depressiva. Em razão das

contribuições teóricas sobre a natureza e a psicodinâmica do trauma, também recorremos

aos trabalhos de Sándor Ferenczi e Masud Khan, autores que se mostraram valiosos para a

melhor compreensão do caso clínico estudado. Por fim, revisitamos brevemente as

elaborações freudianas sobre o trauma, o que enriqueceu o diálogo com os psicanalistas

acima mencionados.

No atendimento a uma senhora, as constantes queixas relacionadas às situações de

abuso sofridas na infância, à difícil relação com sua mãe e ao seu permanente humor

depressivo fizeram pensar sobre possíveis associações entre esses fenômenos e levaram à

necessidade de aprofundar os estudos sobre a depressão, além de buscar literatura sobre o

trauma. A partir disso, fundamentados na teoria winnicottiana do amadurecimento pessoal,

formulamos a seguinte questão-tema: é possível relacionar as experiências traumáticas

infantis — em especial o abuso sexual — com a depressão da paciente em foco?

epidemiológica, provoca
O abuso sexual infantil apresenta uma elevada incidência epidemiológic

considerado um
severos comprometimentos ligados ao desenvolvimento das vítimas e é considerad

problema de saúde pública (Habigzang, Koller, Azevedo, & Machado, 2005; Oliveira et al.,

2014). A literatura especializada tem mostrado que as consequências da violência sexual são

variadas e numerosas, incluindo efeitos no campo físico e psicológico, tanto a curto quanto

a longo prazo (Cantón-Cortés & Cortés, 2015; Florentino, 2015; Serafim, Saffi, Achá, &

Barros, 2011; WHO, 2003). Dentre as sequelas, a depressão e o sentimento de culpa têm

sido extensivamente referidos (Cantón-Cortés & Cortés, 2015; Florentino, 2015; Habigzang

et al., 2005; Sant’Anna & Baima, 2008; Serafim et al., 2011; WHO, 2003). Para Habigzang,

Koller, Azevedo e Machado (2005), a maioria dos abusos sexuais contra crianças ocorre

dentro de casa e são perpetrados por pessoas próximas, que desempenham papel de

cuidadoras.

076
A depressão, por sua vez, representa um grande e crescente problema para a saúde

pública. Estima-se que seja a principal causa de incapacidade mental no mundo, e está

previsto que se torne a segunda causa de incapacidade para a saúde até 2020 (Blas, Kurup,

& WHO, 2010). No Brasil, a proporção desse transtorno é de 5,8% da população, país com

maior prevalência na América Latina e o segundo das Américas (WHO, 2017). A literatura

especializada coloca a depressão como um transtorno de natureza multifatorial

(Dalgalarrondo, 2008; Feitosa, 2014; Louzã Neto & Elkis, 2007), sendo os traumas infantis

um dos possíveis fatores associados a essa entidade nosológica (Carr, Martins, Stingel,

Lemgruber, & Juruena, 2013; Figueiredo, 2012; Figueiredo, Dell'aglio, Silva, Souza, &

Argimon, 2013; Martins, 2012; Negele, Kaufhold, Kallenbach, & Leuzinger-Bohleber, 2015).

Para De Bellis e Zisk (2014), os traumas infantis, particularmente aqueles que são

interpessoais, intencionais e crônicos, estão associados a maiores taxas de transtorno ou

sintomas de estresse
stresse pós-traumático, depressão, ansiedade, comportamentos antissociais e

maior risco de transtornos do uso de álcool e substâncias. Além das sequelas mencionadas,

a traumatização múltipla ou repetida (cumulative traumata) na infância tem outras graves

consequências
onsequências e afeta vários domínios do desenvolvimento, resultando em sintomas e

distúrbios complexos também na idade adulta (Steck & Steck, 2016). Corroborando os

achados mencionados, Negele, Kaufhold, Kallenbach e Leuzinger-Bohleber (2015


(2015) concluem

que múltiplos traumas na infância podem estar especificamente relacionados a cursos

crônicos de depressão. Os traumas infantis frequentemente citados na literatura

especializada são: negligência física, negligência emocional, abuso sexual, abuso físico e

abuso emocional (Carr et al., 2013; Figueiredo, 2012; Figueiredo et al. , 2013; Martins,

2012).

Apesar da crescente produção de estudos dentro da temática da violência sexual,

ainda são poucos os avanços consistentes, principalmente na realidade brasileira (Serafim et

al., 2011). Paralelamente, embora os trabalhos descritivos da população afetada tenham se

multiplicado, ainda há pouca literatura sobre as diretrizes psicoterapêuticas recomendadas e

as dificuldades intrínsecas no trabalho de reabilitação das vítimas (Numhauser & Soto,

2006). Além disso, os estudos demonstram que existe a necessidade de capacitar os

profissionais da saúde em geral para o reconhecimento e manejo de situações traumáticas

077
(Figueiredo, 2012) e, especificamente, dos sintomas psíquicos relacionados ao abuso sexual

(Sant’Anna & Baima, 2008). Em relação à depressão, ainda existem importantes questões

não resolvidas sobre a sua natureza, classificação e etiologia (Beck & Alford, 2011), e novos

estudos devem ser realizados para aumentar o conhecimento da relação entre vivências

traumáticas precoces e transtornos de humor (Konradt et al., 2013).

