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CLIL, UMA FORÇA INTEGRADORA PARA FOMENTAR A APRENDIZAGEM DE INGLÊS

Em entrevista ao Porvir, David Marsh, especialista em programas bilíngues discute o que é necessário
mudar para que o ensino de idiomas ganhe relevância e maior interesse por parte dos estudantes.

Romper com o isolamento e a falta de contexto de aprendizagem tem sido um esforço de sistemas
educacionais em todos os cantos do mundo. Em inglês, assim como acontece em exatas com o movimento
STEM (sigla para ciências, tecnologia, engenharia e matemática), também existe uma abordagem que busca
superar regras gramaticais e conteúdos para abraçar projetos e desenvolver habilidades. Trata-se do CLIL
(“Content and Language Integrated Learning” ou “ensino integrado de idioma”).

Na entrevista que você lê abaixo, o professor, consultor e especialista em educação bilíngue David Marsh
explica as origens do termo e também como os programas de formação precisam ser adaptados para que
professores tenham autonomia e confiança de promover e sentir as mudanças, ainda que a partir de pequenos
grupos.

Nascido na Austrália, educado no Reino Unido e residente na Finlândia, seu trabalho estende-se por áreas
como formação de professores e de criação de capacidade técnica para implantação de programas bilíngues
pelo mundo. Também lidera um grupo internacional de pesquisadores que analisa o impacto do
multilinguismo na criatividade.

Marsh é coautor do artigo “A vantagem bilíngue – O impacto do aprendizado de idiomas na mente e no


cérebro”, que conta também com a participação do pesquisador brasileiro Carlos Trindade, diretor de
inovação da plataforma de ensino bilíngue Realvi. O documento mostra como aprender uma nova língua
proporciona múltiplos benefícios.

De uma perspectiva biológica, apoia o desenvolvimento do cérebro. Para educadores, um novo idioma pode
ser a chave para acessar as habilidades do século 21 em seus alunos e, quando se olha para o impacto além
da escola, ele o resultado também é positivo, pois impacta positivamente a economia, a coesão social, a
segurança e a inclusão.

Porvir – Em conteúdos recentes, escrevemos sobre ansiedade e medo da matemática, que para muitos
estudantes é uma história de fracasso. O inglês parece ter o mesmo efeito. Por quê?

David Marsh – Porque a maneira como ensinamos idiomas não é natural. Ela é baseada em uma pedagogia
desenvolvida há cerca de 400 anos na Europa para o ensino do latim. Ensinar inglês como língua é um
desenvolvimento bastante novo, mesmo na Europa. A maneira natural de aprender um idioma é com a
prática. O que chamamos de metodologia bilíngue eficaz é exatamente isso. Existem duas disciplinas no
currículo que estressam as pessoas no aprendizado. Um é a matemática e o outro são as línguas.

Porvir – Em comum, estaria a tentativa de encadear regras e fórmulas, certo?

Marsh – Os seres humanos não aprendem as regras rapidamente se não entendem o seu contexto. Portanto,
uma das razões pelas quais as crianças ficam frustradas e entediadas é porque ensinamos línguas de uma
maneira muito errada. E isso acontece em muitas escolas e em muitos sistemas. Existe uma questão
relacionada às emoções que agora já conseguimos entender. Uma pessoa pode carregar pelo resto da vida
sentimentos negativos sem perceber. Digamos que quando você tinha seis anos a classe riu porque você
disse algo engraçado em inglês. Ao chegar aos 16 anos, a memória daquele constrangimento de 1 segundo
permanece. Portanto, o que sabemos é que emocionalmente construímos o que chamamos de paredes ou
bloqueios e passamos a não acreditar que algum dia conseguiremos aprender, como as pessoas esperam. E o
que as pessoas esperam? Bem, se eu estou ensinando inglês para você em uma cidade no Brasil, a partir da
posição de um falante nativo, que diz o que está certo e errado e que o inglês pertence aos Estados Unidos. É
uma situação em que estamos presos a um tradicionalismo, enquanto os países que estão realmente
avançando na educação estão rompendo com isso. O Brasil, pelo menos no setor público, certamente está
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travado. E pode haver muitos, muitos professores no Brasil que sabem que é errado, mas eles não têm a
autonomia necessária para fazer mudanças.

Porvir – Mas antes de pensar sobre essa mudança sistêmica, acho que devemos repensar como formamos os
professores. Quais são os primeiros passos que devemos dar para seguir a abordagem CLIL?

