Você está na página 1de 12
Qualidade de vida e sade: um debate necessario Quality of life and health: a necessary debate Maria Cectia de Souza Minayo ! ‘Zalmiza Maria de Arasjo Hartz Paulo Marchiosi Buss > Veeprsdeae de Amb, Comuniarso «Informs Fandscs0 nwa Cro. Av rani, 2.365, 2104-90, Bio de ase, Bes. seca aetra cate Gecrbr 2 Departmente de Epidemilogae Métodos, Guanttass em Suce Escola Nacional de Sede Pb, Funda Onvalde Cror 3 Duejto Escola Nacional de Sue Fundass0 ovale Cruz Absteact This paper discuses the relationships between quality of life and health by applying the discourses emerging in the health sector to other fields and other disciplines, These rela tionships constitute social representation based ‘on subjective parameters (well-being, happi- ness, love, pleasure, personal satisfaction), and ‘on objective ones such as satisfaction of basic needs and ofthe needs created by the degree of economical and socal development ofa given society, The text presents the main instruments which have beew constructed during the last _years for measuring quality of if, aswell as the debate they cause tao debates the semantic field where the representations and actions in Savour of quality of Wfe~ such as the concept of development, democracy quality, way and con- ditions of life— develop. In relation tothe field of health, this article discusses the tendency to restrict the concept of quality of fe tothe bio- medical area, associated with an economic as- sessment. If shows the variety of instruments created for measuring quality of life in accor- dance with the concept. Health promotion is ‘considered ome of the most relevant strategies in this field in order to wvoid medical reductionism ‘and to develop an interdisciplinary dialogue. It is argued that this proposal, however, sill needs to be refined and tested in sanitary practices. Key words Quality of Life: Indicators for Quality of Lifes Health Promotion Resumo Este trabalho traz para o debate as relagoes entre saide e qualidade de vida. Busca sinuar os discursos que seconstréem na dea da satide em outros setores e outras disciplinas. Trata de uma representagao social criada a par- tir de pardmetros subjetivos (bem-esar felici- daule, amor, prazer, realizado pessoal), €tan- bam objetves,cujas referencias sto a satsfagao das necessidades bdsicas ¢ das necessdades criadas pelo grau de desenvolvimento eonémi- «0 e social de determinada sociedad, Mostra os ‘principaisinstrumentos construidas nas ilt- ‘mos anes para medir qualidade de vida ¢ as ‘iscussbes que provocams. Reflete também, 50 bre o campo semantico ens que se desenvolvem 1s representagdes e agdesvoltadas para a qual- dade de vida, como as nogses de desenvolvi- mento, democracia, modo, condigéese estilo de vida. Na érea da saie, discute a tendéncia de se estreitar 0 conceito de qualidade de vida ao campo biomédice, vinculando-o a avaliagae econémica. Apresenta os mais variados instruc tmentoscriades para medi-la nessa referida con ‘epg. Considera a proposta de promogao da side como a mais relevant extratégia do se- ton, para evitar 0 reducionismo médica e reali- zar umn didlogo intersetorial. Argumenta, po rém, que essa proposta ainda carece de aprojan- dansentoe de ser testada nas pratcassanitirias Palavras-chave Qualidade de Vida; Indicado- res de Qualia de Vida; Promogio da Saude aivaga aivasa Introdugao Tornou-se lugar-comum, no Ambito do setor sade, repetir, com algumas variantes, a se~ guinte frase: sade nao € doenca, sade é qua lidade de vida, Por mais correta que esteja, tal afirmativa costuma ser vazia de significado e, freqtientemente, revela a dificuldade que te- ‘mos, como profissionais da érea, de encontrar algum sentido tedrico e epistemologico fora do marco referencial do sistema médico que, sem diivida, domina a rellexio e a pritica do campo da sadde publica, Dizer, portanto, que © conceito de sade tem relages ou deve es- tar mais proximo da nocdo de qualidade de vi- da, que satide nao é mera auséncia de doenga, j€ um bom comego, porque manifesta 0 mal- estar como reducionismo biomédico, Porém, pouco acrescenta A reflexio, Para realizar este trabalho, pesquisamos detalhadamente os anais dos congressos ge- raise teméticos da Abrasco, assim como os re- gistros de diversos seminarios realizados pela instituigSo, Trata-se de material de grande re- levancia, j8 que sade coletiva tem, nesses eventos cientificos, sua expressio privilegia- da. O termo qualidade de vida aparece sempre com sentido bastante genérico, Ova é emprega- do como titulo de seminérios, chegando a de- signat 0 22 Congresso de Epidemiologia, Qua- lidade de vida: compromisso historic da epide ‘miologia (Lima e Costa & Sousa, 1994), ora es téassociado a algumas classificagdes nos agru- pamentos dos trabalhos dos varios congres- 405, Porém, em nenlum momento, existe uma Aefinigdo dessa relagdo, sea no nivel mais ele- mentar de nocio, e muito menos, como con- ceito, sso quer dizer que sea idéia geral de qua lidade de vida esta presente, precisa ser mais them explicitada e clarificada, Na abertura do 2 Congresso de Epidemiologia, Rufino Net- to (1994) assim se refere: Vou considerar como qualidade de vida boa ou excelente aguela que oferega urn minim de condigdes para que os i= dividuos nela inseridos possam desenvolver 0 maximo de suas potencialidades, sejam estas vviver, sentir ou amar, trabalhar, produzindo bens e servigos, fazendo ciéncia ou artes. Falta 0 esforso de fazer da nogao um conceito etornd= lo operative, ‘A area médica, por sua vex, jf incorporow f tema qualidade de vida na sua prética pro- fissional. Quando se apropria do termo, po- :m, 0 utiliza dentro do refereacial da clinica, para designar o movimento em que, a partir de situagbes de lesbes fisicas ou biolégicas, se oferecem indicagées téenicas de melhorias nas condigbes de vida dos enfermos. A expressio vusada 6 qualidade de vida em satie, No entan- to, a nogao de satide € totalmente funcional e corresponde a0 seu contrério: a doenga em cau- sa, evidenciando uma visio medicalizada do tema. Os indicadores criados para medir ests qualidade de vida s30 notadamente bioesta- Usticos, psicométricos e econdmicos, funda- mentados em uma ldgica de custo-beneficio. Eas técnicas criadas para medi-la nao levam em conta o contexto cultural, social, de histé- ria de vida e do percurso dos individuos cuja qualidade de vida pretendem medir (Hubert, 1997) [Neste artigo, aceitamos 0 desafio de apro- fundar a discussio sobre as relagdes entre sati- dee qualidade de vida, por meio de um revisio sumaria