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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
NITERÓI/RJ
2014
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Niterói/RJ
2014
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CDD 305.235
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AGRADECIMENTOS
Nesse momento conclusivo em que um trabalho de pelo menos quatro anos ganha
corpo de tese, nominar algumas pessoas e instituições que contribuíram para que me fosse
possível chegar até aqui é um dever e uma satisfação.
Eu sou grata ao Deus para quem tantas vezes rezei em silêncio, pedindo ajuda nos
momentos mais difíceis desse caminhar.
Tenho muito a agradecer a minha mãe, Maria de Nazaré, que esteve comigo,
apertando a tecla shift, sempre que uma etapa maiúscula desse processo de doutoramento
precisou ser escrita. Foi assim no pós-parto e primeiros três meses da Maria Elisa, que chegou
bem no meio do processo, e fez a abnegada avó superar mais de quatro mil quilômetros de
medo de voar. E às vésperas do esgotamento do prazo, foi ela quem mais uma vez deixou sua
casa para cuidar da minha e dos meus, para que eu pudesse ter a tranquilidade fundamental
para o momento conclusivo. E ao lado dessa grande mulher, um grande homem, meu pai
Ursulino Falcão, que mesmo de longe reuniu todos os meios possíveis para me ajudar, mas
principalmente pela energia emanada da coragem que ele teve de voltar aos bancos de escola,
para cursar a licenciatura em História com quase setenta anos, retomando um sonho que as
contingências do seu tempo de juventude lhe impediram de viver.
Ao meu esposo Micherlan, a quem também dedico essa tese, registro aqui minha
gratidão. Num gesto de entrega, ele adiou muitos projetos pessoais para me acompanhar na
necessária mudança para a cidade de Niterói, esforçando-se para acreditar que dias melhores
viriam e felizmente eles vieram. A sua companhia foi muito importante para que eu me
sentisse em casa e em me sentido assim, pude usufruir ao máximo esta oportunidade de
amadurecimento acadêmico e pessoal.
À Maria Elisa, minha filha, que dividiu comigo muitos momentos de estudo e
pesquisa. Na primeira fase de sua vida, ainda no ventre, os chutes na barriga me mantinham
desperta nas aulas e seminários e no decorrer da pesquisa, seu crescimento e desenvolvimento
me ajudaram a marcar o tempo, cuidando para que o cronograma da pesquisa não entrasse em
defasagem, mas que também houvesse tempo para a maternidade em todos os desafios e
felicidades que oferece.
Agradeço também ao querido professor Paulo Carrano, a quem coube me orientar no
desenvolvimento da pesquisa, na escrita da tese e em tantas outras etapas do doutoramento.
Obrigada por todas as indicações, correções, trocas, diálogos e por ter sido sempre tão
compreensivo, acessível e afetuoso, me passando assim segurança e tranquilidade.
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Aos meus irmãos Charles, Nara e Marcos que dividem comigo a sala de aula da vida,
ajudando a manter acesa a chama do querer saber e do saber dividir e aos meus cunhados
Gládison e Augusta, pelo o que representam para seus companheiros e por terem sido
essenciais para que viessem ao mundo os meus sobrinhos Natália, Henrique e Miguel, que
também enchem de graça o meu existir.
Os meus agradecimentos vão também para Dona Neide, minha sogra, que com seu
tempero caseiro tentou amenizar a agonia dos enjoos decorrentes dos primeiros meses de
gravidez, me ajudando a manter-me saudável para conclusão dos compromissos acadêmicos
daquele momento.
E sendo a pesquisa um trabalho que se faz no coletivo, agradeço ao grupo de pesquisa
Observatório Jovem do Rio de Janeiro, onde tantas vezes tive a oportunidade de dialogar e
aprender e, além disso, firmar laços que se estendem para além da academia. Destaco em
especial as trocas efetuadas com Nilza, Mariane, Juliano, Mônica Sacramento, André e
Cleidy, uma espécie de turma de orientandos da qual sou remanescente. E agradeço também
aos professores Ana Karina, Elionaldo Julião e Osmar Fávero, cuja experiência acumulada na
vida acadêmica foi gentilmente partilhada nas reuniões do grupo.
Não poderia deixar de agradecer aos jovens participantes da pesquisa, nomeadamente
aqueles que entregaram partes de suas vidas, traduzidas em relatos, para que a pesquisa
pudesse se concretizar. Daniele, Denise, Evandro, João Felipe, Lidiane, Kelly, Renato,
Robson, Sávio e Taís, obrigada por terem confiado e disponibilizado um pouco de seus
corridos tempos para me contar os sentidos do ser jovem estudante e trabalhador na
atualidade, a partir de seus lugares na sociedade local e global.
Há alguns amigos que também foram fundamentais para o desenvolvimento deste
trabalho. Começo por Elias Lacerda, aquele que me recebeu em Niterói, abrindo as portas de
sua casa para minha estada desde o processo seletivo; depois utilizou sua rede de relações e
emprestou sua reputação para me poupar dos aborrecedores trâmites imobiliários; além disso,
foi uma excelente companhia para mim e Micherlan nos momentos de lazer e sociabilidade. E
com o mesmo desprendimento e atenção, depois de ter desmontado a barraca em Niterói eu
encontro em Nilza o afetuoso acolhimento para as breves passagens pela cidade realizadas
desde o final de 2012. Obrigada querida amiga por ter me livrado da frieza dos hotéis e ter
dividido comigo aquele cafezinho quente que você apressadamente fazia pela manhã e pelas
taças de tinto que embalavam nosso sono no final da noite.
Da turma de Manaus, quero citar Margareth, que além de me presentear com sua
valiosa companhia em tantos momentos extra acadêmicos, disponibilizou-se a ler meu
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Como sei pouco, e sou pouco, faço o pouco que me cabe me dando inteiro.
Thiago de Melo
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RESUMO
FALCÃO, Nádia Maciel. É pesado, mas vou levando: jovens de Manaus entre a escola e o
trabalho. Tese (Doutorado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade Federal
Fluminense: Niterói, 2014. Orientador: Dr. Paulo Cesar Rodrigues Carrano.
Referencial teórico
O estudo buscou compreender o lugar que os processos de escolarização e inserção laboral
ocupam hoje na transição para a vida adulta, tomando como lastro empírico, as experiências
de um grupo de jovens de Manaus. Considerando a transição para a vida adulta enquanto
processo gradual e multidimensional de ampliação da autonomia e independência por parte
dos jovens, este estudo verifica em que medida a escolarização e a inserção no trabalho têm
possibilitado ou interditado a vivência da condição juvenil. A abordagem da transição
enquanto processo que se realiza por meio de contínuas tentativas dos jovens em combinar
autonomia e independência sustenta-se em Singly (2005). Para compreender as atuais
modalidades de transição, cuja característica central é a reversibilidade ou os movimentos de
idas e vindas por estágios outrora articulados em perspectiva linear, retomam-se as
contribuições de Pais (2003; 2005), Casal (1996; 2006), Camarano (2006), dentre outras. Os
conceitos de individualização (BECK, 2011), suportes (MARTUCCELI, 2007) e Patrimônio
Individual de Disposições (LAHIRE, 2005) contribuíram para entender a relação entre
aspectos estruturais e biográficos no dimensionado o ser jovem na atualidade. O processo
metodológico contemplou um trabalho empírico de caráter longitudinal, iniciado no ano de
2010 com a aplicação de questionário estruturado a estudantes do primeiro ano do ensino
médio de duas escolas públicas de Manaus. A partir disso, definiu-se um grupo de 10 jovens
para aplicação de entrevistas, orientadas para a coleta de relatos de vida (BERTAUX, 2005;
2009). Foram realizadas três etapas de entrevistas entre os anos de 2011 a 2013. A abordagem
longitudinal permitiu verificar variações em diferentes dimensões da vida dos jovens, que
tiveram importantes implicações nos processos de transição. Os resultados apontam que
escolarização e trabalho permanecem enquanto dimensões centrais da condição juvenil, sendo
reforçadas, tanto no plano normativo, quanto nas relações sociais, como lugares para jovens,
porém a desigualdade no acesso a essas esferas coloca os jovens em diferentes posições
quanto à possibilidade de nelas encontrar suportes à efetivação de processos de transição mais
seguros. Dependendo da escola e da ocupação a que se tem acesso, a própria condição juvenil
só é parcialmente considerada. Apesar da aparente homogeneidade entre os jovens da
pesquisa, depreendida da similar posição social que ocupam, nuances da ordem moral
doméstica, das redes de relações interpessoais e das escolas e ocupações a que têm acesso,
produzem especificidades nos modos como a escolarização e o trabalho aproximam ou
distanciam o jovem da vida adulta.
ABSTRACT
This study aims to understand the place where the processes of schooling and labor insertion
occupy today in the transition to adulthood, taking as empirical backing, the experiences of a
group of young people from Manaus. Considering the transition to adulthood as
multidimensional and gradual process of increasing autonomy and independence for young
people, this study evaluates the extent to which education and inclusion at work have allowed
or forbidden the experience of juvenile condition. The approach of the transition as a process
that takes place through ongoing attempts by young people to combine autonomy and
independence holds itself according to Singly (2005). To understand the current transition
rules, whose main characteristic is its reversible or the back and forth moves in linear
perspective articulated by former internships , resume the contributions of Pais (2003, 2005),
Casal (1996, 2006 ), Camarano (2006), among others . The concepts of individualization
(BECK, 2011), supports (MARTUCCELI, 2007) and Patromônio Individual de Disposições
(LAHIRE, 2005) helped to understand the relationship between structural and biographical
aspects in the dimensioned the young being today. The methodological process contemplated
a longitudinal character of empirical work, started in 2010 with a structured questionnaire to
students in the first year of high school in two public schools in Manaus. From this, we
defined a group of 10 young people applying for interviews, orientated to collecting life
stories (BERTAUX, 2005; 2009). Three rounds of interviews were conducted between the
years 2011-2013. The longitudinal approach allowed determination of differences in different
dimensions of life of young people who had important implications in the transition
processes. The results indicate that schooling and work remain as central dimensions of
juvenile condition, being strengthened, both at the normative level, as well as in social
relations, as places for young people, but unequal access to these spheres puts young people in
different positions in relation to the possibilities of finding in them support to the execution of
safer transition processes. Depending on the school and occupation to which they have access
to, the juvenile condition itself is only partially integrated. Despite the apparent homogeneity
among youth in the research, deduced from similar social position they occupy, peculiarities
of domestic moral order, the interpersonal relationships networks and the schools and
occupations they have access to, produce different modes of schooling and work to promote
the approximation or gap between youth and adulthood.
LISTA DE QUADROS
LISTA DE TABELAS
LISTA DE GRÁFICOS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................. 15
4.1 No portão da escola, trabalhadores do lado de fora: tensões da conciliação entre 133
trabalho e ensino médio.
4.2 Se eu pudesse escolher ou, da procura por trabalhos para jovens. 144
4.3 “Trabalho agora? Nem pensar!” Adiamento da entrada do jovem no mercado de 149
trabalho como estratégia familiar
4.4 Ser jovem, mas não tanto: como a escola e o trabalho aproximam e distanciam o 153
jovem da condição juvenil?
REFERÊNCIAS 165
APÊNDICES 171
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INTRODUÇÃO
Sabendo que a própria possibilidade de falar de uma juventude popular é parte das
transformações mais amplas pelas quais as sociedades modernas vêm passando, visto que, na
origem, a moderna noção de juventude só fazia sentido para as elites, importa interrogar quais
os principais desafios vividos por jovens das classes populares que chegam ao ensino médio
no Brasil de hoje? O que pensam sobre o trabalho e como se processam as inserções laborais
desses jovens? Que atores e/ou instituições têm conferido apoio à vivência da dupla condição
de estudante e de trabalhador experimentada por muitos jovens do ensino médio público? Em
que medida as experiências profissionais e a escolarização os aproximam ou afastam do
estatuto de adulto?
Sabendo da densidade do conceito de trabalho é preciso mencionar que neste estudo,
sua abordagem se constrói em referência ao exercício de uma atividade no âmbito do sistema
produtivo capitalista, que resulte em alguma forma de remuneração. Em outras palavras, o
trabalho que se expressa por meio das experiências de inserção ou reinserção dos jovens no
mercado de trabalho.
De modo mais amplo, são essas as questões que moveram esta pesquisa. No escopo de
suas possibilidades, o estudo busca ampliar a compreensão acerca dos efeitos que os
complexos processos de inserção dos jovens brasileiros no mundo do trabalho, especialmente
quando vividos concomitantemente à escolarização, possuem sobre a transição para a vida
adulta.
Sabe-se do desafio que representa tratar de uma juventude brasileira no singular, tal é
o grau de diversidade e desigualdade instalado entre as diferentes regiões do país, inclusive
quando se trata do acesso à educação escolar, da qualidade do ensino público e da atuação do
Estado na regulamentação do trabalho juvenil e no combate às formas mais degradantes de
inserção no mundo do trabalho. As questões iniciais e as conclusões as quais se chegou por
meio deste estudo, retratam uma realidade nacional, refratada e complementada pelas
peculiaridades da condição e da situação juvenil na cidade de Manaus, no Estado do
Amazonas.
Mais especificamente, a investigação procurou compreender de que modo as
experiências juvenis de escolarização e de trabalho têm afetado seus processos de transição
para a vida adulta. Importa-se por entender o lugar que o trabalho e o processo de
escolarização de nível médio ocupam na aquisição/ampliação de independência e autonomia
por parte dos jovens, elementos que, combinados, podem ser tomados como indicativos da
entrada na vida adulta, na linha do argumento de Singly (2005).
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Bernard Lahire faz esta distinção entre disposições para crer ou crenças e disposições para agir. Segundo o
autor, na sociedade atual, nem sempre estão disponíveis os meios (materiais ou disposicionais) para respeitar,
concretizar, atingir ou cumprir algumas crenças que são incorporadas pelos atores. “Os atores podem ter
interiorizado normas, valores, ideais..., sem ainda terem podido forjar hábitos de ação que lhes permitam atingir
o seu ideal.” (LAHIRE, 2005, p. 18).
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A plataforma de onde se projeta este estudo das relações entre trabalho, escolarização
juvenil e transição para a vida adulta, retoma também apontamentos de Martuccelli (2007a;
2007b) sobre a sociologia dos suportes. O quadro de dependências fundado no próprio interior
do processo de individualização referido por Beck é, para Martuccelli, o contexto que põe em
evidência que o indivíduo só existe na medida em que pode contar com um conjunto de
suportes exteriores.
Segundo Martuccelli, os suportes, enquanto realidade exterior mediada de diferentes
maneiras na experiência individual, contrariam o mito do indivíduo autossustentado. Os
suportes são um conjunto heterogêneo de elementos reais ou imaginários mobilizados pelo
indivíduo, com maior ou menor grau de explicitação, que lhe permitem sustentar-se como
indivíduo no quadro da modernidade. Nas palavras do autor, esse complexo de relações entre
indivíduo e sociedade se estabelece sob a seguinte configuração:
Não existe indivíduo moderno sem o processo inaugural pelo qual o ator se
libera das subordinações impostas pela ordem tradicional. Não há
modernidade sem a ruptura das antigas dependências e a aparição de uma
experiência entre-dois. Nesta experiência o indivíduo não existe senão na
medida em que consegue sustentar-se por um conjunto de suportes.
(MARTUCCELLI, 2007a, p. 77, tradução nossa).
Com base neste pano de fundo que retoma aportes da sociologia à escala do indivíduo,
o quadro de individualização observado nas formações sociais atuais e o papel dos suportes na
constituição do indivíduo, a transição para a vida adulta é abordada nesta pesquisa a partir de
sua dinâmica de constituição. Isso permite considerar não somente os aspectos objetivos que a
estruturam, mas também a pluralidade de combinações e significados que determinados
acontecimentos e orientações adquirem nas experiências particulares dos jovens. O estudo
entende a transição enquanto processo e busca compreender os elementos que lhe dão força,
mas do que definir novos calendários de entrada na vida adulta.
A construção de uma problemática de estudo da juventude que aponta para o processo
que supostamente decretaria seu fim (a transição para a vida adulta) não se apoia no
pressuposto de que tornar-se adulto seja uma preocupação estruturante da vida dos jovens, ao
contrário, as pesquisas sobre a relação dos jovens com o futuro têm sinalizado que na
atualidade estes tendem a refugiar-se em uma espécie de presente estendido ou futuro
próximo (LECCARDI, 2005; PAIS, 2005).
A transição, enquanto problema de pesquisa, certamente se constrói sobre fortes
referências a eventos empíricos, mas não necessariamente coincide com a forma com que se
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apresenta no cotidiano dos jovens. Na experiência social corrente nas sociedades ocidentais, a
transição não é tão evidente e nem tão claramente delimitada. A pesquisa empenha-se em não
reforçar uma noção de juventude estritamente definida por sua condição de transitoriedade,
nem de vida adulta como lugar de completa estabilidade.
As questões da investigação emergem no conjunto de uma abordagem da temática da
transição que reconhece juventude e vida adulta como construções negociadas nas relações
sociais, culturais e históricas. Essas construções são, portanto, portadoras de especificidades e,
na atual configuração social, as fronteiras entre essas duas fases da vida mostram-se cada vez
mais imprecisas. Desse modo, referenciais lineares que em outros contextos ajudavam a
compreender a transição para a vida adulta, dão sinais de insuficiência.
Dentre os referenciais que já não cobrem com precisão os atuais modos de transição,
destaca-se aquele que entende que a passagem da juventude para a vida adulta resulta do
cumprimento de uma sequência de eventos tais como: conclusão da escolaridade, a inserção
profissional, a saída da casa dos pais, o estabelecimento de vida conjugal e da
maternidade/paternidade.
De certo modo, este estudo interroga em que medida a dificuldade de compreensão da
transição para a vida adulta na atualidade decorre das imprecisões das noções de juventude e
vida adulta, e até que ponto essa dificuldade é reforçada pelas opções feitas no campo da
pesquisa, na medida em que a própria angulação do olhar de muitos pesquisadores nem
sempre permite identificar o processo em suas novas manifestações.
O filtro de análise do processo de transição é aqui deslocado dos marcadores
tradicionalmente associados à transição, para o grau de aproximação e combinação que os
jovens apresentam quanto às dimensões da autonomia e independência. A primeira sintetizada
como capacidade do indivíduo “outogar-se a si mesmo sua própria lei, de formar uma visão
de mundo” (SINGLY, 2005, p. 115, tradução nossa); a segunda, conferida pela posse dos
recursos que lhe permitam sustentar-se a si próprios e “não prestar contas a ninguém”
(SINGLY, 2005, p. 114, tradução nossa).
A proposta de investigação questiona, assim, a relação que se estabelece entre dois dos
acontecimentos classicamente associados à transição – a inserção laboral e a conclusão da
escolaridade secundária – e as dimensões da autonomia e da independência.
Na definição do objeto da pesquisa, foram consideradas algumas conclusões,
perguntas e ausências identificadas a partir de investigações anteriores sobre o tema. A
tentativa é apresentar novas faces do problema e explorar aspectos que ainda carecem de
explicação.
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2
A afirmação de que mais da metade da população juvenil brasileira faz parte da população economicamente
ativa – PEA, seja na condição de ocupada ou como desempregada é sustentada em pelo menos três importantes
pesquisas de abrangência nacional: 1) Pesquisa Perfil da Juventude Brasileira, desenvolvida pelo Instituto
Cidadania (2003); Censo demográfico IBGE 2010 e Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião dos Jovens
Brasileiros, desenvolvida pela Secretaria Nacional de Juventude (2013).
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sobretudo aquelas que ocorrem na família. O capítulo traz ainda a discussão sobre o lugar que
inserção profissional e a escolarização de nível médio ocupam nos processos de ampliação da
autonomia e independência dos jovens e analisa as contribuições das redes de relações
interpessoais na construção de itinerários profissionais.
O Capítulo IV faz a discussão sobre os modos de viver a transição para a vida adulta
considerando as dimensões da escola e do trabalho. Os dados empíricos, coletados no
processo de pesquisa, apontam algumas questões centrais ao debate da transição para a vida
adulta tais como: as tensões da conciliação entre vida escolar e inserção laboral, a
precariedade que acompanha muitas das inserções juvenis no trabalho, o adiamento da
inserção e o investimento prioritário da escolarização como estratégia familiar de mobilidade
social e as contradições que a escola e o trabalho apresentam quando, ao receber o jovem,
negam uma parte de sua condição juvenil.
As considerações finais apresentam as principais conclusões a que se chegou por meio
desse estudo e, além disso, indicam alguns pontos que se apresentaram como relevantes, mas
que não puderam ser explorados em profundidade nesta pesquisa, podendo tornar-se objeto de
novas reflexões e pesquisas.
Nos apêndices pode-se encontrar um breve perfil individual dos jovens participantes
das etapas de entrevistas, além dos instrumentos utilizados na pesquisa de campo
(questionário e roteiros de entrevistas) e outros documentos complementares que foram
produzidos a partir dos dados da pesquisa e que ajudam, em alguma medida, na compreensão
dos seus resultados.
25
3
Não há consenso sobre a data exata em que Weber proferiu as conferências Ciência como vocação e Política
como vocação, mais tarde publicadas em forma de livro. Sabe-se, contudo, que ocorreram por volta de 1917 e
1918, na Universidade de Munique, Alemanha.
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A educação, à parte da discussão sobre sua condição de ser ou não uma ciência4,
firmou-se como uma área de produção científica que acumula investigações sobre a prática
educativa, predominantemente nos aspectos ligados a sua forma escolar, mas também em
contextos não escolares.
No diálogo com a sociologia, um corpo teórico foi sendo produzido em torno de temas
tais como: processos de socialização nas sociedades modernas; produção e reprodução das
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Sobre este tema ver, dentre outros: BRANDÃO, Zaia (1992). A teoria como hipótese. Revista Teoria &
Educação, Porto Alegre, n. 5; ISAMBERT-JAMATI, Viviane (1992). Ciências da Educação: um plural
importante quando se trata de pesquisa. Revista Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 5; MAZZOTI, Tarso
Bonilha e OLIVEIRA, Renato José (2000). Ciências da Educação. Rio de Janeiro: DP&A.
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5
Esta situação é constatada na pesquisa “O Estado da Arte sobre juventude na pós-graduação brasileira:
Educação, Ciências Sociais e Serviço Social (1999-2006). Na análise do tema “Jovens e Trabalho”, Corrochano
e Nakano (2009) destacam que “muitos dos atores (sobretudo nas áreas de Educação e Serviço Social) que estão
buscando construir algumas saídas concretas para as mutações do trabalho, acabam por realizar estudos a partir
de suas próprias experiências.” (p. 47)
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realidade, quando estas mesmas (as noções e a experiência prática) deveriam ser encaradas
como parte da realidade a ser explicada.
Não obstante a captura de algumas pesquisas sobre juventude por essa tentação do
profetismo e da hiperempiria (BOURDIEU et al. 2007), no conjunto dos estudos, se observa
um esforço de reflexão em busca de definições ponderadas entre as contribuições do corpo
teórico mais amplo produzido pela área e as evidências da empiria. Não por acaso uma das
recorrências nas pesquisas mais recentes sobre jovens e juventude tem sido a demarcação dos
referentes que dão suporte aos conceitos e lhes garantem a validade.
Esse movimento de tensionamento entre formas/conceitos e conteúdos/experiências é
o próprio embate entre pré-conhecimento e conhecimento novo, do qual a pesquisa científica
não pode se furtar. Lefebvre (1975, p. 102) nos ajuda a compreender que a validade de uma
verdade produzida pela atividade científica não é dada, isoladamente, nem pela capacidade de
manter-se fiel a formas consagradas na tradição teórica, nem pela demissão total dessas
formas em nome da inovação.
Nesse encontro do pensamento do movimento com o movimento do pensamento, é
preciso aceitar, por um determinado tempo, algumas formas que o pensamento empresta à
realidade, mas também pressioná-las e transformá-las, conforme o exija o movimento dos
objetos que esse pensamento separa e enforma na abstração. “Se o real está em movimento,
então que nosso pensamento também se ponha em movimento e seja pensamento desse
movimento”. (LEFEBVRE, 1975, p. 174)
No tema da juventude, a provocação de Bourdieu (1983) – “a juventude é apenas uma
palavra”– convida a pensar a relatividade deste conceito e a interrogar os significados e
sentidos do ser jovem em diferentes tempos, culturas e sociedades. Os pesquisadores deste
tema no Brasil têm se perguntado com insistência até que ponto se pode falar de uma
juventude no singular. Sobre esse aspecto, é importante destacar o posicionamento de Sposito
(2009, p. 34),
Nesta pesquisa, a juventude é abordada a partir das relações dos jovens com os
processos de escolarização e inserção profissional, na perspectiva de averiguar se e até que
ponto estas relações têm atuado como elementos estruturantes da transição para a vida adulta.
A definição desse objeto só foi possível porque, antes de ser problema de pesquisa, o
dilema da conciliação entre escola, trabalho e perspectivas de futuro e entrada na vida adulta é
recorrente na vida de grande parte dos jovens brasileiros, mas, sobretudo, porque a produção
científica resultante do diálogo entre educação e sociologia possibilitou esse olhar de
interrogação e de estranhamento, transmutando-o de dilema individual em problema
sociológico.
O estudo das articulações entre escola e trabalho e, especificamente, entre ensino
médio e inserção profissional ocupa um lugar relevante entre os trabalhos da área da educação
e as abordagens seguem orientações teóricas e metodológicas diversas. Predominam, contudo,
as explicações desta relação a partir da análise da ação das estruturas sociais sobre os
sujeitos6.
Em linhas gerais, os resultados das pesquisas permitem concluir que as relações dos
jovens com as instâncias da escola e do trabalho são moduladas pelas estruturas sociais e por
suas pertenças de classe. Nesse nível de análise, é possível afirmar que o término da
escolaridade básica e o ingresso na vida profissional são etapas necessárias à entrada na vida
adulta, e que para as camadas mais pobres a preocupação com o trabalho se apresenta e se
objetiva muito mais cedo que nas classes médias e nas elites. O desafio que se coloca aos
pesquisadores da área é a realização de estudos que busquem compreender os modos como os
sujeitos reagem e imprimem singularidades às propostas e constrangimentos que emanam das
estruturas sociais, do campo político, das instituições e do próprio âmbito familiar.
