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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Daniel Gaio
Edgar de Souza Mendes
Maria Gabriela de Paula e Silva

ANAIS DO 3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO


AMBIENTAL – AGROTÓXICOS: IMPACTOS
SOCIOAMBIENTAIS E REGULAÇÃO

Belo Horizonte
2019

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Copyright © desta edição [2019] Initia Via Editora


Ltda. Rua dos Timbiras, nº 2250 – sl. 103, Lourdes
Belo Horizonte, MG - CEP 30140-061
www.initiavia.com

Editora-Chefe: Isolda Lins Ribeiro


Diagramação: Edgar de Souza Mendes e Maria Gabriela de Paula e Silva

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial deste livro ou


de quaisquer umas de suas partes, por qualquer meio ou processo, sem a prévia
autorização do Editor. A violação dos direitos autorais é punível como crime e passível
de indenizações diversas.

Congresso Mineiro de Direito Ambiental (3.: 2019: Belo Horizonte)


C749a

Agrotóxicos: impactos socioambientais e regulação


[recurso eletrônico] / Daniel Gaio, Edgar de Souza Mendes,
Maria Gabriela de Paula e Silva (organizadores). – Belo Horizonte:
InitiaVia, 2019.
422 p. : il. – Inclui bibliografias.

ISBN: 978-85-9547-081-1

1. Direito ambiental – Brasil 2. Licenças ambientais – Brasil


3. Produtos químicos agrícolas 4. Planejamento urbano – Brasil
5. Degradação ambiental I.Título

CDU(1976) 34:577.4

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Junio Martins Lourenço CRB 6/3167

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Pareceristas:

Alexandre Gaio
Beatriz Souza Costa
Beatriz Vignolo Silva
Carlos Magno de Souza Paiva
Daniel Gaio
Daniele Regina Pontes
Eder Azevedo
Érica Maria de Almeida Souza
Gabriela C. Braga Navarro
Gabriela Duarte Miranda
Helena Colodetti G. Silveira
Isabella Franco Guerra
Jamile B. Mata Diz
Lucas Carlos Lima
Luciana Diniz D. Pereira
Luciano José Alvarenga
Luiz Carlos Garcia
Manuelita H. R. Oliveira Filha
Maraluce Maria Custódio
Marina Freitas Vilaça
Pedro Abi Eçab
Rafael Martins Lopo
Sérgio Pompeu F. Campos
Thiago de Azevedo P. Hoshino
Vanesca Buzelato Prestes
Vinícius Papatella Padovani
Virgínia Totti Guimarães

Apoio:

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Apresentação

O Brasil é um dos líderes mundiais em consumo de agrotóxicos. A utilização


desses produtos traz graves impactos na saúde e no meio ambiente. Para o
consumidor, o perigo está no prato. Grãos, frutas, verduras e legumes chegam à mesa
com resíduos acima do permitido ou com substâncias químicas proibidas pelo
Ministério da Agricultura. No meio ambiente, os agrotóxicos contaminam o solo, a
água e atingem os animais. No atual cenário brasileiro, tem-se observado políticas que
garantem a liberdade ao mercado de agrotóxico, levando mais ingredientes nocivos ao
prato da população, em processo desenfreado de autorização de novos pesticidas.

Tendo em vista a importância de se discutir a temática acima apresentada, bem


como outros pontos relevantes em matéria de meio ambiente, o Grupo de Estudo em
Direito Ambiental da UFMG (GEDA-UFMG) e o Grupo de Pesquisa e Extensão RE-
HABITARE (UFMG) apresentam os Anais do 3º Congresso Mineiro de Direito
Ambiental, que teve como tema central “Agrotóxicos : Impactos Socioambientais e
Regulação”. O evento aconteceu nos dias 26, 27 e 28 de agosto de 2019, na Faculdade
de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

O Congresso Mineiro de Direito Ambiental é um projeto que se iniciou no ano


de 2017 e consolidou-se como um significativo espaço para a apresentação de
assuntos essenciais à questão ambiental, sob um viés crítico, visando abordar os
conflitos socioambientais existentes e suas repercussões na sociedade. A terceira
edição do evento contou com painéis expositivos sobre Agroecologia e Agrotóxicos.
Tivemos também minicursos de capacitação, ministrados por profissionais de elevada
expertise na área, que versaram sobre conteúdos, como: o controle social do
licenciamento ambiental, energias renováveis, bioconstrução, a proteção do meio
ambiente no Direito Internacional no sistema jurídico interamericano e crimes
ambientais.

O evento também propiciou um produtivo ambiente de debates para aqueles


que possuem relevantes pesquisas em matéria ambiental, por meio da submissão de
artigos científicos em cinco grupos de trabalho, sendo eles: (i) agrotóxicos e
agroecologia; (ii) licenciamento ambiental; (iii) espaços ambientais protegidos; (iv)
patrimônio cultural e paisagem; (v) justiça ambiental e conflitos socioambientais; (vi)
mudanças climáticas e refugiados ambientais; e (v) recursos hídricos. Os autores dos
textos puderam, oralmente, compartilhar as considerações de suas pesquisas. Os
artigos selecionados, compilados nesses Anais, mostram a riqueza de perspectivas e
seriedade dos estudiosos dos temas ambientais, sendo este documento uma amostra
da qualidade das pesquisas em matéria ambiental no cenário acadêmico brasileiro.

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

O 3º Congresso Mineiro de Direito Ambiental foi resultado de esforços de uma


equipe empenhada e extremamente competente. Nossos sinceros agradecimentos a
cada um dos organizadores e colaboradores, que contribuíram para o sucesso desta
terceira edição. Na oportunidade, agradecemos também aos palestrantes, pela
disponibilidade e pelo rico compartilhamento conhecimentos; aos pareceristas, que
foram essenciais para a construção e elaboração destes Anais. Por fim, expressamos
nossa gratidão a todos que compareceram ao evento, a quantidade expressiva de
pessoas interessadas em debater assuntos tão caros a nossa sociedade, nos incentiva a
dar continuidade nesse projeto.

Boa leitura!

Daniel Gaio
Edgar de Souza Mendes
Maria Gabriela de Paula e Silva

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

SUMÁRIO

AGROTÓXICOS E AGROECOLOGIA _______________________ 13


RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PELA LOGÍSTICA REVERSA DE
EMBALAGENS DE AGROTÓXICOS
Túlio César Pereira Machado-Martins
Alex Floriano Neto
Giovanna Santiago Lobato de Campos _________________________________________ 14

A PRODUÇÃO DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS (OGMs):


CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E OS USOS DE AGROTÓXICOS
Gianno Lopes Nepomuceno __________________________________________________ 29

FLEXIBILIZAÇÃO NO PROCEDIMENTO DE REGISTROS DE NOVOS


AGROTÓXICOS NO BRASIL
Elias José de Alcântara
Anamália Queiroz de Carvalho Alcântara _______________________________________ 39

APONTAMENTOS SOBRE AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E SOCIAIS DO USO DE


GLIFOSATO NO BRASIL
Ana Clara Oliveira Halfeld __________________________________________________ 54

AGROTÓXICOS: A INSUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DO


AGRONEGÓCIO TOCANTINENSE
Isabela do Vale Almeida ____________________________________________________ 63

LICENCIAMENTO AMBIENTAL __________________________ 72


AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA DE UM TRECHO DO RIBEIRÃO DO
ONÇA ANTES E APÓS A PUBLICAÇÃO DA DELIBERAÇÃO NORMATIVA
CONJUNTA COPAM/CERH Nº 01/2008
Dawber Batista Ferreira
Mariana Otoni dos Santos
Ana Luiza Cunha Soares ____________________________________________________ 73

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE BARRAGENS DE REJEITOS SÓLIDOS:


PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO MEIO
AMBIENTE
Pedro Henrique Moreira da Silva
Lucas Renan Marques ______________________________________________________ 85

ENTRAVES NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE EMPREENDIMENTOS OU


ATIVIDADES QUE IMPACTAM CAVIDADES NATURAIS SUBTERRÂNEAS
Bruno Malta Pinto _________________________________________________________ 99

ESPAÇOS AMBIENTAIS PROTEGIDOS____________________ 114


PARA ALÉM DO TERMO DE COMPROMISSO: A COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO
AMBIENTAL COMO MEDIADORES DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM
UNIDADES DE PROTEÇÃO INTEGRAL
Gabrielle Luz Campos _____________________________________________________ 115

ANÁLISE DA ADI 4.901/2013-DF SOBRE A REDUÇÃO DA RESERVA LEGAL NO


NOVO CÓDIGO FLORESTAL E O PROJETO DE LEI N° 2362/2019 SOBRE A
EXTINÇÃO DA RESERVA LEGAL
Marcelo Messias Leite _____________________________________________________ 125

PATRIMÔNIO CULTURAL E PAISAGEM __________________ 139


O CÉU NOTURNO COMO PATRIMÔNIO CULTURAL
Ana Clara Oliveira Halfeld
Maraluce Maria Custódio __________________________________________________ 140

OS EFEITOS DO TOMBAMENTO DE BENS IMÓVEIS DE VALOR HISTÓRICO E A


RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO NA SUA CONSERVAÇÃO E
PRESERVAÇÃO: UMA ANÁLISE DO DIREITO DE PROPRIEDADE EM FACE DA
OBRIGAÇÃO DE PROTEÇÃO, CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO BEM IMÓVEL
TOMBADO PELO ENTE FEDERAL
Luciana Machado Teixeira Fabel
Marcelo Santoro Drummond
Renato Campos Andrade ___________________________________________________ 150

CIDADE SUSTENTÁVEL PARA AS PRESENTES E FUTURAS GERAÇÕES: A


BIODIVERSIDADE INCLUÍDA NO CONTEXTO URBANO BRASILEIRO

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Kiwonghi Bizawu
Thaís Barros de Mesquita___________________________________________________ 163

JUSTIÇA AMBIENTAL E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS _____ 174


O SETOR HIDRELÉTRICO NA AMAZÔNIA: IMPASSE ENTRE
SOCIOBIODIVERSIDADE E INTERESSES ECONÔMICOS E POLÍTICOS
Breno Soares Leal Júnior
Pedro Andrade Matos
Luciana Aparecida Teixeira _________________________________________________ 175

A PROIBIÇÃO DA EXPLORAÇÃO DO AMIANTO COMO UM INSTRUMENTO DE


JUSTIÇA AMBIENTAL
Elias José de Alcântara_____________________________________________________ 191

PARTICIPAÇÃO POPULAR FEMININA NA ADMINISTRAÇÃO AMBIENTAL:


ECOFEMINISMO E JUSTIÇA AMBIENTAL
Alegnayra Campos Ranieri de Albuquerque ____________________________________ 203

JUSTIÇA AMBIENTAL, RELAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS E BALNEABILIDADE NA


PRAIA DOURADA – MANAUS/AM
Denison Melo de Aguiar
Adriana Almeida Lima
Daniel Gaio _____________________________________________________________ 212

O DIREITO HUMANO AO AMBIENTE SADIO: PERSPECTIVAS SOBRE A


INDIVISIBILIDADE ENTRE OS DIREITOS AMBIENTAIS E DIREITOS HUMANOS
Gustavo do Amaral Loureiro ________________________________________________ 239

EDUCAÇÃO SOCIOAMBIENTAL ANTE OS PROBLEMAS GERADOS PELO


CAPITALISMO
Ulisses Espártacus de Souza Costa
Pedro Andrade Matos
Flávio Henrique Rosa ______________________________________________________ 239

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A CRIMINALIZAÇÃO PELO IMPACTO À ÁREA VERDE DA OCUPAÇÃO INFORMAL


ELIANA SILVA - BELO HORIZONTE
Isla Rosa
Lorenza Ferreira de Sousa __________________________________________________ 251

REFLEXOS DA INJUSTIÇA AMBIENTAL NO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO –


ALIJAMENTO DA CLASSE TRABALHADORA POR MEIO DA LEI 13.467 DE 2017 260
Marcelo Santoro Drummond
Renato Campos Andrade
Luciana Machado Teixeira Fabel _____________________________________________ 260

REFLEXOS E CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA


Antônio Guilherme Cordeiro Da Silva
Lucas Henrique Almeida Barbosa ____________________________________________ 268

O PLANEJAMENTO URBANO PELO PRINCÍPIO DA EQUIDADE


INTERGERACIONAL: O EXERCÍCIO DA ALTERIDADE NA OCUPAÇÃO DO SOLO
URBANO
Thais Barros Mesquita _____________________________________________________ 276

PARADOXO ÉTICO ENTRE DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE:


ESTUDOS SOBRE A TEORIA DA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL E DO NOVO
CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE JABAREEN
Maria Flávia Cardoso Máximo
Ana Luíza Dionísio Mota Lacerda
Fernando Barotti dos Santos ________________________________________________ 290

OS PARAÍSOS INTOCADOS E OS CONFLITOS TERRITORIAIS: PERSPECTIVAS A


PARTIR DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DA CANASTRA - MG
Gabrielle Luz Campos _____________________________________________________ 303

VIOLAÇÕES DE DIREITOS, E SILENCIAMENTO NO CONTEXTO DE CONFLITOS


SOCIOAMBIENTAIS EM DOM JOAQUIM-MINAS GERAIS
Maria Cecília de Alvarenga Carvalho
André Luiz Freitas Dias
Lucas Furiati de Oliveira ___________________________________________________ 317

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ECONOMIA VERDE COMO CONSCIÊNCIA PÓS-REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: A


APLICAÇÃO DA DIMENSÃO JURÍDICO-POLÍTICA DA SUSTENTABILIDADE
Marcelo Messias Leite _____________________________________________________ 328

O ESQUECIDO CÓDIGO DE MINERAÇÃO E A LAVRA SEM DESTINAÇÃO


COMERCIAL: CAUSAS DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE E CARGA PROBATÓRIA
NOS ILÍCITOS DE USURPAÇÃO DE MATÉRIA PRIMA E LAVRA E EXTRAÇÃO
ILEGAL OU IRREGULAR
Paula Brener
Ana Bueno ______________________________________________________________ 340

REFLEXÕES HERMENÊUTICAS ACERCA DA POSSIBILIDADE DA PRÁTICA DA


VAQUEJADA NO BRASIL
Lara Maia Silva Gabrich
Naiara Carolina Fernandes de Mendonça ______________________________________ 351

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E REFUGIADOS AMBIENTAIS _____ 366


OS AVANÇOS NO COMBATE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO ÂMBITO DO
LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO ESTADO DE MINAS GERAIS
Caroline Salgado Magalhães
Maraluce Maria Custódio ___________________________________________________ 367

REFUGIADOS CLIMÁTICOS E DIREITO INTERNACIONAL: EM BUSCA DO


RECONHECIMENTO
Marcelo Kokke
Ana Clara Mansur Carvalho
Talita Ferreira de Brito dos Reis _____________________________________________ 376

A (IM)POSSIBILIDADE DO REFÚGIO AMBIENTAL A PARTIR DE UMA ANÁLISE


HERMENÊUTICA
Émilien Vilas Boas Reis
Naiara Carolina Fernandes de Mendonça
Lara Maia Silva Gabrich ___________________________________________________ 383

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IMPLICAÇÕES DO COLAPSO CLIMÁTICO NOS DIREITOS HUMANOS DO POVO


INUIT: DESAFIOS PARA UMA TUTELA INTERNACIONAL
Pedro Henrique Moreira da Silva
Valdênia Geralda de Carvalho _______________________________________________ 395

RECURSOS HÍDRICOS ________________________________ 410


PRIVATIZAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS FRENTE À PROTEÇÃO DO MEIO
AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Alessandra Castro Diniz Portela
Beatriz Souza Costa _______________________________________________________ 411

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AGROTÓXICOS E AGROECOLOGIA

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RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PELA LOGÍSTICA REVERSA DE


EMBALAGENS DE AGROTÓXICOS

Liability of Agents for the reverse logistics of agrochemical packaging

Túlio César Pereira Machado-Martins1


Alex Floriano Neto2
Giovanna Santiago Lobato de Campos3

Resumo: O sistema brasileiro de logística reversa de agrotóxicos foi uma das primeiras
políticas brasileiras de responsabilização dos produtores pela destinação final dos
descartes. Para melhor compreensão do instituto, analisou-se o desenho da política
pública de devolução das embalagens para que tenham a destinação adequada,
considerando o risco ambiental, as dificuldades logísticas envolvidas, a capilaridade, as
formas de fiscalização e as responsabilidades dos agentes envolvidos na produção,
distribuição, transporte e utilização. Após breve apresentação dos conceitos utilizados
no trabalho, evidenciou-se as responsabilidades socioambientais e os principais pontos
de crítica ao modelo. Utilizou-se da metodologia de estudo de caso pelo enfoque
holístico. A partir das discussões realizadas, entende-se que a política pública analisada
tem atingido seu objetivo em grau satisfatório, sendo a logística reversa das embalagens
de agrotóxicos importante caso para compreensão do instituto e formulação de políticas
similares. Contudo, o modelo demanda alguns ajustes em razão do recente aumento dos
agrotóxicos liberados no Brasil, da necessidade de controle para apuração efetiva de
responsabilidades na utilização e no retorno das embalagens, diante das evidências
científicas que associam o uso de determinadas substâncias como agentes de
contaminação de afluentes e causadores de problemas de saúde pública.

Palavras-chave: Logística reversa. Impacto ambiental. Agrotóxicos. Embalagens.


Responsabilização.

Abstract: The agrochemicals’ reverse logistics system was one of the first Brazilian
policies to hold producers accountable for the final destination of discards. The research
aims to understand the institute, the design of the public policy for the return of the
packaging, analyzing for that the appropriate destination, considering the environmental
risk, the logistical difficulties involved, the capillarity, the forms of inspection and the
responsibilities of the involved in the production, distribution, transport and use. After a
brief presentation of the concepts used in the study, the research verify the social-

1
Doutorando em Administração Pública e Governo na Escola de Administração de Empresas de São
Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EAESP). E-mail: tuliommartins@gmail.com. O autor
agradece o apoio da FGV/EAESP, no desenvolvimento deste trabalho, por meio da concessão de bolsa
de estudo do programa de pós-graduação.
2
Doutorando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na Escola Superior Dom Helder
Câmara. E-mail: alexflorianoneto@gmail.com.
3
Graduanda em Direito na Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. E-mail: giovannaslcampos@gmail.com.

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environmental responsibilities and the main critical points to the model. The
methodology was a case study using the holistic approach. Based on the discussions, the
conclusion was that the public policy analyzed has reached its objective, and the reverse
logistics of agrochemical packaging is an important case for understanding the institute
and formulating similar policies. However, the model requires some adjustments due to
the recent increase in pesticides released in Brazil, from the need for control to
effectively determine responsibilities in the use and return of packaging, in the face of
the scientific evidence that associates the use of certain substances as agents of
contamination tributaries and causes of public health problems.

Keywords: Reverse logistics. Environmental impact. Pesticides. Packaging.


Accountability.

Introdução
O aumento da demanda por produtos agrícolas e o consequente aumento da
produção de alimentos está sempre tensionado com o uso intenso de agrotóxicos como
forma de aumento da produtividade das áreas plantadas e com as questões relacionadas
aos custos socioambientais, principalmente relacionadas à saúde pública e à produção
de resíduos que podem contaminar animais, rios e afluentes.
Segundo informações do Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento
(PNUD), o número de pessoas em má nutrição caiu na última década quase pela metade,
em razão do rápido crescimento econômico e o aumento da produção agrícola (PNUD,
2019, s.p.). Contudo, ainda não se erradicou a fome no mundo, sendo um dos Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável, a meta de acabar com a fome e a má nutrição até 2030
(PNUD, 2019, s.p.).
O aumento de produção e da produtividade das áreas plantáveis está em
consonância com as metas de combate à fome em escala global. Segundo Iandoli (2016,
p. 4) em menos de três décadas, 7,7% da população mundial saiu da subnutrição.
Todavia, o autor destaca que “10,8% do mundo ainda vive sem acesso a uma dieta que
forneça o mínimo de calorias e nutrientes necessários para uma vida saudável, e 21 mil
pessoas morrem diariamente por fome ou problemas derivados dela” (IANDOLI, 2016,
p. 04).
Ainda que os dados da produção de alimentos superem as demandas por calorias
diárias per capita recomendadas, verifica-se que a concentração de renda e da produção,
fatores culturais e falta de vontade política levam à situação de manutenção de fome ao
redor do mundo, mesmo havendo produção suficiente para alimentar a todos4.
No caso específico do Brasil, em razão das diversas políticas sociais
relacionadas a aumento de renda e melhoria na alimentação, desde 2014 o país não
consta no mapa da fome das Organização das Nações Unidas (FAO, 2015, p. 12). Isso
ocorreu sem que o Brasil abandonasse a sua vocação no “celeiro do mundo” no
comércio internacional, sendo o agronegócio importante componente para estabilização
da balança econômica.

4
Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação, a produção de alimentos é
suficiente para suprir a demanda de todas as pessoas que habitam a terra (OECD/FAO/UNCDF, 2016,
p. 28).

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Em razão da maior regulação do setor pelo Estado, a indústria, os produtores do


setor agrário e os demais agentes da cadeia, intensificaram o fluxo de informações na
cadeia produtiva e aumentaram o fluxo de materiais para um desenvolvimento agrícola
sustentável (OLIVEIRA; CAMARGO, 2014, p. 780-781).
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a estimativa
para a produção de grãos em 2019 é de 230,1 milhões de toneladas, 1,6% maior que a
de 2018 (IBGE, 2019, s.p.).
Para dar conta do mercado interno e internacional, além dos estudos de
melhoramento genético promovidos no país – com destaque para a infinidade de
estudos realizados pelas Universidades, Institutos e principalmente pela Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) –, das variáveis sazonais favoráveis
relativas aos fatores climáticos, parte considerável do sucesso das novas fronteiras
agrícolas e do aumento de produtividade se devem à mecanização do campo e à grande
utilização de agrotóxicos.
O Brasil é líder mundial em utilização de agrotóxicos (SANTOS; VILELA,
2017, p. 02), chegando a consumir cerca de um quinto da produção mundial (SAYURI,
2019, s.p.). Como se já não fosse um dado relevante em razão dos riscos ambientais
envolvidos, causa ainda mais insegurança as medidas tomadas pelo recém empossado
Presidente da República que, em três meses de gestão, liberou diversos agrotóxicos,
passando a lista de produtos permitidos superar a marca de 2000 produtos liberados para
comercialização (GREGORI, 2019, s.p.), muitos dos quais de utilização proibida na
Europa (BRITO, 2018, s.p.).
Segundo dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), “o Brasil
continua a liderar o ranking mundial do consumo de agrotóxicos, indústria que
movimenta mais de US$ 2 bilhões ao ano. O País consome, em média, 7 litros per
capita de veneno a cada ano, o que resulta em mais de 70 mil intoxicações agudas e
crônicas em igual período” (ABRASCO, 2017, s.p.).
Tragédias ambientais como o rompimento da barragem de rejeitos de mineração
no Município de Mariana e no Município de Brumadinho, sendo esta última classificada
tragicamente como de baixo risco e alto potencial de dano (SACONI; VENDURA,
2019, s.p.), evidenciam o dever de constante vigilância e fazem surgir novos
questionamentos acerca de instrumentos hábeis para a proteção do meio ambiente e, ao
mesmo tempo, formas eficientes de responsabilização dos agentes causadores dos
efeitos danosos.
Outro fato recentemente noticiado pela mídia brasileira e que causou
preocupação foi a poluição das águas cristalinas de Bonito, em razão do crescimento
agrícola desordenado, (principalmente relacionado à expansão da soja e outros grãos),
estradas e construções irregulares em áreas de preservação (TV GLOBO, 2019).
Nesse contexto, o presente trabalho tem por objetivo compreender e avaliar a
matriz de responsabilidade no gerenciamento de resíduos decorrentes dos agrotóxicos
pelos fabricantes, analisando o modelo de logística reversa para garantir que a
destinação final após o término do “ciclo de vida” do produto se dê com implementação
de ações que visem proteger o meio ambiente e a sociedade como um todo.
Para compreender a política pública de logística reversa de agrotóxicos, utilizou-
se a metodologia de estudo de caso pelo enfoque holístico, no sentido proposto por Yin
(2001, p. 50-51) para examinar a natureza global de um programa ou de uma
organização. Para tanto, foi realizada análise documental e coleta de dados de fontes
oficiais, notícias recentes divulgadas em veículos de comunicação nacionais e outros
estudos teóricos relacionados ao tema.

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Por opção metodológica, o artigo foi dividido em quatro partes: (i) introdução
metodológica e contextualização; (ii) análise da política pública de logística inversa no
Brasil, a partir da revisão da literatura atinente à logística reversa e propriamente do
desenho legal da política pública de logística reversa dos agrotóxicos; (iii) discussão
sobre a responsabilidade dos agentes que eventualmente causem dano ao meio
ambiente; e (iv) considerações finais sobre os resultados alcançados pela política
pública, os embates entre interesses públicos e privados presentes na utilização dos
defensivos e a responsabilização socioambiental de todos os que participam da cadeia
de produção e utilização, considerando os princípios da prevenção, da precaução e do
poluidor-pagador.

1 Logística reversa de embalagens agrotóxicos no Brasil

O alto consumo de agrotóxicos no Brasil apresenta forte correlação com o


modelo de monocultura adotado em grande parte das fronteiras agrícolas voltadas à
produção de commodities, que favorece a proliferação de pragas. Pela importância da
agropecuária para a economia do país, questões atinentes a ela sempre estiveram na
pauta do dia, tendo demorado bastante tempo para políticas que levassem em conta a
necessidade de proteção de forma mais acentuada do meio ambiente. Essa proteção
somente passou a ser incorporada concretamente na década de 80, com os avanços na
legislação ambiental, com destaque para a Lei n. 6.938/1981 que estabeleceu a Política
Nacional de Meio Ambiente, que tinha como premissa assegurar a “manutenção do
equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser
necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo” (LEMOS, 2003,
p. 78).
Nesses quase quarenta anos, muito se avançou na proteção ambiental,
principalmente com relação às políticas de incentivo à utilização mais consciente dos
recursos naturais finitos. Em 2010, por meio da Lei n. 12.305, foi instituída a Política
Nacional de Resíduos Sólidos, na qual se destaca a política de logística reversa como
uma das formas para lidar com os resíduos sólidos, estabelecendo a responsabilidade do
gerador de resíduos sólidos pelo adequado tratamento após o término do ciclo de vida
do produto (art. 3º, XII).
O aumento da utilização de materiais descartáveis e o consumismo baseado em
obsolescência percebida e programada dos produtos demandou novas estratégias para
cuidar dos resíduos sólidos. Nesse giro, foi preciso pensar em alternativas para separar
os produtos recicláveis ou reutilizáveis daqueles que não podem ser diretamente
aproveitados. Essa seleção permite o melhor aproveitamento dos recursos, ao passo que
possibilita a redução do curso das soluções mais eficientes de destinação final de
determinados produtos.
No caso específico dos agrotóxicos, a previsão de logística reversa ocorreu bem
antes da Política Nacional de Resíduos Sólidos. A Lei n. 7.802/1989, com as alterações
trazidas pela Lei n. 9.974/2000, já previa a responsabilidade da destinação final dos
recipientes pelas empresas produtoras e comercializadoras de agrotóxicos.
Segundo definido na referida lei, em seu art. 2º, inc. I, o termo “agrotóxicos”
compreende:
a) os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos,
destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e
beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas,
nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes
urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos


considerados nocivos;

b) substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes,


estimuladores e inibidores de crescimento;

Verifica-se, portanto, que o conceito abarca uma infinidade de substâncias


pesticidas, herbicidas e fungicidas que requerem cuidados na aplicação, no transporte e
na destinação final específicos, e demandam uma série de procedimentos pelos usuários
para descartar as embalagens.
A formulação de políticas públicas de logística reversa é bastante complexa, pois
exige não apenas identificação dos agentes produtores dos resíduos, mas também
formas de facilitar o descarte e a fiscalização adequados.
Por envolver muitas questões de ordem cultural e demandar participação ativa
dos consumidores, reclama dos gestores públicos não apenas a preocupação com a
logística, com acordos setoriais, com estabelecimento de metas e definição de pontos de
coleta, mas também com formas de gerar incentivos positivos para que a sociedade em
geral contribua para a correta destinação.
No caso da logística reversa das embalagens de agrotóxico é ainda mais
complexo, pois não há convergência entre os estudiosos sequer sobre as substâncias e os
níveis saudáveis de utilização de diversas das substâncias classificadas nesse gênero.
Em verdade, os referidos números são de difícil verificação, sendo importante
lembrar que não há sequer consenso quanto ao termo adequado para tratar estas
substâncias. No presente artigo prestigiou-se a nomenclatura prevista em lei, mas a
denominação de tais substâncias gera polêmica, havendo projetos de lei arquivados e
em tramitação, como o projeto n. 6.299/2002, que buscam alterar o termo nos
documentos e embalagens para “defensivos agrícolas” e outros sinônimos que
desvinculem os produtos do termo “tóxico”.
Assim, considerando o risco inerente à atividade e a necessidade de facilitar o
controle pela Administração Pública de toda a logística, o ciclo de vida do produto foi
pensado pelo legislador para ser grande parte de responsabilidade dos produtores que
devem possuir estruturas adequadas para que os usuários realizem a devolução. Como
as embalagens não podem ser reutilizadas após o fim do produto, devem ser lavadas e
entregues nos centros coletores, onde a indústria recolherá e dará a destinação final.
A implantação de sistemas de logística reversa no setor produtivo foi uma
importante mudança na dinâmica de distribuição de custos da atividade operacional, já
que os benefícios diretos concentrados pelo empresariado enquanto a sociedade arcava
com os custos difusos da poluição e da utilização dos recursos naturais.
Ao prever que as empresas têm obrigação de lidar com os impactos ambientais
pós-consumo, o setor produtivo precisou considerar não apenas a eficiência dos meios
de produção, os riscos oferecidos pelos materiais utilizados e seus subprodutos, como
reinventar a visão do que seriam empresas socioambientalmente responsáveis. Grizzi
(2012, s.p.) identifica quatro formas de adequação nas estratégias das empresas para
lidar com essa nova responsabilidade:
valorização da imagem e da marca perante seus consumidores e investidores;

destaque de seus produtos em detrimento da concorrência, aumentando a


competitividade e desempenho em seu segmento de mercado;

redução de custos com reparação de eventuais passivos ambientais ou


pagamento de multas em processos administrativos por descumprimento de
normas ambientais de logística reversa;

18
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

negociação de redução de valor de prêmios na contratação de determinadas


apólices de seguros e em financiamentos bancários.

Desde 2002, iniciou-se o Sistema Campo Limpo, programa brasileiro de


logística reversa de embalagens de agrotóxicos, responsável por orientar o ciclo das
embalagens pós-consumo desde o campo até a destinação final. Segundo informações
do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV), entidade sem
fins lucrativos criada pelos fabricantes de agrotóxicos para dar cumprimento às
exigências da Lei n. 9.974/2000, “94% das embalagens plásticas primárias (que entram
em contato direto com o produto) e 80% do total das embalagens de produtos
comercializados anualmente recebem a correta destinação pós-consumo” (INPEV,
2019, s.p.).
Um dos grandes desafios dessa rede de suprimentos é a forma de se garantir a
qualidade e integridade do produto por toda a cadeia, desde o grande produtor até
aqueles em locais ermos que consomem pequenas quantidades.

2 Responsabilização dos agentes produtores, transportadores e usuários de


agrotóxicos

No caso do setor agrícola a dificuldade da política pública em ser efetiva é


evidente, considerando a infraestrutura de transporte de todo país, principalmente a
precária malha viária nos rincões das novas fronteiras agrícolas.
Por conta disso, a política de logística reversa de agrotóxicos funciona baseada
na facilidade de fiscalização das indústrias produtoras para que seja viável o
acompanhamento. Isso não significa isenção de responsabilidade dos produtores
agrícolas que utilizam o agrotóxico, mas o foco nos distribuidores, que devem mapear e
monitorar toda a capilaridade da entrega.
No Direito Civil pátrio, as atividades de risco inerente geram responsabilidade
por danos específico, baseado na assunção do risco pela simples escolha de exercer a
própria atividade, não sendo necessário que se verifique culpa do agente causador do
dano.
A responsabilização do agente exige basicamente comprovação do dano e de
nexo de causalidade. Essa objetivação da responsabilidade civil, com a teoria do risco,
assumiu papel relevante na busca por maior efetividade no cumprimento da função
reparatória da indenização decorrente de danos causados.
No caso dos danos ambientais, principalmente por atividades econômicas
poluentes e cujo risco seja elevado, seria complexo pensar de forma diversa, uma vez
que os impactos decorrentes da degradação ambiental não atingem apenas o meio
ambiente, mas toda a biota envolvida, em seus aspectos ecológico, econômico e social.
Todavia, ressalta-se que a busca pela maximização dos lucros não pode permitir a
socialização dos resultados danosos, como elucidam Floriano Neto e Rezende (2019, p.
289), a lógica econômica da maximização dos lucros cria incentivos à internalização
dos benefícios e a externalização dos custos do negócio para a sociedade, o que é
facilmente percebido nas atividades com maior potencial poluente.
Na concepção de Betiol (2010, p. 106), isso não pode significar uma proteção
jurídico-social para todos os elementos, mas aos que são básicos na preservação da vida
e do desenvolvimento.
Relevante contribuição para o desenho de como identificar os responsáveis pelo
fornecimento (ou a ele equiparados) foi realizado pelo Lei n. 8.078/1990, Código de

19
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Defesa do Consumidor que prevê a possibilidade de responsabilização


independentemente de culpa do agente.
Essa modalidade de responsabilidade, posteriormente, inserida no Código Civil
de 2002, no parágrafo único do art. 9275, quando o dano decorre de risco inerente à
própria atividade de seu causador.
No caso dos danos socioambientais, a discussão da responsabilização demanda
uma digressão para compreensão da teoria do risco. Dentre as visões que perpassam o
tema, é Sampaio (2015, s.p.) identifica quatro principais concepções de risco: (i) risco
integral (atividades que trazem risco por sua natureza); (ii) risco profissional (decorre
de determinadas atividades); (iii) risco excepcional (voltado a algum risco
excepcional); (iv) risco proveito (o agente extrai proveito da atividade danosa) e (v)
risco criado (decorre de atividade ou profissão perigosa, salvo prova de precaução).
Diz respeito a teoria do risco integral à imposição da responsabilidade ao
empreendedor sempre que a atividade deste seja elemento decisivo ao resultado danoso.
A despeito de mais extremada, a teoria não deixa de ser adotada.
Adotando a premissa conditio sine qua non, a teoria do risco integral exige
apenas que a ocorrência hipotética do dano e perfeitamente evitável caso não houvesse a
atividade que de certo modo a causou. Pertinente observar que não extingue a
necessidade de se apurar a existência de nexo de causalidade como condição para se
instituir a responsabilidade objetiva, visto que apesar de a conduta poder ser originada
de um terceiro, ou de caso fortuito ou força maior, se o resultado danoso também esteve
associado à existência da atividade, será o empreendedor desta responsabilizado.
Montenegro (2005, p. 113) esclarece que “a responsabilidade somente deixaria de
existir se, eliminando-se mentalmente a existência da atividade, o resultado danoso não
se produzisse, pois, aí sim, restaria evidenciada a ausência de nexo de causalidade,
requisito necessário da responsabilidade civil”.
Outra modalidade de risco, o profissional, como indicado pelo próprio termo,
abarca a relação profissional empregador-empregado, devendo aquele restituir este na
hipótese de acidente por ocasião do trabalho na utilização do produto defensivo.
Bem concluem Cassal e outros (2014, p. 442):
No mundo todo, os efeitos dos impactos na saúde pública, bem como no
meio ambiente vêm sendo percebidos. Em relação à saúde pública, o uso
cada vez mais crescente desses compostos tem causado severos efeitos, sejam
eles agudos ou crônicos, em vários trabalhadores, principalmente da área
rural, embora outros setores também sejam afetados.

Não cabe, novamente, a discussão a respeito da culpa, sendo devido o


ressarcimento por parte daquele que emprega.
Já o risco excepcional adentra em casos alheios à normalidade do exercício da
atividade, como seria, ilustradamente, a ocorrência inesperada de uma explosão em uma
usina de energia nuclear. Cavalieri Filho (2010. p. 144) indica que o dever de indenizar,
independentemente da indagação de culpa, é resultante dos riscos excepcionais a que
determinadas atividades submetem os membros da coletividade de modo geral.
Uma outra modalidade é a do risco proveito, baseada no princípio ubi
emolumentum, ibi onus: o empreendedor, extraindo benefícios de atividade causadora

5
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por
sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

20
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

de determinado dano, responsabilizar-se-ia por este na hipótese de sua ocorrência, salvo,


segundo Montenegro (2005, p. 114), “por fatos imprevisíveis ou necessários, cujos
efeitos não poderia evitar ou impedir”. Como se vê, admite-se nessa teoria as
excludentes que afastam o nexo de causalidade, visto que sentido não haveria de o
empreendedor promover obstáculos aos seus próprios ganhos caso contribuísse,
voluntariamente, para os danos que também afetariam o seu empreendimento.
Por fim, tem-se a teoria do risco criado. Responde-se pelo dano se fora este
causado pela atividade exercida que seja perigosa mesmo que lícita. Se é esta capaz de
criá-lo, está dessa forma estabelecida o hipotético nexo causal entre seu exercício e o
dano decorrente da sua potencialidade de perigo.
Pelo que se percebe, a teoria do risco integral parece ser a mais adequada para
resguardar o meio ambiente, especialmente pelo dever de sua manutenção para as
gerações futuras, conforme disposto no art. 225 da Constituição da República.
Conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso repetitivo e
resumido nos enunciados dos temas 681 e 707, letra “a”:

A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do


risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite
que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela
empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de
responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar .

Como bem esclarece Salomon (2009, p. 97) acerca das diversas previsões
constitucionais e legais de responsabilidade objetiva, a previsão dessa modalidade:

[...] impede a avaliação da conduta do agente, pois os pressupostos da


obrigação de indenizar serão outros, a ação/omissão, dano e nexo causal.
Esse paradigma da responsabilidade sem culpa impõe a facilitação da
reparação de todo e qualquer dano, mas deixa fora do Direito Privado
qualquer tipo de obrigação de cunho repressivo, ficando esse viés adstrito ao
Direito Público.

Essa objetivação da responsabilidade afastaria as excludentes, trazendo


dificuldades de ordem prática para o agente discutir a existência ou não do nexo causal,
passando a demandar, principalmente das empresas com risco poluidor maior medidas
de compliance e de governança mais severas, para que consiga afastar a
responsabilidade ou pelo menos poder discutir a dimensão dos danos. Tais medidas
guardam relação direta com os princípios da prevenção e do poluidor-pagador.
Apesar de a expressão per se já abarcar a ideia de que “quem polui, paga”, o
princípio do poluidor-pagador é mais abrangente, visto que impõe ao agente causador
da poluição despesas quanto à prevenção, reparação e repressão desta. Essa modalidade
de responsabilização reforça a abrangência da responsabilidade já que pressupõe que
“aquele que criou o risco ambiental deve ser o responsável por restabelecê-lo, ainda que
inexista dano plenamente caracterizado” (ANTUNES, 2002, p. 221).
Concretizando, de certa forma, o poluidor-pagador, o princípio da prevenção é
aplicado a situações em que se tem certeza de que um descuido pode ocasionar um

21
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

dano. Relaciona-se, portanto, diretamente com, segundo Betiol (2010, p. 52), “adoção
de medidas que corrijam ou evitem danos previsíveis”.
Na Política Nacional de Resíduos Sólidos, em seu art. 31, II, nota-se a imposição
de medida de prevenção no que tange ao dever de fabricantes, importadores,
distribuidores e comerciantes prestarem informações ao usuário do produto quanto à
utilização deste, evitando-se assim a probabilidade de dano.6
Continuamente, no art. 33 vê-se outra aplicação devida do princípio da
prevenção, na medida em que devem novamente fabricantes, importadores,
distribuidores e comerciantes coletar os resíduos sólidos poluentes provenientes dos
produtos que fornecem, conferindo-lhes uma adequada destinação, de forma a evitar o
chamado dano pós-consumo:
Art. 33. São obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística
reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma
independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos
sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de:

I - agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja


embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, observadas as regras de
gerenciamento de resíduos perigosos previstas em lei ou regulamento, em
normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa, ou em
normas técnicas;

Da mesma forma, a Lei n. 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio


Ambiente previu no §1º do art. 147, que o poluidor será obrigado a indenizar ou reparar
eventuais danos ambientais causados, em razão do exercício de sua atividade,
independente de culpa.
A doutrina destaca a obrigatoriedade de o poluidor-pagador arcar com os custos
para prevenção e reparação dos danos, como se verifica, uma vez mais, nos dizeres de
Thomé (2017, p.70):

O princípio do poluidor-pagador, considerado como fundamental na política


ambiental, pode ser entendido como um instrumento econômico que exige do
poluidor, uma vez identificado, suportar as despesas de prevenção, reparação
e repressão dos danos ambientais.

Para sua aplicação, os custos sociais externos que acompanham o processo de


produção (v.g. valor econômico decorrentes de danos ambientais) devem ser
internalizados, ou seja, o custo resultante da polução deve ser assumido pelos
empreendedores de atividades potencialmente poluidoras, nos custos da
produção.

6
“Art. 31. Sem prejuízo das obrigações estabelecidas no plano de gerenciamento de resíduos sólidos e
com vistas a fortalecer a responsabilidade compartilhada e seus objetivos, os fabricantes, importadores,
distribuidores e comerciantes têm responsabilidade que abrange: [...] II - divulgação de informações
relativas às formas de evitar, reciclar e eliminar os resíduos sólidos associados a seus respectivos
produtos;”
7
“Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não
cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados
pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: [...] § 1º - Sem obstar a aplicação
das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa,
a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O
Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil
e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”

22
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

O dever constitucional de proteção ao meio ambiente, aliado aos princípios da


precaução, prevenção e da obrigatoriedade da atuação (intervenção) estatal, dimensiona
o problema da inaptidão da tutela ressarcitória como meio idôneo e capaz de conceder a
defesa desses direitos, fazendo-se necessários outros meios e procedimentos para que a
justiça seja alcançada.
O ressarcimento, previsto no art. 947 do Código Civil, entendido como uma das
modalidades de reparação, é a compensação pecuniária ao dano ocorrido. Mediante
estimativa de perdas e danos, calcula-se apenas patrimonialmente o que será destinado
como forma subsidiária de recompensar por aquilo que não será mais possível de se ter
novamente. Sempre que possível, deve-se privilegiar a chamada restituição in natura,
voltando-se aquilo ao estado anterior ao dano.
Por somente reparar parcela do dano causado, deve a modalidade indenizatória
ser aplicada subsidiariamente, vendo-se a inquestionável preferência à tutela integral
proporcionada pelo retorno do meio ambiente ao status quo.
Encontra-se consolidado no ordenamento pátrio que a reparação ambiental se
encontra abarcada dentro da sistemática de responsabilização civil, prestigiando-se
sempre que possível a recomposição do bem (no caso bem ambiental) ao estado em que
se encontrava antes do dano.
Dessa forma, a aplicação dos citados princípios e das demais normas aplicáveis
aos contornos dos impactos suportados pelo meio ambiente, tem-se que a indenização é
o objetivo secundário, sendo a preservação e a reparação do meio ambiente os principais
objetivos.
A matriz de responsabilidades pode ser então identificada como
responsabilidade do fornecedor de agrotóxicos de fornecer embalagens com baixo risco
de vazamento, monitorar a circulação dos produtos, apresentar instruções de
armazenamento e manuseio muito claras, recolher os recipientes vazios e produtos fora
da data de validade.
Já os produtores agrícolas, além do dever observar as regras dos fabricantes,
devem mitigar os riscos relacionados ao produto, acondicionando conforme orientações
do fabricante e informando o fabricante qualquer alteração no produto, bem como da
necessidade de recolhimento.
A atividade de recolher e dar destinação às embalagens de agrotóxicos estará
submetida a um estudo e respectivo relatório, que buscarão examinar o impacto
ambiental consequente, segundo art. 2º da Resolução n. 001/1986 do Conselho Nacional
do Meio Ambiente (Conama). Sem o estudo e o relatório, não será a atividade
devolutiva licenciada, afinal:

Qualquer atividade ou obra efetiva ou potencialmente poluidora do meio


ambiente deve ser submetida a uma avaliação prévia sobre os impactos que o
empreendimento pode causar ao meio ambiente, uma vez que toda e qualquer
atividade humana possui a capacidade de modificar ecologicamente as
condições do meio ambiente, insta saber qual a melhor forma de minimizar os
impactos ecológicos negativos provocados por essas ações. (BIZAWU;
MOREIRA, 2017, p. 275)

Com relação especificamente à atividade de transporte dos materiais, o Instituto


Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) editou a Instrução
Normativa n. 5, de 2012, que regulamenta a autorização ambiental provisória de
produtos perigosos, como forma de controlar a atividade de transporte marítimo e
interestadual, fluvial e terrestre.
23
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

A verificação do nexo de causalidade entre a autoria da ação ou omissão e o


resultado danoso. Afinal, a empresa empreendedora envolvida não necessariamente
responde pela atividade de outra a que fica a cargo do transporte do produto. Nesse
sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso
Especial n. 1.596.081, da sessão de 25 de outubro de 2017. Trata-se a lide de explosão
do navio Vicuña, no Porto de Paranaguá, ocasionando derramamento de óleo e metanol,
e que resultou na proibição da pesca, inicialmente por tempo indeterminado e depois por
60 (sessenta) dias, nas baías de Paranaguá, Antonina e Guaraqueçaba.
A parte autora da ação realizava atividade de pesca e pleiteou indenização em
face das sociedades empresárias cujos produtos estavam a bordo no acidente. Todavia,
por ter sido estas apenas adquirentes da carga transportada, entendeu-se não ter havido
nexo de causalidade, não se aplicando a teoria da equivalência de condições para fins de
responsabilização civil ambiental:

[...]

4. Em que pese a responsabilidade por dano ambiental seja objetiva (e


lastreada pela teoria do risco integral), faz-se imprescindível, para a
configuração do dever de indenizar, a demonstração da existência de nexo de
causalidade apto a vincular o resultado lesivo efetivamente verificado ao
comportamento (comissivo ou omissivo) daquele a quem se repute a
condição de agente causador.

5. No caso, inexiste nexo de causalidade entre os danos ambientais (e morais


a eles correlatos) resultantes da explosão do navio Vicuña e a conduta das
empresas adquirentes da carga transportada pela referida embarcação.

6. Não sendo as adquirentes da carga responsáveis diretas pelo acidente


ocorrido, só haveria falar em sua responsabilização - na condição de
poluidora indireta. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2017, p.01-02)

No desenho da política pública de logística reversa das embalagens de


agrotóxicos, há uma inegável centralidade no papel da indústria fabricante, responsável
providenciar centrais de coleta para recolher e armazenar as embalagens, dar a correta
destinação ao material, seja reciclando nos casos em que isso é possível ou mesmo
incinerando, além de promover campanhas educativas sobre a importância de os
agricultores devolverem as embalagens.
Contudo, também podem ser responsabilizados os agentes que realizam o
transporte e os próprios produtores agrícolas, usuários finais dos agrotóxicos, caso não
ajam corretamente dentro de suas atribuições.
Já ao Estado cabe fiscalizar o cumprimento das atribuições legais dos agentes,
conceder licenciamento às unidades de recebimento e conscientizar os produtores.
Assim, vale destacar a possibilidade de responsabilização do próprio Estado pela
liberação de substâncias, ignorando evidências científicas, mas principalmente por ação
ou omissão no dever de fiscalizar as atividades sabidamente poluidoras. Ao instituir a
política pública de logística reversa das embalagens de agrotóxicos, a Administração
Pública atrai para si o dever de fiscalizar e, caso não exerça adequadamente seu papel
pode ser responsabilizada objetivamente pelo risco administrativo.
O risco administrativo caracteriza-se pela atuação de agentes das Pessoas
Jurídicas de Direito Público ou Privado que prestam serviço público, segundo o que

24
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

dispõe o art. 37, § 6º, da Constituição da República. Pertinente destacar que não
responderá somente pelos danos causados ao meio ambiente, mas igualmente por esses
danos se causados por terceiros, visto a decorrência de (I) ausência de fiscalização ou
(II) expedição da licença ambiental.
Veiga Junior (2016, s.p.) sintetiza que:
[...] nos danos causados pelos agentes que prestam serviço público, o Estado se
responsabilizará objetivamente. Além disso, quanto aos danos causados por
particulares, o Estado responderá solidariamente na reparação, em razão do seu
dever genérico de reparação do dano estampado na CRFB, ressalvado o direito
de ação de regresso em face do particular.

Nesse sentido, além da direta responsabilização dos agentes particulares que


participam do ciclo de vida dos agrotóxicos e de suas embalagens, há previsão de
reparação de danos ambientais causados pela atuação desregrada na exploração de
atividade econômica, quanto do ente público no múnus público no ato de autorizar e
fiscalizar tal atividade.

Considerações finais
O presente artigo analisou a logística reversa de agrotóxicos a partir da matriz de
responsabilização dos agentes que atuam na produção, transporte e utilização. Em
resposta ao problema proposto, pode-se afirmar que o termo desenvolvimento
sustentável já não possui a carga semântica que possuía no contexto inicialmente
empregado, mas representa a situação desejável de possibilitar o progresso, o
desenvolvimento de novas tecnologias, sem que isso signifique renegar a segundo plano
o caráter sustentável, principalmente em seu aspecto ambiental.
A utilização de novas técnicas, maquinários e defensivos químicos são
pertinentes com o modelo econômico adotado no país e com as questões de segurança
alimentar. Isso não significa, contudo, que o uso desmesurado de agrotóxicos seja
aceitável, principalmente quando potencialmente pode poluir lençóis freáticos e
causador de danos à saúde dos consumidores.
No contexto atual, a utilização de agrotóxicos encontra-se em uma situação de
path dependence das escolhas políticas adotadas para incentivo de monoculturas, de
produções agrícolas para exportação, podendo alterações bruscas causar impactos
negativos na balança comercial e na segurança alimentar. Contudo, deve-se haver
precaução quanto às substâncias utilizadas sem que haja maiores estudos prévios,
seguindo os princípios da prevenção e da precaução, devendo-se levar em consideração
que muitas das substâncias permitidas e utilizadas em larga escala no Brasil são
proibidas em outros países.
Diante disso, necessário cuidado especial para o controle dos recipientes, já que
o descarte deve ocorrer de modo adequado para que não gere maiores danos. Assim, foi
pensada a política de logística reversa das embalagens, para que os produtores dos
agrotóxicos se responsabilizem por recolher e dar a destinação correta dos materiais.

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

A centralidade de responsabilização na figura do fornecedor de agrotóxico não


isenta em absoluto a responsabilidade dos demais agentes da cadeia de produção. A
legislação traz obrigações aos responsáveis pelo transporte e pelos produtores agrícolas,
cabendo a eles parcela de responsabilidade no processo de manuseio e descarte.
Assim, propõe-se séria reflexão sobre a necessidade de utilização de medidas
voltadas ao cumprimento do papel socioambiental das empresas e do próprio estado.
Não expressa a realidade o pensamento de que o sistema de logística reversa existe
apenas como forma de o estado intervir na economia, pois, antes de tudo, refere-se a um
sistema de agregar valor ao produto e mitigar o ônus socioambiental que ele produz.
Lado outro, não se pode ignorar as evidências científicas, mas sim estimular
maiores estudos para evolução da tecnologia empregada nos agrotóxicos e nas
embalagens para que sejam menos poluentes. Para que essas inovações produzam
efeitos duradouros, é necessário que vários atores estejam comprometidos e envolvidos
em rede, em um sistema de inovação nacional.
Ademais, nenhuma dessas medidas será possível se não houver maior
transparência e seriedade nas discussões, principalmente pelo agente estatal, que poderá
ser responsabilizado em caso de falhar no seu dever de fiscalizar a efetivação da política
pública.

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

SACONI, João Paulo; VENTURA, Manoel. Barragem de Brumadinho tinha baixo


risco de acidente, mas alto potencial de danos. Disponível em:
https://oglobo.globo.com/brasil/barragem-de-brumadinho-tinha-baixo-risco-de-
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SALOMON, Fernando Baum. Nexo de Causalidade no Direito Privado e Ambiental.
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28
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

A PRODUÇÃO DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS


(OGMs): CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E OS USOS DE AGROTÓXICOS

The production of Genetically Modified Organisms (OGMs): socio-environmental


conflicts and the use of agrochemicals

Gianno Lopes Nepomuceno1

Resumo: Analisa-se nesta pesquisa os conflitos socioambientais referentes aos


organismos geneticamente modificados (OGMs), em consonância com o Projeto de Lei
6299/2002, sobre o uso de agrotóxicos. Com o avanço tecnológico, os agrotóxicos
destinados à manipulação dos OGMs, podem acabar gerando riscos, danos à saúde da
sociedade e ao meio ambiente. O Projeto de Lei 6299/2002 estabelece que além de
flexibilizar as regras para importação e registro de agrotóxicos, passa a utilizar o nome
"pesticida" ao invés de "agrotóxico". A metodologia da pesquisa foi a dedutiva, tendo
como resultado identificar que a sociedade tem o direito de participação popular nas
decisões que envolvam os OGMs, bem como tendo que ser tutelado o direito de
informações adequadas dos produtos que estão consumindo os alimentos.

Palavras-chaves: Agrotóxicos, Saúde, Transgênicos, Consumo, Alimentação.

Abstract: The socio-environmental conflicts related to genetically modified organisms


(GMOs) are analyzed in this research, in accordance with Bill 6299/2002, on the use of
pesticides. With the technological advance, the pesticides destined to the manipulation
of the GMOs, can end up generating risks to the health of the society and to the
environment. Bill 6299/2002 establishes that in addition to making the rules for
importation and registration of pesticides more flexible, it uses the name "pesticide"
instead of "agrotoxic". The research methodology was deductive, with the result that the
society has the right of popular participation in decisions involving GMOs, as well as
having the right to adequate information about the products they are consuming the
foods.

Keywords: Agrochemicals, Health, Transgenics, Consumption, Food.

1
Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentabilidade, Escola Superior Dom Helder
Câmara (2019). Bacharel em Direito, Escola Superior Dom Helder Câmara, (2017). É Assistente de
biblioteca, na biblioteca Arnaldo de Oliveira na Escola Superior Dom Helder Câmara (2008).
giannonep@yahoo.com.br

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Introdução

Diante dos conflitos socioambientais gerados pelo consumo dos OGMs e de


agrotóxicos no Brasil, desde o ano de 2002 vem ocorrendo diversos debates sobre o
Projeto de Lei (PL) 6299/2002 (agrotóxicos). O Projeto vem abordar algumas diretrizes
dos OGMs, considerado pela sociedade como “projeto veneno”. Nesta concepção, o PL
tem o intuito de flexibilizar as regras para importação e registros de agrotóxicos, bem
como passando a fazer utilização do nome “defensivos agrícolas” em vez de
“agrotóxicos”.
Referente ao Brasil, as questões estão ligadas aos organismos geneticamente
modificados (OGMs) e aos agrotóxicos, pois estão consolidadas pela Lei nº 7.802, de
1989 e por meio do Decreto nº 1.355, de 30/12/1994, que regulamenta a pesquisa,
rotulagem, armazenamento, importação, exportação e registro, pois quase todos os
processos estão relacionados ao uso, liberação e fiscalização dos pesticidas no país.
O artigo busca ainda esclarecer algumas questões: quais os riscos, danos à saúde
podem ser desenvolvidos ao produzir ou consumir OGMs? São as políticas públicas e a
gestão no Brasil dos OGMs eficientes? A sociedade exerce seu direito de participação
popular nas decisões sobre os OGMs e, tem informações complacentes sobre a
produção dos OGMs? Na mesma sequência, analisa-se uma possível
inconstitucionalidade do Projeto de Lei 6299/2002 (Agrotóxicos).
Referente aos questionamentos e conflitos socioambientais que são gerados a
partir do consumo dos OGMs e dos agrotóxicos, o trabalho destaca a ineficiência de
algumas leis brasileiras que são positivadas em alguns Estados, que não são aplicadas
adequadamente e não cumprem na sua integralidade a proteção da saúde da sociedade.
Na elaboração do artigo, utiliza-se a metodologia dedutiva do problema fático-
jurídico sobre os OGMs e o Projeto de Lei 6299/2002, além dos métodos jurídico-
dogmáticos, interligado com o hermenêutico, com análise de casos concretos da
utilização e consumo dos OGMs e de agrotóxicos, assim com consultas às legislações e
doutrinas pertinentes ao tema.
Mediante o exposto, o artigo está fundamentado, como marco teórico estrutural,
na obra de João Carlos de Carvalho Rocha, intitulada “Direito Ambiental e
transgênicos: princípios fundamentais da biossegurança”. Por conseguinte, são
apresentadas algumas possíveis hipóteses de esclarecimento sobre o tema-problema,
como por exemplo, demonstrar novas ações práticas de fiscalizações e informações
sobre os OGMs e a não utilização de agrotóxicos. Todavia, visando ampliar as
atividades dos órgãos públicos e agentes, busca-se demonstrar a necessidade de
informação adequada, verdadeira, precisa acerca dos malefícios e dos danos causados
pelos OGMs e a utilização dos agrotóxicos no Brasil.
No primeiro item, serão abordados os impactos dos agrotóxicos e a
(in)constitucionalidade da PL do “veneno” no Brasil. No item dois, consecutivamente,
será abordada a questão do uso dos OGM’s e seus conflitos socioambientais, ao final as
considerações finais.

1 Impactos dos agrotóxicos e a (in)constitucionalidade do PL do “veneno" no


Brasil

É importante fazer uma análise sistêmica sobre os impactos, influências dos


agrotóxicos na vida e na saúde da sociedade brasileira, que consome os alimentos
advindos de agrotóxicos e que podem provocar graves danos à saúde por meio do seu

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

consumo e consumismo.
Paralelamente, às dificuldades se instalam devido à pouca segurança alimentar
que poderia ser desenvolvida com mais vigor pelos municípios e Estados, sendo que a
Comissão Especial Julgadora destinada a proferir parecer ao projeto de Lei n° 6299, de
2002 do Senado Federal, passa a enfrentar diversos conflitos socioambientais para
decidir. Devido a constitucionalidade questionada, o projeto propõe alterar os artigos 3°
e 9º da Lei n° 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõem sobre a pesquisa, a
experimentação, a produção, embalagem e rotulagem dos produtos para a
comercialização.
Mediante o exposto, o projeto aborda também as questões de propaganda
comercial dos produtos, a utilização, a importação, exportação, o destino final dos
resíduos e suas embalagens, sobre o registro, a sua classificação, controle, fiscalização,
inspeção, classificação dos produtos e seus componentes.
Nesse viés, o projeto de Lei n° 6.299, DE 2002, propõe diversas mudanças que
afetam indiretamente ou diretamente as relações sociais, econômicas e políticas de todo
o sistema capitalista de consumo, no que tange às produções alimentícias no Brasil.
De certo a proposta do projeto “Veneno”, destaca:

Passa a usar os termos "defensivos agrícolas" e "produtos fitossanitários" no


lugar de "agrotóxico".2. As análises para novos produtos e autorização de
registros passam a ficar coordenadas pelo Ministério da Agricultura.3. O
Ministério da Agricultura também irá "definir e estabelecer prioridades de
análise dos pleitos de registros de produtos fitossanitários para os órgãos de
saúde e meio ambiente".4. É criado um registro e autorização temporários
para produtos que já sejam registrados em outros três países que sejam
membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) e adotem o código da FAO. O prazo será de 1 ano de análise e,
então, o registro será liberado temporariamente.5. A análise de risco é
obrigatória para a concessão de registro e deverá ser apresentada pela
empresa que solicita a liberação do produto. Produtos com "risco aceitável"
passam a ser permitidos e apenas produtos com "risco inaceitável" podem ser
barrados.6. Os Estados e o Distrito Federal não poderão restringir a
distribuição, comercialização e uso de produtos autorizados pela União. 7.
Facilita a burocracia para a liberação de agrotóxicos idênticos e similares a
outros já registrados. (BRASIL, 2018, p.1).

Por certo, com os propósitos apresentados pela PL, objetiva-se uma


flexibilização do sistema regulatório de agrotóxicos no Brasil. O debate em favor do
projeto baseia-se na falta de competitividade do país no cenário global.

Em outro viés, criam-se impactos com diversas incertezas e determinações sobre


a viabilidade dos monitoramentos dos produtos, fiscalizações que, necessariamente, não
serão complacentes com as consequências que serão geradas pelas substâncias químicas
dos agrotóxicos na saúde da sociedade brasileira e do meio ambiente.
Nesse teor, a questão da constitucionalidade da PL do “Veneno” é questionada,
pois diversos conflitos socioambientais e jurídicos desenvolveram entre a sociedade
consumidora, ambientalistas, cientistas em favor da saúde pública, de um lado, e os
produtores, empresários do agronegócio, do outro.
Por sua vez, devido aos conflitos e questionamentos sobre a PL, através de uma
nota técnica, o Ministério Público Federal (MPF) destacou em um pronunciado, que
aproximadamente seis artigos da Constituição Federal brasileira serão violados caso o
projeto seja passado pelo Congresso com aprovação.
Nota-se que de acordo com o MPF, a atual legislação faz vedar a aprovação de

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

substâncias com características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, ou que


causem de imediato ou em longo prazo, distúrbios hormonais ou mesmo quaisquer
danos ao sistema reprodutivo humano.
Devido aos apontamentos trazidos pelo projeto de lei, a legislação permite que
essas substâncias sejam registradas, já que será estabelecida a análise minuciosa de
risco. Assim, somente os produtos com riscos inaceitáveis poderiam ser barrados, para
não serem comercializados. Neste cenário de riscos, a sociedade fica sem saber o que é
inaceitável, e como seria proibida a comercialização de produtos transgênicos.
Certamente podem ocorrer efeitos degradantes diversos provenientes do uso de
agrotóxicos e dos alimentos transgênicos para a saúde e vida das populações,
ocasionando, em larga escala, danos irreparáveis, afetando também o direito à
alimentação.
Importante ressaltar o entendimento de João Carlos de Carvalho Rocha:
O direito à alimentação constitui-se, portanto, em um direito humano de
conteúdo material, porque envolve o cumprimento de prestações positivas, é
diretamente afetado por políticas sociais e econômicas e delas depende para
sua realização, se não quanto à sua promoção, pelo menos para evitar que as
políticas sociais e econômicas não criem obstáculos à realização desse
direito. No Brasil, a Lei n. 11.346, de 15 de setembro de 2006, criou, o
Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Sisan, como o
objetivo primordial de assegurar o direito humano à alimentação adequada. O
seu art. 2° situa com precisão a alimentação adequada como direito
fundamental. (ROCHA, 2008, p. 141).

Em função do direito à alimentação, ocorrem violações de diversos direitos,


onde podem ocorrer também danos incomensuráveis através do consumo exagerado de
alimentos com alto teor de agrotóxicos. Contudo, os conflitos e dilemas referentes às
políticas públicas e seus gestores acabam não proporcionando espaço para diálogos,
para as populações exercerem seu direito de participação popular nas decisões sobre os
OGMs e a PL do “Veneno”.
Isso mostra que garantir o direito humano à alimentação adequada, com
equilíbrio e sadia qualidade de vida, perpassa pelos conflitos de poder de empresas
nacionais e transacionais, pois o poder econômico e político podem necessariamente
predominar sobre a produção de alimentos.
Mesmo assim, a produção dos alimentos transgênicos pode ter
outras conotações:

O argumento de que os alimentos transgênicos podem reduzir a fome no


mundo parece repetir o modelo de segurança alimentar pela disponibilidade
ou capacidade de abastecimento. Trata-se de garantir a abundância. A
presença de a presença de alimentos geneticamente modificados no mercado
em nada altera a incapacidade dos famintos em adquiri-los, já que sofrem
privações até mesmo dos alimentos tradicionais, usualmente existentes em
sua cultura alimentar. Há, ainda, o risco de que essas privações se tornem
mais agudas, em razão do pagamento de royalties, da concentração das
técnicas de produção de alimentos por grandes corporações e de uma maior
dependência em relação aos países desenvolvidos do hemisfério norte.
(ROCHA, 2008, p.147).

Diante disso, os argumentos para a produção dos alimentos transgênicos para


reduzir a fome, se torna um dos argumentos inadequados no qual não são analisadas as

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

consequências negativas desta produção sem limites sobre a natureza e a saúde dos
consumidores.
No sentido de garantir a abundância e produção de alimentos, será que estão
sendo produzidos alimentos de qualidade? Com o cultivo dos alimentos geneticamente
modificados, a preservação do meio ambiente natural, da biodiversidade, dos
ecossistemas está sendo afetados drasticamente, pois os conflitos socioambientais
podem aumentar e não alcançar soluções práticas no Brasil sobre a produção,
comercialização de alimentos.
Pode-se considerar que as desigualdades para ter acesso aos alimentos
transgênicos ainda se tornam notáveis, e as classes mais precárias da sociedade teriam
também a mesma dificuldade em adquirir qualquer alimento.
Além da questão de garantia de acesso aos alimentos, à redução da
biodiversidade, o risco potencial, já apontado, do plantio de alimentos GM, tem
estreita relação com a segurança alimentar, contribuindo para a avalição
desfavorável ao plantio de cultivos GM em países tropicais. O impacto por
redução da biodiversidade pode afetar diretamente comunidades extrativistas e
práticas agrícolas tradicionais. Produtos como milhos, arroz, batata, cana- de –
açúcar, tomates, feijão, pimenta, pimentões, café, cacau e baunilha, além de
diversas castanhas, são originários de áreas tropicais reconhecidas como
centros de diversidade genética. A redução dessa diversidade genética pela
homogeneização alimentar das variáveis geneticamente modificadas pode
reduzir as alternativas alimentares, acarretando um efeito contrário ao
prometido. (ROCHA, 2008, p. 148).

Ressalte-se que as degradações da biodiversidade, devido às produções de


alimentos transgênicos, os impactos que ocorrem sejam a médio e longo prazo, muita
das vezes podem ser transfronteiriços, degradando biodiversidades e ecossistemas.

Com a depreciação da biodiversidade, que passa a ser afetada pelos impactos


negativos dos conflitos da produção de alimentos, João Carlos de Carvalho Rocha
menciona:
Os impactos negativos dos OGM dizem respeito a aspectos ambientais, de
saúde pública, de restrição à liberdade de escolha do consumidor, de redução
da biodiversidade, de maior dependência tecnológica e maior desigualdade nas
relações Norte-Sul. Uma única alteração genética em uma determinada espécie
pode causar efeitos inesperados em todo o ecossistema em que o OGM seja
inserido. (ROCHA, 2008, p. 264).

Em consequência desses acontecimentos, a ingestão dos agrotóxicos pode


ocasionar extinções de espécies de diversos ecossistemas, bem como alteração genética
em animais.
Percebe-se, em outro viés, que o excesso de produtos químicos que advêm da
utilização de organismos geneticamente modificados na agricultura, não causa apenas
um impacto negativo no meio ambiente natural, mas gera também diversos riscos de
causas e consequências que abrangem a saúde pública, com intoxicação da população
consumidora destes alimentos.
De modo geral, o debate entre inconstitucionalidade e constitucionalidade da PL
do “veneno” no Brasil, está polarizado. Em um primeiro plano encontra-se o grupo que
pode ser classificado como os liberais, defendendo que a sociedade e os governos não
deveriam impor limites ao desenvolvimento da industrialização dos alimentos.

33
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Em outro viés de concepção, existem os ambientalistas, pesquisadores da área


alimentícia dentre outros especialistas, que lutam pela ética e segurança alimentar em
favor de uma boa qualidade da saúde pública da sociedade em coletivo.
De efeito, necessitam que a rotulagem dos OGMs seja estabelecida de forma
clara, precisa, detalhada com eficácia, na busca de proteger a saúde da sociedade em sua
integridade sem violações de direitos humanos. Com isso, a sociedade tem o direito de
ser informada sobre o que ela está ingerindo através da composição e produção dos
OGMs, também não podendo ser totalmente excluída das decisões dos assuntos da
produção e comércio dos OGMs, pois a sociedade tem que ter seu direito à participação
popular garantido constitucionalmente.
Nessa tomada de decisão a sociedade não pode se manter refém dos interesses da
bancada ruralista e dos empresários do agronegócio, que querem uma produção e
comercialização dos OGMs de forma mais liberal. A garantia da saúde da coletividade e
do direito à alimentação digna, saudável necessita prevalecer como bem comum,
estabelecendo também preservação, proteção, precaução, prevenção no meio ambiente
natural ecologicamente equilibrado.

2 OGMs e seus conflitos socioambientais

Devido ao crescimento das grandes empresas de tecnologia e com o


desenvolvimento dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), observa um
avanço significativo nas melhorias e aumentos do processo produtivo industrial e
econômico no Brasil.
Todavia, com a modernização e industrialização ilimitada, desenvolveram-se
conflitos múltiplos em torno dos consumos de alimentos transgênicos, relacionada à
soberania e segurança alimentar, suscitando questões éticas, sociais, culturais,
econômicas e políticas importantes na contemporaneidade.
Entretanto, essa modernização proporcionada pelas novas tecnologias
decorrentes do processo de industrialização – que foi de grande contribuição
para o progresso social –, não foi acompanhada de uma capacidade científica
capaz de prever de forma precisa a extensão de todos os seus efeitos
colaterais. A sociedade industrializada do século XX e do início do século
XXI passou a ser inserida num contexto de riscos muitas vezes invisíveis à
comunidade científica, mas que nem por isso se tornavam menos
ameaçadores. (RIBEIRO, GUSMÃO, CUSTÓDIO, 2018, p. 98.99).

Com foco na modernização e nos processos de industrialização de produtos


geneticamente modificados, consta-se que devido às técnicas utilizadas para alteração
de genes em diferentes organismos, criaram-se riscos com as fusões de genes com
espécies diferentes, sendo que a natureza jamais fora capaz de criar as diversas
variedades transgênicas.
Diante da necessidade de lidar com esse cenário de ameaças generalizadas e
de incertezas quanto aos riscos socioambientais proporcionados pela
Revolução Industrial – em que se insere a Revolução Verde –, as nações
soberanas se organizaram internacionalmente no intuito de criar instrumentos
capazes de gerenciar de modo adequado a situação, sem comprometer o
desenvolvimento tecnológico e o crescimento econômico. (RIBEIRO,
GUSMÃO, CUSTÓDIO, 2018, p. 100).

A propósito, sobre a arena de ameaças e riscos das produções dos transgênicos,

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

o cultivo destes alimentos seria a dúvida sobre seus efeitos secundários e as


consequências diversas sem saber as proporções dos seus danos de intoxicação crônicas,
que podem ocasionar em curto, médio e longo prazo.

Devido aos danos que são causados pelos OGMs sobre a saúde, ao mesmo
tempo em que são disponibilizados no mercado para o consumo sem prévia análise, os
riscos podem se potencializar de forma generalizada.
Nesse viés, Nalini afirma que “os prováveis riscos dos transgênicos são reações
alérgicas, surgimento de bactérias com novos genes resistentes a antibióticos, criação de
superpragas, desaparecimento das plantas não transgênicas em decorrência da
polinização cruzada” (NALINI, 2003, p. 93).
No teor englobando a lei de Biossegurança ou de Engenharia Genética, pode-se
constatar um avanço na história brasileira, no que se refere ao direito à informação e
toda pesquisa realizada pelos cientistas. Mas também enfrenta diversas questões dos
limites à informação de qualidade e do direito ao sigilo, referente às características de
composição, produção e mesmo dos efeitos negativos de quem consomem os OGMs.
Fundamenta-se nesta concepção Machado:
Para fazer evoluir a cultura científica importa que o público seja bem
informado e participe, com conhecimento de causa, em debates. Promover a
cultura científica faz parte de uma boa higiene democrática. É indispensável
para permitir ao público compreender e orientar o progresso. O progresso
tecnológico transformou a informação em um bem jurídico capaz não só de
satisfazer a necessidade de saber, como também de influir decisivamente no
seu uso. Proteger a capacidade de reflexão é o que se propõe o direito de
informação (MACHADO, 2006, p. 27).

Referente às evoluções das pesquisas sobre os OGMs, os cientistas de certo


modo conquistaram um largo desenvolvimento informativo para a produção e
manipulação destes produtos.
Desse modo, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no seu
artigo 225, § 1º inciso II explicita sobre a relevância de manter o meio ambiente
equilibrado:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para
as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse
direito, incumbe ao Poder Público: II - Preservar a diversidade e a integridade
do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa
e manipulação de material genético. (BRASIL, 1988).

Devido às novas criações dos transgênicos, esta produção afeta os ecossistemas


na medida em que desequilibra os biomas, levando a eliminações ou extinções de
espécies que fazem parte daquele ambiente natural onde é produzido o alimento, como,
por exemplo, abelhas, pássaros, morcegos, minhocas e outros animais ou espécies de
plantas. Percebe-se que, além das degradações dos impactos negativos causados
pelas produções e plantios dos OGMs, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e outros
dispositivos de proteção ambiental que são de alta relevância, muitos dos instrumentos
para a proteção ambiental como um todo, passam a ser ignorados e não são executados
de forma eficaz.
Acredita-se que se fosse realizada com efetividade uma prévia análise
minuciosa das degradações que poderiam ser causadas pelas produções e consumo dos
OGMs, possivelmente poderiam acontecer impactos menos nocivos à saúde pública e

35
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

ao meio ambiente.
Referente aos propósitos das pesquisas biotecnológicas, observam Poz e
Barbosa:
A biotecnologia moderna se caracteriza pela elevada dependência da pesquisa
em ciências básicas, pela multidisciplinariedade e complexidade, pela
aplicação em diversos setores produtivos, pela elevada incerteza das
atividades da pesquisa e desenvolvimento tecnológico, de seus riscos e
elevados custos das aplicações comerciais. Tais cadeias de pesquisa e
desenvolvimento tecnológico apresentam risco tecnológico, pois as pesquisas
podem não resultar efetivamente em produtos seguros e que apresentem a
eficiência deles esperada (POZ; BARBOSA, 2009, p.98).

Mesmo com a biotecnologia e com os dispositivos tecnológicos, os


impactos, influencias dos efeitos negativos dos transgênicos na natureza ainda são
poucos conhecidos, então o debate sobre os alimentos geneticamente modificados se
acirra cada vez mais com ameaças à sociedade e a biodiversidade.
Ademais, a biotecnologia passou a representar na
contemporaneidade uma nova fronteira, uma vez que toda a ciência decorre de produtos
advindos das tecnológicas, podendo ser usadas a favor do equilíbrio ou desequilíbrio do
meio ambiente. Sendo que a biotecnologia provoca uma vasta polêmica, pois nela estão
implicadas questões morais. Mas, por outro lado, a biotecnologia proporciona
muitos benefícios à humanidade, sendo que está unida a várias áreas, como o combate à
doenças, melhoramento da qualidade dos alimentos, buscando soluções eficazes para a
saúde da sociedade e preservação da qualidade do meio ambiente.
De forma similar, Fiorillo questiona, referente à criação de
organismos geneticamente modificados, se contribuiria para a diminuição da
variabilidade das espécies:
Isto porque um dos problemas decorrentes do melhoramento genético é o
surgimento de linhagens com pouca variabilidade genética e,
consequentemente, com capacidade reduzida de se adaptarem às alterações
ocorridas no meio ambiente. Quando se busca criar uma linhagem única e
híbrida, se estará diminuindo a possibilidade de mutação dessa espécie e que
dessa forma venha a extinção. (FIORILLO, 2004, p. 207)

Nessa dualidade de conflitos, o melhoramento genético dos alimentos


modificados por meio da biotecnologia, consiste em selecionar e aprimorar as
qualidades das espécies, tendo em vista sua utilização pelos seres humanos, mas as
questões problemáticas se referem aos limites dessas pesquisas.
Certamente ainda necessita de uma racionalidade mais elevada e
consciente, em face da produção e fabricação dos OGMs, para que não impliquem em
riscos e perigos inerentes ao uso da biotecnologia. Na mesma concepção, as pesquisas
necessitam ser realizadas em favor de um bem comum da coletividade, que proporcione
uma união nas relações sociais, empresariais, econômicas, para que sejam exercidas
corresponsabilidades mútuas da sociedade, do Estado e de empresas relacionadas à área,
na busca de restabelecer o equilíbrio e a preservação do meio ambiente.
Nesse cenário de riscos, não seria adequado o sistema econômico se sobrepor às
necessidades básicas dos seres humanos, ou influenciar na positivação de novas leis
para produzirem os alimentos geneticamente modificados, bem como querer obter
lucros exorbitantes através do sistema global e capitalista.
Realmente com a revolução da biotecnologia, não seria convincente cercear seus
avanços e conquistas em pleno século XXI, sendo que os novos meios de pesquisas

36
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

necessitam ser estabelecidos através de meios seguros, com amplas e minuciosas


pesquisas. Também criando mais experiências práticas dos impactos e dos danos
ambientais, que possam ocorrer a médio e em longo prazo, possivelmente gerando
procedimentos para assegurar a sobrevivência e bem-estar da sociedade e equilíbrio
ambiental.
Inclusive, deveria prevalecer os interesses da sociedade em coletividade, pois a
participação popular, o diálogo pacífico, pudesse abrir formas para uma melhor
compreensão, equidade e ponderação nas suas relações que envolvessem a criação,
produção e consumo dos OGMs, estabelecendo, a longo prazo, uma melhor e sadia
qualidade de vida.
Ao final, neste cenário de conflitos socioambientais das produções e consumos
dos OGMs, necessita prevalecer às diretrizes positivadas na Constituição Brasileira de
1988, no art. 225, na busca que de as responsabilidades sejam estabelecidas de forma
mútua, equilibrada, por meio do Poder Público ou da própria sociedade civil,
preservando a essencial qualidade da saúde da vida humana e de todo meio ambiente.

Considerações finais

As polêmicas referentes aos organismos geneticamente modificados, apesar de


possivelmente proporcionar aumento da produção de alimentos no país, também resulta
em um consumismo de alimentos com agrotóxicos, colocando a sociedade em uma
escala de diversos riscos, danos à qualidade da saúde pública e do meio ambiente, como
degradações de áreas para o plantio dos OGM.
No que aufere sobre a inconstitucionalidade do Projeto de Lei 6299/2002
(Agrotóxicos), que a sociedade denomina a PL como projeto “veneno”, os conflitos
carecem ser analisados de forma mais minuciosa por meio da participação da sociedade
civil, predominando o melhor interesse da coletividade e do bem-estar social e do
equilíbrio, preservação do meio ambiente.
Com os impactos da flexibilização das regras de importação e registro para
utilização de agrotóxicos, possivelmente passa a ser utilizado o nome "pesticida" ao
invés de "agrotóxico,". Se positivado o projeto, poderá haver maior escala de danos,
degradações na saúde pública e do meio ambiente, com situações de causa e efeito
interligadas. Existindo a flexibilização, não será a melhor forma de proteger e evitar a
ingestão de agrotóxicos vindo dos alimentos.
Uma das soluções seria optar pelos alimentos de agricultura biológica, os
conhecidos alimentos orgânicos ou da (agroecologia), pois os alimentos são cultivados
de maneira especial por comunidades tradicionais, livres de agrotóxicos e produzidos
em solo minimamente trabalhado com adubo natural.
Os instrumentos jurídicos para a proteção da tutela da saúde pública e do meio
ambiente, como a Lei de Biossegurança n° 11.105/2005 e o Decreto n° 5.591/2005,
dentre outros instrumentos jurídicos, possuem lacunas nas legislações positivadas, ou
mesmo criam outras leis para facilitar ilegalidades por meio de produtores e empresários
do agronegócio, pois visam lucros econômicos, rendas por meio das produções e
importações de OGMs.
É preciso, também nesse sentido, a revisão para o exercício da participação
popular nas decisões que envolvem assuntos destinados aos OGMs e a utilização dos
agrotóxicos na produção destes alimentos, como no Projeto de Lei 6299/2002
(Agrotóxicos). Existir limites e transparências para a produção, comercialização dos
OGMs se faz necessário, pois a sociedade requer ser informada adequadamente sobre a
composição dos produtos, em favor dos seus direitos de consumidores finais.

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Ao passo, os consumidores de OGMs necessitam exercer a consciência dos


riscos que podem enfrentar ao consumir os alimentos geneticamente modificados,
também a saúde pública da coletividade não sofra danos por comercializações
inadequadas destes produtos no Brasil.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,


1988. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-
1988-5-outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 2 out. 2019.

BRASIL. CDD. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei. PL 6299/2002, “altera” os


arts. 3º e 9º da Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=46249>.
Acesso em: 20 jun. 2019.

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São Paulo: Saraiva, 2004.

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Intelectual e Biotecnologia. (Org.). Vanessa Iacomini. Curitiba: Juruá, 2009. 219 p.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à Informação e Ambiente. São Paulo:


Malheiros, 2006.

NALINI, José Renato. Ética Ambiental. 2. ed. Campinas – SP: Millennium editora,
2003.

PROJETO DE LEI Nº 6.299, DE 2002. Disponível em:


http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1654426&fil
ename=Tramitacao-PL+6299/2002. Acesso em: 5. Abr. 2019.

RIBEIRO, J. C. J.; GUSMÃO, L. C.; CUSTÓDIO, M. M. SEGURANÇA


ALIMENTAR E AGROTÓXICOS: A situação do glifosato perante o princípio da
precaução. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 15, n. 31, p. 95-125, jan./abr. 2018.
Disponível em:
<http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/1275/2455>.
Acesso em: 20 jun. 2019.

ROCHA, João Carlos de Carvalho. Direito Ambiental e transgênicos: princípios


fundamentais da biossegurança. – Belo Horizonte: Del Rey, 2008. 320 p.

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

FLEXIBILIZAÇÃO NO PROCEDIMENTO DE REGISTROS DE NOVOS


AGROTÓXICOS NO BRASIL

Flexibility in the procedure for registering new agrochemicals in Brazil

Elias José de Alcântara1

Anamália Queiroz de Carvalho Alcântara2

Resumo: O trabalho tem por objetivo analisar a flexibilização do procedimento de


registro de agrotóxicos no Brasil, abordando as consequências para saúde humana e
para o meio ambiente. Buscou abordar no texto com a importância do setor agronegócio
para o país, discutindo o sistema produtivo adotado que privilegia o uso indiscriminado
de agrotóxicos, sob a justificativa de ser necessário para o combate a pragas e doenças
nas plantações. Todavia, contextualizado as externalidades negativas decorrentes do
uso dos agrotóxicos, buscou analisar os aspectos normativos que regulamentam à
matéria, quanto ao registro de novos produtos para serem comercializados no país,
resultando na propositura da adoção de um sistema produtivo com base nas diretrizes
que norteiam o desenvolvimento sustentável.

Palavras chaves: Agrotóxicos – Registro – meio ambiente – saúde humana –


desenvolvimento sustentável

Abstract: The objective of this work is to analyze the flexibilization of the pesticide
registration procedure in Brazil, addressing the consequences for human health and the
environment. It sought to address in the text the importance of the agribusiness sector to
the country, discussing the adopted productive system that privileges the indiscriminate
use of pesticides, under the justification of being necessary for the fight against pests
and diseases in the plantations. However, contextualizing the negative externalities
arising from the use of pesticides, sought to analyze the normative aspects that regulate
the matter, regarding the registration of new products to be marketed in the country,
resulting in the proposition of the adoption of a production system based on the
guidelines that guide the sustainable development.

Keywords: Pesticides – Record – environment - human health - sustainable


development
Introdução

1
Mestre em Direito em Instituições Sociais, Direito e Democracia pela Universidade Fundação Mineira
de Educação e Cultura, 2012; Pós-graduação em Direito Econômico e Empresarial na Faculdade
promovido pela Unimontes em 2001; Especialista em Regulação em Saúde Suplementar pela
Universidade de Brasília, 2005; Servidor público especialista em Regulação de Saúde Suplementar;
elias.alcantara@ans.gov.br.
2
Pós-graduanda em Medicina do Trabalho pelo CENBRAP, Residência em Medicina de Família e Comunidade;
Pós-graduada em Psiquiatria e Cardiogeriatria, Especialista em Geriatria pela Sociedade Brasileira de Geriatria,
médica perita da SEPLAG-MG, anamaliac@2006@gmail.com

39
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Segundo a CONAB, a previsão da safra 2018/2019, será de cerca de 238,9


milhões de toneladas de grãos, ocupando uma área aproximada de 62,9 milhões de
hectares. Num país, continental como o Brasil, o Estado de Minas Gerais se encontra
em posição de destaque, figurando em sexto lugar na posição do ranking entre os
Estados da Federação que mais produzem grãos, com uma produção de 13.780,4
milhões de toneladas, o que corresponde a 5,8% da produção nacional.
Todavia, a posição nesse ranking não se deve, exclusivamente, a adoção de
técnicas modernas de cultivo das diversas espécies de culturas agrícolas. sob esse
aspecto, com base nos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
estatística (IBGE) e pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), constatou-se uma
efetiva ampliação do uso de agrotóxicos pelos produtores mineiros, superando três
vezes a média nacional no potencial de crescimento, pois enquanto o crescimento
nacional foi de 20%; em Minas Gerais, cresceu 60% o número de propriedade rurais
que passaram a utilizar agrotóxicos, passando para um total de 182.234
estabelecimentos rurais do Estado a utilizar agrotóxicos no seu sistema produtivo, cerca
de 30% do número total dos estabelecimentos.
A justificativa técnica para o aumento da utilização dos defensivos agrícolas
se funda basicamente na necessidade de combater pragas que atacam as lavouras,
buscando assim obter uma maior produtividade no cultivo da cultura agrícola. Todavia,
não há qualquer preocupação com outros aspectos fundamentais relacionados
diretamente com a cadeia produtiva, relacionados aos danos à água, o ar, o solo e ao
ecossistema em que se localiza a propriedade, assim como há uma total ignorância
quanto à saúde dos trabalhadores rurais, e, especialmente, em face aos impactos no meio
ambiente em face a uma espacialidade mais abrangente; ou, quanto aos efeitos à saúde
dos consumidores desses produtos agrícolas.
Sob tal perspectiva, houve uma ampliação constante da utilização de
monoculturas de larga escala que utilizavam maquinários e substâncias químicas
destinadas a auxiliar no combate de “pragas”, sob o propósito de maximizar a produção.
Mais tarde adveio também, a partir da evolução das técnicas biotecnológicas, o
desenvolvimento de sementes geneticamente modificadas resistentes a determinados
produtos químicos, os quais passaram a ser aplicados cada vez com mais intensidade
pelo setor agrícola. (RIBEIRO et al, 2018, p. 98)
É factível que o uso indiscriminado de adubos e defensivos químicos
prejudicam a saúde do trabalhador, dos consumidores dos produtos cultivados com o
uso dessas técnicas defensivas; assim como os ecossistemas e o meio ambiente como
um todo. Todavia, inobstante, as autoridades e a sociedade terem ciência dos impactos
negativos dos usos dos agrotóxicos, o que percebemos é a ausência de uma efetiva
política pública sensível que busque efetivamente enfrentar os graves problemas nesse
setor.
Ao contrário, inobstante o Brasil ser líder mundial no uso de defensivos
agrícolas, em razão do consumo de cerca de 7,3 litros per capita anual por habitante, por
meio do consumo de alimentos como grãos, frutas, verduras e, legumes; ainda assim, no

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

âmbito do Poder Público, o que verificamos é a adoção de medidas políticas que


flexibiliza o controle e a restrição da aprovação e do uso dos agrotóxicos.
Diante desse cenário de maior flexibilização no fluxo procedimental de
aprovação de agrotóxicos no país, impõe analisarmos as consequências dessa política
pública, aqui entendida como uma ação de governo direcionada a indução de condutas
no setor de agrodefensivos no país, especialmente, enfocando os efeitos à saúde
humana, os aspectos de segurança alimentar e a discrepância no tratamento dado a
matéria, quanto ao uso de agrotóxicos por outros países.

1 Registro de novos agrotóxicos

O setor produtivo primário no Brasil possui uma importância vital na


econômica do Brasil, respondendo por cerca de 12% do produto interno bruto do país, o
qual é responsável cerca de 22% dos postos de emprego para a população ativa,
produzindo matérias-primas tanto para setores estratégicos da indústria nacional, como
alimentos para o consumo interno da população, além de constituir enormes excedentes
para a exportação.
Na prática o comércio de defensivos agrícolas no país, impulsiona um setor
econômico pujante, cujas vendas alcançam cerca de US$ 10 bilhões por ano, o que
representa 20% do mercado global, estimado em US$ 50 bilhões. Em 2017, os
agricultores brasileiros usaram 540 mil toneladas de ingredientes ativos de agrotóxicos,
cerca de 50% a mais do que em 2010, segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ligado ao Ministério do Meio
Ambiente. Ingrediente ativo é a substância responsável pela atividade do
produto.(VASCONCELOS, 2018, p. 18)
Acontece que o país não é auto-suficiente na produção integral dos
alimentos que consome, inobstante possui excelentes condições para a produção
agrícola. Isso, em razão, muitas vezes pela estratégia comercial de priorizar produtos
mais demandados pela plataforma de exportação, fato que acarreta um desequilíbrio nos
ecossistemas, devido à adoção de monoculturas, que facilitam a adoção de organismos
nocivos ao cultivo.
Importa mencionar que, em regra, o plantio de determinada espécie de
planta em determinado terreno, naturalmente irá acarretar a diminuição da
biodiversidade do ecossistema, uma vez que necessária acarretará a necessidade de
limpeza das glebas para o plantio, por meio do desmatamento; preparo do solo com
fertilizantes, além do uso de agrotóxicos para combater patógenos e pragas que se
alastram nas culturas.
O problema é que as técnicas majoritárias de cultivo adotado no país não
possuem nenhum atributo ecológico, ao contrário, desde a opção de modelos baseados
em monocultura que acaba por restringir a biodiversidade, perpassando pela
necessidade crescente de aumento do uso de agrotóxicos, que a cada novo ciclo
produtivo exige o aumento de sua utilização, o que se vê é a instituição de um ciclo
vicioso no sistema produtivo.
A simplificação dos ecossistemas, processo indispensável para o
desenvolvimento da monocultura extensiva (arquétipo que se mantém com a transgenia,
já que não foi pela necessidade dos pequenos produtores rurais que ela se desenvolveu),
é extremamente perigosa para a manutenção desses ecossistemas, que, em geral, são
complexos, considerando que o incremento dos agroecossistemas têm ocorrido nas

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

regiões com maior biodiversidade do planeta e, desgraçadamente, também mais pobres.


(ZIMMERMANN, 2009, p. 80)
Nesse âmbito, a adoção de um sistema produtivo sustentável impõe a
instituição de um formas sistêmicas de produção, caracterizados pelo uso racional dos
defensivos agrícolas, concomitante com a incorporação de tecnologia promotoras de
práticas ecologicamente sustentáveis, por meio do controle biológico de pragas, que
consiste na introdução de agentes biológicos nativos contra as pragas da cultura, o
fomento do uso de manejo integrado das pragas, que gera o uso consciente dos recursos
naturais e a preservação ambiental, ou mesmo o uso racional desses insumos, fomento
práticas de agricultura orgânica.

Mas, sobretudo, faz-se premente a necessidade de um trabalho de


conscientização dos riscos no uso indiscriminados de agrotóxicos, adotando ações de
desestímulo a comercialização e ao uso desnecessário, sob pena de sua utilização se
tornar uma efetiva externalidade negativa para o produtor rural, meio ambiente e para os
consumidores.

Todavia, em que pese existir entendimentos consolidados nesse viés, as


ações governamentais direcionam de forma oposta. Fato incontestável pelas decisões
adotadas pelos órgãos responsáveis pelo registro, controle e fiscalização dos agrotóxicos
no país, fato que demonstra uma clara tendência em liberalizar e fomentar a
comercialização indiscriminadas desses produtos, muitos dos quais classificados como
sendo de alta toxidade, sem qualquer justificativa técnica.

Pasmém! A fundamentação para facilitar o registro dos produtos, foi com


base na ineficiência e incapacidade do Estado de adotar processos administrativos de
controle mais rigoroso e maior eficiência na análise dos critérios técnicos necessários
para o registro do produto, sob pena de acarreta o contrabando dos produtos.

Nessa linha irracional, a lógica não consistiu na promoção e otimização


dos instrumentos de controle, mas sim, facilitar e diminuir os critérios de exigência para
os registros dos produtos, facilitando assim que todo e qualquer produto possa ser
comercializado no país, inclusive, aqueles classificados como sendo de alta toxicidade,
dos quais diversos já foram proibidos de serem comercializado e utilizados no próprio
país em que são produzidos.

Por conseguinte, resultou que o Poder Público, efetuou o registro de 31


(trinta e um) novos agrotóxicos, dos quais 16 (dezesseis) são classificados como
altamente tóxicos, o que já perfaz a autorização de 86 (oitenta e seis) novos agrotóxicos
para serem comercializados, somente nos primeiros meses de 2019.

E, se observar a média histórica de registros, observa-se o efetivo estímulo


de comercialização e uso desses produtos, devido somente em 2018, ter sido autorizado
o registro de 450 novos produtos.

Essas ações públicas atuam em descompasso com as diretrizes de políticas


públicas de saúde e de desenvolvimento do próprio setor agrícolas, pois é de
conhecimento público que o uso de agrotóxicos gera diversas externalidades tanto para
a saúde humana, como para o meio ambiente. Em relação à saúde da população, há

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

inúmeros casos de intoxicação direta de trabalhadores rurais ou de pessoas que têm


contato com esses produtos.

Cabe registrar que em 2018, foi publicado o Relatório Nacional de


Vigilância em Saúde de populações expostas a agrotóxicos, informando os últimos
dados sobre os indicadores de notificação de intoxicação por agrotóxicos, cuja
referência é do ano de 2014, os quais identificaram cerca de 6,26 casos notificados a
cada 100 mil habitantes no Brasil, existindo efetiva tendência de crescimento das
notificações, haja vista o próprio aumento do uso dos agrotóxicos.

Já num aspecto indireto, há estudos alarmantes de intoxicação pelo consumo


de alimentos com altos índices de resíduos de agrotóxicos que são prejudiciais à saúde a
longo prazo, fato que por si só, já seria suficiente para que o Poder Público adotasse
uma postura com maior razoabilidade e prudência no controle e registros desses
produtos, sob pena de ser um efetivo fator de degradação do meio ambiente e
prejudicial à saúde da população.

Aqui, cabe mencionar, que por si só tais dados, são alarmantes! E, mesmo
havendo estudos que busquem comprovar que o Brasil se tornou referência no consumo
de defensivos agrícolas, especificamente, por ter as maiores áreas agrícolas do mundo,
e, que proporcionalmente o consumo de países europeus como a França, Reino Unido;
e, asiáticos, como Japão, são relativamente maiores quando relacionam à quantidade de
defensivos com as respectivas áreas de cultivo e produção (VASCONCELOS, 2018, p.
23). Com efeito, tais estudos não são suficientes para descaracterizar os riscos e ignorar
os reais problemas de saúde pública que atingem milhares de brasileiros a cada ano em
razão do uso indiscriminados desses produtos.

Ademais, os registros desses produtos em entidades públicas como a


Agência Nacional de Saúde Suplementar, IBAMA e Ministério da Agricultura
representa uma ferramenta básica no processo de controle e fiscalização governamental
em relação aos agrotóxicos, no que se refere à produção, comercialização,
armazenamento, uso, e, mesmo importação e exportação, visando atribuir um mínimo
de segurança para a sociedade, por meio da diminuição ou controle dos riscos à saúde
humana e ambiental.

Portanto, espera-se que o Poder Público cumpra com suas atribuições


institucionais no âmbito de sua esfera de competência, estabelecendo critérios técnicos
rigorosos em todo o fluxo procedimental das etapas de registros dos agrotóxicos,
avaliando as características técnicas, toxicológicas de cada substância, bem como
fixando restrições e critérios na utilização desses produtos, dentro de um limite mínimo
de segurança para à saúde humana e para o meio ambiente.

2 Consequências da exposição aos agrotóxicos

A terminologia "agrotóxico" foi formalmente adotada pelo inciso IV do


artigo 1º do Decreto nº 4074/2002, que regulamentou a Lei Federal nº 7.802/1989,
dispondo:

Agrotóxicos são produtos e agentes de processos físicos, químicos ou


biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas,


nativas ou plantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes urbanos,
hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da
fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados
nocivos, bem como as substâncias e produtos empregados como
desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento;

No âmbito infra-legal, a NRR 5, no item 5.1.1, define agrotóxicos, como:

Entende-se por agrotóxicos as substâncias, ou mistura de substâncias, de


natureza química quando destinadas a prevenir, destruir ou repelir, direta ou
indiretamente, qualquer forma de agente patogênico ou de vida animal ou
vegetal, que seja nociva às plantas e animais úteis, seus produtos e
subprodutos e ao homem.

É interessante observar que antes da Constituição Federal de 1988, essas


substâncias eram denominadas defensivos agrícolas, o que atribuía uma conotação
equivocada aos termos, pois a denominação agrotóxico é mais adequada, por
demonstrar de plano os riscos, não omitindo os aspectos negativas à saúde humana e ao
meio ambiente que os produtos podem causar.
A exposição aos agrotóxicos a longo prazo acarreta o acúmulo de
substâncias tóxicas no organismo. E a manipulação desses produtos pelos trabalhadores
os submetem a sérios riscos de danos à saúde, sendo um dos principais fatores de
problemas de saúde no campo, pois com a pulverização dos agrotóxicos nas lavouras, os
mesmos se expõem a riscos de elevada toxicidade e sem proteção adequada, certamente
infortúnios de invalidez e morte ocorreram.
Em relação aos produtos registrados para comercialização no Brasil, é preocupante o
fato de que a sua maioria são produtos que se enquadram entre aqueles de maior
toxicidade. A toxicidade dos agrotóxicos é aferida com base em critérios técnicos, cuja
classificação enquadra o produto, com base nos efeitos agudos que geram no organismo
considerando a dose letal (DL50) de formulações líquidas e sólidas em animais de
laboratório, e, os respectivos valores equivalentes em relação a uma pessoa adulta de 70
kg.

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Salienta-se que a classificação de toxicologia refere à toxicidade aguda, não


abordando análises que tratam de fatores de riscos de doenças que possam evoluir de
forma prolongada, como exemplo: câncer, neuropatias, hepatopatias e outros problemas
crônicos.

Ademais, a dados projetando um aumento do faturamento da produção pela


indústria de defensivos, fato impulsionado pela maior produção esperada (34,2%),
apesar da redução de 12,42% dos preços na comparação entre janeiro de 2019 e de
2018, conforme Relatório PIB do Agronegócio (Cepea/USP e CNA/2019), em que
claramente manifesta uma clara tendência de queda no produto interno bruto do
agronegócio, com ressalva do apenas do setor de insumos que apresentou alta no mês
(0,86%), mantendo a tendência de crescimento já observada em 2018.
Acredita que os riscos desses produtos serão eliminados ou atenuados, com
base na mera expectativa de que haverá uma utilização adequada dos produtos com base
nas recomendações da bula, dentro das boas práticas agrícolas, por meio de uso de
equipamento de proteção individual soa no mínimo ingênua, por se mostrar totalmente
desconectado com a realidade social do meio ambiente do trabalho dos nossos
produtores rurais.
É importante destacar que apesar das disposições da NR-06 (1978), Norma
Regulamentadora da Consolidação das Leis do Trabalho, no que se refere à Segurança e
Medicina do Trabalho, quanto aos Equipamentos de Proteção Individual (EPI),
definindo no item 6.1, como todo dispositivo ou produto, de caráter individual usado
pelo trabalhador, e seu principal intuito é à proteção de riscos capazes de ameaçar a
segurança e a saúde no ambiente de trabalho.
Nesse sentido, em maio/2018, na sessão de audiência pública na Câmara dos
Deputados Federais para a Comissão de Desenvolvimento Urbano, a Fiocruz afirmou
que há um efetivo crescimento do número de mortes e intoxicações envolvendo
defensivos agrícolas no Brasil, tendo sido registrado em 2017, 4.003 (quatro mil e três)
casos de intoxicação por exposição a agrotóxicos em todo o país, quase 11 por dia,
ocorrendo 164 mortes devido ao contato com o veneno e 157 ficaram incapacitadas para
o trabalho, sem contar intoxicações que evoluíram para doenças crônicas como câncer e
impotência sexual.
Enquanto, o Ministério da Saúde, por meio do seu Boletim Epidemiológico,
nessa linha, dispôs que em relação ao local de exposição, o ambiente de trabalho e
residência ocupavam quase a totalidade das notificações, evidenciando talvez uma
45
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

característica da população trabalhadora da área rural brasileira, baseada na agricultura


familiar, que emprega cerca de 12,3 milhões de pessoas, correspondendo a 84,4% dos
estabelecimentos rurais do país.
O fato é que a notificação de casos de intoxicação é regulamentada pela
Portaria nº 204, de 17 de fevereiro de 2016, que define a Lista Nacional de Notificação
Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde,
públicos e privados, em todo o território nacional (casos suspeitos e confirmados)
determina que os agravos e doenças relacionados ao trabalho devem ser notificados nos
sistemas de informação do SUS, os acidentes de trabalho com exposição a material
biológico, dentre outros, a intoxicação exógena, por substâncias químicas, incluindo
agrotóxicos, gases tóxicos e metais pesados.

Todavia, é perceptível que inobstante haver formalmente vários sistemas de


informação com funções para notificação das intoxicações como o Sinan e do Sinintox,
incluiu o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), o Sistema de
Informações sobre Mortalidade (SIM) e a Comunicação de Acidente de Trabalho
(CAT), na prática tais sistemas não são efetivos, pois há um elevado índice de
subnotificações, limitando-se as notificações as situações de maior gravidade e casos
agudos.

Isso sem falar, no fato de desconsiderar completamente as consequências do


uso indireto dos agrotóxicos na população, devido ao uso desses produtos no cultivo dos
diversos alimentos que vão para a mesa dos consumidores, acarretando a longo prazo
inúmeras doenças
Em relação ao impacto do uso dos agrotóxicos sobre a fauna, é importante
salientar o grave problema do sulfoxaflor, o qual teve seu registro aprovado para ser
comercializado no Brasil. Isso em razão do fato de que o produto estava diretamente
ligado ao extermínio de polinizadores nos Estados Unidos, fato que motivou a revisão
da permissão de sua comercialização, por não ter comprovado o produto não era
prejudicial às abelhas, acarretando o cancelamento de todos os registros de produtos à
base de sulfoxaflor, e, somente depois da atribuição de atributos de proteção às abelhas,
foi possível conceder nova licença, para o uso em plantações que atraem os
polinizadores após o florescimento.
Esse caso é paradigmático, devido ao fato de que uma das alegações do
Poder Público para flexibilizar e facilitar o registro dos agrotóxicos consistia justamente
na demora na análise e aprovação dos requerimentos dos registros dos agrotóxicos.
Todavia, o que se observou quanto ao fluxo procedimento de autorização do
sulfoxaflor, foi justamente a adoção de um viés procedimental extremamente célere,
cujos aspectos formais de atributos de legitimidade democrática e participativa em face
a adoção de um fator de governança, por meio de consulta pública, não alcançou sua
finalidade.

Salienta-se que a foi aberta por meio de publicação a consulta pública nº


571, em 21 de novembro de 2018, para fins de inclusão do ingrediente ativo S19 –
SULFOXAFLOR na Relação de Monografias dos Ingredientes Ativos de Agrotóxicos,
Domissanitários e Preservantes de Madeira, publicada por meio da Resolução - RE N°
165, de 29 de agosto de 2003, DOU de 2 de setembro de 2003, prazo até 22 de
dezembro de 2018, o qual teve a publicação de seu registro poucos dias depois.

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Cabe destacar que nos termos do Decreto 4074, de 04 de janeiro de 2002,


que regulamenta a Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989, caberá a reavaliação pelas
entidades públicas avaliar os problemas e as informações relatadas sobre produtos que
são objetos de alertas pelos riscos causados a saúde da população, vejamos:

Art. 19. Quando organizações internacionais responsáveis pela saúde,


alimentação ou meio ambiente, das quais o Brasil seja membro integrante ou
signatário de acordos e convênios, alertarem para riscos ou desaconselharem
o uso de agrotóxicos, seus componentes e afins, caberá aos órgãos federais de
agricultura, saúde e meio ambiente, avaliar imediatamente os problemas e as
informações apresentadas.
Parágrafo único. O órgão federal registrante, ao adotar as medidas
necessárias ao atendimento das exigências decorrentes da avaliação, poderá:
I - manter o registro sem alterações;
II - manter o registro, mediante a necessária adequação;
III - propor a mudança da formulação, dose ou método de aplicação;
IV - restringir a comercialização;
V - proibir, suspender ou restringir a produção ou importação;
VI - proibir, suspender ou restringir o uso; e
VII - cancelar ou suspender o registro.

Nesse sentido, percebe-se que em relação às análises sobre a toxicologia dos


agrotóxicos, há uma mera tentativa de legitimar as decisões técnicas sob uma viés de
participação pública, por meio de contribuições de entidades da sociedade civil
organizada, mas que de fato não há qualquer efetividade, devido à inviabilidade de
promover um amplo debate sobre o tema, discutindo os diversos aspectos de impacto do
produto no meio ambiente e na saúde humana, ou quando atende esse critério, no
sentido de chegar a facultar contribuições para o debate, os mesmos não são levados em
consideração na tomada da decisão final.
Para auxiliar e prevenir acidentes é importante diminuir a exposição aos
riscos, adotando práticas de biossegurança. O uso de equipamentos de proteção é
essencial, pois exerce um desempenho muito importante que ajuda a reduzir o impacto
de produtos agroquímicos na saúde pública. Para melhorar a eficácia dos equipamentos
e evitar uma possível contaminação é importante que a educação ambiental seja
desenvolvida junto aos trabalhadores, desempenhando um papel muito importante de
capacitação, em relação à utilização adequada de equipamentos de proteção.

3 Aspectos ambientais

A relação entre o desenvolvimento econômico e o direito fundamental ao


meio ambiente equilibrado delineiam as diretrizes adotadas pelo agronegócio
impulsionadas pelo uso de agrotóxicos e as práticas agroecológicas caracterizadas pela
adoção de práticas agrícolas sustentáveis.

Nesse âmbito, deparamos com um dilema, pois se de um lado, temos plena


consciência de que a utilização dos agrotóxicos na produção agrícola é um fator de risco
para a saúde humana e para o meio ambiente, o que acarretaria a necessidade de
restringir o seu uso, muitas vezes, sob argumento até mesmo ingênuo, como os que
apregoam a eliminação completa do uso dos agrotóxicos. Por outro, há o argumento de
que seu uso é imprescindível para garantir um mínimo de produção agrícola, por meio
de eliminação das pragas que destroem as plantações, sob pena de se tornar inviável a
atividade econômica.

47
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

De fato, não há como negar que a incorporação tecnológica no sistema


produtivo agrícola e o uso de agrotóxicos revolucionaram o setor em termos produtivos.
E, é inquestionável, a dificuldade produtiva em grande escala sem o uso de substâncias
químicas para o controle de pragas e doenças que atinge a plantação das diversas
culturas.
Assim, descortina-se um cenário extremamente conflituoso que gera grande
insegurança no setor e na sociedade em que atuam diversos protagonistas. Há os
fabricantes que reivindicam apoio para instalação de novas fábricas e obtenção de
registros de novos produtos, os produtores que solicitam produtos mais eficazes e
baratos, os agentes públicos e a sociedade civil na área de saúde que denunciam os
riscos para a saúde humana em face da toxicidade dos produtos, os ambientalistas que
lutam pela adoção de um modelo produtivo mais sustentável que proteja o meio
ambiente, além das partes mais vulneráveis que são os consumidores que querem
produtos mais saudáveis e seguros.
E, nesse âmbito, que se faz necessário analisarmos o modelo de
desenvolvimento que adotamos para o setor, o que impõe uma analisar não somente o
aspecto econômico, exigindo-se ainda um enfoque quanto às questões ambientais,
sociais e políticas; pois se para os países desenvolvidos o objeto central se volta em
torno do crescimento econômico e proteção ambiental, para os países em
desenvolvimento, exige-se também a inclusão de outros fatores na avaliação do
problema, como relacionados à violação dos direitos humanos, desigualdade social, má
distribuição de renda, fome e conflitos armados.

Sobre esse aspecto, o Relatório Global sobre Crises Alimentares de 2019,


denuncia que Mais de 113 milhões de pessoas em 53 países experimentou fome aguda
exigindo comida urgente, nutrição e assistência de subsistência (IPC / CH Fase 3 ou
acima) em 2018. Muitas das quais, relacionadas a conflitos armados que geram severas
crises de insegurança alimentar, pois passam a utilizar o acesso a alimentos como
estratégia de guerra.

Assim, diante de estatísticas que afirmam que a população mundial será de


mais de 8 bilhões de pessoas, em 2024, e, superior a 9,5 bilhões de pessoas em 2050; e,
pela percepção de que atualmente, milhares de pessoas passam fome, não há como
negar a gravidade do problema da segurança alimentar em termos internacionais,
considerando a pressão por demanda alimentar com base em fatores como expansão
populacional, concentração urbana, desigualdade social.
Com efeito, considerando que o sistema produtivo adotado acarreta grave
degradação ambiental, devido ao alto consumo de agua, energia; além do esgotamento
do solo e contaminação de recursos hídricos, cumulado com poluição doar e perda da
biodiversidade da fauna e flora.

Inquestionavelmente, a análise da busca de solução para esses problemas,


exige uma abordagem sob um enfoque do desenvolvimento sustentável, cuja proposta
consiste na opção de um sistema de gestão produtiva, que busque de forma racional
implementar um crescimento econômico, com ampliação da produção, mas que também
considere os diversos fatores sociais e ambientais.

Nesse sentido, é o que dispõe o relatório da Comissão Mundial para o Meio


Ambiente e o Desenvolvimento (CMMAD, 1991), publicado sob o título de Nosso
Futuro Comum, marcou o debate ambientalista da década de 1980, ao introduzir a

48
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

noção de “desenvolvimento sustentável”. De acordo com o Informe, a economia deveria


ser orientada globalmente para que se atendessem “as necessidades do presente sem
comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas”.

Propõe-se, portanto, que haja uma harmonia entre os sistemas produtivos e o


meio ambiente, sendo esta também a linha de proposição do nosso ordenamento jurídico
tutela o meio ambiente, prevendo no texto da Constituição da República Federativa do
Brasil capítulo específico dedicado ao meio ambiente, não descuidando também do
controle do uso dos agrotóxicos, vejamos:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações.
§ 1° (...)
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e
o meio ambiente.

Ressalta-se, portanto, que o objetivo é fomentar e buscar um crescimento


não apenas com um viés econômico, pautado na busca de uma lucratividade desmedida.
Mas, um desenvolvimento sustentável, que não seja obstáculo para o crescimento
econômico, e, ao mesmo tempo, que também busque tutelar o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações.

Importa aqui, lembrar, a estrutura atribuída como característica de um


desenvolvimento sustentável, baseada em pilares por (SANCHS, 2004, p. 33), que alega
a necessidade de alicerçarmos em um pilar de aspecto social, que seria importante por
motivos tanto intrínsecos quanto instrumentais, por causa da perspectiva de disrupção
social, o pilar ambiental, pela sua características de sustentação da vida como
provedores de recursos, o pilar da territorialidade, pois espacialidade é onde se localiza
os recursos, as populações e se exerce as atividades; o pilar econômico, como uma pré-
condição para a produção de bens necessários a vida humana; e, o pilar político,
fundado na governança democrática é um valor fundador e um instrumento necessário
para a construção de um projeto de paz.
Diante do exposto, a proposta de um sistema que adote um modelo de
desenvolvimento sustentável consiste em posicionar por um crescimento econômico que
seja inclusivo, que tutela o meio ambiente, que busque defender a biodiversidade dos
nossos ecossistemas, fato que impõe como pré-condição a necessidade de criarmos uma
cultura do uso racional dos agrotóxicos. Talvez, seja o primeiro passo para de fato
adotarmos um sistema produtivo agrícola sem agrotóxicos tendo por base um viés
ecológico, que busque valorizar a saúde humana e o meio ambiente, preservando a o
meio ambiente
Conforme afirmam (CASSAL et al, 2014, p. 439) pesticidas, quando usados
corretamente, causam pouco impacto adverso no meio ambiente. Entretanto, quando
utilizado indiscriminadamente, sem as devidas precauções e cuidados em relação a
manipulação, produção, estocagem e destino final, põe em risco não só o meio
ambiente, mas também a saúde das pessoas que de alguma forma entram em contato
com tais produtos. É evidente que traços de resíduos de pesticidas presentes no solo,
água, ar e alimentos podem ser perigosos à saúde do homem e ao meio ambiente.
Enfim, um modelo que busque diminuir as desigualdades sociais, ofertando uma melhor
qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.

49
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Portanto, considerando o exponencial potencial de danos que os agrotóxicos


podem causar ao meio ambiente, por meio da contaminação do solo, água e ar, assim
como pelos danos causados aos ecossistemas, matando insetos, peixes e diversas outras
espécies da fauna e flora, acarretando alteração no habitat e na biodiversidade, além dos
riscos efetivos de danos à saúde humana. Impõe-se, como um atributo de adoção de um
desenvolvimento sustentável, a necessidade de se posicionar de forma clara e objetiva
pela adoção de políticas públicas e normas reguladoras mais rigorosas na análise de
registros de novos agrotóxicos para ser comercializado no país.

Nesse sentido, devemos controlar as substâncias mais nocivas à saúde e ao


ambiente a partir de regulamentações e políticas de comando e controle, mas, o mesmo
tempo, não podemos negligenciar o uso de instrumentos econômicos para incentivar o
uso de tecnologias mais limpas e apoiar modelos de produção mais saudáveis,
compatíveis com a agricultura familiar, ao mesmo tempo desincentivando aqueles que
oferecem riscos à saúde e ao ambiente, como é o caso do modelo agrícola convencional
baseado em monoculturas e na produção em larga escala. (PORTO; SOARES, 2012, p.
26)

Considerações finais

O uso de agrotóxicos representa uma efetiva revolução no sistema produtivo


agrícola, sendo um dos fatores que proporcionou o Brasil a se tornar um grande
produtor de alimentos. Por conseguinte, em razão da importância do agronegócio para a
econômica do país, que exige a adoção de técnicas mais modernas e o aumento de
insumos e de agrotóxicos para fomentar o aumento da produtividade nas lavouras, o
Brasil acabou também por se firmar como o maior consumidor de agrotóxicos do
mundo.

Acontece que dados estatísticos comprovam que efeitos negativos


decorrentes do uso de agrotóxicos são percebidos na saúde pública, tanto de
trabalhadores que atuam diretamente na produção agrícola, como também na saúde dos
consumidores dos produtos agrícolas, os quais se encontram contaminados por
agrotóxicos; além da constatação de diversos danos ao meio ambiente, devido à
contaminação do solo, água e ar, prejudicando os ecossistemas e a biodiversidade.

Portanto, não podemos desconsiderar em momento algum, que esses


produtos são considerados substâncias tóxicas, fato que exige por parte do Poder
Público o estabelecimento de critérios mais rigorosos no procedimento de autorização
de produção, armazenamento e uso desses produtos no país, e, especialmente, no
registro de novos produtos para serem comercializados provenientes do exterior,
especialmente, quando há claras evidências de restrições ao seu uso pelos próprios
países produtores do produto.

Com efeito, o uso de agrotóxico para fins de combate a pragas e doenças na


produção agrícola, não deve ser adotado com base exclusivamente num viés econômico,
na busca de geração de um lucro desmedido. Mas, sim, em conformidade com as
diretrizes de um desenvolvimento sustentável que perpassa por toda a cadeia produtiva,
fomentando desde a promoção de uma educação ambiental, como também pela adoção
de práticas de biossegurança, com a diminuição do uso de agrotóxicos, pautando sua

50
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

utilização por critérios de razoabilidade, reduzindo seus impactos à saúde humana e ao


meio ambiente.

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produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização,
a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos
resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização
de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, 18 ago. 1989. Disponível em: <http://www.
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53
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

APONTAMENTOS SOBRE AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS E SOCIAIS DO USO


DE GLIFOSATO NO BRASIL

References on the legal and social implications of the use of glyphosate in Brazil

Ana Clara Oliveira Halfeld 1

Resumo: O artigo apresenta-se sob a ótica da proteção da saúde como direito


fundamental no que tange ao avanço da biomedicina na produção, comercialização e
utilização de pesticidas na agricultura brasileira e tem como escopo principal analisar os
impactos causados pela aplicação do herbicida glifosato nas esferas social e ambiental.
Nesta seara o artigo pretende averiguar as consequências da aplicação do glifosato no
equilibro ambiental e as suas repercussões no sistema judicial brasileiro. Justifica a sua
importância em razão da dissonância de entendimentos sobre a aplicação do defensivo
agrícola e a sua probabilidade cancerígena, ademais, adentra na temática acerca da
autonomia privada sobre a livre comercialização e utilização do produto pelo
consumidor versus os impactos no direito e na sadia qualidade de vida.

Palavras-chave: Glifosato. Direito. Brasil. Agrotóxicos. Pesticidas.

Abstract: This article presents under the health protection as a fundamental right
regarding the advancement of biomedicine in the production, commercialization and use
of pesticides in Brazilian agriculture. The main objective is to analyze the impacts
caused by the application of the herbicide glyphosate at the social and environmental
spheres. In this section the project intends to investigate the consequences of the
application of glyphosate on the environmental balance and its repercussions in the
Brazilian judicial system. It justifies its importance due to the dissonance of
understandings on the application of the agricultural defensive and its carcinogenic
probability, in addition, it enters the subject about the private autonomy on the free
commercialization and use of the product by the consumer against the impacts on the
right and the healthy quality of life.

Keywords: Glyphosate. Right. Brazil. Pesticides. Pesticides.

Introdução

A discussão a respeito da utilização de produtos geneticamente modificados tem se


intensificado conforme o desenvolvimento tecnológico associado ao campo da
biomedicina, técnicas de engenharia genética que propiciaram o aumento na produção
de alimentos encontram em seu caminho diversos questionamentos, sobretudo, ligados a
saúde humana e a proteção ambiental. A utilização de insumos transgênicos suscita o
temor social sobre as possíveis consequências de seu uso, despertando o embate entre a
coletividade e os beneficiários do modelo agrícola. Desta forma, a autonomia privada é

Advogada. Pós-Graduanda em Advocacia Cível pela ESA/OAB. E-mail:anahalfeld@outlookcom


1

54
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

questionada frente ao necessário cumprimento constitucional de uma vida sadia e de


qualidade.
Uma das vertentes desta discussão é a utilização de herbicidas, substâncias
utilizadas nos controles de pragas nas plantações. O Brasil é o maior consumidor de
agrotóxicos no mundo (GALILEU, 2018, s/p), sendo que, um dos utilizados para
eliminar ervas daninhas é o chamado glifosato. Este herbicida é aplicado através de
aspersão aérea e embora possua baixa toxidade (IBAMA, 2015, p. 2) seus efeitos
ambientais e na população em geral, ainda provocam controvérsias, assim, o uso e
comercialização deste agrotóxico abarca grande insegurança jurídica.
Devido às controvérsias sobre as consequências da aplicação do glifosato, os
direitos que integram o fundamento constitucional de proteção e incentivo à sadia
qualidade de vida, restam abalados, assim como, a iniciativa privada, uma vez que
decisões errôneas impactam diretamente o desenvolvimento econômico nacional,
mesmo quando se trata de pequenos produtores rurais. Por conseguinte, analisar os
impactos causados e a potencial lesividade deste pesticida tem sido alvo de pesquisas
científicas e artigos jurídicos, embora não haja na comunidade um entendimento
consoante, fortalecendo a grande dicotomia que assombra este tema.
Isso posto, torna-se pertinente a pesquisa no que tange as implicações decorrentes da
manutenção ou não deste agrotóxico no sistema brasileiro que possam interferir na
autonomia privada dos indivíduos. Desta forma, a ausência de um entendimento
pacificado sobre a sua proibição ou manutenção, bem como, no que toca aos seus
efeitos, abala a segurança jurídica de produtores e consumidores. Logo, a autonomia
privada resta desequilibrada frente a obscuridade e, por outro prisma, o direito a saúde
permanece pormenorizado em prol de um suposto desenvolvimento nacional.

1 Breves apontamentos sobre as implicações jurídicas e sociais do uso de glifosato


no Brasil

O Direito nasce arraigado aos contextos históricos e as relações sociais nele


estabelecidas, consequentemente as mudanças advindas do surgimento de culturas
transgênicas repercutem nas esferas sócio-jurídicas carecendo de atenção. O avanço do
desmatamento e a conversão das terras em áreas de plantio, sobretudo de soja,
impulsionou a utilização de determinados herbicidas como o glifosato, substância
formada por compostos químicos responsáveis por eliminar ervas daninhas, seu uso dá-
se através de pulverização e apesar de ser citado como pouco tóxico (IBAMA, 2015, p.
2) há estudos contraditórios a seu respeito.
Países como Bélgica e Canadá restringiram a sua utilização ao consumidor
individual, enquanto os Estados Unidos permitem a sua livre comercialização, embora
contraditoriamente em 2018, a Corte americana tenha condenado a Monsanto,
multinacional responsável pelo produto, a pagar uma indenização de 290 milhões de
dólares a Dewayne Johnson, vítima de um câncer associado ao uso do herbicida
(ABRASCO, 2018, s/p). Alguns estudos apontam que a manutenção do herbicida em
alguns países, principalmente os que são chamados países em desenvolvimento, é
mantida em razão da influência de grandes campainhas farmacêuticas que aproveitam as
facilidades legislativas para utilizar destes Estados como laboratórios (REZENDE et al.,
2017, p. 42).
Um importante marco brasileiro foi a ação civil pública nº 0021371-49.2014.4.01.3400
ajuizada em 2014 pelo Ministério Público Federal, requerendo a não concessão de

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

novos registros e a suspensão dos já concedidos, a produtos que contenham glifosato e


outros pesticidas em âmbito nacional, tendo como base pesquisas realizadas pela
Organização Mundial da Saúde – OMS por intermédio da International Agency for
Research on Cancer –IAC, que demonstraram a probabilidade deste agrotóxico causar
câncer em seres humanos, aliado a demais documentos de estados brasileiros ratificando
as conclusões do estudo apresentado. Assim, em 2018, a tutela antecipada requerida foi
parcialmente concedida, vedando a concessão de novos registros e suspendendo o
registro do produto por trinta dias até que o relatório de
toxidade, elaborado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária –ANVISA
fique pronto. Embora esta não seja a primeira ação movida envolvendo herbicida, sua
repercussão alcançou o âmbito nacional, fomentando a discussão sobre a toxidade do
produto.
Desta forma é importante frisar que não se trata de negar os benefícios do uso
das tecnologias na agricultura (FEDERICO et al., 2016, p. 188), mas, buscar esclarecer
o caminho percorrido pela ciência e pelo Direito em prol do equilíbrio entre a
autonomia privada e a proteção a coletividade. Dada a dissonância entre as informações
e o dever que tem o Direito de zelar pela sociedade no cumprimento das normas
constitucionais, deve-se ampliar os estudos sobre a temática, a fim de evitar maiores
prejuízos e possibilitar a conjugação do desenvolvimento nacional à saúde humana de
qualidade através de técnicas de desenvolvimento sustentável.
Em virtude do apresentado o presente artigo justifica-se no que tange as
consequências decorrentes da livre permissão de utilização e comercialização (ou não)
deste agrotóxico no sistema brasileiro que possam interferir na tanto na autonomia
privada dos indivíduos, caso o pesticida não acarrete danos a saúde humana, animal e
ambiental, bem como caso contrário, a manutenção de sua utilização ocasione graves
danos irreparáveis. Portanto, fundado no princípio da precaução, é necessária a sua
investigação, não só no que compreende os danos a saúde humana e ambientais, mas
também, na delimitação do entendimento jurisprudencial brasileiro, uma vez que o
papel do Direito é aplicar a solução constitucional aos conflitos a ele submetidos.
O Brasil destaca-se no cenário mundial por ser o segundo maior produtor de soja
tendo exportado 116, 996 milhões de toneladas no ano de 2017 (EMBRAPA, 2018, s/p)
atrás apenas dos Estados Unidos (119,518 milhões de toneladas). Nas produções em
larga escala são utilizados diversos defensivos agrícolas, entre eles destaca-se o
herbicida glifosato, Toni et al. (2006, p. 832) dissertam a respeito:
O glifosato [n-(fosfonometil)glicina], cuja fórmula molecular é C3 H8 NO5 P
é um herbicida inibidor enzimático utilizado mundialmente na agricultura.
Foi descoberto em 1970 por um grupo de cientistas da Companhia Monsanto
(EUA) liderados pelo Dr. J. Franz. O glifosato-isopropilamônio e o glifosato-
sesquisódio são comercializados pela Monsanto Corporation, desde 1971,
com o nome de Roundup, sendo que esta companhia controla 80% do
mercado mundial de comércio de glifosato. O glifosato funciona como
herbicida não seletivo, sistêmico, pós-emergente. Atualmente, é
comercializado em mais de cem países, sendo registrado para uso em mais de
uma centena de culturas. O Brasil consome 150 milhões de L/ano desse
herbicida, representando 30% em volume de todos os defensivos agrícolas
usados no país.

Sua utilização não contempla apenas as plantações de soja, como relatado acima,
mas também culturas de arroz, cana-de-açúcar, café, maçã, milho, pastagens, fumo, uva,
cana-de-açúcar, ameixa, banana, cacau, nectarina, pêra, pêssego, seringueira e plantio
direto do algodão (JUNIOR, 2002, p. 427). O glifosato é utilizado na inibição do

56
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

crescimento de ervas daninhas:


Este herbicida sistêmico, não seletivo, controla as ervas-daninhas através da
inibição da síntese de aminoácidos aromáticos, que são necessários para a
formação de proteínas em plantas susceptíveis e, por isso, a carga de
toneladas utilizadas, na agricultura mundial, vem crescendo a cada ano. No
Brasil, as vendas do glifosato – em tonelada, foram maiores nos estados do
Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e São Paulo. (PIRES et al.,
2017, p.3 apud IBAMA 2014, p. 5)

A sua dispersão dá-se por via aérea, o que possibilita o alcance em locais além
do almejado, neste prisma, segundo Alves Filho (2002, apud ARAÚJO et al., 2016, p.
2): “[...] menos de 10% dos agrotóxicos aplicados por pulverização atingem seu alvo”.
Sobre a temática, Pires acrescenta:
Os únicos produtos resistentes ao herbicida são as sementes geneticamente
modificadas, ou seja, as sementes transgênicas. Por serem produções em
larga escala – monoculturas para exportação, muitas vezes – a pulverização é
aérea e, dependendo da velocidade do vento e condições climáticas, há
dispersão do agrotóxico, alcançando diferentes locais e longas distâncias,
causando sérios prejuízos principalmente para a biodiversidade e saúde
humana (PIRES, 2017b, p. 4).

Um caso polêmico envolvendo a temática trata justamente da aspersão aérea de


glifosato nas plantações ilícitas de coca na Colômbia. O governo colombiano pretendia
erradicar as plantações ilegais através da aspersão, contudo, o local das plantações
estava muito próximo as fronteiras com Equador e Peru, que mais tarde, fez com que os
Estados apresentassem denúncias relacionando o uso do glifosato com altos índices de
intoxicação por parte da população local, tencionando as relações diplomáticas entre os
países, culminando em um processo na Corte de Haia.
Outra controvérsia que deve ser considerada é a absorção deste pesticida pelos
elementos naturais, o que e pode ocasionar a presença de resíduos de glifosato nas
folhas, água e no solo como destacam Júnior et al.(2001b):
As concentrações mais altas de glifosato e seu metabólito, o ácido
aminometilfosfônico (AMPA), tem sido encontradas em folhagens novas. A
aplicação de glifosato pode resultar na presença de resíduos tanto na colheita
quanto em animais usados na alimentação humana. No ambiente, as
concentrações mais altas de ambos os compostos foram encontradas no solo.
(JÚNIOR et al., 2001b, p. 589).

Em outro aspecto, no que tange contaminação de águas, segundo os autores:


Em razão da rápida adsorção no solo o glifosato não é facilmente lixiviado,
sendo pouco provável a contaminação de águas subterrâneas. Em raras
ocasiões, o pesticida tem sido detectado em amostras de águas, mas, em
geral, isto ocorre devido à dificuldade de separação do composto e também
devido ao fato de não ser considerado um sério contaminante aquático.
(JÚNIOR 2001c, p. 591)

Contrariamente, Rezende (2017b, p.6) externa a sua preocupação pela


possibilidade de afetação do ecossistema aquático:
Uma das preocupações com o uso do Glifosato é o fato de ser solúvel em
água, podendo ser conduzido facilmente ao ecossistema aquático,
contaminando os recursos hídricos. Suas aplicações, em áreas rurais e
urbanas, conjuntas com o processo de lixiviação do solo, podem levar essa
substância química até as águas subterrâneas, córregos, rios e águas costeiras.

Por outro prisma Toni et al. (2006 b, p. 14) descreve que embora haja uma
57
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

absorção do glifosato pelo solo, este possui efeitos temporários:


O grupo fosfato do glifosato está envolvido na interação de metais
constituintes dos solos e argilas. Uma vez adsorvido, o glifosato pode ficar
como resíduo ligado permanecendo no ambiente até sua completa
mineralização, que pode durar dias ou meses, dependendo das características
do solo (textura, pH, conteúdo de carbono orgânico, dentre outras).

Embora a absorção completa possa ser temporária os efeitos da aspersão


contínua podem abalar negativamente o equilíbrio entre as comunidades microbianas
presentes no solo, (NEWMAN et al., 2016; apud TU et al., 2016 apud REZENDE,
2017c, p. 4). Sem mensurar a possibilidade de resistência adquirida por algumas
espécies de ervas após o uso prolongado do herbicida (JÚNIOR et al., 2001c, p. 2).
Outra problemática envolvendo o tema é a ausência de consenso sobre a
probabilidade cancerígena deste pesticida, segundo o relatório do International Agency
for Research on Cancer – IARC (2009, p. 78), há evidências suficientes para declarar o
glifosato como causador de câncer em animais e há a probabilidade de acarretar em
humanos. Em contrapartida a Organização Mundial da Saúde e demais órgãos
reguladores nacionais como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)
classificam o glifosato como pouco tóxico.
Neste prisma vale utilizar dos mandamentos constitucionais da garantia ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado e o direito a saúde como pilares para o
esclarecimento da controvérsia, dado que a sua manutenção repercute na esfera judicial,
desalinhando os pilares da segurança jurídica. Destarte, Rezende et al. abordam a
temática sob a perspectiva constitucional:
Já no âmbito jurídico, a Constituição Federal garante a dignidade da pessoa
humana, o meio ambiente saudável e propício à vida, tendo o consumidor
como fator determinante. [...] O Estado, com seu poder de polícia, deve
fiscalizar a produção de transgênicos, exigindo que os danos ambientais
sejam os menores possíveis, bem como sua reparação imediata; fomentar a
comunidade científica quanto às pesquisas sobre os danos ao meio ambiente
e seres humanos, advindos do uso deste herbicida, em que pese serem
bastante imprecisos os resultados acessíveis. (REZENDE et al. 2017d, p.10)

O Brasil possui legislação própria acerca do uso e comercialização de


agrotóxicos, a saber, trata-se da Lei nº 7.802/89 prevê em seu artigo 3º, §§4º e 5º que
quando organizações internacionais responsáveis pela saúde, alimentação ou meio
ambiente, das quais o Brasil seja membro integrante ou signatário de acordos e
convênios, alertarem para riscos ou desaconselharem o uso de agrotóxicos, seus
componentes e afins, caberá à autoridade competente tomar imediatas providências, sob
pena de responsabilidade civil e penal, assim como estabelece diretrizes para a
concessão de novos registros se a sua ação tóxica sobre o ser humano e o meio ambiente
for comprovadamente igual ou menor do que a daqueles já registrados, para o mesmo
fim (BRASIL, 1998).
Embora caibam muitas críticas a este diploma legislativo, vale citar o
entendimento de Frederico e Silveira (2016 apud Silveira 2014b, p. 236) ao conjugarem
o instituto do abuso de direito com o dever de precaução na utilização de glifosato:
O abuso de direito não é um ato ilícito stricto sensu. De fato, a utilização de
agrotóxicos pelo agronegócio não constitui, por si só, um ato ilícito, sendo
inclusive regulamentado por lei e incentivado por políticas públicas. Todavia,
a utilização do glifosato da forma e nos quantitativos, como ocorre de regra,
produz um risco intolerável de lesão ao organismo humano, incorrendo em
abuso de direito, na medida em que fere o direito à saúde.

58
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Por todo o exposto, não há ainda um consenso sobre as consequências da


utilização do glifosato como pesticida, embora a sua utilização tenha repercutido no
mundo jurídico. Logo, abordar o tema se torna uma forma de contribuir com a
comunidade acadêmica e reforçar os ideais que fortalecem os direitos coletivos versus
os direitos individuais em prol do princípio da dignidade da pessoa humana. Dessa
forma, espera-se contribuir para a discussão acerca da utilização de glifosato na
agricultura, baseando-se em estudos científicos já publicados e sob o prisma do direito à
saúde como fundamental.