da literatura, buscando as bases con- ceituais ¢ os fundamentos te6rico-praticos de suas principais medidas, Trabalhamos a cla boragao dos discursos e das técnicas de men- suragdo. Assim, experamos poder contribuir para estabelecer um proficuo didlogo interdi ciplinar, permitindo avangar no conhecimen- toe dar consisténcia a um tema que conside- ramos de grande impoztaacia tanto para a teo- ria como para a prética da sade coletiva, Qualidade de vida: uma nosao polissémica Quanto mais aprimorada a democracia, mais ampla é a nosao de qualidade de vida, o gra dde bem-estar da sociedade e de igual acesso a bens materiaise culturais (Olga Matos, 1999) Qualidade de vida é uma nogdo eminente- mente humana, que tem sido aproximada a0 grau de satisfagao encontrado na vida famili- ar, amorosa, social e ambiental eA prdpria es- (ética existencial. Pressupoe a capacidade de efetuar uma sintese cultural de todas os ele- mentos que determinada sociedade conside- ra seu padrio de conforto e bem-estar. O termo abrange muitos significados, que refletem co- nhecimentos, experiéncias e valores de indi- ‘viduos e coletividades que a ele se reportam em variadas épocas, espasos ¢ histérias dife- rentes, endo portanto uma construct social com a marca da relatvidade cultural. Auquier et al. (1997) a qualificam como um conceito equivoco como o de inteligéncia, ambos dota- dos de um senso comum variavel de um indi- ‘viduo ao outro. (Martin & Stocker, 1998) su- agetem que qualidade de vida seja definida em {ermos da distancia entre expectativas indivi- dusis ea realidade (sendo que quanto menor a distincia, melhor) A relatividade da nogio, que em éltima ins- tancia remete ao plano individual, tem pelo menos trés foruns de referéncia, O primeiro é historico, Ou seja, em determinado tempo de seu desenvolvimento econdmico, social ¢ tec nolégico, uma sociedade especifica tem um parimetro de qualidade de vida diferente da mesma sociedade em outra etapa histories. O segundo é cultural, Certamente, valores ¢ ne- cessidades s40 construidos ¢ hierarquizados diferentemente pelos povas, revelanda suas tradigdes. O terceito aspecto se refere As estra- tificagdes ou classes sociais, Os estudiosos que analisam as sociedades em que as desigualda- des e heterogencidades sto muito fortes mos- tram que os padrées eas concepgtes de bem- estar sdo também estratficados: a idéia de qua lidade de vida esté relacionada a0 bem-cstar das camadas superiores e & paseagem de um Himiar # outro. ‘Orelativismo cultural, no entanto, nio nos impede de perceber que um modelo hegems- nico esté a um pasco de adquisir significado planetitio. £0 preconizado pelo mundo oci- dental, urbanizada, rico, polarizado por um certo ndimero de valores, que poderiam ser as- sim resumidos: conforto, prazer, boa mesa, moda, utilidades domésticas, viagens, televisio, telefone, computador, uso de teen logias que diminuer o trabalho manual, con- sumo de arte e cultura, entre outras comodida- dese riqueras, ‘A partir do crescimento do movimento am- bientalista na década de 1970, 0 questionamen- todos modelos de bem-estar predatérios, agre- garam, nogio de conforto, bem-estar e qua- lidade de vida, a perspectiva da ecologia hu- ‘mana que trata do ambiente biogeoguimico, no qual vivem 0 individuo e a populagao: ¢ 0 conjunto das relagses que os seres humanos estabelecem entre si e com a prépria nature- za, Esse canceito nao aplica a dimensio evo- Iucionista de uma escalada cada vex maior de conforto, consumo e bem-estar. Pelo contré- rio, ele se apéia na idéia de exceléncia das con- digaes de vida (Witier, 1997) e de desenvolvi- mento sustentivel. Questiona as condi¢ses reais e universais de manutengio de um pa- rio de qualidade de vida fundado no consu- mismo ena explorasao da natureza que, pelo seu clevado grau predatério, desdenba a situa sao das geragoes futuras, desconhece a cum= plicidade de toda a biosfera e nao ¢ replicavel, [No campo da satide, 0 discurso da relagio entre sade e qualidade de vida, embora bas- tante inespecifica e generalizante, existe des- deo nascimento da medicina social, nos sécu- los XVIII e XIX, quando investigagoes siste- iticas comecaram a referendar esta tese e dar subsdios para politicas ptblicas e movimen- tos sociais. A situardo da classe trabalhadora nna Inglaterra, de Engels, ou Mortalidade dife- rencial na Franga, de Villermé, ambas citadas por Rosen (1980), sao exemplos de tal preoeu- pagao, Na verdade, a idéia dessa relagao atra- vvessa toda a historia da medicina social oci- dental e também latino-americana, come mos- tram os trabalhos de Mckeown (1982), Breilh etal, (1990), Nusez (1994) e Paim (1994). De fato, na maioria dos estudos, 0 termo de refe- réncia nao € qualidade de vida, mas condigses de vida, Como mencionado em Witier (1997), estilo de vida e situagto de vida sko termos que compdem parte do campo semintico em que fo tema é debatide. A visio da intrinseca relagéo entre condi- des € qualidade de vida e sade aproxima os clissicos da medicina social da discussdo que, ‘os tltimos anos, vem se revigorando na Area, © tem no conceito de promosdo da saiide sua estratégia central, Redimensionado pelo pen~ samento sanitarista canadense a partir do co- nhecido relatério Lalonde (1974), tal concei- to foi definido, tomando como base na con- cepcao atual do que se consideram os determi- nantes da saide:1)o estilo de vida; 2) os avan- 08 da biologia humana; 3) o ambiente fisico «social e 4) servigos de satide. Conferéncias mundiais e regionais (MS, 1997) tém debati- do ¢ ampliado o sentido do conceito de pro- mogio que, a nosso ver, constitui a estzatégia chave da discussto da qualidade de vida pelo setor (Buss etal, 1998). 