É nessa segunda perspectiva que esta pesquisa está situada. Entendo que a objetivação
de sentidos, estratégias e experiências produzidos por um grupo de jovens que vivencia
eventos de inserção, reinserção ou procura de atividade profissional concomitante ao processo
de escolarização, pode revelar elementos importantes a serem considerados na explicação
desta relação entre juventude, escola, trabalho e vida adulta na atualidade.
6
Também neste aspecto as pesquisas reunidas sob o tema Jovens e Trabalho na investigação sobre o Estado da
Arte vem referendar que, no período analisado (1999-2006), predominam os trabalhos classificados no subtema
“Programas/projetos de qualificação e/ou apoio à inserção de adolescentes e jovens”, estes dedicados mais a
observar a ação institucional sobre os sujeitos que os sentidos e significados conferidos pelos jovens a essas
práticas. Ver Corrochano e Nakano (2009).
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O trabalho de pesquisa dos sociólogos da Universidade de Chicago nos anos 1920 e 1930 chamam a atenção
pela combinação de análises quantitativas e qualitativas e pela diversidade em termos de método, quando a
sociologia, ainda jovem ciência, defendia padrões rígidos de coleta e tratamento de dados. Howard Becker se
declara herdeiro desta Escola e resume assim a perspectiva de trabalho: “Nós éramos muito mais ecléticos em
relação a métodos do que as pessoas que conhecíamos e que estavam em outras instituições. Assim, achávamos
que era preciso fazer entrevistas, coletar dados estatísticos, ir atrás de dados históricos.” (BECKER, 1996, p.
186)
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especificidades em relação aos usos feitos no âmbito da literatura, do jornalismo, das ciências
históricas e da psicologia. Em Abrantes et al. (2010, p. 7) encontramos uma definição que
demarca com clareza essa especificidade.
examinar el contenido de uma parte de su experiencia vivida, entonces decimos que se trata
de um relato de vida. (BERTAUX, 2005, p. 36).
Para Abrantes et al. (2010, p. 8) os relatos são um produto científico do método
biográfico “cuja profundidade relativamente a certos aspectos, contextos ou etapas da vida
alimenta análises temáticas de cariz qualitativo, sobretudo mediante o cruzamento das
narrativas de um conjunto de indivíduos”.
Apoiados em Bertaux, nos utilizamos da metodologia de relatos de vida a partir de
uma perspectiva etnosociológica, na qual o objetivo central é compreender um objeto social
em profundidade e não especificamente a vida de uma ou de algumas pessoas em
profundidade. Os relatos de vida, embora contenham as marcas da experiência vivida, narrada
em um plano que se pode considerar mais individual, têm o propósito de fornecer informações
e descrições que ajudem a compreender o funcionamento e a dinâmica de um objeto social.
As experiências e práticas individuais são recolhidas mediante entrevistas biográficas
desenvolvidas com sujeitos considerados significativos para a construção do conhecimento
sociológico que se pretende. A pertinência do grupo selecionado para as entrevistas é
conferida menos pela quantidade de sujeitos envolvidos, que pela diversidade de posições que
ocupam com relação ao objeto, ainda que a própria seleção lhes confira sempre algum grau de
similitude (no nosso caso, jovens entre 15 e 29 anos, estudantes do ensino médio em escolas
públicas).
Nos múltiplos depoimentos individuais, buscam-se revelar estruturas e lógicas de ação
que permitam identificar recorrências relevantes para o conhecimento do fenômeno social
investigado. A esse respeito Pais (2005) argumenta que um caso estudado a partir de um
relato de vida, embora não represente o mundo, pode representar um mundo no qual muitos
outros acabam por se refletir e o autor esclarece ainda que, “em ambiências qualitativas, os
critérios de selecção são critérios de compreensão, de pertinência e não de representatividade
estatística”. (PAIS, 2005, p. 89).
Do ponto de vista do valor heurístico deste tipo de material (relatos) no processo de
pesquisa, os relatos de vida, assim como outras metodologias qualitativas que se utilizam do
discurso como fonte de dados, enfrentam, ainda hoje, a desconfiança daqueles que esperam
dos dados de pesquisa uma reconstituição fiel da realidade vivida.
Contra a rejeição sumária que alguns cientistas sociais fazem aos relatos enquanto
dados de pesquisa, alegando a falta de provas de que o sujeito esteja narrando os fatos tal qual
aconteceram, Bertaux (2005, p. 24, tradução nossa) lança o seguinte questionamento:
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Ninguém pode narrar seu percurso à exaustividade, por mais que este se
restrinja a sua dimensão profissional (ou a outra dimensão qualquer), não
somente porque o número de episódios e detalhes do seu desenrolar
transbordam as possibilidades da evocação ou da descrição, mas também
porque cada um destes detalhes pode ser evocado a partir de uma multidão
de pontos de vista.
O conteúdo das entrevistas é afetado não somente pela propriedade que tem o sujeito
de rememorar, selecionar e interpretar o vivido segundo critérios particulares, como também
pelo próprio contexto em que é solicitado a produzir esta narrativa.
Segundo Bourdieu (1997) a entrevista contém sempre uma dose de arbitrariedade, seja
porque tem sua lógica definida unilateralmente pelo pesquisador, seja pelas diferentes
posições que pesquisador e sujeito pesquisado ocupam no espaço social. Os efeitos dessa
inevitável violência simbólica podem ser reduzidos, de acordo com este teórico, por uma
relação de escuta ativa e metódica, que não seja nem a pura não-intervenção da entrevista não
dirigida, nem o dirigismo do questionário.
Muitos pesquisadores (BERTAUX, 2005; DEMAZIÈRE et. al., 2009; LALANDA,
1998; PAIS, 2005; dentre outros) destacam a importância dos primeiros contatos
estabelecidos com os sujeitos para redução dessas dissimetrias e desconfianças iniciais.
Bertaux (2005), nos fala da construção da identidade de investigador como a porta de entrada
para uma relação de confiança que resulte favorável à produção das narrativas, processo que
será negociado com cada sujeito desde os primeiros encontros. Para isso são fundamentais a
empatia do entrevistador e a clareza na explanação dos objetivos da pesquisa, mas também, o
estabelecimento de um filtro pactuado entre pesquisador e entrevistado, que servirá de guia no
desenrolar das entrevistas.
Este filtro é definido em estreita vinculação com o objeto da pesquisa e em nome da
manutenção da objetividade da relação entre sujeitos (entrevistador e entrevistado). O
37
estabelecimento desse filtro ou foco não impede que a narrativa se organize em torno de
elementos sincrônicos e diacrônicos. Ou seja, a propósito do melhor entendimento de
determinada posição do sujeito diante de uma situação específica, é possível que sejam
retomados aspectos relacionados a distintas fases da vida (infância, adolescência, juventude
etc.) ou a diferentes âmbitos de sua existência (família, grupos de amizades, relações
profissionais etc.).
Segundo Pais (2005) a compreensão da vida a partir do amontoado de eventos
descontínuos que a compõem e da consideração dos diversos sistemas de referência que a
estruturam, é o que marca a passagem das abordagens biográficas lineares, mais preocupadas
em captar as continuidades, para o âmbito de uma sociologia da “pós-linearidade”. No campo
de estudos da juventude, o autor acredita que as perspectivas não lineares são essencialmente
requeridas, dados os claros indícios de que a vida de muitos jovens não seguem trajetórias
lineares.
Nesta pesquisa o filtro que orienta a produção dos relatos de vida, é estabelecido sobre
a necessidade de compreender o modo como se processa a experiência da inserção, busca ou
preparação para o trabalho concomitantemente com o processo de escolarização e os
significados e implicações destes eventos no processo de transição para a vida adulta. Os
eventos narrados pelos sujeitos são organizados e analisados a partir das questões teóricas que
dão suporte à pesquisa, na busca de compreender os sentidos e significados destas
experiências sociais e suas contribuições para a compreensão de processos mais abrangentes.
O tratamento analítico dos relatos de vida produzidos pelos jovens e acessados nas
entrevistas, não é nem uma exaltação da empiria, conferida pela simples utilização literal das
categorias nativas para explicação da realidade investigada; nem uma exaltação da teoria,
dada pelo enquadramento sumário dos relatos juvenis em hipóteses teóricas previamente
estabelecidas. Os relatos de vida são explorados em três momentos distintos, mas
complementares entre si, conforme indicação de Bertaux (2009): uma fase exploratória, na
qual se buscam as linhas de força pertinentes ao tema tratado; uma fase analítica, em que
adquirem status de dados e possibilitam sustentar uma teoria, com maior ou menor grau de
concordância com os conceitos utilizados no ponto de partida; e uma fase de síntese
expressiva, na qual os relatos ajudam a fazer passar uma mensagem sociológica.
Do ponto de vista operativo, o tratamento dado aos relatos coletados nas entrevistas
com os jovens realizou-se por meio das seguintes etapas: transcrição literal dos relatos orais;
leituras sucessivas dos relatos e extração de linhas de força (aspectos mais relevantes quando
consideradas as questões da pesquisa); análise dos relatos enquanto unidades constituintes de
38
8
Dados da Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião dos Jovens Brasileiros (2013), indicam que o maior
contingente da população juvenil (59%) tem sua escolarização localizada no ensino médio, sendo que 38% já
concluíram, mas ainda não ingressaram no ensino superior e 21% estão cursando esta etapa de ensino ou dela
evadiram.
39
apressadas sobre a juventude brasileira, se não forem levadas em conta as condições de vida
das pequenas e médias cidades e das zonas rurais”. Mesmo não integrando o grupo de
pequenas e médias cidades mencionados por Sposito, Manaus, com seus 1.802.525 habitantes,
sétima cidade mais populosa do Brasil (IBGE, Censo 2010), e desafios urbanos e ambientais
sui generis, apresenta-se como um campo profícuo ao desenvolvimento de pesquisas no tema
da juventude.
Como se espera em investigações de cunho biográfico, as entrevistas com os sujeitos
desta pesquisa primaram pela criação de um ambiente favorável à livre expressão dos jovens,
visto que tratam de aspectos particulares, dos quais nem sempre se quer falar com uma
desconhecida. Desse modo, foram importantes os contatos anteriores à realização da
entrevista, e a postura de escuta interessada da pesquisadora mantida ao longo do processo.
Elaboraram-se roteiros guia (Apêndices IV, V e VI), para orientação da pesquisadora na
condução da entrevista e manutenção do foco da entrevista.
9
Em pesquisa sobre processos de escolarização nos meios populares, Nadir Zago aponta que a opção por fazer
um acompanhamento da situação escolar de um grupo de estudantes por um período estendido de tempo (8
anos), permitiu captar o caráter dinâmico dos percursos escolares e as articulações entre os recorrentes eventos
de ingresso, interrupções e retornos à escola, que por sua vez, exerceram pressão sobre a noção genérica de
evasão escolar de onde se costuma partir neste tipo de investigação.
41
ao contexto laboral e outras dimensões da vida dos jovens que têm implicações sobre seus
processos de transição, na perspectiva da autonomização e aquisição/ampliação de
independência.
Esse tipo de opção no campo metodológico adiciona algumas dificuldades ao processo
de pesquisa, visto que há sempre o risco da desistência e/ou da perda de contato com os
sujeitos. Neste estudo, trabalhava-se inicialmente com a proposta de realização de três
entrevistas com cada um dos dez jovens selecionados para esta etapa da pesquisa, porém no
desenvolvimento da atividade algumas dificuldades se interpuseram e precisaram ser
equacionadas, sendo os principais contratempos: a conciliação da agenda da pesquisa com a
disponibilidade dos sujeitos para concessão das entrevistas e a perda do contato ocasionada
pela mudança de número de telefone e de endereço.
Mesmo com as lacunas que ao longo da pesquisa foram se formando no cronograma
das entrevistas, devido à impossibilidade de realizar as três etapas com todos os sujeitos, o
conjunto final de dados, que é composto por um total de 24 entrevistas, acrescidas dos dados
extraídos do questionário, traz um apanhado significativo de elementos das experiências de
inserção profissional, de escolarização e outros aspectos da vida dos jovens que ajudam a
entender a transição para a vida adulta como um fenômeno resultante da combinação de
elementos de diferentes naturezas. Os elementos presentes nos relatos trazem a marca da
objetividade do pertencimento dos jovens, mas também da subjetividade que produz os
sentidos dessas experiências para cada jovem e tem implicações no seu campo de
possibilidades.
Os desafios e as aprendizagens decorrentes do enfrentamento do campo empírico são
objeto de considerações do item que segue.
A fase empírica da pesquisa foi realizada na cidade de Manaus e teve como sujeitos
um grupo de jovens com idade entre 15 e 29 anos de idade. A coleta de dados se organizou a
partir de duas fases:
1) Aplicação de questionário estruturado de caráter exploratório (Apêndice III) em
turmas do primeiro ano do ensino médio de duas escolas públicas da rede estadual do
Amazonas localizadas na capital Manaus, estando uma no centro da cidade e uma em região
42
1.5.1 Escola do centro e escola do bairro: breve caracterização das escolas selecionadas para
aplicação do questionário
10
Esta breve caracterização das escolas e de seus contextos de localização resulta das observações e registros
realizados durante as visitas destinadas à aplicação de questionários, de informações presentes nos relatos dos
jovens entrevistados e também de incursões de pesquisa e observações anteriores vivenciadas pela pesquisadora.
43
11
No capítulo II, item 2.2 desta tese, encontram-se mais informações sobre o processo histórico de formação da
cidade de Manaus e do seu desenvolvimento urbano que ajudam a compreender melhor os sentidos de centro e
periferia, não somente enquanto referências geográficas e administrativas, mas também enquanto territórios
produzidos e produtores de referências no campo simbólico.
12
No processo histórico de formação da cidade de Manaus o centro ocupa sempre posição relevante na dinâmica
da cidade. Porém, ao longo do tempo variam as configurações que conferem importância a esse espaço. Se no
auge da economia da borracha o setor comercial e portuário ali instalado dividia espaço com a moradia e locais
de sociabilidade das elites e com os órgãos públicos, nos dias atuais, a expansão do setor imobiliário, comercial,
de serviços e dos estabelecimentos do poder público para diferentes áreas colocam o centro em outra posição de
disputa e afirmação na hierarquia dos espaços da cidade, sem, contudo, retirar-lhe a relevância. Sobre esse tema
pode-se ver o trabalho de Oliveira (2009).
44
O que se observa é que esses elementos da história das instituições, também são
importantes de serem levados em conta quando se tenta compreender a identificação dos
estudantes com suas escolas, as práticas e sentidos atribuídos por eles às suas instituições de
ensino e as próprias estratégias de escolha da escola utilizadas pelos jovens e seus familiares.
A escola do centro foi fundada no ano de 1938 como instituição privada, dedicando-se
por um longo período à formação profissional de nível técnico. Na década de 1990 a escola
foi integrada à rede estadual, passando a oferecer, ensino de primeiro e segundo graus,
correspondentes ao que hoje se denomina ensino fundamental (anos finais) e ensino médio,
nos turnos matutino e vespertino13.
A arquitetura da instituição, mesmo depois de ter passado por reformas e adaptações,
reflete os padrões da época de sua construção, que ainda podem ser observados nas suas
grandes portas e janelas e nos largos corredores de circulação. É composta de três pavimentos
onde se distribuem salas de aula, gabinetes de diretoria, secretaria e coordenação pedagógica,
biblioteca, copa etc. Na área externa, a Escola apresenta uma praça que é utilizada como
espaço de convivência entre os estudantes e uma quadra poliesportiva coberta.
No período da pesquisa a escola oferecia ensino fundamental (6º. ao 9º. Ano) e ensino
médio, funcionando nos turnos matutino e vespertino. A escola recebe estudantes de todas as
zonas da cidade, estando entre as mais procuradas nos períodos de matrícula, dado que é
reforçado pela resposta quase unânime dos jovens pesquisados no que se refere aos motivos
de escolha da escola, dentre os quais destacam a opção que faz referência à escola como
instituição de qualidade14.
Em uma cidade como Manaus, na qual se enfrentam problemas históricos de baixa
qualidade e capacidade de atendimento na área dos transportes coletivos, violência urbana,
pavimentação e iluminação de ruas, dentre outros empecilhos à circulação, a localização da
escola termina por ser um fator diretamente relacionado com o grau de permanência ou
rotatividade do quadro de profissionais. Nesse sentido, a escola do centro apresenta um
quadro de professores estável que passa por poucas alterações ao longo do ano letivo ou na
13
Informações do histórico da Escola obtidas em folder acessado durante visita de pesquisa.
14
A representação que os moradores de Manaus constroem acerca da qualidade do ensino na escola do centro
sustenta-se nos relatos de experiência de egressos, em informações sobre o histórico da instituição e sobre os
índices apresentados pela escola nos exames e avaliações externas. Em alguns casos, a mídia local contribui com
a maior visibilidade dos índices escolares, a exemplo da matéria veiculada no site Acrítica.com, no dia 21 de
julho de 2012. Na chamada da matéria que trata da Mostra de Gestão Escolar da Secretaria de Estado da
Educação, a escola do centro é apresentada como uma das três melhores de Manaus. Disponível em:
http://acritica.uol.com.br/noticias/IEA-Brasileiro-Estadual-melhores-Manaus_0_740925928.html, acesso em
25/09/2013.
45
mudança de um ano para o outro. A própria equipe que respondia pela gestão da escola no
início da pesquisa, atuava ali há mais de cinco anos.
A manutenção de um núcleo estruturante de docentes e outros profissionais nas
instituições de ensino, algo que só é possível dentro de um quadro de garantia da permanência
dos profissionais na instituição por um dado período de tempo, é fundamental para que a
escola seja pensada como um projeto que se sobrepõe às individualidades ou aos estilos
pessoais. Uma escola que dialoga com o novo a partir de uma identidade que é reforçada no
coletivo.
O objeto de estudo dessa pesquisa e seu processo metodológico não possibilitam uma
análise aprofundada da relação entre a existência de um quadro profissional estável na escola
do centro e a qualidade de ensino, porém, os dados advindos do questionário, entrevistas e
observações livres, deixam ver que esse é, no mínimo, um fator a menos de desgaste por parte
da comunidade escolar que, liberada dessa preocupação, pode direcionar esforços para outros
interesses e projetos. Possibilidade que não está dada, por exemplo, na escola do bairro.
A escola do bairro situa-se na zona leste da cidade, na comunidade de Grande Vitória,
no bairro de São José Operário15, que está localizado a aproximadamente 15,5 Km do centro
de Manaus. Na malha urbana de Manaus, as zonas leste e norte apresentaram uma dinâmica
de expansão mais acelerada que as demais zonas a partir da década de 1990. Nesse ciclo de
expansão do perímetro urbano, predominam processos informais e não regularizados de
aquisição de terra e construção de moradias, e lá também estão muitos dos conjuntos
habitacionais populares construídos pelo Estado para a transferência de moradores dos
igarapés e zonas de risco.
Nesse tipo de movimento de expansão de fronteiras urbanas, que, diga-se de
passagem, não é uma exclusividade de Manaus, a população com suas necessidades e
estratégias de provimento de condições mínimas para moradia (água, luz, abertura de vias de
circulação etc.), chega antes e o Estado vem em seguida. Primeiro na tentativa de coibir a
formação do aglomerado habitacional em questão e, nos casos em que isso não é possível, dá-
se início à corrida do poder público para oferecimento de serviços públicos básicos às novas
localidades. O fato é que as respostas do Estado são muito mais lentas do que a dinâmica de
produção das demandas, de modo que as regiões periféricas da cidade convivem por longos
anos com problemas de acesso a serviços e direitos.
15
Entre os moradores da localidade é comum a referência à região do Grande Vitória como um bairro, porém,
oficialmente a área integra o bairro de São José Operário, cuja superfície total é de 543,10 há (Lei nº 1.401, de
14 de janeiro de 2010).
46
16
As mudanças ocorridas na escola após essa transferência de gestão para a Polícia Militar rebateram de
diferentes modos nos jovens da pesquisa. Há relato de um jovem sobre evasão em virtude da maior rigidez com
o cumprimento de horário que lhe impedia de conciliar o horário da escola com o trabalho. Assim como há
também uma jovem que elogia as novas práticas da escola. Para ela o ensino melhorou e as novas regras
permitiram que os alunos “interessados” fossem reconhecidos no ambiente escolar. Ela mesma foi agraciada com
menções devidas ao seu bom desempenho e comportamento.
47
O ensino médio era oferecido somente no horário noturno na escola. Desse modo,
além de receber o público jovem e adulto que procura o ensino noturno devido à necessidade
de conciliar escola e trabalho, a escola do bairro, por ser a única na comunidade de Grande
Vitória que oferece o ensino médio, recebe muitos jovens que potencialmente seriam público
de escolas diurnas, ou seja, aqueles que se encontram na idade indicada para o ensino médio
(15 a 17 anos) e que não trabalham ou não procuram trabalho.
A escola do bairro não se constituía para os estudantes como uma referência de
qualidade de ensino, figurando apenas como a opção mais próxima de casa que se torna
interessante por requerer menor tempo e gastos com deslocamento, componente acentuado na
experiência dos jovens que conciliam trabalho e estudo.
reduzidos (30 minutos)17 naquele dia, de modo que a mudança de professor requeria uma
pausa na aplicação do questionário até que se negociasse com o professor do horário a
continuidade da atividade.
Embora o questionário seja um instrumento autoaplicável, foi dada preferência por
uma aplicação assistida, prevendo a permanência da pesquisadora na sala enquanto os jovens
respondiam ao mesmo, assim podendo esclarecer dúvidas e, além disso, realizar observações
do momento de aplicação.
Depois de ser apresentada às turmas pela pedagoga da escola, a pesquisadora
explicava os objetivos da visita e solicitava o consentimento do grupo para a atividade. Nas
duas turmas houve um consentimento imediato, seguido de um momento de silêncio diante do
questionário. Procurou-se quebrar aquela situação inicial com algumas instruções gerais sobre
o preenchimento, lembrando-lhes que ficassem à vontade para perguntas e que a identificação
só estava sendo requerida para que, havendo a necessidade, pudessem ser contatados
posteriormente. Em poucos instantes o clima tornou-se amistoso e as solicitações de
esclarecimento se multiplicaram, permitindo o estabelecimento de um primeiro, e ainda frágil,
laço de confiança entre pesquisadora e sujeitos da pesquisa.
Foi interessante observar o empenho da maioria dos jovens em responder ao
questionário, havendo, porém, alguns que o fizeram do início ao fim sob um ar de
desconfiança e rejeição, não se registrando nesta escola nenhuma recusa. Alguns jovens
conversavam entre si sobre algumas questões. Mesmo sendo um instrumento pessoal, a
conversa com seus pares parecia lhes dar mais conforto.
Nesta escola destacam-se duas situações que chamaram a atenção em especial. A
primeira foi a recusa de um jovem em continuar participando das próximas fases da pesquisa.
A segunda foi a solicitação veemente de uma jovem em ser selecionada para a próxima fase.
No primeiro caso, em conversa particular com o jovem na tentativa de entender os
motivos da recusa, o mesmo se disse preguiçoso demais para participar da atividade. Depois
de ouvir novas explicações sobre o objetivo da pesquisa foi-lhe solicitado que pensasse um
pouco mais a respeito de sua participação e que adiasse a resposta até o final da aplicação.
Enfatizou-se a importância de sua colaboração, mas também foi reforçado que a sua opção
seria respeitada caso permanecesse o desinteresse em participar das próximas fases. Depois
17
O questionário foi aplicado em uma quinta-feira posterior a um recesso de 6 dias nas atividades escolares em
decorrência primeiro da cessão da escola para as atividades eleitorais de segundo turno, ocorridas no dia 31 de
outubro e depois ao feriado nacional do dia dos finados.
49
dessa conversa, o jovem imediatamente solicitou o questionário para alterar sua opção de
resposta à questão18.
Quanto à jovem que solicitou com insistência sua seleção para as próximas fases,
preocupava a possibilidade do interesse da mesma ser motivado pela expectativa de tratar-se
de uma agência de emprego, visto que a jovem interpelou a pesquisadora com a seguinte
expressão: “- Me escolhe, professora, meu maior sonho é trabalhar”. Para ela também se
explicou o objetivo da investigação e foi reforçada a vinculação institucional da pesquisa,
procurando deixar claro que se tratava apenas de um estudo. Mesmo assim, a jovem
mostrava-se animada em participar e insistia para ser selecionada, indicando, inclusive, que
havia listado vários telefones de contato para não correr o risco de não ser encontrada19.
Na escola situada em região periférica da zona leste de Manaus, o contato com a
pedagoga da escola foi estabelecido com apenas um dia de antecedência à aplicação, isso
porque em duas tentativas anteriores o contato não havia sido possível, dada ausência da
referida profissional e falta de alguém que pudesse atender a demanda da pesquisa.
Nesta instituição, o ensino médio era oferecido no horário noturno e as turmas
compostas por uma média de 40 alunos. Em todos os dias de visita à escola, inclusive no dia
em que a aplicação do questionário foi realizada, notou-se um esvaziamento da escola, tanto
pela ausência de alunos, quanto de professores e outros profissionais.
Também nesta escola, optou-se pela aplicação assistida dos questionários. No primeiro
momento, a pedagoga fazia a apresentação da pesquisadora que, em seguida, adotava os
procedimentos de explicação dos objetivos da pesquisa, dava instruções sobre o
preenchimento do questionário e tentava criar um clima de confiança com os estudantes.
Nesta escola, percebeu-se maior indisposição dos estudantes em colaborar com a
pesquisa, havendo, inclusive casos de recusa por parte de alguns poucos alunos em responder
ao instrumento. Muitos alunos permaneciam envolvidos com outras atividades durante a
aplicação, o que era reforçado pelo fato dos professores permanecerem na classe. Outros
alunos interessavam-se pelo instrumento e demandavam esclarecimentos. De um misto de
desconfiança, empatia, apatia e prontidão, pode-se dizer que ao final da aplicação havia um
clima mais amistoso entre pesquisadora e sujeitos da pesquisa.