Considerações finais
O tema escolhido permeia um caminho aparentemente antagônico entre a
autonomia privada de determinados grupos beneficiários do modelo agrícola que
almejam a livre utilização e comercialização de mercadorias, abarcando nesta esteira os
herbicidas. Do outro lado, a necessidade de uma regulação estatal do mercado e
consequentemente de seus produtos, em prol de um bem comum, como a proteção do
direito a saúde, por exemplo. Desta forma, fica clara a necessidade de discussão sobre o
uso do glifosato no Brasil, indagando inclusive sobre, as probabilidades deste pesticida
de causar danos irreversíveis para a população e para o meio ambiente.
Questionar é uma forma de solucionar problemas, mas antes mesmo que se
alcance uma solução é necessário tecer variadas hipóteses, assim, testando cada uma
delas é que se percorre o caminho do método científico. Pela investigação feita,
percebe-se uma quantidade considerável de estudos realizados que confirmam ou pelo
menos, acendem a suspeita de que a toxidade presente no glifosato possui o condão de
ocasionar danos irreparáveis para a saúde humana e animal, afetando desta forma, os
pilares do meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de
vida.
As pesquisas sobre os efeitos permanentes do uso de glifosato ainda esbarram
na aparente influência de determinados grupos beneficiados pelas vendas do pesticida.
Interessante destacar que em alguns países, há inclusive processos perante a Corte de
Haia, relacionando a aplicação de glifosato em plantações próximas a determinadas
comunidades e o aparecimento de câncer e a má-formação embrionária. Ademais, ações
similares são propostas em solo pátrio, sendo, por vezes, ajuizadas por instituições
responsáveis pela coletividade. Assim, tecer argumentos completamente favoráveis a
utilização irrestrita do pesticida torna-se tarefa árdua, calcando ainda nas recentes
decisões de alguns países de proibirem completamente a utilização do herbicida.
Por todo o exposto, cabe ao Direito encontrar o ponto de equilíbrio nesta
discussão, uma vez que os argumentos pela supressão do herbicida sustentam sólidos
princípios, garantidores de um mínimo patamar civilizatório de dignidade humana.
Portanto, a proteção ao direito à saúde deve ser sustentada, uma vez que o
desenvolvimento nacional jamais deve se sobrepor a construção de uma sociedade
saudável e digna, em sentido amplo, assim, persegue-se o fim de construir uma
sociedade livre, justa e solidária.

REFERÊNCIAS

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

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experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento,
a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o
destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a
inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras
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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

AGROTÓXICOS: A INSUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DO


AGRONEGÓCIO TOCANTINENSE

Agrochemicals: the socio-environmental unsustainability of agribusiness in Tocantins

Isabela do Vale Almeida1

Resumo: O estado do Tocantins possui posição geográfica estratégica, que aliada à


abundância de recursos naturais, sobretudo a água, torna-se espaço ideal para a
expansão da agricultura. Atualmente, a maior expansão do agronegócio ocorre no bioma
Cerrado, de modo que a ampliação das culturas anuais sobre a vegetação nativa do
Matopiba, região formada pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia,
provoca uma mudança de uso e cobertura da terra. Consoante à expansão agrícola, nota-
se o aumento do consumo de agrotóxicos, os quais constituem insumos de fundamental
importância no manejo de pragas, plantas daninhas e agentes causadores de doenças.
Todavia, o uso inadequado desses produtos pode provocar efeitos indesejáveis ao meio
ambiente e à saúde pública. Assim, a legislação de agrotóxicos estabelece competências
aos setores da agricultura, saúde e meio ambiente com o fito de atenuar os problemas
decorrentes de seu mau uso. Nesse sentido, este artigo foi elaborado com a perspectiva
de constituir-se em um registro institucional do desenvolvimento desta vigilância no
estado do Tocantins e no País. Ademais, para que sirva como alerta da necessidade de
notificação dos casos de intoxicação; para promoção da educação permanente sobre a
temática agrotóxicos, visando conscientizar consumidores e produtores de alimentos
dos problemas advindos de seu uso, bem como das formas alternativas para o seu
enfrentamento; e a prática da agroecologia com a finalidade de promoção à saúde.

Palavras-chave: agrotóxicos; agroecologia; agronegócio; cerrado; Tocantins.

Abstract: The state of Tocantins with its strategic geographical position and abundance
of natural resources, especially water, has become an ideal place for agriculture
expansion. Currently, the greatest expansion of agribusiness occurs in the Cerrado
biome, and the increase of annual crops over native vegetation in the states
of Maranhão, Tocantins, Piauí, and Bahia - MATOPIBA, has caused changes in land
use and cover. Simultaneously to the agricultural expansion there is noticeable increase
in the use of agrochemicals, which are important to the management of pests, weeds,
and agents that cause diseases. However, improper use of these products may cause
undesirable effects to the environment and public health. Hence, the agrochemicals
legislation empowers the agricultural, health, and environmental sectors in order to
mitigate the problems resulting from their misuse. Therefore, this article was written
with the perspective of establishing an institutional registry of surveillance in the state
of Tocantins and in the Country. Furthermore, to serve as an alert of the necessity to
notify cases of intoxication; to promote permanent education about pesticides, bringing

1
Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito e Ciências do Estado da Universidade Federal de
Minas Gerais – UFMG. E-mail: isavalealmeida@gmail.com.

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

awareness to consumers and food producers of the problems arising from their use, as
well as alternative ways of dealing with them; and the practice of agroecology for the
purpose of promoting health.

Keywords: agrochemicals; agroecology; agribusiness; cerrado; Tocantins.

Introdução

Segundo a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, os agrotóxicos são produtos e


agentes de processos físicos, químicos ou biológicos destinados à alteração da
composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação de seres vivos
considerados nocivos, ou as substâncias e produtos empregados como desfolhantes,
dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento. Entre as inúmeras atividades
que os utilizam, destacam-se a produção industrial, a agropecuária, o setor madeireiro, a
silvicultura, o manejo florestal, a preservação de estradas e a saúde pública. (BRASIL,
1989).
O Brasil se destaca mundialmente como o maior consumidor de agrotóxicos. De modo
semelhante ao comportamento nacional, observa-se no estado do Tocantins o
crescimento da taxa de consumo de agrotóxicos. Atualmente, a maior expansão do
agronegócio está ocorrendo no bioma Cerrado, sendo a parte predominante da mudança
de uso e cobertura da terra causada pela expansão das culturas anuais sobre a vegetação
nativa na região do Matopiba, formada pelos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e
Bahia. (RUDORFF, B.; RISSO, J. et al. , 2015, p.9).
Para o setor Saúde, há preocupação diante dessa tendência crescente de
comercialização e, consequentemente, das intoxicações ocasionadas pela exposição a
estes produtos. Deve-se considerar, nesse aspecto, os gastos públicos que são gerados e
custeados por toda a população com a recuperação de áreas contaminadas, tratamento
de intoxicações agudas e crônicas, casos de morte e invalidez, entre diversos outros
desfechos.
Nessa conjuntura, surge a necessidade de conciliação do desenvolvimento
econômico em consonância à promoção do desenvolvimento social e da
sustentabilidade ambiental, especialmente no tocante ao modelo de desenvolvimento
agrícola adotado no País. Isso porque, regiões vêm sofrendo com a expansão da
produção patronal, que está causando rápida e intensa mudança no uso da terra,
responsável por produzir impactos ambientais antes inexistentes em tais localidades,
como erosão hídrica e eólica, perda de habitats, alteração dos povoamentos e das
populações faunísticas, diminuição da vazão dos rios que drenam a região,
assoreamento, redução da variabilidade genética e da biodiversidade. Essa situação, por
sua vez, torna questões como a conservação dos solos e da água cada vez mais
relevantes.
O intenso processo de alteração da cobertura vegetal original do cerrado vem
ocorrendo desde a década de 1980, requerendo a conciliação de medidas de preservação
ambiental com a crescente pressão acerca do aumento da produção de alimentos. Esse
processo pode ser agravado, uma vez que o bioma Mata Atlântica já tem seu potencial
de expansão quase esgotado, e o bioma Amazônia possui restrições para expansão da
soja em áreas recentemente desflorestadas, além de outras medidas de contenção do
desmatamento (RUDORFF, B.; RISSO, J. et al. , 2015, p.23). O sistema agroalimentar,
portanto, vem se constituindo em um dos maiores fatores de desequilíbrio ambiental,

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

impactando na saúde da população, além de repercutir nas dimensões econômica, social


e cultural.
Como consequência dessa problemática, nos últimos anos, consolida-se uma
crescente mobilização para fomentar a redução do uso de agrotóxicos, com destaque
para o uso de diferentes formas de agricultura sustentável, de baixo uso de insumos
externos e o manejo integrado de pragas minimizando, assim, o uso de agrotóxicos.
Importante salientar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que
tem como uma de suas metas até 2020 alcançar o manejo ambientalmente adequado dos
produtos químicos e de todos os resíduos, ao longo de todo o ciclo de vida destes, de
acordo com os marcos internacionalmente acordados, e redução significativa da
liberação destes para o ar, a água e o solo, para minimizar seus impactos negativos
sobre a saúde humana e o meio ambiente (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA O DESENVOLVIMENTO, 2015, p. 192).
Em âmbito nacional, destaca-se a institucionalização da Política Nacional de
Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo) em 2012, que tem o objetivo de integrar,
articular e adequar políticas, programas e ações indutoras da transição agroecológica e
da produção orgânica e de base agroecológica, contribuindo para o desenvolvimento
sustentável e a qualidade de vida da população, por meio do uso sustentável dos
recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis (BRASIL, 2012a, seção
1, p.4).
Essas considerações contextualizam os desafios para se enfrentar a efetivação de ações
integradas de prevenção, promoção, vigilância e assistência às populações expostas ou
potencialmente expostas aos agrotóxicos. Nesse sentido, este artigo foi elaborado com a
perspectiva de constituir-se em um registro institucional do desenvolvimento desta
vigilância no estado do Tocantins e em nosso país, e em subsídios para técnicos e
profissionais de saúde, e dos diversos setores da sociedade civil realizarem ações de
proteção à saúde da população, direcionadas ao incentivo à redução progressiva do uso
dos agrotóxicos, em especial aqueles de alto perigo e risco para a saúde humana e para o
meio ambiente. Ademais, para que sirva como alerta da necessidade de notificação dos
casos de intoxicação; para promoção da educação permanente sobre a temática
agrotóxicos, visando conscientizar consumidores e produtores de alimentos dos
problemas advindos de seu uso, bem como das formas alternativas para o seu
enfrentamento; e a prática da agroecologia com a finalidade de promoção à saúde.

1 Tocantins
1.1 Dados e Características Geográficas

O Tocantins foi o vigésimo sexto estado brasileiro, até então, a ser criado em
1988, com a promulgação da Constituição Federal por meio da separação da região
norte de Goiás, parte não desenvolvida do estado. A sua localização é tida como
vantajosa, por fazer parte da porção central do país, cercado por outros seis estados
(Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí e Bahia). Possui uma área territorial de
277.620,914 Km², que representa 3,26% do território nacional, 7,19% da região Norte e
5,41% da Amazônia Legal, apresentando uma população de 1,55 milhão de habitantes,
em 139 municípios.
O processo histórico de crescimento econômico do norte de Goiás, hoje estado
do Tocantins, foi marcado pela abertura da Rodovia Belém-Brasília (BR-153), impondo
novas relações com o Sudeste, e as já existentes com o Nordeste e o Norte do país. Esse
fato permitiu a implantação e o crescimento de inúmeros núcleos urbanos ao longo de

65
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

seu trajeto, fundamentando a estruturação daquela que constituiu a rede urbana do


estado do Tocantins (TOCANTINS, 2016, p.6).
Atualmente, o estado desponta como o “novo polo agrícola do Brasil”. Isso
porque metade do território do estado possui potencial para a agricultura. São terras
férteis, de valor competitivo no mercado e de topografia plana, o que favorece o
processo de mecanização agrícola. Além disso, o tempo maior de luz solar, se
comparado a outros estados brasileiros, contribui com a alta na produtividade. Já para o
processo de irrigação das lavouras, o Tocantins conta com muita água disponível, o
estado é cortado, em toda sua extensão, pela maior bacia de água doce inteiramente
localizada em território brasileiro, a bacia formada pelos rios Tocantins e Araguaia,
além de possuir seus afluentes todos perenes, o que facilita a irrigação nos períodos de
estiagem. Por este fator, o Tocantins é um dos cinco estados brasileiros mais ricos em
águas. Apresenta potencial para irrigação de cerca de 4.800.000 Hectares segundo o
plano estadual de irrigação, 15% do potencial de áreas para irrigação do Brasil
(TOCANTINS, 2016, p.18).
A região Hidrográfica Tocantins-Araguaia tem recebido forte impacto
relacionado ao uso e ocupação do solo. Essa região tem sofrido vários transtornos
ambientais, principalmente, com a falta da mata ciliar e, consequentemente,
assoreamento, enchentes, desequilíbrio ambiental e climático, perda da qualidade da
água e dos nutrientes do solo e a redução da atividade pesqueira. Essa vegetação,
normalmente e celeradamente é substituída por plantações e pastagens. O pisoteio do
gado causa a pressão mecânica sobre o solo e sobre as gramíneas e a cobertura
herbácea, em consequência, particularmente, é notado em locais onde o pisoteio é
frequente, por exemplo: caminhos, locais de descanso do gado. Os solos úmidos são
mais suscetíveis aos efeitos do pisoteio do que os secos. Dessa forma, a velocidade de
infiltração da água diminui, visto que a água penetra lentamente no solo, logo, menos
água é armazenada no perfil do solo e nos níveis freáticos (TOCANTINS, 2016, p.18).

1.2 O uso e as intoxicações por agrotóxicos no Tocantins

No Tocantins a maior utilização de agrotóxicos tem sido na agricultura,


especialmente nos sistemas de monocultura em grandes extensões, porém vale ressaltar
que os agrotóxicos são também utilizados em saúde pública, na eliminação e controle de
vetores transmissores de doenças endêmicas.
Atualmente a preconização dos inseticidas para uso em saúde pública é feita pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), porém é importante considerar que todos os
inseticidas que se utilizam em saúde pública são produtos originalmente desenvolvidos
para a agricultura, não havendo nenhum que tenha sido desenvolvido exclusivamente
para uso em saúde pública, sendo, por essa razão, muito restritos. Dividem-se em quatro
grupos: clorados, fosforados, carbamatos e piretróides. No Tocantins os produtos mais
empregados atualmente no controle aos vetores de doenças como chagas, dengue,
leishmanioses e malária, são os organofosforados (93,7%), seguidos dos piretróides
(16,3%). (TOCANTINS, 2013, p.14).
Um estudo divulgado pela Agência Pública mostrou que no período de 2014 e
2017 foi encontrado na água de 1 em cada 4 cidades do Brasil. Entre os locais com
contaminação múltipla estão as capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus,
Curitiba, Porto Alegre, Campo Grande, Cuiabá, Florianópolis e Palmas.
Os dados são do Ministério da Saúde e foram obtidos e tratados em investigação
conjunta da Repórter Brasil, da Agência Pública e da organização suíça Public Eye. As

66
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

informações são parte do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água


para Consumo Humano (Sisagua), que reúne os resultados de testes feitos pelas
empresas de abastecimento. Nesse estudo foi detectado agrotóxico na água de 121 dos
139 municípios do Tocantins, ou seja, quase 87% do total. Os dados alarmantes incluem
Palmas, Araguaína e Gurupi, os três centros urbanos mais populosos do estado. A
presença do 'coquetel' com a mistura de 27 pesticidas, muitos associados a doenças
crônicas como câncer, defeitos congênitos e distúrbios endócrinos, colocou o Tocantins
em 4º lugar no Brasil, atrás apenas de São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
Tais números revelam que a contaminação da água está aumentando a passos
largos e constantes. Em 2014, 75% dos testes detectaram agrotóxicos. Subiu para 84%
em 2015 e foi para 88% em 2016, chegando a 92% em 2017. Nesse ritmo, em alguns
anos, pode ficar difícil encontrar água sem agrotóxico nas torneiras do país. Entre os
agrotóxicos encontrados em mais de 80% dos testes, há cinco classificados como
“prováveis cancerígenos” pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e
seis apontados pela União Europeia como causadores de disfunções endócrinas, o que
gera diversos problemas à saúde, como a puberdade precoce.
Do total de 27 pesticidas na água dos brasileiros, 21 estão proibidos na União
Europeia devido aos riscos que oferecem à saúde e ao meio ambiente. A falta de
monitoramento também é um problema grave. Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.931
não realizaram testes na sua água entre 2014 e 2017. No Tocantins, apenas 18
municípios não foram pesquisados e, portanto, estão fora da lista de água contaminada.
Em todos os outros 121 municípios do Estado o teste da água deu positivo.
É importante registrar que os dados oficiais brasileiros sobre intoxicações por
agrotóxicos não retratam a realidade do país. São insuficientes, parciais, desarticulados
e fragmentados em várias fontes de dados – por exemplo: do Sistema Nacional de
Agravos de Notificação (SINAN) desde 1994, da Rede Nacional de Centros de
Informação e Assistência Toxicológica (RENACIAT) consolidados desde 1984 pelo
Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX). Além de outras
fontes de dados, a saber: Sistema de Informações de Mortalidade (SIM); Sistema de
Informações Hospitalares (SIH/SUS); Sistema de Informações Ambulatoriais
(SIA/SUS); Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária – (NOTIVISA); dados do
Ministério do Trabalho; dados da Previdência Social, entre outros.
Outros fatores que contribuem para o conhecimento institucional fragmentado
sobre as doenças provocadas pelos agrotóxicos são: a alta rotatividade de trabalhadores
no mercado de trabalho; o reduzido número de trabalhos epidemiológicos de busca ativa
de casos quer junto aos trabalhadores, quer junto à população exposta não ocupacional;
além da pouca cobertura dos serviços públicos de saúde para diagnóstico das doenças
relacionadas ao trabalho e ao meio ambiente, que só mais recentemente vêm se
estruturando para atender a esta demanda.
O Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) em 2014 destaca
os estados de Tocantins, Espírito Santo, Paraná, Roraima e Goiás, como os que
apresentaram valores acima do dobro da média nacional, o que expressa não
necessariamente número maior de casos de intoxicação, mas também melhor
capacidade de atuação das áreas de vigilância e assistência à saúde desses estados ao
detectar e notificar os casos, diante do cenário de subnotificação no País (BRASIL,
2018, p.12).

67
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

2 Implicações na saúde pública e no meio ambiente

A exposição aos agrotóxicos e os impactos que estes podem causar tornaram-se


um relevante problema ambiental e de saúde pública, diante do uso intenso e difuso
destes produtos no Brasil. Utilizados em grande escala por vários setores produtivos e
mais intensamente pelo setor agropecuário, são ainda utilizados na construção e
manutenção de estradas, tratamentos de madeiras para construção, indústria moveleira,
armazenamento de grãos e sementes, produção de flores, combate às endemias e
epidemias, domissanitários etc. Enfim, os usos desses produtos excedem em muito
aquilo que comumente se reconhece. O uso abusivo de agrotóxicos no processo
produtivo da agricultura, seu impacto para a saúde e o meio ambiente tem natureza
complexa e envolvem aspectos biossociais, políticos, econômicos e socioambientais. Os
agrotóxicos e afins, são produtos extremamente agressivos a que estão expostos
maciçamente os trabalhadores, principalmente no campo e a população em geral por
meio do consumo de alimentos contendo resíduos destas substâncias tóxicas ou
associação de substâncias.
A população com maior vulnerabilidade são os trabalhadores da agricultura
familiar, que são aqueles que se expõem, manipulam e aplicam os agrotóxicos, gerando
assim riscos para a sua saúde. Somado a isso, esses trabalhadores na maioria das vezes
não utilizam medidas de proteção, isso devido ao não fornecimento de informações de
como devem ser utilizados, além de muitos deles serem inviáveis ergonomicamente, o
que afeta na execução do trabalho – uso de equipamentos de segurança, aplicação de
dosagem correta, consumo de produtos autorizados, obediência às regras de
armazenagem e descarte de embalagens, facilitando ainda mais a contaminação com o
produto. Dentre os grupos da população que estão expostos aos agrotóxicos utilizados
em saúde pública, além da população em geral destacam-se os agentes de controle de
endemias (ACE) e a população residente em áreas endêmicas de doenças transmitidas
por vetores (malária, dengue, leishmaniose, etc.). A resistência adquirida pelos vetores,
como o Aedes, aos principais agrotóxicos, exige a mudança frequente de produtos, o
que gera nos trabalhadores exposição a múltiplos produtos com sérios prejuízos à saúde.
A exposição a agrotóxicos pode causar quadros de intoxicação leve, moderada
ou grave, a depender da quantidade do produto absorvido, do tempo de absorção, da
toxicidade do produto e do tempo decorrido entre a exposição e o atendimento médico.
As consequências descritas na literatura compreendem: alergias; distúrbios
gastrintestinais, respiratórios, endócrinos, reprodutivos e neurológicos; neoplasias;
mortes acidentais; suicídios; entre outros. Os grupos mais suscetíveis a esses efeitos são:
trabalhadores agrícolas, aplicadores de agrotóxicos, crianças, mulheres em idade
reprodutiva, grávidas e lactantes, idosos e indivíduos com vulnerabilidade biológica e
genética (BRASIL, 2018, p.12).
Outro tipo de problema bastante comum entre os agricultores é a exposição
múltipla, isto é, exposição à mistura de agentes tóxicos, de diversos grupos de
agrotóxicos, de maneira sistemática e a longo prazo, com episódios agudos de
intoxicação por um dos grupos específicos. Há equívocos em relação ao conceito de
toxicidade de misturas, pois esta não é resultante da soma das atividades tóxicas dos
compostos. A mistura de diferentes agentes pode ocorrer inadvertidamente porque
alguns compostos persistem por longos períodos no meio ambiente ou porque são
aplicados repetidamente ou para melhorar a eficácia e diminuir os custos (RIO DE
JANEIRO, 2019).
A difusão maciça de substâncias químicas constitui um dos principais desafios à
preservação da qualidade ambiental, sobretudo no que concerne ao impacto ambiental

68
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

causado por uma grande quantidade de substâncias lançadas no meio ambiente. Apesar
dessas substâncias serem desenvolvidas para atuar em um conjunto de organismos, são
potencialmente danosas para todos os organismos vivos expostos aos produtos. Não se
pode negar o crescimento, em termos de produtividade, proporcionado pelo uso de
agrotóxicos no campo (PERES et al., 2005, p.1836-1844). Os processos empregados no
cultivo de plantas tendem a criar um desequilíbrio biológico na natureza. Esses
processos incluem a remoção de plantas competitivas, o uso de linhagens obtidas por
seleção, área para plantio de uma única cultura, adubação, irrigação, poda e controle de
pragas.

3 A legislação frente à problemática

O Ministério de Saúde vem buscando como estratégia de harmonização dos


serviços e ações do Sistema Único de Saúde (SUS), a construção e efetivação de um
sistema de vigilância integrado que permita o monitoramento e controle de situações de
riscos à saúde humana relacionados aos agrotóxicos. Os esforços do Ministério da
Saúde resultaram na elaboração e aprovação pelo Conselho Nacional de Secretários de
Saúde – CONASS, da Vigilância de Populações Expostas a Agrotóxicos e de incentivo
financeiro para a estruturação dessa Vigilância nos estados e municípios do país.
O monitoramento da vigilância da qualidade da água permite avaliar a qualidade
da água consumida pela população, bem como identificar os fatores de riscos associados
ao consumo de água fornecida fora do padrão de potabilidade estabelecido. Desta
forma, de acordo com a legislação vigente, cabe ao setor saúde, intensificar suas ações
no que se refere ao monitoramento de agrotóxicos na água para consumo humano,
visando à prevenção de agravos e a manutenção da saúde humana.
No estado do Tocantins a Agência de Defesa Agropecuária – ADAPEC , ligada
a Secretaria de Estado da Agricultura regulamenta e estabelece normas para o
armazenamento de produtos agrotóxicos no Estado. Esta regulamentação tem como
objetivo fornecer aos produtores rurais um instrumento que orientem eles quanto à
forma correta de armazenamento de produtos agrotóxicos, uma vez que, quando
armazenados incorretamente oferecem risco à saúde humana, ao meio ambiente e a
qualidade dos produtos. O ideal seria que fiscalizações em propriedades sobre uso
correto e seguro de agrotóxicos fossem realizadas rotineiramente.

Considerações finais

Face à temática abordada neste artigo, torna-se perceptível que a exposição


humana aos agrotóxicos é um importante problema de saúde pública, capaz ainda de
refletir em impactos sociais e ambientais de curto, médio e longo prazo, os quais
requerem maiores investimentos nos órgãos de controle e fiscalização, com incremento
de estudos e tecnologias
O estado do Tocantins se encontra em plena expansão de sua fronteira agrícola,
o que coloca o agronegócio como uma das principais atividades econômicas local.
Logo, como a problemática é a exposição humana devido ao uso cada vez mais
crescente de agrotóxicos, o assunto se mostra pertinente a todos os municípios do
estado, que lidam com o problema em maior ou menor grau.
Outrossim, apesar de se observar melhoria no processo de notificação, sabe-se
que a subnotificação ainda é expressiva no Brasil e no mundo, em especial nos casos de
intoxicação crônica, o que dificulta o dimensionamento do problema no País, além de
invisibilizar os custos desses atendimentos para o Sistema Único de Saúde. Ressalta-se,

69
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

portanto, a necessidade de os poderes públicos das esferas federal, estadual e municipal


somarem esforços para a adoção de medidas articuladas de vigilância e assistência em
saúde, que promovam a melhoria e o aprimoramento dos serviços para identificação,
diagnóstico, tratamento, reabilitação e notificação dos casos de intoxicação por
agrotóxicos. (BRASIL, 2018, p.12)
Deve-se ressaltar, diante do contexto apresentado, que as intervenções acerca do
problema são, em alguns aspectos, reconhecidas como de difícil implantação por
transcender o setor saúde, devido ao seu caráter interinstitucional, daí a necessidade de
articulação entre as Secretarias de Saúde dos estados e do Distrito Federal com os
diversos setores envolvidos nessa questão, tais como: Secretarias de Agricultura, de
Recursos Hídricos, de Meio Ambiente, dentre outros, visando à efetiva implantação do
monitoramento de agrotóxicos, desencadeando, assim, o direcionamento das ações e
estratégias intra e intersetoriais para a melhoria da situação existente relacionada à
qualidade da água para consumo humano fornecida à população brasileira. Em vista
disso, o comprometimento e a responsabilização do uso dos agrotóxicos parte de cada
elo da cadeia: agricultor, o canal de distribuição, o fabricante e o poder público.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989. Dispõe sobre a pesquisa, a


experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento,
a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o
destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a
inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7802.htm>.
Acesso em: 28 mai. 2019.

______. Decreto nº 7.794, de 20 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional de


Agroecologia e Produção Orgânica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 162, 21
ago. 2012a. Seção 1, p. 4.

______. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de


Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Relatório: Vigilância em
Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos – Brasília: Ministério da Saúde, 2018,
p.12.

OPAS/OMS. Organização Pan-Americana da Saúde. Repartição Sanitária Pan-


Americana, Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde. Representação do
Brasil. Manual de Vigilância da Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos.
Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial de Saúde. Brasília, 1997.

PERES, F.; ROZEMBERG, B.; LUCCA, S. R. Percepção de riscos no trabalho rural


em uma região agrícola do estado do Rio de Janeiro, Brasil: agrotóxicos, saúde e
meio ambiente. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 6, p. 1836-1844,
nov./dez., 2005.

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3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO.


Acompanhando a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável: subsídios
iniciais do Sistema das Nações Unidas no Brasil sobre a identificação de
indicadores nacionais referentes aos objetivos de desenvolvimento sustentável.
Brasília: PNUD, 2015, p. 192.

RIO DE JANEIRO. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Intoxicação por


Agrotóxicos. Disponível em: <http://ltc-ead.nutes.ufrj.br/toxicologia/mXII.intro.htm >.
Acesso em 29 mai.2019.

RUDORFF, B.; RISSO, J. et al. Análise geoespacial da dinâmica das culturas anuais
no bioma cerrado:2000 a 2014. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, 2015, p. 09 e 23.
Disponível
em:<http://biomas.agrosatelite.com.br/img/Analise_geoespacial_da_dinamica_das_cult
uras_anuais_no_bioma_Cerrado_2000a2014.pdf>. Acesso em: 30 mai. 2019.

TOCANTINS. Secretaria de Estado da Saúde. Plano estadual de vigilância em saúde


de populações expostas a agrotóxicos do estado do Tocantins. Brasil, 2013, p.14.
Disponível em: <https://seagro.to.gov.br/agricultura/>. Acesso em: 28 mai. 2019.

______. Secretaria de Estado da Agricultura. Normas para armazenamento de


produtos agrotóxicos no Tocantins. Disponível em:
<adapec.to.gov.br/noticia/2018/12/27/adapec-estabelece-normas-para-armazenamento-
de-produtos-agrotoxicos-no-tocantins>. Acesso em: 01 mai. 2019.

______. Secretaria de Estado da Agricultura. IN 4-2018 - ADAPEC.docx. Disponível


em: <https://adapec.to.gov.br/vegetal/inspecao-vegetal/nucleo-agrotoxicos-
/legislacao/>. Acesso em: 01 mai. 2019.

______. Perfil do Agronegócio Tocantinense. Versão Final, 2016, p.18. Disponível


em: <https://central3.to.gov.br/arquivo/354694/>. Acesso em: 28 mai.2019.

71
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

LICENCIAMENTO AMBIENTAL

72
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA DE UM TRECHO DO RIBEIRÃO


DO ONÇA ANTES E APÓS A PUBLICAÇÃO DA DELIBERAÇÃO
NORMATIVA CONJUNTA COPAM/CERH Nº 01/2008

Evaluation of the water quality in Ribeirão do Onça’s River stretch before and after the
publication of the normative deliberation COPAM/CERH-MG nº 01/2008

Dawber Batista Ferreira1


Mariana Otoni dos Santos2
Ana Luiza Cunha Soares 3

Resumo: A legislação brasileira, por meio de suas diversas instâncias, estabelece


normas no tocante da qualidade superficial da água. Nesse sentido, o presente trabalho
se propõe a avaliar a eficácia da Deliberação Normativa Conjunta COPAM/CERH
01/2008, antes e após a sua publicação, a partir de dados do programa de
monitoramento do Instituto Mineiro de Gestão de Águas (IGAM) em duas estações de
monitoramento da qualidade da água, localizadas a montante e a jusante da Estação de
Tratamento de Esgoto do Ribeirão do Onça. Foram analisados um total de 31
parâmetros em ambas estações, e calculados os seus percentuais de violações, de modo
que se destacou redução desses, indicando uma eficácia legislativa no âmbito estadual
na maioria dos parâmetros analisados, excetuando os coliformes
termotolerantes/Escherichia coli e substâncias tensoativas.

Palavras-chave: Água, Legislação, Ribeirão do Onça

Abstract: The Brazilian legislation, hereby all instances of state power, is responsible
to establish the country's normative parameters related to the superficial water quality.
In this regard, the purpose of this essay is to evaluate the efficiency of the Normative
Deliberation COPAM/CERH-MG n. 01/2008, by means of comparing the before and
after of its publication, based on the collected data from the monitoring program of the
Instituto Mineiro de Gestão de Águas (IGAM) in two monitoring sites, located upstream
and downstream of the Do Onça’s stream Sewage Treatment Station. As a matter of
fact, a total of 31 parameters were analyzed in both stations, and their respective
percentages of violations were calculated. In doing so, a reduction of these breaches was
highlighted, indicating a state legislative effectiveness in most of the analyzed
parameters, except for the thermotolerant coliforms / Escherichia coli and anionic
surfactants.

Keywords: Water, Legislation, Do Onça´s Stream

Introdução

1
Técnico em Controle Ambiental pelo CEFET-MG. Graduando em Engenharia Ambiental pela
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. E-mail: dawberbatista123@gmail.com
2
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. E-mail:
marianya4@gmail.com
3
Engenheira Ambiental pela Universidade FUMEC. Mestre e doutoranda em Saneamento, Meio
Ambiente e Recursos Hídricos pelo Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e
Recursos Hídricos da Universidade Federal de Minas Gerais (SMARH/UFMG). E-mail:
analulucunha@gmail.com

73
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

A Constituição Brasileira, em seu 23º artigo, rege que é dever conjunto dos Estados,
Municípios, e do Distrito Federal proteger o meio ambiente, combater a poluição em
qualquer forma e acompanhar e fiscalizar a concessão de direitos de pesquisa e
exploração de recursos hídricos em seus territórios (BRASIL,1988). Nesse sentido, o
dispositivo constitucional preconiza a criação de diferentes políticas e instrumentos de
gestão com o intuito de garantir um meio ambiente equilibrado.
No âmbito federal, em 1997, criou-se a Política Nacional de Recursos Hídricos
(PNRH), mecanismo que possui como principais objetivos: assegurar à atual e às
futuras gerações disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados, e garantir
a utilização racional e integrada de recursos hídricos, entre outros (BRASIL, 1997).
Desde sua promulgação, houve a promoção de estratégias de ação, e consequentes
parcerias entre os diversos órgãos do país orientados para o alcance desses objetivos, de
forma sistemática, porém detalhista, ou seja, levando em conta as particularidades de
cada região do país (MACHADO, 2016, p. 519).
Em consonância com as normas constitucionais, cada um dos entes federativos
possui um âmbito discricionário quanto às legislações ambientais regionais próprias, de
modo que podem definir, assim, seus respectivos sistemas estaduais (ANTUNES, 2010,
p.88). Posto isto, o estado de Minas Gerais, em sua competência administrativa,
estabeleceu, a partir da Lei de nº 11.903/1995, a criação da Secretária de Estado do
Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), órgão responsável por
propor e executar a política do estado referente às atividades de gestão ambiental
(MINAS GERAIS, 1995).
A legislação relacionada à SEMAD foi alterada pela Lei de nº 12.581/1997, que
conferiu atualização das competências da Secretária e de sua organização. No 4º artigo
da referida Lei, é previsto como finalidade da Secretária a formulação e coordenação,
no âmbito estadual, de políticas de proteção do meio ambiente e gerenciamento recursos
hídricos (MINAS GERAIS, 1997).
Nesse sentido, enquanto órgão gestor e ordenador da esfera estadual, a Secretária
possui uma série de outras entidades estatais vinculadas diretamente a ela, que auxiliam
subsidiariamente na concretização de seus objetivos e finalidades. O 6º e 8º artigo da lei
mencionada prevê que a SEMAD exerça funções na Secretária executiva do Conselho
Estadual de Recursos Hídricos de Minas Gerais (CERH-MG) e Conselho Estadual de
Política Ambiental (COPAM), além de prever a subordinação de ambos Conselhos a
ela, respectivamente (MINAS GERAIS, 1997).
Destarte, o COPAM, em parceria com o CERH-MG, estabeleceu a Deliberação
Normativa Conjunta Nº 1 de 5 de maio de 2008, que dispõe sobre a classificação dos
corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece
as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências (MINAS
GERAIS, 2008).
A supracitada norma, em seu artigo 4º, estipula a classificação da água doce
estadual em cinco diferentes classes, de maneira que essa catalogação será utilizada,
posteriormente, como referência para determinar para quais fins poderão ser
empregados os corpos hídricos. As águas de melhor qualidade podem ser aproveitadas
em uso menos exigente, desde que este não prejudique a qualidade da água e as
condições ambientais dos corpos de água, atendidos outros requisitos pertinentes
(MINAS GERAIS, 2008).
Outrossim, desde o ano de 1997, o Instituto Mineiro de Gestão de Águas (IGAM)
executa periodicamente diagnósticos referentes a qualidade superficial dos corpos
hídricos do estado de Minas Gerais através do Programa Águas de Minas (IGAM, 2018,
p.10). Em 2017, a rede básica de monitoramento contava com 580 estações de

74
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

amostragem distribuídas nas bacias hidrográficas do Estado. Desde então, são realizadas
dois tipos de campanhas: as completas, no primeiro e terceiro trimestres do ano, nas
quais são monitorados 51 parâmetros comuns ao conjunto de pontos de amostragem; e,
as campanhas intermediárias, no segundo e quarto trimestres, onde são analisados 19
parâmetros genéricos em todos os pontos, além daqueles característicos das fontes
poluidoras que contribuem para a área de drenagem da estação de coleta (IGAM, 2018,
p.16).
Os recursos hídricos da bacia do rio das Velhas, onde se encontra situado o
ribeirão do Onça, são utilizados principalmente para o uso antrópico, nos quais estão
presentes estabelecimentos para a extração mineral, indústria de transformação,
construção civil, setores de serviço, comércio, agropecuária, extração vegetal, caça e
pesca, além do uso doméstico (CONSÓRCIO EKOPLAN/SKILL, 2015, p.531). Posto
isto, torna-se necessária a existência de tratamentos dos efluentes gerados a fim de se
minimizar o impacto na qualidade dos corpos de água receptores. A Estação de
Tratamento de Esgoto Onça é a maior estação de tratamento de esgoto que utiliza a
tecnologia de reatores anaeróbios de fluxo ascendente e manta de lodo (UASB)
(COPASA, 2012) no estado de Minas Gerais. A ETE Onça é responsável por tratar os
esgotos domésticos de parte dos municípios de Belo Horizonte e Contagem, efluentes
domésticos de caminhões limpa fossa, o lixiviado do aterro sanitário de Macaúbas, além
de efluentes de origem industrial (MINAS GERAIS, 2018, p.3).
De acordo com dados do Estado de Minas Gerais (2018), o sistema de
tratamento da ETE é constituído a partir da realização de um tratamento preliminar para
a retirada de sólidos grosseiros, areias, seguida da compactação dos resíduos.
Posteriormente, ocorre o tratamento anaeróbio por meio dos reatores UASB, e, por fim,
os efluentes são desaguados do Ribeirão do Onça. As calhas de coleta conduzem o
efluente até um canal situado entre as duas câmaras do reator, de onde seguem para a
etapa de pós-tratamento através de filtro biológico percolador. O efluente dos filtros
biológicos percoladores segue para os decantadores secundários e na sequência o
efluente tratado é lançado no Ribeirão do Onça (MINAS GERAIS, 2018, p.4)
Um dado importante a ser ressaltado é que nessa estação não ocorre o tratamento
terciário, aquele que se dá à nível microbiológico, por ausência das estruturas
necessárias. Ou seja, a remoção de coliformes termotolerantes, que será objeto de
estudo nesse trabalho será diretamente afetada pela ausência desse tratamento (MINAS
GERAIS, 2018, p.9).

1 Desenvolvimento
1.1 Metodologia
A bacia do Rio das Velhas, correspondente à Unidade de Planejamento e Gestão de
Recursos Hídricos São Francisco 5 (UPGRH-SF5). De acordo com Consórcio
Ecoplan/Skill (2015, p. 55), a bacia é subdividida em 23 regiões de planejamento e
gestão, denominadas de Unidades Territoriais Estratégicas (UTEs). Este estudo foi
realizado em um trecho do Ribeirão do Onça, um dos principais afluentes da UTE que
leva o seu nome.
A UTE Ribeirão Onça está localizada em uma área urbanizada, abrangendo os
municípios de Belo Horizonte e Contagem (CONSÓRCIO EKOPLAN/SKILL, 2015,
p.505). Verifica-se que 89,5% da superfície da UTE é utilizada para atividades
antrópicas, enquanto a ocupação da hidrografia é de apenas 1,35% do território
(CONSÓRCIO EKOPLAN/SKILL, 2015, p.506). Essas informações devem ser

75
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

consideradas ao analisar os efluentes descartados sobre o leito dos rios que fazem parte
do local de análise.
Os dados analisados são referentes a duas estações de monitoramento do IGAM,
sendo uma situada a montante da ETE-Onça (SC10) e outra situada a jusante (BV154).
No que concerne a DN Conjunta COPAM/CERH 01/2008, são estabelecidos limites
permitidos para diversos parâmetros ambientais, de acordo com a classificação do corpo
hídrico. O Ribeirão do Onça foi enquadrado como sendo um curso d´água de classe 3,
desde o barramento da represa da Pampulha até a sua confluência com o rio das Velhas
(MINAS GERAIS, 1997). A localização das referidas estações e a respectiva área de
estudo são apresentadas na Figura 1.

Figura 1 – Localização das estações de monitoramento analisadas e a área de estudo

Fonte: IGAM, 2018.


Foram utilizados os dados da série histórica do programa de monitoramento
realizado pelo IGAM sobre a qualidade das águas superficiais do Estado de Minas
Gerais. Essas informações compreendem do período de 1997 a 2018, e foram divididas
em dois períodos: antes de 2008 e após 2008. O marco dessa divisão foi o ano de
publicação da Deliberação Normativa Conjunta COPAM/CERH 01/2008.
Em relação ao conjunto de dados utilizados, a partir do ano de 2013, o IGAM
substituiu a análise de coliformes termotolerantes pela análise do parâmetro Escherichia
coli nas amostras, uma vez que estudos mostram essa espécie como sendo a única
indicadora inequívoca de contaminação fecal, humana ou animal, visto que foram
identificadas algumas poucas espécies de coliformes termotolerantes habitantes de
ambientes naturais, apresentando, portanto, limitações como indicadores de
contaminação fecal (IGAM, 2018, p.16). Sendo assim, os dados mostrados no presente
artigo estão indicados como “Coliformes termotolerantes/E. coli”.
Ademais, o presente trabalho verificou qual o percentual de violação dos
parâmetros especificados pela DN Conjunta COPAM/CERH 01/2008 antes e após a sua
publicação. Os dados foram avaliados de forma comparativa, a fim de verificar a
eficácia da legislação vigente perante o lançamento dos esgotos tratados na ETE Onça.
Também foi levada em consideração para análise os dados de uma estação de
monitoramento da qualidade da água à montante da ETE (SC10), com o propósito de

76
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

que seja verificado quais as condições da qualidade das águas do Ribeirão do Onça,
antes mesmo que ocorra o descarte de efluentes pós-tratamento.
A partir dos resultados obtidos, sobre o percentual de violações dos parâmetros
estabelecidos, o presente artigo buscou avaliar a eficácia da legislação consultada, no
tocante a redução da contaminação das águas superficiais do estado de Minas Gerais.

1.2 Discussão e resultados

A partir dos dados fornecidos, como detalhado na metodologia do trabalho, foi


possível fazer uma comparação entre as porcentagens de violações antes e após a
publicação da DN Conjunta COPAM/CERH 01/2008.
Para a estação SC10, foram analisados trinta e um parâmetros. Desses, podemos
elencar os seguintes dos quais não houve, em nenhum momento, violação: alumínio
dissolvido, arsênio total, bário total, boro total, cádmio total, chumbo total, cianeto livre,
cloreto total, cor total, cromo total, fenóis totais, ferro dissolvido, manganês total, níquel
total, nitrito, pH in loco, selênio total, sólidos dissolvidos totais, sulfato total, sulfeto e
zinco total. A Figura 2 apresenta o percentual de resultados não conformes em relação
aos padrões estabelecidos para a classe de enquadramento na estação SC10 à montante
da ETE Onça.
Figura 2 – Percentual de resultados não conformes em relação ao total de violações,
1997 a 2018 - Estação SC10
Antes 2008
Após 2008
Turbidez 9,09%
0,00%

Substâncias tensoativas 45,45%


76,92%

Oxigênio dissolvido 27,27%


2,56%

Nitrato 9,09%
0,00%

Mercúrio total 100,00%

Fosforo total 90,91%


79,49%

DBO 100,00%
79,49%

Colifomes/E. Coli 81,82%


92,31%

Cobre dissolvido 27,27%


2,56%

Clorofila a 66,67%
20,51%

Ao comparar os resultados antes e depois da norma regulamentadora da


qualidade das águas no Estado, constata-se que houve uma diminuição no percentual de
violações aos limites estabelecidos. Entretanto, isso não ocorreu para todos os
parâmetros verificados. Constatou-se o aumento do percentual de violações para os
parâmetros de substâncias tensoativas, mercúrio total e coliformes termotolerantes/E.
coli após a publicação da DN Conjunta COPAM/CERH 01/2008.

77
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

Também foram analisados os mesmos parâmetros para a estação de


monitoramento BV154, de maneira que não houve constatação de violação para esses:
alumínio dissolvido, arsênio total, bário total, boro total, cloreto total, manganês total,
nitrato, nitrito, pH in loco, selênio total, sólidos dissolvidos totais, sulfato total e zinco
total. A Figura 3 apresenta os demais parâmetros em que houve violação.

Figura 3 – Percentual de resultados não conformes em relação ao total de violações,


1997 a 2018 - Estação BV154

Antes 2008 Após 2008

Turbidez 18,18%
0,00%
Sulfeto 100,00%
35,00%
Substâncias tensoativas 50,00%
69,23%
Oxigênio dissolvido 74,42%
74,36%
Níquel total 4,55%
0,00%
Mercúrio total 100,00%
100,00%
Fosforo total 97,73%
89,47%
Ferro dissolvido 2,27%
0,00%
Fenois totais 16,67%
2,56%
DBO 100,00%
84,21%
Cromo total 4,76%
0,00%
Cor total 28,57%
26,47%
Colifomes/E. Coli 90,91%
100,00%
Cobre dissolvido 16,67%
2,56%
Clorofila a 33,33%
12,82%
Cianeto livre 17,65%
Chumbo total 5,26%
0,00%
Cádmio total 2,63%
0,00%

Assim como na estação SC10, houve uma diminuição do percentual dos limites
violados após a norma regulamentadora, exceto para substâncias tensoativas, cianeto
livre e coliformes termotolerantes/E. coli.
A qualidade da água da estação SC10 ser melhor em relação a outra estação
pode ser justificada devido à localização dela ser à montante da ETE, ou seja, ela não
recebe carga de poluentes oriunda do tratamento de esgoto. Todavia, a água do referido
ponto de monitoramento apresenta graves problemas, posto as violações à deliberação
estadual, devidamente identificadas. Outro dado importante que é constatado ao se fazer
a comparação entre as estações, é o fato de que há parâmetros nos quais houve uma
extrapolação dos limites pré-determinados antes mesmo do descarte da ETE, fato esse

78
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

interpretado como indicativo de que a contaminação das águas ocorre antes mesmo
dela, isto é, a partir do descarte inadequado de poluentes devido ao uso típico da UTE
para diversas atividades antrópicas mencionadas anteriormente.
Para as duas estações avaliadas, os parâmetros de turbidez, substâncias
tensoativas, oxigênio dissolvido, mercúrio total, fósforo total, DBO, coliformes
termotolerantes/E. coli, cobre dissolvido e clorofila a apresentaram violações. Destaca-
se que o comportamento geral desses parâmetros em análise é semelhante para ambas
estações, uma vez que os dados comprovam uma diminuição e elevação similar nas
duas ao mesmo tempo, como pôde ser visto nas figuras 2 e 3.
Dos dez parâmetros que foram violados na estação SC10, houve diminuição do
percentual de violação em sete deles: turbidez, oxigênio dissolvido, nitrato, fósforo
total, DBO, cobre dissolvido e clorofila a após a publicação da legislação estadual. Por
outro lado, para e estação BV154, houveram violações em dezoito das especificações
estabelecidas pela norma seja antes ou após 2008. Entre essas, houve diminuição do
percentual violado em quatorze dos parâmetros: turbidez, sulfeto, oxigênio dissolvido,
níquel total, fósforo total, ferro dissolvido, fenóis totais, DBO, cromo total, cor total,
cobre dissolvido, clorofila a, chumbo total e cádmio total. As reduções apresentadas
devem ser interpretadas com cautela, pois, apesar de existir uma queda da taxa de
descumprimento da norma, não é possível afirmar que a água do trecho avaliado está
adequada, de fato, perante a legislação estabelecida.
Ao julgar a taxa de atendimento ao princípio estabelecido, se procura como
resultado que a qualidade da água superficial esteja atendendo os limites pré-
estabelecidos. Contudo, como analisado anteriormente, esse esforço ainda não produziu
resultado considerado como exemplar, visto que ainda há graves violações à legislação.
Para que a análise seja completa e crítica, ela deverá ocorrer de forma a verificar cada
conformidade de cada parâmetro das estações, impedindo assim a possibilidade de uma
análise superficial que possa fornecer um resultado enviesado.
Na estação BV154, destaca-se a redução para 0% de violações após a
deliberação do conselho estadual dos seguintes parâmetros, e as suas respectivas
reduções percentuais: turbidez (18,18%), chumbo total (5,26%), cromo total (4,76%),
níquel total (4,55%), cádmio total (2,63%) e ferro dissolvido (2,27%). Ao passo que
para a SC10, esse fenômeno ocorre novamente, em especial para os parâmetros de
turbidez e nitrato, as quais ambas apresentaram redução de 9,09%. Esses parâmetros,
em especial aqueles em que não ocorreram mais violações após a norma de 2008,
representam sua importância e eficácia da norma ambiental apresentada no que
concerne a qualidade de águas superficiais estaduais, pois a partir dela houveram
sistemáticas reduções que ocasionaram no fim da contaminação por esses produtos, que
por sua vez poderiam prejudicar a saúde humana.
O parâmetro de clorofila a apresentou diminuições significativas em ambas as
estações analisadas, sendo elas de 46,16% na estação SC10, e 20,51% na estação
BV154, o que leva ao resultado de 20,51% e 12,82% de violações nas amostras
analisadas após a norma, respectivamente. Outro destaque que é comum a ambas
estações é a redução de violações no que diz respeito ao cobre dissolvido, o qual, após a
DN Conjunta COPAM/CERH 01/2008, esteve fora dos padrões apenas de 2,56% das
análises em ambas as estações, posteriormente às quedas percentuais de
descumprimento ao texto do órgão regulador de 24,71% na SC10, e de 14,11% na
BV154.
Uma das variáveis que indica o estado trófico em ambientes aquáticos é a
clorofila a, justamente aquela que apresenta maior universalidade entre as clorofilas
(CETESB, 2017, p.35). A redução desse teor na água é importante, tendo em vista que

79
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

pode auxiliar a coibir a eutrofização dos corpos hídricos, de modo que sua origem no
Ribeirão do Onça possivelmente está atrelada descarte do material orgânico em seu
leito.
O cobre é uma substância que pode ocasionar lesões ao fígado do homem,
alterações no sabor da água, colorações em sanitários e louças e letalidade de peixes,
oriunda da fabricação de tubos, minas, corrosão de tubulações e efluentes de ETE
(CETESB, 2017, p.12). Infere-se que o uso antrópico para indústrias e domicílios
podem ser causas da presença desse contaminante na água, todavia, destaca-se a
diminuição de sua concentração após 2008, demostrando a eficácia da legislação.
Podem ser aferidas também notáveis reduções individuais após a promulgação
da referida norma nas estações, estas podem ser representadas pelo parâmetro sulfeto na
estação BV154, de forma que o número de amostras fora do limite foi reduzido em
expressivos 65%. Não obstante, ainda apresenta um alto percentual de 35%, e os fenóis
que teve o percentual de violação reduzido em 14,11%, levando a estação a apresentar
problemas em apenas 2,56% das amostras após 2008. Nesse contexto, o oxigênio
dissolvido apresentou bom resultado na estação SC10, que obteve diminuição de
46,16% o que levou ao percentual de violação de 2,56% após 2008.
De maneira análoga, os fenóis apresentados na estação BV154 são tóxicos ao
homem e aos organismos aquáticos, e sua origem nos corpos hídricos podem estar
ligadas a efluentes industriais, componentes elétricos, siderúrgicas, colas e adesivos
(CETESB, 2017, p.18). A presença a jusante da ETE-Onça pode ser justificada a partir
da ausência do tratamento terciário que poderia remover compostos orgânicos dos
efluentes tratados por ela, o qual inclui efluentes de origem industrial, todavia, houve a
redução que pode representar melhorias no tratamento após a norma.
O parâmetro oxigênio dissolvido está diretamente relacionado à concentração de
oxigênio presente na água, de modo que baixas concentrações deste podem sinalizar que
o corpo d’água está passando pelo processo de eutrofização, devido a impossibilidade
de fotossíntese das algas, e em decorrência disso, o fenômeno pode prejudicar a vida
aquática (CETESB, 2017, p. 26). Essa alta redução para o oxigênio pode estar
relacionada com a supracitada diminuição da clorofila a, que é capaz de afetar o estado
de eutrofização do corpo hídrico.
A partir desse comportamento sistemático nos parâmetros mencionados, é
averiguado a existência de uma melhoria parcial da qualidade das águas superficiais no
que tange a norma mineira, pois além dos parâmetros não mais violados, há reduções
que são significativas e expressam o objetivo em cumprir os limites estabelecidos.
Entretanto, baseado na persistência de infrações em determinadas medidas, o
cenário no tema debatido apresenta um primeiro problema, pois ao criar a norma há a
expectativa de que as obrigações presentes do texto normativo sejam cumpridas de
maneira integral, sem que ocorram infrações e, por conseguinte, que a norma apresente
como resultado o atendimento ao seu texto por completo. Ainda se faz necessário
avaliar os demais parâmetros para o diagnóstico, porém, já se sabe que apesar de
melhoria em determinadas circunstâncias, há também problemas a serem solucionados.
Como mencionado, houve queda da violação de quatorze parâmetros dos
estabelecidos, na estação BV154, fato esse que representa a importância da norma na
melhoria da qualidade das águas. Contudo há de se ressaltar que em determinados
critérios, a diminuição de infrações à norma foi baixa, o que leva apenas a uma pequena
atenuação desses problemas supracitados presentes antes de 2008. O oxigênio
dissolvido que apresentou alta redução na taxa de violação na estação a montante não
obteve o mesmo êxito posteriormente, pois a redução apresentada aqui foi de apenas
0,08%, fato colaborador para a continuidade de um valor elevado para violações, que foi

80
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

de 74,36%, na análise após a deliberação. Ainda nessa estação, para o parâmetro cor
total, houve a redução do percentual de apenas 2,10%, refletindo em 26,74% das
amostras violadas após o ano de 2008.
Diferentemente do que ocorreu na estação SC10, houve uma tímida redução no
percentual de violações para o parâmetro de oxigênio dissolvido na BV154, o que pode
ser justificado pela localização da estação a jusante da ETE-Onça, responsável por
descarte de alta quantidade de matéria orgânica no leito do Ribeirão do Onça. Em
relação a variável física cor total, o seu maior problema em geral é estético, e está
correlacionado ao grau de diminuição da intensidade de luz de uma amostra ao
atravessá-la. Isso ocorre devido a presença de materiais que podem absorver parte dessa
radiação eletromagnética e estão presentes em efluentes domésticos (CETESB, 2017,
p.3). Uma justificativa plausível para essa continuidade de violações é a carga orgânica
lançada pela ETE, mesmo após o tratamento que pode levar ao escurecimento das
águas, uma vez que o percentual de violações teve pequena redução incentivada pela
norma de 2008.
Os parâmetros de fósforo total e DBO ainda são problemáticos em ambas as
estações apesar de terem ocorrido diminuições das violações nas duas estações, pois
essa taxa continuou alta mesmo após a mudança legislativa. Quando se trata da DBO,
ocorreu uma queda de 15,79% na BV154, o que leva a infrações em 89,21% das
amostragens após 2008, já para a SC10 a redução apresentada foi ainda mais
significativa, de 20,51%, porém a porcentagem de coletas fora do limite foi de 79,49%.
Ao verificar o comportamento do fósforo total, houveram quedas de 8,25% e 11,42%
em BV154 e SC10, respectivamente, as quais o descumprimento apresentado da atual
legislação foi de 89,47% na BV154 e 79,49% na SC10.
O parâmetro da DBO diz quanto de oxigênio é necessário para que ocorra a
oxidação da matéria orgânica via microbiana aeróbia, de maneira que elevados teores
podem levar a sabores e odores desagradáveis, além do desaparecimento de vida
aquática devido ao esgotamento de oxigênio, os quais são ocasionados
predominantemente pelo despejos de origem orgânica nas águas (CESTEB, 2017, p.14).
Por outro lado, o fósforo, ocasiona danos à eutrofização, quando presente em excesso no
corpo hídrico, por ser um dos principais nutrientes dos processos biológicos advindos
do despejo de efluentes sanitários e de indústrias de fertilizantes e químicas em geral
(CETESB, 2017, p. 21). Tendo em vista que a causa principal para elevadas taxas de
DBO e fósforo total, como foram encontrados, são semelhantes, pode-se inferir que um
dos principais ocasionadores desse problema é o descarte de esgotos, ocasionado pelo
uso domiciliar e industrial na UTE. Destaca-se que após a ETE, houve elevação do
percentual de violação comparado a estação localizada a montante, esse fato pode ser
justificado pelo alto teor de matéria orgânica que é depositado no Ribeirão do Onça,
mesmo com o tratamento de esgoto realizado.
É notório que após a DN Conjunta COPAM/CERH 01/2008 ocorreram
sistemáticas quedas nas violações dos parâmetros estabelecidos pela legislação, o que
colaborou para a melhoria na qualidade das águas superficiais no estado de Minas
Gerais. Essas últimas reduções apresentadas no índice de violações demostram que
avaliar a eficácia da legislação só pela redução de resultados fora do limite pode levar a
um entendimento de eficiência maior do que o real, pois, apesar de existir melhora,
ainda há graves desvios a serem também apurados e devidamente reduzidos, de forma
que se continue nessa tendência de redução, que proporcionará avanços e melhorias da
qualidade de água estadual.
Finalmente, vale mencionar os parâmetros que, apesar da legislação vigente,
tiveram aumento percentual de violações, isto é, que denotam a ocorrência de um

81
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

fenômeno contrário ao que ocorreu com os demais parâmetros analisados. No que se


refere as substâncias tensoativas e ao coliformes termotolerantes /E. coli, houve
aumento das violações em ambas as estações estudadas. Para as substâncias tensoativas,
houve acréscimo de 19,23%, na BV154, elevando para 69,23% o percentual de
violações nas amostras analisadas. Paralelamente, na estação SC10 a elevação
verificada foi de 31,47%, fato esse que leva a apresentação de análises fora do limite em
76,92% dos casos para a referida localidade. Para o parâmetro de coliformes
termotolerantes/E.Coli, os aumentos foram de 9,09% e 10,49% em BV154 e SC10,
respectivamente, o que acarretou na apresentação de análises fora do limite estabelecido
em 2008 em 100% das amostragens realizadas na estação BV154 e 92,31% na estação
SC10.
As substâncias tensoativas estão relacionados ao descarte principalmente de
detergentes em corpos hídricos, seja por indústrias ou por domicílios, e é prejudicial a
estética dos corpos hídricos devido a formação de espumas (CESTESB, 2017, p.32). Os
coliformes termotolerantes/E. Coli são indicativos da presença de contaminação fecal
em água. Um ponto importante a ser analisado é o diferencial do uso desse parâmetro,
devido à sua exclusividade para detecção de contaminação fecal nas águas. (CETESB,
2017, p.39). Tendo isso em vista, a possível causa para ambos os parâmetros
continuarem a apresentar violações mesmo após 2008 é o descarte de efluentes
domésticos no Ribeirão do Onça, em conjunto com a ausência do tratamento terciário da
ETE-Onça.
Ainda há o mercúrio, que apresentou tanto em análises antes e após a DN
Conjunta COPAM/CERH 01/2008 violações em 100% dos casos em ambas as estações
estudadas. Vale ressaltar que a análise do parâmetro mercúrio na estação SC10 só se
iniciou em 2008 e 100% das amostragens realizadas apresentaram extrapolações ao
limite estabelecido sendo necessária a adoção de medidas para a sua redução na água.
O mercúrio é altamente tóxico ao homem, sendo que doses de 3 a 30 gramas
podem ser letais e entre suas fontes antropogênicas estão os processos de mineração e os
efluentes de estação de tratamento de esgoto (CETESB, 2017, p.24). Possivelmente, a
causa para o teor elevado de mercúrio nas águas superficiais está relacionada justamente
às atividades das indústrias presentes na UTE e ao efluente da ETE.
Na estação BV154, foi identificada a violação em 17,65% das amostragens
realizadas para verificação do teor de cianeto livre em águas após a norma
regulamentadora. Entretanto, a observação feita para o caso do mercúrio na estação
SC10, também será válida para essa: anteriormente ao ano de 2008 não ocorria a
realização de amostragens para esse parâmetro, por isso, não é possível afirmar se
ocorriam violações antes da norma, ou mesmo cogitar uma possível queda disso após
ela.
Portanto, ao efetuar essa análise de parâmetro por parâmetro, é verificado que
apesar de haver uma tendência de queda nas violações após a norma de 2008, foi
identificado que, ao mesmo tempo, também houveram aumentos de violações, e
deterioração da qualidade de águas superficiais em parâmetros específicos, fato esse que
chama a atenção e deve ser estudado mais profundamente, com o intuito de se
identificar o porquê destes não terem seguido a tendência dos demais. Como a
quantidade de parâmetros em que houve crescimento do número de violações foi baixo,
ao comparar com o resultado geral, ainda pode-se afirmar a existência de certa eficácia
na legislação para a redução de contaminantes nas águas estaduais.

Considerações finais

82
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

A partir do exposto é possível afirmar que a DN Conjunta COPAM/CERH 01/2008


é uma importante e eficaz política no tocante a redução de poluentes em águas
superficiais, dado que na maioria dos parâmetros estabelecidos por ela não houveram
violações, sendo, em alguns casos até comprovada a redução em relação aos anos
anteriores.
Contudo, ocorreram elevações que extrapolaram os limites da legislação, fazendo
com que um percentual maior de amostras fora dos padrões fosse identificado após
2008. A norma, por si só, não é, e não pode ser o único meio para que se ocorra a
melhoria da qualidade da água estadual. A deliberação normativa no âmbito estadual
deve ser trabalhada em conjunto com fiscalizações sobre o descarte de efluentes nos
corpos hídricos e o desenvolvimento de novas tecnologias em relação ao tema, visto que
a própria ETE-Onça não realiza o tratamento terciário e ele seria importante para que o
seu esgoto tratado despejado sobre o Ribeirão do Onça seja de melhor qualidade.

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83
3° CONGRESSO MINEIRO DE DIREITO AMBIENTAL

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os/material/&x_nome=Item_6.1_-_PU_COPASA_-_ETE_ON%C7A_-_REnLO.pdf>.
Acesso em: 25 maio 2019.

84
LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE BARRAGENS DE REJEITOS SÓLIDOS:
PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO MEIO
AMBIENTE

Environmental licensing of solid reject dams: perspectives and challenges for the
effectiveness of environmental rights ecologically balanced

Pedro Henrique Moreira da Silva1


Lucas Renan Marques2

Resumo: A pesquisa pretende apresentar as questões de relevância técnica, jurídica e


socioambiental que permeiam a construção e funcionamento das barragens de rejeitos
sólidos – no que tange às perspectivas e desafios. Para tanto, discorre-se acerca da
mineração, com destaque para o processo de descarte dos rejeitos – posteriormente
designados às barragens. Assim, o estudo se preocupa em demonstrar as singularidades
da construção dos reservatórios, bem como apresenta os desafios técnicos e potenciais
impactos de natureza socioambiental. Em um segundo momento, recorrendo ao método
hipotético-dedutivo e à pesquisa bibliográfica, o artigo suscita o licenciamento das
barragens de resíduos sólidos – abordando os aspectos jurídicos e tecendo considerações
no que tange à importância socioambiental da licença para instalação e operação –
sobretudo quando da análise vinculada aos princípios da precaução e da prevenção, que
coroam o Direito Ambiental. Destarte, o presente trabalho se propõe a questionar e
apresentar o licenciamento ambiental de barragens de rejeitos sólidos como instrumento
de efetivação do direito humano ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – e
requisito para satisfação de todas as dimensões da sustentabilidade.

Palavras-chave: Barragem de resíduo sólido. Licenciamento ambiental. Direito


Ambiental. Meio Ambiente. Direitos Humanos.

Abstract: The research intends to present the questions of technical, juridical and
socioenvironmental relevance that permeate the construction and operation of solid
waste dams - with regard to perspectives and challenges. For this, there is a discussion
about mining, with emphasis on the process of discarding the tailings - later assigned to
the dams. Thus, the study is concerned with demonstrating the singularities of reservoir
construction, as well as presenting technical challenges and potential socio-
environmental impacts. In a second moment, using the hypothetic-deductive method
and the bibliographical research, the article raises the licensing of solid waste dams -
addressing the legal aspects. In addition, considerations regarding the
socioenvironmental importance of the license for installation and operation, especially
when analyzing the principles of precaution and prevention, which crown
Environmental Law, are taken into account. Thus, the present work aims to question
and present the environmental licensing of solid waste dams as an instrument for the

Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder
1

Câmara (ESDHC). Bolsista pela Fundação Movimento Direito e Cidadania (FMDC). Bacharel em Direito
pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC). Bacharelando em Letras pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG). Advogado.
2
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Advogado.

85
realization of the human right to the ecologically balanced environment - and a
requirement for the satisfaction of all dimensions of sustainability.

Keywords: Solid waste dam. Environmental licensing. Environmental Law.


Environment. Human Rights.

Introdução

A mineração trata-se de atividade de relevância para o Brasil, tendo em vista que


seus impactos positivos na economia do país são significativos – desde o período
colonial. É o que se verifica, por exemplo, no histórico de extração de metais preciosos,
como o ouro, que exerceu importante papel nas relações entre colônia e metrópole, além
de ser responsável pela construção e expansão de polos urbanos, a exemplo da cidade de
Ouro Preto, em Minas Gerais.
Não obstante, a atividade minerária, sobretudo contemporânea – viciada nas
perspectivas de consumo e produção massiva – representa inúmeros riscos potenciais,
sobretudo se considerarmos a questão das barragens de rejeitos sólidos. Ora, seja pela
degradação ambiental decorrente da construção das referidas barragens, seja pela
possibilidade de rompimento das estruturas – com soterramento de extensas áreas por
lama contaminada – os prejuízos socioambientais que pairam sobre a questão são
múltiplos.
Nesse sentido, a pesquisa se propõe a estabelecer panoramas gerais e técnicos
acerca da mineração, promovendo a demonstração dos desafios técnicos, sociais e
ambientais para a construção de barragens de rejeitos sólidos. Em face dos entraves que
se expõe, suscita o estudo a questão do licenciamento ambiental de tais
empreendimentos – à luz da legislação brasileira – para demonstrar de que forma os
procedimentos jurídico-ambientais à disposição são medida para satisfação do meio
ambiente ecologicamente equilibrado – que se pretende demonstrar como direito
fundamental.
Assim, recorrendo ao método hipotético-dedutivo e à pesquisa bibliográfica,
demonstrar-se-á que o licenciamento ambiental de barragens de rejeitos sólidos é
instrumento para efetivação de Direitos Humanos, na medida em que garante o
equilíbrio socioambiental e promove a segurança, a saúde e a vida das comunidades que
– direta ou indiretamente – são alcançadas pela temática. Nesse sentido, justifica-se a
pesquisa justamente pela importância da promoção dos Direitos Humanos – em tempos
marcados por crimes ambientais no Brasil.

1 Da exploração de recursos minerais e resíduos

1.1 Breve histórico da mineração no Brasil

Apesar da utilização de metais preciosos pelas comunidades nativas, seja em


cerimônias, seja em vestimentas (GALEANO, 2017, p. 18), a história da mineração
como método de produção de riquezas para circulação de capital no Brasil se iniciou no
período colonial, quando da edição das Ordenações Manuelinas. Além de instituir
regramentos no que tange à exploração de recursos minerais, tais normas reservaram à
Coroa portuguesa a posse dos veeiros de ouro e demais metais, assegurando ao
descobridor da riqueza natural tão somente a quinta parte do metal extraído, livre de
quaisquer custos. (TEIXEIRA, 1993, p. 16).

86
Durante o Brasil Colônia, a demanda de materiais oriundos da atividade da
mineração era pequena, resumindo-se às demandas de areia, argila e cascalho –
suficientes para atendimento de tecnologias próprias à época. Ademais, salienta-se que
os materiais e tecnologias utilizadas para a extração dos produtos de origem mineral
pouco contribuíam para a celeridade do processo de mineração. (TEIXEIRA, 1993, p.
17).
Os primeiros garimpos tiveram origem em São Paulo e, posteriormente,
espalharam-se por Minas Gerais e Mato Grosso. Na atividade garimpeira – realizada
quase em totalidade por escravos – utilizavam-se pás para lançamento dos minerais às
calhas. Quando necessário, utilizava-se pólvora para detonar as rochas, a fim de
alcançar galerias de acesso difícil. O transporte dos minerais era realizado por carrinhos
de mão e, quando necessário percorrer um caminho mais longo, utilizavam-se carroças
de tração animal. (DARCY, 2002, p. 06) Note-se, como próprio da gênese capitalista,
animais humanos e não-humanos assumiam a postura de força de trabalho no processo
de mineração. (MARX, 2017, p. 1360)
Apenas no século XIX, marcado pela independência do Brasil, as minas foram
sofisticadas, a começar pelas minas de Ouro – que demandavam maior produtividade,
em razão do valor do produto e da grande demanda. Foi também no século XIX que
teve início a atividade de extração de carvão mineral no Brasil, realizada por famílias de
ingleses, no Rio Grande do Sul. Na mesma época, iniciou-se a extração de manganês
em Minas Gerais, na região de Lafaiete, hoje conhecida como o quadrilátero ferrífero.
(TEIXEIRA, 1993, p. 17)
A evolução da mineração no país acompanhou o desenvolvimento tecnológico
e os avanços da indústria vividos pelo Brasil no século XX. Isso, note-se, foi viabilizado
justamente pela íntima relação com as demandas industriais – que requerem uma gama
de bens minerais para realização de suas atividades. (VERSIANI, 1990, p. 25)
Justamente estimulado pelas demandas de produção – e também pelo interesse
nas relações internacionais que envolviam a Segunda Guerra Mundial – foi criada a
Companhia Vale do Rio Doce, em 1942, pelo Presidente Getúlio Vargas. A partir dali, a
mineração estaria centralizada nos interesses estatais como importante atividade a ser
desenvolvida pela empresa que se tornaria uma das maiores do país – estabelecendo
novo status à ordem econômica brasileira. (VALE, 2012, p. 41)
Ainda em 1942, a Vale do Rio Doce passou a explorar, na região de Itabira,
hematitas roladas. No mesmo contexto, estimulada por novos paradigmas, a Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN) passou a explorar as lavras pelo método de tiras, que
consistia na utilização de equipamentos próprios, proporciona menor custo e maior
produtividade. (TEIXEIRA, 1993, p. 17)
Nota-se, portanto, que embora sempre presente no Brasil, apenas no século
XX a atividade de exploração mineral foi se modernizando – movimento concomitante
ao processo de industrialização. (TEIXEIRA, 1993, p. 18) Fato é que esta atividade
sempre foi de grande relevância para a economia brasileira e também para o
desenvolvimento de diversos setores industriais. Não é possível imaginar, por exemplo,
a produção de um eletrodoméstico sem a disponibilidade de minerais em sua
composição ou na composição das máquinas que o produzem. Ademais, esta indústria
gera grande volume de empregos – diz-se, portanto, acerca de alcances econômicos e
sociais.
Entretanto, salienta-se que as benesses socioeconômicas não são exclusivas.
Alguns dos principais impactos ambientais enfrentados pela humanidade atualmente
tem relação direta ou indireta com a atividade de extração mineral: o despejo de
produtos químicos no meio ambiente, a dependência de combustíveis fósseis, o

87
esgotamento de recursos hídricos, o rompimento de barragens com soterramento de
comunidades – conforme verificar-se-á a seguir.

1.2 Panoramas da exploração de recursos minerais e a questão dos resíduos sólidos

No que tange às questões técnicas da mineração, diz-se que o processo de


exploração mineral consiste na retirada de materiais, que são montantes de rocha que
contenham minério das jazidas. Fragmenta-se, pois, estes pedaços de rocha em
tamanhos viáveis para a comercialização, retirando-se posteriormente as impurezas e
materiais não interessantes ao mercado. (VALE, 2012, p. 96)
Ocorre que a proporção das impurezas encontradas nos minerais é
significativa, motivo pelo qual o maquinário utilizado na extração e no transporte é
grande e pesado. Proporcionalmente, a quantidade de impurezas a serem descartadas na
natureza também é grande, tal como o gasto de recursos hídricos e produtos químicos
utilizados no processo de extração e purificação do mineral. (TEIXEIRA, 1993, p. 34)
Acerca da referida exploração mineral, importa destacar as seguintes etapas: a)
Lavra: trata-se da extração propriamente dita, seja por escavadeiras, tratores e até
mesmo por mãos humanas; b) Transporte até a usina: retira-se todo o material da rocha
e transporta-se para a usina onde o mineral é preparado para venda; 3) Estéril: trata-se
do descarte de grande quantidade de terras e outros minerais que não tem valor; 4)
Britagem: trata-se do momento em que o grande bloco de pedra é quebrado por grandes
máquinas para que o minério seja, mais um vez, separado dos materiais não-
comercializáveis; 5) Separação: trata-se do peneiramento do material após a britagem –
jatos de água são utilizados para ajudar no processo, com devolução dos pedaços
maiores ao processo de britagem; 6) Concentração: se resume no procedimento em que
se utiliza um imã que separa os pedaços muito pequenos de metal (pó de ferro) da areia;
7) Reciclagem de água: coloca-se toda a água utilizada no processo em um grande
reservatório, com posterior reaproveitamento – o material sobressalente, a lama
(rejeito/resíduo de tratamento), é encaminhado para as grandes barragens; 8)
Empilhamento: trata-se da forma de armazenagem, todo material já limpo é
armazenado, formando uma grande pilha de grãos de minério; 9) Transporte ao cliente:
a forma mais viável de transportar o minério em terra é por meio de ferrovias, tendo em
vista que os vagões carregam grandes quantidades de material. Geralmente, no caso do
minério, este é encaminhado para navios de exportação. (VALE, 2012, p. 35)
Conforme verificado, todo o processo não produz apenas o minério comercial,
mas também grande quantidade de resíduos. Deve-se destacar que há duas modalidades
de resíduos sólidos – o estéril (de extração) e os de tratamento, denominados também de
resíduos de beneficiamento. Como resíduos, de uma forma geral, compreendem-se
rochas, sedimentos, solo, minérios pobres, lama, além de baterias de veículos utilizados
no processo, pneus e resíduos de óleos. Conforme acima asseverado, grande parte dos
resíduos provenientes do processo de limpeza dos minerais torna-se lama que, não raras
vezes, é depositado nas barragens. (IBRAM, 2016, p. 13)
O maior problema enfrentado atualmente, no Brasil, diz respeito ao descarte
dos resíduos de tratamento. Ocorre que a forma de descarte desses rejeitos em barragens
ou diques é a forma mais utilizada, porém não é a forma mais segura de descarte – nem
a mais sustentável, do ponto de vista ecológico. Além das questões de segurança, como
as que se relacionam à possibilidade de rompimento, há também a questão da
dificuldade de impedimento de infiltração de efluentes danosos à qualidade das águas na
região em que ocorre a mineração. (IBRAM, 2016, p. 16)

88
Há outras formas de eliminar estes rejeitos, como por exemplo,
transformando-os em matéria prima para a construção civil. Conforme o relatório
técnico “Utilização de rejeito de barragens de minério de ferro na construção civil”
(2016), cujo responsável técnico fora o Professor Dr. Ricardo André F. Peixoto, da
Universidade Federal de Ouro Preto, os rejeitos provenientes da atividade de exploração
do minério de ferro podem ser reutilizados na produção de argamassas, concretos,
blocos de concreto, blocos de pavimentação. (PEIXOTO, 2016, p. 36)
Não obstante, aglomerar os rejeitos provenientes da atividade de mineração
em uma barragem é muito menos dispendioso – o que faz o método mais atraente às
demandas de consumo-produção do mercado. Sobrepõe-se, portanto, as dimensões
econômicas sobre as socioambientais, em um processo de enfraquecimento do
paradigma da sustentabilidade, cujo resultado é o dilaceramento de famílias, extinção de
comunidades, e degradação ecológica – em virtude do risco de rompimento das
referidas barragens.

2 Barragem de resíduos sólidos

2.1 A construção da barragem e as demandas técnicas

Há milênios constroem-se barragens para os mais diversos fins, tais quais,


geração de energia elétrica, armazenamento de água e controle de vazões. Isto é, a
construção de barragens não está, necessariamente, relacionada à atividade de extração
mineral. Entretanto, a construção de barragens para atendimento das demandas de
mineração requer maior atenção, tendo em vista que representam risco socioambiental
alto. (CARDOZO et al, 2016, p. 78)
Ora, diferentemente das barragens civis, que normalmente retém apenas água,
as barragens utilizadas na mineração têm como fim o acúmulo de rejeitos, os quais são a
própria matéria prima para a execução dos alteamentos (DUARTE, 2008, p. 49). Os
referidos rejeitos nada mais são que materiais arenosos não plásticos, terra e rocha
bastante finos que geram a lama, em virtude da alta plasticidade (ARAÚJO, 2006, p.
12).
Atualmente, há três métodos de construção de barragens de rejeitos oriundos
da atividade de mineração, quais sejam, método a jusante, método a montante e método
da linha de centro. (CARDOZO et al, 2016, p. 78)
O método a jusante foi desenvolvido para reduzir a liquefação nas zonas em
que há ocorrência de abalos sísmicos. Primeiramente, constrói-se um dique e os
alteamentos são construídos inteiramente uns sobre os outros, como paralelepípedos.
Dessa forma, a linha de eixo da barragem se desloca a jusante (no sentido em que águas
naturalmente correriam). Os próprios rejeitos mais grossos da barragem são utilizados
para o alteamento, podendo a barragem chegar a grandes alturas. Referido método,
embora mais seguro, ocupa uma grande área, devido à necessidade de aterro. Assim, o
custo de sua implantação é alto, motivo pelo qual não é satisfatoriamente utilizado pelas
mineradoras (SOARES, 2010, p. 853) – reflexo de uma tendência de produção-consumo
predatórios.
O método de montante consiste na formação de uma praia de rejeitos, a partir
da construção de um dique inicial, que é constituído por materiais argilosos. Os rejeitos
são escoados da parte de cima deste dique, formando a praia de rejeitos. Estes, por sua
vez, solidificarão e servirão de fundação para os futuros diques a serem construídos.
Ressalta-se que para que o material a ser lançado sirva como base para os novos
alteamentos, é necessário que seja composto de 40% a 60% por areia. O método de

89
construção a montante é menos dispendioso, em virtude da sua simplicidade na
atividade construtiva, entretanto, é o método de menor coeficiente de segurança e o que
causa a maioria das tragédias de ruptura de barragens no mundo. (SOARES, 2010, p.
850)
O método de linha de centro, por sua vez, é um método intermediário entre os
dois métodos supramencionados, sendo que a estrutura a ser construída se aproxima
mais do método a jusante. Primeiramente, constrói-se um dique inicial e também são
lançados rejeitos, formando uma praia. Todavia, os eixos de todos os diques iniciam-se
do mesmo ponto. Neste caso, as vantagens e desvantagens se mesclam, vez que se
apresenta como uma barragem de fácil construção, mas sujeita a escorregamentos.
(SOARES, 2010, p. 855)

2.2 Desafios técnicos e impactos socioambientais

Barragens de contenção de rejeitos oriundos da atividade de mineração não


são construções simples, ao contrário, demandam elaboração complexa de projeto,
construção, operação, manutenção e vigília. (ASSIS et al, 2017, p. 11)
Ainda que apresente riscos, o método a jusante é o de menor coeficiente de
risco, em razão de apresentar constância e maior controle dos materiais na sua
construção. Assim, é possível realizar um controle nítido da barragem, considerando a
compactação material, a impermeabilização e os drenos. (CARDOZO et al, 2016, p. 82)
O método a jusante demonstra maior dificuldade no que tange ao controle das
propriedades geotécnicas da zona em que é realizada o alteamento. Ocorre que os
materiais que servem de base para os alteamentos, não necessariamente estão
consolidados para a construção dos novos alteamentos. Geralmente estes materiais estão
apenas saturados e apresentam baixa resistência e susceptibilidade à liquefação.
(CARDOZO et al, 2016, p. 82)
Já quanto ao método de linha de centro, classifica-se como intermediário o
coeficiente de risco entre aquele que apresenta o método a jusante (menor risco) e o
método a montante (menor risco). As análises e cálculos a serem realizadas para se
verificar a estabilidade de uma barragem perpassam sua geometria e da disposição de
seus materiais. Se a geometria da barragem for mais simples e seus materiais estiverem
dispostos de forma homogênea, mais fácil é o processo de análise da estabilidade,
considerando métodos analíticos e numéricos. Os modelos de análises mais atuais
consideram hipóteses de deslizamento, tombamento e ruptura circular. (CARDOZO et
al, 2016, p. 83)
Utilizam-se diversos instrumentos de gestão no auxílio das análises realizadas
sobre as barragens. O intuito é identificar problemas quanto às questões estruturais,
físico-químicas, ambientais e de segurança. Dessa forma, nota-se uma
multidisciplinariedade e cooperação entre diversas áreas, como a geologia, engenharia e
tecnologia da informação. Ocorre que qualquer barragem, considerando as variações de
coeficiente de rompimento, apresentam riscos ao meio ambiente e à sociedade.
(IBRAM, 2016, p. 30)
Hodiernamente, há novos entendimentos sobre o reaproveitamento dos rejeitos
oriundos da atividade da mineração para outros usos. O preenchimento de cavas
exauridas de minas é uma delas. Essa prática ajuda a aumentar a capacidade da
barragem, evitando a construção de uma nova, vez que aumenta a vida útil da barragem
existente. Neste caso, preenchem-se as cavas existentes a céu aberto. (IBRAM, 2016, p.
32)

90
Outra alternativa para os rejeitos é a utilização de alguns tipos na agricultura,
como o pó de calcário – que passou a ser utilizado na correção do solo de algumas
regiões. Como outrora sinalizado, a utilização dos rejeitos é também bastante eficaz nos
materiais da construção civil, para fabricação de insumos como argamassas, blocos de
pavimentação, blocos de alvenaria, entre outros. Ademais, alguns rejeitos podem ser
utilizados em trabalhos artesanais e ornamentais, como vasos de plantas. (IBRAM,
2016, p. 33)
Ainda que consideradas alternativas para o descarte de rejeitos sólidos, não se
pode ignorar a necessidade da construção de barragens – vez que viabilizam a própria
atividade minerária e seus resultados econômicos. Assim, importa que referidos
empreendimentos estejam pautados em recomendações de ordem técnica e jurídica para
que seus riscos e impactos sejam minimizados. Nesse sentido, importa a observância –
sobretudo – do licenciamento ambiental quando da construção das barragens –
conforme verificar-se-á a seguir.

3 Licenciamento ambiental e responsabilidade civil

O licenciamento ambiental, nos termos da Resolução CONAMA nº 237/97, é


um procedimento administrativo cujo fim é a licença de localização, instalação,
ampliação e operação de empreendimentos considerados potencialmente poluidores do
meio ambiente. Sua principal característica é a discricionariedade sui generis, isto é,
ainda que os estudos de viabilidade ambiental sejam negativos, pode a autoridade
conceder o licenciamento (FIORILLO, 2003, p. 66). Trata-se de procedimento sem o
qual incorre a operação em irregularidade, com consequências nos âmbitos
socioambientais e do próprio Poder Público.
Ora, diz-se que o licenciamento ambiental é o alicerce da gestão ambiental de
qualquer atividade degradadora – condicionando essas atividades a medidas de
precaução, prevenção, reparação e recuperação (CARNEIRO, 2014, p. 82). Ademais, o
procedimento ultrapassa a proteção dos ambientes naturais, também dizendo respeito às
pautas culturais, econômicas e sociais. Dessa maneira, trata-se de requisito e caminho
para efetivação de pretensões da sustentabilidade, na medida em que alcança dimensões
plurais das sociedades. (FARIAS, 2010, p. 22).
A significância do licenciamento é reforçada pela Carta Magna, quando da
delegação do poder-dever de tutela do meio ambiente ao Poder Público e à coletividade
– conforme se verifica no caput do artigo 225, da CRFB/88. Também é o que se verifica
reforçado com o advento da Lei dos crimes ambientais, de 1998, que leva os
empreendimentos a se obrigarem na solicitação do licenciamento, sob pena de
constituição de crime ambiental – cuja pena de detenção pode chegar a seis meses e
multa (BRASIL, 1998, art. 60).
Acerca das atividades sujeitas ao licenciamento ambiental, cabe à Resolução
CONAMA nº 237/97 a previsão legal. Não obstante, impera suscitar que o rol
demonstrado é exemplificativo, ou seja, “esse elenco poderá ser complementado
discricionariamente em situações específicas, de acordo com o entendimento justificado
do órgão ambiental.” (FARIAS, 2010, p. 22) Esse, note-se, é um caminho razoável,
tendo em vista que abre margem para que o Direito esteja sintonizado às novas
tecnologias e atividades econômicas.
A Resolução supra também é responsável por estabelecer as etapas do processo
de licenciamento (artigo 10). Assim, verifica-se que a obtenção das autorizações
ambientais passam pela a) análise documental e realização de estudos ambientais; b)

91
requerimento do empreendedor, que deve promover a juntada de documentos; c) a
publicização do requerimento, para garantir a participação pública; d) análise
documental e realização de vistorias técnicas pelo órgão ambiental; e) realização de
audiências públicas, se necessário; f) emissão do parecer técnico e/ou jurídico
conclusivo, com o deferimento ou indeferimento da licença ambiental. (CARNEIRO,
2014, p. 86)
O processo supra é dividido em três fases – resultando em três licenças distintas,
que se condicionam. A primeira delas é a licença prévia, que contém “os requisitos
básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação.” (OLIVEIRA,
2005, p. 360) A partir dessa licença, fica aprovada a localização e concepção – com
atestado da viabilidade socioambiental do empreendimento que se pretende.
Concedida a licença prévia, solicitar-se-á a licença de instalação, que autoriza a
instalação do empreendimento – com observação aos projetos aprovados e satisfação
das medidas de controle e condicionantes ambientais. Havendo êxito na obtenção da
licença supra, promove-se o requerimento da licença de operação – que conserva caráter
homologatório – e garante a operação da atividade, desde que constatado o
cumprimento das normas e requisitos estabelecidos nas licenças anteriores, quais sejam,
prévia e de instalação. (CARNEIRO, 2014, p. 100).
No que diz respeito à competência para licenciar, importa ressaltar a inexistência
de uma lei complementar que trate da questão, de forma que aos interessados cabe
recorrer às disposições ordinárias – como é o caso da própria Resolução CONAMA n.
237/97, que propõe vários critérios de competência. O princípio que coroa essa
perspectiva é o da prevalência do interesse, isto é, a União, os Estados e o Município
terão competência para licenciar empreendimentos que afetarem suas proporções.
Assim, compete ao IBAMA o licenciamento de atividades cujas mazelas
socioambientais ultrapassem um único Estado ou o território nacional, da mesma forma
que competirá ao órgão federal licenciar atividades que representem risco para a
segurança nacional – por exemplo (TRENNEPHOHL, 2007, p. 14).
O artigo 23 da Carta Magna, todavia, confere competência administrativa
comum à União, Estados e Municípios para a proteção do meio ambiente e combate às
poluições. Ainda sobre a competência concorrente, os Estados podem legislar junto à
União acerca de florestas, fauna, caça e pesca e, ainda, sobre proteção do patrimônio
histórico, cultural e artístico. Note-se que referida modalidade de competência não recai
nas atividades que envolvam jazidas, minas e outros recursos minerais, nos termos do
artigo referido.
Não obstante, a União já se preocupou em editar normas que conferem
autonomia para o Estado, no sentido de delegar-lhe competência administrativa para
promover as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos minerais em
seus respectivos territórios. Assim, no que diz respeito à atividade minerária, estará
subordinada a um licenciamento duplo: “federal no que diz respeito à pesquisa e
concessão de lavra; e estadual do ponto de vista ambiental, devendo a atividade
minerária atender às exigências da licença ambiental. ” (OLIVEIRA, 2005, p. 336).
Nesse tocante, no que diz respeito ao licenciamento de barragens de rejeitos sólidos,
caberá também a atuação do Estado, como forma de promoção do interesse de
preservação ambiental – que é concorrente dos entes políticos.
Verifica-se, portanto, que a pretensão legislativa com os requisitos técnicos para
emissão de licença ambiental é garantir a prevenção ecológica, evitando-se o dano
ambiental. Não obstante, importa ressaltar que, no caso de impossibilidade de
inexistência de dano, o procedimento de autorização deve se preocupar em estabelecer
medidas que minimizem os impactos potenciais verificados. (MUKAI, 2007, p. 89)

92
Trata-se, portanto, de ato administrativo vinculado, precário, cujo fim é garantir o
direito de exercício de atividades econômicas – sem prejuízo do direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado. (OLIVEIRA, 2005, p. 309).
No que diz respeito ao licenciamento e demais cuidados técnicos e jurídicos que
envolvem a questão das barragens de rejeitos sólidos, importa dizer que assumem
importância especial, tendo em vista os riscos potencialmente catastróficos que falhas
nesse sistema podem acarretar. É o que se confirma, por exemplo, nos casos dos crimes
ambientais nas cidades de Mariana e Brumadinho, em 2015 e 2019, respectivamente.
Nesse sentido, a segurança ambiental é uma necessidade para a pós-modernidade
capitalista – que se empenha na produção em massa. A sociedade de risco demanda,
portanto, instrumentos para “lidar com o medo e a insegurança. ” (BECK, 2010, p. 93)
No caso, o processo de licenciamento surge como uma forma de regulação da
atividade privada – que não necessariamente implica em sujeição ou coerção – e que
resulta (ou pretende) na promoção de comportamento socialmente desejáveis e
humanamente seguros, bem como desestimula comportamentos indesejáveis e que
coloquem em risco a condição da vida e saúde humana. Trata-se de um objetivo
político-jurídico previamente estabelecido como instrumento de satisfação da vontade
constituinte, a partir de uma lógica ordenadora centrada na ideia do direito ao meio
ambiente como um direito fundamental. (BINENBOJM, 2016, p. 70)
Em que pese o procedimento do licenciamento e os desafios que envolvem a
questão de empreendimentos potencialmente degradadores, vale ressaltar a
possibilidade permanente da ocorrência de danos ambientais – como os ocasionados
pelo rompimento de barragens. Isso porque, apesar do ordenamento jurídico promover
caminhos de prevenção e precaução, o risco da atividade minerária pode ser ampliado
por outros fatores, como falhas técnicas, fatores naturais e – até mesmo – por fraudes
nos trâmites do licenciamento.
Assim, não sendo o licenciamento ambiental garantia da inexistência absoluta de
danos socioambientais futuros, impera trazer a discussão acerca da responsabilidade
civil nos casos da ocorrência de desastres envolvendo as barragens de rejeitos de
mineração. Dessa maneira, ocorrendo ilícito ambiental, caberá ao responsável – direto
ou indireto – a obrigação de reparação do dano, independente da comprovação de culpa.
Ademais, no caso de ilícitos envolvendo barragens de rejeitos, também ficará o
responsável obrigado a promover a recuperação da área degradada pela atividade.
(SILVA, 2018, p. 76) Trata-se, portanto, de responsabilidade objetiva, que encontra
aporte no parágrafo 1º, do artigo 14, da Política Nacional do Meio Ambiente.
A complexidade do dano ambiental – com consequência direta nos direitos de
primeira e segunda dimensão – leva à necessidade de apartar-se a modalidade de
responsabilização da clássica responsabilidade civil, “pois não tem o condão de proteger
a autonomia privada.” (SILVA, 2018, p. 76) Assim, no caso de dano ambiental
acarretado por barragens de mineração, há que aplicar-se o entendimento de uma
responsabilidade não subjetiva, baseada no risco inerente à atividade – de forma que
fica dispensada a prova de culpa para eventuais obrigações de reparação ou indenização.
(VIANNA, 2009, p. 81)
Ademais, vale suscitar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que
aplica às situações de dano ambiental a Teoria do Risco integral, que não suporta
excludentes de responsabilidade por caso fortuito, ação de terceiros ou força maior. Ao
contrário, a partir desse entendimento, cabe tão somente a discussão acerca da
materialidade e/ou “a negativa da atividade causadora do dano (autoria). ” (NERY
JÚNIOR, 1993, p. 173)

93
Indo além das questões que emanam do Código Civil, a Política Nacional de
Segurança de Barragens (PNSB) (Lei n. 12.334/2010) é expressa em determinar que o
empreendedor é responsável pela segurança da barragem – incumbindo a ele a
promoção de medidas para garantir referida segurança. Concomitantemente, a
responsabilidade pela fiscalização da segurança da barragem é da entidade “outorgante
de direitos minerários a fim da disposição temporária ou permanente de rejeitos dessa
atividade.” (SILVA, 2018, p. 85)
A efetivação da política pretendida é impulsionada pela alimentação do Sistema
Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração, de competência da
Agência Nacional de Mineração (ANM), cujo objetivo é “gerenciar as estruturas no
Brasil, contemplando módulos para empreendedores, auditores, fiscais da ANM, e da
sociedade civil.” (SILVA, 2018, p. 86) Também fica regulamentada a atribuição do
órgão fiscalizador de manter anotações de engenheiros responsáveis, bem como a
realização das recomendações técnicas, com revisões constantes acerca do
cumprimento.
Dentro desse contexto, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM)
também tratou de regulamentar revisões periódicas de segurança de barragens que
ocorrerá: a) de três em três anos para estruturas com dano potencial associado alto; b) de
cinco em cinco para risco de nível médio; c) de sete em sete para dano de risco baixo.
Ademais, barragens reformadas, com alterações estruturais, devem ensejar relatórios de
auditores “a cada 2 anos ou a cada 10 metros de alteamento, prevalecendo o que vier
primeiro.” (SILVA, 2018, p. 88)
Essas determinações e recomendações – desde o licenciamento até apresentação
de relatórios pela PNSB – são medidas cujo fim é a satisfação da utopia socioambiental
prevista no artigo 225, da Constituição Cidadã. Isso porque, promover medidas de
prevenção, precaução, responsabilização e recuperação relacionadas à instalação e
operação de barragens de rejeitos sólidos é também promover direitos de primeiro e
segunda geração, bem como garantir o equilíbrio ecológico. E, note-se, o bem-estar
ambiental conserva significativa importância no Estado Democrático de Direito por
constituir requisito da própria dignidade humana – que coroa o aparato constitucional.
Nesse sentido, importará à pesquisa demonstrar, por derradeiro, que o licenciamento
ambiental e demais medidas de segurança relacionadas às barragens de rejeitos sólidos
são instrumentos para satisfação dos Direitos Humanos, consagrados
internacionalmente e pilares de um Direito que atende às demandas da sociedade.

4 O licenciamento ambiental de barragens como instrumento de efetivação do


direito humano ao meio ambiente

Os Direitos Humanos e a preservação ambiental são questões condicionais, na


medida em que viabilizam o direito à vida. Ora, a vida é “o mais fundamental de todos
os direitos” (BELTODI, 2007, p. 07) justamente por viabilizar a existência – e a
necessidade – dos demais direitos. Da mesma forma, só há que se falar na existência
humana no caso de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, que seja favorável
às condições de permanência do homem no globo.
Dessa maneira, a violação dos direitos de ordem ecológica e humana implicam
em um desequilíbrio múltiplo, vez que afeta a pluralidade de direitos e a própria
existência. A degradação multilateral desses direitos permite concluir por uma
convergência em comum dos propósitos sistêmicos dos ramos a que se refere a
pesquisa. Isto é, conectam-se os direitos ambientais e humanos, tendo em vista os
signatários em comum, que são os vulneráveis do corpo coletivo. (GUERRA, 2010, p.
94
46) Diz-se, portanto, que “a ideia de garantia do meio ambiente como um bem
fundamental se relaciona ao direito de ter uma vida digna, segura.” (SILVA, 2018, p.
70) É o que se referenda com a explanação de que “a saúde está totalmente interligada
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que por sua vez liga-se diretamente ao
direito à vida humana e não humana.” (COSTA, 2016, p. 76)
Referida visão é consolidada em inúmeros instrumentos internacionais – como
na Declaração de Biskaia – e nos constitucionalismos pelo mundo, que inauguram uma
percepção verde do Direito. É o que verifica, por exemplo, no caso da Constituição da
República Federativa do Brasil, de 1988, que em seu artigo 225 elenca o meio ambiente
ecologicamente equilibrado como direito fundamental. A mesma realidade se verifica
na Constituição francesa, que deu origem ao Código do Meio Ambiente – cuja redação
do artigo L110 é clara ao estabelecer os princípios fundamentais para orientar a política
ambiental do país.
Essa perspectiva foi consolidada pela Declaração de Estocolmo, de 1972, que
inaugurou um Direito Ambiental Internacional e conferiu ao equilíbrio ecológico uma
perspectiva universal – típica dos Direitos Humanos. A partir dessa condição, foi
estabelecido um Plano de Ação para o Meio Ambiente, cujo objetivo é a satisfação do
direito humano ao meio ambiente equilibrado. (GOMES, BULZICO, 2010, p. 54)
O que se diz, portanto, é que o meio ambiente é medida sem a qual não é
possível a efetivação dos Direitos Humanos – vez que condiciona a vida e as demais
dimensões de direitos. Não obstante, o não reconhecimento de um projeto de sociedade
pelos Direitos Humanos e pelo Ecodesenvolvimento implica na insuficiência do
paradigma, tendo em vista que as incompatibilidades entre o crescimento econômico e a
sustentabilidade são latentes. (PINTO, 2014)
É nesse sentido em que se afirma a importância do licenciamento ambiental
enquanto medida de efetivação dos Direitos Humanos e segurança ambiental. Isso
porque a segurança ambiental é uma necessidade para moderação das práticas
capitalistas, que pautam a pós-modernidade em padrões de produção e consumo em
massa. (SILVA, 2018, p. 71) E note-se, a “noção de segurança perpassa pela ideia de
proteção dos indivíduos ante os impactos ambientais negativos gerados por essa
sociedade [de risco].” (SARLET, FENSTERSEIFER, 2013, p. 93)
Assim, incumbe ao Poder Público promover a segurança socioambiental –
sobretudo no que diz respeito às barragens de rejeitos sólidos – com suficiência e
eficiência, sob pena de incorrer em prática inconstitucional, vez que é dever do Estado a
promoção do equilíbrio ecológico e a regulamentação da extração minerária – “e,
consequentemente, a disposição de rejeitos resultantes dessa atividade.” (SILVA, 2018,
p. 72) É o que se afirma em

Os deveres de proteção do Estado contemporâneo estão alicerçados no


compromisso constitucional assumido pelo ente estatal, por meio do pacto
constitucional, no sentido de tutelar e garantir nada mais nada menos que
uma vida digna e saudável aos seus cidadãos, o que passa pela tarefa de
proteger e promover (já que proteção e promoção não se confundem) os
direitos fundamentais, o que abrange a retirada dos possíveis obstáculos à sua
efetivação. (SARLET, FENSTERSEIFER, 2012, p. 135)

Dessa forma, o que se pretende dizer é que a atividade de mineração apresenta


impactos e riscos ampliados no caso das construções das barragens de rejeitos. Assim,
impera que o Poder Público, utilizando-se das atribuições que lhe cabe, promova a
responsabilização por danos ambientais e – prioritariamente – seja responsável pela
fiscalização da instalação e operação de empreendimentos potencialmente poluidores e

95
degradadores como forma de evitar acidentes que afetem a vida e dignidade da
população. É justamente pela construção de políticas públicas preventivas – que se
consolidam na figura do próprio licenciamento ambiental, por exemplo – é que
viabilizar-se-á o fortalecimento de um Direito mais preventivo e menos punitivo (o que
implica na satisfação de direitos de ordem humana).
Essa tendência, importa dizer, pode ser fortalecida pela correta realização dos
processos legais e administrativos que envolvam os empreendimentos minerários e,
principalmente, pela observância do princípio da precaução. Assim, deve-se buscar uma
constante análise do caso concreto, sem a condução de decisões imutáveis (THOMÉ,
DIZ, 2018, p. 62), para que sejam promovidas adequações nos empreendimentos – de
forma que direito, engenharia e tecnologia estejam conectados para a promoção de
cenários socioambientais mais seguros e dignos.

Considerações finais

A mineração exerce importante papel na economia brasileira, trata-se de fato


inegável. Não obstante, a atividade apresenta inúmeros impactos ambientais e contribuí
para a ocorrência de danos sociais de natureza irreversível.
Ora, o descarte de material não aproveitado na atividade extrativa demanda a
construção de estruturas que – a montante ou jusante de centros urbanos e caminhos
fluviais – representam a possibilidade de rompimento, caso não monitoradas e erguidas
em observância às normas e demandas técnicas. Assim, dado o risco de rompimento das
barragens de rejeitos sólidos, o ordenamento pátrio trata de inserir a atividade no rol das
carecedoras do licenciamento ambiental.
Referido processo – de natureza jurídico-ambiental – visa a preservação
ecológica por meio de estudos prévios e do estabelecimento de regras de promoção do
bem-estar ambiental, além de regras de compensação no caso de inevitável impacto.
Para tanto, devem ser concedidas três licenças, quais sejam, prévia, de instalação e de
operação – cuja concessão é de caráter discricionário.
No caso das barragens de rejeitos sólidos, o licenciamento ambiental assume
especial importância, tendo em vista as dimensões dos impactos que acarreta e pode
acarretar – no caso de rompimento, conforme se verifica nos recentes acontecimentos
que marcaram a história brasileira, em Mariana e Brumadinho. Assim, o que se verifica
é que o licenciamento ambiental ultrapassa as dimensões ecológicas e alcança esferas
sociais, na medida em que tem como fim último a proteção de direitos fundamentais.
Nesse sentido, a pesquisa demonstrou que o licenciamento ambiental das
barragens de rejeitos sólidos – e de outros empreendimentos, por extensão – é um
instrumento para efetivação de Direitos Humanos. Isso porque, conforme se verifica no
estudo supra, contribui o procedimento para a segurança, saúde e vida das comunidades
– garantindo a própria razão de existir do Direito, que é a sociedade.

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98
ENTRAVES NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE EMPREENDIMENTOS OU
ATIVIDADES QUE IMPACTAM CAVIDADES NATURAIS SUBTERRÂNEAS

Barriers in the environmental licensing of enterprises or activities that impact natural


underground cavities

Bruno Malta Pinto1

Resumo: O licenciamento ambiental, erigido a instrumento da Política Nacional do Meio


Ambiente, é procedimento que visa ao controle das atividades ou empreendimentos
utilizadores dos recursos naturais capazes de causar degradação ambiental. O
desenvolvimento desses empreendimentos ou atividades pode, eventualmente, impactar
cavidades naturais subterrâneas ou seu patrimônio espeleológico, exigindo-se que no
licenciamento sejam adotadas providências, sobretudo quando há possibilidade de produção
de impacto negativos irreversíveis em tais bens. A par da existência de um regramento
normativo sobre a matéria, situações experimentadas na prática revelam entraves para os
quais esse mesmo regramento não apresenta respostas, exigindo, portanto, a busca de
soluções no ordenamento a partir de uma adequada teoria hermenêutica.

Palavras-chave: Licenciamento Ambiental. Cavidades Naturais Subterrâneas. Patrimônio


Espeleológico. Degradação Ambiental. Hermenêutica Ambiental

Abstract: The environmental license choosed as instrument of the environmental national


policy is a procedure that aims to control the activities or projects users of natural resources
capable of causing environmental degradation. The development of these projects or activities
may eventually impact in natural underground cavities or in its speleological patrimony,
demanding that some licensing arrangements are adopted, especially when there is the
possibility of producing irreversible and negative impact on such goods. Aware of the
existence of regulation on the subject, situations experienced in practice reveal obstacles for
which this same Bill does not provide answers, thus requiring the search for solutions in
ordering from an appropriate hermeneutic theory.

Keywords: Licensing. Natural. Subterranean Cavities. Speleological Patrimony.


Environmental Degradation. Environmental Hermeneutics

Introdução

O presente artigo tem por escopo apresentar respostas preliminares a alguns dos
entraves verificados no licenciamento de empreendimentos ou atividades que impactam
cavidades naturais subterrâneas e o seu patrimônio espeleológico.
A construção de soluções ou propostas razoáveis para o deslinde das intrincadas
questões que surgem quando do licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos
que possam acarretar impactos negativos irreversíveis em cavidades naturais subterrâneas e ao
seu patrimônio espeleológico revelam o desafio constante com o qual se deparam os órgãos

1
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Advogado especialista em Direito Ambiental.
brunomalta@ymail.com

99
ambientais, não só em face do enxuto sistema de normatizações, como também pela
constatação de que a realidade é sempre maior que o Direito.
A dinâmica, que é própria e natural dos elementos componentes do meio ambiente
força a uma releitura sempre constante dos instrumentos protetivos e ordenadores do sistema
de guarida do bem ambiental, revelando também a dinâmica do Direito a partir de uma
adequada teoria hermenêutica.
Antes de se apresentar os questionamentos balizadores desta breve investigação,
serão desenvolvidos alguns conceitos e ideias basilares e pressupostos para a sua adequada
compreensão, confrontando-os, quando possível, com outras ideias e conceitos.

1 Breve estatuto epistemológico: patrimônio cultural, patrimônio espeleológico e


cavidades naturais subterrâneas

Situar o tema objeto de investigação e inseri-lo dentro de um contexto ou teoria do


conhecimento é atitude de inegável valor porque possibilita, a partir de um recorte analítico
do problema, melhor conhecê-lo e, consequentemente, extrair do mesmo as melhores
possibilidades.
Em um trabalho como o que ora se propõe, de viés essencialmente jurídico, o aporte
de outros conhecimentos e saberes é necessário, senão imprescindível, conduzindo a uma
interdisciplinaridade típica das pesquisas afetas ao meio ambiente.
A ressalva é, desde logo, importante porque reconhece de plano as limitações na
análise de temas, expressões e conceitos que exigem rigor técnico, mas, ainda assim, não
impede o desenvolvimento de uma argumentação, sobretudo quando há um norte orientativo
assentado sobre instruções com força normativa. Dessa maneira, buscar-se-á o cotejo entre o
que dispõe o ordenamento jurídico positivado e aquilo que estabelece a literatura
especializada.
Inicialmente, deve-se situar o tema no âmbito constitucional e verificar se há
convergência no que concerne à inserção da matéria relativa às cavidades naturais
subterrâneas dentro do conceito de patrimônio espeleológico e a inserção deste conceito
dentro de um outro, qual seja, o de patrimônio cultural.
A definição e proteção do patrimônio cultural brasileiro foram previstas no artigo
216 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB 88):

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e


imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Paulo Affonso Leme Machado sintetiza que:

[...] o patrimônio cultural representa o trabalho, a criatividade, a espiritualidade e as


crenças, o cotidiano e o extraordinário de gerações anteriores, diante do qual a
geração presente terá que emitir um juízo de valor, dizendo o que quererá conservar,
modificar ou até demolir. Esse patrimônio é recebido sem mérito da geração que o
recebe, mas não continuará a existir sem o seu apoio. O patrimônio cultural deve ser

100
fruído pela geração presente, sem prejudicar a possibilidade de fruição da geração
futura. (MACHADO, 2014, p 1095)

A definição de patrimônio cultural está intrinsecamente ligada à pré-existência de


grupos que contribuíram para a formação dos pródromos da sociedade e a relação desses
mesmos grupos com a existência e perpetuidade de bens de natureza material ou imaterial, o
que viabiliza, em um primeiro momento, a inserção das cavidades naturais subterrâneas na
tutela do patrimônio cultural.
Em resgate do radical latino do termo patrimônio/patrimonium, esse mesmo autor
recorda que sua primeira significação remete à ‘herança paterna’, pois está ligado a pater –
pai, ou de forma um pouco mais ampla, ‘bem de família’, ou ‘herança comum’”
(MACHADO, 2014, p. 1095). Há na utilização da expressão uma clara referência a um
cabedal de bens ou interesses que são transmitidos de uma geração para a sua sucessora.
Nesse sentido, aclara-se ainda mais a percepção acerca da noção de patrimônio
cultural, como também se avança no sentido de buscar igual aclaramento quanto à noção de
patrimônio espeleológico.
O termo espeleologia é derivado do latim spelaeum, e quer significar estudo das
cavernas (cavidades naturais subterrâneas). Patrimônio espeleológico, portanto, é o conjunto
dos componentes, sejam eles bióticos e abióticos, sócio-econômicos e histórico culturais,
subterrâneos ou superficiais2, representados pelas cavidades naturais subterrâneas ou a ela
associadas. Há, portanto, sensível diferença entre patrimônio espeleológico e cavidades
naturais subterrâneas, podendo estas existirem sem aquele, mas não o contrário.
Ainda no afã de se traçar um norte orientativo que possibilitará o desembaraço das
questões que serão colocadas adiante, passa-se à análise da expressão caverna ou cavidade
natural subterrânea. Essas, ao lado dos sítios arqueológicos e pré-históricos, são bens da
União, conforme se lê no art. 20, X, da CRFB 88.
Muito embora a Constituição tenha olvidado tratamento expresso ao patrimônio
espeleológico3 ou às cavidades naturais subterrâneas no dispositivo que lista os bens que
compõem o patrimônio cultural, não é descabida, como visto, uma interpretação que os faça
inserir no escopo protetivo conferido aos bens do patrimônio cultural.
Ainda que assim não fosse, a proteção das cavidades naturais subterrâneas e do
patrimônio espeleológico, encontra proteção genérica noutro dispositivo, qual seja, o art. 225
da CRFB 88. Depreende-se desse artigo que as cavidades naturais subterrâneas, enquanto
integrantes do meio ambiente em sua feição natural, são bens de uso comum do povo,
merecedores de proteção específica a fim de que cumpram seu papel de promoção de um
meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado não só para as presentes, mas também para
as futuras gerações.
A afirmação constitucional de que as cavidades naturais subterrâneas são bens de uso
comum do povo salienta o seu estatuto epistemológico, porém pouco revela acerca de seu
conceito.

2
A definição de patrimônio espeleológico encontra-se no artigo 2º, III, da Resolução CONAMA n. 347, de 10 de
setembro de 2004.
3
Machado (2014, p. 1097) afirma que o patrimônio espeleológico estaria abrangido pelos conceitos de sítio
ecológico e paisagístico, encontrados no inc. V, do artigo 216 da CRFB 88. Tal afirmação é corroborada por Piló
e Auler quando afirmam que são muitos os atributos que dão as paisagens cársticas e as cavernas uma expressiva
significância no mosaico brasileiro. Salienta-se um importante conjunto de elementos naturais e culturais, digno
de análise de valoração. (2013, 16)

101
Em sede de regramento normativo, a Resolução do Conselho Nacional de Meio
Ambiente (CONAMA) n. 347, de 10 de setembro de 2004, procurou definir o termo:

Art. 2º Para efeito desta Resolução ficam estabelecidas as seguintes definições:


[...]
I - cavidade natural subterrânea - é todo e qualquer espaço subterrâneo penetrável
pelo ser humano, com ou sem abertura identificada, popularmente conhecido como
caverna, gruta, lapa, toca, abismo, furna e buraco, incluindo seu ambiente, seu
conteúdo mineral e hídrico, as comunidades bióticas ali encontradas e o corpo
rochoso onde as mesmas se inserem, desde que a sua formação tenha sido por
processos naturais, independentemente de suas dimensões ou do tipo de rocha
encaixante.

Piló e Auler comentam a dificuldade para se estabelecer uma definição precisa de


caverna. Registram que se a União Internacional de Espeleologia (UIS) opta por uma
definição antropogênica, que, dessa forma, considera a caverna como uma “abertura natural
(...) larga o suficiente para a entrada do homem”(PILÓ, AULER, 2013, p. 7). Cientificamente,
e para fins do licenciamento ambiental, deve-se considerar o tipo de rocha no qual a cavidade
objeto de estudo se apresenta.
Pela definição normativa acima reproduzida, percebe-se que o Conselho ignorou a
melhor técnica e abraçou o critério antropogênico, desconsiderando, como informam os
especialistas, outros critérios ou parâmetros que permitiriam a melhor definição possível para
a expressão.
Toda essa confusão terminológica envolvendo as expressões patrimônio cultural,
patrimônio espeleológico e cavidades naturais subterrâneas decorra, talvez, das orientações
normativas vigentes até os idos de 2008, ano de publicação do Decreto federal n. 6.640, que
alterou a redação de dispositivos do Decreto federal n. 99.556, de 01 de outubro de 1990.
Dentre os dispositivos alterados encontra-se o artigo 1º, cuja redação original situava
as cavidades naturais subterrâneas no contexto de proteção do patrimônio cultural brasileiro:

Art. 1º As cavidades naturais subterrâneas existentes no território nacional


constituem patrimônio cultural brasileiro, e, como tal, serão preservadas e
conservadas de modo a permitir estudos e pesquisas de ordem técnico-científica,
bem como atividades de cunho espeleológico, étnico-cultural, turístico, recreativo e
educativo.

A inserção das cavidades naturais subterrâneas no estatuto protetivo do patrimônio


cultural brasileiro justificava-se, naquele momento, pela herança legislativa do período pré-
constitucional democrático que não diferenciava, com a clareza necessária, o patrimônio
cultural, do patrimônio espeleológico e das cavidades naturais subterrâneas.
A proteção do patrimônio histórico e artístico, assim como a proteção de
monumentos arqueológicos e históricos era prevista por instrumentos legislativos, como o
Decreto-lei 25, de 30 de novembro de 1937 ou a Lei 3.924, de 26 de julho de 61 que, a
despeito de suas ementas, também cuidavam da proteção de “sítios (...) com feições notáveis”
(cf. art. 1º, § 2º, Dec.-lei 25/37) ou de “sítios com vestígios positivos de ocupação pelos
paleoameríndios, tais como grutas, lapas e abrigos sob rocha” (cf. art. 2º, b, da lei 3.924/61).
Posteriormente, com a publicação do Decreto federal n. 6.640/08, o enquadramento
das cavidades naturais subterrâneas dentre os bens componentes do patrimônio cultural
brasileiro deixou de figurar expressamente, passando o art. 1º do Decreto federal n. 99.556/90
a ter a seguinte redação:

Art. 1º As cavidades naturais subterrâneas existentes no território nacional deverão


ser protegidas, de modo a permitir estudos e pesquisas de ordem técnico-científica,

102
bem como atividades de cunho espeleológico, étnico-cultural, turístico, recreativo e
educativo.

De toda sorte, o Decreto federal n. 6.640/08 apresenta em seu preâmbulo, como base
legal para a sua edição, não só a Lei federal 6.938, de 31 de agosto de 1981, mas também os
artigos 20, X e 216, V, ambos da CRFB 88, o que, nessa ordem de ideias apresentadas,
permite concluir que as cavidades naturais subterrâneas e também o patrimônio espeleológico
estão imbrincados no patrimônio cultural.
Sinteticamente, extrai-se, portanto, que as expressões patrimônio cultural e
patrimônio espeleológico não se confundem, sendo, entretanto, possível de se encontrar em
determinadas cavidades naturais subterrâneas, elementos caracterizadores de um rico
patrimônio cultural e espeleológico.
Desembaraçados os conceitos, passa-se a uma breve análise de um dos mais
importantes e significativos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA),
inaugurada pela Lei federal n. 6.938/81, o licenciamento ambiental.

2 O licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades potencialmente


poluidoras ou degradadoras de patrimônios espeleológicos

O licenciamento ambiental é alçado à categoria de instrumento da PNMA ao lado de


outros importantes mecanismos de controle e promoção do meio ambiente, como a avaliação
de impactos ambientais (AIA) e o zoneamento ecológico-econômico (ZEE).
A alocação, nos idos de 1981, de um mecanismo de controle de atividades e
empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, com potencialidade poluidora ou
degradadora do meio ambiente, é comumente assimilada a resposta brasileira ao fracasso de
seu posicionamento frente às deliberações da Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente da
ONU, realizada em Estocolmo, no ano de 1972.
De toda sorte, o licenciamento ambiental firmou-se como um importante instrumento
de controle daqueles empreendimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais e,
quando corretamente instruído com os adequados estudos ambientais, teria o condão de
compatibilizar dois valores que se postam no cerne do dilema ambiental, a saber, a
preservação do meio ambiente e o desenvolvimento econômico.
A importância crescente do licenciamento ambiental enquanto instrumento da
PNMA, forçou a criação e um robustecimento da legislação vigente, assim como a edição de
diversos atos administrativos de cunho normativo no âmbito federal pelo CONAMA, a
exemplo da Resolução CONAMA n. 01, de 23 de janeiro de 1986.
Com a CRFB 88 consagrou-se a necessidade de instrução dos procedimentos de
licenciamento ambiental de obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa
degradação ambiental com o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA).
Dentre os instrumentos normativos que cuidam da interface do licenciamento
ambiental com o patrimônio espeleológico e as cavidades naturais subterrâneas, pode-se
elencar os já citados Decreto federal n. 99.556/90, alterado pelo Decreto federal n. 6.640/08, a
Resolução CONAMA n. 347/04, e as Instruções Normativas do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade.
Mas é o art. 5º-A do Decreto federal n. 99.556/90 que estabelece a necessidade de
licenciamento ambiental para empreendimentos ou atividades que sejam efetiva ou
potencialmente poluidores ou degradadores de cavidades naturais subterrâneas e que
determina a necessidade de classificação do grau de relevância dessas cavidades para fins de
eventual intervenção, senão vejamos:

103
Art. 5º-A. A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação
de empreendimentos e atividades, considerados efetiva ou potencialmente
poluidores ou degradadores de cavidades naturais subterrâneas, bem como de sua
área de influência, dependerão de prévio licenciamento pelo órgão ambiental
competente.
§ 1º O órgão ambiental competente, no âmbito do processo de licenciamento
ambiental, deverá classificar o grau de relevância da cavidade natural subterrânea,
observando os critérios estabelecidos pelo Ministério do Meio Ambiente.
§ 2º Os estudos para definição do grau de relevância das cavidades naturais
subterrâneas impactadas deverão ocorrer a expensas do responsável pelo
empreendimento ou atividade.
§ 3º Os empreendimentos ou atividades já instalados ou iniciados terão prazo de
noventa dias, após a publicação do ato normativo de que trata o art. 5º, para
protocolar junto ao órgão ambiental competente solicitação de adequação aos termos
deste Decreto.
§ 4º Em havendo impactos negativos irreversíveis em cavidades naturais
subterrâneas pelo empreendimento, a compensação ambiental de que trata o art. 36
da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, deverá ser prioritariamente destinada à
criação e implementação de unidade de conservação em área de interesse
espeleológico, sempre que possível na região do empreendimento.

O regramento básico, assim como as definições necessárias a uma adequada


compreensão da matéria estão dispostas nos citados instrumentos normativos. Porém, a
prática regularizatória indica uma diversidade de situações não regradas e para as quais
fundadas dúvidas são erigidas.
A partir deste momento, elenca-se alguns dos entraves que são experimentados na
prática, indicando-se possíveis soluções para os mesmos.

3 Entraves na análise dos procedimentos de licenciamento ambiental de


empreendimentos ou atividades potencialmente poluidoras ou degradadoras de
patrimônios espeleológicos

3.1. A Compensação pela Produção De Impactos Negativos Irreversíveis em Cavidades


de Alta Relevância – Abrangência do Termo “Área do Empreendimento”

A compensação pela supressão de cavidades naturais subterrâneas é tema que merece


estudo aprofundado em razão dos reflexos que podem advir das diretrizes normativas traçadas
nos diplomas federais.
A compensação em matéria ambiental já é tema complexo em razão da dificuldade
de se emprestar valor ao meio ambiente e, consequente, quantificar em pecúnia as
intervenções sobre o bem ambiental. Em se tratando de compensação por impactos
irreversíveis em cavidades naturais subterrâneas, o tema ganha ainda contornos mais
inquietantes.
As disposições normativas sobre a compensação pela supressão de cavidades foram
estabelecidas pelo Decreto Federal n. 99.556, de 1º de outubro de 1990, posteriormente
alterado pelo Decreto Federal n. 6.640, de 07 de novembro de 2008 e na IN ICMbio n.
01/2017.
Preliminarmente, e consoante se verifica a partir de rápida leitura do mencionado
decreto, coube ao mesmo, no afã de conferir proteção às cavidades naturais, definir e
estabelecer a classificação de cavidades de acordo com seu grau de relevância para, a partir
daí, estabelecer seu regime protetivo e compensatório.
A respeito de mencionado regime protetivo, transcreve-se seu art. 4º:

104
Art. 4o A cavidade natural subterrânea classificada com grau de relevância alto,
médio ou baixo poderá ser objeto de impactos negativos irreversíveis, mediante
licenciamento ambiental.
§ 1o No caso de empreendimento que ocasione impacto negativo irreversível em
cavidade natural subterrânea com grau de relevância alto, o empreendedor deverá
adotar, como condição para o licenciamento ambiental, medidas e ações para
assegurar a preservação, em caráter permanente, de duas cavidades naturais
subterrâneas, com o mesmo grau de relevância, de mesma litologia e com
atributos similares à que sofreu o impacto, que serão consideradas cavidades
testemunho.
§ 2o A preservação das cavidades naturais subterrâneas, de que trata o § 1 o, deverá,
sempre que possível, ser efetivada em área contínua e no mesmo grupo geológico
da cavidade que sofreu o impacto. (grifos nossos)
§ 3o Não havendo, na área do empreendimento, outras cavidades representativas
que possam ser preservadas sob a forma de cavidades testemunho, o Instituto Chico
Mendes poderá definir, de comum acordo com o empreendedor, outras formas de
compensação.
§ 4o No caso de empreendimento que ocasione impacto negativo irreversível em
cavidade natural subterrânea com grau de relevância médio, o empreendedor deverá
adotar medidas e financiar ações, nos termos definidos pelo órgão ambiental
competente, que contribuam para a conservação e o uso adequado do patrimônio
espeleológico brasileiro, especialmente das cavidades naturais subterrâneas com
grau de relevância máximo e alto.
§ 5o No caso de empreendimento que ocasione impacto negativo irreversível em
cavidade natural subterrânea com grau de relevância baixo, o empreendedor não
estará obrigado a adotar medidas e ações para assegurar a preservação de outras
cavidades naturais subterrâneas. (grifos nossos)

Análise destacada merece a compensação por impactos irreversíveis em cavidades


naturais subterrâneas com grau de relevância alto, sobre a qual se discorre neste momento.
Como se extrai do retro transcrito § 1º, as cavidades testemunho são aquelas que
apresentam o mesmo grau de relevância, atributos similares e de mesma litologia daquela
cavidade que se pretende suprimir. Como a própria expressão deixa entrever – cavidades
testemunho – a intenção é de que sejam preservadas aquelas condições pré-existentes na
cavidade que sofrerá os impactos irreversíveis em outras duas que testemunhariam essas
mesmas condições. Embora essa modalidade de compensação se sujeite a críticas, dada à
impossibilidade de se manter ou garantir em outro ambiente biótico condições idênticas às
observadas noutro contexto biológico, é, sem sombra de dúvidas, uma modalidade de
compensação pertinente.
Ocorre que a sua implementação prática exige um esforço que extraia do comando
normativo a melhor interpretação possível. Com isso, quer-se desde já anunciar que não há
interpretação que seja a mais correta, porém a melhor, considerando-se todos os elementos
normativos, sociológicos e linguísticos que direcionam a tarefa hermenêutica, assim como
não há verdade objetiva em determinado texto normativo, senão uma verdade que, a teor dos
citados elementos, constrói-se de forma dialógica.
Em análise do texto normativo (§§2º e 3º) extrai-se que a compensação de cavidades
classificadas com o grau de relevância alto é colocada como condição do licenciamento
ambiental, devendo aquela compensação assumir caráter permanente, efetivando-se na área
do empreendimento e, sempre que possível, em área contínua e no mesmo grupo geológico da
cavidade a ser impactada.
Tais condicionamentos à efetivação da compensação na forma de manutenção de
cavidades testemunho têm o nítido caráter preservacionista de manutenção, dentro do mesmo
contexto geológico, da biodiversidade de espécies. Busca-se, noutros termos, conferir-se
efetividade à proteção da cavidade natural subterrânea pelo estabelecimento de medidas
compensatórias na modalidade de manutenção de cavidades testemunho.

105
Nesse sentido, e sem um afastamento das prescrições normativas, infere-se das
disposições transcritas que essa modalidade de compensação deve efetivar-se na área do
empreendimento, preferencialmente em área contínua e no mesmo grupo geológico da
cavidade que sofreu o impacto.
A expressão área do empreendimento, no contexto das questões afetas ao
licenciamento ambiental e gestão dos recursos naturais, não é unívoca e comporta, portanto,
diferentes interpretações. Nesse sentido, por área do empreendimento4 pode-se entender a
área, ou áreas, em que são desenvolvidos exclusivamente os empreendimentos ou as
atividades individualizadas, ou individualizáveis, objeto do licenciamento ambiental. Ainda
nessa linha de ideias, tornar-se-ia necessário identificar com precisão qual a área de uma
planta de beneficiamento, a área de lavra, da pilha ou mesmo dos acessos existentes no
complexo de um empreendimento minerário, para uma delimitação precisa da expressão.
Por área do empreendimento pode-se entender ainda a área diretamente afetada
(ADA) pelo desenvolvimento das atividades objeto de regularização ambiental, ou, de outra
forma mais abrangente, as áreas de influência direta (AID) ou indireta (AII) da atividade
licenciada.
Outra delimitação possível para a expressão área do empreendimento pode ser
apresentada em uma leitura consonante com as expressões área contínua e mesmo grupo
geológico.
Como se percebe, há diversas leituras e interpretações possíveis para delimitação do
conteúdo da expressão área do empreendimento, competindo ao hermeneuta a escolha da
melhor interpretação possível, levando em conta não só o texto normativo, mas também o
programa normativo e o âmbito da norma5.
A imprecisão quanto à interpretação da expressão pode ser vista em acórdão do
Tribunal de Contas da União (TCU) que, atendendo a uma solicitação da Comissão de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, analisou em uma
auditoria operacional os instrumentos de proteção das cavernas do Brasil, manifestando-se
quanto à compensação de cavidades de alta relevância:

No caso de cavidades que apresentem alta relevância, a compensação dos impactos


irreversíveis deve priorizar a integral conservação de outras duas cavernas
similares, na região do empreendimento ou em ambientes de litologia semelhante.
(TCU, 2014, on-line)

A utilização da expressão região do empreendimento em detrimento da expressão


consignada no texto normativo já demonstra um descompasso interpretativo que redunda em
graves inconvenientes.
O Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (CECAV), em apostila
ofertada ao curso de espeleologia e licenciamento ambiental, ressalta as dificuldades para
definição da abrangência do termo “área do empreendimento”. Nessa apostila, que apresentou
comentários de especialistas aos dispositivos do Decreto federal n. 99.556/90, encontra-se o
seguinte:

Apesar de o Decreto mencionar a área do empreendimento como unidade espacial


para a compensação, é importante ressaltar que os estudos para avaliação do grau de

4
A IN ICMBio n. 01/2017, embora regulamente o disposto no §3º, do art. 4º, do Decreto federal 99.556/90 não
se ocupou de uma definição para a expressão área do empreendimento.
5
Segue-se no presente artigo a teoria hermenêutica de viés tópico-concretista oferecida por Friedrich Müller.
Conferir a obra Métodos de Trabalho do Direito Constitucional. Tradução Peter Naumann. 2 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000. Não se pode igualmente descurar do aporte de elementos da Hermenêutica
Filosófica, tal como construída por Hans-Georg Gadamer.

106
relevância podem extrapolar tais limites, principalmente para a avaliação de
atributos sob o enfoque regional. (Ferreira et al., 2013, p.179)

Como se vê, não houve uma diretriz clara do CECAV nesse curso acerca do que se
pode entender por área do empreendimento, porém algumas ilações dali se extraem.
Os estudos para avaliação do grau de relevância de uma cavidade devem considerar
determinados atributos, dentre os quais os atributos geológicos, que para melhor definição do
grau de relevância deverão ser considerados a partir dos enfoques local e regional. Por
enfoques local e regional consideram-se unidades espaciais que ora englobarão a cavidade e
sua área de influência, ora o grupo ou formação geológica e suas relações com o ambiente no
qual se insere. (cf. art. 2º, § 2º, Dec. fed. 99.556/90)
Ainda considerando-se o atributo geológico, porque crucial para a determinação da
modalidade de compensação por cavidades testemunho, há que se ter em vista que na
determinação do grau de relevância de determinada cavidade natural subterrânea há a
necessidade de comparação com outras cavidades da mesma litologia.
Volvendo aos determinantes da compensação de cavidades de grau de relevância
alto, observa-se, novamente, que na área do empreendimento, tanto quanto possível em área
contínua e em um mesmo grupo geológico, deverão ser preservadas cavidades que possuam o
mesmo grau de relevância, de mesma litologia e com atributos similares.
Ora, a indicação de observância obrigatória, para fins de compensação espeleológica,
do atributo geológico de mesma litologia, não exclui, em um primeiro momento, a definição
de área do empreendimento que fique circunscrita à ADA do empreendimento ou atividade
ou mesmo à sua AID. Certo é que a continuidade e o pertencimento a um mesmo grupo
geológico são condições desejáveis para a fixação da compensação espeleológica, mas não
obrigatórias, revestindo-se desse caráter somente a similaridade do contexto litológico, ou
seja, as cavidades testemunho deverão ser observadas em um mesmo tipo de formação
rochosa, não se admitindo, exemplificativamente, a compensação de uma cavidade com grau
de relevância alto encontrada em litologia de minério de ferro, por outras duas situadas no
carste.
No âmbito federal, parecer ter o IBAMA optado por um conceito restritivo de área
do empreendimento, que poderia ser aqui denominado de critério econômico, ao limitá-lo ao
local onde são desenvolvidas as atividades ou o empreendimento. Vejamos o que dispõe o
parágrafo único, do artigo 12 da Portaria IBAMA n. 55/14:

Art. 12 - As propostas de compensação por impactos negativos irreversíveis em


cavidade natural subterrânea no licenciamento de atividade ou empreendimento
localizado fora de unidade de conservação federal somente serão avaliadas pelo
Instituto Chico Mendes, quando o Ibama manifestar entendimento pela inexistência
de outras cavidades representativas que possam ser preservadas, nos termos do § 1º
do art. 4º do Decreto nº 99.556, de 1990, com a redação dada pelo Decreto nº 6.640,
de 2008.

Parágrafo único - A manifestação do Ibama prevista no caput será baseada em


estudo elaborado pelo empreendedor, que deverá conter a comprovação da
inexistência de outras cavidades representativas a serem preservadas na área
da atividade ou empreendimento e a proposta de compensação. (grifos nossos)

Uma definição de área do empreendimento tão restritiva sob o aspecto espacial induz
a sérios inconvenientes no licenciamento ambiental como, por exemplo, a exata extensão ou
noção de atividade ou empreendimento. Seria atividade ou empreendimento apenas aquela
atividade ou empreendimento objeto do licenciamento específico que apresenta interface com
a existência da cavidade natural subterrânea? Licenciando-se uma pilha de estéril, deve-se
entender por área do empreendimento a área que abrigará somente tal estrutura ignorando-se,

107
porventura, às áreas adjacentes que abrigam a área de lavra, do beneficiamento mineral ou a
área das barragens?
Na definição ou no estabelecimento de contornos mais nítidos do conceito de área do
empreendimento não se podem desconsiderar limitativos para a sua efetivação prática. A
fixação do grau de relevância de uma cavidade exige, minimamente como visto, a escolha de
uma unidade espacial que considere não só a cavidade, mas também sua área de influência.
A par de toda a dificuldade que engloba também uma delimitação segura da
expressão área de influência de cavidade natural subterrânea, pode-se afirmar que essa área,
algumas vezes, poderá extrapolar os limites da ADA, AID ou até mesmo da AII do
empreendimento, o que levaria a uma dificuldade operacional para uma eventual
convergência com a expressão área do empreendimento. E nesse sentido, se por um lado
limitar o conceito de área do empreendimento à área onde se desenvolve a atividade que
impactará negativamente as cavidades naturais subterrâneas, como quer o IBAMA, apresenta
inconvenientes para o licenciamento ambiental, por outro lado, ampliar o conceito buscando-
se uma convergência com a área de influência da cavidade, pode levar a outros tantos
inconvenientes.
Ilustrativamente, basta pensar nos diversos entraves que o proponente da
compensação espeleológica pode encontrar para realizar um caminhamento, com vistas à
futura classificação de cavidades para fins de compensação, em área de terceiros, sobretudo
quando esses terceiros são concorrentes diretos de sua atividade econômica.
Diante dessas considerações, uma terceira alternativa para a melhor definição da
abrangência da expressão área do empreendimento é aquela que compatibiliza o exercício das
atividades ou empreendimentos passíveis de regularização ambiental dentro de limites de
dominialidade do empreendedor/empreendimento.
Adota-se nessa via interpretativa um critério dominial porque se volta, justamente,
para o exercício de direitos (dominialidade) sobre as terras que abrigam as atividades
econômicas licenciadas, bem como, obviamente, as cavidades naturais subterrâneas passíveis
de intervenção e de compensação. Admitindo-se, para fins de compensação espeleológica,
como área do empreendimento aquela área circunscrita à matrícula ou matrículas de
propriedade ou posse do responsável pela intervenção irreversível em cavidade, há maior
probabilidade de êxito no adimplemento das prescrições normativas encetadas nos parágrafos
2º e 3º do artigo 4º, do Decreto federal 99.556/90, a saber: área contínua, mesmo grupo
geológico e mesma litologia.

3.2. A Compensação Espeleológica Pela Supressão de Cavidades de Alta Relevância em


Áreas Especialmente Protegidas

Verificando-se a possibilidade de fixação da compensação espeleológica na


modalidade de cavidades testemunho na área do empreendimento6, outro problema não raro
se apresenta: na área do empreendimento indicada para a compensação espeleológica já há
previamente a definição de um espaço especialmente protegido.
Situações há em que, a título de compensação, são indicadas áreas que de alguma
forma mereceram proteção, seja pela instituição de uma unidade de conservação (UC), seja
por outro instituto de proteção previsto em lei, como, por exemplo, o estabelecimento de uma
área demarcada e averbada como Reserva Legal.

6
Por área do empreendimento deve-se entender o disposto no capitulo IV.I do presente artigo.

108
A relevância do tema sobressai no questionamento que se coloca sobre a
possibilidade de uma dupla proteção ao mesmo bem, ou, de maneira oposta, à inefetividade
de uma proteção, face à existência de proteção previamente conferida à área.
Não se está a tratar, no presente tópico, da proteção que se confere ao patrimônio
espeleológico decorrente da instituição de uma UC, seja ela de proteção integral ou de uso
sustentável, em atendimento aos objetivos do sistema nacional de unidades de conservação
(SNUC), estabelecidos na Lei federal 9.985, de 18 de julho de 2000.
A lei do SNUC prevê a possibilidade de instituição de uma UC com o claro objetivo
de preservação do patrimônio espeleológico:

Art. 4o O SNUC tem os seguintes objetivos:


[...]
VI - proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;
VII - proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica,
espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural;

Essa modalidade de compensação espeleológica atenderia ao disposto no § 3º, do


artigo 4º, do Decreto federal 99.556/90, enquanto outras formas de compensação, ou seja, nas
situações em que, não sendo possível a compensação na modalidade de cavidades
testemunho, o interessado buscaria junto ao Centro Nacional de Conservação de Cavernas
(CECAV) outras formas de compensação, nos termos da IN ICMBio n. 01/2017.
A indicação da compensação espeleológica no interior de uma UC não se confunde
com a criação de uma UC para resguardo do patrimônio espeleológico e das cavidades
naturais subterrâneas, como a que se verifica no transcrito art. 4º, VII, da lei do SNUC.
A proteção conferida aos espaços especialmente protegidas na CRFB/88 encontra-se
no inciso III, do parágrafo 1º de seu artigo 225:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:


[...]
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

Muito embora comumente se afirme, a partir da leitura do texto constitucional, que esses
espaços especialmente protegidos seriam somente as unidades de conservação, tendo sido tal
dispositivo, portanto, regulamentado pela lei do SNUC, a textura aberta do dispositivo transcrito
permite outras leituras que promovam a melhor guarida do bem ambiental, alcançando outros espaços
de proteção conferindo-lhes proteção constitucional, a exemplo do que pode ocorrer com as áreas de
preservação permanente ou as áreas de Reserva Legal.
A indicação de cavidades testemunho situadas em áreas já protegidas é medida inefetiva e
que desvirtua a natureza compensatória pela intervenção irreversível produzida em cavidades naturais
subterrâneas de alta relevância.

