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Eu sofri muito na infância. O que Deus tem a ver com isso?

Cara, que saudade de escrever pra você.

Coloca a música (em 1h) Je Te Laisserai Des Mots pra ler a carta. É com ela que eu
escrevo isso pra você.

Me lembro de como o nosso último evento de cartas foi completamente novo pra mim. Me
abrir pra mais de 15 mil pessoas não pareceu a melhor ideia de início, mas eu sei que valeu
a pena, especialmente porque pude ver todos os milhares de testemunhos colhidos no meu
direct do Instagram. Foi impressionante. Nunca imaginei a quantidade de pessoas que
estavam passando pelos mesmos problemas que eu um dia enfrentei. Acho engraçado
como a vida cristã não tem tantas surpresas assim. Os problemas não são novos, as
pessoas é que falam pouco deles. Aí, quando a gente vê uma galera que passa pelas
mesmas coisas, não tem como não pensar que Deus realmente faz tudo cooperar para o
bem dos seus filhos, e que a gente faz parte de uma história que vai acabar muito (muito!)
bem algum dia.

O tema de hoje é difícil pra mim. Muito. É doloroso ter que abrir uma parte escura do meu
passado e que exigiu muita graça de Deus pra que eu permanecesse de pé. Que exigiu
muito entendimento da bíblia pra que eu não fosse enganado pelas minhas feridas, pelas
minhas crises e pelo meu ego.

Eu nunca fui desses meninos que tinham vários problemas: sexo, drogas, bebidas ou coisas
assim. Tive acesso à pornografia, à masturbação, e só. Beijei duas meninas em toda a
minha vida, e mais ninguém. Eu era um cara nerd, que me apaixonava por uma garota por
ano, desenfreadamente, e que sempre me decepcionava com meu próprio coração
enganoso — a fase da adolescência é a pior pra isso — e que de vez em quando tinha uma
crise com minha identidade, com a minha existência, com meu futuro, sonhos, projetos e
aparência. Era ansioso, mas nada muito grave, e um crente meio fariseu, se é que eu posso
dizer assim, já que tava mais pra religioso fajuto do que pra rebelde doidão.

Mas a minha infância foi muito difícil, totalmente diferente desse tempo que escrevi aí em
cima — que também teve as suas dificuldades. É claro que eu não vou contar tudo pra
vocês. Eu não me sinto preparado pra isso. Acho que essa carta vai servir pra situar você,
de que eu cheguei num patamar da vida cristã — e isso não é pra me '’achar'’, porque eu
não sou nada e tô aqui por pura misericórdia de Deus — que, para a maioria dos que me
acompanham, não parece que eu enfrento problemas ou dificuldades. Mentira.

Minha infância foi recheada de problemas. Muitos deles eu apaguei, como uma espécie de
defesa inconsciente talvez. Isso gerou conflitos na minha vida com Deus que eu tive de lidar
da seguinte maneira: ou Deus é mal e ele não impediu nada desses eventos porque ele não
se importa comigo, ou Deus é infinitamente bom e não desejava que eu passasse por isso,
mas permitiu que tudo isso acontecesse pra que de algum modo tudo coopere para a glória
dele.

É difícil crer num Deus que é bom e permite o mal, não é? Mas olhe só pra história de Jó.
Será que ele fez algo pra merecer tudo aquilo? Eu creio que não é nosso papel olhar pra
isso. Não devemos associar as injustiças da vida a um motivo aparente: ''Jó pecou/ era
desumilde/ soberbo, por isso perdeu tudo''. Será mesmo?

A resposta que eu te dou, baseando tudo o que vivi e naquilo que conheço das Escrituras, é
que o sofrimento não necessariamente tem um motivo aparente. Nós crescemos com a
ideia de que, se formos bonzinhos, receberemos coisas boas. Se não formos, receberemos
coisas ruins. É um mal uso até da lei da semeadura. Mas isso não se aplica sempre, não
com todo mundo. Não é irrevogável.

Para pra pensar: nem tudo o que a gente passa tem uma razão clara, aparente, direta. Não
depende só da gente.

Isso pode te fazer ficar desconfortável com Deus, assim como a história de Jó. Afinal, como
é que Deus pode permitir tudo isso?