Dentre as diversas perguntas lançadas pelos jovens durante a aplicação do
questionário, duas despertaram especial atenção. Numa delas uma jovem solicitou ajuda para
18
Este jovem foi selecionado para a etapa das entrevistas, mas não compareceu ao local agendado.
19
Esta jovem não participou da etapa das entrevistas porque nenhum dos seus telefones de contato funcionou e
também não houve resposta pela internet.
50
responder à questão referente à cidade e ao estado em que nascera. A jovem não conseguia
precisar sua cidade e estado de nascimento. Perguntada sobre o local de nascimento a mesma
respondeu que havia nascido no Careiro da Várzea, um pequeno município localizado a 22
Km de Manaus. A partir das informações fornecidas pela jovem, foi-lhe esclarecido que sua
cidade de nascimento seria o Careiro da Várzea e seu estado o Amazonas. A outra pergunta
que causou curiosidade foi lançada por uma jovem que nos interrogou sobre o que era o
ensino superior.
Estes dois casos, adicionados a outras dificuldades de escrita e compreensão de textos
percebidas no momento da aplicação e também nas respostas dos jovens de ambas as escolas,
geram preocupação pelo fato de tratar-se de estudantes do primeiro ano do ensino médio, de
quem se espera maior nível de domínio destes conteúdos. Por outro lado, revelam uma das
grandes dificuldades que esta etapa da educação básica enfrenta: a baixa qualidade do ensino.
Por sua vez, o desconhecimento sobre os níveis de ensino, denota a distância
simbólica daquela jovem em relação ao horizonte da continuidade de estudos em nível
superior. Esta situação sinaliza ainda que a jovem dispõe de baixos capitais social e cultural,
que, mesmo diante de um ensino de baixa qualidade, poderiam lhe possibilitar um maior
discernimento sobre o que venha a ser a escolaridade superior, a exemplo do que se verificou
para alguns jovens na etapa das entrevistas.
Na escola do bairro também observou-se que os contatos posteriores com os jovens
por meio da internet seriam mais difíceis, visto que um grande número de jovens não
dispunha de e-mails ou fazia uso de redes sociais no início da pesquisa. Isso pode ser bem
ilustrado pela fala de uma aluna referindo-se aos itens e-mail, Orkut, googletalk, msn e outros
solicitados no questionário: “- Não tenho nenhum desses negócios, não!”, disse a jovem.
Somam-se a isso, as dificuldades de acesso à internet no bairro20.
Depois da fase de aplicação foi realizado um trabalho classificatório das respostas
dadas ao questionário. A partir disso, foi possível definir critérios de montagem de um grupo
menor de jovens para participar das fases subsequentes da pesquisa. Na composição desse
grupo, assim como na opção feita por duas escolas de diferentes localidades, o propósito
central era alcançar um grupo de sujeitos diversificados no que diz respeito à situação
20
Na Comunidade de Grande Vitória o serviço de internet a cabo não está disponível. O acesso só é possível
através das operadoras de telefonia celular (modem e chip), ainda assim com fortes oscilações na qualidade do
sinal ou através de rádio, um serviço inviável para as instalações domésticas, devido ao alto custo em Manaus.
Com o crescimento da oferta de pacotes de custo mais acessível pelas operadoras nos últimos anos, observa-se
uma ampliação do acesso. Ao longo da pesquisa foi visível a ampliação do uso das redes sociais pelos jovens da
pesquisa via aparelhos móveis.
51
Na definição dos participantes da etapa das entrevistas duas orientações centrais foram
levadas em conta: 1) Definir uma quantidade de jovens adequada aos objetivos, opções
metodológicas e condicionantes institucionais da investigação; 2) Formar um grupo com
jovens de perfis diversificados.
Do ponto de vista da quantidade, definiu-se que o número de dez jovens atendia aos
objetivos da investigação e também era coerente com a perspectiva de realização de um
acompanhamento dos jovens pelo período de três anos, ensejado na perspectiva longitudinal.
A proposta era realizar três entrevistas com cada jovem, perfazendo assim um total de 30
entrevistas ao longo dos anos de 2011 a 2013.
Para montagem do grupo a ser entrevistado foi realizada uma pré-seleção mediante os
dados extraídos do questionário. Esse trabalho baseou-se nos seguintes critérios primários:
equidade entre o número de jovens do sexo masculino e o número de jovens do sexo feminino
e entre o número de jovens da escola do centro e da escola do bairro. Atendidos esses
critérios, utilizou-se um modelo de classificação dos jovens a partir de quatro perfis-tipos,
combinados com diferentes aspectos do perfil dos jovens, tais como: situação
socioeconômica, maternidade/paternidade, cor/raça, estado civil, local e situação de moradia,
experiências profissionais, idade etc. (Quadro 1).
A combinação desses diferentes critérios possibilitou que ao final da pré-seleção se
obtivesse um grupo de 35 jovens com perfis diversificados, dentre os quais seriam destacados
os 10 jovens para participação na fase de entrevistas.
Com um mês de antecedência à realização da primeira rodada de entrevistas, foi feito
um trabalho denominado de contatos-teste, que consistiu no estabelecimento de contatos com
52
21
Este perfil-tipo incorpora as respostas dos jovens que fazem referência ao exercício de atividades remuneradas
com alguma regularidade, mas para a qual não dispõem de nenhum tipo de formalização, a exemplo daqueles
que mencionaram trabalhar como ajudantes de pedreiro, ajudante dos pais em comércio próprio, ajudante na
produção de doces e salgados, venda de doces e balas na escola, dentre outros.
53
selecionados para esta nova fase da pesquisa e também consultá-los sobre a possibilidade de
serem entrevistados.
Mesmo depois das explicações iniciais, os jovens apresentavam novas indagações
sobre o objetivo da pesquisa e pediam maiores informações sobre esta nova fase das
entrevistas. Explicava-se então que o trabalho dizia respeito a uma pesquisa científica,
ressaltando que a finalidade era apenas de estudo. Eram destacadas também as vinculações
profissionais e acadêmicas com a universidade, utilizando uma linguagem de fácil
compreensão para os jovens nesse primeiro contato.
Visando deixá-los mais seguros, era reforçado que suas identidades não seriam
reveladas e, a fim de evitar mal-entendidos, informava-se que a pesquisadora não
representava nenhuma instituição de intermediação de emprego ou estágio, tentando conter
uma possível associação do tema da pesquisa com outros processos ligados ao mercado de
trabalho. Ao final, explicava-se como seriam realizadas as entrevistas e sempre era
perguntado aos jovens se haviam compreendido.
Todos se mostraram satisfeitos com as explicações, alguns solicitavam explicações
complementares, mas no geral, se sentiam seguros de confirmar suas participações, com
conclusões tais como: “vc so que fazer um estudo com os alunos para entender mas cada
situacao” (Observação feita pela jovem Cleany no contato estabelecido por chat).
Os contatos-teste também serviram para atualização de algumas informações
referentes aos jovens tais como: mudança de escola, endereço e situação laboral e, além disso,
permitiu checar a capacidade de resposta dos jovens aos contatos da pesquisa, aspecto
fundamental para a abordagem longitudinal.
No contato telefônico para agendamento das entrevistas, surgiram as primeiras
dificuldades, dentre as quais, telefones que não funcionavam, impossibilidade de participação
por doença, desistência de alguns jovens. Do quadro inicial, apenas quatro jovens foram
efetivamente entrevistados (Denise, Kelly, Renato e Robson)22.
O trabalho com os perfis-tipo possibilitou a substituição dos primeiros jovens
escolhidos por outros com características semelhantes. Na busca por substitutos, o problema
da comunicação via telefone e das desistências continuaram, mas ao final o grupo ficou
constituído (Quadro 2 e Apêndice I).
O grupo final é diverso em muitos aspectos, mas na variável cor ou raça predominam
aqueles que se declaram pardos. Isso reflete a situação geral observada no total dos
22
Foram estabelecidos nomes fictícios para os jovens a fim de preservar suas identidades.
54
questionários, no qual a maioria também se diz pardo. Dos 134 questionários, apenas dois
jovens declararam-se indígenas, e até a pré-seleção buscou-se incluí-los no grupo das
entrevistas, mas a ausência de resposta desses sujeitos às tentativas de contato da
pesquisadora deixou o grupo sem nenhum indivíduo com esse perfil.
outras pessoas presentes no momento das entrevistas. Os demais jovens da escola do centro
foram entrevistados nas respectivas residências.
No caso dos jovens selecionados na escola do bairro, pareceu mais viável a definição
de um local de referência e de fácil acesso no bairro, para aplicação das entrevistas, já que
todos os estudantes residiam no mesmo bairro da escola. O local definido foi a sede de uma
organização não governamental bastante conhecida no bairro pelo trabalho educativo que
desenvolve com jovens estudantes do ensino médio. A administração da instituição
disponibilizou a sala de leitura e a sala de professores em momentos que estas não eram
utilizadas. Todos os jovens da escola do bairro foram entrevistados nesta instituição.
Cada entrevista possui um conjunto de situações, expressões e contextos que escapam
ao processo de transcrição, por mais fiel que este possa ser na transformação de falas em texto
escrito. Tentando agregar estes elementos ao processo de pesquisa, utilizou-se um caderno de
campo para registro de aspectos das condições de apresentação e fala dos jovens no momento
da conversa, além de elementos do local e contexto de realização da entrevista.
Na primeira etapa de entrevistas um dos aspectos que mais chama a atenção é a
riqueza de dados que a abordagem biográfica proporciona captar. Nas relações dos jovens
entrevistados com o mundo do trabalho e a escola e também em seus processos de transição
para a vida adulta foi interessante observar que as experiências e projeções daqueles sujeitos a
princípio selecionados mediante classificações objetivas (vínculo escolar, situação laboral,
idade, cor/raça, sexo, renda, local de moradia, dentre outros), revelam ricas e múltiplas
nuances e sentidos para os cruzamentos entre suas biografias e as contingências do mundo do
trabalho, da escola e da vida adulta.
A cada entrevista os sentidos da inserção profissional e da escolarização na vida dos
sujeitos se multiplicavam e, não raro, em momentos distintos da narrativa de um mesmo
jovem, essa multiplicidade também se apresentava. Progressivamente, as perguntas de
pesquisa e também as respostas que elas suscitavam nos mostravam faces cada vez mais
nuançadas que a experiência profissional ou busca por ela podem adquirir na vida dos jovens
do ensino médio.
No início das entrevistas, os jovens mostravam-se tensos e desconfiados, mas com o
transcorrer da conversa ficavam mais à vontade e ao final manifestavam satisfação em ter
participado, concordando em seguir na pesquisa. A garantia de um local reservado para
realização da entrevista e o próprio conteúdo da atividade foram fundamentais para a elevação
do nível de confiança dos participantes e o maior envolvimento com a atividade.
56
Além disso, alguns elementos foram importantes para fortalecer o vínculo entre
pesquisadora e pesquisados, a saber, a apresentação das credenciais da pesquisadora,
incluindo o fato de ser conterrânea e o vínculo com a universidade federal local; a utilização
de uma linguagem coloquial para expressar os objetivos da pesquisa e as perguntas da
entrevista, além do próprio conteúdo da entrevista que fazia referência a experiências pessoais
cotidianas, sobre as quais os jovens se sentiam à vontade para narrar, descrever, opinar.
Durante o processo de agendamento, os responsáveis pelos jovens foram consultados
e, nos casos das entrevistas realizadas nas residências, houve contato pessoal com os membros
da família presentes, tornando-se oportuna a explicação dos objetivos e da forma de
participação dos jovens na pesquisa. A título de formalização da participação voluntária dos
jovens e das responsabilidades da pesquisadora, utilizou-se um termo de consentimento livre e
esclarecido, onde estavam dispostas informações sobre a pesquisa e a pesquisadora, sendo
assinado e copiado para ambas as partes.
Na segunda etapa de entrevistas o objetivo foi observar continuidades e rupturas nas
experiências e projeções relacionadas à escolarização e inserção profissional dos jovens e
também as principais mudanças nos seus contextos familiares e em outras dimensões da vida
que apresentassem rebatimentos nessas duas dimensões da situação juvenil de interesse da
pesquisa: escola e trabalho.
As entrevistas foram precedidas por contatos telefônicos e por meio da internet (redes
sociais e e-mail). Diferente das primeiras abordagens, nos contatos estabelecidos para
agendamento da segunda entrevista, os jovens sentiam-se mais à vontade para continuar
participando da pesquisa e, consequentemente, conceder a entrevista. Ainda assim, três jovens
deixaram de ser entrevistados nessa etapa (Robson, Taís e Lidiane). Concorreram para a não
realização dessas entrevistas motivos tais como: ausência do entrevistado ao local agendado
para entrevista e dificuldades de estabelecimento de novos contatos por telefone e/ou internet.
Dois desses jovens (Robson e Taís) participaram da terceira etapa de entrevista e somente
com a jovem Lidiane não foi mais possível o contato até o final da pesquisa.
Devido a um quadro de maior confiança já estabelecido entre a pesquisadora e os
pesquisados, os locais de realização das entrevistas apresentaram maior variação que o
observado na primeira etapa. Foram realizadas duas entrevistas nas residências dos jovens,
duas em praças de alimentação de shoppings centers, duas em Organização Não
Governamental próximo da moradia dos jovens e uma no local de trabalho.
A entrevista foi conduzida mediante um roteiro que contemplava a retomada de
aspectos já tratados na fase anterior. Além dos momentos em que a pesquisadora provocou a
57
23
MANAUS. Lei n. 1.357, de 08 de julho de 2009. Cria o Programa Bolsa Universidade, e dá outras
providências. Diário Oficial do Município de Manaus, n. 2241, 08 de julho de 2009. O Programa oferece
incentivos fiscais para que instituições privadas de ensino superior que atuam em Manaus disponibilizem bolsas
integrais ou parciais em cursos de graduação ou sequenciais de formação específica estudantes de baixa renda e
que não possuam formação em nível superior, além de outros critérios especificados na legislação pertinente.
60
Para abordar o tema da juventude, parece pertinente iniciar com a afirmação de que se
trata de uma construção social, ou seja, a juventude, tal como a concebemos na atualidade não
existiu sempre. Ainda que indivíduos jovens estejam presentes em toda e qualquer formação
social, isso não significa que tenham sempre constituído e sido reconhecidos como uma
categoria com demandas específicas de expressão e inserção no meio social. Essa noção é
tributária da modernidade e o contexto que favorece sua instalação nos modos de vida está
articulado com outros fenômenos impulsionados pela modernidade, dentre os quais a
expansão da escolarização e os novos padrões das relações entre os indivíduos e os grupos de
pertencimento, sobretudo a família.
Desde o seu surgimento até os dias atuais, a apropriação dessa invenção da
modernidade apresentou muitas variações na concretude da vida social. Se no início a
juventude entendida como um tempo de moratória social, destinada à experimentação de
estilos de vida e à preparação para a vida adulta só era possível para os indivíduos das elites e
camadas médias, na atualidade faz sentido falar de juventude referindo-se às classes
populares.
O fato de o conceito ter ampliado a sua abrangência, diante da necessidade de
acompanhar o movimento dos referentes empíricos que designa, e abarcar hoje os indivíduos
de todas as classes, não significa que a juventude, como fase de vida ou como construção
cultural, seja uma noção homogênea em todas as sociedades contemporâneas.
Em diferentes culturas e sociedades os sentidos e significados de juventude são
distintos. Se considerarmos, por exemplo, algumas sociedades indígenas que nos são
contemporâneas, essa é uma noção que muitas vezes só fará sentido na fronteira entre as
culturas indígenas e as culturas urbanas. Diante disso Weigel et al. (2012) afirmam que,
jovem, com certa tranquilidade, um indivíduo de pouca idade das classes populares. Para
Abramo (2008, p. 44),
linguagem", contra o qual propõe uma abordagem pautada no reconhecimento das diferenças
existentes entre vários grupos que compõem as diferentes juventudes.
Essas análises ajudam a entender a crise de sentido que a escola e outras instituições
modernas, que por décadas delimitaram a condição juvenil, apresentam hoje para muitos
jovens. A simples alegação da importância que determinadas inserções e práticas possuem
para um futuro possível, já não tem sido suficiente para gerar a adesão dos jovens aos projetos
sociais que definem a condição juvenil na atualidade. A autoridade do discurso normativo é
confrontada pela necessidade de diálogo que os jovens cada vez mais individuados passam a
requerer.
No Brasil, a partir do ano de 2005, o corte etário de 15 e 29 anos passou a ser a
referência utilizada no âmbito da política nacional de juventude para definição da população
alvo. Atualmente essa faixa- etária está referendada na Constituição Brasileira (Art. 227) e
também no Estatuto da Juventude (Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013).
66
Trata-se de uma faixa ampla que abarca indivíduos que vivem diferentes desafios e
requerem proposições diversificadas em termos de políticas públicas. As pesquisas de
abrangência nacional apontam diferentes alertas quando operam o desdobramento dos dados
segundo faixas intermediárias das idades correspondentes à juventude. O reagrupamento das
idades em faixas (15 a 17 anos, 18 a 24 anos e 25 a 29 anos) tem sido o mais utilizado para
demonstrar os diferentes desafios da política de juventude em âmbito nacional.
Na definição dos jovens estudantes do ensino médio como sujeitos desta pesquisa, o
critério de idade foi considerado, não como um dado natural e absoluto, mas enquanto
marcador histórica e socialmente situado. Os dados que articulam idade e escolarização dos
jovens no Brasil apontam o ensino médio como a etapa de formação escolar preponderante
entre os indivíduos jovens, isso porque a maioria desses indivíduos ou está cursando esta
etapa da educação básica ou nela parou por ter concluído ou evadido.
Isso não quer dizer que não sejam relevantes e, até urgentes, os estudos sobre os
jovens que se encontram em outras etapas da escolarização ou fora da escola, trata-se, tão
somente, de uma escolha por enfrentar aquele que tem parecido um dos maiores campos de
tensão quando observada a relação dos jovens com a escola.
Enquanto categoria de análise, a juventude é tomada como noção multiplamente
constituída e socialmente construída, de modo que as referências à juventude e aos jovens que
por vezes se faz, não querem remeter a um imperativo unificador, mas se prestar a suscitar a
reflexão sobre as marcas que as diversidades etárias, de gênero, de condições sociais e étnicas
imprimem ao conceito.
81,29 anos (IBGE, 2009). Esse também é um aspecto que tem efeitos sobre as definições e os
modos de viver a juventude no Brasil de hoje.
Além da tendência de regressão do número de jovens no total da população brasileira a
que Bercovich e Massé (2004) fazem referência, outro dado relevante para a discussão das
questões juvenis no Brasil diz respeito às modificações ocorridas na pirâmide etária. Apesar
dos dados nacionais apontarem o estreitamento da base da pirâmide, ao mesmo tempo em que
o ápice se torna cada vez mais largo em decorrência do declínio dos níveis de fecundidade e,
em menor parte, da queda da mortalidade no período (IBGE, 2011), há variações regionais
que precisam ser levadas em conta, justamente porque estes dois fatores (queda da
fecundidade e queda da mortalidade) não se comportam da mesma maneira nas diversas
regiões do país.
Na região norte (sobre a qual esta pesquisa tem um interesse em particular) a tendência
do envelhecimento da estrutura populacional é contrabalanceada por uma mais lenta
diminuição das populações mais jovens, devido aos reflexos das altas taxas de natalidade
observadas até 1980 nesta região24. Enquanto isso, as regiões sul e sudeste apresentam
padrões de envelhecimento populacional acima da média nacional.
O que se observa é que as preocupações com a juventude tendem a se intensificar
conforme se cruzam os dados demográficos com outros indicadores, principalmente aqueles
que se referem à distribuição dessa população entre o campo e a cidade, à escolarização, à
exposição à violência e ao trabalho. Quanto a esses aspectos as pesquisas permitem
generalizar que os jovens brasileiros (querendo dizer, a maioria deles) vivem em meios
urbanos, compõem a população economicamente ativa (por estarem efetivamente inseridos no
mercado de trabalho ou à procura de emprego), estão mais escolarizados que as gerações
precedentes e apresentam elevados graus de insegurança e exposição à violência25.
O sobrevoo pelos dados estatísticos faz emergir o desafio de pensar como essas
tendências gerais ganham corpo no cotidiano dos jovens brasileiros. É preciso investigar
como os jovens articulam escolhas pessoais e determinantes estruturais nos seus itinerários e
projetos de futuro e também refletir sobre o desafio de se fazer a transição para a vida adulta
em tempos de transições marcantes no cenário econômico, político, social e cultural.
24
Isso se reflete no percentual de jovens com relação à população total do Estado do Amazonas e também no
caso da cidade de Manaus, onde o contingente de jovens de 15 a 29 anos representam, respectivamente, 29,5% e
30,04% da população total, enquanto o percentual nacional é de 26,9%, conforme dados do Censo 2010.
25
Dados que justificam essa afirmação podem ser encontrados nas Pesquisas Nacionais por Amostra Domiciliar
– PNADs e Censos Demográficos produzidos pelo IBGE nos últimos anos; na Pesquisa Nacional Retratos da
Juventude Brasileira realizada pelo Instituto Cidadania (2003); e na Pesquisa sobre perfil e opinião da juventude
brasileira, coordenada pela Secretaria Nacional da Juventude em 2013.
69
É importante enfatizar que a realidade dos jovens não se constitui à parte das tensões
gerais que afetam outros segmentos da população que vivem no mesmo tempo histórico.
Tanto é assim que definir os sentidos e significados de ser jovem na atualidade é uma tarefa
cada vez mais complexa, isso porque as fronteiras culturais e sociais que distinguem o ser
jovem do ser adulto, por exemplo, estão cada vez mais imprecisas.
O padrão etário-institucional que tradicionalmente deu consistência à definição das
idades da vida dá sinais de insuficiência. Efeitos desse fenômeno podem ser observados, por
exemplo, nas esferas da escola e do trabalho. No aspecto escolar, a ideia de uma idade escolar
perde centralidade diante do discurso que defende que a sociedade atual requer processos
formativos que se atualizam ao longo da vida. No trabalho, os critérios de saída do mercado
laboral também se modificam de tal modo que a funcionalidade passa a prevalecer à idade.
No campo cultural as representações sobre o ser jovem e o ser adulto são redefinidas
na medida em que a noção de tempo linear que orientava as relações entre gerações a partir de
causalidades entre passado e futuro, começa a ceder lugar a um presente estendido, definido
como "o lapso temporal suficientemente breve para não fugir ao domínio humano e social,
mas também suficientemente amplo para consentir alguma forma de projeção para além no
tempo”. (LECCARDI, 2005, p. 45). Assim, em contextos de novas relações no mercado de
trabalho, de prolongamento da escolarização e de envelhecimento postergado, o jovem
transforma-se, "de promessa de futuro que era, em modelo cultural do presente" (PERALVA,
2007, p. 25).
Por sua vez, no campo da relação com o mercado de trabalho, na nova etapa do
sistema capitalista, caracterizado pelo padrão de acumulação flexível (HARVEY, 2003), que
se evidencia a partir de meados dos anos 1970, problemas apontados como tipicamente
inerentes aos jovens, tais como a instabilidade e a precarização da inserção profissional,
afetam de modo cada vez mais agudo a população adulta. Isso significa que mesmo atingindo
o estatuto de adultos não há garantias de estabilidade profissional para os jovens, conforme
observa Guimarães (2006, p. 173),
No entendimento de Peralva (2007) a tendência se estende para além das relações com
o trabalho, pois "enquanto o adulto vive ainda sob o impacto de um modelo de sociedade que
se decompõe, o jovem já vive em um mundo radicalmente novo, cujas categorias de
inteligibilidade ele ajuda a construir. (p. 25)".
Sem discordar que os jovens experimentam em primeira linha as transformações que
afetam atualmente o mundo do trabalho, Castel (2010) defende a necessidade de
aprofundamento do olhar para que se detecte até que ponto relações mais aleatórias com o
mercado de trabalho, como as que têm vivido a maioria dos jovens, são necessariamente
sinônimo de relações mais distanciadas. Para ele, há variações importantes a serem
observadas no que concerne aos diferentes grupos de jovens.
Enquanto para alguns jovens as formas flexíveis de trabalho e a desregulamentação
podem representar elementos de liberação, para outros, estes dois fatores podem se
transformar em verdadeiras ameaças, motivando-os a desenvolver um grau mais intenso de
implicação e outras vezes, preocupação, com as atividades laborais. Segundo Castel (2010, p.
119), “la desocupación masiva y la precarización del empleo con frecuencia conducen a uma
relación desgraciada com el trabajo [...] Pero es falso inferir de esto que, por regla general,
essas dificultades liberan del trabajo, y en algunos aspectos sucede todo lo contrario.
Com a propagação de riscos e incertezas, antes considerados tipicamente juvenis, a já
suspeita estabilidade associada à vida adulta é questionada e as relações dos indivíduos com o
tempo e suas formas de projetar o futuro se alteram profundamente. Assim, os jovens tendem
a reagir a estas condições sociais refugiando-se em um tempo presente constituído de projetos
de curto prazo, experiências rotativas e marcadas pelo princípio de reversibilidade. Os
processos de transição para a vida adulta tem sido, desta maneira, realizados segundo
combinações muito variadas de etapas anteriormente bem definidas como critérios de
passagem da juventude à vida adulta.
É importante que estes enquadramentos gerais, produzidos pelos dados estatísticos e
pelas pesquisas que apontam as mudanças nas macroestruturas sociais, sejam
complementados por pesquisas de natureza qualitativa que possam testar em escala cotidiana,
a validade do que é geral e, ao mesmo tempo, identificar nuances dessas tendências nas
maneiras como os jovens confirmam, ressignificam ou reagem a elas.
73
Além disso, era preciso afastar o mais que possível os traços de pobreza e outras
inconformidades com a asséptica noção de urbanidade moderna. Desde então, pobres e
portadores de doenças consideradas perigosas foram empurrados para as regiões mais
afastadas do centro da cidade, ficando esta área reservada para a instalação das grandes casas
comerciais e moradias da elite da economia da seringa. No olhar de Dias (2007, p. 45) os
trabalhadores são o grupo mais afetados pelo novo ordenamento da cidade.