Assim, sendo matéria de tamanha relevância no âmbito científico, clínico e da saúde,

justifica-se que o conhecimento acadêmico busque abordar as questões relativas à

depressão, à violência sexual e a outros traumas na infância. Consideramos que avançar

cientificamente na discussão desses temas, ampliando a compreensão das questões relativas

aos traumas e à depressão, contribuirá para a elucidação, aos profissionais de saúde, sobre

a forma como os fenômenos descritos se relacionam e como a depressão é motivada,

gerando conhecimento em saúde e, consequentemente, novas possibilidades de intervenção

no trabalho de reabilitação com as vítimas. O deprimir-se pode ser considerado enquanto

saúde ou patologia. Conhecer os diferentes tipos de depressão, do ponto de vista

winnicottiano, é importante por razão de orientar o psicanalista na escolha do manejo clínico

necessário (Moraes, 2014), perspectiva fundamental para a pratica clínica e para o cuidado à

saúde.

Método e o caso
o clínico

Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, que adotou como estratégia de

pesquisa o Estudo de Caso, método preferencial em comparação aos outros quando se

colocam questões do tipo "como?" ou "por que?", quando o pesquisador tem pouco ou

nenhum controle sobre eventos comportamentais e quando o foco de estudo recai sobre

fenômenos contemporâneos (Yin, 2015).

Apesar de destacar que a realização de um estudo de caso não é o único meio de

investigação psicanalítica, Silva e Macedo (2016) reconhecem o “inegável valor e

importância” (p. 524) do estudo de caso clínico para a construção de conhecimento em

Psicanálise. Nessa linha, para Yin (2015), o caso único pode representar uma contribuição

significativa para a formação do conhecimento e para a construção da teoria. Silva (2013)

078
reflexiona que, enquanto estudo de caso, a pesquisa psicanalítica “é construída para ser lida

e discutida, a fim de que sua presença no meio acadêmico possibilite a abertura de novas

janelas do saber humano interessado em debater os aspectos pesquisados” (p. 43). Além

disso, a metodologia da construção de caso possibilita, de acordo com Silva (2013), “que as

produções psicanalíticas não se restrinjam aos consultórios, contribuindo com as formações

oferecidas nos espaços acadêmicos” (p. 44).

Ao abordar o tema da pesquisa em psicanálise, Naffah Neto e Cintra (2019)

comentam que há dois sentidos diferentes que o termo pesquisa assume no trabalho

psicanalítico: a pesquisa-escuta e a pesquisa-investigação. A pesquisa-escuta é a “pesquisa

clínica por excelência” (Naffah Neto & Cintra, 2019, p. 24), na qual a atenção flutuante, por

parte do analista, e as associações livres, por parte do analisando, contribuem para a

produção
o de sentido. Já a pesquisa-investigação, ou pesquisa teórico metodológica, é a

responsável “pelo crescimento e aperfeiçoamento da disciplina psicanalítica, que

complementa e dá suporte à pesquisa clínica, recebendo dela, ao mesmo tempo, o estímulo

para o seu trabalho construtivo” (Naffah Neto & Cintra, 2019, p. 24). São duas formas de

pesquisa que se complementam, se alternam e se contradizem em uma dialética que nunca

se esgota. Seguindo tal entendimento, este trabalho utilizou as perspectivas da pesquisa


pesquisa-

investigação (ou teórico metodológica), que tornou possível aprofundar a compreensão

sobre os fenômenos em tela; e também utilizou a pesquisa-escuta, visando dar suporte e

fundamentação à pesquisa
pesquisa-investigativa,
investigativa, iluminando o caso analisado.

De acordo com Tosta (2019), em um caso clínico geralmente se constrói uma

narrativa da história pessoal e familiar, tomada a partir da relação pesquisador-pesquisado.

Para a construção dessa narrativa, o recorte do presente estudo abrangeu os dois primeiros

anos do tratamento psicológico de uma senhora, aqui denominada Rebeca (nome fictício), o

qual ocorreu com frequência quinzenal, totalizando 41 sessões de 50 minutos cada. O

conteúdo das sessões foi registrado ao término do atendimento, constituindo um diário das

sessões de psicoterapia. Esse material foi posteriormente analisado tomando como base o

referencial teórico psicanalítico que embasou este estudo. Durante esse período de dois

anos, o caso foi tratado e analisado apenas em supervisão clínica.

079
Em 2015, Rebeca, de sessenta e dois anos, procurou atendimento psicológico

relatando possuir intensos sintomas depressivos e o diagnóstico médico de “Depressão

Profunda” (sic). Rebeca também tinha “compulsão pelo banho” (sic), segundo ela causada

pelo fato de se sentir “suja” (sic). Os sentimentos de inutilidade e desesperança eram

recorrentes em sua vida, assim como os pensamentos suicidas e autodestrutivos. Tinha

constantes pesadelos de cunho sexual e de ser perseguida por diferentes homens.

No início do processo de psicoterapia, ainda nos primeiros seis meses, a sensação de

sentir-se “suja” era frequentemente associada às experiências de abuso sofridas durante a

infância, quando tinha por volta de oito ou nove anos, sendo o perpetrador o seu próprio pai

— dizia: “(o se sentir suja) tem a ver com quando o meu pai me procurava para apalpar o

meu corpo” (sic). As sessões iniciais do tratamento foram substancialmente dedicadas para o

tema do abuso sexual e suas implicações em sua vida adulta. Rebeca se sentia

profundamente responsável por ter feito coisas que puderam, de alguma forma, ter

motivado o comportamento de abuso por parte de seu pai, e se condenava por não ter feito

nada para evitá-lo.


-lo.

Passada a etapa inicial do processo de psicoterapia, outras questões se revelaram

igualmente significativas: revelou, com culpa e repugnância, ter presenciado o intercurso

sexual dos seus pais quando tinha apenas cinco anos; além disso, verbalizava que durante

toda sua infância era constantemente criticada, ameaçada e castigada pela su


sua mãe, uma

mulher que era tida como pouco afetuosa, rígida e ausente quanto aos cuidados emocionais

e físicos de sua filha. Tratava-se de uma mãe que nunca esteve devidamente disponível para

receber os possíveis gestos de carinho de Rebeca, e a quem nunca era possível satisfazer.