3.3. A definição da Compensação Espeleológica em Cavidades Naturais Subterrâneas


Carentes de Valoração

O parágrafo primeiro do artigo 4º, do Decreto federal 99.556/90, suscita ainda outras
dúvidas.

109
Problema que decorre dos procedimentos para o estabelecimento da compensação
espeleológica refere-se à definição da compensação espeleológica nas situações em que os
impactos irreversíveis às cavidades ou ao seu patrimônio espeleológico foram perpetrados
antes da análise e valoração dos bens intervindos.
A determinação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas é
imprescindível para a adequada definição dos procedimentos afetos à compensação
espeleológica, uma vez que as medidas e diretrizes para a escolha da compensação gravitam
em torno dessa classificação.
A Instrução Normativa do Ministério de Meio Ambiente n. 02, de 20 de agosto de
2009 (IN MMA n. 02/09), em regulamentação administrativa ao disposto no artigo 5º do
Decreto federal n. 99.556/90, estabeleceu metodologia para a classificação de cavidades
naturais subterrâneas e consignou a relevância de toda e qualquer cavidade, afastando assim,
eventual questionamento de que haveria cavidades naturais irrelevantes.
A classificação do grau de relevância das cavidades naturais é, portanto,
imprescindível. Contudo, ainda que dita imprescindibilidade seja patente, não se pode
desconsiderar que há casos em que os impactos irreversíveis ocorreram e a cavidade não foi
valorada.
Nesse contexto, exsurge como primeiro elemento balizador para análise da questão
ora levantada saber se o agente (empreendedor) causador do impacto irreversível tinha
conhecimento prévio ou possibilidade de saber acerca da existência da cavidade natural
subterrânea ou do patrimônio espeleológico. Tal elemento balizador é fundamental para
averiguação da existência de dolo ou culpa do agente quanto ao ato que acarretou o impacto
espeleológico.
Não raras vezes, a presença de cavidades naturais subterrâneas oclusas só é
descoberta após o início das atividades operativas, principalmente quando se trata de
empreendimentos minerários. Em situações tais, há presunção de boa-fé do agente, afastando-
se o dolo, a vontade de degradação do bem espeleológico.
Uma análise que se pretende séria e eficaz quanto à compensação de cavidades
naturais subterrâneas já impactadas irreversivelmente não pode desconsiderar esse animus do
agente, sob pena de, ao se estabelecer um padrão orientativo para situações semelhantes,
propiciar-se abusos e a dilapidação do bem ambiental que se quer proteger. A análise deve,
portanto, ser casuística ou tópica (orientada para o problema que se quer resolver e diante das
circunstâncias que o caso concreto oferece) e ter como primeiro elemento balizador essa
intenção do agente que decorre da sua possibilidade de saber sobre a existência da cavidade
natural subterrânea ou de um patrimônio espeleológico a ser preservado.
Neste ponto, necessária se faz uma breve abordagem sobre a questão da
responsabilidade por dano ambiental, para dirimir eventuais dúvidas.
Como sabido, a CRFB 88 consagrou em matéria de responsabilidade ambiental a
ideia da tríplice responsabilização, açambarcador das esferas penal, civil e administrativa,
como se vê pela redação do parágrafo 3º, do seu artigo 225:

Art. 225 [...]

[...]

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os


infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Importa, para os fins a que se propõe o presente estudo, averiguar as questões afetas
à responsabilidade civil.

110
Em resgate das lições da literatura especializada civilista, a responsabilidade civil
pode ser contratual ou extracontratual sendo que, nesta, pode-se ainda classificá-la em
subjetiva ou objetiva para ora aferir-se a culpa pelo dano, ora a sua desnecessidade para a
responsabilização do infrator. Assevera o autor que, no âmbito da responsabilidade civil por
dano ambiental, fala-se em responsabilidade objetiva, ou seja, perquirir acerca do dolo ou
culpa do agente é irrelevante para a atribuição do dever de indenizar.
Na esfera infraconstitucional, a responsabilidade objetiva pelo dano de natureza
ambiental foi estabelecida na Lei federal n. 6.938/81, dispondo em seu art. 14:

Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e
municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção
dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental
sujeitará os transgressores:

[...]

§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor


obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério
Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Adota-se, portanto, em sede ambiental a teoria do risco integral, sendo a posição


majoritariamente assumida pela literatura especializada e que não admite quaisquer
excludentes do nexo de causalidade entre a ação do agente e o dano constatado.
Essa rápida digressão sobre a responsabilidade civil por dano ambiental se presta
para afirmar que a perquirição do elemento volitivo do agente (dolo ou culpa), proposta como
primeiro elemento balizador para fins de fixação da compensação espeleológica nos casos de
impactos irreversíveis prévios à classificação da cavidade, em nada se confunde com a
sistematização da responsabilização pelo dano ambiental. Essa busca pelo elemento volitivo
do ato do agente tem a simples finalidade de orientar uma eventual necessidade de
estabelecimento da compensação nos casos aqui tratados.
Como segundo elemento balizador ora proposto para o estabelecimento de medidas
compensatórias pela ocorrência de impactos irreversíveis, podem ser apontados os atributos
subsistentes, ainda verificáveis e independente dos impactos ocasionados.
A guisa de exemplo, dentre os atributos que levam à classificação de uma cavidade
em grau máximo, há, dentre eles, aqueles que subsistiriam ainda que os impactos tivessem
sido perpetrados, como por exemplo, o isolamento geográfico (inc. V, art. 3º), ser uma
cavidade testemunho, decorrente, portanto, de outra medida compensatória já estabelecida
(inc. X, art. 3º), ou apresentar destacada relevância histórico-cultural ou religiosa (inc. XI,
art. 3º), o que seria verificável em entrevista de campo.
No que se refere à análise dos atributos que conduzem à classificação da cavidade
natural subterrânea em alta ou média, igualmente é possível, apontar aqueles elementos que,
diante das circunstâncias do caso concreto, poderiam subsistir, considerando-se sua
configuração sob os enfoques local e/ou regional. Exemplificativamente pode-se mencionar a
constatação das projeções vertical e horizontal (inc. XII e XIII, art. 7º), ou do volume da
cavidade (inc. XIV, art. 7º), a alta influência da cavidade sobre o sistema cárstico (inc. XIX,
art. 7º) ou ainda a presença de inter-relação da cavidade com alguma de relevância máxima
(inc. XX, art. 7º), dentre outros previstos também nos artigos 8º a 10 da IN MMA n. 02/2009.
Observando-se a permanência de alguns dos atributos que permitam indicar o grau
de relevância da cavidade natural subterrânea, a compensação espeleológica deve seguir tais
indicativos. Na ausência desses atributos ou de outros elementos constatáveis no caso

111
concreto, outra alternativa não resta senão a fixação da compensação de forma mais severa,
optando-se pela compensação na modalidade de manutenção de cavidades testemunho, ou
seja, considerando-se presumidamente que a cavidade suprimida era de alta relevância.
Como já ressaltado, toda a discussão envolvendo essa matéria é complexa. Outra
questão dentro deste tópico que merece ser debatida refere-se à caracterização da expressão
impacto irreversível. Etimologicamente tem-se que irreversível é o impacto que, uma vez
produzido, não pode ser revertido, onde não há possibilidade de retorno ao status quo.
Ocorre que a constatação da irreversibilidade não pode ser aferida também sem que
se recorra à diferença já apresentada entre patrimônio espeleológico e cavidades naturais
subterrâneas. Quer-se com isso afirmar que há impactos que são irreversíveis se considerados
os aspectos pertinentes ao patrimônio espeleológico, mas que não se afigurariam enquanto
tais se considerados os aspectos que dizem respeito ao estatuto das cavidades naturais
subterrâneas.
Para melhor compreensão do que se quer afirmar, figuram-se dois exemplos:
constatado o abatimento parcial de uma estrutura de uma cavidade de minério de ferro, em
decorrência da detonação de explosivos em uma atividade minerária, sem comprometimento
de sua zona afótica ou de seu sistema hidrológico, há um impacto irreversível na cavidade
enquanto tal, sem que, contudo, possa afirmar-se o impacto sobre o seu patrimônio. De outra
forma, uma cavidade natural subterrânea que, nada obstante a integridade de seu maciço
rochoso, sofre um impacto irreversível sob o aspecto de seu patrimônio espeleológico em
razão da deposição de particulados em seu interior provenientes das atividades de britagem
de uma atividade minerária, não apresentando condições de manutenção da vida animal em
seu interior (quirópteros, troglóbios, troglófilos, etc.).
Diante dessas considerações, conclui-se que, tanto a definição da compensação
espeleológica nos casos em que não há, previamente, a valoração da cavidade, quanto à
determinação do que se deve entender por impacto irreversível, devem ser aferidos mediante
o caso concreto, ressalvadas as possibilidades de determinação do grau de relevância pela
persistência de alguns dos atributos previstos na IN MMA 02/90.

Considerações finais

A par do regramento normativo existente e que orienta o licenciamento ambiental de


empreendimentos ou atividades causadoras de impactos em cavidades naturais subterrâneas
ou em seu patrimônio espeleológico há situações, ilustradas pela prática regularizatória
ambiental, que revelam entraves na condução de procedimentos administrativos afetos à
matéria, dada à ausência de preceitos ou orientações normativas expressas.
A existência de lacunas no ordenamento jurídico, fato natural e revelador de que o
Direito, na área das Ciências Sociais, é apenas mais um dos campos do conhecimento, não é
fator impeditivo para que se alcance a solução desses entraves que se apresentam na rotina de
trabalho do licenciamento ambiental.
As soluções para alguns dos problemas que são encontrados na prática, tal como as
soluções propostas no presente trabalho, devem ser analisadas à luz do caso concreto, em uma
orientação tópica, que considere todos os aspectos que conformam a situação, sem se descurar
da proteção do bem ambiental.
Os ambientes cavernícolas, assim como toda a avida ali existente, merecem desvelado
cuidado e atenção.

112
REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 de out. de 2017.

BRASIL. Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br> Acesso em: 06 out. 2017.

BRASIL. Decreto 99.556, de 01 de outubro de 1990. Dispõe sobre a proteção das cavidades
naturais subterrâneas existentes no território nacional, e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>Acesso em: 07 out. 2017.

BRASIL. Decreto 6.640, de 07 de novembro de 2008. Dá nova redação aos arts. 1º, 2º, 3º,
4º e 5º e acrescenta os arts. 5-A e 5-B ao Decreto no 99.556, de 1o de outubro de 1990, que
dispõe sobre a proteção das cavidades naturais subterrâneas existentes no território nacional.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br> Acesso em: 07 out. 2017.

BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução CONAMA n. 347, de 10 de


setembro de 1997. Dispõe sobre a proteção do patrimônio espeleológico. Disponível em:
<http://mma.gov.br>. Acesso em: 07 out. 2017.
FERREIRA et. al. Resolução CONAMA nº 347, de 10 de setembro de 2004 - comentada. In.
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filosófica.Tradução Flávio Paulo Meurer. 11. ed. Petrópolis: Vozes, Bragança Paulista:
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2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

PILÓ, Luís B; AULER, Augusto. Introdução à espeleologia. In. IV Curso de Espeleologia e


Licenciamento Ambiental, Brasília, cap. 1, p. 7 – 25, abr. 2013.

113
ESPAÇOS AMBIENTAIS PROTEGIDOS

114
PARA ALÉM DO TERMO DE COMPROMISSO: A COMUNICAÇÃO E
EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO MEDIADORES DOS CONFLITOS
SOCIOAMBIENTAIS EM UNIDADES DE PROTEÇÃO INTEGRAL

Beyond to the term of commitment: communication and environmental education as


mediators of socio-environmental conflicts in federal units of conservation for full protection

Gabrielle Luz Campos1

Resumo: O objetivo desta pesquisa é analisar de que modo as ações de comunicação e


educação ambiental podem se mostrar consistentes, frente às vulnerabilidades do termo de
compromisso, instrumento institucional próprio para a mediação dos conflitos
socioambientais decorrentes da sobreposição territorial de povos e comunidades tradicionais e
unidades de conservação. Sem desconsiderar, contudo, a importância que o mesmo apresenta
para a regularização da situação das comunidades que se encontram em situação de
ilegalidade não intencional. Para tanto, será realizada pesquisa bibliográfica, com coleta de
dados primários e secundários, visando à análise de obras, periódicos e normas que abordam o
tema em análise, as quais serão glosadas e a coleta de dados dar-se-á através de fichamento do
tipo citações.

Palavras-chave: Termo de Compromisso. Comunicação e educação ambiental. Conflitos


socioambientais. Mediação. Unidades de proteção integral.

Abstract: The objective of this article is to analyze communication attitudes and


environmental education, such as the consistent evidence, attitudes of communication and
environmental communication, social and environmental conflicts about the territoriality of
peoples and communities of territorial units. conservation. However, the importance that it
presents for the regularization of the situation of communities in situations of unintentional
illegality. In order to do so, the bibliographic research should be carried out, with the
collection of primary and secondary data, with analysis of works, periodicals and laws that
approach the subject under analysis. The information in the materials will be glossed and the
data collection through registration of the type citations.

Keywords: Term of Commitment. communication and environmental education. Socio-


environmental conflicts. Mediation. Federal Units of Conservation for Full Protection.

Introdução

O problema a ser enfrentado no presente trabalho diz respeito à implementação de


medidas de comunicação e educação ambiental, no contexto de conflito socioambiental
decorrente da sobreposição territorial de povos e comunidades tradicionais e unidades de
proteção integral, como as mais efetivas para gerar emancipação dos atores sociais
marginalizados e promover diminuição dos atritos entre gestores e a comunidade. Isso porque,
o termo de compromisso, instrumento institucional próprio para a mediação do conflito,
previsto no art. 39 e parágrafos, do Decreto Federal nº 4.340, de 22 de agosto de 2002,
1
Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação “Novos Direitos, Novos Sujeitos”, da Universidade
Federal de Ouro Preto. Autora. Advogada OAB-MG nº 193.961. E-mail: gabrielle.luz@hotmail.com.

115
mostra-se insuficiente e vulnerável, restando submisso ao viés ideológico e à disposição dos
gestores da unidade. Havendo, assim, a possibilidade de contribuição para construção de uma
alternativa concreta, para a solução do conflito.
Para tanto, dividir-se-á o trabalho em quatro momentos distintos. No primeiro deles,
será feita a contextualização dos conflitos socioambientais existentes em unidades de proteção
integral, no cenário brasileiro. No segundo momento, sem prejuízo de outras propostas,
elencar-se-ão algumas sugestões existentes para solucionar o conflito, entre as quais se
destacam a revisão dos limites da unidade; a remoção das comunidades do território; a dupla
afetação e o termo de compromisso. Será dado enfoque a esse último, desenvolvendo-se os
principais contornos no momento subsequente, uma vez que é o instrumento institucional
previsto para a resolução do impasse. Por fim, será feita análise da mediação do conflito por
meio da comunicação e educação ambiental.
A pesquisa será bibliográfica, visando à análise de obras, periódicos e normas que
abordam o tema em análise. Será dedutiva, uma vez que a partir das premissas gerais
apreendidas, construir-se-á um raciocínio lógico-demonstrativo, isto é, partir-se-á de uma
premissa geral para alcançar uma específica. As obras serão glosadas e a coleta de dados dar-
se-á através de fichamento do tipo citações, já que o mesmo possibilita uma maior
assimilação do conhecimento obtido por meio dos estudos das obras, dos artigos, dos
trabalhos já realizados por pesquisadores e doutrinadores outros, facilitando a execução da
pesquisa.

1 Desenvolvimento

1.1 Contextualizando os conflitos socioambientais em unidades de proteção integral

Na medida em que ser humano e natureza passam a ser vistos como elementos
dissociados, esse último se torna uma ameaça aos recursos naturais, surgindo dentro do
movimento ambientalista as concepções do preservacionismo e conservacionismo. Em breves
palavras, o preservacionismo propõe o isolamento e a intocabilidade do meio ambiente, sendo
contrário ao uso direito dos recursos naturais pelas comunidades que vivem em áreas
protegidas, sendo permitido, apenas, o uso indireto dos mesmos, tais como a pesquisa e o
ecoturismo, objetivando assegurar a perpetuidade dos bens ambientais. O conservacionismo, a
seu turno, admite o uso de tais áreas de forma controlada, racional e casual, priorizando a
proteção integral dos ecossistemas, para a garantia da preservação da própria espécie humana.
As duas linhas são, portanto, voltadas estritamente para a proteção da natureza e foram
recepcionadas, em parte, pela Lei n. 9.985 de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de
Unidade de Conservação da Natureza, notadamente em relação à categoria de unidades de
proteção integral (FURRIELA, 2004, p. 64).
Acontece que, quando transportado para as Américas Central e do Sul, o modelo que
adota as visões conservacionista e preservacionista mostra-se problemático, uma vez que as
áreas consideradas isoladas ou selvagens abrigam diversas populações humanas. Desse modo,
como tal modelo pressupõe uma dicotomia conflitante entre ser humano e natureza, as
populações humanas que habitam as áreas destinadas à preservação devem ser retiradas de
suas terras, há uma suposição de que elas não saibam fazer um uso mais sábio dos recursos
naturais (ARRUDA, 1999, p. 84).

1.2 Possibilidades para a resolução do conflito territorial existente em unidades de


proteção integral e povos e comunidades tradicionais

116
Sem a intenção de extinguir o tema e sem prejuízo de outras propostas existentes,
destacam-se algumas alternativas institucionais relevantes para a mediação dos conflitos
decorrentes da sobreposição territorial de povos e comunidades tradicionais e unidades de
proteção integral.
A primeira delas, diz respeito à revisão dos limites das unidades, que pode se dar
através da criação de mosaicos, recategorização e desafetação de áreas. A recategorização diz
respeito à possibilidade de unidades de proteção integral serem transformadas em unidades de
conservação de uso sustentável, possibilitando, assim, a harmonização da conservação da
natureza com o uso sustentável de uma parte dos seus recursos naturais (art. 7º, § 2º, da Lei n.
9.985/00). Através da recategorização e criação de novas unidades de conservação, é possível
a composição de territórios integrados de conservação, geridos na forma de mosaico de
unidade de conservação, compreendidos como conjunto de unidades de conservação de
categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas
públicas ou privadas, sendo a gestão integrada e participativa, devendo levar em conta os seus
objetivos particulares de conservação, de modo a harmonizar a biodiversidade, a
sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2014, p. 107).
A desafetação ou redução de áreas destinadas à preservação ambiental, por sua vez,
encontra previsão no art. 22, § 7º, da Lei do SNUC e no art. 225, § 1º, III, da CF, e propõe a
alteração dos limites da unidade de conservação de proteção integral que se sobrepuserem aos
territórios tradicionais, mediante lei específica.
O caminho institucionalizado pelo SNUC é o da remoção das comunidades de seus
territórios, quando sobrepostos a unidades de conservação em que sua permanência não seja
permitida, mediante indenização ou compensação pelas benfeitorias realizadas (art. 42 e
parágrafos). Destaca-se que os direitos previstos nos instrumentos normativos conferidos aos
povos e comunidades tradicionais deverão ser observados. A Convenção 169 da Organização
do Trabalho, a título ilustrativo, dispõe que a remoção somente poderá ser realizada como
medida excepcional, desde que haja consentimento, concedido livremente e com pleno
conhecimento de causa, devendo ser assegurada a consulta livre, prévia e informada dos
grupos que serão realocados (art. 16).
Há, por outro lado, algumas vias que permitem a conciliação entre os interesses de
preservação cultural e ambiental, quais sejam, a dupla afetação e a criação das Zonas Histórico-
Culturais Antropológicas.
A dupla afetação exprime a ideia de que um mesmo bem poderá ser destinado a mais de uma
finalidade de interesse público (BRASIL, 2014, p. 106). Na hipótese de interfaces territoriais entre
certos grupos étnicos vivendo em espaços destinados à unidade de conservação da natureza, a
dupla afetação é, portanto, a destinação de determinada área tanto à proteção do meio
ambiente quanto à proteção cultural. Nesse sentido, o Decreto Presidencial, de 14 de abril de
2005, que homologa a demarcação administrativa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol,
localizada nos Municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã, no Estado de Roraima,
decreta que o mesmo território será demarcado como terra indígena e será constituído como
Parque Nacional.
Assim, através da dupla afetação que ocorreu no Parque Nacional do Monte Roraima,
foi possível a harmonização dos direitos culturais e ambientais, ambos reconhecidos como
fundamentais. Superando-se a lógica exclusiva e binária do preservacionismo, segundo o qual
ou se preserva a biodiversidade ou se preserva a história e a cultura local.
No que tange à criação das Zonas Histórico-Culturais Antropológicas2, citadas pelo
Ministério Público Federal (BRASIL, 2014, p. 101), com efeito, no Roteiro Metodológico de

2
Ressalte-se que as pesquisas realizadas não lograram êxito em localizar Plano de Manejo que faça previsão de
Zonas Histórico-Culturais Antropológicas.

117
Planejamento do IBAMA há a previsão das Zonas Histórico-Culturais3, com a finalidade de
preservar e valorizar bens de valor histórico, arqueológico e cultural, em harmonia com o
meio ambiente, consoante os arts. 215 e 216 da CF. Devido a esses artigos preconizarem a
proteção de grupos formados da identidade nacional, o órgão federal interpreta que os
territórios ocupados historicamente pelos povos tradicionais constituem bens que devem ser
preservados. Nesse passo, para se assegurar a proteção e valorização dos aspectos imateriais,
do patrimônio cultural dessas comunidades tradicionais em unidades de conservação, bem
como a proteção do patrimônio natural, deveriam ser criadas Zonas Histórico-Culturais
Antropológicas, caracterizadas como Zonas de Manejo Especial, possibilitando a permanência
dos povos tradicionais, residentes no território anteriormente à criação da unidade.
Há, ainda, a possibilidade de resolução do conflito por meio da via conciliatória, que
se dá através do Acordo de Gestão, Plano de Uso Tradicional e Termo de Compromisso.
O Acordo de Gestão é um instrumento conciliatório previsto na Instrução Normativa
nº 29, de 5 de setembro de 2012, que disciplina, no âmbito do ICMBio, as diretrizes,
requisitos e procedimentos administrativos para a elaboração e aprovação de Acordo de
Gestão em unidade de conservação de uso sustentável federal com populações tradicionais,
que pode ser adaptado e utilizado como mais uma ferramenta conciliatória para a gestão
territorial de povos tradicionais em unidades de proteção integral, já que pode ser útil para
acelerar a formalização de regras e direcionar o ordenamento do uso dos recursos.
O Plano de Uso Tradicional – PUT, por sua vez, é um instrumento jurídico criado por
meio de processo participativo, que consiste em um acordo de uso do território e dos recursos
naturais. Os signatários do acordo são as associações representantes dos povos e comunidades
tradicionais e os órgãos gestores. As atividades que serão realizadas em cada um dos
microzoneamentos serão definidas na transação. O PUT foi instituído no seio do Conselho
Gestor4, a partir de Câmara Temática5 criada especificamente para essa finalidade no Parque
Estadual da Serra do Mar - SP (BRASIL, 2014, p. 100).

1.3 Contornos gerais sobre o termo de compromisso

O termo de compromisso é o instrumento institucional próprio para a mediação dos


conflitos fundiários em unidades de proteção integral e povos tradicionais. Encontra-se
previsto no art. 39 e parágrafos, do Decreto Federal nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, que
regulamenta os artigos da Lei do SNUC. A Instrução Normativa nº 26 do ICMBio, de 4 de
julho de 2002, por sua vez, estabelece diretrizes e regulamenta os procedimentos para a
elaboração, implementação e monitoramento de termos de compromisso entre o Instituto

3
In verbis: “aquela onde são encontradas amostras do patrimônio histórico/cultural ou arqueopaleontógico, que
serão preservadas, estudadas, restauradas e interpretadas para o público, servindo à pesquisa, educação e uso
científico. O objetivo geral do manejo é o de proteger sítios históricos ou arqueológicos, em harmonia com o
meio ambiente” (BRASIL, 2002, p. 91).
4
Conforme informações disponibilizadas no sítio do Ministério do Meio Ambiente (MMA): “Toda UC deve ter
um conselho gestor, que tem como função auxiliar o chefe da UC na sua gestão, e integrá-la à população e às
ações realizadas em seu entorno. O conselho gestor deve ter a representação de órgãos públicos, tanto da área
ambiental como de áreas afins (pesquisa científica, educação, defesa nacional, cultura, turismo, paisagem,
arquitetura, arqueologia e povos indígenas e assentamentos agrícolas), e da sociedade civil, como a população
residente e do entorno, população tradicional, povos indígenas, proprietários de imóveis no interior da UC,
trabalhadores e setor privado atuantes na região, comunidade científica e organizações não-governamentais
com atuação comprovada na região”.
5
Por oportuno, “as Câmaras Técnicas constituem uma estratégia para organizar o trabalho do Conselho
permitindo separar os assuntos de acordo com o interesse e a experiência dos conselheiros. Permitem o
aprofundamento de estudos e a proposição da discussão de temas específicos” (BRASIL, 2014, p. 100).

118
Chico Mendes e populações tradicionais residentes em unidades de conservação onde a sua
presença não seja admitida ou esteja em desacordo com os instrumentos de gestão.
Nessa ordem de ideias, o termo de compromisso é um acordo de caráter transitório,
que surge “no contexto de reconhecimento dos direitos de populações tradicionais,
conquistados por meio de lutas sociopolíticas democráticas de natureza emancipatória,
pluralista, coletiva e indivisível” (SIMON; MADEIRA FILHO; ALCÂNTARA, 2015, p. 2).
O instrumento conciliatório é elaborado de forma participativa entre a população e a
gestão da unidade. É responsável por regulamentar a utilização dos recursos naturais, do
território, e da presença das comunidades tradicionais, nas áreas em que sua presença não seja
permitida, enquanto não se encontra um arranjo definitivo para a situação. Menciona-se que o
processo para a construção da resolução do conflito também deve estar previsto no termo de
compromisso (BRASIL, 2014, p. 105).
Destaca que a elaboração do termo de compromisso está em consonância com os
objetivos do SNUC, uma vez que dentre eles encontra-se o de “proteger os recursos naturais
necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu
conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente” (art. 4º, XIII). Além
disso, também está em sintonia com as diretrizes que regem o SNUC (PINHA et al., 2015, p.
35). Observa-se:

Art. 5o O SNUC será regido por diretrizes que:


IX - considerem as condições e necessidades das populações locais no
desenvolvimento e adaptação de métodos e técnicas de uso sustentável dos recursos
naturais;
X - garantam às populações tradicionais cuja subsistência dependa da utilização de
recursos naturais existentes no interior das unidades de conservação meios de
subsistência alternativos ou a justa indenização pelos recursos perdidos;

Pelo conjunto de ideias expostas, o termo de compromisso é, atualmente, o meio pelo


qual há a regulamentação da presença das comunidades nas unidades de proteção integral,
enquanto não sejam reassentadas. As condições que asseguram a permanência devem ser
reguladas, de modo participativo, havendo disposições sobre técnicas e materiais para o uso
dos recursos naturais, respeitando os modos de vida, os meios de subsistência e as moradias
das famílias que se encontram em áreas em que suas presenças não sejam permitidas (PINHA
et al., 2015, p. 34).
Importante ressaltar a estreita relação que o termo de compromisso possui com o
reassentamento (LINDOSO, 2014, p. 76). Expressamente regulamenta as condições de
permanência das comunidades até que sejam reassentadas, como se infere do art. 39, do
Decreto nº 4.340 de 2002 (grifo nosso).
Nesse contexto, o primeiro termo de compromisso foi firmado em 2007, com a
comunidade tradicional do Sucuruji, na Reserva Biológica do Lago Piratuba (AP) (PINHA et
al., 2015, p. 37). De acordo com informações do MMA (2015, p. 47), a criação da Reserva
Biológica fez com que os pescadores tradicionais de Sucujui agissem na ilegalidade, uma vez
que continuaram a praticar a pesca, atividade da qual sobrevivem desde o século XIX. Por 20
anos tentou-se impedir a pesca, sem sucesso, intensificando os conflitos no local.
As tratativas para elaboração do acordo iniciaram em 2005 e perduraram por 20
meses. As negociações se deram em momentos distintos, quais sejam, em oficinas
participativas, em assembleias comunitárias e em um evento formal para assinatura do
documento (PINHA et al., 2015, p. 54). Conforme a autora, a implementação do termo de
compromisso significou um avanço na gestão, uma vez que houve a transformação do conflito
em oportunidade para a conservação da natureza. No mais, as medidas de se definir técnicas
tradicionais seletivas para pesca de pirarucu, tais como o arpão e a zagaia, contribuíram para

119
que os moradores, até então vistos como ameaças, se transformassem em guardiões,
impedindo que pescadores externos entrassem na área. De acordo com o monitoramento
realizado não houve diminuição do pirarucu (MMA, 2015, p. 47).
Lilian de Carvalho Lindoso (2014, p. 157) considera o termo de compromisso uma
inovação institucional, na medida em que a ideia do manejo adaptativo é incorporada no
interior da unidade, além de viabilizar a construção de relações de confiança e parceria entre
os gestores da unidade e a comunidade. Assim, há a possibilidade de aproximação entre o
saber científico e o tradicional, corolário de uma sociedade que passa a reconhecer a
importância da integração dos saberes locais para a conservação da natureza (LINDOSO;
PARENTE, 2014, p. 114). Na Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins – EESGT, caso em
que a autora se debruça, por exemplo, foi regulamentado o uso de fogo, importante técnica
tradicional para a manutenção dos recursos naturais do bioma local, no interior da unidade de
proteção integral por meio do termo de compromisso (LINDOSO, 2014, p. 114).
Não obstante se tratar de uma inovação institucional, uma vez que estabelece o
reconhecimento mínimo de legitimidade das práticas tradicionais, como acima descrito, e de
ser o instrumento próprio para retirar famílias locais de uma situação de ilegalidade
involuntária, Lilian de Carvalho Lindoso (2014, p. 139) apresenta algumas limitações do
termo de compromisso. No caso da EESGT, a autora afirma que o instrumento acaba
limitando as atividades da comunidade e não resolve a situação, deixando os gestores em uma
situação confortável, já que exercem o controle sobre o uso dos recursos e seus interesses
conservacionistas ficam assegurados na negociação. Há, apenas, uma interrupção temporária
do conflito.
Destaca-se, ainda, a vulnerabilidade dos termos de compromissos firmados, frente aos
conflitos existentes nas unidades. Isso porque, a decisão para elaboração do termo de
compromisso é subordinada à vontade dos gestores e dirigentes que, dependendo da
orientação ideológica, podem não ter interesse em dar seguimento às negociações (SIMON;
MADEIRA FILHO; ALCÂNTARA, 2015, p. 8). Situação essa que aconteceu no Parque
Estadual de Aparatos da Serra (RS), onde o diretor do ICMBio se recursou a finalizar a
elaboração do termo de compromisso, mesmo após reuniões de composição com as
comunidades inseridas no Parque e análise realizada pela procuradoria do ICMBio,
simplesmente por não concordar com a permanência das famílias no interior na unidade
(SIMON; MADEIRA FILHO; ALCÂNTARA, 2015, p. 8).
Além do mais, os termos de compromisso são instrumentos bilaterais, ou seja, também
estabelecem obrigações ao órgão gestor. Assim, pode haver certa resistência por parte do
mesmo, considerando o surgimento de novas tarefas e esforços para as equipes, tais como o
monitoramente, as rodas de debate, atividades lúdicas e interativas e assim por diante (PINHA
et al., 2015, p. 54). Desafios adicionais na administração podem gerar desconfortos e recusas.
Sem desconsiderar outras causas, dada à dimensão de complexidade do conflito, não é
difícil imaginar que a pouca vontade dos gestores e dirigentes em firmar acordos seja uma
realidade existente no Brasil. Segundo dados mais recentes extraídos da pesquisa realizada
por analistas ambientais do ICMBio que atuam ou atuaram em distintas funções na COGCOT,
até 2015 havia apenas 8 termos de compromisso em implementação (MADEIRA et al., 2015,
p. 12).
Simon, Madeira Filho e Alcântara (2015, p. 8) destacam, por exemplo, os termos de
compromisso implementados com os quilombolas, na Reserva Biológica do Rio Trombetas
(PA); com os “geraizeiros”, na Estação Ecológica da Serra Geral no Tocantins (TO); com as
comunidades extrativistas, no Parque Nacional de Juruena (AM); com os ribeirinhos, no
Parque Nacional do Jaú (AM); com os pescadores artesanais e agricultores familiares, na
Reserva Biológica do Lago Piratuba (AP) (SIMON; MADEIRA FILHO; ALCÂNTARA,
2015, p. 8).

120
1.4 A mediação através da comunicação e educação ambiental

A comunicação e educação ambiental, implementadas por meio da Estratégia Nacional


de Comunicação e Educação Ambiental em Unidades de Conservação – ENCEA, é um
caminho interessante que algumas unidades têm trilhado. Baseia-se em processos inclusivos,
alcançados através da criação de espaços e meios de educação, comunicação e participação
popular, que acarretam na tomada de decisão mais democrática e no fortalecimento do
pertencimento ao território. (MMA, 2015, p. 41).
A educação ambiental crítica, a seu turno, é estruturada na formação específica de
gestores públicos e no fortalecimento de uma leitura complexa do contexto social em que o
conflito está inserido. Para tanto, conta com o apoio da educomunicação e da arte educação
(MMA, 2015, p. 29).
Com efeito, segundo a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, que institui a Política
Nacional de Educação Ambiental, regulamentada pelo Decreto nº 4.281, de 25 de junho de
2002, a educação ambiental é compreendida como “os processos por meio dos quais o
indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo”
(art. 1º). Os princípios da educação ambiental estão elencados no art. 4º, entre os quais se
enfatizam, a conjectura ambiental como um todo, compreendendo as relações de dependência
dos fatores cultural, natural e sócio-econômico; o pluralismo de ideias; o enfoque humanista;
a participação democrática e a concepção holística. Somando-se a esses princípios, há os
objetivos da educação ambiental, que estão listados no art. 5º, entre os quais se destacam o
estímulo e o fortalecimento da consciência crítica sobre os problemas ambientais; o incentivo
à participação individual e coletiva; o incremento da compreensão integradora entre as
complexas relações que envolvem o meio ambiente (psicológicas, ecológicas, legais e
sociais...).
Assim sendo, infere-se que ao falar de educação ambiental, fala-se sobre a
possibilidade de emancipação de populações marginalizadas nos processos decisórios. Uma
vez que, busca-se meios para conferir-lhes ferramentas de efetiva participação social nos
processos deliberatórios, que as atinge diretamente. Isso se dá através do despertar da
consciência crítica dos atores sociais envolvidos, os quais mais sofrem com as perdas
ambientais e com a negação de acesso aos recursos naturais (MMA, 2015, p. 30).
Nesse sentido, a comunicação clara e objetiva, que faça sentido para a população
marginalizada envolvida no conflito e que possibilite a reflexão e a sensibilização, mostra-se
indispensável para que a educação ambiental atinja seus objetivos. Entram em cena, então, a
educomunicação e a arte educação. Essas geram capacidades e diluem barreiras entre os
atores sociais envolvidos nos conflitos socioambientais em unidades de conservação (MMA,
2015, p. 36).
Dentre os recursos utilizados na educomunicação, destacam-se a criação de vídeos,
exposições fotográficas, informativos e entrevistas com os representantes em programas de
rádio comunitários. No que tange à arte educação, há as ferramentas, por exemplo, da
facilitação gráfica da legislação ambiental, da narrativa de estórias para a explicação de temas
técnicos e do teatro do oprimido6. Esses recursos contribuem para o desenvolvimento da
criticidade (MMA, 2015, p. 37).
Além do mais, esses mecanismos reforçam a identidade cultural e o sentimento de
pertença ao território, uma vez que possibilitam o resgate do contexto histórico e cultural das

6
Metodologia criada pelo brasileiro Augusto Boal, que objetiva desmitificar a linguagem teatral, “tornando-a
acessível às camadas populares, bem como a transformação da realidade por meio do diálogo propiciado pelo
teatro”. (MMA, 2015, p. 37).

121
comunidades inseridas no conflito ambiental. Há, ainda, criação de espaços para a crítica e
para o desenvolvimento da participação popular (MMA, 2015, p. 36-37).
Os desafios para implementar essas alternativas participativas, por meio de processos
de comunicação e educação ambiental, são consideráveis. Se por um lado, há desconfiança
por parte da população, considerando o histórico violento, sem ou com pouca participação
popular, na instituição das unidades no Brasil, por outro, há a resistência dos gestores, que
consideram as populações ameaças ao objetivo de conservação da biodiversidade (MMA,
2015, p. 30-31). Não obstante o processo participativo ser mais lento e marcado por entraves,
não se deve descartá-lo, uma vez que o enfoque participativo constitui em uma alternativa
justa e democrática, gerando resultados concretos ao longo do tempo (MMA, 2015, p. 30).
Nesse cenário, importante destacar que os programas de comunicação e educação
ambiental além de contribuírem para a mediação de conflitos decorrentes da questão
territorial, também são importantes para a conscientização e para a inserção das comunidades
nas práticas de conservação da biodiversidade. É o que ocorreu, por exemplo, na Reserva
Biológica do Rio Trombetas (PA)7, onde foi criado um projeto em que as comunidades
quilombolas e ribeirinhas, residentes na região desde o século XIX, vistas como uma ameaça
pela gestão da Rebio8, passassem a ser encaradas como potenciais aliadas à conservação,
atuando como agentes de conservação no monitoramento de reprodução e soltura de
quelônios na Amazônia. Além dos resultados concretos em relação à conservação das
tartarugas, os conflitos entre as comunidades tradicionais e a gestão da Rebio diminuíram,
conforme informações do Ministério do Meio Ambiente (2015, p. 54).
Apenas à título informativo, em 2015, o Ministério do Meio Ambiente procedeu ao
registro das experiências de comunicação e educação ambiental desenvolvidas em Unidades
de Conservação Federais no Brasil (MMA, 2015a).
Ressalte-se a importância, após o estabelecimento dos programas de comunicação e
educação ambiental, de se realizar o monitoramento e avaliação dos conflitos ambientais
decorrentes da criação ou implementação da unidade, notadamente se os objetivos dos
programas estão sendo alcançados ou não. Isso se dá por meio da elaboração de indicadores,
os quais são formulados a partir da sistematização das informações. Entre os indicadores
destacam-se a porcentagem de atores locais informados, o sentimento de pertencer ao projeto
(“nosso projeto” e não “o projeto deles”), as discussões apresentadas nos espaços próprios
para o debate, e o envolvimento da comunidade na liderança. (MMA, 2015, p. 59-60).

Considerações finais

Pelo conjunto de ideias apresentadas, infere-se que o termo de compromisso é um ato


discricionário do gestor e dos dirigentes, restando submisso ao viés ideológico e à disposição
desses. A depender da escolha da gestão, pode haver consequências ilógicas, como a
perpetuação do conflito, a permanência da situação de ilegalidade das comunidades, e o uso
indiscriminado e não regulamentado dos recursos naturais, que se objetiva proteger.
Nesse sentido, as experiências de comunicação e educação ambiental se mostram
relevantes para a mediação de conflitos socioambientas decorrentes da implementação, gestão
e regularização das unidades de proteção. Seja porque permitem maior emancipação das

7
Para saber mais sobre o projeto, informações disponíveis em: <https://www.ipe.org.br/ultimas-noticias/1613-
tartarugas-da-amazonia-ganham-mais-uma-chance-de-sobrevivencia-na-rebio-do-rio-trombetas>. Acesso em
10 mai. 2019.
8
Importante destacar que, nesse caso, as populações eram vistas como ameaça à biodiversidade não sem razão,
uma vez que como explicam Simon, Madeira Filho e Alcântara (2015, p. 15) a pesca da tartaruga foi apontada
como uma das principais causas da quase extinção da espécie P. expansa, sendo que um dos objetivos da
Rebio é justamente sua proteção.

122
populações marginalizadas, as quais passam a ter maior participação nos processos
deliberativos, uma vez que, através da educomunicação e arte comunicação, identificam a
situação conflituosa e se mobilizam enquanto atores sociais. Seja porque criam mecanismos
para inclusão da população nos projetos de proteção da biodiversidade, fazendo com que os
conflitos entre a gestão e as comunidades diminuam significativamente e que haja aliados na
conservação da natureza.

REFERÊNCIAS

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conservação. Revista Ambiente & Sociedade, São Paulo, ano II, n. 5, p. 79-92, 2º sem. 1999.
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munidades_tradicionais_dimensionando_o_desafio.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2019.

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biologica-do-rio-trombetas-em-oriximina-pa-e-o-termo-de-compromisso-no-morro-das-
andorinhas-no-parque-estadual-da-serra-da-tiririca-em-niteroi-rj/file>. Acesso em: 20 abr.
2019.

124
ANÁLISE DA ADI 4.901/2013-DF SOBRE A REDUÇÃO DA RESERVA LEGAL NO
NOVO CÓDIGO FLORESTAL E O PROJETO DE LEI N° 2362/2019 SOBRE A
EXTINÇÃO DA RESERVA LEGAL
Analysis of ADI 4.901 / 2013-DF on the reduction of legal reserve in the New Forest Code
and Draft Law n ° 2362/2019 on the extinction of legal reserve

Marcelo Messias Leite1

Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar o julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade - ADI 4.901/2013-DF- que considerou a Lei 12.651/2012 (Novo
Código Florestal) constitucional, tendo como ponto polêmico a redução das Áreas De
Reserva Legal (RLs) e o Projeto de Lei nº 2.362/2019, que extingue a Reserva Legal e seus
potenciais impactos, à luz do artigo 225 da Constituição Federal de 1.988. Foi utilizada
metodologia jurídico-teórica e raciocínio hipotético-dedutivo com técnicas de pesquisa
bibliográfica sobre a temática. Os resultados esclarecem que o Tribunal desconsiderou o
parecer científico do texto constitucional, em seus vários ramos e a trajetória do
ordenamento jurídico vigente, pelo Projeto de Lei 2.362/2019, foi desconsiderada.
Constatou-se diminuição significativa na proteção da Reserva Legal em relação à antiga lei,
e a extinção da Reserva Legal, se aprovado o Projeto, trará significativo impacto potencial
ao ecossistema como um todo, em toda sua biodiversidade e equilíbrio.

Palavras-Chave: ADI 4.901/2013. Novo Código Florestal. Redução da Área de Reserva


Legal. Extinção da Reserva Legal. Projeto de Lei nº 2.362/2019

Abstract: The present article aims to analyze the judgment of the Direct Action of
Unconstitutionality (ADI 4,901 / 2013-DF), which considered Constitutional Law 12,651 /
2012 (New Forest Code), having as a polemic point the reduction of Legal Reserve Areas
(RLs) and Bill 2362/2019, which extinguishes the Legal Reserve and its potential impacts,
in light of Article 225 of the Federal Constitution of 1988. Legal-theoretical methodology
and hypothetical-deductive reasoning were used with bibliographic research techniques on
the subject. The results clarify that the Court disregarded the opinion, in its various
branches, already positive in the constitutional text and the trajectory of the current legal
system, by Bill 2,362 / 2019, was disregarded. There was a significant decrease in the
protection of the Legal Reserve in relation to the old law, and the extinction of the Legal
Reserve, if approved, will have a significant potential impact on the entire ecosystem, in all
its biodiversity and balance.

Keywords: ADI 4.901 / 2013. New Forest Code. Reduction of the Legal Reserve Area.
Extinction of the Legal Reserve. Draft Law No. 2.362 / 2019

1
Marcelo Messias Leite: Bacharel em Direito pela PUC Minas; Advogado; Mestrando na Escola Superior
Dom Helder Câmara; Bolsista e Pesquisador da FAPEMIG. Membro dos grupos de pesquisa: DIRNAT,
CEBID. ECODOM. Messiasmarceloleite@hotmail.com

125
Introdução

Primacialmente urgiu constatar no presente trabalho se a interpretação do


Supremo Tribunal Federal, quando julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI
4.901/2013-DF), atendeu à Constituição Federal de 1.988, no artigo 225 e seus incisos,
se tal decisão garantiu “O Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado”, e se haverá
proteção satisfatória à preservação da biodiversidade e do seu ecossistema, como
garantido no texto constitucional, com a aprovação do Projeto de Lei 2.362/2019.
A decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou constitucionais os artigos:
12, § 4°, § 5°, § 6°, § 7º e § 8º; art. 13°, § 1°; art. 15; 17; 28; 44; art. 48, § 2°; art. 66,
§3º, § 5°, lI, III e IV e § 6° e, 68, 69 da Lei 12.651/2012-DF (Novo Código Florestal),
reduziram as Áreas, de Reserva Legal (RLs), assim coube analisar se esta diminuição
afetou de alguma maneira na proteção das RLs, para isto, adotou-se o método
hipotético-dedutivo e como metodologia de pesquisa a consulta bibliográfica em
publicações periódicas de artigos científicos, bem como na doutrina e leis sobre a
temática.
Consoante à análise pormenor do Projeto de Lei 2362/2019, que revoga o
Capítulo IV, da Reserva Legal, expresso na Lei nº 12.651/2012, extinguindo a proteção
da vegetação nativa para garantir o direito constitucional de propriedade, seu regime de
proteção e também das áreas verdes urbanas, abordou-se o parecer científico sobre a
temática, ressaltando no primeiro tópico deste trabalho, o seu posicionamento, em
simultaneidade com o texto constitucional que o preserva e as falhas ou acertos na
legislação quando procurou regulamentar a matéria.
No segundo tópico, para ficar mais explícito, se houve precariedade na proteção
das RLs, por tal Projeto de Lei, procurou-se trazer o conceito de Reserva Legal, a sua
finalidade e distinções.
No terceiro tópico foi apresentado o risco da intervenção temerária do homem na
natureza e o limite advindo do parecer científico para qualquer intervenção humana que
porventura vier causar impacto ambiental significativo, devendo ser este parecer
transportado para o mundo jurídico em respeito ao princípio da precaução, visando o
desenvolvimento sustentável e a economia verde e no quarto tópico a tendência e
trajetória da proteção ambiental com a aprovação ou não do Projeto de Lei 2.362/2019.

1 Análise dos artigos da Lei 12.651/2012 sobre a reserva legal à luz da Constituição
Federal de 1988

Os espaços especialmente protegidos, previsto no texto constitucional, da CR/88, no art.


225, § 1º, inciso III, são fundamentais para a preservação dos corredores ecológicos, da
manutenção da biodiversidade e do fluxo gênico, no território nacional. Eles cumprem
sua função quando são efetivadas as finalidades trazidas pelo seu conceito, assim
requer-se análise do seu significado. No direito francês, o conceito de espaces naturels
sensibles, definidos pelo Ministério da Ecologia e do Desenvolvimento Sustentável da
França nos traz maior compreensão, como demonstrado a seguir:

Áreas protegidas devem ser constituídas de áreas cuja característica natural é


ameaçada e tornada vulnerável, atualmente ou potencialmente, devido à
pressão urbana ou ao desenvolvimento de atividades econômicas e
recreativas, ou por causa de particular interesse, tendo em conta a qualidade

126
do sítio ou as características das espécies animais ou vegetais [...]
(COLLECTIF, 2010, p 10)1

Assim, o tema principal abordado nos artigos a serem examinados serão as


características e a qualidade do sítio a ser preservado. Portanto, sob essa perspectiva, no
artigo 12 da Lei 12.651/2012, que se refere à redução da Reserva Legal na Amazônia,
de 80% para 50%, quando houver Terras Indígenas ou Unidades de Conservação no
município ou estado, bem como a extinção de Reserva Legal para abastecimento
público de água e esgoto, áreas adquiridas para geração de energia elétrica ou para
implantação de rodovias e ferrovias.
Sob esse parâmetro, avançando na análise dos artigos, deverá ter sempre como
envolto protetório, a Constituição Federal de 1.988, em seu artigo 225, § 1º e seus
incisos, para qualquer ação humana que comprometa a integridade dos atributos que
justifiquem sua proteção ou quaisquer práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, que provoquem a extinção de espécies ou que venham degradar ou trazer um
retrocesso, sem levar em consideração a adequação daquela norma ao equilíbrio
ambiental e seu ecossistema, ou desconsiderar a distinção da Área de Reserva Legal das
outras formas de conservação (como se tem dentre tantas distinções que, nas reservas
indígenas o dever de proteção é do Estado, já nas áreas de Reserva Legal o dever é do
particular), estas ações serão vedadas pelo texto constitucional, é isto que ocorre no
presente caso, pois haverá impacto significativo no ecossistema devido à diminuição
nas RLS. Assim preleciona Silva (1982, p. 212), como se segue:
[...] um regime jurídico de interesse público que implique sua relativa
imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a preservação e
a proteção da integridade de amostras de toda a diversidade de ecossistemas,
a proteção ao processo evolutivo das espécies, a preservação e a proteção dos
recursos naturais"(SILVA, 1982, p. 212).

Nesse sentido tem-se o voto do Ministro Marco Aurélio na ADI 4.901/2013-DF, como
se segue:

[...] Surge impróprio, contudo, a pretexto de viabilizar a produção econômica


de entes federados com significativa porção do território alcançada por
restrições ambientais, descaracterizar espaços especialmente protegidos.
Observem a organicidade do Direito, sobretudo o ambiental. Territórios
indígenas, reservas legais e unidades de conservação desempenham funções
distintas. Os territórios indígenas não guardam relação com a tutela
ambiental, embora naturalmente nessas áreas haja maior nível de preservação
ambiental, considerada a relação dos povos indígenas com a natureza. O
fundamento da demarcação desses territórios é o reconhecimento, pelo
Constituinte, de direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas
pelos índios, conforme previsto no artigo 231 da Constituição Federal. É
impertinente reduzir a recomposição de área de reserva legal com base
na existência de territórios indígenas na região, protegidos a partir de
outro preceito constitucional. [...] grifo nosso. (BRASIL, 2013 b, p. 5).

1
Tradução livre de “les espaces ayant vocation à être protégés "doivent être constitués par des zones
dont le caractère naturel est menacé et rendu vulnérable, actuellement ou potentiellement, soit en raison
de la pression urbaine ou du développement des activités économiques et de loisirs, soit en raison d'un
intérêt particulier, eu égard à la qualité du site, ou aux caractéristiques des espèces animales ou
végétales qui s'y trouvent”.

127
Recorre-se constantemente ao prumo constitucional, trazido no art. 225, da
CR/88, para a construção de qualquer entendimento sobre o meio ambiente, em cada
artigo analisado, como se faz no artigo art. 13, §1º, da Lei 12.651/2012, que traz como
tema a dupla contagem de Reserva Legal na Amazônia, de forma que o imóvel com área
superior ao mínimo excepcional de 50% de área florestada na Amazônia possa instituir
servidão ou Cota de Reserva Ambiental (CRA).
O artigo 13, ora em análise, viola o dever geral de reparação do dano ambiental,
exposto no art. 225, §3, da Constituição Federal de 1.988; bem como do dever geral de
proteção ambiental, artigo 225, §1; do princípio da função social da propriedade, artigo
186, II, e do princípio da vedação do retrocesso socioambiental, ambos da mesma
Constituição.
Em seu voto na ADC 42/2013-DF e ADI 4901/2013-DF, o Ministro Marco Aurélio
apontou o equívoco, quando se quis adotar esta tal postura em questão, assim verifica-se
a violação do dever geral de restauração de processos ecológicos, como previsto no
artigo 225, §1, I da Constituição Federal de 1.988, como mencionou o ministro nas
seguintes palavras:

A equivocada compreensão dos espaços especialmente protegidos também é


verificada no artigo 66, § 5º, inciso III, que autoriza compensação de área de
reserva legal pela doação, a órgão do Poder Público, de imóvel localizado no
interior de unidade de conservação. Mostra-se impertinente supor a
equivalência de terras com funções distintas, autorizando a não
recomposição da reserva legal em troca de área que necessariamente
seria preservada em virtude da delimitação em unidade de conservação.
[...] grifo nosso. (BRASIL, 2013 b, p. 6).

Segue com a análise do artigo 15, da mesma Lei, que prevê somar a área das
APPs na medição da Reserva Legal enquanto autoriza a soma de suas áreas no cálculo
final da Reserva Legal, permitindo assim a substituição de APPs por RLs, sabendo que
ambas cumprem funções ecológicas diferentes, comprometendo o ecossistema da
reserva legal que restará diminuída pela metade, descaracterizando o seu regime de
proteção.
Tem-se no artigo supracitado a violação, da Constituição Federal de 1.988; no
dever geral de proteção ambiental, artigo 225, §1, ou seja, da não degradação, da
preservação dos ecossistemas e da diversidade genética, do princípio da função social
da propriedade, artigo 186, II, e do princípio da vedação do retrocesso socioambiental,
no que tange à forma inadequada da atuação do homem no meio ambiente, ambos da
mesma Constituição.
Há anistia implícita ao desmatamento em reservas legais, no artigo 17 § 3º, 28, e artigos
60, 68 da mesma Lei, tendo como marco temporal o Decreto nº 6.514, de 22 de Julho de
20082 e abre mão do dever de reparação das RLs, com a expressão “após 22.07.2008”.
Os artigos 44, 48, § 2º, 66, da Lei 12.651/2012, estabelecem o sistema de Cota
de Reserva Ambiental (CRA) quando a área de reserva legal exceder o mínimo exigido
das RLs pela lei, assim é emitido um título nominativo representativo de vegetação
nativa existente, podendo ele ser usado como compensação em Reservas Particulares do
Patrimônio Natural – RPPN.

2
Regulamenta a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1.998, esta Lei dispõe sobre punições à atividades e
condutas lesivas ao meio ambiente. O Decreto, no caso específico, é utilizado como marco temporal para
anistiar os desmatamentos anteriores à 22.07.2008.

128
Essas Cotas de Reservas Ambientais podem ser usadas como compensação em
áreas que foram desmatadas dentro das RLs, autoriza-se que seja compensada por
arrendamento ou doação de área no interior de Unidade de Conservação quando for o
mesmo bioma do imóvel emissor do título, independentemente de identidade ecológica.
O artigo incorre em grave erro porque diante deste aspecto tem-se que as CRAs podem
servir de estímulos ao desmatamento, pois há compensação em áreas com maior valor
econômico por outras áreas com menor valor, alimentando a especulação imobiliária.
Para aprofundar o sentido de proteção das RLs, no próximo tópico apresentar-se-
á os conceitos das Áreas de Reserva Legal, dos objetivos de sua propositura e da
importância da abrangência de sua proteção para o ecossistema e a biodiversidade no
equilíbrio do Meio Ambiente.

2 Conceito de Reserva Legal à luz da Constituição Federal do Brasil de 1988

Para Crivellari (2016, p. 100), o Código Florestal de 34, em seu artigo 23, já
apresentava o embrião do conceito das RLs, quando previa que nenhum proprietário de
terras cobertas por matas poderia abater mais de três quartas partes da vegetação
existente, embora se referisse apenas à vegetação espontânea, mas no Código Florestal
de 65, já havia a previsão da proteção das RLs sob o nome de “florestas privadas” e em
1989, a Lei Federal nº 7.803/89 estabelece a designação de “Reserva Legal” para o
mesmo Código de 65, com delimitações de, no mínimo, 20% (vinte por cento), de cada
propriedade, em seu artigo 16, §3º. (CRIVELARI, 2016, p 100).
O seu conceito veio com a Medida Provisória nº 2.166/01, em seu artigo 1º § 2º, inciso
III, como:
[...] área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada
a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos
naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à
conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora
nativas; (BRASIL, 2001).

Além de trazer o conceito das RLs, esta MP, no seu artigo 16, englobou tanto
florestas como vegetações nativas que não eram protegidas pelas APPs. Trouxe também
novas delimitações para a Amazônia, a saber, de 80% que não podiam ser suprimidos,
somente poderia ser feito manejo florestal nesta área.
O Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) estabelece também o conceito das
RLs, a saber:

[...] área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada


nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo
sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a
reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da
biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora
nativa; [...]. (BRASIL, 2012).

Entretanto, não foram excetuadas as APPs deste conceito, ademais o artigo 12


traz enormes perdas para as RLs, quando permite o seu cômputo juntamente com a
medida das APPs, sua redução para 50% na Amazônia e, no artigo 68 da mesma lei,
permite que as áreas com supressão de vegetação nativa, dentro dos parâmetros
estabelecidos pela lei vigente na época, não sejam recompostos, compensados ou
regenerados. Portanto, embora o Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) discipline a
matéria das RLs, na seção II de seu capítulo IV, o chamado “Regime de Proteção da

129
Reserva Legal”, o que se percebe é uma grande precariedade legislativa na proteção do
conceito de Reserva Legal e tudo o que abrange.

3 O risco da intervenção temerária do homem na Reserva Legal e o princípio da


precaução

No que tange à análise da intervenção humana nas RLs, o Supremo Tribunal


Federal, na ADI 3510/2008-DF, se pronunciou pelo Ministro Gilmar Mendes sobre a
preocupação da intervenção humana quando os estudos no campo das ciências são
insuficientes para afirmar que não haverá impacto acima do tolerável com a ação
humana no ambiente, assim Bentes (2012) alerta:
A jurisprudência tem sido unânime no que se refere ao cuidado do Meio
Ambiente. Tal zelo justifica-se pela grande instabilidade ambiental e pelos
eventos catastróficos ocorrendo atualmente. Seguindo esse entendimento, o
Ministro Gilmar Ferreira Mendes, no voto exarado na ADI 3.510/2008-DF,
citando expressamente os ensinamentos de Hans Jonas, explica que as novas
tecnologias utilizadas pelo homem moderno ensejaram uma mudança radical
na capacidade do homem de transformar o seu próprio mundo, e nessa
perspectiva, segundo o Ministro, o homem está pondo em risco a sua própria
existência e continuidade. Conclui-se daí que é dever do Estado primar e agir
segundo o princípio da ética da responsabilidade, com o fim de proteger não
só a geração de hoje como também o bem-estar das gerações futuras, pois,
caso contrário, o ser humano poderá desaparecer da Terra. (BENTES, 2012,
p.184).
Nesse sentido o sociólogo Giddens (2001), aborda a temática na sua obra,
definindo “Sociedade do Risco” como: “A sociedade onde cada vez mais se vive numa
fronteira tecnológica que ninguém compreende inteiramente e que gera uma diversidade
de futuros possíveis. (GIDDENS, 2000, p. 141).
Nessa linha de entendimento, o constituinte fez inserir no art. 225, da
Constituição Federal de 1988 o seguinte texto sobre o meio ambiente:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo para as presentes e futuras
gerações”. (BRASIL, 1988).
A lei infraconstitucional especificou o seu conceito de meio ambiente como “o
conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e
biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3º, da Lei n.
6.938/81).
O conceito de meio ambiente vai além de uma análise instrumental, pois abrange
as condições essenciais do próprio direito à vida como é definido o seu conceito por
Costa (2009), nas seguintes palavras: “Conjunto de elementos naturais e artificiais
partilhados com todos os seres humanos e não-humanos, necessários ao
desenvolvimento equilibrado dessas espécies da forma mais harmônica e solidária
possível”. (COSTA, 2009, p. 44).
Assim, diante da essencialidade do Meio Ambiente requer-se, pelo Princípio da
Precaução, medidas preventivas com fins à proteção das RLs, acatando os limites
científicos para atuação nestas áreas, visando preservar suas características, seu tamanho
mínimo, seus princípios e finalidades. Para se chegar a essa finalidade, entende-se
necessário frisar o posicionamento de Hoshi (2012), como se segue:

Os princípios da precaução e prevenção vêm estatuídos pelo princípio 6 da


Carta. São princípios centrais: “Previna o dano como melhor forma de
proteção ambiental e, quando os conhecimentos forem limitados, seja

130
cauteloso”. Nos princípios de suporte do referido 6 são estabelecidos os
caminhos para que a efetividade da prevenção e precaução sejam aplicados.
Nesse passo há que se levar em consideração que o princípio da prevenção,
nas concepções da União Europeia, por exemplo, vem ganhando status de
ação aplicativa, ao passo que o princípio da precaução continua tendo caráter
conteudista teórico, porém de situação ampla e restringindo o alcance da
prevenção. (HOSHI, 2012, p, 48).

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 4.901/2013-DF,


alguns Ministros do STF entenderam por desconsiderar o parecer científico, porém,
como se mostrou nesta análise esta decisão não se encontra adequada. O direito
moderno deve ser interdisciplinar, ou seja, o direito precisa necessariamente estar
conectado com as demais ciências de modo a se tornar adequado á realidade
contemporânea.
O novo CPC, de feição notadamente constitucional, determina no art. 1º que sua
interpretação deve se pautar pelos valores e normas fundamentais estabelecidos
na Constituição Federal de 1988.
O laudo pericial na seara ambiental é dotado de grande relevo, posto que se a
mera possibilidade de risco se impõe, devem-se adotar medidas protetivas de modo a
afastar eventuais degradações ambientais bem como levar em consideração os estudos
científicos que comprovem riscos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Eles
devem ser o norteador de toda e qualquer decisão judicial se levarem em consideração o
princípio da precaução.
Não se desconhece que o art. 479 do CPC autoriza ao magistrado desconsiderar
o teor do laudo pericial se fundamentar com amparo legal sua justificação, porém em se
tratando de matéria ambiental tal dispositivo deve ser interpretado restritivamente.
Data vênia, há de se considerar que a decisão do STF na ADI 4.901/2013-DF
não observou a interpretação constitucionalmente adequada, haja vista que ignorou
estudos científicos da lavra de especialistas em matéria ambiental, em detrimento
inclusive do princípio da precaução, para decidirem conforme entendimentos exóticos.
O estudo tecnicamente contrário, realizado por especialistas, deve ser barreira
para o magistrado, posto que o art. 479 do CPC deve ser interpretado de acordo com os
princípios que norteiam o Direito Ambiental dentre eles o princípio da precaução e
prevenção.
Pelo caráter vinculante que o instituto de Reserva Legal tem nas atividades
desempenhadas em sua circunscrição, remetendo-as ao seu conceito, tamanho,
finalidade e, sobretudo, ao parecer científico que a formou, deve-se limitar à proposta
segura do posicionamento científico sobre os artigos do Código Florestal (Lei
12.651/2012), para estabelecer parâmetros basilares de análise na ADI 4901/2013-DF,
inferindo se a interpretação dos ministros foram acertadas e se o Projeto de Lei
2362/2019 se inclina para à razoabilidade ou regressão da proteção ambiental, seguindo
a tendência e trajetória da busca pelo desenvolvimento sustentável com fins a
compreender as exceções deixadas pelo legislador infraconstitucional e pelas
interpretações legislativas do STF.

4 O projeto de lei 2.362/2019 e a preservação ou extinção da Reserva Legal pelo


parecer científico no novo Código Florestal

O Projeto de Lei 2.362/2019, de autoria do Senador Flávio Bolsonaro (PSL/RJ),


e do Senador Marcio Bittar (MDB/AC), revoga o Capítulo IV - da Reserva Legal, da
Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa,
para garantir o direito constitucional de propriedade, assim trazendo dados estatísticos e
131
comparações com outros países do mundo. Eles justificam a extinção das RLs rurais em
todo o território nacional, pelas dimensões da dinâmica preservacionista, apresentada
como entrave pelos senadores, como se segue:
Os dados do CAR, portanto, mostram que 66,3% das terras do Brasil são
áreas destinadas à vegetação protegida e preservada, ou seja, unidades de
conservação, terras indígenas, assentamentos rurais, quilombolas, áreas
militares, áreas de preservação permanente nos imóveis rurais e terras
devolutas. Dada a realidade, é preciso enfatizar: dois terços do território
nacional são dedicados à preservação e proteção do meio ambiente. Apenas
30,2% das terras brasileiras são de uso agropecuário: 8% de pastagens
nativas, 13,2% de pastagens plantadas, 7,8% de lavouras e 1,2% de florestas
plantadas. O restante, 3,5% do território nacional, é ocupado por cidades,
infraestrutura e outros. (BRASIL, 2019, p.4)

Muito mais que a elaboração de leis é conhecer o sentido de sua existência, sua
finalidade, proteção e tutela de bens jurídicos que ela se destina, pois o que os senadores
consideram como entrave para o desenvolvimento pode ser o benefício insubstituível
para a continuidade da biodiversidade e os ciclos gênicos como um todo. Portanto, para
analisar o projeto de lei em questão, far-se-á necessário compreender o intuito de se
preservar as reservas legais ou o motivo de cautela na análise em sua extinção.
Com esse propósito serão analisadas as exceções já existentes no Novo Código
Florestal, em que se considera desnecessária a continuidade e permanência da Reserva
Legal, no entanto, pelos aspectos da multidimensionalidade da ciência, se torna
necessário o parecer científico e, na falta do mesmo, de modo favorável, um recuo se
faz necessário, pois, do contrario, afetaria direta ou indiretamente as outras dimensões
do desenvolvimento sustentável, como preleciona Freitas (2016) “a sustentabilidade é
multidimensional, porque o bem-estar é multidimensional” (FREITAS, 2016, p. 61).
Assim, pela leitura do art. 19 da Lei 12.651/2012, constata-se que após o registro
do parcelamento do solo para fins urbanos, comprova-se a alteração da destinação do
imóvel, de rural para urbano, extinguindo a reserva legal. Isso se deve pela utilização do
solo para finalidade urbana, diferentemente do sentido utilizado inicialmente.
Portanto, podem ocorrer algumas exceções previstas no Código para as Reservas
Legais, quando a finalidade do uso da área muda a sua utilização e serventia, que as
tornam desnecessárias, em um contexto macroeconômico e holístico. Nesse sentido é
que o art. 12, em seus §§ 6.º, 7.º e 8.º, da Lei 12.651/2012, prevê outras três situações
em que a constituição de reserva legal se torna desnecessária, a saber: quando há
empreendimentos de abastecimento público de água e tratamento de esgoto; quando as
áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou
autorização, para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem
empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações, ou sejam instaladas linhas
de transmissão e de distribuição de energia elétrica; e na hipótese de as áreas que são
adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantação e ampliação de capacidade
de rodovias e ferrovias.
Em ambos os casos o que se apresenta em comum é a busca por
empreendimentos que visem proporcionar um bem estar maior. Mas resta saber se a
extinção das RLs, de maneira descontrolada e ilimitada, não gerará efeitos colaterais
irreversíveis, nos apartando dos benefícios da existência das RLs e do abrigo que ela
proporciona para todo o Ecossistema e diversidade, conforme sistemática do novo
Código Florestal, ou, pelo contrário, a não utilização do seu espaço para o
desenvolvimento, gerará pobreza ou fome, como apresentado sobre o dilema constante
da conjugação das dimensões do desenvolvimento sustentável por Mafra (2015), como
se segue “a deterioração material do planeta é insustentável, mas a pobreza também é

132
insustentável, a exclusão social também é insustentável, assim como a injustiça, a
opressão, a escravidão e a dominação cultural e econômica” (MAFRA, 2015, p. 555).
Assim, torna-se cada vez mais necessário, na medida em que a ocupação do
meio ambiente aumenta, a elaboração de leis baseadas em parecer técnico e científico
multidisciplinar, em que cada área da ciência, contribua em seus vários seguimentos
com a proposta do desenvolvimento sustentável, visando preservar o ciclo e a
permanência dos serviços ecossistêmicos com um todo.
Os senadores entendem que há uma colisão entre o direito de propriedade e a
proteção ambiental, quando no capítulo IV, exige-se, além das APPs nos imóveis rurais,
que se preservem a vegetação nativa de parte da área em questão, como se segue:

O principal artigo do Capítulo IV da lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, de


forma excessivamente drástica, colide com o direito de propriedade, aviltado
em sua essência, ao determinar que todo imóvel rural deva manter área com
cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, além das Áreas de
Preservação Permanente. (BRASIL, 2019, p.5)

Porém, não se justifica tal entendimento, porque as APPs e RLs cumprem


funções diferentes, comprometendo o ecossistema da Reserva Legal, descaracterizando
o seu regime de proteção. Tem-se no artigo supracitado a violação, da Constituição
Federal de 1.988; no dever geral de proteção ambiental, artigo 225, §1, ou seja, da não
degradação, da preservação dos ecossistemas e da diversidade genética, do princípio da
função social da propriedade, artigo 186, II, e do princípio da vedação do retrocesso
socioambiental, no que tange à forma inadequada da atuação do homem no meio
ambiente, ambos da mesma Constituição.
Não é esse o caminho apontado pelo constituinte para os novos legisladores, mas
a direção do desenvolvimento sustentável. Isso se tornará possível se haver dedicação e
responsabilidade do estado da ciência e da responsabilidade e cautela na aplicação dos
princípios ambientais, como da precaução e prevenção, na sociedade de risco.
Mas resta saber se, a sociedade pós-moderna vai desejar viver sem correr o
risco? Ou em outra análise, a sociedade de consumo pós-moderna deixará os seus
hábitos para que as reservas legais não sejam extintas?
O caminho mais sensato é dedicar-se em conhecer a dinâmica entre o meio ambiente e o
homem, em profundidade, e as consequências de sua atuação, a curto e longo prazo,
para se chegar ao conceito de sustentabilidade, como nos apresenta Freitas (2016), a
seguir:

Trata-se do princípio constitucional que determina, com eficácia direta e


imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização
solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo,
durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no
intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no
presente e no futuro, o direito ao bem-estar (FREITAS, 2016, p. 43).

A dimensão ambiental da sustentabilidade não pode ser desconsiderada, assim,


entende-se que as reservas legais, sendo extintas, causarão um colapso a longo prazo no
Ecossistema, como um todo, e a biodiversidade dependente desta interação sucumbirá,
na escassez de espaço próprio. Nesse sentido, Gomes e Ferreira (2017), nos advertem:

No aspecto da dimensão ambiental da sustentabilidade, é inegociável a


premissa de que o meio ambiente equilibrado à sadia qualidade de vida para
as presentes e futuras gerações, deve ser devidamente preservado e protegido,

133
sob pena de a natureza não suportar mais a vida humana na Terra.( GOMES;
FERREIRA, 2017, p. 95).

A assertiva na análise consiste em um panorama holístico da questão e não


simplesmente a especialização e separação das áreas na ciência, de maneira isolada
como nos adverte Beck (2011):
As ciências, portanto, da maneira como estão constituídas – em sua
ultraespecializada divisão do trabalho, em sua compreensão de métodos e
teorias, em sua heterônoma abstinência da práxis -, não estão em condições
de reagir adequadamente aos riscos civilizacionais, de vez que têm destacado
envolvimento em seu surgimento e expansão (BECK, 2011, p. 71).

Há premente necessidade de aplicação do princípio da precaução, quando as


perdas ambientais forem irreversíveis, conquanto a análise se mostrar precária, no que
tange à mensuração dos impactos ambientais, no ciclo como um todo, não só no
presente, mas na permanência dos serviços ecossistêmicos, dependentes das Reservas
Legais no futuro, como se segue, nas palavras de Gomes e Mesquita (2016):

Existem hoje os perigos já conhecidos e evidentes que são objeto de restrição


do Poder Público, mas por outro lado, como se vê, ainda existem os riscos
que não são dedutíveis, não são comprovados cientificamente. E diante desta
realidade oculta, não se pode esperar, sob pena de ser tarde demais. Logo, o
princípio da precaução busca evitar que os acidentes se transformem em
verdadeiras catástrofes. (GOMES; MESQUITA, 2016, p.19).

Assim, não se pode admitir que representantes de parte do povo e que não têm
procuração das futuras gerações dilapidem, expropriem e empilhem os bens ambientais,
sem ao menos considerar o parecer científico positivado na carta maior. A única escolha
possível para o desenvolvimento sustentável é a limitação dos legisladores pelo texto
constitucional por cláusulas pétreas e restrições legislativas diante dos bens ambientais
inalienáveis, para garantia da geração presente e futuras gerações.

Considerações finais

Conforme a proposta preliminar de análise do julgamento da Ação Direta de


Inconstitucionalidade - ADI 4.901/2013-DF- que considerou a Lei 12.651/2012 (Novo
Código Florestal) constitucional, tendo como ponto polêmico a redução das Áreas de
Reserva Legal (RLs) e seus potenciais impactos, à luz do artigo 225 da Constituição
Federal de 1.988, para constatou-se como resultado que o julgamento em questão não se
harmonizou nem com o conceito de Reserva Legal nem ao menos com parecer
científico, nem mesmo com a Constituição Federal de 1.988. Entendeu-se que, pela
análise que se fez dos artigos ora examinados a decisão colocou em risco os processos e
funções ecológicas.
Pôde-se evidenciar a precariedade da proteção do instituto de Reserva Legal pela
lei 12.651/2012, o atual Código Florestal. O parecer científico foi no sentido de
preservação e de cautela, quando aplicado o Princípio da Precaução, no que tange à
diminuição das RLs, das compensações ou das anistias aos desmatamentos feitos antes

134
de 2008, assim também foi o que se constatou pelos textos constitucionais e pelo
ordenamento jurídico como um todo.
Quanto ao Projeto de Lei 3.462/2019, também foi no sentido contrário, pois os
resultados esclareceram que os senadores desconsideraram o parecer científico, e a
dimensão ambiental do desenvolvimento sustentável, em seus vários ramos, paralisou o
avanço do sistema de proteção ambiental brasileiro, já positivado no texto
constitucional, não respeitou a trajetória do ordenamento jurídico vigente pelo pedido de
revogação das Reservas Legais.
Constatou-se que houve diminuição significativa na proteção da Reserva Legal
em relação à antiga lei ora revogada pelo Novo Código Florestal, também pelo projeto,
que ocorreu significativo impacto potencial no Ecossistema como um todo, em toda sua
biodiversidade e equilíbrio.
Portanto, em suma, verificou-se que a decisão pela diminuição da RLs ou sua
extinção, não foi acertada, quando se toma os requisitos impostos pelo conceito de
Reserva Legal, os seus princípios e características próprias, que exigem a conservação
dos Serviços Ecossistêmicos pela preservação das Reservas Legais, não a sua
diminuição, como adotou a posição do STF e os senadores, não se enquadrando ao
princípios ambientais, nem às políticas Públicas de Preservação Ambiental, garantidas
na Constituição da República Federativa do Brasil de 2.018, que objetiva o
desenvolvimento sustentável e a economia verde.

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138
PATRIMÔNIO CULTURAL E PAISAGEM

139
O CÉU NOTURNO COMO PATRIMÔNIO CULTURAL

The night sky as cultural heritage

Ana Clara Oliveira Halfeld 1


Maraluce Maria Custódio 2

Resumo: O céu por longas décadas serviu como fonte orientação espacial e de
inspiração, gerando questionamentos que precederam o desenvolvimento científico e
filosófico. Ocorre que a visibilidade do céu e das estrelas vêm sendo ameaçada pela
quantidade de luzes artificiais emitidas pelos seres humanos, causando a chamada
poluição luminosa que afeta o desenvolvimento científico e a saúde humana e animal.
Neste artigo se pretende demonstrar a necessidade de proteger o Direito a ver estrelas
como patrimônio cultural e que a emissão de luzes excessiva causa efeitos no meio
ambiente e no desenvolvimento científico, buscando formas de minimizar os danos
causados a fim de gerar novas formas de pensamento e conscientização. Para tanto, tem-
se por marco teórico o conceito de patrimônio cultural trazido no art. 216 da
Constituição Federal e utilizar-se-á o método dedutivo e técnica bibliográfica.

Palavras-chave: Direito às Estrelas, Poluição Luminosa; Convenção de Palma;


Patrimônio Cultural. Paisagem.

Abstract: The sky for long decades served as source spatial orientation and inspiration,
generating questions that preceded scientific and philosophical development. It occurs
that the visibility of the sky and the stars have been threatened by the amount of
artificial lights emitted by humans, causing the so-called light pollution that affects
scientific development and human and animal health. This article intends to
demonstrate the need to protect the right to see stars as cultural heritage and that
excessive light emission causes effects on the environment and scientific development,
seeking ways to minimize the damage caused in order to generate new forms of
thinking and awareness. In order to do so, we have as theoretical framework the concept
of cultural heritage brought in art. 216 of the Federal Constitution and will use the
deductive method and bibliographical technique.

Keywords: Right to the Stars, Luminous Pollution; Palma Convention; Cultural


heritage. Landscape

1
Pós-graduanda em Advocacia Cível pela Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. E-mail:
anahalfeld@outlook.com
2
Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2000), mestrado em Direito
pela Universidade Federal de Minas Gerais (2005) e Master en Derecho Ambiental pela Universidad
International de Andalucia (2005). É doutora em Geografia na Universidade Federal de Minas Gerais
(2006), em programa de co-tutela com a Université d'Avignon (2008), atualmente é professora adjunta da
Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva e professora da Graduação e Professora
Permanente Do Programa De Pós-Graduação Em Direito Da Escola Superior Dom Helder Câmara -
Mestrado Em Direito Ambiental E Desenvolvimento Sustentável. E-mail: maralucemc@gmail.com

140
Introdução

O fato de estarmos todos no planeta Terra e envoltos na camada gasosa, que é a


atmosfera, permite entender que, independentemente das distâncias ou diferenças
culturais, pertencemos a um mesmo meio, que nos conecta com o outro e conosco
quanto seres humanos dotados de consciência. Amaral (2006, p.13) descreve o
sentimento de Pertencimento como: “[...] a crença subjetiva numa origem comum que
une distintos indivíduos. Os indivíduos pensam em si mesmos como membros de uma
coletividade na qual símbolos expressam valores, medos e aspirações”. Um símbolo que
nos conecta como coletividade é o céu, que une gerações e culturas, sendo fundamental
à existência da vida como a conhecemos, apesar de muitas vezes sua existência ser
ignorada na realidade do dia a dia.
O crescente aumento das cidades, a facilidade de obtenção de energia e o
aumento da violência verificado têm conduzido os centros urbanos do Brasil têm
conduzido à perda inestimável do Direito de ver estrelas. O excesso de iluminação
artificial noturna conduz à perda deste direito, bem como pode ser danoso para a
qualidade de vida dos seres vivos, dentre eles, os humanos, configurando uma
verdadeira poluição luminosa.
Desta forma, dada a sua importância para a sustentação da vida e para o
desenvolvimento tecnológico e científico, o Direito não deve não pode ignorar o céu e
deve normatizar sua proteção, devendo ser criados, por meio de instrumentos
normativos, normas que orientem a população sobre a importância da sua preservação
frente ao uso excessivo das luzes, a chamada poluição luminosa.
Com o fim de possibilitar a análise do tema sobre a ótica jurídica, propõe-se a
caracterização do céu como patrimônio universal da humanidade sob a ótica dos textos
normativos existentes, tanto em âmbito nacional como internacional. Para a sua
consecução, s e utilizará como marco teórico conceito jurídico de patrimônio cultural
proposto no art. 216 da Constituição Federal e analisar suas variações para
posteriormente, compreender sua adequação neste campo sob a ótica da Declaração de
La Palma de 2007, que disserta sobre a necessidade de proteção do céu noturno e o
Direito à Luz das Estrelas, abordando aspectos do uso de iluminação, e suas
consequências, para os seres vivos em geral.
Para tanto utilizar-se-á o método dedutivo, bem como a técnica bibliográfica
para compreender que a utilização de determinados tipos de lâmpadas assim como, a
própria projeção da luz em várias direções, afeta a vida humana e animal, além de
ocasionar o desperdício de energia. Logo, a utilização de meios que façam a luz
iluminar o que se deseja, evitando o desperdício, deve ser pesquisado e incentivado,
contribuindo com o mandamento constitucional de preservação do meio ambiente para
as futuras gerações, protegendo as espécies e o direito ao céu escuro como forma de
efetivar o direito de ver estrelas, favorecendo, assim, a naturalidade do meio e o
exercício de uma vida digna e saudável.

1 O céu como Patrimônio da Humanidade

Dada a importância da atmosfera terrestre, seja em âmbitos filosóficos,


científicos como tecnológicos, o papel do Direito é importante como intérprete da
sociedade no que diz respeito à construção de sistemas normativos para a proteção dos
céus.

141
Numa tentativa de aproximação dos temas é que se pensa sobre a perspectiva
do patrimônio que, pode ser entendido como quaisquer bens materiais ou imateriais
pertencentes a uma pessoa, instituição ou coletividade, no caso do céu, o conceito se
encaixaria no tocante a percepção do céu como um bem pertencente à comunidade
mundial de caráter imaterial.
Na seara do Direito, há leis que cuidam de definir os tipos de patrimônio
existentes, bem como, regular a sua proteção, sendo assim, existem os patrimônios
cultural, natural, paisagístico, entre outros. Seguindo o exemplo, encontra-se o instituto
da Ação Popular, Lei 4.717/65, que descreve o Patrimônio Público como sendo os bens
e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico, englobando no
conceito de patrimônio diversas espécies, a fim de garantir maior proteção.
Constitucionalmente, o artigo 216 também trata da questão, atribuindo significado ao
chamado patrimônio cultural, que assim conceitua:
[...] os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I
- as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações
científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988, s/p)”.

Logo, para a Constituição, patrimônio cultural agrega elementos tangíveis e


intangíveis, valoradas apenas por sua existência no mundo, sendo, portanto, impossível
a sua valoração em números.
Por outro ângulo de vista, o curta-metragem intitulado “O céu como
patrimônio”(UFMG, 2016), expõe o céu sob diferentes perspectivas, abordando tanto
profissionais de áreas como astronomia, astrologia, artes plásticas, professores em geral
como pequenos agricultores que trabalham para a sua subsistência, ausente de um
vínculo acadêmico, a fim de delimitar a posição ocupada pelo céu dentro de cada
ambiente, criando uma identidade entre os indivíduos naquilo que é concebido por todos
como um referencial identitário.
Embora o Brasil não tenha uma legislação específica que trate o céu como
patrimônio, pode ser inferido do texto constitucional, citado acima, o seu pertencimento
a categoria de patrimônio cultural, tanto como elemento imaterial como pelos elencados
nos demais incisos, perceptível ao utilizar-se uma interpretação extensiva da norma.
A Convenção à Proteção do Patrimônio Mundial, organizada pela UNESCO
em 1972, define como patrimônio cultural e natural os bens de valor inestimável e
insubstituíveis, pertencentes a toda humanidade, cuja perda por degradação ou
desaparecimento constitui um empobrecimento do patrimônio mundial e institui em seu
artigo 2º como patrimônio natural: “Os monumentos naturais constituídos por
formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações com valor universal
excepcional do ponto de vista estético ou científico” (UNESCO, 1972, s/d).
Em âmbito internacional, no ano de 2007, adentrou no sistema normativo a
Declaração de La Palma que institui a necessidade de proteção e apreciação do céu
noturno como patrimônio mundial da humanidade e sua proteção como direito. A
Declaração esclarece a necessidade de um céu limpo para o bom desenvolvimento das
ciências, cultura e para o meio ambiente, sendo que, para isto seria necessário pensar
sobre a intrusão de luz artificial e, para isto, considera pensar o céu noturno como um
direito:

142
[...] 1.O direito a um céu noturno não contaminado que permita desfrutar da
contemplação do firmamento deve ser considerado como um direito
inalienável da Humanidade, equiparável ao restante dos direitos ambientais,
sociais e culturais, devido ao impacto no desenvolvimento de todos os povos
e sua repercussão na conservação da diversidade biológica. 3. A conservação,
a proteção e a revalidação do patrimônio natural e cultural associado à visão
do firmamento representa uma oportunidade e obrigação universal para
buscar a cooperação em defesa da qualidade de vida. (IAC, 2007, p.3)

Assim, embora não havendo previsão normativa nacional que disserte de forma
expressa sobre o direito ao céu e ao de ver estrelas como patrimônio cultural imaterial, e
ademais, como direito humanos, há tratados internacionais que trazem tal ideia, bem
como pode ser feita uma interpretação extensiva, como demonstrado acima, para
introduzir a proteção ao céu noturno aos direitos ambientais e humanos. A necessidade
de proteção frente a poluição luminosa deve ser pensada e legislada, a fim de que seja
possível a manutenção de um meio ambiente saudável para as futuras gerações, pois, o
céu e as estrelas foram guias dos humanos por gerações garantindo sua sobrevivência. O
ser humano está exposto aos danos sutis que a hiper iluminação causa no organismo,
como por exemplo, a alteração do ritmo cardíaco, pela exposição à iluminação artificial
noturna, que inibe a produção do hormônio melatonina, responsável pelo sono. Além do
direito milenar de observar as estrelas, que serve de referência geográfica e agronômica
tradicionais para as comunidades. A conexão com o céu protege tradições de
comunidades, protege os sonhos das crianças e adolescentes e desperta a curiosidade
sobre a nossa existência e principalmente representa a inserção humana como apenas
mais um elemento da natureza e do pequeno planeta azul que é a Terra. Daí surge a
necessidade de se analisar o impacto da iluminação noturna na paisagem, na saúde
humana e na natureza. Segundo Morais e Saraiva (2018, p. 15), “Em que pese as
inovações tecnológicas e o salto humano relativo ao desenvolvimento científico
apontarem para a ideia de evolução e de possibilidades infinitas à condição do homem
como transformador do mundo, estas mesmas, no entanto, redesenham o cenário das
incertezas por meio da certeza”, sendo assim, em razão dos princípios que permeiam o
direito, como ramo das ciências sociais, deve a questão ser pesquisada, contribuído
desta forma com a existência da vida tecnológica e em sociedade associada com a
garantia constitucional de uma vida digna. Por fim, torna necessário esclarecer sobre a
poluição luminosa e suas consequências para o meio ambiente, desenvolvimento
tecnológico e científico.

2 Da proteção dos céus noturnos e o uso excessivo de luz artificial – Convenção de


la Palma de 2007

Por muitos séculos e até os dias atuais, os céus serviram de referência para
evolução das Ciências, como a Astronomia, o desenvolvimento tecnológico, bem como
para o desenvolvimento da filosofia e percepção humana sobre o meio que a rodeia.
Contudo, a utilização massiva de recursos luminosos vem prejudicando a percepção dos
céus e dos seus elementos, interferindo na pesquisa científica e na qualidade do meio
ambiente.
Em 2007 participantes da Conferência Internacional em Defesa da Qualidade
do Céu Noturno e do Direito a Observar as Estrelas, juntamente com a UNESCO e
demais outras associações, assinaram a Declaração sobre a Defesa do Céu Noturno e o
Direito à Luz das Estrelas, também conhecida como Declaração de La Palma, cujo
objetivo é a proteção do céu frente a deterioração causada pela emissão exagerada de

143
luz artificial, o que gera consequências para desenvolvimento tecnológico, científico e
para as vidas humanas e animais.
A Declaração de Palma (IAC, 2007) roga à comunidade internacional a adoção
de medidas que contenham o desperdício de luz artificial, requerendo ainda, a
conscientização sobre a importância da preservação do céu noturno para as futuras
gerações e a necessidade de equiparar a direito ao céu noturno aos demais direitos
ambientais passíveis de proteção legal. Desta forma declara a necessidade urgente de
adoção de medidas para “[...] informar e sensibilizar todos os agentes envolvidos na
proteção do meio ambiente noturno seja a nível local, nacional, regional ou
internacional [...]” (IAC, 2007, s/p), propondo para isto, a difusão da Astronomia nas
atividades educativas de todos os níveis, a fim de promover os valores científicos e
culturais associados à contemplação do firmamento.
Neste tema a recente mudança no artigo 218 da Constituição, realizada pela
Emenda Constitucional nº 85/15 pode ser instrumento adequado para efetivação da
proteção do direito de olhar o céu. Este prevê a obrigação do Estado de promover e
incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e
tecnológica e a inovação, corroborando assim, ainda que formalmente, com o intuito da
Declaração de la Palma de difundir o conhecimento astronômico.
É interessante destacar que, a Declaração de La Palma observa que, a
realização do objetivo de dispersão do estudo da Astronomia nas atividades escolares,
se tornaria inócua caso o seu objeto de estudo, qual seja o céu, esteja contaminado. Fala-
se, portanto, na poluição luminosa, que ocorre quando o uso de luzes artificiais se torna
excessivo e começa a causar prejuízos tanto para o meio ambiente como para o
desenvolvimento das ciências e tecnologias. Neste prisma, acentua Victoria Flório
(2009, p. 52) sobre a definição de poluição luminosa: “[...] consiste no uso excessivo e
inapropriado de luz artificial, que impede a contemplação das estrelas, planetas e outros
objetos celestes”.
Concernente a discussão, torna interessante destacar nos escritos de Tania
Pereira Dominici e Marcio Ferreira Rangel (2017, p. 5), “Tais locais, assim como
tradições condicionadas à observação do céu estrelado, não podem estar totalmente
conservados e protegidos se as medidas neste sentido não incluírem o uso racional da
iluminação artificial.”
Preocupado com a poluição luminosa e seus efeitos John E. Bortle, criou, em
2011 a Escala Bortle, Para definir o quantum da poluição luminosa existente. definiu a
qualidade do céu noturno numa escala de 1 a 9, sendo que 1 seria o céu ausente de
poluição e 9 o céu com maior grau de poluição. Em consulta ao site de light pollution
map (mapa de poluição luminosa, tradução nossa), por exemplo, o céu de Belo
Horizonte encontra-se numa qualidade entre 8 a 9 da Escala, sendo, portanto
considerado um céu altamente poluído. Considerando tais informações, explicita Cesar
Baima (2011, s/p) sobre os efeitos ambientais em razão da utilização massiva de luz
artificial:
A exposição a luzes intensas à noite diminui a produção de melatonina,
hormônio que regula os ciclos de sono e despertar. Esta queda foi associada a
um risco maior de desenvolvimento de câncer de mama e no intestino. [...]
Também se sabe que a poluição luminosa confunde os animais, afastando-os
de locais de alimentação e deixando-os mais expostos aos predadores. Até
mesmo as árvores sofrem com o excesso de luz. Algumas espécies de plantas
que perdem suas folhas em determinadas estações têm seus ciclos de
fotossíntese alterados pelas luzes intensas das cidades.

Neste prisma, Alves, Amorim e Souza (2015, p.4) discrimina o seguinte:

144
[...] Constatou-se que o excesso de luminosidade nas praias do Bessa e
Intermares (figura 4) prejudica a reprodução das tartarugas. no dia 30 de
junho de 2014, 99 tartarugas marinhas foram encontradas mortas na praia do
Bessa, sendo que 19 morreram no asfalto e 80 na vegetação. Esses impactos
poderiam ser solucionados se o poder público realizasse uma troca nos
sistemas de iluminação.

E, por fim, vale a pena destacar o pensamento exteriorizado GENTILI, et


AL.(2005, p.72):
A respeito da descaracterização do céu noturno, Santos (2005) lembra
alterações no fotoperíodo das plantas, atraindo espécies, alterando o balanço
de predador e presa com diferentes sensibilidades à luz, diminuindo
populações de insetos, afetando o plâncton marinho, criando barreiras visuais
à circulação de pequenos mamíferos, desnorteando as aves migratórias,
enviando sinais falsos às tartarugas marinhas.

Destarte, impera a necessidade de pensar o Direito de proteção do céu noturno,


uma vez que a existência e permanência da poluição luminosa violam o mandamento
constitucional de proteção integral do meio ambiente, conforme dissertam os artigos
216A e 225 da Constituição. Ainda se pensarmos em termos mais humanísticos, a
existência e permanência de objetos que diminuam a qualidade do ambiente e interfiram
na saúde humana, afronta os artigos 2º, 25, 26, da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (ONU, 1948), quando se refere ao direito à vida e a necessidade de que seja
uma vida de qualidade bem como, o artigo 27.2, que merece transcrição literal:
“2.Todos têm direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer
produção científica, literária ou artística da sua autoria”.(ONU, 1948, s/p)
Desta forma, a proteção do céu noturno demonstra-se como forma de garantir
às espécies humana e animal uma sadia qualidade de vida, além de impulsionar o
desenvolvimento científico e tecnológico.

3 Das formas de proteção do céu noturno

Os postes de luz mais comuns, utilizados para a iluminação de vias públicas,


projetam a luz tanto para cima como para baixo, iluminando pontos desnecessários,
desperdiçando a luz não utilizada. Neste sentido, melhor explicam GENTILI, et al
(2005, p. 72):
A iluminação noturna responde por este efeito com parcela não
negligenciável do consumo energético. Entretanto, o impacto é indiscutível
do ponto de vista da qualidade do ambiente: se a lua, quando aparente, chega
a promover iluminância de 0,1 lux sobre a superfície terrestre, as luzes das
ruas das cidades superam tal valor em até quinhentas vezes. Além disto, há
uma parcela de energia projetada para cima, para o espaço, como forma
peculiar de poluição. Um resultado imediato sobre o ambiente visual é a
perda da visibilidade do céu estrelado na cidade e imediações, maior ou
menor, a depender da concentração de partículas dispersoras de luz na
atmosfera.

Dominici e Rangel (2016), pesquisadores do Museu de Astronomia e Ciências


Afins em São Paulo, a fim de solucionar este problema, propõem a produção de
lâmpadas de LED mais amigáveis ao meio ambiente. Já Flório (2009, p. 52) sustenta a

145
utilização de um filtro que absorva a luz emitida por lâmpadas sódio de baixa pressão,
como explica:
Para cada watt consumido, as lâmpadas de mercúrio emitem 54 lúmens, as de
sódio de alta pressão (SAP) 125 lúmens e as de sódio de baixa pressão (SBP)
183 lúmens. Ou seja, as lâmpadas SBP emitem 3,4 vezes mais luz do que as
de mercúrio, ou ainda, para uma mesma capacidade de iluminação, gastam
3,4 vezes menos. Porém, tanto as lâmpadas de mercúrio como as SAP
emitem em largas zonas do espectro, estragando muita da informação que nos
chega dos objetos astronômicos, por exemplo. Mas, como as lâmpadas SBP
apenas emitem numa zona muito restrita do espectro, torna-se assim muito
fácil eliminar o seu efeito, bastando para isso utilizar um filtro que apenas
absorva essa luz. Deste modo, toda a informação contida no resto do espectro
continua disponível, e a contemplação do céu pode ser realizada.

Enquanto Roberto Costa (apud FLÓRIO, 2009, p52), professor do Instituto de


Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, indica o direcionamento da
potência luminosa para baixo:
Se a mesma potência luminosa for dirigida apenas para baixo, iluminando
ruas, praças e todos os logradouros públicos de maneira mais eficiente, todos
ganharíamos: uma cidade mais clara com o mesmo custo em energia, a
escuridão necessária para o ciclo de vida de animais e vegetais, e os
astrônomos, sejam eles profissionais ou amadores, ganhariam de volta o céu
noturno.

Identifica-se, desta forma, pelo menos três soluções para diminuir a dispersão
de luz, projetando-a nos locais exatos onde se pretende iluminar, economizando
recursos energéticos e os elementos naturais que os geram, e protegendo, ainda que
indiretamente o meio ambiente natural, especialmente - já que a proteção completa só
poderia ser considerada com a não utilização de luz artificial.
O que se faz nesse momento e contexto é justamente a conscientização e
normatização que objetivem a proteção dos céus escuros, plano reservado ao campo do
Direito, como regulador e criador de normas jurídicas, cumprindo com os objetivos
dissertados na Constituição de preservação do meio ambiente e a garantia de vida sadia.

Considerações finais

A proteção do céu noturno contra a utilização massiva de luz artificial deve ser
pensada e legislada, uma vez que as consequências geradas pelo seu desenvolvimento
desenfreado têm causado prejuízos na saúde humana e animal.
A concepção do céu como patrimônio mundial condiciona a sua proteção pelas
leis que abrangem este conteúdo, sendo esta uma forma de garantir a sua proteção como
bem imaterial de valor inestimável e imprescindível a manutenção da vida terrestre.
Além do mais, a necessária proteção dos seres vivos contra a poluição luminosa,
contribui para o crescimento e desenvolvimento de um meio ambiente saudável
garantindo às futuras gerações condições dignas de viver e desenvolver-se.
Desta forma, o artigo buscou refletir sobre a necessidade de pensar o céu como
patrimônio humano mundial, carente de direitos e garantias, através de uma visão sobre
o conceito patrimonial, levando em consideração os estudos pré-existentes, como
Constituição Federal de 1988 e a Convenção de La Palma e demais legislações
internacionais sobre o tema. Demonstrando assim, a importância de preservação dos
céus como condição a uma melhor qualidade de vida. Assim como explicita a

146
necessidade de investimento e difusão do estudo da Astronomia em todos os níveis
escolares, buscando o esclarecimento e o desenvolvimento científico, difundindo,
portanto, a educação.
Pelo exposto e demonstradas as consequências advindas da poluição luminosa,
resta clara a necessidade de atenção ao tema pelos operadores do Direito, bem como, a
expansão de pesquisas, dada a função do Direito de acompanhar a sociedade e sempre
buscar proteger os meios e recursos necessários a existência de uma vida digna,
saudável e fraterna, seja ela humana ou animal.
Resta assim dizer que, o céu ainda tem sido utilizado como objeto de estudo e
observação, sendo peça central de admiração e respeito pela sociedade, contudo, a sua
aplicação no campo das ciências e na cultura tem sido ameaçada e sob tal ótica, é
possível afirmar que separar o homem do meio é como o afastar de sua própria
consciência, não sendo permitido ao Direito afastar-se daquilo que o compõe, qual seja
a sociedade.

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147
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148
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15 maio 2019

149
OS EFEITOS DO TOMBAMENTO DE BENS IMÓVEIS DE VALOR
HISTÓRICO E A RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO NA SUA
CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO: UMA ANÁLISE DO DIREITO DE
PROPRIEDADE EM FACE DA OBRIGAÇÃO DE PROTEÇÃO,
CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO BEM IMÓVEL TOMBADO PELO
ENTE FEDERAL

The effects of the taking of historical real estate property and the responsibility of the
owner in their conservation and preservation: An analysis of the property right in the
face of the obligation of protection, conservation and preservation of the property
registered by the Federal body

Luciana Machado Teixeira Fabel 1


Marcelo Santoro Drummond 2
Renato Campos Andrade 3

Resumo: O presente artigo tem como objetivo demonstrar que o proprietário de bem
imóvel tombado isolado ou conjuntamente tem o dever legal de conservá-lo e preservá-
lo, segundo a legislação vigente. Como ato administrativo, o instituto do tombamento
restringe o direito do proprietário de livremente alterar as características do seu bem,
cabendo a ressalva de que a restrição imposta pelo tombamento não atinge a utilização
do bem, desde que não ocorra a sua extinção ou deterioração. A partir da análise da
legislação, doutrina e jurisprudência, promoveu-se um raciocínio crítico dedutivo,
concluindo que o proprietário do bem tombado tem o dever legal de conservá-lo,
possibilitando ao Poder Público ajuizar ações para obrigá-lo a preservar o bem sob pena
de pagamento de indenização e multa.

Palavras-chave: Tombamento; Direito de Propriedade; Preservação do bem tombado;


Responsabilidade do proprietário; Restrição administrativa.

Abstract: The purpose of this article is to demonstrate that the owner of property
isolated or jointly has a legal duty to preserve and preserve it, according to the current
legislation. As an administrative act, the tipping institution restricts the right of the
owner to freely change the characteristics of his property, with the proviso that the
restriction imposed by the tipping does not affect the use of the property, as long as it
does not end its extinction or deterioration. Based on the analysis of legislation, doctrine
and jurisprudence, critical deductive reasoning was promoted, concluding that the

1
Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara, Mestre
em Administração Pública e Especialista em Direito. Advogada. E-mail: lucianamt@bol.com.br
2
Doutorando no Programa de Pós-graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara, Mestre
e Especialista em Direito. Professor e Advogado. E-mail: msantoro@agq.adv.br
3
Doutorando no Programa de Pós-graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara, Mestre
e Especialista em Direito. Professor e Advogado. E-mail: renato@guimaraesandrade.com.br

150
owner of the asset has a legal obligation to preserve it, enabling the Public Power to file
lawsuits to force it to preserve the good under penalty of indemnity payment and fine.
Keywords: Tumbamento; Property right; Preservation of the property listed; Owner's
responsibility; Administrative restriction.

Introdução
A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu texto a preservação do meio
ambiente como direito fundamental. A proteção ambiental também abrange a
preservação de bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural para a
humanidade, sendo um dever de todos zelar pela sua conservação.
O Instituto do Tombamento constitui um ato administrativo realizado pelo Poder
Público que tem o objetivo de preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico e
ambiental. Como limitação administrativa ao direito de propriedade, tem por finalidade
a conservação de bem reputado de valor cultural, histórico ou ambiental, com a sua
fisionomia característica, impedindo a sua destruição ou descaracterização.
A União, Estados-Membro e Municípios podem tombar bens móveis ou
imóveis, utilizando leis específicas municipais, estaduais ou a legislação federal,
cabendo a ressalva de que a restrição administrativa não atinge a utilização do bem,
desde que não ocorra a sua extinção ou deterioração.
O tombamento de bens considerados integrantes do patrimônio histórico e
artístico brasileiro poderá ocorrer de forma isolada ou agrupada, com o seu registro em
um dos Livros do Tombo. Quando realizado de forma agrupada, ele pode recair sobre
vários bens em conjunto (coleções) e, também, sobre bens imóveis localizados em
regiões tradicionalmente históricas, reconhecidas nacional e internacionalmente, em
razão de seu conjunto arquitetônico e pela sua participação na formação cultural da
nação.
O problema que se enfrentará consiste em demonstrar que o proprietário de bem
imóvel tombado isolado ou conjuntamente, tem a obrigação de conservar e preservar o
bem com suas características originais, não podendo realizar obras, reformas ou
adequações sem a aprovação do órgão competente. Também, cabe ao proprietário do
bem tombado o dever de não deixar que ele se deteriore ou pereça, sob pena de ter que
indenizar.
O tema central que se abordará é a discussão da possibilidade de mitigar o
direito de propriedade em benefício da preservação e conservação do bem tombado,
demonstrando que cabe ao proprietário do bem todos os esforços para a sua proteção e
conservação. Relevante destacar que a proteção ao meio ambiente cultural é tema de
destaque e importância no cenário mundial.
O objetivo que se espera atingir é a demonstração de que o direito de
propriedade não é absoluto e que pode sofrer restrições em face da proteção de bem de
valor histórico, cultural, arquitetônico e ambiental. Justifica-se este estudo na medida
em que a preservação ambiental se sobrepõe a outros direitos pelo seu caráter difuso e
transdimensional.
Os métodos de pesquisa consistem no estudo comparativo entre a proteção dos
bens tombados e o direito de propriedade, que poderão contribuir para responder aos
seguintes questionamentos: O proprietário precisa ser previamente notificado do
tombamento? Quais são as obrigações do proprietário do bem tombado?

151
Nas reflexões para responder ao objetivo desse estudo utilizaremos a
metodologia da pesquisa bibliográfica e jurisprudencial com raciocínio crítico dedutivo.
Como referencial teórico na busca de argumentos será usado suporte filosófico em
Dworkin.
Para uma melhor compreensão do tema, o estudo se inicia com a exposição do
instituto do tombamento, para depois tratar dos direitos e deveres do proprietário do
bem imóvel tombado, finalizando com a análise da jurisprudência dominante sobre o
assunto.

1 O tombamento como restrição ao direito de propriedade


O tombamento é um instituto de direito público, segundo o qual bens móveis e
imóveis recebem especial proteção pelo Poder Público em virtude de sua importância
para a coletividade. Sua previsão constitucional repousa no artigo 216, parágrafo 1º, da
Constituição Federal de 1988, que dispõe:
Art. 216 Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,


arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e


protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de
acautelamento e preservação.

§4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da


lei.

Bandeira de Mello (2006, p. 862) conceitua o tombamento como “uma


intervenção administrativa na propriedade, destinada a proteger o patrimônio histórico e
artístico nacional”. Já Meirelles (2009, p. 582) diz que o tombamento “é a declaração
pelo Poder Público do valor histórico, artístico, paisagístico, turístico, cultural ou
científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com
a inscrição em livro próprio”.
A competência para legislar sobre proteção ao patrimônio histórico, cultural,
artístico, turístico e paisagístico é concorrente entre a União, os Estados e Distrito
Federal, conforme previsto no artigo 24 da Constituição Federal de 1988:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e
paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-
á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a
competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a
competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia
da lei estadual, no que lhe for contrário.

152
Ao Município cabe suplementar a legislação federal e estadual no que couber, podendo
promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a
ação fiscalizadora federal, conforme previsto no artigo 30 da Constituição Federal de
1988, lembrando, sempre, que na proteção ao patrimônio histórico, a municipalidade
deve seguir as normas da União.
Destaca-se que cada ente da federação pode tombar bens móveis e imóveis seguindo os
ritos de um processo administrativo, sendo que um mesmo bem pode ser tombado nas
esferas federal, estadual e municipal.
Já o direito de propriedade é a atribuição de algo a alguém, excluindo a interferência de
outros. É um direito fundamental previsto na Constituição Federal no artigo 5º, inciso
XXII, nos seguintes termos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXII - é garantido o direito de propriedade;
O direito de propriedade confere ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor
de seus bens, com exclusividade, podendo protegê-los com os meios necessários. No
tombamento o Estado intervém na propriedade privada para proteger o patrimônio
cultural brasileiro, preservando os seus valores e sua memória. Se configura com a
imposição de limitações ao bem, restringindo o seu uso sem alteração na sua
propriedade.
O proprietário de um bem tombado isolada ou conjuntamente não pode realizar
obras em seu imóvel sem que tenha um projeto arquitetônico aprovado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, quando o tombamento for Federal;
pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico – IEPHA, quando o
tombamento for Estadual e órgão municipal competente, quando o tombamento for
Municipal.
A legislação que cuida do tombamento na esfera Federal é o Decreto-lei 25 de
30 de novembro de 1937, que tem como objetivo organizar a proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional e tornar efetiva a proteção do patrimônio cultural
brasileiro, como disposto nos artigos 1, 17 e 20:
Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos
bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse
público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil,
quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
artístico.

Art. 17 As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas,


demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou
restauradas, sob pena de multa de cinquenta por cento do dano causado.

Art. 20 As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço


do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-los
sempre que for julgado conveniente, não podendo os respectivos
proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de multa
de cem mil réis, elevada ao dobro em caso de reincidência.

O mencionado diploma legal prevê como deveres primários do


proprietário a integridade do bem tombado, condicionando o seu direito de alterá-lo à
prévia autorização da entidade federal competente – IPHAN. Com efeito, constitui
finalidade primordial do Decreto-Lei nº 25/37 a conservação do patrimônio cultural, só

153
podendo ser admitidas novas construções ou intervenções físicas em imóvel tombado
depois da sua adequação aos critérios instituídos pelo Poder Público.
Nos termos do Decreto-Lei nº 25/37, um bem passa a integrar o patrimônio
cultural da nação e a gozar de proteção legal específica, a partir do instante em que é
devidamente inscrito nos Livros de Tombo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
– IPHAN, de forma isolada ou agrupada. Sendo assim não cabe ao proprietário alegar a
necessidade de ser notificado do ato de tombamento, sendo desnecessária, quando se
tratar de bem imóvel, a sua inscrição no registro de imóveis, como bem destaca Sonia
Rabello de Castro:
Não é da sistemática dos atos administrativos vincular sua eficácia ao registro
de imóveis, bastando-lhes unicamente a publicidade para vigorarem erga
omnes, publicidade esta que se dá por seus próprios registros e com a
publicação de seus atos. Seria contrariar princípios básicos da eficácia do ato
administrativo esta vinculação. (Castro, 1991, p.104)
Importante mencionar que para o cumprimento da função social da propriedade,
o proprietário deve atentar para os limites negativos de seu direito, abstendo-se de
realizar toda e qualquer conduta que contrarie as impropriamente denominadas
restrições ou limites à propriedade, bem como a realização de todo um conjunto de
atividades destinadas a permitir que os valores sociais potencialmente presentes na coisa
sejam realizados.
O tombamento é um dos tipos de restrição ao direito de propriedade que
determina que o proprietário do bem tombado só pode realizar obras, reformas ou
adaptações em seu imóvel se aprovadas pelo órgão competente e que não descaracterize
o bem tombado. Também impõe ao proprietário o dever de conservação e proteção do
bem impedindo que esse pereça ou se deteriore.
Gustavo Tepedino tratando dos Contornos Constitucionais da Propriedade
Privada na obra Temas de Direito Civil, destaca:
Podemos estabelecer o desenho da propriedade na Constituição brasileira
como direito subjetivo dúctil, cujo conteúdo pode-se definir somente na
relação concreta, no momento em que compatibilizam as várias situações
jurídicas constitucionalmente protegidas.
No texto ora vigente, a função social foi concebida como direito
fundamental.
A propriedade não é mais uma relação entre sujeito e objeto, característica
típica da noção de direito real absoluto ou pleno. Não é mais aquela
atribuição de poder tendencialmente plena, cujos confins são definidos
externamente, ou, de qualquer modo, em caráter predominantemente
negativo.
Trata-se de relação intersubjetiva. A determinação do conteúdo da
propriedade dependerá de centros de interesses extra - proprietários, os quais
vão ser regulados no âmbito da relação jurídica de propriedade
A função social parece moldar o estatuto proprietário na sua essência,
alterando a estrutura do domínio e atuando como critério de valoração do
exercício do direito, o qual deverá ser direcionado para um massimo sociale.
Os interesses patrimoniais submetem-se aos princípios fundamentais do
ordenamento, fixados nos arts. 1º e 3º da Carta Magna. (Tepedino, 1999, p.
267-291)
No que toca ao dever de indenizar pelo Estado em caso de tombamento, só
existe indenização quando importar esvaziamento do valor econômico da propriedade,
ou quando as condições impostas para a conservação do bem acarretem despesas
extraordinárias para o proprietário, ou resultam na interdição do uso do bem, ou
prejudicam sua normal utilização, suprimindo ou depreciando seu valor econômico. A
indenização será efetivada amigavelmente ou mediante desapropriação. (Meireles,
2009, p. 583)

154
O ato de tombar um bem nada mais é do que o exercício de uma política pública,
onde a escolha recai sobre determinado bem que privilegia a coletividade e arrasta suas
consequências para o proprietário daquele bem. O Poder Público tem o dever de
preservar o meio ambiente cultural, adotando as políticas públicas mais adequadas ao
caso concreto. No que toca a escolha de políticas públicas DWORKIN se manifesta 4:
Policy arguments justify a political decision demonstrating that this decision
promotes or protects some goal of the community as a whole. The argument
in favor of the subsidy for producers of airplanes, on the grounds that the
subsidy will serve for national security, is a policy argument. Arguments of
principles justify a political decision demonstrating that this decision respects
or secures some individual or group right. The argument in favor of anti-
discriminatory statutes, which a minority has the right to equal respect and
treatment, is an argument of principle. (Dworkin, 1999, p. 82)
O ato de tombar confere ao bem importância para a nação que supera o direito
exclusivo do proprietário. Aquele bem não é importante somente para o seu detentor,
ele é relevante para um indeterminado número de pessoas e serve de referência para a
cultura e a história da humanidade. A preservação do bem se reveste de um caráter
extrapatrimonial, difuso e impessoal, e é por isso que os proprietários desses bens
possuem direitos e deveres sobre eles.

2 Dos direitos e deveres do proprietário de bem tombado

O tombamento constitui em um ato administrativo dotado de publicidade,


impondo ao proprietário do bem tombado o dever legal de preservá-lo com suas
características originais. Ao proprietário não cabe a alegação de desconhecimento da lei
como forma de eximir-se da obrigação de preservar e conservar os bens segundo as
exigências legais e as determinações concretas do órgão competente. Como proprietário
deve obedecer às diretrizes atuais de intervenções urbano-arquitetônicas das cidades e
sanar os danos que porventura possa causar ao meio ambiente cultural.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
O proprietário do bem tombado fica sujeito às seguintes obrigações:
1. positivas: fazer as obras de conservação necessárias à preservação do bem
ou, se não tiver meios, comunicar a sua necessidade ao órgão competente,
sob pena de incorrer em multa correspondente ao dobro da importância em
que foi avaliado o dano sofrido pela coisa (art. 19); em caso de alienação
onerosa do bem, deverá assegurar o direito de preferência da União, Estados
e Municípios, nessa ordem, sob pena de nulidade do ato, sequestro do bem
por qualquer dos titulares do direito de preferência e multa de 20% do valor
do bem a que ficam sujeitos o transmitente e o adquirente; as punições serão
determinadas pelo Judiciário (art. 22). Se o bem tombado for público, será
inalienável, ressalvada a possibilidade de transferência entre a União, Estados
e Municípios (art. 11).
2. negativas: o proprietário não pode destruir, demolir ou mutilar as coisas
tombadas nem, sem prévia autorização do IPHAN, repará-las, pintá-las ou
restaurá-las, sob pena de multa de 50% do dano causado (art. 17); também
não pode, em se tratando de bens móveis, retira-los do país, senão por curto
prazo, para fins de intercâmbio cultural, a juízo do IPHAN (art. 14); tentada a

4
Argumentos de política justificam uma decisão política demonstrando que esta decisão promove ou
protege algum objetivo da comunidade como um todo. O argumento em favor do subsídio para
produtores de aviões, com o argumento de que o subsídio servirá para a segurança nacional, é um
argumento de política. Argumentos de princípios justificam uma decisão política demonstrando que esta
decisão respeita ou assegura algum direito individual ou de grupo. O argumento em favor de estatutos
antidiscriminatórios, de que uma minoria tem o direito a igual respeito e tratamento, é um argumento de
princípio. (Dworkin, 1999, p.82)

155
sua exportação, a coisa fica sujeita a sequestro e o seu proprietário, às penas
cominadas para o crime de contrabando e multa (art. 15);
3. Obrigação de suportar: o proprietário fica sujeito à fiscalização do bem
pelo órgão técnico competente, sob pena de multa em caso de opor
obstáculos indevidos à vigilância. (Di Pietro, 2005, p. 267)
Para garantir a preservação e proteção do bem tombado e sua ambiência, é que o
Decreto-lei nº 25/37 atribuiu ao IPHAN, por transformação da antiga Secretaria do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, competência privativa e ampla
para autorizar ou não a execução de quaisquer obras nas áreas tombadas, sem prejuízo
da atribuição de outros órgãos do Poder Público de exercer o controle de tais atividades
sob outros aspectos.
O tombamento confere ao proprietário direitos de dispor de orientação
técnica do órgão que efetivou o tombamento sobre os procedimentos a serem adotados
para a conservação adequada do bem tombado, os princípios que devem reger os
projetos de conservação, recuperação e restauração do bem, a especificação dos
materiais a serem empregados e das técnicas a serem utilizadas nas obras de
conservação, recuperação e restauração, a colocação de letreiros e outros elementos nas
fachadas e coberturas, os usos e atividades ideais para a valorização do bem tombado e
sua adaptação.
Quanto aos deveres destacamos o de zelar pela integridade do bem, o que
implica em mantê-lo em boas condições de conservação, não inserir alterações que
destruam as marcas de seu passado histórico, não permitir ações de terceiros que
resultem em degradação física, interferência visual direta no bem tombado,
comunicando de imediato tais situações ao órgão responsável pelo tombamento e atuar
em parceria com o poder público, comunicando a ele o aparecimento, na área próxima
ao bem, de obras e atividades prejudiciais à sua ambiência.
Também deverá solicitar autorização ao órgão responsável pelo
tombamento quando realizar quaisquer obras, introduzir letreiros ou qualquer outro tipo
de elemento nas suas fachadas ou modificar o seu uso ou atividade. Deverá comunicar
ao órgão responsável pelo tombamento a intenção de venda, dando a ele a opção de
compra, além de permitir o livre acesso ao bem tombado, para fins de inspeção pelo
poder público.
Recorrendo, ainda, às lições de Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber:

Quando se trata do direito de propriedade, entre defender o valor individual e


defender o valor social, o direito brasileiro fez uma opção clara: defendeu o
valor social (dimensão valorativa: função social).
O direito de posse e propriedade existem e devem ser garantidos e protegidos
somente quando atendida a função social (aplicação imediata dos direitos e
garantias fundamentais).
A posse, antes de ser um direito subjetivo, é a expressão fática do exercício
de faculdades inerentes ao domínio. Daí ter sido tratada, na cultura jurídica
romano-germânica, como uma vanguarda avançada do domínio,
subserviente, portanto, ao direito de propriedade. Na média em que esta
expressão fática, erigida a direito subjetivo, com suas ações autônomas e
disciplina jurídica próprias, desloca-se da proteção dominical, podendo ser
exercida independentemente do domínio, não há como se sustentar uma
dogmática da posse vinculada ou acessória da dogmática da propriedade.
Daí decorre que, como situação jurídica subjetiva, a posse só se justifica em
razão dos interesses que o possuidor visa a proteger. A posse é
intrinsecamente instrumental a tais interesses, que se constituem em sua
função social, dispensando-se o legislador constituinte de previsão expressa.
Já a propriedade, sendo o direito subjetivo patrimonial e individualista por
excelência, tendencialmente pleno, com amplas faculdades deferidas pelo
Código Civil, que não lhe impõe restrições, exige do ordenamento

156
constitucional uma tomada de posição política, limitando-a internamente,
mediante a função social.
Assim, a propriedade privada, embora tenha status constitucional, não tem
tutela privilegiada em relação à posse, disciplinada infraconstitucionalmente.
Dessa forma, propõe-se um conceito técnico-jurídico dúctil e dinâmico da
função social, com base nos valores constitucionais, forjado não de forma
abstrata e genérica, mas no âmbito da relação concreta em que se insere o
domínio, em face das demais situações jurídicas com que interage.
(Tepedino, 1999, p. 91-131)
Conforme exposto o tombamento confere direitos e deveres ao proprietário que
não pode se eximir do seu cumprimento. Quanto a uma possível indenização essa só
será devida pelo Poder Público se houver privação do uso do bem pelo seu proprietário.
Também cabe destacar que o tombamento pode importar em significativa valorização
econômica do bem o que trará benefícios ao seu proprietário.
Sobre os direitos e deveres do proprietário na conservação e proteção do bem
tombado o Poder Judiciário já se pronunciou por diversas vezes e majoritariamente
defendeu a prevalência da proteção e preservação do bem em detrimento do direito de
propriedade, determinando ao proprietário que se abstenha de realizar obras em
desconformidade com o Poder Público.

3 Da obrigação de preservação e conservação de bem imóvel tombado


O tombamento de bens considerados integrantes do patrimônio histórico e
artístico brasileiro poderá ocorrer de forma isolada ou agrupada, com o seu registro em
um dos Livros do Tombo. Quando realizado de forma agrupada, ele pode recair sobre
vários bens em conjunto (coleções) e, também, sobre bens imóveis localizados em
regiões tradicionalmente históricas, reconhecidas nacional e internacionalmente, em
razão de seu conjunto arquitetônico e pela sua participação na formação cultural da
nação.
O Poder Judiciário enfrentou questões relativas ao dever imposto ao proprietário
de não realizar obras em seu imóvel sem a prévia autorização do órgão competente e
nesses casos adotou a postura de determinar ao proprietário que faça as adequações
impostas pelo Poder Público, sob pena do pagamento de multa e indenização.
As teses de defesa adotadas pelos proprietários que foram acionados
judicialmente para conservar e não reformar os imóveis sem prévia autorização do
órgão competente consistem em negar o tombamento coletivo ou agrupado e com isso
legitimar o direito do proprietário de executar as reformas que lhe forem mais
convenientes. Também, utilizam a ausência de notificação do ato de tombamento e de
inscrição no registro de imóveis, como forma de negar a responsabilidade de preservar e
conservar o bem com suas características originais5.

5
TOMBAMENTO. DECRETO-LEI 25/37. RECEPÇÃO PELA ATUAL CONSTITUIÇÃO (ART. 216).
CONJUNTO ARQUITETÔNICO TOMBADO. REFORMA DE IMÓVEL DELE INTEGRANTE. 1. O
Decreto-Lei 25/37 foi recepcionado pela atual Constituição, a qual, no parágrafo 1º do artigo 216, é
expressa ao estabelecer que a proteção ao patrimônio cultural brasileiro far-se-á "por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação".
2. Estando comprovado que o imóvel tombado em causa foi objeto de modificação, sem autorização da
autoridade administrativa competente, restou violado o comando previsto no artigo 17 do Decreto-Lei 25,
de 30.11.1937. 3. A ausência do embargo da obra não obsta à incidência da necessidade de prévia
autorização. Precedente desta Corte. 4. A ausência de averbação não constitui fundamento jurídico
suficiente para afastar a obrigatoriedade da autorização administrativa para a realização de reforma no
imóvel tombado, ou seja, a eficácia da limitação administrativa. Precedente desta Corte. 5. Apelação e
remessa, tida por interposta, não providas. (TRF 1ª Região - AC 1998.01.00.093579-2/MT; APELAÇÃO

157
O Poder Público defende o tombamento coletivo ou agrupado argumentando que
o conjunto arquitetônico das cidades não se resume à soma ou simples justaposição das
ruas, praças, casas, igrejas e edifícios públicos lá localizados. É certo que, em seu
interior, determinados prédios assumem, individualmente, valor histórico-cultural
relevante. Tais bens, contudo, foram objeto de tombamento específico, ou isolado. O
tombamento do conjunto, entretanto, reconhece que existem entre os diversos bens
imóveis localizados no centro histórico das cidades um sem número de relações e
interações, que caracterizam funções urbanas específicas, manifestadas em diferentes
formas na topografia do terreno, no traçado e no material utilizado no arruamento, na
disposição dos prédios públicos e dos templos de culto, na segmentação do tecido
urbano em blocos (bairros ou freguesias), na harmonia de estilo do casario e na
volumetria das edificações. São estas funções que, ao conferirem elegibilidade
específica à paisagem desta cidade, também lhe atribuem um sentido próprio como um
lugar relevante no contexto da memória nacional e a faz objeto de proteção especial do
Estado.
O fato de um imóvel não ter sido tombado individualmente não atrai para o
proprietário o direito de alterá-lo como bem desejar. Os imóveis localizados em centros
históricos podem sofrer o tombamento coletivamente e atrair para o seu proprietário o
dever de conservá-lo como bem pertencente a cidade histórica. Sobre o tema Sônia
Rabello de Castro diz:
O art. 1º do Decreto-lei 25/37, ao referir-se ao objeto de sua proteção, se
adequa ao entendimento de que, embora seja a coisa que detém o valor a ser
preservado, este valor dela se destaca, constituindo-se um bem que, por ser
imaterial e não econômico, é insuscetível de apropriação individual. O valor
contido nas coisas de interesse cultural forma, no seu todo, o patrimônio
histórico e artístico nacional, que é uma universalidade que, como bem
jurídico, interessa a toda a coletividade, à sociedade nacional.
Evidentemente que, tanto no caso de tombamento de conjunto de bens
móveis como no de imóveis, as coisas em si não perdem a sua característica
individual para efeitos civis, mas, para efeitos de tombamento, tornam-se
uma só – o bem tombado.
Assim, por exemplo, ao se tombar o núcleo histórico de uma cidade, estarão
sob a tutela do poder público os prédios, ruas, a vegetação que adere ao solo,
os adereços fixados nos prédios, enfim, a paisagem urbana constituída de
imóveis.
Claro está que o tombamento do conjunto não se dá pelo valor cultural
individualizado de cada parte, mas pelo que elas representam no seu
conjunto: é a soma de valores individuais, vistos na sua globalidade; isto
porque, tivessem as coisas valores culturais individuais, o tombamento seria
individual para cada uma delas – do contrário, sendo o valor um só, formam
um bem coletivo. Eventualmente, alguma parte pode não se adequar ao todo;
neste caso, ainda sob os efeitos de tutela do tombamento, o grau de
modificação ou alteração que será permitido naquela parte poderá ser maior
ou menor, mas sempre de modo a adequá-la à composição do todo. As partes
que compõem o todo poderão sofrer interferência em maior ou menor grau,
em função indiretamente proporcional à adequação e integração contextual
do bem jurídico do que se quer proteger.
Pressupõe-se que o tombamento de uma cidade, ou parte dela, inscrita no
Livro Paisagístico, significa que o que está sendo tombado é o conjunto,
cujas partes formam o todo – o bem tombado. Consequentemente, a alteração
de qualquer de suas partes, dependendo da forma de fazê-lo, deverá ser
examinada não especificamente com relação a elas mesmas, mas com relação
ao todo. (Castro, 1991, p. 91-131)

CIVEL; Relator: JUIZ LEÃO APARECIDO ALVES (CONV.); Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA
SUPLEMENTAR; Publicação: 05/09/2002 DJ p.128; Data da decisão: 08/08/2002).

158
Com relação ao fato do Decreto-lei 25/37 mencionar que o proprietário do bem
será notificado, sem determinar a forma desta notificação, Sônia Rabello de Castro
(1991, p. 64) destaca que o fato de não existir na lei expressamente a forma como o
proprietário deve ser notificado do tombamento não importa na sua desobrigação de
conservar o bem. O Poder Público pode fazer notificação por edital, por ser esse o meio
mais seguro e eficaz não só de identificar os proprietários, como também de garantir a
presunção de sua ciência (nas hipóteses de tombamento de conjuntos urbanos, de
condomínios com condôminos ausentes ou não identificáveis, de grandes áreas urbanas
ou rurais, etc).
Oportuno registrar que o art. 17 do Decreto-lei 25/37, que disciplina o
tombamento no âmbito federal, especifica a obrigação do proprietário ou eventual
possuidor de não danificar o bem tombado, sendo sua aplicação erga omnes, já que,
após o tombamento, a ninguém é lícito destruir, demolir ou mutilar o bem tombado.
A mutilação ao bem tombado deve ser compreendida junto com o disposto no
final do art. 17, que determina a audiência do órgão competente para
autorizar reparos, pinturas ou restaurações no bem. Caberá, portanto, ao
órgão ao qual a lei conferiu o poder de polícia específico, determinar, em
cada caso, o que poderá ser feito no bem tombado, de modo que a alteração
pretendida não o descaracterize, mutilando-o. Será, portanto, o órgão do
patrimônio que determinará o que será, ou não, mutilação ao bem tombado,
dentro dos limites de seu poder discricionário.
A mutilação, portanto, está ligada à questão da forma de interferência e
alteração no bem tombado, cujos critérios são da competência do órgão do
patrimônio estabelecer. Estabelecer os critérios que permitam alterar o bem
tombado deverá estar ligado ao próprio critério do tombamento e,
consequentemente, à inscrição do bem num ou outro Livro do Tombo.
Pressupõe-se que o tombamento de uma cidade, ou parte dela, inscrita no
Livro Paisagístico, significa que o que está sendo tombado é o conjunto,
cujas partes formam o todo – o bem tombado. Consequentemente, a alteração
de qualquer de suas partes, dependendo da forma de fazê-lo, deverá ser
examinada não especificamente com relação a elas mesmas, mas com relação
ao todo. (Castro, 1999, p. 68-71,107-114)

Hugo Nigro Mazzilli na obra A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio
ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses,
destacou a prevalência do interesse coletivo em detrimento do direito do proprietário de
livremente reformar o seu imóvel.

Depois de tombado, o bem permanece sob a propriedade e a posse do


particular, que deve observar as restrições impostas em proveito da
coletividade. Não cabe ao Estado realizar obras de conservação no imóvel
tombado, salvo se tiver sido desapropriado; fora daí as despesas para
conservação ficam a cargo do proprietário. Se este não as puder suportar, ou
se os encargos restringirem ou até mesmo inviabilizarem a utilização
econômica da propriedade, então caberá a indenização, ou até mesmo a
desapropriação, ainda que indireta. (Mazzilli, 2002, p. 17)
Segundo entendimento sempre pacífico dos Tribunais 6, a autorização prévia do
IPHAN para a execução de intervenções nas áreas especialmente submetidas à proteção

6
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TOMBAMENTO.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). CF, ART. 216.
DECRETO-LEI Nº 25, DE 30/11/97. IMÓVEL INTEGRANTE DO CONJUNTO ARQUITETÔNICO E
URBANÍSTICO TOMBADO DO MUNICÍPIO DE TIRADENTES/MG. OBRAS DE ACRÉSCIMO.
NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO PRÉVIA.1. Previsto no art. 216, § 1º, da Constituição Federal de
1988, o tombamento, forma de intervenção na propriedade particular pela qual o Estado procura preservar
o patrimônio cultural brasileiro, nada mais é que expressão do princípio da supremacia do interesse

159
do Decreto-Lei nº 25/37, é condição inafastável para início da obra ou atividade,
conforme expôs, o Ministro do extinto Tribunal Federal de Recursos, José Cândido, no
acórdão proferido nos autos da Apelação Cível nº 50.078:
Somente com o parecer prévio do IPHAN através do órgão local, poderia o
apelante promover a reconstrução do prédio. Se o apelante fez tabula rasa das
restrições para se alterar a feição da arquitetura no local tombado, infringiu a
lei específica. Ante o exposto nego provimento à apelação, para confirmar
integralmente a sentença. (RDA vol. 155, pág. 237/235)
Para legitimar e confirmar o tombamento coletivo de imóveis em centros
históricos o Poder Judiciário utiliza argumentos mitigando o direito do proprietário em
prol da preservação do patrimônio cultural. O ato de tombamento é dotado de
publicidade, princípio da administração pública, de tal sorte que os atos administrativos
são presumidamente conhecidos por todos, sendo seu cumprimento imperativo. O
proprietário não pode se eximir de sua responsabilidade de conservar e preservar o bem,
pois o seu direito de proprietário foi mitigado em prol da preservação de um patrimônio
que pertence a toda a humanidade e, desta forma, merece especial atenção do Poder
Público e de toda a coletividade.

Considerações finais
A Constituição determina que o poder público resguarde a integridade de obras,
monumentos e documentos de valor histórico. Dessa forma cumpre ao órgão
fiscalizador não só impedir a continuidade de todas as obras irregulares como também
exigir a recomposição da área degradada da maneira mais adequada à garantia de
preservação do patrimônio cultural envolvido, bem como à compensação de eventuais
danos porventura irreparáveis.
Não se pode deixar de reconhecer que de acordo com o atual desenho normativo
do direito de propriedade pode-se afirmar que as situações jurídicas constituídas
apresentam dois planos funcionais, um pessoal, outro social. Este último resultante do
reconhecimento normativo, de assento constitucional (CR/88 art. 5º, XXIII), de que a
propriedade é atribuída como forma de promover a realização de valores sociais, de
caráter patrimonial e extrapatrimonial, de acordo com a potencialidade do bem sobre o
qual recai.
A afirmação da função social da propriedade tem por pressuposto o
reconhecimento de que as coisas, enquanto bens jurídicos, apresentam o que se pode
denominar de um potencial axiológico, ou seja, apresentam, de acordo com sua natureza

público sobre o privado.2. Cediço que o direito constitucional de propriedade, longe de ser absoluto,
encontra limites no interesse da coletividade - no que se insere a defesa do patrimônio histórico, artístico
e cultural -, a sujeição dos proprietários às normas restritivas estabelecidas pelo Poder Público apenas
reflete o cumprimento da função social imposta pela Constituição (art. 5º, XXIII). Nesse contexto,
eventuais obras e acréscimos somente podem ser executados após a aprovação do órgão de fiscalização
competente (IPHAN), estando a punição pelos danos causados ao patrimônio público respaldada no § 4º
daquele dispositivo constitucional.3. Estando o imóvel objeto dos autos inserido no conjunto
arquitetônico e urbanístico tombado do Município de Tiradentes - MG, correta a sentença que determinou
a demolição da acessão nele erigida, por isso que em descompasso com a Constituição, a legislação
pertinente (Decreto-lei nº 25, de 30/11/97) e as especificações técnicas do IPHAN. 4. Apelação
improvida. Sentença mantida. (TRF 1ª Região - AC 0042698-68.2001.4.01.3800/MG; Relator:
DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA; Órgão Julgador: QUINTA
TURMA; Publicação: 21/05/2010 e-DJF1 p.70; Data da decisão: 10/05/2010).

160
específica, a qualidade de promover a realização de valores jurídico-sociais consagrados
na ordem constitucional. É esse reconhecimento que faz com que o ordenamento acople
ao plano da função pessoal, o plano da função social, afirmando, assim, que não basta
ao proprietário, ao realizar seu direito, buscar a satisfação de seus interesses pessoais.
Através desses, deverá promover também a realização dos valores sociais hábeis a
serem alcançados em razão do potencial axiológico específico do objeto da situação
jurídica de que é titular.
De outra parte, a função social apresenta um conteúdo positivo, de modo que, para
seu cumprimento, não basta ao proprietário atentar para os limites negativos de seu
direito, não basta que se abstenha de realizar toda e qualquer conduta que contrarie as
impropriamente denominadas restrições ou limites à propriedade, é necessário que
realize todo um conjunto de atividades destinadas a permitir que os valores sociais
potencialmente presentes na coisa sejam realizados, lembrando sempre que o bem estar
coletivo se sobrepõe ao bem estar individual.
O direito de propriedade não tem caráter absoluto podendo sofrer limitações de
interesse público através do instituto do tombamento. Não podemos tratar o direito de
propriedade apenas como uma relação proprietário e bem. Dependendo da natureza e
importância do bem, teremos relações que extrapolam o direito do proprietário de
livremente usar e dispor de seu patrimônio. Para se definir o conteúdo da propriedade,
será determinante avaliar os interesses extra proprietários, que vão ser regulados no
âmbito extrapatrimonial e social.
A preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural deve prevalecer face
ao direito do proprietário de livre disposição do seu patrimônio. A função social da
propriedade molda o estatuto do proprietário na sua essência, alterando a estrutura do
domínio e atuando como critério de valoração do exercício do direito, que deverá ser
direcionado para a primazia do valor social em detrimento do valor individual.
Um imóvel tombado por possuir importância histórica e por representar a
memória da nação não pode ser tratado de forma negligente pelo seu proprietário e
tampouco pelo Poder Público. O ato de tombamento se reveste de características e
formalidades que tornam aquele bem relevante em sua essência e características que lhe
são peculiares, não permitindo ao seu proprietário realizar obras, reformas, adequações
sem a necessária aprovação do órgão competente.
O proprietário de imóvel tombado não pode alegar o desconhecimento do
tombamento, falta de recursos financeiros para conservar o bem ou o seu direito
absoluto e irrestrito de proprietário como forma de se eximir de cumprir as restrições
impostas pelo tombamento, só cabendo indenização se o ato de tombamento resultar na
inutilização do bem pelo proprietário.
É nesse contexto que o estudo foi relevante, pois permitiu uma reflexão acerca
da proteção ao patrimônio cultural e como ela pode influenciar e restringir o direito de
propriedade, um direito fundamental das pessoas e consagrado na Constituição Federal
de 1988, que foi mitigado em benefício da coletividade e da preservação do meio
ambiente cultural.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,
Centro Gráfico, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em 15 mai.
2019.