O que se observa é que naquele período, semelhante ao que ocorre hoje e resguardadas
as devidas singularidades dos dois momentos, habitar os lugares mais afastados da cidade
representava ficar desassistido ou obter em condições muito desiguais de qualidade, serviços
constitutivos do modelo de vida urbana moderna e certos benefícios proporcionados pelo
desenvolvimento técnico-científico, tais como água encanada, transporte coletivo, energia
elétrica, pavimentação de ruas etc.26
No bojo do movimento de urbanização e transformação de Manaus em vitrine do
sucesso da economia gomífera, ocorreu um consequente crescimento demográfico,
impulsionado pela migração de trabalhadores, comerciantes, investidores e outros atores que a
nova dinâmica da cidade acomodava. A força de trabalho direcionada aos seringais veio
principalmente da região nordeste, com especial contribuição do Estado do Ceará. Foi assim
que a população de Manaus saltou de 8.500 habitantes identificados no ano de 1852 para
50.300 em 1890, e continuou a crescer, impulsionada pelo processo migratório. (DIAS, 2007,
p. 35).
26
Embora a malha urbana de Manaus seja hoje uma complexa arena na qual a precariedade e a suntuosidade
disputam lugar por toda a parte, as regiões mais afastadas do centro e habitadas pelos mais pobres padecem de
modo mais acentuado desse tipo de problema.
75
Para o maior contingente dessa população de migrantes como também para os nativos
que ocupavam os postos de trabalho menos qualificados, o espaço que a moderna Manaus
tinha a oferecer para moradia eram aqueles mais distantes da região central e, portanto, longe
de seus locais de trabalho, além de desassistidos de serviços públicos ou então, os novos
cortiços que o Código Municipal ajudava a maquiar27, afora aqueles que viviam as condições
aviltantes de trabalho nos seringais.
O fato é que a riqueza e a melhoria da qualidade de vida gerada no ciclo econômico da
Borracha além de não ter chegado para todos nos tempos áureos dessa economia, não foi
capaz de se proteger do contrabando de sementes para as colônias inglesas na Ásia (sobretudo
na Malásia) e mais tarde, não sobreviveu à concorrência da borracha asiática de menor preço
e maior qualidade, mesmo quando se tratava da importação para o mercado local.
Com o esmorecimento do ciclo econômico da borracha alguns migrantes retornaram
aos seus lugares de origem e muitos permaneceram no Amazonas em condições precárias de
vida. Os governantes dos estados do norte passaram, então, a se empenhar na defesa de
demandas específicas para a região, dentro do conjunto da pauta desenvolvimentista que
ganhou força no país, principalmente no período pós Segunda Guerra. Das muitas costuras em
âmbito nacional, destaca-se a idealização e implantação já no governo dos militares da Zona
de Livre Comércio de Manaus28. Esta pode ser tomada como uma segunda alternativa
econômica que teve grandes impactos na urbanização de Manaus.
Do ponto de vista demográfico, a implantação da Zona Franca acarreta a Manaus um
segundo surto de crescimento. Historicamente, a capital sempre concentrou uma parcela
significativa da população do Estado, mas a partir dos anos 60 esse processo se intensifica em
27
Do trabalho de Dias (2007, p. 124) destaca-se trecho esclarecedor sobre a questão habitacional na cidade de
Manaus nos fins do Século XIX e início do Século XX: “Os cortiços surgem no momento em que as antigas
barracas ou palhoças são destruídas, dando oportunidade para que os especuladores construam, em pleno centro,
prédios de fachada, escuros, sem luz, água, nem ventilação, sem nenhuma condição de higiene, que são alugados
por elevados preços a pessoas absorvidas pelo novo mercado de trabalho e de consumo que se amplia cada vez
mais”.
28
A Zona Franca de Manaus (ZFM) foi criada pela Lei Nº 3.173 de 06 de junho de 1957, como Porto Livre. Dez
anos depois, o Governo Federal, por meio do Decreto-Lei Nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, ampliou essa
legislação e reformulou o modelo, estabelecendo incentivos fiscais por 30 anos para implantação de um pólo
industrial, comercial e agropecuário na Amazônia. A ZFM engloba uma área física de 10 mil km², tendo como
centro a cidade de Manaus. O modelo está assentado em Incentivos Fiscais e Extrafiscais. Desde sua criação a
vigência do projeto foi prorrogada por diversas vezes. O prazo de vigência atual é o ano de 2023,
conforme Emenda Constitucional n.º 42, de 19 de dezembro de 2003; SUFRAMA, 2013, Disponível em:
http://www.suframa.gov.br/zfm_historia.cfm, Acesso em: 15/08/2013.
76
decorrência da atração que a ZFM exerce sobre investidores e migrantes de outras regiões do
país e também do interior do Estado.
A materialidade de que é constituído esse modo de habitar a cidade têm efeitos diretos
na circulação, no estabelecimento da moradia e, no plano simbólico, até sobre a formação do
campo de possibilidades para os diferentes estratos sociais encontrados em Manaus. Ainda
seguindo as pistas de Durham, observa-se que as periferias urbanas produzem os fenômenos
da “segregação e da imobilidade relativas da população” (DURHAM, 1986, p. 2).
Os jovens da pesquisa habitam diferentes regiões de Manaus (Grande Vitória, Zumbi,
Puraquequara, Coroado, Petrópolis e Parque Riachuelo). Estas localidades estão em diferentes
graus de afastamento da área central da cidade e suas formações ocorreram em diversos
períodos, mas pode-se dizer que todas elas encontram-se num momento específico do
fenômeno de formação das periferias urbanas descrito por Durham.
Bairros mais antigos tais como Coroado e Petrópolis, apesar de ainda apresentarem
resquícios da precariedade que predominou no início, já foram engolidos pela cidade,
enquanto que os aglomerados de mais recente formação e aqueles mais afastados como
78
Tá animado pra ir pra um canto, vai esperar o ônibus passa até a vontade de
ir de tanto que demora pra chegar, principalmente aqui nesse bairro que é
meio esquecido, afastado, distante de tudo. Pra ir pra um canto tem que sair
bem cedo, esperar ônibus, pegar outro, ir pra outro canto... Pra voltar tem
que ter aquela preocupação de voltar mais cedo porque é longe e os ônibus
param de passar, quando passam não param na parada. (Taís, trecho da
segunda entrevista).
Nestes trechos extraídos das falas das jovens Daniele e Taís, pode-se perceber quão
dispendioso e cansativo pode ser uma simples volta para casa ou uma visita a um ponto de
lazer mais afastado de suas residências.
29
Manaus possui cinco terminais de integração entre linhas de ônibus. Estes terminais são conhecidos na cidade
pelas siglas T1, T2, T3, T4 e T5.
30
Do total de 270 escolas que oferecem o Ensino Médio na rede estadual do Amazonas, 100 escolas estão em
Manaus. Os dados sobre a matrícula inicial da rede estadual para o Ensino Médio em 2013 indicam que 50,2%
da demanda se encontra na capital Manaus. (Fonte: SEDUC/DPGF/GEPES, 2013).
80
região norte e também da taxa nacional que são respectivamente 41,3% e 51,6% (IBGE,
2012). Isso significa que menos da metade dos jovens de 15 a 17 anos que estão estudando no
Amazonas encontra-se no ensino médio, que seria a etapa de ensino prevista para as pessoas
dessa idade.
Por sua vez, os jovens entre 18 e 24 anos, de quem se espera estar cursando o ensino
superior, têm acessado de modo muito tímido esse nível de ensino no estado, o que não difere
muito da situação do país como um todo. A taxa de frequência líquida da população residente
no Amazonas entre 18 e 24 anos no ensino superior é de 12,3%, enquanto a média nacional é
de 14,6 (IBGE, 2012).
Quanto aos anos de estudo da população de 25 anos ou mais residente no Amazonas,
apura-se que 29,2% possuem 11 anos de estudo (o que teoricamente seria suficiente para
conclusão do ensino fundamental e médio) e 12,8 possuem 12 anos ou mais de estudo. A
média de anos de estudo das pessoas de 25 anos de idade ou mais na região norte é de 6,7
anos, enquanto que a média nacional é de 7,3 anos e de 8,1 anos na região sudeste.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica verificado para a etapa do ensino
médio no Estado do Amazonas, no ano de 2011, foi de 3,5, sendo que a rede estadual
apresenta o índice de 3,4 e a rede particular alcança 5,0.
Sabemos que esses dados ganham diferentes volumes quando se opera o recorte por
faixas de renda, cor, sexo, local de moradia e outras variáveis que historicamente produzem
desigualdades que afetam principalmente alguns grupos de pessoas no Brasil (em especial
pobres, pretos e pardos). Embora não estejam aqui disponibilizados esses desmembramentos
estatísticos, os elementos qualitativos reunidos na pesquisa indicam algumas das clivagens
que compõem essas desigualdades no acesso e qualidade ao ensino médio na cidade de
Manaus.
A pesquisa identifica que a disparidade entre as regiões centrais e as áreas periféricas
de Manaus também se evidencia quando considerado o atendimento das instituições públicas
de ensino, havendo uma tendência à precarização e baixa qualidade do ensino nas escolas
públicas situadas nos bairros mais afastados.
As redes públicas de ensino municipal e estadual compartilham a dificuldade de
cobertura de uma demanda extremamente flutuante tanto em quantidade, quanto nas
características sociais e culturais. De um lado, o acúmulo histórico da formação desta
demanda escolar na cidade de Manaus torna-se realmente um grande desafio para o poder
público, de outro havemos de mencionar que as estratégias de atendimento utilizadas tanto na
esfera municipal quanto estadual não têm sido suficientes para enfrentar a constrangedora
81
31
O Amazonas também é uma das unidades da federação que menos contribui com o total de emigrantes
internacionais, sendo o 7º estado que menos emigrantes possui.
82
instituições de ensino, exceto quando se trata de famílias residentes no interior do estado, que
vêm na capital melhores oportunidades educativas para os filhos e os auxiliam na mudança
para Manaus, contando em muitos casos com o acolhimento de familiares, amigos ou
recorrendo ao aluguel ou aquisição de casas para moradia dos filhos.
Sem desconsiderar o peso, ainda por ser aferido, das questões culturais que motivam a
permanência dos jovens nas residências dos pais, o alto custo da moradia em Manaus,
principalmente os valores de aluguel ou compra de imóveis, figura como fator que contribui
fortemente para o não estabelecimento de unidades autônomas de moradia por parte dos
jovens na cidade.
Diante da dificuldade de estabelecer domicílio próprio, muitos jovens aderem ao
sistema de moradia conjugada (puxadinhos) ou fazem os seus quartos de verdadeiras ilhas
dentro da casa dos pais. Não por acaso, o Estado do Amazonas apresenta a menor proporção
de unidades unipessoais, ou seja, residências composta por um só indivíduo (IBGE, CENSO
2010).
Recentemente, com a expansão da Universidade Federal do Amazonas para algumas
cidades do interior, mediante a criação de unidades permanentes32, começa a se observar a
formação de uma demanda de jovens universitários saindo da capital para o interior e o
surgimento da cultura da moradia coletiva em sistema de república, principalmente por ser
esta uma alternativa de redução de custos.
A existência de unidades permanentes da UFAM nas cidades do interior, juntamente
com a criação da Universidade do Estado do Amazonas - UEA - no ano de 200133 e sua
consequente expansão para o interior do Estado são fatores que também têm contribuído para
permanência de muitos jovens nas cidades de origem. Essas instituições têm atendido no
ensino superior uma expressiva demanda dos habitantes do interior.
Cabe dizer que por longos anos restava ao habitante do interior do Amazonas como
oportunidade de continuidade de estudos no ensino superior, a participação nos eventuais
cursos especiais ofertados pela Universidade Federal, ou a mudança para a Capital, opção que
não se fazia plausível para grande parte dos jovens concluintes do ensino médio nas pequenas
cidades.
32
A criação de unidades permanentes da UFAM em cidades do interior se inicia no ano de 2005. Atualmente
estão em funcionamento cinco unidades com sede nos municípios de Benjamin Constant, Coari, Itacoatiara,
Humaitá e Parintins.
33
A Universidade do Estado do Amazonas foi instituída pela Lei N.º 2.637, de 12 de janeiro de 2001. A UEA
agrega cinco Escolas Superiores na Capital, seis Centros de Ensino Superior e dez Núcleos de Ensino Superior
instalados em diversas cidades do interior. Os Centros de Ensino Superior e as Escolas superiores possuem
cursos de oferta regular, enquanto os Núcleos ofertam cursos de caráter especial.
83
34
O curso de Medicina, que é o mais concorrido da UFAM, desde a adoção do SISU tem apresentado as maiores
taxas de alunos vindos de fora do Estado, havendo edições do referido processo seletivo nas quais nenhum
amazonense foi convocado em primeira chamada. Notícias relacionadas a essa situação têm grande repercussão
no cenário local. Após a divulgação da primeira lista de chamada da primeira edição do SISU no ano de 2013, o
preenchimento da totalidade das vagas por estudantes de outros estados foi notícia na mídia local (Jornal
televisivo Band Cidade – Edição Amazonas de 21/02/2013, disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=GXCV5M3V13E, acesso em 14 de outubro de 2013; Portal D24am.com –
21/02/2013, disponível em: http://www.d24am.com/noticias/concursos-/estudantes-do-amazonas-ficam-de-fora-
do-curso-de-medicina-da-ufam/80705, acesso em 14 de outubro de 2013).
35
Disponível em: http://estaticog1.globo.com/2013/05/sisu/, Acesso em 12/06/2013.
84
obtém-se para o quesito qualidade, apenas 5 citações entre os jovens da escola do bairro e
para localização, 17 citações no caso dos jovens da escola do centro.
As idades dos jovens variam entre 14 e 27 anos, extraindo-se em ambas as escolas,
médias de idade situadas entre a faixa de 15 e 17 anos (Gráfico 1). Este quesito também
revela diferentes situações de desajuste entre idade e série para as duas escolas. Na escola do
bairro é mais expressivo o percentual de estudantes com idade superior àquela esperada para o
primeiro ano do ensino médio (15 à 16 anos de idade). Nessa escola, 64,4% do total de
estudantes participantes da pesquisa apresenta atraso escolar. Na escola do centro, os casos de
distorção idade-série são em menor número, equivalendo a 9,83%.
Neste quesito é importante considerar que essas escolas se encontram em diferentes
posições quando relacionadas ao índice de 49% de distorção, apurado para o conjunto das
escolas estaduais do Amazonas que atuam no ensino médio. Observa-se, portanto, que a
escola do centro possui um índice de distorção bem mais baixo que o estadual, enquanto que a
escola do bairro apresenta um índice que supera em mais de quinze pontos percentuais aquele
aferido para o Estado, que já é bastante alto comparado com o índice nacional de 31%36.
Média
Média
ção
institucional
Outro aspecto a considerar na leitura dos números sobre distorção idade-série, diz
respeito aos diferentes turnos de oferta do ensino médio nas duas escolas, pois na escola do
centro a oferta se dava no horário vespertino e na escola do bairro no horário noturno.
36
Dados extraídos do Portal QEdu, elaborados com base nos resultados da Prova Brasil e Censo Escolar do
INEP. Disponível em: http://www.qedu.org.br/brasil/distorcao-idade-serie?dependence=0&localization=
0&stageId=initial_years&year=2012. Acesso em: 18 de novembro de 2013.
86
No quesito estado civil, verifica-se que 93,3% dos jovens são solteiros/as e apenas
6,7% declaram possuir algum tipo situação conjugal (casados, conviventes, amigados etc.). A
87
maioria (91%) declara não ter filhos e entre aqueles que os tem (9%, equivalente a 12 jovens,
todos da escola do bairro), apenas 1 é do sexo masculino. Do cruzamento entre as variáveis
estado civil e maternidade/paternidade, obtemos um resultado de 5 jovens pais/mães
solteiros/as e 7 casados/conviventes (Tabela 2). A situação mais comum é de apenas 1 filho,
encontrando-se somente uma jovem com 3 filhos.
A maioria dos jovens nasceu no próprio Estado do Amazonas (87,3%), sendo
diversificados os municípios de origem, com predominância de manauaras (70,1%). Estes
jovens, em sua maior parte, residem em Manaus desde o nascimento e entre aqueles que
provêm de outros municípios e os nascidos na cidade de Manaus que residiram fora por algum
tempo, observa-se que a maioria mora em Manaus por um período de 6 a 10 anos.
Tem filhos
Não Sim Total
Quanto ao local de moradia, nos itens bairro e zona, o grupo revela-se bastante
heterogêneo, sendo citados 40 bairros diferentes37 quando considerados os jovens de ambas as
escolas. Observa-se, contudo, que todos os jovens da escola do bairro residem na mesma zona
da Escola (zona leste), a maioria na própria comunidade de Grande Vitória e dos demais em
bairros vizinhos.
Dos jovens consultados nesta primeira fase da pesquisa, apenas 1 mora sozinho, sendo
a residência dos demais composta por diferentes arranjos familiares 38. A maioria dos jovens
vive com 3 a 5 pessoas (tabela 3) e 37,3% colaboram com o pagamento das despesas da casa.
37
Nem todas as localidades citadas correspondem à classificação oficial de bairros, mas assim são reconhecidos
pela maioria dos residentes que se utilizam de referenciais diversificados de localização nem sempre
coincidentes com os limites oficiais.
38
Esta questão admitia que os jovens marcassem quantas opções fossem necessárias para representar a
composição de sua família (pessoas com quem mora), porém, algumas respostas entram em desacordo com a
questão relacionada ao número de pessoas que residem na casa, demonstrando que houve problema na
compreensão. Ainda assim, foi possível perceber que a maioria mora com familiares e que a mãe é o membro
mais citado.
88
a ocupações de baixa remuneração sendo a mais citada para os pais a profissão de pedreiro
(14 citações) e para as mães os serviços domésticos, observando-se as seguintes variações:
diarista (3 citações), doméstica (18 citações), dona de casa (18 citações) e empregada
doméstica (15 citações). Por tratar de um item aberto do questionário as respostas
apresentaram bastante variação e, em alguns casos, certa imprecisão.
Alguns jovens referiram-se não ao posto ocupado pelos pais, mas a área de ocupação
(administração, vendas, restaurante, saúde etc.); outros mencionaram o nome das empresas
em que os pais trabalham. Além disso, 13 jovens deixaram de responder ao quesito profissão
do pai, dos quais 4 indicaram não sabê-lo, e 7 jovens deixaram de fazê-lo no item profissão da
mãe, com 2 indicações de não saber.
Por sua vez, a renda familiar predominante encontra-se na faixa de 1 a 2 salários
mínimos (na ocasião da aplicação equivalente à faixa de R$510,00 a R$1.020,00). Reunidas
as faixas de 1 até 5 salários mínimos, obtém-se um percentual acumulado de 84,1% das
respostas válidas (Tabela 6).
percentuais nas três primeiras faixas de renda (da faixa de até 1 salário mínimo à faixa de 2 a
5 salários mínimos). Já nas famílias dos jovens vinculados à escola do centro, esta
concentração ocorre nas três faixas intermediárias (da faixa de 1 a 2 salários mínimos à faixa
de 5 a 10 salários mínimos).
para o trabalho, 41,7% pretendem participar desse tipo de atividade e apenas 8,2% dos jovens
não pretendem participar. As atividades mais citadas neste item foram estágios, participação
em programas de aprendizagem, cursos de idiomas (sobretudo inglês) e cursos de informática.
A preocupação com o campo profissional anunciada nas estratégias de formação
complementar utilizadas pelos jovens enquanto cursam o ensino médio, também se reflete e é
reforçada nas respostas sobre o desenvolvimento de alguma atividade remunerada. Para
20,8% destes jovens a inserção profissional já se realizou em atividades as mais diversas e
com distintos graus de formalização (Tabela 9 e Quadro 7).
Verifica-se no conjunto dos dados que, embora a maioria (51,8%) esteja envolvida em
atividades reguladas (estágios supervisionados e carteira assinada), há um percentual
39
Neste quesito as respostas eram livremente construídas pelos jovens, de modo que em alguns casos não se
reportam as atividades específicas que desenvolvem, mas a áreas e locais de trabalho.
92
significativo (40,7%) de jovens cuja situação ocupacional não se inscreve nestes marcos de
regularização (Tabela 10).
Dentre os jovens que não desenvolvem nenhuma atividade remunerada, 66,4% estão à
procura de trabalho e 10,4% não pretendem trabalhar agora (Tabela 9). Isso indica que a
maior parte dos jovens alcançados nessa fase da pesquisa faz parte da população
economicamente ativa, alguns estão efetivamente no mercado de trabalho e outros à procura
de emprego. Estes dados indicam que seria impertinente centrar a análise da realidade destes
jovens nas noções de diferimento da inserção profissional ou da moratória social da
juventude.
Na tentativa de captar um pouco mais da dinâmica da relação estabelecida entre os
jovens e o mercado de trabalho, um último bloco de questões sondou as perspectivas e leituras
atuais dos jovens sobre sua inserção profissional, incluindo perguntas sobre os seguintes itens:
áreas de atividade para as quais enviaria currículo (considerando esta uma atividade típica
daqueles que procuram emprego); áreas nas quais consideram ter chances reais de conseguir
emprego; ambientes/meios e pessoas que já procurou ou procuraria para obter informações
sobre o mercado de trabalho; expectativas profissionais para um período de 10 anos e, por
fim, contribuição das atividades desenvolvidas na escola de ensino médio para o alcance de
seus objetivos no campo profissional.
Para cada área profissional foram listados alguns locais de trabalho a fim de facilitar a
compreensão dos jovens. A questão admitia múltiplas escolhas e a maioria dos jovens se
utilizou desse recurso. No quadro geral de respostas (Quadro 8) as áreas mais citadas foram,
respectivamente, indústria (82 citações); comércio (61 citações); saúde (46 citações) e turismo
(45 citações). A área menos citada foi serviços avulsos (4 citações).
Estas áreas apontadas como as mais procuradas também são as que recebem o maior
número de citações quando o que está em questão são as chances reais de conseguir emprego,
93
havendo apenas uma inversão na posição das áreas de saúde e turismo (Quadro 9). Neste
quesito os serviços avulsos também se mantêm como a área menos citada.
Frequência
Indústria 82
Comércio 61
Saúde 46
Turismo 45
Educação 30
Entretenimento 17
Alimentação 16
Outros 7
Serviços avulsos 4
Total 308
Frequência
Indústria 54
Comércio 53
Turismo 21
Saúde 17
Educação 11
Entretenimento 10
Alimentação 7
Serviços avulsos 6
Outros 4
Total 183
É interessante notar que o número de citações, por área e geral, é maior quando se trata
da procura por trabalho (308 citações) e diminui consideravelmente no quesito relacionado às
chances de conseguir emprego (183 citações no total). Isto sugere que a leitura dos jovens
sobre as oportunidades de trabalho refrata as marcas do estado atual do mercado de trabalho,
cujo processo de enxugamento de postos e novas exigências de formação, tendem a aumentar
o espaço entre o ato da procura e da escolha voluntária por uma área ou local de trabalho e a
conquista de uma vaga.
Parece que os jovens tem se dado conta de que, diante desta configuração do mercado,
melhor é ampliar os horizontes da procura, ainda que nem sempre estejam relacionados aos
campos em que possuem maiores perspectivas de inserção ou maior propensão e gosto com
relação à atividade.
As posições que as áreas assumem na hierarquia das respostas dos jovens revelam
ainda a influência, tanto no nível das representações quanto no nível da experiência, que a
94
dinâmica da economia local e nacional possui na construção desta noção sobre chances e
oportunidades de emprego. O fato das áreas da indústria, comércio e saúde constarem do topo
desta classificação conferida pelos jovens, pode estar associado tanto à percepção da real
presença destes setores na oferta de vagas em Manaus, como também pode estar articulada à
ideia de trabalho formal e regulado, características que talvez ainda não estejam
suficientemente claras nas elaborações sobre o trabalho em setores como serviços e
entretenimento, que não por acaso são duas áreas que obtiveram as menores citações entre os
jovens, muito embora estejam em franca ascensão na cidade, sobretudo na oferta de vagas
para jovens.
As projeções e a experiência da procura de trabalho pelos jovens também é afetada
pela ação das instituições e grupos dos quais fazem parte ou a que tem acesso. Neste aspecto
foi interessante observar os ambientes/locais e as pessoas de referência para obtenção de
informações sobre o mercado de trabalho (Quadro 10).
mediação entre as vagas disponíveis no mercado e os jovens, admitindo assim, dois tipos de
movimento, um que se dá por meio da ação do jovem em busca da informação/vaga e um que
faz o percurso contrário e leva a informação/vaga até os jovens. Nos dois outros meios
(família e internet) pode-se dizer que o movimento mais comum seria dado pela ação do
jovem na direção da procura pela informação/vaga.
Apesar do questionário não ter permitido maior detalhamento sobre os membros da
família a quem os jovens efetivamente recorrem em busca de orientações sobre o mercado de
trabalho, o destaque que as mães apresentaram no quesito relacionado à composição familiar,
somado aos relatos coletados durante as entrevistas, levam-nos à compreensão de que são
estas e também os irmãos e irmãs mais velhos/as os membros mais procurados pelos jovens
para tratar do assunto. Em todo caso, concluímos que o inventário minucioso dos modos
como famílias populares prestam esta orientação aos jovens é uma tarefa necessária.
Na busca pelo conhecimento dos interlocutores dos jovens quando se trata de escolhas
profissionais, inserção no mercado de trabalho e decisões sobre continuidade de estudos,
Melo (2011) defende que além de levantar a frequência com que determinados meios e
pessoas são acessados é preciso averiguar a importância atribuída pelos jovens a estas
diferentes intervenções. Segundo a autora, pode haver casos em que meios e/ou pessoas
apontados como os menos procurados, estejam entre os que exercem maior peso nas decisões
dos jovens e vice-versa.
Na questão relacionada às expectativas profissionais para um período de 10 anos,
houve uma variação grande nas opções mencionadas pelos jovens. A maioria dos jovens
indicou uma profissão ou área profissional na qual gostaria de estar integrado, mas houve
também aqueles que utilizaram o espaço para registrar objetivos mais genéricos tais como,
estar empregado (20 citações), ter negócio próprio (9 citações), ter concluído o ensino
superior (7 citações) e até um jovem que mencionou a intenção de concluir um curso técnico
para pagar o curso de graduação em direito (Quadro 11).
