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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Faculdade de Psicologia - Clínica Psicanalítica

Professor – Moisés de Andrade

Aluno – Guilherme Brito

Resenha crítica sobre o texto ‘o sentido dos sintomas’

Contribuições da psicologia social sobre a constituição da identidade, papéis


sociais e normas de relação.

No texto ‘o sentido dos sintomas’, objeto de estudo dessa resenha, o autor S. Freud
buscou esclarecer a relação que existe nos casos de neurose obsessiva entre a experiência
de vida dos pacientes e os conteúdos expressos dos sintomas, individualmente
considerados, abordando aspectos teóricos relacionados aos exemplos de casos.

Começando por uma caracterização da neurose obsessiva, compreendo que ela se


apresenta como um assunto particular do paciente, criando sintomas na esfera mental, o
paciente é invadido de pensamentos que não está interessado, impulsos internos que lhe
são estranhos, sendo os pensamentos obsessivos ponto de partida de intensa atividade
mental que atormenta o paciente, contra sua vontade, lhe é totalmente impossível omitir. As
contradições que tecem a vida psíquica aparecem de maneira nítida nessas condições. Os
pensamentos são percebidos pelos pacientes com aspectos de imaturidade e falta de
sentido, possuindo conteúdos de categorias assustadoras, de modo que os considera
alheios a si e ‘foge com horror’. Para se resguardar de executá-los recorre a proibições,
renúncias e restrições de liberdade. Importante observar, primeiramente, o aspecto de
conflito entre as representações de norma e desvio, processo de aquisição simbólica que
acontece graças a interação social, e nos constitui sujeitos de relação com o mundo, e está
intimamente ligada ao grupo e contexto histórico. Pretendo ao final do texto trabalhar alguns
conceitos da psicologia social que dizem sobre nosso processo de constituição junto ao
grupo, a partir de Silvia Lane, após ser demonstrado a relação entre o conteúdo dos
sintomas e a história de vida de que é acometido.
Voltando as características gerais desses sintomas, Freud nos diz que esses
impulsos nunca forçam seu caminho para a realização, mas que o resultado obtido é vitória
à fuga e as precauções, levantando questionamentos sobre qual seria a finalidade dessa
energia. Uma das principais características das neuroses obsessivas é que o sintoma pode
ser deslocado para algo que está muito distante de sua conformação original. Aquilo que o
paciente realmente efetua em função dos pensamentos, os denominados atos obsessivos,
geralmente são coisas bem inofensivas ao olhar cotidiano, porém, essas atividades se
tornam extremamente cansativas para os pacientes e quase sem possibilidades de
resolução, apresentando aspectos de indecisão, perda de energia e restrição da liberdade.

Sobre os rituais, compreende-se a existência de rituais considerados ‘normais’, não


patológicos, os quais as pessoas organizam e orientam seus dias e afazeres, e no caso de
circunstâncias externas exigirem mudanças não há problema em ceder. Já o ritual
patológico, tem o caráter de ser inflexível, mesmo à custa de sacrifícios, se apresentando
uma fundamentação racional em primeira observação, mas se examinado com mais
precisão pode-se ver que o ritual se constitui de certas especificações que vão além da
base racional, podendo contradizer esta lógica, mas ainda com sentido. Nos rituais dessa
categoria a dificuldade se faz presente na realização das práticas, com apreensão
constante, observando se as coisas estão sendo feitas corretamente, verificando, repetindo
e sendo assaltado por dúvidas.

Contextualizando o período, Freud relata que a psiquiatria pouco se atentou para a


forma individual que cada paciente externalizava o sintoma, observando somente os
aspectos gerais, dando nome às diferentes obsessões, inventou a maneira de falar em
Dégénérés supérieurs, que se refere a pessoas com as capacidades cognitivas
consideradas normais, mas com padrões morais degenerados, dado o conteúdo que
emergia, repulsivo até mesmo para os pacientes. No entanto considero junto de Freud que
isso é um julgamento de valores e não uma explicação. E diante esse contexto ele propõe
uma incrível reflexão sobre essa condenação e generalização, questionando se são eles
mais degenerados que os outros neuróticos, e a ocorrência desses sintomas em pessoas
‘renomadas’. Afirma que, pela própria discrição e falsificações pelos biógrafos, pouco
sabemos dos aspectos íntimos dos grandes homens que são nossos modelos. E para além
da condenação e na busca pela explicação Freud desenvolve posteriormente o
conhecimento da psicanálise diante o fenômeno e a constatação de que é possível atenuar
e eliminar esses estranhos sintomas obsessivos.

O aspecto fundamental da diferença entre a abordagem psiquiátrica e psicanalítica está em


que, a segunda valoriza precisamente a forma individual de manifestação dos sintomas,
estabelecendo que os sintomas tem um sentido e se relacionam com as experiências do
paciente que o produz, assim como os sonhos e as parapraxias. Freud cita a contribuição,
que antecedeu sua ideia, vinda do psiquiatra Lauret, dizendo que mesmo nas ideias
delirantes do insano se poderia encontrar um sentido, bastaria que compreendêssemos a
maneira de traduzi-los. Os esforços de Freud são para compreender alguns desses
sintomas e conseguir interpretá-los, ressaltando que estão apenas no início do
desenvolvimento dessa prática que permite compreender a significação dos sintomas,
considerando todas as dificuldades práticas que existem.

Considera-se então os aspectos típicos do sintoma (características gerais, manifestações


comuns e pouco diferenciadas entre as pessoas) e os traços individuais na forma de
expressão. A partir da abordagem psicanalítica, considera-se que quanto mais individual for
a forma dos sintomas, maior a possibilidade de estabelecer está conexão com a experiência
de vida, e tornar possível aquilo que se denomina de interpretação histórica.