161
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o
Código Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 22. mai. 2019.
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Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1999.

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GAIO, Daniel. Os bens culturais imobiliários e o seu conteúdo econômico. In:
FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (Coord.). Revisitando o instituto do
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MAZZILLI, Hugro Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente,
consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 15 ed. São
Paulo: Saraiva, 2002.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35 ed. São Paulo:
Malheiros, 2009.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26 ed. São
Paulo: Malheiros, 2009.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
TEPEDINO, Gustavo. O Papel do Poder Judiciário da Efetivação da Função Social
da Propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

162
CIDADE SUSTENTÁVEL PARA AS PRESENTES E FUTURAS GERAÇÕES: A
BIODIVERSIDADE INCLUÍDA NO CONTEXTO URBANO BRASILEIRO

Sustainable city for present and future generations: the biodiversity included in the
brazilian urban context

Kiwonghi Bizawu 1
Thaís Barros de Mesquita2

Resumo: o objetivo deste artigo é estudar a biodiversidade no contexto urbano sob a


perspectiva de garantir às futuras gerações uma cidade sustentável e verificar os
impactos da biodiversidade no meio ambiente urbano para as futuras gerações. Percebe-
se que a remoção de áreas verdes urbanas fere o princípio da equidade intergeracional.
Desenvolver-se-á o estudo utilizando-se da pesquisa descritiva qualitativa abarcada na
metodologia explicativa mediante levantamento bibliográfico.

Palavras-chave: Biodiversidade. Cidade Sustentável. Intergeracionalidade. Princípio da


equidade intergeracional. Planejamento Urbano.

Abstract: The purpose of this article is to analyze the biodiversity in the urban context
under the perspective to guarantee future generations a sustainable city and verify
impacts of biodiversity on the urban environment for future generations. It is perceived
that the removal of green areas violates the principle of intergenerational equity. The
study will be developed using the descriptive qualitative research covered in the
explanatory methodology through a bibliographic survey.

Keywords: Biodiversity. Sustainable city. Intergenerationality. Principle of


intergenerational equity. Urban planning.

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo analisar a garantia das cidades


sustentáveis para as futuras gerações, em consonância com o disposto no art. 225 da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que disciplina, além de outras
matérias, o dever do Poder Público de preservar e restaurar os processos ecológicos

1
Doutor e Mestre em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC
Minas). Pós-doutorado em Democracia e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da
Universidade de Coimbra, Portugal. Professor de Direito Internacional Ambiental pelo Programa de Pós-
Graduação em Direito. Pró-Reitor do Programa de Pós-Graduação em Direito. Endereço eletrônico:
kiwonghi@domhelder.edu.br
2
Graduada pela UFMG. Mestranda em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela Escola Superior Dom
Helder Câmara (ESDHC). Endereço eletrônico: demesquitabarros@gmail.com

163
essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, preservar a
diversidade, proteger a fauna e a flora, sob a perspectiva de proteção do meio ambiente.
Nesse contexto, verificar-se-á a importância da manutenção da biodiversidade
no meio ambiente urbano para o cumprimento da função social da propriedade urbana
com vistas a efetivar o desenvolvimento sustentável. Decisões do Poder Público e da
população conferem reflexos ao direito fundamental ao meio ambiente sustentável das
presentes e futuras gerações. Ademais, a alteração do espaço para a ocupação humana
prescinde da remoção de animais e extinção de espécies.
O princípio da equidade intergeracional é considerado como alicerce para o
planejamento urbano, o que inclui a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas.
Para o desenvolvimento do trabalho utilizar-se-á o método jurídico
exploratório, através de pesquisas em fontes bibliográficas e documentais que
possibilitem relacionar a cidade sustentável para as futuras gerações e os principais
aspectos relacionados à manutenção das áreas verdes no meio ambiente urbano.

1 A preservação da biodiverisdade para as futuras gerações

A garantia do direito a cidades sustentáveis “entendido como o direito à terra


urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” é diretriz
da política urbana, como dispõe o art. 2º, I da Lei 10.257/2001.
As futuras gerações também foram contempladas no texto constitucional como
sujeito de direito. É direito constitucional assegurado que o exercício de direitos atuais
ou potenciais sejam garantidos, em condições de correspondência e equidade, às futuras
gerações, tendo relevo o princípio da equidade intergeracional.
Nesse contexto, pelo cumprimento do direito à igualdade, as presentes gerações
são responsáveis pela concreção do direito à cidade ambientalmente sustentável aos que
ainda estão por vir, numa conexão entre os titulares de interesses atuais com os futuros
sujeitos de direito.
Os reflexos das políticas urbanas aplicadas no presente ultrapassam os limites
do hoje. A sociedade atual ao escolher as obrigações, deveres, responsabilidades, ou se
omitir, não responsabilizar, não prevenir, acarreta consequências positivas ou negativas
que podem advir apenas no futuro. As escolhas imediatistas em razão da não atuação de
modo preventivo pelos vários atores da sociedade podem provocar resultados lesivos
que serão sentidos no futuro.
Nesse sentido, explica LEITE; AYALA (2000) que a atuação da sociedade
deve ser responsável inclusive porque ela não se limita ao presente, ultrapassando os
limites espaciais assumindo dimensões intergeracionais:

Somente a partir do reconhecimento de que a alteridade está vinculada à


responsabilidade, e de que a atuação responsável não pode ser limitada ao
presente, é que podemos iniciar uma postura de leitura do ambiente, que é
também uma nova leitura da equidade, que ultrapassa os limites espaciais do
respeito pelo alter, para assumir dimensões intergeracionais. A constituição
da equidade intergeracional revela, assim, também a formulação de uma ética
de alteridade intergeracional, reconhecendo finalmente que o homem também
possui obrigações, deveres e responsabilidades compartilhadas, em face do
futuro. (LEITE; AYALA, 2000a, p.127).

No sistema jurídico brasileiro, o Princípio da Equidade Intergeracional deriva


do princípio insculpido no inciso I do art. 3º da Constituição, qual seja, o da
solidariedade. Esse princípio ressoou em todo o sistema jurídico, mormente na seara

164
ambiental, ampliando a fórmula da solidariedade para o futuro. Nesse diapasão, a
solidariedade intergeracional deve ser aplicada no momento da elaboração de
legislação, na execução das políticas públicas, mas também nos momentos de aplicação
material do Direito (SILVA, 2011a, p. 124).
A Constituição da República (art. 225) protege o futuro, pois visa garantir às
gerações futuras a dignidade da pessoa humana. O dever de defender e preservar o meio
ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações vai além do
Poder Público, também consistindo em dever de toda a coletividade.

A proteção do futuro surge desta forma, enquanto fundamento normativo do


art. 225, que revela que o texto político fundamental ocupou-se da tarefa de
tornar justiciável a proteção do futuro, não apenas dispensando tutela, mas
qualificando-a como fundamento discursivo das garantias constitucionais.
Assim, uma vez que atua contribuindo na redefinição dos titulares
constitucionais da cidadania, que passa a ser atual e potencial, que pode -
apesar da proteção de fórmula jurídica específica para a cidadania ambiental -
contaminar o conceito de cidadania, uma vez que a leitura contemporânea da
proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana intenciona a realização
do princípio da interdependência e indivisibilidade dos Direitos Humanos, o
que tornaria inconcebível a possibilidade das instituições optarem pela defesa
tópica de certos direitos ou condições jurídicas, em detrimento de outras
(LEITE; AYALA, 2000b, p.132).

A Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972 dispõe


como princípio o dever de preservação do meio ambiente e incluiu o dever de melhorar
o meio ambiente, em benefício das gerações presentes e futuras.

Princípio 1 O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao


desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade
tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene
obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes
e futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o
apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras
formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser
eliminadas (ONU, 1972a).

Prevê-se, conseguinte, o dever de preservação dos ecossistemas e da


biodiversidade, através de planejamento e ordenação. O planejamento permite que se
avalie os métodos mais adequados para a consecução do objetivo final, de forma
eficiente. Se trata, de acordo com o princípio abaixo transcrito, fazer escolhas sob o
ponto de vista da preservação ambiental.

Princípio 2 Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora


e a fauna e especialmente amostras representativas dos ecossistemas naturais
devem ser preservados em benefício das gerações presentes e futuras,
mediante uma cuidadosa planificação ou ordenamento (ONU, 1972b).

A dever da comunidade humana de utilizar-se do meio ambiente natural, sem


esgotamento dos recursos não renováveis, assegura a perpetuação dos ecossistemas e da
própria humanidade. E transcendendo o presente, o meio ambiente natural não foi
criado por nenhuma geração humana, dessa forma, à cada geração deve ser assegurada a
igualdade de utilização, numa ideia de Justiça Ambiental. “Princípio 5 Os recursos não
renováveis da terra devem empregar-se de forma que se evite o perigo de seu futuro
esgotamento e se assegure que toda a humanidade compartilhe dos benefícios de sua
utilização” (ONU, 1972c).

165
O Relatório Brundtland de 1987 realça o pacto intergeracional ao disciplinar
que a satisfação das necessidades presentes não pode comprometer a satisfação das
necessidades das gerações futuras. Privar as gerações futuras da satisfação das suas
necessidades por causa do atual uso indiscriminado dos recursos do Planeta
desconsidera o objetivo do desenvolvimento sustentável.
Os danos ambientais e sociais provocados por atitudes da geração passada são
sentidos atualmente, como a extinção de espécies animais, desaparecimento de
ecossistemas, poluição, ocupação humana desordenada de difícil reparação. É
desdobramento lógico que as ações e decisões das gerações presentes afetarão direta ou
indiretamente as próximas gerações. Dessa forma, pensar no outro (homens e demais
seres vivos do Planeta) é fator motivacional para preservar o meio ambiente, superar o
agir pautado no imediatismo, que nos leva ao alheamento do que seria sustentabilidade.

Assim, o desenvolvimento sustentável se mostra como premissa para a


garantia do direito intergeracional e, ao mesmo tempo, sem o qual não teria
formação completa. A prática da sustentabilidade, através da adoção de
novos hábitos, propicia a propagação da ideia de defesa do meio ambiente.
Apesar de essa vertente não ser ainda suficiente para apagar o risco que nos
ameaça em grandes proporções, talvez tais avanços possam ser o início da
queda de um modelo capitalista predatório e agressivo, com transição para
um modelo de consumo moderado, com bases sustentáveis (SIlVA, 2011b, p.
115).

Surge, portanto, a necessidade de repensar políticas públicas e como garantir


ao futuro toda a biodiversidade presente. O conceito de biodiversidade carreado pela
Convenção sobre a Diversidade Biológica, estabelecida durante a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), é identificado
como “a variabilidade entre os seres vivos de todas as origens, inter alia, a terrestre, a
marinha e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem
parte: isso inclui a diversidade no interior das espécies, entre as espécies e entre
espécies ecossistemas”.
A alteridade deve ultrapassar o antropocentrismo e abarcar a ideia de que o
Planeta abriga seres vivos e elementos naturais que precedem ao homem que não criou
os elementos naturais, mas precisa de todos os seus elementos em equilíbrio. O que
justifica a diversidade de espécies, incluindo, a espécie humana inserida no ambiente em
que vivem em relação uns com os outros e com seus ambientes de vida. É importante
perceber a concepção integrativa e interdependente do ambiente para realçar os
problemas criados pela atuação humana e o seu efeito cascata, trazendo as
responsabilidades para os seus agentes causadores, sem neutralizar o efeito da
indeterminação do futuro.
Assim, nesse caso, estudar a biodiversidade é buscar compreender melhor os
laços (as ligações) e as interações que existem no mundo dos seres vivos, ou
simplesmente, o mundo do Vivo.

2 A manutenção da biodiversidade no meio ambiente urbano

A manutenção da biodiversidade no meio ambiente urbano confere


qualidade de vida ao homem, pois permite-se a aproximação da população urbana com
o meio ambiente natural, permite que as espécies animais e vegetais sejam conservadas,
propicia um equilíbrio ecológico do meio ambiente, de forma harmônica.

166
No contexto da qualidade de vida urbana, as áreas verdes, além de atribuir
melhorias ao meio ambiente e ao equilíbrio ambiental; contribuem para o
desenvolvimento social e traz benefícios ao bem-estar, a saúde física e
psíquica da população, ao proporcionarem condições de aproximação do
homem com o meio natural, e disporem de condições estruturais que favoreça
a prática de atividades de recreação e de lazer. Desse modo, quando dotadas
de infraestrutura adequada, segurança, equipamentos e outros fatores
positivos, poderão se tornar atrativas à população, que passará a frequentá-
las, para a realização de atividades como caminhada, corrida, práticas
desportivas, passeios, descanso e relaxamento; práticas importantes na
restauração da saúde física e mental dos indivíduos. (LONDE; MENDES,
2014, p. 269)

Ademais, a vegetação favorece a redução dos problemas da urbanização, como


as enchentes e o calor, proporciona infiltração das águas fluviais e melhora o clima e
umidade do ar, absorvem gás carbônico (SCHUTZER, 2012a, p. 182).
As áreas verdes urbanas nasceram a partir da prática de jardinagem no Egito e
cultos religiosos na China. Na Grécia, as áreas verdes assumiram uma função pública de
lazer e passeio. Os parques surgiram inicialmente na Europa, para no século XVI serem
aplicados da América, intensificando as relações entre o homem e a natureza (MACIEL,
BARBOSA, 2015a, p. 2).
Segundo os mesmos autores é necessário conceituar o termo áreas verdes, que
se diferencia fragmento urbano e fragmento remanescente, embora utilizados
indistintamente como sinônimos para referência à presença de áreas verdes urbanas:

- Fragmento Urbano: toda área que sofreu corte e separação de uma floresta,
tendo sua composição florística primária alterada, apresentando-se em
estágio sucessional secundário, tendo inserção proposital ou não de plantas
exóticas, e que esteja próxima ou inserida em um ambiente urbano como
Reserva Poço Dantas, Parque Municipal da Lajinha e Reserva Biológica
Municipal Santa Cândida localizados no município de Juiz de Fora;
- Áreas Verdes: locais de vegetação arbórea ou não inseridas ou presentes em
ambiente urbano como praças, parques, terrenos baldios, hortas e até mesmo
cemitérios, geralmente com o objetivo de ornamentar esses locais,
proporcionar lazer e melhorar a qualidade de vida da população, como Museu
Mariano Procópio, Parque Halfeld e Praça da Melquita, todos em Juiz de
Fora. O termo Novel ecosystems pode ser empregado de uma forma mais
ampla englobando as duas áreas até agora caracterizadas, sendo uma
padronização para o tipo de fragmento no qual está inserido o Jardim
Botânico da Universidade Federal de Juiz de Fora, descrito no presente
estudo.
- Fragmento Remanescente: é o termo que mais sofre interpretação e
utilização errônea na literatura. Refere-se a uma vegetação que sobrou de
uma área que não sofreu corte, apresentando sucessão avançada e mantendo-
se muito próxima das características naturais do bioma ao qual pertencia
originalmente. Para uma melhor compreensão do trabalho, é importante
salientar que Unidades de Conservação (UC) são áreas protegidas e naturais
definidas geograficamente, regulamentadas, administradas e/ou manejadas
com objetivos de conservação e uso sustentável da biodiversidade (DEMA).
(MACIEL; BARBOSA, 2015b, p. 5).

Nesse diapasão, as áreas verdes urbanas atuam como protetoras para a


biodiversidade local, seja em forma de praças, parques, florestas, jardins, cemitérios,
prestam relevantes serviços aos ecossistemas, tais como absorção de gás carbônico,
manutenção da polinização, dispersão de sementes, manutenção dos predadores de

167
herbívoros e outros processos ecológicos importantes (MACIEL, BARBOSA, 2015c, p.
6).
O processo de urbanização em consonância com o direito ambiental é
concebido pelo trabalho conjunto do Poder Público e da população, com a instalação da
infraestrutura necessária, com os equipamentos mínimos para a instalação do homem. O
processo deve atender ao cumprimento do Plano Diretor e demais normas urbanísticas.
O dever de adotar uma postura proativa é do Poder Público e da população,
comportando o processo de urbanização dentro do sistema legal e não permitir que a
ocupação maltrate o meio ambiente, respeitando-se inclusive as áreas de preservação
permanente "área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função
ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a
biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o
bem-estar das populações humanas" (BRASIL, 2012).
Trata-se de planejamento urbano de forma integrada para efetivar o direito ao
meio ambiente urbano ecologicamente equilibrado, para ser adequado para o presente e
para o futuro.
Com base no princípio da equidade intergeracional, interesse da Constituição
da República de 1988, pensar a ocupação do solo e a substituição indiscriminada da
biodiversidade por estruturas artificiais causam consequências negativas que
ultrapassam as atuais gerações. A substituição do verde e a degradação do meio
ambiente impacta inclusive na saúde dos habitantes, como piora na qualidade do ar e a
formação de bairros sujeitos a erosão e alagamento, assoreamento dos cursos de água.
Schutzer (2012), ao explanar sobre a expansão urbana de São Paulo, destacou a
importância da conservação da vegetação arbórea na amenização dos problemas
ambientais urbanos:
Vários trabalhos acadêmicos, no Brasil e no exterior, vêm destacando a
importância da vegetação arbórea na amenização dos problemas ambientais
urbanos. E quando se fala de massa vegetal arbórea estamos também falando
da introdução (ou do retorno) da permeabilidade do solo, do sombreamento,
da manutenção da umidade do solo e do ar, da proteção das nascentes, da
absorção do calor e de poluição etc. Em vários estudos sobre o fenômeno das
ilhas de calor (Lombardo e outros) verificou-se a relação intrínseca entre
vegetação e diminuição daquelas, e também os efeitos da vegetação na
amenização dos problemas ambientais locais. (SCHUTZER, 2012b, p. 182).

Nesse sentido, o processo de urbanização embora modifique o meio ambiente


natural, reduzindo a fauna e a flora, a atuação do homem pode ser pautada em manter o
maior espaço possível da biodiversidade que é, de fato, vida, pois oferece bens
insubstituíveis essenciais ao nosso cotidiano, tais quais o oxigênio, os alimentos e os
remédios. A biodiversidade torna-se, para tanto, o tecido vital entre seres vivos e seus
respectivos ambientes.
Observa-se, desse modo, que a paisagem é o resultado da interação entre a mão
do homem e os processos naturais. Nessa linha, a paisagem pode ser mais ou menos
tocadas pela ação humana, modelada, de qualquer forma pelo homem.

Um mosaico de diferentes hábitats espelha a ação material e simbólica das


diversas comunidades humanas que os ocuparam ao longo dos séculos.
Ecólogos da paisagem consideram que a estrutura da paisagem é importante
para a manutenção dos processos ecológicos e da diversidade biológica,
particularmente em áreas onde vivem comunidades tradicionais diretamente
dependentes dos usos dos recursos naturais. Nesse sentido, a paisagem é fruto
de uma história comum e interligada: a história humana e natural. (ARRUDA
et al.; 2000, p. 8).

168
A ordenação da cidade, com vistas a harmonizar o interesse privado e o
interesse público, é feita através do Plano Diretor e normas urbanísticas, e o uso do bem
cumpridor da função social se subordina a essas orientações. O plano diretor é o
instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, responsável
pela definição da função social da propriedade.
De acordo com Oliveira (1990), o plano diretor de uma cidade deve levar em
conta todas as vantagens que a arborização pública apresenta para a população humana
e para a biodiversidade:
O plano diretor de uma cidade deve levar em conta todas as vantagens que a
arborização pública adequada traz à população humana e à fauna nativa. A
seguir são listados alguns aspectos que devem ser contemplados quando da
elaboração de diretrizes que norteiem a política de áreas verdes urbanas:
criação de áreas verdes em que a vegetação seja composta por espécies
nativas, formando um ambiente o mais variado possível (por exemplo,
bosques heterogêneos com estratos arbóreo e arbustivo); adequação das
espécies às condições em que serão utilizadas. Espécies destinadas à
arborização de rua devem Ter altura compatível com a fiação; não devem Ter
lenho frágil, que possa trazer perigo a transeuntes e a veículos; as raízes
precisam ser profundas, de modo a não danificarem calçadas; de modo geral,
não é aconselhável a utilização de espécies cujos frutos sejam consumidos
pelo ser humano, pelo grande risco de depredação que correm durante a
frutificação; adequação das espécies às condições de solo e climáticas da
região; preocupação com a atração e fixação da fauna nativa, utilizando
frutíferas, floríferas e melíferas nativas. É importante salientar que para tanto
deve ser empregada a maior variedade possível de espécies vegetais quanto à
época de floração e frutificação e quanto ao porte (arbóreo, arbustivo ou
herbáceo); possibilidade de produção pelo próprio município, das plantas a
serem empregadas na arborização de ruas e áreas verdes (OLIVEIRA, 1990,
p.1).

O planejamento urbano sob a ótica do princípio da equidade intergeracional


rompe com a concepção do direito à propriedade como direito absoluto e independente
dos demais direitos constitucionais. O Plano Diretor como instrumento que exprimirá a
função social da propriedade e a forma de ocupações do solo, também deve visar a
manutenção da biodiversidade, tendo como finalidade transformar a cidade em um
ambiente cumpridor da sua função social. Eventual negligência na fiscalização do seu
cumprimento consubstancia em permitir que ofensas ao meio ambiente se consolidem
no tempo e reflitam no futuro.
A negligência ou omissão do poder público hoje implica ameaça para o futuro
das futuras gerações. Cardoso ao analisar a teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck,
corrobora com o entendimento adotado neste artigo, no que tange ao comportamento
negligente de sociedade que aceita viver sob determinada conformação social:

A questão do risco nas sociedades atuais deve ser vista como resultante das
decisões, dos fatos, dos fenômenos, que após serem definidos como soluções
para os problemas estruturais das sociedades industriais, acabam
apresentando ameaças sociais em razão das consequências futuras
inesperadas, imprevistas ou mesmo aceitas como responsabilidades da
sociedade por assumirem os riscos de viver em uma determinada
conformação social. (...)
A partir do momento em que se aceita conviver com esta indeterminação
consumindo e dispondo desta emergência do capitalismo industrial,
assumem-se as responsabilidades e as consequências de seus atos. Tais riscos
acabam sendo absorvidos e aceitos como necessários à manutenção da vida

169
deste modelo de sociedade, passando a fazer parte do convívio e da realidade
diária das pessoas e da natureza.
Um exemplo deste comportamento é a ocupação das matas ciliares e zonas
úmidas, tendo como consequência enchentes, assoreamento do rio, problemas
de abastecimento de água, eutrofização dos rios, problemas sociais, estiagem
etc. Estes problemas originados pelo convívio do cidadão com os riscos e
vulnerabilidade que a sociedade contemporânea (...)
O conceito de risco caracteriza as sociedades que se organizam buscando a
inovação, a mudança, e a ousadia, pretendendo tornar previsível e controlável
o imprevisível, tentando controlar o incontrolável e sujeitando-se aos efeitos
negativos destas decisões. A proliferação das ameaças imprevisíveis,
invisíveis, para as quais os instrumentos de controle falharam é típica do
novo modelo de organização social caracterizado pelo encontro com a fase
do desenvolvimento da modernização, onde as transformações produzem
consequências que expõe as instituições de controle e prevenção das
indústrias a críticas, fato que constitui para Beck (1998) a Sociedade de
Risco. (CARDOSO, 2018, p. 212).

Correlacionando-se com o postulado normativo da equidade intergeracional


que tem como finalidade assegurar o “direito às futuras gerações", que implica no dever
de cuidado e responsabilidade pelo futuro, permitindo-lhes o acesso ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e a biodiversidade, a remoção da biodiversidade, ocupação
do solo sem observar a legislação, pode ser visto como natural e como aceito, mas
desconsidera o reconhecimento da dignidade do outro.

É conveniente que se esclareça que objetivamos evidenciar, também, que a


nova proposta de olhar de integridade do Direito Ambiental estrutura-se a
partir da realização da proteção da equidade intergeracional e da
transmutação da definição do alter, de modo que a atuação do homem seja
responsável em face do outro, e que esse respeito e reconhecimento da
dignidade desse outro conduza ao reconhecimento de novo ethos para a
definição dos sujeitos envolvidos nas relações ambientais, qual seja a
natureza, inserindo-se ambos no espectro global da proteção de condições
adequadas para o desenvolvimento e conservação da vida, e não
simplesmente da vida qualificada pelo elemento humano. Assim, quando
tratamos da proteção dos interesses das futuras gerações, pretende-se
desenvolver o discurso da proteção integral da vida, compreendendo aqui,
como sujeitos, os seres vivos. (LEITE, AYALA, 2000c, p.127-128).

O ideal é o direito integrado do ambiente que se proteja o homem mas também


concilie a defesa, em conjunto, da flora e da flora, com o desenvolvimento humano.

A imposição de um direito ambiental integrativo postula, em segundo lugar, a


passagem de uma compreensão monotemática para um entendimento
multitemático que obriga a uma ponderação ou balanceamento dos direitos e
interesses existentes de uma forma substancial-mente inovadora. Assim, a
concepção integrativa pressuporá uma avaliação integrada de impacto
ambiental incidente não apenas sobre projectos públicos ou privados
isoladamente considerados, mas sobre os próprios planos (planos directores
municipais, planos de urbanização). Isto implica uma notável alteração das
relações entre as dimensões ambientais e as dimensões urbanísticas.
(CANOTILHO, 2001, p.12).

Considerações finais

O presente trabalho relatou que a formação do urbano pode degradar o meio


ambiente pela transformação do ambiente natural pelo homem. Em decorrência disso,

170
deve-se optar pelo planejamento urbanístico das cidades, com o auxílio da legislação
urbanística e o Plano Diretor. Considerando que o direito à cidade sustentável é
assegurado constitucionalmente às futuras gerações, impõe-se a todos, seja ao Poder
Público e à coletividade, o dever de transformar o meio ambiente urbano com
responsabilidade, tendo em vista o direito ao acesso à biodiversidade.
A manutenção das áreas de vegetação nativa no meio urbano traduz-se em
equilíbrio ambiental e concretiza o conceito de cidade sustentável, diretriz básica do
planejamento urbanístico. A biodiversidade preservada ameniza os problemas
ambientais urbanos, pois a urbanização, em si, já produz problemas esperados como o
aumento da temperatura do ar, chuva ácida, poluição, redução de escoamento da água.
A sua manutenção nas zonas urbanas propicia o equilíbrio ecológico entre os animais e
plantas, em harmonia, favorece a infiltração das águas no solo, melhora o clima e
umidade do ar, manifestando-se em saúde, bem-estar e qualidade de vida do homem.
O plano diretor ou a legislação municipal correspondente pode estabelecer a
manutenção da biodiversidade, face a ocupação do solo, visto que são normas
responsáveis pelo conceito de função social da propriedade. As decisões ou omissões da
sociedade atual refletem no direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado das futuras gerações.
Não há direito individual. Existe uma subordinação de todos os direitos
individuais relacionados à cidade aos direitos coletivos, de acordo com as necessidades
do desenvolvimento urbanístico, com a finalidade de transformar a ocupação do espaço
urbano cumpridor de sua função social.
Conclui-se que o Plano Diretor é instrumento de proteção da biodiversidade.
Não se mostra admissível que seja pensado e executado apenas considerando as
gerações presentes, em razão dos reflexos a médio e longo prazo que más decisões
podem propiciar, buscando-se, para tanto, que a biodiversidade esteja no centro das
políticas públicas, de conformidade com a Convenção sobre a Diversidade Biológica
(1992).
Em conclusão, se faz necessário que a lei municipal, em prol da preservação
ambiental, para presentes e futuras gerações, disponha que diante da ocupação do solo
urbano deva sempre resguardar a biodiversidade ao máximo, sob pena de o meio
ambiente natural ser preterido em favor do crescimento dos espaços urbanos.

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173
JUSTIÇA AMBIENTAL E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

174
O SETOR HIDRELÉTRICO NA AMAZÔNIA: IMPASSE ENTRE
SOCIOBIODIVERSIDADE E INTERESSES ECONÔMICOS E POLÍTICOS

The Hydroelectric Sector in the Amazon: impasse between sociobiodiversity and


economic and political interests

Breno Soares Leal Júnior 1


Pedro Andrade Matos2
Luciana Aparecida Teixeira3

Resumo: O artigo se propõe apresentar a situação do setor energético na região


amazônica, em especial no rio Madeira com a instalação das hidrelétricas Santo Antônio
e Jirau e Belo Monte, no rio Xingu. Para tanto, o trabalho apresenta uma análise crítica
da implantação desses empreendimentos e suas consequências socioambientais para as
comunidades. Utiliza-se do método jurídico-teórico e raciocínio dedutivo com técnica
de pesquisa bibliográfica para obtenção de análises robustas. Conclui-se que, não
obstante o conhecimento, por parte das empresas hidrelétricas, dos impactos negativos
ambientais, sociais e culturais decorrentes de suas atividades os interesses econômicos e
políticos suplantam a preservação da sociobiodiversidade das comunidades locais.

Palavras-chave: Amazônia. Interesses Econômicos. Interesses Políticos. Setor


Hidrelétrico. Sociobiodiversidade.

Abstract: The article proposes to present the situation of the energy sector in the
Amazon region, especially in the Madeira River, with the installation of the Santo
Antônio and Jirau, and Belo Monte hydroelectric plants, in the Xingu river. For this, the
work presents a critical analysis of the implantation of these enterprises and their socio-
environmental consequences for the communities. The legal-theoretical method and
deductive reasoning are used with a bibliographical research technique to obtain robust
analyzes. It is concluded that, despite the knowledge by the hydroelectric companies of
the negative environmental, social and cultural impacts resulting from their activities,
the economic and political interests supplant the preservation of the socio-biodiversity
of the local communities.

Keywords: Amazon. Economic Interests. Hydropower Sector. Political interests.


Sociobiodiversity.

1 Pós-graduado em Direito pelo Centro de Atualização em Direito (CAD) Direito do Trabalho e


Previdenciário - Universidade Gama Filho; Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento
Sustentável na Escola Superior Dom Helder Câmara. E-mail: brenolj@hotmail.com.
2 Bolsista do Programa Nacional de Pós-Doutorado/CAPES na Escola Superior Dom Helder
Câmara/Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Belo Horizonte – MG. E-mail:
matooscv@hotmail.com.
3 Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na Escola Superior Dom Helder
Câmara. Belo Horizonte. E-mail: luciana@fazerdireito.net.

175
INTRODUÇÃO

O Brasil é um forte consumidor de energia hidráulico em razão da geografia e da


abundância da água no país. Cada vez mais se faz necessário a construção de novas
hidrelétricas, o que leva ao poder público apresentar altos investimentos financeiros e
formulação de políticas para o setor.
Em 2007, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), houve
grandes investimentos na infraestrutura energética, com destaque à implantação do
conjunto de hidrelétricas no rio Madeira, no qual gerou a criação das usinas de Santo
Antônio e de Jirau e no rio Xingu, a usina de Belo Monte. A energia gerada pelas
hidrelétricas constitui-se fonte de energia alternativa para o desenvolvimento nacional,
cuja população demanda cada vez mais por serviços e produtos de qualidade. Esses
empreendimentos, no entanto, requerem uma ampla discussão, já que os impactos
socioambientais podem ser irreversíveis para as comunidades locais e para outras
regiões do país.
O objetivo central do presente artigo é analisar se estes investimentos foram
realizados de forma sustentável no intuito de reduzir impactos socioambientais nas
comunidades locais e se houve participação efetiva dos afetados no processo de
aprovação da obra. Portanto, o problema que se busca analisar neste estudo é: o setor
energético trata as questões socioambientais como prioridade, frente aos interesses
econômicos e políticos?
O artigo tratará do processo de licenciamento ambiental nessas usinas no âmbito
da Lei 10.295/2001, que dispõe sobre a política nacional de conservação e uso racional
de energia, cujo objetivo, previsto em seu artigo 1º, visa alocar de maneira eficiente
recursos energéticos e preservar o meio ambiente, buscando estimular investimentos em
alternativas energéticas que promovam uma maior eficiência em consonância com os
objetivos do desenvolvimento sustentável e mediante os procedimentos de
licenciamento ambiental.
A estratégia analítica da investigação em tela será identificar e examinar
impasses entre sociobidiversidade, interesses econômicos e políticos. Alguns
empreendimentos hidrelétricos trabalham com desenvolvimento sustentável apenas em
seu marketing e buscam lucros econômicos rápidos em detrimento do bem-estar das
comunidades onde atuam. A busca desses lucros pode encontrar amparo político, a
partir de medidas e incentivos políticos que facilitam a atuação das empresas,
negligenciando impactos negativos da exploração dos recursos naturais e a preservação
cultural da comunidade.
Esse artigo compreende que o desenvolvimento precisa ser tratado de forma
responsável, de modo a promover a convivência harmoniosa da comunidade com a
natureza e a preservação da sociobiodiversidade e considera que os empreendimentos
hidrelétricos devam incorporar a dimensão de sustentabilidade durante as diversas fases
(antes, durante e depois) da construção da obra e exploração da energia, reconhecendo o
papel da comunidade durante a negociação e implantação do projeto. Isso é
fundamental, pois, através do desenvolvimento sustentável preservam-se recursos do
planeta e o respeito às práticas culturais e sociais das comunidades guardiãs desses
territórios ricos em biodiversidade.
Este trabalho encontra-se organizado em três seções, além desta introdução e da
conclusão. Na primeira seção será examinado o impasse entre sociobiodiversidade,
interesses econômicos e políticos, tendo, antes, definido conceitos nucleares à luz desta
investigação. Na segunda seção serão apresentadas as usinas de Santo Antônio e Jirau,
analisando as suas fases de licenciamento e os pareceres de órgãos competentes sobre o

176
assunto. A terceira seção visa discutir a sustentabilidade dessas usinas, em
conformidade com os impactos socioambientais sobre as comunidades locais.

1 IMPASSE ENTRE SOCIOBIODIVERSIDADE E INTERESSES


ECONÔMICOS E POLÍTICOS

Com o avançar dos tempos, a relação da natureza com a sociedade foi alterada,
na qual o meio natural fora suplantado pelo artificial. Ou seja, pelos interesses e pelas
inovações criadas pelo homem no intuito de gerar maior proveito do espaço natural que
lhe cerca. Os meios técnico, científico e informacional conferiam a ideia de domínio
humano sobre o espaço, alterando a sua geografia a benefícios próprios. Durante esse
processo, a natureza começou a perder o espaço para os imperativos econômicos e
políticos. Porém, em razão de o progresso técnico e científico estar geograficamente
limitado, ou desequilibrado entre regiões, problemas ambientais não foram vistos como
ameaçadores (SANTOS, 2001, p. 159).
As técnicas se fizeram mais necessárias na medida em que as sociedades
cresciam e as relações se tornavam mais complexas e recursos mais limitados,
moldando a relação do homem com a natureza e a própria dinâmica relacional entre os
humanos. A disputa por melhores espaços começou a gerar impactos negativos sobre a
natureza em escala maior, diante disso deparou-se com o impasse: crescer ou preservar
a natureza? Num primeiro momento acreditou-se na capacidade científica em reduzir os
impactos das ações humanas sobre o meio natural. De fato, a ciência facultou ao homem
a capacidade de monitorar e compreender os fenômenos da natureza, auxiliando-o nas
tomadas de decisão política e na elaboração de medidas protetivas e preventivas.
Todavia, a busca por lucros econômicos e poder político sobre espaços
abundantes em recursos naturais tem negligenciado a responsabilidade de diversos
atores em arcar com aspectos negativos de suas ações. A tentativa é repassar a
responsabilidades para terceiros, pela lógica de sobrevivência e maximização de
interesses. Na verdade, nessa lógica, o meio ambiente se apresenta como um grande
supermercado em que se privatiza o benefício e socializa o custo (VEIGA, 2013, p.
53).
Os atores econômicos e políticos agem para maximizar seus interesses, mediante
a continuação destes em esferas importantes de poder (MILNER, 1997, p. 06). Nesse
contexto, enquanto agentes políticos almejam adoção de políticas satisfatórias às
preferências de seus representados (podendo ser a sociedade em geral ou segmento
dela), os econômicos almejam influenciar setores políticos para garantir seus interesses.
Na medida em que esses atores maximizam suas preferências, a biodiversidade é
minimizada a sua proteção e preservação.
De fato, em sociedade atual de alto consumo, é difícil combinar soluções
triplamente vencedoras (social, econômica e ecológica). Pode haver crescimento com
destruição ambiental ou preservação ambiental, mas socialmente destrutivo (PITTON,
2009, p. 93).
As respostas iniciais ao impasse seriam limitar as atividades destrutivas da
natureza, conservar os recursos naturais, eliminar as diversas formas da pobreza e usar
do mecanismo de cooperação para diminuir as disparidades econômicas e compensar os
danos ambientais causados nas comunidades.
As referidas respostas possibilitariam a prática de um desenvolvimento
sustentado. O relatório do “nosso futuro comum”, desenvolvido pela Comissão Mundial
para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – CMMAD, define “desenvolvimento

177
sustentável é aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer as
possibilidades de as gerações futuras, atenderem suas próprias necessidades”. Trata-se
de um processo de mudança na qual a exploração de recursos, direção de investimentos,
orientação do desenvolvimento tecnológico, e mudanças institucionais são feitas de
maneira consistente com as necessidades atuais e futuras (BRUNDTLAND, 1987).
O paradigma do desenvolvimento sustentável é, no entanto, baseado na
racionalidade econômica e não ecológica. Ela cria oportunidades de emprego, contudo
não reconhece que a pobreza é resultado da despossessão de terras e recursos naturais.
Nesse sentido, as lutas das comunidades de terras indígenas nos países em
desenvolvimento como o Brasil não são somente pela posse da terra, são pela
preservação da diversidade cultural. Ou seja, pela reclamação da sua existência como
um povo e da sua identidade.
É preciso considerar o ser humano como parte da natureza, assim como o
desenvolvimento e o meio ambiente como dimensões interdependentes. Nessa
perspectiva, pobreza não será resolvida em um mundo de degradação ambiental e o
meio ambiente não pode ser conservado em um mundo de degradação ambiental. Na
verdade, um dos fundamentos da ecopolítica é que o meio ambiente não pode ser
dissociado de outros objetivos econômicos, sociológicos ou políticos ( LE PRESTRE,
2000, p. 27).
Essa associação facilita a compreensão holística da natureza e da
responsabilidade de todos os setores da sociedade na busca de um desenvolvimento
mais sustentável. Destarte, na tentativa de ordenar a exploração de um determinado
recurso é fundamental incentivar a participação de todos os envolvidos na formulação
de um projeto que respeita o modo de vida da comunidade local e esteja fundamentado
na promoção humana. Isso importa porque é no âmbito da comunidade que se possa
encontrar princípios fundamentais de sustentabilidade, tais como: equidade, economia e
ecologia. Dessa forma, integrar conhecimentos dessas comunidades só fortalecerá os
projetos de desenvolvimento. No entanto, quando desconsidera os interesses da
comunidade, acaba-se gerando tensões e resistências, com danos maiores ao lado
despossuído de poder econômico e politicamente fraco em termos de representação e
defesa de seus direitos. Esse lado pode ser identificado como as comunidades
tradicionais.
A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais, aprovada pelo Decreto no. 6.040 de 07/02/2007, estimula a
sociobiodiversidade através da conservação dos recursos e criação de alternativas
econômicas às comunidades e da valorização e o respeito à diversidade socioambiental.

A Política tem como objetivo promover o desenvolvimento


sustentável dos povos e comunidades tradicionais, com ênfase
no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos
territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com
respeito e valorização à sua identidade, suas formas de
organização e suas instituições. Os objetivos específicos
incluem apoiar e garantir a inclusão produtiva com a promoção
de tecnologias sustentáveis, respeitando o sistema de
organização social dos povos e comunidades tradicionais,
valorizando os recursos naturais locais e práticas, saberes e
tecnologias tradicionais (BRASIL, 2009, p. 05).

178
O direito ao território dos povos indígenas conecta três áreas: as terras, os
territórios e os recursos naturais. Essas áreas devem ser pensadas de maneira articulada
em virtude da relação espiritual e cultural especial que une os povos indígenas com seus
territórios.
Quando se pensa nesses territórios, a região amazônica surge como a mais
emblemática pela disputa da sua biodiversidade e riqueza natural em prol de
desenvolvimento econômico e como esta disputa tem gerado conflitos entre grandes
empreendimentos hidrelétricos e as comunidades tradicionais. Para entender estas
questões, serão tratadas nas seções seguintes os empreendimentos hidrelétricos
construídos na região.

2 USINAS DE SANTO ANTÔNIO, JIRAU E DE BELO MONTE

Em termos de extensão o Rio Madeira é o terceiro maior rio do Brasil, com


aproximadamente 3.315 km, ele nasce nas proximidades de Abunã, em Porto Velho,
entre a junção dos rios bolivianos Beni e Mamoré e alcança os Estados de Rondônia e
Amazonas.
Ao longo de seu trajeto existem quatro hidrelétricas, sendo duas brasileiras, a
usina de Santo Antônio e Jirau. Já a terceira, binacional, conhecida como Guajará-
Mirim, fica na fronteira entre Brasil e a Bolívia e a quarta é chamada de Cachuela
Esperanza, está localizada no território boliviano. Distante de Porto Velho,
aproximadamente 10 km, na cachoeira de Santo Antônio, está localizado o complexo de
hidrelétrica Santo Antônio. Já a Usina de Jirau está localizada distante de Porto Velho,
precisamente a 136 km, ela é encontrada na altura das corredeiras de Jirau, situadas a
136 km da cidade de Porto Velho (MAGALHÃES; FAVARETO, 2014, p. 367).
O complexo Hidrelétrico do rio Madeira que envolve as hidrelétricas brasileiras
Santo Antônio e Jirau pretende promover não só um aumento na produção de energia,
mas também uma malha hidrográfica de 4.200 km de área navegável, sendo utilizada
para passagem de grandes embarcações entre Peru, Bolívia e Brasil. O processo de
implantação das usinas envolveu diferentes agentes públicos e privados, com interesses
energéticos, econômicos, sociais e ambientais
Durante as fases de licenciamento e a licença de operação, inúmeros foram os
questionamentos com relação à viabilidade e os alcances dos impactos socioambientais
para a região. Na ata da Audiência Pública para a discussão do Estudo de Impacto
Ambiental, o presidente da mesa alegou que todas as questões foram amplamente
discutidas e cedeu espaço para perguntas e respostas. Entretanto, o secretário de
Planejamento, Dr. José Carlos, afirmou que o governo do Estado é favorável ao
empreendimento e que não iria admitir a interferência de pessoas de outros Estados e,
talvez, de outros países dizendo como a região deve se desenvolver (MAGALHÃES;
FAVARETO, 2014, p. 368).
O IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais emitiu
vários pareceres recomendando à não concessão das licenças, nem as licenças prévias,
nem as de operação e muito menos as de instalação, a fim de impedir o licenciamento
ambiental das obras de construção das hidrelétricas, devido acreditar que a população
local estaria prejudicada com tais empreendimentos.
Vários pareceres técnicos contendo análises e conclusões foram dados em
desfavor aos empreendimentos, como a Informação Técnica 08/2006, que recomendou
o não aceite do EIA/RIMA e a reapresentação de novos Estudos; Ofício 491/06, emitido
pela FUNAI na qual faz solicitações ao IBAMA e a Furnas, requisitando o
acompanhamento do processo de licenciamento e a consulta aos povos indígenas.

179
Em 2006, o IBAMA emitiu novos pareceres recomendando a realização de
estudos de impacto ambiental. Já em 21/03/2007, este órgão aprovou o estudo de
impacto ambiental e relatório dos empreendimentos de Jirau e Santo Antônio, sob a
obrigatoriedade de cumprir 33 condicionantes no período de 2 anos; no entanto, sem
cumprir todas as condicionantes e, por meios alternativos, os empreendimentos de Santo
Antônio e Jirau, conseguiram a Licença de Instalação, respetivamente 13/08/2008 e
14/11/2008 (MAGALHÃES, FAVARETO, 2014, p. 369).
No Parecer Técnico 014/2007, o IBAMA atestou a inviabilidade dos
empreendimentos, recomendando a não emissão da Licença Prévia (LP). Em novembro
de 2008, é ajuizada Ação Popular requerendo a suspensão das obras da Usina de Jirau
(MAGALHÃES, FAVARETO, 2014, p. 371).
A Resolução n° 237, de 19 de dezembro de 1997, do Conselho Nacional do
Meio Ambiente – CONAMA descreve em seu artigo 19, I, II e III que, o não
atendimento às condicionantes poderá a licença expedida ser suspensa ou até mesmo
cancelada:

Art. 19 – O órgão ambiental competente, mediante decisão


motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de
controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença
expedida, quando ocorrer:
I - Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou
normas legais.
II - Omissão ou falsa descrição de informações relevantes que
subsidiaram a expedição da licença.
III - superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.

Ao conceder a Licença Prévia 251/2007, IBAMA recomendou as seguintes


condicionalidades: detalhamento de todos os planos, programas, medidas mitigadoras e
de controle consignados no Estudos de Impactos Ambientais-EIA e nos demais
documentos técnicos; providências para desafetação da área tombada da Estrada de
Ferro madeira-Mamoré; relatórios trimestrais sobre os programas de monitoramento
previsto na Licença Prévia, apresentação de programas e projetos de apoio à proteção do
patrimônio cultural; contemplação no Programa de Apoio às Comunidades Indígenas as
recomendações da Funai e estabelecimento de área de preservação permanente de no
mínimo 500 metros, nos termos da Resolução Conama 302/2002 (PAPST, 2014, p. 66-
69).
Apesar de não terem cumprido as condicionantes anteriores, em 2012 as
empresas concessionárias conseguiram do IBAMA a licença de operação, mas as
críticas se sucederam com relação ao licenciamento.
A concessionária MESA era composta por várias empresas, entre elas
Odebrecht, Furnas Centrais Elétricas, Andrade Gutierrez, Cemig e um fundo de
investimento composto pela Banif e Santander, elas venceram em 2007 o leilão da usina
hidrelétrica de Santo Antônio.
Por outro lado, o leilão da exploração da usina hidrelétrica Jirau em 2008 foi
vencido pelo consórcio ESBR formado pelas empresas Suez Energy South America
Participacoes Ltda., Camargo Correa Investimentos e Infraestrutura S/A, Eletrosul
Centrais Elétricas S/A e Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (MAGALHÃES;
FAVARETO, 2014, p. 372).
O Ministério Público Federal - MPF atuou em diversos campos, ao longo de
todo processo de licenciamento ambiental, a fim de possibilitar o cumprimento das

180
condicionantes impostas às empresas concessionárias. Assim, puderam ajuizar ação
(proc. 0008477-07.2016.4.01.4100) contra a empresa ganhadora da licitação de
exploração da usina de Jirau, o consórcio ESBR, devido à falta de assistência à
comunidade Tradicional Pesqueira de Abunã, conforme descrito abaixo:

Os autores da ação, os procuradores da República Raphael


Bevilaqua e Gisele Bleggi e a promotora de Justiça Aidee
Moser, expõem que os pescadores e os órgãos fizeram
“inúmeras tentativas extrajudiciais para que a ESBR cumprisse
as condicionantes impostas nas licenças concedidas pelo Ibama
(Licença Prévia 251/2007, Licença de Instalação 621/2009 e
Licença de Operação 1097/2012), sendo totalmente ignorados”
O MP aponta que o próprio Ibama já registrou em parecer e
relatório as dificuldades para manutenção da atividade pesqueira
após o enchimento do reservatório da Hidrelétrica de Jirau.
Laudo pericial do MPF expõe que “a ESBR adota práticas
excludentes dos pescadores tradicionais, atuando como agente
fomentador de conflitos na região. Os conflitos surgem
especialmente da total desorganização social e econômica
experimentada após a instalação das Usinas Hidrelétricas”.
(FEDERAL, 2017).

Houve, portanto, tentativas de adotar outros procedimentos pelo MPF, antes


mesmo da licença de operação ser concedida aos consórcios. Nos autos do processo o
próprio Ministério Público pleiteia a suspensão da licença de operação da hidrelétrica
Jirau, uma vez que não foram obedecidas as condicionantes exigidas para a operação,
como a apresentação de compensações e a diminuição dos impactos das hidrelétricas na
atividade pesqueira (FEDERAL, 2017).
Assim como as usinas de Santo Antônio e Jirau, a usina de Belo Monte se valeu
do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sendo um dos maiores
empreendimentos patrocinados pelo Programa, cuja construção já dura décadas, e sua
pretensão é se tornar a 3ª maior hidrelétrica do mundo.
Localizada no rio Xingu, no Pará, a usina teve seus primeiros estudos de
viabilidade iniciados no regime militar, em 1975, período em que se buscava uma
política de migração na região norte, que era vista como um meio de proporcionar o
desenvolvimento econômico do país. A região onde corre o rio Xingu é conhecida por
abrigar o primeiro Parque Indígena do Brasil, este Parque possui um rico ecossistema.
Considera-se, portanto, que a construção da usina afetaria toda a diversidade biológica
bem como as comunidades que vivem na região.
Assim como o ocorrido nos empreendimentos ao longo do rio Madeira, muito se
discutiu sobre a viabilidade do gigantesco empreendimento da usina de Belo Monte e
seus impactos ambientais. Por outro lado, a Usina implementada reduziria a vazão
normal do rio Xingu em 80%, o que afetaria diretamente todos os seres que dependem
do rio.
Foram diversos questionamentos sobre a construção da usina, bem como, as
concessões das licenças ambientais, inclusive muitos processos tramitam no judiciário
brasileiro questionando a atuação de entes federais, políticos e diversos interessados na
construção da usina
As licenças concedidas no empreendimento da usina de Belo Monte passaram
por questões complexas. O IBAMA, em fevereiro de 2010, concedeu a licença prévia e

181
colocou 66 condicionantes para serem cumpridas; e em junho de 2011 concedeu a
licença de instalação. No entanto, em 2015 o órgão negou a licença de operação, pois, a
concessionária não cumpriu com as exigências impostas nas licenças anteriores, não
obstante, após dois meses, a licença foi concedida por meio de liminar concedida pela
justiça em 1º grau, cassadas em segunda instância, e em 2016 a usina começou a
funcionar. (SANTANA; BRZEZINSKI, 2018, p. 250).
As discussões jurídicas em torno de hidrelétrica de Belo Monte fizeram com que
o Ministério Público movesse ação em face do IBAMA e a Eletronorte exigindo a
paralisação das obras, por não estar sendo respeitado o § 3º do art. 231 da Constituição
Federal (BRASIL,1988), uma vez que as comunidades indígenas não foram ouvidas,
requerendo assim à inconstitucionalidade do Decreto Legislativo N°788/2005
(BRASIL).

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,


costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os
potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas
minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas com
autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades
afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da
lavra, na forma da lei.

O projeto e construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte foi cercado de


denúncias sobre lavagem de dinheiro, pagamento de propina; subornos para obtenção de
contratos de construção, financiamento de campanhas e criações de organizações
criminosas, ligando altos membros da política nacional com importantes empresários do
ramo (FEARNSIDE, 2018, p. 167 - 168).
O Ministério Público Federal apresentou diversos procedimentos judiciais,
principalmente em razão da concessão de licenças ambientais e violação de direitos
constitucionais. O autor Fearnside (2018) ao expor a questão judicial que envolveu a
usina destacou diversas situações, entre elas a Apelação Cível nº 2006.39.03.000711-8
na qual o Tribunal regional Federal da 1ª Região decidiu em favor dos indígenas, no
entanto, a decisão foi revista pelo Supremo Tribunal Federal:

Pelo menos 60 contestações jurídicas estão ainda pendentes


contra Belo Monte nos tribunais brasileiros, inclusive 22 ações
civis públicas (AIDA 2015). Os povos indígenas impactados não
foram consultados como exigido pela Convenção 169 da
Organização Internacional de Trabalho (OIT) (ILO 1989), que o
Brasil, assinou em 1991 e ratificou em 2002, e converteu em lei
brasileira em 2004 (Brasil, PR 2004). Em 2012, o Tribunal
Regional Federal da 1a Região (TRF-1) decidiu em favor dos
povos indígenas em uma dessas ações (Apelação Cível nº
2006.39.03.000711-8), assim fornecendo uma barreira jurídica
mais substancial à continuação da construção. O chefe da AGU
foi capaz de obter uma audiência privada com o juiz chefe do
Supremo Tribunal Federal (STF) e convencê-lo a aceitar um
recurso que permitiria a represa avançar na prática. Durante os

182
quatro dias que foi interrompida a construção de Belo Monte,
vários membros do poder executivo do governo foram recebidos
pelo juiz chefe do STF, e nenhum representante da sociedade
civil foi recebido (INTERNATIONAL RIVERS, 2012; ISA
2012). A decisão, que foi feita pelo juiz chefe sem consultar
qualquer dos outros juízes da STF, permitiu a construção
continuar enquanto se aguardava uma decisão sobre o mérito do
caso em algum momento futuro indeterminado. Isso ocorreu
apenas duas semanas antes do juiz chefe alcançar a idade de
aposentadoria compulsória e ocorreu no meio do julgamento de
alta prioridade do escândalo de corrupção do "mensalão"
(SEVÁ-FILHO, 2014). Desde esta decisão de 2012, o caso de
Belo Monte nunca apareceu na agenda do Supremo Tribunal
Federal para apreciação, e a barragem, na prática, foi construída.
(FEARNSIDE, 2018, p. 169)

O autor Fearnside (2018, p. 168) apresentou o depoimento do ex-líder do Partido


dos Trabalhadores, Delcídio do Amaral, no qual Delcídio suscitou questões polêmicas
que envolvem a política nacional e o empreendimento da usina de Belo Monte:

...[A] propina de Belo Monte serviu como contribuição decisiva


para as campanhas eleitorais de 2010 e 2014. O principal agente
negociador do Consórcio de Belo Monte foi o empreiteiro
FLÁVIO BARRA da [empresa construtora] ANDRADE
GUTIERREZ. Os números da propina giravam na casa dos R$
30 milhões [na época ~US$ 15 milhões], destinados às
campanhas eleitorais. DELCÍDIO DO AMARAL acredita que
os números finais de propina sejam superiores, pois, durante a
campanha, houve acordo com relação a "claims" de cerca de R$
1,5 bilhões [~US$ 750 milhões], apresentadas pelo Consórcio. O
acordo com relação a "claims" era uma das condições exigidas
para aumentar a contribuição eleitoral das empresas. E preciso
dizer que a atuação do "triunvirato", formado por SILAS
RONDEAU [Ministro de Minas e Energia 2005-2007],
ERENICE GUERRA [chefe da Casa Civil durante a campanha
eleitoral de 2010] e ANTÔNIO PALOCCI [chefe da Casa Civil
em 2011], foi fundamental para se chegar ao desenho
corporativo e empresarial definitivo do Projeto Belo Monte.
DELCÍDIO estima que o valor destinado para as contribuições
das campanhas (2010 e 2014) do PMDB e PT atingiram cerca de
R$ 45 milhões [~ US$ 23 milhões]. (FEDERAL, 2016, p. 69- 70
apud FEARNSIDE, 2018, p. 168)

Desde o estudo da viabilidade, em 1975, até os dias atuais situações


problemáticas são relacionadas à obra desta usina, trata-se de um empreendimento que
envolve diversos interesses e movimenta bilhões em dinheiro, tornando-o assim, um
empreendimento rentável e atrativo.
Os projetos hidrelétricos são propostos sob argumentos de proporcionar maior
infraestrutura energética, e com isso alcançar maior desenvolvimento econômico e
independência energética, neste sentido, a região amazônica é vista como ponto

183
estratégico para o setor, atraindo atenção tanto do setor público quanto do privado.
Independentemente do setor e da finalidade, estes empreendimentos provocam impactos
socioambientais.
O relevante aqui, é avaliar quais são os impactos causados ao meio ambiente e a
comunidade e quais eles podem suportar. Os relatórios e estudos independentes
apontam ribeirinhos que antes viviam às margens do rio Xingu e que obtinham seus
sustentos e de suas famílias foram realocados. A transposição trouxe grande impacto
tanto na fauna quanto na flora nativas e também mudança radical na vida da população.
O modo de vida e cosmovisão indígenas entram em conflito com os interesses
do grande capital monopolista, de atores que exercem uma política de domínio e
exploração e não preservação da natureza nesses territórios.

3 A SUSTENTABILIDADE DOS EMPREENDIMENTOS DAS USINAS BELO


MONTE, SANTO ANTÔNIO E JIRAU

O início de uma construção de usina hidrelétrica se dá através da aprovação do


Governo Federal, que promove estudos na área para verificar se há viabilidade técnica;
posteriormente, obtida a autorização, são necessários novos estudos, incluindo de
engenharia e ambiental, ou seja, Estudos de Viabilidade e Estudos de Impactos
Ambientais (EIA). Esses estudos deverão seguir as orientações do Termo de Referência.
Faz-se necessário também o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), dando maior
acessibilidade às informações técnicas apresentadas nos Estudos (SANTANA;
BRZEZINSKI, 2018).
Para as atividades altamente poluidoras, a Constituição Federal (BRASIL, 1988)
passou a se exigir a realização dos estudos de impactos ambientais, conforme previsão
do § 1º, inciso IV do artigo 225 (BRASIL, 1988):

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
(...)
IV - Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade;

Outra lei que dispõe sobre o mesmo assunto é a Resolução do Conama


(Conselho Nacional do Meio Ambiente) 01/86 (BRASIL, 1986) em seu artigo 2.

Artigo 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto


ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a
serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e
do IBAMA e1n caráter supletivo, o licenciamento de atividades
modificadoras do meio ambiente, tais como:
(...)
VII - Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos,
tais como: barragem para fins hidrelétricos, acima de 10MW, de
saneamento ou de irrigação, abertura de canais para navegação,

184
drenagem e irrigação, retificação de cursos d'água, abertura de
barras e embocaduras, transposição de bacias, diques;

A legislação vigente exige procedimentos a serem observados para que o


empreendimento consiga a autorização de instalação e operação, o artigo 8º da
Resolução CONAMA 237 (BRASIL,1997) prevê três modalidades de licença a serem
observadas de forma simultâneas e dependentes: a licença prévia (LP), licença de
instalação (LI) e Licença de Operação.
Desde o estudo de viabilidade, até a concessão da licença, execução e operação
das usinas hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, diversas falhas foram
encontradas e desrespeitadas várias condicionalidades das licenças. Não faltaram
também meios de despolitizar e minimizar as polêmicas quanto ao efeito negativo dos
impactos gerados à região, e sim, valorizando setores da construção civil, energéticos
entre os interessados economicamente na exploração da região.
A principal proposta de mitigação apresentada pela empresa é o chamado
hidrograma de consenso, que foi aprovada pela Agência Nacional de Águas, por
conciliar três condições de sustentabilidade ecológica e social. Esse hidrograma foi
definido a partir de três premissas:

1. É minimamente necessária uma vazão de 700 metros cúbicos


por segundo (m³/s) durante os meses de seca para garantir as
condições de navegabilidade do trecho da Volta Grande;
2. É minimamente necessária uma vazão de 4.000 m³/s durante a
época da enchente, para garantir o alagamento de pedrais pelo
menos uma vez por ano;
3. É minimamente necessária uma vazão de 8.000 m³/s durante
os meses de cheia, para garantir o alagamento de parte das
planícies pelo menos uma vez a cada dois anos (PEZZUTI et al.
2018, p. 17).

De acordo com os autores supracitados, a medida para a definição do


hidrograma é inadequada, pois coloca em perigo as espécies da fauna e flora e não é
capaz, por conseguinte, de garantir direitos fundamentais da população da região,
nomeadamente o direito ao território e à sobrevivência física e cultural dos povos
indígenas. Nesta última, pode ocorrer o etnocídio: a destruição de uma cultura e um
modo de vida.

Tamawaerw Paracana, uma mulher indígena, descreve os


desafios diários que sua família enfrenta ao tentar sobreviver em
uma comunidade de reassentamento urbano: “Não tenho meios
de viver aqui. Não tenho dinheiro para comida. Aqui você
precisa ter um emprego, pois quem não trabalha não come. Não
há comida”. O caso de etnocídio ainda não foi levado ao tribunal
(SULLIVAN, 2017, p. 2).

No estudo conduzido pelo Ministério Público Federal (2015) concluiu-se que “a


organização social, costumes, línguas e tradições dos grupos indígenas haviam sido
destruídas pela construção da barragem. ” [...] “com muita estratégia, os não indígenas
[os construtores da barragem criaram conflitos], os governantes, dividiram as pessoas
(SULLIVAN, 2017, p. 12).

185
A alteração de fluxo natural comprometeu a navegabilidade, a atividade
pesqueira e a relação da comunidade com o rio. De fato, os empreendimentos
hidrelétricos reordenaram o modo de vida dos ribeirinhos.

Desde 2015, portanto, a quantidade, velocidade e nível da água


na região não derivam mais do fluxo natural do rio, mas
dependem da operadora da UHE Belo Monte. Nesse sentido, o
licenciamento ambiental determinou que a concessionária seja
obrigada a garantir a passagem de uma vazão mínima de água
nos cerca de 100 km que correspondem à região da Volta
Grande do Xingu (PEZZUTI et al. 2018, p. 08). Em análise
técnica do Ibama sobre o EIA, de 2009, os analistas do órgão
deixam registrado que os pressupostos e conclusões que levaram
à definição do hidrograma “de consenso” são insustentáveis, e
ele não deve ser considerado uma medida adequada de
mitigação, dado que coloca espécies da fauna e flora seriamente
em risco de extinção, assim como ameaça a permanência de
povos
indígenas e ribeirinhos na região (PEZZUTI et al. 2018, p. 18).

No depoimento da sra. Jandira, da aldeia Mïratu, (PEZZUTI et al. 2018)


registram-se as mazelas causadas pela usina de Belo Monte:

O rio agora é uma ameaça, por causa dessa situação da vazão e


da maré. Imagine se as crianças estiverem nadando quando
liberarem água? Não gosto nem de pensar nisso. Por isso que
agora nós não deixamos mais os meninos irem banhar no rio.
Muito triste essa situação, porque minhas crianças todas se
criaram nadando do Xingu. Agora temos que afastar as crianças
da água para a segurança delas. (PEZZUTI et al. 2018, p. 13).

Ao separar os indivíduos do seu contexto sociocultural, incorre-se na


possibilidade de divisão da comunidade e da fratura do tecido social. As comunidades
tradicionais começaram a questionar a expulsão de suas áreas tradicionais através das
quais obtinham recursos naturais e conexão com seus antepassados. Muitos foram os
efeitos negativos causados pelos empreendimentos, denunciados pelos depoimentos de
pessoas afetadas diretamente pela obra de Belo Monte, como o sr. Edilson Juruna, da
aldeia Furo Seco:

Agora, estamos com esse empreendimento na nossa casa, no


nosso quintal. Agora estamos vendo o Xingu virar um rio de
sangue. Aqui na Volta Grande estão os antepassados dos Juruna
Yudjá, os cemitérios desses nossos antepassados. O pessoal que
foi para o TIX segurou a cultura, nós seguramos nosso território
tradicional (PEZZUTI et al. 2018, p. 12).

Os empreendimentos hidrelétricos não observaram de forma devida, parâmetros


para a compensação dos atingidos pela obra, e a importância das atividades econômicas
como a pesca, o garimpo, a agricultura e pecuária. Isso permite informar que a

186
comunidade viu seus interesses suplantados pelas decisões políticas e interesses desses
grandes empreendimentos.
Dona Dinã Juruna, da aldeia Mïratu, disse o seguinte: “Minha palavra, a palavra
das pessoas, não vale mais nada. Agora, me diz: por acaso é documento que anda, fala e
come? Pode um documento valer mais que uma vida? ” (PEZZUTI et al. 2018, p. 14).
O desenvolvimento econômico deve ser acompanhado de sustentabilidade para
que os impactos sejam mitigados ao máximo, a fim de proporcionar um
desenvolvimento de forma ampla para a sociedade.

Uma nação precisa desenvolver-se para conseguir a plenitude


econômica. No entanto, esta busca não pode visar apenas o
sucesso econômico, sob sério risco de causar um colapso no
sistema.
Meios de sustentabilidade devem ser criados, é fundamental
repensar o modo de uso dos recursos naturais e o
desenvolvimento econômico, estes valores não podem mais
viver em conflito. É preciso a adoção de medidas que permitam
o desenvolvimento sustentável, isto é, crescimento econômico e
a preservação do meio ambiente e meio social ao mesmo tempo.
As usinas do rio Madeira caminharam por sentido transverso ao
que se busca no desenvolvimento sustentável, porquanto os
estudos apontam que até o momento não foram capazes de gerar
ganhos econômicos, uma vez que há dúvidas a respeito da
viabilidade das usinas fio d’água, mas já está evidente a
existência de danos ambientais, sociais e econômicos que não
podem ser mensurados (FIGUEIREDO et al., 2017, p. 06).

Verifica-se, portanto, por meio do discurso de promoção do bem-social e o


desenvolvimento econômico, o setor energético, movido pelos interesses econômicos de
grandes grupos, impõe suas demandas através de manobras políticas e barganhas, sem
observar questões socioambientais e o modo de vida da comunidade local.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se no presente artigo abordar questões sobre os empreendimentos das


Usinas de Santos Antônio e Jirau, localizadas no Rio madeira, na região de Porto Velho,
Rondônia; e a Usina de Belo Monte, localizada no Rio Xingu, na região de Altamira,
Pará. Essa busca de elementos fundantes ocorreu pela pesquisa doutrinária e à luz do
método dedutivo de pesquisa.
Durante o desenvolvimento do trabalho foi apresentado aspectos das Usinas de
Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, elucidando os conflitos existentes na forma imposta
os empreendimentos a população local de cada obra.
Verificou-se que em todas as obras, sejam aquelas no Rio Madeira ou Xingu, os
interesses eram genuinamente econômicos, cujo discurso usado era em prol de um bem
maior para a sociedade, mas, na verdade, observou-se predomínio de interesse de
setores como construção civil, transporte e classe política.
Diante do interesse econômico, várias questões socioambientais foram ignoradas
ou infringidas, não sendo considerado de forma ampla os impactos acarretados de forma
direta ou indireta à comunidade local, fauna e flora da região.

187
O texto abordou também questões judiciais envolvendo as obras das Usinas,
sejam em razão de decisões conflitantes da liberação de licenciamento, ou questões
envolvendo direito constitucionais, até lavagem de dinheiro, corrupção, propina, entre
outro.
Dessa forma, se propôs no trabalho demonstrar que questão energética deve ser
analisada de forma ponderada e sustentável, pois envolve questões de extrema
relevância, uma vez que exige altos investimentos, e vincula diversas questões como
meio ambientes, questões culturais, sociais e econômicas.
Portanto, conclui-se que o setor energético deve buscar novos investimentos em
setor alternativos e sustentáveis, e questões socioambientais devem fazer parte das
questões prioritárias, devendo ser escutado todos os autores envolvidos no
empreendimento; devendo ainda ser respeitada as normas legais.

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A PROIBIÇÃO DA EXPLORAÇÃO DO AMIANTO COMO UM
INSTRUMENTO DE JUSTIÇA AMBIENTAL

The prohibition of the exploitation of asbestos as an instrument of environmental justice

Elias José de Alcântara1


Anamália Queiroz de Carvalho Alcântara2

Resumo: A decisão do Supremo Tribunal Federal que proibiu a exploração de amianto


no Brasil causou controvérsia, devido aos interesses econômicos do setor produtivo e as
perdas de empregos no âmbito social. Em razão do conflito entre o direito fundamental
à saúde e a proteção do meio ambiente com o princípio da livre iniciativa da exploração
econômica do amianto. Assim, propôs-se a avaliação dos diversos fundamentos sobre o
assunto, com base nos preceitos da Justiça Ambiental, por meio da análise das
proposições por parte de alguns parlamentares no sentido de reivindicar a revisão da
decisão do Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de a decisão ser um fator
negativo para a econômica e para os trabalhadores do setor. O que nos levou a abordar
as características do asbesto e suas consequências nocivas para o ambiente do trabalho e
para a sociedade, por meio da avaliação dos aspectos jurídicos e das características
patogênicas do mineral. Concluímos que não haveria outra alternativa mais adequada,
senão aquela adotada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de proibir a
comercialização e exploração do amianto em todas as suas formas, como único meio
possível para proteger a vida humana e o meio ambiente.
Palavras-chave: Amianto, Proteção, Meio Ambiente, Justiça Ambiental, Direitos
humanos.

Abstract: The decision of the Supremo Tribunal Federal that prohibited the
exploitation of asbestos in Brazil generated controversy, due to the economic interests
of the productive sector and the losses of jobs in the social scope. Because of the
conflict between the fundamental right to health and the protection of the environment
with the principle of free initiative of the economic exploitation of asbestos. Thus, it
was proposed to evaluate the various grounds on the subject, based on the precepts of
Environmental Justice, through the analysis of the proposals by some parliamentarians
to claim the review of the decision of the Supremo Tribunal Federal, on the grounds of
the decision is a negative factor for the economic and for the workers of the sector. This
led us to discuss the characteristics of asbestos and its harmful consequences for the
work environment and for society, through the evaluation of the legal aspects and the
pathogenic characteristics of the mineral. We concluded that there would be no more
adequate alternative than that adopted by the Supremo Tribunal Federal to prohibit the
commercialization and exploitation of asbestos in all its forms as the only possible
means to protect human life and the environment.

Keywords: Asbestos, Protection, Environment, Environmental Justice, Human Rights.

191
Introdução
As características físico químicas do asbesto, ou amianto, consistente em ser um
material resistente ao fogo e por possuir excelentes propriedades de abrasão, devido às
fibras minerais, que lhe atribuem qualidades acústicas e térmicas, associado a sua
flexibilidade e resistência ao ataque de ácidos e bactérias, fomentou desde o início do
Século XIX, o uso desse mineral como matéria prima no processo de industrialização,
especialmente, como isolante térmico das máquinas e equipamentos.
Com a intensificação do processo industrial, modificações significativas na
economia e na sociedade, que se tornaram mais complexas, e, por consequência, no
espaço geográfico, aumentaram ainda mais a demanda pelo mineral, impulsionou o
desenvolvimento da exploração do amianto em diversas partes do mundo, atingindo seu
apogeu no período, após a segunda guerra mundial.
Largamente empregado, constatou-se que o excepcional material, também era o
responsável por uma epidemia de doenças respiratórias, altamente incapacitantes que
acarretavam quase sempre o óbito ou a incapacidade de milhões de trabalhadores
inseridos no processo produtivo da exploração mineral do amianto.
O nexo epidemiológico entre as vítimas e a exploração do mineral, não se
tardaram a se comprovar. As reações pleurais ao asbesto podem se manifestar através de
espessamentos pleurais circunscritos ou difusos, com ou sem calcificações, derrame
pleural e atelectasia redonda, tendo sido constatado essas alterações inicialmente em
1931, com espessamento pleural em 1942, e, no final da década de 1940, houve o
reconhecimento da calcificação pleural bilateral como efeito da exposição ao asbesto.
(FILHO, FREITAS e NERY, 2006, p. 66).
Em razão de sua grande abundância em diversos regiões geográficas e em
diversas formas, o mineral passou a ser considerado a “seda natural” e devido as suas
propriedades, surgiu em torno de sua exploração econômica um robusto conglomerado
industrial, fato que acabou por fomentar uma grande e pseudo-meta-narrativa sobre os
aspectos positivos de sua exploração, visando brindar o lucrativo negócio de
inconvenientes ingerências públicas ou de injustas difamações sobre os danos causados
pelo mineral à saúde humana.
Todavia, inobstante ter ocorrido a superação das polêmicas, quanto ao potencial
de danos que o amianto pode acarretar à saúde humana, por haver evidências científicas
que o mineral causa inúmeras doenças graves, como asbestose, câncer de pulmão e
mesotelioma – além de câncer de laringe, do trato digestivo e de ovário, espessamento
na pleura e diafragma, derrames pleurais, placas pleurais e severos distúrbios
respiratórios; porém, para alguns, tais argumentos não têm qualquer nexo causal com a
exploração do amianto.
O fato é que a exploração econômica desse mineral se tornou objeto de grande
celeuma, devido ser o amianto matéria prima para a produção de milhares de produtos,
especialmente, da indústria de construção civil (telhas, caixas d´água, fibras,
revestimentos), assim como de outros setores estratégicos da indústria de base como a
química e mecânica, produzindo produtos como: pastilhas de freio, juntas, gaxetas,
revestimentos de discos de embreagem, tecidos, vestimentas especiais, tintas, dentre
outros. Tornando, ainda, a exploração do mineral uma área de grande interesse
econômico para diversos grupos empresariais, mesmo que em detrimento à saúde
humana.
Sob esse aspecto, não há como ignorar as tensões sociais envoltas no exercício
da atividade econômica de exploração do amianto, especialmente, no que se refere à
vulnerabilidade no âmbito social em que há milhares de pessoas desempregadas, e, que
interpretam as restrições e limitações estabelecidas para o desenvolvimento da atividade
192
econômica relacionadas ao amianto como uma violação ao princípio do livre exercício
da atividade econômica, violando a liberdade de iniciativa e a economia privada.
Diante desse cenário, impõe nos analisar qual deve ser o papel do Poder Público
em face da exploração do amianto no nosso ordenamento jurídico? Fomentar a atividade
econômica, atuando como mero regulador do setor, ignorando os danos que o exercício
da exploração poderá causar a saúde humana? Ou estabelecer critérios rigorosos para
limitar e restringir a exploração da atividade econômica, estabelecendo políticas
públicas de saúde, mesmo que isso signifique um obstáculo para o desenvolvimento
econômico de determinada região e um fator de impedimento para as pessoas terem
acesso a uma vaga de emprego que lhe atribua dignidade?
Essas indagações se tornaram mais relevantes, em face a concepção de justiça
ambiental que deve nortear os empreendimentos econômicos e pelo atual estágio
democrático da sociedade brasileira, que faz com que o desempenho da atuação do
Estado, no exercício de suas atribuições constitucionais, através do exercício da função
legislativa, executiva ou judiciária, sejam objeto de questionamentos, principalmente,
em relação à efetividade das ações que empreende visando à melhoria da realidade
socioeconômica.
Nesse sentido, no momento em que percebemos um forte movimento social em
apoio as empresas que exploram economicamente o amianto, em razão do risco de
desemprego e crise econômica que a paralisação da atividade poderá gerar nos
municípios produtores, como ocorre em Minaçu – GO; os quais são respaldados e
fortalecidos por apoio de instituições políticas, que abertamente se posicionam contra a
decisão da mais alta Corte de Justiça do país, que decidiu proibir a exploração de
asbesto no país.
Propõe-se analisar os fatos e as relações jurídicas e sociais concernentes ao caso,
buscando identificar e avaliar à luz da Justiça Ambiental os argumentos e as soluções
apresentadas pelo Supremo Tribunal Federal.

1 Aspectos jurídicos e jurisprudenciais

A proibição de produtos, materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos


de amianto por meio de Leis Estaduais foram objeto de inúmeros questionamentos de
sua constitucionalidade no âmbito do Supremo Tribunal Federal, por meio de diversas
Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade, propostas em desfavor de diversos
Estados da Federação, especificamente, São Paulo (Lei Estadual nº 10813/2001 – ADI
2656-9), Rio de Janeiro (Lei Estadual nº 3.579/2001 – ADI 3406 e 3470), Pernambuco (
Lei Estadual 12589/2004 – ADI 3356), Rio Grande do Sul (Lei Estadual 11643/2001 -
ADI 3357).
Sob esse aspecto, em razão da complexidade do tema e dos interesses
econômicos e sociais envolvidos, houve inclusive a propositura de uma Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 109) pela Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), que também havia ajuizou as outras ADIs,
questionando à Lei 13.113/2001 e o Decreto 41.788/2002, ambos do município de São
Paulo, devido ao fato de as normas proibirem o uso de materiais constituídos de amianto
na construção civil.
Nas ações constitucionais foram apontados como fundamento para a
impugnação das Leis Estaduais, a alegação de inconstitucionalidade formal das normas
estaduais e municipais, por usurpação de competência da União para editar normas
gerais sobre consumo e proteção ao ambiente e à saúde (Constituição da República, art.
24, V,VI, e XII) e para legislar privativamente sobre transporte e jazidas, minas e

193
outros· recursos minerais e metalurgia (CR, art. 22, XI e XII), assim como pela violação
dos princípios do pacto federativo e da proporcionalidade.
E, no mérito, em síntese, os postulantes sustentava que o amianto não causava
nenhum problema de saúde pública, havendo indícios apenas de identificações de
natureza saúde ocupacional, devido à inalação durante os processos de extração e de
industrialização, não havendo qualquer dano à saúde após a industrialização da matéria
prima; e, que haveria a necessidade de distinguir o tratamento dado a matéria no âmbito
nacional e no âmbito internacional, considerando o fato de inúmeros países autorizar o
uso e a comercialização do amianto em seus territórios.
Em relação à defesa da exploração econômica do mineral, importa destacar pela
linha argumentativa de viés econômico o argumento do Estado de Goiás, no âmbito da
ADI 2656-9, no sentido de alegar a importância da exploração do amianto para a
economia do Estado de Goiás, devido à perda de vagas de emprego e arrecadação
tributária, além de prejuízo a econômica local em que situava as indústrias de
exploração mineral; fato que impactaria negativamente a atividade econômica devido à
limitação do mercado consumidor do Estado de São Paulo.
O cerne da lide consistia no conflito entre a livre iniciativa que rege a ordem
econômica e o direito humano fundamental à saúde e ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado; exigindo-se no caso uma profunda análise de outros aspectos jurídicos,
pertinentes ao caso, no que se refere à competência dos entes federados em legislar
sobre à matéria, sob pena de violação do pacto federativo entre as unidades federativas.
Sob esse aspecto, por se caracterizar como um conflito de interesses que envolve
aspectos socioambientais não se podia ignorar também as disposições do inciso V, do
artigo 225, CF/88, vejamos:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações.
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e
o meio ambiente;

E, de fato os argumentos favoráveis à exploração do amianto no âmbito nacional


não prevaleceu. Assim, a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em 2017, a
qual foi objeto de liminar concedida pela Corte de Justiça para que os Estado, que não
tinham leis proibindo a exploração e a comercialização do amianto, continuasse as
atividades econômicas do mineral, até a publicação final do acórdão do julgamento.
Em fevereiro/2019, finalmente, o acórdão do julgamento foi publicado, passando
a prevalecer com efeito erga omnes a decisão final do Supremo Tribunal Federal, no
sentido de proibir a extração, industrialização, comercialização e a distribuição do uso
do amianto no País, julgando inconstitucional o dispositivo da norma federal que
autorizava o uso dessa modalidade de amianto e posicionando pela validade da norma
estadual que proibia o uso de qualquer tipo de amianto.
Acontece que após a publicação do acórdão, foram apresentados embargos de
declaração, com o pedido de que os efeitos da decisão sejam novamente suspensos até
que os embargos sejam analisados. E, desde então, o que se percebe, é um
fortalecimento efetivo de um movimento representado por parlamentares, com efetivo
apoio de grupos econômicos que exploram o mineral, no sentido de reverter a decisão
adotada pela Corte de Justiça, sob o argumento de que a decisão é prejudicial aos
interesses sociais e econômicos do país, afirmando que não tem sentido impedir a

194
exploração econômica do mineral, considerando que a produção é destinada para
exportação, tendo por destino países em que o uso do amianto e de produtos derivados
do mineral não são proibidos.
Diante desse cenário, visando à devida análise do tema, com vistas ao acima
apresentado, buscará analisar o problema a partir desse ponto, numa concepção
orientada pelos preceitos apregoados pela Justiça Ambiental, especialmente, quanto à
peculiaridade da transfronteiridade dos danos, considerando se seria legítima a
autorização de exploração do mineral para fins de exportação do mineral para outros
países em que não se proíbem seu uso; e, também a luz dos direitos fundamentais.

2 Aspectos da Justiça Ambiental

A compreensão das variáveis em torno da justiça ambiental nos leva a buscar um


olhar mais amplo sobre o seu real significado no âmbito social. Nesse aspecto, as
avaliações das condições socioambientais deixam de serem aferidas, exclusivamente,
num âmbito territorial específico, para alcançar uma maior amplitude de espacialidade,
entrelaçando uma concepção plural dos diversos fatores que influenciam direta ou
indiretamente na produção de externalidades decorrentes de determinada atividade
econômica, que geram impactos em âmbitos transterritoriais.
A análise da justiça ambiental, deve ser considerada à luz de alguns fatores
como o aspecto distributivo que estabelece uma compreensão da justiça em termos de
distribuição desigual dos impactos, das responsabilidades e das espacialidades. Nesse
sentido, a justiça ambiental não é apenas sobre a distribuição justa de bens e males
ambientais entre a população humana, mas também entre ela e o resto dos seres vivos
com quem compartilhamos a biosfera (RIECHMANN, 2003, p. 103).
Por uma dimensão do reconhecimento que impeçam retrocessos e desrespeito do
ser humano e também um aspecto participativo e procedimental, facultando a inclusão
dos interessados nas tomadas de decisões que envolvem seus interesses. (WALKER,
2009a, p. 25)
De plano, percebe-se que em relação a exploração do amianto, a questão da
espacialidade articulada com os riscos da atividade econômica é um ponto central, em
razão da influência e do impacto dos resíduos e fuligem do sistema produtivo ser o fator
principal de poluição e degradação do ar, causando severos danos à saúde de qualquer
pessoa que tenham contato com os poluentes.
Nesse aspecto, a geografia do dano se torna ainda mais relevante, quando
constatamos que as pessoas que residem próximos das minas de exploração da atividade
de amianto são aquelas mais vulneráveis economicamente, que após dispor toda sua
força laboral na atividade produtiva, ainda, são expostas pela proximidade territorial do
local de exploração, por não ter condições financeiras de obter uma moradia em uma
localidade sem degradação ambiental.
Assim, é importante perceber que a localização social também influencia a
construção dos problemas, pois refere-se à posição que a pessoa ocupa na sociedade.
Essa posição é influenciada por fatores como gênero, raça e classe. A localização social
afeta como as pessoas constroem os significados que definem as queixas, oportunidades
e identidades coletivas. Além disso, a localização social ajuda a determinar o tipo e
quantidade de recursos disponíveis para atividades de movimento. (TAYLOR, 2000, p.
509).
Por isso, é interesse observar que explicações sociopolíticas envolvem o
argumento que a indústria e o governo procuram o caminho de menor resistência ao
localizar novos resíduos ou poluentes instalações industriais (MOHAI et. all, 2009. P.

195
414). Por isso, não podemos ser ingênuos em ignorar questões de justiça social e
igualdade, quando se trata de questões socioeconômicas relacionadas a justiça
ambiental, fato que por si só, explica o apoio da população da cidade de Minaçu – GO,
em reivindicar a manutenção da exploração do amianto, pelo simples fato de está em
jogo, seus postos de trabalho, ou seja, sua fonte de renda.
Todavia, há outros fatores de maior abrangência a considerar, como exemplo o
direito fundamental à saúde das demais pessoas e as consequências dos danos
ambientais causados pelo empreendimento. Em relação ao amianto, assevera (Bowen,
2002, p. 16) não podemos descartar os impactos transfronteiriços ao local de produção
acarretado pelo sistema produtivo e pelos produtos derivados do mineral, que se
espalham pela volatilidade do ar e se espalham por amplos territórios. Nesse sentido,
pode se afirmar que os caminhos de poluentes são muito mais envolvidos do que isso,
levando a exposições e impactos potenciais que não podem ser capturados através de
medidas de proximidade (apud, WALKER, 2009b, p. 28).
Assim, necessariamente, conclui-se que a poluição do ar é de fato socialmente
contextualizada, sofrendo maiores danos às pessoas de menor poder aquisitivo, que em
regra são obrigados a dispor de sua força de trabalho grandes e severos impactos, em
razão de muitas vezes, por força das tensões sociais, não terem a faculdade de optar por
melhores condições de trabalho, pois somente lhes restam sujeitar a um trabalho
insalubre, que lhes proporcionam o mínimo existencial, mesmo que em detrimento de
sua própria saúde física.
Nesse sentido, contextualizando a situação fática de dezenas de trabalhadores
que reivindicam por uma vaga de emprego em uma atividade reconhecidamente
insalubre, em que se opõe a tutela da saúde como um bem fundamental e do outro lado
o direito ao acesso ao trabalho, mesmo que em um atividade altamente insalubre, cujo
limite de segurança é zero, tanto para os trabalhadores como para a sociedade que de
maneira direta ou indireta tenha contato com produtos derivados do amianto, não há,
portanto, como ignorar o aspecto de injustiça ambiental dessa atividade econômica.
Importa, ainda, destacar o fato de que em razão do viés transfronteiriços dos
danos causados pelo amianto, por óbvio, não justifica a mera proibição da produção e
consumo interno do produto no Brasil. E, ao mesmo tempo, ignorar o potencial de dano
do produto, expondo à saúde de outras pessoas em perigo, por meio da permissão de
exportação do produto para outros países, sob pena de violar um princípio básico nas
relações internacionais previsto no nosso ordenamento jurídico que consiste na
cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, além da violação da
dignidade humana.
As micropartículas das fibras de resíduos do amianto possuem um potencial
gigantesco de dano, pois sua absorção no organismo humano por meio da respiração,
pode se dá de forma imperceptível, inviabilizando a determinação da quantidade de
pessoas expostas, impossibilitando dimensionar suas consequências, nem possibilitando
a adoção de qualquer medida efetiva para atribuir um uso seguro do produto, o que
reforça a injustiça ambiental na exploração econômica do mineral.

3 Relação entre saúde, trabalho e meio ambiente

O nosso ordenamento jurídico atribuiu à saúde o status de direito social


fundamental, o que lhe acarreta uma característica prestacional, fato que imputa ao
Estado um dever de efetivamente prestar em favor dos cidadãos as condições
necessárias para a usufruição plena desse direito.

196
Nesse sentido, cabe destacar que como um direito fundamental à saúde se figura
como um pressuposto instrumental para uma vida digna, o que impõe ao Poder Público
atuar positivamente para sua eficácia e garantia.
Interessante observar que a concepção adotada em âmbito internacional sobre a
saúde, não se caracteriza pela ausência de doenças, mas num viés bastante amplo a
define como um perfeito bem-estar físico, mental e social. (OMS, 1946, p. 01)
Portanto, refuta-se uma concepção meramente biológica à compreensão da
saúde, especialmente, devido ao fato de que é fundamental para sua efetivação entendê-
la sob um aspecto socioeconômico e ambiental. Assim, é imprescindível que ao
analisarmos o fator saúde, que o façamos de forma inter-relacionada com as condições
sociais e ambientais que circundam o indivíduo.
Com efeito, é imprescindível na análise da saúde como um direito fundamental,
pautarmos sua análise num viés biológico, mas sem desprezar o aspecto social e
político; pois um modelo assistencial pautado na dimensão curativa de doenças, além de
ter baixa efetiva e ser de alto custo, não atende o escopo social, que anseia por um
modelo assistencial que seja promotor de saúde com base em políticas públicas que
sejam capazes de melhor a qualidade de vida e de trabalho da população.
Nesse sentido, podemos identificar como Determinantes Sociais da Saúde
fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais
que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na
população.
Fato que também identifica o direito ao trabalho como um direito social, e,
atribui uma especial preocupação com a saúde laboral dos trabalhadores no seio social,
como um fator imprescindível para atribuir lhe dignidade.
Eis, as disposições dos artigos 6º e 7º da Constituição Federal, que insere no seu
texto, no mesmo título de direitos e garantias fundamentais, normas protetivas para a
saúde e as relações de trabalho, vejamos:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a


moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa


causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização
compensatória, dentre outros direitos;

(...)

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de


saúde, higiene e segurança.

Ratificando o aspecto protetivo, no título da Ordem Social, ao estabelecer a


saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
(art. 196, CF/88). E, ainda, colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido
o do trabalho (art. 200, CF/88).
Não há como ignorar a natureza do direito à saúde como um direito fundamental
no nosso ordenamento jurídico, o qual está intimamente ligado ao direito a um meio
ambiente de trabalho saudável, cuja atuação do poder público e dos demais agentes
197
necessariamente devem se pautar por um aspecto preventivo, destinando a tutela da
proteção à saúde do trabalhador, em razão da proteção de sua dignidade; mas, também
em atenção à saúde coletiva de toda a população que sofrem os reflexos dos fatores
determinantes provenientes das relações de trabalho.
Cabe destacar, ainda, que em relação a tutela da saúde e da proteção do meio
ambiente de trabalho, há inclusive norma internacional regulamentando expressamente
a proteção do trabalhador, nos termos da Convenção nº 162 da Organização
Internacional do Trabalho, que determina a necessidade de revisão periódica dos limites
de exposição ao amianto, com base no desenvolvimento tecnológico e do aumento do
conhecimento técnico sobre os riscos da utilização desse mineral.
Ademais, com a finalidade de proteger o meio ambiente e a saúde humana,
vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da precaução, definido pela
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, como
princípio de número 15, vejamos:

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser


amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver
ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não
será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para
prevenir a degradação ambiental.

Nesse sentido, podemos identificar ainda no nosso ordenamento jurídico outras


normas expressas de proteção ao trabalhador, nos termos das disposições da
Consolidação das Leis do Trabalho, que determina caber às empresas o cumprimento
das normas de segurança e medicina do trabalho (art. 157, I, CLT), assim como pelas
disposições das normas regulamentares do antigo Ministério do Trabalho e Emprego,
incorporado ao Ministério da Economia, mas que mantém vigente as disposições da NR
nº 17, que estabelece regras para o cumprimento de normas de segurança no meio
ambiente do trabalho.
É salutar mencionar, ainda, o fato de que o próprio artigo 225, CF/88, estabelece
claramente que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações,
o que pressupõe num aspecto principiológico o reconhecimento de se buscar um
desenvolvimento sustentável, fato que significa impedir a exploração de um mineral
capaz de causar tantos danos à saúde humana.
Salienta-se, portanto, que o empregador tem o dever de tutelar à saúde do
trabalhador, prevenindo danos à saúde de seus empregados e ao meio ambiente, sob
pena de ser responsabilizado pelos danos causados ao empregado, com base na teoria do
risco, que determina ser responsabilidade daquele que aufere lucros decorrentes da
atividade, suportar seus ônus, conforme as disposições do artigo 927, do Código Civil,
vejamos:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de


culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem.

198
Sob esse aspecto, não há dúvidas de que as empresas ao explorar o minério de
amianto, submetem seus empregados a uma situação de extremo risco, haja vista as
evidências científicas dos danos que podem causar a exposição do trabalhador, impondo
lhes o ordenamento jurídico a responsabilidade objetiva pela reparação os danos
causados aos trabalhadores, bastando que para isso se comprove o nexo causal entre a
doença e a exposição ao amianto.
Entende-se, portanto, que, pela comprovada existência de nexo de causalidade
entre as doenças ocupacionais e a exposição ao amianto, resta clara a necessidade de
responsabilização do empregador pelos danos causados à saúde dos trabalhadores.
Deste modo, em seguida, passaremos a analisar as características desse mineral,
visando compreender a necessidade de medidas preventivas em face a sua exploração
econômica.

4 Características do Amianto e efeitos à sua exposição

Sob esse aspecto, é importante entender que o amianto está presente em


abundância na natureza sob duas formas: serpentinas(crisotila) e anfibólios (amosite,
crocidolite, termolite, actinolite e antofilite) e todas estas formas são cancerígenas
podendo levar ao mesotelioma, câncer de pulmão, laringe, orofaringe, intestino,
vesícula biliar e vias biliares rim, ovário, além de provocar outras doenças como:
asbestose, espessamento na pleura e diafragma, derrames pleurais, atelectasias, placas
pleurais e severos distúrbios respiratórios.
Segundo Percival et al. (1996, p. 571) o asbesto é um carcinógeno altamente
potente e que efeitos muito graves sobre a saúde humana podem ocorrer após
exposições, mesmo de curta duração, mas de elevado nível de concentração, ou após
longo tempo em concentrações baixas. A exposição ao asbesto é compatível com um
modelo linear de dose-resposta para câncer de pulmão, sem um limite seguro de
exposição (apud, MENDES, 2001a, p. 07).
Já os estudos realizados por Stayner et al.(1997, p. 651) nos Estados Unidos já
concluiu que não existe um limite seguro para a exposição para o asbesto crisotila,
“somente se conseguiu um limite de exposição segura na concentração zero” (apud,
MENDES, 2001b, p. 07)
As fibras de asbesto geralmente são invisíveis, sem odor, muito duráveis ou
persistentes, e altamente aerodinâmicas. As fibras podem se deslocar por grandes
distâncias e permanecem no meio ambiente por tempo muito longo. Portanto, a
exposição pode ocorrer muito tempo após a liberação da fibra de asbesto, e em local
muito distante da fonte de liberação”, isto faz com que as pessoas sejam expostas ao
amianto sem mesmo saberem. (Mendes, 2001c, p. 17)
Para Percival et al. (1996, p. 572) o amianto é um problema de Saúde Pública, já
que pode causar danos não somente aos trabalhadores, como também a toda
comunidade e ao meio ambiente, na medida em que os resíduos com amianto não
podem ser destruídos, já que uma de suas propriedades é o fato de ser incombustível
(asbesto) e incorruptível (amianto), daí vindo a origem grega e latina de seu nome,
respectivamente (apud, MENDES, 2001d, p. 7).
Há diversas pesquisas que procuraram avaliar o potencial carcinogênico da
poluição pelo amianto dentre estas podemos citar que já em 1907 o médico inglês H.
Montagne Murray, realizou publicação de um caso de asbestose, responsável pela morte
de um trabalhador exposto ao asbesto; em 1933 Gloyne apresentou estudos com
evidências sugestivas da associação entre exposição ao asbesto e tumor de pleura;

199
Wagner et al em 1960 na África do Sul publicaram estudo de 33 casos de mesotelioma
destes 32 haviam trabalhado em minas de asbesto; o britânico Richard Doll,
estabeleceu em 1955 a associação entre a exposição ocupacional ao asbesto e o câncer
de pulmão. McDonald & McDonald (1980) apresentou casos de mesotelioma de pleura
em crianças, filhos de mineradores de asbesto - crisotila. Sanden et al. (1992),
identificaram oito casos de mesotelioma de pleura associados à exposição à poeira de
asbesto-crisotila ocorrida no ambiente domiciliar. (apud, MENDES, 2001e, p. 7).
São vários os estudos que comprovam a contaminação ambiental pelo asbesto
não só por exposição ocupacional, mas também paraocupacional ou ocupacional
indireta como ocorre no caso de contato com roupas e objetos dos trabalhadores
contaminados pela fibra; residir nas proximidades de fábricas, minerações ou em áreas
contaminadas por amianto; frequentar ambientes onde haja produtos de amianto
degradados; presença do amianto livre na natureza ou em pontos de depósito ou
descarte de produtos (Mendes, 2013, p.71)
Foram avaliados o impacto do amianto presente nas telhas de fibrocimento e nos
freios dos veículos, como causa de poluição difusa com potencial carcinogênico. A
conclusão do estudo foi que a poluição difusa de fato ocorre, advinda de desgaste nos
freios e de um processo de intemperismo nas telhas de fibrocimento. Os autores
sugeriram a interrupção da fabricação de telhas com componentes de amianto,
salientando a existência no país de diversos substitutos para o material. (Sottoriva,
Garvias 2011, p.3.)
Em Londres, Newhouse e Thompson (1965, p.261-269), com base em estudo de
76 casos, confirmaram a forte associação causal entre mesotelioma de pleura ou
peritônio e exposição pregressa a asbesto, quer de natureza ocupacional, quer pela
proximidade das residências às plantas industriais que o processam. (apud, MENDES,
2001f, p. 7).
Para Mendes (1987, p. 15) casos de mesotelioma maligno de pleura e/ou
peritônio após períodos de latência extremamente longos – em torno de 30 a 35 anos, ou
mais –, bem como casos em crianças expostas a fibras de asbesto nas proximidades das
fábricas. Foram também narrados casos em mulheres e em crianças que, no interior de
seus domicílios, foram expostas a fibras de asbesto trazidas na roupa de cônjuges-
trabalhadores ocupacionalmente expostos. Estes achados, por sua peculiaridade e
extrema gravidade, serviram para reforçar a aparente não-dependência de dose-resposta
na relação causal entre asbesto e mesoteliomas (apud, Mendes, 2001g, p.10).

Conclusão

Entendemos que o desenvolvimento econômico deve ser caracterizado pelo


atributo da sustentabilidade. Portanto, a decisão do Supremo Tribunal Federal em
proibir a exploração e a comercialização do amianto em qualquer de suas espécies no
Brasil, caracteriza-se como uma efetiva manifestação de um instrumento de Justiça
Ambiental, que busca tutelar o direito fundamental à saúde humana por proteger o
trabalhador e as demais pessoas que direta ou indiretamente teriam contato com o
asbesto, assim como para proteger o meio ambiente da contaminação por esse mineral.
Não existindo qualquer razoabilidade na reivindicação de revisão da decisão da
Corte de Justiça, no sentido de autorizar a exploração, exclusivamente, para fins de
exportação, pelo simples fato de que a tutela da saúde, enquanto direito humano
fundamental, não se destina apenas aos nacionais, mas a todos, independentemente de
sua nacionalidade.

200
Desta forma, reivindicar qualquer revisão da decisão do Supremo Tribunal
Federal sobre esse aspecto, configura-se como um verdadeiro retrocesso social, pelo
simples fato de não existir no âmbito da segurança e medicina do trabalho instrumentos
de controle concretos, que evitem ou impeçam eventuais danos à saúde humana e ao
meio ambiente em razão da exploração do amianto.
Nesse aspecto, considerando a espacialidade dos efeitos dos danos causados pela
exploração do asbesto, não havia outra alternativa mais adequada, senão aquela adotada
pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de proibir a comercialização e exploração do
amianto em todas as suas formas, como único meio possível para proteger a vida
humana e o meio ambiente.

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202
PARTICIPAÇÃO POPULAR FEMININA NA ADMINISTRAÇÃO
AMBIENTAL: ECOFEMINISMO E JUSTIÇA AMBIENTAL

Female participation in environmental administration: Ecofeminism And Environmental


Justice

Alegnayra Campos Ranieri de Albuquerque1

Resumo: Será enfatizada a importância da participação popular para uma democracia


participativa, bem como na administração ambiental, para, em seguida, destacar a
participação feminina, catalisada pelo movimento Ecofeminista, como propulsora de
uma administração ambiental mais justa e promotora da sustentabilidade.

Palavras-Chave: Ecofeminismo; Participação Popular; Administração Ambiental;


Direito do Ambiente; Sustentabilidade.

Abstract: Emphasis will be placed on the importance of popular participation in


participatory democracy, as well as on environmental management, and then will be
highlighter the participation of women, catalyzed by the Ecofeminist movement, as a
propeller of a fairer environmental administration and promoter of sustainability.

Keywords: Ecofeminism; Popular participation; Environmental Management;


Environmental Law; Sustainability.

Introdução

As questões ambientais estão cada dia mais em voga nos mais diversos setores,
sejam eles acadêmicos, sociais, tecnológicos, das artes, cultura, dentre outros. É
impossível hoje ignorar as diretrizes da sustentabilidade para o desenvolvimento
humano e para a vida em comum. A participação popular se mostra, assim, peça chave
para a promoção de uma democracia participativa, bem como na promoção da própria
sustentabilidade e justiça ambiental.
É neste sentido que as interconexões dos fenômenos, as interligações de lutas, o
alinhamento entre ideais e movimentos vêm para ampliar a ótica, para criar força, para
fortalecer as pautas. Desta forma, o Ecofeminismo surge como precursor dessas
interligações, como um catalisador da participação popular feminina na administração
ambiental para promoção da sustentabilidade e busca de um meio ambiente equilibrado
pautado pela justiça ambiental.

1
Mestra em Ciências Jurídico Filosóficas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
Portugal. Pós Graduada em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Universidade de
Coimbra. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contato:
alegnayra@hotmail.com.

203
1 Participação popular e democracia participativa

O Estado tem passado por um processo de transformação, de descentramento,


por via de declínio de seu poder regulatório, de forma a tornar obsoletas antigas
concepções. Neste novo formato o Estado assume o papel de articulador, que integra um
conjunto híbrido de fluxos, redes e organizações, que se combinam e interpenetram
elementos estatais, não estatais, nacionais, globais e transnacionais (SANTOS, 1998,
p.30).
A luta democrática passa, assim, a ser uma luta pela democratização das tarefas
de coordenação do Estado de forma a se combater o monopólio regulador do Estado,
pois as tarefas de coordenação são tarefas de coordenação de interesses divergentes. A
única forma de o Estado se adequar a este novo modelo é por meio da conciliação entre
a Democracia Participativa e a participação democrática, incidindo tanto na atuação do
Estado, como nos agentes privados e coletivos (SANTOS, 1998, p.30).
Um dos aspectos mais desafiadores para análise sobre os alcances da democracia
perfaz a luta pela conquista de espaço para aumentar a participação social (JACOBI;
BARBI, 2007, p. 02). A teoria da democracia participativa propõe uma nova entrada no
debate democrático pensado a partir da associação entre qualidade da democracia e
instituições políticas (AVRITZER, 2011, p. 15). A mudança na institucionalidade
pública vem associada às demandas sociais, em que a esfera pública representa a
construção da viabilidade ao exercício da influência da sociedade nas decisões públicas,
assim como publicização das tarefas do Estado (JACOBI; BARBI, 2007, p. 02). A
participação da sociedade civil na gestão pública introduz uma mudança qualitativa,
pois incorpora outros níveis de poder além do Estado na gestão do poder estatal
(JACOBI; BARBI, 2007, p. 02).
Neste sentido é importante ressaltar as diferenças conceituais entre a
participação no âmbito da administração pública e a participação popular na
administração pública. A participação no âmbito da administração pública corresponde
a todas as formas de interferência de terceiros na realização da função administrativa do
Estado (MODESTO, 2002, p. 01). Já a participação popular na administração pública,
conceito restrito, trata da “interferência no processo de realização da função
administrativa do Estado, implementada em favor de interesses da coletividade, por
cidadão nacional ou representante de grupos sociais nacionais, estes últimos se e
enquanto legitimados a agir” (MODESTO, 2002, p. 01).
O termo participação popular se refere a uma concepção que engloba as classes
populares e os diversos movimentos sociais (VALLA, 1998, p. 02), de forma tal que por
participação popular se compreende as múltiplas ações que diferentes forças sociais
desenvolvem para influenciar as formulações, execuções, fiscalizações e avaliações das
políticas públicas e serviços básicos (VALLA, 1998, p. 02). No entanto, não se pode
afirmar seriamente que há uma participação popular se com elas não se abranger um
mínimo de garantias legais, um orçamento, acesso à informação e acesso aos recursos
do sistema (ARINAS, 2015, p.120).

2 Participação popular na administração ambiental

A participação popular, em termos ambientais, propicia uma nova relação entre


os cidadãos e o Estado e faz surgir uma cidadania ativa e consciente, essencial para a
defesa do meio ambiente, dos interesses difusos e coletivos e dos mecanismos para a
administração de um Estado (OLIVEIRA, 2007, p. 58).

204
A gestão ambiental enfrenta diversos desafios, dentre eles o de garantir a
participação da comunidade na formulação e implementação de políticas públicas
localmente. A ampla participação popular no debate e formulação de políticas
ambientais é fundamental para ampliar o alcance das mesmas, bem como legitimar estas
políticas (FERREIRA; FONSECA, 2014, p.03).
A participação popular ambiental pode se dar em diferentes graus, que incluem
desde a participação do público nos processos de tomada de decisão relativos a
atividades, planos, programas e políticas, bem como na elaboração de regulamentos e
instrumentos normativos de aplicação geral e em alguns casos, quando alguma atividade
possa ter efeito significativo para o ambiente local, pode-se exigir a autorização, por
parte da população, para o exercício de tal atividade (EBBESSON, 2011, p. 02).
Tendo em vista o paradigma de bem-estar da governança estadual, os direitos
humanos e os argumentos ambientais, tem sido reconhecida, em contextos nacionais e
internacionais, a importância da participação pública na tomada de decisões ambientais
(EBBESSON, 2011, p.02).
Neste sentido, a dimensão global da participação popular na administração
ambiental foi bem assinalada no princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento de 1992, elaborada na ocasião da Conferência Rio 92, na
cidade do Rio de Janeiro, Brasil:

Princípio 10 - A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar


a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No
nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas
ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive
informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades,
bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados
irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular,
colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso
efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à
compensação e reparação de danos. (ONU, 1992).

Embora a Declaração do Rio não imponha obrigações legais aos Estados,


tornou-se fundamental para o desenvolvimento das legislações nacionais, bem como
para estimular a produção de documentos internacionais sobre a participação do público
em questões ambientais (EBBESSON, 2011, p.02).
Os ideais de participação expressos na Declaração do Rio acabaram por
estimular o enquadramento das negociações da Convenção UNECE - Comissão
Econômica das Nações Unidas para a Europa -, de 1998, sobre o Acesso à Informação,
Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em
Matéria de Ambiente, atualmente conhecida como Convenção de Aarhus (EBBESSON,
2011, p.02).
A Convenção de Aarhus, aplicável a mais de 45 estados, dentre Europa, Ásia
Central e União Europeia, foi elaborada pela UNECE em 25 de junho de 1998, na
cidade dinamarquesa de Aarhus, na ocasião da Quarta Conferência Ministerial como
parte do processo "Ambiente para a Europa". Entrou em vigor em 30 de Outubro de
2001 e hoje é base para aplicação principiológica em algumas legislações da União
Europeia, em matéria ambiental.
A Convenção de Aarhus estabelece padrões mínimos para a participação pública
em questões ambientais, permitindo o enfrentamento popular de seus membros em
situações em que os direitos de reivindicação públicos se oponham aos intentos da
administração pública (EBBESSON, 2011, p.03). Além disso, a Convenção de Aarhus
confirma que o acesso à informação e ao acesso à justiça são partes fundamentais da

205
participação do público na tomada de decisões ambientais. A Convenção baseia-se em
três pilares fundamentais: o acesso à informação, a participação pública e acesso à
justiça.
Paralelamente à Convenção de Aarhus, os organismos internacionais de direitos
humanos das Américas, África e Europa reafirmam cada vez mais as dimensões de
acesso à informação, dos direitos de participação e do acesso à justiça nos contextos
ambientais, como direitos humanos (EBBESSON, 2011, p.03).
O que se revelou em uma maior preocupação a respeito do Princípio 10 da
declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, de forma tal que
na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Rio +20, realizada no Rio de
Janeiro em 2012, foi proposta pela CEPAL – Comissão Econômica para América Latina
e Caribe, ligada às Nações Unidas, uma Declaração para implementação do Princípio 10
da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Nesta Declaração os signatários se comprometem a desenvolver um acordo
regional, na América Latina e Caribe, para facilitação e aplicação dos direitos de acesso
à informação, participação e justiça nas questões ambientais.
A aprovação do texto final do acordo do Princípio 10, batizado de “Acordo de
Escazu”, em referência à província onde foi assinado em San José na Costa Rica,
aconteceu entre os dias 28 de fevereiro e 4 de março de 2018, por representantes de
governos de 24 países da América Latina e Caribe, como fruto de seis anos de reuniões
e negociações que objetivaram estabelecer os parâmetros para o acesso à informação, à
Justiça, bem como a participação social em questões ambientais.
O Acordo Regional sobre o Acesso à Informação, à Participação Pública e o
Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais, o chamado “Acordo de Escazú” foi assinado
pelos governantes dos países latinos em setembro de 2018, na ocasião da 73ª
Assembleia Geral das Nações Unidas, tendo sido o Brasil um país signatário.
No entanto, embora os mecanismos para participação popular relacionados à
questão ambiental tenham avançado, ainda não incorporaram como atores, com
presença nos processos decisórios, muitos grupos sociais normalmente excluídos dos
mecanismos tradicionais de deliberação. Conforme assevera Victor Vicente Valla:

O tom vago e difuso em que a proposta de participação popular aparece em


textos oficiais, ao lado de sua frágil normatização, tende a torná-la, como
consequência, algo centralizado nas mãos dos técnicos e na burocracia
governamental (VALLA, 1998, p.03).

Tendo em vista que estes grupos não possuem os recursos econômicos, sociais e
muitas vezes as informações que os permitiriam participar continuam excluídos dos
processos de decisão e da participação na administração ambiental (JACOBI; BARBI,
2007, p.03). Deste modo, necessário se faz uma maior engajamento e maior promoção
de sua participação na esfera da administração ambiental.

3 O movimento ecofeminista

Maria Mies e Vandana Shiva ensinam que o ecofeminismo, termo novo para um
saber antigo, surge a partir de movimentos sociais variados, tornando-se popular na
década de 70 e 80, no contexto de diversos protestos e atividades contra a destruição do
ambiente, motivados inicialmente por esporádicos desastres ecológicos (MIES; SHIVA,
1993, p.13).
O ecofeminismo desenvolve-se, assim, no cruzamento entre o pensamento
feminista, o pensamento ambientalista e o ativismo feminista e ambientalista, como

206
resultado dos esforços de pensadoras feministas e ativistas, envolvidas na explicação
das ligações existentes entre mulher e natureza (ASSIS, 2012, p.23). O termo
Ecofeminismo foi cunhado pela primeira vez em 1974 pela francesa Françoise
D’Eaubonne, com o objetivo de chamar atenção para o potencial feminino para uma
revolução ecológica (WARREN, 2000, p.21).
O movimento ecofeminista pode ser visto na perspectiva de um movimento, mas
também como um suporte teórico e crítico que abrange diferentes perspectivas e
sensibilidades, além de diferentes estratégias de implementação e disseminação (ASSIS,
2012, p.14). O ecofeminismo, ao unir todas estas diferentes nuances, alicerça a
convicção de que a causa da profunda desestabilização ecológica e social, vivida em
nossa sociedade pós-moderna, tem como base a manutenção do padrão de dominação
sobre as mulheres e sobre a natureza (ASSIS, 2012, p.16).
As ecofeministas concordam que existem importantes conexões entre a
injustificada dominação das mulheres e da natureza, mas o caráter plural do
Ecofeminismo permite diversas ramificações. A partir da ideia central da subjugação da
mulher e da natureza pela sociedade patriarcal, faz surgir diversas correntes, com
diferentes propostas, que variam quanto a forma que a natureza dessas conexões, bem
como se algumas dessas conexões são potencialmente libertadoras ou os graus que elas
reforçam os perigosos estereótipos da mulher (MIES; SHIVA, 1993, p.14).
Há muito que as feministas criticam esta divisão estrutural entre homem e
natureza, da mesma forma que a dicotomia homem e mulher. Esta divisão binal
considera o outro o objeto, e não apenas diferente, e por isso o torna inimigo,
perpetuando diferenças (MIES; SHIVA, 1993, p.14). Para encontrar uma saída é
necessário procurar não só as diferenças, mas também as diversidades de interligações
entre as mulheres, entre os homens e as mulheres, entre os seres humanos e as outras
formas de vida em todo mundo (ASSIS, 2012, p.26). O ecofeminismo assume, então,
uma forma transversal da construção social, propondo soluções interdisciplinares, com
caráter multicultural (ASSIS, 2012, p. 31).

4 Ecofeminismo e participação popular feminina na administração ambiental

Além da participação popular na administração ambiental, a Declaração do Rio


sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 também enfatizou, em seu princípio
20, a especial participação das mulheres em matéria ambiental:

Princípio 20 - As mulheres têm um papel vital no gerenciamento do meio


ambiente e no desenvolvimento. Sua participação plena é, portanto, essencial
para se alcançar o desenvolvimento sustentável. (Declaração do Rio sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, ONU, 1992).

Em consequência a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento


Sustentável Rio+20 também deu especial atenção à igualdade de gênero como
fundamental para um futuro sustentável e para a proteção ambiental, destacando nas
estratégias e programas para a igualdade de gênero o empoderamento das mulheres nas
economias verdes.
Na ocasião a Diretora Executiva da ONU Mulheres, Michelle Bachelet, apelou
para que políticas e compromissos que refletissem de forma enfática o papel central das
mulheres no desenvolvimento sustentável, através da participação plena das mulheres
na agenda do desenvolvimento sustentável, fossem desenvolvidas (MOREIRA;
GOMES, 2012, p.206).

207
Vandana Shiva e Maria Mies afirmam a necessidade da participação das
mulheres em movimentos ativos que lhes permitam ter visibilidade e participação nas
decisões, bem como para necessidade de estes grupos se afirmarem como defensores da
biodiversidade e da interligação entre a discriminação sofrida pelas mulheres e a
natureza (ASSIS, 2012, p.48).

As mulheres são chamadas ao exercício do poder, pois só erradicando o


sexismo, o racismo, só erradicando as formas de poder atuais e as
mentalidades que produzem essa forma de opressão, só incluindo uma visão,
outra, se conseguirão erradicar as condições de feminização da pobreza, de
destruição ecológica e o respectivo impacto negativo na qualidade de vida
das populações. (ASSIS, 2012, p.59).

A verdadeira sustentabilidade não pode ser alcançada sem a igualdade de


gênero, pois ambas estão ligadas pelas mesmas visões de mundo. Não se pode ter
proteção do planeta sem o reconhecimento da contribuição das mulheres e de seus
direitos (SHIVA, 2015, p.109).
O fortalecimento dos espaços deliberativos, com reforço da participação popular
feminina, pode ser peça fundamental para a consolidação de uma gestão democrática,
integrada, compartilhada e sustentável. Estes espaços promovem um avanço na
capacidade de representação dos interesses, bem como na qualidade e equidade das
respostas públicas aos problemas sociais (JACOBI; BARBI, 2007, p.06).
O Ecofeminismo deve ser visto como um projeto através do qual se
compatibilize com uma democracia inclusiva que sintetiza as tradições democráticas e
sociais, radicalmente verdes e feministas (ELSON, 2015, p.15-16).
A ampliação dos espaços de participação cidadã nas tomadas de decisões
ambientais, associadas a um incentivo a uma maior participação feminina nestes
espaços, é uma via importante de valorização dos movimentos ecofeministas, de forma
a dar visibilidade a questões de desenvolvimento do ambiente a partir da integração e
superação das desigualdades de gênero.

Considerações finais

A busca pelo equilíbrio, seja nas relações, seja no ambiente, traz consigo uma
mudança de pensamento, racionalidade e visão de mundo, pois exige que a humanidade
se volte para a busca pela igualdade, seja ela de gênero, seja de desenvolvimento, seja
de acesso aos recursos naturais. Conforme Diane Elson afirma “a proposta da
sustentabilidade deve aliar o social, o econômico e o ambiental, de forma que as
questões de gênero não possam ser ignoradas, como têm sido, na maioria das propostas
de economia verde” (ELSON, 2015, p.15-16).
Neste sentido o Ecofeminismo, como movimento que alia a causa ambiental à
causa feminista, é importante meio de desenvolvimento teórico e de movimento social,
com vistas a lutar pela sustentabilidade, pelo desenvolvimento social equilibrado e pela
promoção da justiça ambiental.
Se quisermos preservar a vida neste planeta “a questão do conceito de
conhecimento, a questão da pobreza e do desenvolvimento, a questão da
industrialização de todas as formas de vida, a procura da identidade cultural e do
enraizamento, a procura da liberdade e da autodeterminação no seio de um globo
limitado” (MIES; SHIVA, 1993, p.32), deve estar no âmago das propostas políticas, das
políticas públicas e, principalmente, das políticas verdes.

208
É neste sentido que o papel das mulheres é fundamental, é neste sentido que,
sendo elas as mais afetadas pelos desastres ambientais, pela dificuldade de acesso aos
recursos naturais e a propriedade, sendo a elas relegadas aos recursos naturais e
econômicos, assume papel angular na mudança ambiental e social.
E é por meio do empoderamento feminino e sua efetiva participação na
administração ambiental que as mulheres poderão tomar consciência deste papel e
lutarem para serem ouvidas, lutarem para participarem dos cenários públicos, para
participarem da administração pública e da administração pública ambiental. Por isso o
Ecofeminismo pode ser importante ferramenta de conscientização, de forma aliar todos
esses anseios de luta e mobilizar os movimentos sociais feministas a buscarem, cada vez
mais, intervirem no cenário político, econômico e social.
O problema ambiental exige uma solução global entre “regiões e populações,
entre homens e mulheres, uma solução integradora, capaz de superar soluções locais e
unívocas, que não ignorem a audição dos envolvidos e de todas as perspectivas de vida”
(ASSIS, 2012, p.110-11). Pensar localmente, agir localmente, pensar globalmente, agir
globalmente. Unindo as duas vertentes, unindo as duas lutas, ecológica e feminista,
unindo os dois olhares, se poderá efetivamente pensar numa democracia participativa,
inclusiva e promotora da sustentabilidade e da justiça ambiental.

REFERÊNCIAS

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211
JUSTIÇA AMBIENTAL, RELAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS E
BALNEABILIDADE NA PRAIA DOURADA – MANAUS/AM

Environmental Justice, Social-Environmental Relations and Bathing in Praia Dourada -


Manaus / AM

1
Denison Melo de Aguiar
2
Adriana Almeida Lima
3
Daniel Gaio

Resumo: A balneabilidade pode ser um instrumento efetivo para demonstrar a justiça


ambiental nas relações socioambientais. O objetivo deste artigo é o de relacionar a
justiça ambiental, relações socioambientais e balneabilidade na Praia Dourada –
Manaus/AM às Resoluções do CONAMA, demonstrando que a omissão do Estado na
manutenção da saúde de uma praia popular na cidade de Manaus se configura injustiça
ambiental. Utilizou-se a pesquisa teórico-bibliográfica e documental para elaboração
deste. O acesso à praia ecologicamente equilibrada e em condições de recreação
primária é uma forma de exercer o direito à cidade, em especial quando se trata de
cidades na Amazônia brasileira. Neste sentido, a balneabilidade se configura num índice
que pode mostrar uma injustiça ambiental, no âmbito da socioambientabilidade na
Amazônia.

Palavras-chave: balneabilidade; praia; Manaus; meio ambiente; CONAMA.

Abstract: Bathing can be an effective instrument to demonstrate environmental justice


in social-environmental relations. The objective of this article is to relate environmental
justice, social and environmental relations and bathing in Praia Dourada - Manaus / AM
to Resolutions of CONAMA, demonstrating that the State's omission to maintain the
health of a popular beach in the city of Manaus constitutes environmental injustice.
Theoretical-bibliographical and documentary research was used to elaborate this one.
Access to the ecologically balanced beach and in conditions of primary recreation is a
way of exercising the right to the city, especially when it comes to cities in the Brazilian
Amazon. In this sense, bathing is configured in an index that can show an
environmental injustice, in the ambit of socio-sustainability in the Amazon.

Keywords: bathing; beach; Manaus; environment; CONAMA.

1
Professor de Direito da Universidade do Estado do Amazonas. Líder da Clínica de Mecanismos
de soluções de Conflitos (MArbiC-UEA/CNPq). Doutorando do Programa de Pós-Graduação em
Direito/UFMG. Contato: denisonaguiarx@hotmail.com.
2
Professora de Direito da Universidade do Estado do Amazonas. Membro da Clínica de
Mecanismos de soluções de Conflitos (MArbiC-UEA/CNPq). Doutoranda do Programa de Pós-
Graduação em Direito/UFMG. Contato: a.almeida.lima@uol.com.br.
3
Membro do Corpo Permemnte do Programa de Pós-Graduação em Direito/UFMG. Líder do
Grupo de Pesquisa e extensão RE-HABITARE (CNPq). Contato: danielgaio72@yahoo.com.br.

212
Introdução

A Praia Dourada se localiza a jusante do Igarapé Tarumã-açu, um dos braços


hidrológicos do Rio Negro, na cidade de Manaus. Como tem essa localização, e está
mais próximo do centro urbano de Manaus, desde 2013, começou a ser ter vários
“flutuantes”, que são balneários na praia Dourada, adaptados para o sistema hidrológico
de várzea, isto é, possuindo seca, vazante, cheia e enchente, não podendo ter uma
fixação no solo dos igarapés e rios, somente são amarrados a árvores os similares, para
acompanhar o movimento hidrológico anual. Esses balneários são bastante frequentados
pela população manauara e por turistas. Vale salientar que a região é uma Área de
Proteção Ambiental denominada Tarumã.
A Praia Dourada, enquanto a área de estudo foi delimitada com base no Decreto
9.556/2008, que regulamenta a Área de Proteção Ambiental do Tarumã/Ponta Negra,
localizada na Zona Oeste de Manaus, com uma área total de 22.698,84 ha, e tendo
perímetro de 86.424,53m. Dentro deste limite, a Figura 1, demonstra o perímetro de
aplicação deste estudo na Praia Dourada com abrangência dos balneários (flutuantes em
geral) locados.

Figura 1: Delimitação da área

Fonte: GOOGLE MAPS, 2017.

Utilizou-se como metodologia a pesquisa teórica-bibliográfica e documental.


Inicialmente, se fez a pesquisa a partir de um dos parâmetros para se evidenciar a
injustiça ambiental, constante nas resoluções, qual seja, coliformes fecais
termotolerantes (BRASIL, 2000 e BRASIL, 2005), tanto no perfil legislativo, quanto no
perfil doutrinário, em artigos científicos que descrevam essa violação do direito a
balneabilidade; ao direito ao rio saudável e direito à saúde coletivo do ser humano. Por
fim, se aplicou esta teoria a uma realidade social, qual seja a balneabilidade na Praia
Dourada, na cidade de Manaus/AM. Portanto, entende-se que há violações aos direitos
pela omissão na efetividade na elaboração e aplicação de políticas públicas no sentido
de defender o meio ambiente natural e o ser humano que utiliza a Praia Dourada.
Dentro deste contexto a pergunta científica que se almeja responder é a seguinte:
Qual é a relação entre a justiça ambiental, relações socioambientais e balneabilidade na
Praia Dourada – Manaus/AM? Caso haja essa relação, haverá o foco, neste artigo, em
como se pensar juridicamente, numa solução para esta demanda, considerando as
complexidades socioambientais da Amazônia brasileira.

213
1 Justiça ambiental e relações socioambientais

Os processos de interações entre o ser humano e o meio ambiente natural


possuem muitas complexidades relacionais. Quando se trata do ser humano e meio
ambiente inseridos numa realidade socioambiental, isto é, numa realidade existencial e
ontológica entre ambos, formando uma Identidade socioambiental e sociobiodiversa, no
qual o ser humano, em sociedade e é grupos diferenciados e a natureza são parceiros e
não mas o ser humano é o dominador da natureza e muito menos (DREW, 2002, p. 02).
Assim sendo, os fundamentos das ideias equivocadas do ser humano como guardião da
natureza, mas as ideias de parceiros para uma sociobiodiversidade.
Onde os modos de vida se integram em esquemas de vida mais complexos.
Sendo que, esses grupos asseguram a continuidade das atividades por regras coletivas
de apropriação dos recursos naturais e de sua exploração, é claro, evitando excessos sem
a comprometer a capacidade produtiva (PEREIRA; ARAÚJO; WITKOSKI, 2007, p.
47), em especial quando se trata de uma cidade na Amazônia brasileira. Esta relação
está em que a injustiça ambiental, pode ser interpretada como uma violação ao direito à
cidade.
Vale salientar que uma cidade como a de Manaus, explicita estas relações
socioambientais. Neste contexto, “A ideia do direito à cidade [...] Surge basicamente
das ruas, dos bairros, como um grito de socorro e amparo de pessoas oprimidas em
tempos de desespero” (HARVEY, 2014, p. 15), há de entender uma cidade amazônica,
como ambiente de sociobiodiversa e em interação, por isso, ter e ser um ambiente como
povos indígenas e comunidades tradicionais dos mais diversos possíveis.
No entanto, estes processos de interações podem ter degradação socioambiental,
por exemplo, ter áreas e balneários sem degradação ambiental, com acesso à classe rica
e abastada e áreas com degradação socioambiental e poluições das mais diversas.
Evidencia-se, desse modo, a injustiça ambiental no acesso a áreas ecologicamente
equilibradas para os mais ricos e o inverso às classes com menor poder aquisitivo.
Nesta perspectiva, a degradação ambiental e injustiça ambiental possuem um
alto nível de sofrimento, tal qual ao tratamento cruel ou desumano. A degradação
ambiental atinge de forma direta o ser humano e o próprio meio ambiente, os infligindo
sofrimento desmedido tal qual fosse torturado, entrelaçam-se dessa forma, os direitos
humanos; o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado e o direito socioambiental,
pois o objeto principal destas questões é a dignidade socioambiental. A consequência
dessa relação é o questionamento da natureza do próprio Estado e suas relações com as
transnacionais e grupos de interesses diversos, pois “para os executivos das
multinacionais e governantes dos Estados ricos, vidas e sofrimento de pessoas
miseráveis de países pobres não contam muito, pois o que está em jogo é o lucro e o
financiamento da próxima eleição” (CARVALHO, 2009, p. 139).
É dentro desse contexto que o meio ambiente tem uma relação com os direitos
humanos, em especial quando se trata da balneabilidade. Carvalho afirma que:

É plausível tecer comparação entre o sofrimento infligido pela tortura


impetrada por um agente do Estado e o causado por uma doença respiratória
crônica resultante da poluição atmosférica ou o câncer desencadeado por um
pesticida ou radiação ultravioleta em razão do adelgaçamento da camada de
ozônio? Por mais despropositada que seja a indagação, ambos os eventos têm
em comum a dor e o medo que violam a dignidade humana. A primeira é
resultado de uma ação intencional de um agente estatal; a segunda, de uma
transnacional privada que vende seus produtos químicos sob autorização e
controle do Estado. A tortura causada por agentes estatais, em regra, tem
duração limitada no espaço e tempo, restringindo-se a determinadas pessoas e

214
locais, como cárceres de certos 90 países. A segunda geralmente é lenta e
insidiosa, violando a dignidade humana indiscriminadamente e amplas áreas
geográficas e por todo o percurso da vida da vítima. Todavia, as duas formas
de tortura podem deixar seqüelas e suprimir, antes do tempo, os direitos mais
preciosos do ser humano, que são a vida e a saúde (CARVALHO, 2009, p.
137-138).

Nessa lógica, a injustiça ambiental é a “possibilidade de existir uma articulação


entre degradação ambiental e injustiça social” (ACSELRAD, 2004, p. 23). A
degradação ambiental de uma praia popular, em si, é degradação ambiental que
promove injustiças sociais. O que tornar os balneários, quando não utilizados de
maneira devida, em locais de poluição e segregações sociais, em decorrência da omissão
do Estado na fiscalização e monitoramento.
Assim, “a noção de Justiça ambiental promove uma articulação discursiva
distinta daquela prevalecente no debate ambiental corrente – entre meio ambiente e
escassez” (ACSELRAD, 2004, p 28). Os flutuantes com águas adequadas para banho
primário ficam mais distantes e de difícil acesso, tornando o acesso mais difícil e caro a
um banho com águas saudáveis. Por esse ângulo, “a denúncia da desigualdade
ambiental sugere uma distribuição desigual das partes” (ACSELRAD, 2004, p 28), pois
o acesso a um flutuante com águas saudáveis é de difícil acesso.

2 Balneabilidade na Praia Dourada – Manaus/AM

A balneabilidade pode ser entendida através de duas Resoluções da CONAMA.


A Resolução do CONAMA 274/2000 (BRASIL, 2000), nos termos do caput do art. 2º, a
balneabilidade tem a ver com as condições de utilização que a água possui para a
utilização de banho primário, que é o banho para recreação, nos corpos de água de um
rio; a outra é Resolução CONAMA 357/2005 (BRASIL, 2005), da qual trata da
classificação e diretrizes ambientais para as condições adequadas, estabelecendo as
condições e padrões de lançamento de efluentes nos corpo dos rios, é nesta Resolução
que há os parâmetros biológicos e físioquímicos da qualidade da água para
determinação dos seus usos.
Para fins deste artigo, só se considerou o parâmetro de coliformes fecais
termotolerantes e símiles (protozoários e helmintos). Valendo-se da Resolução
274/2000 CONAMA (BRASIL, 2000), conforme dispõe o art. 1º, alínea “d”: os
coliformes fecais, em condições de termotolerantes, são bactérias que pertencem ao
grupo dos coliformes totais caracterizadas pela presença da enzima ß-galactosidase;
possuindo a capacidade de fermentar a lactose com produção de gás em 24 horas à
temperatura de 44-45°C em meios contendo sais biliares ou outros agentes tenso-ativos
com propriedades inibidoras semelhantes, bem como de estas serem presentes em fezes
humanas e de animais podem, também, ser encontradas em solos, plantas ou quaisquer
efluentes contendo matéria orgânica; destacando-se a alínea “e” Escherichia coli; alínea
“f”, Enterococos, que possuem a contaminação acima descrita.
Já a Resolução 357/2005 CONAMA (BRASIL, 2005) também utiliza o conceito
acima descrito, complementando com algumas características fisioquímicas. Conforme
o art. 2º desta normativa serão considerados, dentre outros parâmetros: VII - carga
poluidora; VIII – cianobactérias; XI - coliformes termotolerantes; XII - condição de
qualidade; XIII - condições de lançamento; XIV - controle de qualidade da água; XVI –
desinfecção; XXV – monitoramento, que evidenciam novos aspectos para análise da
qualidade de água, pois vale-se da capacidade de resiliência e relação de poluentes entre
si.

215
Na cidade de Manaus, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade
(SEMMAS) é a responsável pelo monitoramento da qualidade da água na APA Tarumã
- Ponta Negra por meio do Decreto 9.556/2008. A vigência do padrão de balneabilidade
tem como categorias “própria” e “imprópria” para recreação de contato primário onde
estipula o nível máximo de coliformes fecais o estabelecido na Resolução CONAMA
274/2000 (BRASIL, 2000), bem como Resolução CONAMA 357/2005 (BRASIL,
2005).
Os critérios determinados nestas resoluções devem estar baseados em
indicadores a serem monitorados. Estes valores são confrontados com padrões pré-
estabelecidos, para que se possam identificar as condições de balneabilidade em um
determinado local favorável ou não (CETESB, 2004, p. 29). De acordo com Lopes e
Magalhães Júnior (2010, p. 137), é possível notar uma carência de estudos, avaliações e
monitoramento que avaliem as condições de balneabilidade, especificamente em
balneários de águas doces dentro do contexto da utilização para recreação. Desta forma,
Sotero Martins et al. (2014, p. 2061), determina que o monitoramento é muito limitado,
ou quase inexistente em águas doces, onde o direito dos habitantes ao contato com a
água de qualidade é o mesmo. Assim, políticas públicas voltadas para meio ambiente
equilibrado e saúde pública, devem ser estabelecidos como prioridade nos órgãos
ambientais de fiscalização e monitoramento.
Conforme a Fundação Nacional da Saúde (FUNASA), diversas são as doenças
que podem ser causadas ou agravadas pelas más condições de saneamento, drenagem e
qualidade da água. São as chamadas doenças de veiculação hídrica, como por exemplo,
febre tifoide, cólera, amebíase, disenteria bacilar, hepatite infecciosa e leptospirose,
dentre outras (BRASIL, 2001). Há de se considerar também a capacidade destas se
relacionarem para a manutenção e procriação no rio. Com efeito, Arcos, Cunha e
Bringel (2008, p. 345) destacam que a qualidade da água para fins de recreação de
contato primário constitui a balneabilidade, onde a Resolução 274/2000 CONAMA
estipula um nível máximo de coliformes fecais para classificar as praias em próprias
(até 1.000 CF/100mL) e impróprias (superior a 1.000 CF/100mL) para o banho.
A qualidade da água pode ser representada através de diversos parâmetros que
traduzem as suas principais características físicas, químicas e biológicas. Este estudo
busca avaliar a balneabilidade nesta praia, visando expressar de uma forma objetiva e
integrada, as alterações da qualidade da água desse local com grande fluxo de banhistas.
É de grande importância o acompanhamento da qualidade das águas visto que a
contaminação por microrganismos e valores superiores dos parâmetros químicos e
físicos podem causar doenças e interferir na vida aquática, sendo prejudicial para os
recursos hídricos.
Nesse sentido, Souza e Silva (2015, p. 32) mencionam que o lixo deixado em
praias por parte dos usuários, podendo ser eles, copos descartáveis, vidro, sacolas
plásticas, canudos, bituca de cigarro, garrafas pet, entre outros, contribui para o
crescimento de microrganismos. Desta forma, aumentando o risco de contaminação por
doenças diversas; a presença de vetores transmissores de doenças, como ratos, moscas,
urubus e outros; além de deixar um desagradável efeito visual no local contaminado. De
acordo com a Fundação Nacional da Saúde (FUNASA), diversas são as doenças que
podem ser causadas ou agravadas pelas más condições de saneamento, drenagem e
qualidade da água. São as chamadas doenças de veiculação hídrica, como por exemplo,
febre tifoide, cólera, amebíase, disenteria bacilar, hepatite infecciosa e leptospirose
(BRASIL, 2001).
Por sua vez, Sotero Martins et al. (2014, p. 2071) exemplificam alguns tipos de
doenças causadas por ingestão, tais como heteroinfecções em geral, febre, paratifóide,

216
disenteria bacilar, disenteria amebiana, cólera, hepatite infecciosa, poliomielite e
giardíase. Já as veiculadas pelo contato com mucosas e pele (contato primário) seriam,
esquistossomose, infecções dos olhos, ouvidos, nariz e garganta e doenças de pele.
O uso de indicadores de qualidade de água consiste no emprego de variáveis que
se correlacionem com as alterações ocorridas na bacia, sejam estas de origens antrópicas
ou naturais, a qualidade da água para fins de recreação de contato primário constitui a
balneabilidade, sendo necessário para sua avaliação o estabelecimento de critérios
objetivos. Sendo fortalecido por Sotero Martins et al. (2014) a necessidade de assegurar
o monitoramento mais completo através do uso de múltiplos parâmetros como limites
nas normativas legais que embasam a fiscalização. Esses critérios devem estar baseados
em indicadores a serem monitorados e seus valores confrontados com padrões pré-
estabelecidos, para que se possam identificar as condições de balneabilidade em um
determinado local favorável ou não (CETESB, 2004, p. 35).
Assim, conforme destacam Arcos, Cunha e Bringel (2008, p. 344) o estudo da
balneabilidade de uma praia compreende a medida das condições sanitárias, objetivando
a sua classificação em própria (abaixo de 1.000 coliformes em 80% ou mais das
amostras das cinco semanas consecutivas) e imprópria (acima de 1.000 coliformes) para
o banho, em conformidade com as especificações da Resolução CONAMA 274/2000.
Neste contexto, é muito bem exemplificado na tabela 1, conforme Valadão; Araújo
(2012), quando demonstram o enquadramento das condições de balneabilidade na tabela
1 abaixo.