Entre as profissões e áreas as opções mais citadas foram, respectivamente, medicina
(24 vezes), direito (14 vezes) e engenharia (12 vezes). Destaque-se ainda que 15 jovens não
responderam esta questão, e, por outro lado, houve jovens que mencionaram mais de um item
na resposta.
As três áreas mais citadas pelos jovens (medicina, direito e engenharia) fazem parte de
um grupo profissional com grande prestígio social e boa média de remuneração, sendo
também áreas que apresentam um alto teor de seletividade que se expressa desde acirrada
concorrência nos processos seletivos para ingresso nos cursos de formação, passando pelo
96
elevado custo dos materiais e livros necessários ao longo da formação e chegando até o
momento da inserção profissional, quando as redes de relações pessoais jogam um importante
papel.
Respostas Frequência
Não respondeu 15
Administração 8
Arquitetura 5
Atriz 1
Auxiliar administrativo 1
Biologia 4
Ciência da Computação 1
Computação/manutenção 1
Contabilidade 2
Designer Gráfico 1
Direito 14
Economia 1
Educação física 6
Engenharia 12
Enfermagem 3
Estar empregado 20
Eventos 2
Fazer Curso técnico para pagar faculdade de Direito 1
Forças Armadas 1
Gerente 1
Industriário 2
Jornalismo 8
Medicina 24
Moda 1
Modelo 1
Música 2
Odontologia 5
Pedagogia 1
Policial 1
Professora 3
Psicologia 4
Química 1
Saúde 1
Serviço Social 1
Secretária 1
Tecnologia 1
Turismo 2
Teatro 1
Ter concluído o ensino superior 7
Ter negócio próprio 9
Pelo perfil do capital escolar e profissional40 que predomina nas famílias destes jovens,
pode-se dizer que o capital cultural objetivado nos títulos escolares será o principal recurso de
40
Opera-se aqui com a noção de Capital utilizada heuristicamente por Bourdieu (1992 e 2008) para explicar, por
analogia às características que a noção possui no campo econômico (acumulação, transmissão por herança e
97
que irão dispor, caso decidam dar corpo a projetos profissionais em setores como os três aqui
citados, nos quais os critérios de concorrência e seleção nem sempre são suficientemente
explícitos ou objetiváveis.
As respostas dos jovens à pergunta sobre a contribuição das atividades desenvolvidas
na escola de ensino médio revelam, em primeira instância, que o grupo reforça a credibilidade
da escola como lugar de preparação para o trabalho, já que 80,6% escolheram a resposta:
“sim, a escola contribui para o alcance dos objetivos profissionais” (Tabela 11).
Na complementação destas respostas aparece uma questão intrigante, visto que muitas
das justificativas adicionadas à resposta sim, fazem referência a uma visão genérica e
projetada da escola como local de aquisição do saber e preparação para o futuro e não
exatamente à escola que frequentam ou às experiências que lá vivenciam: “porque sem ela
não poderia alcançar nada”; “porque aprendo mais e me preparo para o futuro”; “estou me
preparando para alcançar meu objetivo”; “pois todo o sacrifício que estou fazendo agora eu
sei que terei um bom resultado muito positivo”; dentre outros. (respostas extraídas dos
questionários).
Por outro lado, os que respondem não a esta questão, são mais específicos em suas
justificativas: “baixa qualidade de ensino”; “por estudar com pessoas mais velhas os
professores são obrigados a passar assuntos mais fracos”; “porque o ensino público é muito
vago e não específico”; “falta uma preparação dos professores para lidar com os jovens de
hoje em dia”; dentre outros (respostas obtidas dos questionários).
Sobre a capacidade da política de educação contribuir com a melhoria das condições
de vida da população pobre, alguns pesquisadores (NERI, 2007, POCHMAN, 2004, dentre
outros) apresentam argumentos e dados que comprovam os impactos da escolarização tanto
na elevação do padrão material de vida dos indivíduos, diretamente relacionado à maior
rentabilidade), os modos como diferentes propriedades - materiais e simbólicas - atuam na definição das
posições sociais dos indivíduos e grupos e na reprodução social.
98
41
Segundo Neri (2007) os salários dos universitários excedem em 540% o dos analfabetos e a chance de
ocupação é 308% maior.
99
currículo e organização do trabalho escolar, cujos tempos e espaços não dialogam com a
realidade juvenil e com muitas das novas demandas que esse público enfrenta na transição
para a vida adulta.
100
A transição para a vida adulta tem sido um dos temas mais explorados nos estudos
sociológicos sobre jovens. Dependendo do ângulo de observação, pode-se tomar a noção de
transição para nomear o fenômeno da saída da juventude e entrada na vida adulta como fato
concluído, ou seja, o momento do ciclo da vida em que um indivíduo deixa de ser jovem e
passa a ser adulto; ou, por outra perspectiva, pode-se fazer o estudo da transição como um
processo de maior extensão, que é constituído de aproximações graduais dos jovens com
relação aquilo que representa e institui o adulto nas diferentes sociedades.
Assim como os significados de ser jovem e de ser adulto variam nas diferentes
culturas e sociedades, a passagem entre essas fases da vida também se associam a diferentes
marcadores. Há grupos sociais para os quais os sinais de maturação do corpo são indicadores
suficientes para que se considere que um indivíduo jovem transitou para a vida adulta e está
em condições de assumir o papel social conferido a essa segunda fase. Nesse tipo de
sociedade, a passagem geralmente é publicizada por meio de um ritual.
As sociedades modernas ocidentais consideram os aspectos biológicos na definição de
juventude e vida adulta e também possuem alguns rituais típicos de determinados momentos
da vida, mas estes dois elementos não são suficientes para enquadrar um indivíduo na
condição de jovem ou de adulto e assim também, para compreender o processo de transição
nessas sociedades.
Os múltiplos pertencimentos e os critérios de diferenciação social dos indivíduos
atuantes nessas sociedades inserem outras dimensões a serem consideradas no tratamento da
transição da juventude para a vida adulta. Com o aprofundamento dos pressupostos da
modernidade observados nas formações sociais na atualidade, definir aquilo que é
especificidade da juventude e o que é particular ao ser adulto, tornou-se tarefa ainda mais
complexa.
Sabendo da complexidade que representam as trocas entre o ser jovem e o ser adulto
nas sociedades modernas atuais, entre estas a sociedade brasileira, este estudo adota a
perspectiva de análise da transição como um processo, ou seja, entende que a transição para a
vida adulta não é o ato final de passagem entre fases, mas o movimento de experimentação
gradual e às vezes concomitante de situações peculiares a uma ou a outra fase da vida que os
indivíduos protagonizam em dados momentos de sua existência.
102
1970, do qual foram apresentados alguns dos principais traços no capítulo anterior, tem
afetado substancialmente os modos de passagem da juventude para a vida adulta.
Os pesquisadores identificam que o modelo de transição assentado no cumprimento de
uma sequência linear das etapas de escolarização, inserção profissional, saída da casa dos
pais, casamento e nascimento do primeiro filho, que predominou em outros momentos das
sociedades modernas de economia capitalista, já não ocorre para a maioria dos jovens.
No modo linear de fazer a transição para a vida adulta, as passagens entre estágios
(escola-trabalho; trabalho-saída da casa dos pais; saída da casa dos pais-casamento etc.)
configuravam transições específicas a partir das quais se fazia a travessia mais ampla para a
vida adulta. Assim é que as maiores possibilidades de uma pessoa permanecer no mesmo
emprego ou numa carreira profissional por toda a vida, independente do grau de qualificação
ou prestígio social da ocupação, representava um pré-requisito importante para a
concretização de fases seguintes, como o domicílio próprio ou o casamento.
Nos contextos em que as transições intermediárias foram incorporadas aos projetos
político-institucionais e culturais de transição para a vida adulta, cada um dos estágios
proporcionava uma espécie de preparação e recursos para o estágio seguinte. Sabe-se, contudo
que este modelo aterrissou com diferente força nas distintas sociedades. Na transição da
escola para o trabalho, por exemplo, há países que configuraram uma relação de passagem
mais ou menos pré-programada entre os processos formativos institucionalizados e o mercado
de trabalho e outros nos quais o trabalho se apresentou para grande contingente da população
como um campo independente da escolarização, como sabemos é o caso do Brasil.
No estudo de Tartuce (2007) sobre a transição escola-trabalho, a partir das
experiências de escolarização e de inserção profissional de jovens da cidade de São Paulo,
fica claro que por aqui há evidentemente uma convivência entre escola e trabalho, na medida
em que os jovens estão inseridos em ambos os lugares, mas não há, necessariamente, uma
transição, principalmente quando considerada a escolarização de nível médio.
O que pode ser generalizado acerca dos novos padrões de transição para a vida adulta
é que a sequência típica que outrora predominou já não é vivida pela maioria dos jovens em
virtude, tanto de mudanças socioeconômicas e culturais mais amplas, quanto por questões que
se operam no campo subjetivo. Em seu lugar vão surgindo trajetórias diversificadas que
emprestam sentidos diferentes a cada uma das etapas isoladamente e também às relações
estabelecidas entre estas.
Assim, é que, com muita frequência, podem ser encontrados, hoje, jovens que se
casam ou passam a coabitar sem ter saído da casa dos pais; permanecem na casa dos pais
mesmo tendo alcançado independência financeira por meio de empregos bem remunerados;
casam-se, separam-se e voltam à moradia da família de origem; adiam o ingresso no mercado
de trabalho em função do prolongamento da escolarização; saem da casa dos pais, mas
continuam a receber auxílios financeiros e de outras ordens; assim como podem ser
encontrados também jovens que descrevem trajetos lineares aos moldes tradicionais. Esses
novos arranjos que marcam a convivência dos jovens com suas famílias tencionam também os
sentidos de autonomia e independência.
Se, por um lado, a maior plasticidade das estruturas e das relações sobre as quais se
desenvolvem a experiência juvenil nos dias de hoje sugere que as possibilidades de escolha
dos jovens estão ampliadas, por outro, também apresenta elementos contraditórios, que
podem camuflar estados perversos de estagnação sob a aparente fluidez, conforme destacam
Guerreiro e Abrantes (2007, p. 39),
Nessa direção, é importante abrir aqui um parêntese para salientar que as mais recentes
pesquisas sobre a população juvenil no Brasil apontam dados preocupantes relacionados a um
significativo número de jovens que não se encontram nem na escola, nem no trabalho.42
42
A partir de estudo comparativo dos resultados dos Censos Populacionais de 2000 e 2010 do IBGE, Camarano
e Kanso (2012) apontam o aumento do número de jovens que não estudavam e nem trabalhavam. Em 2000, o
quantitativo de jovens nessa condição representava 16,9% da população juvenil, enquanto que em 2010 esse
percentual subiu para 17,2%. A Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião dos Jovens Brasileiros, desenvolvida
pela Secretaria Nacional de Juventude no ano de 2013, também sinaliza que uma importante parcela da
população juvenil (26%) encontra-se fora da escola e do mercado de trabalho. Quando se exclui aqueles que
estão à procura de trabalho, o percentual ainda é de 11%.
106
Quando considerado o conjunto das pessoas que têm entre 15 e 29 anos, os mais velhos são
maioria entre aqueles que estão fora da escola e do mercado de trabalho.
Mesmo com a ponderação de que para alguns desses jovens a condição de desfiliação
possa ser provisória, haja vista que a população juvenil é fortemente atingida pelo
desemprego recorrente e que para muitos a conclusão da escolarização básica ainda é um
desafio, os dados preocupam porque no Brasil estes dois espaços (escola e mercado de
trabalho) e as redes que ali se formam, são primordiais na estruturação das identidades
juvenis.
O estudo de Camarano e Kanso (2012) traz o perfil dos jovens que se estão nessa
condição que vem sendo nomeada de nem-nem. Segundo as autoras, a maioria destes jovens é
do sexo feminino, apesar do decréscimo da participação feminina no período analisado; eles
moravam nos domicílios da mais baixa faixa de renda, nos quais um menor número de
pessoas encontrava-se trabalhando e havia uma maior dependência da renda dos chefes, que,
por sua vez, tinham a mais baixa escolaridade.
Dentro das possibilidades técnicas do estudo, as autoras trazem importante
contribuição para a compreensão desse público, mas elas próprias terminam com a indagação:
“Esses jovens, principalmente os do sexo masculino, estavam esperando por uma
possibilidade de retorno à escola ou de ingresso (reingresso) no mercado de trabalho?”
(CAMARANO e KANSO, 2012, p. 43).
Saber mais sobre esses jovens e sobre aquilo que necessitam parece ser um importante
desafio tanto no plano das políticas públicas quanto no acadêmico. No estudo da transição
esse é um tema relevante, pois, a primeira vista, pode acenar para uma suspensão do
movimento, que é uma característica central da transição. Porém, é preciso avançar no
mapeamento dos fatores que têm produzido essa situação, para verificar até que ponto ela
expressa uma evasão do jovem da cena pública, e até que ponto ela é resultado do
investimento que os jovens podem estar fazendo em modos de inserção laboral e de formação
não necessariamente compatíveis com as medidas da estatística oficial.
Fechando esse parêntese sobre a situação dos jovens que não estudam e não trabalham,
pode-se considerar que, para os jovens de maneira geral, a transição para a vida adulta ocorre
em meio aos constrangimentos estruturais mais amplos, mas também reflete a diversidade de
percursos individuais. Diante do embate que se estabelece entre prescrições e
(im)possibilidades, que derivam das estruturas sociais, e intenções e estratégias de ação, que
marcam a ação do indivíduo, a reversibilidade ganha força como uma característica das ações
e decisões juvenis.
107
[...] Nas "voltas que a vida dá" é curioso constatar que o movimento (iô) de
socialização de pais para filhos dá uma volta de retorno (ioiô) que assegura
que também os pais sejam socializados pelos filhos, aculturizados por uma
cultura juvenil, cada vez mais referencial, nomeadamente no domínio da
moda e da valorização do corpo. (PAIS, 2005, p. 59, grifos do autor)
Também, neste aspecto, é preciso estar atento a uma contradição fundamental, pois ao
mesmo tempo em que os jovens têm se destacado na invenção de estratégias para lidar com as
novas ordens econômicas, sociais e culturais, muitos dos referenciais do modelo tradicional
do ser adulto permanecem a povoar seus horizontes.
Conforme constata Pimenta (2007) acerca dos relatos dos jovens participantes de sua
pesquisa: "a angústia dos(as) entrevistado(as) está justamente no menor controle sobre o
momento e a possibilidade de realização desses modelos, daí a sensação de 'atraso' ou
'descompasso' em relação às suas próprias expectativas e projeções para a vida adulta" (p.
451, grifos da autora).
Apesar da força que ganham os novos modelos de relação intergeracional na família,
mais abertos a negociações que eram impensáveis em outros contextos, a exemplo da divisão
das tarefas domésticas entre os membros do sexo feminino e masculino, do menor controle
dos pais sobre os horários de saída e chegada dos filhos, da permanência dos filhos no
domicílio de origem após a maternidade ou paternidade etc. permanecem significativos os
casos de jovens, especialmente as mulheres jovens, que vislumbram na maternidade e na
união conjugal a possibilidade de melhoria de vida e de ampliação da autonomia e
independência.
O que há de preocupante nesse quadro é que o contexto de precariedade que costuma
marcar essa experiência termina muitas vezes por situar os jovens em novos modos de
dependência e falta de autonomia, mesmo quando constituem domicílio próprio na condição
de cônjuges ou chefes de família.
108
dos menores de 18 anos há ainda uma lista de atividades em que é vedada a inserção, por
serem consideradas perigosas ou prejudiciais à saúde e segurança dos jovens. Essas atividades
compõem a lista das piores formas de trabalho infantil43, que também é utilizada como
referência na regulamentação do trabalho juvenil para os menores de 18 anos.
Além do trabalho, a escola é outro desses lugares em que se pensa com certa facilidade
quando a juventude brasileira está em pauta. Porém, diferente do que ocorre com a dimensão
do trabalho, a associação entre escola e juventude figura, na atualidade, como uma
unanimidade na sociedade brasileira, que além de tê-la transformado em norma jurídica, tem
nesse binômio (juventude-escola) uma das suas mais potentes representações sobre juventude.
Ainda assim, também nesse tema, a vida em sociedade revela muitas contradições entre o que
se sustenta como noção e como norma e o que se efetiva na trajetória dos sujeitos a que se
destinam os processos de escolarização.
Tomando como certa a relevância dessas duas esferas de socialização na discussão da
juventude brasileira, cabe ainda e permanentemente inventariar os padrões e pilares que na
atualidade sustentam e conferem importância a essas duas dimensões na estruturação dos
processos de transição para a vida adulta. Em tempos em que muito se fala sobre crise do
mundo do trabalho e da escola, resta saber: em que consiste a centralidade dessas duas esferas
na vida dos jovens contemporâneos?
As relações dos jovens de origem popular com esses dois campos de atuação humana
são, em muitos aspectos, diferentes daquelas vivenciadas por jovens das camadas médias e
das elites. A situação financeira da família dos jovens impõe diversos condicionantes às
relações laborais e escolares, mas a clareza de que nenhuma dimensão da vida dos jovens
determina de modo isolado suas trajetórias, tem motivado cada vez mais as ciências sociais a
dedicarem-se à compreensão da complexa teia que compõe uma trajetória, considerando as
imbricações entre objetividades e agência.
Na linha das conclusões gerais e tendências sobre o processo de escolarização dos
jovens de origem popular no Brasil contemporâneo, evidencia-se uma significativa ampliação
do acesso ao ensino médio por parte dessa parcela da população a partir dos anos 1990.
Também é fato que os dados sobre a dilatação da cobertura dessa etapa da educação escolar
normalmente são ladeados pela constatação de que a chegada desses jovens ao ensino médio
amplifica os desafios da qualidade da educação pública.
43
Decreto Nº 6.481, de 12 de junho de 2008.
111
Das vozes de docentes e de outros profissionais que atuam nas escolas também
emanam enfáticos relatos sobre um desinteresse generalizado dos estudantes pelas propostas
oferecidas por esta instituição. Os professores sentem-se desafiados por jovens que
questionam suas autoridades com frases do tipo: Quem você pensa que é? ou ainda, Estudar
para que?. Dificilmente se considera a possibilidade de estes jovens estarem ao seu modo,
fazendo perguntas sinceras sobre os sentidos dessa escola e todos os elementos a ela
associados.
Por mais importante que seja o mapeamento global das dificuldades dos jovens de
origem popular na relação com a escola, o desafio contemporâneo é recompor as muitas peças
de que é feito esse mosaico da dificuldade, distinguindo quais elementos lhe dão força e quais
aqueles que lhe contradizem.
Investigando trajetórias escolares de estudantes de origem popular, Zago (2010)
defende o argumento de que diferentes fatores estruturais e biográficos se entrecruzam na
definição de trajetórias escolares de longevidade ou de fracasso. Há variações inter e
intraindividuais que a pesquisa sobre a relação das classes populares com o saber escolar
precisa se preocupar em conhecer e compreender.
Ao abordar essa relação de estudantes de classes populares com a escola e com o saber
Charlot (1996) também argumenta que é necessário olhar as histórias singulares, sem
desconsiderar que estão inscritas em uma ordem social mais ampla, mas sabendo que esta
ordem é mediatizada de diferentes modos mesmo quando considerados indivíduos com
semelhantes posições na hierarquia social. Para o autor, as classes populares apresentam uma
diversidade de práticas de apoio à escolarização que contribuem para estruturar a história
escolar dos jovens, mas jamais a determinam, como também as variáveis posicionais clássicas
(classe, cor, sexo etc.) a estruturam, mas não a determinam.
Charlot também propõe uma releitura da noção de capital cultural quando
consideradas as classes populares. Para ele, essa camada da população possui um capital
cultural específico, que não é, necessariamente aquele conjunto de elementos tidos como
legítimos (tal como aponta a noção original formulada por Pierre Bourdieu). Nem sempre esse
capital cultural refere-se “à arte com um grande A” (CHARLOT, 1996, p. 58). Muitas vezes a
paixão e/ou o gosto pela leitura, pela política, pela participação no sindicato etc. cultivado na
família é a mola propulsora de uma história de sucesso escolar nos meios populares, muito
mais do que as práticas que atestam o nível do capital cultural.
Análises como essas de Zago e Charlot indicam que a tarefa de compreender as
relações das classes populares com a escola e todo o conjunto de normas, conteúdos, práticas
113
e símbolos que a ela estão atrelados, exige um olhar sobre as trocas que ocorrem entre a
ordem doméstica presente nos meios populares e as leituras e usos que os indivíduos
provenientes dessas camadas fazem dos espaços escolares e suas promessas. Nesse tipo de
análise as graduações intermediárias daquilo que constitui o “ser popular” e o “ser estudante”
são muito importantes de serem levantadas, e não somente os estados finais que classificam as
trajetórias.
No quesito das relações dos jovens de origem popular com o mercado de trabalho,
também sobressaem os problemas que os atingem. A pergunta que fica é: para além do mapa
do desemprego e da precarização do trabalho, da falta de regulamentação que ocasiona as
jornadas incompatíveis com a escola, os constrangimentos e assédios morais e a exposição
aos acidentes e outros perigos à saúde física e psicológica, o que o trabalho tem representado
para os jovens e seus processos de transição? Que mediações têm sido eficazes na proteção de
alguns jovens das classes populares diante desses problemas?
Se considerarmos que a relação dos jovens com o mundo do trabalho não se inicia
quando eles de fato assumem uma ocupação, o levantamento dos diferentes tempos e espaços
da construção dos sentidos do trabalho e das contribuições efetivas de suas redes de relações
para sua inserção são aspectos que também devem ser considerados na análise de suas
trajetórias, sem descartar, contudo, a indagação sobre o que tem feito o Estado em termos de
contribuição para a estruturação de trajetórias profissionais mais seguras e decentes
(utilizando aqui um termo proposto pela Organização Internacional do Trabalho – OIT para
referir-se ao trabalho realizado de modo seguro e regulado).
Não se pode negar que a escola e o trabalho são instâncias juvenis por excelência na
realidade brasileira, porém suas atuações no sentido da ampliação da autonomia e da
independência dos jovens e da produção de suportes importantes para que a transição ocorra
de modo mais seguro são ainda bastante incipientes, quando não inexistentes. Os jovens têm
acesso a essas instituições a partir de diferentes lugares sociais e possuem demandas
diferenciadas, nem sempre reconhecidas e articuladas às práticas que vivenciam nos
ambientes da escola e do trabalho.
O modo desigual como são distribuídas as vagas no mercado de trabalho e as
instituições escolares também contribuem para que a maioria dos jovens não encontre nessas
duas instâncias experiências significativas para as expressões de sua juventude e para as
experimentações progressivas das experiências da vida adulta.
114
Na maior parte dos casos, as situações de inserção dos jovens na escola e no trabalho
se alternam entre uma tutela excessiva ou um exagero de cobranças que chega a negar as
possibilidades de vivência de outras dimensões constituintes da juventude. Para muitos jovens
a transição não ocorre dentro de um projeto que os desafie gradualmente e lhes possibilite
ampliar sua autonomia e independência.
3.3 Atuais arranjos das relações intergeracionais na família e seus efeitos sobre a
ampliação da autonomia e independência dos jovens
A família foi uma instituição social bastante afetada pelo advento da modernidade ao
mesmo tempo em que se tornou importante espaço de consolidação do projeto de indivíduo
das sociedades modernas ocidentais. As relações que ocorrem nesse microcosmo de fórum
privado estão ancoradas em questões e estruturas que perpassam os tempos sociais em que
estão inscritas. Assim, mesmo não tendo sido uma invenção da modernidade, a família se
incorpora ao moderno como produto e produtora de novos os modos de vida e socialização.
Nas primeiras expressões das sociedades modernas, que analiticamente constituem
hoje o bloco denominado de modernidade tardia ou primeira modernidade, a incorporação da
família ao modo de vida moderno requeria principalmente a redefinição do tipo de laço que
aproximava os indivíduos em torno dessa unidade de socialização.
No ideal da modernidade, amarras como a consanguinidade e as obrigações de
continuidade dos patrimônios familiares que até então estruturavam o pertencimento dos
indivíduos às famílias, eram incoerentes e impeditivas para o processo de individualização
humana, apregoado como condição central do ser moderno. Assim, a noção de família como
unidade de sobrevivência é questionada e, aos poucos, substituída pela noção de unidade de
afeto (ALMEIDA, 2009).
Durante as primeiras configurações sociais da modernidade as relações entre os
membros das famílias, o que inclui as relações entre as gerações mais velhas e as mais jovens
ou, mais especificamente, entre pais e filhos foi predominantemente marcada pela
hierarquização do poder de decisão que se concentrava nas mãos dos adultos e requeria a
obediência dos mais jovens. Os argumentos que sustentaram esse modelo de socialização
vigente na família até meados do século XX reuniam os mais diversos pressupostos para
afirmar a minoridade das crianças e jovens. Estes argumentos incluíam desde a alegação da
115
imaturidade biológica e psicológica até a questão legal como impeditivos para considerar-lhes
aptos a posicionarem-se acerca de seus futuros.
Apesar de ainda encontrarmos resquícios dessa exacerbação do poder do adulto sobre
os mais jovens nas sociedades atuais, observa-se que a partir da segunda modernidade,
conforme denominaram Beck (2010) e Singly (2005), as relações entre pais e filhos
apresentam-se cada vez mais horizontalizadas e a matriz da autoridade paterna/materna é
refundada em um contexto no qual o valor da autonomia passa a concorrer com o valor da
obediência e é posto em ação um processo de desfiliação que se inicia ainda na infância.
Segundo destaca Almeida (2009, p. 95), a reconfiguração das relações inter-
geracionais no interior das famílias reflete um processo social mais amplo que diz respeito à
implantação do regime democrático nas sociedades modernas.