No atendimento, Rebeca questionava (quanto ao tema do abuso sexual): “será que ela (mãe)

não sabia o que estava acontecendo comigo? Não é possível [...]” (sic). Para agravar o

quadro, relembra outro acontecimento relevante de sua infância: sobre ter sofrido prejuízos

adicionais quando precisou dividir o cuidado materno após o nascimento de sua irmã, que

“era loirinha, clarinha e dos cabelos cacheados” (sic).

Ao longo do processo terapêutico, as associações referentes ao “sentir-se suja”

foram se desvinculando das situações de abuso sexual e se vinculando à difícil relação com a

mãe. A paciente passou a considerar a possibilidade de que os seus sintomas obsessivo-

080
compulsivos tivessem mais a ver com a falta de um cuidado íntimo e pessoal por parte de

sua mãe e a decorrente raiva que sentia de sua progenitora, sentimento que muitas vezes

parecia superar o amor. E algo mais saltava aos olhos do terapeuta, despertando o seu

interesse por um aprofundamento clínico e teórico sobre o tema: apesar das inúmeras

agressões sofridas por parte dos pais, Rebeca não demonstrava qualquer tipo de sentimento

mais hostil dirigido a eles. Parecia não sentir raiva alguma. Após o primeiro ano de análise,

quando passou a reconhecer o ódio que sentia em relação aos pais, disse: “é como se eu não

amei, então talvez eu não deva ser amada [...]” (sic). Em outra oportunidade, comentou: “[...]

eu não me permito sentir raiva da minha mãe. Às vezes minha irmã quer falar mal dela, falar

coisas sobre ela, mas não permito, sinto que estou traindo ela” (sic). Afirmações como essas

revelavam problemas em relação à capacidade para a ambivalência, a qual não foi

anteriormente alcançada ou foi perdida, característica que — à luz da teoria winnicottiana

das depressões — configurava uma depressão do tipo melancólica. A debilidade na

capacidade para direcionar amor e ódio para uma mesma pessoa foi tema frequentemente

emergente na relação terapeuta-paciente, sendo a conquista dessa capacidade um

importante objetivo traçado para a psicoterapia de Rebeca.

Aportes teóricos
s

Em Winnicott, a chave para a compreensão das depressões e do sentimento de culpa

é encontrada na fase do amadurecimento denominada de estágio do

concernimento ou posição depressiva (Moraes, 2014; Winnicott, 1958/1983, 1990,

1954/1993), um estágio normal do desenvolvimento emocional. É uma conquista que

permite que o bebê seja capaz de ter sentimento de culpa, possibilitando-o se envolver nos

relacionamentos e se preocupar com os outros em razão de seus componentes instintivos

ou excitados (Winnicott, 1990).

A “capacidade para deprimir-se” é uma aquisição do crescimento individual que pode

conduzir à maturidade pessoal e “é evidência de crescimento e saúde no desenvolvimento

emocional do indivíduo” (Winnicott, 1958/2011a, p. 87). É uma capacidade que está

relacionada à força do ego, ao estabelecimento do self e à descoberta de uma identidade

081
pessoal (Winnicott, 1963/2011b), perspectivas relacionadas à saúde. É anterior ao complexo

de Édipo, e seu desenvolvimento se liga especialmente ao período da relação dual

(Winnicott, 1963/2012). O estágio do concernimento está inserido no período da

dependência relativa, iniciando-se depois que a criança adquire o “status de unidade”,

quando está apta para distinguir o mundo interno do mundo externo. No estágio de

dependência absoluta, o bebê ainda não apresenta qualquer preocupação quanto aos

resultados do amor pulsional, sendo apenas posteriormente, no estágio do concernimento,

que os instintos finalmente podem passar a ser considerados intenções pessoais (Winnicott,

1954/1993).

Durante esse estágio, o bebê necessita de tempo e de um “ambiente pessoal

contínuo” (Winnicott, 1990, p. 89) para que possa elaborar as consequências das

experiências pulsionais e integrar, no seu interior, a existência da mãe-ambiente e da mãe-


mãe

objeto, e “é exatamente aqui que enormes dificuldades podem surgir” (Winnicott,

1954/1993, p. 443). É insustentável para o bebê a aceitação de que a mãe das fases

tranquilas (mãe-ambiente)
-ambiente) é a mesma mãe que é duramente atacada nas fases excitadas

(mãe-objeto),
objeto), sendo ele incapaz de suportar o peso da culpa e do medo resultantes desse

reconhecimento (Winnicott, 1990). Porém, a aceitação e a integração entre esses dois

aspectos da mãe podem ser feitas através de um ambiente suficientemente bom, o qual é

representado pela mãe que sobrevive e sustenta a situação no tempo. É a presença contínua

da mãe que possibilitará que o amor e ódio coexistentes no bebê sejam separados, inter
inter-

relacionados e gradualmente controlados de dentro, de uma forma saudável (Winnicott,

1954/1993).