Tabela 1 – Enquadramento das condições de balneabilidade segundo a Resolução CONAMA


274/2000
CATEGORIA
CATEGORIA LIMITE DE COLIFORMES FECAIS (*nmp/100mL)
SIMPLIFICADA
EXCELENTE Máximo de 250 em 80% ou mais das amostras
MUITO BOA Máximo de 500 em 80% ou mais das amostras
PRÓPRIA
SATISFATÓRIA Máximo de 1000 em 80% ou mais das amostras
IMPRÓPRIA IMPRÓPRIA Acima de 1000 em mais de 20% das amostras
* Número mais provável (NMP).

Segundo os critérios estabelecidos pela referida Resolução 274/2000 CONAMA,


as praias são classificadas em quatro categorias diferentes: excelente, muito boa,
satisfatória e imprópria, de acordo com as densidades de coliformes fecais resultantes de
análises feitas em cinco semanas consecutivas. As categorias: excelente, muito boa e
satisfatória são agrupadas numa única classificação denominada própria e de grande
importância o acompanhamento da qualidade das águas, visto que a contaminação por
microrganismos e valores superiores dos parâmetros químicos e físicos pode trazer
doenças e interferir na vida aquática, sendo prejudicial para os recursos hídricos.
A qualidade da água pode ser representada através de diversos parâmetros, que
traduzem as suas principais características físicas, químicas e biológicas. Este estudo
tem como objetivo avaliar a condição de balneabilidade das águas da Praia Dourada na
área de preservação do Tarumã – Ponta Negra, visando expressar de uma forma objetiva
e integrada, as alterações da qualidade da água desses locais com grande fluxo de
banhistas. Conforme Derisio (2012, p. 25), a qualidade é representada por
características intrínsecas, geralmente mensuráveis, de natureza física, química e
biológica [...] se mantidas dentro de certos limites, viabilizam determinado uso. O que
determina a balneabilidade da água de contato direto, quando tais características devem
ser analisadas periodicamente para manter-se um controle padrão da qualidade da água
que se está em contato.

217
Destaca-se que a condição de balneabilidade na orla urbana de Manaus possui
grau de deterioração de um manancial que é medido por variáveis físicas, químicas e
biológicas cujos valores são definidos de acordo com o uso preponderante, sendo esses
valores fixados por entidades de pesquisa e órgãos de controle. Este fato faz lembrar a
responsabilidade da SEMMAS, de acordo com o Decreto 9.556/2008 pela gestão da
APA Tarumã – Ponta Negra. Martins et al. (2014, p. 2062) também afirmam a
necessidade de se fornecer informações seguras sobre os riscos de uso desses ambientes
para a recreação.
Para se preservar a saúde o bem-estar do usuário, Souza e Silva (2015, p. 34)
mencionam que vêm crescendo a preocupação em se incluir novas variáveis que
definam a qualidade de uma praia. Neste contexto, é importante mencionar a carência
na gestão e no planejamento do uso e da ocupação dessas praias por partes dos órgãos
ambientais responsáveis que se associam a falha no monitoramento e controle. Neste
contexto, Lopes e Magalhães Júnior (2010, p. 65) afirmam que apesar do crescimento
na utilização das águas para uso na recreação, ainda existe uma carência muito grande
de estudos e programas voltados para o monitoramento das condições de
balneabilidade, em especial nas águas doces.
Cabendo assim, a população usuária das praias, o interesse em buscar
informações quanto ao nível de poluição e balneabilidade da água ao qual se está tendo
contato, bem como, o descarte adequado de resíduos provenientes de seu uso durante
sua estadia nas praias. Desta forma, para cumprimento do art. 9º, é de responsabilidade
do órgão ambiental a divulgação das condições de balneabilidade das praias e dos
balneários e a fiscalização (Resolução 274/2000 CONAMA).
O usuário das praias também tem o dever de se manifestar e cobrar das
autoridades ações de cunho preventivo em face de futuros crimes ambientais, bem como
agir de forma ecologicamente equilibrada. Logo, há direta responsabilidade dos
balneários e banhista com seus resíduos gerados durante sua estadia na Praia Dourada,
uma vez que, trazendo a reflexão de tal abandono (ou seja, se furtar ao cumprimento do
dever) acarreta ato ilícito ambiental, no sentido de crime ambiental de acordo com o art.
56, caput e § 1º, da Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais).
A água pode sofrer desequilíbrio por conta da contaminação tanto antrópica
quanto natural, o que a torna imprópria para recreação, fato este que pode ser
identificado e mensurado através de controles ambientais, mesmo com a influência das
características dos ecossistemas adjacentes, e alterações sofridas, a composição química
da água através da ação antrópica exercida em diversos segmentos influenciará em suas
características físico-químicas e qualidade da mesma (BERNARDI et al., 2007, p. 51).
No entanto, o controle da balneabilidade na Praia Dourada e os indicadores de
monitoramento, mostram que atualmente os rejeitos ainda são despejados no rio de
forma a desconsiderar sua contribuição na contaminação por microrganismos. Assim, é
necessária a aplicação de critérios mais elaborados voltados ao monitoramento da
qualidade da água e ações a reduzir e/ou eliminar tais agentes causadores de
contaminação. Assinala-se que a Praia Dourada está situada na Área de Proteção
Ambiental do Tarumã/Ponta Negra, a qual tem por objetivo básico:

(...) disciplinar o processo de ocupação humana, evitando o parcelamento de


solo irregular e clandestino, manter a diversidade biológica, proteger os
atributos abióticos, bióticos, estéticos e culturais, assegurar a sustentabilidade
do uso dos recursos naturais, visando favorecer a melhoria da qualidade de
vida e o bem estar da população humana (art. 2º, Dec. 9556/2008).

218
Além do fato da Praia Dourada ser uma das principais áreas de lazer de Manaus,
a referida área é também classificada como espaço ambiental protegida, tornando-se
relevante analisar a poluição da água com ênfase maior em balneabilidade à luz das
resoluções do CONAMA. Desse modo, permite-se mostrar de que forma os
mecanismos jurídicos e o comparativo microbiológico podem minimizar os problemas
impactantes causados à natureza, pela ineficiência das políticas utilizadas na região dos
balneários na Praia Dourada.
Com esse propósito foi realizado por Santiago (2017, p. 03) uma pesquisa sobre
balneabilidade em torno da avaliação e análise da balneabilidade da água da Praia
Dourada entre os anos de 2013 a 2017. No ano de 2013 não foram identificadas
alterações significativas nas coletas para o ano de 2013, estando assim, a Praia Dourada,
no período apresentado nos laudos de balneabilidade em 100% balneável, dentro do
padrão de balneabilidade (DPB) conforme referência da Resolução 274/2000
CONAMA (SANTIAGO, 2017, p. 12). Vale ressaltar que para o ano de 2013, a Praia
Dourada não apresentava grande frequência por banhistas devido à dificuldade de
acesso e inexistência de balneários (flutuantes), que funcionam hoje, como atrativos de
lazer, recreação e turístico levando banhistas para a Praia Dourada.
Tal situação se altera no ano de 2014, pois algumas amostras apresentaram
alterações significativas quanto a presença de coliformes termotolerantes,
respectivamente, 1733NMP e 1600NMP por 100mL, portanto, fora do padrão de
balneabilidade (FPB) no período das coletas realizadas. Durante o ano em análise,
observou-se que a Praia apresentou uma variação em, ora DPB, ora FPB, conforme
referência da Resolução 274/2000 CONAMA apresentados nos resultados dos laudos de
balneabilidade analisados (SANTIAGO, 2017, p. 12).
Vale ressaltar que na transição do ano de 2013 para o ano de 2014, iniciaram- se
atividades atrativas de lazer, recreação e turístico na Praia Dourada com a inauguração
de vários balneários (flutuantes) ao entorno de sua orla, o que trouxe grande movimento
de banhistas para o local.
No ano de 2015 as amostras apresentaram alterações significativas quanto a
presença de coliformes termotolerantes, em 1600NMP por 100mL, sendo uma alteração
em fevereiro e março, do mesmo ano, estando assim, fora do padrão de balneabilidade
(FPB) no período das coletas realizadas. Neste período, ressalta-se das atividades
atrativas com grande escala de intensidade na orla da praia devido ao fluxo de banhista
nos balneários (flutuantes) (SANTIAGO, 2017, p. 13).
Para o ano de 2016 todas as amostras apresentaram alterações significativas
quanto a presença de coliformes termo-tolerantes, em 1600NMP por 100mL, sendo uma
alteração em janeiro e fevereiro; março e abril. Logo, a Praia Dourada em 2016, não
apresentou balneabilidade em 100% dos laudos analisados individualmente para uma
amostra com cinco coletas cada. Apresentando-se (por coleta), ora DPB, ora FPB,
conforme referência da Resolução 274/2000 CONAMA, sendo este o ano de maior
contaminação apresentado. Acredita- se que com a instalação de novos balneários,
possa ter influência direta nestes resultados apresentados nos laudos de balneabilidade,
além das falhas de monitoramento da qualidade da água, aumento do fluxo de banhistas,
descarte inadequado de resíduos, dentre outros fatores. Por sua vez as amostras do ano
de 2017 apresentaram alterações significativas quanto a presença de coliformes termo-
tolerantes, em 1600NMP por 100mL, estando assim, fora do padrão de balneabilidade
(FPB) no período das coletas realizadas (SANTIAGO, 2017, p. 14-15).
No ano de 2018, Rodrigues e Araújo (2018, p. 04) chegaram ao mesmo
resultado utilizando somente os padrões da Resolução 357/2005 CONAMA nº 357

219
(BRASIL, 2005), de modo que o resultado na pesquisa de coleta de dados em dois
flutuantes foi de água imprópria para uso.

3 Perfil da justiça ambiental e socioambientabilidade na balneabilidade na Praia


Dourada – Manaus/AM

O tema balneabilidade apresenta uma enorme importância social, pois possui


uma relação direta com os problemas de saúde pública e a degradação do meio ambiente
(ANDRADE, et al., 2012, p. 05). A balneabilidade é um instrumento de verificação de
critério de uso na medida em que determina se a praia tem qualidade para recreação de
contato primário, com base nos dados estatísticos de amostras, mas é também, um
instrumento de controle de qualidade na medida em que permite a fiscalização e melhor
visualização sobre a variação da qualidade das águas destinadas à recreação
(AURELIANO, 2000, p. 13). Neste sentido, enfatiza-se o significado de flutuantes nos
quais são definidas como “construções que tem em seu interior uma cobertura de
madeira com restaurantes e bares que flutua sobre as águas sem nenhum tipo de
higienização”. Flutuantes são “uma adaptação engenhosa às condições da várzea”
(FRAXE, PEREIRA, WITKOSKI, 2007, p. 23).
A ideia contextual é de reorganização de políticas públicas, que se revela como
garantia da igualdade social, justiça ambiental e conservação do meio ambiente. O
estímulo às ações coordenadas que possam garantir que a prática da utilização dos
recursos naturais seja socioambientalmente adequada, bem como possa concorrer para a
conservação e preservação da Praia Dourada.
No âmbito da justiça ambiental que existe um contraponto entre a degradação
ambiental com a exploração do capital econômico nos locais da Praia Dourada levando
em conta o descontrole e o monitoramento da qualidade da água. Neste sentido o
preceito de justiça ambiental relacionado ao controle ambiental tem como base direito
da sociedade de estar protegida da poluição e poder viver num ambiente limpo e
saudável desfrutando dos recursos ambientais com respeito às normas de políticas
ambientais equitativas.
Ademais, a expressão do exercício do direito da sociedade em desfrutar de um
bem ambiental como a Praia Dourada está definida de forma negativa pela justiça
ambiental no que tange ao conceito de construção de riscos, desigualdade social e o
comprometimento da qualidade da água no local, bem como da proliferação de
flutuantes e balneários que com indicadores econômicos variáveis e sem qualquer tipo
de controle provocam consequências ambientais de forma negativa com operações
econômicas sem qualquer tipo de viabilidade e condicionantes ambientais, sem qualquer
tipo de planejamento e politicas sejam elas da União, do estado do Amazonas ou do
município de Manaus.
A ausência do Estado como poder estatal, entidade capaz de criar políticas
públicas que possam coibir a degradação ambiental se omite diante a proliferação de
balneários e flutuantes a margem do Tarumã. Nestes termos, se trata de uma
possibilidade de existência do parâmetro, que cria conexão entre degradação ambiental
e injustiça social, conforme acima descrito, por desconsiderar perigos ambientais
graves, como a probabilidade de poluição de toda a atmosfera em volta do Lago do
220
Tarumã onde se localiza a Praia Dourada. Neste sentido, a omissão do poder público, a
falta de controle ambiental, expõe um gravíssimo problema socioambiental, por conta
da urbanização, a criação de flutuantes no entorno do lago, a retirada sem licença da
cobertura vegetal, a ausência de saneamento básico, bem como a ausência da
conscientização da população.
O destaque se identifica com a condição que Bourdieu caracteriza no contexto
geral como espaço social. A estrutura que organiza socialmente e culturamente
materializa o comportamento de uma sociedade com base em sua forma habitação,
nestas condições é que o habitus nada mais é do que a composição da prática do serviço
oferecido, o comportamento social e o meio ambiente, ademais com a definição de
Bourdieu (2007, p. 191) o habitus é um “sistema de disposições socialmente
constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio
gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um
grupo de agentes”.
A falha no monitoramento, a ausência e omissão na gestão e no planejamento da
forma de como se utilizar da ocupação da praia dourada por partes dos órgãos
ambientais, especificamente IPAAM e SEMMAS, bem como da sociedade, são
responsáveis pela falha do controle de degradação ambiental criando os riscos que são
desigualmente distribuídos entre os grupos sociais, configurando-se assim uma situação
de injustiça ambiental.
Importante destacar que o apontamento da fragilidade entre o risco ambiental, a
degradação ambiental a falta de controle ambiental, tem como objetivo a falta de
controle e qualidade da água em decorrência do comportamento do Estado que se omite
e a sociedade que não tem conhecimento da relevância temática, que é a democratização
a partir da estrutura fundamental de conhecimento científico e técnico capaz de
transmitir a informação e reduzir a desigualdade ambiental, fomentando a distribuição
igualitária e equitativa compartilhando responsabilidade entre o Estado e a sociedade
com o objetivo de estimular a participação política de todos os atores envolvidos.

Considerações finais

São graves os resultados dos estudos até aqui realizados acerca da qualidade da
água para recreação de contato primário em específico para a Praia Dourada APA
Tarumã – Ponta Negra. Entende-se aqui serem vários os fatores que influenciam na
balneabilidade de uma praia, são inúmeros os fatores que podem vir a influenciar a
qualidade das praias, como águas pluviais contaminadas, fontes antrópicas diversas,
dentre outras, nos termos das Resoluções.
Conforme os relatos apresentados e os estudos realizados, percebe-se que não foi
constatada nenhuma ação efetiva por parte do órgão ambiental responsável pela
manutenção da qualidade da água em relação às coletas fora do padrão de
balneabilidade e/ou ação em conjunto com outras entidades, mesmo tendo a legislação
como objeto normativo.
Neste sentido, a relação entre justiça ambiental, relações socioambientais e
balneabilidade na praia Dourada, constada que está ocorrendo a violação ao Direito à

221
balneabilidade. De um lado, a poluição demonstrada na Praia Dourada, por outro, pela
omissão do Estado na manutenção de um índice saudável da água para o uso dos
banhistas. Cabe salientar que para se ter a promoção de justiça ambiental, numa
abordagem socioambiental se faz necessário a mudança de mentalidade sobre o uso dos
flutuantes naquela região, em especial com fiscalização e monitoramento para os
potenciais poluidores destes e por campanhas educacionais para os banhistas no uso da
Praia.
A balneabilidade, neste contexto, pode ser um instrumento de efetivação da
Justiça ambiental, no contexto socioambiental. Valendo-se de uma cidade como a de
Manaus, a qualidade de água e de sua utilização podem determinar a qualidade de vida
de sua população, uma água poluída pode ser um fator determinante para doenças na
região. Importante destacar, que a balneabilidade é necessária para a qualidade de vida e
entretenimento da população. Logo, a balneabilidade pode ser um instrumento de
comprovação da violação dos Direitos ou não.
Sendo assim, se faz necessário políticas públicas efetivas, bem como aplicação
de ações voltadas para prevenção e precaução que visem mitigar com o cunho de
reduzir e/ou eliminar agentes causadores de contaminação e prejudiciais à saúde na
Praia Dourada. É importante ressaltar que após as análises apresentadas, demonstra-se a
necessidade de elaboração de projetos e pesquisas voltados para avaliações de cunho
físico-químico e microbiológico na Praia Dourada. As políticas públicas voltadas para
meio ambiente e saúde são devem ser estabelecidos como prioridade nos órgãos
ambientais de fiscalização e monitoramento, sendo imprescindível enfatizar a qualidade
e a balneabilidade de água doce frente ao crescimento apresentado ao longo dos anos de
banhistas no local.

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eae0a293d3:0x2deeb99021d36fa1!8m2!3d-3.0159151!4d-60.0935559?hl=en>. Acesso
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224
O DIREITO HUMANO AO AMBIENTE SADIO: PERSPECTIVAS SOBRE A
INDIVISIBILIDADE ENTRE OS DIREITOS AMBIENTAIS E DIREITOS
HUMANOS

Human right to the health environment: Prospects on the indivisibility between


environmental and human rights

Gustavo do Amaral Loureiro1

Resumo: A discussão sobre como melhor proteger o ser humano e sua dignidade das
injustiças perpetradas pela desigualdade econômica entre as diferentes nações e
sociedades se tornou um dos destaques da agenda internacional a partir do fim da
Guerra Fria. Nesse contexto, começam a emergir, no âmbito das Nações Unidas, pautas
de Direitos Humanos que anteriormente se encontravam limitadas ao campo do Direito
Ambiental, como o direito humano ao ambiente sadio, ainda não reconhecido
formalmente. Este artigo busca compreender as conexões existentes entre os dois
campos e se há justificativa para tais direitos serem integrados ao Direito Internacional
dos Direitos Humanos. O estudo apresentado neste artigo é de caráter teórico-
conceitual, no intuito de fornecer maior clareza sobre as interseções existentes entre os
dois campos mencionados previamente, e realizada por meio de análise documental e
bibliográfica.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Direito Ambiental; Organização das Nações


Unidas; Ambiente Sadio; Desenvolvimento Sustentável.

Abstract: The discussion about how best to protect the human being and dignity of the
injustices perpetrated by economic inequality between different nations and societies
became one of the highlights of the international agenda since the end of the Cold War.
In this context, human rights guidelines that previously were limited to the field of
Environmental Law, such as the human right to a healthy environment, not yet formally
recognized, are beginning to emerge within the United Nations. This article seeks to
understand the connections between the two camps and no justification for such rights
are integrated into the international human rights law. The study presented in this article
is of a theoretical-conceptual nature, in order to provide greater clarity on the existing
intersections between the two previously mentioned fields, and carried out through
documentary and bibliographic analysis.

Keywords: Human Rights; Environmental Law; United Nations; Healthy Environment;


Sustainable Development.

1
Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro (UNIRIO). Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário La Salle do Rio
de Janeiro (Unilasalle-RJ). Pesquisador do grupo de pesquisa “Democracia, Participação e Direitos
Humanos” da Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Pesquisador do “Novas Fronteiras: Núcleo de
Pesquisa em Migrações e Direitos Humanos” do Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro
(Unilasalle-RJ) e da Universidade Católica de Petrópolis (UCP).

225
Introdução

Durante grande parte do século XX, a Guerra Fria tornou-se o foco central do
debate nas organizações e conferências internacionais, freando pautas que, à época,
eram consideradas de menor importância para os países centrais, que dominavam a
formação da agenda internacional. No entanto, a queda do Muro de Berlim e o colapso
da União Soviética, eventos de caráter simbólico mas com impacto significativo na
política internacional, iniciam um processo de mudança na agenda internacional: a
emergência de novos temas, perspectivas e epistemologias. Entre estas inovações, Sato
(2000, p. 139) destaca as pautas de direitos humanos e do meio ambiente como algumas
que receberiam grande atenção no pós-Guerra, principalmente à medida que a
comunidade internacional buscava compreender o papel das desigualdades de natureza
socioeconômica na perpetuação das injustiças que ameaçam a dignidade humana2.
Neste contexto, os Direitos Humanos emergem como uma alternativa na busca da
proteção dos seres humanos em situação de vulnerabilidade, principalmente aqueles sob
a tutela de Estados em situação de fragilidade ou extrema pobreza (TRINDADE, 2003,
p. 161; BIELEFELDT, 2006, p. 49; DONNELLY, 2009, p. 303).
Na atualidade, os direitos que compõem o Direito Internacional dos Direitos
Humanos (DIDH) são comumente divididos em três categorias (ou gerações) referentes
aos tipos de proteção ou garantias que buscam. A primeira geração dos Direitos
Humanos engloba os direitos civis e políticos, no que tange às liberdades individuais.
Entre eles destaca-se o direito ao voto, as liberdades de expressão e imprensa, a
presunção de inocência (habeas corpus) e, um dos direitos centrais para este trabalho: o
direito à vida, inicialmente proposto em sentido restrito, como a não-execução de forma
arbitrária e, mais atualmente, revisto em seu sentido mais amplo (TRINDADE, 2003, p.
177; ABOUHARB; CINGRANELLI, 2007, p. 32). Esta primeira geração, em sua
composição, aborda direitos de caráter negativo, ou seja, no que diz respeito ao
cumprimento destes direitos, é necessária a ausência de ação estatal, sendo o Estado,
neste sentido, a maior ameaça para tais direitos (DONNELLY, 2003, p. 30;
LOUREIRO; SALLES, 2017, p. 22).
A segunda geração dos direitos humanos, por sua vez, engloba os direitos
econômicos e sociais, de caráter positivo, que exigem diretamente a ação do Estado para
garantir proteção e condições adequadas para os indivíduos. Entre estes direitos,
destacam-se o direito à educação, ao trabalho, ao lazer e, indispensável para este
trabalho, o direito à saúde. Assim como o direito à vida, o direito à saúde passou por
diversas atualizações e reformulação desde seu reconhecimento. Ganhando força a
partir de eventos marcantes, como a promoção dos direitos à saúde da mulher e o
combate à pandemia do HIV/AIDS (GRUSKIN; TARANTOLA, 2005, p. 223-224;
MARKS, 2013, p. 03-05), o direito humano à saúde ganha um sentido ampliado,
seguindo o definido pela Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), que
entende a saúde como “um estado de bem-estar físico, mental e social e não somente a
ausência de doença ou enfermidade, além de afirmar que desfrutar do mais alto padrão

2
Segundo Donnelly (2009, p. 11-12, tradução nossa), apesar de uma definição de dignidade humana se
encontrar ausente nos principais dispositivos de direitos humanos, é possível concluir que “o argumento
pela dignidade humana é simplesmente que ser humano torna alguém valoroso ou digno de respeito”.
Portanto, para o autor pode-se inferior que os Direitos Humanos “especificam certas formas de respeito
social – bens, serviços, oportunidades e proteções devidas a cada pessoa como um aspecto de direito –
atribuídas por esta dignidade”. Enders (2010, p. 3), contribuindo com esta definição, argumenta que o
conceito de dignidade humana está diretamente vinculado ao princípio de raison d’être (razão de ser ou
existir), se tratando de garantias básicas para os indivíduos sustentadas na ideia de que estes possuiriam
um “direito a ter direitos” simplesmente por serem humanos.

226
de saúde possível é um dos direitos de todo ser humano sem distinção de raça, religião,
credo ou condição social ou econômica” (LOUREIRO; SALLES, 2017, p. 05).
Por fim, a terceira geração representa os direitos de solidariedade, que são fruto
da solidariedade entre as distintas sociedades e nações, concretizando, de certa forma,
um conjunto de direitos que reconhecem as obrigações das nações e grupos que
possuem mais condições e recursos em relação aos menos favorecidos. Donnelly (2003,
p. 30) acredita que esta geração seria uma classe ampla de direitos coletivos a serem
assegurados pelo Estado contra a própria ação estatal, mas, além disso, são direitos que
exigem a participação da própria sociedade civil, seja por meio dos diferentes grupos
sociais, dos indivíduos em sua particularidade ou até mesmo das indústrias e empresas
privadas. Destacam-se os direitos à participação no patrimônio comum da humanidade,
ao desenvolvimento, à paz e o direito ao ambiente sadio (LOUREIRO; SALLES, 2017,
p. 22-23), tema central deste artigo e foco de uma discussão recente sobre a necessidade
de reconhecê-lo no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU).
Assim, o direito ao ambiente sadio, ainda não reconhecido formalmente como
um direito humano pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, tem emergido como
pauta importante para a comunidade internacional, recebendo apoio de organizações
importantes para o debate dos Direitos Humanos, como o Human Rights Watch
(ORELLANA, 2018, n.p.). Este artigo se propõe, então, a estudar a existência de
documentos e instrumentos legais que façam referência a um possível direito humano ao
meio ambiente sadio, retomando convenções e tratados internacionais em vigência,
utilizando o método da análise documental. Além disso, será elaborada uma análise
bibliográfica de artigos e livros de demais autores que versem sobre o tema, em busca
de diferentes perspectivas sobre este direito humano.

1 Os direitos à vida e saúde: uma sólida fundação de direitos humanos

Donnelly (2003, p. 27-28) afirma que o Direito Internacional dos Direitos


Humanos (DIDH) consagra as obrigações de protegê-los como irredutíveis. Logo, se os
direitos geram obrigações irredutíveis, eles são, portanto, direitos irredutíveis. E,
levando em consideração que proteger um direito não exime um Estado de proteger os
demais, o gozo de uma vida digna e de qualidade exige, de fato, que estes direitos sejam
tratados como insubstituíveis e igualmente necessários (TRINDADE, 2003, p. 165;
LOUREIRO; SALLES, 2017, p. 24-25), perspectivas consagradas pelas resoluções nº
39/145 de 1984 e 41/117 de 1986 da Assembleia Geral da ONU. Neste sentido,
reconhece-se, também, que, a fim de integrar o corpo do DIDH, é necessário que um
novo direito humano seja reconhecido como parte indivisível do mesmo.
Para compreender como o meio ambiente se encaixaria neste corpo complexo de
direitos humanos, é necessário atentar ao histórico recente do desenvolvimento de
alguns direitos mais tradicionais, como o direito à vida e o direito à saúde, amplamente
difundidos e universalmente aceitos. O desenvolvimento e ampliação destes direitos
acaba por formar, intencionalmente ou não, uma estrutura sólida para fundamentar uma
postura mais progressista e abrangente das medidas necessárias para proteger a
dignidade humana (TRINDADE, 2003, p. 177; BIELEFELDT, 2006, p. 50).
O direito humano à vida é um direito de primeira geração universalmente
reconhecido, cujo gozo é condição necessária para o exercício dos demais. Todavia, este
direito inicialmente é formulado como uma proteção mínima, referente à preservação da
vida dos indivíduos, sejam eles cidadãos ou não, contra execuções arbitrárias do Estado
(TRINDADE, 2003, p. 177). Um direito humano de caráter negativo, como os demais

227
de sua geração, possuía um caráter restritivo de não-intervenção do Estado na vida dos
indivíduos, mas que se tornou alvo de contestações mais recentes sobre seu caráter
excessivamente mínimo.
O Comitê de Direitos Humanos, que atua em obediência ao Pacto dos
Direitos Civis e Políticos da ONU, enfatiza que o direito humano à vida em
sentido amplo – o “direito supremo do ser humano” – requer medidas
positivas por parte dos Estados. De modo semelhante, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos chama a atenção para o caráter
obrigatório desse direito e adverte contra a privação arbitrária da vida
(TRINDADE, 2003, p. 177).
Com a expansão das responsabilidades geradas pelo direito humano à vida,
emergem novas interpretações, como a da Comissão Europeia de Direitos Humanos,
que argumenta que os Estados possuem “a obrigação positiva e mais abrangente de
adotar as medidas cabíveis no sentido de proteger a vida” (TRINDADE, 2003, p. 178).
Ao redefinir este como um direito também de caráter positivo, é possível enxergar as
relações claras que são construídas com o Pacto Internacional dos Direitos Econômico,
Sociais e Culturais, que reconhecem, nos artigos 11 e 12, que o Estado possui a
obrigação de garantir um padrão de vida e saúde adequado para a população (BRASIL,
1992, n.p.).
Diretamente vinculado a este primeiro direito, o direito humano à saúde, que
possui uma formulação significativamente recente, é um direito de segunda geração que
conquistou rapidamente uma posição de destaque e prestígio na comunidade
internacional, sendo amplamente reconhecido. Desde a fundação da ONU, em 1945,
reconhece-se a responsabilidade internacional de promover a saúde, protegendo os
indivíduos de eventuais ameaças, como pandemias e endemias. Entretanto, neste
momento, a saúde ainda não era vista como parte integrante dos Direitos Humanos
(GRUSKIN; TARANTOLA, 2005, p. 223-224; MARKS, 2013, p. 03-05; LOUREIRO;
SALLES, 2017, p. 26-27).
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em sua Constituição de 1946,
reconheceu a saúde como “um estado de bem-estar físico, mental e social e não somente
a ausência de doença ou enfermidade” (LOUREIRO; SALLES, 2017, p. 5) e que,
independente de raça, religião, credo ou condição social ou econômica, é um direito de
todo ser humano desfrutar do mais alto padrão de saúde possível, perspectiva alinhada,
assim como a leitura mais abrangente sobre o direito humano à vida, ao descrito pelo
Artigo 12 do Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais
(BRASIL, 1992, n.p.).
Apesar disso, foi somente em 1978, com a Declaração de Alma-Ata sobre
Cuidados Primários de Saúde, que o direito à saúde foi consagrado pela comunidade
internacional como um direito humano fundamental. A Declaração, fruto da
Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada neste mesmo
ano na antiga União Soviética, reforça a interpretação de saúde definida pela
Constituição da OMS e reconhece que as disparidades entre países desenvolvidos e em
desenvolvimento no campo da saúde são uma preocupação global, exigindo cooperação
e prioridade para os mais vulneráveis a fim de garantir a proteção dos seres humanos
(OMS, 1978, n.p.; MARKS, 2013, p. 06).
Assim como o direito à vida, para garantir o direito à saúde, é preciso também
reconhecer a obrigação do Estado de não praticar qualquer ato que ponha em risco a
saúde dos indivíduos e de adotar todas as medidas possíveis para sua proteção e
preservação. (TRINDADE, 2003, p. 182; MARKS, 2013, p. 11-14). Não se limitando
ao tratamento de doenças e enfermidades, o direito à saúde inclui a atenção primária à
saúde e a promoção de um padrão de vida sadio e de qualidade, reconhecendo a
228
necessidade de intervenções estatais na área, principalmente por meio da construção de
políticas públicas apropriadas3.
Os direitos à saúde e à vida, em suas leituras mais abrangentes, pertencem à
esfera dos direitos individuais, exigindo proteção da integridade dos indivíduos
separadamente, e dos direitos sociais, impondo ao Estado e à sociedade a
responsabilidade coletiva de zelar pela saúde de todos. Estes direitos constróem uma
base sólida que justificaria o reconhecimento de direitos que busquem a preservação da
vida e dignidade dos seres humanos pelo viés da segurança e da saúde, como a proteção
do meio ambiente e o direito à salubridade ambiental, questões realizadas durante a
Conferência sobre o Direito à Saúde como um Direito Humano, realizada pela
Academia de Direito Internacional de Haia, ainda em 1978 (TRINDADE, 2003, p. 183;
LOUREIRO; SALLES, 2017, p. 28).

2 Meio ambiente e direitos humanos

Trindade (2003, p. 188) argumenta que a lei ambiental deve ser incluída ao
DIDH como um direito humano de terceira geração, sob a prerrogativa de que a
proteção do ser humano envolve, num escopo mais amplo, a proteção de toda a biosfera
e de um padrão de vida adequado, já que a sobrevivência dos seres humanos depende
diretamente das condições do ambiente em que habita. Recentemente, a comunidade
internacional começa a enxergar que a degradação ao meio ambiente apresenta-se como
uma ameaça direta à saúde humana. Apesar disso, o debate sobre a preservação do meio
ambiente encontra fortes resistências por parte de diversos setores da sociedade.
No ano de 2016, segundo Orellana (2018, n.p.), pelo menos 200 ativistas que
lutavam pelo meio ambiente e pelos direitos à terra foram assassinados em 24 países,
grande parte deles na América do Sul. Luño (1991, p. 207) defende que, no curso dos
últimos anos, poucas questões geraram tanta inquietude como as relações do homem
com o meio ambiente em que habita e que condiciona sua existência. A tensão entre
natureza e sociedade torna-se visível quando observamos que, ao longo da história
humana, a compreensão de desenvolvimento tecnológico frequentemente coincide com
o domínio e a exploração desregulada dos recursos naturais.
O argumento por um desenvolvimento econômico sustentado na ampla
exploração dos recursos naturais que, em muitos casos, acaba levando à contaminação e
degradação do meio ambiente, ainda está presente em nossa sociedade, apesar das
repercussões drásticas que tais práticas irresponsáveis têm apresentado. Desastres
ambientais ao longo do planeta demonstram a importância de proteger a salubridade do
meio ambiente antes que a qualidade de vida dos indivíduos se encontre em risco
extremo e irreversível (LUÑO, 1991, p. 207; GIONGO, 2011, p. 84; LOUREIRO;
SALLES, 2017, p. 56).
Ainda, Cançado Trindade (1993, p. 137-138), ao advogar pela expansão do
direito ao refúgio para vítimas de catástrofes ambientais, destaca a importância de zelar
pela proteção ambiental como vital para os seres humanos, compreendendo que estes
desastres causam danos a longo prazo e possuem a capacidade de alterar a vida dos
sujeitos indefinidamente. É possível compreender, portanto, que o Direito Ambiental
versa sobre questões que ultrapassam o enquadramento de somente um indivíduo e
somente um período definido de tempo, podendo ser compreendido como
3
Bucci (2001) elabora um debate interessante sobre a necessidade da elaboração de políticas públicas
voltadas à concretização dos direitos humanos, pois elas seriam capazes de transformar estes princípios
orientadores em regras capazes de constituir obrigações jurídicas.

229
transindividual e transgeracional (TRINDADE, 1993, 137-138; GIONGO, 2011, p. 88).
No Brasil, a proteção ao meio ambiente se encontra presente em diversos
instrumentos jurídicos, a partir da própria Constituição Federal de 1988 (CF/88), que
prevê o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental
dos brasileiros e brasileiras, como previsto em seu artigo 255 (BRASIL, 1988, n.p.). A
salubridade ambiental foi consagrada como parte da política de saúde pública a partir da
aprovação da Lei 8.080/1990, que instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), cujo
artigo 3º afirma reforça os determinantes e condicionantes da saúde incluem, “entre
outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a
renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços
essenciais” (BRASIL, 1990, n.p.). Esta leitura, de caráter abrangente, foi reforçada pelo
Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), instituído 13 anos depois pela
presidente Dilma Rousseff (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013). A legislação
nacional reconhece que é necessário preservar o meio ambiente para que a dignidade e a
saúde humanas não sejam prejudicadas4.
O documento “Direitos Humanos e o Meio Ambiente: Consulta Regional sobre
a Relação Entre Obrigações de Direitos Humanos e Proteção Ambiental, com Foco nos
Direitos Ambientais Constitucionais”, fruto de uma consulta realizada pelo Especialista
Independente em direitos humanos e meio ambiente das Nações Unidas, em conjunto
com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o Escritório do
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e o Legal
Resources Centre (LRC) da África do Sul, demonstra que o Brasil não é um caso
isolado. Segundo a publicação, mais de 90 nações possuem alguma forma de direito ao
meio ambiente sadio e à proteção ambiental previsto em suas constituições, incluindo
mais de 30 países do continente africano. Cerca de dois terços destes direitos fazem
referência ao direito à saúde e um quarto utiliza termos semelhantes ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado – “formulações alternativas incluem direitos ao meio
ambiente limpo, seguro, favorável ou saudável” (ACNUDH, 2014, p. 4, tradução
nossa).
Ao reconhecer que a salubridade ambiental é diretamente ligada à saúde dos
indivíduos, reconhece-se, por consequência, que a vida humana depende da mesma,
tornando possível argumentar que, por estar vinculado diretamente a estes dois direitos
humanos fundamentais, vida e saúde, a proteção ao meio ambiente poderia integrar o
Direito Internacional dos Direitos Humanos.

O direito humano a um ambiente sadio engloba as dimensões ambientais dos


direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais, e protege os
elementos centrais do ambiente natural que possibilita uma vida de
dignidade. Diversos ecossistemas e água, ar e solos limpos são indispensáveis
para a saúde humana e a segurança. O direito também protege os espaços
cívicos para que indivíduos possam engajar em diálogos sobre política
ambiental. Sem ele, políticas governamentais muitas vezes atendem os
interesses dos poderosos, não do público, e certamente não dos politicamente
marginalizados (ORELLANA, 2018, n.p., tradução nossa).

A Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente5, organizada em 1972 pela


ONU, “foi o grande ponto de partida para a conscientização ecológica e a necessidade
da cooperação internacional para a proteção transfronteiriça do meio ambiente”

4
Todavia, Ziglio e Comegna (2013, p. 518) indicam que nem sempre essa legislação ambiental nacional
parece ser implementada e fiscalizada à risca.
5
O PNUMA foi um dos resultados da Conferência de Estocolmo (FIORE; ZIGLIO, 2013, p. 07).

230
(CALSING, 2011, p. 172) e contou com a participação de 114 países. A Conferência foi
o primeiro esforço global de elaborar um projeto transnacional para a preservação do
meio ambiente, destacando a importância de implementação doméstica dos princípios
traduzidos pelo seu documento principal, a Declaração de Estocolmo.
A Declaração, já em seu Princípio 1, afirma que o ser humano possui o direito à
liberdade e ao meio ambiente sadio, enquanto os seis princípios seguintes versam sobre
a necessidade de proteger a terra, o ar, a água, o solo, a fauna e a flora, enquanto os
princípios entre 8 e 25 elaboram instrumentos para a proteção ambiental baseados na
ciência, tecnologia, ação conjunta, informação, gestão ambiental e responsabilização
dos Estados por danos ambientais pois estes possuiriam a capacidade de cobrar
indenizações e aplicar sanções. Calsing (2011), atenta para o Princípio 21, que
reconhece o direito soberano dos Estados para explorar seus recursos naturais, desde
que o uso destes recursos não prejudique os demais ou seus habitantes:

Estados possuem, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os


princípios do Direito Internacional, o direito soberano de explorar seus
próprios recursos de acordo com sua própria política ambiental, e a obrigação
de assegurar que as atividades dentro de sua jurisdição ou seu controle não
causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas situadas fora
de jurisdição nacional (ONU, 1972).

Ziglio e Comegna (2013, p. 515) enxergam a produção do Relatório Brundland,


elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento da ONU
em 1987, o ponto inicial da discussão sobre o desenvolvimento sustentável no âmbito
internacional. Crítico às nações industrializadas que ostentavam altos índices de
poluição, o Relatório ressaltou a necessidade conjunta de zelar pela harmonização entre
eficiência econômica, justiça social e meio ambiente.

Esse relatório deixou bem clara sua proposta: a exploração dos recursos
naturais, os investimentos econômicos e o desenvolvimento tecnológico não
devem comprometer a construção de um futuro justo, seguro e próspero,
embasado na responsabilidade comum com o ambiente do planeta (ZIGLIO;
COMEGNA, 2013, p. 515).

O Relatório traz consigo uma das primeiras definições de desenvolvimento


sustentável, compreendendo este como aquele que fosse capaz de atender às
necessidades do presente sem negligenciar os anseios sobre as futuras gerações
atenderem suas próprias necessidades (FIORE; ZIGLIO, 2013, p. 8; ZIGLIO;
COMEGNA, 2013, p. 516).
Em um momento importante para a agenda do Direito Internacional Ambiental,
a ONU organizou, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, popularmente conhecida como Eco-92 ou Rio-92, que
contou com a participação de 178 Estados e mais de 1400 organizações não-
governamentais (ONGs) produziu a Declaração do Rio, que

(...) contém 27 princípios gerais que confirmam os de Estocolmo e


introduzem novas regras consuetudinárias. Resumidamente, o artigo 10
ressalta a importância da participação da sociedade na proteção do meio
ambiente; o artigo 11 pede a adoção de medidas mais eficazes para esta
proteção; o artigo 13 versa sobre a responsabilidade dos Estados por danos
ambientais causados em seu território; e os artigos 15 a 18 reconhecem os
princípios da precaução, poluidor-pagador e da assistência internacional
(CALSING, 2011, p. 174).

231
A Agenda 21, o plano de ação para a implementação dos valores da Declaração
do Rio, também assinado na Rio-92, consagrou conceitos importantes para os países em
desenvolvimento, que ainda possuíam setores industriais relativamente tardios em
relação aos países industrializados, como o desenvolvimento sustentável e o princípio
das responsabilidades comuns porém diferenciadas entre os países para a proteção do
meio ambiente (VARGAS, 2000, p. 178-179; LOUREIRO; SALLES, 2017, p. 34). Este
segundo princípio é fundamental por possibilitar uma interpretação de que os países
industrializados, “que exportam pobreza e poluição para o planeta” (ZIGLIO;
COMEGNA, 2013, p. 515), possuem responsabilidades maiores que os demais países
na produção de tecnologias sustentáveis e de políticas ecologicamente responsáveis,
pois estes já haveriam usufruído dos recursos naturais de maneira predatória por um
longo período para consolidar suas indústrias e economias nacionais.
Fiore e Ziglio (2013, p. 09) destacam que a Rio-92 propõe à sociedade civil e à
comunidade internacional “o desafio de regular a ação humana no planeta” e, ao mesmo
tempo, aprofundar e aplicar o conceito de desenvolvimento sustentável, missão que tem
sido levada à frente por fóruns internacionais como a Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável de Johanesburgo (Rio +10) e a Conferência das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +20).

Os eventos mundiais, aqui relembrados, abriram um acmpo heterogêneo de


perspectivas, marcados pela gama de interesses em torno de um único
objetivo: a continuidade do processo de apropriação do meio ambiente. [...] O
ponto de inflexão: a necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento
permanece (FIORE; ZIGLIO, 2013, p. 09).

No entanto, o reconhecimento internacional destes princípios que destacam a


importância dos recursos naturais e do meio ambiente para a sobrevivência humana
reforça a validade do direito ao ambiente sadio como um direito humano de caráter
fundamental, indivisível e insubstituível. Autores como Trindade (1993, p. 137-138;
2003, p. 188), Calsing (2011, p. 175) e Giongo (2011, p. 88) descrevem o direito ao
ambiente sadio como um direito humano de terceira geração, de caráter transnacional,
transindividual, comunitário e difuso, necessitando, antes de tudo, da cooperação dos
indivíduos e das sociedade.
Todavia, não é possível excusar o Estado de seu papel como agente fiscalizador.
Neste sentido, reconhece-se a responsabilidade do Estado para criar e implementar
regulamentações capazes de impedir ou reduzir o impacto ambiental das atividades
econômicas baseadas na exploração dos recursos naturais. A ação humana sem freios e
políticas de regulamentação pode colocar em risco a estabilidade das sociedades e a
sobrevivência dos indivíduos ao considerar a importância que certos recursos naturais
possuem para a preservação da vida humana, como a água potável (LOUREIRO;
SALLES, 2017, p. 19)
Portanto, para garantir a proteção deste direito humano fundamental, destaca-se
a necessidade de seu reconhecimento pela comunidade internacional, através de
organismos internacionais como a ONU. Ainda, como proposto por Bucci (2001, p. 13),
para garantir a concretização destes princípios de direitos humanos, é indispensável que
haja internalização pelos ordenamentos jurídicos nacionais e construção de políticas
públicas eficazes para garantir a implementação destes princípios de direitos humanos.

3 Observações sobre as necessidades para o meio ambiente sadio

232
Atualmente, apesar da emergência do debate sobre as questões ambientais, a
preocupação de certos governos em elaborar legislações capazes de prevenir e reduzir
danos ao meio ambiente, e certas vitórias de ativistas, ainda permanece a percepção de
baixo poder de fiscalização internacional (CALSING, 2011, p. 175; GOMES, 2017, p.
71). Desastres ambientais continuam sendo uma realidade constante em diversas regiões
do planeta, mesmo em países que reconhecem direitos constitucionais ao ambiente
sadio, e, nos casos mais extremos, indivíduos em situação de extrema vulnerabilidade
permanecem sendo obrigados a abandonar seus lares e migrar para preservar suas vidas
(CALSING, 2011, p. 175; LEAL, 2017, p. 84; LOUREIRO; SALLES, 2017, p. 56-57).
Bucci (2001) argumenta que os direitos humanos se apresentam como princípios
orientadores para a formulação de políticas e normas, mas não possuem, por si só,
capacidade de gerar obrigações jurídicas para os indivíduos e para as instituições do
Estado. Seria necessário, portanto, elaborar instrumentos capazes de transformar os
direitos humanos em regras de fato, capazes de gerar mudanças reais na sociedade e no
comportamento estatal. A construção de políticas públicas apropriadas parece ser,
segundo a autora, o caminho mais apropriado para tornar estes princípios em
ferramentas práticas. Se distanciando de perspectivas mais liberais e reafirmando a
perspectiva de indivisibilidade dos direitos humanos, afirma que seria impossível
garantir direitos civis e políticos sem que os demais fossem protegidos e tais garantias
fossem a realidade dos indivíduos.

Como poderia, por exemplo, um analfabeto exercer plenamente o direito à


livre manifestação do pensamento? Para que isso fosse possível é que se
formulou e se positivou nos textos constitucionais e nas declarações
internacionais o direito à educação. Na mesma linha, como se pode dizer que
um sem-teto, que mora debaixo da ponte, exerce o direito à intimidade (artigo
5°, X, da Constituição brasileira)? Isso será uma ficção enquanto não lhe for
assegurado o direito à moradia, hoje constante do rol de direitos sociais do
artigo 6° da Constituição (BUCCI, 2001, p. 08).

O direito humano ao ambiente sadio, como qualquer outro direito humano, pode
ser incluso nesta narrativa. Como garantir o direito à vida sem condições adequadas de
salubridade ambiental6 ou, em escalas mais graves, como preservar a vida humana sem
condições suficientes para garantir também a alimentação, saúde e segurança? É
necessário, portanto, que além de reconhecer direitos constitucionais ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, os países construam estruturas capazes de efetivar estes
direitos, ou seja, políticas públicas de caráter ambiental.
Tais políticas se mostram necessárias desde a fiscalização das atividades
econômicas e industriais, para reduzir a exploração excessiva dos recursos naturais e
buscar alternativas mais sustentáveis para tais práticas, até, nos casos de acidentes ou
crimes ambientais, a redução de danos ao meio ambiente e investigação, sanção e
responsabilização das partes envolvidas. Estes são mecanismos complexos mas
necessários para a preservação da salubridade ambiental, a fim de evitar novos desastres
e reduzir o impacto ambiental causado pelas atividades humanas, considerando a
importância do meio ambiente para a sobrevivência e garantia de uma vida digna.
Ziglio e Comegna (2013, p. 521) apontam que a existência de leis ambientais,
por si só, parece não ser suficiente para tal, tornando necessário “o cumprimento da
legislação vigente por parte do Estado e dos agentes econômicos; promover alternativas

6
Valvassori e Alexandre (2012, p. 02) compreendem que “a salubridade ambiental pode ser entendida
como a qualidade ambiental capaz de prevenir doenças que são veiculadas pelo meio ambiente e de
aperfeiçoar as condições favoráveis à saúde da população urbana e rural”.

233
sustentáveis para a utilização dos recursos naturais e, finalmente, apoiar o
fortalecimento de movimentos sociais e organizações”, principalmente as que possuam
como meta a preservação do meio ambiente e justiça ambiental. A importância de
incluir a sociedade civil nas negociações sobre o direito humano ao ambiente sadio é um
aspecto fundamental da natureza deste direito como de terceira geração, que não se
limita às competências e ações do Estado.
Ao incluir movimentos sociais e organizações civis na construção de
mecanismos de controle social para a proteção do meio ambiente e utilização
sustentável dos recursos naturais, reduz-se a possibilidade de que agentes econômicos,
em sua grande maioria, permeados pela lógica de um capitalismo exploratório e
ecologicamente insustentável, possam realizar suas atividades econômicas de forma
predatória.
Além disso, para além dos limites fronteiriços dos Estados nacionais,
argumentos favoráveis à fiscalização internacional de práticas ambientais apontam a
necessidade de que organismos internacionais consigam atuar e intervir para evitar
danos severos ao meio ambiente e proteger as população que se encontram em situação
de vulnerabilidade ambiental (GOMES, 201, p. 71; LEAL, 2017, p. 84). A preservação,
assim como sugerido pela Agenda 21 da Rio-92, exige a responsabilidade de todos os
países dentro de suas possibilidades, não se restringindo a fronteiras e identidade
nacionais. Apesar disso, a Agenda 21 não possui força de lei e, portanto, se trata apenas
de um princípio orientador capaz de inspirar a produção de novos dispositivos legais no
futuro.
O meio ambiente é único e não respeita limites fronteiriços ou políticos
(CASLING, 2011, p. 175), demonstrando a necessidade por cooperação internacional de
caráter multilateral7, contando com a colaboração mundial entre organizações
internacionais, governos e sociedades, como parte indispensável para o sucesso de uma
ação global para o meio ambiente, necessitando abordar aspectos como tecnologia,
ciência e gestão. Acidentes e crimes ambientais não se limitam a fronteiras geográficas
e políticas, causando danos a diferentes grupos sociais e nacionais de diversos países.
Somente por meio de uma atuação estatal eficaz e de fiscalização e ação conjunta será
possível garantir a salubridade do meio ambiente em escala global.
A maioria destes princípios já é reconhecida pela comunidade internacional e
pelos Estados de forma individual, no entanto, no que tange às políticas públicas e a
responsabilização de indivíduos, companhias e Estados, a situação ainda é precária.
Com a exceção de mais raros e extremos casos, o processo de punição e sanção às más
práticas ambientais ainda se mostra ausente em diversos países e, principalmente, no
campo do Direito Internacional (LOUREIRO; SALLES, 2017, p. 56-57; GOMES,
2017, p. 71-72).

Considerações finais

De acordo com a proposta deste artigo, foi realizado um levantamento sobre


normas e tratados internacionais que versem sobre o direito ao ambiente sadio. Os
resultados encontrados sugerem que há uma sólida base teórica e legal para sustentar o
reconhecimento deste direito humano, de caráter fundamental, transnacional,
transindividual e difuso. Sua classificação mais adequada, por exigir ação por parte de
todas as sociedades em todas as nações, reforça a opinião trazida por autores como

7
Ruggie (1992, p. 572, tradução nossa) compreende multilateralismo como a coordenação de “relações
entre três ou mais Estados de acordo com princípios de conduta generalizados”.

234
Calsing (2011, p. 175) e Trindade (2003, p. 188) de que este seria um “direito de
solidariedade” ou de terceira geração, que exigem responsabilidade social e ação estatal
a fim de garantir sua efetivação.
Apesar disso, há uma preocupante ausência de procedimentos e mecanismos em
organizações internacionais que sejam capazes de fiscalizar, diagnosticar,
responsabilizar e punir violadores deste direito humano, indicando que, além do
reconhecimento, é necessário construir instrumentos adequados para garantir sua
implementação. O comprometimento com este novo direito exige a construção de um
mecanismo de efetivação que seja capaz de solucionar as adversidades e desafios
propostos por um problema que não se limita a fronteiras e identidades nacionais.
Em relação à análise documental, observa-se a presença de elementos que
remetem ou abordam diretamente a questão do saneamento ambiental desde a
Declaração de Alma-Ata, que reconhece a necessidade de não somente oferecer
cuidados para os enfermos como também zelar para garantir a saúde dos indivíduos,
incluindo uma responsabilidade global e coletiva para a saúde. De maneira semelhante,
cerca de uma centena de Estados possuem, em suas constituições nacionais, referências
a um direito ao saneamento ambiental, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ou
outras formulações similares, o que sugere que este direito estaria, de certa forma,
incorporado às legislações domésticas.
A presença de documentos nacionais e internacionais que vinculam o direito ao
ambiente sadio diretamente às questões da vida e da saúde, ambos amplamente
reconhecidos como direitos humanos dotados de prestígio na comunidade internacional,
reforçam a coerência de tê-lo como parte integrante do Direito Internacional dos
Direitos Humanos. Sem a preservação do meio ambiente a garantia da saúde dos
indivíduos e, em escalas muito mais drásticas, a sobrevivência humana se tornam
inviáveis. Este, em teoria, se posiciona para ser mais um direito humano amplamente
adotado, apesar das barreiras encontradas até o momento.
Este artigo conclui, ainda, a proteção do meio ambiente é, ou deveria ser, uma
preocupação de escala global e, como desastres e crises ambientais não se limitam às
fronteiras políticas e identidades nacionais, a responsabilização dos indivíduos,
companhias e Estados é uma necessidade para garantir a efetivação deste direito
humano, princípios reconhecidos pela Declaração de Estocolmo e pelos documentos
produzidos durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento.
Recomenda-se, ainda, a cooperação internacional multilateral, utilizando do
conhecimento e dos recursos produzidos pela ciência, tecnologia, informação e gestão, e
a elaboração de políticas públicas e legislação doméstica que incluam, de maneira
abrangente e enfática, estratégias que visem reduzir os danos provocados pela
exploração insustentável dos recursos naturais, promovida por um sistema capitalista
desregulado e insustentável. Nesse sentido, mostra-se necessário que os Estados não
tomem decisões ou realizem atividades prejudiciais ao ambiente, que estes ajam para
garantir a preservação ambiental e que os indivíduos cumpram sua devida parte,
respeitando e zelando pelo meio ambiente. A existência de atividades econômicas e
industriais que promovem um uso excessivo e abusivo dos recursos naturais não
somente reforça a necessidade por fiscalização, como também devem servir como
incentivo para a ação conjunta para o desenvolvimento de tecnologias, conhecimentos,
práticas e mudanças de comportamento que sejam mais compatíveis com a preservação
do meio ambiente, possibilitando a concretização do princípio do desenvolvimento
sustentável.
É importante destacar, portanto, que há uma operação que deverá ocorrer em

235
diversos níveis a fim de garantir a concretização deste direito humano. O abuso dos
recursos naturais e a degradação do meio ambiente causam danos para além das
distinções entre nacionalidades, etnias, raças, grupos sociais e culturais. Toda a
humanidade possui, portanto, o dever de zelar pelo meio ambiente, incluindo os
Estados, que devem responsabilizar-se pela regulamentação das atividades econômicas
que podem causar danos ambientais. Ainda, não é possível desconsiderar que os países
desenvolvidos possuem maiores responsabilidades em relação aos demais por terem
explorado excessivamente os recursos naturais não-renováveis, como reforçado pelo
princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.

REFERÊNCIAS

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238
EDUCAÇÃO SOCIOAMBIENTAL ANTE OS PROBLEMAS GERADOS PELO
CAPITALISMO

Socio-Environmental Education to the problems generated by Capitalism

Ulisses Espártacus de Souza Costa1


Pedro Andrade Matos2
Flávio Henrique Rosa3

Resumo: Diante da lógica de que: o consumo é crescente e os recursos são limitados,


quais os instrumentos/medidas a sociedade atual dispõe para garantir as suas
necessidades sem ameaçar as das futuras gerações? Este artigo propõe-se a analisar,
pelas perspectivas teóricas marxista e bourdiana, a relevância do desenvolvimento
sustentável. Considera-se a educação socioambiental um instrumento capaz de produzir
resultados práticos e permanentes, porém o grande desafio é convencer as pessoas a
modificar suas atitudes, sem nenhum tipo de estímulos ou compensação material.

Palavras-chave: Capitalismo, Desenvolvimento, Educação Socioambiental, Teoria


Marxista, Teoria Bourdiana.

Abstract:Face with the logic that: consumption is increasing and resources are limited,
what are the instruments/measures that society today has to guarantee its needs without
threatening future generation’s needs? This article proposes to study socio-
environmental education for sustainable development. A socio-environmental education
is considered as an instrument capable of produce practical and permanent results.
However, the great challenge is to persuade people to change their actions without any
kind of stimulus or material compensation.

Keywords: Capitalism, Development, Socio-environmental Education, Marxist Theory,


Bourdian Theory.

1
Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder
Câmara, especialista em Direito Coletivo e Corporativo do Trabalho, pesquisador do Grupo de estudos
Política, Segurança e Mineração. E-mail:spartacuscosta@yahoo.com.br.
2
Bolsista CAPES com estágio na Escola Superior Dom Helder Câmara. E-mail: matooscv@hotmail.com.
3
Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder
Câmara, pesquisador integrante do Grupo de Pesquisa Direito dos Animais, Economia, Cultura,
Sustentabilidade e Desafios da Proteção Internacional. E-mail: henrizbh@uol.com.br

239
INTRODUÇÃO

As ações humanas e o estilo de desenvolvimento estão interligados aos


prejuízos de utilização de recursos não renováveis do meio ambiente e às necessidades
das futuras gerações. Diante da lógica de que: o consumo é crescente e os recursos são
limitados, quais os instrumentos/medidas a sociedade atual dispõe para garantir as suas
necessidades sem ameaçar as das futuras gerações? Este artigo propõe-se a analisar,
pelas perspectivas teóricas marxista e bourdiana, a relevância do desenvolvimento
sustentável, ante as demandas do mundo capitalista.
A administração do meio ambiente exige uma perspectiva política, uma vez
que o principal problema seja a distribuição/gerenciamento dos recursos globais, e estes
se encontram ligados à política, por isso a necessidade da construção de uma solução a
partir dessa perspectiva.
As soluções como regulamentação possuem desafios de execução e as leis, em
vários países, não são respeitadas; as imposições fiscais deparam com inexistências de
instituições capazes a administrar ou fazer respeita-las; e, mesmo a tentativa de repassar
a solução para o mercado não se tem mostrado eficiente pela lógica de competição, uma
vez que a eficiência é suplantada pela corrida ao lucro e deparam-se também com
problemas de equidade no mercado.
Considera-se a educação socioambiental um instrumento capaz de produzir
resultados práticos e permanentes, porém, o grande desafio é convencer as pessoas a
modificar suas atitudes ao desenvolvimento sustentável, sem nenhum tipo de estímulo
ou compensação material. Esse pressuposto será analisado mediante os estudos
relacionados à teoria marxista para entender a dinâmica do capitalismo, principalmente
no consumo; de igual modo, aproveita-se das contribuições teóricas de Pierre Bourdieu
para analisar a ação do homem e seus efeitos na sociedade.
O objetivo deste trabalho é compreender a relevância da educação
socioambiental para o desenvolvimento sustentável. Para tal, os objetivos específicos
visam: compreender a dinâmica do capitalismo e a sua relação com a natureza;
diagnosticar o tipo de relação entre o homem e os recursos finitos do meio ambiente; e
analisar os instrumentos viáveis à sustentação de um desenvolvimento que garanta a
sobrevivência das futuras gerações.
Através da análise dos documentos e abordagens teóricas supracitadas, este
trabalho guia-se através do método comparativo para a produção de resultados
analíticos. Compara-se, portanto, os pressupostos teóricos dos autores citados ante os
fenômenos de desenvolvimento e educação socioambiental.

1 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Durante muito tempo o homem se valeu dos recursos naturais em busca de


desenvolvimento econômico e de bem-estar. Não havia preocupação com a finitude dos
recursos, na perspectiva que a natureza se renovaria, com a preocupação apenas quanto
ao bem-estar humano e as possibilidades de acúmulo de capital (CALGARO;
PEREIRA, 2017, p. 280).
O homem (es)colhia da natureza as partes fundamentais para garantir a sua
vida. Pouco esforço era feito para explorar a natureza, em razão da proporção de
quantidade de alimentos e pessoas. Embora houvesse alguma transformação,
nomeadamente a domesticação de animais e plantas e introdução de técnicas ad hoc,
pode-se considerar que se tratava de uma relação harmoniosa com a natureza
(SANTOS, 2006, p. 67).

240
A relação foi alterada quando ocorreu a substituição de um meio natural por
um artificial, caracterizado essencialmente pelos meios técnico-científico-informacional
(SANTOS, 2006, p. 200). Nesse contexto, forjaram-se novos tempos (sociais) que
suplantaram os naturais, tendo o homem se definindo como o fabricador do próprio
tempo e dominador/protetor da natureza (HARVEY, 1996, p. 100).
O intuito econômico de acúmulo de capital e de bens materiais tem estimulado
o homem a modificar a natureza, em busca do progresso e satisfação de suas
necessidades materiais. Com o crescimento econômico, sobretudo, das sociedades
tecnológicas, em um segundo momento, pesquisas e estudos sociais se voltaram às
condições psíquicas do homem, seu reconhecimento como componente social, os
cuidados com a saúde proteção e trabalho, isto é, o seu bem-estar em perspectiva
holística (MARX; ENGELS; 1989, p 21).
Após a estruturação econômica e social, verificaram-se as modificações do
ambiente físico que proporcionam o bem-estar, também se tornaram nocivas aos
homens, justamente pela sua visão pragmática e imediatista pela qual a natureza foi
transformada em um objeto que satisfaça os seus interesses. A ecologia foi suplantada
pelo tecnocosmo e com isso, “a natureza deixou de ser uma parte significativa do nosso
meio ambiente” (GELLNER apud SANTOS, 2006, p. 160).
Tal visão provocou externalidades como doenças; guerras e escassez de
recursos em outras localidades do mundo que não tiveram envolvimento direto na
destruição da natureza. Os efeitos advindos do aquecimento global exemplificam como
países pobres e comunidades praticantes de uma vida em parcimônia com a natureza,
estão enfrentando os efeitos negativos provocados pelas economias desenvolvidas.
Nesse raciocínio deve-se considerar que o meio ambiente não possui fronteira, podendo
as suas externalidades e transbordamento afetar o nível regional e global.
A dispersão global de efeitos negativos, no que tange ao meio ambiente,
elucida como a natureza é frágil-uma vez adulterada o seu percurso-, mas também
aponta à necessidade de uma consciência global, haja vista a capacidade da propagação
dos efeitos negativos, desde a escala local a global, afetando em longo prazo tanto os
países pobres quanto os ricos.
Surgem a partir da década de 70 as necessidades dos países desenvolvidos se
organizarem, expondo e estimulando metas de proteção do meio ambiente, com fito a
perpetuação da espécie humana. Pois, as teorias econômicas sociais de desenvolvimento
antropocêntrico eram ineficazes para o novo momento, assim como para as novas
necessidades (SANTOS, 2003, p. 10). A própria ideia de progresso não cumpria o seu
objetivo na tentativa de conferir melhoria na qualidade de vida das pessoas, portanto,
fracassou-se. O desenvolvimento assumiu um sentido colonizador, (re)interpretado em
termos ocidentais, cujo impacto negativo fora o estrangulamento de alternativas e
experiências de outros povos em torno do fenômeno.
O conceito de desenvolvimento se tornou complexo, englobando não só as
questões do plano econômico, como também problemas sociais de saúde física e
mental, equilíbrio de oportunidades e condições de higiene; lazer; saneamento básico;
moradia; desemprego e exploração de recurso não renováveis. Situações que não
existem sem as condições de preservação ambiental (ambiente sadio).
Essa equação é operacionalizada mediante as disponibilidades de recursos
materiais em uma determinada época, tendo em vista a finitude de tais recursos. Além
disso, como argumenta Amartya Sen (2010, p. 300), o desenvolvimento passa a
significar a liberdade de escolhas em termos de instrumentos e em consonância com a
perspectiva cultural de um determinado povo. A liberdade requer ausência de fome,

241
subnutrição, analfabetismo, entre outros, e a emancipação humana corresponde ao
controle humano sobre os meios que o produzem.
O equilíbrio do meio ambiente é fundamental para desenvolvimento social, seu
desbalanceamento culmina com extinção de espécies componentes da natureza, assim
como as sociedades. As correções das externalidades produzidas pelo desenvolvimento
da produção humana são a grande necessidade de respostas de mudança em busca de
uma reprodução social desenvolvida através da sustentabilidade.
As abordagens das teorias críticas estão estritamente ligadas à interpretação
crítica do modelo da racionalidade moderna e do capitalismo (econômico), que oprime e
obriga o desenvolvimento de sociedades subdesenvolvidas a condicionantes impostas
por países desenvolvidos em troca de favores com intenção de obtenção de vantagens
econômicas, dominação tecnológica e cultural (LEFF, 2001, p. 93). Nesse contexto, os
países pobres funcionam como fontes de matérias-primas para a operacionalização da
Era Tecnológica e, ao mesmo tempo depositários/vítimas das externalidades negativas
dessa operacionalização e das desigualdades globais produzidas pelo capitalismo.
Nesses moldes, a globalização potencializa um capitalismo sem fronteiras, em
que as empresas multinacionais curto-circuitam os Estados e sucede-se à gestão externa
dos territórios (SANTOS, 2006, p. 164). A grande indagação deste autor é: possível
falar da “desterritorialização do desastre ecológico?” Atualmente o grande debate é
sobre as responsabilidades dos países e outros atores, como as empresas multinacionais
em relação aos desastres ambientais.
Destaca (CALGARO; PEREIRA, 2017, p. 280) que perspectiva do progresso
do desenvolvimento baseia em medidas sustentáveis defendidas pela maioria dos países
desenvolvidos, como políticas de ecodesenvolvimento, crédito de carbono, dentre outras
que não atingem os objetivos reais propostos de proteção do meio ambiente. A
produção e consumo sempre foram necessários no contexto capitalista passado e
moderno.
No entanto, as perspectivas de reprodução socioambiental devem buscar reais
mudanças do entendimento da diversidade do desenvolvimento econômico, livrando as
sociedades menos desenvolvidas da produção degradante e da centralização
eurocêntrica do homem. Que será possível através do conhecimento multicultural, ou
seja, a integração eco humanitária promovida por estudos e compartilhamento de
tecnologias e pesquisas proporcionadas pela integração da educação socioambiental.
Tendo em vista a complexidade do fenômeno ambiental, a solução aos
desafios impostos pelo estado degradante do meio ambiente não se encontra nas
prescrições e nos conhecimentos emanados a partir dos países desenvolvidos, ela deve
ser resultado de um diálogo multicultural e pluralidade de experiências.
A teoria social apresenta como negação do modelo de classes, objetiva superar
a dicotomia, dominante - dominado, sociedade - natureza. Foca em modelos de
produção e maximização de mercado. Exclui a vida harmônica na qual existirá a
compreensão de necessidade dos menos favorecidos. Esses apenas serão atingidos por
revoluções sejam armadas ou culturais (MARX; ENGELS, 1989, p. 67). As teorias
sociais de desenvolvimento são abordagens extremamente econômicas financeiras, com
total esquecimento do meio ambiente, ainda que esse seja uma das causas comuns da
existência e sobrevivência humana (CALGARO; PEREIRA, 2017, p. 287).
A educação socioambiental visa o resgate do incentivo cultural, tecnológico e
desenvolvimento de projetos que estimulam as condições necessárias para o futuro das
próximas gerações. Devem ser enfatizados os valores culturais como centro dos
estímulos pedagógicos da educação ambiental (SANTOS, 2003, p. 140).

242
A necessidade de evolução é latente, haja vista que as ações ordenadas visam
incentivos na produção e consumo para o bem comum. No entanto, não existe limitação
para os países desenvolvidos e nem condições necessárias ao avanço dos
subdesenvolvidos.
A cultura dos países em desenvolvimento é dominada pela imposição dos
países desenvolvidos, o que desestimula a construção de decisões e projetos de
identificação da comunidade com os meios de produção e o meio ambiente.

2 A VISÃO MARXISTA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A teoria marxista volta-se para compreensão das contradições no plano da


estrutura – produção material nas classes sociais. Busca o equilíbrio entre capital versus
trabalho, que é sustentáculo da superestrutura de consciência social na perspectiva do
materialismo histórico dialético (CORONA; ALMEIDA, 2014, p. 27). O homem é o
centro dos estudos, mas não se desprende da necessidade de produção, pois, ele só
existe se for produtivo reconhecido como necessário ao sistema, peça fundamental da
engrenagem econômica (MARX; ENGELS, 1989, p. 55).
As explicações das diferenças das sociedades encontram-se nos indivíduos que
a compõem. Sua ação e condições materiais de existência são as que já se encontram
prontas, bem como, aquelas engendradas pela sua atuação. Para Marx a existência
humana permite a existência da história (MARX; ENGELS, 1989, p. 80). Logo, toda a
história da sociedade se resume na existência humana, sendo desprezado o meio
ambiente, apenas é observado o contexto social.
A possibilidade de reconhecimento social surge das condições que o homem
encontra no meio ambiente, e principalmente das modificações que impõem com sua
ação. O capitalismo sempre se desenvolve de maneira não autossustentável,
necessitando de aumento dos meios de produção e dos produtos destinados ao consumo,
gerando acúmulo de bens, e de capital pela mais-valia obtida pela exploração do
proletariado (MARX; ENGELS, 1989, p. 64).
A base social da reprodução material visa o crescimento econômico. Acredita-
se que a imaterialidade do conhecimento e a cultura que impulsionarão a revolução de
classes não são estimuladas. O raciocínio crítico surgirá ante ao extremo das
desigualdades sociais (SANTOS, 2006, p. 178).
As consequências do progresso da produção são: aumento da exploração dos
recursos naturais e dos homens, daqueles que possuem menos possibilidades de acesso
aos bens promotores do bem-estar. Essa maioria explorada é a mola propulsora do
desenvolvimento com a consequente exploração de sua força de trabalho, mantida pela
dominação cultural e científica, permitida pela dominação dos meios de produção
(CALGARO; PEREIRA, 2017, p. 286).
As necessidades do ser humano surgem conforme avançam as alterações físicas
do ambiente em que habitam. Além das condições que a natureza oferece, fatos que
determinam um modo de vida influenciam na vivência e no planejamento para práticas
futuras. Não há pensamento de proteção ambiental, ou desenvolvimento socioambiental,
apenas reprodução social; assim como criação de condições para o aumento do capital e
da produção, e desenvolvimento tecnológico e industrial sem preservação ambiental.
Só é possível se estudar uma sociedade a partir da história de alteração que
produziu no ambiente, sua necessidade presente e futura de alteração física e cultural.
Análise do enriquecimento e produção de bem-estar social atingido pelas camadas da
sociedade (LAYRARGUES, 2006, p. 02). Essa é a medida do desenvolvimento de uma
sociedade, a análise do rastro de alteração que produz e produziu, suas estruturas de
governos e organização de suas cidades, sua evolução tecnológica e educacional.
243
A teoria marxista está baseada no espectro da produção material, no consumo,
no predomínio das necessidades humanas sobre a natureza (antropocentrismos). Todo
processo de produção é a reprodução que se renova permitindo aumento de capital,
novas técnicas, novos conhecimentos, e a necessidade de produzir e consumir não tem
fim, sempre se renovam. Tais necessidades aumentam independente do crescimento
populacional; a reprodução das condições sociais nunca é igual (CORONA;
ALMEIDA, 2014, p. 27).
A fonte de sustento da produção do capitalismo e desenvolvimento econômico
é a natureza, da qual se extrai toda a matéria-prima e insumos para a produção. O meio
ambiente está para ser usado de maneira a saciar a sociedade. Não existe preocupação
com a finitude das matérias-primas ou degradação do meio ambiente, nem sequer com a
produção de externalidades nocivas ao ser humano reflexo do desordenamento
produtivo.
O desenvolvimento exponencial da sociedade e o acúmulo de capital são os
ideais capitalistas. O Marxismo assevera a ideia que o capitalismo não seria
autossustentável, demonstrando a dicotomia campo/cidade, desenvolvimento da urbe e
dominação do campo. A exploração do homem pelo homem com intuito de se apoderar
da força de trabalho dos menos favorecidos, sem os cuidados com a exploração ou a
alteração do ambiente (MARX; ENGELS, 1989, p. 59).
A natureza é para servir ao homem, assim como a força de trabalho dos
excluídos. As classes dominantes dos meios de produção não repartem ou cooperam
com os pobres e não desenvolvidos. Não há incentivo ao desenvolvimento humano, mas
perpetuação das condições de sofrimento. Sem educação, saúde ou qualquer direito
fundamental, ou difuso.
A ausência de sustentabilidade do sistema social culminaria em revolução
acarretando a luta de classes e o reconhecimento das minorias. Cuja consequência seria
a emancipação social de igualdade de todos, com direitos as mesmas oportunidades de
distribuição de bens. Uma revolução sistêmica social por total ausência de
sustentabilidade dos meios de produção que possam garantir equidade a todos
(SANTOS, 2003, p. 89).
A reprodução socioambiental através de uma educação à luz da teoria busca a
criação de modelos autossustentáveis do capitalismo, abranda a face mais selvagem,
objetivando limitar a exploração do homem pelo homem e a defesa do meio ambiente.

3 A VISÃO BOURDIANA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A crítica de base bourdiana assemelha-se a marxista nas relações sociais entre


atores observando que as estruturas são mediadas pelo senso prático dos agentes na
configuração da realidade vivida. O desenvolvimento está ligado diretamente à
produção e às alterações promovidas pelo homem no seu habitat. Mede-se a posição
social ocupada pelo homem em sua sociedade por aquilo que produz e suas relações
(SANTOS, 2003, p. 13).
Há a relação entre habitus (estruturas cognitivas historicamente adquiridas por
meio das vivências dos sujeitos em suas relações sociais); assim como a estrutura dos
campos (econômico, científico, político, etc.), que são espaços socialmente constituídos
em que estão presentes e participam do jogo os agentes, conforme suas diferentes
apropriações de capitais (econômicos, políticos, cultural, simbólico) e posição social. O
conjunto do habitus, enquanto estrutura, demonstra tanto as assimetrias entre os atores
como a importância dos agentes na construção da realidade (CORONA; ALMEIDA,
2014, p. 28).

244
Não há perspectiva de equidade social de chances ou igualdade entre os
homens. Demonstra a existência de dominação, e ainda que ocorra evoluções ou
mudança dos habitus existirá a relação de dominador e dominado, supremacia de
capital. O desenvolvimento social é medido pela quantidade de bens de consumo
distribuídos, a equidade das chances de acesso ao bem-estar; assim como, o posto de
ocupação social nos meios de produção. Não há possibilidades de ascensão dos
explorados, sendo cíclica a dominação. O que se assemelha a teoria Marxista
(CORONA; ALMEIDA, 2014, p. 33).
O conceito de reprodução social está baseado no campo da dominação cultural.
A classe dominante impõe no habitus (estrutura), a forma de educação e cultura (poder
simbólico), bem como, econômico e distribuição de meios, riquezas (dominação
material). A educação reproduz as intenções da classe dominante, viciando a libertação
dos dominados, os braçais e a mão de obra explorada (BOURDIEU; PASSERON, 1982,
p. 44).
Existe diferença de classe social pela formação do agente (riquezas; cultura;
com possibilidades de ascensão social; pobres e analfabetos excluídos socialmente).
Esses dominados resumem a simples força motriz da sociedade, conduzida pela classe
dominante que explora e aproveita o resultado econômico do desenvolvimento, sem
repartição em igualdade (CORONA; ALMEIDA, 2014, p. 34) o que está diverso da
ideia do desenvolvimento capitalista perquirido pela reprodução socioambiental.
O desenvolvimento ocorre conforme a ação do homem, na qual a sua história
de reprodução aborda uma cultura de desenvolvimento (eurocentrista) - similar ao que
Paulo Freire aborda na Pedagogia do Oprimido. Nessa pedagogia, os dominantes não
desejam o esclarecimento dos dominados, perpetuando a dominação cultural, evitando a
libertação através da revolução social e cultural (FREIRE, 2014, p. 89). Não há
incentivo educacional de razão crítica à construção do conhecimento, apenas depósitos
de conhecimentos desejados pela classe dominante.
Semelhante a Marx, Bourdieu demonstra a incapacidade do dominado se
desvencilhar da dominação cultural e social. No entanto, de maneira mais elaborada
demonstra a dominação social através de alienação educacional, a imposição de metas
de desejos e bens que devem ser alcançados. Estimula os interesses dos dominados,
promovendo o domínio dos oprimidos pela elite social que distribui os bens, assim
como promove os meios de produção. Estimula o consumo promotor de ascensão social
sem qualquer preocupação com o meio ambiente ou sua modificação ocasionada pelo
aumento desordenado da produção (CORONA; ALMEIDA, 2014, p. 33).
A educação de dominação perpetua a manutenção dos meios de produção,
permeada por conceito mais complexo de desenvolvimento. Pois, existe um custo para
manter a produção e o incentivo. A exploração desmedida produz externalidades
negativas que a reprodução social não consegue resolver, como doenças, escassez de
recursos, ausência de saneamento básico, saúde, educação, transporte, moradia dentre
outros (SANTOS, 2003, p. 267).
Assim, o aspecto comum às duas teorias, é que as classes menos favorecidas
apenas têm acesso às informações e educação desejada pela classe dominante
impulsionada pelo interesse econômico. No entanto, a reprodução social não consegue
resolver os problemas ambientais oriundos do seu desenvolvimento econômico e
produtivo, criando externalidades letais tanto para os dominantes como para os
dominados.
O estímulo ao desenvolvimento equitativo de todos é a ordem mundial
desejada, entretanto, as divisões de condições ambientais locais e mundiais, assim
como, as condições de modificação do meio são assimétricas. Não possibilitam que os

245
países do Sul se equiparem com o Norte desenvolvido, pois, o custo do
desenvolvimento do Norte impossibilita o avanço dos países em desenvolvimento sem
um plano contingencial.
A cooperação internacional (AXELROD, 2010, p. 248) busca a minoração da
letalidade das externalidades, com vistas à promoção do bem-estar, estimula o
desenvolvimento de sociedades que enfrentam vários problemas.
A intervenção da cooperação internacional, levando tecnologias e conhecimento
científico e educacional para desenvolvimento local e social aos países pobres, muitas
vezes apresenta interesses diversos, culminando sempre na sobreposição de interesses
dos países desenvolvidos às necessidades prementes dos países pobres, além da
incoerência nas doutrinas de desenvolvimento e proteção do meio ambiente
(CALGARO; PEREIRA, 2017, p. 288).
Baseada em uma nova ordem de fraternidade, não o mero estímulo social
iluminista antropocentrista, mas uma visão holística da vida, da sociedade e do mundo.
A complexidade das relações humanas, sem a perda de sua identidade local, buscando
metas de melhorias em harmonia com o meio ambiente e a evolução social e produção
sustentável.

4 O AVANÇO ECONÔMICO E DESAFIOS DA EDUCAÇÃO


SOCIOAMBIENTAL

O antropocentrismo cria condições, através de financiamentos de estudos e


tecnologias, que possam reparar quaisquer externalidades produzidas pelo
desenvolvimento, altos custos de produção e depredação ambiental, ou entraves de
licenciamento ambientais que desestimulem o desenvolvimento, ou obstem o ritmo
acelerado da economia.
Contudo, através dos próprios estudos das sociedades e do desenvolvimento
tecnológico, atenta-se que as adversidades ambientais, causadas pelo homem, muitas
vezes são irreversíveis. Portanto, o investimento educacional de incentivo à proteção e
preservação ambiental dos bens e recursos não renováveis é o esforço comum da
educação socioambiental.
O desenvolvimento econômico é progressivo e depende do aumento da
produção com o alargamento do mercado, culminando no aumento exponencial de
consumo disposto às sociedades mais remotas. A educação ambiental é a meta a ser
alcançada de forma que a reprodução social seja socioambiental, um modelo de
reprodução econômica através de meios sustentáveis, ecologicamente referendados.
O biocentrismo é a observação de condições ideais de vida a todos os seres
vivos, não apenas ao homem que está fadado ao fracasso sem o ambiente sadio. As
perspectivas de mudança dos modelos estruturais se dão através de estudos científicos e
sociais, com metas desenvolvidas pelos países, a fim de se adequarem às necessidades.
O desenvolvimento calcado em políticas de perpetuação cultural e moral de
uma sociedade, visando o avanço econômico deve ser planejado observando a
preservação do meio ambiente. O progresso deve ser autossustentável através de
atuações ecológicas de educação à população. Com práticas educacionais de estímulo à
proteção ambiental, preservação de recursos e de desenvolvimento de matérias
ambientais na escola como educação básica.
O progresso, todavia, está intimamente ligado ao desenvolvimento econômico
almejado pelas sociedades não desenvolvidas. Aquelas que não apresentam as mesmas
condições de produção das sociedades do Norte. Buscam a todo custo o poder de
consumo, de se nivelar às sociedades desenvolvidas, utilizando-se dos mesmos métodos

246
de desenvolvimentos arcaico e predatório, incompatíveis ante as necessidades da
prevenção ecológica moderna (SANTOS, 2013, p. 12).
Assim a cooperação internacional atua como promotora do desenvolvimento,
de equiparação dos meios e mecanismos para evolução social; cultural; econômica;
industrial e humana das civilizações menos favorecidas, desde que respeitadas as
realidades políticas, sociais, econômicas e culturais dos países e estabelecimento de uma
franca cooperação. Pois, o momento social clama ao compartilhamento científico e
saberes locais para a não destruição completa dos bens naturais não renováveis.
O período histórico de desenvolvimento das nações desenvolvidas e das em
vias de desenvolvimento é distinto. O primeiro é pautado na total ausência de legislação
para os desenvolvidos, e o segundo em legislação específica e fiscalização dos
desenvolvidos sobre os em via de desenvolvimento. Parcela de países desenvolvidos faz
parte dos colonizadores de outrora, que se submeteram a processos longínquos de
industrialização, sem qualquer inibidor das condições de dignidade da pessoa humana,
direitos fundamentais e sociais, assim como os de depredação e proteção ambiental.
Conforme a teoria Marxista, a reprodução social anseia o desenvolvimento na
medida em que altera o meio ambiente. Logo, não há como se pensar em reprodução
social do capitalismo sem intervenção das alterações climáticas, poluição do solo e
degradação do meio ambiente. Todos os fatores de necessidade que determinam o
desenvolvimento social, e a reprodução socioambiental do capitalismo.
A teoria social crítica Bourdiana aborda a libertação para o desenvolvimento
através da difusão do conhecimento a todos. Esse aclaramento deve ser promovido pela
classe dominante em modalidade diferente dos ideais de igualdade, fraternidade e
liberdade. Pois, a liberdade é para o bem comum e à igualdade de desenvolvimento de
bem-estar e fraternidade de ajuda mútua que pode ser alcançada pela educação
socioambiental para conservação do meio ambiente e perpetuação das condições
sustentáveis para as gerações futuras.
Os seres humanos, por sua capacidade de agir e refletir sobre o mundo,
transformam a realidade, por meio da reflexão e abstração feita em sua consciência, que
retorna à realidade objetiva com práticas que expressam a compreensão social da
realidade. Logo, a necessidade cria as formas de se pensar em um novo método eficaz
(LAYRARGUES, 2006, p. 4).
A forma de desenvolvimento social é arquitetada pelo Estado, conforme já
exposto anteriormente. Bem como, a educação embora seja exercida por diversos
modos, em grande parte é realizada pelas instituições do Estado. Assim, as concepções
das necessidades atuais podem ser impressas nas crianças da sociedade desde os níveis
mais básicos aos níveis mais avançados. Sendo essa tarefa da cooperação para
institucionalizar a consciência ambiental promotora de novas formas de reprodução
social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito socioambiental é variável conforme a história da comunidade, seu


desenvolvimento racional e as metas desejadas. Os objetivos do grupo social explicam
as diferentes racionalidades e os diferentes modos de viver considerando as finalidades
a serem alcançadas, bem como, a ideia de sustentabilidade.
As teorias Marxista e Bourdiana contribuem na nova perspectiva de reprodução
socioambiental, quando demonstram a dualidade do modelo econômico. O rico
possuidor dos meios e promotor das condições conforme a sua vontade, e o dominado
explorado, recebendo pequenas benesses de estímulo a não revolta, aceitação da sua
condição social. No entanto, os riscos sociais promovidos pela reprodução material
247
desordenada são empecilhos à reprodução social, limitando mercados de consumo
devido à extrema pobreza dos explorados.
A desigualdade social se acentua conforme a nocividade do meio ambiente
degradado pela produção excessiva. As externalidades provocadas pela reprodução
material das práticas pura e simples do capitalismo, não podem ser suportadas pela
natureza, haja vista que o ciclo de renovação natural é incompatível com o uso
expropriatório. A ausência de meios tecnológicos avançados que possam minimizar as
necessidades imediatas da proteção do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável
são os grandes desafios e o estímulo a investimento de educação socioambiental;
embora se considere que a tecnologia não seja a solução integral ao problema.
A cooperação internacional e partilha de ideias e soluções são meios
supostamente capazes de possibilitar o desenvolvimento de novas técnicas de
preservação dos bens de consumo não renováveis, desde que sejam capazes de absorver
os conhecimentos locais. Os países em vias de desenvolvidos são ávidos consumidores,
buscam igualdades de condições econômicas e de desenvolvimento humano. No
entanto, a globalização de culturas despertou o estímulo de questionamento, a
necessidade de poder, de ser enquanto Estado desenvolvido que promove o progresso,
sem a dependência de ajudas internacionais.
Desenvolver economicamente estável e biocentricamente equilibrado são os
desafios atuais. A perspectiva sustentável da reprodução socioambiental é a revolução
cultural dos meios de produção, consciente da preservação do meio ambiente e cuidado
com a vida.
A emancipação cultural é a permissão da coexistência das culturas. Do respeito
à identidade daquele que se propõem ao desenvolvimento. Seguindo modelos de
instituições que demonstram coerência em sua justificativa cooperativa. As metas do
Estado com suas políticas de planejamento devem ter certa liberdade, consciente de suas
responsabilidades culturais, sociais e ambientais.
De uma forma geral a intenção econômica se sobrepõe às questões ambientais.
Pois, a única possibilidade de prosperidade pelo homem se possibilita na alteração da
natureza. Fonte de riquezas inesgotáveis em um primeiro momento a ser explorada para
manutenção da vida moderna e bem-estar social. Mas, até quando a necessidade de
consumo é vital ou voluptuária, até onde é o limite das riquezas naturais?
A construção do conhecimento através da partilha e confronto dialético das
ciências, estimulando a participação dos não desenvolvidos é a possibilidade de criação
de meios de novos modelos de desenvolvimentos sustentáveis, à medida que os nãos
desenvolvidos tenham consciência do todo. Se reconheçam na alteridade, repensando o
materialismo histórico dialético.
A ausência de estímulo à educação ambiental ocasionará a persistência nas
ações que degradam o meio ambiente em busca do desenvolvimento, o que levará a
vulnerabilidade de vários países. A educação ambiental é preventiva, objetivando metas
restauradoras e promotoras do desenvolvimento equalizado e sustentável. Isso importa
porque não existem avanços tecnológicos que evitem o desencadeado e profundo
impacto ambiental vivido pelo mundo moderno.
A emancipação cultural com a mobilização social através de intermediação do
Estado, promovendo o amplo acesso educacional, abalizado pela promoção científica
tecnológica de intercâmbio com outros países forja uma consciência educativa. As
sociedades modernas não possuem fronteiras soberanas, se trata de um único país global
com recursos findáveis que devem ser preservados por todos na educação pelo cuidado
com o meio ambiente.

248
REFERÊNCIAS

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2010.
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EDUCACAO-AMBIENTAL-E-REPRODUCAO-SOCIAL-1.pdf>. Acesso em: 12 nov.
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modernidade. Leya Edições Almedina S.A: Coimbra, 2013.
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249
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SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras,
2010.

250
A CRIMINALIZAÇÃO PELO IMPACTO À ÁREA VERDE DA OCUPAÇÃO
INFORMAL ELIANA SILVA - BELO HORIZONTE

Criminalization of the informal occupation of Eliana Silva Belo Horizonte City due to
the impact on the green area

Isla Rosa¹
Lorenza Ferreira de Sousa²

Resumo: Para uma parcela da população o acesso à moradia se dá através de ocupações


irregulares do solo. Com isto, as áreas que serão tomadas para uso das populações de
baixa renda são as de periferias precárias, áreas frágeis ou estratégicas do ponto de vista
ambiental, como nascentes, matas, mananciais, encostas, colinas e etc. Em muitos casos
as ocupações irregulares são frequentemente associadas a um agravamento de impactos
ambientais uma vez que as áreas escolhidas são as de menor especulação, com isto as
áreas verdes e de preservação tornam-se os poucos locais desocupados e que se
transformam em expoentes para essas populações. A ocupação Eliana Silva, localizada
em Belo Horizonte é um destes casos. O presente trabalho tem como objetivo analisar
como o processo desta ocupação informal impactou a área verde existente no local,
realizando uma descrição do histórico de urbanização das cidades, o processo de
ocupação e uma análise cartográfica da área verde de 2009 a 2016. Com a análise
realizada observou-se ser infundada a criminalização da ocupação Eliana Silva, a
ocupação não é um agente direto de impacto ambiental no que tange a supressão da área
verde. O polígono demarcado não sofre mudanças consideráveis com o avançar dos
anos.
Palavras-chave: Ocupações Irregulares, Danos ambientais, Direito à moradia,
Urbanização, Conflitos Socioambientais.
Abstract: For a portion of the population, access to housing occurs through irregular
land occupations. So, the areas that will be taken for the use of low-income populations
are those of precarious peripheries, fragile or strategically from the environmental point
of view, such as springs, forests, springs, slopes, hills and so on. In many cases irregular
occupations are often associated with a worsening of environmental impacts since the
areas chosen are those of lesser speculation, thus the green areas and preservation
become the few vacant places that become exponents for these populations. The
occupation Eliana Silva, located in Belo Horizonte is one of these cases. The present
work aims to analyze how the process of this informal occupation impacted the green
area in the place, making a description of the urbanization history of the cities, the
occupation process and a cartographic analysis of the green area from 2009 to 2016.
With the analysis it was observed that the criminalization of the Eliana Silva occupation
is unfounded, the occupation is not a direct agent of environmental impact in what
concerns the suppression of the green area. The demarcated polygon does not undergo
considerable changes as the years go by.
Keywords: Irregular Occupations, Environmental Damage, Right to housing,
Urbanization, socio-environmental conflicts.

251
INTRODUÇÃO
Como reação à falta de políticas públicas que garantam o acesso à moradia à
população com menor poder aquisitivo, observa-se o crescente surgimento das
ocupações irregulares nos espaços urbanos, que para Motta (2011, p. 10) configuram-se
ainda como a única possibilidade de acesso ao solo urbano que estas pessoas encontram.
Esta luta por habitação vai além da questão da moradia, envolve também a busca ao
direito de viver em condições ambientais dignas e de restabelecer a relação com a
natureza que foi desconstruída pelo processo de industrialização.
Tal situação pode ser exemplificada pela ocupação Eliana Silva localizada no
município de Belo Horizonte, e é comum em todo Brasil. Uma vez que a forte
concentração de renda, característica no país, se alia a um modo de gestão e regulação
estatal que visa a produção e expansão das cidades, isso feito por meio a leis de
parcelamento, zoneamento e planos urbanístico, que passam a delegar ao loteador
privado a missão de gerar infraestrutura e espaços públicos. Destarte, tem-se que tal
produção privada foi efetiva apenas para as classes médias e altas, relegando as demais
pessoas, levando-as a condições de vulnerabilidade, expulsões, remoções e a
necessidade de ocupação de forma irregular segundo as normas municipais (GHANEM,
2012, p. 20). Com tal situação de marginalização estrutural, as áreas que serão tomadas
para uso por tais populações são as de periferias precárias, áreas frágeis ou estratégicas
do ponto de vista ambiental, como nascentes, matas, mananciais, encostas, colinas e etc.
As ocupações irregulares, são frequentemente associadas à um agravamento de
impactos ambientais por não possuírem condições de fixarem moradia em áreas
regulamentadas e com a devida assistência pública, sendo recorrente se voltarem para as
áreas verdes ou de preservação ambiental. Pois dentro desse contexto de especulação
imobiliária e intensa urbanização, as áreas verdes e/ou de preservação tornam-se os
poucos locais sem ocupações que se transformam em expoentes para essas populações
(SCHONARDIE, FORTUNATO, 2015, p.194).
Uma vez que se comprove que a ocupação atingiu uma área de preservação
ambiental, vários são os argumentos legais que respaldam sua remoção. O Código
Florestal é um deles, ele coloca que as áreas de preservação ambiental se caracterizam
como bens de interesse comum, sendo assim, sua violação fere a todos os habitantes do
País. Pinheiro e Procópio (2008, p.91) acreditam que as ocupações irregulares em áreas
de preservação ambiental podem ser atribuídas aos seguintes motivos: falta de
conscientização da população do significado e importância da preservação daquela área,
falta de educação ambiental, falta de conhecimento da legislação existente para estas
áreas e suas características, mas também não se pode deixar de destacar próprio
desrespeito à legislação por si só, uma vez que é de conhecimento a falta de punições, a
morosidade de sanções e repressões que ajudariam a coibir novas ocupações.
Portanto, percebe-se que há uma relação já bastante estudada entre as ocupações
irregulares com os impactos e riscos ambientais que tais formas de assentamentos
produzem e amplificam. Ademais, observa-se um predomínio de ocupações em áreas
verdes, protegidas ou não, devido a inexistência de outras localidades dentro do
perímetro urbano. Tal predomínio é apontado por Jacobi (2006, p. 116) como um
“padrão periférico de urbanização” que se reflete em ocupações ilegais de áreas
ambientalmente frágeis produzindo significativa degradação ambiental, principalmente
dos recursos hídricos e do solo. Ocupações que reproduzem tal padrão estão presentes
no perímetro urbano de Belo Horizonte.
A ocupação informal Eliana Silva, localizada no bairro Vale do Jatobá no
município de Belo Horizonte, desde 2012, é composta por cerca de 300 famílias. Após 5
anos de instalação, já possuem suas casas em alvenaria e ainda há muitos embates de
252
reintegração de posse e busca de direitos. A ocupação ainda luta por sua regularização e
melhoria de condições como água encanada, rede de esgoto, luz e coleta de lixo. Dentro
desse contexto há um atrelamento do discurso de invasão de área destinada para outro
fim, com um novo discurso, o de culpabilização por possíveis impactos a área verde, de
preservação ambiental, existente na parte abaixo da ocupação, que possui mata verde e
uma nascente.
Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo analisar como o processo de
ocupação informal Eliana Silva impactou a área verde existente no local, realizando
uma descrição do histórico de urbanização das cidades, o processo de ocupação e uma
análise do histórico cartográfico da área verde de 2009 a 2016.

1 MÉTODOS E DADOS

Nesta conformação, para a construção do estudo foram realizadas pesquisas


bibliográficas; utilizando como palavras-chave urbanização, ocupação informal e
ocupação irregular; buscou-se trabalhos acadêmicos que abordassem a temática a nível
nacional. Realizou-se o levantamento de artigos e publicações que relacionassem
ocupações irregulares com a questão ambiental - em foco área verde e de preservação.
Levantou-se o histórico do surgimento da ocupação Eliana Silva de Belo Horizonte.
A análise espacial cartográfica foi realizada com a utilização do software livre
Google Earth Pro, na função levantamento histórico utilizando mapas de 2009 a 2016.
Inicialmente localizou-se a área e afixada as coordenadas de referência para as imagens:
20°00’37.41”S e 44º01’35.13”O, altitude de visão 1.47 m. Foram delimitadas a área de
referência da ocupação Eliana Silva e área verde existe, ressalta-se que foi definida para
demarcação da área verde que apresentava faixa de mata mais densa existente na parte
posterior e adjacente à ocupação.
Os polígonos delineados apresentaram as seguintes medidas:

 Área verde: 461m de perímetro e 7.053m² de área


 Ocupação Eliana Silva: 738m de perímetro e 29.266m² de área

Os anos de 2010 e 2011 não possuíam imagens registradas. Sendo assim foram
analisadas 6 imagens: 1 do ano de 2009, 1 do ano de 2012 e dos anos 2013, 2014, 2015
e 2016 registrou-se uma imagem do segundo semestre dos respectivos anos, devido ao
fato da ocupação Eliana Silva ter se instalado no segundo semestre do ano de 2012. Os
anos que só foram analisadas uma única figura se deu pelo fato de não apresentar
imagens disponíveis.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

O processo de urbanização no Brasil é intensificado na segunda metade


do século XX, com um crescimento de cerca de 60% da população urbana de 1940 para
os anos 2000. Para Silva e Vargas (2010, p.2), este processo acelerado vem
acompanhado pelos padrões políticos e sociais arcaicos e com a grande marca das
desigualdades sociais. Os gestores públicos, os arquitetos e urbanistas brasileiros não
possuem experiência necessária para lidar com a pluralidade da população e seus
problemas socioambientais. A crescente necessidade de construções para abrigar a
crescente população se deparou com um problema estrondoso, pois não bastava resolver
a questão das moradias e sim agregar as questões de infraestrutura necessária para a
sobrevivência das famílias. O estado, sendo incapaz de atender os princípios da moradia
e infraestrutura, obriga que as próprias pessoas encontrem sua própria alternativa.
253
As ocupações ilegais e irregulares estão presentes na maioria dos municípios
brasileiros, fruto da triste realidade da falta de moradia e como consequência de
políticas habitacionais ineficazes. A reforma urbana implementada no Brasil do início
do século XX, que visava melhorar a circulação de mercadorias, serviços e pessoas,
culminou com a demolição das moradias coletivas então construídas pelo poder público
para abrigar trabalhadores que chegavam na cidade durante sua formação. No lugar dos
cortiços, novos edifícios foram construídos seguindo a tendência positivista da época,
várias outras cidades do país adotaram assim um projeto segregacionista, determinando
a partir de então quais espaços deveriam ser ocupados e por quais grupos sociais. Assim
sendo, seguindo uma tendência das construções das capitais, antes de sua inauguração,
Belo Horizonte já tinha muitas áreas ocupadas irregularmente. (GUIMARÃES, 1992, p.
2).
Neste contexto de ocupação e falta de assistência do poder público, tais
populações são vítimas de programas excludentes da urbanização e da produção de
habitação pelo Estado durante todo o século XX. O mercado imobiliário capitalista,
somado aos baixos salários e a desigualdade social, impediram e impedem até hoje o
acesso a moradias seguras e formais para uma grande parcela dos brasileiros. Sendo
assim, para Holz e Monteiro (2008, p. 2), este contexto se torna produto e produtor de
segregação, má condição de vida, violência, a própria periferização e até mesmo
responsável pela degradação ambiental.
A questão de ocupações irregulares/informais serem tomadas como um
problema, além de estrutural e institucional, também como ambiental é recorrente em
bibliografias. Vários estudos de casos apresentam como
conclusões/considerações/afirmações que as ocupações são de diversas formas um
agravante de impacto ambiental urbano nos locais em que se instalaram. Estudos como
o realizado por Figueiredo et al. (2015, p.33) que através da análise da ocupação
irregular Nova Vitória - atualmente já regularizada - concluiu que as ocupações
irregulares no estado de Manaus são responsáveis por um alto passivo ambiental que é
imputado como dano à sociedade, tais conclusões contribuíram para o fortalecimento de
um discurso de criminalização e imputação de culpa a essas populações, mesmo quando
trata-se de um estudo regional. Há outros trabalhos que chegam a conclusões
semelhantes que acabam evidenciando um padrão quando se trata de estudos
envolvendo ocupações irregulares.
A ocupação irregular uma vez instalada em uma área de preservação ambiental
rompe com as funções ambientais a qual era destinada, com o decorrer do tempo sua
proteção/preservação será cada vez menor até se tornar ausente devido aos danos
ecológicos, sociais de quem habita e da coletividade como um todo. Porém, o que se
percebe é que muitas vezes as alterações chegam ao ponto de se tornarem irreversíveis e
posteriormente a discussão passa para o patamar de regularização e loteamento devido a
incapacidade do Estado em resolver a problemática habitacional. (PINHEIRO e
PROCÓPIO, 2008, p.96-97).
Para além da visão de impacto ambiental em áreas delimitadas, as ocupações
irregulares por meio da forma que se dá o uso e a ocupação do solo criam uma estreita
relação com produção e amplificação dos riscos urbanos (JACOBI, 2006, p. 117). Nessa
visão os ‘riscos urbanos’ se constituem, segundo o Jacobi (2006, p. 119 - 120), como a
junção de diversos tipos de acidentes que são dimensionados e produzidos socialmente.
Dessa maneira, observa-se que as ocupações irregulares, devido à forma que se
constituem não possuem estrutura para minimizar os riscos que a cidade já possui e
acabam por amplificar tais riscos. Tal situação é crítica, pois devido ao fato que os
riscos serem desigualmente distribuídos dentro do perímetro urbano, essas populações

254
que os agravam também são as que mais sofrem devido às consequências de tais
condições do meio urbano, principalmente com a drenagem, com enchentes, disposição
inadequada de resíduos e deslizamento de terra.
Nesse contexto de déficit habitacional, produção e agravo de risco, a ocupação
irregular Eliana Silva surge como resultado de um processo de luta pelo direito à
moradia de cerca de 300 famílias junto com o movimento social MLB - Movimento de
Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas. E desde seu estabelecimento no ano de 2012 vem
sofrendo repressão e criminalização por diversos motivos. Hoje, com cerca de cinco
anos de história, o que se percebe é que o tipo de repressão sofrida pela ocupação sofreu
uma modificação, passando do combate direto com a Polícia Militar e com Prefeitura
em termos de reintegração de posse do terreno, para um processo de constante
criminalização e marginalização, tanto por meio do poder público quanto pela
sociedade.
O processo de estabelecimento se deu em dois momentos, em que se buscou o
assentamento em dois locais diferentes na mesma região do Vale Industrial do Jatobá,
na regional Barreiro em Belo Horizonte. O primeiro momento e primeira tentativa de
ocupação, ocorreu em abril de 2012 em um terreno da Prefeitura de Belo Horizonte,
mas foi repreendido em maio do mesmo ano; o argumento que fundamentou a
reintegração posse era que o terreno se tratava como Zona de Preservação Ambiental
(ZPAM). Já o segundo momento, ocorreu em agosto de 2012, e ainda está em curso;
sendo que, o terreno ocupado é classificado como ZE - Zonas de Grandes
Equipamentos, ao lado de ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social, além que na parte
de trás da área possui uma ZPAM, devido a existência de uma nascente e que é
apontada como área de risco de impacto devido a proximidade da ocupação. (COAU,
[s.d, s.p.]; BELO HORIZONTE, 1996, s.p.).
Dentro desse ínterim de estabelecimento e consolidação, a ocupação é apontada
como agente de impacto ambiental, devido à prevalência do discurso utilizado no
primeiro momento da ocupação. Portanto, além do discurso já consolidado de
apropriação do terreno, soma-se o discurso de preservação ambiental.
Por fim, tem-se um contraponto no que concerne a postura dessas populações em
relação à temática ambiental e reprodução de risco, pois as famílias que ocupam
irregularmente os loteamentos nas periferias das cidades, sejam eles de preservação
ambiental ou não, sempre estarão em busca de alternativas para sanar suas dificuldades
cotidianas em todas as suas dimensões. É o que acontece com a comunidade Eliane
Silva, que estão ativamente engajadas na luta por seus direitos através das redes e
movimentos sociais em busca de seus direitos à moradia, saneamento básico e
educação, paralelamente a isto, encontra-se também a luta pela preservação do meio
ambiente em que vivem e ocupam de forma sustentável na medida do possível, uma vez
que para que haja preservação do meio ambiente, antes é preciso construir a identidade
e preservar a dignidade de quem ocupa os espaços físicos, garantindo-lhes o direito à
moradia e o acesso aos serviços básicos de saneamento de forma segura e universal.

255
3 ANÁLISE CARTOGRÁFICA

A partir da delimitação da área a ser analisada, apresenta-se os mapas desde o período


anterior da instalação da ocupação Eliana Silva e acompanha-se sua instalação e
evolução com o seguir dos anos. Foram escolhidos o segundo semestre de cada ano de
análise, tendo em vista que a ocupação Eliana Silva se instalou no segundo semestre de
2012, excetuando-se o ano de 2009, única referência anterior à ocupação que possuía
imagens de Satélites de qualidade no software de uso livre Google Earth Pro. Os mapas
estão identificados pelo seu ano e mês de registro.

256
Analisando as imagens deste recorte temporal primeiramente conseguimos
observar que em 2009 (Figura 1.), a área em amarelo apresentava-se praticamente isenta
de construções e a área verde apresentava uma concentração de copas de árvores no
centro do polígono cercada de um descampado com indícios de seca. Portanto a Figura
1 indica que mesmo antes do surgimento de ocupações, em específico a ocupação
Eliana Silva, a área verde da região já era caracteristicamente reduzida em termos de
adensamento de árvores.
O surgimento da ocupação é notado na Figura 2, no segundo semestre de 2012,
com casas espaçadas ao longo do terreno sem muita delimitação de ruas e também
construções industriais em terreno ao lado do demarcado pela ocupação, nesse momento
devido a época do ano a área verde apresenta ao seu redor uma presença mais marcante
de gramíneas, porém a mesma conformação em termos do adensamento das copas das
árvores.
Já na Figura 4., do segundo semestre de 2013, já é possível notar uma diferença
em relação a apresentação da ocupação, uma vez que as imagens de satélite do período
demonstram que a ocupação passou por um aumento de construções, além de que é
possível observar uma maior organização em termos de delimitação de espaço e
organização local, tendo em vista que já é possível notar a demarcação de quadras e ruas
de forma muito mais visível.
Nos anos que se seguem, de 2014 a 2016 não se observa grandes mudanças na
ocupação, não aparentando surgimento de novas construções e nem extrapola o
polígono traçado, é interessante ressaltar que a organização da ocupação continua
evidente tendo em vista a divisão de logradouro e quadras bem delimitados.
Em relação à área verde adjacente à ocupação, ao longo dos anos sofre algumas
modificações, porém não relevante se considerar em perda de extensão. Observa-se que
o centro do polígono traçado, que apresenta uma mata mais densa, sendo possível
observar o formato de árvores, não sofre modificações. Nas bordas da demarcação é
possível observar algumas mudanças como no primeiro semestre de 2014 e no segundo
de 2015, mas pode ser associado a mudanças climáticas, como tempo seco, do que
como consequência da ocupação ali instalada.
Ao ampliarmos o olhar para além das áreas demarcadas é possível observar na
parte superior das imagens, a partir do ano de 2014 um avanço crescente de ocupações
apresentando uma mudança significativa na paisagem do local.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a análise realizada observa-se ser infundada a criminalização da ocupação


Eliana Silva, a ocupação não é um agente direto de impacto ambiental no que tange a
supressão da área verde. O polígono demarcado não sofre mudanças consideráveis com
o avançar dos anos, ou seja, antes e após a instalação da ocupação, há uma mudança na
paisagem, porém a ZPAM não apresenta perda de vegetação mais densa.
É possível inferir que o argumento pode ser resultado de uma estratégia para
justificar uma possível reintegração de posse e violação de direitos desta comunidade.
Ademais, destaca-se que desde o seu processo de instalação a ocupação Eliana
Silva demonstra uma preocupação com a minimização dos seus impactos frente a falta
de infraestrutura com iniciativas relacionadas à questão ambiental como alternativas de
recolhimento de esgoto via TVAP- Tanque de Evapotranspiração, instalado nos
primeiros meses. Ações de controle de expansão das moradias para a área de
preservação e nem tão próxima dela, tendo em vista a preservação ambiental da área e
do recurso hídrico que ali se encontra. Além de um projeto com a Universidade Federal

257
de Minas Gerais, em específico o grupo de pesquisa PRAXIS, da construção de um
parque denominado “ Parque das ocupações” visando a preservação desta área.
Portanto, observa-se que mesmo as ocupações irregulares podendo ser
produtoras de impacto e degradação ambiental, tais resultados não são necessariamente
fruto único de suas atitudes, pois devido estarem em uma situação de marginalização e
descaso do poder público não possuem uma paridade no que tange a capacidade de lidar
com tais formas de impacto quanto uma população que reside em bairros formais. Nesta
conjuntura, o poder público também se torna um amplificador de tais danos, pois além
de ser ausente no que concerne a fiscalização e aplicação das leis que visam proteger as
áreas verdes dentro do perímetro urbano, ele após a instalação das ocupações também é
ausente no sentido de provedor de condições mínimas de saneamento e infraestrutura
para essas populações, tornando também um dos diversos atores que se envolvem neste
contexto de produção de impacto e degradação.

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condições para parcelamento, ocupação e uso do solo urbano no município. Disponível
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259
REFLEXOS DA INJUSTIÇA AMBIENTAL NO MEIO AMBIENTE DO
TRABALHO – ALIJAMENTO DA CLASSE TRABALHADORA POR MEIO DA
LEI 13.467 DE 2017

Consequences of Environmental Injustice in the workplace environment – The


Chipping away at the working class through Law 13,467 from 2017

Marcelo Santoro Drummond1


Renato Campos Andrade2
Luciana Machado Teixeira Fabel3

Resumo: O presente artigo se justifica na medida em que atualmente se deflagra um


notório contexto de crise socioambiental, que atinge também o meio ambiente do
trabalho, cujo alcance e importância foi nitidamente mitigado pelo advento da Lei de n.º
13.467 de 2017, a chamada “Reforma Trabalhista”, que alterou sensivelmente as
relações jurídicas de emprego, impondo nova realidade não protetiva aos contratos de
trabalho. Tem como objetivo o presente estudo o recente isolamento de parcela dos
trabalhadores, tendo em vista a inserção em seus contratos de trabalho dos preceitos
oriundos da referida alteração legislativa. Também se objetiva demonstrar a ofensa ao
princípio da isonomia, ante o disposto no artigo 223-G, §1.º, da CLT, como a
necessidade de se criar uma consciência coletiva acerca da implementação da Justiça
Ambiental, como instrumento de distribuição dos riscos ambientais, sob todos seus
aspectos. Será utilizado como meio de pesquisa a abordagem qualitativa, bem como se
fará uso do método hipotético-dedutivo.
Palavras-chave: Justiça Ambiental, Reforma Trabalhista, meio ambiente do trabalho,
isonomia, vulnerabilidade.

Abstract: The present article is justified in the context of the current onset of a
socioenvironmental crisis scenario that directly impacts the workplace environment, the
reach and importance of which was distinctly weakened as a result of Law # 13,467
from 2017, the so-called “Reforma Trabalhista” (Labor Reform), which materially
altered the legal employment relationships establishing a new non-protective reality to
labor contracts. The focus of this analysis is the recent isolation of a segment of workers
stemming from the insertion into their labor contracts of the principles introduced by the
legislative changes from the “Labor Reform”. It is also the objective of this study to
demonstrate the affront to the isonomy principle, as set forth in article 223-G 1st
paragraph of The Consolidation of Labour Laws (Portuguese: CLT), as in the need to
develop a collective conscientiousness for the implementation of an Environmental
Justice to serve as an instrument to adjudicate the distribution of environmental risks in
all of their aspects. The research approach is based on qualitative assessment and use of
a hypothetical-deductive methodology.
Keywords: Environmental Justice, Labour Reform, workplace environment, isonomy,
vulnerability.

1
Doutorando no Programa de Pós-graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara, Mestre
e Especialista em Direito. Professor e Advogado. E-mail: msantoro@agq.adv.br
2
Doutorando no Programa de Pós-graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara, Mestre
e Especialista em Direito. Professor e Advogado. E-mail: renato@guimaraesandrade.com.br
3
Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara, Mestre
em Administração Pública e Especialista em Direito. Advogada. E-mail: lucianamt@bol.com.br

260
INTRODUÇÃO
Vivemos atualmente em um contexto de notória e flagrante crise socioambiental,
na qual o direito a um meio ambiente justo e equilibrado é posto em xeque pelos efeitos
incidentes de diversas condutas derivadas do próprio ser humano.
Referido fenômeno atinge em cheio o meio ambiente do trabalho, na medida em
que sua proteção, que deveria ser dotada de características rígidas, tendo em vista a
comunhão de inúmeros preceitos derivados da Constituição da República e de normas
internacionais, foi mitigada pela imposição político/empresarial de novos dispositivos,
derivados da denominada “reforma trabalhista”, oriunda da lei 13.467 de 2017, que
alterou e acresceu diversos dispositivos normativos à Consolidação das Leis do
Trabalho.
O estudo em questão tem por escopo a demonstração do panorama de
isolamento de nicho alusivo à classe trabalhadora, submissa a novas normas decorrentes
da recente vontade política do legislador, influenciado pelo anseio do empresariado, no
tocante às condições de trabalho, bem como no que tange às reparações derivadas dos
danos oriundos dos riscos ambientais laborais.
Também emerge como objeto da presente pesquisa o apontamento da mácula
que atinge o princípio constitucional da isonomia, a partir do que dispõe o artigo 223-G,
§1.º da CLT, inserido pelo disposto na referida lei 13.467 de 2017.
Será apresentado também o contexto alusivo à busca pela Justiça Ambiental no
tocante ao universo juslaboral, a partir do apontamento do conceito e alcance do meio
ambiente do trabalho, em todos os seus aspectos.
E para a construção do que aqui se lança, será utilizado como meio de pesquisa a
abordagem qualitativa, a partir da explanação das consequências oriundas da reforma
trabalhista, tendo como enfoque o meio ambiente do trabalho.
Será também utilizado o método hipotético-dedutivo buscando uma análise
finalística do atual contexto e possibilidade de alcance da justiça ambiental a partir das
iniciativas derivadas de diversos setores da sociedade.

1 A REFORMA TRABALHISTA E A MITIGAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO


TRABALHO –INCIDÊNCIA SOBRE CLASSE VULNERÁVEL
A Lei 13.467/2017, denominada como Reforma Trabalhista, trouxe para o
universo justrabalhista nova roupagem acerca das características atinentes ao meio
ambiente do trabalho.
Esse é definido como o ramo derivado direito ambiental que versa sobre a
inserção do homem no universo em que labora, no sentido de lhe conferir proteção
quanto à saúde, segurança, bem estar, dentre outros direitos a estes conexos.
Para bem definir o meio ambiente do trabalho, veja-se a definição ampla,
abrangente, trazida por Marcelo Rodrigues Prata:

“Finalmente, consoante a concepção holística, o meio ambiente do trabalho


é fator de interação de diversos elementos que atuam na vida do trabalhador.
A propósito, diz a Lei n. 6.938/81: “Art. 3º Para fins previstos nesta Lei,
entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências,
e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a
vida em todas em suas formas...” (Prata, 2013, p. 63)

E tal concepção vai ao encontro do entendimento moderno e protetivo de que o


meio ambiente do trabalho extrapola os elementos físicos, ou seja, não se resume ao
universo físico móvel ou imóvel no qual se insere o trabalhador, para a execução de sua

261
atividade laboral, ainda que referido conceito restritivo seja abordado por renomados
juristas como Celso Fiorillo. Assim, veja-se:

“É o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam


remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na
ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos
trabalhadores, independentemente da condição que ostentam (homem ou
mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos,
autônomos, etc.). Caracteriza-se pelo complexo de bens imóveis e móveis de
uma empresa ou sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e
invioláveis e da integridade física dos trabalhadores que a frequentam.”
(Fiorillo, 2010, p.22-23)

Assim, as características do meio ambiente do trabalho e, por consequência, os


efeitos que incidem sobre ele, transcendem a esfera física do local e ferramentas de
trabalho, alcançando aspectos mais amplos, mas que caracterizam a atividade laboral,
ou dela sejam consequência, como os efeitos à saúde decorrentes de extensas jornadas
de trabalho ou da não fruição de períodos adequados de repouso, bem como acerca das
reparações derivadas dos danos decorrentes do meio ambiente laboral.
E nesse contexto cumpre apontar que referida legislação em vigor desde fins de
2017 atingiu a classe trabalhadora, no sentido de lhe oferecer notório retrocesso não
somente sob o aspecto social, mas também socioambiental, na medida em que preceitos
que são concebidos como rígidos, por decorrerem de direitos fundamentais
reconhecidos pela melhor doutrina e jurisprudência, passam a ser objeto de
flexibilização, ou seja, notória mitigação, expondo classe notoriamente mais vulnerável,
gerando, sem sombra de dúvida, a chamada injustiça ambiental.
De tal modo, preceitos recém introduzidos no ordenamento jurídico trabalhista,
gerando efeitos gerais nos contratos de trabalho revelam referido contexto que ora se
expõe. Cite-se, por exemplo, o teor do disposto no artigo 611-B, parágrafo único, da
CLT, apontando que “regras sobre duração do trabalho e intervalos não são
consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do
disposto neste artigo.”
Assim, é possível, nos termos dos novos preceitos contidos na CLT, ampliar as
jornadas de trabalho ao mesmo tempo em que se permite diminuir os períodos de
repouso e descanso, o que induz a regimes de trabalho mais árduos, cansativos,
suscetíveis de mácula à saúde e segurança do trabalhador, podendo implicar no
acometimento de doenças e inúmeros acidentes.
De tal modo, a possibilidade de se reduzir o intervalo para refeição e descanso,
de uma hora para trinta minutos, como contido nos artigos 71, §5.º e 611-A, inciso III,
da CLT, conceder as férias anuais segmentadas em até três períodos, podendo ser um
deles de apenas cinco dias, nos termos assinalados pelo artigo 134, §1.º, da CLT, dentre
outras hipóteses de ampliação de tempo de jornada com redução de tempo de descanso
são reflexos de uma nova tendência derivada da vontade empresarial e seu alcance
político, incomparável com aquele destinado à classe trabalhadora, ainda que
representada pelo seu ente sindical.
E aludido contexto também se insere no trato das consequências derivadas das
práticas ambientais reprováveis. Estas se revelam alheias aos preceitos que deveriam ser
tratados como imperativos, decorrentes dos princípios da precaução, prevenção,
informação e destinam os maiores reflexos derivados da desproteção ao denominado
meio ambiente do trabalho ao ser humano, em especial, àquele mais suscetível a
recepção do fardo ambiental, ou seja, dos malefícios oriundos das práticas ambientais,
É nesse sentido que o trabalhador com menor qualificação, que percebe

262
remuneração mais baixa e que labora em condições de trabalho mais extenuantes se
sujeita a um reflexo da lei bem menos favorável que outros empregados que ostentam
uma condição melhor de trabalho, seja no aspecto salarial, de melhor qualificação e
inserção no meio ambiente no qual exerce sua atividade regular.
O artigo 223-G, §1.º, da CLT, que nasceu também do contexto acima exposto,
oriundo da vontade empresarial, trouxe nova dimensão às repercussões do dano
ambiental, no sentido de que passa a estipular critérios para aferição das reparações por
danos morais, decorrentes de eventuais demandas ajuizadas.
E referidos critérios se referem ao estabelecimento de verdadeira tabela para a
reparação por danos morais, estabelecendo patamares para ofensas de natureza leve,
média, grave e gravíssima, com os valores das reparações variando de até três vezes o
último salário contratual, para a ofensa de caráter leve para até cinquenta vezes o último
salário, no que concerne à ofensa de natureza gravíssima.
Ao se contextualizar referidos parâmetros aos aspectos de natureza ambiental, ou
seja, especialmente no tocante aos acidentes de trabalho, verifica-se a possibilidade de
que um mesmo evento, de natureza grandiosa, como aquele havido na cidade de
Brumadinho/MG, gerar reparações por danos morais destoantes, sem qualquer
observância ao princípio da isonomia, insculpido na Carta Magna em seu artigo 5.º,
caput.
Assim, no caso em que dois trabalhadores sofreram o mesmo infortúnio, vindo a
falecer por força de um desastre ambiental decorrente do rompimento de barragem,
compelindo seus herdeiros ou beneficiários a demandar perante a Justiça do Trabalho
em busca de uma reparação de ordem moral, subjetiva, caso os salários de tais
empregados sejam diversos, provavelmente as respectivas indenizações por danos
morais, ainda que classificadas com o mesmo grau, provavelmente de natureza
gravíssima, terão como consequência indenizações distintas.
Por conseguinte, famílias com o mesmo sofrimento, derivado da perda de um
ente próximo, como efeito de uma tragédia de caráter ambiental, terão reparações
diversas, ainda que oriundas do entendimento do mesmo juízo, que em tese estaria
vinculado à tabela de indenização criada por lei.
E além da geração de notória desigualdade quanto às repercussões causadas
pelos danos ambientais, que atingem o trabalhador menos favorecido, qual seja, o de
salário mais baixo e menor instrução e, muitas vezes submetido a tarefas mais
impactantes e árduas, o magistrado ao aferir a reparação se vê também limitado a um
determinado parâmetro máximo, que não supera cinquenta vezes o salário do
trabalhador.
E dependendo do evento ocorrido e de suas repercussões na vida dos familiares
dos trabalhadores vitimados, os parâmetros máximos de indenização podem não se
revelar suficientes e justos para reparar o dano havido.
Assim, também se afasta o dispositivo em questão do princípio da finalidade
social, já que poderia impedir uma justa reparação pelo dano ocorrido.
E nota-se a flagrante vulnerabilidade do nicho de trabalhadores, que se
submetem aos efeitos mais perversos derivados do dano ambiental, não possuindo
poderes efetivos e instrumentos para a contraposição. E quanto mais vulnerável o
cidadão, estará mais suscetível aos riscos derivados das ações humanas, inclusive, de
desastres como os recentes acontecidos. Expondo a vinculação da vulnerabilidade aos
riscos, assim apontam Milagros Campos-Vargas, Alejandra Toscana-Aparício e Juan
Campos Alanís:
“De esta forma es como los autores logran postular, explícitamente, que los
“desastres” no son sinónimos de “amenaza natural” y que la ocurrencia de un

263
desastre no depende solamente de la magnitud de la amenaza, sino de la
vulnerabilidad de la sociedad expuesta (Berrocal 2008). Es decir, el riesgo es
la condición necesaria o “antesala” para un desastre.” (Campos-Vargas,
Toscana-Aparício, Alanís, 2015, p. 56)4

Portanto, é de se concluir que o meio ambiente do trabalho teve seu alcance


mitigado por força do disposto na lei 13.467 de 2018, alcançando aspectos contratuais,
como a redução de intervalos e fracionamento dos períodos de descanso, e também sob
os aspectos pós contratuais, como a indenização por danos morais derivada dos
desastres ambientais, que rompe com o princípio isonômico sendo necessária uma
concepção nova para que se busque equilíbrio para as gerações futuras.

2 A NECESSÁRIA JUSTIÇA AMBIENTAL – ALCANCE UNIVERSAL –


EQUILIBRIO CONTRATUAL E PÓS CONTRATUAL
Restou anteriormente demonstrado todo um recente panorama inerente aos
contratos de emprego e determinada parcela de trabalhadores, que se sujeitará a efeitos
perversos derivados da conjugação e aplicabilidade de preceitos decorrentes da Lei
13.467 de 2017, a chamada Reforma Trabalhista.
Verificou-se que a classe trabalhadora, em especial determinados empregados
que se sujeitam a baixos salários, condições mais árduas de labor, bem como
submetidos a trabalhos dotados de pouca exigência técnica, se expõem a maior
exposição a riscos a sua saúde e segurança.
Os inúmeros preceitos lançados no ambiente jus laboral expõem nitidamente o
trabalhador a maior risco decorrente da sua própria atividade laboral, bem como a
efeitos maléficos (inclusive reparatórios) caso os riscos se efetivem em eventos danosos,
como, por exemplo, o desequilíbrio derivado das indenizações por danos morais
oriundas dos desastres relativos ao rompimento de barragens, que poderá gerar a
aferição, pelo mesmo juízo, de montantes diversos e discrepantes a título de
indenização, já que atreladas exclusivamente aos salários percebidos pelos empregados
vitimados.
Também se verifica maior suscetibilidade à doenças e acidentes de trabalho, na
medida em que se denota permissivo legal para a ocorrência de jornadas de trabalho
mais extensas, bem como a redução dos períodos de descanso, como a possibilidade de
fracionamento dos períodos de férias.
Daí a necessidade premente de se criar e desenvolver um pensamento protetivo,
alicerçado nas incoerências legislativas impostas pela Reforma Trabalhista, que
fragilizam os aspectos inerentes ao meio ambiente de trabalho, em contraponto a
inúmeros preceitos constitucionais que protegem o ser humano em sua dignidade, bem
como no que concerne ao direito a um meio ambiente laboral sadio e equilibrado.
Portanto, é necessária a retomada da proteção ao cidadão, ou grupo de cidadãos,
vulnerável, na medida em que aqueles que detém os meios de poder e auferem riquezas,
sendo também responsáveis pela distribuição dos riscos, são aqueles também que
devem arcar com os danos e a minimização destes. Sob o assunto, destaca Adriana
Espinoza Gonzáles:

“Por lo tanto, el ser humano tiene deberes de responsabilidade hacia aquellos


que son afectados por sus actos y que se hallan en uma posición vulnerable,

4
É assim que os autores conseguem postular, explicitamente, que "desastres" não são sinônimo de
"ameaça natural" e que a ocorrência de um desastre depende não só da magnitude da ameaça, mas
também da vulnerabilidade da sociedade exposta. (Berrocal 2008). Ou seja, o risco é a condição
necessária ou o prenúncio para um desastre. (tradução nossa)

264
con poco o ningún poder causal sobre aquel. No se puede afirmar que el ser
humano es la especie dominante del planeta sin asumir que tal supremacía
entraña deberes con los seres ‘menos poderosos’. De la misma manera, es
moralmente exigible, bajo este esquema, que las personas en una situación de
‘riqueza’ sean responsables ante los ‘empobrecidos’ de su misma generación,
por su situación privilegiada y porque este desequilibrio es en sí mismo una
causalidad (no hay ricos sin pobres, es la teoría que desde estas líneas se
defiende). Este nexo interhumano, dado en los niveles local y global, se
extiende a toda la ‘sociedad’ en sentido amplio, que abarca “aquellos que
viven, aquellos han muerto y aquellos que aún no han nacido.”5 (Gonzáles,
2012, p.69)

E referida responsabilidade decorre do direito dos vulneráveis à Justiça


Ambiental, que deve ser vista sob um prisma abrangente, que inclui a minimização dos
riscos e da própria vulnerabilidade sob o aspecto contratual, incidindo para resguardar
um nicho de trabalhadores mais suscetíveis a malefícios à sua saúde durante a execução
do contrato, bem como também dever atuar sob o aspecto pós contratual, no sentido de
conferir a mais justa e equilibrada reparação ante os eventuais danos causados pelo
empregador. Veja-se, portanto, o entendimento acerca da Justiça Ambiental, na
concepção de Selene Herculano:

“Por Justiça Ambiental entenda-se o conjunto de princípios que asseguram


que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe,
suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas
de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e
locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas.”
(Herculano, 2002, p. 2)

Portanto, a distribuição dos riscos deve ocorrer também de forma equilibrada, de


modo a não recair tão somente sobre os mais vulneráveis. Assim, sob o aspecto do meio
ambiente do trabalho, deve-se buscar mecanismos de se restituir o equilíbrio contratual,
no sentido de se resguardar a saúde e segurança do trabalhador.
De tal forma, não é crível que os danos ambientais no tocante ao meio ambiente
de trabalho sejam desproporcionalmente destinados, atingindo a classe de trabalhadores
menos qualificados.
Deve-se buscar, por conseguinte, uma nova consciência ante o contexto atual de
desproteção ao meio ambiente do trabalho, em todos os seus aspectos, garantindo aos
trabalhadores, principalmente aqueles menos favorecidos nos aspectos salariais, de
qualificação e de instrumentos laborais, condições dignas de saúde e segurança, bem
como também a devida e equilibrada reparação ante a eventuais danos sofridos em
decorrência de ações ou omissões do empregador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se demonstrar por intermédio da presente pesquisa, a relevância do meio
5
Portanto, o ser humano tem deveres de responsabilidade para aqueles que são afetados por suas ações e
que estão em uma posição vulnerável, com pouco ou nenhum poder causal sobre isso. Não se pode dizer
que o ser humano é a espécie dominante de planeta sem assumir que tal supremacia acarreta deveres com
os seres "menos poderosos". Da mesma forma, é moralmente exigível, sob este esquema, que as pessoas
em uma situação de 'riqueza' serem responsáveis com os 'empobrecidos' da sua geração, por causa de sua
situação privilegiada e porque esse desequilíbrio é em si mesmo uma causalidade (não há ricos sem
pobres, é a teoria defendida neste texto). Esta ligação inter-humana, dada no nível local e global, estende-
se a toda a sociedade, em sentido o amplo, abarcando aqueles que vivem, aqueles que morreram e aqueles
que ainda não nasceram. (Tradução nossa)

265
ambiente do trabalho, partindo de suas definições e alcance, bem como apontando sua
importância e significado no que tange aos contratos de trabalho.
Demonstrou-se a abrangência do conceito e alcance do meio ambiente do
trabalho, que não dever ser visto tão somente em seu aspecto físico, seja ele imóvel
(local onde está situado o ambiente laboral), seja ele móvel (no tocante às ferramentas e
aparelhos) utilizados na execução do contrato de trabalho.
O meio ambiente laboral deve ser visto de forma mais ampla, abrangente,
abarcando todos os elementos que envolvem o contrato de trabalho, seja no que
concerne à sua execução, seja no tocante a seus efeitos, inclusive após a extinção do
contrato.
A partir da visão atual dos contornos e características do meio ambiente do
trabalho, demonstrou-se um contexto atual relativo à denominada crise sócio ambiental,
que gera efeitos nas relações jurídicas justrabalhistas.
Pontuou-se os efeitos e alcance derivados da Lei 13.467 de 2017, denominada
“Reforma Trabalhista”, que lançou no ordenamento jurídico pátrio inúmeros novos
preceitos precarizantes, mitigadores do meio ambiente do trabalho, reduzindo seu
alcance protetivo, permitindo ao empregador a imposição de regimes contratuais
caracterizados por jornadas de trabalho extenuantes, bem como a possibilidade de
fracionamento dos períodos de descanso, como aqueles alusivos às férias.
Referido contexto que se insere na realidade contratual jus trabalhista traz
consequências, inclusive, sob o aspecto pós contratual, na medida, em que estabelece a
tarifação das reparações por danos morais, a partir de critérios objetivos estabelecidos
por lei, com limitação de montantes a serem eventualmente deferidos em ações
judiciais, tendo como base de cálculo o salário do trabalhador.
Assim, referido critério, visivelmente inconstitucional, ofende de plano o
Princípio da Isonomia, contido no caput do artigo 5.º da Constituição da República de
1988, na medida em que insere nítida condição de desigualdade a partir da mesma
realidade fática.
Referidos aspectos, derivados da reforma trabalhista, atingem de forma
específica a classe trabalhadora menos favorecida, composta por empregados com
menor qualificação, sujeitos a trabalhos mais árduos e também a salários mais baixos.
Portanto, se revelam como classe vulnerável que percebe de forma desigual a
distribuição dos ônus decorrentes da atividade empresarial, atingindo e maculando sua
saúde, mitigando, por conseguinte, o meio ambiente de trabalho.
Restam, por conseguinte, atingidos os objetivos apresentados no presente artigo.
Extrai-se como resultado da presente pesquisa que o aludido panorama deriva de
notória injustiça ambiental, que merece premente reflexão, na medida em que não se
pode admitir distribuição desigual dos ônus, cabendo, portanto, o estabelecimento de
uma consciência crítica e contestadora do atual panorama político legislativo,
objetivando coibir o retrocesso socioambiental laboral existente, alcançando a
necessária justiça ambiental.

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Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei
no 5.452, de 1o de maio de 1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de
11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às
novas relações de trabalho.<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em 26 set. 2018.

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Sistêmica: As causas da inefetividade da proteção à ambiência laboral e o que
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267
REFLEXOS E CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA OBSOLESCÊNCIA
PROGRAMADA

Reflections and Legal Considerations of Planned Obsolescence

Antônio Guilherme Cordeiro Da Silva1


Lucas Henrique Almeida Barbosa2

Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar o conceito da obsolescência


programada e os seus respectivos reflexos na sociedade capitalista sob a ótica do direito
do consumidor e do meio ambiente, verificando consequências socioeconômicas e
ambientais que decorrem da adoção de tais estratégias. No estudo fica realçada a
fragilidade do consumidor, que fica exposto a um convencimento constante do mercado
sobre a importância de adquirir novos produtos. Procura-se também verificar
historicamente qual a origem da ideia de redução deliberada da vida útil dos produtos e
o impacto que isso acarreta na sociedade de consumo, bem como as influências do dia a
dia da sociedade.
Palavras-Chave: Obsolescência Programada. Direito do Consumidor. Princípios. Meio
Ambiente. Sustentabilidade.

Abstract:The objective of this article is to analyze the concept of planned obsolescence


and his respective reflexes in capitalist society from the point of view of consumer law
and the environment, verifying the socioeconomic and environmental consequences that
result of the adoption of such strategies. The study highlights the fragility of the
consumer, who is exposed to a constant conviction of the market about the importance
of acquiring new products. It also seeks to verify historically the origin of the idea of
deliberate reduction of the useful life of the products and the impact that this entails in
the society of consumption as well as the influences of the day to day of the society.
Keywords: Planned Obsolescence. Consumer Law. Principles. Environment.
Sustainability.