Esses novos padrões e valores que predominam no âmbito das relações, se expressam
materialmente em arranjos familiares que não cessam de se renovar. Não é necessário
regressar muito no tempo para perceber a expressividade que adquiriram as famílias
monoparentais, o fenômeno da redução do número de filhos por casal, a articulação cada vez
mais forte da noção de família ao núcleo mais próximo constituído por no máximo duas
gerações e muitas vezes circunscrito aos membros que habitam a mesma casa e o crescimento
das famílias homo afetivas.
Importante dizer também, que o processo de reformulação da família é ladeado pelo
estabelecimento de marcos legais que definem direitos, papéis e obrigações no âmbito público
e privado e corroboram na consolidação de normas, valores e representações que passam a
regular e orientar das relações familiares.
No que diz respeito ao lugar dos mais jovens com relação aos mais velhos ou, mais
precisamente, dos filhos com relação aos pais, o processo de desfiliação resignifica a condição
de filho/a, de modo que ela pode perdurar para além da juventude, mas já não estrutura
necessariamente a totalidade da existência do indivíduo (SINGLY, 2005). É possível ser hoje
o filho de e muitas coisas mais. Dizer-se o filho de já não aprisiona o indivíduo na teia dos
116
escolha de uma carreira, de uma escola ou de um(a) namorado(a), como há também diferentes
modos de os jovens conseguirem apoio para aquilo que perseguem.
Nos estudos de Foracchi (1977) encontramos apontamentos sobre a sutileza com que
se produzem modelos de subordinação no meio familiar. Para a autora, a relação de
manutenção existente entre pais e filhos cria diferentes formas de dependência e determina em
grande medida o nível de autonomia dos jovens, inclusive quando se trata da escolha por um
curso superior ou um trajeto profissional.
Em qualquer das relações de manutenção observadas pela autora (totalmente
mantidos, parcialmente mantidos ou totalmente independentes financeiramente), os filhos
relatam situações de subordinação ou, no mínimo, reciprocidade, quanto aos interesses e
investimentos dos pais. O fato é que em todos os casos, esta subordinação é guarnecida por
recursos discursivos que tendem a minimizá-la e a retirar-lhe o tom de imposição em favor do
tom de acordo.
Em pesquisa com jovens portugueses, Pappamikail (2004) conclui que o apoio
familiar prestado pelos pais na fase de transição da escola para o trabalho é visto de forma
positiva e entusiasta pelos jovens. A autora afirma que para os jovens portugueses
investigados, a família é uma bolsa de recursos a que podem recorrer frequentemente.
Composta de capitais emocionais e materiais que variam em quantidade e variedade
consoante a condição social dos sujeitos, esta bolsa produz suportes não somente porque os
recursos são disponibilizados pelos pais, mas também porque são entendidos como
disponíveis pelos filhos.
A partir dessas observações extraídas dos estudos de Foracchi e Pappamikail, pode-se
perceber que a posição assumida pelos adultos e os jovens com relação à manutenção e
provimento de recursos materiais da casa é um aspecto fundamental na estruturação das
relações entre ambos. Apesar de serem mais comuns os casos em que o apoio material
procede dos adultos para os jovens, nas classes populares é possível encontrar muitos casos
em que os jovens dividem ou assumem integralmente as responsabilidades pelo provimento
da casa.
As experiências dos jovens participantes da pesquisa comprovam a existência de uma
relação estreita entre a conquista da independência financeira e a ampliação da autonomia,
mas este é um processo que é influenciado por muitas outras variáveis, inclusive algumas de
fundo moral. Mesmo entre os jovens que declararam ser completamente independentes dos
pais no campo financeiro e inclusive para aqueles que assumem o papel de provedores da
118
casa, verifica-se que algumas regras e outros tipos de controle feito pelos pais operam
fortemente sobre suas decisões.
Independentemente da posição que ocupam na manutenção do domicílio, os jovens
entendem que a casa é de seus pais e enquanto ali estiverem a principal contrapartida a ser
dada aos “donos da casa” é a obediência. Em todo caso a situação é ambígua, como se pode
perceber nos relatos do jovem Renato.
Quando é indagado de modo genérico sobre quem é responsável pelo estabelecimento
das regras em casa Renato afirma: “Agora mudou! Quem coloca (regras) sou eu! Sou eu que
imponho as regras. Ela (a mãe) acaba executando. Todas, tipo: quando eu chego, quando eu
vejo alguma coisa bagunçada eu peço para ela arrumar. Tudo... se tem alguma coisa para fazer
eu falo”. (Renato, trecho da segunda entrevista)
Na entrevista anterior, Renato havia mencionado que a mãe impunha uma regra que o
proibia de levar alguém para dormir em casa, então quando é indagado especificamente sobre
esta imposição, ele diz: “Ainda continua. Continua impondo essa regra. A casa é dela, né. Eu
que sustento, mas a casa é dela, o prédio. Eu acabo obedecendo. E nem ela também (pode
levar ninguém), nem ninguém. É para todos”. (Renato, trecho da segunda entrevista).
A pesquisa traz também realidades que espelham outras combinações no que diz
respeito à participação dos jovens na subsistência da família e à ampliação da autonomia.
Havia jovens que não possuíam renda ou cujas rendas cobriam apenas uma parte dos gastos
de subsistência e itens de uso pessoal, mas que apesar disso registram ganhos significativos
no plano da autonomia ao longo do período pesquisado. Fatos tais como: completar dezoito
anos, concluir o ensino médio, ingressar no ensino superior e progredir no mercado de
trabalho, são citados como fatores importantes no alargamento dessa autonomia juvenil.
A jovem Kelly, que nas duas primeiras entrevistas foi enfática ao falar do controle e
rigidez da mãe sobre seus horários e atividades, na terceira entrevista afirma que algumas
coisas haviam mudado radicalmente nesse plano familiar:
Os relatos desses jovens demonstram que os pais não estão eximidos de algumas
contrapartidas ou adaptações, tanto quanto os jovens não estão totalmente alijados da tomada
de decisões. O fato é que as condições de independência e autonomia dos jovens nem sempre
coincidem e, apesar de se influenciarem mutuamente, não é possível afirmar que a posse de
uma, leve diretamente à outra.
Compreender as diferenças conceituais entre essas duas condições – autonomia e
independência - é uma ação importante para entender as relações entre ambos. Segundo
Almeida (2010) a autonomia pode ser definida como “um conjunto de (in)competências
psico-sociológicas transitórias ou permanentes, também servindo para aferir a condição global
do sujeito face a outros, numa ou em todas as dimensões de sua existência,
independentemente da fase do seu ciclo da vida”; enquanto que a independência resume-se a
120
“autossuficiência do indivíduo no que diz respeito aos recursos que mobiliza para agir.”
(ALMEIDA, 2010, p. 404).
A autonomia diz respeito, portanto ao modo como os sujeitos escolhem e decidem
agir, enquanto que a independência responde pelos recursos necessários à concretização do
agir autônomo. Importante mencionar que não há uma medida geral a partir da qual é possível
aferir o grau de autonomia e independência do sujeito. Isso só é possível levando em conta o
jogo relacional que se estabelece entre o sujeito e seus grupos, no caso da autonomia, e aquilo
que se considera necessário para realização das intenções do sujeito em um determinado
contexto. Assim, o indivíduo não é autônomo e independente senão em relação a alguém ou
algo.
Para Singly (2005) a autonomia e a independência são dimensões centrais do processo
de individualização e a dissociação dessas duas dimensões é a característica central da
juventude na segunda modernidade. Para o autor a configuração social contemporânea tem
criado muito mais possibilidades de desenvolvimento da dimensão da autonomia que da
independência juvenil. Assim, Singly (2005, p. 115) considera que, “Los jóvenes se hallam
em las condiciones sociales y psicológicas que les permitem aceder a uma certa autonomia,
sin disponer, por ello de recursos, especialmente económicos, suficientes para ser
independientes de sus padres”.
Os dados dessa pesquisa sinalizam que há uma grande variação nos modos como os
jovens brasileiros buscam ampliar sua independência e autonomia. De um modo geral esses
dados reforçam que as relações intergeracionais no meio familiar estão mais horizontais e há
também um contexto mais favorável à consideração do jovem como um sujeito de direitos,
em condições de se posicionar de modo autônomo sobre seu presente e futuro.
Os dados também mostram que essas tendências mais amplas desdobram-se em
diferentes modos de combinar independência e autonomia, modos estes profundamente
marcados pelas questões estruturais que afetam hoje o jovem brasileiro em nível nacional de
local.
Conforme se apresentou no capítulo anterior, os jovens de Manaus enfrentam sérios
desafios nos campos da mobilidade urbana e da aquisição de casa própria, além disso, estão
expostos às formas precárias de inserção no mercado de trabalho e sofrem as consequências
de um sistema de ensino com diferentes níveis de qualidade entre escolas centrais e escolas de
bairro.
Olhar para as experiências particulares de transição desses jovens é um modo de
compreender esse contexto social, do mesmo modo que a compreensão do movimento de
121
44
Na pesquisa sobre o desemprego como construção social coordenada por um grupo de pesquisadores
brasileiros, franceses e japoneses, os resultados apontam o diferente peso das redes de relações interpessoais
quando comparados o Brasil a França e o Japão. No caso brasileiro, ficou evidente que estas redes são um meio
importante de obter informações e vagas do mercado de trabalho (GUIMARÃES, 2009).
122
Se a pessoa que a gente conhece trabalha bem, faz tudo direito, se aquela
pessoa quiser botar a gente lá dentro consegue, porque se a gente seguir o
mesmo exemplo... Que nem minha irmã, ela bota as pessoas lá, só que ela
sempre pede pra não sujar o nome dela, porque tá entrando lá com o nome
dela praticamente, se sujar o nome dela aí sempre cai os dois não é só ela né.
(Robson, trecho da primeira entrevista)
45
As pesquisas de Mourão (2006) e Baçal (2007 e 2010) em fábricas do Distrito Industrial de Manaus trazem
essa constatação.
123
No Brasil, sabemos que entre os mais jovens são especialmente aqueles que possuem
as menores rendas familiares os que procuram mais cedo por uma ocupação. Nesse caso
podemos nos perguntar que tipo de recursos podem as famílias de baixa renda e os grupos de
amigos oferecerem aos jovens no intuito de lhes proporcionar melhores posições no mercado
de trabalho? E, ainda, é necessário perguntar como se processa a tensão entre prescrições e
autonomização para os jovens em vias de inserção laboral?
Observa-se que o apoio dos familiares e dos grupos de pares pode se traduzir em
diferentes suportes materiais e imateriais dos quais os jovens lançam mão ao projetar e/ou
viver suas experiências relacionadas ao trabalho. Essa noção de suporte, conforme se
apreende dos estudos do sociólogo Danilo Martuccelli (2007a e 2007b) pressupõe que as
contribuições das redes de relações interpessoais são tecidas em um movimento de mão dupla
que caracteriza uma interdependência entre o jovem e os demais membros das redes.
Trata-se, pois, de um apoio que se constrói na relação específica de cada jovem com
seus grupos. Assim, é possível que um mesmo sistema de apoio produza efeitos distintos para
diferentes jovens. Apurar estas nuances, normalmente inviabilizadas em abordagens mais
estruturais, tem sido o desafio dos estudos biográficos.
Os estudos que têm se debruçado sobre as contribuições das redes para a construção
de trajetórias laborais dos indivíduos apontam que a compreensão deste objeto passa
necessariamente pelo entendimento de múltiplas articulações que se dão entre atributos
individuais, questões estruturais e relações que ganham corpo nas redes. É nesse sentido que
Guimarães et al. (2012) formulam o seguinte argumento:
Conforme nos diz Portugal (2004), a ativação do capital relacional ocorre de modo
articulado com outras variáveis e outros tipos de capital e isso tem efeitos sobre sua maior ou
menor capacidade de prover recursos no acesso ao emprego.
A pergunta anteriormente formulada sobre o tipo de contribuição possível no âmbito
das classes populares para construção de percursos profissionais entre os jovens, não quer
dissimular uma desconfiança antecipada da impotência destas classes em oferecer suportes
124
aos seus jovens. Ao contrário, esta pergunta se faz com base na conclusão de que para além de
todos os problemas de ordem material que atingem esta parcela da população, há estratégias
específicas, muitas vezes sutis, que são capazes de oferecer aos jovens das classes populares
um conjunto de recursos importantes para construção de trajetórias de conciliação entre escola
e trabalho.
O olhar sociológico sobre esta questão não se contenta com a simples exaltação do
esforço despendido pelas famílias e pelos jovens entre si para superar as desigualdades sociais
que também se refletem em desvantagens profissionais. O trabalho a ser feito é, em primeiro
lugar, o de inventariar estes modos de atuação das redes e compreender como se processam
arranjos relacionais capazes de produzir apoios onde só se esperava a carência.
Na clássica abordagem dos sistemas de dominação formulada por Pierre Bourdieu o
capital econômico e o capital cultural figuram como os principais critérios de diferenciação
social. Deste modo, os agentes sociais são distribuídos no espaço social, em primeira
dimensão, conforme o volume global desses dois tipos de capital que possuem e, em segunda
dimensão, de acordo com a estrutura de seu capital, ou seja, conforme o peso relativo dos
diferentes tipos de capital - econômico e cultural -, no volume global de seu capital.
(BOURDIEU, 2005).
Numa escala mais reduzida de produção e reprodução dos sistemas de dominação,
Bourdieu situa as disputas travadas pelos indivíduos no interior dos campos. Este conceito
formulado pelo teórico refere-se a espaços de produção, consumo e classificação de bens
específicos, com regras e móveis de disputa relativamente autônomos entre si, tais como o
campo religioso, o artístico, o acadêmico, o profissional, o escolar, o familiar etc.
No interior dos campos, os agentes disputam o controle da produção e o direito de
legitimar, classificar e hierarquizar os bens produzidos. Os agentes em posição dominante
tendem a adotar estratégias de conservação dos padrões, enquanto que os agentes em posição
de dominados podem adotar estratégias de aceitação ou adaptação à ordem estabelecida ou
estratégias de contestação ou subversão dos padrões (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2009).
De modo análogo ao que ocorre no meio social mais amplo, os critérios de
classificação do que é ou não legítimo num determinado campo, são definidos de acordo com
os padrões estabelecidos e impostos pelo grupo dominante, ainda que, para Bourdieu,
nenhuma das partes envolvidas neste processo o façam de modo plenamente conscientes.
Em determinados campos profissionais a dimensão simbólica inerente aos padrões de
seleção em vigor podem incluir requisitos ligados ao capital cultural incorporado – padrões de
comportamento, apresentação estética, vocabulário, dentre outros –, além daqueles que são
125
46
Com exceção de uma jovem que conseguiu emprego mediante distribuição de currículo e um jovem que não
possuía nenhuma experiência de trabalho, todos os jovens da pesquisa relataram pelo menos um evento de
inserção no mercado de trabalho que havia sido mediado por um membro da família ou par afetivo.
127
Em outros casos os irmãos mais velhos aproveitam suas experiências para fazer a
ponte entre os irmãos mais novos e o mundo do trabalho. Às vezes isso resulta em uma
indicação para uma vaga de emprego, outras vezes os relatos de experiência vêm em forma de
dicas sobre o funcionamento do mercado de trabalho, que os mais velhos consideram
importantes para o sucesso dos irmãos mais novos.
Além dos irmãos mais velhos os pais e, sobretudo as mães são os principais membros
da família que oferecem suportes para os jovens no campo do trabalho e da formação escolar.
Apesar da pouca escolaridade observada entre os pais, suas opiniões estão sempre permeando
os relatos dos jovens sobre escolhas de cursos de nível superior. O relato de Daniele, cuja mãe
trabalha na indústria e possui o ensino médio completo elucida essa questão: “Minha mãe fala
que administração não é brincadeira não, porque é muitos módulos, e esses módulos são
difíceis”.
Diferente do que se pode observar em famílias mais escolarizadas, as opiniões dos pais
desses jovens sobre os cursos superiores sugeridos para os filhos nem sempre derivam de suas
128
O meu pai já perguntou o que eu queria fazer, porque ele não quer que seja
que nem ele, porque lá embaixo ele trabalha demais, aí ele não quer que eu
siga o mesmo rumo dele, quer que eu seja um bom engenheiro, quer que eu
tente até Medicina, mas não é muito o que eu quero. Então ele já vem
abrindo, já vem me falando direto o que eu quero ser, o que eu pretendo
fazer. (Sávio, trecho da primeira entrevista)
Entre os modos de suportes objetivos, pode-se verificar ainda que a pouca renda não é
impeditivo para que alguns pais apoiem financeiramente a prorrogação da entrada do filho no
mercado de trabalho em nome de um investimento prioritário na educação visando a um
posterior ingresso no trabalho em melhores condições que as dos pais.
No início da pesquisa, dois dos dez jovens entrevistados não tinham nenhuma
experiência profissional e também não estavam à procura de emprego, sendo incentivados
pela família a se dedicarem exclusivamente aos estudos. O grupo apresenta também alguns
jovens que mesmo tendo recebido este tipo de orientação dos pais decidiu enfrentar uma
trajetória de conciliação de estudos e trabalho, seja porque suas leituras de necessidade
diferem da dos pais, seja porque acreditam que uma inserção profissional precoce possa lhes
render vantagens ao longo dos percursos projetados.
O fato é que ao longo das três etapas de entrevistas a situação e a posição dos jovens
quanto ao momento adequado/necessário de ingresso no mercado de trabalho sofreu
variações. Apenas um dos jovens que no início estava fora do mercado de trabalho e não
estava à procura de emprego permaneceu nessa condição. Por outro lado, houve um jovem
que no início estava trabalhando e nos dois anos finais da pesquisa não só havia parado de
trabalhar como não procurava emprego, isso porque a inserção anterior era por ele
considerada como circunstancial, tendo em vista as dificuldades financeiras que a família
atravessava.
Entre os modos de atuação dos pais observou-se também que estes se utilizam de suas
experiências para alertar os jovens sobre as dificuldades típicas do mercado de trabalho na
atualidade e para formular aconselhamentos e prestar assessoria em assuntos como
remuneração, poupança etc. Em alguns casos chegam a acompanhar o jovem nos primeiros
contatos com o ambiente profissional.
129
Quanto à atuação dos grupos de pares ocorre uma situação intrigante. Apesar de serem
pouco citados nos questionários (25 citações, o item menos citado), na etapa das entrevistas os
colegas de escola e amigos aparecem como importantes atores de momentos e situações
relevantes para a inserção profissional do jovem.
No relato dos jovens, o ambiente escolar aparece frequentemente como um lugar
propício às conversas sobre oportunidades de trabalho, estágio, programas de aprendizagem e
formação profissional, o que não significa que a entrada do tema do trabalho na escola esteja
sendo mediada pela proposta pedagógica da instituição.
A troca de informações sobre o mercado de trabalho entre os amigos/colegas de escola
é favorecida pelo fato de que grande parte dos alunos do ensino médio de escolas públicas ou
já tem algum tipo de relação com o mercado de trabalho ou está em plena busca de atividades
remuneradas.
A fala do jovem Sávio sobre a existência de um clima favorável na escola pública para
conversas sobre empregos sugere que os jovens do ensino médio, além de serem pares em
outros assuntos talvez mais ligados à representação sobre o jovem, também o são quando o
assunto é trabalho. “[...] tinham muitos alunos que precisavam ter emprego e tal, aí era o
que mais corria lá essas coisas” (Sávio, trecho da primeira entrevista).
Se na maioria das vezes os suportes criados pelos jovens entre si permeiam as
conversas cotidianas, há casos em que o apoio mútuo é amparado por outros mecanismos, tal
como a criação de grupos em redes sociais na internet com a finalidade específica de fazer
circular informações sobre empregos, cursos superiores, estágios etc.
A convivência com outros jovens que trabalham, não somente na escola, mas também
em outros meios, termina por ser também um suporte no campo subjetivo. Para os jovens que
trabalham é importante poder ver outros jovens como sujeitos com quem compartilham este
elemento de identificação. Nas conversas entre os jovens e seus pares o trabalho e a condição
de trabalhador também refletem um dos traços mais citados por eles quando caracterizam sua
juventude: a brincadeira. Nesse caso, eles brincam e fazem piadas sobre suas próprias
experiências, os locais de trabalho ou sobre os perfis dos chefes, por exemplo.
No caso de Daniele, que é aprendiz em uma empresa do ramo de panificação, o temor
inicial que a jovem tinha de ser alvo de brincadeiras entre os amigos devido ao ramo da
atividade, acabou por ser suplantado por meio das próprias brincadeiras. A jovem parece
reconhecer que se não fosse esse o motivo, certamente haveria outros para animar algumas
conversas sobre trabalho. “Minhas amigas de escola também são menores aprendiz em
130
empresas do distrito, então quando eu chego elas ficam bagunçando comigo: lá vem a
padeirinha. Mas tudo bem, eu não ligo, é tudo brincadeira.” (Daniele).
Os amigos pertencentes a outros círculos sociais frequentados pelos jovens, sobretudo
de igrejas e vizinhança também se revelaram como interlocutores importantes para os
assuntos relacionados ao trabalho e à formação em nível superior. Em alguns casos, amigos
mais velhos e já inseridos no mercado de trabalho fornecem informações sobre as áreas
profissionais em que atuam e os cursos que realizam e até mesmo indicam oportunidades de
inserção profissional aos jovens do ensino médio.
Para o jovem João Felipe, os depoimentos positivos dos amigos já inseridos em cursos
superiores ou áreas profissionais nas quais pretende ingressar, foram importantes desde a
escolha da escola de ensino médio e também são considerados quando o jovem projeta e
organiza a continuidades de seus estudos em nível superior.
A conversa com os amigos também ajuda o jovem a refletir sobre fragilidades de sua
formação e o leva a pensar em escolher cursos menos concorridos para ingressar no ensino
superior e só depois tentar migrar para os cursos pretendidos.
Ao longo das entrevistas foi possível verificar que mesmo quando mencionam outros
locais de apoio acessados no processo de construção de percursos profissionais, tais como as
agências de mediação de estágio, programas de aprendizagem, cursos profissionalizantes etc.,
o acesso se faz via familiares ou amigos.
Foi interessante notar também que no conjunto dos dados, as atuações dos familiares e
dos pares como interlocutores dos jovens em suas experimentações do mundo do trabalho
131
receberam conotações positivas por parte destes jovens. Não houve casos em que o apoio
recebido no meio familiar ou entre os colegas e amigos fosse dado pelos jovens como um
problema.
Prescrições e interesses pessoais dividem espaço na balança dos jovens no que diz
respeito às experiências e projeções no campo do trabalho, estando ainda lado a lado com as
dúvidas e a contínua produção de sentidos que derivam de suas sondagens e práticas.
132
Neste capítulo a discussão sobre os modos de viver a transição para a vida adulta
encontrados nos dias atuais entre os jovens brasileiros é retomada a partir de uma maior
aproximação com os dados aferidos na pesquisa. A pesquisa com os jovens de Manaus
demonstra que a realidade local reflete as tendências gerais de maior reversibilidade nos
processos de transição e de elevação do grau de insegurança nos contextos nos quais os jovens
se movem em busca de ampliação da autonomia e independência. Ao mesmo tempo, os dados
indicam que alguns componentes da realidade local produzem variações importantes nos
modos de viver a transição.
Os jovens da pesquisa apresentam diferentes relações com a escola e com o trabalho.
Essas diferenças envolvem desde os aspectos mais objetivos que caracterizam suas
vinculações com essas duas esferas, como também aspectos simbólicos que mediam
expectativas, projeções e visões sobre o ser jovem e o ser adulto.
No campo do trabalho, os jovens apresentavam desde o início da pesquisa diferentes
perfis, havendo aqueles que trabalhavam de modo formal ou informal e aqueles que não
trabalhavam, sendo que alguns destes estavam à procura de emprego. A situação laboral de
quase todos esses jovens se alterou ao longo dos quatro anos de acompanhamento da
pesquisa. Nesse período, observou-se um intenso fluxo de entradas, saídas, retornos e
progressão dos jovens no mercado de trabalho.
No quesito da escolarização, os jovens tinham em comum, no início da pesquisa, os
seguintes aspectos: estavam inseridos no sistema de ensino; cursavam o primeiro ano do
ensino médio e tinham planos de ingressar no ensino superior imediatamente após a conclusão
desta etapa da formação escolar. Ao final da pesquisa, nem todos haviam concluído o ensino
médio, devido a reprovações ou abandonos, e a inserção no ensino superior efetivou-se para
apenas quatro jovens.
Ainda que a escola de ensino médio e o trabalho sejam duas dimensões centrais da
situação juvenil dos jovens da pesquisa, nem sempre estas duas esferas produzem os mesmos
graus de ampliação da autonomia e independência dos jovens, ou seja, a participação dos
jovens nessas duas dimensões influi de modo distinto nos seus processos de transição. Isso
porque os efeitos dessas duas dimensões de socialização são afetados por outros
pertencimentos, relações, circulações, acessos e experiências vivenciados pelos jovens.
133
Os relatos dos jovens apontam quatro pontos que se colocam como centrais no debate
do lugar que trabalho e escola ocupam hoje nos processos de transição: 1) As tensões da
participação simultânea dos jovens nessas duas esferas; 2) A precariedade que marca seus
processos de inserção; 3) O adiamento da inserção que se configura, para alguns, como uma
estratégia de mobilidade ascendente; 4) As aproximações e distanciamentos da condição
juvenil que se vivem na escola e no trabalho. Esses quatro pontos são explorados ao longo
deste capítulo.
47
A pesquisa Nacional sobre perfil e opinião da juventude brasileira, da Secretaria Nacional da Juventude
(2013), revela números preocupantes com relação à jornada de trabalho dos jovens. Entre os jovens que estavam
trabalhando no momento da pesquisa, 46% cumpriam uma jornada de mais de 40 horas semanais e somente 16%
possuía uma jornada de menos de 24 horas semanais.
135
pesquisa (103 jovens) podem refletir apenas uma situação temporária de afastamento do
mercado de trabalho por parte de alguns jovens e não a realidade mais frequente na vida dos
mesmos. Quanto a isso se deve considerar o fato de que 89 jovens que não estavam
trabalhando disseram estar procurando trabalho. Além disso, a análise global do questionário
e os relatos coletados nas entrevistas apontam que alguns jovens não consideraram as
atividades remuneradas que desenvolviam esporadicamente (os bicos ou trabalhos avulsos
como eles costumam mencionar) para responder à questão sobre a inserção no mercado de
trabalho.