0 tema da promogao € objeto especifica de um artigo deste nimero da revista, Por fim, é importante observar também, que, em todas as sondagens feitas sobre gua- lidade de vida, valores nao materiais, como amor, liberdade, solidariedade e insergs cial, realizagao pessoal e feicidade, compoem sua concepsio. Como lembra Witier (1997), para o ser humano, 0 apetite da vida estdestrei- tamente ligado ao menu que the € oferecido. Se- ria, portanto, qualidade de vida uma mera re- presentayao social? Sim e nao. Sim, pelos ele- mentos de subjetividade e de incorporagao cultural que contém, Nao, porque existem al- guns parimettos materiais na construg8o des- ta nogao que a tornam também passivel de apreciagao universal, como veremos a seguir. (© patamar material minimo e universal ppara se falar em qualidade de vida diz respei- to a satisfacio das necessidades mais elemen- tares da vida humana: alimentagio, acesso a Agua potivel, habitagio, trabalho, educag sade e lazer; elementos materiais que tém co- mo referéncia nogdes relativas de conforto, bem-estar e realizado individual e coletiva, No mundo ocidental atual, por exemplo, é pos- sivel dizer também que desemprego, exelusio social e violéncia sto, de forma objetiva, xeco- hecidos como a negagao da qualidade de vi- a. Trata-se, portanto, de componentes passi- vweis de mensuracio e comparacio, mesmo le- ‘vendo-se em conta a necessidade permancn- te de relativies-los culturalmente no tempo € no expaco. Em resumo, a nogio de qualidade de vida transite em um campo semintico polissémi- co: de um lado, esté relacionada a modo, con- Aigbes e estlos de vida (Castellanos, 1997). De inclu as idéias de desenvolvimento sus- tentivel e ecologia humana. E, por fim, rela ciona-se ao campo da democracia, do desen- volvimento ¢ dos direitos humanos e sociais. No que concerne A satide, as nogoes se unem ‘em uma resultante social da construsio cole- tiva dos padrées de conforto e tolerancia que determinada sociedade estabelece, como pa: rimetros, para si, Qualidade de vida: medidas e padroes gerais, A medida de qualidade de vida, mesmo se € in «da umn instrumento recente evindo de wma tr digao estrangesra, anglo-saxénica, empirista e tutiliarista, € um faro irreverstvel que vai, pro vavelmente, pertencer ao nosso univers, da mes ‘ma forma que a ecografia (Rameix, 1997:89) ‘Tentando sintetizar a complexidade da no- 0 de qualidade de vida e de sus relatividade vis-a-vis as diferentes culturas e realidades so- ciais, diversas instrumentos tém sido constr dos. Alguns tratam a saide como componente de um indicador composto, outros tém, 20 campo da sade, seu objeto propriamente dito Entre os primeios,talvez 0 mais conheci do ¢ difundido seja o fadice de Deseavolvi- mento Humano (IDH), elaborado pelo Pro- grama das Nagoes Unidas para o Desenvolvi- mento (PNUD). © IDH foi criado com a in- tengio de deslocar o debate sobre desenvolvi- mento de aspectos puramente econ6micos ~ como nivel de renda, produto interno brato e nivel de emprego - para aspectos de nature za social e também cultural. Embutida nesse indicador encontra-se a concepeio de que ren- da, satide © educagio sio trés elementos fun- damentais da qualidade de vida de uma popu- lasao. ‘OIDH € um indicador sintético de quali- dade de vida que, de forma simplificada, so- ima e divide por trés os niveis de renda, sadde © educagio de determinada populagao. A ren- da éavalinda pelo PIB real per capita; a sade, pela esperanga de vida ao nascer e a educagio, pela taxa de alfabetizagao de adultos e taxas de matriculae nos nfveis primario, secundério e tercifrio combinados. Renda, educagio esaii- de seriam atributos com igual importincia co- mo expressio das capacidades humanas, ‘OIDIT se baseia na nogo de capacidastes, isto 6, tudo aquilo que uma pessoa esté aptaa realizar ou fazer. Nesse sentido, o desenvolvi- mento humano teria, como significado mais amplo, a expansio nie apenas da riqueza, mas da potencialidade dos individuos de serem. ponsiveis por atividades e processos mais va- liosos e valorizados. Assim, a satide ea educa 540 s20 estados ou habilidades que permitem ‘uma expansio das capacidades. Inversamen- tc, limitagses na sade e na educagao seriam obsticulos & plena realizagio das potenciali- dades humanas (PNUD, 1990) ‘O IDH ver recebendo aceitagao ampla pe- las facilidades na obtencdo dos indices que 0 compdem — disponiveis na maioria dos passes ce regides do mundo e s40 construtdos com me- todologia semelhante -, 0 que garante raz0s- vel grau de aplicabilidade entze realidades to- talmente diversas, Mas também apresenta lie mitacoes que devem ser consideradas, seja no ‘uso para comparar qualidade de vida entre ter~ ritétios, se)a 20 longo do tempo em um mes ‘mo territério, Por exemplo, discrimina pou- co 0s paises ov regides mais desenvolvidas en- tre si, pois a as taxas de analfabetismo tem diferengas iris6rias,e apresenta problemas de consisténcia metodolégica quando aplicado a Himites geogréficos mais restritos, nos quais provavelmente os rankings produzidos seriam, meras reprodugées, com poucas diferengas, da diferenciagao da renda (Cardoso, 1998) Finalmente, 0 IDH nto consegue incorpo- rar a esséncia do conceito central que tenta edit. A esse respeito se refere Dines (1999) desenvolvimento € um processo mais amplo {que 0 mero aumento da promasio, melhoria de producio e de indices. Envolve a diresio, 0 sentido e sobretudo 0 contetido do crescimen- to, Atualmente, essa dimensio animica do pro- cesso econdmico faz a diferenga entre o eresci- mento eo desenvolvimento. Um pais pode crescer ou deixar de crescer. Mas uma nagio desenvolvida nunca pode deixar de sé-Lo, por- que o desenvolvimento se incorpora as estru- {uras, as instituigdes eas mentalidades. E nao se desencarna, Da mesma forma, 0 campo se- mantico da qualidade de vida na tradigao oci- dental, alm da idia de desenvolvimento, tran- sita pela crenga na democracia, Quanto mais aprimorada a democracia, mais ampla 6a no- ‘0 de qualidade de vida, do grau de bem-es- tar da sociedade e da equidade ao acesso aos bens materiais e culturais. Manifesta-se de for- ma palpivel na dimensio de convivéncia en- reas pessoas, reveladora de urbanidade eres peito matuo. Nesse sentido, a forga espiritual da democracia é um fator de resistencia a redu- a0 de todas as esferas da vida, 20 fato econd- ico (Matos, 1998). Poderia ser criticado ainda do ponto de vista ético-filosofico, na medida que revelaria um viés etnocéntrico, que toma os padrdes ocidentais modernos como modelos de refe- réncia a serem atingidos por todas as nagbes do planeta, Por exemplo, em paises em desen- volvimento com baixo grau de institucionali- zacio das relagdes mercantis,arenda é um cri {rio pouco efetivo para avaliar a produsio ea circulagio de bens e riquezas, Por outro lado, cexistem sociedades em que 0 acesso a0 conbe- cimento se dé a partir de meios ligados a tra- digao ow A transmissao oral, mais eficazes pa 1a lidar com as realidades locais do que a al- fabetizagao (Cardoso, 1998) ‘Apesar das justaseriticas que tem recebi- do, o IDE tem sido bastante utiizado, inclusi- ve no Brasil, inspirado outros como o indi ce de Condigdes de Vida (ICV). Desenvolvido pela Fundagio Joie Pinheiro, em Belo Hori- zonte, para estudar a situagio de municipios mineiros, oi logo depois adequado, em con- sorcio com o IPEA, o IBGE € 0 PNUD, paraa anilise de todos os municipios brasileiro (IPEA/IBGE/FIP/PNUD, 