De acordo com Winnicott (1954/1993), para que a conquista do concernimento seja

alcançada, é preciso que seja confirmada ao longo do tempo até que se estabeleça o círculo

benigno e o reforço diário dessa operação. Com o transcorrer do círculo benigno, a criança

passa a tolerar a preocupação e a culpa decorrentes dos vários efeitos destrutivos e

“machucados” feitos ao corpo da mãe, pois começa a reconhecer, com o tempo, que algo

pode ser feito à mãe. Algo que acredita ter machucado, subtraído ou destruído, pode ser

reparado, reconstruído. São as experiências de reparação e de restituição que possibilitam o

ser humano suportar a destrutividade que está na base do amor instintivo. Na saúde, o

082
indivíduo torna-se “capaz de um reconhecimento quase pleno dos fatores agressivos e

destrutivos presentes no amor instintivo e das fantasias inerentes a eles” (Winnicott, 1990,

p. 92).

Também no estágio do concernimento ocorre a diferenciação gradual entre fatos e

fantasias, ou melhor, a base do “reconhecimento de idéias, fantasias, elaboração imaginativa

da função, a aceitação das idéias e da fantasia relacionada ao fato, mas que não deve ser

confundido com ele” (Winnicott, 1954/1993, p. 444). Especialmente sobre fatos e fantasias,

Winnicott (1990) discorre que nos sonhos das garotas não podem ser evitadas, entre outras:

(a) a ideia da morte da mãe; (b) a ideia de estar roubando da mãe o seu marido, seu pênis e;

(c) a ideia de ver-se à mercê da sexualidade do pai. Diz, com efeito, que em situações

familiares adequadas, a solução para essas ideias, e para as angustias delas decorrentes,

vêm da possibilidade de distinguir entre o que é chamado de realidade e fantasia, sendo a

cena primária (os pais sexualmente juntos) a base de estabilidade do indivíduo.

De acordo com Winnicott (1963/2011b), o humor depressivo e sua resolução é uma

questão da reorganização interna dos elementos bons e maus, isto é, da reavaliação interna

das novas experiências e ideias destrutivas que acompanham o amor. A depressão

representa o tempo e a condição necessária para que o mundo interno seja resignificado e

seus elementos reorganizados (Winnicott, 1963/2011b), sendo por isso que Winnicott

(1954/1993) compreende esse estado clínico como um mecanismo curativo.

Sinteticamente, nos achados winnicottianos, a depressão pode ser compreendida

enquanto (a) sinal de amadurecimento e de um desenvolvimento normal, relacionada a uma

capacidade e indicativa de saúde, e (b) como uma patologia relacionada à interrupção do

desenvolvimento emocional (Abram, 2000; Amaral, 2006; Vidal & Lowenkron, 2008). Para

Moraes (2014) dois são os principais tipos de depressão em Winnicott, a saber: (1) a reativa,

que pode ser simples e patológica e; (2) a psicótica. Em relação às psicóticas, estamos

naquilo que Winnicott denomina de “impurezas do humor deprimido”. Sete situações

estariam sob o domínio das depressões com impurezas: (1) os fracassos de organização do

ego; (2) depressão com delírios persecutórios; (3) hipocondria e doenças somáticas;

(4) defesa maníaca/hipomania; (5) oscilação maníaco-depressiva; (6) exageros das fronteiras

do ego e; (7) melancolia e mau humor (Winnicott, 1963/2011b).

083
A depressão é marcada por impurezas quando não há integração da experiência

agressiva na etapa de dependência relativa, ou melhor, a dificuldade de o sujeito em se

preocupar com o outro (visível nas depressões impuras) teria, em sua gênese, defesas

ligadas ao controle do ódio, associado à agressividade não integrada (Vidal & Lowenkron,

2008). Paralelamente, consoante Moraes (2014), as falhas nas depressões psicóticas

estariam relacionadas à estruturação da personalidade ou ao desfazimento da integração

pela quebra do círculo benigno. Assim, é a força do ego e a maturidade pessoal do indivíduo

que se relacionam intimamente ao estudo das diferentes formas de manifestação e à “pureza

do humor depressivo” (Moraes, 2014; Winnicott, 1963/2011b, p. 67). O estudo e o

diagnóstico da depressão devem ser feitos com base nessa perspectiva.

Particularmente
rmente sobre a melancolia, o que se observa no paciente é um insuportável

estado clínico marcado pelo humor “anti-social e destrutivo, ainda que o ódio do paciente

não esteja presente” (Winnicott, 1963/2011b, p. 67). Conforme Winnicott (1958/1983), a

melancolia
colia é uma forma organizada de depressão onde o paciente é paralisado por um

sentimento de culpa e se acusa de ter causado as inúmeras mazelas sociais. Ao reivindicar

para si a culpa de todas as pessoas e malfeitos do mundo, o melancólico estaria, em últi


última

análise, evitando entrar em contato com a sua própria destrutividade.

Por fim, em relação à noção de trauma, Winnicott (1965/1994) o conceitualiza como

“um fracasso em relação à dependência” (p. 113), o que envolve uma consideração de

fatores externos. Para o autor, a ideia de trauma tem diferentes significados em função do

estágio do desenvolvimento emocional da criança, que vai da dependência à independência.

Para Fulgencio (2004), sob a ótica winnicottiana, todos os tipos de trauma podem ser

concebidos em termos relacionais, visto que não são as intensidades energéticas que

definem o trauma, e sim o que determinado tipo de relação com o outro significa quanto à

continuidade de ser e à confiabilidade no ambiente.