A resposta que eu tenho pode não ser tão fofa, mas exige maturidade: porque tudo o que
ele permite acaba colidindo em glória a ele mesmo. E a gente não precisa entender como.
Só precisa confiar nele, porque ele é digno de toda a confiança. Deus é plenamente santo,
sem pecado algum. Ele não comete injustiças, não dá origem ao pecado, não tem maldade
alguma.

A santidade de Deus significa que ele é o único ser digno de ser confiado entre todas as
coisas.
Apesar de ter sido muito difícil, não foi o meu fim. Hoje eu percebo que, de fato, Deus foi
glorificado através da minha vida. Ele continua sendo. Eu não sei o porquê de ele ter
permitido tudo isso, mas ele sempre esteve comigo. Sempre. Eu posso não tê-lo sentido,
visto, apalpado, mas ele estava ali. Jesus estava ali.

Eu fiz orações muito difíceis, expondo toda a minha raiva, meu nojo, minha insatisfação,
minhas crises, dúvidas, conceitos, tudo. Foi muito doloroso, mas foi libertador. E eu percebi
que a Bíblia é cheia de orações difíceis. Ela tem muitas pessoas que não entendem o
porquê de algumas coisas, e dizem isso sem medo algum pra Deus. Elas se rasgam
literalmente.

No final, elas acabam sempre se apoiando na soberania de Deus, na santidade, justiça,


bondade, misericórdia e na graça dele mesmo.

Meu amigo, minha amiga, nada na minha mente é capaz de questionar a santidade de
Deus. Ele é santo, eu tenho plena convicção disso. Tenho certeza absoluta de que ele é a
única pessoa em toda a vida que merece a minha confiança de olhos fechados.

Eu não sou digno de nada. Tudo é fruto de graça e misericórdia dele, até mesmo as coisas
que eu não compreendo, que não domino, não tenho os porquês respondidos.

Entender isso exige crer nisso.

Sua infância pode ter sido muito dolorosa, traumática, caótica. Eu não sei. Talvez sua
adolescência esteja sendo, ou a fase ou período em que você se encontra. Não sei.

O que eu sei é que isso tudo vai exigir de você um entendimento muito claro da identidade
de Deus.

Quem é Deus pra você? Quanto dele você está disposto a conhecer? Quanto dele você
conhece? Quanto confia nele, baseado no que leu sobre ele?
Creio que seu maior problema hoje, meu amigo, é que você não domina como Deus pensa
nas coisas. Não entende como agir ou reagir porque ainda tem pouca compreensão do que
ele já deixou muito claro.

Na medida em que prosseguimos no conhecimento de Deus, tudo se dissipa, fica mais fácil
de lidar. Porque é impossível confiar em quem não conhecemos. É impossível dedicar tanto
tempo a algo ou alguém a quem não confiamos. É um ciclo quase que vicioso.

Eu te garanto: eu cheguei aqui por pura graça, por pura misericórdia. Mas sem conhecer o
que a Bíblia me fala sobre sofrimento, eu não estaria aqui hoje.

Conselho: compreenda muito a bíblia, que você conhecerá e compreenderá mais Deus e
como ele lida com os nossos problemas.

Não estou falando de uma mera leitura. Talvez você já tenha passado por Jó e nunca tenha
notado que os amigos dele estivessem tentando achar uma razão para o sofrimento dele.
Eles não acharam. É aí que Deus vem, e abala todas as coisas. Ele se apresenta, e sua
santidade é capaz de calar a todos. É como se ele ensinasse que ele é, e isso basta. Não
teriam todas as respostas, não daria tudo o que pedissem, e é exatamente por isso que o
que ele tem a oferecer aos seus filhos é de alta qualidade.

Te liberta, não te oprime. Te torna mais parecido com Cristo, não consigo mesmo e com
seus apetites. Por isso é que é de alta qualidade.

Espero que isso tenha feito sentido pra você. A segunda carta eu mando daqui uns dias. As
aulas serão extraordinárias também. O áudio já vai ser enviado nos grupos de WhatsApp.

Beijo e abraço, Jp.

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