1998). Instrumento muito mais sofisticado do que o IDH, com a vantagem de poder ser aplicado para micror~ realdades,o ICV ¢ um composto de 20indica- dores em cinco dimensoes: 1) renda (familiae per capita, gra de desgualdade, percentagem de pessoas com renda insuficiente, nsuficié cia méia de renda egrau de desigualéade na poptlacio de renda insuficient); 2) edcaga0 (taxa de anlfabetismo, aémero medio de anos de estudo, percentager da populagio com me- nos de 4 anos de estado, pereentagem ds po- plasio com menos de 8 anos de estuda e per- Genlagem da populagio com mais de 11 anos deestudo); 8) inline (percentagem de cia gas que trabalham, percentagem de criangas Que née frequentam escols defasagem esco- Tar médiae percentagem de criangas com mais de um ano de defasagem escolar): 4) habita- so (percentagem da populagio em domict- los com densidad média acima de duas pes- sas por dormitéro, percentagem da poptla- Gio que vive em domicilios duraveis epercen- {agem da populagio que vive em domicitios com instlagdes adequadas de esgoto) e 3) lon- gevidade (experangs de vida 20 nascer taxa de mortaidade infantil). © ICV é sintetizado por meio de virios atficios metodologicos, pedendo ser compreendido em toda asus ex- tensio no trabalho ‘Desenvolvimento huma- no econdigdes de vide’ resultado da colabora- «0 entre FIPIPRAIIBGE/PNUD (1998) ‘Mesmo tendo sea espectro de abrangencia muito mais ampliado, o ICV tabalha apenas om os aspects objtivos, pasiveis de medi- G0. 8 fundamental sua contro? Sem da- ida, na medida que exste uma intrinsecare- Ingio entre a busca deeqidae socal ea apa cidade de desenvolvimento intelectual, de as- piragies ede reivindicagio de determinada pepulapio ou grupos sociaie ‘Além deste conbecide indicador compos- to, idenificam-se dversos outros, objetives€ subjetivor, que expressam alguma dimensio da qualidade de vida, Os considerados objet vos teferemese sempre asituagSes como rend, emprego/desemprego, populagao abaixo da i nha da pobreza, consumo alimentar, domic- lios com disponibilidade de §gvalimpa,tra- tamento adequado de exgoto elo edisponi- bilidade de energi létrica, propriedade da ter- rede domitlios, acesso a traneporte, qual dade do un, concentrapte de moradares por domiclio eoutras ‘Os de natureze subjetiva respondem a co- mo as pessoas sentem ou o que pensain das fas vidas, ou como percebem 0 valor dos componentes materiais teconhecidos como base social da qualidade de vida. Deste dltimo caso pode ser exemplo, o Indice de Qualidade de Vida (IQV) de Sto Paulo, criado pelo jor nal Folka de $. Paulo, que inclui um conjunto de nove fatores (trabalho, seguranga, mora- dia, servigas de saide, dinheito, estudo, quali- dade do ar, lazer e servigos de transporte). Es- sez elementos s80 analisados a partir do pon- to de vista da populacio, que é dividida por faixa de renda, escolaridade, categoria social, sexo ¢ faixa elgria, A pergunta-chave é 0 grau de satisfagao dos cidadaos, classficado em sa Uislatério, insatisfat6rio e péssimo, em um in- tervalo de 0a 10 (Indice Folb, 1999), Os con- siderados objetivos referem-se a aspectos glo- bais e gerais da vida, assim como a satisfagao com dom{nios espectficos da existéncia. Pes quisadores da Universidade de Michigan, por &- ‘xemplo, citados por Patrick & Brickson (1993), avaliaram a importincia de cada dominio e de seus componentes espectficos para a satisls: ‘40 global com o dominio, Os niveis de bem- stare felicidade foram e: a caracteristicas sociais, geogrificas e demo- grificas espectficas Parece-nos claro, ainds, que a qualidade de Vida nao é definivel exclusivamente a partir de critérios cientificas ou técnicos, Por essa ra 240, alguns autores remetem a discussio tam- bem para o ambito politico. Ou seja, os pard- metros para compor um padrio minimo que permita a construsio de agendas de interven- $40 ou a avaliagio de politicas nao sto auto- evidentes ow factiveis apenas em gabinetes € laborat6rios, devendo resultar de debates s0- ciais amplos, que estabelegam consensos mic ‘No Brasil, um exemplo significative desse modelo € 0 IQV de Belo Horizonte, criado a partir de um levantamento das questoes con- sideradas relevantes pela populagao e tendo como objetivo fundamentar os debates pabli- cos sobre o orgamento participativo. No en- tanto, mais do que um indice sintético, 0 IQV/BH seria um indicador setorial de carén- «as, permitindo nao apenas hierarquizar éreas, mas também identificar problemas a serem enfrentados em cada bairro, Pode-se observar, por fim, que nenhum. componente propriamente médico (ou sequer de indicadores clissicos de morbi-mortalida- de) entra na comporigio dos indicadores com- postos de qualidade de vida. Ou seja, tanto 0 IDH, 0 ICV, como outros ja citados tratam a sadde como um dos componentes de uma ‘0 correlacionados complexa resultante social. Concordando, em kermos gerais com esse ponto de visa, nés nes- te trabalho a entendemos como uma sintese, ‘um hibrido biolbgico-social, mediado por con- digdes mentais, ambientais e culturais. Qualidade de vida: medidas padrées do setor sade ‘As definigdes ampliadas jé descritas convivem com outras mais restrtas eexpecificas, como as econdmicas ¢ como as que também tém sido desenvolvidas no setor sade e que, como jd dissemos, quase sempre se resumem a0 campo médico, A expressio gualidade de vida ligada a saide (QVLS) € definida por Auguier et al (2997) como o valor atribufdo a vida, ponde- rado pelas deterioragdes funcionais: as per~ cepgdes ¢ condigdes sociais que sto induzidas pela doenea, agravos, tratamentos; €a organi- zagio politica e econdmica do sistema assis tencial. A versio inglesa do conceit de health- related quality of life (HRQL), em Gianchello (1996), € similar: € 0 valor atribuido a dura- sao da vida quando modificada pela percep- a0 de limitasies fisicas, psicol6gicas, fungdes sociais ¢ oportunidades influenciadas pela doenca, tratamento e outros agravos, tornan- do-se o principal indicador para a pesquisa avaliativa sobre o resultado de intervensoes. Sendo utilizado nessa conotagao, o HRQL in- ddicard também se 0 estado de satide medido ou estimado € relativamente desejével (Gold ct al., 1996). Para esses autores, os conceitos fandamentais de HRQL seriam igualmente a percepsio da satide, as fungdes sociais, psico- lagicas efisicas, hem como os danos a elas lacionados. ‘Mostrando a extrema variabilidade do con- ceito, a revisao de Ann Bowling (1991) sobre as escalas de qualidade de vida relacionadas com satide inclui medidas de capacidade fun- cional, do estado de saide, de bem-estar