1
Graduando em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC), membro do grupo de
iniciação científica "Teoria da constituição, filosofia e linguagem". (lussscass@gmail.com)
2
Graduando em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC), membro do grupo de
iniciação científica "Teoria da constituição, filosofia e linguagem". (antonio.guilherme380@gmail.com)

268
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem a intenção de discutir a adesão da sociedade à praticas nada
éticas que induzem ao consumo irracional de bens e produtos, consequentemente a isso,
causando diversos danos ambientais ao meio em que vivemos. Diante disso, a
obsolescência programada será tratada como tática das grandes indústrias em reduzir o
ciclo de vida útil de seus produtos com o objetivo de aumentar exponencialmente seus
lucros, causando não apenas impactos ambientais como também violações ao Direito do
consumidor.
A prática da obsolescência programada é aquela que faz com que todos os dias
milhares de produtos se tornem obsoletos, lâmpadas sejam trocadas e que impressoras
novas parem de imprimir ou que tenham que ser trocadas por defeitos de peças, cujo
preço acaba por ser completamente inviável em relação a uma impressora nova.
Em decorrência dessa prática, nesse estudo buscaremos mostrar os malefícios
dessa atividade para a sociedade em geral, que, muito embora não esteja no rol dos
crimes contra do consumidor previsto na Lei 8.078/90 (CDC), também se trata de uma
prática ilícita que deve ser combatida afim de assegurar o sujeito na relação
consumerista.
Os principais problemas a serem respondidos por este artigo são: “Quais seriam
as consequências de destaque para a sociedade, decorrentes das estratégias de
obsolescência programada de produtos? Até quando o meio ambiente pagará por nosso
“progresso”? As empresas que se utilizam dessas práticas são punidas? O que a
legislação fala sobre a obsolescência? Ela nos protege? Se protege, como protege?
Com a finalidade de trazer à tona o conhecimento sobre esse tema, a presente
pesquisa irá ser desenvolvida utilizando o método qualitativo com foco em pesquisa
bibliográfica e exploratória, com isso será observada a legislação e a doutrina
embasados em uma pesquisa teórica e bibliográfica, com o intuito de alcançar seu
objetivo.

1 OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA: ANÁLISE CONCEITUAL, FUNÇÕES E


PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

Karl Marx, filósofo alemão, propugnou a ideologia dominante na qual as


sociedades são divididas em classes sociais antagônicas, sendo a classe dominante
aquela que detém os meios de produção de riqueza, os quais acabam por servir como
forma de justificar e legitimar sua hegemonia. Nesse momento histórico também ocorre
o contato com a indústria cultural, surgindo no bojo da revolução industrial as
transformações na produção.
A Revolução Industrial modificou drasticamente a escala de produção e
incrementou o volume de mercadorias em circulação, além de viabilizar à classe
burguesa e o acúmulo de capital em decorrência da alta lucratividade oriunda do setor
econômico. Com a produção em massa surgiu a necessidade da indústria de conhecer
melhor o perfil dos consumidores e principalmente de criar novas maneiras para
incentivá-los a comprar cada vez mais.
E foi diante do surgimento desse cenário que se consolidou o consumismo, que
acaba por demandar uma grande quantidade de produtos com o objetivo de atender o
crescente desejo da sociedade. Essa ilusão consumista que surge no ser humano se dá
em um curto espaço de tempo e implica em grandes impactos ao meio ambiente. Nesse
contexto, a Obsolescência programada surge justamente como uma das estratégias
adotadas por grandes corporações para fomentar o desejo no consumidor.

269
O criador do termo obsolescência programada foi o investidor imobiliário
Bernard London, que em seu folheto “Ending The Depression Through Planned
Obsolescence” – “Acabar com a Depressão Através da Obsolescência Planejada”,
almejava um meio das grandes industrias encurtarem o ciclo de vida dos produtos e com
isso fazer com que o consumidor o substitua por um novo em um curto período de
tempo, ou seja, as coisas são feitas para durarem pouco, fazendo com que os produtos
sigam uma lógica da "descartabilidade". Essa prática se consolidou principalmente em
1929, com a crise que ficou conhecida como “A Grande Depressão", que persistiu ao
longo da década de 1930, terminando apenas com a Segunda Guerra Mundial, e os seus
efeitos foram sentidos no mundo inteiro causando uma consequente queda do consumo.
A tecnologia moderna aumentou a produtividade das empresas e
consequentemente a qualidade dos produtos, dando-os uma vida útil maior. Trazendo
uma solução a essa evolução e a crise de 1929, London traz sua teoria com o intuito de
fazer com que todos os produtos deveriam ter seu ciclo de vida interrompidos, e, com
isso, os consumidores voltariam a consumir gerando demanda no mercado, e
consequentemente mais empregos, dando fim à crise. Durante a depressão as pessoas
estavam assustadas e consequentemente utilizavam o que possuíam pelo maior prazo de
tempo possível, com isso, estendendo a crise. Em sua teoria London estipula ao Estado
o papel de regulamentar um prazo de vida aos produtos em sua criação e o consumidor
ao compra-lo já saberia o prazo de vida, que depois do tempo expirado as mercadorias
estariam legalmente “mortas”. London chegou a propor, inclusive, um imposto (uma
multa) sobre as pessoas que continuassem a utilizar produtos legalmente fora do prazo
de validade (SLADE, 2006, p.77). Suas ideias não saíram do papel.
Do ponto de vista do consumidor, atualmente o CDC se configura como um
instrumento de extrema importância nas relações comerciais. Com ele, o consumidor
saiu beneficiado não apenas com o atendimento que lhe é prestado, como também na
qualidade e acesso a produtos que antes não se encontravam facilmente no mercado.
Embasado na atual legislação brasileira, o CDC (Código de Defesa do
Consumidor) elenca uma série de práticas abusivas nas relações de consumo, sendo
assim consideradas aquelas que desfavorecem o consumidor, considerado a parte frágil
da relação consumerista.
A vulnerabilidade do consumidor, expressa no artigo 4º, I do CDC, pode ser
observada como um instrumento capaz de equilibrar a relação de consumo de uma
maneira efetiva, posicionando os sujeitos desta relação (consumidor e fornecedor) em
um mesmo patamar, considerando-se que o consumidor não tem a seu dispor os meios
necessários de discernimento sobre o processo produtivo, ou seja, desde a produção até
o momento da comercialização do produto. Este desequilíbrio visível, da relação de
consumo, fundamenta a presunção absoluta da vulnerabilidade do consumidor.
Com isso, se observa que a vulnerabilidade do consumidor condiciona a ideia de
inferioridade do mesmo dentro da relação de consumo, fomentando a necessária
existência de normas que garantam a proteção e regulem essas relações.
Dentre as disposições do CDC, fica evidenciado as práticas abusivas que
desfavorecem o consumidor causando um desequilíbrio contratual. Dentre essas
práticas, a obsolescência programada é considerada como abusiva, pois consiste na
prática dos grandes fornecedores lançarem os produtos com vida útil menores,
acarretando um incentivo à produção desses descartáveis.
São citadas no artigo 39 do CDC práticas como: condicionamento do
fornecimento de produto ou serviço (inciso I); fornecimento não solicitado (inciso III);
exploração da vulnerabilidade do consumidor (inciso IV); exigência de vantagem
excessiva (inciso V); serviços sem orçamento ou autorização do consumidor (inciso

270
VI); exposição negativa do consumidor (inciso VII); bens ou serviços fornecidos em
desconformidade com as normas reguladoras (inciso VIII); inexistência ou deficiência
de prazo para cumprimento da obrigação (inciso XII).
O inciso IV é de suma importância para nosso estudo, visto que dispõe da
exploração da vulnerabilidade do consumidor, o que ocorre pela falta de divulgação de
informação sobre os produtos. O que fere um direito básico dos consumidores, o direito
à educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, bem como
o direito à informação adequada e clara (art. 6º, III, CDC), a fim de garantir que os
consumidores tenham plena ciência de todas as características do produto, inclusive
sobre sua durabilidade e maneira correta de descarte, de forma a garantir a plena
liberdade de escolha dos consumidores no ato da aquisição de tais produtos,
equilibrando, ao final, a relação de consumo.
Diante disso, se observa que o consumidor precisa de proteção, não apenas em
razão da sua vulnerabilidade como também da agressiva publicidade das indústrias, que
acaba por impulsionar as pessoas a sempre procurarem por novos produtos, sejam eles
por sua pequena durabilidade, ou que sejam mais envolventes, com um design mais
moderno e atraente, fazendo com que o consumidor conserve um sentimento constante
de frustração e insatisfação, ameaçando, assim, o princípio da confiança.

1.1 OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E OS REFLEXOS DA SUBMISSÃO


AMBIENTAL AO HOMEM MODERNO: IMPACTOS AMBIENTAIS, LIXO E
CONSCIENTIZAÇÃO
O consumo desenfreado vem causando diversos problemas ambientais, e além
disso o meio ambiente vem sofrendo com a tremenda falta de conscientização dos
consumidores ao comprar produtos desnecessários, que posteriormente retornam para a
natureza, só que dessa vez, em forma de lixo.
Esse modelo de sociedade, diferente de todas as outras, está consolidada na
promessa de satisfação plena da felicidade através da aquisição de bens materiais que
fomentam uma insatisfação permanente nas pessoas, com a ideia de que, com isso, os
consumidores sempre estarão na busca de realização de seus desejos.
Essa eterna promessa de felicidade do capitalismo nos transformou em uma
espécie de "zumbis" consumidores, e, diante disso, nós acabamos por não pensar nos
resultados dessa prática, ou seja, o acumulo excessivo de diversos tipos de resíduos. O
“lixo” é uma grande parte da diversidade de resíduos sólidos oriundos de diferentes
procedências, dentre eles, podemos citar o resíduo sólido urbano gerado em nossas
residências. O lixo faz parte da história do homem, já que sua produção é inevitável
(Fadini et al., 2001).
Diante dessa emblemática, o lixo vem se tornando um problema de cunho
mundial, e poucas são as ações executadas de fato para a resolução desse mal. Com o
crescimento populacional, e na mesma medida, a necessidade de utilizar os recursos
extraídos da natureza para obtermos lazer, moradia e bem-estar, a produção de bens de
consumo passou a ocorrer em larga escala. Diariamente, há um grande incremento na
produção de resíduos que passam a ser considerados inúteis e indesejáveis pela
sociedade em geral, e, quando consequentemente descartados de forma incorreta,
acabam desencadeando assim um dos maiores problemas enfrentados pela sociedade da
atualidade: a produção desenfreada de lixo. Diante dessa situação, Pinto Coelho versa
que, atualmente:
A coleta seletiva do lixo urbano tem se apresentado como uma alternativa na
solução dos problemas socioambientais locais, reduzindo o volume de

271
resíduos sólidos depositados nos aterros sanitários ou em lixões a céu aberto
e consequentemente no meio ambiente, minimizando a extração de recursos
naturais para fabricação de produtos diversos, além de atribuir maior tempo
de vida útil aos aterros (COELHO, 2009, pag.37).

A população mundial produz anualmente cerca de 1,4 bilhão de toneladas de


resíduos sólidos urbanos (RSU) — uma média de 1,2 kg por dia per capita, o
interessante e que quase a metade de todo esse lixo e produzido por 30 países “os mais
desenvolvidos do mundo”. Através de estudos da Organização das Nações Unidas
(ONU) e do Banco Mundial: daqui a dez anos, serão 2,2 bilhões de toneladas anuais. Na
metade deste século, se o ritmo atual for mantido, teremos 9 bilhões de habitantes e 4
bilhões de toneladas de lixo urbano por ano.
À medida que os países vão se tornando mais ricos, consequentemente há uma
redução gradual dos componentes orgânicos encontrados no lixo, e, em sentido inverso,
a proporção de plásticos, metais e papel ficam ainda maiores, coisa que acaba
resultando em impactos à saúde e na poluição, além da gestão imprópria de lixo
eletrônico que provoca uma perda significativa de materiais brutos escassos e valiosos,
como ouro, platina, cobalto e elementos terrestres raros. Até 7% do ouro do mundo
podem estar atualmente em lixo eletrônico, com 100 vezes mais ouro em uma tonelada
de lixo eletrônico do que em uma tonelada de minério de ouro.
O desperdício de grande parte de produtos acaba por ser quase que “opcional”
em alguns casos, pois, podemos pegar como exemplo o caso da lâmpada centenária.
Essa lâmpada fica situada em uma unidade dos bombeiros na cidade de Livermore, na
Califórnia (EUA). Ainda no século passado, em 1901, os bombeiros queriam manter
iluminados seus alojamentos dia e noite para poderem responder com prontidão quando
necessário. Decidiram, então, instalar uma lâmpada, que desde então funcionou por um
longo tempo. É a Lâmpada Centenária (Centennial Bulb, em inglês), que, segundo o
Livro Guinness dos Recordes, é o foco de luz elétrica que há mais tempo está aceso em
toda a história.
Diante do acumulo exacerbado de lixo, o Brasil deu um passo importantíssimo
ao editar a Lei Federal 12.305/2010 – Política Nacional dos Resíduos Sólidos, na qual
estatuiu o princípio da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos,
definida no marco legal como o: “Conjunto de atribuições individualizadas e
encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos
consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos
resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem
como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental
decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos desta Lei”.
Fiel ao Princípio do Poluidor-Pagador, o marco legal brasileiro conceitua e
determina a internalização dos custos ambientais para com a geração dos resíduos,
instituindo a Logística Reversa dentre as principais ferramentas da Política Nacional de
Resíduos Sólidos. A Lei define logística reversa como: “Instrumento de
desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações,
procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos
sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos
produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada”.
Para consolidar essa cadeia de logística reversa, o marco legal estabeleceu como
ferramenta de composição público-privada para repartição de atribuições na gestão dos
resíduos, uma convenção coletiva de natureza pública denominada acordo setorial,
definido como: “Ato de natureza contratual firmado entre o poder público e fabricantes,

272
importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da
responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto”.
Embora o Brasil tenha feito um belo trabalho legislando a gestão de resíduos
sólidos, o governo brasileiro e gestores privados ainda não absorveram essa convenção
coletiva envolvendo a administração pública e iniciativa privada, o que resulta numa
forma inadequada de disposição final de resíduos sólidos, que se caracteriza pela
simples descarga sobre o solo, sem medidas de proteção ao meio ambiente ou à saúde
pública, ou seja, os lixões.
Mesmo o lixo tendo se tornado uma parte inevitável da história humana, ele não
precisa ser a causa da destruição do mundo. A necessidade de um consumo consciente é
inevitável para que possamos diminuir o impacto ambiental dos lixões, temos que
comprar mercadorias e produtos representando a figura do consumidor consciente que é
aquele que, já no ato da compra, deve decidir o que consumir, por que consumir, como
consumir e de quem consumir. Ele deve buscar o equilíbrio entre a satisfação pessoal e
a sustentabilidade global. além de refletir a respeito de seus atos de consumo e como
eles irão repercutir não só sobre si, mas em suas relações sociais, na economia e na
natureza. Esse tipo de consumo, além de gerar benefícios à vida no planeta e a toda a
sociedade, também pode gerar benefícios imediatos na qualidade de vida. Algumas
pequenas atitudes no dia a dia podem trazer bem-estar ao seu bolso e à saúde,
proporcionando uma vida mais tranquila no futuro de todos. Diante disso, o
desenvolvimento sustentável e o consumo consciente devem ser disseminados de uma
forma que não fiquem apenas no papel. Diante desse assunto, José Adércio versa que:

Os autores têm procurado, desde então, desenvolver uma definição do que


seja desenvolvimento sustentável de uma forma que possa pautar
concretamente o novo projeto de economia e sociedade. Mas as opiniões nem
sempre coincidem. Um grupo procura enfatizar em suas concepções a
exigência de potencialidades continuadas de geração de riquezas e bem-estar
(SAMPAIO, 2003a, pag.48).

CONCLUSÃO

Nessa perspectiva, se observa que o ser humano degrada o ambiente em que vive
por falta de uma conscientização consumerista, que acaba resultando na perda de
matérias-primas e materiais finitos não renováveis que estão presentes no meio em que
vivemos. Consequentemente a isso, acarreta uma severa degradação ambiental pelo
acumulo de lixo exacerbado, criando grandes lixões a céu aberto que evidenciam a
ignorância do ser humano. O sistema capitalista é o principal fator dessas consequências
ambientais e práticas desenfreadas de consumo, pois a partir da falsa promessa de
felicidade criada por esse sistema, desejamos cada vez mais a obtenção de mercadorias,
e, ao mesmo tempo que consumimos de forma exacerbada, acabamos por produzir lixo
na mesma escala, lixo esse que levará milhões de anos para se degradar naturalmente no
meio ambiente.
Diante do tema, os textos constitucionais tratam do “direito fundamental a um
meio ambiente ecologicamente equilibrado’’ deixando em evidência a importância de se
preservar o meio natural em que vivemos. Vale ressaltar que, dentro disso, existe uma
ligação convergente muito forte entre o meio ambiente equilibrado e os direitos
fundamentais. Nesse sentido, José Adércio constata que:

Podemos enumerar, entre outros: a) O direito à vida e à saúde - o ambiente


ecologicamente equilibrado é essencial para a saúde física e mental do
homem, bem como para a qualidade de vida; b) O direito à igualdade - o

273
direito ao ambiente rompe com a perspectiva aristocrática do gozo
contemplativo e exclusivista das belezas cênicas e da apropriação privada dos
bens naturais, denunciando as desigualdades de consumo; c) O direito ao
desenvolvimento - é parte do projeto ambiental o uso equilibrado dos
recursos naturais por todos os povos; d) O direito de propriedade - é
protegido com a disciplina das condições regulares de uso dos recursos
naturais (SAMPAIO, 2002b, pag.103).

Deve-se ressaltar que os direitos fundamentais à vida, à habitação, à saúde, e ao


meio ambiente equilibrado ecologicamente, são aspectos presentes na Constituição
Brasileira e requerem ações eficazes por parte dos governantes para que sejam
cumpridas. E dentre esses aspectos encontra-se o lixo urbano.
Existe um grande problema a respeito da legislação no que diz respeito ao lixo e
a obsolescência programada. O Brasil certamente revolucionou editando a Lei Federal
12.305/2010 – Política Nacional dos Resíduos Sólidos, mas, apesar disso, é uma pena
que essa lei mesmo sendo uma conquista para o país e para o meio ambiente, não seja
suficientemente respeitada pelas grandes corporações e pela população.
A partir de todo o exposto, podemos dizer que tanto o consumidor quanto o meio
ambiente poderiam ser considerados protegidos quanto a prática da Obsolescência
programada por meio de interpretação análoga dos princípios do CDC, coisa que no
caso concreto não é o suficiente. Essas duas importantes figuras necessitam de uma
proteção realmente devida, ficando evidente a necessidade de se editar uma legislação
específica para dar proteção ao consumidor. Enquanto não houver uma conscientização
das pessoas e das empresas em relação a esse grande mal presente na sociedade, a
humanidade e o planeta correm um imenso risco, afinal quanto mais consumimos sem
consciência de nossos atos, a quantidade de lixo produzida aumenta cada vez mais, e,
sendo descartado de forma irregular, acaba por resultar na degradação do solo e do meio
ambiente.

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consumidor dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Leis/L8078.htm. Acesso em: 12 Abril. 2019.
BRASIL. Lei nº 12.305/2010, de 02 de Agosto de 2010. Institui a Política Nacional de
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2010/2010/lei/l12305.htm. Acesso em: 17 Abril. 2019.
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274
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Disponível em: https://www.vgresiduos.com.br/blog/o-que-e-um-acordo-setorial-e-
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275
O PLANEJAMENTO URBANO PELO PRINCÍPIO DA EQUIDADE
INTERGERACIONAL: O EXERCÍCIO DA ALTERIDADE NA OCUPAÇÃO
DO SOLO URBANO

Urban planning for the principle of intergerational equity: the exercise of otherness in
urban land occupation

Thais Barros Mesquita1

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar o planejamento urbano sob a perspectiva de


garantir às futuras gerações uma cidade sustentável. O presente trabalho analisa os
impactos de loteamentos clandestinos ou irregulares no meio ambiente urbano para as
futuras gerações. Concluiu-se que a falta de planejamento na ocupação do solo fere o
princípio da equidade intergeracional. O desenvolvimento do estudo foi realizado com a
metodologia explicativa, pesquisa legislativa e bibliográfica.

Palavras-chave: Loteamentos ilegais. Ocupação do solo urbano. Planejamento urbano.


Princípio da equidade intergeracional. Sustentabilidade.

Abstract: The purpose of this article is to analyze urban planning under the perspective
to garantee to future generations a sustainable city. The present study analyzes the
impacts of anomaly allotments in the urban environment for future generations. It was
concluded that the lack of planning of land occupation hurts the principle of
intergenerational equity. The methodology used was based on explanatory
methodology, legislative and bibliographic research.

Keywords: Irregular Allotments. Urban Land Occupation. Urban planning. Principle of


intergenerational equity. Sustainability.

1
Graduada pela UFMG. Mestranda em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela Escola Superior Dom
Helder Câmara. Endereço eletrônico: demesquitabarros@gmail.com

276
INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar o art. 2º, inciso I, do Estatuto da
Cidade (Lei nº 10.257/2001) e o conceito de ocupação consolidada apresentado na Lei
Federal nº 13.465/2017 que disciplina, além de outras matérias, a regularização
fundiária urbana, sob a perspectiva de proteção do meio ambiente sustentável para as
gerações futuras.
A função social da propriedade urbana representa o poder-dever conferido à
Administração Pública para determinar a ordenação da cidade, com vistas a efetivar o
desenvolvimento sustentável.
Nesse contexto, verificar-se-á a importância da ocupação do solo de forma
consciente e planejada, uma vez que a produção de decisões definitivas pelo Poder
Público e pela população confere reflexos ao direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e à dignidade da pessoa humana daqueles que ainda não
nasceram e impõe responsabilidades aos gestores futuros que terão a obrigação de
mitigar ou estabilizar os problemas produzidos pelas opções ou omissões passadas e ter
capacidade de adaptar a cidade.
O princípio da equidade intergeracional é tratado no presente artigo como
fundamento para o planejamento urbano e a regularização fundiária, o que inclui a
moradia digna e a devida preservação do meio ambiente.
Registra-se, por oportuno, que foi utilizado o método jurídico exploratório, com
a realização de pesquisas em fontes bibliográficas e documentais que possibilitaram
conectar o desequilíbrio intergeracional e os principais aspectos relacionados a
ocupação ilegal ou irregular do solo.

1 O PRINCÍPIO DA EQUIDADE INTERGERACIONAL COMO FATOR


RELEVANTE PARA O PLANEJAMENTO URBANO

O planejamento urbano na ocupação do solo compreende a confecção de


instrumentos normativos específicos para determinada localidade, a disciplinar o
parcelamento, uso e ocupação do solo, bem como a previsão orçamentária e a forma de
gestão dos recursos financeiros para implementação dos planos, programas e projetos
setoriais que abrangem o aspecto do desenvolvimento econômico e social da cidade.
O papel exercido pelos Municípios no cumprimento dos deveres de
regulamentação, fiscalização e regularização do uso, do parcelamento e da ocupação do
solo urbano abrange o poder-dever de prevenir a consolidação de ocupações irregulares
ou ilegais. O uso do bem imóvel se subordina à orientação das normas e dos planos
urbanísticos que devem ser formulados levando-se em consideração a perpetuidade do
imóvel que ultrapassa a vida do atual titular.
A irregularidade ou ilegalidade na ocupação do solo urbano quando já
consolidada é um fenômeno social de difícil tratamento pela sociedade. A regularização
urbana organiza-se por um processo demorado e que implica acordo de valores do ente
público, loteador e população envolvida para adequar ocupação do solo aos ditames da
lei.

277
Registra-se a importância impedir a ocupação ilegal ou irregular do solo.
Defende-se a necessidade de o planejamento urbano buscar, como finalidade elementar,
a construção da cidade para as presentes e futuras gerações. Dessa forma, procurar a
integração das pessoas que procuram assentamentos informais ao conjunto da cidade, de
forma eficiente e humana, não bastando que se persiga apenas a segurança individual da
posse e da propriedade para seus ocupantes.
A política urbana tem como uma de suas diretrizes gerais, como dispõe o art. 2º,
I da Lei 10.257/2001, a garantia do direito a cidades sustentáveis, “entendido como o
direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao
transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras
gerações.” (BRASIL, 2001)
O princípio da equidade intergeracional justifica a inclusão do direito a cidades
sustentáveis às futuras gerações. O homem é responsável em face do outro que ainda
não nasceu, o que implica no deslocamento do alcance jurídico da igualdade para
relacionar os titulares de interesses atuais em referência à desconhecidos futuros,
assegurando a estes o exercício de direitos atuais ou potenciais, em condições de
correspondência e equidade.
Nesse sentido, explica LEITE e AYALA (2000):

Pode-se trazer como fundamentos ético-jurídicos mais relevantes, dois desses


princípios, a saber, o princípio da solidariedade intergeracional e o princípio
da equidade intergeracional, que representam, dogmaticamente, esse
transporte do alcance jurídico da igualdade para relacionar os titulares de
interesses atuais e potenciais de uma geração entre si, e em referência às
gerações futuras, garantindo o exercício de direitos atuais ou potenciais, em
condições de equivalência e igualdade, estendendo-os a titulares
desconhecidos de direitos, cuja avaliação ou mensuração estão submetidos a
juízo de probabilidade, que, no entanto, é jurídico em face da seriedade,
relevância, especificidade dos interesses, e, sobretudo, em face da recepção
jurídica do exercício de relações de alteridade (LEITE; AYALA, 2000a,
p.129).

Por garantir o direito a cidades sustentáveis às futuras gerações reconhece-se o


caráter transcendental das políticas urbanas que devem ser pensadas para ultrapassar os
limites do presente ao escolher as obrigações, deveres e responsabilidades da sociedade
atual. As escolhas e omissões atuais impõe considerar responsabilidades por um
resultado lesivo que não existe (ainda), mas que devem ser analisadas de modo
preventivo pelos vários atores da sociedade no que tange a ocupação urbana (poder
público, loteador, mercado, compradores, possuidores, proprietários).
A Constituição da República atribuiu ao Poder Público e à coletividade o dever
de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e
futuras gerações (art. 225), conferindo respaldo constitucional à proteção do futuro e
permitindo que as gerações futuras sejam titulares constitucionais da cidadania.
Nesse sentido, LEITE e AYALA (2000):

A proteção do futuro surge desta forma, enquanto fundamento normativo do


art. 225, que revela que o texto político fundamental ocupou-se da tarefa de
tornar justiciável a proteção do futuro, não apenas dispensando tutela, mas

278
qualificando-a como fundamento discursivo das garantias constitucionais.
Assim, uma vez que atua contribuindo na redefinição dos titulares
constitucionais da cidadania, que passa a ser atual e potencial, que pode -
apesar da proteção de fórmula jurídica específica para a cidadania ambiental -
contaminar o conceito de cidadania, uma vez que a leitura contemporânea da
proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana intenciona a realização
do princípio da interdependência e indivisibilidade dos Direitos Humanos, o
que tornaria inconcebível a possibilidade das instituições optarem pela defesa
tópica de certos direitos ou condições jurídicas, em detrimento de
outras(LEITE; AYALA, 2000b, p.132).

O Princípio da Solidariedade Intergeracional – ou Equidade Intergeracional –


decorre do princípio fundante da solidariedade insculpido no inciso I do art. 3º da
Constituição, que repercutiu em todo o sistema jurídico, mormente na seara ambiental,
ampliando a fórmula da solidariedade para o futuro. Nesse diapasão, a solidariedade
intergeracional deve ser aplicada no momento da elaboração de legislação, na execução
das políticas públicas, mas também nos momentos de interpretação-aplicação do Direito
(SILVA, 2011, p. 124).
Sob a perspectiva do direito internacional, a Declaração de Estocolmo sobre o
Meio Ambiente Humano de 1972 previu como norma principiológica (Princípios n. 1, 2
e 5) o expresso dever de preservação do meio ambiente em benefício das gerações
atuais e futuras, através de planejamento ou administração adequada.

Princípio 1 O homem tem o direito fundamental à liberdade, à


igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio
ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e
gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o
meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, as
políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação
racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de
opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser
eliminadas.

Princípio 2 Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra,


a flora e a fauna e especialmente amostras representativas dos
ecossistemas naturais devem ser preservados em benefício das
gerações presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificação ou
ordenamento.

Princípio 5 Os recursos não renováveis da terra devem empregar-se de


forma que se evite o perigo de seu futuro esgotamento e se assegure
que toda a humanidade compartilhe dos benefícios de sua utilização.
(ONU, 1972)

Conseguinte, a ideia de pacto intergeracional vem presente no conceito de


desenvolvimento sustentável do Relatório Brundtland de 1987 ao dispor que a
satisfação das necessidades presentes não pode comprometer a satisfação das
necessidades das gerações futuras.
Verifica-se que o homem atual possui direitos de desfrute do meio ambiente para
que viva com dignidade, desde que o uso dos recursos naturais terrestres seja feito

279
mediante prévio planejamento. Planejar significa determinar o método para executar o
plano. Sob a ótica do Estado Constitucional Ecológico, o método escolhido deve ser o
mais eficiente possível para integrar a comunidade humana ao meio ambiente natural
sem esgotamento dos recursos e assegurar a perpetuação dos ecossistemas e da
humanidade. Não se trata apenas de determinar o método por meio de normas, mas
também de acompanhar todo o processo de construção e funcionamento sob um ponto
de vista ambiental.
O Estado Constitucional Ecológico, pela concepção integradora delineada por
Canotilho, pressupõe um direito integrado do ambiente que se proteja globalmente o
meio ambiente natural e os componentes humanos, conciliando a defesa conjunta da
flora, fauna, ar, etc. com o desenvolvimento humano.

A imposição de um direito ambiental integrativo postula, em segundo lugar, a


passagem de uma compreensão monotemática para um entendimento
multitemático que obriga a uma ponderação ou balanceamento dos direitos e
interesses existentes de uma forma substancial-mente inovadora. Assim, a
concepção integrativa pressuporá uma avaliação integrada de impacto
ambiental incidente não apenas sobre projectos públicos ou privados
isoladamente considerados, mas sobre os próprios planos (planos directores
municipais, planos de urbanização). Isto implica uma notável alteração das
relações entre as dimensões ambientais e as dimensões urbanísticas. Em
terceiro lugar, um direito de ambiente integrativo produz consequências no
modo de actuação dos instrumentos jurídicos do Estado de direito ambiental.
A ponderação de direitos e interesses numa perspectiva multitemática é, por
natureza, mais complexa e conflitual. Daí a necessidade de compa-tibilização
dos instrumentos imperativos e cooperativos, da articulação de regras de
carácter jurídico e estrita-mente vinculadas ao princípio da legalidade com
dimensões atentas às condições concretas de actuação (a chamada
“elasticidade situativa”) e da substituição de uma “polícia de pormenores”
por um sistema de controlo (ou de pós-avaliação) dos
resultados.(CANOTILHO, 2001a, p.12)

Não se pode perder de vista que as gerações passadas não se preocuparam com a
atual geração, ocasionando os mais diversos danos ambientais e sociais como o
desmatamento em larga escala, extinção da biodiversidade, desperdício de água potável
e escassez de alimentos, poluição, exclusão social, ocupação desordenada da área
urbana. De tal modo que a alteridade é fator relevante para recuperar e preservar o meio
ambiente, pois supera o agir pautado no individualismo que nos leva ao distanciamento
do desenvolvimento sustentável.
A alteridade ambiental compreende a ideia de que a Terra é composta por seres
vivos e elementos naturais que precedem a ideia da existência humana e dá ao homem a
substância basilar da vida. O homem não criou a água, a terra, o ar, as plantas e animais,
mas usufrui de todos os seus elementos. O homem deve lembrar que o usufruto é
compartilhado com toda a biodiversidade que habita o planeta. E em termos
intergeracionais, o meio ambiente natural não foi criado por nenhuma geração, dessa
forma, a cada geração deve ser assegurada a igualdade de tratamento e usufruto.

1.1. A valorização da diversidade para as soluções dos problemas ambientais

280
Nota-se que as ações e decisões das gerações presentes afetam diretamente as
próximas gerações, sendo que as gerações presentes se compõem por uma sociedade
plural que enxerga o problema sob várias perspectivas e são capazes de propor soluções
diversas.
A sociedade pós-moderna é marcada pela diversidade, primando-se pela
tolerância e pela democracia a permitir o consenso no dissenso. Nessa linha, o conceito
de cidade sustentável caminha com a expansão da consciência humana que percebe a
democracia como norte para as escolhas políticas e sociais.
A perspectiva associativista do Estado Constitucional Ecológico explicitada por
Canotilho elenca a democracia ambiental como aquela que permite a inclusão das
pessoas comuns no discurso, agregando razão com vivência:

A perspectiva associativista arranca fundamentalmente da ideia de


democracia ambiental. Apresenta alguns traços comuns à perspectiva
publicística, — sobretudo a consideração do ambiente como bem público de
uso comum – mas é adversa à ideia tecnocrática de gestão do ambiente
(“governo de sabichões ambientais”). Contra uma visão fundamentalmente
individualista, a leitura ambiental associativista considera que a democracia
ecológica, sustentada e auto-sustentável, implica a reabilitação da democracia
dos antigos como democracia de participação e de vivência da virtude
ambiental. (CANOTILHO, 2001b, p. 12)

Por outro lado, a complexidade presente no pós-modernismo reverbera na


relativização do direito. Existe uma racionalidade que não busca uma verdade única.
Busca-se o conhecimento advindo de uma teoria aliada a vivência.
Surge, portanto, a necessidade de repensar políticas públicas e como construir o
direito, pois a sociedade demanda um sistema jurídico que ultrapassa a legislação estatal
como única fonte de poder jurídico-político, levando-se em consideração a dificuldade
para o direito positivo em trabalhar com a perspectiva de futuro.
De acordo com Krepsky:

A capacidade de decisão do Direito precisa inserir-se nestes múltiplos


contextos (policontexturalidade) e deve, sobretudo, ser observado sob a égide
Constitucional. A Constituição (promessa de futuro), enquanto acoplamento
entre o Sistema do Direito e da Política, torna-se o fio condutor para as
decisões que envolvem avanços tecnológicos no cenário de incerteza
científica. Todavia, as decisões sobre demandas que envolvem contextos de
incerteza para o futuro e que podem causar danos globais e transgeracionais,
precisam lidar com a relativização da segurança jurídica. Esta relativização,
por sua vez, pode, paradoxalmente, sujeitar o ambiente a maior risco advindo
de tais avanços. Ademais, essa hipercomplexidade já não permite a
observação social pautada no grau de hierarquia da pré-
modernidade.(KREPSKY, 2018b, p.113)

Nessa linha, a hipercomplexidade reflete na seara ambiental, pois relativiza-se a


possibilidade do risco. Não há certezas, nem mesmo do risco do dano. E o direito como
instrumento de normatização e coerção não é suficiente para a proteção ambiental,
sendo necessário um exame complexo de outras ciências e do Constitucionalismo.

281
Assim, para se alcançar a definição do objeto protegido pela norma
constitucional o direito não oferece todas as respostas, devendo ser trazidas a
exame as noções de Ecologia, de Direito Constitucional e Internacional,
proporcionando evoluções em noções tradicionais, como soberania, direito de
propriedade, interesses público e privado, etc.(MORAES, 2010). Isso
demonstra novamente a sempre presente relação entre o sistema do Direito e
da Ciência, uma vez que é necessário observar os eventos ambientais com
potencial danoso futuro de forma interdisciplinar, impondo ao intérprete e
julgador colocar-se em abertura com o que comunicam os demais
subsistemas sociais. (KREPSKY, 2018c, p.115)

O Constitucionalismo, em sua concepção integrativa do ambiente, vem com os


valores de interpretação necessários para que se observe os deveres, direitos e garantias
das presentes gerações e futuras‚ no sentido de apontar a melhor resposta aos problemas
por integrar a natureza, a ciência e as culturas, a neutralizar o efeito da indeterminação
dos conceitos (normativos e científicos) e não permitir interpretações que complacentes
com risco de danos ambientais através da exigência da proteção do direito ao ambiente
da forma mais efetiva possível.

2 OCUPAÇÃO DO SOLO NA PERSPECTIVA DO FUTURO

No ano 2017, a União editou a Lei 13.465 que redefiniu os institutos da


regularização fundiária rural e urbana, além de ter regulamentado outros assuntos. A
referida legislação, no que se refere a regularização fundiária urbana (Reurb), elencou
medidas gerais de ordem jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais com o fito de
incorporar os núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e conferir a
titulação aos seus ocupantes. Nesse diapasão, trouxe o conceito de núcleo urbano,
núcleo urbano informal, núcleo urbano informal consolidado.
Impõe-se mencionar os três conceitos acarreados nos incisos I, II e III do artigo
11 do citado diploma legal, tendo em vista o necessário encadeamento lógico para
entender o conceito de ocupação consolidada do solo urbano, objeto de estudo deste
trabalho:

Art. 11. Para fins desta Lei, consideram-se:

I - núcleo urbano: assentamento humano, com uso e características urbanas,


constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de
parcelamento prevista na Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972,
independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área
qualificada ou inscrita como rural;

II - núcleo urbano informal: aquele clandestino, irregular ou no qual não foi


possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que
atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização;

III - núcleo urbano informal consolidado: aquele de difícil reversão,


considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização
das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras
circunstâncias a serem avaliadas pelo Município; (BRASIL, 2017)

282
Portanto, “núcleo urbano informal consolidado” entende-se por ser um assentamento
humano, constituído por imóveis em área inferior à fração mínima de parcelamento rural, com
finalidade urbana, construídos de forma ilegal ou irregular, cuja reversibilidade seja dificultada
pelo lapso temporal de ocupação, características das construções, localização das vias de
circulação e presença de equipamentos públicos, cujos habitantes não possuem título hábil para
a segurança jurídica da posse ou propriedade.
Para enriquecer o entendimento do termo "consolidada", apresenta-se o conceito da Lei
nº 9.636/1998 que dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens
imóveis de domínio da União, modificada pela lei em destaque, especificamente no que tange
ao aforamento de bens, traz o conceito de área urbana consolidada:

§ 2° Para os fins desta Lei, considera-se área urbana consolidada


aquela: (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

I - incluída no perímetro urbano ou em zona urbana pelo plano diretor ou por


lei municipal específica; (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

II - com sistema viário implantado e vias de circulação


pavimentadas; (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

III - organizada em quadras e lotes predominantemente edificados; (Incluído


pela Lei nº 13.465, de 2017)

IV - de uso predominantemente urbano, caracterizado pela existência de


edificações residenciais, comerciais, industriais, institucionais, mistas ou
voltadas à prestação de serviços; e (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017).

V - com a presença de, no mínimo, três dos seguintes equipamentos de


infraestrutura urbana implantados: (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

a) drenagem de águas pluviais; (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

b) esgotamento sanitário; (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

c) abastecimento de água potável; (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

d) distribuição de energia elétrica; e (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)

e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos. (Incluído pela Lei nº


13.465, de 2017) (BRASIL, 1988)

Conclui-se, nesse ponto, que a norma agrega informações ao conceito de


ocupação consolidada do solo urbano: localização em zona ou perímetro urbano,
sistema viário implantado cumulado com pavimentação das vias, divisão da gleba em
lotes, com predominância de edificações e a presença de equipamentos de infraestrutura
urbana.
Por sua vez, a Lei 11.977/09, revogada pela Lei 13.465/17 no que tange à
regularização fundiária, define área urbana consolida no art. 47, II, como sendo:

Art. 47. Para efeitos da regularização fundiária de assentamentos urbanos,


consideram-se:
I - área urbana: parcela do território, contínua ou não, incluída no perímetro
urbano pelo Plano Diretor ou por lei municipal específica;
II - área urbana consolidada: parcela da área urbana com densidade
demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare e malha viária

283
implantada e que tenha, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes equipamentos de
infraestrutura urbana implantados:

a) drenagem de águas pluviais urbanas;

b) esgotamento sanitário;

c) abastecimento de água potável;

d) distribuição de energia elétrica; ou

e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos; (BRASIL,2009)

A norma em comento eleva como característica para a consolidação o número de


habitantes por área somada à implantação de equipamentos de infraestrutura urbana e
malha viária existente.
Sem buscar exaurir os conceitos de ocupação urbana consolidada apresentados
pela legislação pátria, uma vez que este trabalho se limitará aos conceitos acima
expostos, verifica-se que para consolidação da ocupação do solo urbano exige-se:
localização espacial nos perímetros ou zonas urbanas, edificações construídas para fins
urbanos (moradia, comércio, indústrias, etc), presença de pessoas, instalação de
infraestrutura básica para habitabilidade, vias de circulação, equipamentos públicos
disponíveis, e tempo significativo da ocupação humana.
Com relação ao requisito temporal de ocupação humana, necessário para se
caracterizar um núcleo urbano informal consolidado, entende-se, neste trabalho, que a
duração da ocupação humana é fator a se considerar em qualquer modalidade de
ocupação consolidada do solo urbano.
O processo de parcelamento do solo em consonância com o direito ambiental é
concebido pelo trabalho conjunto do Poder Público, do loteador, do Ofício de Registro
de Imóveis e dos moradores. A instalação da infraestrutura necessária, com ruas e
equipamentos mínimos para a habitabilidade, bem como a construção dos imóveis para
a consequente instalação do homem, demanda previamente um projeto, disponibilidade
de recursos financeiros, análises de impacto, aprovações por órgãos públicos,
transcorrendo o tempo.
Por mais rápido que se ocupe o solo urbano e transforme o meio natural e
artificial, seja pelo avanço da tecnologia e disponibilidade de recursos financeiros seja
por ocupações do solo precárias (loteamentos irregulares, ilegais, invasões), não há
consolidação se não houver ocupação humana por um tempo suficiente para se criar
raízes e identidade com o local onde se vive.
De acordo com o dicionário Priberam da Língua Portuguesa consolidar possui os
seguintes significados:

con·so·li·dar - Conjugar
(latim consolido, -are)

verbo transitivo, intransitivo e pronominal

1. Tornar ou ficar consistente.

284
2. Tornar ou ficar sólido ou mais sólido. = FIRMAR, FORTALECER,
SOLIDIFICAR

3. Tornar ou ficar estável. = ESTABILIZAR

4. Dar ou adquirir força. = CORROBORAR, FORTALECER

verbo transitivo e pronominal

5. [Cirurgia] Unir ou unirem-se os topos de um osso .fraturado. = SOLDAR

verbo transitivo

6. [Economia] Transformar (uma dívida pública) em renda perpétua em


benefício dos credores.

7. [Economia] Unificar empresas numa mesma .direção. = FUNDIR

8. [Jurídico, Jurisprudência] Reunir-se na mesm a pessoa a qualidade de


.direto senhor e de usufrutuário de uma terra. (PRIBERAM, 2013)

Dos múltiplos significados apresentados destaca-se o tornar sólido, fortalecido,


consistente, estável, fundido. A ocupação humana no decorrer do tempo cria os laços de
identidade, o que a estabiliza, fortalece, solidifica, a torna única (funde-se numa
comunidade). Em termos jurídicos, o decorrer do tempo confere direitos de
permanência naquele local e de ser reconhecido como o legítimo possuidor. Destaca-se
que o direito à propriedade do bem pela usucapião extraordinária é conferido após
quinze anos de posse ininterrupta, mansa e pacífica sobre o bem.
Nesse diapasão, a municipalidade tem a seu favor o tempo para poder corrigir
irregularidades e impedir ilegalidades na ocupação do solo urbano. Por meio do
exercício de seu poder de polícia, deve fiscalizar o cumprimento do Plano Diretor, bem
como das demais normas urbanísticas elaboradas, compreendendo o acompanhamento
da instalação dos loteamentos em todas as suas fases, impondo ao loteador os ajustes
necessários à fiel observância da lei.
Com relação assentamentos precários a Administração Municipal tem o dever de
adotar uma postura proativa comportando os moradores na cidade legal e não permitir
que os assentamentos se consolidem no tempo. A omissão do dever de vigilância pode
ensejar ao município a responsabilização em Ação Civil Pública pelos danos
ambientais.
Não se trata da competição entre as normas urbanísticas, o direito à moradia e o
direito de propriedade. O direito à moradia digna é autônomo ao direito à propriedade.
Trata-se de planejamento urbano pensado no presente e no futuro, tratado de forma
integrada para efetivar o direito ao meio ambiente urbano ecologicamente equilibrado.
O direito à moradia é dotado de conteúdo normativo, conforme mencionado por
Gomes, com eficácia direta e imediata, em decorrência do princípio constitucional da
sustentabilidade na sua dimensão jurídico política, culminando em dever do Estado, nas
três esferas, promover o a implementação e efetivação deste direito, principalmente dos
menos favorecidos. (GOMES; FERREIRA, 2017, p. 93)

285
O direito à moradia digna possui um conteúdo normativo que é composto pelos
elementos segurança e regulação do direito à propriedade, isso quer dizer que as pessoas
têm direito de morarem em locais seguros, ambientalmente sustentáveis, e lhes seja
conferida a segurança jurídica de permanecerem onde se fixaram. (OSORIO, 2014, p.
39).
A ocupação do solo em dissonância às normas urbanísticas tem influência direta
no meio ambiente urbano e seus efeitos irradiam sobre toda a coletividade, o que traduz
num verdadeiro direito-dever da coletividade de buscar a plena efetivação do direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim sendo, a proteção
urbanística ambiental através do adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano é um
dos motivos impeditivos de se permitir a consolidação de ocupações desordenadas.
Com base no princípio da dignidade da pessoa humana, maior interesse da
Constituição da República, é inconteste a necessidade de se pensar a ocupação do solo
sob uma perspectiva que ultrapassa o presente. A ocupação desordenada do solo urbano
causa muitas consequências negativas que ultrapassam as atuais gerações:

A desordenada ocupação do solo com a implantação dos loteamentos


clandestinos, em virtude da inobservância das normas urbanísticas, conduz,
assim, à proliferação de habitações edificadas sem critérios técnicos
(insegurança) e em condições subumanas (insalubridade); ao surgimento de
focos de degradação do meio ambiente e da saúde; ao adensamento
populacional desprovido de equipamentos urbanos e comunitários definidos
na Lei n.º 6.766/79 (ar. 4º, § 2º, e art. 5, parágrafo único) e incompatível com
o meio físico (má localização), gerando o crescimento caótico da cidade; à
marginalização dos seus habitantes com o incremento das desigualdades
sociais e reflexos na segurança da população local e circunvizinha (violência ,
comércio de drogas, promiscuidade). (FREITAS, 2005, p. 60).

Os prejuízos também se confirmam em:

(...)desarticulação do sistema viário, dificultando o acesso de ônibus,


ambulâncias, viaturas policiais e caminhões de coleta de lixo; formação de
bairros sujeitos a erosão e alagamentos, assoreamento de rios, lagos e mares;
ausência de espaços públicos para implantação de equipamentos de saúde,
educação, lazer e segurança; comprometimento dos mananciais de
abastecimento de água e do lençol freático; ligações clandestinas de energia
elétrica, resultando em riscos de acidentes e incêndios; expansão horizontal
excessiva da malha urbana, ocasionando elevados ônus para o orçamento
público (PINTO, 2006, p.2).

Assim sendo, numa perspectiva a longo e médio prazo, as ocupações


desordenadas ferem o pacto de equidade e solidariedade intergeracional e a dignidade
da pessoa humana. O valor da equidade intergeracional consubstancia um postulado
normativo que tem como finalidade assegurar o “direito à cidade” para também para as
futuras gerações, permitindo-lhes o acesso ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, à moradia digna, à infraestrutura urbana e demais serviços públicos, o que
implica no dever de cuidado uns dos outros e responsabilidade pelo futuro dos que vão
existir.

286
É conveniente que se esclareça que objetivamos evidenciar, também,que a
nova proposta de olhar de integridade do Direito Ambiental estrutura-se a
partir da realização da proteção da equidade intergeracional e da
transmutação da definição do alter, de modo que a atuação do homem seja
responsável em face do outro, e que esse respeito e reconhecimento da
dignidade desse outro conduza ao reconhecimento de novo ethos para a
definição dos sujeitos envolvidos nas relações ambientais, qual seja a
natureza, inserindo-se ambos no espectro global da proteção de condições
adequadas para o desenvolvimento e conservação da vida, e não
simplesmente da vida qualificada pelo elemento humano. Assim, quando
tratamos da proteção dos interesses das futuras gerações, pretende-se
desenvolver o discurso da proteção integral da vida, compreendendo aqui,
como sujeitos, os seres vivos. (LEITE, AYALA, 2000c, p.127-128).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ocupação do solo urbano sob a ótica do princípio da equidade intergeracional


rompe com a concepção do direito à moradia como direito absoluto e independente dos
demais direitos constitucionais, legitimando a desconstrução de ocupações do solo
desordenada pelo Poder Público.
No que concerne à consolidação da ocupação do solo urbano, a situação fática
ocorre com o decurso da ocupação no tempo, cumulada com parcelamento e edificação
do terreno para fins urbanos, com presença de equipamentos urbanos, e principalmente
com a presença do sentimento de identidade e fortalecimento da comunidade envolvida.
Dessa forma, implica no reconhecimento do direito de permanência no local, mesmo
que em desalinho à orientação das normas e dos planos urbanísticos de
desenvolvimento das cidades.
Os Municípios são responsáveis pela fiscalização das ocupações do solo e do
cumprimento do plano diretor pelos particulares. Essa incumbência constitucional visa a
proteção do meio ambiente e da dignidade da pessoa humana. Eventual negligência
consubstancia em permitir que ofensas ao meio ambiente se consolidem no tempo.
Ao mesmo tempo, reconhece-se a responsabilidade da coletividade em
promover a ocupação do solo com planejamento e empenho, tendo como finalidade
transformar a cidade em um ambiente cumpridor da sua função social.
Conclui-se, portanto, que a deficiência de medidas capazes de impedir a
formação das ocupações desordenadas, permitem a consolidação da ocupação irregular
ou ilegal do solo culminando em degradação ambiental de difícil recuperação. Não
remanescem dúvidas de que são muitas as consequências negativas, como a insegurança
das construções edificadas sem a engenharia adequada, insalubridade, ocupação em
áreas ambientalmente protegidas, carência de equipamentos urbanos e públicos,
dificuldade de acesso do Estado, alagamentos, ausência de áreas verdes.
Considerando que o direito à cidade sustentável é assegurado às futuras
gerações, impõe-se ao Poder Público e à coletividade a obrigação de planejar a
ocupação do solo urbano, tendo em vista que o direito de moradia, em regra, não se
sobrepõe ao direito à vida digna a que toda pessoa deve ter acesso.
A mera ocupação do solo não basta para preencher o significado de direito de
permanência, sendo necessária a garantia, a todos, da moradia digna, o que inclui o
devido acolhimento dos menos favorecidos através de políticas públicas de habitação.

287
A ocupação do solo deve perpassar pelo planejamento e atenção às normas urbanísticas
e ambientais, uma vez que as más decisões ou omissões pelo Poder Público e pela
população reflete no direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
e à dignidade da pessoa humana das futuras gerações.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm.
Acesso em 19 abr. 2019.

_____. Lei n. 6.766, de 19 dez. 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá
outras Providências. Diário Oficial da União, Brasília, 20 dez. 1979. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6766.htm. Acesso em 19 abr. 2019.

_____. Lei nº. 10.257, de 10 de jul. de 2001. Estatuto da cidade. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm . Acesso em 19 abr.
2019.

_____. Lei n. 13.465, de 11 jul. 2017. Diário Oficial da União, Brasília, 08 set. 2017.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
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_____. Lei n. 11.977, de 07 jul. 2009. Diário Oficial da União, Brasília, 08 jul. 2009.
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foi desenvolvido ao longo da disciplina Metodologia de Pesquisa, junto ao programa de
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orientação dos professores Rodolfo Pamplona e Nelson Cerqueira. Disponível em:
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289
PARADOXO ÉTICO ENTRE DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE:
ESTUDOS SOBRE A TEORIA DA SOCIEDADE DE RISCO GLOBAL E DO
NOVO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE
JABAREEN

Ethical paradox between development and sustainability: Studies on the Theory Of


Global Risk Society and Jabareen's new concept of sustainable development

Maria Flávia Cardoso Máximo1


Ana Luíza Dionísio Mota Lacerda2
Fernando Barotti dos Santos3

Resumo: O objetivo deste artigo é desenvolver uma abordagem do paradoxo ético


desenvolvimento/sustentabilidade sobre as concepções da teoria da Sociedade de Risco
Global defendida pelo sociólogo alemão Ulrich Beck e de um conceito de
Desenvolvimento Sustentável proposto por Yosef Jabareen. Vivemos numa era
moderna, ou não, na qual enfrentamos uma grande crise. Crise de valores sociais, éticos,
comportamentais, conceituais, políticos, culturais, educacionais, ambientais e diversos
mais. Para toda ação do homem há uma reação da natureza. Ficamos à mercê dos riscos
oriundos da própria sociedade, mas que serão respondidos, ou não, pela própria
natureza. A natureza e sociedade caminham juntas? Se a resposta for positiva, há se ser
pensados os conceitos até então defendidos por uma sociedade que se desenvolve e que
se diz moderna a caminho da pós-modernidade.
Palavras-chave: Desenvolvimento. Sustentabilidade. Pós-Moderno. Risco.
Globalização.

Abstract: The purpose of this article is to develop an approach to ethical paradox


development/sustainability on the concepts of the theory of Global Risk Society
advocated by the German sociologist Ulrich Beck and the new concept of Sustainable
Development by Yosef Jabareen. We live in a modern era, or not, in which we face a
major crisis. Crisis of social, ethical, behavioral, conceptual, political, cultural,
educational, environmental and many more. For every human action there is a reaction
of nature. We were at the mercy of the risks arising from the company itself, but will be
answered, or not, by nature itself. The nature and society go together? If the answer is
positive, they will be thought concepts hitherto defended by a company that develops
and it is said the modern way of postmodernity.
Keywords: Development. Sustainability. Post-modern. Risk. Globalization.

Professora Orientadora do trabalho. Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito Milton
1

Campos, pós-graduada em Direito Empresarial pela PUC-MG, Mestre em Direito Ambiental e


Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara e Doutoranda em Direito
Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara. E-mail:
mfmaximo@gmail.com.
Advogada Pós-graduada em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Fumec; Mestranda
2

em Direito Ambiental e Desenvolvimento pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Graduada em
Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. E-mail: anadmlacerda@hotmail.com
Advogado. Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom
3

Helder Câmara. Graduado em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. E-mail:
fernando_barotti@hotmail.com.

290
INTRODUÇÃO

Máquinas, mecanização, novas formas de energia, fábricas, indústrias, homo


faber, classe trabalhadora, operários, proletariado, classe dominante, classe média,
pauperismo, capitalismo, socialismo, desenvolvimento, produtividade, inovações,
progresso, divisões, fragmentações, especializações, transformação brutal do processo
produtivo, todos estes conceitos e muitos outros nasceram com a Revolução Industrial,
tida pela maioria dos sociólogos como o grande marco da Sociedade Moderna.
Desde então, o processo de produção não parou: na busca incessante pelo
progresso, a sociedade vorazmente se dispara através do desenvolvimento científico-
tecnológico rumo à modernização.
Lado outro, esse progresso científico-tecnológico e a busca pela modernidade
levaram a sociedade a uma crise de futuro, fazendo com que o ser humano se deparasse
com uma realidade que não era por ele prevista, qual seja, a da autodestruição, do auto
boicote, colocando-se a si próprio em risco. Para Ulrich Beck, (2011, p. 24) “o processo
de modernização torna-se “reflexivo”, convertendo-se a si mesmo em tema e
problema”.
Nessa realidade de riscos e incertezas é inegável a existência de uma ruptura
entre o tempo e espaço de uma época que até então era denominada como Modernidade.
Daí, surgem os conceitos e indagações do tempo no qual a sociedade se
encontra. Trata-se de um período Pós-Moderno, também chamado de Segunda
Modernidade ou Sociedade Reflexiva, como afirmado por Ulrich Beck.
Fato é que, frente ao desenvolvimento desenfreado da sociedade, a questão tão
almejada do Desenvolvimento Sustentável não passa de um paradoxo Ético. Paradoxo
tendo em vista que, por desenvolvimento, entende-se toda modificação do ambiente
através de uma intervenção profunda na natureza e esgotamento dos recursos minerais;
e por sustentabilidade, a característica de um processo ou estado que pode ser mantido
indefinidamente, bem como o potencial de subsistência de um ecossistema, com quase
nenhuma alteração.
O presente artigo tem por objetivo fazer uma reflexão frente a teoria de
Sociedade de Risco estabelecido por Ulrich Beck e o novo conceito de desenvolvimento
sustentável proposto por Yosef Jabareen.

1 O CONCEITO DE MODERNIDADE

Antes de mais nada, importante que se esclareça que nenhuma fase social se
acaba ou se instaura do dia para a noite. É através de estudos e debates sociais, políticos,
científicos, culturais e por que não, ambientais, que surgem novas teorias a respeito do
tempo vivido pelo homem.
Aliás, o homem, arraigado de seu antropocentrismo peculiar, tem a constante
necessidade de se fazer inserir num tempo, seu próprio tempo, meio que
egocentricamente pensando.
Assim, se chegou à formatação da história moderna. Mas, qual o conceito de
Moderno? De acordo, com Marshall Berman:

Existe um modo de experiência vital – experiência de tempo e espaço,


sobre si mesmo e os outros, das oportunidades e riscos da vida – que é
dividida por homens e mulheres em todo o mundo de hoje. Eu chamo esse
tipo de experiência de modernidade. Ser moderno é estar em um ambiente
que nos promete aventura, poder, alegria, crescimento, transformações de
nós mesmos e do mundo – e ao mesmo tempo que ameaça destruir tudo o
que temos, tudo que sabemos e tudo que somos. Experiências em

291
ambientes modernos atravessam todas as fronteiras geográfica e étnicas,
de classes e nacionalidades, de religiões e ideologias: nesse sentido,
modernidade pode ser a união de toda humanidade. Mas é uma unidade
paradoxal, uma unidade de desunião: ela nos joga num turbilhão de
desintegração e renovação perpétuos, de luta e contradição, de
ambiguidade e angústia. Ser moderno é ser parte de um universo no qual,
como disse Marx, “tudo que é sólido desmancha no ar (BERMAN, 1988,
p. 15).

Ainda, segundo Berman (1988, p. 16), a Modernidade se divide em três fases: a


primeira se inicia no século XVI e vai até o fim do século XVIII e é marcado pela
transição, onde os primeiros passos das mudanças são dados, as pessoas iniciam a
experiência com a vida moderna. A segunda fase começa com a grande onda
revolucionária de 1790, a mais destacada delas, a Revolução Francesa, uma era que
aflora os sentidos revolucionários nas pessoas, provocando diversas mudanças nos
meios sociais pessoais e políticos. No entanto, Berman, sugere que esse mesmo público
moderno do final do século XVIII e início do século XIX, “ainda se lembra do que é
viver, material e espiritualmente, em um mundo que não chega a ser moderno por
inteiro” (BERMAN, 1988, p. 17), na terceira e última fase, o processo de modernização
se expande conquistando virtualmente todo o mundo, e o desenvolvimento mundial da
cultura do modernismo alcança espetacular triunfo na arte e pensamentos.
Berman afirma que enquanto o público moderno se expande, ele se quebra em
uma multidão de fragmentos; a ideia de modernidade, concebida de diversas formas
fragmentárias, perde muito de sua nitidez, ressonância e profundidade e perde sua
capacidade de organizar e dar sentido à vida das pessoas. Como resultado de tudo isso,
encontramo-nos hoje em meio a uma era moderna que perdeu contato com as raízes de
sua própria modernidade.
Conclusão, a cada tempo que passa, a crise da Modernidade se torna cada vez
mais visível.

2 DA SOCIEDADE DE RISCO DE ULRICH BECK

Ulrich Beck, um dos sociólogos mais destacados dos últimos tempos, publicou
em 1986, na Alemanha, sua respeitada obra Sociedade de Risco. Beck, começa a
discorrer sobre sua tese fazendo uma análise histórica e afirma que pobre em catástrofes
o então século XX não o foi. É, neste ponto que o sociólogo nos coloca diante da
seguinte questão: se todo sofrimento, toda miséria e toda violência poderiam de certa
forma, até então, ser segregados, “reservado à categoria dos “outros” – judeus, negros,
mulheres, refugiados, dissidentes, comunistas etc.” (BECK, 2011, p. 07) diante do
acidente de Chernobyl, qualquer separação social perde completamente sua força.
Isso porque, Chernobyl comprovou que os perigos da era nuclear não fazem
qualquer distinção social e como afirma Beck (2011, p. 07) “Aí reside a novidade de sua
força cultural e política. Sua violência é violência do perigo, que suprime todas as zonas
de proteção e todas as diferenciações da modernidade”.
Portanto, a sociedade desenvolvida cientifica-tecnologicamente produz seu
próprio risco.

2.1 Do risco

Em primeiro, necessário conceituarmos “risco”. Segundo o dicionário Michaelis:

292
ris.co
sm (italrischio) Possibilidade de perigo, incerto, mas previsível, que
ameaça de dano a pessoa ou a coisa. (...) . A risco de, com risco de: em
perigo de. A todo o risco: exposto a todos os perigos. Correr risco: estar
exposto a.

Observe a quão limitada e subestimada é a definição da palavra risco trazida


pelo dicionário.
Numa visão atual moderna sociológica o alcance da interpretação do que
significa risco é bastante diversificado e susceptível de múltiplos entendimentos. Isto
por ser o risco, hoje, muitas das vezes imperceptível, invisível e irreversível, uma
ameaça global a toda biodiversidade.
Segundo Beck, os riscos e ameaças (2011, p. 26) “são um produto de série do
maquinário industrial do progresso, sendo sistematicamente agravados com seu
desenvolvimento ulterior.”
Assim, o risco é de origem social, ainda que a sociedade não o deseje. Na visão
do Sociólogo, o risco define as sociedades modernas, o que fundamenta denominá-las
de Sociedade de Risco.
Fato é que, como ressaltado por Beck (2011, p. 25), a produção social de riqueza
desencadeia sistematicamente uma produção social de riscos capaz de colocar a própria
sociedade sob uma incógnita “auto ameaça”. Em suas palavras, “paralelamente,
dissemina-se a consciência de que as fontes de riqueza estão “contaminadas” por
“ameaças colaterais”.

2.2 Sociedade de risco global

Uma palavra tão em voga nesta era sem dúvida alguma é a globalização.
A conexão entre os povos, vem de muito antes da Modernidade, desde as
grandes navegações. Mas, nunca se atingiu tão rapidamente o outro extremo do oceano
como na era Moderna.
A cada dia que se passa, percebemos que, através do avanço científico-
tecnológico da Modernidade, aumentamos a velocidade da comunicação, a troca de
conhecimento e de mercadorias; o Mundo descobre novas formas de sobrevivência,
novos equipamentos de trabalho, o prolongamento da raça humana, novos produtos e
novas riquezas.
Negar a Globalização é se colocar praticamente em um processo de exclusão
social. Pior ainda, quando este processo de exclusão lhe é imposto por ditaduras,
pobreza econômica, desprovimento educacional, ou qualquer outra questão.
Porém, fato é que, congruente a essa realidade da Modernidade, seu
desenvolvimento é desenfreado, descontrolado e desgovernado. E, a consequência disto,
é o risco, que por sua vez é imprevisível, incalculável e global.
Ora, como há muito consolidado por duas das Leis de Isaac Newton (NEWTON,
1846, p. 83): a Primeira Lei de Newton - “Todo corpo persevera em seu estado de
repouso, ou em um uniforme movimento em linha reta, a menos que seja compelido a
mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele” e a Terceira Lei de Newton – “a
toda ação há sempre uma reação semelhante”, se pensarmos em evolução, há de ser
levado em consideração suas consequências opostas, seus riscos, até mesmo sua própria
involução.
Portanto, ao adotar o debate sobre a sociedade de risco global chega-se ao
desfecho de que as ameaças geradas pelo desenvolvimento tecnológico industrial ou
científico-tecnológico não são nem calculáveis, nem controláveis. Isto faz com que o ser

293
humano reflita sobre as bases do modelo que até então a sociedade Moderna em sua
esfera política, econômica e cultural se sustentou.

2.3 Tempo de crise

Sobre uma questão não pairam dúvidas no debate sociológico atual: Vivemos
num tempo de crise. Crise, esta, de responsabilidade de quem? Da sociedade de risco
global? Do homem? Da política? Da Cultura? Da natureza? Ou de todos?
A bem da realidade, em tempo de crise, a sociedade Moderna não mais suporta
pacificamente seus conceitos e estruturas de economia, política e cultura. Sabe-se que
continuar sobre os prismas até então seguidos pode levá-la ao seu fim. E é justamente
diante dessa ruptura que, segundo Ulrich Beck (2011, p. 12), se dá no interior da
modernidade, que faz a sociedade industrial moderna atingir uma nova forma,
denominada por Beck como “sociedade (industrial) de risco”
Registre-se que o acidente humano de Chernobyl foi apenas a alavanca inicial de
todo esse processo de transição. Uma vez, que o homem se viu acuado diante de um
desastre consequente do desenvolvimento científico-tecnológico social, porém nas mãos
da natureza no que tange a extensão dos prejuízos que lhe seriam causados, como de
fato o foram.
Assim, qual seria a parcela de culpa da natureza? Bom, não há como culpar a
natureza, mãe da Terra, da biosfera, mãe de toda biodiversidade, inclusive dos homens,
afinal somos seres naturais.
A natureza segue seu caminho, seu uniforme movimento em linha reta, o
problema é quando sobre ela são aplicadas forças, como as forças advindas da produção
industrial, do desenvolvimento técnico-científico, do próprio homem. A natureza não se
controla e a essa conclusão chega o homem, a duras penas.
Conforme pontua Beck (2011, p. 09):

A oposição entre natureza e sociedade é uma construção do século XIX,


que serve ao duplo propósito de controlar e ignorar a natureza. A natureza
foi subjugada e explorada no final do século XX e, assim, transformada
de fenômeno externo em interno, de fenômeno predeterminado em
fabricado. Ao longo de sua transformação tecnológico-industrial e de sua
comercialização global, a natureza foi absorvida pelo sistema industrial.

Segundo o sociólogo, o desenvolvimento industrial atravessou duas etapas


distintas. Na primeira, eram as questões de classe ou sociais as que detinham
importância primordial; na segunda, são as questões ecológicas.
E é justamente neste ponto no qual, hoje, o homem global se encontra,
praticamente indefeso diante das ameaças da segunda natureza, absorvida no sistema
industrial. (BECK, 2011, p. 09)

3 O PARADOXO ÉTICO: O NOVO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO


SUSTENTÁVEL PROPOSTO POR YOSEF JABAREEN

O termo "paradoxo" é utilizado para designar inúmeras situações conflituosas e


axiomáticas. Segundo Cléa Carneiro (2010, p. 101): “Paradoxo é um tipo particular de
antítese em que as palavras opostas exprimem ideias que se negam reciprocamente. Isso

294
ocorre, por exemplo, na expressão “Claro enigma” (como é claro se é um enigma?)
título de um livro de Carlos Drummond de Andrade”
A compreensão dos paradoxos é mais do que uma mera ambição por
conhecimento lógico, mas algo que acarreta conclusões importantes para as ciências.
Para que se faça um estudo do paradoxo que a princípio envolve a preservação
do meio ambiente e o desenvolvimento tecnológico social, em primeiro lugar,
necessário debater acerca da formação do paradoxo ético abordado por Yosef Jabareen
(2008): “desenvolvimento sustentável”.
Se desenvolvimento é entendido muitas vezes como crescimento - o que implica
incremento físico ou material de produção, enquanto que, sustentável diz respeito à
alguma atividade que possui continuidade a longo prazo, e, se segundo Beck (2010, p.
26), os riscos e ameaças “são um produto de série do maquinário industrial do
progresso, sendo sistematicamente agravados com seu desenvolvimento ulterior”, é
perceptível a contradição da união das palavras “Desenvolvimento” e “Sustentável”.
Fato é que o crescimento constante e infinito pode tornar-se fatal. Este
desenvolvimento/crescimento infinito e desenfreado leva a humanidade a refletir sobre
os limites ecológicos que não podem ser ultrapassados, pois, caso contrário, adentrar-se-
á num processo irreversível de degradação e escassez.
Desta forma, a princípio, o paradoxo se encontra na antítese das junções das
palavras “desenvolvimento” e “sustentável”. Ora, como um crescimento, que expõe
toda sociedade a riscos, poderá ser ao mesmo tempo “sustentável”, capaz de suprir as
necessidades da atual geração, resguardando com segurança a vida e sobrevivência das
gerações futuras?
A questão é polêmica, porém, na atual modernidade reflexiva (conceito de
Ulrich Beck já analisado), pensar em desenvolvimento distanciado de sustentabilidade,
levará toda a humanidade a um único destino: a autodestruição.

No curso da modernização, diz Ulrich Beck, riscos e perigos representados


pelas forças da tecnologia produzida pelo homem, foram crescendo sem
cessar, até passarmos da “sociedade industrial” à fase da “sociedade de risco”
da modernidade, na qual a lógica da produção de riqueza gradativamente se
substitui pela lógica da evitação de risco – sendo agora a principal questão:
“como se podem prever, minimizar, dramatizar ou desafiar os riscos e os
perigos sistematicamente produzidos como parte da modernização?” Os mais
graves problemas com que se confronta a humanidade hoje e com que a
tecnologia deve lutar são “os resultados do próprio desenvolvimento tecno
econômico” (BAUMAN, 1997, p. 227-228 grifos nossos).

Registre-se, ainda, que a primazia do desenvolvimento sustentável resta


declarada desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em
Estocolmo, em junho de 1972, que foi realizada considerando a necessidade de uma
visão comum e de princípios comuns para inspirar e guiar os povos do mundo na
preservação e melhoria do ambiente humano:

To achieve this environmental goal will demand the acceptance of


responsibility by citizens and communities and by enterprises and institutions
at every level, all sharing equitably in common efforts. Individuals in all
walks of life as well as organizations in many fields, by their values and the
sum of their actions, will shape the world environment of the future. 4

4
No original: Para atingir este objetivo ambiental exigirá a aceitação da responsabilidade por parte dos
cidadãos e das comunidades e por empresas e instituições em todos os níveis, todos compartilhando
equitativamente nos esforços comuns. Indivíduos em todas as esferas da vida, bem como as organizações

295
A partir de então, diversos foram os marcos regulatórios internacionais sobre
desenvolvimento sustentável, assinados pelos países sob a égide das Nações Unidas, tais
como a Agenda 21 e os Princípios do Rio, oriundos da Cúpula do Rio de 1992, o Plano
de Implementação de Joanesburgo, de 2002, Declaração sobre Justiça Social para uma
Globalização Justa, da OIT, de 2008, a Agenda Nacional de Trabalho Decente,
declaração ministerial sobre a geração de emprego e trabalho decente do Conselho
Econômico e Social das Nações Unidas (Ecosoc), de 2012, bem como a declaração final
da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 20), sob
o título “O Futuro que Queremos”, que reafirmou todas as declarações passadas,
reforçando o compromisso dos estados signatários e destacando o importante papel de
toda sociedade no desenvolvimento sustentável.
Diante desta realidade e responsabilidade de todos frente ao desenvolvimento
sustentável, é que vem à tona a proposta de um novo conceito de Desenvolvimento
Sustentável.
Até que ponto é, ou não, possível a convivência pacífica e benéfica entre o
desenvolvimento e a sustentabilidade?
No paradoxo desenvolvimento e a sustentabilidade, a de se tentar colocar à parte
o homem exclusivamente tecnológico, para se pensar em algo mais substancial e efetivo
no controle do crescimento técnico-científico. Pois, a partir do momento que o homem
toma consciência do outro como seu vizinho, é inevitável que enxergue o outro face-a-
face. Até mesmo porque, na sociedade de risco é muito grande a probabilidade daquilo
que afeta o próximo, também afetá-lo.
Para Fernandes e Teles (2014, p. 61) é necessário um caráter ético mais
plausível, mais possível, mais concreto na relação homem e ambiente. Segundo as
mesmas:
A alteridade consiste em uma consciência não pautada no racionalismo
ambicioso, na dominação da totalidade da vida e em ações egocêntricos
infindáveis, e sim, em uma consciência ética que vise à superação da crise do
humanismo contemporâneo, uma nova maneira de compreender as relações
intersubjetivas e de anteceder condutas destrutivas e atentatórias à dignidade
do ser (FERNANDES; TELES, 2014, p. 61).

Assim, consequentemente, o caminho a ser tomado no desenvolvimento da


humanidade deve ser traçado, em primeiro lugar, sob o viés da indispensável ética da
alteridade. Segundo Bauman (1997, p. 213):
Em nossa época, a tecnologia tornou-se sistema fechado: ela postula o resto
do mundo como "ambiente" - como uma fonte de alimento, de matéria-prima
para tratamento tecnológico, ou como o entulho para os resíduos (que se
esperam recicláveis) daquele tratamento; e define suas próprias desventuras e
ações falhas como efeitos de sua própria insuficiência, e os "problemas"
resultantes como exigências para dar mais de si mesma: quanto mais
"problemas" gera a tecnologia, tanto mais de tecnologia se precisa. Só a
tecnologia pode “melhorar” a tecnologia, curando doenças de ontem com
drogas maravilhosas de hoje, antes que seus próprios efeitos colaterais se
interponham amanhã e exijam drogas novas e melhoradas.

Em segundo, observar-se-á que o desenvolvimento pode, sim, ser utilizado com


o intuito maior de preservar a vida de toda biodiversidade, seguindo a orientação de

em muitos campos, por seus valores e a soma de suas ações, irá moldar o meio ambiente do mundo no
futuro.

296
preocupação da sociedade em sua unidade e, não na individualização de cada um de
seus integrantes. E, para isso Yosef Jabareen (2008) propõe a interação de seis
interfaces do desenvolvimento sustentável.

3.1 Do capital natural

Popularizado por Pearce, Barbiere Markandya em 1990 o Capital Natural foi


definido por eles como: “o estoque de todos os ativos ambientais e de recursos naturais,
desde o petróleo até a qualidade do solo e das águas subterrâneas, desde o número de
peixes no oceano até a capacidade do planeta para reciclar e absorver carbono.”
(PEARCE; BARBIER; MARKANDYA, 1990, p. 01).
Certo é que o homem pode modificar o capital natural, porém não possui a
capacidade de criá-lo, e o esquecimento desta limitação é temerosa para toda sociedade.
Dividido em três categorias, o capital natural é representado por: a) recursos não
renováveis, tais como recursos minerais; b) a capacidade finita do sistema natural para a
produção de "recursos renováveis", como a produção de alimentos e abastecimento de
água; e c) a capacidade dos sistemas naturais para absorver as emissões e poluentes que
surgem de ações humanas, sem sofrerem efeitos secundários que implicam custos
elevados para ser passada para as gerações futuras (ROSELAND, 2000, p. 78).
Dentro do discurso sobre o desenvolvimento sustentável, o estudo do capital
natural tem esclarecido conceitos, além de fazer a conexão do sistema econômico ao
meio ambiente. De todo modo, seu desafio maior é mensurá-lo e preservá-lo em meio a
biodiversidade em constante mudança; a fim de não diminuir seu estoque com o
propósito de preservá-lo para uso também das gerações futuras.

3.2 Da equidade

Yosef Jabareen (2008) dedica um dos vieses fundamentais ao desenvolvimento


sustentável a Equidade, que carrega os aspectos sociais do desenvolvimento sustentável,
tais como: justiça ambiental, qualidade de vida, equidade sócia, participação pública,
justiça econômica, justiça social, liberdade, democracia, capacitação e distribuição
econômica igualitária. De acordo com Haughton (1999, p. 64) “a dimensão social é
crítica, uma vez que, a longo prazo, uma sociedade injusta não é sustentável com
relação ao meio ambiente e termos econômicos”.
E quando se fala em equidade, necessário pensar, na mesma, de forma
intrageracional (desempenho social de uma determinada pessoa ou grupo de pessoas
durante um período de tempo) e intergeracional (relações entre gerações diversas,
nascidas em períodos de tempos diversos).
Conforme destaca, ainda, Yosef Jabareen (2008), é de se levar em consideração
um ciclo vicioso entre pobreza e degradação ambiental, o que resta destacado pelo
relatório da Comissão de Brundtland, “Nosso Futuro Comum”:

Um mundo onde a pobreza e a desigualdade são endêmicas estará sempre


propenso à crises ecológicas, entre outras…O desenvolvimento sustentável
requer que as sociedades atendam às necessidades humanas tanto pelo
aumento do potencial produtivo como pela garantia de oportunidades iguais
para todos.5

5
Disponível em: https://nacoesunidas.org/acao/meio-ambiente/. Acesso em: 3 de julho de 2016.

297
Porém, ao discutir esse ciclo vicioso entre pobreza e degradação ambiental,
alguns refutam outros ratificam; a verdade é que por se tratar de um assunto complexo é
difícil dizer quais são as verdadeiras relações entre um e outro. A título de exemplo,
tem-se:

Waquil et al. (2004) avaliaram a relação entre pobreza rural e degradação


ambiental no Rio Grande do Sul e não encontraram uma relação direta entre
os dois fatores, em alguns momentos encontraram a pobreza agravando a
degradação ambiental em outras a degradação ambiental aumentando a
pobreza e, nenhuma relação entre elas em alguns casos, os autores atribuem a
isso as diversas variáveis envolvidas.
Barbier (2000) avaliou as ligações econômicas entre a pobreza e a
degradação ambiental na África e verificou que há uma correlação direta
entre elas, uma vez que as técnicas de manejo do solo não são aplicadas
adequadamente e, ao exaurir por completo uma área os produtores da região
estudada migram para áreas que eram menos produtivas a princípio, e com a
queda na produção e a repetição do processo, há um agravamento na pobreza
local.
Meza et al. (2002) relacionaram pobreza, desenvolvimento rural e uso da
terra em El Salvador e concluíram que quanto mais isolado o produtor menor
será sua renda e maior será a degradação ambiental causada por ele, enquanto
que o produtor que possui nível mais elevado de educação terá renda maior e
provocará menor degradação ambiental.
Cavendish (1999) constatou, em seus estudos na África, que, apesar da
população com menor renda depender mais dos recursos naturais, a
população mais rica quantitativamente utiliza mais recursos naturais e
consequentemente é responsável por uma degradação ambiental maior. Este
autor conclui que a dependência dos recursos naturais não diminui com o
aumento da renda como era esperado.6

Por certo, divergência não há quanto ao entendimento de que quanto mais


afastada uma sociedade da equidade, mais afastada também estará do alcance ao
desenvolvimento verdadeiramente sustentável.
A casa do homem é a Terra, chamada por Papa Francisco (2015) na Encíclica
Laudato Sí, de casa comum. Deve o ser humano administrar com sabedoria a sua casa.
Os danos ambientais ocorridos tornam o quadro irreversível, e continuar a “habitar” o
Planeta sem consciência da deterioração que se causa na morada de todos é
inconsequente e conduz à própria destruição.
Assim, grande parte do projeto sustentável está relacionada à economia de
energia mediante o uso de técnicas como análise do modo de vida com o objetivo de
criar equilíbrio entre capital investido e o valor dos ativos fixos em longo prazo. No
entanto, projetar de forma sustentável significa criar espaços que sejam saudáveis,
viáveis economicamente e sensíveis às necessidades sociais.
Yosef Jabareen (2008) aponta os materiais alternativos de construção, a
conservação, a energia renovável, os alimentos orgânicos e a reciclagem como
elementos a serem utilizados no intuito da construção de edifícios e casas
ecologicamente sustentáveis.

3.4 Da gestão integrada

6
Disponívelem:https://pobrezaxdegradacaoambiental.wordpress.com/2008/11/02/relacoes-entre-pobreza-
e-degradacao-ambiental/. Acesso em: 3 de julho de 2016.

298
Resta claro que para preservar o capital natural, precisamos de formas integradas
de gestão, uma abordagem holística do Desenvolvimento Sustentável.
Yosef Jabareen (2008, p. 185) destaca, assim, em uma perspectiva política, o
conceito de gestão integrada que delineia a atenção para a importância de manter um
padrão mínimo de segurança para todos os seres vivos e os ativos não-vivos necessária
para manter as funções do ecossistema e de suporte da vida, juntamente com, pelo
menos, as formas representativas de todos os outros recursos naturais vivos.
A Rio-Declaração (UNCED, 1992) afirma que a proteção da natureza deve
formar uma parte integrante do processo de desenvolvimento. Capítulo 8 da Agenda 21
(UNCED, 1992), porém observe-se que os sistemas vigentes para a tomada de decisão
em muitos países tendem a separar fatores econômicos, sociais e ambientais na política,
o planejamento e os níveis de gestão, influenciando as ações de todos os grupos da
sociedade e afetando a eficiência da sustentabilidade do desenvolvimento.
Por isso, Yosef Jabareen (2008) propôs o sistema integrado de gestão para
assegurar que os fatores ambientais, sociais e econômicos sejam considerados juntos em
um quadro de Desenvolvimento Sustentável. Quatro grandes áreas de trabalho são
identificadas: a integração das preocupações ambientais e de desenvolvimento para a
política, níveis de planejamento e de gestão; fornecendo uma justiça eficaz e uma
estrutura devidamente regulamentada; fazendo uso eficaz de instrumentos econômicos e
de mercado e outros incentivos.
Ora, um ajuste ou mesmo uma reformulação fundamental da tomada de
decisões, a fim de colocar o meio ambiente e desenvolvimento no centro de tomada de
decisões econômicas e políticas é primordial para a busca do Desenvolvimento
Sustentável. Congruente a isso, a abordagem integradora para alcançar a
sustentabilidade, de acordo com a Agenda 21, procura reunir todas as partes
interessadas. Afinal, a responsabilidade por trazer mudanças cabe aos governos em
parceria com as autoridades do setor e locais privados, e em colaboração com as
organizações nacionais, regionais e internacionais. Além de planos nacionais, metas e
objetivos, regras nacionais, regulamentos e legislação, bem como situações específicas
em que diferentes países se enquadram num esforço global comum.

3.5 Da Utopia

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois


passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu
caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para
que eu não deixe de caminhar. (GALENO, 1993 apud GALEANO, s.a, s.p,)

Em uma visão utópica tem-se uma sociedade perfeita, onde a justiça prevalece,
as pessoas estão perfeitamente satisfeitas, vivem e prosperaram em harmonia com a
natureza e a vida se move ao longo suavemente, sem abusos ou escassez.
Yosef Jabareen defende que: “O poder do pensamento utópico, adequadamente
concebido como uma visão de uma nova sociedade que questiona todos os pressupostos
da sociedade atual, é a sua capacidade inerente de ver o futuro em termos de novas
formas e valores” (2008, p. 186).
E cita o mesmo autor, alguns dos demais pesquisadores que defendem a
importância da utopia para o alcance do Desenvolvimento Sustentável:

Marius de Geus (1999), em suas Utopias ecológicos: Prevendo o Sustentável


Society, apresenta algumas utopias ambientais, de "utopia suffecient" de
Thomas More (1478-1535) para utopias modernas. Sua tese central é que o
pensamento utópico é importante na busca de uma sociedade ecologicamente

299
responsável. In Green Political Pensamento, Andrew Dobson (1990)
argumenta que a visão utópica fornece um indispensável poço de inspiração a
partir da qual ativistas verdes precisam continuamente para desenhar. Dobson
(1990, pp. 206-207) afirma que, “reformadores verde precisam de uma
alternativa radical da imagem da sociedade pós-industrial, são eles
visionários ecológicos profundos, que estão em permanente estudo da
sociedade sustentável; e que precisam, paradoxalmente, às vezes serem
trazidos para a realidade, bem como serem lembrados dos limites do
crescimento”. Curiosamente, utopistas clássicos, como de Thomas More
(1478-1535), Charles Fourier de (1772-1837), William Morris (1834-1896) e
Peter Kropotkin (1842-1921) contribuíram para o estabelecimento de uma
nova ética em relação à natureza e a um novo conceito de utopias ambientais
de Desenvolvimento Sustentável. (JABAREEN, 2008, p. 186-187)

De todo modo, se por um lado a utopia é necessária e contribui para a formação


de uma nova ética em relação à natureza, servindo de inspiração e poder inovador para a
sociedade em busca do desenvolvimento sustentável; por outro, não pode a mesma
sociedade ficar inerte no plano utópico.
Jabareen (2008, p. 187), cita, então Michael Jacobs (1991) em The Green
Economy na qual criticou a abordagem utópica de um ponto de vista econômico:
“alguns escritores verdes parecem implicitamente assumir que a finalidade de uma
sociedade verde sustentável só será alcançada porque as atitudes das pessoas e
motivações terão mudado: eles serão não-competitivos ou não-materialistas e terão
harmonia com a natureza”. E esse é justamente o grande erro dos utopistas, acreditar
que o Desenvolvimento Sustentável não poderá ser alcançado até que tenha ocorrido
uma tal transformação.

3.6 A agenda global

Como afirma Yosef Jabareen (2008, p. 187), este conceito representa um novo
discurso global que tem sido reconstruído e inspirado pelas ideias de "desenvolvimento
sustentável”. Até os anos 1980, ambientalistas ocidentais foram geralmente
preocupados com o espaço local e nacional. No entanto, desde o início de 1990, o
Desenvolvimento Sustentável tornou-se o ditado central das políticas de meio ambiente
em todo o mundo. Afinal, na Sociedade de Riscos Globais, os danos ambientais vão
muito além das fronteiras nacionais. Esses danos são: transfronteiriços, transgeracionais
que não fazem distinção de raça, sexo, faixa etária, etnia, religião, etc.
O discurso do Desenvolvimento Sustentável concebe a terra como um globo
unificado e visa abordar os problemas ambientais e de desenvolvimento global em suas
causas profundas, fornecendo ao mundo em desenvolvimento as ferramentas e recursos
necessários que permitam resolver os problemas prementes do desmatamento,
mudanças climáticas e perda de biodiversidade, além de questões da sobrevivência
básica, como o crescimento da população, doenças e outros problemas relacionados
com a pobreza.
A sustentabilidade tem sido cada vez mais concebida como um desafio para a
Gestão Global e percebida como um dos grandes desafios da humanidade.
Uma sociedade global focada na erradicação da pobreza, mudança do consumo,
padrões de produção e gestão da base natural para o desenvolvimento econômico e
social, é fundamental para a sustentabilidade.
Pois bem, como visto, para Yosef Jabareen no novo conceito do paradoxo ético
de Desenvolvimento Sustentável deve ser fundamentado nos seis pilares acima

300
expostos, sob pena de se poder até ter desenvolvimento, porém, longe de ser o mesmo
efetivamente sustentável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nome do desenvolvimento científico-tecnológico abusos foram e são


cometidos contra a natureza. O homem, em seu pensamento antropocêntrico,
sofridamente, percebe a necessidade de adotar um pensamento biocêntrico para auto
sobrevivência, para a própria preservação.
A natureza reclama seu espaço, seu tempo, e fazer uma conceituação distinta de
sociedade e natureza só irá comprometer mais toda a biosfera na qual se insere também
o homem.
Adotar uma postura radical e simplesmente parar o desenvolvimento científico-
tecnológico não é a resposta. É cediço que homem e natureza hão de reestabelecer a
conexão de uma pacífica e respeitável convivência.
Urge um compromisso perante toda a biosfera, com os seres e os habitats que a
integram. Desassociar o homem da natureza, ou o desenvolvimento da sustentabilidade,
é comprometer tanto um quanto o outro. Cabe uma profunda reflexão e cuidado em
nosso próximo passo.
Mas, numa sociedade desprovida de valores teria uma proposta possível ao
Desenvolvimento Sustentável? Sim, a resposta vem da educação, da informação e da
reestruturação dos conceitos da era moderna (tais como, política, economia, cultura,
sociedade, natureza, ética) até então adotados de forma isolada, sob pena de
autodestruição.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Ética pós-moderna. 1. ed. Tradução de João Rezende Costa. São
Paulo: Paulus, 1997.

BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo global. Madrid: Siglo Veintuno de España
Editores, 2002.

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. Tradução de
Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011.

BERMAN, Marshall. All that is solid melts into the air: the experience of modernity.
1. ed. Whit new preface. New York: Penguin Books, 1988.

FRANCISCO. Laudato si: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo:


Paulus/Loyola,2015.

GALEANO, Eduardo H. Las palabras andantes. Siglo xxi, 1993.

GALEANO, Eduardo. Para que serve a utopia? Revista Prosa Verso e Arte.
Disponível em: https://www.revistaprosaversoearte.com/para-que-serve-a-utopia-
eduardo-galeano/. Acesso em: 22 nov. 2018.

301
HAUGHTON, G. Environmental justice and the sustainable city. Sustainable Cities.
London: Earthscan, 1999.

JABAREEN, Yosef. A new conceptual framework for sustainable development.


Environment, development and sustainability, v. 10, n. 2, p. 179-192, 2008.

NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; FREIRE DE SA, Maria de Fátima. Por uma
bioética da biodiversidade. Rev. Bioética y Derecho, Barcelona , n. 27, p. 56-58,
enero 2013 . Disponível em:
http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1886-
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NEWTON, Isaac. The Mathematical Principles of Natural Philosophy. Translated


into english by MOTTE, Andrew. First american edition. New York: Published by
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ROSELAND, M. Sustainable community development: Integrating environmental,


economic, and social objectives. Progress in Planning. 2000, p. 73-132.

WCED. Our common future. The brundtland report, world commission for
environment and development. Oxford: Oxford University Press, 1987.

302
OS PARAÍSOS INTOCADOS E OS CONFLITOS TERRITORIAIS:
PERSPECTIVAS A PARTIR DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DA
CANASTRA - MG

Untouched paradises and territorial conflicts: perspectives from Serra da Canastra


National Park - MG

Gabrielle Luz Campos1

Resumo: O objetivo desta pesquisa é analisar o conflito socioambiental existente em


unidades de proteção integral em suas mais diversas esferas, quais sejam, legal,
institucional, epistemológica e fundiária. Dar-se-á enfoque maior a essa última, uma vez
que a ideia de conservação da natureza está subjacente à ideia de transformar em
patrimônio público, com posse e domínio do Estado, as áreas destinadas a serem de
unidades de proteção integral. Para tanto, as famílias que vivem em tais áreas devem ser
desapropriadas, independe da sua relação com o meio. Para aproximar o estudo à
realidade mineira, proceder-se-á a análise do caso do Parque Nacional da Serra da
Canastra, localizado no sudoeste do estado. O trabalho será bibliográfico, visando à
análise de obras, periódicos e normas que abordam o tema em análise, as quais serão
glosadas e a coleta de dados dar-se-á através de fichamento do tipo citações.

Palavras-chave: Conflitos territoriais. Perspectiva preservacionista. Unidades de


proteção integral. Povos e comunidades tradicionais. Parque Nacional da Serra da
Canastra.

Abstract: The objective of this research is to analyze the socio-environmental conflict


existing in Federal Units of Conservation for Full Protection in its most diverse spheres:
legal, institutional, epistemological and land tenure. A greater focus will be placed on
the last one, it because the idea of nature conservation is related to the idea of
transforming the areas destined to be Units of Conservation for Full Protection into
public patrimony, with ownership and domination of the State. Therefore, families
living in such areas must be expropriated, regardless of their relationship with the
environment. In order to approach the study to the reality of Minas Gerais, the case of
the Serra da Canastra National Park, located in the southwest of the state, will be
analysed. The work will be bibliographical, aiming at the analysis of works, periodicals
and norms that approach the subject under analysis, which will be glossed and the data
collection will be done through registration of the type citations.

Keywords: Territorial conflicts. Preservacionist perspective. Federal Units of


Conservation for Full Protection. Tradicional people and communities. Serra da
Canastra National Park.

1
Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação “Novos Direitos, Novos Sujeitos”, da
Universidade Federal de Ouro Preto. Advogada OAB-MG nº 193.961. E-mail:
gabrielle.luz@hotmail.com.

303
INTRODUÇÃO
Segundo o artigo 2º, VI, da Lei n. 9.985 de 2000, que regulamenta o artigo 225,
§ 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, entende-se por proteção integral a
“manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana,
admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais”, ou seja, o uso que não
envolva consumo, coleta, dano ou destruição (artigo 2º, IX). Havendo sobreposição de
populações tradições em qualquer área desse grupo acima descrito, aquelas deverão ser
realocadas pelo poder público, sendo indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias
existentes (artigo 42, caput e § 1º). A Lei n. 11.428/2006, que dispõe sobre a utilização
e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, em seu artigo 3º, II, conceitua
populações tradicionais como aquelas que vivem em íntima relação com o ambiente
natural, dependendo dos recursos naturais para a sua reprodução sociocultural,
realizando atividades de baixo impacto ambiental. Já a Lei n. 11.284/2006, que dispõe
sobre gestão de florestas públicas para a produção sustentável, nivela as comunidades
locais, populações tradicionais e outros grupos humanos, conceituando-os, no artigo 3º,
X, como grupos “organizados por gerações sucessivas, com estilo de vida relevante à
conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica”.
Destaca-se, por oportuno, que o grupo de unidade de proteção integral encontra
respaldo na tese do mito da natureza intocada. Antônio Carlos Diegues (2001, p. 53)
explica que há uma representação simbólica de que existiram áreas naturais intocadas
pelo ser humano, apresentando elementos num estado “puro” anteriores ao seu
aparecimento. Desse modo, pressupõe-se que a ação humana, vindo de qualquer grupo,
é incompatível com a conservação de natureza. O ser humano deve então ser retirado
das áreas naturais que careçam de proteção, já que há a pressuposição de ser um
destruidor do mundo natural.
Nessa ordem de ideias, como a natureza deve se manter intocada, sem
interferência direta humana, cabe ao Estado delimitar as áreas que tenha interesse em
preservar. Neste processo de regularização fundiária, ou seja, de se transformar em
patrimônio público o que antes era uma área privada, na qual as pessoas desenvolviam
suas atividades com poucas restrições, surgem inúmeros problemas socioambientais. A
partir do momento em que os atores sociais tomam consciência da limitação de uso do
território, e, passam a disputá-lo, há a instauração do conflito socioambiental. Tal
situação acontece no Parque Nacional da Serra da Canastra, que será detalhado adiante.
A pesquisa será bibliográfica, visando à análise de obras, periódicos e normas
que abordam o tema em análise. Será dedutiva, uma vez que a partir das premissas
gerais apreendidas, construir-se-á um raciocínio lógico-demonstrativo, isto é, partir-se-á
de uma premissa geral para alcançar uma específica. As obras serão glosadas e a coleta
de dados dar-se-á através de fichamento do tipo citações, já que o mesmo possibilita
uma maior assimilação do conhecimento obtido por meio dos estudos das obras, dos
artigos, dos trabalhos já realizados por pesquisadores e doutrinadores outros, facilitando
a execução da pesquisa.

1 DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento do presente trabalho divide-se em dois momentos. No


primeiro deles, serão delimitados os principais contornos do conflito socioambiental
existente em unidades de proteção no contexto brasileiro. No segundo momento, a fim
de aproximar o problema à realidade mineira, será analisado o caso do Parque Nacional
da Serra da Canastra.

304
1.1 Delimitando os conflitos socioambientais em unidades de proteção integral

Um problema ambiental se transforma em um conflito ambiental quando os


diversos atores sociais afetados tomam consciência de suas perdas e entram no campo
de disputa. Em outras palavras, os atores sociais reagem em defesa de seus interesses.
Assim, nem todo problema ambiental pode ser considerado como um conflito
ambiental, uma vez que, não raras vezes, há dificuldades para tomada de consciência
das pessoas afetadas (QUINTAS, 2005, p. 71). Nessa ordem de ideias, os conflitos que
ocorrem em unidades de conversação e povos tradicionais se dão nas mais diversas
esferas, quais sejam, legal, institucional, de interesses e fundiária (FERREIRA, 2004, p.
53).
Para se ter noção da dimensão do conflito socioambiental decorrente da
sobreposição de territórios de povos tradicionais e de unidades de proteção integral no
contexto brasileiro, cerca de 70% das unidades brasileiras apresentam interfaces
territoriais, segundo pesquisa realizada em 2015, por analistas ambientais do ICMBio
que atuam ou atuaram em distintas funções na Coordenação de Gestão de Conflitos
Territoriais – COGCOT (MADEIRA et al., 2015, p. 7).
Com efeito, há incoerência no arcabouço jurídico brasileiro no tratamento
dispensado à situação, ocasionando o conflito legal. Ao mesmo tempo em que o Estado
brasileiro confere proteção constitucional e incentiva políticas de proteção cultural à
permanência de povos tradicionais em seus territórios; que assina e ratifica Convenções
Internacionais que conferem direitos diferenciados e reconhecem a importância dessas
comunidades para preservação ambiental; que possui uma vasta e plural legislação
doméstica reconhecendo sua importância para a preservação da natureza. Ele determina,
como em um ato de esquizofrenia normativa, a remoção de povos tradicionais de seus
territórios, compensando-os ou indenizando-os pelas benfeitorias realizadas (art. 42 da
Lei do SNUC).
No que tange ao conflito institucional, o espaço, antes, social, onde as
comunidades exerciam seus modos de vida, são convertidos em espaços de
conservação. Há a imposição de novas regras de uso e apropriação, voltadas para o “não
uso” dos recursos naturais, dos quais as comunidades dependiam cultural, existencial e
economicamente. A nova dinâmica instituída para o meio ambiente passa a ser, para as
comunidades locais, a da perda do direito de usar, fruir e dispor da propriedade
(SIMON, 2005, p. 30). Ressalte-se, por oportuno, o conceito de justiça ambiental,
desenvolvido a partir da concepção de que aquelas pessoas que menos contribuem para
causar danos ambientais e as que mais dependem dos recursos naturais para reproduzir
suas formas de vida, são as que mais sofrem os impactos do modelo econômico (MMA,
2015, p. 13).
O conflito fundiário, a seu turno, está subjacente à ideia de transformar em
patrimônio público, com posse e domínio do Estado, as áreas destinadas a serem de
unidades de proteção integral (ROCHA; DRUMMOND; GANEM, 2010, p. 205).
A partir da ideia norte-americana de Parque, que significa tanto proteção quanto
acesso público ao território, foi conferido ao Estado a tutela do patrimônio ambiental.
As perturbações ou ameaças aos recursos naturais passam, portanto, a serem geridas
pelo Estado, enquanto instituição pública responsável por delimitar as áreas a serem
especialmente protegidas, ditar regras de (não) uso e resolver qualquer óbice à
preservação. (SIMON, 2005, p. 28). Nessa ordem de ideias, necessário se faz a
transformação das áreas privadas (ainda que de uso coletivo...) em áreas públicas. A
desapropriação é o modus operandi do Estado para atingir tal fim.

305
Ocorre que há complexos entraves no processo de regularização fundiária, no
Brasil. A princípio, não há verba pública suficiente para a desapropriação (SIMON,
2005, p. 35), considerando as vultosas quantias necessárias. Consoante o estudo
realizado por Pádua em 1997, citado por Rocha, Drummond e Ganem (2010, p. 213), o
ritmo de aplicação dos recursos destinados à regularização foi tão lento, até então, que
seriam necessários 700 anos para a regularização das áreas de todos os Parques
Nacionais!2
É válido destacar que a falta de recursos públicos vem sendo rechaçada como
argumento aceitável para a não regularização fundiária, através da desapropriação3
(ROCHA; DRUMMOND; GANEM, 2010, p. 221-223). Uma vez que há alternativas
legais para tanto, as quais se passam a expor.
A primeira delas seria a compensação ambiental, prevista no art. 36 da Lei do
SNUC. Essa ferramenta obriga o empreendedor a apoiar a implantação e manutenção de
unidade de proteção integral, nos casos de licenciamento ambiental de
empreendimentos de significativo impacto ambiental, que será considerado pelo órgão
ambiental, com base no estudo e no relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA). Além
do mais, o Decreto Federal nº 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamenta os
artigos da Lei nº 9.985 de 2000, determina que os recursos da compensação ambiental
sejam aplicados prioritariamente na regularização fundiária e na demarcação de terras
de unidades (art. 33, I, do Decreto).
A exploração da imagem, bem como dos produtos ou serviços obtidos a partir da
unidade de conservação, prevista no art. 33 da Lei do SNUC, tais como abastecimento
de água e geração de energia elétrica, também seria uma alternativa para arrecadar
recursos para a regularização fundiária das áreas.
Além dessas duas possibilidades, há previsão, no art. 34 da Lei do SNUC, do
recebimento de “recursos ou doações de qualquer natureza, nacionais ou internacionais,
com ou sem encargos, provenientes de organizações privadas ou públicas ou de pessoas
físicas que desejarem colaborar com a sua conservação”. Essa via gera uma gama de
possibilidades de negociações, tendo em vista a crescente preocupação ambiental por
parte da sociedade civil, que acarreta no interesse das empresas e organizações em
vincular sua imagem à conservação da natureza (ROCHA; DRUMMOND; GANEM,
2010, p. 223).
Há, ainda, a alternativa de regularização fundiária, por meio da compensação da
reserva legal, prevista no art. 66, III, e §§ 5° a 7º, da Lei Federal n° 12.651, de 25 de
maio de 2012 (Código Florestal). Segundo esse mecanismo legal, o proprietário rural
com pendências ambientais, cuja propriedade esteja inserida no mesmo bioma da
unidade, compra terras privadas localizadas no interior da mesma, ou seja, propriedades
que ainda não foram desapropriadas. Posteriormente, doa-as ao ICMBio, liquidando
suas pendências ambientais. Desse modo, ao menos em um primeiro momento, ao
mesmo tempo em que o problema dos proprietários rurais que desobedecem a legislação
ambiental é solucionado, o ICMBio consegue regularizar as áreas com pendências
fundiárias.
Além do argumento de insuficiência financeira para arcar com os custos das
desapropriações, outro problema no processo de regularização seria o contexto histórico
consolidado de especulações e de apossamento ilegal de terras públicas (grilagem de

2
Não houve significativas mudanças no ritmo das desapropriações até 2010 (ROCHA; DRUMMOND;
GANEM, 2010, p. 113).
3
Para ver outras possibilidades de regularização fundiária, além da desapropriação (incorporação de
terras públicas e abandonas e “terrenos de marinha”...) verificar Rocha, Drummond e Ganem (2010, p.
220-223).

306
terras públicas, por meio de obtenção de documentos fraudulentos...). O que ocasiona
em uma “indústria das desapropriações”, havendo procedimentos duvidosos e
indenizações milionárias (ROCHA; DRUMMOND; GANEM, 2010, p. 217).
Há, no mais, outras peculiaridades que estimulam a inércia do Estado em
regularizar as unidades de conservação. Ainda que a irregularidade das áreas acarrete
prejuízos à biodiversidade e à população local, ela não impede que a unidade cumpra
parcialmente a função pela qual é proposta. Uma unidade não regularizada pode
coexistir de forma pacífica com as comunidades locais por muito tempo, sem que haja
conflitos intensos e sem soluções definitivas. Assim, não há comoção popular ou
mobilização social para pressionar o órgão estatal a solucionar o problema (ROCHA;
DRUMMOND; GANEM, 2010, p. 217).
A inércia também pode se dar devido às questões políticas, uma vez que os
resultados significativos são obtidos a longo prazo e dificilmente haverá dividendos
políticos de uma eventual resolução do conflito. Ademais, quando se tenta solucionar o
problema, há inúmeros atritos gerados com as comunidades vizinhas das unidades. Há,
também, atritos entre o Poder Público e pessoas influentes, que se mobilizam política e
juridicamente para resistir às investiduras que as prejudique. Por outro lado, criar novas
unidades causa mais visibilidade ao gestor público, podendo gerar mais dividendos
políticos (ROCHA; DRUMMOND; GANEM, 2010, p. 217).
Para além dos conflitos fundiários, ou seja, além da disputa territorial, resta,
ainda, segundo Antônio Carlos Diegues (2001, p. 71-72), no contexto de unidades de
conservação integral e povos tradicionais, a disputa de saberes. Há um embate entre
visões de mundo, notadamente o modo pelo qual as sociedades tradicionais e o universo
científico encaram o conhecimento. Não há diálogo entre o conhecimento científico e o
conhecimento ecológico tradicional. Predomina o conhecimento técnico dos peritos, não
havendo interesse sobre as técnicas tradicionais de manejo dos recursos nas áreas
protegidas e zonas de amortecimento. (VIVACQUA; VIEIRA, 2005, p. 156), tanto
assim o é que se permite a pesquisa científica em todas as áreas naturais protegidas, mas
não se permite o etnoconhecimento, pois esse exige a presença de povos e comunidades
tradicionais e de seu saber cultural (DIEGUES, 2001, p. 72).
A fim de demonstrar a situação acima, Antônio Carlos Diegues (2001, p. 72-73)
utiliza o caso dos estoques pesqueiros na Islândia, destacando três períodos distintos da
relação ser humano-natureza, tendo como base os estudos de Pálsson. No primeiro
período (aproximadamente até o ano 1.000 d.C.), a pesca era uma atividade de
subsistência, o peixe, nesse cenário, era considerado um dom da natureza, para capturá-
lo era preciso estar atendo aos sinais de sua presença. Além do temor à natureza,
concretizado nos monstros marinhos. Na segunda fase, o peixe passa a ser visto como
bem de valor de mercado. Instaura-se uma competição entre os pescadores,
considerando a economia mercantil, sendo o melhor mestre da pesca aquele que captura
mais peixes. Essa competição ocasiona a sobrepesca. Levando ao terceiro período, no
qual o Estado passa a ditar as regras, devido à escassez dos recursos. O poder público
passa a ser o responsável por determinar a quantidade a ser capturada por barco, e, faz
isso através do conhecimento científico-moderno, ou seja, através do biólogo marinho.
Logo, o biólogo marinho é quem passa a definir a quantidade, o modo e a época
de captura. Corolário há a desorganização da cultura tradicional e dos ciclos locais. Os
conhecimentos dos mestres da pesca, isto é, dos pescadores mais experientes, que
possuem saber acumulado sobre os ciclos naturais, sobre a reprodução e migração de
peixes, sobre as proibições de se executar a atividade em determinados períodos, são
tidos como inexistentes (DIEGUES, 2001, p. 73).

307
Sem desconsiderar os prejuízos advindos dos conflitos socioambientais em
unidades de proteção integral, Lúcia da Costa Ferreira (2004, p. 51) interpreta o conflito
como categoria explicativa da mudança. Atores que até então, em sua maioria, não
possuíam prévia experiência na arena política e que são historicamente marginalizados
dos processos decisórios, passam a se articular (VIVACQUA; VIEIRA, 2005, p. 159).
Na pesquisa realizada pela autora, entre os resultados mais significativos dessas novas
articulações, destaca-se que os atores passaram a produzir suas próprias lideranças; a
investir na organização política, desde a organização de pequenas ONGs, associações
civis até organizações sindicais; e na criação de meios para a participação direta em
pactos e projetos (FERREIRA, 2004, p. 53-54).

1.2 O caso do Parque Nacional da Serra da Canastra

Com a intenção de aproximar o que abordado no item anterior à realidade das


leitoras e leitores, passa-se, nesse momento, a apresentar um caso concreto, de conflito
socioambiental decorrente da sobreposição territorial de povos e comunidades
tradicionais e unidades de proteção integral. Elegendo a situação existente na Serra da
Canastra, Minas Gerais, para tanto.
A Serra da Canastra é localizada ao sudoeste do Estado de Minas Gerais, tendo
surgido a partir da colisão de duas placas tectônicas. Estima-se que possua
aproximadamente 1 bilhão de anos. Como sua forma era parecida com a de um baú,
antigamente chamado canastra, foi batizada assim (BIZERRIL; SOARES; SANTOS,
2008, p. 16).
De acordo com o ICMBio, a Serra da Canastra é um potencial hidrográfico.
Além das nascentes do São Francisco, encontram-se na região outras cinco bacias
hidrográficas de relevância para o país, quais sejam, a do rio Grande, a do ribeirão Santo
Antônio, a do rio Araguari e a do rio Santo Antônio. Somando às diversas nascentes e
pequenos cursos d’água, a Serra da Canastra possui, ainda, variada beleza cênica. As
rochas observadas por toda geologia do local ora formam chapadões, com altitudes que
variam entre 1.100 e 1.496 metros, ora despencam em inclinações íngremes de onde
emanam cachoeiras. (BIZERRIL; SOARES; SANTOS, 2008, p. 17).
Além dessas significativas características naturais, há relevância na preservação
dos ecossistemas da Serra da Canastra, considerando que o ambiente assegura a
manutenção de um banco genético vultoso para a pesquisa científica e para a
continuidade da biodiversidade brasileira (MMA, 2005, p. 4).
Os atributos acima descritos levaram à criação do Parque Nacional da Serra da
Canastra – PNSC, por meio do Decreto nº 70.355, publicado em 3 de abril de 1972.
Segundo dados do ICMBio, o PNSC possui atualmente 200 mil hectares composto pelo
bioma Cerrado, abrangendo seis municípios: Sacramento, São Roque de Minas, Vargem
Bonita, Capitólio, São João Batista do Glória e Delfinópolis. Caso a Zona de
Amortecimento4 fosse contabilizada, ter-se-ia onze municípios ao todo, sendo eles: os
seis municípios mencionados anteriormente somados aos municípios de Alpinópolis,
Cássia, Ibiraci, Passos e Piumhi (FERREIRA, 2015, p. 113).
Como já dito, a criação do PNSC se deu com o Decreto nº 70.355 de 1972, com
uma área de aproximadamente 200.000 hectares. Conforme o art. 2º, essa área abrange
dois grandes blocos, quais sejam, o Chapadão Serra da Canastra e o Chapadão da
Babilônia (complexo Sul).
4
Definida, no art. 2º, XVIII, da Lei do SNUC, como os arredores de uma unidade de conservação onde
há determinadas restrições para as atividades humanas com o fim de minimizar os impactos negativos
sobre a unidade.

308
Desse modo, sobrevieram os Decretos nº 74.446, de 21 de agostos de 19745, que
dispõe sobre a criação de área prioritária de emergência, para fins de Reforma Agrária,
do Estado de Minas Gerais, tendo declarado como “área prioritária de emergência, para
fins de Reforma Agrária, a região constituída pelos Municípios de Sacramento, São
Roque de Minas e Vargem Bonita, no Estado de Minas Gerais” (art. 1º), e o Decreto nº
74.447, de 21 de agosto de 19746, que declara de interesse social, para fins de
desapropriação, imóveis rurais situados nos Municípios de Vargem Bonita, Sacramento
e São Roque de Minas, uma área medindo aproximadamente 106.185,50 (art. 1º).
Assim, foi declarada para desapropriação uma área de aproximadamente
106.185,50 hectares, compreendida como Chapadão Serra da Canastra, excluindo-se da
área destinada ao PNSC todo o complexo sul, conhecido como Chapadão da Babilônia.
Ocorre que, dessa área de 106.185,50 hectares que deveria ser desapropriada, apenas
71.525 o foram efetivamente. Isso se deu pelos altos custos das indenizações pagas,
bem como pela pressão feita pelos moradores locais, além de outros fatores, tais como,
as dificuldades de acesso, fiscalização e administração (FERNANDES, 2012, p. 80).
Para melhor compreensão da situação, segue abaixo a figura extraída da
Dissertação de Mestrado de Vanessa Samora Ribeiro Fernandes (2012, p. 41),
possibilitando a visualização da área que já foi desapropriada, ou seja, da área que já foi
regularizada (Chapadão Serra da Canastra) e da área que ainda está pendente de
regularização (Chapadão da Babilônia), bem como o local em que há comunidades:

Figura 1 - área PNSC e comunidades

Fonte: Elaborado por Vanessa Samora Ribeiro Fernandes (2012), com dados extraídos do IBGE
(2011).

O processo de criação do PNSC foi agressivo para os moradores da região, tanto


para os que foram desapropriados7, quanto para os que foram expulsos e retirados pela
5
Revogado em 1991.
6
Revogado em 1991.
7
De acordo com André Picardi (2008), os proprietários destes 71.525 hectares (correspondentes à área
regularizada do Parque) foram desapropriados e indenizados com Títulos da Dívida Agrária. Alguns
proprietários receberam o valor em dinheiro após 30 anos e alguns outros até o ano de 2011 ainda não
haviam recebido (FERNANDES, 2012, p. 81). Além disso, os valores pagos aos moradores através dos
títulos foram muito baixos.

309
violência policial. Não houve qualquer procedimento de participação popular, políticas
para realocação, ou criação de medidas alternativas para a economia local. Os
moradores se viram forçados a saírem do território e a deixarem suas criações e lavouras
(FERNANDES, 2012, p. 77). Juliana Santilli (2005, p. 9) escreve que durante o regime
militar, mais precisamente entre o período de 1964 a 1984, não havia possibilidade de
discutir e avaliar os impactos ambientais gerados por obras e projetos de interesse dos
militares, os Parques criados nesse período foram marcados por ações centralizadas e
violentas do Estado, sem qualquer tipo de consulta prévia à população.
O primeiro Plano de Manejo8 do PNSC foi elaborado em 1981, 9 anos após sua
criação, abrangendo a área de 71.525 hectares (desapropriados à época). O segundo
Plano de Manejo, vigente até o momento, adveio após 33 anos da criação do PNSC, em
março de 2005. Esse novo plano de manejo, publicado pelo IBAMA, reconheceu a área
do PNSC nos termos de sua criação, com aproximadamente 200.000 hectares. Surge, a
partir de então, novos conflitos latifundiários na região da Canastra, notadamente em
relação aos 130.000 hectares que ainda não foram regularizados nos anos subsequentes
à criação, correspondentes ao complexo sul.
Desse modo, para que haja a regularização da área é necessário que os pequenos
produtores rurais e suas famílias, os quais se reconhecem como canastreiros e vivem na
área desses 130.000 hectares sejam desapropriados. Assim determina o art. 11, § 1º, da
Lei do SNUC, in verbis: “§ 1o O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo
que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com
o que dispõe a lei”.
Os integrantes da história da ocupação territorial da Serra da Canastra, incluindo
da área do PNSC, foram os indígenas, escravos refugiados em quilombos e, atualmente,
os canastreiros (FERREIRA, 2013, p. 75). A ocupação humana na região da Canastra,
não foi harmoniosa, havendo conflitos sangrentos. Em 1.675 houve a dizimação dos
índios Cataguazes pelos bandeirantes, liderados por Lourenço Castanho.
Posteriormente, em 1750, iniciaram as campanhas contra os quilombos. Saint-Hilare
citado pelos autores destaca a origem do nome da cidade Pium-i (Piumhi) –
acampamento construído para combater negros fugidos. Após a destruição do quilombo
o acampamento se transformou em um núcleo habitacional permanente (BIZERRIL;
SOARES; SANTOS, 2008, p. 42). Verifica-se, portanto, que a memória da região é
marcada pelo massacre de povos marginalizados, ao longo da história nacional.
Os canastreiros, por sua vez, são os pequenos produtores rurais e seus familiares
que vivem na área do entorno do PNSC, mais precisamente no complexo sul (Chapadão
da Babilônia). Há as comunidades de São José do Barreiro, do Vale da Babilônia, do
Vale da Gurita, do Vale dos Cândidos e do Vale dos Canteiros. A sociabilidade dos
canastreiros se manifesta no trabalho na terra, na criação de gado, nas rezas, nas Folias
de Reis, nas músicas, comidas e histórias (FERREIRA, 2013, p. 182). A liberdade e a
paz de morarem na Serra da Canastra sempre são mencionadas, verificando, assim,
intrínseca relação de dependência com a natureza, que foi apropriada socialmente.
Conforme dados da Justiça Federal – Tribunal Regional Federal da 1ª Região (2015) há
algumas famílias que vivem na região desde o século XIX.

Figura 2 - Casa de família canastreira

8
Plano de Manejo, nos termos do art. 2º, XVII, da Lei do SNUC, é o “documento técnico mediante o
qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu
zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a
implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade”.

310
Fonte: Fotografia da autora (2018).

O Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2005 p. 8) destaca as principais


atividades desenvolvidas nas propriedades/posses na região. Foi apurada que a principal
atividade é a criação de gado leiteiro (65%), em seguida, o plantio de culturas
temporárias (18%), a pecuária mista (12%), e o turismo (5%). Outras atividades
desenvolvidas nas propriedades/posses da região da Canastra seriam a de culturas
temporárias (50%), a fabricação de queijo (42%) e o arrendamento de terras (8%). Em
relação ao uso e à ocupação da terra: 56% das áreas são destinadas a pastagens,
distribuído de forma equivalente entre as nativas e as formadas (28% cada), 22% à
agricultura e 22% às matas/reservas/áreas não utilizadas/áreas não aproveitáveis.
Ainda na contextualização dos canastreiros, importante mencionar o Queijo da
Canastra. De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN, 2018), o Modo Artesanal de produzir o Queijo da Canastra foi registrado
como bem imaterial, sendo inscrito no Livro de Registro dos Saberes, em junho de
2008. Esse bem imaterial consiste em um conhecimento tradicional e em uma
característica singular da identidade cultural da região. Identidade é questão cultural que
confere significado a um grupo social, identificando-o e diferenciando-o de outro grupo.
O Queijo da Canastra faz parte da identidade e história dos povos da região, sendo parte
do seu saber, do seu fazer, sobremodo do seu ser. Há relatos que o Queijo existe desde o
séc. XVIII, sendo que no sec. XIX o costume e a tradição já estavam enraizados na
população (informação verbal).9
No que tange às investidas com o objetivo de dirimir a questão fundiária da
região, vale mencionar a instauração, em janeiro 2015, da “Comissão da Verdade e
Reconciliação da Serra da Canastra”, pelo Juiz Federal de Passos-MG, Bruno Augusto
Santos Oliveira. O professor André Luiz Freitas Dias, do Programa Polos de Cidadania
da Faculdade de Direito da UFMG é quem está com a coordenação da Comissão, que
conta com o acompanhamento da Defensoria Pública da União, Ministério Público
Federal, Ordem dos Advogados do Brasil e Associação dos Juízes Federais do Brasil.
O surgimento da Comissão adveio da necessidade de solucionar o conflito
socioambiental, que está judicializado na Justiça Federal de Passos-MG (jurisdição do
PNSC) há mais de 40 anos. Há dezenas de processos ambientais, criminais e
desapropriatórios, tendo por causa o conflito. Após o exame destas ações em curso e

9
Informação audiovisual IPHAN (2018).

311
daquelas já julgadas, bem como da situação fática através de inspeções judiciais no local
e do estudo do Plano de Manejo do Parque, concluiu-se que a via judicial não traria uma
solução satisfatória. Considerando a insegurança jurídica e instabilidade que se
encontram os interesses de ordens ambiental, social, cultural e econômica envolvidos,
instaurou-se a referida Comissão (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª
REGIÃO, 2015).
Outra medida adotada, com o objetivo de atingir a regularização desses 130.000
hectares pendentes – além dos Projetos de Lei, que serão apresentados no item 3.3.2 –
foi a Compensação de Reserva Legal10, com edital publicado, na data de 15 de outubro
de 2010 (FERREIRA, 2015, p. 123). Assim, o PNSC possuía até junho de 2013 mais de
10 mil hectares através do mecanismo de doações de compensação de Reserva Legal, ou
seja, 82.620,5212 hectares regularizados, o que significa um Parque Nacional retalhado
que cresce com propriedades isoladas (FERREIRA, 2015, p. 114; 130-131).
Ressalte-se que a reivindicação dos canastreiros, representados pela Associação
da Comunidade São José do Barreiro, é de haja a desafetação da área destinada ao
Parque, como se infere da entrevista concedida por Joel de Almeida Cunha, presidente
da Associação, ao jornal local “Folha da Manhã” (2013). Nas palavras de Joel: “apenas
queremos que os nossos direitos sejam respeitados, queremos continuar nas nossas
terras, desenvolvendo as nossas atividades normais sem sermos incomodados ou
prejudicados”. De fato, constata-se que a área do complexo sul – pendente de
regularização – não é sequer reconhecida como Parque pelos canastreiros, já que
consideram a área como “nossas terras”, onde querem continuar as atividades
normalmente exercidas, regulamentadas pelo Código Florestal, sem serem perturbados
pela legislação especial, da Lei do SNUC, a qual lhes impõe inúmeras restrições de
(não) uso dos recursos naturais.
Das investidas para reconhecimento e permanência no território, houve êxito por
parte dos canastreiros em continuarem manejando suas terras. No dia 1º de outubro de
2018 foi celebrado termo de compromisso entre o Ministério Público Federal – MPF e o
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio.
Vale mencionar que o termo de compromisso, previsto no art. 39 e parágrafos do
Decreto Federal nº 4.340, de 22 de agosto, de 2002, que regulamenta os artigos da Lei
do SNUC, e com diretrizes e regulamentação procedimentais escritas na Instrução
Normativa – IN nº 26 do ICMBio, de 4 de julho, de 2002, é um acordo de caráter
transitório, elaborado de forma participativa entre a população e a gestão da unidade,
regulamentando a presença das comunidades tradicionais, a utilização dos recursos
naturais e do território enquanto não se encontra um arranjo definitivo para o conflito
socioambiental. O processo para a construção da resolução do conflito também deve
está previsto no termo de compromisso. (BRASIL, 2014, p. 105).
O termo de compromisso celebrado na Serra da Canastra visa definir diretrizes
de atuação do conflito socioambiental, decorrente da regularização da área do Parque
Nacional. O objetivo é que o ICMBio apresente ao MPF um plano de trabalho de
regularização da área do PNSC, ressalvadas aquelas ocupadas por povos tradicionais
(cláusula primeira).
Menciona-se que restou à incumbência do ICMBio firmar, posteriormente,
termos de compromisso com os proprietários dos imóveis incidentes na área não
regularizada do PNSC, tanto os que não tenham sido reconhecidos como integrantes de
povos tradicionais, quanto os que tenham sido reconhecidos. Em relação àqueles que

10
Dispositivo, previsto no inciso III e parágrafos 5° a 7° do art. 66 do Código Florestal (Lei Federal n°
12.651/2012).

312
não foram reconhecidos como membros de povos tradicionais, os “critérios de área
passíveis de serem utilizadas, as atividades que serão permitidas, exigências,
condicionantes e compensações ambientais” (item I, cláusula sexta) serão definidos nos
termos de compromisso futuros, até que haja efetiva consolidação dominial da área.
Por outro lado, em relação aos proprietários que tenham sido reconhecidos
como membros de comunidades tradicionais foram assegurados o respeito aos modos de
vida e a observância de normas específicas de proteção, até que se sobrevenha solução
definitiva para o conflito. Veja-se:

I - O ICMBIO se compromete a firmar termos de compromisso com os


proprietários de imóveis reconhecidos na perícia judicial como membros de
população tradicional na área não regularizada do Parque Nacional da Serra
da Canastra, respeitando os direitos que lhes são garantidos pela Convenção
169 da OIT (Decreto nº 5.051/2004), pela Convenção sobre a Diversidade
Biológica (Decreto nº 2.519/1998), pela Convenção sobre a Proteção e
Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (Decreto Legislativo nº
485/2006), pela Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial (Decreto nº 5.753/2006), pela Lei nº 9.985/2000, pelo Decreto nº
4.340/2002 e pelo Decreto nº 6.040/2007. O termo de compromisso será de
longo prazo e renovável até que sobrevenha uma solução definitiva que leve
em conta os interesses de conservação e os de respeito aos modos de vida das
populações tradicionais (BRASIL, 2018, cláusula sétima, I).

Pode-se observar do que acima exposto, que o tratamento conferido aos


proprietários membros de comunidades tradicionais é um pouco mais favorável se
comparado ao conferido aos demais proprietários. Esses devem ter suas atividades
monitoradas até que sejam desapropriados, ao passo que aqueles devem ter respeitados
os modos de vida.
Embora o termo de compromisso não resolva o conflito socioambiental de modo
definitivo, fato é que traz consequências importantes, já que permite, ainda que
temporariamente, a presença de povos tradicionais em unidades de proteção integral.
Com a regulamentação da situação, há melhorias na convivência entre os gestores e as
comunidades, até que se encontre uma solução definitiva para o conflito.
Ressalte-se que o termo de compromisso pode ser interpretado como “um
caminho de transição para que os direitos sejam de fato assegurados” (LINDOSO;
PARENTE, 2014, p. 114). Por ser transitório, depende de uma “disposição institucional
ou situação institucional mais favorável” (SIMON; MADEIRA FILHO;
ALCÂNTARA, 2015, p. 8). É nesse sentido que o presente trabalho pretende contribuir,
tendo em vista que sugere uma via alternativa mais consistente a longo prazo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando-se em conta o que foi observado, a não regularização fundiária é


prejudicial aos objetivos do SNUC, tanto àqueles voltados à conservação dos recursos
naturais quanto àqueles que dizem respeito às questões sociais. Muitas comunidades
locais são levadas a burlar as leis e a desrespeitar as regras estabelecidas pelos sistemas
de gestão, explorando os recursos naturais de forma desregrada e prejudicial. Além
disso, há a instabilidade gerada, que prejudica as atividades produtivas das famílias
locais, as relações sociais, qualidade de vida e a relação com o território. Os saberes são
desconsiderados. Demonstrou-se que há pouca vontade do poder público em regularizar
a situação, devido aos atritos gerados e a inexistência de dividendos políticos advindos
da ação.

313
Não obstante, o conflito pode ser interpretado como categoria de mudança,
fazendo com que vários atores, que até, então, não possuíam prévia experiência na arena
política e que são historicamente marginalizados dos processos decisórios, passem a ter
maior organização política, articulando-se e produzindo suas próprias lideranças.
Situação essa que acontece na Serra da Canastra. Através de sua mobilização, os
canastreiros saíram da situação de irregularidade em que estavam (ao menos
temporariamente), podendo realizar o manejo das suas terras, com normas elaboradas de
maneira participativa, através da elaboração do termo de compromisso.

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encontro/gt/gt07/9504-termos-de-compromisso-relativizando-a-conservacao-os-casos-
dos-acordos-da-castanha-na-reserva-biologica-do-rio-trombetas-em-oriximina-pa-e-o-
termo-de-compromisso-no-morro-das-andorinhas-no-parque-estadual-da-serra-da-
tiririca-em-niteroi-rj/file>. Acesso em: 20 abr. 2019.

ARDI, André. Parque da Serra da Canastra, 36 anos de conflitos. Postagem no Blog


em 07 ago. 2008. Disponível em:
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VIVACQUA, Melissa; VIEIRA, Paulo Freire. Conflitos socioambientais em Unidades


de Conservação. Polícia & Sociedade, Florianópolis, n. 7, p.139-162, out. 2005.

316
VIOLAÇÕES DE DIREITOS, E SILENCIAMENTO NO CONTEXTO DE
CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM DOM JOAQUIM-MINAS GERAIS

Violations of rights, and silencing in the context of socio-environmental conflicts in


Dom Joaquim – Minas Gerais

Maria Cecília de Alvarenga Carvalho1


André Luiz Freitas Dias2
Lucas Furiati de Oliveira3

Resumo: O presente artigo é fruto do trabalho de pesquisa social aplicada e extensão


universitária desenvolvido pelo Programa Polos de Cidadania da UFMG no município
de Dom Joaquim, Minas Gerais, ao longo dos anos de 2017 e 2018. Ele aborda
situações de violações de direitos no referido município em decorrência de sua inserção
no contexto do empreendimento minerário Minas-Rio, instalado em Conceição do Mato
Dentro (MG). Dom Joaquim fornece a água que é captada no curso do Rio do Peixe
para transporte e beneficiamento do Minério de Ferro. Por não ter em seu município
nenhuma atividade de extração mineraria propriamente dita, vige um imaginário acerca
na inexistência de impactos ambientais no município, sobretudo após o decurso da etapa
de instalação do empreendimento. Todavia, um olhar mais acuidado revela um processo
de silenciamento acerca dos danos ambientais e ofensas aos direitos humanos pela
presença de equipamentos da mineradora bem como em razão das novas dinâmicas
sociais provocadas pela mineração industrial. Tal silenciamento, entende-se, é
promovido pela situação de dependência econômica do município e pelas estratégias de
sedução acerca da ofertas de empregos que nunca se concretizam. Assim, o presente
artigo tem por objetivo desvelar tais danos e situações de violação por entender que o
primeiro passo para a efetivação e concreção de direitos vem da visibilidade e da
amplificação às vozes.
Palavras-chaves: silenciamento; dependência; meio ambiente; danos ambientais;
direitos humanos.
Abstract: This article is the resulto f the work of applied social research and university
extension developed by the Programa Polos de Cidadania da UFMG in the municipality
of Dom Joaquim, Minas Gerais, during the years of 2017 and 2018. It addresses
situations of rights violations in said municipality as a resulto of its insertion in yhe

1
Doutoranda em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Bacharel em direito
(PUCMinas), historiadora (UFMG) e mestre em Ciências Sociais (PUCMinas). Foi orientadora de campo
do Programa Polos de Cidadania da UFMG com atuação nas equipes de População de Rua e conflitos
socioambientais. Atuação acadêmica e profissional interdisciplinar nas áreas de ciências sociais aplicadas
e ciências humanas com ênfase em direitos humanos, conflitos socioambientais, cidades e patrimônio
cultural. Contato: ceciliaalvarenga@gmail.com
2
Doutor em Saúde Coletiva pelo Centro de Pesquisa René Rachou (Fiocruz - Minas Gerais). Professor e
pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenador geral e acadêmico do Programa
Polos de Cidadania da UFMG. Contato: alfreitasdiasufmg@gmail.com
3
Foi pesquisador-extensionista do Programa Polos de Cidadania da UFMG e coordenador técnico das
equipes do Polos em Conceição do Mato Dentro e Dom Joaquim, Minas Gerias. Mestre em Psicologia
Social. Contado: lucasfuriati@yahoo.com.br

317
contexto of the Minas-Rio mining Project, located in Conceição do Mato Dentro (MG).
Dom Joaquim supplies the water that is collected in the Rio do Peixe for transportation
and processing of the Iron ore. Because it does not have any mining activity in its
municipality, there ir na imaginary about the lack of environmental impacts in the
municipality especially after the installation stage of the Project. However, a closer looj
reveals a processo f silencing of environmental damage and human rights violations by
the presence of mining equipment as well as the new social dynamics brought about by
industrial mining. Such silencing, it is understood, is promoted by the economic
dependency situation of the municipality and the strategies od seduction about job
offers that never materialize. Thus, the porpose of this article is to uncover such
damages and situation of violation because it understandes that the first step towards the
realization of rigths comes from the visibility and amplification of voices.
Keywords: silencing, dependency; environmental; environmental damage; human
rights.

INTRODUÇÃO
Dom Joaquim é um município do Estado de Minas Gerais localizado no centro
leste do estado. Com uma área de 398,822 Km2, dista 198 km de Belo Horizonte e faz
limites com os municípios de Conceição do Mato Dentro (30 Km), Alvorada de Minas
(70 km), Sabinópolis (70 Km), Serro (60 Km) e Senhora do Porto (27 Km). Em relação
à sua conformação hidrográfica, o município de Dom Joaquim integra a Bacia do Rio
Doce e contém os seguintes cursos de água: Rio do peixe; Rio Folheta; Ribeirão São
João; e Córrego da Paciência.
O expressivo potencial hídrico do município o insere nos conflitos
socioambientais que marcam a região desde a implantação do empreendimento
minerário Minas-Rio em Conceição do Mato Dentro, atualmente capitaneado pela
empresa Anglo American. Não obstante estar inserido de maneira determinante no
contexto do empreendimento Minas-Rio, fornecendo a água para o processo de
beneficiamento e transporte do minério de ferro via mineroduto, Dom Joaquim ocupa
um lugar periférico no escopo da atividade minerária regional, sobretudo quando
comparado aos municípios nos quais se executa a extração mineral.
Apesar do papel crucial desempenhado por Dom Joaquim no empreendimento
Minas–Rio, com a subtração em seu território de bem de valor inestimável - a água -
devido à ausência de fato gerador, a administração pública não tem nenhuma
contraprestação fiscal pelo bem natural subtraído.
Apesar de ter em seu território a presença de inúmeros trabalhadores imigrantes
recrutados pelas empresas terceirizadas pela Anglo American – que altera os modos de
vida local e onera a oferta de serviços públicos - a prestação do serviço por parte dessas
empresas acontece fora dos limites territoriais do município, o que inviabiliza a
arrecadação do Imposto Sobre Serviço, o ISS.
De outro lado, a CFEM4, ainda que distribuída entre os três entes federativos,
privilegia em âmbito local apenas o município do qual se subtrai o produto mineral, não
obstante a mineração industrial produza efeitos e danos conexos que se espraiam por
toda região.

4
Compensação Financeira pela exploração mineral

318
O município de Dom Joaquim vive atualmente severo processo de
contingenciamento financeiro, o que deflagra o papel de hipossuficiência do município
frente às negociações com a empresa que atua na região, decorrendo disso um processo
de captura do poder público municipal. Cativo da empresa, a Administração Municipal
tem demonstrado um papel de complacência com os desmandos da mineradora,
permanecendo omisso em relação aos problemas enfrentados pela população local. Tal
situação explica o processo de silenciamento das populações atingidas pelo
empreendimento minerário Minas -Rio em Dom Joaquim e a consequente ocultação dos
conflitos socioambientais presentes no território.
Importa ressaltar que tal silenciamento pode ser observado não apenas em relação
à administração pública municipal, mas também em relação às demais instituições
locais e à própria sociedade civil, especialmente entre os moradores da cidade, que
nutridos pelo ideário do desenvolvimento e, sobretudo, da empregabilidade, sonham
com as oportunidades de entrar para a empresa e melhorar as condições de vida.