Algumas incoerências foram encontradas quando se cruzou respostas sobre renda
própria, contribuição com o pagamento das despesas da casa e desenvolvimento de alguma
atividade remunerada, dando indícios de que o número de jovens que estava no mercado de
trabalho no período de aplicação do questionário ou nele já haviam se inserido em algum
momento anterior era superior ao efetivamente apurado quando considerado apenas o quesito
que diretamente interrogava sobre o desenvolvimento de alguma atividade remunerada
naquele momento.
Na etapa das entrevistas a experiência de combinação das condições de trabalhador e
estudante foi abordada de modo mais aprofundado. No grupo dos dez estudantes selecionados
para a fase das entrevistas havia inicialmente – no ano de 2010 – seis jovens que vivenciavam
ou já haviam conciliado trabalho e estudo. No decorrer dos três anos em que foram realizadas
as entrevistas, ocorreram muitas mudanças no status desses jovens, tanto no quesito da
escolarização, quanto da inserção no mercado de trabalho (Quadros 03, 04 05 e 06).
Para todos os jovens da pesquisa a participação simultânea nessas duas esferas
representava um desafio. Em primeiro nível, as respostas dos jovens sobre a dificuldade de
conciliar estudo e trabalho espelhavam uma conclusão genérica que afirmava a dificuldade
ladeada com o esforço de adaptação, tal como se observa na fala de Kelly: “Fácil não é,
realmente é difícil [...] o que me atrapalha muito é o cansaço, mas fora isso, eu acho que dá
pra conciliar legal” (Kelly, trecho da primeira entrevista).
Quando as experiências marcantes de suas trajetórias de estudantes e trabalhadores são
detalhadas no decorrer das entrevistas, aparecem os diferentes graus de manifestação dessa
dificuldade em permanecer e tirar um bom proveito em ambos os espaços.
No quadro geral, se observa que a duração da jornada de trabalho, o tipo de atividade
exercido pelo jovem e a regularização da situação de trabalho são os principais fatores que
intervém no grau de dificuldade de conciliação de estudo e trabalho. Ou seja, os jovens que
estavam inseridos em jornadas diárias de 8 horas ou mais, exerciam atividades que requeriam
136
Eu perdi a sétima e dois anos no primeiro. A sétima foi por causa mesmo
que eu não me dediquei, aí os dois primeiros anos, porque eu trabalhava e
chegava tarde. Eu trabalhava na Ponta Negra e estudava aqui no bairro. Eu
saia do trabalho cinco horas, pegava engarrafamento, esperava o ônibus,
chegava aqui oito e meia, nove horas, aí acabei desistindo dois anos, porque
eu tinha que trabalhar né. (Renato, 18 anos no início da pesquisa, trecho da
primeira entrevista).
Eu tinha 15 anos. Engravidei dela (da primeira filha), aí fiquei um ano sem
estudar. Depois que eu tive ela, eu retornei de novo. Aí eu comecei a
trabalhar, aí não fui mais também, trabalhei em casa de família, aí não fui
mais pra aula, porque não dava tempo de chegar. Aí nesse período
engravidei de novo, eu tenho uma filha de treze e uma de doze e esse menino
137
de seis. Dele foi acho que um ano também sem estudar, aí que eu voltei.
(Lidiane, 27 anos no início da pesquisa).
renda auferida com o trabalho era utilizada para o próprio consumo ou para o investimento na
formação complementar e uma parcela muito pequena dessa renda era repassada aos pais,
para colaborar com o pagamento das despesas da casa.
Este grupo é formado pelas jovens Denise, Daniele e Kelly e pelo jovem João Felipe.
No início da pesquisa Denise ajudava a mãe em um escritório nas atividades de atendimento
ao público e digitação e os demais jovens eram aprendizes. Ao longo da pesquisa todos eles
mudaram de situação: Denise atuou temporariamente como repositora de produtos em um
supermercado e ao final atuava como atendente e caixa em uma livraria; Daniele foi
contratada como auxiliar administrativo na empresa em que atuou como aprendiz; Kelly
ingressou como estagiária e depois foi contratada por uma empresa do ramo da comunicação;
e João Felipe passou a se dedicar apenas aos estudos nos dois últimos anos da pesquisa.
Outro ponto convergente nos relatos desses jovens sobre o trabalho e que é
significativo para a conciliação com a escola, refere-se ao tipo de atividade desenvolvida.
Nenhum deles estava envolvido em atividades fisicamente desgastantes e para alguns o
conteúdo do trabalho agregava habilidades que tinham efeitos positivos no rendimento e
atividades escolares e também os preparavam para futuras inserções profissionais. Os relatos
trazem elementos que apontam sintonia entre conteúdos e comportamentos exigidos no campo
do trabalho e a forma escolar.
Tem gente que faz um curso, aí se prepara, trabalha como menor aprendiz,
eu acho que é praticamente a mesma coisa, porque eu tô adquirindo
experiência de como é um local de trabalho, né, como é dirigir o trabalho,
ser o chefe ali, às vezes a minha mãe não tá lá e é eu que tenho que tomar a
frente, ou fazer o serviço que ela mesma faz. [...] É também questão de
horário, hoje eu cheguei atrasada, né, eu liguei me desculpando, porque eu
não tenho esse costume, eu tô aprendendo a... na verdade, eu aprendi a
questão do horário, de ser pontual. [...] Aprendi um pouco assim a dividir,
‘não, hoje eu vou fazer esse tanto, amanhã eu faço isso’, entendeu, se
organizar mais, acho que isso ajudou bastante, eu ser um pouco mais
organizada, a ter pontualidade e ter experiência no trabalho. (Denise, 16 anos
no início da pesquisa, trecho da primeira entrevista).
Querendo ou não eu tenho que aprender pra mim poder falar lá na empresa
direito né, e na empresa aprender a ser uma pessoa melhor pra no colégio
também ser uma pessoa estudiosa. [...] Aprendi a ser uma pessoa... - não que
eu não fosse uma pessoa boa -, mas uma pessoa melhor ainda né, porque lá a
pessoa convive com muitas pessoas, são muitos funcionários, querendo ou
não eu aprendi a lidar com cada um, então isso me ajudou muito no colégio.
(Daniele, 16 anos no início da pesquisa, trecho da primeira entrevista).
139
Não, nem um pouco. Pelo contrário, só ajuda, porque a gente tem que ler. Eu
acabei melhorando em Língua Portuguesa, tem que ler tudo que tá lá e
acabou melhorando, entendeu? Só fez é ajudar, o horário é compatível, né,
eu saio 17 horas. Da empresa pra casa é 10 minutos e aí acabou ajudando”.
(Renato, trecho da primeira entrevista).
Observa-se que os jovens que vivem as condições mais favoráveis de conciliação entre
escola e trabalho são aqueles que possuem nos seus locais de trabalho possibilidades de
negociar melhores condições de trabalho e de fazer, quando necessário, ajustes que são
fundamentais para a manutenção do bom desempenho na escola, a exemplo dos ajustes de
horário e de função. Concorrem para isso o suporte moral e financeiro prestado pelos pais, a
própria forma de inserção e também o setor em que a atividade é desempenhada.
Foi assim que a inserção regulada de João Felipe como aprendiz, por exemplo, lhe deu
a garantia de reclamar do desvio de função a que estava sendo submetido, algo que os jovens
do primeiro grupo poderiam não cogitar.
Eu trabalho na AB, alimentos e bebidas, que é a parte que liga bar, cozinha e
o restaurante, então eu meio que tava ultimamente fazendo trabalho de
garçom, só que eu não posso fazer isso, porque a minha área é
administrativa, então eu falei pro CIEE e o CIEE foi na empresa e conversou
e me trocaram, pra eu ficar ali dando suporte, no caso ajudando no home
service que é onde o hóspede liga pra cozinha, faz o pedido, nós anotamos,
ajeitamos tudo e leva pra ele. (João Felipe, 16 anos no início da pesquisa,
trecho da primeira entrevista)
140
Pra mim, o primeiro dia foi uma alegria trabalhar e estudar, mas agora tá
sendo muito cansativo porque de manhã eu fazia curso de inglês também, no
colégio né, porque tem o projeto Jovem Cidadão, aí eu fazia curso de inglês
de manhã, trabalhava de tarde e estudava de noite, aí eu fazia as tarefas na
sala de aula, agoniada, nos primeiros tempos eu fazia, tal e tal. Aí eu parei o
curso de inglês, aí de manhã eu faço minhas tarefas, de tarde eu trabalho e de
noite eu estudo, aí agora dá pra levar bom porque não tava dando mesmo pra
mim fazer três coisas ao mesmo tempo. Conseguir eu conseguia, mas saía
muito... forçava muito minha mente. (Daniele, 16 anos no início da pesquisa,
trecho da primeira entrevista).
No final da pesquisa, quatro jovens haviam ingressado no ensino superior, todos eles
em instituições privadas. Destes jovens, apenas um não estava inserido no mercado de
trabalho e tinha a mensalidade do curso de direito paga pelos pais. As demais jovens (Denise,
Daniele e Kelly), as quais já vinham conciliando trabalho e estudo durante o ensino médio, no
final da pesquisa, viviam a situação de conciliação no ensino superior.
Denise e Kelly haviam se beneficiado com bolsas parciais do Programa Municipal
Bolsa Universidade e utilizavam as remunerações próprias para pagamento do restante do
valor referente às mensalidades. Elas cursavam, respectivamente, Arquitetura e Publicidade e
Propaganda. Já Daniele, dividia com o pai o pagamento da mensalidade do curso de
administração.
Nessa análise sobre as tensões da conciliação da escolarização com as atividades
laborais, chama atenção o modo como os jovens assimilam essas dificuldades como questões
individuais. Assim, tanto no grupo dos jovens cuja trajetória escolar foi atropelada pela
inserção profissional, quanto naquele formado por jovens que vivenciavam melhores
condições de conciliação, os relatos da dificuldade em momento algum enfatizaram a
contribuição da escola no aprofundamento desse quadro, e também não fazem referência ao
nível mais amplo das políticas públicas ou das desigualdades sociais como corresponsáveis
pela formação dessa situação que os atinge individualmente.
A consequência mais comum dessa construção discursiva da dificuldade como uma
questão pessoal foi a alusão ao esforço pessoal como o principal recurso de que dispunham
para superar as dificuldades de ser, ou tentar ser, ao mesmo tempo estudantes e trabalhadores.
Individualmente eles buscavam saídas para problemas tais como: atrasos, decorrentes das
longas jornadas e do tempo de deslocamento e apresentação de tarefas escolares, para as quais
não dispunham de nenhum tempo além daquele que já dedicavam à escola. Isso pode ser visto
nos seguintes relatos:
Os jovens falam de suas experiências e citam diferentes fatos que evidenciam que a
escola também não está sensível para a condição de estudantes trabalhadores que eles vivem,
porém seus relatos não sugerem que tenham outras expectativas com relação a esta
instituição, ou seja, nenhum deles menciona a possibilidade de a escola também ser um agente
importante na produção de melhor diálogo entre as esferas do trabalho e da formação escolar.
Isso ficou claro na expressão do jovem Robson: “Quando eu entrava na escola o trabalhador
ficava lá no portão, do lado de fora”. (Robson, trecho da primeira entrevista).
Apesar da dificuldade de conciliação de escola e trabalho ser uma experiência
construída de modo coletivo, na maioria dos casos em que se materializa em abandono ou
reprovação, essa dificuldade se projeta silenciosa enquanto uma experiência apenas
individual, que não produz eco na escola. Desse modo, não é incomum que os outros sujeitos
que participam da rotina escolar (professores, gestores, estudantes etc.) somente percebam o
fato quando o estudante já não está lá e muitas vezes nem se sabe o motivo de seu
afastamento ou baixo rendimento.
Martuccelli (2007a e 2007b) nos fala que a representação da sociedade sobre o
conjunto de suportes a que uma pessoa tem acesso varia conforme a posição social dos
indivíduos em questão. Para ele, entre os ocupantes de posições sociais mais elevadas
encontram-se muitos dos indivíduos assistidos pelos mais sólidos suportes. No entanto, é
neste grupo que a ideia de indivíduo soberano costuma se afirmar, dada a invisibilidade que o
conjunto de suportes pode adquirir dentro de um quadro de naturalização operado pela
ideologia do mérito pessoal.
Por outro lado, nas posições sociais menos favorecidas, estão muitos dos indivíduos
que mais têm que sustentarem-se por si próprios, tal a debilidade de seus suportes. Estes
indivíduos são, contudo, facilmente estigmatizados na condição de dependentes ou acusados
por demandarem maior assistência. Isso porque recorrem com mais frequência a políticas e
ações institucionais que os fazem parecer mais frágeis ou mais expostos a riscos, no lugar de
144
favorecer sua emancipação. Muitos dos jovens que participaram desta pesquisa são casos
típicos dessa segunda situação.
No caso da minha filha, eu gostaria muito que quando ela tivesse uns 15, 16
anos, ela já tivesse o primeiro emprego dela, mas não assim como eu tive o
meu, como babá. Eu tenho amigos, inclusive [...] (na escola), que têm o
primeiro emprego e faz estágio no colégio, eu não sei o que ele faz direito,
só sei que ele faz várias coisas. E eu queria que ela tivesse o primeiro
emprego assim, pra ela fazer mais amizade também. (Lidiane, trecho da
primeira entrevista).
A expressão “trabalho para jovens”, soa como uma versão nativa encontrada entre os
jovens para a definição de trabalho decente desenvolvida pela Organização Internacional do
Trabalho – OIT (2010, p. 21), a saber,
Eu acho que nas outras áreas de trabalho que tem pra menores, num
atrapalha tanto porque só é meio período né. Agora o que eu fazia não era
assim, porque não era pra menor, era pra pessoas mais velhas, que trabalham
o período inteiro, mas se fosse pra minha idade, menor aprendiz, seria bem
146
mais fácil porque é só meio período, num atrapalharia no estudo nem nos
deveres escolares. (Robson, trecho da primeira entrevista).
Para muitos jovens o trabalho decente, ou como eles definem, o trabalho para jovens
não é uma realidade, tampouco uma possibilidade. Por um lado, isso ocorre porque esse tipo
de inserção não está disponível para todos os jovens que buscam ou precisam inserir-se no
mundo trabalho, por outro lado, para muitos jovens a remuneração proveniente dos trabalhos
em tempo parcial não seria suficiente para a manutenção das obrigações financeiras que
possuem no âmbito familiar.
Diante da dificuldade em encontrar vagas que compatibilizem todas essas variáveis –
renda suficiente para suprir as necessidades, trabalho pouco desgastante e jornada parcial e
conciliável com a escolarização – a maioria dos jovens das classes populares submete-se a
atividades que dificultam e, em muitos casos, comprometem seu desempenho em outras
dimensões da vida, em especial a escolarização e o uso do tempo livre, que paradoxalmente
são duas das principais dimensões que caracterizam a moderna noção de juventude da qual
somos herdeiros.
Quando foram indagados sobre as atividades que costumavam fazer no tempo livre, as
respostas dos jovens demonstram o quanto essa dimensão, tipicamente juvenil, é afetada pela
inserção laboral:
O meu tempo livre praticamente só é o sábado, por causa que, até o domingo
eu trabalho. Eu entro de noite (trabalha no terceiro turno), aí eu não posso
sair senão eu fico desgastado pra noite. O meu tempo livre só é o sábado. Eu
saio com meus amigos por aí, mas... normalmente. É difícil também, fico
mais em casa. (Robson, trecho da segunda entrevista)
Quando se toma o trabalho para jovens enquanto um tipo ideal que condensa as
características do trabalho decente, pode-se observar que as experiências de inserção laboral
dos jovens da pesquisa posicionam-se em diferentes níveis de proximidade desse tipo ideal.
Os casos mais críticos são aqueles nos quais os jovens precisam provar que as condições
físicas e psicológicas típicas da adolescência e da juventude não seriam motivos para o menor
rendimento no trabalho. Os relatos dos jovens Evandro e Renato ajudam a entender essa
situação.
14 (anos) já quando eu comecei como ajudante (de pedreiro), até os 18 eu
ainda trabalhei. [...] Era bastante ruim, eu trabalhava demais, tinha que
trabalhar que nem os outros, entendeu? De maior idade, pra conseguir a
vaga. [...] Batia massa, concreto, carregava, tudo que o outro fazia eu tinha
que fazer, carregar material pesado, mas eu sempre me destacava, né, porque
eu queria trabalhar assim, aí eu tinha que trabalhar mais que o outro que
tinha maior idade que eu. Aí por isso que eu durava nos trabalhos. (Renato,
trecho da primeira entrevista)
Os casos dos jovens da pesquisa chamam a atenção para o fato de que o ingresso nas
vagas consideradas não juvenis é sempre ausente de formalização, o que faz com que essa
inserção aumente a exposição dos jovens a acidentes e constrangimentos, alguns, inclusive,
são estabelecidos como provas pelas quais eles e elas têm que passar para demonstrar sua
capacidade de permanecer no posto. Eis alguns relatos que enunciam as dificuldades dos
jovens nos trabalhos desprotegidos: “Já, caiu uma vez uma cantoneira de mais ou menos uns
80 quilos na minha perna, ficou inchado, mas isso é coisa do dia a dia”. (Evandro, trecho da
segunda entrevista).
Como soldador, uma vez peguei uma queimadura na mão, porque o cara que
trabalhava comigo soldou uma peça lá de ferro, aí pediu pra mim pegar, só
que ele já tava com a mente pro mal, entendeu? Pra bagunçar, né, aí eu
peguei na minha mão. Pô, nesse dia, aí eu pedi pra eu sair, era uma hora da
tarde, eu pedi pra sair, ele não deixou não, disse que eu tinha que trabalhar,
se eu quisesse um emprego. Aí da outra vez foi o choque, eu perguntei pra
148
ele se o fio tava desligado, ele falou que tava, aí eu fui pegar e peguei um
choque. (Renato, trecho da primeira entrevista).
No dia que eu ia receber o meu primeiro salário ela (a patroa) nem me deu
todo. [...] Ela foi fazer compras no BT, ela me levou com ela e acho que ela,
não sei se ela tinha dinheiro e não queria dar, só sei que ela disse assim ‘tu
vê aí o que tu precisa de alimentos que eu vou pagar’. E aí eu só sei que eu
peguei um quilo de arroz, feijão, as coisas assim básicas. E no dia que eu fui
receber, ela falou que não tinha quase nada, que tinha ido tudinho, e eu não
tinha pegado, entendeu, eu tinha pegado pouquíssima coisa, só o básico
mesmo. [...] Você tá emocionada em ganhar o primeiro dinheiro, comprar
uma comida boa pra dentro de casa, você tá esperando, você vê que tá
fazendo uma comida boa lá na casa dela, quando você quer comprar pra sua
casa, a mulher chega no dia e não te paga, faz você praticamente obrigada o
que eu não queria comprar, o que eu poderia comprar até mais barato e nem
deu todo dinheiro. (Lidiane, trecho da primeira entrevista)
Assim ocorreu para a jovem Lidiane, que vivia na ocasião da pesquisa a segunda união
conjugal e o desconforto diante da condição de dona de casa, cujas atividades e esforços
despendidos diariamente nos cuidados com a casa e as pessoas eram recorrentemente
desprestigiadas pelo marido. A expectativa de ampliação da autonomia dessa jovem de vinte e
oito anos de idade projetava-se para o mercado de trabalho.
Você é dona de casa e o marido chega, diz que passa o dia trabalhando e
você dentro de casa sem fazer nada. [...] Você tando fora, vão dizer ‘aquela
pessoa chegou agora do trabalho’, né, no final do mês eu vou receber. [...]
Agora você passa o dia lavando roupa, lavando louça, fazendo as coisas e a
pessoa chega e diz você não faz nada. Às vezes eu escuto isso em casa,
entendeu? Ele quer a roupa dele passada, tudo feito, e ainda diz que você não
faz nada. Eu prefiro tá fora pra uma pessoa que tá vendo o que eu tô fazendo,
ele não tá vendo, mas a outra tá vendo o que tô fazendo. [...] Dentro de casa
você não é reconhecido, a pessoa trabalhando na rua, pra mim você é mais
reconhecido do que dentro de casa. (Lidiane, trecho da primeira entrevista).
Em situações como estas vividas por Evandro e Lidiane, a saída da casa dos pais, que
fora de contexto pode ser considerado um ícone da autonomia e independência juvenil,
representa uma autonomização e independência parciais que libera o jovem do controle
familiar, mas o insere em outros quadros de dependência e falta de autonomia, dadas as
condições de extrema necessidade que acompanham o processo. Nesse caso, a autonomia
alcançada no plano da possibilidade de poder decidir sobre seu próprio destino é muitas vezes
embargada pela falta de recursos necessários para efetivação das escolhas.
Trabalho agora, nem pensar. Acho que só quando eu tiver bem perto de me
formar ou coisa parecida. [...] Como agora tudo melhorou, a gente tá com
uma condição de vida bem melhor, toda vez que eu peço meu pai me dá,
então não tem assim do que reclamar, eu tô achando bom. Não deixa de ser
uma dependência, mas é bom. (João Felipe, trecho da segunda entrevista).
151
Eles (os pais) queriam que primeiro eu estudasse, aí depois eu corresse atrás
de um emprego, porque eles queriam que fizesse até um concurso público,
pra entrar num trabalho melhor, receber um bom salário. Então, eu nunca
corri atrás de um emprego nem nada. Eu sempre estudei e nunca fui atrás
desses trabalhos de jovem aprendiz, nem nada. (Sávio, trecho da primeira
entrevista).
As vantagens é que temos mais tempo pra dedicar ao estudo e com isso tirar
boa nota nos conteúdos da escola para que quando eu for fazer o vestibular,
saia bem e ingresse numa faculdade pública, sem precisar tá pagando. As
desvantagens é que não tem como ter a sua própria renda e querer pagar os
seus cursos, acho que é isso as desvantagens. Mas aí futuramente teremos
volta. (Taís, trecho da primeira entrevista).
Os meus pais estão lá embaixo, eles trabalham direto, aí só ele e minha mãe
que trabalham, aí fica meio apertado pra eles, então eu vou ajudar eles lá
embaixo. Eu ajudo mais aos domingos, que é um dia que eu não tô com meu
tempo muito ocupado e eu tenho esse tempo vago pra ajudar eles; eu ajudo
também quando eles estão no sufoco lá, meu pai me chama e eu ajudo, mas
enquanto eu ajudo eles, eles pagam o colégio e eles me dão um dinheiro, é
isso aí. (Sávio, trecho da primeira entrevista).
Esse compromisso não representava, para os jovens, uma obrigação, mas são
incorporados como componentes da realização que muitas vezes citam em seus planos de
futuro. Estar realizado é também poder contribuir para que os pais melhorem as condições de
vida. A melhoria de vida é, nesse caso, um plano compartilhado entre pais e filhos, ainda que
as famílias nunca tenham conversado abertamente sobre isso.
Algo que é comum no perfil desses três jovens é que todos eles eram os filhos mais
novos em suas famílias, então a experiência escolar e de inserção no mercado de trabalho dos
irmãos mais velhos era tomada como referência na definição dos rumos da escolarização dos
mais novos e na aposta que faziam no adiamento da inserção profissional. Nos três casos, todo
o capital escolar e laboral acumulado pela família era mobilizado, no intuito de que a
escolarização e a inserção profissional dos filhos mais novos repetissem as boas experiências
vividas pelos pais e irmãos mais velhos, ou evitasse os problemas identificados nessas
trajetórias.
Assim, João Felipe escolheu cursar o ensino médio na escola do centro porque a irmã
também havia feito opção semelhante anteriormente e repassara à família informações
positivas acerca da qualidade do ensino na escola escolhida pelo jovem. Por sua vez, a escolha
de Taís pela mesma escola representou uma tentativa de não repetir a experiência dos irmãos,
que haviam cursado o ensino médio na escola do bairro em que moravam e que eram
consideradas por eles próprios como uma escola de baixa qualidade. Na família de Sávio, a
experiência exitosa da irmã no acesso ao ensino superior em uma instituição pública era
indicativa da importância de priorizar os estudos, em detrimento do mercado de trabalho,
durante os primeiros anos da juventude.
O capital escolar e laboral era diversificado nas três famílias em questão, havendo
diferentes níveis de escolarização e tipos de inserção profissional. Mas, em linhas gerais, esse
capital dizia respeito ao conhecimento das famílias sobre o funcionamento, regras e
dualidades do sistema escolar e sobre suas articulações com o mercado de trabalho.
Esse conhecimento derivava principalmente das próprias experiências de escolarização
e inserção profissional dos membros da família. Ao seu modo, as famílias assimilaram a
153
4.4 Ser jovem, mas não tanto: como a escola e o trabalho aproximam e distanciam o
jovem da condição juvenil?
Até aqui parece claro que, no Brasil, a formação escolar e a inserção laboral são duas
dimensões constitutivas da condição juvenil, mas também foram apresentadas muitas
evidências acerca da desigualdade que marca o acesso dos jovens a essas duas instâncias de
socialização. Diferentes jovens acessam distintas escolas e desiguais oportunidades no campo
do trabalho.
Algumas das experiências vividas pelos jovens nessas duas dimensões são tão
contraditórias que terminam por negar uma parte da condição juvenil, negando, com isso, os
próprios modelos formais e as relações sociais que lhes institui como parte dessa condição.
Diante disso, no Brasil, o trabalho e a escola são importantes não somente para compreender a
juventude, mas também sua transição para a vida adulta, uma vez que é pela mediação dessas
duas esferas que muitos jovens vivem as primeiras experiências de aproximação com a vida
adulta.
A mesma escola que se coloca como um lugar de jovens não tem procurado dialogar
com outras dimensões que constituem o sujeito jovem na atualidade. Mesmo no ensino
médio, que é a etapa na qual se encontra a maioria dos jovens brasileiros que estão em
processo de escolarização, predominam práticas que ignoram os desafios e experiências
vividos pelos estudantes no exterior do mundo escolar.