Consoante Ferenczi (1933/1992), o trauma pode ser causado pela confusão de

línguas entre os adultos e a criança. Na situação de abuso sexual, o agressor confunde a sua

linguagem, a da paixão, comum aos adultos por já terem atingido a maturidade sexual, com

a linguagem de ternura da criança, que é a língua do lúdico, das fantasias lúdicas, e não do

amor sensual, mesmo que o jogo venha a assumir uma forma erótica. O trauma psíquico

084
infantil não se reduz à ocorrência de um abuso sexual exercido por um adulto sobre uma

criança, apesar da insistência do autor sobre a importância do traumatismo sexual como

fator patogênico. As medidas punitivas insuportáveis e passionais, bem como o “terrorismo

do sofrimento” também são fatores traumáticos relevantes (Ferenczi, 1933/1992). Para

Perón (2007), na perspectiva ferencziana o trauma pode ser considerado como um quantum

de excitação intensa demais para o escoamento psíquico normal, o que provoca marcas

psíquicas singulares no indivíduo. O traumático é da ordem do excesso, não sendo a criança

capaz de absorver, por conta de seu aparelho psíquico ainda em formação, o impacto de um

evento — ou vários — incompreensível e excessivoi.

Análise do caso clínico

Quando realizamos uma aproximação entre a teoria winnicottiana da depressão e o

caso clínico, algumas hipóteses puderam ser levantadas. Inicialmente, consideramos a

possibilidade de que, embora a cena primária vivida na fantasia possa ser a base de

estabilidade do indivíduo, a visão real do intercurso sexual de seus pais pode ter sido um

importante fator traumático associado à depressão de Rebeca. Isso porque, de acordo com

Winnicott (1990) presenciar a cena primária pode provocar na criança “uma tensão máxima

[...]” (p. 77) tornando-se “traumática, de forma a fazer com que a criança forçada a

testemunhá-la
la passe a desenvolver uma doença” (p. 77). Aqui o traumático parece estar

relacionado à impossibilidade de se alcançar um discernimento efetivo entre fatos e

fantasias. Entendemos que uma inconsistência desse tipo no estágio do concernimento pode

ter levado Rebeca a arrastar alguma confusão quanto a realidade factual do conteúdo

destrutivo de seu mundo interno, o que pode ter gerado dificuldades para que a conquista

do concernimento se tornasse um fenômeno estabelecido. Desse modo, a paciente pode ter

carregado “impurezas” que complicaram a sua tarefa de gerir seu mundo interno.

Reflexões semelhantes realizadas pelo psicanalista foram feitas a respeito do abuso

sexual infantil sofrido por Rebeca, e cinco pontos principais foram levantados em seu

processo psicoterápico: (1) a fantasia de estar roubando da mãe o seu marido e a ideia de

ver-se à mercê da sexualidade do pai se tornaram realidade, ocasionando novamente uma

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Abuso sexual infantil Página 12 de 24

confusão entre fatos e fantasias, prejudicando, por fim, a conquista da capacidade para a

ambivalência; (2) por carregar dúvidas quanto à diferenciação entre os fenômenos internos e

externos, o ódio pela mãe precisou ser afastado e duramente reprimido (prejudicando mais

uma vez a conquista da capacidade para a ambivalência), pois, do contrário, sua mãe sairia

morta; (3) o fato de, mesmo contra a sua vontade, ter se relacionado sexualmente com o pai,

isto é, de ter roubado — no seu imaginário — o marido de sua mãe. Esse fato, no plano

inconsciente, configurou-se como uma severa violência feita à mãe, destituindo-a de sua

função de esposa (danos imaginativamente causados à mãe), gerando um profundo

sentimento inconsciente de culpa; (4) o medo, a falta de amor e o ódio do agressor, o seu

próprio pai, e a consequente dificuldade para lidar com toda a carga destrutiva e agressiva

em relação a ele. A intrusão súbita ou imprevisível de fatos reais (abuso) gerou ódio em

Rebeca, “ódio do objeto bom experenciado não como ódio, mas delirantemente, como sendo

odiad(a)” (Winnicott, 1965/1994, p. 115), algo possível de ser analisado em seus frequentes

sonhos nos quais é perseguida por homens que queriam lhe fazer algum mal e; (5) o

profundo ódio sentido em relação à mãe tanto por não ter interditado o incesto, como

também — e especialmente — por ter sido conivente com ele. Quanto aos dois últimos itens

cabe ressaltar que, sobre sua natureza, “o trauma é aquilo que rompe a idealização de um

objeto pelo ódio do indivíduo, reativo ao fracasso desse objeto em desempenhar a sua

função” (Winnicott, 1965/1994, p. 113).

De acordo
rdo com Ferenczi (1933/1992), a criança, frente à situação de abuso sexual,

reage ao brusco desprazer “pela identificação ansiosa e a introjeção daquele que a ameaça e

a agride” (p. 103), e não pela defesa. Talvez essa observação ajude a entender o motivo pelo

qual Rebeca se recusava a reagir ao agravo sofrido com ódio ou com defesa. Ao invés disso,

a mudança significativa provocada na criança por essa identificação com o adulto (seu pai),

foi “a introjeção do sentimento de culpa do adulto” (Ferenczi, 1933/1992, p. 102). E

continua Ferenczi (1933/1992) afirmando que a criança, se conseguir se recuperar de tal

agressão, se sentirá intensamente confusa e dividida entre a sua inocência e culpa. De

acordo com o autor,

[...] o sentimento de culpabilidade, no erotismo adulto, transforma o objeto de amor

em objeto de ódio e de afeição, ou seja, um objeto ambivalente. Ainda que essa

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dualidade inexista na criança no estágio da ternura, é justamente esse ódio que

surpreende, assusta e traumatiza uma criança amada por um adulto. Esse ódio

transforma um ser que brinca espontaneamente, e com toda a inocência, num

autômato, culpado do amor [...]. É o sentimento de culpa e ódio contra o sedutor que

conferem às relações amorosas dos adultos o aspecto de uma luta assustadora para a

criança [...]. (Ferenczi, 1933/1992, p. 106)