1 DESENVOLVIMENTO

1.1 O mito do desenvolvimento regional e a sedução pela oferta de emprego como


estratégia de silenciamento
A mineração industrial é apresentada às localidades nas quais se insere como
corolária do progresso e do desenvolvimento, mexendo com os sonhos e a expectativas
das populações locais.
Nos discursos produzidos pelas mineradoras, o desenvolvimento é apresentado
como parte inexorável do processo civilizatório, que, conforme sabido, subjuga os
modos de vida locais aos modelos homogeneizantes do desenvolvimento capitalista,
hierarquizando tradições culturais e modos de vida comunitários aos valores ocidentais
introduzidos pelas práticas colonialistas que ainda vigem nos países do Sul - global e,
especialmente, no Brasil.
Todavia, apesar de suas promessas malfadadas, a realidade experimentada nos
locais sujeitos à mineração industrial se distancia das mensagens com os quais o
empreendimento é disseminado. As promessas de empregabilidade e aumento da
qualidade de vida em grande parte não se cumprem; antes seu revés: geram ou acentuam
ainda mais os conflitos sociais e as disparidades socioeconômicas locais.
Modo geral, no contexto regional, a mineração favorece apenas aqueles sujeitos
ou grupos já dotados de capital político e/ ou econômico aptos a empreender, a se
beneficiar pelo comércio de terras ou a receber indenizações vultosas devido à
significativa capacidade negocial.
Com isso, o tão disseminado desenvolvimento econômico deixa à sua margem
pessoas e grupos que, quando o conseguem, só se inserem no contexto do
empreendimento minerário de maneira subalterna ou periférica, conforme se assiste na
oferta de empregos precarizados ou no desenvolvimento de economias paralelas, como
ocorre nos casos de prostituição e do comércio ilegal de drogas.
Sendo atividade intensiva em capital, a mineração é uma das atividades
econômicas que mais prescinde de mão de obra, visto que o investimento massivo em
capital não se coaduna com a geração de postos de trabalho. A despeito da circunscrita
parcela de empregos destinados às pessoas que gozam de elevada qualificação
profissional - a maioria delas provenientes de outras regiões do país - grande parte dos

319
empregos gerados e que absorvem a mão de obra local tem caráter temporário e são
contratados por empresas intermediadoras de mão de obra. (COELHO, 2017,p.2 e 3).
Assim, a demanda apresentada pela comunidade local por inserção no mercado de
trabalho é nutrida pela própria empresa, que detém como tática o aliciamento
fundamentado na oferta de emprego, que termina por produzir o silenciamento dos
atingidos frente aos problemas enfrentados em seus territórios.
Deve-se observar, ainda, que o alcance do discurso da empregabilidade é ainda
mais profundo em um contexto no qual se verifica o declínio da autonomia produtiva
local, devido, entre outros fatores, à progressiva concentração de terras por parte da
empresa - que as adquire para criação de reservas legais – assim como devido à
imposição da servidão administrativa e minerária – que inviabiliza o pleno usufruto da
terra por seus titulares e os usos decorrentes das práticas comunais.
Assim, tem-se que o declínio da capacidade produtiva local, sobretudo no que se
refere à produção agropecuária e de seus derivados, é antecedido pelo êxodo rural, que
gera no contexto urbano fenômenos como favelização e desemprego estrutural, o que,
em última instância, favorece as próprias mineradoras ao produzir o exército de reserva,
cujos efeitos são a queda salarial e a complacência com as condições de trabalho
precário.
Em Dom Joaquim, as terras que margeiam o Rio do Peixe que foram adquiridas
pela empresa, hoje cercadas e sem acesso à comunidade, serviam como áreas de
pastagens ou à própria dessedentação animal, esta, conforme sabido, fundamental para
produção leite e, consequentemente, de seus derivados. Antes da aquisição pela Anglo,
muitas dessas propriedades, ainda que privadas, serviam ao uso comum e davam livre
acesso para a circulação de pessoas e criações. Atualmente, submetidas ao domínio da
empresa, tais áreas apresentam usos absolutamente restritos e produzem o vazio. A fala
de uma das colaboradoras deste trabalho, que vive os impactos advindos do
cerceamento do acesso à terra pela empresa Anglo American, é representativa nesse
sentido:
Eles [a Anglo] compraram os terrenos em volta tudo. [...]. Tá fechando os
terrenos tudo, não tá tendo como os animais beber água. [...] Você tem que
ver o transtorno que tá sendo. Os animais vão caçar pasto e água, solta do
terreno deles [do marido e sogro] pra ir para o terreno da Anglo, e água tá
secando tudo, e eles tão cercando tudo, cercando beirada d’água . Acabou
com tudo, achando que até a água é deles. [...] E como é que fica a criação?
Os danos causados? A anglo fecha tudo, compra tudo na mão de quem tem,
aí quer mandar em tudo. Aí, se tem a criação, quer processar, que mandar
polícia, quer fazer isso e aquilo outro. Não coopera. Tinha todo meio de vida
e tudo acabou por causa da Anglo American. Tudo acabou, entendeu? Tá
complicado. A pessoa hoje, por exemplo, assim, a gente tem que olhar até a
quantidade de animal no terreno dela, se vai conseguir manter, porque até a
água agora a Anglo quer mandar nela. A criação infelizmente vai atrás de
água, e se tá na beirada, eles mandam fechar, manda cercar, fazer e acontecer
lá. Entendeu? Só prejudicou. A Anglo acabou com nossa cidade, acabou com
tudo. [Atingida 1. Entrevista concedida em 09/11/2017].

Assim, se a presença do empreendimento minerário impacta a autonomia


produtiva local, de outro lado, tampouco resta evidente que tal atividade aumente
consideravelmente a oferta de emprego.
Em uma reunião pública ocorrida no município em 04/10/2017, vários moradores
manifestaram suas frustrações diante a dissonância entre as promessas de empregos por
parte da empresa e a realidade por eles enfrentada, que se manifesta na falta de
oportunidades de trabalho, na ausência de resposta quando do envio de currículos, e

320
também nas reduzidas vagas de emprego alçadas somente por meio de empresas
terceirizadas. A fala abaixo reverbera entre tantas outras reclamações sobre a falta de
oportunidades de emprego:

Foram criadas expectativas nos nossos jovens, de que eles poderiam sim
buscar qualificação fora daqui e que voltariam tendo oportunidade de vestir
esse uniforme azul aí de vocês. Que nada! Criam ilusões e nem respostas
vocês dão àqueles que enviam currículos a vocês. [...] Então vocês criam
ilusões, vocês criam expectativas, e na verdade vocês jogam essa juventude
no chão novamente. Que vão lá fora, buscam, e não têm retorno. Não faça
isso. Eu digo mais, não vou imputar responsabilidade a vocês não. Façam só
o que deve ser feito: não enganem ninguém! Precisamos de respeito!
[Educadora/ Diretora escolar – Dom Joaquim ].

Como se pôde verificar no trecho acima, o discurso da empregabilidade se


manifesta mais como falácia do que como oportunidade efetiva de trabalho. Trata-se de
uma estratégia da empresa para angariar apoiadores a um projeto que, na realidade,
visto de perto e de dentro, precariza a vida de inúmeras famílias e comunidades.
Todavia, repetido à exaustão, o discurso da empregabilidade serve ao aliciamento dos
moradores locais e, consequentemente, ao silenciamento em relação aos conflitos
socioambientais instalados no município.
Em tempos de crise econômica, o discurso da empregabilidade gera ainda mais
expectativas e ilusões, especialmente em Dom Joaquim, cujas oportunidades de trabalho
para os jovens da zona urbana já são bastante reduzidas. Todavia, tal discurso guarda
um efeito ainda mais nefasto: o desengajamento cívico relacionado aos conflitos
socioambientais presentes no território. Diante da necessidade e do sonho do emprego,
muitos jovens e suas respectivas famílias preferem alijar-se às críticas acerca dos
problemas gerados pelo empreendimento minerário sob pena de terem subtraídas as
possibilidades advindas com o desenvolvimento econômico, este que, sob a égide da
economia extrativista, em especial da mineração, é antes de tudo uma distopia.
Sendo assim, numa tentativa de desvelar alguns dos conflitos socioambientais
presentes em Dom Joaquim, pretende-se lançar luz sobre os problemas enfrentados
pelos dom-joaquinenses decorrentes do papel que o município desempenha no contexto
minerário regional, buscando demonstrar como estes custos recaem sobre populações
que vivem em regiões periféricas e vulnerabilizadas do município, sobrepondo nestes
locais um histórico de exclusão e de violação.

1.2 Violações de direitos no contexto do empreendimento Minas Rio em Dom


Joaquim

1.2.1 Contaminação da Cabeceira do Arataca

Do Rio do Peixe, em Dom Joaquim, é capturada a água com a qual são realizados
o beneficiamento e o transporte do minério de ferro via mineroduto de Conceição do
Mato Dentro (MG) a São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro. Para tanto, foi
construído no Bairro Lopes, região periférica da cidade, uma adutora para captação e
bombeamento de água que detém ao todo 29 km de extensão, distância entre o ponto de
captação e a usina de beneficiamento localizada em Conceição do Mato Dentro.
Entre um ponto e outro da adutora se encontra a Estação Elevatório de Água Nova
Rio do Peixe - Booster, localizada à margem da rodovia MG-229, em paralelo à

321
Cabeceira do Arataca, que é o nome que se dá à comunidade de modo homônimo à
nascente que ali brota. Ao todo, a comunidade do Arataca é composta por treze famílias,
sendo que oito delas, aproximadamente trinta pessoas, são diretamente dependentes da
água que vem da Cabeceira. Usam-na para beber, cozinhar, banhar, irrigar a plantação e
matar a sede dos animais.
Conforme relatado pelos moradores da Arataca, a Estação se localiza a uma
distância paralela muito curta em relação à nascente, e quando há volume de água, um
líquido muito sujo, imiscuído a efluentes dos quais não se sabe a natureza, é liberado
pela Estação contaminando o córrego que se forma desde a cabeceira5, impondo aos
moradores do lugar o risco decorrente do uso inseguro do recurso hídrico. Além
daqueles evidentes no tempo presente, os danos futuros impostos à comunidade não
podem ser mensurados, visto que não há como controlar ou saber dos efeitos vindouros
decorrentes do consumo continuado e cumulativo da água contaminada por substâncias
desconhecidas e, muito provavelmente, tóxicas.6
Os moradores contam que desde a instalação da Estação, um antigo morador da
Arataca foi diversas vezes ao equipamento conversar com funcionários da empresa,
demandando alguma solução para o problema por ela suscitado. Neste período, uma
profissional vinculada ao setor de meio ambiente chegou a ir à Cabeceira do Arataca,
prometendo uma resolução que, de acordo com a funcionária, passaria pela instalação
de uma caixa para coagem do efluente. Não obstante, limitando-se a uma única visita ao
local, nenhuma solução foi efetivamente realizada. Descrentes da possível solução, os
moradores se desmobilizaram frente à reivindicação de seus direitos e buscaram
minimizar o problema com a instalação de uma grande extensão de mangueira instalada
em um ponto de capitação mais rente possível à nascente.
Em umas das visitas à Comunidade, o Programa Polos de Cidadania observou a
reduzida participação dos moradores em torno da reunião para debater o problema. Ao
questionar os presentes sobre a ausência dos demais, informou-se que alguns dos
moradores preferiram não participar do encontro devido ao medo de retaliação. A fala
de uma das moradoras da Arataca é emblemática neste aspecto:

“[...] o pessoal fica enchendo a cabeça do povo, aí eles ficam com medo. Os
outros ficam enchendo a cabeça deles, que eles [a Anglo] têm condições. [...]
Eu fui comentar ali pra gente fazer a reunião e tudo, aí eles falou que não,
que não ia mexer com isso não, porque a Anglo é poderosa, que depois ia
processar a gente, que não sei o quê, que mexer com peixe grande o
pequeno sai perdendo [grifos nossos] [Atingida 2].

Conforme pode ser observado no depoimento acima, o medo tem atravessado o


universo dos atingidos pelo empreendimento minerário, o que resulta num continuado
silenciamento das violações de direitos e dos danos sofridos pela comunidade. Tal
processo evidencia uma relação assimétrica de poder tão determinante que os próprios
atingidos temem ser processados judicialmente ao exporem os problemas aos quais
estão submetidos e ao reivindicarem seus direitos. Embora o trecho acima suscite um
possível entendimento acerca de uma manifestação ostensiva de coação por parte da
empresa, não se está a afirmar que a empresa tenha qualquer conduta comissiva neste

5
Cabeceira aqui é usado como sinônimo de nascente.
6
Diante a imprescindibilidade do consumo do recurso hídrico, os moradores do Arataca coam e fervem a
água quando ela se encontra contaminada.

322
sentido. No entendimento do Programa, o que o depoimento revela é a atuação
fulminante da violência simbólica e a necessidade fundamental de que tais atores sejam
empoderados por um processo de estreitamento de relações com instituições públicas e
da sociedade civil que tenham como missão a promoção do acesso à justiça.

1.2.2 As casas rachadas do bairro Lopes

Assim como a comunidade da Cabeceira do Arataca, o bairro Lopes, onde está


instalada a adutora para a captação de água no Rio do Peixe, também têm sofrido
silenciosamente os impactos advindos da presença da empresa no território.
As rachaduras das casas - quer seja pelas implosões das pedreiras para construção
da adutora, quer seja pelo tráfego pesado de carros e máquinas incompatíveis com os
sistemas construtivos locais – é um dano continuado que se agrava dia a dia, colocando
em risco não apenas as edificações, mas a própria segurança dos moradores em razão do
risco de desabamento de tais imóveis.
Localizado na zona urbana periférica de Dom Joaquim, trata-se de local que
detém uma população considerada predominantemente de baixa renda (92% das
famílias com renda de até dois salários mínimos), com baixa escolaridade (71% dos
moradores com apenas nível fundamental), e com a quase totalidade de sua população
autodeclarada de cor parda (98,5%) (PMF, 2017, p.10). Além dos dados acima
indicativos da vulnerabilidade social, os moradores do Lopes sofrem também com as
representações sociais depreciativas, que associam a população local à criminalidade e a
outras imagens estigmatizantes, conforme se verifica cotidianamente em posts e memes
compartilhados em redes sociais.
Os problemas enfrentados pelos moradores do bairro Lopes se tornaram mais
agudos com a instalação da adutora para captação de água do Rio do Peixe, tornando
ainda mais dificultosa a vida daquelas pessoas que, historicamente - por questões
econômicas, sociais e raciais - vivem em situação de vulnerabilidade e num reiterado
processo de negação de direitos e de acesso à justiça.
A construção da Adutora do Rio do Peixe, no início desta década, trouxe vários
impactos ao bairro e seus habitantes, impondo danos não apenas ao patrimônio público -
em decorrência da danificação de vias e até mesmo da tubulação subterrânea da rede de
esgotos em razão da circulação de maquinários pesados -mas, também, aos próprios
moradores do bairro em sua esfera privada, que sofreram danos patrimoniais pelos
abalos e rachaduras produzidas em seus imóveis residenciais.
De acordo com relatos de alguns moradores do bairro, a empresa deu início à
construção das obras de infra-estrutura sem que realizasse qualquer abordagem com
maioria deles. Com as explosões de dinamites para a construção da adutora, os
moradores sofreram inúmeros danos em seus imóveis, danos estes que apareceram
sequencialmente às explosões e durante o período das obras. Paredes rachadas, telhas
arrancadas, chãos quebrados e alicerces trincados estão entre os prejuízos apresentados
nos imóveis e suportados pelos moradores.
Durante o processo de construção da adutora, muitas casas da Rua do Lopes e da
Rua Quitu - as principais atingidas - foram monitoradas por uma empresa terceirizada
da Anglo American. Inúmeras vezes os profissionais da empresa visitaram os imóveis
dos atingidos e produziram registros fotográficos das partes prejudicadas das casas.
Todavia, após a promessa inicial de ressarcimento em relação aos danos causados, o
modus operandi da supracitada companhia parece ter sido o mesmo: entrar na casa das

323
pessoas, produzir fotos e outros documentos, sair sem explicar a destinação do trabalho
e nem sequer deixar cópias de documentos ou outros laudos com os moradores.
Observa-seque a referida postura da empresa se amolda à violação ao direito à
informação, visto que os atingidos, que são os principais interessados no trabalho e nos
laudos produzidos em suas próprias residências, em momento algum tiveram acesso ao
conteúdo das informações produzidas pelos técnicos. Além disso, sem a documentação
probatória que daria materialidade aos fatos por eles apontados, resta aos atingidos
apenas o testemunho da própria palavra em relação às experiências sofridas. Conforme
se lê nos depoimentos abaixo:

Eles vieram, tiraram os retratos tudo, mas com a gente eles não deixaram
documento não. Só tirou os retratos das casas [Atingido 11. - Entrevista
concedida ao Programa Polos de Cidadania em 31/10/2017]

[...] Eu chegava para o engenheiro, ele falava assim: quando tiver terminando
o serviço eu volto pra fazer revisão. Só que não voltou. Quando terminou a
construção ali, aí ninguém mais voltou. Durante o tempo que estava
construindo a captação vinha, e depois disso não voltaram mais, depois que a
captação ficou pronta. [Atingido 8- Entrevista concedida ao Programa Polos
de Cidadania em 31/10/2017]

A caracterização dos moradores do Lopes acima, indicativa de situação de


vulnerabilidade social, coincide com o perfil das pessoas entrevistadas pelo Programa
Polos de Cidadania. Trata-se de pessoas muito simples, de baixa renda e escolaridade,
para as quais a palavra é atributo da honra e da boa fé. Deste modo, como é próprio de
sociedades cuja cultura oral prevalece sobre a lógica da produção documental, a
confiança na palavra e a presunção da boa fé são valores fundamentais que pautam as
relações entre as pessoas, e por meio dos quais se estabelecem e atualizam os vínculos
sociais. Isto posto, cumpre considerar que, quando questionados se procuraram
instituições ou órgãos de acesso à justiça para garantir seus direitos, todos os
entrevistados responderam que não, pois imaginaram que os profissionais das empresas,
que realizaram inúmeras visitas à suas casas, retornariam e solucionariam o problema:

Não procurei porque eles falaram que vinham, que voltava, mas aí a gente
ficou essa expectativa achando que eles iam voltar. Aí por isso mesmo ficou,
e não voltaram. Nisso veio, mediu desse lado daqui, duas vezes entrou um
rapaz e uma moça aqui dentro, tirou retrato da rachadura ali em baixo assim,
mas só tirava assim, depois um olhava pro outro e não falava nada
não.[Atingido 9 – Entrevista concedida ao Programa Polos de Cidadania em
31/10/2017]
Porque igual que eu te falei, recorrer aonde? Fazer o quê? Eu não tenho
esperança que alguém vai arrumar. Já faz muito tempo. Eu não tenho muita
esperança não. Porque vão supor, se vem uma pessoa fotografa, fala que vai
voltar e não volta? Porque esse negócio de promessa não adianta, porque
ninguém consegue viver só de promessa. Tem que ter realidade e apesar que,
acreditar em quem hoje? Tá difícil demais. [Atingido 8– Entrevista concedida
ao Programa Polos de Cidadania em 31/10/2017]

Entre todos os entrevistados, um único casal de atingidos possui registro de


reclamação formalmente protocolizada em um posto de atendimento da empresa Anglo
América, situado em Conceição do Mato Dentro. Também aqui, a presunção da boa fé
esteve no bojo da interação dos atingidos com a empresa. Todavia, mesmo diante da
reclamação formal, tais sujeitos continuaram sem resposta e solução:

324
Era pra gente ter feito o boletim de ocorrência e nós não fizemos. E nós
achamos que só com esse papel que meu marido fez eles iriam na casa da
gente, iriam procurar pra tomar providencia, né. [...] Tivemos tanta boa fé na
palavra deles que nem o boletim de ocorrência a gente fez. Ainda bem que
meu marido guardou ele [papel da reclamação] porque seria mais uma coisa
sem prova para a Anglo American, ela pode tudo! [Atingida 1- Entrevista
concedida ao Programa Polos de Cidadania em 09/11/2017]

Conforme mencionado, os atingidos das casas trincadas têm apenas a palavra e o


testemunho como meios probantes em relação aos fatos por eles alegados, visto que,
embora tenham sido monitorados pela empresa por meio de uma terceirizada, nenhuma
documentação relativa ao processo por eles vivido ficou em própria posse, o que
acentua ainda mais a situação de injustiça e de vulnerabilidade na qual se encontram.
Embora se trate de danos de natureza diversa, há um procedimento comum que
liga a situação vivida pelos moradores do bairro Lopes aos da Cabeceira do Arataca.
Tanto lá quanto cá, quando questionados sobre se a empresa os procurou ou entrou em
contato antes da construção de seus equipamentos, os moradores respondem
categoricamente que não.
Embora pareça absurdo, contrassenso e uma absoluta violência que a empresa
Anglo American adentre em um território sem considerar a presença dos moradores
locais, tal postura não se revela como caso fortuito, mas antes como uma conduta típica
da empresa, que desconsidera e negligência ecossistemas e comunidades ocupantes do
lugar antes à sua chegada.
Ainda que suscite perplexidade, tal conduta se revela como o modus operandi
das atividades industriais intensivas às quais a atividade minerária extrativista se
filia.Vinculados ao capital financeiro e ao mercado neoliberal, tais empresas enxergam
os territórios sobre os quais incidem suas atividades como meros recursos, (ZOURI;
OLIVEIRA, 2010, p. 448), e não como lugares dotados de usos e significados nos quais
se reproduzem ecossistemas e a vida material e simbólica de comunidades humanas.
Nesta perspectiva, em que vigora a visão utilitarista da natureza (ZOURI; OLIVEIRA,
2010, p.448), tais territórios seriam unicamente espaços vazios e abstratos, passíveis de
serem colonizados, explorados e tragados, resultando disso um reiterado processo de
invisibilização e de violação de direitos que recai, sobretudo, em desfavor de indivíduos
e grupos sociais mais vulnerabilizados.
Cumpre ressaltar que, embora muitas das comunidades impactadas por projetos
desenvolvimentistas (dos quais a mineração intensiva é exemplo emblemático) sofram
de modo agudo as intervenções em seus territórios, com impactos na saúde física e
psíquica das populações e na reprodução de seus modos e condições vida, nem sempre
tais sujeitos ou grupos conseguem se empoderar do debate acerca das injustiças
ambientais às quais estão submetidos. Amordaçados pelo medo e pela insegurança
oriundas do desequilíbrio de forças entre eles e as grandes corporações, muitas vezes
tais populações têm como saída deixar o território ou simplesmente ter ali uma
sobrevida.
De outro lado, sabe-se também que é por meio do enfrentamento e da
organização coletiva que muitas comunidades têm conseguido ter acesso a direitos e
resistir aos processos de desterritorialização provocados pela interferência do
capitalismo global em seus territórios, que transforma lugares dotados de significados
em meros espaços sujeitos à exploração e à extração (ZOURI; OLIVEIRA, 2010, p.
445).
Todavia, diante do que se assiste em Dom Joaquim, este processo de resistência
e organização não tem pautado a de ação coletiva dos moradores. Antes o revés. A
percepção advinda da atuação em campo do Programa Polos de Cidadania no município
325
revela um estado de silenciamento da sociedade civil e do poder público local frente ao
poder econômico e simbólico que se vincula ao signo da empresa Anglo American.
Durante a reunião pública que ocorreu na sede do município em 04/10/2017,
dentre as comunidades de Dom Joaquim diretamente atingidas pelas atividades
correlatas à mineração, nenhuma se dispôs a se manifestar sobre os problemas que têm
enfrentado decorrentes do impacto do empreendimento minerário. Entende-se que o
silenciamento das pessoas que vivem cotidianamente os transtornos causados pela
empresa se explica, de um lado, pela ausência de empoderamento, pela crença na
impunidade, e pela sensação de impotência e de desamparo institucional em relação à
violação de direitos às quais estão submetidas. A isso, soma-se ainda a ideia de que uma
vez realizado o enfretamento, reduzem-se significativamente as chances de se adentrar
aos quadros da empresa, ainda que de forma indireta e precarizada.
O enfrentamento sobre as injustiças ambientais se torna ainda mais complicado
em períodos de crise econômica. Neste viés, observa-se que o período de instalação do
empreendimento minerário coincide com a crise política e econômica que acompanha o
Brasil desde 2013, coincidência esta que explica o medo e o silenciamento da população
dom-joaquinense frente ao poderio da empresa.
O receio da perda de oportunidades e a situação de dependência pautam o modus
operandi das instituições públicas, privadas e dos próprios cidadãos dom-joaquinenses.
O medo do enfrentamento e o consequente silenciamento atravessa a sociedade e as
instituições locais, conforme resta demonstrado no depoimento de uma moradora:

Na verdade todo mundo tem medo. Qualquer instituição aqui. A Anglo tem
dinheiro, tem poder, a Anglo movimenta muita coisa. Se o prefeito precisar
de ajuda, vai aonde? Vai na Anglo American. Se a Anglo corta verba, acabou
apoio. Mas só que quem tá pagando por isso somos nós. [...] Eu ia falar no
microfone lá. Só não falei porque eu tava de uniforme. Eu fiquei com medo,
porque causa disso sabe, por causa de prejudicar a escola. Se a escola
precisasse de alguma coisa, e tivesse minha gravação lá, eu estudante falando
contra a Anglo.[Atingida 1. Entrevista concedida ao Programa Polos de
Cidadania em 09/11/2017]

O silêncio e o medo são sentimentos que atravessam a sociedade de Dom


Joaquim quando relacionados aos conflitos socioambientais presentes no território. Para
se entender estes sentimentos, deve-se ter em vista a dependência econômica do
município, a demanda da população por empregos e oportunidades, assim como o
desnivelamento de força e poder entres os agentes sociais em conflito, quais sejam: a
comunidade local e a corporação multinacional. A assimetria de poder entre população
local e empresa reforça a crença na impunidade e alija os moradores da busca por
acesso à justiça, conforme se lê abaixo:

Porque o que passava pra gente era que ninguém pode com a Anglo, não
adianta você entrar na justiça com a Anglo American, você vai perder.
Porque todas as empresas que passou [terceirizadas], o que a gente ouviu foi
isso. [Atingida 1]. Entrevista concedida ao Programa Polos de Cidadania em
09/11/2017]

Os casos das violações de direitos do Bairro Lopes e Cabeceira da Arataca


relevam evidente caso de injustiça ambiental, já que demonstram como quem mais sofre
com problemas de infra-estrutura urbana, com a criminalização da pobreza, e com
representações sociais depreciativas - são aqueles a quem foram impingidos os custos e
danos ambientais provenientes da instalação regional da atividade minerária, que recaiu

326
de modo mais acentuado sobre esta parcela de gente em maior situação de
vulnerabilidade social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

As observações e identificações das violações de direitos contidas neste artigo são


parciais e não esgotam o rol de problemas vivenciados pelas pessoas e comunidades no
município.
Muitos desses problemas gerados pela extração mineral de grande porte,
conforme identificados no território, transcendem a esfera do direito e se vinculam a
questões de ordem econômica e sociológica, devido à carência e limites da tutela
jurídica. Todavia, inseridos no lugar, tais problemas afetam as dinâmicas locais e
comprometem a manutenção dos modos de vida historicamente presentes na região.
Exemplo deste tipo de impacto pode ser verificado na estratégia de sedução exercida
pela empresa em relação à oferta de empregos, que vem acompanhada do cerceamento
dos horizontes de expectativas da população local, especialmente de crianças e jovens, e
da perda da autonomia produtiva no território que reitera condições de dependência.
Este quadro, por sua vez, se desdobra como instrumento de controle e mecanismo de
silenciamento da comunidade e dos poderes locais frente aos danos e problemas
sofridos pelas comunidades e moradores.

REFERÊNCIAS

COELHO, Tádzio. Peters. Minério-dependência e alternativas em economias locais.


Versos - Textos para Discussão PoEMAS, 1(3). 2017. p.1-8.

Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/318926395_Mineriodependencia_e_alternati
vas_em_economias_locais>. Acesso em 12/07/2019.

OLIVEIRA, Raquel; ZHOURI, Andréa. Quando o lugar resiste ao espaço:


colonialidade, modernidade e processos de territorialização. In: LASCHEFSKI,
Klemens; ZHOURI, Andréia (org.). Desenvolvimento e Conflitos Ambientais. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2010. p. 439- 462.

PMF - SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE DOM JOAQUIM. Plano


Municipal de Saúde, 2017.

SUS - MINISTÉRIO DA SAÙDE, Dom Joaquim Minas Gerais, Unidade de Saúde


Básica de Dom Joaquim PSF – Viver Bem. Relatório de Cadastro Familiar e Territorial,
2017a.

SUS - MINISTÉRIO DA SAÚDE, Dom Joaquim Minas Gerais, Unidade de Saúde


Básica de Dom Joaquim PSF – Viver Bem. Relatório de Cadastro Individual, 2017b.

327
ECONOMIA VERDE COMO CONSCIÊNCIA PÓS-REVOLUÇÃO
INDUSTRIAL: A APLICAÇÃO DA DIMENSÃO JURÍDICO-POLÍTICA DA
SUSTENTABILIDADE

Green economy as consciousness of the post-industrial revolution: the application of the


legal-political dimension of sustainability.

Marcelo Messias Leite1

Resumo: O objetivo desse artigo é analisar o surgimento da consciência global de


preservação do meio ambiente, iniciando-se no período Pós-Revolução Industrial à
atualidade, apresentar formas embrionárias do termo ‘Economia Verde’, em seus vários
estágios, e como proposta a o desenvolvimento sustentável como multidimensional
devendo, portanto, ser aplicadas ambas as dimensões simultaneamente. Utilizar-se-á
metodologia jurídico-teórica e pesquisa bibliográfica sobre a temática. Nesse contexto,
os resultados apontam para ao incentivo ao aproveitamento dos recursos naturais,
simultaneamente à aplicação de ambas as dimensões do desenvolvimento sustentável
objetivando a Economia Verde. A conclusão é no sentido de se ter o desenvolvimento
econômico sustentável, sem o qual a consciência pós- Revolução Industrial continuará
sendo destrutiva.

Palavras-Chave: Desenvolvimento Sustentável. Ecodesenvolvimento. Economia


Verde. Revolução Pós-Industrial. Dimensão Jurídico-política da Sustentabilidade.

Abstract: The objective of this article is to analyze the emergence of global awareness
of environmental preservation, starting in the post-industrial revolution period,
presenting embryonic forms of the term 'Green Economy', in its various stages, and as a
proposal for sustainable development as multidimensional, so both dimensions must be
applied simultaneously. Legal-theoretical methodology and bibliographic research on
the subject will be used. In this context, the results point to the incentive to the use of
natural resources, simultaneously to the application of both dimensions of sustainable
development aiming at the Green Economy. The conclusion is in the sense of having
sustainable economic development, without which the post-Industrial Revolution
consciousness will continue to be destructive.

Keywords: Sustainable Development. Green Economy. Post-Industrial Revolution.


Legal-political dimension of Sustainability.

1
Marcelo Messias Leite: Graduado em Direito (2017), Advogado e Mestrando na Escola Superior Dom
Helder Câmara; Bolsista e Pesquisador da FAPEMIG Membro do grupo de pesquisa CEBID, DIRNAT,
ECODOM. Messiasmarceloleite@hotmail.com. Fone (31) 971396478.

328
INTRODUÇÃO

Nas “fábricas do mundo”, no fim do século XVIII e em meados do século XIX,


iniciando na Inglaterra, seguindo pela Europa Ocidental e Estados Unidos, o “homo
sapiens/faber”, desenvolveu em seus dois aspectos, tanto no pensar como no agir, suas
habilidades. Tem-se o ser técnico e consciente produzindo máquinas e ferramentas que
transformaram sua realidade e o meio ambiente no qual está inserido.
Contudo, o meio ambiente, que outrora o abrigava, recebendo-o com vastos
recursos e enorme potencial em suas florestas, sofreu grande pressão, antes nunca
vivenciada, pelo aumento de poluição a nível global, ao passo que suas florestas foram
diminuídas, trazendo ao desenvolvimento econômico a precariedade e, com ela,
consciência e responsabilidade, advindas da noção de sustentabilidade e de uma
economia mais verde, necessárias para que o ciclo da vida não seja interrompido, em
nenhum de seus estágios.
No período Pós-Revolução Industrial, apesar de haver grande avanço das
máquinas agrícolas, da produção em nível industrial, do desenvolvimento econômico e
do aumento na produção, houve diminuição nos índices humanos e aumento da
miserabilidade, cada vez mais insustentáveis, sendo, portanto, a redução da pobreza e o
desenvolvimento sustentável, prioridades para os países desenvolvidos e em
desenvolvimento. Surgiu assim, a consciência econômica verde, Portanto, para cumprir
o objetivo do presente artigo e, consequentemente, a consecução dos resultados, far-se-á
uma abordagem teórico-jurídica assentada em método hipotético-dedutivo com técnicas
de pesquisa bibliográfica para apresentar a evolução do termo ‘ecodesenvolvimento’ à
‘economia verde, mas para que, na prática ocorra a sua efetividade, no primeiro tópico
buscou-se tratar-se do termo Ecodesenvolvimento, apontando o posicionamento dos
países em relação à responsabilização e punição dos poluidores e reconhecimento e
premiação dos Protetores do Meio Ambiente, nos Acordos, Convenções e Tratados.
Nesse contexto se busca, no segundo tópico deste artigo, apresentar o ápice da
Revolução Industrial e o desenvolvimento de várias teorias para embasar a expansão da
economia mundial, seu fundamento, para se compreender quando surgiu a consciência
da fragilidade dos ciclos ecológicos, rompidos pela intervenção temerária do homem,
sobretudo, da reverberação de suas ações a níveis globais, devendo, portanto, perpassar
pelo desenvolvimento sustentável, medindo as intervenções, agregando
responsabilidade aos poluidores ao longo do tempo, adquirindo maturidade e aplicar a
teoria consolidada nos debates mundiais. Portanto, buscou-se conhecer as formas
embrionárias de compreensão de ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável e
Economia Verde para se extrair algo em comum, com nível de aceitabilidade de ambos
os extremos, convergindo no ponto de equilíbrio para sua aplicação.
No terceiro tópico, apresentou-se a formação do conceito de Economia Verde
em consonância com o desenvolvimento sustentável brasileiro, em respeito ao princípio
da precaução, retomando-se a evolução do termo ‘economia verde’, ecoado ao redor do
mundo e, no caso brasileiro, o sentido de ampliar-se o modelo e, consequentemente,
uma economia mais verde com a aplicação das dimensões da sustentabilidade.

329
1. Ecodesenvolvimento
Buscando-se conhecer o limite da ação humana entre o que é tolerável,
considerando-se o modelo de impacto ambiental mínimo ao Meio Ambiente,
desenvolveu-se a sensibilidade e consciência, pela razão, aplicando-se boas práticas de
preservação e conservação, seguindo em um caminho retilíneo entre os termos
Ecodesenvolvimento, Desenvolvimento Sustentável e Economia Verde, fazendo-se
necessário a abordagem do desenvolvimento de cada conceito, a seguir expostos.
Ao tratar-se sobre o conceito de ‘ecodesenvolvimento’, conteudístico do termo
‘economia verde’, preliminarmente, buscou-se as formas embrionárias emergentes do
movimento ambientalista, do final da década de 1.960, modo esse advindo da relutância
de vários pensadores, nesse seguimento, com o impacto ao meio ambiente, trazido pela
poluição, no uso do petróleo, nos anos 1970 e pelo desenvolvimento desenfreado,
desencadeado pela Revolução Industrial.
Na Era Pós Revolução Industrial, como alternativa ao crescimento
inconsequente, surgiu um novo estilo de desenvolvimento, compreendido no conceito
de ‘Oikonomia’ (economia doméstica) + ‘Ecodesenvolvimento’ (‘οἶκος’=eco’=casa+
desenvolvimento), estabelecido pelo ‘homo sapiens/faber’ (homem que pensa e
fabrica), com essência de ‘homo naturae’ e seu ‘Aequilibrium', para preservar o seu
‘habitat’, (GOBRY, 2007, p. 101), convergindo do antropocentrismo, do seu meio
isolado, para o biocentrismo e toda a complexidade dos seus ecossistemas inter-
relacionados, traduzindo-se em um novo paradigma para a atuação no meio ambiente.
Cumpre-se ressaltar, segundo o que prelecionam Raynaut e Zanoni (1993, p. 07),
mencionando a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo,
ocorrida em 1.972, as nuances do termo ‘economia verde’. Elas já foram percebidas no
termo ‘ecodesenvolvimento’, construído pelo diplomata Maurice Strong, Secretário da
Conferência de Estocolmo, sob três pilares: equidade social, prudência ecológica e
eficiência econômica (STRONG, apud SACHS, 1993, p. 07). Sob os auspícios de
Ignacy Sachs, desenvolveu-se esse conceito no meio acadêmico.
Assim, o fundamento seguro sobre o qual se desenvolve a economia é o meio
ambiente ecologicamente equilibrado, sendo associados ao desenvolvimento, direta e
indiretamente, os problemas sociais e ambientais das cidades e do campo.
Segundo Oliveira e Monteiro (2015), Sachs, para desenvolver o conceito de
Ecodesenvolvimento, foi influenciado pelas ideias de três pensadores, a saber:

[...] Benjamin Franklin com a sua concepção de que fazer


ecodesenvolvimento é, saber aproveitar os recursos potenciais do meio, e
adequar de forma prudente a utilização dos recursos ambientais às
necessidades do homem; Mahatma Gandhi e seu enfoque na problemática
ética; e René Dubos, que prega a simbiose entre a humanidade e a terra, para
ele é necessário abandonar o falso critério de artificialidade ou naturalidade
de um ecossistema e, não só postular um impossível um patamar de
igualdade entre o homem e a natureza, mas encontrar os meios socialmente
úteis e ecologicamente prudentes de valorizar os recursos
naturais.(OLIVEIRA; MONTEIRO 2015, p. 32).

330
Sachs (1993, p. 07) resume o conceito de ecodesenvolvimento em:
"desenvolvimento endógeno e dependente de suas próprias forças, tendo por objetivo
responder a problemática da harmonização dos objetivos sociais e econômicos do
desenvolvimento com uma gestão ecologicamente prudente dos recursos e do meio"
(SACHS apud RAYNAUT; MONTEIRO, 1993, p. 07).
Portanto, o desenvolvimento econômico não é sinônimo de crescimento, pois
atua no âmbito social de maneira que o seu foco deverá ser a diminuição das
desigualdades sociais, enquanto promove a preservação e equilíbrio do meio ambiente,
portanto, proporcionando a mitigação dos déficits de distribuição de recursos e
oportunidades, diferentemente do Cálice da vergonha, servido pelo interesse desmedido
trazido pela Revolução Industrial, como se segue na figura:

Assim, visando atender às mudanças no paradigma até então cristalizado,


reportou-se ao embrião do termo ‘Economia Verde’, dando continuidade a partir da
consolidação da ideia de desenvolvimento sustentável, apresentada no próximo tópico.

2. Desenvolvimento Sustentável
Surgiu assim, em termos iniciais, a noção de desenvolvimento sustentável, pela
construção de Sachs (1993), nas cinco dimensões de sustentabilidade e
ecodesenvolvimento por ele formuladas, a saber: sustentabilidade social, abrangendo a
redução das diferenças sociais. b) sustentabilidade econômica, utilizando-se os recursos
de forma eficiente. c) sustentabilidade ecológica, focando na preservação e manutenção

331
do equilíbrio do meio ambiente. d) sustentabilidade espacial, mantendo-se certo
equilíbrio na distribuição da população nas cidades e no campo e) sustentabilidade
cultural, preservando-se as especificidades de cada ecossistema, de cada cultura e de
cada local.
No relatório Brundtland, de 1987, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CMMAD), retomou-se, nos termos iniciais, o embasamento para
aprofundar-se no conceito de Desenvolvimento Sustentável dando-lhe uma corpagem
mais abrangente, a saber: "desenvolvimento que responde às necessidades do presente
sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias
necessidades" (CMMAD, 1987, P. 02).
Segundo ensina Bizawu et al. (2017), lançou-se bases firmes para a consolidação
dos princípios trazidos do conceito de ecodesenvolvimento, no Relatório Brundtland,
como se segue: “Em 1987 as Nações Unidas publicaram um relatório, Relatório
Brundtland, “Nosso Futuro Comum”, considerado um marco, a certidão de nascimento
do desenvolvimento sustentável.” (BIZAWU, et al. 2017, p. 107).
Por outro lado, com o nascimento do termo Desenvolvimento Sustentável, tendo
no contexto histórico a partir de 1968 a desigualdade agravada, acentuando os níveis de
pobreza e miserabilidade, reivindicando a redistribuição e reconhecimento e uma nova
cultura política, desejando caminhos para participação, no período Pós Revolução
Industrial, houve a tentativa de incorporar, às dimensões do seu conceito, a
interdependência da proteção ambiental, do crescimento econômico e da equidade
social, estabelecendo a análise de aspectos socioambientais, dos grupos contrários ao
sistema capitalista e à estrutura dominante, na formação desse conceito, fazendo forte
oposição ao parâmetro do paradigma liberal, como enfatiza Brito e Moreira (2016), na
tese de doutorado sobre “Emancipação Socioambiental: Por uma Teoria Crítica
Ambiental”, como se segue:

Observa-se neste documento que o tema mais relevante à análise


socioambiental está presente: a pobreza como fenômeno da desigualdade
global, destacando três importantes componentes: a proteção ambiental, o
crescimento econômico e a equidade social. (BRITO; MOREIRA, 2016, p.
108).

Assim, avançando na análise proposta no presente artigo, no entendimento de


Oliveira (2012, p.12), inferiu-se que o ápice da formulação do termo desenvolvimento
sustentável se deu na Conferência Mundial sobre a Conservação e o Desenvolvimento
(Eco-92, Cúpula da Terra, Cimeira do Verão, Conferência do Rio de Janeiro e Rio 92),
vinte anos após a realização da primeira conferência sobre o meio ambiente, sendo
influenciado pela interação e encontro de vários movimentos a nível global.
Portanto, a delimitação do desenvolvimento sustentável é estabelecida sob a
perspectiva principiológica de integração e conservação da natureza, em consonância
com o desenvolvimento, visando a satisfazer as necessidades humanas fundamentais,
buscando estabelecer a equidade e justiça social, enquanto, simultaneamente, embasa-se
no desenvolvimento que proporcione a autodeterminação social, a diversidade cultural e
prossiga em preservar os serviços ecossistêmicos e a integridade ecológica.

332
3. Economia Verde
Conforme Bastianetto e Costa (2018), o conceito de ‘economia verde’ advém da
década de 1980, conformando-se com o levantamento feito de que já havia mudança
para um novo paradigma, no Reino Unido, berço da Revolução Industrial, como se
segue:
Crucial a observação, conforme exposto no capítulo, de que o termo
“Economia Verde” não é próprio da Conferência das Nações Unidas de 2012,
ou seja, fora introduzido em fins da década de 1980 em um trabalho de
renomados economistas para os governos do Reino Unido, nomeado
Blueprint for a Green Economy; e, desde então, a expressão vem ganhando
significância e consistência como rito de passagem rumo ao desenvolvimento
sustentável. (BASTIANETTO; COSTA, 2018, p. 274.).

Assim, houve a conformação das expressões de “ecodesenvolvimento” e


desenvolvimento sustentável para “economia verde”, para assegurar que a intervenção
do homem no meio ambiente ocorresse de forma responsável, tendo em vista que,
paulatinamente, buscou-se o amadurecimento do seu conceito, em cada encontro global,
de forma que trouxesse segurança na intervenção ambiental, visando um futuro melhor.
O lema da CNUMAD, em 1992, ou Rio+20, em 2012, avançou em
estabelecer responsabilidades comuns já mencionadas na Conferência Rio/92, sendo
intrinsecamente relacionadas à construção em cada decisão da consciência de
preservação, a nível Global.
O conceito de ‘Economia Verde’ retrata o anseio da humanidade em sanar o
agravamento social e ambiental trazido pela Revolução Industrial, assim, o Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), buscou estabelecer o seu conceito
como: "uma economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e
igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz os riscos ambientais e a escassez
ecológica" (PNUMA 1972, p. 9).
Procura-se alcançar com esse conceito, os objetivos principais, a saber, usar os
recursos de forma que se respeite o equilíbrio ambiental com eficiência, a busca pelo
combate à pobreza, a inclusão social e a proteção ambiental.
Desde o Relatório Brundtland, de 1987, perpassando pela Conferência ‘Rio-92’,
houve a propagação da ideia de finitude e fragilidade dos sistemas ecológicos, da
interdependência entre a saúde e sobrevivência da humanidade com o meio ambiente e
da popularização da expressão “economia verde”.
A seriedade e dedicação em se tratar do tema incorreram na formulação de
tratados Internacionais, dentre eles, o Protocolo de Kyoto, seu embrião em 1.988, no
Canadá, sendo criado em 1997, no Japão, com o fim de formular meios de redução da
emissão de gases que causam o efeito estufa, entrando em vigor em 2005.
Já na Conferência Eco 92, evidenciou-se a necessidade de se estabelecer
medidas para compensação, dos países poluidores àqueles considerados emergentes,
com níveis altos de florestas preservadas, já que precisariam de meios de subsistência e
formas que proporcionassem alternativas à degradação, pela conservação da floresta,
através de subsídios, a nível mundial, em que níveis de carbono fossem usados como
moeda de troca, surgindo assim o conceito de pagamentos por serviços ambientais. Em

333
consonância com a Conferência Rio+20, em 2012. O protocolo teve sua validade
prorrogada até 2020, após a Conferência das Partes (COP18), visando à conservação da
biodiversidade e preservação dos serviços ambientais.
A busca pela formação do conceito de Economia Verde vislumbrou como meta a
sustentabilidade pela forma de um modelo de desenvolvimento sustentável, em ambas
as suas dimensões, considerando os aspectos humanos fragmentados pela desigualdade,
quando a simples análise concentrada apenas na economia não bastou, pois no
desenvolvimento, isolado de outras dimensões, que exaltou a produção e produziu
tantos devaneios, no entanto, considerado de forma holística, apresenta o contexto
socioambiental fragilizado, surgindo a ideia da dimensão Jurídico-política da
sustentabilidade, como nos apresenta Gomes e Ferreira (2017):

[...] A dimensão jurídico-política visa a efetivar e desenvolver os direitos


fundamentais das presentes e futuras gerações, com o objetivo de asseverar e
reforçar o plexo de desenvolvimento consubstanciado na preservação e
proteção ambiental, sem, contudo, perder de vista a promoção social, o
respeito à dignidade humana e aos direitos humanos, a melhor e adequada
distribuição da renda e os conceitos de origem ética, que são vertentes
indissociáveis do conceito de sustentabilidade. (GOMES; FERREIRA, 2017,
p. 96):

Portanto, sob esse aspecto, segundo Freitas (2016, p.74-75), em busca da


economia mais verde, deve-se prezar pela efetivação da dimensão jurídico-política da
sustentabilidade, pois ela engloba a ação governamental em amplos poderes para,
juntamente com a sociedade, proporcionar longevidade digna; o direito à alimentação
adequada; o direito ao meio ambiente limpo; o direito à boa educação e de qualidade; o
direito à democracia; o direito à informação imparcial; o direito à razoável duração do
procedimento; o direito à segurança; o direito à renda oriunda do trabalho; o direito à
boa administração pública e o direito à moradia.

Considerações Finais

Analisou-se, nesse artigo, o surgimento da consciência global de preservação do


meio ambiente, iniciando-se no período Pós-Revolução Industrial à atualidade, assim
apresentou-se a mudança de paradigma, da inconsequência à consciência de
responsabilidade.
Reportou-se às formas embrionárias do termo ‘Economia Verde’, em seus vários
estágios.
Com os termos ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável demonstrou-
se a consolidação da ideia, de economia verde, quando ambas as dimensões da
sustentabilidade são implantadas simultaneamente. Para reportar-se a esse entendimento
foi necessária a utilização da metodologia jurídico-teórica, para analisar os tratados,
protocolos, convenções, acordos internacionais, legislação e doutrinas brasileiras, com
uso do raciocínio hipotético-dedutivo com técnicas de pesquisa bibliográfica sobre a
temática.

334
Na abordagem feita, chegou-se ao resultado de que houve espaço, no Pós-
Revolução Industrial, para o surgimento do termo ‘Ecodesenvolvimento’(Estocolmo
1.972), do Termo ‘Economia Verde’(Rio+20), frutos dos pensamentos antecedentes,
que já almejavam um futuro comum, como apresentado, em 1987, no relatório de
Brundtland (Nosso Futuro Comum), bem como houve o seu amadurecendo na Cúpula
da Terra (ECO-92), culminando com a formulação e consagração conceitual de
‘Desenvolvimento Sustentável’.
Isto se deu porque, pela análise dos ciclos e dos processos existentes na natureza,
vislumbraram-se os alicerces do equilíbrio e da harmonia ali estabelecidos, dos quais se
destacam as teorias que buscam ambas as dimensões social, ética, jurídica, política e
ambiental da sustentabilidade. Sob essa perspectiva difundiu-se, a inteligência de que o
desenvolvimento econômico deveria ser observado em consonância com a preservação
do meio ambiente, sendo estabelecida a economia mais verde, para isto, preservando-se
a produção em consonância com o equilíbrio do sistema ambiental natural e social.
Desta forma, o objetivo maior desse artigo foi cooptar, para o bem comum da
humanidade, essa sinergia, do homem/natureza, para a relação e gerência do
homem/casa, da preservação à manutenção da própria vida, do custo/benefício entre
ambos os serviços, sociais, econômicos e ambientais, sejam eles produzidos na relação
harmoniosa entre a natureza e a humanidade.
Nesse contexto, os resultados apontam para a aplicação de ambas as facetas da
sustentabilidade para a real efetivação do desenvolvimento sustentável, já que esse visa
o aproveitamento dos recursos naturais, ao passo que é implantado pela preocupação em
preservar e manter a continuidade dos serviços ecossistêmicos. A conclusão é no
sentido de ampliar a aplicação das dimensões socioambientais, éticas, jurídico-políticas
da sustentabilidade enquanto no pós-revolução industrial a consciência da economia
engloba pautas mais verdes.

REFERÊNCIAS

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BIZAWU, Kiwonghi; TOLEDO, André de Paiva; LOPES, Lívia Cristina Pinheiro.


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339
O ESQUECIDO CÓDIGO DE MINERAÇÃO E A LAVRA SEM DESTINAÇÃO
COMERCIAL: CAUSAS DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE E CARGA
PROBATÓRIA NOS ILÍCITOS DE USURPAÇÃO DE MATÉRIA PRIMA E
LAVRA E EXTRAÇÃO ILEGAL OU IRREGULAR

The forgotten Mining Code and the act of mining without commercial destination:
Causes of actus reus exclusion and burden of proof concerning the ambiental crimes of
usurpation of raw material and illegal and irregular mining

Paula Brener1
Ana Bueno2

Resumo: Partindo de uma perspectiva garantista e dos ditames de um Estado


Democrático de Direito, o presente artigo analisa a eficácia de uma norma permissiva
concernente à finalidade da lavra, contida no Código de Mineração sobre os crimes de
usurpação mineral, art. 2º da Lei nº 8.176/1991, e de lavra e extração ilegal ou irregular,
art. 55 da Lei nº 9.605/98. Busca-se demonstrar a natureza dessa norma como causa de
exclusão da tipicidade, tendo em vista a especial redação dos tipos penais que incluem
como seus elementos em branco a necessidade de autorização, permissão ou
licenciamento. Como decorrência, em função da dimensão probatória do princípio da
presunção de inocência, verifica-se que compete ao órgão acusador o ônus probatório da
inocorrência dessa causa de exclusão da tipicidade, uma vez que, sem isso, não há a
concretização de conduta formalmente típica. Para a realização da pesquisa, foi
utilizado uma vertente jurídico-dogmática, de tipo compreensivo-propositivo,
predominando a utilização do raciocínio indutivo-dedutivo. Nas conclusões, apresenta-
se a necessidade de uma maior atenção a existência de normas permissivas que acabam
por excluir a tipicidade de determinados crimes, sendo sempre imprescindível a “prova
negativa” do Ministério Público quanto a essas causas de exclusão.

Palavras-chave: lavra; licenciamento; elementos em branco do tipo; causa de exclusão


da tipicidade; carga probatória.

Abstract: Based on a democratic perspective, this work analyzes the effectiveness of a


permissive norm concerning the purpose of mining settled on the Mining Code with
regard to the crimes of mineral usurpation, art. 2º of Law nº 8.176/1991, and illegal and
irregular mining and extraction, art. 55 of Law nº 9.605/98. It seeks to demonstrate the
nature of this standard as a reason for the exclusion of the actus reus, in view of the
special structure of the criminal provisions that include as their elements the need for
authorization, permission or licensing. As a result, due to the probative dimension of the
principle of presumption of innocence, it is up to the prosecution the burden of proof,
including proving the non occurrence of this cause of exclusion of the actus reus,
otherwise resting absent essential formal requirements for crime acknowledgment. For
the realization of the research, a legal-dogmatic methodology is adopted, waging an
comprehensive-propositional approach, using an deductive-inductive reasoning. As

1
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora voluntária na Faculdade
de Direito da UFMG. Graduada na Faculdade de Direito da UFMG. Advogada criminalista. Presidente do
Instituto de Ciências Penais Jovem. e-mail: “brener.paula@outlook.com”
2
Graduanda em Direito Pela Universidade Federal de Minas Gerais. Diretora do Instituto de Ciências
Penais Jovem. e-mail: “anarobueno29@hotmail.com”

340
conclusion, the work sheds light on the necessity of paying more attention to the
existence of permissive norms that exclude the actus reus of certain crimes, being the
"negative proof" indispensable for a conviction, proof that its up to the Public
Prosecution.

Keywords: mining; licensing; actus reus elements; actus reus exclusion; burden of
proof.

Introdução
A questão da usurpação mineral, tipificada no artigo 2º da Lei nº 8.176/19913,
bem como da lavra e extração ilegal ou irregular, artigo 55 da Lei nº 9.605/984, tem se
tornado crescente alvo de ações penais por órgãos públicos, resultado de uma
intensificação da fiscalização e da rigidez na punição dos crimes ambientais. Trata-se de
um fenômeno resultante da própria Agenda Global de política criminal e das pressões
internacionais pela proteção ao meio ambiente, o que acaba por alcançar o superficiário
que tão somente busca organizar-se em seu terreno.
Não apenas possuem um mesmo objeto, sendo inúmeras vezes imputados
simultaneamente ao indivíduo em bis in idem, como também ambos os crimes têm
enfrentado problemas semelhantes na fase de apuração: o esquecimento, por parte
daqueles que atuam na seara criminal, do velho Código de Mineração, o qual delimita
quais situações devem ser objeto de autorização, circunscrevendo a incidência dos tipos
penais sob análise.
O presente trabalho se desenvolve sob uma perspectiva garantista, tomando por
base um modelo de processo penal constitucionalmente orientado. Sob essa ótica, será
verificada a hipótese de que a existência de causa de exclusão da tipicidade contida no
artigo 3º, §1º5 do Código de Mineração impõe para o Ministério Público o ônus
probatório de demonstrar a não ocorrência dessa causa seja no âmbito do crime de
usurpação mineral ou de lavra e extração ilegal ou irregular. Em outras palavras, a
acusação somente poderá prosperar uma vez que o Ministério Público se desincumba
desse ônus, demonstrando a finalidade econômica da lavra. Busca-se analisar a
articulação das normas ambientais e penais, para verificar em que medida ocorre uma
sobre criminalização de atividades de lavra sem destinação econômica em oposição ao
disposto no Código de Mineração.
A análise crítica dessas questões será desenvolvida a partir do estudo de um caso
problema, de modo a tornar mais compreensível a problemática e as soluções propostas.
Para tanto, apresenta-se o seguinte caso:

3
Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar
matérias-primas pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações
impostas pelo título autorizativo.
Pena: detenção, de um a cinco anos e multa.
4
Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização,
permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
5
Art 3º Êste Código regula: § 1º. Não estão sujeitos aos preceitos deste Código os trabalhos de
movimentação de terras e de desmonte de materiais in natura, que se fizerem necessários à abertura de
vias de transporte, obras gerais de terraplenagem e de edificações, desde que não haja comercialização
das terras e dos materiais resultantes dos referidos trabalhos e ficando o seu aproveitamento restrito à
utilização na própria obra.

341
CASO: o pequeno proprietário rural P, ao adquirir seu terreno, se deparou com a
necessidade de construir uma casa para a sua família, bem como uma estradinha pela
qual poderia adentrar seu terreno. Assim, extraiu do terreno pedras e argila, as quais se
organizaram formando uma estradinha e construindo sua casa. Entretanto, pouco tempo
depois foi surpreendido com a notícia de que havia sido instaurado procedimento
investigativo sobre suas condutas. Seu advogado requereu a realização de perícia para
atestar a finalidade da lavra, pedido que foi indeferido pela Autoridade Policial, sob o
argumento que, para a configuração do crime, pouco importa a finalidade da extração.
Na sequência, P foi então indiciado criminalmente, sendo-lhe imputado o crime descrito
no artigo 55 da Lei nº 9.605/98 conjuntamente com o do artigo 2º da Lei nº 8.176/1991.
No decorrer da instrução criminal o Ministério Público produziu provas no sentido de
que o acusado teria efetivamente extraído recursos minerais, sem se voltar, em momento
algum, para a destinação que foi dada a esses recursos. Com base nesses dados, o
indivíduo P de fato incorreu no crime pelo qual foi indiciado? O fundamento para o
indeferimento do pedido da Defesa de P está conforme a sistemática normativa
nacional? O Ministério Público se desincumbiu de seu ônus probatório comprovando a
mera extração mineral?
Para responder ao problema apresentado, propõe-se a realização de uma
investigação teórica, com prioridade para a análise de conteúdo com vistas à
compreensão crítica do tema-problema e à elaboração de propostas de solução para o
caso apresentado. Dessa forma, a proposta consiste em uma pesquisa de vertente
jurídico-dogmática, de tipo compreensivo-propositivo, em que predomina a utilização
do raciocínio indutivo-dedutivo. O presente trabalho se desenvolverá
preponderantemente a partir do levantamento e análise crítica de dados provenientes de
fontes diretas primárias, desenvolvendo uma análise crítica sobre a articulação e
sistematicidade das leis ambientais e penais no ordenamento brasileiro. A essa análise
fornecem amparo fontes secundárias, consistentes em estudos doutrinários publicados
sob a forma de monografias e artigos científicos.
No primeiro tópico será abordada a interdependência entre o homem e o meio-
ambiente, destacando-se a necessidade de manterem-se espaços de liberdade e
autodeterminação humana, conciliando esses espaços à proteção do bem jurídico. No
segundo tópico serão analisados os tipos penais concernentes à lavra e extração mineral,
apontando sua relação com a causa de exclusão da tipicidade, disposta no Código
Minerário brasileiro, que permite referida exploração desde que sua finalidade não seja
comercial. Por fim, no terceiro tópico, serão analisadas as repercussões processuais
dessa causa de exclusão da tipicidade, especialmente no que concerne ao ônus
probatório do Ministério Público no Direito Penal. Serão então apresentadas as
considerações finais.

1. Sustentabilidade e segurança jurídica: desenvolvimento da apuração face à


interdependência do homem e o meio ambiente
Vive-se hoje em uma sociedade altamente complexa, global, caracterizada pela
produção em massa e uma economia de escala. Nesse contexto, ampliam-se os riscos
envolvendo a atividade econômica, especialmente no que concerne ao meio ambiente.
Isso porque os acidentes e crimes ambientais assumem grandes dimensões e apresentam
consequências de gravidade inimaginável, capazes de afetar a fauna, a flora e a
coletividade de modos nunca antes vistos. Assim, diante da grande comoção causada
por casos como vazamento de petróleo, rompimento de barragem, dentre outros,

342
buscam-se respostas e soluções para a proteção e responsabilização dos danos causados
a tais bens jurídicos no âmbito do Direito Penal.
Entretanto, um Direito Penal democrático, ainda que voltado para grandes
problemas e para a sociedade, em um viés coletivista, não deve fechar os olhos para o
cidadão enquanto pessoa, para os problemas e questões locais e culturais que envolvem
a relação entre o indivíduo e o meio ambiente. Em um Estado Democrático de Direito, é
imprescindível garantir ao indivíduo segurança jurídica sobre sua atuação, mantendo o
equilíbrio entre os ideais de sustentabilidade e as necessidades humanas.
Como aponta Régis Prado, não estão em jogo apenas os aspectos econômicos e
ecológicos, mas também para o critério sociocultural. Assim, deve-se ter em mente que
esses recursos servem como suporte à vida humana, de modo que a preocupação com o
ambiente não pode relegar o desenvolvimento da vida cultural e social, bem como da
busca por equidade social. Trata-se de um standard internacional, previsto no Princípio
13 da Declaração de Estocolmo (Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente Humano de 1972), o qual ressalta a relevância da adoção de um
enfoque integrado e coordenado de planificação de seu desenvolvimento que não deixe
de lado as necessidades humanas e de sua população.
Vale lembrar que, conforme a lição de Gustavo Cassola Prezutti, a busca pelo
desenvolvimento sustentável deve fazer frente a práticas que: a) por seu ritmo, possam
comprometer as gerações futuras; b) cuja acumulação de atividades humanas e
industriais comprometam o futuro da biosfera; d) que reduzam em um ritmo inaceitável
a diversidade ecológica; d) cujo resultado seja a produção de bens e serviços
indesejáveis (2005, p. 55).
O Direito Penal do Meio Ambiente busca a preservação de recursos naturais
contra práticas que progressivamente deterioram a própria sobrevivência humana.
Contraditório seria que, para tanto, desde já fosse sacrificada a mínima esfera de
liberdade humana de intervenção no seu entorno, afinal, “existe uma interdependência
vinculante entre o homem e os elementos constitutivos do ambiente em geral”
(CARROLA PEREZUTTI, 2005, p. 24).
No que concerne à extração mineral, objeto específico de análise no presente
trabalho, deve-se ter em mente não apenas o meio ambiente, mas também os direitos e
necessidades do superficiário. Em outras palavras, a busca pela proteção penal ao meio
ambiente não pode se estender de forma absoluta, sem que reste um mínimo de
autonomia e segurança jurídica para viabilização da vida do superficiário em seu
próprio terreno, ou seja, sem que se verifique um mínimo de atividades extrativistas.
No caso da atividade de extração mineral irregular, a preocupação penal com o
bem jurídico meio ambiente se reflete na repressão consubstanciada nos tipos penais da
usurpação mineral (artigo 2º da Lei nº 8.176/1991), bem como da lavra e extração ilegal
ou irregular (artigo 55 da Lei nº 9.605/98). Entretanto, a análise sistemática da previsão
típica permite identificar que o direito brasileiro não olvidou as considerações sobre a
interdependência entre o homem e o ambiente, mas assegurou um espaço mínimo de
segurança para o desenvolvimento da autonomia do superficiário: a lavra sem
destinação comercial.
Prevista no Código de Mineração, a finalidade comercial ou industrial da
extração é o fator que permite diferenciar a atuação de interdependência imediata, a qual
será atípica, de uma atuação injusta. De tal forma, o Código reconhece a necessidade e
dependência do superficiário de utilizar-se dos minerais dispostos em sua terra para
viabilização de boas condições de vida, sem que com isso lesione o ambiente. Deve-se,
portanto, distinguir a atividade de mineração que possui uma evidente destinação
comercial, e produz consideráveis impactos ambientais, da atuação social de

343
autodeterminação dentro de uma esfera jurídica individual própria e considerada
legítima pelo Código de Mineração, consistente em meras alterações mínimas no
ambiente para possibilitar a própria existência digna. Demonstra-se o objetivo político
criminal da norma em punir os casos que de fato possam causar danos ambientais, os
quais representam uma extração predatória, deixando, contudo, um espaço de liberdade
para o desenvolvimento da autonomia do homem. A repercussão prática dessa
compreensão incide diretamente sobre a produção de provas, que deverão identificar
essa referência à finalidade na conduta como parte da carga probatória acusatória. Seja
por meio da realização de perícia, pela identificação de aparato comercial, ou de prova
testemunhal, deverá o Ministério Público efetuar também a prova negativa dessa
finalidade para que se considere apta à denúncia, tema este que será objeto de análise no
último tópico do presente trabalho.

2. Contornos e limites dos tipos penais: a finalidade da lavra e da extração como


causas de exclusão da tipicidade positivadas no Código Minerário
A proteção ambiental em face da extração mineral é positivada nos tipos penais
da usurpação mineral, tipificada no artigo 2º da Lei nº 8.176/19916, bem como da lavra
e extração ilegal ou irregular, artigo 55 da Lei nº 9.605/987. A redação dos tipos penais
em questão indica que a sua consumação prescinde de dano ambiental, abertura essa que
enseja um primeiro problema em face do princípio da ofensividade e do Direito Penal
como ultima ratio. O único contorno que os tipos apresentam para sua delimitação é a
vinculação à ideia de licenciamento ambiental. Em ambos os delitos, optou-se por
inserir em sua redação a necessidade de autorização, permissão concessão ou licença
como um de seus requisitos, ou seja, o delito somente se configura se a extração ocorrer
sem essas autorizações. Em uma abordagem dogmática do tipo penal, tem-se uma lei
penal em branco caracterizada pela expressão “sem a competente autorização,
permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida”, a qual é disposta
como elementar do tipo. Enquanto lei penal em branco, encontra-se a norma imperfeita,
cujo preceito apenas se completa pela disposição legal, regulamentar ou administrativa
correspondente. Assim, torna-se a autorização, imediatamente, um problema ligado à
tipicidade.
Para adentrar nesta discussão, inicialmente, é importante destacar que o tipo
penal possui uma relevante função de garantia aos cidadãos (VARGAS, 2007, p.47).
Isso ocorre, uma vez que é por meio do tipo que há uma delimitação de quais condutas
poderão ser puníveis penalmente e de que todas que não estejam contidas em um tipo
penal não o são. Nesse sentido está o ensinamento de José Cirilo de Vargas:

Se o tipo descreve o comportamento proibido, e se o art. 1º do Código Penal


estabelece que “não há crime sem lei anterior que o defina”, segue-se que ao
lado dos tipos penais e fora deles não existe nenhuma conduta punível: é a
sua primeira e principal função, a de garantia, que os sistemas penais
democráticos e contemporâneos asseguram ao cidadão (VARGAS, 2007,
p.47).

6
Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar
matérias-primas pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações
impostas pelo título autorizativo.
Pena: detenção, de um a cinco anos e multa.
7
Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização,
permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

344
Além disso, não se pode olvidar que, sem a concretização do tipo penal, com
todos seus elementos constitutivos, não se verifica a ocorrência do injusto,
considerando-se ser a tipicidade um elemento estrutural do conceito analítico de crime
atualmente adotado. Para a ocorrência de uma conduta típica, é necessário a análise, no
âmbito da tipicidade, de duas perspectivas: a tipicidade formal, ligada a subsunção
formal da conduta praticada ao tipo penal, com a concretização de todos os elementos
descritos no tipo; e da tipicidade material que está ligada a existência de lesão ou
ameaça de lesão a bem jurídico- penal que seja relevante na esfera penal (ISOLDI
FILHO, 2008, p.53).
Assim, embora a análise dos elementos do tipo (tipicidade formal) usualmente
dependa de um raciocínio relativamente simples, a inserção de elementos que tornem o
tipo penal uma norma penal em branco, complexifica a análise a qual não mais se
restringe à literal leitura de suas disposições, mas demanda uma análise sistemática.
Muitos trabalhos se debruçam sobre os desafios das leis penais em branco no que
concerne ao seu complemento, discutindo a relação entre o próprio tipo e as respectivas
autorizações e normativas ambientais. No presente caso, contudo, tem-se uma especial
complexidade: o problema não está diretamente localizado no tipo penal e em seu
complemento, mas em uma especial disposição do Código Minerário que exclui por
completo o elemento em branco do tipo, afirmando que, não havendo finalidade
comercial, não há que necessidade de licenciamento. Ou seja, para além das
regulamentações acerca da autorização e licenciamento, usuais complementos dos tipos
penais em análise, deve a doutrina se atentar para a causa de exclusão da tipicidade
prevista do Código Minerário, a qual torna desnecessário o licenciamento.
Essa previsão termina por excluir a tipicidade formal, na medida em que se
exclui o dever do superficiário de obter a “competente autorização, permissão,
concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida”. De fato, haverá extração de
matéria prima sem a competente licença, dever este, contudo, excluído pela norma do
Código Minerário.
A leitura desse elemento em branco do tipo raramente é confrontada com a causa
de exclusão da tipicidade prevista no Código de Mineração, terminando por esvaziá-la.
Por se encontrar em um Código apartado da seara penal e distante ao tipo penal, a
disposição do Código Minerário raras vezes é lembrada, não obstante sua enorme
relevância nesses crimes, na medida em que permite a exclusão do próprio tipo penal.
Nesse sentido, a despeito da expressa disposição do vigente artigo 3º, §1º do
Código de Mineração brasileiro, Decreto lei nº 227, de 28 de fevereiro de 19678, e do
entendimento jurisprudencial firme9, têm sido instauradas inúmeras investigações tendo

8
BRASIL. Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967. Código de Mineração.
“Art 3º Êste Código regula:
I - os direitos sobre as massas indivídualizadas de substâncias minerais ou fósseis, encontradas na
superfície ou no interior da terra formando os recursos minerais do País;
II - o regime de seu aproveitamento, e
III - a fiscalização pelo Govêrno Federal, da pesquisa, da lavra e de outros aspectos da indústria mineral.
§ 1º. Não estão sujeitos aos preceitos deste Código os trabalhos de movimentação de terras e de desmonte
de materiais in natura, que se fizerem necessários à abertura de vias de transporte, obras gerais de
terraplenagem e de edificações, desde que não haja comercialização das terras e dos materiais resultantes
dos referidos trabalhos e ficando o seu aproveitamento restrito à utilização na própria obra”
9
Nesse sentido, destacam-se: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL 5014224-97.2015.4.04.7107/RS, TRF-4,
SÉTIMA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Data da Decisão: 10/10/2017; ACR
0002618-12.2013.4.01.3810, JUÍZA FEDERAL ROGÉRIA MARIA CASTRO DEBELLI (CONV.),
TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:31/05/2017; RECURSO ESPECIAL Nº 843.403 - RS
(2006/0091244-6), RELATOR : MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO
DO TJ/SP)

345
por objeto a lavra e extração de recursos minerais, sem qualquer destinação comercial,
para a abertura de vias, terraplanagem ou edificações em imóvel rural próprio.
Não se nega a crescente seriedade da criminalidade ambiental, cujos riscos
envolvidos assumem dimensões cada vez maiores, como se percebe nos recentes casos
de rompimento de barragens em Minas Gerais. Entretanto, a crescente busca de
soluções por meio do Direito Penal para problemas ambientais acaba por expandir a
repressão do Estado também para pequenos produtores rurais.
O Código de Mineração brasileiro de 1967, atualmente, encontra-se em grande
parte revogado, o que talvez explique o seu esquecimento e a recusa de sua aplicação na
fase pré-processual de apuração de crimes ambientais. Entretanto, é necessário lembrar
que o código exonera o indivíduo da necessidade de autorização, permissão concessão
ou licença para a extração de recursos sem finalidade comercial, mas sim operacional e
no âmbito do imóvel rural próprio.
À natureza excludente da tipicidade dessa norma permissiva se soma o próprio
conceito jurídico de lavra. Como se percebe da análise do artigo 36 do Decreto-lei nº
227/67, encontra-se o conceito vinculado à atividade industrial, na medida em a norma
prescreve ser a lavra o conjunto de operações coordenadas objetivando o
aproveitamento industrial da jazida, desde a extração das substâncias minerais úteis que
contiver, até o seu beneficiamento. Interessante apontar que, para William Freire, até
mesmo a exploração de minerais para emprego imediato em construção civil a qual não
configure empreendimento econômico e interesse mercantil próprios, não estariam
sujeitas às regras de licenciamento mineral, mas a normas do Direito Comum (FREIRE,
1995, p. 140). Segundo Régis Prado, a extração mineral se configura em atividades de
lavra ou garimpagem, ambas as quais envolvem uma noção de aproveitamento de
minerais vinculada a permissões (PRADO, 2009, p. 276).
Assim, conforme o próprio conceito do artigo 36 do Decreto-lei 227/67, lavra
consiste em atividades coordenadas que objetivam o aproveitamento industrial da
jazida. A garimpagem é atividade de aproveitamento de matérias com essa finalidade,
sob regime de permissão para lavra garimpeira (art.10 Lei nº 7.805/1989), ou seja, com
a permissão da União para o imediato aproveitamento de jazidas sem a precedente
pesquisa, tratando-se, dessa forma, de exploração a nível econômico. Vale destacar a
lição de Freire: “Licenciamento mineral é o consentimento da União a particular para
lavra de minerais que tenham utilização imediata na construção civil” (2009, p. 139).
Ou seja, a extração deve possuir interesse mercantil.
De tal sorte, resta claro que o ordenamento brasileiro exime o superficiário que
pretende exercer atividades de lavra e extração para uso interno e sem destinação
comercial da necessidade de concessão. Ou seja, não depende o particular do
consentimento da União consubstanciado no título de concessão de lavra, para esse uso
das reservas minerais. Desse modo, é evidente que nos casos em que a extração mineral
ocorre conforme o delineamento da norma permissiva, não é possível a concretização
dos tipos penais do art. 55 da Lei de Crimes Ambientais, bem como do art. 2º da Lei nº
8.176/1991 uma vez que ausente um dos elementos do tipo e o próprio conteúdo de
sentido da lavra.
A despeito disso, não apenas são instauradas investigações sem que se leve em
conta a causa de exclusão, como também se verifica uma recusa à realização de perícia
que aponte para a destinação da lavra, não sendo permitido que a Defesa produza essa
prova essencial. Por outro lado, o Ministério Público também não se preocupa em
produzir a prova da inocorrência dessa causa de exclusão da tipicidade, falhando em
efetivamente demonstrar a concretização de todos elementos constitutivos do tipo penal
e consequentemente o próprio enquadramento da conduta ao tipo. Em função da

346
garantia constitucional da presunção da inocência, a comprovação, por meio de
realização de perícia técnica ou outra modalidade de prova apontando a finalidade da
extração é imprescindível para que se possa conformar o ilícito, o que será melhor
trabalhado no tópico seguinte.

3. Dimensão probatória da presunção de inocência: ônus probatório do Ministério


Público em relação à não ocorrência de causa de exclusão da tipicidade
Como anteriormente mencionado, o presente trabalho parte de uma concepção
garantista e do pressuposto de um processo penal orientado pelos ditames
constitucionais. Dentro dessa perspectiva, o princípio da Presunção de Inocência,
previsto no art. 5º, LVII, da Constituição, é basilar e imprescindível para o
desenvolvimento de um processo penal democrático. Conforme a abordagem
doutrinária tradicional, referido princípio apresenta diversas dimensões, sendo um
informador de todo processo penal, uma determinação de regra de tratamento para o
acusado, bem como operando como uma regra com importantes efeitos no âmbito
probatório (LÓPEZ, 2005, p. 118). A despeito da importância de todas as suas facetas,
para a esta pesquisa, o ponto essencial reside na dimensão probatória da presunção de
inocência.
Como regra probatória, a presunção de inocência outorga, integralmente, à
acusação o ônus da prova (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 395). Dessa forma, ela deve
comprovar todas as alegações feitas na denúncia, demonstrando todos os elementos do
delito, notadamente: a tipicidade, ilicitude e culpabilidade, bem como a ausência de
causas que as excluam (LOPES JÚNIOR, 2012, p. 397). Ao réu são oferecidas
oportunidades no processo para que exerça estrategicamente o seu direito de se
defender, sem, contudo, possuir qualquer ônus ou dever probatório, haja vista ser
presumidamente inocente.
Não obstante, ainda são comuns, na doutrina e jurisprudência, entendimentos
enviesados para uma ideologia antidemocrática e cega ao princípio constitucional,
pautando-se no art. 156 do Código de Processo Penal (de matriz claramente inquisitória)
e determinando que a “prova da alegação caberá quem a fizer”. Nesses termos, seria
possível argumentar, de forma completamente equivocada, que a defesa teria que
comprovar uma possível causa de exclusão da tipicidade, ilicitude ou culpabilidade10
ocorrendo uma desvirtuação da regra probatória estabelecida pelo princípio da
presunção de inocência.
Nos tipos penais sob análise, dos artigos 2º da Lei nº 8.176/1991 e 55 da Lei nº
9.605/98 em função de serem normas penais em branco, como já mencionado em tópico
anterior, a discussão principal sobre a carga probatória recai na comprovação da não
ocorrência de causa de exclusão da tipicidade prevista no Código de Mineração e ligada
à finalidade da conduta. Afinal, se somente haverá tipicidade se a lavra possuir
finalidade econômica, a simples comprovação de que houve extração ou movimentação
de recursos, do ponto de vista criminal, não possui relevância jurídica.
Dessa forma, em respeito ao princípio da presunção de inocência, a acusação
deveria produzir elementos probatórios que comprovem a ocorrência de todos os
elementos constitutivos do tipo penal, inclusive uma prova “negativa” da não ocorrência
de causa de exclusão da tipicidade. Assim, a questão principal é relativa à finalidade da
extração mineral ou usurpação, se comercial ou não. Como já explicitado, o Código de

10
Ressalta-se que há entendimentos consolidados sobre o ônus probatório da defesa em relação a causas
de justificação e exculpação (CHOUKR, 2017, p.452-453)

347
Mineração estabelece que no caso de falta de finalidade comercial, não seria necessária
nenhuma autorização ou meio semelhante para o aproveitamento de substâncias
minerais, sendo evidente que apesar de estar contida fora do tipo penal, a necessidade de
autorização é essencial para determinar se ocorreu uma conduta típica, devendo
consequentemente ser comprovada pela acusação. A finalidade passa, portanto, a
integrar a própria tipicidade dos referidos delitos.
O fato de existirem causas de exclusão da tipicidade exteriores ao próprio tipo
penal e espalhadas pelo ordenamento acabam por complexificar a discussão e a própria
análise probatória, não podendo, contudo, serem negligenciadas. Na prática jurídica,
ainda ocorrem situações que o órgão acusatório sequer menciona a finalidade da
conduta, sendo, por outro lado, indeferido o pedido da defesa de produção de provas em
relação a essa mesma finalidade, ficando esta em total esquecimento. Essa situação
demonstra clara violação não apenas a presunção de inocência, mas também a própria
garantia estabelecida pelo tipo penal, de dar segurança jurídica sobre quais condutas
poderão ou não ser objeto de sanção.
Vale também mencionar, que já existem julgados adotando novas posições em
relação a esse tema e reconhecendo a necessidade de se diferenciar condutas com ou
sem finalidade comercial em relação aos tipos penais sob análise, podendo-se citar
como exemplo, no âmbito do TRF-1, o julgamento da Apelação Criminal nº 0013391-
69.2015.4.01.3900 de junho de 201811. Não obstante, isso ainda é feito de forma
atécnica, aplicando-se o princípio da insignificância, ligado à exclusão da tipicidade
material, ao invés de se reconhecer a existência de uma causa de exclusão da tipicidade
que impede a concretização da mera tipicidade formal.
Por fim, a questão do indeferimento de produção de prova pela defesa, relativa à
finalidade comercial, apenas demonstra a gravidade da situação de esquecimento em
que se encontra a mencionada causa de exclusão da tipicidade. Afinal, além de não ser
exigida da acusação a comprovação da não ocorrência dessa causa, ainda é impedido à
defesa de realizar uma perícia, por exemplo, para comprovar a exclusão da tipicidade.
Dessa forma, além da violação do princípio da presunção de inocência, essa situação
também viola os princípios do contraditório e da ampla defesa, cerceando a atuação
defensiva do imputado pelos crimes analisados.

Considerações finais
O presente trabalho buscou chamar atenção para o fato de que os artigos 2º da
Lei nº 8.176/1991 e 55 da Lei nº 9.605/98, que versam sobre a usurpação mineral e
lavra e extração ilegal ou irregular, sofrem incidência direta do dispositivo do Código de
Mineração (art. 3º, §1º, do Decreto Lei nº 227/1967), que define em quais situações é
necessária a regulação estatal para utilização desses recursos naturais.
Essa previsão do Código de Mineração acaba por configurar uma norma
permissiva que exclui a tipicidade formal dos crimes sob análise. Esse dispositivo
também está diretamente relacionado com o reconhecimento, pelo Estado, do direito
dos indivíduos de estar em situação de interdependência com o meio que os rodeia até o
limite de não provocação de dano ao ambiente. Em consonância com esse entendimento
está o autor Luiz Regis Prado quando esclarece que “a ideia de desenvolvimento
sustentável se vincula à utilização dos recursos naturais e de desfrute do meio ambiente
de modo a satisfazer as necessidades do presente sem comprometer o futuro” (2009, p.

11
Nesse sentido: ACR 0013391-69.2015.4.01.3900, DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON
GUEDES, TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 05/06/2018.

348
65). Nesse sentido, demonstrou-se que essa causa de exclusão da tipicidade, ainda passa
despercebida, podendo ocasionar imputações ou condenações injustas e contrárias ao
próprio ordenamento jurídico.
Buscando a melhor compreensão de todo o exposto, interessante a resolução do
caso proposto na introdução do trabalho. Tomando como base os dados articulados, ao
indivíduo P não se poderiam atribuir os crimes pelos quais foi denunciado em função da
extração e movimentação de recursos minerais no âmbito do terreno no qual é
superficiário. Isso se justifica por se tratar da mera utilização artesanal e sem finalidade
comercial, ligada apenas à sua necessária interdependência ao ambiente para que possa
se autodeterminar de forma digna em seu espaço de subsistência. Nesse caso, não há
que se falar em configuração da tipicidade formal, visto que, está excluído o elemento
do tipo penal ligado à execução de conduta sem autorização ou em desacordo com esta.
Além disso, quando o Ministério Público produz prova apenas em relação à conduta de
extração mineral acaba por não se desincumbir do ônus probatório de demonstrar a
ocorrência de crime. Isso ocorre, vez que não ocorreu a realização de prova relativa à
inocorrência da causa de exclusão da tipicidade prevista no art. 3º, §1º do Código de
Mineração, havendo clara violação do princípio da presunção de inocência, reitor do
processo penal. Especialmente grave é o indeferimento de realização de perícia pela
defesa, impedindo a participação do acusado de forma plena e efetiva no processo, de
modo a violar os princípios do contraditório e da ampla defesa, assegurados no artigo
5º, inciso LV da Constituição da República de 1988.
Percebe-se, portanto, a relevância do problema e a necessidade em voltarmos
nossos olhos ao velho Código de Mineração brasileiro. Afinal, com base nos princípios
da intervenção mínima e da ofensividade reitores do Direito Penal, e nos princípios da
presunção de inocência, contraditório e ampla defesa, determinantes para um processo
penal democrático, além do próprio princípio constitucional do desenvolvimento
sustentável, a causa de exclusão da tipicidade prevista no Código Minerário, deve ser
percebida, bem como comprovada sua inocorrência pelo Ministério Público. Apenas
com a observância desses critérios será possível que a conduta seja formalmente típica,
impedindo a responsabilização penal de condutas legítimas e lícitas para o ordenamento
jurídico.

REFERÊNCIAS

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Elsevier, 2008.

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Montevideo: Editorial B de F Ltda., 2005.

CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: comentários consolidados e


crítica jurisprudencial. vol.1. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017.

FREIRE, William. Comentários ao código de mineração. Rio de Janeiro: Aide, 1995.

GOMES, Luiz Flávio; MACIEL, Silvio. Crimes ambientais: comentários à Lei


9.605/98 (arts. 1º a 69-A e 77 a 8). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

349
HORTA, Frederico. Elementos normativos das leis penais e conteúdo intelectual do
dolo: da natureza do erro sobre o dever extrapenal em branco. São Paulo: Marcial Pons,
2016.

ISOLDI FILHO, Carlos Alberto da Silveira. Causas de exclusão da tipicidade. Belo


Horizonte: Mandamentos, 2008.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

LÓPEZ, Mercedes Fernández. Prueba y presunción de inocencia. 1.ed. Madrid: Iustel,


2005.

NETO, Nicolao Dino; FILHO, Ney Bello; DINO, Flávio. Crimes e infrações
administrativas ambientais. 3ª ed. Belo Horizonte: DelRey, 2011.

PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2009.

VARGAS, José Cirilo de. Do Tipo Penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.

350
REFLEXÕES HERMENÊUTICAS ACERCA DA POSSIBILIDADE DA
PRÁTICA DA VAQUEJADA NO BRASIL

Hermeneutic reflections about the possibility of the vaquejada in Brazil

Lara Maia Silva Gabrich1


Naiara Carolina Fernandes de Mendonça2

Resumo: O artigo traz reflexões sobre a situação jurídica da vaquejada no Brasil, diante
do conflito entre normas, sob a perspectiva hermenêutica. Considerando o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado e a liberdade das manifestações culturais,
em que pese a fragilidade dos argumentos hermenêuticos na decisão da ADI 4983,
houve coerência com os precedentes judiciais do próprio STF, entendendo-se que a
norma que veda conduta deve se sobrepor à que determina apenas proteção e, assim, a
proibição da vaquejada é medida que se impõe, restritivamente, pelo caráter da
crueldade (semanticamente de domínio público e fácil compreensão). Além disso, a Lei
nº 13.364/2016 e a EC nº 96/2017 são incompatíveis com o ordenamento jurídico
brasileiro, embora ainda não tenham sido objeto de controle de constitucionalidade pelo
STF.

Palavras-chave: Vaquejada; Crueldade; Manifestação cultural; Normas; Hermenêutica.

Abstract: The article brings reflections on the legal situation of the vaquejada in Brazil,
faced with the conflict between norms, from a hermeneutic perspective. Considering the
right to the ecologically balanced environment and the freedom of cultural
manifestations, in spite of the fragility of the hermeneutical arguments in the decision of
ADI 4983, there was coherence with the judicial precedents of the STF itself, it being
understood that the norm that prohibits conduct should be to overlap with that which
determines only protection, and thus the prohibition of the cowherd is a measure that is
strictly imposed by the character of cruelty (semantically public domain and easy to
understand). In addition, Law 13364/2016 and EC No. 96/2017 are incompatible with
the Brazilian legal system, although they have not yet been subject to constitutional
review by the Supreme Court.

Keywords: Vaquejada; Cruelty; Cultural manifestation; Standards; Hermeneutics.

1
Advogada. Professora do curso de Direito do Centro Universitário FIPMoc – UNIFIPMoc. Mestranda
em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara
(ESDHC).
2
Advogada. Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom
Helder Câmara (ESDHC).

351
Introdução

A vaquejada tem origem sertaneja, surgindo no nordeste brasileiro, como meio


de entretenimento dos vaqueiros das fazendas. A derrubada do boi pelo vaqueiro,
montado em um equino, tornou-se parte dessa cultura regional, que, com sua
popularização, passou a ser promovida como espetáculo, característica de consumo.
Mas, somente em 2013, a celeuma envolvendo o tratamento jurídico à vaquejada
no Brasil foi instaurada, a partir do momento em que o estado do Ceará promulgou a
Lei nº 15.299/2013, objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) número 4983
proposta no STF pelo Procurador Geral da República, sob o argumento de que, na
forma como se consolidou, como um evento midiático, a vaquejada não se caracteriza
como manifestação cultural e, mais ainda, a crueldade experimentada pelos animais
para mero divertimento humano não se coadunaria com a proteção determinada pela
própria CRFB/88, que deve prevalecer no caso concreto. Desse modo, entendeu a Corte
em 2016 que a Lei cearense é inconstitucional por não se permitir práticas que
submetam animais à crueldade no Brasil.
Ocorre que, justamente por incomodar os interesses de um setor da sociedade
que se movimenta economicamente da prática, meses após a decisão do STF foi
publicada, em novembro de 2016, a Lei federal nº 13.364/2016, que determina à
vaquejada a condição de manifestação da cultura nacional e de patrimônio cultural
imaterial, e, arrematando a manobra legislativa, foi promulgada a Emenda
Constitucional nº 96/2017, que acrescentou, justamente ao artigo 225 que fundamentou
a decisão do STF, um novo parágrafo, dispondo que não seriam cruéis práticas
desportivas com animais, desde que manifestações culturais e, mais ainda, registradas
como patrimônio imaterial brasileiro.
Excepcionou-se a vaquejada da proibição como prática cruel, ou seja, um
caminho direto e mais curto para atingir aos anseios do legislador, sem submeter-se aos
limites do Judiciário. Além do conflito entre normas, escancara-se o conflito entre os
poderes, o que confronta o próprio Estado Democrático de Direito.
Para isso, desenvolveu-se uma pesquisa com a metodologia jurídico-teórica,
qualitativa, e procedimento de raciocínio dedutivo, a fim de analisar a interpretação
hermenêutica acerca do conflito entre normas, tendo como pano de fundo as disposições
constitucionais e o parâmetro da decisão do STF e seus precedentes.

1 A vaquejada no Brasil: aspectos gerais e a interpretação do ordenamento


jurídico

A presente seção tem por objetivo estabelecer o conceito da vaquejada, para fins
desta pesquisa, bem como as particularidades da atividade, de modo a compreender sua
natureza, finalidade e organização.
Nesse sentido, Da Silva e Azevedo (2014, p. 62-63) afirmam que a prática da
vaquejada, “na sua forma tradicional, nas cidades nordestinas, principalmente, no Rio
Grande do Norte, surgiu a partir do ciclo do gado, [...] com uma simples pega de boi,
com o vaqueiro correndo atrás das reses até derrubá-la pela cauda, prendê-la e entregá-
la ao seu proprietário”, razão pela qual a atividade é largamente conhecida nas regiões
norte e nordeste do Brasil.
Em sua origem, no sertão nordestino, servia apenas como meio de
entretenimento dos vaqueiros das fazendas e a derrubada do boi pelo vaqueiro montado
em um equino era sinônimo de divertimento para os que vivenciavam a lida rural. Com
a prática popularizada em sua versão simplista, alguns fazendeiros passaram a promovê-

352
la cobrando a participação dos vaqueiros, em dinheiro, que seria revertido em prêmios
para os que tivessem melhor desempenho (DA SILVA; AZEVEDO, 2014). A atividade
então:
[...] passou a ter lugar nas cidades a partir do momento em que começou a
centralizar a vida econômica e social das mesmas [...]. Inicialmente, a
vaquejada mantém sua tradição campesina. No entanto, após alguns anos,
essas festas foram ganhando mais adeptos, passando a fazer parte da
programação oficial dos eventos regionais das cidades [...] (DA SILVA;
AZEVEDO, 2014, p. 63-64).

E, assim, sobretudo após a década de 60, a brincadeira de mera distração de


vaqueiros passou a ser competição ferrenha, momento em que, angariando curiosos de
ambientes alheios ao rural, transformou-se em espetáculo, conquistando parques
maiores, públicos numéricos e prêmios vultosos. A partir de então, conforme Da Silva e
Azevedo (2014, p. 68), as cifras são diretamente proporcionais ao divertimento de seus
atores, uma vez que todas essas recaracterizações da vaquejada “fizeram com que as
pessoas passassem a ver estes eventos não só́ como uma opção de lazer e divertimento,
mas também como uma opção de consumo, o qual leva a satisfação da vaidade humana,
modificando as relações sociais”.
Atualmente, há no Brasil uma associação que regula as regras da atividade por
ela considerada esportiva: a Associação Brasileira de Vaquejada (ABVAQ),
estabelecendo, como regra basilar, que:

As disputas são entre várias duplas, que montados em


seus cavalos perseguem pela pista e tentam conduzir o boi na faixa
apropriada para a prova, com dez metros de largura, desenhada na areia da
pista com cal. Cada vaqueiro tem uma função: um é o batedor de esteira, o
outro é o puxador (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE VAQUEJADA,
c2019, n.p.).

Exatamente pela característica de perseguição e derrubada do boi, em


velocidade, puxando-o pelo rabo, bruscamente, a vaquejada passou a ser alvo de
inúmeras críticas da sociedade, sobretudo vindas por parte de grupos de proteção aos
animais e ambientalistas, sob a argumentação de que os bovinos participantes seriam
tratados com crueldade e as lesões neles causadas pela prática gerariam dor e
sofrimento, razão pela qual seria juridicamente.
Por outro lado, nas regiões em que empreendida, a vaquejada é responsável pela
estruturação econômica regional, com geração de empregos e movimentação de
comércio, além de ser reconhecida como parte da cultura e identidade das comunidades
onde exercida.
Dessa celeuma quanto a sua natureza, isto é, se é realmente meio de crueldade
contra animais e, por isso, inconcebível sua prática, ou se é instrumento de elevação
cultural e movimentação econômica e, por isso, deve ser permitida, a vaquejada foi,
entre os anos de 2013 a 2017, alvo de atividade legiferante diversa – tanto em conteúdo,
quanto em competência –, bem como objeto de julgamento emblemático pelo STF, o
que não a retirou da zona gris no ordenamento jurídico brasileiro e sua conformação à
CRFB/88.
Em um intervalo de aproximadamente quatro anos, a vaquejada foi:
regulamentada por lei estadual no Ceará; vedada pelo STF, ao julgar inconstitucional
referida lei; reconhecida em lei como patrimônio cultural imaterial brasileiro; e objeto
de Emenda Constitucional. Ou seja, a prática aqui analisada é vista dentro do próprio
ordenamento jurídico brasileiro sob múltiplos aspectos. Mais, ainda, percebe-se a
inexistência de diálogo e entendimento entre os três Poderes. Daí, a necessidade de

353
reflexão sobre os processos interpretativos e de argumentação acerca da questão, o que,
naturalmente, exige certa atividade hermenêutica, conforme se passa a explorar.
Pode-se afirmar que o tratamento jurídico dado à prática da vaquejada reflete a
zona socialmente conflituosa que parte de questões valorativas e, como tal, segundo
Oliveira (2016, p. 61, grifo do autor), precisa-se partir da premissa de que:

A pluridimensionalidade e a transexistencialidade da condição humana, a


diversidade das relações intersubjetivas, a complexidade do mundo cultural e
a necessária inserção do ser humano no mundo natural produzem, no decurso
da história, referenciais simbólicos que, ideal e pragmaticamente, fixam
sensos de adequação /inadequação individuais e coletivos, segundo as
preferências e interesses objetivamente dominantes na cultura.

Quer dizer então que todas as compreensões, individuais ou coletivas, do eu ou


do outro, do natural ou do cultural, formam-se conforme cada referencial simbólico,
razão pela qual há multiplicidade de valores. No entanto, no contexto do Estado
Democrático de Direito, não se pode olvidar que o sistema jurídico deve ser,
absolutamente, “concebido, constituído, interpretado e aplicado sob o enfoque dos
princípios decorrentes da força normativa da Constituição” (OLIVEIRA, 2016, p. 242),
bem como contextualizados todos os fenômenos jurídicos infraconstitucionais. Assim,
dentro dessa perspectiva constitucional, passa-se à análise da situação jurídica da
vaquejada.

2 A Lei estadual do Ceará nº 15.299/2013 e a ADI 4983

Como visto, a vaquejada surgiu no Nordeste, tornando-se prática cultural


amplamente praticada na região, considerada esportiva, mesmo sob as críticas acerca
dos possíveis maus tratos aos animais participantes, em razão das lesões e sequelas aos
bovinos. Sendo, pois, de interesse local, foi o estado do Ceará o primeiro no Brasil a
regulamentar em lei a prática da vaquejada, por meio da Lei nº 15.299/2013, publicada
em 08/01/2013, como forma de demonstrar que sua execução atende a critérios que
protegem os envolvidos na atividade.
Composta por apenas 6 artigos, a legislação expressamente eleva a vaquejada à
condição de atividade desportiva e cultural no estado cearense e estabelece critérios para
competição. Não obstante o caráter esportivo, os artigos 4º e 5º determinam
responsabilidade aos organizadores de “adotar medidas de proteção à saúde e à
integridade física [...] dos animais”, exigindo-se que “o transporte, o trato, o manejo e a
montaria do animal [...] devem ser feitos de forma adequada para não prejudicar a saúde
do mesmo”. Como penalidade, “o vaqueiro que, por motivo injustificado, se exceder no
trato com o animal, ferindo-o ou maltratando-o de forma intencional, deverá ser
excluído da prova” (CEARÁ, 2013).
Ocorre que a lei foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4983),
ajuizada pelo Procurador Geral da República, sob o argumento de que não se
conformava com a CRFB/88. Percebe-se que a tônica das argumentações se sustentou
no conflito entre a proteção ao meio ambiente (artigo 225) e o direito à manifestação
cultural (artigos 215 e 216). Após julgamento pelo plenário, por maioria, decidiu-se pela
inconstitucionalidade:

A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos


culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não
prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta
Federal, o qual veda a prática que acabe por submeter os animais à crueldade.
Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada (BRASIL, 2016).

354
Ressalte-se que o julgamento seguiu a tradição nos precedentes de julgamentos
similares pela Corte, como nos casos da farra do boi (RExt 153.531, julgado em junho
de 1997) e da briga de galos (ADI 1.856, julgada em maio de 2011), julgamentos que se
pautaram a favor da proteção ao meio ambiente.
Em seu voto, o relator, Ministro Marco Aurélio menciona que:

A par de questões morais relacionadas ao entretenimento às custas do


sofrimento dos animais, bem mais sérias se comparadas às que envolvem
experiências científicas e médicas, a crueldade intrínseca à vaquejada não
permite a prevalência do valor cultural como resultado desejado pelo sistema
de direitos fundamentais da Carta de 1988 (BRASIL, 2016).

O argumento utilizado pelo relator, acompanhado dos demais votos


vencedores, então, sustenta-se no sentido da expressão “crueldade” contida no artigo
225, § 1º, VII 3, isso porque, os autos foram instruídos com laudos periciais técnicos que
comprovaram que a vaquejada deixa sérias sequelas nos bovinos, em razão da tração na
cauda e da agressiva queda, além dos efeitos do cenário de perseguição:

[...] fraturas nas patas, ruptura de ligamentos e de vasos sanguíneos,


traumatismos e deslocamento da articulação do rabo ou até o arrancamento
deste, resultando no comprometimento da medula espinhal e dos nervos
espinhais, dores físicas e sofrimento mental. Apresentou estudos no sentido
de também sofrerem lesões e danos irreparáveis os cavalos utilizados na
atividade: tendinite, tenossinovite, exostose, miopatias focal e por esforço,
fraturas e osteoartrite társica (BRASIL, 2016).

Os ministros que votaram favoráveis à constitucionalidade da legislação


cearense, por sua vez, sustentaram-se em argumentos genéricos de que não haveria
crueldade e que o objeto da ação não seria proibir ou permitir a prática, mas debruçar-se
sobre a conformação da lei à norma constitucional (BRASIL, 2016). Entretanto, os
argumentos utilizados, bem como as reflexões hermenêuticas serão esmiuçados em
tópico adiante, pois, mesmo após a decisão do STF a vaquejada foi objeto de atividade
legislativa, conforme se verá na próxima seção.

3 A Lei nº 13.364/2016 e a EC nº 96/2017: da crueldade à manifestação cultural

Após, então, o posicionamento do STF, frise-se, mantendo o precedente de


repulsa à crueldade contra animais, ainda que transvestida de eventos manifestamente
culturais, foi publicada, em novembro de 2016, a Lei federal nº 13.364/2016, que, em
seu artigo 1º dispõe que “esta Lei eleva o Rodeio, a Vaquejada, bem como as
respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestações da cultura
nacional e de patrimônio cultural imaterial” (BRASIL, 2016).

3
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

355
Desse modo, referida lei já nasce declaradamente inconstitucional, pois o STF já
havia se posicionado quanto à prevalência da defesa ao meio ambiente em detrimento
da questão cultural, pontos específicos a serem analisados adiante nesta pesquisa.
Contudo, antes que o controle fosse exercido, foi promulgada uma Emenda
Constitucional, em 2017, EC nº 96/2017, que acrescentou, justamente ao artigo 225 que
fundamentou a decisão do STF acima demonstrada, um novo parágrafo, o §7º 4,
dispondo que não seriam cruéis práticas desportivas com animais, desde que
manifestações culturais e, mais ainda, registradas como patrimônio imaterial brasileiro
(BRASIL, 2017).
Escancarou-se assim uma manobra legislativa para esquivar-se da proibição à
vaquejada decidida pela Corte, ou seja, um caminho direto e mais curto para atingir aos
anseios do legislador, sem submeter-se aos limites do Judiciário. E, assim, não há como
não resgatar o mercado de espetáculos e circulação de valores que se tornou a vaquejada
no Brasil, nos últimos anos, interesse, inclusive, econômico, que direciona os ditos
referenciais simbólicos, contrariamente a uma possível racionalidade ambiental. Para
Leff (2010, p. 124), a sociedade do capital e consumo “gerou um crescente processo de
racionalização formal e instrumental que moldou todos os âmbitos da organização
burocrática, os métodos científicos [...], os diversos órgãos do corpo social e os
aparelhos jurídicos e ideológicos do Estado”.
Reflete-se, assim, dessa aparente desarmonia entre os Poderes e do
comportamento do legislador em forçosamente fazer valer seus interesses políticos, que
“os arroubos discursivos são perigosos, mas, obviamente, não são tão perigosos quanto
a redução da democracia e da Constituição a uma mera retórica” e, para que esse
reducionismo não ocorra, “É preciso ver todo o processo constitucional em sua
complexidade, em sua artificialidade, sendo fundamental que ele próprio seja garantido
como um processo democrático” (CARVALHO NETTO, 2002, p. 72-73).
Desse modo, cabe no próximo tópico, analisar todos esses contextos,
jurisprudencial e legislativos, sob a perspectiva constitucional e a compatibilidade da
prática da vaquejada com o ordenamento jurídico brasileiro, considerando o paradigma
do Estado Democrático de Direito e a CRFB/88.

4 O possível conflito entre o STF e o poder legislativo e a defesa dos direitos e


garantias fundamentais: uma análise normativo-constitucional

Como visto, a possibilidade jurídico-constitucional da prática da vaquejada no


Brasil foi, em um curto lapso temporal, compreendida e afirmada de modos divergentes
pelo Judiciário e pelo Legislativo, ainda se constituindo zona gris interpretativa, mesmo
após a EC 96/2017.
Isso porque a favor da vaquejada, há o direito fundamental da manifestação
cultural, previsto no artigo 215 da CRFB/88; contrariamente à atividade, a vedação à
crueldade com os animais como proteção ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, previsto no artigo 225 da CRFB/88. Não obstante, houve a decisão do STF

4
§7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as
práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do
art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio
cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais
envolvidos.

356
que considerou a proteção ambiental bem juridicamente tutelado mais relevante no
confronto. Mas, em desarmonia de Poderes, logo após a decisão da Corte, houve
promulgação de Lei Federal, aqui já vista, que erigiu a vaquejada à condição de
patrimônio cultural e imaterial brasileiro, seguida promulgação da EC nº 96/2017, que,
modificando o artigo 225, não considera prática cruel as que forem manifestações
culturais.
Desse modo, necessária análise a seguir delineada.

4.1 As naturezas jurídicas da proteção ao meio ambiente e do direito à


manifestação cultural e elementos de sua proteção

Antes de analisar-se, especificamente, o contexto da vaquejada, é necessário


pontuar que o direito ao ambiente equilibrado é um dos direitos fundamentais de
terceira dimensão, os quais

[...] também denominados direitos de fraternidade ou de solidariedade,


trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da
figura do homem indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de
grupos humanos (família, povo, nação), caracterizando-se,
consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa
(SARLET, 2001, p. 52).

Dessa compreensão, extrai-se o primeiro ponto de tensão acerca do até aqui


apresentado: se a natureza jurídica da proteção ambiental é de direito fundamental, por
si só, não é cabível um intervencionismo do Estado:

A ‘Constituição do caso’ e ‘do juiz’ acaba por desnortear a própria teoria


constitucional, pois em que bases se permite falar consistentemente em um
poder constituinte originário, se a sua obra for uma simples referência vaga
entre os espectros de razoabilidade sem fim à disposição de poderes em tese
constituinte? Como se pode falar de superioridade (de higher law) e rigidez
constitucional, se a cada instante há um parâmetro de constitucionalidade que
abraça conteúdos imprevisíveis, suscitando mudanças informais e a própria
desformalização mutante da Constituição? (SAMPAIO, 2013, p. 95).

Entende-se, portanto, que a rigidez constitucional não possibilita nenhuma


relativização ou flexibilização das cláusulas pétreas, das quais os direitos fundamentais
são parte. Não obstante, segundo Costa (2016), a criação exagerada de direitos do
homem cada vez mais específicos, onde já se tem a ampla proteção, é um alerta, já que
direito fundamental não deve ser objeto de atividade legiferante.
Logo, necessário se cravar a intangibilização do direito fundamental ambiental,
já que a função de se preservar o meio ecologicamente equilibrado para as presentes e
futuras gerações (pacto intergeracional) é ônus constitucional para antecipação à
previsibilidade de danos (princípio da precaução). Para tanto,

A Constituição não pode abdicar da salvaguarda de sua própria identidade,


assim como da preservação e promoção de valores e direitos fundamentais;
mas não deve ter a pretensão de suprimir a deliberação majoritária legítima
dos órgãos de representação popular, juridicizando além da conta o espaço
próprio da política. O juiz constitucional não deve ser prisioneiro do passado,
mas militante do presente e passageiro do futuro (BARROSO, 2009, p. 168).

357
Além disso, “tendo sido o meio ambiente consagrado como direito humano,
podemos opor à regressão do Direito Ambiental argumentos jurídicos fortes, em nome
da efetividade e da intangibilidade dos direitos humanos” (PRIEUR, 2012, p. 15),
máxima do princípio da vedação ao retrocesso, segundo o qual não se pode retroceder
naquilo que foi minimamente conquistado e garantido como direito na ordem ambiental.
O pacto intergeracional abstraído do artigo 225 da CRFB/88 impõe ao legislador e a
todos um plus para fortalecer o amparo ao próprio ser humano.
Certo é, pois, que o artigo 225 indica que há, no texto constitucional, “direitos,
deveres e princípios ambientais (a) explícitos e implícitos, (b) substantivos e
procedimentais, e (c) genéricos e específicos” (BENJAMIN, 2011, p. 114), o que se
verá adiante.
Por sua vez, previsto nos artigos 2155 e 2166 da CRFB/88, o direito à
manifestação cultural é, conforme Bonavides (2003), direito fundamental de segunda
geração, cabendo ao Estado e à sociedade sua proteção e incentivo (BRASIL, 1988),
assim como a liberdade de sua expressão. São, para o mesmo autor, direitos que
protegem indivíduos, grupos ou determinado Estado, mas, mais incisivamente, trazem
ao ser humano valor a sua própria existencialidade.
Nesse contexto, os direitos culturais:

surgiram nos inícios do século XX, com o intuito de defender e promover


basicamente o direito à educação, visto que, à época, a expressão direito
cultural estava associada à ideia de instrução. Com o passar dos anos, e
graças ao processo mundial de globalização e aos aportes teóricos do
Multiculturalismo, ampliou-se o conteúdo do termo cultura, sendo hoje
entendido como toda manifestação criativa e própria do sentir e pensar de um
grupo social (LOPES, 2008, p. 25).

Ambos, no entanto, direitos de natureza coletiva que alcançam a


indeterminabilidade de pessoas como titulares, o que aguça a discussão.

4.2 O aparente conflito entre normas

Segundo Oliveira (2016), o sistema normativo trazido no Direito Positivo possui


as normas como elementos componentes, atendendo a requisitos responsáveis pela
integração a esse sistema, bem como atributos que dele derivam, compondo-se de
norma-princípio e norma-regra.
Segundo Sampaio (2003, p. 45), “princípios são enunciados deotônticos que
sedimentam e cristalizam valores e políticas no ordenamento jurídico (princípios
formais e materiais”, além de “normas técnico-operacionais do sistema jurídico que

5
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura
nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. [...]
6
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-
culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico.

358
orientam mais diretamente as operações estruturais sistêmicas (princípios funcionais ou
operacionais)”. A norma é, pois, gênero, sendo espécies princípios e regras, e, assim, no
caso em análise, já se parte da noção de que “os princípios de Direito Ambiental têm a
ossatura dos demais princípios; como eles, gozam das peculiaridades de sua dinâmica e
relativa abertura semântica” (SAMPAIO, 2003, p. 47).
Desse modo, na aplicabilidade das teorias sobre princípios e regras que
hierarquizam valores, pode-se verificar puro decisionismo. Segundo Alexy (2014),
princípios possuem alto grau de generalidade, compondo-se em mandados de
otimização, enquanto as regras possuem baixo grau de generalidade, cabendo-lhes
serem cumpridas ou não, e, havendo conflito de regras, o ideal para ele é que se tenha
uma cláusula de exceção que elimine o conflito ou que se declare inválida pelo menos
uma das regras. Já para colisões de princípios, o autor sugere uma hierarquização dos
valores do caso concreto para que um princípio possa ceder ao outro, ou seja, em cada
caso, diferentes pesos para valores.
Contrariamente, Dworkin (2014) visa uma aplicação disjuntiva das regras,
enquanto os princípios, sem juízos de valor, devem direcionar a coerência da decisão,
ou seja, ao invés de colisão, há somente concorrência, sem hierarquização de valores e
margens a subjetivismos. “Dworkin não entende os princípios como dimensão de
‘peso’, mas como um critério de prevalência do bom senso” (COSTA, 2016, p. 35).
A análise “alexyana” do STF fomenta certa a insegurança jurídica, pois,
desconsidera absolutamente, por exemplo, que “tanto o direito a um ambiente
ecologicamente equilibrado quanto o direito a um desenvolvimento econômico devem
andar juntos para que não haja sobreposições de valores” (COSTA, 2016, p. 36). Gerou
insegurança jurídica a ponto de possibilitar a edição de Emenda Constitucional
posterior.
Mesmo assim, seria possível argumentar-se juridicamente sob a égide do
princípio do desenvolvimento sustentável, matriz de outros princípios nos quais se
encontra implicitamente contido, sendo reconhecido pela CRFB/88 mesmo sem menção
expressa, no artigo 225, que resume em sua redação o projeto sustentável de uso da
natureza.
São diversos os princípios constitucionais ambientais que são instrumentos
protetivos e, como dito, todos de mesmo valor hierárquico. Mas, assim como o
desenvolvimento sustentável, há um princípio que é implícito nos demais, uma vez que
sua violação, por si só, demonstra supressão de proteção. Nessa dimensão, questiona-se,
agora, o retrocesso materializado pela legislação posterior.
A vedação ao retrocesso, então, é “decorrente do sistema jurídico-constitucional,
entende que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir
determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser
arbitrariamente suprimido” (LIMA; FERREIRA, 2018, p. 370), possuindo, conforme
Prieur (2012), função integrativa, uma vez que o respeito ao não retrocesso implica,
necessariamente, além deste princípio, em um respeito absoluto àqueles já reconhecidos
como princípios ambientais.
Dar subjetivismo à regra que precisa ser restritiva é colocar o bem juridicamente
tutelado, no caso, o bem ambiental, em situação de vulnerabilidade, arriscar a incertezas
de suas consequências, em desconformidade do que se espera de um mínimo do
princípio da responsabilidade, inclusive e principalmente com as gerações futuras:

O hiato entre a força da previsão e o poder do agir produz um novo problema


ético [...] Nenhuma ética anterior vira-se obrigada a considerar a condição
global da vida humana e o futuro distante, inclusive a existência da espécie.

359
O fato de que hoje eles estejam em jogo exige, numa palavra, uma nova
concepção de direitos e deveres. (JONAS, 2006, p. 41).

Isso implica ser “necessário pensar uma alternativa que justifique a


responsabilidade para as gerações posteriores” (COSTA; REIS; OLIVEIRA, 2016, p.
21). Deixar vulnerável a proteção ambiental traz dúvidas quanto a suas consequências,
sendo válida a reflexão de Costa, Reis e Oliveira (2016, p. 26) quanto ao “fato do
homem moderno conseguir manipular a natureza e um poder destrutivo como nunca
antes em sua história, as ações presentes podem ter resultados incertos, os quais o
homem não tem necessariamente controle”.
A mudança da legislação logo após a decisão do STF mostra a fragilidade na
relação entre os Poderes e sugere que a lei já nasce inconstitucional, justamente por seu
conteúdo já haver sido objeto de deliberação da Corte em controle. “Por isso, parece ser
necessário mover-se na estrutura da linguagem dos direitos; levar os direitos a sério”
(MARCO; MEZZAROBA, 2017, p. 342).
Quanto à crítica à superficialidade de argumentos jurídicos na decisão da ADI
4983, entende-se ser hermeneuticamente válido resgatar as possibilidades
interpretativas, o que se fará na próxima seção.

4.3 Análise hermenêutica

O primeiro ponto que se destaca na análise do aparente conflito entre a proteção


ao meio ambiente e a liberdade de manifestação cultural é intenção do legislador
constituinte na literalidade da regra positivada, antes das alterações legislativas
posteriores.
Nesse aspecto então, como visto, os artigos 215 e 216 “protegem” as
manifestações culturais, enquanto o artigo 225 “veda” a ocorrência de práticas cruéis.
Quer dizer, então, que a primeira situação tem como preceito uma conduta positiva de
evitar a violação; mas a segunda situação, em relação à prática de crueldade, carrega o
preceito de conduta negativa, uma proibição expressa.
Quanto ao significado de crueldade, trata-se de argumento institucional
imanente, linguístico, semântico, de linguagem ordinária, porquanto não pertence ao
tecnicismo de nenhuma ciência, caso em que “devem ser interpretadas de acordo com o
significado que um cidadão médio iria atribuir-lhe como significado mais imediato”
(ÁVILA, 2001, p. 162). Para tanto, remete-se crueldade ao sentido popular de maldade,
prazer em causar dor ou sofrimento.
Pode-se afirmar, então, que o entendimento do STF é coerente ao entender que
“o Estado garante e incentiva manifestações culturais, mas não tolera crueldade contra
os animais. Isso significa que o Estado não incentiva e não garante manifestação
cultural” (BRASIL, 2016), o que, ainda, torna-se um argumento genético semântico-
subjetivo.
Não obstante, ainda que haja a Lei nº 13.364/2016 e a EC nº 96/2017, pode-se
invocar o argumento não institucional de que a vaquejada já foi uma manifestação
cultural, mas, historicamente desconstruída, é hoje espetáculo midiático, festa
comercial, com o objetivo de consumo e circulação de capital, com “publicidade e alto-
falante, fotografias e aplausos citadinos. [...]. A Vaquejada tornou-se esporte da
aristocracia rural" (DIAS; LINS, 2013, p. 7), o que, inclusive, muito explica acerca da
pressa do legislador em ajustar a lei para contrariar a jurisprudência da Corte em
conformação à CRFB/88. Por isso, pode-se afirmar que as legislações posteriores à
decisão da ADI, mesmo a emenda constitucional, estão em absoluta desconformidade
com os preceitos constitucionais:

360
[...] a Constituição não tem somente a tarefa de apontar para o futuro. Tem,
igualmente, a relevante função de proteger direitos já conquistados. Desse
modo, mediante a utilização da principiologia constitucional (explícita ou
implícita), é possível combater alterações feitas por maiorias políticas
eventuais, que, legislando na contramão da programaticidade constitucional,
retiram (ou tentam retirar) conquistas da sociedade (STRECK, 2014, p.352-
353, grifo do autor).

Não obstante, Dworkin (2014) entende que o Poder Judiciário sustenta a


democracia, único meio de se efetivar a Justiça, na forma defendida por Ralws (2008),
composta pelo Estado-Juiz. Desse modo, a decisão judicial de um caso é legítima, pois
necessariamente segue a narrativa do que já foi decidido anteriormente.
Assim sendo, entende-se que a EC nº 96/2017 pode ser considerada um efeito
backlash, que, segundo Marmelstein (2015, n.p.), caracteriza-se da seguinte forma:

(1) Em uma matéria que divide a opinião publica, o Judiciário profere uma
decisão liberal, assumindo uma posição de vanguarda na defesa dos direitos
fundamentais. (2) Como a consciência social ainda não está bem consolidada,
a decisão judicial é bombardeada com discursos conservadores inflamados,
recheados de falácias com forte apelo emocional. (3) A critica massiva e
politicamente orquestrada à decisão judicial acarreta uma mudança na
opinião pública, capaz de influenciar as escolhas eleitorais de grande parcela
da população. (4) Com isso, os candidatos que aderem ao discurso
conservador costumam conquistar maior espaço político, sendo, muitas
vezes, campeões de votos. (5) Ao vencer as eleições e assumir o controle do
poder político, o grupo conservador consegue aprovar leis e outras medidas
que correspondam à sua visão de mundo. (6) Como o poder político também
influencia a composição do Judiciário, já que os membros dos órgãos de
cúpula são indicados politicamente, abre-se um espaço para mudança de
entendimento dentro do próprio poder judicial. (7) Ao fim e ao cabo, pode
haver um retrocesso jurídico capaz de criar uma situação normativa ainda
pior do que a que havia antes da decisão judicial, prejudicando os grupos que,
supostamente, seriam beneficiados com aquela decisão.

Por essa razão, entende-se que quando a Lei e a EC nº 96/2017 forem analisadas
pelo STF, o entendimento da Corte poderá se modificar para atender ao contexto
político-histórico em que está inserido. Necessário se faz, portanto, a propositura de
nova ADI, cujo objeto será a rediscussão dos precedentes. Deve-se considerar,
inclusive, que o conflito entre os poderes viola o pacto federativo e não se coaduna com
os princípios do Estado Democrático de Direito.
Até que isso ocorra, vale, ainda, lembrar que o artigo 60, §4º, IV da CRFB/88
também veda, frise-se o termo “vedação”, a edição de emenda tendente a abolir
“direitos e garantias individuais” (BRASIL, 1988), e, para tanto, por meio de
interpretação extensiva por força de compreensão, a proibição a tratamento cruel aos
animais é uma garantia individual extraída do direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Isso porque a interpretação extensiva aplica-se justamente quando,
“havendo dúvida razoável sobre a aplicabilidade de um texto, por extensão, ao caso em
apreço, resolvem pela afirmativa” (MAXIMILIANO, 2011, p. 165). E, não obstante,
considerando a premissa de que, conforme Maximiliano (2011, p. 166) “Quando se
proíbe um fato, implicitamente ficam vedados todos os meios conducentes a realizar o
ato condenado, ou iludir a disposição impeditiva”.
Conclui-se, portanto, que em que pese a fragilidade dos argumentos
hermenêuticos na decisão da ADI 4983, houve coerência com os precedentes judiciais
361
do próprio STF, entendendo-se que a norma que veda conduta deve se sobrepor à que
determina apenas proteção e, assim, a proibição da vaquejada é medida que se impõe,
restritivamente, pelo caráter da crueldade (semanticamente de domínio público e fácil
compreensão). Além disso, a Lei nº 13.364/2016 e a EC Nº 96/2017 são incompatíveis
com o ordenamento jurídico brasileiro, embora ainda não tenham sido objeto de
controle de constitucionalidade pelo STF, o que deverá ser para a manutenção da
segurança jurídica e da ordem constitucional brasileira.

Considerações finais

A partir do estudo, percebe-se que a vaquejada teve sua origem como uma
manifestação cultural, sendo descaracterizada em sua atividade, tornando-se espetáculo
comercial, razão pela qual a primazia da realidade deve ser considerada como elemento
para determinar sua natureza jurídica, não a determinação de uma lei.
Por isso, mesmo a CRFB/88 garantindo a liberdade de manifestações culturais, a
redação da regra determina como tipo legal a proteção dessa garantia fundamental. Em
contraposição, quanto à defesa do direito fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, a redação legislativa expressa conduta restritiva de vedação
à prática cruel contra animais, razão pela qual deve prevalecer quanto em possível
conflito.
Foi, portanto, a decisão extraída da ADI nº 4983, em que o STF declarou a
inconstitucionalidade da Lei nº 15.299/2013, do Ceará, primeira a regulamentar a
prática da vaquejada.
A resposta dos interesses econômicos, vinda do poder Legislativo, foi imediata,
com a edição da Lei federal nº 13.364/2016, que determina ser a vaquejada
manifestação cultural e patrimônio imaterial do Brasil, seguido da EC nº 96/2017, que
retirou da condição de prática cruel a que for manifestação cultural, manobra legislativa
rumo a um caminho direto e mais curto para atingir aos anseios do legislador, sem
submeter-se aos limites do Judiciário.
Conclui-se que a Lei Federal já nasce inconstitucional, bem como a EC não se
compatibiliza com o ordenamento jurídico brasileiro, pois, além da fixação do
parâmetro do entendimento do STF, sequência de outro precedentes de mesmo
conteúdo protetivo aos animais, deve-se primar pela aplicação do artigo 60, §4º, IV da
CRFB/88 que veda edição de emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais,
tal qual o é no caso em análise, pois o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado é uma garantia dessa natureza.
A interpretação extensiva, então, indica que a Lei nº 13.364/2016 e a EC nº
96/2017 são incompatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro, embora ainda não
tenham sido objeto de controle de constitucionalidade pelo STF, o que deverá ser para a
manutenção da segurança jurídica e da ordem constitucional brasileira, entendendo-se
pela manutenção do entendimento firmado na decisão da ADI 4983, pois a norma que
veda conduta deve se sobrepor à que determina apenas proteção e, assim, a proibição da
vaquejada é medida que se impõe, restritivamente, pelo caráter da crueldade.

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exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações,
não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal,
o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma
constitucional a denominada vaquejada. Relator. Min. Marco Aurélio, 06 de outubro de
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365
MUDANÇAS CLIMÁTICAS E REFUGIADOS AMBIENTAIS

366
OS AVANÇOS NO COMBATE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO ÂMBITO
DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO ESTADO DE MINAS GERAIS

Advances in combating climate change within the scope of the environmental licensing
in the state of Minas Gerais

Caroline Salgado Magalhães 1


Maraluce Maria Custódio2

Resumo: O tema relativo às mudanças climáticas vem sendo muito discutido


ultimamente e o desafio para enfrentar as causas e as consequências deste fenômeno é
imensamente complexo. Minas Gerais tem sido um dos poucos estados no Brasil a
desenvolver políticas públicas em prol do combate às mudanças climáticas, com a
implementação de normas e programas que visam reduzir a vulnerabilidade às
mudanças climáticas no território mineiro. O presente trabalho tem como objetivo tecer
sobre o problema das mudanças climáticas em Minas Gerais com a apresentação das
principais medidas de combate realizadas pelo Estado no âmbito do licenciamento
ambiental. Para tanto tem-se por marco teórico o princípio da natureza publica da
proteção ambiental e utilizar-se-á o método lógico-dedutivo e a técnica bibliográfica.

Palavras-chave: combate; mudanças climáticas; estado de Minas Gerais; licenciamento


ambiental. Políticas Públicas.

Abstract: The theme of climate change has been much discussed lately and the
challenge to face the causes and consequences of this phenomenon is immensely
complex. Minas Gerais has been one of the few states in Brazil to develop public
policies to combat climate change, with the implementation of norms and programs that
aim to reduce vulnerability to climate change in the territory of Minas Gerais. The
present work aims to weave on the problem of climate change in Minas Gerais with the
presentation of the main measures of combat done by the State in the scope of
environmental licensing. For that, the theoretical principle is the principle of the public
nature of environmental protection and for the production of the article will use the
method of deductive logic and bibliographic technique.

Keywords: combat; climate changes; Minas Gerais state; environmental licensing;


Public policy.

1
Graduada em Ciências Biológicas e Mestranda no Programa de Pós-graduação da ESDHC – Mestrado
em Direito Ambiental e Sustentabilidade. E-mail: caroline.salgado@hotmail.com
2
Doutora em Geografia pela UFMG em programa de cotutela com a Université d’Avignon e professora
do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela
ESDHC. E-mail: maralucemc@gmail.com

367
Introdução

A humanidade vem usando e, usou por durante muito tempo, de forma indiscriminada,
os recursos naturais, e o resultado é um grande desequilíbrio ambiental sentido por todos
aqueles que na Terra habitam. O tema relativo às mudanças climáticas vem sendo muito
discutido ultimamente e o desafio para enfrentar as causas e as consequências deste fenômeno é
imensamente complexo.
O impacto das mudanças climáticas, provocadas pelo crescente aumento das
emissões dos Gases de Efeito Estufa – GEE é um assunto que vem preocupando o
mundo todo e o Estado de Minas Gerais também tem se engajado sobre esta causa.
Minas Gerais tem sido um dos poucos estados no Brasil a desenvolver políticas
públicas em prol do combate às mudanças climáticas, utilizando-se, até mesmo, de do
licenciamento ambiental para impedir ou reduzir empreendimentos geradores de gases
de efeito estufa, ou exigindo ações de mitigação desenvolvidas entre os diversos setores
da indústria com o intuito de reduzir a vulnerabilidade às mudanças climáticas no
território mineiro.
O presente trabalho, portanto, tem como objetivo identificar as principais
normas vigentes sobre o tema relativas às mudanças climáticas as quais são aplicadas no
âmbito dos processos de licenciamento ambiental no estado de Minas Gerais. O artigo
pretende oferecer uma síntese sobre a legislação estadual, que agregada ao
licenciamento ambiental praticado no Estado para empreendimentos e atividades
utilizadores de recursos naturais, possam contribuir de alguma forma com a redução das
mudanças do clima. Tendo por marco teórico o princípio da natureza pública da
proteção ambiental, que segundo Milaré (2015, p. 261) “o reconhecimento do direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado não resulta em nenhuma prerrogativa
privada, mas apenas na fruição em comum e solidária do mesmo ambiente com todos os
seus bens.” Ou seja, o princípio apresenta que o meio ambiente é de fruição coletiva e,
portanto, todos têm o dever de resguardá-lo tanto em âmbito privado quanto público.
Para a realização da pesquisa foi utilizado o método lógico-dedutivo, e a
técnica bibliográfica, a partir do levantamento da legislação vigente na esfera estadual.
Neste sentido, a abordagem do tema se dará com uma investigação qualitativa, com
ênfase nos resultados alcançados acerca das medidas mitigadoras no que tange à
redução das mudanças climáticas por meio do licenciamento ambiental.

1 Mudanças climáticas e seus impactos

As mudanças climáticas são consequências do aquecimento global, o qual é


causado pelo aumento das emissões dos GEE. Todavia, conforme já dito por Tim
Flannery (2007, p.28), é importante compreender o significado de três termos para
entender o fenômeno da mudança climática:
Os termos são gases do efeito estufa, aquecimento global e mudança
climática. Gases do efeito estufa são uma classe de gases que podem
aprisionar o calor próximo da superfície da Terra. À medida que aumenta sua
concentração na atmosfera, o calor extra que eles capturam leva ao
aquecimento global. Esse aquecimento, por sua vez, exerce uma pressão
sobre o sistema climático da Terra e pode levar a uma mudança climática
(grifo nosso)

368
As mudanças climáticas podem ser provocadas por fenômenos naturais, como
também pela ação dos seres humanos. Os gases de efeito estufa são produzidos
naturalmente na atmosfera e são importantes para manter a temperatura ideal do planeta.
No entanto, os poluentes lançados no meio ambiente advindos do processo de
industrialização podem aumentar significante os gases de efeito estufa, ocasionando um
aquecimento desordenado na Terra.
Os riscos da mudança climática, seja natural ou de origem antropogênica,
suscitaram grande preocupação no meio científico e político, na mídia e na população
em geral (MARENGO, 2008, p. 83). Desde então, o Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas (IPCC), sigla em inglês para Intergovernmental Panel on Climate
Change, tem sido o principal órgão de avaliação das mudanças climáticas. Estabelecido
em 1988 pela Organização das Nações Unidas (ONU), o IPCC analisa e avalia as mais
recentes informações científicas, técnicas e socioeconômicas produzidas em nível
mundial para a compreensão sobre o tema.
O quinto e último relatório publicado pelo IPCC em 2014, demonstrou que nas
últimas décadas, as mudanças climáticas têm causado impactos sobre os sistemas
naturais e humanos em todos os continentes e através dos oceanos. As evidências destes
impactos têm sido mais fortes e mais abrangentes para os sistemas naturais, no entanto,
alguns impactos sobre os sistemas humanos também têm sido atribuídos a estas
alterações do clima. Aumento da mortalidade relacionada ao calor e diminuição da
mortalidade relacionada ao frio em algumas regiões tem ocorrido como resultado do
aquecimento. Mudanças locais de temperatura e precipitação têm alterado ainda a
distribuição de algumas doenças transmitidas pela água e vetores de doenças e
verificou-se um aumento de 1,2° C em relação ao período da Revolução Industrial no
século XIX (IPCC, 2014, p.18).
Os dados apresentados pela comunidade científica somente configuram que os
impactos produzidos pelas mudanças climáticas no planeta são vários e preocupantes.
De acordo com Santos et al (2013, p. 10) eles podem trazer diversas consequências,
produzindo transtornos de ordem econômica e social, colocando em risco não somente a
existência humana, mas de todo o planeta. Segundo Morais e Saraiva (2018, p. 15):
Em que pese as inovações tecnológicas e o salto humano relativo ao
desenvolvimento científico apontarem para a ideia de evolução e de
possibilidades infinitas à condição do homem como transformador do mundo,
estas mesmas, no entanto, redesenham o cenário das incertezas por meio da
certeza: as consequências deste agir – humano – podem levar à destruição do
planeta e, por conta disso, à inviabilidade da vida na Terra para todos os
seres.

A mudança climática já vem acontecendo e a perspectiva é desafiadora. A


Terra vista por James Lovelock (2006, p. 29) como um ser vivo capaz de reagir às
mudanças realizadas pela população humana, poderá anular as mudanças ou a própria
espécie humana. Ou seja, o que corre mais risco é a civilização, se enormes mudanças
climáticas ocorrerem, provavelmente poucos dos bilhões de seres humanos que agora
proliferam sobreviverão (LOVELOCK, 2006, p. 65).
Desta forma, políticas públicas devem ser realizadas pelos estados com relação
ao desafio das mudanças climáticas. Dentre essas medidas, o licenciamento ambiental
pode tornar-se um forte aliado para a proteção ambiental a partir das autorizações para a
utilização dos recursos naturais, que se fazem por meio das licenças ambientais.

2 Licenciamento ambiental como instrumento de proteção ao meio ambiente

369
A exploração dos recursos naturais sempre foi uma condição fundamental para
a existência humana na Terra. No entanto, o aumento populacional agregado ao uso
desordenado destes recursos trouxe significativos impactos ambientais ao planeta,
despertando para a sociedade a importância sobre a preservação do meio ambiente, não
somente como forma de reduzir a degradação ambiental, mas principalmente pela
imprescindível necessidade de manutenção da vida.
A humanidade começa a perceber que a proteção ao meio ambiente é um
determinante de sua própria sobrevivência, pois, até então, as agressões
contra ele eram as mais diversas possíveis. Essa conscientização de protegê-
lo é antiga, e por isso não se deu da maneira como é vista hoje, começando
no momento em que o homem passa a valorizar a natureza por ser uma
criação divina, mas não chegava a existir uma preocupação em preservá-la
(SPAREMBERGUER; SILVA, 2005, p. 84).

A crescente conscientização das questões ambientais acarretou à administração


pública a adoção de uma política pública explícita de meio ambiente, buscando uma
visão mais holística dos recursos naturais, de sua interação e dos modos de sua
apropriação. A busca da implementação dessa política incluía a necessidade de
instrumentos de comando e controle, comuns às políticas baseadas em procedimentos
autorizativos e penalidades, com marco regulatório próprio (RIBEIRO, 2015, p. 2).
O licenciamento ambiental surge então como principal mecanismo nas
questões relativas à gestão ambiental, como forma de mitigar e controlar os impactos
oriundos das atividades de exploração dos recursos naturais, dentre as mais diversas
atividades praticadas pela sociedade atual.
De suma importância é o papel do licenciamento ambiental, pois é a
ferramenta que o Estado dispõe para efetivar a garantia de um meio ambiente
saudável, de um desenvolvimento sustentável que tanto se almeja, não só
para a presente, mas para as futuras gerações (ARRUDA JUNIOR &
ANDRADE, 2015, p. 116).

No Brasil, o licenciamento ambiental foi instituído por meio da Política


Nacional do Meio Ambiente, que foi estabelecida pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de
1981. A principal função desse instrumento é conciliar o desenvolvimento econômico
com a conservação do meio ambiente, além de designar os critérios, padrões de
qualidade ambiental e de normas para o uso e manejo de recursos ambientais.
Não obstante, o artigo 225 da Constituição Federal Brasileira, de 1988, elucida sobre a
necessidade de proteção ambiental de forma explícita, tomando-a como obrigação legal:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988, p. 93).

A Resolução normativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA


nº 237/1997, define o Licenciamento ambiental como o procedimento administrativo
pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a
operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais
consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma,
possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e
regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.

370
Importante destacar que o licenciamento ambiental não evita ou impossibilita a
ocorrência dos impactos por meio das atividades licenciadas, visto que grande parte
delas não são possíveis de serem realizadas sem algum tipo de degradação, em muitos
casos as modificações são irreversíveis. Desse modo, uma série de procedimentos e
etapas fazem parte do licenciamento ambiental, que envolvem tanto aspectos jurídicos,
como técnicos, administrativos, sociais e econômicos dos empreendimentos que serão
licenciados.
O licenciamento se constitui, portanto, como principal ferramenta que a
sociedade tem para controlar a manutenção da qualidade do meio ambiente, o que está
diretamente ligado com a saúde pública e com boa qualidade de vida para a população.
Assim sendo, constata-se que o licenciamento ambiental é o instrumento que o poder
público possui de controlar a instalação e operação das atividades, visando preservar o
meio ambiente para as sociedades atual e futura.

3 Iniciativas do estado de Minas Gerais no que tange ao controle das mudanças


climáticas

A Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) tem realizado diversas


iniciativas e propostas no que tange ao combate às mudanças climáticas em Minas
Gerais. Dentre essas ações, foi realizado em 2011 um estudo para avaliar os impactos
causados pelas mudanças climáticas globais (MCG) sobre a economia mineira. O
principal objetivo do trabalho foi avaliar os impactos causados por MCG, manifestadas
em mudanças de temperatura e pluviosidade, sobre a economia mineira. O resultado
apresentou um quadro geral do futuro da economia mineira consistente com as
premissas utilizadas pelo IPCC, detalhado para setores e regiões (FEAM, 2011, p. 5).
No ano de 2015, o Estado adotou o Plano de Energia e Mudanças Climáticas
de Minas Gerais (PEMC), o qual foi construído por meio de um processo participativo,
com objetivo de promover a transição para a economia de baixo carbono, reduzir a
vulnerabilidade às mudanças climáticas no território mineiro e articular com coerência
as diferentes iniciativas já desenvolvidas e planejadas, dentro de uma estratégia
territorial integrada (FEAM, 2015, p. 9).
O PEMC contempla estratégias, diretrizes e ações de mitigação nos setores de
Energia; Agricultura, Florestas e outros Usos do Solo; Transportes; Indústria e
Resíduos. Sendo estabelecida ainda uma Estratégia de Adaptação Regional para lidar
com os impactos das mudanças climáticas considerando ações locais e instrumentos
transversais que garantam uma coordenação institucional e governança adequadas para
reduzir a vulnerabilidade às mudanças climáticas no território mineiro (FEAM, 2015, p.
9).
A FEAM tem atuado também no suporte ao desenvolvimento de políticas
públicas para o Estado. Segundo dados da Fundação, até o final de 2017, 243
municípios mineiros foram capacitados por meio de oficinas regionais de Proteção,
Defesa Civil e Mudanças Climáticas, com a preparação de gestores municipais para a
prevenção, resposta rápida e recuperação de áreas em virtude de desastres climáticos.
Minas Gerais vem desenvolvendo ainda ações acordadas no Plano Plurianual
de Ação Governamental (PPAG). Para 2018, foram definidas estratégias que abrangem
quatro eixos: (1) a formulação e implementação de políticas públicas por meio da
proposição de legislações ligadas ao tema; (2) o monitoramento e avaliação do Plano de
Energia e Mudanças Climáticas (PEMC) e a revisão periódica do Inventário Estadual de
Gases de Efeito Estufa; (3) o desenvolvimento de ações ligadas às áreas de pesquisa,

371
ensino e extensão, com a realização de oficinas territoriais para capacitação de agentes
municipais e desenvolvimento de cursos de Ensino à Distância (EAD) e a publicação de
artigos científicos alusivos ao tema e (4) o apoio à Secretaria de Estado de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) nas áreas de regularização e
fiscalização ambiental.
Através destas ações o governo do estado de Minas Gerais tem buscado o
desenvolvimento de estratégias que estimulem uma economia de baixo carbono. A
intenção do órgão ambiental é promover uma política transversal de médio a longo
prazo (2020-2030) para a redução dos efeitos das mudanças climáticas. Considerando a
economia mineira estar fortemente marcada pela exploração de recursos naturais,
sobretudo no que tange às reservas minerais, torna-se imprescindível o incremento de
medidas de mitigação e/ou adaptação sobre os impactos da mudança do clima
decorrentes de fatores relacionados à degradação ambiental.