psico- legico, de redes de apoio social, de satisfagao estado de animo de pacientes. Em geral, de forma implicita ou explicita, toda medida re- pousa sobre teorias que guiam a selegio de procedimentos de mensuracio. Auguier eta (1997) consideram que trés correntes orien- tam a construcio dos instrumentos hoje dis- poniveis: o furcionalismo, que define um es- ado normal para certa idade e fungio social ¢ seu desvio, ou morbidade, caracterizado p indicadores individuais de capacidade de exe- cugto de atividades: a teoria do bem-estar, que explora as reagoessubjetivas das experigncias de vida, buscando a competéncia do indivi- duo para minimizar sofrimentos ¢ aumentar a satsfagao pessoal ede seu entorno ea teoria dla uilidade, de base econdmics, que press~ p8e a escolha dos individuos a0 compararem tum determinado estado de sade a outro Em relagio ao campo de aplicagfo, x me- didas podem ser classfieadas como genérica, se ussm questionérios de base populacional sem especificar patologias, zendo mais apro- priadas « estudos epidemiol6gicos, planeja- mento ¢ avaliagdo do sistema de sade. Um disses insteumentos foi desenvolvido pela OMS que recentemente criou 0 Grupo de Qua- lidade de Vida, The WHOQOL Group (1995), ¢ definiuo termo como a percepcio do indivi- duo de sua posigao na vida, no contexto da cul- tura e do sistema de valores em que vive eem relasao aos seus objetivos, expectativa, padrbes « preocupasses. Assim, o instrumento desen~ volvido por este organismo internacional em cstudo molticéntrico baseia-se nos pressupos- tos de que qualidade de vide € uma consteu- cao subjetiva (percepgéo do individuo em questio), multidimensional e composta por elementos positives (por exemplo, mobilida- de) enegativos (do). 0 grupo desenvolveu, até o momento, dois instrumentos gerais de medida de qualidade de Vide: o WHOQOL-100 0 WHOQOL-Bref 0 primeiro consta de 100 questdes que avaliam seis dominios: a) fisico, b) psicolégico, ¢) de independéncia, d)relagdessocsis,¢) meio am- biente e £)espiitualidadelerencas pessoas. © segundo instrumento é uma versio abrevia- da, com 26 questoes, extras do anterior, en ue as que obtiveram o melhores desempe- hos psicométrios, cobrindo quatzo domini- os: a) fisic,b) psicol6gico, ) relagbes socais ed) meio ambiente. A versio em portugues ~ inclusive dos questiondrios ~esté disponivel no Brasil, no Grupo de Estudos sobre Quali- dade de Vida, do Departamento de Psiguiateia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul eno Hospital das Clinicas do Parana. ‘Outras modalidades de mensuracio po- dem ser classificadas como especfica. Muitas podem ser encontradas na literatura sobre sai- dee qualidade de vida, mormes anglo-saxis (volumes efascculos do periédi- 0 Quality of Life Research). Os extados apon am, em geral, para situagoes relacionadas & qualidade da vida cotidiana dos individuos, .e nas fontes subsequente a experitncia de doengas, agra- vos ou intervengoes médicas, Referem-se @ doengas crdnicas ~ como cincer, diabete, do- enga coronariana ¢ cerebrovascular, Parkin~ son e outros problemas do sistema nervoso, Iepatites ¢ artrites erdnicas, asma brénquica ce outras doengas respirat6rias ~ ou a conse- ‘gaéncias crénicas (sequclas ou medidas cura tivas e reabilitadoras) de doensas ou agravos agudos, como problemas neurolégicos pés- (raumélicos, transplantes, uso de insulina € outros medicamentos de uso prolongado, Vi- rigs instrumentos incluem indicadores para aspectos subjetivos da convivéacia com docn- sas e lesoes, como sentimentos de vergonha © culpa, que trazem consequéncias negativas sobre a percepgao da qualidade de vide por parte dos individuos acometidas e suas fammi- lias. Bley et al. (1997) falam da mulkiplicidade de usos profanos da conceito, particularmen- teno dominio ds comunicagéo e do consemo e alertam para o fato de que, embora a OMS considere que se deveria prioritariamente me- dir a qualidade de vida de cinco grupos (pa- cientes crénicos, seus familiares e pessoal de suporte, pessoas em siluasdes extremas, com dificuldade de comunicagao, ¢ ctiangas), 08 extudo tém-se concentrada nos pacientes er nicos, 0 que é facilmente evidencisvel nas ba- ses bibliograficas, Hubert (1997) julga tam~ ém que a literatura sobre qualidade de vida Eessencialmente medicalizada, adotando uma visio bioestatistica ¢ economicista da sade. Durand etal (1997) acrescentam que os esta dos séo funcionalistas ¢ focalizados no custo- cfetividade. "No Ambito médico, desenvolveram-se tam- ‘bém instrumentos de avaliagso de qualidade de vida, focalizados, p idéia de complementar as anilises de sobrevi- da, Esses estudos evoluiram para integrar and lises de custo-utilidade, em voga na década de 1980, que ampliavam a Visto restrita nos tra- balhos de custo-eficicia dos anos 70, critica- dos por se deterem apenas em indicadores cl nicos (Hartz & Pouvourville, 1998). A argu- mentagio tornow-se, asim, a de que a quali- dade de vida dos pacientes deveria aleangar ‘um patamar melhor do que o anterior & inter vengio (Auray & Duru, 1995). Desde entio, passou-se a considerar que os estudos de cus- {o-utilidade si0 apropriados quando a quali dade de vida € am resultado importante, usualmente apresentado como custo por ano imeiramente, sobre @ de vida ganho, ajustado pela qualidade ou QALY (quality-adjusted Iife-years) Auquier et al. (1997) propoem uma taxo- nomia das medidas, que vao de indicadores simples a baterias ou conjunto de instrumen- tos, com indicadores e metrologias especifi- cas. Mesmo que nfo permitam agregar dados, segundo os autores, sea importincia residiria na possibilidade de comparagio de resultados ‘Nesse sentido, o QALY seria o mais apropria- do, por combinar abordagem de quantidade € qualidade de vida em uma estimativa de cus- to-oportunidade, para orientar a decisio de alocacao de recursos, envolvendo profissionais de satide pablica e economistas, Porém, sobre a interpretagto multiprofissional, Lebrun & Sailly (1996) destacam conteadigdes, uma vez que os problemas suscitados ps mistas,na definicto e medida de qualidade de vvida, sto diferentes dos que tém médicos e psi- cometristas pois, para a medicina baseada em evidencias,o nica crtério € a eficicia clinica, ‘Matematicamente, 0 QALY é calculado co- mo a soma do produto de anos de vida ea qua lidade de vida em cads um desses anos. A um ano de vida em dtima sade éatribuido 0 va- lor 1 (um) ¢0 valor 0 (zero) para o dbito (Das- bach & Teutsch, 1996). 