Essas contribuições ferenczianas sobre abuso sexual infantil são úteis para a melhor

compreensão das marcas traumáticas observadas na dinâmica psíquica de Rebeca, pois

relacionam o conceito de trauma relativo à confusão de língua da ternura e da paixão ao

sentimento de culpa e ao ódio. Assim, podemos refletir, com base na citação acima, que é a

dificuldade para lidar com o ódio decorrente da situação de abuso que pode ter sido

especialmente traumática para Rebeca. Com base nos aportes winnicottianos, essa

dificuldade parece ser da ordem da capacidade para a ambivalência, isto é, do conflito

relativo à coexistência entre amor e ódio dirigidos ao pai. Destacamos que, para Winnicott

(1965/1994), “onde a reação é de raiva ou ódio apropriados, a expressão ‘trauma’ não é

bem aplicada” (p. 114). Em relação às reflexões expostas até esse ponto devemos lembrar

que, para Winnicott (1963/2011b), a base da psicologia da depressão está relacionada à

elaboração do ódio, ou seja, à dificuldade em aceitar o ódio inerente ao amor.

Cabe aqui um importante parêntese a respeito da “inocência infantil” mencionada por

Ferencziii. Embora sejam óbvias as diferenças das vivências da sexualidade de uma criança e

de um adulto, torna-se válido — ao abordarmos o tema da sexualidade infantil — trazer

para a discussão o texto “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, de Freud

(1905/1972). Nesses artigos, o autor anuncia justamente a perda da “inocência infantil”,

afirmando se tratar “um erro que tem tido graves consequências” (p. 177) a ideia popular de

que o instinto sexual está ausente na infância. Na oportunidade, o que Freud (1905/1972)

faz é colocar a criança como um ser desejante, que busca obter a satisfação adequada do

instinto, de modo que “a vida sexual infantil [...] exibe componentes que desde o início

envolvem pessoas como objetos sexuais” (p. 197), o que inclui, evidentemente, os próprios

pais. Tendo a criança a sua sexualidade, com seus desejos, prazeres e objetos, fica mais

fácil compreendermos o sentimento (inconsciente) de culpa decorrente do abuso sexual

087
sofrido por Rebeca. Para Goldgrub (1988), “o trauma sexual talvez não possa ser vivenciado

sem um certo prazer por parte da vítima” (pp. 45-46), rememoração que se torna

traumatizante na adolescência em função da obscura consciência de alguma cumplicidade. E

prossegue o autor, afirmando que

Essa auto-acusação, entretanto, significaria, na verdade, a transposição de um

sentido atual para o passado; na adolescência, a atração exercida pela sexualidade

destila um prazer com frequência associado à culpa [...]. Maior ou menor, o

reconhecimento do próprio desejo sexual, julgado inaceitável, faz emergir a

recordação da vivência sexual infantil e lhe acrescenta, de maneira falsa, mas lógica,

o agravante da participação voluntária. O sintoma então é a expressão disfarçada do

acontecimento cuja lembrança foi expulsa da consciência, o preço pago para poder

acreditar na própria inocência. (Goldgrub, 1988, p. 46)

Além do trauma sexual provocado pelo pai, vimos que Rebeca também sofreu

negligência física e negligência emocional por parte de sua mãe, uma mulher desatenta e

afetivamente distante, quadro que se potencializou após o nascimento de sua irmã. No

atendimento, Rebeca relatava que sempre recebera pouquíssimo carinho e cuidado de sua

mãe e que “vivia suja, largada” (sic). Sobre essas negligências, Winnicott (1990) chama a

atenção para os riscos que um cuidado instável pode gerar na criança, quando, por exemplo,

a pessoa que alimenta de manhã não é a mesma que alimenta à tarde ou noite, ou quando o

cuidado é impessoal e mecânico. Essa ausência de uma continuidade do relacionamento

pessoal entre Rebeca e sua mãe pode ter provocado prejuízos no desenvolvimento da

capacidade de fazer reparações, a qual pode ter sido, inclusive, desperdiçada. Para Winnicott

(1963/1983), o fracasso da reparação impossibilita o desenvolvimento da capacidade de se

preocupar (e, com efeito, da capacidade para a ambivalência), cedendo lugar às formas mais

primitivas de culpa e ansiedade.

Como se não bastasse, Rebeca teve uma mãe extremamente crítica, sendo inúmeras

vezes ameaçada e duramente admoestada por ela, ou seja, houve abusos emocionais que

configuram um outro tipo de trauma infantil. Não podemos ignorar, ainda, as diversas

situações de abuso físico geradas pela mãe. Reflexionamos que as consequências de tais

traumas sofridos por Rebeca podem ser compreendidas tomando como base Ferenczi

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(1933/1992), que descreve outro importante fator traumático fora do contexto da

sexualidade: as medidas punitivas insuportáveis. Nesse tipo de trauma, discorre o autor, as

transgressões praticadas pela criança, de brincadeira, “passam a ter um caráter de realidade

pelas punições passionais que recebem de adultos furiosos [...] o que acarreta numa criança,

não culpada até então, todas as consequências da depressão” (Ferenczi, 1933/1992, p. 104,

grifos nossos). Com base no exposto, e relacionando com a teoria winnicottiana da

depressão, podemos conjecturar que a as punições passionais também podem ter gerado

dificuldades na diferenciação entre fatos (“caráter de realidade”) e fantasias, além de culpa

insuportável em Rebeca. Esses fenômenos contribuíram para que a conquista do

concernimento não pudesse ter sido alcançada pela paciente. A consequência final foi a

grave depressão (melancólica) apresentada por Rebeca, patologia relacionada à interrupção

de seu desenvolvimento emocional.