Marsh – A primeira medida é formar grupos de professores que consigam executar projetos de pequena
escala, em português, inglês ou em ambos os idiomas. A melhor abordagem para formação de professores,
na verdade, não vem de dizer a eles o que fazer, mas de criar equipes e orientá-los. O CLIL não é sobre
linguagem, mas sobre a pedagogia, sobre a ciência do ensino. Há exemplos de sucesso no lançamento de
CLIL em escolas em um ambiente muito exigente. Na Espanha, por exemplo, existem 1,5 milhão de alunos
em escolas públicas bilíngues. É incrível.

E isso cresceu a partir de uma demanda vinda da base porque os professores de espanhol, de disciplinas e de
línguas diziam: ok, nós podemos fazer melhor do que isso. E passaram a trabalhar de forma sustentada e
estimulante com outros professores, um professor de línguas, um professor de geografia, um professor de
história. E assim os projetos de pequena escala têm sido um sucesso.

Porvir – Em algumas de suas entrevistas disponíveis no YouTube, você compara a aquisição de linguagem
no modo tradicional ao uso de telefones, tipo 1 para 1, uma pessoa escuta enquanto a outra fala. Mas qual é
o papel do professor neste novo ambiente proposto pelo CLIL? Precisamos de um super professor?

Marsh – Uma forma de capacitar os professores é proporcionar-lhes liberdade e motivação. É tentar fazer
um projeto em inglês, que leva a certa competência a partir de um conhecimento que ainda não é bem
definido e precisa ser testado. Estamos trabalhando em um chamado “Cyber smart” (Inteligência digital),
que discute como tornar os jovens mais inteligentes para lidar com o mundo cibernético.

Organizamos a pedagogia a partir dessa experiência de aprendizagem em inglês, com a certeza de que o
professor pode ficar na retaguarda. Porque se você olhar para a estrutura dos jogos eletrônicos, verá que
mesmo quem fala português conseguirá jogar ao seguir os símbolos de maneira intuitiva. Esse é o tipo de
experiência de aprendizado que precisamos oferecer em aulas de inglês.

Ao fazer isso, você quebra as barreiras negativas que estão prendendo seu aprendizado. Implantar o ensino
integrado de idioma no setor público é uma questão de montar projetos que não precisam ser
financeiramente onerosos, mas que precisam de uma certa coragem na orientação e também, a disposição
das autoridades em não ter o controle total, porque é preciso confiar nos professores para permitir que eles
inovem.

Porvir – Como as aulas que tem como foco a aprendizagem de forma integrada podem se beneficiar dos
interesses dos alunos?

Marsh – A primeira coisa a fazer é ouvir o que as crianças têm interesse. Isso pode ser algo mensal,
semestral ou pensando em todo o ano letivo. Então você tem que ouvir as crianças agora. Nós fizemos isso
ao longo do ano passado com a rede pública do México, com grupos de baixo nível socioeconômico, em
ambientes muito vulneráveis. Em que você está interessado? Em felicidade? Meio ambiente? O fato é que
pegamos 12 áreas de interesse e decidimos dar a oportunidade para os jovens aprenderem sobre felicidade
por meio do inglês. Não foi uma interação forçada.

Porvir – Gostaria de saber alguns destaques do seu artigo mais recente sobre sua ciência, que acabou de ser
mencionada como parte deste projeto e . O outro. E como ele referenda esse tipo de abordagem?

Marsh – Trata-se de uma justificativa aprofundada sobre a necessidade de mudar o jeito com que ensinamos.
A outra coisa é que quando você começa a pensar em outro idioma, você desenvolve pensamento crítico.
Você não é mais um saco de batatas sentado em uma cadeira. Você passa a ter engajamento. Na maioria das
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salas de aula, as crianças parecem sacos de batatas passionais. Se você está estudando algo como montanhas,
vulcões em outra língua, está desencadeando esse tipo de competência, que segundo a OCDE (Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), é essencial para que crianças e jovens consigam
perceber a diferença entre informação e desinformação.

Em países como Itália e Espanha, o ensino de uma segunda língua usando CLIL, que não precisa ser o
inglês, tem sido feito apostando-se fortemente no desenvolvimento de competências. No Brasil, se eu
tivesse a oportunidade de aconselhar sobre como começar, mesmo que pareça não haver muito dinheiro a ser
investido, diria para haver o mesmo foco.

Uma última coisa, o CLIL é só um tipo de integração que está acontecendo dentro dos currículos modernos.
O STEM (sigla para ciências, tecnologia, engenharias e matemática) é outro exemplo. Ou seja, integração é
a palavra do momento.

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