0 estado de sade po- de ser medido diteta ou indiretamente. Nafor- sma direta, € 0 individuo que valoriza seu es- tado de satide feito sob a forma de loteria,in- dagando-se sobre a escolha de um estado de- sejivel, a probabilidade de melhoré-lo 2 mor- te. abordagem indiretarefere-e a preferén~ cias do pUblico em geral A qualidade de vida é estimada usando dados que combinam di- versa: dimensdes pare computar uma série de delo mult-attribute-utlity (MAU), AAs incertezas do QALY sto relacionadas por Briggs (1995): a) tipos de dados requesidos = indicadores de zecussos ¢estados consequen- tesa intervengoes ou teonologias comparadas 4 seriam otimizados com 0 uso simultinco de avaliagao clinica e econdmica na mesma populagio: b) extrapolagio de dados,referin- ddo-sea resultados clinicosintermediarios,ex- trapolados para finaliticos; c) generalizacio de resultados evidenciando dificuldades rela- cionadas a diferengas demograficas, epidemio- légicas, pregos ecustos e variacoee na pritica clinica ed) discordéncia na escolha de méto- dos analiticos e de metodologias entre econo- sistas, assim como problemas ético-moraisre- ferentes a escolbas sbuidos matematicamente no mo- Para Maynard & Bloom (1998), o idadets- ‘mo € um dos principais problemas do QALY, 1a medida que embute preconceito contra 0 ‘doso, considerando-o sempre com menor ex pectativa e menor qualidade de sobrevida, no ue se refere a procedimentos médicos. Obser~ vvaese a mesma logica discriminatéria em re- lagso aos portadores de deficiéncia fisia, pois jamais partem de uma qualidade de vida = 1 Mesmo no sistema de sade inglés, onde 0 QALY se originou, tentou-se generalizar seu tuto a qualquer novo tratamento com finan- ciamento pUblico, mas somente em 27 dos 95, projetos foi possivel calcular ¢ em apenas 10 se pode comparar com o tratamento anterior (Castiel, 1995), Segundo Castiel, embora um fator como 0 QALY ajude a decisao sobre o que fazer, nao pode seguir apenas & légica ma- temitica. Assim, muitos estudos se tornam insiteise alguns chegam a considerar 0 uso do QALY efeito perverso ampliado da esperanca de vida ao nascer (Castiel, 1995). Para Green (1995), a questio ética chave é {quem faré as escolhas subjetivas que determi- nam o QALY? Seriam os profissionais de saii- de, o publico em geral ou os pacientes que vie venciam as condigées analisadas, uma vez que sto tds LOgicas diferentes em jogo? Por esse motivo, Schlenk et al. (1998) demonstram que € preciso coletar opinives diversas a0 compa- rar portadores de doengas crOnicas com pes soas saudaveis, Oleske (1995) comenta que um os problemas, dentro da perspectiva epide- miolégica, € que as medidas nao contemplam qualquer pressuposto sobre a intensidade ou duracio dos sintomas ou acerca da existéncia, de patologias associadas. ‘Outros autores, como Moatti (1996), ad- vertem para os perigos do utilitariemo, que apresenta pelo menos dois problemas, Primei- 10, lei de rendimentos decrescentes do siste- ma de sauide, pois quanto mais se ampliam as indicagdes de tecnologias, maiores sio os cus tos por unidade de resultado, Outro perigo se- ria. a tentagso, para a sade piblica, de querer bierarquizar os custos por QALY. ‘Uma variante do QALY apareceu em 1994, quando a OMS publicow uma série de trabs thos, cujo objetiva era a medida da carga glo- bal de doengas (global burden disease, GBD) em diversas regides do mundo, como deseri- tora do estado de sade das populagies. Espe- rava-se que o novo indicador fosse eapaz de superar as insuficiéncias do QALY, na medida ue: a) incorpora condigées nao fatais na apre- ciagio do starus da sande; b) desliga epidemio- logia de advecacia, visando a produzir avalia- a0 objetiva e demograficamente plausivel da carga de doengas ¢ outras condicdes particula- res ec) mede a carga de doenga e incapacida- de em termos de custo por unidade de caso evitado, valorizando 0 custo-efetividade das intervengoee, (0 QALY posteriormente foi substituido por DALY (disability-adjusted life-years), ex portugués, anos de vida corrigidos pela inca- pacidade (AVC). A mudanca fundamental en- tre um e outro é que o DALY, em lugar de bus- car o valor subjetivo atribuido pelos indivi dduos a cada um dos estadas de sade, é cons- ‘rutdo a partir da mortalidade estimada para cada doenga e seu efeito incapacitante, ajus- tada pela idade das vitimas; e uma taxa de atualizagao, para calcular o valor de uma per~ da futura, O conceito de incapacidade foi defi- ido com a arbitragem exclusiva de especia- listas internacionais, segundo eles, buscando © méximo de objetividade (Brunet-Jailly, 1997). Para calcular o DALY total de uma de- terminada condigio (acidentes de trinsito em uma auto-cstrada, por exemplo), soma-se 0 aimero de anos perdidos em dbitos prematu- 08 por essa causa co total de anos vivides com incapacidades de conhecida severidade e du- ago, pelos sobreviventes de tais acidentes. Um dbite prematuro é definido como aquele que ocorre antes da idade que se esperaria so- Dreviver ao se padronizar a expectativa de vi- a pela mais longs do mundo, no caso a do Ja pio, hoje em 82,5 anos para a mulher ¢ 80 anos para o homem. Para se calcular o mimero de anos vividos com wma condisao incapacitante, parte-se da incidéncia, a idade média de infcio da doen- ¢a.a média de duracio da incapacidade (me- ses ou anos) € a severidade dos casos com ou sem tratamento, O cileulo de severidade se ba- seia em um conjunto de indicadores de 22 con- ddigoes classificadas em 7 niveis, ponderadas de 0 (zero) a 1 (um). ‘Apesar das dificuldades de se ponderar os referidos valores, os autores relatam uma gran- e concordncia intercultural de profissionais de varios paises do mundo, na arbitragem ou nas negociagdes para consenso de gras de se- veridade e outras implicagses das excolhas de quantidade e qualidade de vida. Essa: opgies afrontam 0 que seria moralmente aceitavel, porém sio praticadas implicitamente nos sis- temas de atengao a sade em todo mundo. O DALY foi utilizado no Relatorio Anual do Ban- co Mundial de 1993, comparando a carga de doengas nas diversas regides do mundo € 0 custo-efetividade de uma variedade de inte ‘vengdes que lidam com esses problemas (Hin- man, 1997). 