Esse caráter repetitivo e duradouro das falhas ambientais maternas ocorridas na

infância leva ao que Khan (1963/1984) denominou de Trauma Cumulativo, conceito que

recebeu uma forte influência winnicottiana, e que pode contribuir para a compreensão do

processo de adoecimento de Rebeca. De acordo com Khan (1963/1984), “o trauma

cumulativo resulta das fendas observadas no papel da mãe como escudo protetor” (p. 62),

durante todo o período em que as funções do ego da criança ainda são imaturas e instáveis.

Ao contrário da mãe de Rebeca, que era muito “desatenta e despreocupada” (sic) com a sua

filha, o papel
el da mãe como escudo protetor “é uma atitude de alerta, de adaptação e

organização” (Khan, 1963/1984, p. 67).

Para Khan (1963/1984), no contexto do trauma cumulativo, o interjogo entre mãe e

filho pode apresentar, entre outros, o seguinte efeito na criança: “pode dar início à

organização de uma conformidade especial ao temperamento da mãe, conformidade essa

que cria um desequilíbrio na integração dos impulsos agressivos” (p. 70). Deduzimos, desse

modo, que o trauma cumulativo pode gerar dificuldades no campo da capacidade para a

ambivalência, o que está relacionado com casos mais graves de depressão na perspectiva

winnicottiana. À luz da teoria do amadurecimento pessoal, a inibição do instinto e da

capacidade para amar, atacar ou odiar, bem como a depressão patológica, são algumas das

consequências prováveis de uma mãe distante, que muda de atitude e que é incapaz de

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receber (com alegria) “o gesto não só para reparar, mas também para simplesmente dar que

surge de seu bebê” (Anfusso & Indart, 2009, p. 118, tradução nossa). É possível que a

intromissão das necessidades e conflitos pessoais da mãe, que caracteriza o seu fracasso no

tocante ao papel que desempenha como escudo protetor, possa ter impossibilitado que

Rebeca tivesse recebido os cuidados maternos fundamentais relativos ao estágio do

concernimento. Assim, quando a capacidade de fazer reparações é desperdiçada, o círculo

benigno não pode ser estabelecido, fazendo com que a capacidade para a ambivalência não

seja alcançada e o indivíduo carregue impurezas em sua depressão (Moraes, 2014;

Winnicott, 1990). Como consequência de um círculo benigno que não pode ser estabelecido,

Rebeca manifestava uma sensação de culpa permanente, constante sentimento de

inadequação quando avaliava as consequências de seus atos, além de retraimento e inibição

dos instintos. Para Amaral (2006), o humor depressivo prevalece toda vez que o ciclo

benigno se quebra.

Nos casos em que os excessos do sentimento de culpa estão presentes, encontramos

inter-relacionam e
doenças como a melancolia e a neurose obsessiva, enfermidades que se inter

que podem se alternar em um mesmo paciente (Winnicott, 1958/1983). Esse parece ser o

caso de Rebeca. Tomando como base os aportes teóricos winnicottianos, poderíamos

conjecturar que, em relação à sua neurose obsessiva, o estado de confusão — caracterizado

pelos rituais (banhar-se excessivamente) e pelo pensamento obsessivo (ser/estar suja) —

era mantido com a função de ocultar “o fato de, em alguma situação específica da qual o

paciente não é consciente, o ódio foi mais poderoso do que o amor” (Winnicott, 1958/1983,

p. 23).

Com a ajuda da psicoterapia, Rebeca pode reconhecer e expressar sua raiva e suas

ideias agressivas inicialmente relacionadas ao pai, o que já se mostrou salutar para a

atenuação de seus sintomas depressivos. Porém, uma melhora significativa da

sintomatologia obsessiva e depressiva ocorreu a partir do momento da psicoterapia em que

Rebeca passou a entrar em contato com os seus sentimentos ambivalentes e a se sentir mais

livre e segura para odiar, além de seu pai, a sua mãe. Nas suas próprias palavras: “[...] Eu via

outras mães cuidando bem das suas filhas, e isso eu não tinha. Eu sentia raiva dela, é isso,

raiva e frustração, decepção [...]” (sic). Assim, o que está expresso no fragmento de análise

090
Bianco, O. M. & Tosta, R. M. Página 17 de 24

transcrito é um conflito, no interior de Rebeca, de elementos bons e maus que estavam

sendo rearranjados, e uma capacidade para a ambivalência que foi sendo progressivamente

conquistada. Com efeito, o que parece ter ocorrido com Rebeca é que os seus sintomas

melancólicos e obsessivos perderam força — ou função — na medida em que a paciente

passou a aceitar e integrar o fato de seu ódio e agressividade em relação aos pais, os quais

amava. De acordo com Winnicott (1958/1983), em termos de progresso analítico, a melhor

experiência que um analista pode ter é a “observação do crescimento gradativo da

capacidade do indivíduo de tolerar os elementos agressivos no seu impulso amoroso

primitivo” (p. 26).

Foi estabelecido um tipo de setting no qual o mais importante não foram a

interpretações do inconsciente, que só ocorreram (poucas delas) após várias sessões de

psicoterapia, mas o manejo, “que é uma forma especializada de cuidar que envolve as

intervenções realizadas no setting” (Tosta, 2012, p. 66). Trata -se de um tipo especial de
Trata-se

setting onde se privilegia a experiência completa que se dá através da experiência de

mutualidade entre o terapeuta e o paciente, bem como do holding (ou sustentação) por

parte do profissional. Com efeito, para Tosta (2012), para além do insight e da elaboração

do passado, o que é valorizado por Winnicott é o acontecimento na clínica. Assim, foi dada à

Rebeca a oportunidade da regressão à dependência em um ambiente previsível, confiável e

sensivelmente adaptável às necessidades do paciente, em que “a esperança (da paciente)

pode ser ativada e, portanto, a situação de falha precoce pode ser descongelada e

experimentada novamente, desta vez em um ambiente adequado” (Tosta, 2017, p. 768,

tradução nossa).