4 Legislação do estado de Minas Gerais aplicada no combate às mudanças


climáticas

Neste capítulo é apresentado um breve levantamento sobre a legislação e


normas aplicáveis à regulamentação das ações que tenham relação, direta ou indireta,
com os planos, programas, projetos e/ou iniciativas referentes ao combate à mudança do
clima no Estado de Minas Gerais.
A primeira das leis inseridas neste contexto refere-se à Lei 7.772, de
08/09/1980, que dispõe sobre as medidas de proteção, conservação e melhoria do meio
ambiente no Estado de Minas Gerais. De acordo com esta lei, a Política Estadual de
Proteção, Conservação e melhoria do meio ambiente compreende o conjunto de
diretrizes administrativas e técnicas destinadas a fixar a ação do Governo no campo
dessas atividades. A lei estabelece ainda a competência dos órgãos de proteção,
conservação e melhoria do meio ambiente no Estado, além do controle das fontes
poluidoras por meio do licenciamento ambiental.
Em 2005, foi estabelecido o Decreto Nº 44.042 que instituiu o Fórum Mineiro
de Mudanças Climáticas, tendo em vista a necessidade de se promover a discussão no
Estado sobre o fenômeno das mudanças climáticas. O decreto visa recolher subsídios
para a formulação de políticas públicas a serem implementadas, além de incentivar
projetos que utilizem o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e a promoção
de estudos e pesquisas para a implementação de soluções tecnológicas inovadoras para
atender ao MDL.
Em 13 de dezembro de 2009 foi publicado o Decreto 45.229 regulamentando
medidas do poder público do Estado de Minas Gerais referentes ao combate às
mudanças climáticas e gestão de emissões de gases de efeito estufa. Através deste, foi
instituído o Registro Público Voluntário das Emissões Anuais de Gases de Efeito Estufa
(GEE) de empreendimentos no Estado, que tem por finalidade estimular a prática
sistemática de declarações dessas emissões, por meio do uso de metodologia
internacionalmente aceita, que é a Greenhouse Gas Protocol - GHG Protocol, bem
como incentivar a redução das mesmas, inclusive por meio do Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto ou mecanismos equivalentes ou
substitutos.
Os empreendimentos que aderirem ao Registro Público concordam em declarar
e registrar suas emissões anuais de gases de efeito estufa, sua produção, consumo e
venda de energia elétrica, bem como a produção anual de bens ou de serviços. Como

372
incentivo, os empreendimentos que aderirem ao programa poderão usufruir de alguns
benefícios, tais como desconto sobre o valor do custo de análise do requerimento de
revalidação de Licença de Operação (LO) ou incremento de um ano no prazo da LO, a
ser aplicado quando da revalidação da mesma.
No entanto, o Decreto 45.229/2009 somente foi regulamentado através da
Deliberação Normativa (DN) nº 151, de 01 de julho de 2010. De acordo com a DN
151/2010, o registro se dará exclusivamente em meio digital, utilizando de plataforma
on line presente no Banco de Declarações Ambientais (BDA), disponível no site da
FEAM. Com base nos Registros Públicos de GEE, a FEAM disponibilizará anualmente
em sua página eletrônica um Relatório Consolidado, no qual será feita a análise das
emissões de GEE e dos indicadores, enfatizando abordagem setorial e intersetorial. Por
meio da plataforma serão calculadas e registradas as emissões de GEE resultantes do
consumo de combustíveis, aquisição de energia elétrica e vapor, processos industriais e
emissões fugitivas, cabendo à FEAM incluir rotinas de cálculo de outras categorias de
emissões.
Meses depois, em 16/12/2010, foi publicada a DN COPAM Nº 160/2010
prorrogando o prazo para adesão ao Programa de Registro Público Voluntário das
Emissões Anuais de GEE, de 30/11/2010 para 31/03/2011. Ficando somente para a
partir de 2012, a disponibilização dos Relatórios Públicos na página eletrônica da
FEAM.
Cumpre destacar que a plataforma criada pela FEAM somente funcionou no
primeiro ano de aplicação da DN 160/2010, após isso o sistema não passou pelas
manutenções devidas e deixou de funcionar, impossibilitando os empreendedores de
declarar suas informações relativas às emissões de GEE.
No ano de 2014, o Decreto Nº 45.229/2009 sofreu pequenas alterações através
do Decreto Nº 46.674, de 17 de dezembro de 2014. A principal mudança trazida pelo
novo decreto é que o registro público deixou de ser voluntário e passou a aplicar-se a
todos os empreendimentos, independentemente de estarem sujeitos ao licenciamento
ambiental ou à Autorização Ambiental de Funcionamento – AAF, assim como também
os não passíveis de licenciamento.
Cumpre destacar que em 17 de maio de 2018 entrou em vigor o Decreto nº
47.409 alterando o Decreto nº 45.229/2009. O novo decreto instituiu o Registro Público
de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa do Estado de Minas Gerais, em que
o registro deixou de ser voluntário e passou a considerar não somente as emissões dos
GEE, mas também os índices de remoção dos mesmos. O Registro público passou a
contemplar não somente os empreendimentos passíveis de licenciamento ambientais,
mas assim como também os não passíveis de licenciamento. Foram excluídos ainda os
benefícios relativos ao desconto sobre o custo da análise para requerimento da
renovação da LO e do direito a figurar na lista dos empreendimentos com Redução de
Intensidade de Emissões de Gases de Efeito Estufa - GEE" publicada anualmente pela
FEAM. O intuito do Decreto nº 47.409/2009 foi de promover maior adesão dos
empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental e por conseguinte atribuir mais
resultados ao programa, por meio das informações e dados que serão fornecidos pelos
participantes.
Atualmente, o Projeto de Lei nº 4.975, de 2018, que institui a Política Estadual
de Combate às Mudanças Climáticas tramita na Assembleia Legislativa de Minas
Gerais (ALMG) desde o dia 27 de fevereiro do referido ano, data em que foi enviada
pelo governador do Estado. A proposta ainda se encontra em fase de consulta pública,
disponível no site da Assembleia e todos podem contribuir sobre o tema. Importante
esclarecer que a minuta propõe a alteração do Decreto nº 45.229 de 2009, que

373
regulamenta medidas do Poder Público referentes ao combate às mudanças climáticas e
gestão de emissões de GEE, no entanto, a nova proposta não prevê o Registro Público,
tão pouco benefícios aos empreendimentos que declaram os seus dados de emissão de
GEE.
Apesar dos efeitos ainda não estarem claramente demonstrados ou refletidos
sobre o bem-estar ambiental, o estabelecimento das normas ambientais supracitadas
pelo Estado de Minas Gerais pretende viabilizar seus compromissos frente aos desafios
da mudança climática e da promoção de um desenvolvimento territorial sustentável,
com a redução dos índices de emissão de gases poluentes.

Considerações finais

O artigo buscou apresentar as medidas de controle sobre as mudanças


climáticas realizadas em Minas Gerais no âmbito do licenciamento ambiental, e as
ações já realizadas demonstraram que são significativos os avanços já alcançados frente
aos demais estados brasileiros no que concerne ao tema em tela. No entanto, foi
possível perceber a desorganização política e técnica que ainda resiste quanto à eficácia
para a implementação de algumas propostas idealizadas, tais como o Programa de
Registro Público Voluntário das Emissões Anuais de GEE que nunca chegou a
funcionar de fato.
Não se pode negar que o estado de Minas tem envidado esforços para enfrentar
os desafios das mudanças climáticas, no entanto, as iniciativas praticadas ainda são
tímidas diante deste problema tão complexo e ao mesmo tempo assombroso,
considerando as incertezas quanto aos impactos que podem ser causados. A falta de
recursos orçamentários e financeiros aliados à baixa capacidade de execução e, por
vezes, falta de interesse do governo, impedem que se estabeleça uma gestão continuada
dos programas e projetos essenciais à evolução e ao estabelecimento de uma gestão
integrada da política ambiental.
Tanto as causas quanto as consequências das mudanças climáticas ainda
precisam ser melhor trabalhadas e interpretadas pelos estados brasileiros,
principalmente por aqueles que ainda não possuem políticas públicas relacionadas com
a matéria. Quanto mais tempo demorarem a implantar as soluções mais caro e difícil
será para lidar com as mudanças climáticas. As estratégias, metas, diretrizes e ações
setoriais de mitigação precisam sair do papel e se tornarem uma realidade na política
brasileira.

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375
REFUGIADOS CLIMÁTICOS E DIREITO INTERNACIONAL: EM BUSCA DO
RECONHECIMENTO

Climate refugees and international law: in search for recognition

Marcelo Kokke1
Ana Clara Mansur Carvalho2
Talita Ferreira de Brito dos Reis3

Resumo: O presente trabalho se desenvolveu a partir de uma pesquisa qualitativa realizada


a respeito da situação jurídica dos refugiados climáticos em âmbito internacional. Partindo-
se da hipótese de que a migração por razões climáticas é negligenciada em âmbito
internacional, pretendeu-se identificar qual é o real cenário enfrentado por estes indivíduos
e realçar nuances da perspectiva que se tem em relação à cooperação internacional sobre a
matéria. Deu-se especial ênfase ao cenário brasileiro, quando da análise da situação do
migrante ambiental em trânsito dentro de seu próprio país. Ressalta-se que o presente
trabalho trata de uma reflexão oriunda de uma pesquisa ainda em andamento, logo, não
houve pretensão de fornecer respostas conclusivas.

Palavras-chave: Refugiados Climáticos; Seca; Direito Internacional; Migrações;


Reconhecimento.

Abstract: This paper describes a qualitative research carried out regarding the legal
situation of climate refugees in an worldwide scenery. Based on the hypothesis that
climate-related migration is neglected at the international level, it was intended to identify
the real scenario faced by these individuals and to highlight nuances in relation to the
international cooperation on the subject. Special emphasis was placed on the Brazilian
scenario, when analyzing the situation of the environmental migrant in transit within his
own country. It should be emphasized that the present work deals with a reflection derived
from a research still in progress, therefore, there was no pretension to provide conclusive
answers.

Keywords: Climate Refugees; Drought; International Law; Migrations; Recognition.

1
Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Processo
Constitucional. Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Pós-doutor
em Direito Público - Ambiental pela Universidade de Santiago de Compostela - Espanha. Professor de Direito da
Escola Superior Dom Helder Câmara. Professor de Pós-graduação da PUC-MG. Professor colaborador da Escola
da Advocacia-Geral da União. Professor do IDDE - MG. Membro da Associação dos Professores de Direito
Ambiental do Brasil. Membro da Academia Latino Americana de Direito Ambiental. Membro do Instituto
Brasileiro de Advocacia Pública. Procurador Federal colaborador da Escola da Advocacia-Geral da União.
Procurador Federal do Núcleo de matéria ambiental e indígena da Procuradoria Federal no Estado de Minas
Gerais - Advocacia-Geral da União. E-mail: marcelo.kokke@yahoo.com.
2
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail:
anaclaramcbh@gmail.com.
3
Graduanda em Direito, modalidade Integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC). E-mail:
talita_fbr@hotmail.com.

376
Introdução

Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as


suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto do coração de
Sinhá Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam. Resistiram
a fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo de afrontar de novo a luz dura,
receosos de perder a esperança que os alentava. (RAMOS, 2005, p. 5).

Vidas Secas é um livro, publicado originalmente em 1938, que aborda a seca


no nordeste do brasileiro. A narrativa, escrita por Graciliano Ramos, conta a história de uma
família em constante migração graças a catástrofes naturais como a seca e a desertificação,
retratando um quadro comum em locais como o semiárido brasileiro e a África Subsaariana.
A história de Fabiano, um homem de meia idade sem educação formal, sua esposa, Sinhá
Vitória, e seus dois filhos pequenos e inominados, foi escrita há mais de 80 anos, mas ainda
hoje permanece atual.
Buscando adentrar-se nesse tipo de cenário, o presente trabalho possui o
objetivo de propor uma breve análise sobre a situação de migrantes climáticos e, em um
primeiro momento, serão discutidos nuances da visão atual que se tem sobre os refugiados
ambientais. Posteriormente, o objeto de estudo será o tratamento que a legislação
internacional confere a estas pessoas, e, ao final, realizar-se-á uma reflexão acerca das ações
que poderiam ser tomadas para remediar este tipo de situação, qual seja a de uma migração
que condiciona os imigrantes a situações de vulnerabilidade.

1 As condições climáticas em âmbito internacional que propulsionam a imigração

Em um primeiro momento, é importante salientar que a principal diferença entre


refugiados, classificados conforme a Convenção de 1951, e migrantes é o motivo que enseja o
deslocamento daquele fluxo populacional. Enquanto os refugiados buscam auxílio por
motivos de conflitos bélicos ou perseguição em seus respectivos países de origem, os
migrantes, por sua vez, saem por iniciativa própria para buscar melhores condições de vida. A
Convenção de Genebra de 1951, foi convocada pela ONU para tratar da questão dos
refugiados e quais seriam os seus direitos legais. Este instrumento jurídico acabou formulando
um conceito para o vocábulo, definindo que o termo “refugiado” se aplicará a qualquer ser
humano que em virtude de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo
social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade originária e que
não pode, em virtude de iminência ou fundado temor, usufruir da proteção desse país. Os
refugiados possuem o dever de respeitar a legislação e a autoridade do país de destino, e
possuem prerrogativa para poder usufruir dos mesmos direitos e da mesma assistência básica
que é conferida a todo e qualquer estrangeiro que resida legalmente no país de destino. (ONU,
2017, p. 2)
Os migrantes optam por deixar seu país de origem e buscar por melhores condições de
vida, demonstrando certa manifestação de vontade em relação à matéria. Comumente, partem
motivados pelo objetivo de preservar os interesses de seu núcleo familiar ou para fugir dos
efeitos de questões naturais. Como exemplo de migrantes por questões climáticas têm-se o
caso dos africanos que deixam a região do Sahel para fugir das consequências do fenômeno
da desertificação. Entretanto, para ser considerado como migrante não é necessário que o
indivíduo ultrapasse as fronteiras de seu país. Deslocar-se entre estados ou municípios já pode
ser considerado como sendo um movimento migratório. A exemplo dos refugiados, os

377
migrantes possuem direitos e deveres que se diferem a cada caso e destaca-se que não
recebem auxílio para o seu sustento no território de destino. Diversos países optam por tratar
qualquer estrangeiro que entre o seu território com o intuito de nele residir como migrante.
Isto porque, frente à legislação internacional, as pessoas enquadradas como migrantes podem
ser deportadas caso não cumpram com os requisitos legais, contudo, a mesma premissa não
pode ser aplicada aos refugiados. (FERNANDES, 2017, p. 1)
O termo “refugiados climáticos” foi cunhado por El-Hinnawi em meados dos anos
1980, começando a ser discutido mais intensamente em 1985. Essam El-Hinnawi, que na
época trabalhava para o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA),
definiu o refugiado ambiental como sendo aquele indivíduo que é forçado a deixar seu
domicílio, a critério temporário ou permanente, por conta de uma marcante perturbação
ambiental que coloca em risco sua qualidade de vida, ou até mesmo a sua existência
propriamente dita. Por perturbação ambiental entende-se qualquer mudança, natural ou
desencadeada pelo homem, que acarrete mudanças físicas, química e/ou biológicas no
ecossistema. Tornando, por ausência de recursos e de condições básicas, impróprio para
sustentar a vida humana.
No ano de 2006, a Federação Internacional da Cruz Vermelha publicou um
estudo estimando que a população de refugiados climáticos era de 25 a 50 milhões de pessoas,
enquanto o número total de refugiados, conforme a definição da Convenção de Genebra de
1951, era de 20.8 milhões. Percebe-se, desse modo, que as mudanças climáticas já constituem
causa mais recorrente de migração do que as guerras ou outros conflitos bélicos (NUNES,
2011, p. 1). Assim sendo, tem-se que ao se ter como causa de imigração situações críticas de
alterações climáticas que infiram diretamente na constituição e manutenção de vida humana
em determinados locais, essa temática específica carece de maior atenção internacional, vez
que aflige inúmeras famílias em diferentes continentes.
Dentre as razões para eco-migração em massa, como monções e tufões, as
secas e a desertificação estão entre as mais notórias. O fenômeno da seca tem causado mais
mortes do que qualquer catástrofe relacionada à água. Até mesmo os conflitos entre
comunidades, pela escassez de recursos hidráulicos, estão começando a ganhar ritmo e se
intensificando. Atualmente, mais de 1 bilhão de pessoas não possuem acesso à água e este
número deve aumentar, em ao menos 30%, nos próximos 20 anos. (UNCCD, 2018, p.1).
O número de migrantes internacionais ao redor do globo tem crescido
rapidamente no decorrer das últimas décadas. Nos anos 2000, essas pessoas formavam um
segmento populacional de 173 milhões e em 2010 o total era de 222 milhões. No final de
2015, o total de migrante já totalizava 244 milhões. A Convenção das Nações Unidas para
Combater a Desertificação (CNCD) realizou uma projeção de que até o ano de 2045, 135
milhões de pessoas se verão forçadas a abandonar seus lares graças à escassez de recursos
hidráulicos. Gerando, assim, uma onda de migração de 60 milhões de pessoas da África
Subsaariana para países no Norte da África e na Europa.
O comissariado permanente da CNCD, estabelecido em Bonn desde 1999,
declara que até 12 milhões de hectares de terra produtiva se torna improdutiva anualmente
como resultado da desertificação e da seca. Isto culmina na perda da oportunidade de produzir
até 20 milhões de grãos. (UNESCO, 2017, p.1).
De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
(UNHCR), as consequências das mudanças climáticas devem ser reconhecidas como uma
força de propulsão populacional. Em um futuro próximo, recursos naturais escassos, como
água potável, se tornaram ainda mais limitados. O cenário que se desenrola é quase dantesco,
considerando que as plantações de grãos e criações de gado não seriam capazes de sobreviver
em condições muito áridas. A humanidade estaria sob ameaça de uma epidemia de fome. Se
espera que o ato de prover água limpa e segurança alimentar, que já representam fonte de

378
preocupação, seja um desafio ainda maior no futuro. Assim sendo, os refugiados climáticos
tendem a ser uma porcentagem cada vez maior da população global. (UNHCR, 2018, p.1).
Todavia, um número preciso de migrantes é difícil de ser obtido, uma vez que a
estes indivíduos não é conferida a classificação oficial de refugiado, em conformidade com a
Convenção de Genebra de 1951. Portanto, por falta de políticas públicas que lidem com a
nomenclatura fornecida à situação em que esses indivíduos se encontram, as Nações Unidas
possuem dificuldades em montar uma conta única para gerir os números exatos relacionados a
este tipo de situação. (PEREZ, 2006, p.1).
Além disso, Monique Barbut, atual Secretária Executiva da UNCCD, aponta
que as zonas do globo propensas a longos períodos de seca e escassez de água são,
usualmente, as principais fontes de refugiados. Também explana que, como um fator isolado,
nem a seca nem a desertificação são a força suficiente para impelir o processo migratório.
Estes dois fatores atuam como catalisadores do risco de desencadeamento de conflitos, assim
como também são capazes de propiciar a continuidade daqueles já existentes. Barbut ressalta
a existência de fatores convergentes, como as tensões políticas, instituições fracas, economias
marginalizadas, falta de segurança social e rivalidades entre grupos promove as circunstâncias
ideais para fazer com que as pessoas fiquem inaptas a cooperar entre si. Um exemplo deste
quadro é a seca perene que assolou a Síria de 2006 a 2010. (KAMAL, 2017, p. 1).
É preciso, ainda, considerar que a perda de terra produtiva também constitui
fator que leva o indivíduo a fazer escolhas que arriscam sua própria vida. Em áreas não
urbanas, onde as pessoas garantem o básico para a sua subsistência por meio de recursos
naturais minguantes, fatores como seca e desertificação podem ser essencial para levar massas
populacionais ao processo de migração. A África Subsaariana, por exemplo, é extremamente
suscetível a catástrofes naturais de aridez, e 90% da sua economia depende de recursos
naturais que são afetados pelo clima seco. Assim sendo, o referido local caracteriza-se um
polo de repulsão de eco migrantes. (OEC, 2018, p. 1).
Na Conferência Africana sobre a Seca, ocorrida em agosto de 2016, os
representantes africanos na Convenção pediram pela produção de um protocolo vinculante
que auxiliasse os Estados africanos a lidar com o clima árido e seco. Em resposta foi
elaborado um documento intitulado “Windhoek Declaration for Enhancing Resilience to
Drought in Africa”. Tal registro estabelecia políticas voltadas para auxiliar os Estados parte a
transicionar de um plano de reação aos desastres climáticos para uma linha de trabalho mais
proativa. O objetivo era de diminuir os riscos da seca com base em alertas antecipados e
prontidão para lidar com as dificuldades. Desta forma, potencialmente milhões de vida e
meios de subsistências poderiam ser salvos. (UNCCD, 2018, p.1)
De fato, existe uma tendência à piora no volume de fluxos de migrações
induzidas por causa ligadas à ecologia, o que parece estar indo de acordo com o agravamento
das condições do meio ambiente. Preservar a natureza parece ser um dos maiores desafios da
contemporaneidade, e é importante considerar que o ser humano está no meio do processo e
sofrendo por diversas formas com os seus efeitos.
A razão pela qual isso se daria, é pela destruição progressiva dos ecossistemas
e da biodiversidade dos quais a sociedade depende intrinsecamente. Ou, ainda, por causa do
desaparecimento dos territórios habitados pelo homem, provocado tanto pela desertificação,
quanto pelo aumento do nível do mar também decorrente do derretimento das calotas polares.
(LE MONDE DIPLOMATIQUE, 2010, p. 44).

2 As condições climáticas brasileiras e o fluxo migratório interno

É necessário analisar também o caso do Brasil. Entre os anos de 1950 e 1980, o


território brasileiro presenciou uma onda considerável de migração da população rural do

379
nordeste do país em direção ao sudeste, principalmente para a cidade de São Paulo. A seca
desastrosa que castigou a região, alinhada à não existência de políticas públicas para
efetivamente lidar com o problema, acabaram por ser um dos principais fatores de origem
para este movimento populacional. Diversas cidades, com destaque para o Rio de Janeiro e
São Paulo, não estavam preparadas para receber uma quantidade tão considerável de
migrantes. Os resultados eram óbvios, sendo o aumento considerável das taxas de
desemprego, de violência e dos indicadores de pobreza. Em outras palavras, além de sofrer ao
ser forçado a deixar sua terra natal, o migrante frequentemente terminava obrigado a viver em
condições quase inumanas. (VALE, 2012, p. 27).
Contudo, destaca-se que progresso já está sendo feito para mudar essa crítica
realidade. Durante o ano de 2017 foi aprovada no Brasil a Lei de Migração, nº 14.445. Este
instrumento jurídico protege o estrangeiro que chega a solo brasileiro buscando refúgio de
desastres, naturais ou humanos. Como exemplo de aplicação prática, há o caso dos haitianos,
forçados a deixar seu país de origem graças a um terremoto que castigou o país em 2010.
A nova perspectiva adotada pela legislação brasileira em relação às políticas de
migração concede visto humanitário para o refugiado climático que chega ao Brasil. Todavia,
a maior parte dos eco-migrantes é um grupo composto por nacionais do próprio país e poucas
medidas foram direcionadas ao migrante interno. Segundo a UNHCR, em 2017, 68.5 milhões
de pessoas foram forçadas a deixar suas casas. Destes, 40 milhões estavam em trânsito dentro
de seu próprio país. Demonstra-se, assim, que a situação interna do país também é relevante e
carece de maior atenção nacional e internacional. (MARZOCHI, 2018, p. 2).
Assim sendo, resta evidente que os fluxos crescentes de migração levam a
desafios cada vez mais complexos e a degradação ambiental releva a necessidade de se
explorar quais são os motivos da migração irregular. A UNCCD avisou que, até 2030, mais de
130 milhões de pessoas estarão se colocando em grande risco, assumindo rotas migracionais
cada vez mais perigosas para fugir dos efeitos da desertificação. Durante as próximas décadas,
ações antropogênicas podem levar mais de um bilhão de pessoas a uma situação de
vulnerabilidade. Isto significa que existirão diversas vidas dependendo da concessão de asilo
em terras estrangeiras para poder continuar a perseguir seus desejos de uma qualidade vida
melhor. Para evitar este cenário é necessário reforçar os marcos legais pertinentes a fim de
proteger e assegurar os direitos daqueles que abandonaram suas casas, contra sua própria
vontade e por questões de sobrevivência, para evitar a destruição causada por desastres
naturais. (UNCCD, 2018, p. 1).
Não obstante, a migração acarretada por mudanças climáticas continua sendo
um tema controverso. O termo “refugiado”, conforme definido na Convenção de Viena de
1951, é o ser humano forçado a deixar sua morada por razões de guerra e perseguição política
e religiosa. De fato, no cenário internacional, esforços são realizados para oferecer uma
regulamentação jurídica aos eco-migrantes. Um exemplo disso é a Nansen Initiative, lançada
em 2012 pela Suíça e a Noruega, que proclamou como objetivo oferecer abrigo para aqueles
que sofrem com mudanças climáticas e desastres naturais. Em continuidade aos trabalhos
feitos por esta Iniciativa surgiu a Platform on Disaster Displacement, cujo o objetivo é
promover a agenda da ecologia ao redor do planeta. (MARZOCHI, 2018, p. 2).
A cooperação internacional é uma peça vital para que se prossigam os
trabalhos em favor do eco-migrante. O trabalho conjunto entre os Estados, com especial
colaboração daqueles mais suscetíveis a catástrofes naturais, é um elemento importante para
que seja elaborado, proposto e aplicado um plano de adaptação às mudanças climáticas do
globo. Além disso, reconhecer o liame entre a degradação ambiental global, migrações
forçadas e instabilidade econômico-político-social é um passo importante para criar um plano
de ações que promova a segurança internacional de uma maneira generalizada, prevenindo
assim que cenários ainda piores venham a se tornar realidade.

380
O auxílio aos eco-migrantes não deve se limitar a incluí-los na égide da
Convenção de Genebra, de maneira que passem a ser tecnicamente considerados como
refugiados. A sociedade atual deve buscar um compromisso global para proteger o indivíduo
que se encontre nessa condição. Uma possível maneira de se atingir tal fim seria favorecendo
tanto a internacionalização das obrigações de se oferecer o mínimo necessário para o eco-
migrante, assim como primando pela ampla recepção destas obrigações na legislação interna
dos Estados. Também é preciso coordenar as ações dos atores envolvidos de forma
preventiva, de maneira que se possa promover políticas mais amplas de proteção aos
refugiados, um maior controle dos fluxos migracionais, um estímulo ao cuidado específico do
meio ambiente e para que sejam cada vez maois efetivados os direitos humanos que por vezes
são violados em razão dessa situação de imigração precária. (RAMOS, 2011, p. 103).
Considerando que o Brasil mantém o papel de uma nação com a cultura
diversificada e aberta a refugiados e migrantes de distintas nacionalidades, ele deve estar
preparado para figurar ativamente nesse debate. Não apenas pelo fato de que o Brasil já foi
por diversas vezes fator central em catástrofes ambientais, como se pode observar nos casos
de rompimento da barragem de Mariana e Brumadinho, mas também pela razão de que o
povo brasileiro possui larga experiência em conviver em uma sociedade miscigenada.
(RAMOS, 2011, p. 125)

Considerações finais

Finalmente, o tópico principal deste trabalho não foi o de explorar


exaustivamente uma temática tão grande, diversa e complexa como a dos refugiados
climáticos. Ao invés disso, o objetivo foi promover um alerta para a urgência em superar as
barreiras legais e institucionais que dificultam um debate internacional sobre a matéria.
Também buscou-se fazer uma ressalva sobre o problema de negligenciar o eco migrante.
Indubitavelmente, uma solução perfeita e cerrada sobre o assunto ainda está longe de ser
formulada. Entretanto, é necessário que se mantenha este debate em destaque para que cada
vez mais medidas sejam pensadas para solucionar o problema e assegurar um futuro melhor
para os refugiados climáticos. Ao formular planos de ação para lidar com este cenário é
necessário ter em mente que pequenas modificações em condições primárias de grandes
sistemas, como aquele no qual está inserida a estrutura da dinâmica populacional de uma
sociedade, podem levar a grandes mudanças como resultados, como a mudança de
paradigmas no tratamento que é dispensado ao refugiado climático.

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382
A (IM)POSSIBILIDADE DO REFÚGIO AMBIENTAL A PARTIR DE UMA
ANÁLISE HERMENÊUTICA

A (im)possibility of environmental refuge from a hermeneutical analysis

Émilien Vilas Boas Reis1


Naiara Carolina Fernandes de Mendonça2
Lara Maia Silva Gabrich3

Resumo: Os deslocamentos provenientes de questões ambientais sempre existiram.


Entretanto, a crise ambiental que paira sobre todo o globo faz surgir para o direito
internacional uma forte preocupação com os chamados migrantes ambientais. Nesse sentido,
o presente trabalho tem como objetivo verificar, a partir de uma análise hermenêutica a
possibilidade da concessão do status de refugiado aos migrantes ambientais. Para tanto, o
presente trabalho se utiliza do método qualitativo, bibliográfico, descritivo, explicativo e
indutivo de pesquisa, concluindo, portanto pela impossibilidade dessa concessão, diante de
uma interpretação sistemática e lingüística do regime internacional sobre a questão.

Palavras-chave: Crise ambiental; Refugiado; Refugiado Ambiental; Direito Internacional;


Hermenêutica.

Abstract: Displacements from environmental issues have always existed, and the
environmental crisis that has hit the globe over the last decades has brought to international
law a strong concern with the so-called environmental migrants. In this sense, the present
work aims to verify, from a hermeneutical analysis the possibility of granting refugee status to
environmental migrants. For this, the present work uses the qualitative, bibliographic,
descriptive, explanatory and inductive method of research, concluding, therefore, the
impossibility of this concession, before a systematic and linguistic interpretation of the
international regime on the question.

Keywords: Environmental crisis; Refugee; Environmental Refugee; International right;


Hermeneutics.

1
Doutor em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. É professor Adjunto da
Escola Superior de Ensino Dom Helder Câmara (BH) em nível de graduação e pós-graduação
(Mestrado/Doutorado). Email: mboasr@yahoo.com.br
2
Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara.
Graduada em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Advogada. Email:
naiaracarolina.m@gmail.com
3
Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara.
Pós Graduada em Docência do Ensino Superior pelas Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros.
Advogada. Email: laragabrich@gmail.com

383
Introdução

As catástrofes ambientais são eventos indiscutíveis. Esses eventos sempre existiram


ao longo da história, fazendo com que os grupos de indivíduos residentes em regiões
afetadas se desloquem com o objetivo de buscar abrigo e acolhida em lugares mais seguros.
Todavia, a constante ação humana intervindo no meio ambiente nos últimos anos tem
potencializado ainda mais a ocorrência dessas catástrofes, tais como terremotos, furacões,
tsunamis, pestes e seca, fazendo com a sociedade atual viva aquilo que Beck (2011, p.45) já
denominava de Sociedade de Risco.
Essa percepção de risco ainda está muito enraizada em determinadas tradições,
principalmente quando se trata de países em desenvolvimento. Embora essa visão possa
variar de acordo com o tempo, a política, o espaço geográfico e cultura de cada povo, fato é
que, atualmente, esse risco pode ser melhor tratado como uma consequência da ação
humana, seja na política, na sociedade, na economia ou, inclusive, no meio ambiente.
Nesse sentido, observa-se que os riscos provenientes de eventos naturais, como
acidentes e catástrofes, se tornaram uma preocupação mundial. Tendo em vista o fato da
comunidade internacional buscar, cada vez mais, segurança no cenário global e, por essa
razão, priorizar mecanismos adequados que possibilitem a prevenção ou reparação desses
riscos.
Embora tais mecanismos sejam necessários, a tutela dos indivíduos que saem de
seus países em busca de locais mais seguros por virtude de eventos ambientais que os
impedem de permanecer naquela região é assunto urgente para o Direito Internacional.Dessa
forma, surge no cenário global uma discussão acerca da concessão do status de refugiado ao
sujeito que se encontra nessas condições. Essa não é uma discussão pacífica, pois, apesar de
se tratar de um direito humano, o conceito de refugiado não se encontra assentado nas
legislações que tratam da matéria, fazendo surgir, assim, posições antagônicas quanto ao
tema.
Nesse sentido, pretende o presente trabalho fazer um reflexão acerca dessa questão
a partir de um viés hermenêutico, na medida em que, analisados os institutos do direito
internacional e as legislações pertinentes, possa se verificar a (im)possibilidade da concessão
do status de refugiado ao migrantes ambientais. Para tanto, em relação à metodologia, este
trabalho se utiliza de uma pesquisa qualitativa, bibliográfica, descritiva, explicativa e
indutiva ao longo de sua feitura.
Por fim, importante se faz destacar a pertinência jurídica do tema em questão, uma
vez que a matéria ainda não está pacificada. Nesse caso, a busca de uma análise a partir de
uma interpretação hermenêutica pode ser capaz de ampliar o contexto e esclarecer
determinadas lacunas que pairam sobre a questão.

1 Breve histórico do instituto do asilo

No final do século XVII já era possível observar o instituto do asilo bem definido,
em teoria, no cenário internacional. Contudo, até esse momento, ainda não havia sido
incorporado ao diploma constitucional de qualquer Estado nacional. Logo, estes tinham a
faculdade de definir, diante do caso em concreto, se o requerente de asilo, que saiu de seu
país e adentrou no Estado solicitado, seria a ele concedia tal prerrogativa. Nesse caso, o
direito de asilo se fazia uma prerrogativa exclusivamente individual, analisada e concedida
caso a caso, por meio de uma decisão discricionária de acolhida. Foi apenas com a
Revolução Francesa que o instituto adquiriu, pela primeira vez, status de norma
constitucional em um Estado, passando assim, a ser reconhecido como um direito inerente às

384
pessoas perseguidas (DURÃES, 2009, p.101).
Séculos mais tarde, com a II Guerra Mundial e com a criação da Organização das
Nações Unidas (ONU), a preocupação com as questões humanitárias e com os direitos
humanos aumentaram e fizeram com que a ONU criasse um novo orgão com a finalidade
conceder proteção aos que hoje entendemos como refugiados. Anos depois, compreendendo
pela manutenção e reforço dessa proteção foi designado o Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados para lidar com assunto (MAZZUOLI, 2007,p. 354).
Finalmente, e com o objetivo de criar um documento que viesse ao encontro dessas
questões, em 1948 a ONU estabeleceu a Declaração Universal de Direito Humanos, que,
embora não trouxesse, especificamente, em seu corpo o termo refúgio, abarcou o direito de
asilo como um instituto lato sensu em seu artigo 14, 1:

1. Toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo


em outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de
perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos
contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas. (DECLARAÇÃO
UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS, 1948)

Observa-se que, a Declaração Universal de Direitos Humanos, ao dispor que “toda


pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo”, ampara o asilo
diplomático, bem como o territorial e o refúgio. Assim, necessário se faz compreender o
asilo como um gênero, podendo se manifestar de forma diplomática, territorial ou no
refúgio, recebendo status de direitos humanos. Contudo, de acordo com Durães (2009, p.49),
“apesar de expressamente previsto na Declaração, o direito de asilo não foi satisfatoriamente
por ela resguardado, pois a DUDH não atingiu consenso quanto à imposição aos Estados do
dever de concederem asilo.”
Desse modo, outros diplomas internacionais foram criados na tentativa de
estabelecer ainda mais proteção ao instituto. Dentre eles, importante ressaltar a Declaração
da ONU sobre Direito de Asilo (1967), prevendo vários e importantes princípios
concernentes ao tema, e a Declaração e Programa de Ação de Viena (1993) ratificando esse
direito a todos os indivíduos que se encontram em situação de perseguição e inovando ao
estabelecer o direito de repatriação.

2 O instituto do refúgio e sua proteção internacional

Conforme abordado anteriormente, o asilo previsto no artigo 14 da Declaração de


Direitos Humanos se trata do asilo em sentido amplo, podendo se revelar na forma de asilo
territorial ou diplomática (stricto sensu), ou ainda na forma de refúgio. Assim, a fim de
melhor compreender o refúgio, como tema central do presente trabalho, necessário se faz
diferenciar ambos os institutos, entre si, bem como os diferenciar da migração econômica,
fenômeno que vêm crescendo nos últimos anos e sendo confundido muitas vezes com ambas
as terminologías já abordados, em especial o do refúgio.

2.1 Asilo stricto sensu x Refúgio x Migração

O asilo em sentido estrito, se trata de um direito concedido pelo Estado, em um ato


discricionário, ao sujeito que tem sua vida e liberdade ameaçada em seu país de origem por
questões políticas. Nesse caso, o asilo pode ser tanto territorial quanto diplomático. Será
territorial quando o Estado solicitado conferir esse direito ao sujeito que se encontra dentro
deste mesmo Estado. Por outro lado, será diplomático quando a concessão é conferida pelo
Estado solicitado, porém o solicitante se encontra em estado diferente deste, mas em local de

385
jurisdição daquele. (MAZZUOLI, 2007, p. 389)
Diferentemente do asilo, o refúgio se trata de um direito a ser reconhecido pelos
Estados aos sujeitos perseguidos por motivos de nacionalidade, opinião política, religião,
grupo social e raça. Nesse sentido, tratou a Convenção Relativa ao Estatuto do Refugiado de
trazer um conceito para o termo Refugiado em seu artigo 1º, §1º:

c) Que, em conseqüência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de


1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo
social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que
não pode ou, em virtude deste temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou
que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua
residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido
ao referido temor, não quer voltar a ele. (ONU, 1951)

Desse modo, faz-se possível destacar que, para se caracterizar o instituto do refúgio,
necessário se faz estar diante de elementos essenciais, quais sejam, a extraterritorialidade, o
fundado temor e a perseguição, de modo que estas ocorram por motivos já mencionados deste
trabalho. Logo, e de acordo com Durães, pode-se observar uma considerável diferença entre
os institutos do asilo e do refúgio:

as hipóteses de reconhecimento do status de refugiado a alguém são claras, objetivas


e bem delimitadas, enquanto a averiguação da perseguição política, foco também da
proteção do direito de asilo, fica a cargo dos Estados que, discricionariamente,
podem ou não conceder asilo político. Fica claro, de tal modo, que a concessão de
asilo por um Estado é constitutiva do direito de asilo do indivíduo protegido,
enquanto a atribuição do status de refugiado, dentro dos critérios e objetivos
previstos pela CRER, é declaratória e, portanto, não constitutiva do direito ao
refúgio, mas sim necessária a seu reconhecimento. (DURÃES, 2009, p.58)

Assim, enquanto o primeiro é passível de proteção pelo simples fato de existir


perseguição em âmbito político, o segundo é tutelado universalmente e, só é possível
mediante perseguição fundada em requisitos pré-estabelecidos (RAMOS, 2011, p. 79).
Ademais, enquanto o asilo se trata de uma decisão discricionária do Estado, o refúgio é o
reconhecimento do status de refugiado mediante os critérios definidos pela própria
Convenção Relativa ao Estatuto do Refugiado, estabelecendo, portanto responsabilidades
internacionais para com o refugiado.
Por fim, cabe analisar o conceito de migrante econômico. De acordo com o Instituto
de Migrações e Direitos Humanos (IMDH), migrante é o sujeito que sai de seu lugar de
origem ou onde reside para outro local, seja este outro país ou outra região. Logo, tem-se que
a migração pode ser tanto interna, de região para outra região dentro de um mesmo país, ou
externa, de um país para outro. Nesse sentido, para aqueles que entram em determinado país,
utiliza-se o termo imigrante. Ao contrário, para aqueles que saem de seu lugar de origem
utiliza-se o termo emigrante. Assim, pode-se denominar migrante econômico todo aquele que
sai de seu lugar de origem, ou onde reside habitualmente, para outro país ou região, a fim de
buscar oportunidades econômicas e melhores condições de vida.
Feitas, desse modo, as devidas distinções dos institutos, a fim de dissipar qualquer
tipo de confusão a respeito daqueles, abordá-se-á melhor o instituto do refúgio, e a
possibilidade ou não de concessão do status de refugiado aos migrantes ambientais.

2.2 Princípios e elementos essenciais para proteção internacional dos refugiados.

Com a Convenção Relativa ao Estatuto do Refugiado em 1959, após a segunda


guerra mundial e fruto de um grande esforço da ACNUR (Alto Comissariado das Nações

386
Unidas para os Refugiados), foi possível estabelecer, conforme já mencionado, uma definição
do instituto do refúgio e uma proteção mais efetiva e criteriosa aos refugiados. Ademais, esse
diploma internacional passou a estabelecer, junto de seu Protocolo Adicional, aprovado em
1967, os princípios norteadores do direito de refúgio.
.
Desse modo, e a fim de aprofundar neste instituto, far-se-á uma breve análise de seus
princípios e elementos de aplicação estabelecidos pelo diploma internacional em questão.

2.2.1 Princípios

A Convenção Relativa ao Estatuto do Refugiado estabelece sete princípios basilares


do instituto do refúgio. O primeiro deles se trata do princípio da proteção internacional da
pessoal humana, e traduz a ideia de que todos têm o direito de gozar de seus direitos
humanos, bem como de suas liberdades fundamentais, de modo que, havendo algum tipo de
perseguição, estes indivíduos se tornam impedidos de gozar desse direito e, por esse motivo,
merecem tal proteção.
O segundo princípio é o da cooperação e solidariedade internacional. Este significa
que os Estados membros da comunidade internacional precisam juntar esforços para a
proteção e promoção desse direito, se comprometendo a realizar tudo que estiver em seu
alcance para protegê-lo e possibilitar aos refugiados pleno gozo de seus direitos humanos.
O terceiro princípio diz respeito ao princípio da não-devolução, mais conhecido no
plano internacional como non-refoulement; ou seja, os Estados signatários da Convenção se
tornam impedidos de devolver um refugiado ao seu país de origem, ou ainda, a qualquer país
no qual possa apresentar sinais de ameaça ou perseguição àquele sujeito, uma vez que esta
atitude ofenderia gravemente o direito humano do refugiado.
O quarto princípio trata da boa-fé, obrigando aos Estados signatários da Convenção
ao cumprimento das normas estabelecidas, de forma harmônica e facilitando sua aplicação.
Esse princípio faz referência à supremacia do direito de refúgio, ou seja, à concessão do
refúgio, assim como do asilo, como um direito que não pode ser ignorado, mas sim concedido
pelos Estados quando verificado seus requisitos. Nesse sentido, essa concessão não deve ser
interpretada pela comunidade internacional, em especial pelos Estados de origem daqueles
refugiados, como uma ofensa da parte do país receptor, uma vez que essa interpretação
poderia comprometer, seriamente, as relações diplomáticas entre os países.
O quinto princípio, embora não esteja expressamente previsto na Convenção, é o da
unidade familiar. Este princípio, oriundo da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
indica que todos têm o direito de constituir uma família, bem como possuem o direito à
manutenção dela, em especial as crianças, de modo que o reconhecimento ao direito de
refúgio, por parte dos Estados, deve se comprometer com a preservação das famílias em caso
de grupos familiares.
Por fim, e não menos importante, o princípio da não-discriminação significa a
aplicação das normas relativas ao direito de refúgio uma vez que o reconhecimento desse
direito se dê sem que haja qualquer tipo de discriminação ao refugiado, seja pela sua religião,
país de origem ou raça.
Desse modo, observa-se que tais princípios norteiam a aplicação do direito de refúgio
previsto pela Convenção Relativa ao Estatuto do Refugiado, orientando assim, em conjunto
com os elementos essenciais de aplicação do instituto que serão abordados em seguida, uma
interpretação de reconhecimento desse direito.

2.2.2 Elementos essenciais de aplicação

387
Conforme já abordado anteriormente, a Convenção Relativa ao Estatuto do
Refugiado, em seu artigo 1º, §1º, “c”, revela elementos essenciais à aplicação e configuração
do refúgio, os quais serão analisados a fim de identificar qual seu alcance e significado na
aplicação na norma internacional relativa aos refugiados.
O primeiro deles trata da extraterritorialidade. Esse elemento reforça a necessidade
do sujeito requerente de asilo se encontrar em um Estado diverso do seu país de origem ou do
local onde reside. Isso significa que, embora o solicitante de asilo esteja sendo perseguido, se
ele não sair do local onde essa perseguição esteja ocorrendo, ou seja, se ele não ultrapassar
aquela fronteira, a extraterritorialidade não se configura e, portanto, não há de se falar em
refúgio (SALIBA; VALLE, 2017, p.29).
Esse elemento é importante, pois, ainda que o Estado receptor seja signatário da
Convenção, não pode ofender a jurisdição do país de origem daquele solicitante, de modo que
para esta regra não há qualquer tipo de exceção, sendo, portanto, obrigatória a
extraterritorialidade para o possível reconhecimento do refúgio.
O segundo elemento diz respeito ao fundado temor de perseguição. Essa expressão,
de acordo com a ACNUR, “é o elemento chave da definição, refletindo o ponto de vista dos
autores da declaração em relação aos elementos constitutivos do conceito de refugiado”
(ACNUR, 2011, p. 12). Observa-se que tal elemento traz consigo uma característica subjetiva
e objetiva, as quais devem ser analisadas em conjunto para que se configure o fundado temor
de perseguição. O caráter subjetivo se dá diante do “temor”, que nada mais é do que um
estado de espírito no qual o sujeito se encontra. Já o caráter objetivo é observado quando
diante da expressão “fundado”. Isso significa que não basta apenas constatar o estado de
espírito do sujeito, é preciso relacioná-lo a uma situação concreta. Segundo a ACNUR:

Deve-se considerar (em relação ao elemento subjetivo) os antecedentes pessoais e


familiares do solicitante, a sua relação com certo grupo racial, religioso, nacional,
social ou político, a sua própria interpretação da situação e a sua experiência pessoal
– por outras palavras, tudo o que possa indicar que o motivo determinante para o seu
pedido é o temor, que deve ser razoável. Quanto ao elemento objetivo, é necessário
avaliar as declarações feitas pelo solicitante. As autoridades competentes para
determinar a condição de refugiado não estão obrigadas a avaliar as condições
existentes no país de origem do requerente. No entanto, as declarações do solicitante
não podem ser consideradas em abstrato, devendo ser analisadas no contexto da
situação concreta e dos antecedentes relevantes. (ACNUR, 2011, p.13)

Assim, o termo “fundado” e “temor” passa a ser analisado conjuntamente,


observando-se tanto seu elemento subjetivo, quanto objetivo, a fim de verificar se tal fundado
receio verdadeiramente existe, para que se constate a situação de refúgio.
Nesse sentido, embora existam inúmeros motivos capazes de gerar um fundado
temor no sujeito, de acordo com a Convenção, apenas um deles pode ser considerado no caso
do refúgio: a perseguição. O diploma internacional não estabeleceu uma definição do que
seria essa perseguição, mas alguns anos mais tarde a ACNUR tratou de mencionar que esta
ocorreria diante da ameaça à vida ou à liberdade por questões de raça, religião, nacionalidade,
opiniões políticas ou pertencimento a um grupo social. O mesmo órgão também entende que é
possível, por meio de outros tipos de ameaças aos direitos humanos, que se configure algum
tipo de perseguição, de modo que

os diversos elementos envolvidos podem, se considerados conjuntamente, levar o


solicitante a um estado de espírito que pode justificar o fundado temor de
perseguição por “motivos cumulativos”. Obviamente, não é possível estabelecer
uma regra geral quanto aos motivos cumulativos que podem tornar válido o pedido
de reconhecimento da condição de refugiado (ACNUR, 2011, p.15).

388
Entretanto, embora o órgão tenha tentando especificar melhor o terno, não há ainda
uma definição internacional em consenso. Nesse sentido, e por esse motivo, o termo
“Refugiado Ambiental” começou a ganhar força e se justificar no cenário mundial. Contudo,
cabe questionar se tal termo se encontra em conformidade com a Convenção Relativa ao
Estatuto do Refugiado, sendo possível ou não a utilização da expressão “Refugiado
Ambiental”.

3 O termo “refugiado ambiental” e sua repercussão no direito internacional

As migrações ambientais, conforme já afirmado anteriormente, não são atuais e


sempre existiram diante de eventos naturais, sejam eles causados ou não pelo homem. Por
meio da história da humanidade é possível observar inúmeras catástrofes naturais,
epidemias, secas, entre outros eventos que impossibilitaram a continuidade de determinados
sujeitos nas localidades atingidas por esses fenômenos, e os obrigaram a procurar abrigo em
outros lugares. De acordo com Erika Ramos:

No passado, eventos como a seca, inundações e catástrofes naturais (terremotos,


tsunamis, erupções vulcânicas), fome e epidemias eram percebidos
como“fatalidade”, “castigo” ou “vingança divina”. Vale salientar que essa
percepção do risco ainda está presente em algumas culturas, especialmente nos
países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. No entanto, é preciso ressaltar que
a percepção do risco vem se transformando, variando no tempo e no espaço e de
acordo com escolhas políticas. Hoje, o risco é compreendido como resultado da
ação e dos processos de decisão humana. (RAMOS, 2011,p 48)

Na atualidade, a complexidade dos riscos, afirmada por Beck em sua teoria, gira em
torno da globalização (BECK, 2011, p.45). Esses riscos se dão por meio das dimensões
econômicas, sociais, tecnológicas e culturais, diferenciando-se, assim, dos riscos passados e
exigindo da comunidade internacional a união de esforços na tentativa de amenizá-los.
Dentre esses riscos, observa-se aqueles advindos de mudanças ambientais a nível
global que, embora a ciência tenha tentado diminuir seu grau de incerteza, criando certos
tipos de planejamentos de futuro na tentativa de prever possíveis danos ambientais, ainda
não há um mecanismo capaz de prevenir e solucionar por completo os desastres
considerados ambientais.
A proteção internacional aos sujeitos que se deslocam em virtude de um evento da
natureza ganhou repercussão com Lester Brown, ao final da década de 1970, que passou a
denominar esses sujeitos de “refugiados ambientais” (DURÃES, 2011, p.52). Assim, essa
questão do refúgio ambiental se tornou ainda mais evidente a partir do 4º Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), realizado em 2007, no âmbito das
Nações Unidas. Os estudo analisados e apresentados neste painel evidenciaram as questões
climáticas, indicando inúmeras mudanças climáticas a nível global com um potencial
preocupante. Ademais, a ocorrência de desastres naturais e crescente desmatamento nos
últimos (RAMOS, 2011, p.69).
A fim de comprovar esse argumento, verifica-se que apenas nos últimos dez anos o
mundo vivenciou fenômenos como o terremoto no Haiti, em 2010, que chegou a matar cerca
de 200 mil pessoas, além de deixar milhões de desabrigadas. O tsunami no Japão, no ano de
2011, deixando mais de 15.000 mortos, 17.000 desaparecidos e 18.000 casas destruídas. O
tufão nas Filipinas, em 2013, que matou aproximadamente dez mil pessoas. O furacão
Harvey, nos EUA, chegando a matar 44 pessoas e obrigando cerca de um milhão a
deixassem suas casas. Ademais, de acordo com a FAO – Food and Agriculture Organization

389
of United Nations (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura)-, o
desmatamento é a segunda principal causa das mudanças climáticas, perdendo apenas para a
queima de combustíveis fósseis (FAO, 2018, p.3).
Desse modo, apesar do deslocamento ambiental ser um fenômeno existente desde
sempre, devido às inúmeras ocorrências nos últimos anos, a questão acabou se tornando uma
preocupação para o Direito, principalmente para o Direito Internacional, do qual se espera
mecanismos que consigam amparar a temática. Ocorre que, paira no âmbito do direito uma
certa indefinição jurídica, uma vez que os sujeitos que se vêm obrigados a se deslocarem,
em virtude de evento da natureza, não possuem proteção expressamente estabelecida pelo
ordenamento jurídico internacional vigente, fazendo com que se questione o fato de tais
sujeitos poderem ou não receber o status de refugiado estabelecido pela Convenção relativa
ao Estatuto do Refugiado. Para Saliba e Valle, “apesar de sua popularização e de sua ampla
discussão no meio acadêmico, ainda não é possível identificar um status legalmente
reconhecido para os migrantes ambientais.” ( SALIBA; VALLE, 2017, p.15).
Neste desiderato, é possível perceber como o tema da migração ambiental vem
ganhando repercussão no cenário mundial, a partir da crise ambiental que paira sobre todo o
globo e, como sendo discutida das distintas searas, em especial a do Direito internacional,
quanto à proteção de deslocados em virtude de questões ambientais. Essa discussão tem feito
surgir duas correntes acerca dessa temática. Uma corrente entendendo pela concessão do
status de refugiado à deslocados ambientais, e um outra corrente entendendo pela não
concessão desse status, mas sim por uma proteção proveniente de outro instituto do direito,
ou a criação de um instrumento que conceda à esses sujeitos uma proteção especial,
diferente do instituto do refúgio.
Contudo, percebe-se que, embora a doutrina se dividia em relação ao tema,
trazendo diversos argumentos contrários e favoráveis à concessão do status de refugiado aos
migrantes ambientais, ainda se faz necessária uma análise hermenêutica acerca da temática,
a fim de se verificar, a partir de uma interpretação mais aprofundada dos diplomas legais,
bem como do regime internacional relativo ao tema, a possibilidade ou não dessa concessão.
Isso porque, a hermenêutica se faz pilar na construção do conhecimento, já que a construção
deste, fundamentalmente repousa em práticas interpretativas.

4 Análise hermenêutica do termo “refugiado ambiental” e sua (im)possibilidade diante


do ordenamento internacional

Embora vários argumentos existam à respeito do tema, sejam eles pró ou contra a
concessão do status de refugiado aos migrantes ambientais, a hermenêutica se faz de
extrema importância na construção do conhecimento e reflexão. De acordo com Camargo
(2003, p.13), “compreender é buscar o significado de alguma coisa em função das razões
que a orientam, e nesse sentido, a interpretação é pilar na compreensão de um processo,
especialmente se este estiver relacionado com a linguagem”. Assim, como o direito é
puramente linguagem, nada melhor que uma análise hermenêutica para contribuir na
construção de um conhecimento sobre a temática.
Várias espécies de classificações hermenêuticas podem ser observadas. Neste
trabalho será utilizada a proposta de Humberto Ávila e, para tanto, antes de aplicar os tipos
argumentativos, passar-se-á a compreender melhor essa classificação, a fim de selecionar o
tipo argumentativo mais pertinente à matéria em análise.
Nesse sentido, Ávila (2001, p.163) parte do princípio da existência de argumentos
institucionais, ou seja, argumentos que possuem como referência o ordenamento jurídico e,
por esse motivo, possuem maior capacidade de objetivação; e argumentos não-institucionais,
ou seja, aqueles provenientes de um sentimento de justiça, possuindo, assim, menor

390
capacidade de objetivação. A partir daí, já se pode verificar que, em relação ao tema da
pesquisa, necessário se faz adotar o tipo argumentativo institucional, já que a questão do
refúgio gira em torno de um ordenamento jurídico internacional, bem como envolve diplomas
internacionais de que tratam do assunto.
Assim, dentro dos argumentos institucionais, segundo Ávila (2001, p.123), há um
subdivisão de argumentos, entre aquele imanentes aqueles transcendentes. Os argumentos
chamados imanentes “são aqueles que são constituídos a partir do ordenamento jurídico
vigente, assim da sua linguagem textual e contextual, como dos seus valores e da sua
estrutura.” (ÁVILA, 2001, p.162). Já os argumentos tidos como transcendentes, “são aqueles
que não mantêm relação com o ordenamento jurídico vigente, mas dizem respeito, ou a sua
formação ou ao sentido dos dispositivos que ele antes continha.” (ÁVILA, 2001, p.162).
Logo, a partir do ordenamento jurídico vigente acerca do refúgio, será realizada uma
análise a partir de argumentos imanentes, os quais são: lingüísticos, ou seja, verifica-se o
significado dos dispositivos de que tratam do tema; e sistemáticos, no qual se observa os
elementos e a aplicação daquele dispositivo diante de toda uma estrutura em que está inserido
(ÁVILA, 2001, p.170). Nesse sentido, far-se-á, uma análise lingüística e sistêmica do artigo
1º, §1º, “c” da Convenção Relativa ao Estatuto do Refugiado, o qual estabelece o conceito de
refugiado, a fim de se verificar a possibilidade ou não da concessão do status de refugiado ao
migrante ambiental.

4.1 Argumento linguístico


Ainda de acordo com Ávila (2001, p.172), os argumentos linguísticos vão ao
encontro da melhor interpretação quando a norma em questão se fizer inteligível, ou seja,
quando for possível, qualquer homem-médio a perceber como significado mais plausível, ou
seja, quando não apresentar algum tipo de abstração, duplo sentido ou ausência de
especificidade.
Nesse sentido, o artigo 1º, §1º, “c” da Convenção Relativa ao Estatuto do
Refugiado, ao estabelecer o conceito de refugiado, não transmite qualquer daquelas
características, mas sim, traz elementos essenciais e objetivos capazes de atribuir caracteres
a serem observados no momento de se reconhecer o direito ao refúgio.
Como já abordado anteriormente, esses elementos se traduzem na expressão
“fundado temor de perseguição”, de modo que para se falar em refugiado é preciso que o
sujeito esteja sofrendo de um perigo real, analisado, como já abordado anteriormente, por
um viés objetivo, bem como subjetivo do indivíduo, mas necessariamente, este medo deve
se dar por conta de uma perseguição.
A palavra perseguição, significa “perseguir”, “ir atrás com intuito de prejudicar ou
inibir algo ou alguém”. Nesse sentido da palavra verifica-se, portanto, a necessidade de um
agente ativo perseguidor, que em um caso concreto pode ser tanto o Estado, por meio de seu
pessoal, quanto de grupos armados, milícias, ou outros tipos de organizações e até mesmo de
uma pessoa em sua individualidade.
Desse modo, em relação à questão ambiental, observa-se que não um agente ativo
perseguidor, uma vez que os eventos ambientais advêm da própria natureza. De acordo com
Durães:

Este que é essencial, segundo a CRER, para a configuração do reconhecimento dos


status de refugiado a alguém, não se encontra presente, mesmo em análise forçada,
quando indivíduos ou populações deslocam-se para outros locais que não o de sua
origem e moradia habitual em decorrência de fatores ambientais. Ora, seria
cabível, então, aceitar-se que estas pessoas ou grupos são perseguidos pelo clima,
pelos mares, pelos ventos, pelos desertos ou pela erosão do solo? Obviamente que
não, tendo em vista que o DIR trabalha, notadamente, com hipóteses reais de
averiguação e caracterização do agente da perseguição (Estados e non-state

391
actors). (DURÃES, 2009, p.113)

Outrossim, para a configuração do status de refugiado, deve-se, necessariamente,


verificar o elemento da perseguição, ou, mesmo que este não esteja efetivamente ocorrendo,
que se comprove o fundado temor de que venha a ocorrer. Não obstante, uma vez que trata-
se do elemento perseguição, este, obrigatoriamente, deve possuir no polo ativo um agente
perseguidor, agente este que possua personalidade, a fim de que, posteriormente seja
possível, até mesmo , conferir qualquer responsabilidade que seja a este agente, devido aos
fatos praticados no cenário internacional.
Por fim, a Convenção traz em seu artigo 1º, §1º, “c” um rol numerus clausus, que
tem como objetivo tratar das causas dessa perseguição, causas essas fundadas nos eventos
ocorridos até o pós-guerra. Dentre essas causas de perseguição, já abordadas nesta pesquisa,
não é possível observar alguma causa que trate de questões ambientais, sendo elas: raça,
religião, opinião política, vinculação a determinado grupo social ou nacionalidade. Em
conformidade com este raciocínio, afirma Durães:

Conseqüentemente, como não consta no rol do artigo 1º, §1º, (c) do Estatuto dos
Refugiados a previsão dos fatores ambientais e climáticos como motivadores da
perseguição, tal ausência configura-se como uma limitação à possibilidade de se
contemplar os chamados “refugiados ambientais” com a proteção oriunda do
instituto jurídico do refúgio (DURÃES, 2009, p. 114).

Nesse sentido, diante dos elementos constantes na Convenção Relativa ao Estatuto


do Refugiado, verifica-se a impossibilidade da concessão do status de refugiado ao migrante
ambiental, vez que, após uma análise linguística, este não se encontra contemplado pelo
diploma, já que a migração ambiental não se faz oriunda de uma perseguição, ou ainda, de
um fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, opinião política, vinculação
a determinado grupo social ou nacionalidade.

4.2 Argumento sistêmico


Para Ávila, os argumentos sistêmicos, são “satisfatoriamente empregados na
interpretação se o contexto e os precedentes apontarem para uma só direção” (ÁVILA, 2001,
p.171). O que pode ser observado no tema em análise. Isso porque, ao ampliar a
interpretação e o entendimento sobre o assunto, observando outros diplomas e princípios que
envolvem o instituto do refúgio, verifica-se uma mesma linha de construção de pensamento
acerca do tema.
Desse modo, ao analisar a Declaração de Direitos Humanos, em seu artigo 14, 1 e
os demais diplomas a nível regional todos eles pressupõem o elemento perseguição ou, ao
menos, seu fundado temor, o que não ocorre quando se trata de migração ambiental.
Importante destacar que, embora a Declaração de Cartagena das Índias, e a Convenção
Relativa aos Aspectos Específicos dos Refugiados Africanos tenha aderido à migração
ambiental como passível de tutela do refúgio, observa-se uma incoerência dos dois
diplomas, vez que as próprias declarações exigem o elemento da perseguição, ou seu
fundado temor para que se reconheça o status de refugiado. Para Durães,

[...] ainda que na tentativa de se proceder a uma análise alargada e não formal do
termo perseguição, a ausência do agente, por si só, já impossibilita a aplicação
tanto do documento tradicional de proteção aos refugiados como das declarações
regionais americana e africana aos casos de deslocamentos humanos motivados
por fatores ambientais. (DURÃES, 2009, p. 120)

Portanto, não apenas a Convenção Relativa ao Estatuto do Refugiado tratou de

392
estabelecer o elemento da perseguição, quanto os demais diplomas internacionais relativos ao
tema. Nesse sentido, tem-se uma linha de interpretação fundamentada sobre questão, qual
seja, a impossibilidade de concessão do status de refugiado aos migrantes ambientais, o que
não quer dizer que eles não mereçam qualquer tipo de proteção, mas sim de que a proteção
dada aos refugiados não pode se estender a eles, sendo necessário, portanto, a criação de um
instituto próprio que se destine à proteção desses sujeitos.

Considerações finais

A partir da crise ambiental que integra a atual sociedade de risco e, após a afirmação
do instituto do refúgio, principalmente depois da Convenção Relativa ao Estatuto do
Refugiado, passou-se a questionar se os sujeitos que se veem na situação de deslocamento em
razão de um evento da natureza, embora causado pelo próprio homem, poderia receber o
status de refugiado, obtendo, assim, todas as garantias e proteções do instituto.
Essa questão levou inúmeros doutrinadores e organizações a trabalharem em
argumentos favoráveis ou não em relação à temática, uma vez que os diplomas legais os quais
tratam do tema não indicam expressamente essa possibilidade. Nesse sentido, o presente
artigo se propôs a realizar uma análise hermenêutica acerca do tema, a fim de encontrar
fundamentos sólidos para justificar a (im)possibilidade da concessão do status de refugiado
aos migrantes ambientais.
Desse modo, adotando a classificação dos argumentos interpretativos, a presente
pesquisa adotou os argumentos linguísticos e sistêmicos para analisar a questão, entendendo
pela impossibilidade da concessão do status de refugiado aos migrantes ambientais, uma vez
que esses não possuem os elementos essenciais para a configuração do instituto, que se
encontram tanto da Convenção Relativa ao Estatuto do Refugiado, quanto em demais
diplomas a respeito da temática no ordenamento jurídico internacional.
Desse modo, necessário se faz que os indivíduos que se encontrem nas condições de
deslocamento, devido à fatores naturais, causados ou não pelo homem, possam receber
proteção específica, não advinda do instituto do refúgio, mas de outro instrumento já
estabelecido pelo direito Internacional ou ainda a ser criado. Não se pode olvidar a
necessidade em colocar a temática em pauta, diante do cenário internacional, a fim de que o
Direito Internacional possa trabalhar a favor desses sujeitos e, consequentemente, a favor da
proteção aos Direitos Humanos.

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393
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394
IMPLICAÇÕES DO COLAPSO CLIMÁTICO NOS DIREITOS HUMANOS DO
POVO INUIT: DESAFIOS PARA UMA TUTELA INTERNACIONAL

Implications of the climate collapse in the human rights of the Inuit People: challenges
for an international guarantee

Pedro Henrique Moreira da Silva1


Valdênia Geralda de Carvalho2

Resumo: A pesquisa pretende demonstrar como o colapso climático, com alteração da


estrutura paisagística e constitutiva do Ártico afeta os Inuits e representa vilipêndio aos
Direitos Humanos desse povo. Demonstra-se que o entendimento do Meio Ambiente
ecologicamente equilibrado como direito de ordem humana faz urgente a alteração de
políticas econômicas, sobretudo no que diz respeito aos EUA, sob risco de incorrer-se
em latente desprezo de classe e sobreposição de interesses nacionais aos interesses da
Humanidade. A partir dessa perspectiva, o presente estudo apresenta a petição Inuit e,
em face do insucesso da peça, suscita a possibilidade de litígio no TPI e a necessidade
de tutela internacional – tendo em vista que as consequências do colapso climático no
povo Inuit superarão a discussão de refugiados ambientais e alcançará o debate acerca
do ecocídio – conforme demonstrar-se-á pelo método hipotético-dedutivo e da pesquisa
bibliográfica.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Inuit. Aquecimento global. Ecocídio. Direito


Ambiental Internacional.

Abstract: The research intends to demonstrate how the climatic collapse, with
alteration of the landscape and constitutive structure of the Arctic, affects the Inuits and
represents a vilification to the Human Rights of this people. It is demonstrated that the
understanding of the ecologically balanced environment as a right of human order
makes it urgent to change economic policies, especially with regard to the US, at the
risk of incurring in latent class contempt and overlapping of national interests to the
interests of Humanity. From this perspective, the present study presents the Inuit
petition and, in the face of the failure of the play, raises the possibility of litigation in
the ICC and the need for international tutelage - given that the consequences of the
climate collapse in the Inuit people will overcome the discussion of environmental

1
Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder
Câmara (ESDHC). Bolsista no programa de Pós-graduação pela Fundação Movimento Direito e
Cidadania (FMDC). Bacharel em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC).
Bacharelando em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Advogado. E-mail.:
pedroadvdireito@gmail.com
2
Orientadora. Doutora e Mestre em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). Advogada e professora. E-mail.: valdenia@domhelder.edu.br
refugees and will reach the debate on ecocide - as will be demonstrated by the
hypothetical-deductive method and the bibliographical research.

Keywords: Human Rights. Inuit. Global warming. Ecocide. International


Environmental Law.

Introdução

As mudanças climáticas no globo apontam para a urgência da consolidação de


uma perspectiva pela qual o Meio Ambiente ecologicamente equilibrado seja, em todas
as instâncias, um Direito Humano. Isso, tendo em vista que é a natureza condição sem a
qual não há viabilização da própria existência.
Não obstante, o fortalecimento da lógica cartesiana e os ideais de progresso
como crescimento levam o mundo a um colapso irremediável que se manifesta,
principalmente, pelo aquecimento global. Acerca da problemática, consideráveis efeitos
têm sido notados na região ártica do planeta, com alterações paisagísticas que afetam os
povos tradicionais que, milenarmente, habitam aquela região: os Inuits.
Acerca dessa comunidade indígena, há que se dizer que as alterações climáticas
afetam e inviabilizam a cultura, viagens, alimentação e, por consequência, a própria
existência. E essas mazelas, note-se, são decorrentes – sobretudo – da política
econômica dos Estados Unidos da América e da omissão do referido país no que diz
respeito à adoção de medidas para mitigar e reverter os danos que sofrem os Inuits
(realidade que se agrava com a saída do país do Acordo de Paris, parte da política
ambiental do Presidente Trump).
Nesse sentido, a pesquisa se propõe a apresentar referido contexto, promovendo
um paralelo entre preservação e degradação ambiental e Direitos Humanos, trazendo a
discussão a respeito dos povos tradicionais do polo Norte e apresentando a petição
protocolizada pela Inuit Circumpolar Council Canada na Comissão Interamericana de
Direitos Humanos. Em face das decorrências do que se expõe, questiona-se a respeito
da caracterização do meio ambiente equilibrado como Direito Humano e quais os
desafios e soluções para o entrave internacional que se delineia entre o colapso
climático e a sobrevivência do povo Inuit.
Para a satisfação do que se pretende, recorreu-se ao método hipotético-dedutivo,
com a exposição de fatos e documentos e a formulação de hipóteses a respeito das
consequências do que se aponta. Assim, justifica-se a pesquisa pela urgência da
proteção, promoção e defesa dos Direitos Humanos do povo Inuit – e da Humanidade.

1 Meio ambiente como direito humano

A relação entre os Direitos Humanos e a preservação ambiental é condicional, de


forma que a nulidade de um inviabiliza a satisfação do outro. São direitos que se
englobam em medidas ambivalentes: sem o Meio Ambiente, não há forma de se garantir
a própria vida, ao mesmo tempo em que o equilíbrio ambiental é medida da própria
dignidade afirmada na lógica dos Direitos Humanos.
Referido posicionamento se confirma na afirmação de que “a vida é o mais
fundamental de todos os direitos” (DEL POZO, 2000, p. 48-49 apud BELTODI, 2007,
p. 07). Isso porque, sem vida não há que se falar na existência humana e, por
consequência, na existência dos direitos que lhe são atribuídos. Assim, o direito à vida
depende do direito humano ao meio ambiente – e vice-versa.

396
Assim, as percepções humanas e ambientais são interligadas de tal forma que,
havendo violação de qualquer destes direitos, haverá duplo desequilíbrio. Ou seja,
degradações ambientais implicam também na desestruturação dos Direitos Humanos.
Isso nos possibilita concluir que tanto os direitos ambientais – alcançando as cinco
dimensões da sustentabilidade – quanto os Direitos Humanos convergem em um mesmo
propósito (BELTODI, 2007, p. 10). Diz-se, portanto, que a questão ambiental se integra
às percepções dos Direitos Humanos na medida em que os vulneráveis são os
signatários das mazelas ecológicas e que o próprio organismo coletivo é afetado
(GUERRA, 2010, p. 46).
Ensaios a respeito dessa percepção seriam notados em importantes documentos
internacionais, tais quais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Protocolo dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no Protocolo dos Direitos Civis e Políticos,
Declaração de Biskaia, Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos e o Protocolo
de San Salvador (GOMES, BULZICO, 2010, p. 49).
Após, os próprios constitucionalismos tratariam de esboçar a preocupação
ambiental para alcance de dignidade dos indivíduos – como é o caso da Constituição da
França que, por força preambular e em razão do disposto no Capítulo XI da Carta
Magna francesa, deu origem ao Código do Meio Ambiente que, mais que estabelecer
conceitos gerais de cuidado e proteção ambiental, delimitou princípios norteadores de
uma política ambiental e criou entidades responsáveis pelo efetivo direcionamento das
questões ambientais e do desenvolvimento sustentável – a exemplo do artigo L110.
A percepção supra seria consolidada no âmbito internacional com a Declaração
de Estocolmo, de 1972, em que ficou positivado o equilíbrio ambiental como direito
fundamental e fundamento da dignidade humana. Acerca da Conferência que precedeu a
Declaração, foi responsável pela criação de um Plano de Ação para o Meio Ambiente
(com 109 recomendações), a Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, a
Resolução sobre aspectos financeiros e organizacionais no âmbito da ONU e o
Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (GOMES, BULZICO, 2010, p. 54).
Quanto à Declaração em si, inaugurou o Direito Internacional Ambiental e foi
responsável pela “consagração do meio ambiente enquanto direito humano” (GOMES,
BULZICO, 2010, p. 55). É justamente a confirmação desse sentido que mobilizou a
comunidade internacional - seja por instrumentos jurídicos internos ou internacionais –
em uma nova percepção e tratativa com o Meio Ambiente, “com a participação mais
intensa dos governos e da sociedade” (GOMES e BULZICO, 2010, p. 62).
Assim, acompanhando o entendimento de José Afonso da Silva (2002, p. 101),
aponta-se a ascensão de um paradigma na esfera Ambiental Internacional, que diz
respeito à cooperação solidária internacional para garantia do equilíbrio ecológico e, por
consequência, dos Direitos Humanos. “É essa concepção solidária de direitos que
constitui a essência básica do direito humano ao meio ambiente” (GOMES, BULZICO,
2010, p. 78), de forma que a cooperação internacional deve ser conduzida, sempre, para
viabilizar um meio ambiente equilibrado.
O Meio Ambiente é, portanto, medida indispensável para a efetivação dos
Direitos Humanos, tanto pela possibilidade da manutenção da própria vida, quanto pela
viabilização dos aspectos fundamentais que circundam o viver – cultura, alimentação,
lazer. Assim, tendo em vista a “insuficiência de sua proteção nos níveis de sistemas
jurídicos isolados, sua proteção ganha amplitude e reconhecimento da comunidade
internacional, no intuito de alcançar um padrão de proteção ambiental razoável no
planeta e estruturar uma responsabilidade global” (GOMES, BULZICO, 2010, p. 49).
Isso, note-se, é viabilizado pela cooperação entre os povos, um poder-dever da
humanidade.

397
Todavia, importa dizer que a discussão supra – apesar dos esforços e constantes
mobilizações de autoridades e instituições – vicia-se em uma linha utópica. Isso porque
a) há incompatibilidades entre os anseios de crescimento e o paradigma da
sustentabilidade; b) os Direitos Humanos são elencados em um plano ideológico, que
encontra limites na sua universalidade, e terminam negligenciados como projeto de
sociedade – meio de efetivação que defende o professor João Batista Moreira Pinto
(2014).
Justamente a esse problema se referia Bobbio (1992, p. 36), ao dizer que a
questão dos Direitos Humanos não deve se prender exclusivamente a fundamentos. Ora,
havendo preocupação tão somente com a significação de direitos, são fechados os
espaços para trabalho e aplicação. Da mesma forma, o foco central em anunciações
globais desses direitos fada-os tão somente ao campo das ideias.
Assim, tendo em vista as leituras de que o aparato jurídico internacional tem
limitado o discurso dos direitos humanos ao plano burocrático, percebe-se que, não
espantosamente, as ideologias da dignidade humana a partir do equilíbrio ambiental não
superam os sentidos utópicos por não serem correspondentes aos movimentos da base
das relações planetárias.
Nesse sentido, não raras vezes são verificados vilipêndios às ordens de
preservação de dignidade humana e de preservação ambiental. Não fosse por isso, os
esforços de efetivação da utopia social e ecológica do pós-segunda guerra teriam sido
eficientes para reverter os efeitos e consequências da degradação ambiental do mundo.
Ao contrário, o cenário foi guiado a uma realidade oposta, em que a dignidade
socioambiental é negligenciada em nome do progresso e resulta em dados que já
apontam a irreversibilidade dos danos na Terra.
Não obstante, pretendendo romper com uma interpretação puramente
maniqueísta, vale dizer que o mesmo crescimento e desenvolvimento econômico que se
acusa degradador, é também responsável por modular e condicionar classes de Direitos
Humanos e o aprimoramento de tecnologias de preservação ambiental. Trata-se do
paradoxo de um desenvolvimento que é medida de dignidade por possibilitar a
efetivação de alguns direitos, e de restrição de dignidade, na medida em que inviabiliza
outros direitos – o que justifica a crítica à universalidade abstrata dos Direitos
Humanos.
Vale dizer que, apesar de estar-se diante de tamanho paradoxo, a pesquisa
constata um desequilíbrio de efetivação, de forma que os avanços tecnológicos e de
produção-consumo ameaçam uma totalidade de direitos – quiçá a própria existência
humana. É que as mudanças ambientais, sobretudo as que dizem respeito ao clima,
como o aquecimento global, instigam estudos com resultados apocalípticos que, apesar
de encontrarem controvérsias, são acolhidos pela doutrina majoritária como um fim já
inevitável.

2 Aquecimento global e alterações no Ártico

O aumento de emissões de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre por


atividade antropogênica tem sido responsável pela alta no aquecimento global dos
últimos cinquenta anos. Para se ter noção das proporções, até 2009, a análise da linha de
aumento de temperatura apontava elevação de 0,85ºC nos continentes, 0,55ºC nos
oceanos e 0,7ºC na Terra. Nessa perspectiva, estima-se que, até 2100, a temperatura
pode aumentar até 6,4ºC – o que resultará na subida do nível do mar em quase 1 metro
(SILVA, PAULA, 2009, p. 45).

398
O rastreamento desses dados, note-se, foi iniciado por solicitação da
Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente que, pela constatação de um padrão pendular anormal da variação de
temperatura instituiu o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, em 1988.
“O papel do IPCC é avaliar, de forma abrangente, objetiva, aberta e transparente, as
informações científicas, técnicas e socioeconômicas relevantes para compreender os
riscos das mudanças climáticas induzidas pelo homem” (JURAS, 2008, p. 35).
Nesse sentido, o Painel trata – desde 1990 – de apresentar avaliações que
apontam, dentre outras questões a) que as alterações climáticas representam risco à vida
humana; b) que a concentração de GEE foi ampliada com a Revolução Industrial; c) que
o aumento significativo da temperatura atmosférica e dos oceanos está,
inequivocamente, associada à atividade do ser humano (JURAS, 2008, p. 36). O avanço
utilitarista do homem no mundo transmuta-o na figura que Kalof e Fitzgerald (2003, p.
118) denominam homo predator.
Dentre os inúmeros efeitos desse aquecimento que extrapola a tendência natural
de aumento da temperatura da terra estão a morte de cardumes, a maior frequência e
intensidade de tempestades, alterações nos hábitos alimentares de espécies animais,
extinção de espécies vegetais, e – importando mais à pesquisa – o derretimento de áreas
congeladas, sobretudo o Ártico.
Ora, a gravidade do que se pretende demonstrar se confirma na possibilidade de
desaparecimento dos chamados pequenos países insulares em desenvolvimento, em
período inferior a um século. São os casos de Tuvalu, Seychelles e das Maldivas, que
terão quase a totalidade de seus territórios submerso pelos mares se as perspectivas de
aumento do nível oceânico se concretizarem. O mesmo com países de maior significado
geográfico, como Bangladesh que, até 2100, terá 17% de seu território tomado pelas
águas – com desaparecimento de mangues declarados patrimônio da humanidade,
extinção dos tigres de bengala que habitam a costa e impacto sociocultural em uma
medida que se especula a possibilidade da configuração de uma comunidade de
refugiados ambientais (POWERS, 2012, p. 160).
Esse aumento significativo do nível dos mares ocorre em razão do derretimento
e colapso de calotas polares a Norte e Sul, consequência de um aquecimento desmedido
que torna impossível a manutenção dos polos do planeta como estão: congelados. A
velocidade com que referido processo ocorre está relacionada com o movimento de
rotação da terra, com os ciclos lunares e, principalmente, com as demandas humanas.
Nota-se que, desde 2009, o gelo do oceano Ártico reduziu em quantidade que
possibilitou a navegação de grandes embarcações, que outrora sequer poderiam se
arriscar por aquelas áreas sem o risco de naufrágio. Desde 1979, “o mapeamento por
satélite tem revelado uma tendência de progressiva redução da camada de gelo do
Ártico durante os meses de verão no hemisfério norte” (SILVA, 2014, p. 230). A
alteração do Polo é percebida em uma concepção de afinamento do gelo e não de
desmoronamento das calotas – ou seja, se reconhece que o trânsito de águas quentes dos
trópicos para os polos têm causado alterações na paisagem e organização oceânica.
Essa mudança na estrutura dos polos, sobretudo o Norte – que configura maior
fragilidade quando comparado ao polo Sul – não se limita à água em si. Al Gore (2006,
p. 223) trata de apontar que, apesar de estar distante de qualquer centro industrial, o
polo norte, nos meses da primavera e inverno, é cercado por névoa de poluição (a névoa
ártica). Esse fenômeno é causado, principalmente, pela dinâmica de produção industrial
da Europa, reforçando uma perspectiva extensiva da poluição regional. Isto é, da mesma
forma em que a interação e integração ambiental são transfronteiriços, também são os
colapsos resultantes da atividade humana.

399
Essas mudanças no polo são demandas discutidas no Conselho do Ártico,
surgido a partir da assinatura da Declaração de Ottawa, de 1996, e composto por
Canadá, Estados Unidos da América, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Rússia, Suécia e
Noruega. Ali, além das consequências de porte econômico – que interessam
principalmente aos países observadores membros, entre eles a China – são pontuadas
também as consequências de caráter mais delicado, quais sejam as demandas sociais,
que envolvem a discussão acerca dos Direitos Humanos.
Ora, referido debate faz-se necessário em razão da existência de povos que,
milenarmente, desenvolveram sua cultura a partir da dinâmica gelada dos polos.
Tratam-se dos povos Inuits. O cerne da questão dessa comunidade é que as alterações
climáticas supramencionadas, com gradual alteração paisagística e espacial do polo
Norte, coloca em risco também a sobrevivência de povos que, apesar de estarem
apartados da lógica de produção e consumo massivo, tendem a pagar o preço de um
sistema predatório que, não considerando seus efeitos transfronteiriços, ameaça a
existência e sobrevivência da cultura e do povo Inuit.

3 Panoramas do Povo Inuit, da vida no Ártico e da violação dos Direitos Humanos

Os Inuits formam um grupo nativo que habita a Groenlândia, Canadá, Rússia e


Estados Unidos da América (no Alasca). Trata-se de um povo milenar que solidificou
sua cultura a partir das peculiaridades territoriais e climáticas do polo Norte – no que
diz respeito à caça e pesca, partilha de alimentos, viagens na neve e gelo e
conhecimento tradicional (CLOUTIER, 2005, p. 05).
Apesar dos esforços no pós-Segunda Guerra para adequar seus hábitos ao modo
de vida ocidental, os Inuits continuam dependentes das colheitas de subsistência para
alimentação, tendo em vista as propriedades nutricionais das comidas tradicionais e da
afirmação espiritual e cultural. Ademais, os indígenas daquela região são um “produto
do meio físico em que vivem. Os Inuits têm ferramentas, técnicas e conhecimento
aperfeiçoado ao longo de milhares de anos para se adaptar ao ambiente ártico”
(CLOUTIER, 2005, p. 07).
Até 2004, cerca de cem mil Inuits viviam em suas reservas, conservando hábitos
como a caça de baleias, e se organizando em coletivos menores – com dispersão pontual
nas estações de caça. Ademais, em razão da cultura inclinada à realidade nômade, pouco
costumeira a estocagem de alimento – com exceção das comunidades situadas no
Alasca (ROSA, 2011, p. 111).
No aspecto político e religioso, os Inuits se organizam em torno de mitologias e
do xamanismo, sendo os líderes espirituais considerados super-humanos – indivíduos
eleitos ainda no ventre para o contato direto com as divindades que habitam debaixo da
terra. “São portadores de um caráter ambíguo (...) nascem, crescem, morrem (...) mas,
simultaneamente, eles possuem dons de vida e morte sobre os demais, qualidade que os
tornam super-humanos” (ROSA, 2011, p. 113).
Referida organização política, pautada nas crenças em entidades superiores que
se manifestam entre e por meio dos seus, resulta também em particularidades na
estruturação social do povo Inuit. Em um primeiro ponto porque as relações e atividades
entre homens e mulheres não são hierarquizadas, cabendo a todos o domínio do ofício
da caça e da costura. Em um segundo ponto porque a lógica de gênero Inuit extrapola
uma concepção binária, isto é, são incorporados à naturalidade biológica a questão da
transexualidade (inclusive com o entendimento de que os transexuais tendem a ser os

400
xamãs mais poderosos – mais que o reconhecimento, há valorização daquele que não se
vincula ao padrão cis gênero ocidental) (ROSA, 2011, p. 115)
Essas tradições são intimamente ligadas à percepção social do meio natural e
refletem as condições ambientais em que foram construídas essas culturas. Da mesma
forma que os Pré-Colombianos na América Central e do Sul, a cultura Inuit é ligada à
terra (e ao gelo), sem a qual a razão de ser desse povo se torna volátil. É nesse sentido
que a Convenção 169 de 1989, da organização Internacional do Trabalho, se propõe a
construir uma perspectiva não integracionista da causa indígena. Ao contrário, promove
o entendimento de que a realidade indígena não é transitória e que, em razão disso,
devem os Estados garantir ao povo indígena a possibilidade de “continuarem a viver em
suas terras, segundo seus valores e costumes, devendo poder decidir livremente sobre o
seu futuro e serem consultados (...) em todos os assuntos que digam respeito a suas
terras” (BARBOSA, 2007, p. 09) – expressão dos Direitos Humanos.
Impera ressaltar que nenhum dos países povoados pelos Inuits são signatários da
referida Convenção, de forma que não estão vinculados ao disposto. Não obstante, o
caráter dignificante da norma internacional dialoga diretamente com a noção de Direitos
Humanos, de forma que a Convenção 169 da OIT é mais um instrumento de reforço de
um paradigma internacional que instituidora de uma norma inovadora no ordenamento
das Organizações.
Note-se, a Convenção 169 da OIT repete o que outrora foi estabelecido na
Declaração Universal dos Direitos do Homem, onde ficou claro “que a proteção dos
direitos humanos internacionalizou-se e ultrapassou as fronteiras delimitadas pelo
direito interno” (GODINHO, 2006, p. 60). A Declaração fixou direitos pertencentes “a
todas as pessoas, independentemente de limitações como nacionalidade, cor, raça, sexo
ou religião. Nesse sentido, ela incorpora a ideia de universalismo de direitos e
liberdades” (GODINHO, 2006, p. 62).
A universalidade e indivisibilidade a que se refere – confirmadas na Convenção
169 da OIT – foram também consolidadas na Declaração de Viena, devendo a
“comunidade internacional tratar os direitos humanos globalmente, de maneira justa e
equânime, com os mesmos parâmetros e com a mesma ênfase” (DECLARAÇÃO DE
VIENA, 1993).
O sentido da Declaração supra, apesar de não ser inicialmente obrigatório,
“tornou-se uma imagem do que a comunidade internacional entende por Direitos
Humanos” (GODINHO, 2006). Assim, seu conteúdo adquiriu no ordenamento jurídico
internacional um caráter de obrigatoriedade, tendo em vista que “representa o interesse
e a vontade da comunidade internacional” (GODINHO, 2006, p. 89). Ou seja, por ter se
tornado um costume internacional, os reflexos do conteúdo da Declaração de Viena são
vinculativos.
Isso possibilita interpretar que, ao garantir a todos “todos os direitos humanos e
liberdades individuais”, a obrigatoriedade de observância da Declaração de Viena leva
os Estados à obrigatoriedade de observância do núcleo da Convenção 169 da OIT, na
medida em que a garantia da sobrevivência dos povos tradicionais é decorrente de uma
perspectiva geral de garantia universal e irrestrita dos Direitos Humanos. Ou seja, ainda
que os países em que habitam os Inuits não sejam signatários da Convenção da OIT, são
vinculados à garantia de dignidade desses povos por força da obrigatoriedade da
Declaração de Viena.
Na perspectiva americana, essa noção vai se confirmar no Protocolo de San
Salvador, em que ficou proclamado que os Estados devem adotar medidas de alcance
interno e internacional para efetivação dos direitos de ordem humana, tais quais direito

401
ao trabalho, ao meio ambiente equilibrado, à cultura e às “minorias”, por exemplo
(GODINHO, 2006, p. 111).
O raciocínio pretendido se justifica na lei da ação recíproca da dialética, na
medida em que há o entendimento de que “tudo influi sobre tudo” (ALMEIDA, 1996, p.
34). Ou seja, os instrumentos – inclusive os jurídicos internacionais – se encadeiam
dentro do mesmo processo e entre diferentes processos. É o que Almeida (1996, p. 36)
explica ao dizer que “o movimento dialético contém em si o processo, o auto
dinamismo, que lhe é essencial. Processo vem do latim e significa ato de progredir, de ir
em frente, de avançar”. Da mesma forma, as Convenções avançam entre si, se
completam, confirmam e repetem – sobretudo se forem considerados os fundamentos
dos Direitos Humanos no mundo.
Assim, sendo os Direitos Humanos “as ressalvas e restrições ao poder político
(...) destinadas a concretizar as condições de vida que possibilitem (...) a dignidade e
consciência e permitir a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais”
(ALMEIDA, 1996, p. 41), é a noção integrada dos paradigmas convencionados
internacionalmente que viabilizarão a própria dignidade.
Essa integração, importa frisar, deve ocorrer a partir de uma globalização mais
ética e solidária, que se furte da polarização Norte-Sul e teça percepções especiais no
que diz respeito aos povos mais vulneráveis, como é o caso dos Inuits. O fortalecimento
dessa perspectiva garante a efetivação de Direitos Humanos de uma forma “integral,
indivisível e interdependente” (PIOVESAN, 2007, p. 112). Isso se possibilita pela
reestruturação da lógica de mercado, consumo e produção.
Assim, seria necessário romper com o paradoxo entre a tônica de promoção de
direitos e a tônica de exclusão do Fundo Monetário Internacional, vez que as
incompatibilidades entre os projetos inviabiliza o fundamento principal dos direitos de
ordem humana com o resultado que não é diferente da violação das garantias dos grupos
sociais mais vulneráveis, “como as mulheres, as populações afrodescendentes e os
povos indígenas; (...) a implementação desses direitos requer a indivisibilidade desses
direitos, acrescidas do valor da diversidade” (PIOVESAN, 2007, p. 112).
Em síntese, o que se quer dizer com isso é que a lógica de mercado e de
desenvolvimento dos Estados do globo leva à violação dos Direitos Humanos dos povos
Inuits, na medida em que referido desenvolvimento se dá às custas do equilíbrio
ecológico – que é requisito primeiro para a vida e existência desses indígenas e de sua
cultura.
Nesse sentido, entendendo os Inuits pelo desrespeito de seus direitos, na medida
em que a atividade desenvolvimentista do globo leva à precarização de seus modos de
vida, é legítimo o litígio internacional e legítima a competência primeira da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos para apreciar a causa. Isso se confirma em razão
de sua razão de ser, que é a de promoção de direitos e estímulo de consciência dos
direitos humanos nos povos da América (GODINHO, 2006, p. 99).
No que diz respeito às atribuições para proteção de direitos, cabe “o exame de
casos ou situações de violação dos direitos humanos, as observações in loco e a atuação
perante a Corte Interamericana” (GODINHO, 2006, p. 99). Para a autora, a legitimidade
da Comissão, bem como da Corte, deveria ser assegurada mesmo no caso de uma das
partes do litígio não ser Estado-parte das Convenções. Ou seja, há a defesa da
obrigatoriedade da jurisdição do aparato internacional americano para “consagração dos
direitos humanos (...) com valores realmente universais e de respeito obrigatório pelos
Estados” (GODINHO, 2006, p. 100).

4 O Litígio Inuit versus Estados Unidos da América

402
Nesse contexto, conforme se verifica em Amin e Paes (2013, p. 157), Sheila
Watt-Cloutier, então presidente do Inuit Circumpolar Council Canada, foi responsável
por distribuir petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos sob o
argumento de que a existência do povo Inuit estava ameaçada pela postura política
desenvolvimentista dos Estados Unidos da América no globo – por ação e omissão.
Para tanto, a petição apontou as vulnerabilidades do Ártico frente o aquecimento
global – conforme já se demonstrou na pesquisa – com alterações que afetam as
dimensões físicas, ecológicas, sociais e econômicas do polo Norte. Relatou-se que os
caçadores e anciãos Inuit, que tem conhecimento do ambiente, já verificaram mudanças
relacionadas ao clima, como redução da quantidade e qualidade da neve, derretimento
do gelo, deslizamentos de geleiras e erosão severa na costa (CLOUTIER, 2005, p. 07).
Sobre o gelo marinho, Cloutier (2005, p. 07) apontou que o afinamento tem
prejudicado as tarefas básicas da cultura Inuit, que utilizam a massa congelada para
viajar durante o período de caça e colheita e para se comunicarem com outras
comunidades. Segundo a presidente do Conselho, “em razão da perda de espessura,
extensão e duração do gelo marinho, essas práticas tradicionais se tornaram mais
perigosas, mais difíceis e, algumas vezes, impossíveis”.3 (tradução nossa)
A mesma problemática com a questão da neve, que reduziu seu potencial de
cobertura em mais de 10% (dez por cento), o que dificulta a construção dos iglus e tem
levado a muitos indígenas optarem por tendas – que são menos seguras e mais frias.
Isso deixa os viajantes tradicionais expostos às tempestades, além de representar o
desaparecimento de um dos principais símbolos da cultura Inuit.
A inconstância climática fez com que os Xamãs perdessem a capacidade de
prever o clima com precisão – com base na análise do movimento das nuvens – o que
tem inviabilizado a programação de viagens seguras. Igualmente danosas têm sido as
inundações em razão do derretimento repentino de gelo – que afeta a reprodução dos
peixes e gera escassez de alimento. Note-se, a tendência é que as perspectivas piorem na
medida em que se espera um aquecimento de até 7ºC no polo Norte no prazo de 100
anos.
Em decorrência desses efeitos, declarou-se que os Inuits correm o risco de terem
sua cultura de caça e partilha de alimentos perturbada e que a extinção dos animais que
habitam a massa de gelo oceânico pode levar à extinção do próprio povo. Ou seja, as
violações dos Direitos Humanos internacionalizados são latentes.
Referido vilipêndio, nos termos da petição que se apresenta, ocorre em razão da
inobservância de países desenvolvidos, sobretudo dos Estados Unidos da América, com
relação à adoção de medidas que resultem em padrões sustentáveis e que reduzam os
impactos da atividade antropogênica no mundo. Ao contrário, para a promoção do
status quo como a maior potência mundial, os EUA têm sacrificado o equilíbrio
ecológico em nome da lógica de crescimento econômico que, pelas suas características
transfronteiriças, desencadeia uma série de colapsos na estrutura climática e ambiental
global. Segundo o professor João Batista Moreira Pinto (2018, p. 14), mais que um
descaso com a pauta ambiental, a postura dos Estados Unidos configura descaso de
classe – isto é, aqueles que dependem do equilíbrio ecológico não merecem a
mobilização das políticas nacionais estadunidenses.
Em face dessa realidade, a petição Inuit protocolizada na Comissão
Interamericana alega que existem princípios internacionais que vinculam os Estados

3
Because of the loss in the thickness, extent and duration of the sea ice, these traditional practices have
become more dangerous, more difficult or, at times, impossible. (CLOUTIER, 2005)

403
Unidos da América a proteger os direitos dos povos tradicionais do polo Norte, em
razão de sua participação na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
Assim, incumbe ao país garantir que as atividades dentro de seu território não causem
danos transfronteiriços ou violem tratados internacionais dos quais sejam parte aderente
– sobretudo aqueles que versem sobre Direitos Humanos.
Dessa forma, a falta de mobilização para adaptar o desenvolvimento do Estado e
a omissão na redução da emissão de gases de efeito estufa – inclusive com negativas
expressas acerca de compromissos para redução de GEE – faz com que os EUA violem
os Direitos Humanos do povo Inuit que, em razão do aquecimento global (cuja
responsabilidade recai sobre as maiores potências), vê sua cultura e sua própria
existência ameaçada no contexto de alterações no polo Norte. Em termos mais
específicos, a petição pontua violações aos “direitos à cultura, à propriedade, à
preservação da saúde, vida, integridade física, segurança e um meio de subsistência e
residência, movimento e inviolabilidade do lar” (CLOUTIER, 2005, p. 09) – isso
porque a cultura Inuit é inseparável das condições ambientais, como já explanado.
Aos poucos, enquanto os Estados Unidos da América se confirmam como um
império econômico, garantindo as melhores tecnologias e qualidade de vida para seus
cidadãos, a comunidade internacional – sobretudo os povos mais vulneráveis, como é o
caso dos Inuits – são obrigados a “ocidentalizar” seus hábitos alimentares, em razão da
escassez de alimento; são obrigados a abortar suas viagens sobre o gelo oceânico, em
razão da insegurança pelo afinamento da placa; são obrigados a adaptarem suas
residências, em razão da falta de neve; são obrigados a se comportarem como os
homens nortistas das metrópoles com culturas seculares de consumo e acumulação de
capital: assim morrem as culturas tradicionais milenares.
Não obstante, apesar de soar incontroverso e já constituir senso comum que a
participação dos Estados Unidos da América no agravamento do aquecimento global é
inegável – o que levaria à dedução lógica por sua responsabilidade no caso Inuit – o país
não é parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de forma que tende a
não considerar as recomendações da Comissão e a não reconhecer a jurisdição da Corte
Interamericana. Segundo Maciel et al (2013, p. 13), o Departamento de Estado não
responde 21% (vinte e um por cento) dos ofícios da Comissão Interamericana e nos
outro 79% (setenta e nove por cento) dos casos demonstra posição refratária – ou seja, a
cultura das relações do país com a Corte é de problematizar e questionar a
admissibilidade das pretensões.
Assim, conforme lecionam Amin e Paes (2013, p. 153), o pleito dos Inuits “teve
fim em novembro de 2006. A petição foi rejeitada e o processo extinto sem a resolução
do mérito, pois os Estados Unidos não se submetem a jurisdição da Corte
Interamericana de Direitos Humanos”.

5 Desafios para uma tutela internacional

A realidade supramencionada resultará, em período já atual, no abandono das


áreas árticas pela comunidade Inuit, tendo em vista a inviabilização de seus hábitos,
costumes e vida. Não obstante, o Direito Internacional se depara com uma incógnita,
vez que as definições de refugiados ambientais não são claras no cenário das
organizações. Nesse tocante, o povo Inuit – ao ser forçado a se retirar de sua terra –
necessita de um status jurídico para que sejam levantados mecanismos institucionais de
tutela, sob pena de uma crise humanitária (RAMOS, 2011, p. 20).
O entrave que se refere é delineado em razão da ausência de um dispositivo
expresso na Convenção Genebra de 1951 que defina refugiado para além do conceito

404
restrito que abarca aqueles que sofrem perseguição ou ameaça a seus direitos civis e
políticos. Nesse sentido, seria necessário recorrer às diretrizes da Convenção da
Organização de Unidade Africana de 1969 para um entendimento extensivo do status de
refugiado – de forma que aqueles que são compelidos a deixarem seu país em razão do
colapso climático de causa antropogênica também sejam signatários da proteção do
Direito Internacional (RODRIGUES, LAMPIER, 2017, p. 360).
Apesar da Organização das Nações Unidas já reconhecer que, até 2017, 25
milhões de pessoas eram levadas a deixar seus países em razão de mazelas ambientais, o
ordenamento jurídico tende a ser rígido quanto à taxatividade de suas convenções e
declarações – como requisito de manutenção da segurança jurídica na comunidade
internacional. Assim, menos que uma solução efetiva e urgente para solucionar desde já
a problemática dos atuais e futuros refugiados ambientais – dentre eles, os Inuits – há
um incentivo para redação de novos instrumentos que tratem da questão (MACIEL,
2017, p. 68).
O que se verifica é que as comunidades fragilizadas pelo colapso climático
buscam métodos e oportunidades para solucionar os entraves, mas tendem a ser
ignorados pela política hegemônica global. Isto é, são onerados com as consequência de
um progresso e desenvolvimento que não lhes beneficia enquanto os países
desenvolvidos – como é o caso dos Estados Unidos da América – enrijecem suas
políticas migratórias, vilipendiando o Direito Humano ao equilíbrio ecológico e ao
refúgio (CLARO, 2012, p. 101).
Tendo em vista referida realidade, considerando-se a gravidade das denúncias
levantadas pelo povo Inuit, a importância do respeito e promoção dos Direitos Humanos
para estabilidade e segurança internacional e o reconhecimento do Meio Ambiente
equilibrado como Direito Humano, incumbe à pesquisa ultrapassar a discussão acerca
do reconhecimento jurídico dos refugiados ambientais para questionar quais seriam os
caminhos a serem seguidos pela Inuit Circumpolar Council Canada, tendo em vista que
a petição junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos não foi exitosa e que
os Estados Unidos da América não reconhecem a jurisdição obrigatória da Corte
Internacional – bem como torna mais dificultada a questão da migração.
Ademais, há que se propor um parêntese no debate para suscitar que a situação
do povo Inuit é de particularidade especial quando das discussões a respeito do refúgio
ambiental. Isso porque, sendo a cultura e modo de vida milenarmente ligados às práticas
no gelo ártico, o deslocamento dessa população para outras áreas do planeta não faz
dela um montante refugiado. Ao contrário, representa, em termos práticos, a extinção de
um povo como é – vez que a perda das razões de vida de grupos étnicos é também a
morte do próprio povo. Da mesma maneira como é inviável apartar as florestas da
identidade indígena ao sul, também impossível separar os Inuits de suas terras
congeladas sem prejuízo da identidade que lhes constitui. Vilipendia-se, no caso, a vida
de um grupo.
Nesse contexto, considerando-se que a política e omissão dos EUA levam à
degradação do meio e à consequente possibilidade de extinção de uma comunidade
específica – com agravamento da situação após a decisão do executivo pela retirada do
país do Acordo de Paris – há que se falar na possibilidade de litígio no Tribunal Penal
Internacional, sob a alegação de Ecocídio, “uma modalidade de delinquência ecológica
que viola os valores da vida, integridade emocional, saúde, estética e da própria
felicidade” (GORDILHO, RAVAZZANO, 2017, p. 694).
Por primeiro, uma visão tradicionalmente positivista da questão nos levaria à
negação de referida possibilidade, vez que a competência do Tribunal Penal
Internacional é limitada aos tipos expressos no Estatuto de Roma. Isto é, além de

405
considerar-se o ecocídio por extensão aos sentidos do genocídio, seria imperioso
demonstrar o dolo específico – a adoção de práticas reiteradas do chefe do executivo
dos EUA com intenção de promover a extinção do povo Inuit.
Não obstante, seguindo a doutrina alemã, haveria possibilidade da
admissibilidade do Ecocídio no caso pela suficiência de demonstração do dolus
eventuais. Essa hipótese se confirmaria sobretudo pelo caráter dos direitos que se
pretende defender – o direito à própria existência – e ao fato de que os efeitos da
política Trump no meio ambiente são de potencial gravidade.
Assim, tendo em vista a natureza dos sentidos atribuídos ao ecocídio – que o
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como o direito de existir como povo
tradicional, são Direitos Humanos – a competência de julgamento pelo TPI seria viável,
vez que o tipo referido se enquadraria como crime contra a humanidade por
interpretação declaratória, e não por analogia ou interpretação extensiva.
Ademais, a não adesão dos Estados Unidos da América ao Estatuto de Roma não
seria suficiente para afastar sua responsabilização pelos danos causados aos Inuits, vez
que as recomendações do Conselho de Segurança da ONU apontam no sentido da
aplicação da jurisdição universal do Tribunal Penal Internacional, desde o caso al-
Bashir (MENDES, RODRIGUES, 2016, p. 16)
O que se permite delinear é que a esquiva dos EUA com relação à submissão à
jurisdição das principais Cortes Internacionais não pode ser motivo suficiente para sua
não responsabilização. Isto porque a lógica de cooperação internacional não possibilita a
sobreposição de interesses soberanos a interesses da humanidade, sob o risco de se viver
uma ditadura das potências. Nesse sentido, pela natureza dos direitos ambientais – que
são Direitos Humanos – há que se promover a Justiça pelos povos Inuits que, frente a
inércia internacional e em razão do desprezo de classe, correm o risco de terem mais
que seus direitos vilipendiados: a própria existência.

Considerações finais

O Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, apesar de não estar


expressamente na Declaração de Direitos do Homem, já é compreendido como Direito
Humano, sem o qual não há que se falar na viabilização da cultura, da alimentação e da
própria vida. A importância de referida perspectiva se confirma quando da percepção
acerca das mudanças climáticas e colapsos ambientais de causa antropogênica – que
colocam em risco o extenso rol de direitos fundamentais à dignidade humana.
A degradação ambiental tem afetado, especialmente, a região ártica do planeta,
onde o gelo oceânico tem se tornado mais fino, a neve tem perdido qualidade e
tempestades são mais frequentes. Não bastassem as mazelas ecológicas, as alterações na
dinâmica natural do Ártico têm afetado o povo Inuit, e colocado em risco sua
sobrevivência.
Isso porque, apesar das adaptações contemporâneas, a tradição desses indígenas
é comprometida pela inviabilização de hábitos alimentares milenares, viagens sobre o
gelo, construção de suas residências com neve e inviabilidade da transmissão das bases
culturais. Nesse sentido, soa óbvia a violação aos Direitos Humanos, sobretudo por se
tratarem de indivíduos mais vulneráveis.
Tendo em vista o contexto supra, a Inuit Circumpola Council Canada propôs
ação contra os EUA perante a Comissão Interamericana, sob a alegação de que a
política econômica e as omissões do Estado frente à calamidade climática tem
contribuído para a extinção do povo Inuit – não obstante, a petição não encontrou êxito,

406
vez que o Estado réu não se submete à jurisdição da Comissão e da Corte
Interamericana.
Assim, a pesquisa demonstrou os riscos da formação de um grupo de refugiados
ambientais e se importou em ultrapassar a discussão, demonstrando as possibilidade de
o povo Inuit litigar junto ao Tribunal Penal Internacional, sob alegação de Ecocídio –
tese que se fortalece com a opção do presidente Donald Trump de retirar o país do
Acordo de Paris. Referida ação se viabilizaria por uma interpretação declaratória, pela
qual bastaria o dolo eventual do representante do executivo, além da impossibilidade de
furtar-se o referido país da responsabilização que lhe cabe em razão da aplicação da
jurisdição universal do Tribunal Penal Internacional, conforme recomendação da ONU.
Por fim, fica possibilitada a conclusão de que as ações e omissões dos Estados
Unidos, por configurarem desprezo de classe frente ao povo Inuit, não podem ficar
impunes, sob o risco de contribuição do aparato internacional para uma ditadura das
grandes potências, que não só suprime e viola direitos, mas delibera sobre a própria
existência do homem.

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409
RECURSOS HÍDRICOS

410
PRIVATIZAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS FRENTE À PROTEÇÃO DO
MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Privatization of water resources against environmental protection in the Federal


Constitution

Alessandra Castro Diniz Portela1


Beatriz Souza Costa2

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar os aspectos legais, sociais,
políticos e econômicos acerca da utilização da água como um bem público. O trabalho
também identifica os principais desafios encontrados para a proteção e democratização
do uso desse bem indispensável para a manutenção da vida de todos os seres vivos que
habitam o nosso planeta. O método utilizado para o desenvolvimento da pesquisa é
hipotético-dedutivo, por meio do qual serão demonstradas as propostas de alteração
legislativa em que se discute proposta de privatização dos recursos hídricos no Brasil.
Palavras-chave: Recursos hídricos; guerra econômica; privatização da água;
Constituição Brasileira; bem ambiental.

Abstract: The present article aims to analyze the legal, social, political and economic
aspects of the use of water as a public good. The work also identifies the main
challenges encountered for the protection and democratization of the use of this
essential good for the maintenance of the life of all the living beings that inhabit our
planet. The method used for the development of the research is hypothetico-deductive,
through which will be demonstrated the proposals of legislative amendment in which
the proposal of privatization of the water resources in Brazil is discussed.
Keywords: Water resources; economic warfare; privatization of water; Brazilian
constitution; environmentally sound.

1
Advogada; Mestranda em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela DHC; e-mail:
alessandradinizportela@gmail.com.
2
Doutora e Mestre em Direito Constitucional pela UFMG. Professora de Pós-Graduação na Escola
Superior Dom Helder Câmara, em Direito Constitucional Ambiental; Pró-Reitora de Pesquisa da ESDHC.
Contato: biaambiental@yahoo.com.br
Introdução
A água é um elemento indispensável para a manutenção da vida de todos os
seres vivos do planeta, e pode ser encontrada no estado sólido, líquido ou gasoso. Dados
consolidados divulgados pela a ANA - Agência Nacional das Águas apontam que
97,5% da água do mundo não é indicada para consumo por se encontrar em mares e
oceanos. Porém, dos 2,5% restantes de água doce, a maior parte está concentrada nas
geleiras ou em superfícies subterrâneas. Ou seja, apenas 1% de toda a água do Planeta
Terra, também chamado cientificamente como Planeta Água, está localizada nos rios.
(ANA, 2018)
Por esse motivo, um recurso indeclinável para a nossa sobrevivência como este
precisa ser tratado com toda responsabilidade necessária para a sua preservação e
ampliação de seu acesso a toda humanidade.
No Brasil, a Constituição da República de 1988 reconheceu em seu artigo 20,
III a água como um “bem de uso comum do povo”.No entanto, até os dias atuais este
elemento não é considerado pela legislação como um direito fundamental explícito,
apesar de estar ligado intrinsecamente ao Direito à Vida e ao Meio Ambiente
Ecologicamente Equilibrado (este último encontrado no art. 225).
Após o advento da Constituição, percebemos avanços legislativos em matéria
de preservação e acessibilidade dos recursos hídricos em nosso País. Contudo, veremos
mais adiante quais foram as alterações mais significativas e quais as consequências
geradas pelo atual planejamento de saneamento básico no Brasil.
Sabemos que a discussão acerca do reconhecimento do direito à água como um
Direito Humano é crucial para a humanidade, mas ainda não obtivemos grandes
avanços de caráter Internacional pelo fato de haver inúmeras divergências entre os
Estados quanto à forma de que esse bem deve ser tratado.
Para analisar a importância dos recursos hídricos na legislação e na vida da
humanidade,utilizaremos como metodologia a pesquisa exploratória apoiada em
levantamento bibliográfico e da legislação, e propostas de mudanças na própria
Constituição da República. Em relação à hipótese da privatização dos recursos hídricos
no Brasil, o método trabalhado é o hipotético-dedutivo que irá analisar as consequências
que a sociedade poderá enfrentar caso seja implementado o chamado Mercado de
Águas.

1 A Constituição de 1988 e o direito fundamental ao acesso à água


É indubitável que a água é vital para a saúde humana.Entretanto, em matéria
constitucional, esse bem não foi recepcionado pela Constituição da República de 1988
como um elemento de direito essencial à vida humana. Foi apenas no ano de 2016 que a
Câmara dos Deputados deu início à tramitação da PEC 258/2016 que “Dá nova redação
ao art. 6º da Constituição Federal, para introduzir o direito humano ao acesso à terra e à
água como direito fundamental.” (BRASIL, 2016)
A proposta faz referência às diversas Conferências Internacionais organizadas
pela ONU desde 1979, com a Conferência Mundial da Reforma Agrária, até a 5ª
Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, realizada de 3 a 6 de
novembro de 2015 em Brasília-DF. Além disso, o autor do projeto assegura que:

A dimensão social do acesso à terra e à água é elementar para o


desenvolvimento inclusivo e sustentável e para a realização dos direitos
humanos. A proposta de positivação desse direito na Constituição cumpre o
previsto nos documentos internacionais citados, em harmonia às disposições

412
constitucionais sobre a preservação do meio ambiente para as presentes e
futuras gerações, bem como quanto à função social da propriedade. A
positivação do acesso à terra e da água como direito fundamental corrige,
ainda, uma injustiça histórica que remonta à Lei de Terras de 1850, que
transformou esses meios de produção vitais em mercadorias. (CÂMARA
DOS DEPUTADOS, 2016, p. 03)

Veja que o legislador considera imanente que a água é um elemento essencial


para desenvolvimento inclusivo e sustentável. Além disso, a importância desta alteração
se dá com a necessidade de adequação normativa do País a documentos internacionais
que tratam da função social da propriedade.3
Também tramita no Senado Federal a PEC 4/2018 que “Inclui, na Constituição
Federal, o acesso à água potável entre os direitos e garantias fundamentais.” Nessa
proposta, cuja tramitação se encontra mais avançada quanto a do outro projeto citado
anteriormente, o art. 5º da Constituição da República seria acrescido do seguinte
dispositivo: “Art. 5º LXXIX - é garantido a todos o acesso à água potável em
quantidade adequada para possibilitar meios de vida, bem-estar e desenvolvimento
socioeconômico.” (BRASIL, 1988).
A principal justificativa legislativa no projeto em pauta encontra-se baseada no
reconhecimento da água como forma de obter controle das relações de poder e de
dominação do território nacional.
O reconhecimento da água como um direito fundamental baseado em garantias
constitucionais e em princípios dos Direitos Humanos pode ser considerado um evento
recente, levando-se em consideração que esse fato se deu no ano de 2010 na Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas por meio da Resolução A/RES/64/292.
Na ocasião, a ONU divulgou dados alarmantes a respeito do acesso da
população mundial a recursos hídricos. Cerca de 884 milhões de pessoas no mundo não
possuem acesso à água potável segura, além dos 2,6 milhões de pessoas que não têm
acesso, ao menos, ao serviço de saneamento básico.Ou seja, cerca de 40% de toda
população mundial não alcança condições mínimas de higiene e saúde básica no que se
refere a recursos hídricos. (ONU, 2017)
Para os 122 países que votaram a favor da medida nesta Assembleia Geral, o
“acesso a água potável segura e ao saneamento básico é um direito legal, e não um bem
ou serviço providenciado a título de caridade.” (ONU, 2010)
A partir disso, tornou-se fática a ideia mundial de que o acesso ao saneamento
básico deve possuir como características a continuidade e plenitude para cada indivíduo,
sendo este direito um instrumento garantidor da atenuação dos problemas de saúde da
população. Mas, para que estes padrões possam ser alcançados por uma pessoa
diariamente, é necessário o consumo de 50 a 100 litros de água. Somente com esta
quantidade torna-se viável a garantia de qualidade no uso deste recurso. (ONU, 2017)
O principal interesse em reconhecer o direito a água como um direito humano
fundamental é de compreender esta capacidade de acesso como forma de promover a
dignidade da pessoa humana. Nesse diapasão, Paulo Affonso Leme Machado afirma
que: “Chegaremos a uma época em que haveremos de afirmar que tudo o que tem vida
tem dignidade, ainda que não seja sujeito de direito, mas necessite dos seres humanos

O Projeto de Lei ganhou mais força com a realização do 8° Fórum Mundial da Água, ocorrido em
3

Brasília, em março de 2018, e cujo tema foi "Compartilhando Água". Na ocasião, foi debatido
exaustivamente o possível compartilhamento da água entre povos e nações. Aproximadamente 40% da
água consumida no planeta provem de lagos e rios compartilhados, que nascem em um país e seguem seu
curso para outros, o que propicia risco de conflitos, especialmente diante das mudanças climáticas, que
tornam iminente a possibilidade de escassez. (ANA, 2018)

413
para defenderem os seus direitos” (MACHADO, 2002, p. 171). Ou seja, a água como
bem vital e garantidor da vida humana caminha para o seu total reconhecimento como
um recurso que acompanha um arcabouço repleto de direitos e garantias, sendo possível
perceber isto em matéria legislativa no Brasil, como passaremos a discutir.
Podemos então perceber que, por meio de um estudo comparado entre o direito
constitucional e o direito internacional, há uma progressiva tendência de aceitação da
noção de garantia como um todo, para se garantir a integração de valores, princípios e
direitos constitucionais. Ou seja, muito já se discute que as garantias constitucionais
devem servir como verdadeiro instrumento de efetivação de direitos, e a água, como
elemento vital de manutenção da vida humana, não poderia de forma alguma ser
desconsiderada deste arcabouço jurídico.
Contudo, não se pode dizer que a Constituição de 1988 foi omissa ao tratar da
água como um elemento essencial e como verdadeiro componente da sociedade. Segue
abaixo os artigos que abarcam esta matéria:

Art. 20. São bens da União:


IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as
praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que
contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço
público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005) (BRASIL, 2005)

É possível entender como bens públicos aqueles que compõem a soberania da


União, Estados e Municípios. O Código Civil, em seu artigo 99, elenca três
classificações de bens públicos. Trata como Bens de uso comum do povo os bens do
Estado, mas destinados ao uso da população. (BRASIL, 1988)
O domínio público é aquele que corresponde ao poder de dominação ou de
regulamentação que o Poder Público exerce sobre os bens de seu patrimônio, do
particular ou aos de fruição geral res nullius. O domínio eminente é o resultado do
poder político, pelo qual o Poder Público submete à sua vontade todas as coisas de seu
território apontando a manifestação da soberania interna, abrangendo todos os bens e
legitimando as intervenções na propriedade, sujeito, porém, ao regime do direito
administrativo (público), e não ao regime do direito civil privado. (MEIRELLES, 2003,
p. 132).
Em se tratando de bens do Estado, o dispositivo constitucional elenca como bens
que compõem o Estado os seguintes:

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:


I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito,
ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;
II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio,
excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;
III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;
IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União. (BRASIL,
1988)

Já em matéria legislativa, a Constituição garante à União a competência para


legislar nos casos que versem sobre as águas em seu art. 22, IV (BRASIL, 1988). Em se
tratando de competência privativa da União, não considera aqui os Estados e
Municípios na questão de legislar sobre os recursos hídricos. Em relação a esse
entendimento de legislar sobre águas, Paulo Affonso entende que:
Legislar sobre águas significa instituir normas sobre qualidade e quantidade
das águas e estabelecer regras de como as águas serão tratadas, partilhadas e

414
utilizadas. Há uma ampla abrangência do poder normativo da União, que
deve ser utilizado para que as legislações estaduais não criem normas
discriminatórias ou que estimulem políticas diferentes e até antagônicas sobre
o uso das águas (MACHADO, 2002, p. 19).

Por fim, o legislador confere, em seu art. 23, que são de responsabilidade de
todos os entes federais a proteção ao meio ambiente e o combate à poluição em
qualquer de suas formas (BRASIL, 1988). Claramente recepcionando a garantia ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado no que se refere aos recursos hídricos.
Apenas no ano de 2007 surge um instrumento normativo como forma de garantir
a efetivação do direito à água aos cidadãos brasileiros. A Lei 11.445/2007, também
conhecida como PLANSAB, surge como o primeiro plano de saneamento do País
elaborado de maneira democrática e participativa, contando com representantes do
governo, da sociedade e dos agentes públicos e privados que atuam no setor de
saneamento. Constatamos, assim, que o Plano Nacional de Saneamento Básico constitui
o eixo central da política federal, o documento norteador na implementação integral do
saneamento básico, promovendo uma articulação nacional entre os entes da federação,
governo e sociedade, em defesa da concretização das diretrizes estipuladas pela Lei.
(CAMATTA, 2014, p. 10)
Esse instrumento pode ser considerado um mecanismo indeclinável para a
efetivação da capacidade diretiva do Estado na condução das políticas públicas que
envolvem o setor de saneamento, bem como na escolha das estratégias e objetivos a
serem adotados pelo governo, a fim de melhor atender as demandas da sociedade.
(MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2014)
Contudo, ao fazermos uma breve análise dos dispositivos legais que
recepcionam este tema, resta claro que a água é um elemento recepcionado e garantido
pelo legislador ao longo dos últimos anos. Mesmo havendo conflito entre direitos e bens
constitucionalmente protegidos, resulta do fato de a Constituição proteger certos bens
jurídicos que podem vir a envolver-se numa relação de conflito ou colisão. Para
solucionar esse conflito, compatibilizando-se as normas constitucionais, a fim de que
todas tenham aplicabilidade, a doutrina aponta diversas regras de hermenêutica
constitucional em auxílio ao intérprete. (MORAES, 2003, p. 207) Todavia, não há
tempo para nova discussão mais aprofundada sobre princípios e regras constitucionais.
Visto alguns conceitos legais e doutrinários acerca do tema surgem
questionamentos ao considerar a água como um patrimônio de toda a sociedade.
Vejamos: 1) Seria este um bem possível de se mensurar e atribuir valoração econômica?
2) A privatização dos recursos hídricos significa afastá-lo do domínio público ou o
estado dispõe de ferramentas para assegurar os direitos essenciais que decorrem da
água? 3) A privatização, além dos interesses econômicos, atende aos interesses dos
legítimos donos dos recursos hídricos, qual seja, a sociedade que almeja a preservação
do recurso, a garantia de perenidade e qualidade do abastecimento, e a ampliação do
abastecimento de modo a alcançar a parcela da sociedade que ainda padece pela falta da
água?

2 Principais desafios da garantia do pleno acesso aos recursos hídricos


A escassez dos recursos hídricos já se encontra latente por todo o Planeta. No
Brasil, A Agência Nacional de Águas, ANA, responsável por regular os objetivos e
diretrizes da Lei das Águas do Brasil, publicou dados que demonstram que estamos
enfrentando a maior crise hídrica da história.

415
Segundo o relatório da ANA, 48 milhões de pessoas foram afetadas por secas
(duradoura) ou estiagens (passageiras) no território nacional entre 2013 e 2016. Nesse
período, foram registrados 4.824 eventos de seca com consequências danosas à vida
humana. Somente em 2016, ano mais crítico em impactos para a população, 18 milhões
de habitantes foram afetados por estes fenômenos climáticos que causam escassez
hídrica, sendo que 84% dos impactados viviam no Nordeste. (ANA, 2017, p. 27)
O Brasil conta com 12 regiões hidrográficas que passam por diferentes desafios
para manter sua disponibilidade e qualidade hídrica. O Ministério do Meio Ambiente
fez um mapeamento apontando que o principal impacto ocorre devido ao crescimento
exponencial gerado pela energia elétrica nas bacias que abrangem a Região Norte. Já na
Região Centro-Oeste é a expansão da fronteira agrícola que mais desafia a conservação
dos recursos hídricos. As regiões Sul e Nordeste enfrentam déficit hídrico e a Região
Sudeste apresenta também o problema da poluição hídrica. (ANA, 2017, p. 27)
A Declaração de Dublin sobre Recursos Hídricos e Desenvolvimento, aprovada
em evento preparatório para a Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, apresentou fatores como a escassez e o desperdício da água doce
como um grave e iminente prenúncio ao desenvolvimento sustentável e à proteção do
meio ambiente por todo o Planeta. A saúde e o bem-estar do homem, a garantia de
alimentos, o desenvolvimento industrial e o equilíbrio dos ecossistemas estarão sob
risco se a gestão da água e do solo não se tornarem realidade, na presente década, de
forma bem mais efetiva do que tem sido no passado. (DUBLIN, 1992)

Considerando os abrangentes efeitos danosos da poluição das águas, que


ultrapassam os limites nacionais e as fronteiras internacionais, além das
prejudiciais consequências da “chuva ácida” decorrente da poluição do ar,
torna-se cada vez mais patente, que a degradação das águas em geral
constitui um dos desafiantes temas de relevância não só nacional e regional
(de dois ou mais países), mas também internacional. (DUBLIN, 1992)

Diversos são os fatores que corroboram para a poluição das águas, e os


prejuízos, de toda ordem, se espalham como em uma estrutura hidrográfica complexa
onde todos os afluentes se conectam. Ninguém se isenta das consequências de uma
agressão em qualquer parte desse sistema. Por conseguinte, à luz da integração desse
sistema e sua importância vital para a manutenção da vida do planeta, não se pode
examiná-lo em partes isoladas, como se estivessem fora do todo. Para Helita Barreira
Custódio (2006; p. 374):

Diante da manifesta poluição das águas em geral, observam-se medidas de


cooperação científico-tecnológico-financeiras propostas ações para a
proteção e manejo de oceanos, mares e zonas costeiras, bem como a proteção
de qualidade e suprimento da água doce, com programas de pesquisa e
monitoramento no sentindo de reduzir ou eliminar a poluição dos rios e
demais recursos aquáticos em bacias nacionais e internacionais.

Na mesma perspectiva, o planejamento se torna o mecanismo indispensável para


atribuir a racionalidade necessária para a transformação de determinada realidade.
Torna-se crucial, portanto, a implementação do planejamento em todas as políticas
públicas de forma a equacionar, da melhor maneira possível, as lógicas econômicas e
sociais que permeiam as atividades do Estado. Dentre elas, destacam-se os serviços
essenciais de saneamento básico (CAMATTA, 2014, p. 11).
Ao Poder Público, além do seu papel de regular e fiscalizar as atividades
potencialmente lesivas ao meio ambiente, recai a atribuição de liderar a discussão, com
a participação indispensável da sociedade, com vistas à produção coletiva de soluções

416
mais adequadas para a preservação, ao consumo racional, à democratização do acesso,
à sustentabilidade e às diretrizes para uma eventual exploração econômica dos recursos
hídricos.
É oportuno demover da análise dogmática do tema, conter o ânimo ideológico
para o surgimento de um ambiente favorável ao avanço das discussões relacionadas à
privatização dos recursos hídricos. Na mesma hierarquia de importância, é fundamental
que nessa esteira de interesses, os econômicos não se sobressaiam aos interesses sociais.
É conveniente ousar em estabelecer um paradigma conservador, ou seja, só há
conveniência em dispor ou delegar um bem público à gestão do setor privado quando
esse, notadamente, possuir melhores condições que o Poder Público para viabilizar
todas as expectativas da sociedade em relação ao bem.
As expectativas da sociedade estão muito além das positivadas no texto
constitucional e em outras normas jurídicas afetas ao tema. A sociedade espera que a
sustentabilidade da água possa se perpetuar e chegar às gerações vindouras garantindo
qualidade, consciência de consumo e abastecimento democrático. Diante dessas
expectativas sociais, surgem diversos questionamentos sobre a gestão dos recursos
hídricos pelo Poder Público. Se antes a preocupação no Brasil era com a expansão do
acesso aos recursos hídricos em toda a extensão territorial, hoje esta preocupação gira
em torno de como a quantidade e a qualidade da água têm sido tratadas. Com isso, a
discussão acerca da privatização do recurso começa a ganhar força entre os grandes
empresários do setor e de alguns líderes de governo. Esse fato fica evidenciado com o
surgimento de projetos de lei que tramitam nas Casas Legislativas que propõem a
possibilidade de iniciar uma discussão da privatização em casos esparsos, como
veremos adiante.

3 A privatização e a guerra econômica do mercado de águas

A discussão acerca da privatização da água abre espaço para o surgimento de


novos institutos jurídicos, novos conceitos econômicos e diretrizes políticas. Um tema
tão sensível, capaz de modificar a vida em sociedade no planeta não poderia ser
discutido sem produzir desdobramentos em diversas áreas do conhecimento e despertar
calorosos debates.
Nos Estados Unidos, amplamente se discute acerca da necessidade da
privatização dos recursos hídricos. Os próprios estudos acadêmicos possuem um
discurso que caminha juntamente com os interesses econômicos do País. Para os
defensores da medida americana, tal questão passa pelos aspectos de direitos humanos
da privatização da água nos Estados Unidos, concluindo que as teorias legais de direitos
humanos carecem da capacidade de resolver as preocupações subjacentes sobre o
atendimento das necessidades humanas de água. (ARNOLD, 2009, p.786)
Em terras brasileiras, tramita no Senado Federal a PEC 495/17 que altera a Lei
nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, para introduzir os mercados de água como
instrumento destinado a promover alocação mais eficiente dos recursos hídricos.
(SENADO FEDERAL, 2017)
Para o legislador, essa medida se faz necessária para a promoção de uma
destinação equânime dos recursos hídricos com o objetivo principal de gerar emprego e
renda. Na justificação do Projeto de Lei encontra-se a ideia de implementação do
mercado de água que será de grande valia para recuperar regiões afetadas por
fenômenos naturais como secas e estiagens.
O autor ressalta na justificativa da proposição que o objetivo de sua aprovação
não seria de privatizar a água, mas sim de negociar seus direitos de uso em situações
específicas.
417
A proposição em questão se inspira notadamente em casos internacionais como
o próprio modelo encontrado nos Estados Unidos para tratar deste recurso essencial à
vida do Planeta.
Em se tratando de recursos hídricos, é indubitável que a água é um dos mais
alicerçados bem de soberania nacional, não devendo, em hipótese alguma, ser colocado
em uma mesa de negociações de empresas com interesses que visam apenas o lucro pelo
lucro, e não a preservação e democratização do uso desse bem tão valioso.
A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição não será capaz de solucionar
a crise hídrica atual, tão pouco irá reduzir os conflitos gerados pelo uso deste recurso.
Não há que se ocultar uma falha de planejamento de políticas públicas com a simples
entrega de um bem, que é de todos brasileiros, para sua pura e simples exploração para
fins comerciais.
Surge a indagação sobre qual realmente é o objetivo da abertura do chamado
Mercado de Águas. Seria um reconhecimento da falta de gestão pública eficiente para a
democratização deste recurso natural ou simplesmente uma forma de ceder para a
gestão privada com o objetivo de aumento de recursos financeiros pela União?
A privatização da água culmina aspectos sociais muito maiores do que
econômicos. Ter acesso à água, no entanto, não é uma questão de escolha. Ela é um bem
necessário à manutenção da vida de todos os seres vivos que habitam no planeta. O
próprio fato de que ela não pode ser substituída por nada mais faz da água um bem
básico que não pode ser subordinado a um único princípio setorial de regulamentação,
legitimação e valorização; ela se enquadra nos princípios do funcionamento da
sociedade como um todo. (PETRELLA, 2002, p. 85-86).

Considerações finais
Inúmeros são os questionamentos e inseguranças quanto ao discurso da
Privatização dos Recursos Hídricos e da criação do denominado Mercado de Águas, no
Brasil e no mundo, que este trabalho não poderá responder a todos eles.
Uma discussão dessa magnitude, capaz de abordar um tema tão complexo, não
pode avançar nas casas legislativas à revelia da ampla participação da sociedade nesse
debate que envolve, entre outros aspectos, segurança alimentar, em razão da água ser
determinante na performance do agronegócio; impactos no setor energético, cuja a
matriz ainda é dependente das hidrelétricas movidas pela força das águas;
desenvolvimento sustentável, vez que a preocupação predominante na sociedade parece
ser a garantia da preservação da água às futuras gerações e a democratização do acesso
à esses recursos; e por último, a saúde pública, uma vez que o saneamento básico afeta
intimamente os indicadores de saúde.
Respondendo aos questionamentos levantados neste trabalho, privatizar os
recursos hídricos implica em modificar profundamente a relação subjetiva e objetiva da
sociedade com esse elemento natural indispensável à vida no planeta, quer seja em seu
aspecto econômico, jurídico, político ou social.
Entretanto, para que ocorra a construção do debate acerca de como os recursos
hídricos deverão ser geridos no país, devemos aprofundar no papel e nos interesses das
três partes envolvidas nessa dinâmica: a sociedade, o Poder Público e o investidor
privado. A discussão deve se centrar em tentar harmonizar os papéis e os interesses de
cada uma dessas três figuras, encontrando convergência entre seus interesses, direitos e
deveres, por mais utópico que isso possa parecer.
Haverá quem diga que esse debate sequer deveria ocorrer, pois há nele conflitos
de origem que decorrem de choques existenciais de princípios basilares que norteiam
cada uma das três figuras envolvidas: o capital, cujo a razão de ser está na obtenção do
418
lucro; o estado, como principal agente interessado na defesa do direito, em sentido lato
sensu; e, a sociedade, que pela sua configuração, ao mesmo tempo que é interessada na
preservação do direito em sentido lato sensu, é legítima possuidora de direitos em
sentido stricto sensu. Haverá ainda quem diga que não há dicotomia entre
desenvolvimento econômico e sustentabilidade, desde que as partes os ajustem com
transparência, estabelecendo limites e disposições.
Superadas as questões de conflitos originários, em algum momento a discussão
deverá atingir patamares mais elevados, dentre estes se inclui o caráter programático e
pragmático da providência que se pretende conceber. O vazio normativo existente
acerca do tema é hoje um dos principais dificultadores. Inimaginável seria a admissão
de uma concessão pública por delegação do Estado, capaz de ensejar risco à sua própria
soberania, ou uma medida que possa trazer sérias implicações à sociedade e ao seu
direito ao meio ambiente.
A Constituição da República não recepcionou expressamente a água como um
direito fundamental, entretanto, mesmo com o trâmite de projetos de emendas
constitucionais que visam sanar esta lacuna, é inegável que este bem é essencial à
manutenção da vida de todo o planeta. Mesmo possuindo uma valoração econômica
prevista em lei, os recursos hídricos não podem jamais ser considerados como produto
de troca com o objetivo único de visar o lucro por interesses privados.
Privatizar os Recursos Hídricos não significa assegurar direitos essenciais que
decorrem da água. Pelo contrário, é ferir diretamente a soberania nacional do país
pautada em interesses escusos em nome de uma máxima maior que visa tão somente
enriquecer aqueles que já possuem grande domínio econômico.
O debate sobre o tema ainda é raso e incipiente. Isso porque faltam elementos e
conceitos indispensáveis à sua formatação. Ressaltamos os esforços de convencimento
da sociedade para a obtenção de sua expressa anuência, sem a qual nada pode prosperar;
o aperfeiçoamento normativo necessário ao preenchimento das lacunas jurídicas, que
impedem a discussão de avançar da fase de conjecturas e especulações, o que só se pode
fazer mediante a inclusão do tema em uma agenda sincronizada envolvendo o poder
público, a sociedade e os pretensos investidores do setor.

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