0 propdsito éredirecionar os re- cursos das intervenges ditas de maior custo por DALY ganho, de modo a gerantir um ps: cote minimo que reduza a carga das doencas, sem aumentar 0 recursos da sade. Para Das- bach & Teutsch (1996), embora o Banco Mun- dial vena usando o DALY para comparar con- digobes de saide flta-Ihe o rigor de outras me- didas de preferéncia, uma vex que esse indica dor utiliza apenas as preferéncias de um gra- po de especialistas, indicador healthy life-year (Heal¥), que combina anos de vida perdidos pela morbida- de com os que sao atribuidos a mortalidade prematura e pode ser aplicado a individuos e 8 populagaes, foi comparado com o DALY por Hyder et al. (1998), demonstrando ser mais compreensivel, mais simples e flexivel, Esses atributos, que facilitam sua utilizagSo para to- mada de decisio, Ihes pareceram suficientes para que o recomendassem como medida da carga de doenca ou identificar grupos mais vulneraveis, ao se avaliazem o custo ¢ os be- neficios dos programas de interven¢ao, Potencial das medidas de qualidade de vida ea busca da promogao da sadde: orientando 0 debate Como se pode concluis,o tema qualidade de vida € tratado sob os mais diferentes olhares, scja da cidncia, através de varias disciplinas, seja do tenso comum, seja do ponto de vista objetivo ou subjetivo, seja em abordagens in- dividuais ou coletivas, No ambito da sade, quando visto no sentido ampliado, ele se apaia 1a compreensio das necessidades humanas fundamentais, materiais e espiritusis e tem no conceito de promogdo da sauide seu foco mais relevante. Quando vista de forma mais foca- lizada, qualidade de vida em saiide coloca sua centtalidade na capacidade de viver sem doen- cas ou de superar as dificuldades dos estados ou condigdes de morbidade. Isso porque, em geral, os profissionais atuam no imbito em que podem influenciar diretamente isto 6, ai Viando a dor, o mal-ester e as doengas, inte vindo sobre 08 agravos que podem gerar de- pendéncias e desconfortos, seja para evité-los, seja minorando conseqiéncias dos mesmos ou das intervengoes realizadas para diagnos- ticé-los ou taté-los ‘Assim, ainda que reconhesa que podero- s0s determinantes estejam frequentemente si- tuados fora do setor e bastante ligados ao que se consideraria, no senso comum, como com- ponentes da qualidade de vida, o sistema de sade nio intervém sobre eles; sente-se impo- tente ou simplesmente passa a0 largo de tais relagdes, Na maioria das vezes, adota uma po- sigdo exclusivamente ret6riea quanto aos cha- mados determinantes extra-setoriais que si0, fem grande parte, os mais relevantes compo- pentes da qualidade de vida e também de uma vida saudavel, Até mesmo o papel de media- 640 intersetorial «entre a populagao sob ris co ou em situaggo de valnerabilidade e o po- der piblico ~ bastante preconizado como es- tratégia para a promocio da satide - tem sido pouco acionado pelo setor, na maior parte dos paises do mundo. Por outro lado, é preciso assinalar também aque, embora se saiba que o estado de satide de individuos ¢ coletividades, assim como o siste- ma de saiide, influenciam e sao influenciados pelo ambiente global, ha que se reconhecer que nem todos os aspects da vida humana so, necessariamente, uma questio médica ou sanitia. A ago governamental ou comuni- ‘iia sobre os mesmos esté compartimentali- zada em setores econdmicos e sociais¢ distri- buida entre diferentes grupos de interesse ¢ organizagaes. Desse mado, pode-se dizer que a questao da qualidade de vida diz respeito a0 ppadrio que a prépria sociedade define se mo- biliza para conquistar, consciente ow incons- cientemente, ¢ a0 conjunto das politicas ps blicas e sociais que induzem e norteiam o de- senvolvimento humano, as mudangas positi- vas no modo, nas condigdes ¢ estilos de vida, cabendo parcela significativa da formulagto ¢ das responsabilidades a0 denominado setor satde. Dentro da perspectiva médica, autores co ‘mo Bausell (1998) julgam que, dada a grande abundancia das atuais medidas de qualidade de vida, essas deveriam ser consideradas 0 ponto de partida para as politicas de atencio. Dechamp-Le Rowx (1997) considera que a ava Hiagao de qualidade de vida dé alma a tecno- logizagio excessiva do setor. Porém, na medi- dda que ndo leva em conta fatores socias e eco- némicos, seu aleance passa a ser muito restri- to, reproduzindo a ligica apenas biomédica, Dentro do mesmo pensamento, Castiel (1995) comenta que um julgamento apenas econd- ico como o que domina o debate da quali- dade de vida em satide no pode ser ético. Tampouco seria ético desconsiderar 0 econd- rico no processo das escolhas, sobretudo em saiide, onde a tendéncia dos custos é sempre Nos dltimos dez anos, a utilizagio dos QALY vem sendo intensamente discutida, por- ue 0 problema dos custos tem que ser encara- do, jA que representam sacrificios impostos a outros que ndo poderio ser tratados. Por ou- tio lado, o8 que julgam ser imoral arbitrar 0 valor da vida de outros e preferem deixé-la ao azar da oferta de servigos assumem a pragms- ica ideia de que o primeiro a cheger é 0 pri- meiro a ser servido. Maynard & Bloom (1998) reiteram 0 con- senso entre especialistas de que a escassez, em sua ubiqdildade, implica sempre a escolha de que qualquer prestagio de servico envolve a decisio de nio oferecer um outro. Reconside- rando o problema das escolhas individuais de utilidade coletiva, duas hipstetes se colocam: a) todos 0s individuos do grupo social tem as smesmas preferéncias e assim se tenta determi- nara utilidade atzibuida a cada estado de sad de eb) as preferéncias diferem e a agregacao escolhida deve ser claramente justificada, ad- mitindo-se que alguns impoem suas preferén- cias como ditadores invisives. Partindo das idéias anteriores e corrobo- rando a afirmativa de Rameix (1997), de que a medida da qualidade de vida no universo da snide ¢irreversivel, torna-se fundamental uma precaugio para que sua utilidade, a0 defini prioridades no racionamento de recursos, nfo seja confundida com a mdguina de triturar oposicdes, com que Cevaseo (1999) rotula uma das caracteristicaseficazes do neoliberalisme, Por outzo lado, torna-se necessitio investir muito ainda no aprofundamento do conceito © da mediagao de promogdo da satide para que signifique mais do que uma idéia de senso co- ‘mum, programa ideol6gico, imagem-objetivo «© possa nortearo sentido verdadeiramente po- sitivo de qualidade de vida. Referéncias bibliograficas ‘Auguir B Simeoni MC & Mendizabal 11997, Appeo ches théoriquet et méthodologiquet dela quait vie ice an sane, Reve Prevent 3877-86 ‘Auray F-P & Duew G 1995, Qualité de Vie pp. 88-128 Tn Moto (org). Santee Muidiipinarie Cho et Diéinons, Hermes, Pats, co Mundial 1993, Relatio sobre o desenvolvimento ‘mundial, 1993, Invetindo em Sade. Indiadores de desenvolvimento Mundial. Brada, 347 pp a RB et a 1997. Condes de vida estugao des. ‘ide. Sade Movimento, 4. Abrasco, Rio de Janeiro, Bausell RB 1958 Qualty-of life assessment in ovt ‘omnes reeatch, Evaluation & The Health Profesions 21}139-140 Bley D&e