É interessante notar que não foram raras as vezes em que Rebeca parecia camuflar

(ou se esquivar), através da temática do abuso, muitas das adversidades relacionadas à mãe.

Dessa forma, consideramos que, dentro do setting terapêutico, o tema da violência sexual

era utilizado tanto para comunicar as vicissitudes que envolviam pai e mãe (a suspeita de

que sua progenitora sempre soube do abuso, por exemplo), como também para encobrir —

como forma de defesa — conteúdos insuportáveis relacionados à sua progenitora.

Funcionando como uma espécie de barreira, a temática do abuso sexual infantil precisou ser

suficientemente trabalhada e elaborada para que, somente assim, fosse possível a

091
emergência à consciência de vivências traumáticas relacionadas à mãe descritas no decorrer

deste texto. Próxima de completar dois anos de psicoterapia, diz Rebeca:

o abuso é algo mais manifesto, mais visível, é uma violência mais evidente [...]; mas

não foi só isso que me ocorreu, teve toda essa situação com minha mãe, que também

são violências, mas que não são tão claras ou fáceis de perceber [...]. As duas coisas

[abuso e problemas com a mãe] tiveram muito peso, o que difere é isso (sic).

Considerações finais

Consideramos que o abuso sexual intrafamiliar ocorrido com Rebeca em sua infância

pode ter sido um dos fatores traumáticos que contribuíram para o bloqueio ou interrupção

dos processos inerentes ao estágio do concernimento, especificamente a tarefa de

diferenciação entre fatos e fantasias e, sincronicamente, a do desenvolvimento da técnica

para a aceitação
o da plena responsabilidade por ideias destrutivas (culpa). A situação de

abuso acarretou acentuadas dificuldades em relação à aceitação da responsabilidade pelos

impulsos eróticos e destrutivos dirigidos ao pai (agressor), mas também em relação à mãe

(conivente).
ivente). Essa dificuldade aparece na forma de culpa patológica, impossibilitando que

envolvimento ou preocupação pudessem ser desenvolvidos por Rebeca. Por isso tudo,

adulta.
acreditamos ser possível relacionar o abuso sexual infantil com a depressão na vida adult

Tal violência sofrida parece ter sido um fator decisivo para o aparecimento do quadro

melancólico, mas não o único. A depressão da paciente parece ter sido resultado de

sucessivas falhas ambientais traumáticas ocorridas em sua infância, sendo o abuso sexual o

tema predominante e mais recorrente em suas sessões de psicoterapia e, por isso,

enfatizado neste estudo. Cabe ser sublinhado que são diversos os tipos de violências

associados ao abuso sexual na infância, não podendo este ser analisado de maneira isolada,

tanto clínica quanto teoricamente.

Ao longo do processo terapêutico, Rebeca apresentou melhora da sintomatologia

depressiva e obsessiva, tais como: abandono dos pensamentos suicidas; diminuição

considerável das vezes em que se banhava por dia; mais horas fora da cama e se dedicando

a atividades de esporte e lazer, como natação e caminhada; diminuição do sentimento de

092
culpa e de inutilidade e; o sentimento de estar começando a viver a própria vida, passando a

agir mais por si mesma com base em uma individualidade que não é constituída

reativamente, perspectivas essas relacionadas à saúde (Fulgencio, 2016; Winnicott,

1967/2011b). Observamos, ainda, o crescimento gradativo da capacidade da paciente de

reconhecer, aceitar e tolerar os elementos agressivos e destrutivos no seu impulso amoroso

primitivo. Toda essa melhora foi observada três meses antes da elaboração do presente

estudo e se manteve pelo menos até a elaboração do mesmo.

Esses progressos nos fizeram refletir sobre a potência da abordagem psicanalítica e

da utilização dos conceitos revisados para a prática clínica e para o estudo das questões em

foco. Pensamos que através da transferência com o psicólogo, a paciente pôde reviver

momentos angustiantes e internalizar aspectos de uma figura paterna confiável. O manejo

realizado no setting e a possibilidade da regressão à dependência no processo analítico

foram fundamentais para a melhora de Rebeca, práticas que nos parecem ser úteis para

vítimas de traumas infantis e pessoas com depressões impuras. Esse ambiente terapêutico

adequado nos possibilitou contribuir para a retomada do desenvolvimento emocional da

paciente, sendo fundamental nesse processo a diferenciação entre fatos e fantasias, a

integração da destrutividade e da raiva na personalidade, a conquista da capacidade para a

ambivalência, a conscientização e elaboração dos sentimentos inconscientes de culpa e o

conhecimento da própria sexualidade.

Referências

Abram, J. (2000). A Linguagem de Winnicott: Dicionário das Palavras e Expressões Utilizadas

por Donald W. Winnicott. Rio de Janeiro: Revinter.

Amaral, J. G. P. D. (2006). Os destinos da tristeza na contemporaneidade: uma discussão

sobre depressão e melancolia [Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica

do Rio de Janeiro]. Coleção Digital da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

https://doi.org/10.17771/PUCRio.acad.8580

Anfusso, A., & Indart, V. (2009). ¿De qué hablamos cuando hablamos de Winnicott?

Montevideo: Psicolibros Waslala.

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