Diante a condução do caso e interpretação dos conteúdos, Freud adverte e ressalta a


postura não diretiva do psicanalista, uma vez que essa aparece como resposta de negação
por parte do paciente. Não devemos supor que vamos ajudar ao paciente direcionando
aspectos morais para ele adotar uma nova conduta, ele próprio gostaria de fazê-lo, porém
não consegue ajudar a si mesmo. Sobre os casos trabalhados por Freud, constata-se que a
interpretação dos sintomas e explicação dos atos obsessivos foram descobertas e
elaboradas pelas próprias pacientes, isenta da contribuição por parte do psicanalista.

No desenvolvimento do caso, ao apresentar determinadas alusões e interpretações


acontece a rejeição por parte do paciente, e quando perguntado o motivo, o sentido de suas
ações responde com ‘não sei’. Uma orientação interessante sobre a postura do psicanalista,
que remete à não diretividade, e à dinâmica do inconsciente, que tende a emergir, nos diz
que para compreender um tema, muitas vezes somos obrigados a abandona-lo em
determinado momento, na expectativa certa dele retornar em outros contextos. Freud relata
que, após um tempo as próprias pacientes se ocupavam com as possibilidades de relação
entre a função do ato obsessivo e cenas de sua vivência, tendo recordações, estabelecendo
conexões e associações entre elas, observando como essas narrativas e papeis surtiam
efeitos que se mostravam nos rituais obsessivos.

Nas interpretações das pacientes é possível observar a conexão feita entre os


comportamentos obsessivos atuais e a representação das cenas que foram associadas,
identificação de lugares e execução de papéis, permeados por conflitos e aspectos íntimos
da sexualidade. Freud nos diz que o ato obsessivo é a repetição de uma cena importante
(podendo ser acrescentadas novas narrativas além de só repetir), e o exame da relação
entre as duas cenas que nos dá informação sobre a intenção do ato obsessivo, o sentido do
fazer. As regras criadas no ritual obsessivo reproduzem os desejos do paciente, de forma
positiva – representando-os; e de forma negativa – criam defesa contra eles.

O ritual constitui-se de diversas fantasias, e seus modos remontam uma cena que tem
significado para o paciente, a análise visa revelar as fantasias que fundamentam essas
práticas. À medida que acontece a elaboração e associação dos comportamentos
obsessivos às narrativas que o produzem, percebe-se a diminuição na execução dos atos
obsessivos e até mesmo eliminação total do ritual.

Freud também ressalta a grande curiosidade revelada, sobre como o trabalho analítico de
um ato obsessivo inofensivo conduziu ao âmago da doença, de um comportamento
patológico, ligado à intimidade da vida da paciente. De acordo com as observações de
Freud, o sentido e a intenção dos sintomas neuróticos têm profunda conexão com as
experiências e a vida sexual de quem é acometido. Fornecendo uma explicação satisfatória
dos sintomas neuróticos individuais, considerando que é um caminho permeado por
dificuldades de ordem prática, ao intentarmos efetuar a interpretação histórica dos sintomas.

Para complementar a discussão, vou abordar sobre a inserção do indivíduo no grupo a


partir da psicologia social pela autora Silvia Lane. Essa teoria considera que o ser humano
ao nascer precisa de outras pessoas para sobrevivência, dada suas questões biológicas, e
sua vida se caracteriza pela participação em grupos que garantam sua sobrevivência.
Nessa interação com o outro, nós construímos o que é mundo e como explicar e se
relacionar com ele. A flexibilidade humana é tão impressionante que hoje sabemos de
casos de crianças que foram criadas por animais e adquiriram os comportamentos da
espécie que as criou.

Ao ser inserido em um grupo, o indivíduo também está inserido em um contexto sócio-


histórico, e a relação entre o cuidador e o indivíduo seguem modelos que cada sociedade
vem desenvolvendo ao longo do tempo, práticas que se tornam essenciais para a
manutenção daquele grupo, e se tornam normas os comportamentos historicamente
construídos. As normas regem o indivíduo na relação com o mundo, consigo mesmo, e o
outro, os papeis sociais são caracterizados por normas que determinam os modos de se
relacionar, gerando expectativas de comportamentos ideais e comportamentos desviantes,
na dinâmica social, os papéis se complementam.

A determinação social se exerce em diferentes níveis a depender do que se trata e


do grupo, e a noção de identidade social é definida pelo conjunto de papeis que
desempenhamos. A identidade social e os papeis exercem uma mediação entre o indivíduo
e o mundo, possibilitam e orientam interações, lembrando que são produtos de condições
sócio-históricas. A palavra se torna um poderoso instrumento de dominação quando alguma
‘autoridade’ social impõe um significado único e inquestionável, que determina uma ação
automática.

Considerando os aspectos históricos e sociais de constituição do sujeito e as informações


relatadas por Freud sobre a relação entre o sintoma neurótico e a história de vida dos
pacientes, entendo que a compreensão da vida psíquica, dos representantes realizam
intermédio entre o indivíduo e o mundo é de extrema importância para compreender seus
conflitos, estes que não se separam do contexto sócio histórico.

Referências bibliográficas
Freud S. - Conferências introdutórias à Psicanálise (parte III) - Volume XVI (1916-1917);
conferência XVII – O SENTIDO DOS SINTOMAS – Ebook
Lane S. - O que é psicologia social - 18° edição - editora brasiliense; SP 1991

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