NermazraLicht N 1997, La mubvipicic usage (du thirme de qualite de ve, Revue Pevenir 33:7 13 Bowling A 1994. La Medida del salu: Revision de las real de Medida de a Calidad de Vda. Masson, Bucelons Briggs A 1995. Hanlnguncertuinty inthe eu ofc: onic vation. Ofc of Heals Economics (OHE) Briefing 32:12. cilh T, Granda E, Campana A, Yéper J. Plex Ry & {Cosales P1990, Deterioro dela Vi: Ue fstramers 10 para Aside Provides Regionals en fo S00 ‘ly la Stud. Corporation Editors Nacional, Quite Brunet Jilly] 1997 L evaluation économiqse ds pro ‘grammes de santé et-eleetique! Rupture 41} on Buss PM et 1996. Promote da Sade e Sade pia [ENSP/Fiocrs, Rio de aneio.178pp. (Mineo) Cardoso AL 1994, Indiendors soca politica publi ‘cat algunas nota eritiens Proporta 7742-53 CCarére MO, Dura G, FerversB & Spath HM 1997 Di ton collective, valuation économique et qualité de vie dan Ie ect den sant: entee prvi othe tie. Revue Preven 32.121-192 Castellanos PL. 1997 Fpidemiologia, de plist ‘aslo de sate econdigacs de vide: consderagaece ‘oneeituai, pp. 31-76. In RB Barat (or,). Com Aiges de Vida eSituagio de Sade Sade Movin, 1 Abeatco, Rio de aneizo Ccasiel LD 1995. Equitd et Santé, Bations ENSE, Rio de Saito ‘Cevaseo ME 1989, Miquina de moeroposioes,Vredas 3737-29, DavbachH & Tetich SM 1996, Contatity analyst, pp. 4-12. In AC Hadix, SM Teutsch, PA Shafer & DO. Dunet (orgs). Prevention fectivenesra Guide Decision Analyst and Economic Evaluation, Oxford Univerty Pres, Oxford Dechmp-Le Row. 1997. Impact des technologies medi ‘ales surla qualité de vie. Revue Preven 33:105. mn Dines A 1998. Balzac co desenvolvimento fornal do Bra ‘al Primero Caderno, 22 de mai, pI Durand D. Bey D & Vernazza-Licht N 1997. Editorial. Revue Prevenr 333-6 Engels F1975.A Siuajto da Clase Takahadora na I~ Flues Ed, Aontamento, Port. ola de. Pao 199, Qualidade de vida em Sio Plo. Iie Fotha Especial, 5 de setembeo, pp. to Gianchello AL 1996, Health outcomes reteach in Hi ‘panicesLaings. Journal of Medical Sytem 21(3} 235-254, Gold MR et 31996. Kdentitying and valuing outcomes, ‘pp. 42-128, In AC Haddin SM Testech, PA Shafer DO Dunet (orgs). Prevention Effectiveness: a ‘Guide o Desi Anayris and Economic Evaluation Oxford University res, Oxford 1d MR, Teutseh SM, MeCoy KI & Haddix AC 1997 Assessing outcomes in population health: moving fn the eld forward American ural of Preventive Medicine 355. Green M1995. Measuring quality off, pp.208-124.1n ‘M.Green (org). The ecnonicr of helh care Office of Health Economics (OHE). Cunbridgeshive In ainerrs Hartz 2MA & Pout G 1998, Avalagto dot progr tats de sade a fcitnea em quero, Cbacia & Satde Coletina~ Revista da Abrasco 3164-42 Hinnnam AB 1997- Quantitative policy analysis nd pub lic health poliey a macro and muro view Aer a Journal of Preventive Medicine 13(1) 61 Hubert A 1997. Del difficult de défnir une defi tion, Revue Preven 3:15 Hyder AA, Rotlant & Morrow RM 1998, Measuring ‘theburden of disease: healthy life-years. american Journal of Public Health 88(2}:195.208. Instata de Psgia Economic Aplicada, net B tileite de GeografiaeEatatistica, Funda Joo Pi heir, Programa ds Nagdes Unidas para o Deven volvimente Indice de Desenvolvimento Humane 1998, Indice de Desenvolvimento Hamano (DH) « Indice de Quatidae de Vida, EA, Basia, 49 pp. Lalonde M 1978. A New Perspective on the Health of ‘Canadians: a Work Pape, 1974 Otawa. 76 pp. Lebrun TH & Silly C 1996, Qualité devie et économie dela santé, Journal d Economie Medicale no, hors sie, outubro, 36 pp. Léplege A Marcinack A 1997, Qualité de vie de ou sant subjective: probleme conceptuls. Revue Peve- ir 3369-75. ima e Costa ME & Sousa RP 1994. Qualidade de Vid ‘Compromiso Hutrce da Epidemislogta Coopmed’ Abrasco, Belo Horizonte. Martin Al & Stoller M1998. Quality of fe wsessment in health eae research and practee Balaton & Health Professions 21(2}:141-185 Mator 0 1998 As formas modernas do rao, Folks de S-Paulo,Primeizo Caderno,27 de setembso, p. 3. Maynard A & Bloom K 1998. Our certaining fate: re ‘ioning in healthcare, Office of Health Economics, (OHE), Londres. [Mckeonn T1942, £1 Papel dea Medicine: Suto, Expr ‘moo Nemesis? Siglo Veisiuno Bd, México, Most J? 1996, Pronts de cant publique les dangers ‘dune decive tltaiste, Actalit et Dowiren San ePubligue 1734-40, Morris |, Pez D & Menoe B 1998. The use of quality ‘of life data in cinieal practice, Quality of Life Re fearch7.45-91 Ministerio ds Satde 1996. Promogae da Sade: Cartes “de Otaws, Adelaide, Sundrullee Santa Pe de Bogts MS/IEC, Brass, 48 pp. eee et etna Hes HEED NitezN 199, Pefilet de moralidadsegin condiciones de vida en Venezuela, pp.199-217. In MBI. Lima (Costa & RP de Sousa (orgs.) Qualidade de Vida Compromiti Hitrce da Bpidenialgia. Coopred Abratco, Belo Horizonte Oleske DM 1995, Measurement iver inthe ut of epi ddemiologie data pp. 21-32. In Epidemiology andthe Delivery of Health Cave Services, Pers un Press, Nova YorksLondres aim JS 1997. Abordagens teérco-coneetussem est dor de condigaes de vids e sade: nota pars rele op. 7-32 la BE Bazaa (org) Contes de Vida ‘ Situaeio de Saude Satde Moviments, Abate, Rio de ancivo Patrick DL. rickson P1993, Health Policy Quaiy of Tife-Heaith Care Evaluation and Resource Alloca tion, Onford Univesity rest, Nova York Programa das Najoes Unidas para o Desenvolvimento 1998, Informe sobre o desenvalvimente humane. PNUD, Brass, 280 9p Rameix $1997. Jstifiatons et difficultéséthiqus du ‘concept de qualité de vie Revue Preveir 389-103 Rosen G 1940, Da Policia Medica d Medicina Soil Edi tora Graal, Rio de Janet Rufino Netto A 1994. Qualidade de vida: compromisso ‘istérice da epidemiologia,pp-11-18, la MEL Lima fe Costa &eRP Sousa (orgs). Qualidade de Vida Compromise Hitrice da Epdenisloa. Coopmed ‘brat, Belo Horizonte Schilock RI 1995, Outcome-Haved Research, Pleem im Press, Londres Schlenk EA ea. 1998, Health elated quality of life in chronic disorders comparison across studies using the MS SF-86. Quality of Life Research 7:57-8, Sieguel PZ, Moriarty DG & Zack MM 1996, A new tool for meaturing and monitoring quality of ie the United States, Journal d Economie Medicale, No, hors série (octobre 83 pp, Sigeret H 1946, The social sciences in the medical school, pp. 35-72.In Sigeris.H. (org). The Ua verity a the Crosroad. Henty Sehumann Publish 5 Nova York. |WHOQOE Group 1995. The World Health Orgsnizs tion Quality of Life Asessment (WHOQOL): po- ‘tion paper fiom the World Health Organization, Social Science and Medicine 41(10)1403-1 48, ‘Wier PL 1997 La qualité de vie. Revue Preveir 3:61- e

Você também pode gostar