As culturas juvenis, as novas tecnologias, as necessidades advindas do mundo do
trabalho têm tido dificuldade de penetrar no ambiente escolar e, mesmo quando ali adentram,
não é pela via do diálogo com a proposta pedagógica. A subutilização dos laboratórios de
informática nas escolas é um exemplo de que a simples introdução das novas tecnologias no
ambiente escolar não garante que essas venham a se transformar em ferramentas de melhoria
do processo de ensino e aprendizagem.
Por um lado, o excesso de tutela da forma escolar que prevalece no ensino médio não
permite aos jovens o desenvolvimento de práticas ou comportamentos que produzam
154
ampliação da autonomia. Por outro lado, essa tutela não inclui um cuidado mais apurado da
instituição com questões que efetivamente beneficiam ou interessam aos jovens tais como:
oferecimento de um ensino de qualidade; divulgação de informações e orientações sobre
processos seletivos para o ensino superior, estágios ou outras oportunidades no campo do
trabalho; promoção do diálogo entre os conteúdos e formas de organização dos tempos e
espaços do currículo escolar com a realidade enfrentada pelos jovens fora da escola.
Os relatos dos jovens da pesquisa demonstram que não é apenas com o mundo do
trabalho que a escola tem apresentado dificuldade em dialogar, mas com muitas outras
dimensões que constituem a condição juvenil na atualidade. Essa situação tende a se agravar
com a ausência de espaços de escuta dos jovens na escola.
Ao chegar ao ensino médio, os jovens já acumulam pelo menos oito anos de vida
escolar, considerando que alguns deles são remanescentes do ensino fundamental de oito anos
de duração. Por essa experiência escolar acumulada, adicionada às aprendizagens decorrentes
de outras inserções que a essa altura da vida já realizaram, os jovens poderiam ser tratados
como interlocutores potenciais da escola na busca por melhorias e pelo restabelecimento do
sentido dessa instituição na atualidade.
A pesquisa aponta, no entanto, que a escuta das vozes juvenis não tem sido uma
prioridade no espaço escolar. Isso não significa que eles não tenham o que dizer sobre as
metodologias, a organização do trabalho escolar, a relação professor-aluno e outros temas
relacionados à escola. Conforme se pode observar nos trechos abaixo, os jovens têm uma
leitura sobre os problemas que atingem suas escolas e opinam sobre algumas maneiras de
superar os problemas que reconhecem.
Os professores de hoje em dia eles não gostam de dar aula, eles não gostam
dos alunos deles, eles não gostam da sala de aula, é difícil os professores que
gostam, que chegam aqui e olham pra cara do aluno, olho no olho, porque a
partir do momento que eles fazem isso, os alunos dão um retorno pra ele, os
alunos vão ficar olhando ali, vão prestar atenção na aula. É difícil lidar com
adolescentes, mas se a pessoa fez aquela faculdade, ela tem que saber lidar
contigo, ela tem que ser preparada pra aquilo, ou foi fazer o que na
faculdade? (Kelly, trecho da primeira entrevista).
O método de ensino, tipo, eu acho que deveria, por exemplo, o segundo ano
a pessoa acima de 20 anos separaria uma sala pra elas, entendeu, e a partir de
20, outra sala e adotaria um método de ensino aqui e outro ali, sendo da
mesma série, porque as pessoas de mais idade acabam com dificuldade, né,
de acompanhar, eu acho que eu mudaria isso. (Renato, trecho da primeira
entrevista).
155
Eu estudei numa escola num conjunto, que era uma escola pública, mas que
era uma escola muito boa, os professores sempre incentivam os alunos a
fazerem feiras, essas coisas que deixam a gente mais... sai daquela rotina de
sala de aula, deixa a gente mais entusiasmado, a gente fica pensando naquilo
sabe? Deixa a gente com mais vontade de estudar. (Evandro, trecho da
primeira entrevista).
À revelia da hostilidade que o ambiente escolar muitas vezes apresenta aos jovens,
eles estão lá e, como se disse, há alguns anos, e isso inegavelmente lhes coloca em condições
de avaliar as propostas que lhes são feitas naquele ambiente e captar algumas de suas
incoerências.
Alegar que a escola não dispõe de espaços que favoreçam a expressão dos jovens, com
suas culturas e demandas, não significa dizer que eles também não tenham alguma
responsabilidade sobre a constituição desse quadro, nem tampouco que não haja iniciativas
importantes de algumas escolas e de jovens na direção de fazer da escola um lugar de
autonomização. Quer-se enfatizar, contudo, que o que predomina são as experiências nas
quais é suficiente, tanto para as escolas, quanto para os jovens, o cumprimento de um
programa geral. Nas palavras de Dayrell (2007, p. 1117), “a escola tende a não reconhecer o
‘jovem’ existente no ‘aluno’.
Os desafios e as experiências que os jovens enfrentam fora da escola efetivamente
permanecem com eles ao entrar nesta instituição, mas à medida que não são incorporados
como saberes importantes a considerar na definição do ofício de estudante, simbolicamente
essas experiências esbarram no portão da escola, como mencionou o jovem Robson por
ocasião do relato sobre a dificuldade de conciliar trabalho e escola (item 4.1, p. 142)
Muito do movimento que permeava os relatos dos jovens sobre suas condições de
mãe, pai, líder de grupo religioso, músico, trabalhador e outros papéis que assumiam fora da
escola, se perdia quando os jovens falavam de sua vida escolar, ao menos aquela que
acontecia na escola regular. Ao falarem das experiências escolares, os jovens não se
autorretrataram como atores centrais, exceto quando mencionaram seus esforços pessoais para
superar dificuldades e permanecer enquanto estudantes.
Não por acaso, o fato de ser estudante foi um dos elementos centrais para que alguns
sujeitos da pesquisa se dissessem jovens. Sabendo que para estes jovens, a noção de vida
adulta está centrada na ampliação das responsabilidades e no encolhimento do tempo de
brincadeiras, a condição de tutelados e a sociabilidade entre pares que a escola oferece são
aspectos que os fazem sentir-se jovens.
156
Eu ando com muita gente mais velha que eu, a não ser na escola, que tem o
pessoal da minha idade, 16, 17 anos. [...] Só vou conseguir assim, digamos,
ser vista como adulta quando eu tiver assim mais responsabilidade, né, eu
não tenho tanta responsabilidade agora, a não ser escola, eu não tenho tanta
responsabilidade. (Denise, trecho da primeira entrevista).
Sim, sim (me considero jovem), primeiro pela minha idade, segundo porque
eu convivo numa escola com jovens. Infelizmente eu tenho
responsabilidades que muitos jovens não têm, felizmente e infelizmente
também, é uma coisa boa, [...] mas às vezes bate o cansaço, eu poderia tá
fazendo outras coisas. (Kelly, trecho da primeira entrevista).
Eu acho que isso até já aconteceu (tornar-se adulto). Minha vida mudou de
uma hora pra outra (quando saí de casa), porque a minha vida era, vou falar a
verdade: ficar sentado jogando videogame, ir pra academia e esperar a hora
de ir pra escola, só. (Evandro, trecho da primeira entrevista).
Eu não posso falar gírias. Lá eu falo, não é proibido, eu posso falar quando o
meu chefe não tá lá, o dono da empresa, mas quando ele tá eu tenho que
falar sério, direito, bonito, mas quando ele não tá eu posso falar. Tipo,
piercing, eu nunca tive piercing, mas a minha vontade era colocar, né, mas aí
falaram que não ia poder. Dois brincos, não podia ter, aí eu tirava um e
ficava só com um. Eu gostava de usar um monte de berimbelo no cabelo, eu
achava lindo, tive que parar com isso, porque era muito criança, eu ainda uso
só um de vez em quando, mas não uso mais tanto berimbelo, mas eu achava
bonitinho. Eu usava tiara colorida, tal, não uso mais, aquelas pulseiras que
tavam na moda, eu usava, não uso mais isso. [...] Eu fui sacando. Chegava
assim só eu com aquilo no cabelo, aí eu comecei a tirar, hoje eu não tenho
mais essas coisas. (Daniele, trecho da primeira entrevista).
Segundo Dayrell (2007) elementos como os citados por estes jovens são expressões de
suas culturas juvenis e ajudam a demarcar identidades individuais e coletivas. O autor conclui
que as culturas juvenis são constituídas “longe dos olhares dos pais, educadores ou patrões,
mas sempre tendo-os como referência” (DAYRELL, 2007, p. 1110).
Pode-se observar que ao ingressar no mercado de trabalho o jovem precisa negociar
uma parte de sua condição juvenil. Nos piores casos, isso pode ocasionar prejuízos objetivos
às dimensões da escolarização e do tempo livre. Outras vezes são os estilos pertinentes às
culturas juvenis que precisam ser modificados para que se ajustem à cultura do trabalho que
se pretende geral para jovens e adultos.
158
CONSIDERAÇÕES FINAIS
passo que se dava na direção de um novo conceito, de uma nova entrevista, de um novo
roteiro, de um trabalho de análise, era preciso retomar a pergunta sobre sua pertinência e, na
busca pelas justificativas para utilizá-los ou descartá-los como possibilidades, muitas vezes
encontraram-se elementos que pouco a pouco garantiram maior consistência ao problema da
pesquisa.
A aposta que se fez na utilização de uma abordagem longitudinal, por exemplo,
adicionou à pesquisa o desafio de entrar em campo empírico ainda nas primeiras fases de sua
execução, visto que a investigação está circunscrita ao tempo institucional de quatro anos
referente ao curso de doutorado. Pesando-se as dificuldades e as possibilidades que esta opção
no campo metodológico adicionou, as segundas (as possibilidades) mostraram-se muito
maiores que as primeiras.
A aplicação do questionário exploratório nas escolas de ensino médio, realizada no
nono mês do cronograma da pesquisa, tinha inicialmente o propósito de embasar a seleção dos
10 jovens que seriam os sujeitos diretos da pesquisa. Ao final, esta atividade revelou um rico
conjunto de dados sobre jovens do ensino médio, seus perfis socioeconômicos, arranjos
familiares, trajetórias de escolarização, inserções e projeções profissionais e suas leituras do
campo de possibilidades nas áreas do trabalho e educação, que trazem algumas
especificidades locais. Estes dados também contribuíram para o melhor refinamento do objeto
da pesquisa.
Foi interessante notar, a partir das respostas ao questionário, que muitos jovens que
naquele momento cursavam o primeiro ano do ensino médio, vinham desenvolvendo ou
estavam mobilizados para desenvolver estratégias diversas de formação e/ou inserção
profissional, com ou sem a mediação da escola, ainda que, em muitos casos não houvesse
clareza sobre o modo como se articulariam estas apostas do presente e os percursos
profissionais pensados a mais longo prazo.
As estratégias mais utilizadas pelos jovens visando à inserção, aproximação ou busca
de melhores chances no mercado de trabalho, incluem desde a realização e busca contínua por
cursos complementares como idiomas e informática; os estágios ou a participação em
programas de aprendizagem; a busca por informações e cadastramento nas agências que
atuam na mediação de estágios e também as diversas experiências, reguladas ou não, nas
quais muitos deles já estão envolvidos.
O que chama a atenção é o fato de que as respostas dos jovens aos itens que se
referiam aos investimentos em atividades de preparação para o trabalho e possíveis áreas nas
quais buscariam emprego naquela ocasião, nem sempre guardavam relação com suas
160
Os jovens têm se dado conta disso e a isso têm reagido de variados modos. Os jovens da
pesquisa têm clareza de que não podem abrir mão das ofertas institucionais e suas promessas,
mas não depositam nelas todas as suas expectativas. Ao lado dos projetos formativos
compulsórios e das formas reguladas de inserção, eles tateiam outras possibilidades e às vezes
as descobrem por caminhos não formais, tais como redes de contatos familiares ou grupos de
sociabilidade.
Ao passo que estão inseridos no mundo do trabalho os jovens tendem a incorporá-lo
como dimensão estrutural de sua situação juvenil. Nem sempre essa inserção é assimilada
como uma entronização na vida adulta. A relação entre trabalhar e tornar-se adulto só é
frequente entre os jovens que assumem sozinhos ou de modo compartilhado a
responsabilidade pela manutenção do domicílio.
Nesses casos não são somente as obrigações financeiras que os fazem sentir-se mais
adultos, mas também demandas de ordem moral e prática que afetam suas famílias e perante
as quais se tornam atores centrais na indicação de alternativas e resoluções. Casos como os de
Lidiane, Evandro e Renato evidenciam essa situação. A maternidade/paternidade também são
elementos comuns aos jovens que fazem uma ligação mais forte entre a inserção profissional
e o tornar-se adulto.
O ensino médio não é visto como etapa conclusiva de formação escolar. Todos os
jovens da pesquisa projetam o ingresso no ensino superior após a conclusão da educação
básica. Todos eles reconhecem o processo de desvalorização do diploma do ensino médio e
consideram que a conclusão dessa etapa de escolarização não altera ou altera de modo pouco
significativo suas condições de ingresso, permanência ou avanço no mercado de trabalho.
Ser estudante de ensino médio é algo central quando se autoafirmam jovens. Mesmo
quando as experiências fora do ambiente escolar os colocam mais próximos do status de
adulto, na escola eles se sentem como qualquer outro jovem, principalmente porque lá não
dispõem da autonomia que têm em outras dimensões da vida. No contexto global da vida
desses jovens, a escola figura como uma dimensão que pouco dialoga com as outras
experiências que vivenciam na família, no trabalho, na igreja etc.
O ensino médio é visto mais como uma etapa necessária e obrigatória dos planos de
melhoria de vida traçados pelos jovens, que como uma oportunidade de vivência de
experiências e aprendizagens significativas ou mesmo como fase preparatória para a
continuidade de estudos ou para o mundo do trabalho.
As expressões “é pesado” e “vou levando” emergiram como categorias explicativas
construídas espontaneamente pelos jovens nos seus relatos sobre o processo de inserção no
162
mundo do trabalho, a escolarização e sobre aspectos mais abrangentes das situações juvenis a
que dão corpo.
O é pesado soa como constatação que, em certa medida, refletia uma leitura mais
ampla do jovem sobre sua vida, mas também tinha o timbre de uma conclusão daquele exato
momento no qual a narrativa de eventos biográficos, solicitada pela pesquisa, os colocava
diante dessas dificuldades e os remetia a uma tomada de posição. Do que há de mais
transversal no relato desses jovens, pode-se concluir que para eles: é pesado o tipo de trabalho
nos quais estão inseridos; é pesado conciliar a inserção no trabalho com a vida escolar, é
pesado viver o tempo de juventude no contexto de escassos suportes.
Na expressão vou levando ou similares tais como: dá pra levar, fazer o que, ou
simplesmente o mas..., que imediatamente acionavam tentando não se renderem às
dificuldades que acabavam de caracterizar nos relatos, os jovens demonstram uma perspectiva
de adaptação que também é estratégica em seus horizontes de mudança de situação ou de
melhoria de vida. Com essa expressão, eles driblam a dureza e impermeabilidade de uma
expressão tal como: “não tenho escolha” e apostam na provisoriedade que a categoria vou
levando imprime. Ir levando também é um modo de tirar proveito das situações nas quais
voluntária ou involuntariamente se envolvem.
Os dados empíricos apresentados e as produções e pesquisas que apoiam a análise
sinalizam para a forte atuação de redes de relações interpessoais no que diz respeito aos
processos de inserção juvenil no mundo do trabalho.
A pesquisa revelou diferentes modos de apoio dos membros da família e dos jovens
entre si, demonstrando que nas suas aproximações como o mundo do trabalho os jovens
recebem suportes materiais e imateriais, transmutados em orientações, circulação de
informações, troca de experiência, indicações, apoio afetivo, apoio financeiro etc., que são
relevantes na formação de suas primeiras representações e nas suas primeiras experiências
laborais.
Por se tratarem de redes relacionais primárias, a família e os grupos de pares são
compostos por indivíduos que guardam bastante semelhança do ponto de vista cultural e
econômico com os jovens sujeitos da pesquisa. Para a maioria destes jovens é no curso das
relações de troca efetivadas com os membros destas redes que são acessadas as primeiras
narrativas e contatos com o mundo do trabalho.
As experiências de inserção laboral dos familiares e dos pares com os quais os jovens
da pesquisa dialogam são de diferentes naturezas, havendo alguns que falam de lugares
estáveis como aquele ocupado por indivíduos com longo histórico de emprego com carteira
163
assinada, outros que vivenciam relações precarizadas de trabalho e até aqueles que dividem
com estes jovens as tensões da busca e projeção das primeiras experiências no mercado de
trabalho.
Observou-se que consoante à extensão de suas inserções nos meios relacionados ao
trabalho, ampliam-se as fontes de recursos acessados pelos jovens na formulação de suas
decisões no campo profissional sem que com isso os modos de apoio prestados pelos
familiares e amigos deixem de ocupar uma posição privilegiada de interlocução para os
jovens.
Este dado se harmoniza com aquilo que têm apontado as pesquisas sobre o papel das
redes na aquisição de trabalho, ou seja, que o apoio das redes primárias é mais efetivo para o
acesso as primeiras oportunidades no mercado de trabalho. No entanto, mais do que a
confirmação deste achado geral das pesquisas, o que nos chama a atenção no caso dos jovens
é a conclusão de que, para eles, este tipo de suporte conserva um importante peso, mesmo
quando suas experiências lhes colocam em patamares de escolaridade e de inserção
profissional que superam aqueles que são do domínio dos membros destas redes.
A duração prolongada do valor atribuído pelos jovens ao apoio recebido no âmbito das
duas redes de relações interpessoais reflete as principais características dos atuais processos
de transição para a vida adulta, que também se apresentam como gradativos e mesclados,
mostrando uma complexa grade de combinações entre autonomização e dependência.
Na rede de embalar, um elemento da cultura amazônica que não nos deixa esquecer a
polissemia da palavra rede, encontramos uma figura pertinente para clarificar o movimento de
produção de suportes no seio das relações entre estes jovens e suas famílias e grupos de pares.
É o embalo da rede, um movimento de vaivém que desestabiliza, mas também produz
aconchego, conforto, segurança.
A atuação das redes relacionais, sobretudo a família e os grupos de pares, também
geram a tensão entre o ir e vir. No primeiro momento – a rede vai – estas redes oferecem ao
jovem um conjunto de recursos que intentam auxiliá-lo em suas primeiras vivências no
trabalho ou em suas projeções neste campo. No outro momento – a rede vem – as próprias
redes se retroalimentam pela postura ativa do jovem, que filtra, seleciona e reconhece como
suportes algumas atitudes, valores e recursos no meio de tantos outros elementos que estas
redes agregam.
O perfil dos jovens da pesquisa reflete tendências nacionais relacionados à condição e
situação juvenil, mas também sinaliza o efeito de alguns aspectos locais sobre suas trajetórias
e projeções. As diferenças e desigualdades inscritas na história da cidade têm implicações
164
profundas nas relações dos jovens com o mercado de trabalho, a escola, os espaços de
circulação e de moradia. Apesar de não se observarem grandes diferenças de renda entre os
jovens, suas representações e experiências às vezes abrem verdadeiros fossos entre os modos
de viver a juventude, observados nesse grupo.
Destaca-se nesse grupo de jovens, a ausência de tempo livre para fruição da condição
juvenil e um baixo grau de mobilidade no território da cidade. Contribui para isso o fato dos
jovens acumularem os papéis de trabalhadores, estudantes e outras obrigações familiares, mas
a dificuldade de deslocamento devida à debilidade do sistema de transporte coletivo aparece
também como elemento central no consumo do tempo dos jovens. Nesse sentido, foi
intrigante perceber que projetos como a compra de uma motocicleta, antes de ser um símbolo
de consumo, representa, para mais de um jovem da pesquisa, uma alternativa ao transporte
público insuficiente e de baixa qualidade.
Observa-se que uma parte da trajetória dos jovens é enquadrada pelos recursos
materiais, os lugares de moradia, a escola na qual se estuda e o tipo de ocupação ao qual se
tem acesso, mas é preciso notar que a estrutura desigual da sociedade capitalista se reproduz
em diferentes níveis na experiência individual.
As trajetórias dão uma organização específica para o conjunto de fatores estruturais.
Diferentes combinações de tempo, espaço, circulação e relações conferem, em dados
momentos da trajetória, abertura para a produção da experiência social como síntese do social
e do individual.
165
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167
Nome Idade Estado Cor Filhos Com quem Local de Renda Renda Escolaridade/profissão dos pais
(2010) civil mora moradia familiar própria
Daniele 16 Solteira Parda - Mãe, tia e 2 Zona leste 1 a 2 SM Até 1 Pai: Fund. Incompleto / agricultor e comerciante
irmãs (G. Vitória) SM
Mãe: Médio incompleto / Industriária
Denise 16 Solteira Parda - Pai, mãe e 2 Zona Oeste 2 a 5 SM Até 1 Pai: Superior completo/ Assessor parlamentar
irmãos. (Pq. SM
Mãe: Superior completo/autônoma
Riachuelo)
Evandro 16 Solteiro Parda - Pai, mãe e Zona leste 5 a 10 Não Pai: Médio completo/mecânico Petrobrás
irmãos. (G. Vitória) SM possui
Mãe: Médio completo/industriária (produção)
João Felipe 16 Solteiro Parda - Pai, mãe, irmã Zona leste 1 SM Não Pai: Fund. Completo/autônomo
(Zumbi) possui Mãe: Médio completo/autônoma
Kelly 15 Solteira Branca - Mãe e irmã Zona leste 2 a 5 SM Até 1 Pai: Fund. completo/apontador
(Coroado) SM
Mãe: Fund. Completo/cozinheira/cobradora de
ônibus.
Lidiane 27 Casada Parda 3 Cônjuge e 3 Zona leste 1 a 2 SM Até 1 Pai: Não sabe / pedreiro
filhos (G. Vitória) SM
Mãe: Não sabe / feirante
Renato 18 Solteiro Preta 1 Mãe e irmã Zona leste 1 a 2 SM 1 a 2 SM Pai: Superior completo / professor
(G. Vitória)
Mãe: Fund. Incompleto/dona de casa.
Robson 16 Solteiro Preta - Pai, mãe, irmã Zona leste 2 a 5 SM Até 1 Pai: Fund. Incompleto / pedreiro/carro de frete
e cunhado. (G. Vitória) SM
Mãe: Fund. Incompleto / doméstica/dona de casa
Sávio 15 Solteiro Branca - Pai, mãe e Zona sul 5 a 10 Não Pai: Superior completo/Comerciante
irmã (Petrópolis) SM possui
Mãe: Superior cursando/ Comerciante
Taís 16 Solteira Parda - Pai, mãe, Zona leste 1 a 2 SM Não Pai: Fund. Incompleto / Carpinteiro
irmã, 2 (Bela Vista possui
Mãe: Médio incompleto / serviços gerais em
irmãos, Puraquequ
escola
cunhado. ara)
172
Daniele
Daniele era estudante da escola do bairro e tinha 16 anos quando a pesquisa iniciou.
Participou de três etapas de entrevistas, que foram realizadas respectivamente nos anos de
2011, 2012 e 2013. Nas duas primeiras fases o encontro com a jovem ocorreu em uma
instituição não governamental que funcionava próximo a sua casa, sempre em dias de semana,
no horário matutino, no qual a jovem tinha disponibilidade. A última entrevista aconteceu na
praça de alimentação de um Shopping Center em bairro próximo da moradia da jovem, na
tarde de um sábado, visto que neste último ano a jovem estava trabalhando em horário
integral e cursando o ensino superior no horário noturno.
Declarou-se parda e nascida no município de Manaus, mas viveu uma parte da
infância em uma cidade do interior do Amazonas. O retorno a Manaus ocorreu quando ainda
era criança, após a separação dos pais. Desde então a jovem, a mãe e as irmãs passaram a
residir com a tia, primeiro no bairro Morro da Liberdade e depois, por estarem incluídas em
um programa de remoção de famílias das margens de igarapés em Manaus (PROSAMIM)
mudaram-se para o bairro de Grande Vitória.
A jovem credita uma importante posição à família. Seus relatos pontuam muitos
momentos em que as irmãs, a tia e principalmente a mãe estão presentes enquanto pessoas a
quem a jovem recorre para obter orientações e dividir situações com as quais tem dificuldade
de lidar. Estes momentos envolvem desde situações do campo afetivo tais como namoro, até
dúvidas relacionadas ao campo do trabalho e da formação. Apesar de os pais serem separados
a jovem mantém vínculo e contatos frequentes com o pai, embora este more em outra cidade.
A jovem avalia que ao longo do período abordado pela pesquisa sua autonomia se
ampliou no ambiente doméstico. Atualmente a mãe já não exerce o mesmo controle sobre
seus horários e chega a consultá-la sobre assuntos que antes decidia sozinha. A jovem
colabora nos afazeres domésticos e no pagamento de despesas. No quesito da independência
financeira Daniele ainda depende do pai que a ajuda a pagar a mensalidade da faculdade e da
mãe na alimentação e outros aspectos relacionados à moradia.
Daniele tem uma trajetória escolar sem interrupções por reprovação ou abandono.
Houve apenas uma ocasião contrária a esse histórico, quando da mudança para Manaus, em
consequência da separação dos pais, teve que reiniciar os estudos por falta de um documento
de transferência. Até o ensino médio, estudou sempre em escolas públicas situadas próximas
de seus locais de moradia.
174
Denise
Evandro
João Felipe
Na segunda entrevista João Felipe já não atuava como aprendiz e até o final da
pesquisa o jovem passou a dedicar-se somente aos estudos, fato que foi possibilitado pelo
incremento significativo da renda familiar que ocorrera a partir do ano de 2012.
Os grupos de sociabilidade do jovem incluem principalmente os amigos que fez na
igreja, onde o jovem integra a equipe de música. Para o jovem a relação que estabeleceu com
pessoas de diferentes perfis sociais e econômicos lhe possibilita circular por diferentes meios
e atividades e também amplia sua circulação na cidade.
181
Kelly
Kelly tinha 16 anos e era estudante da escola do centro quando a pesquisa iniciou.
Participou de três entrevistas da pesquisa, sendo a primeira realizada na escola, a segunda na
residência da jovem e a terceira na faculdade em que fazia o curso de Publicidade e
Propaganda no ano de 2013.
Autodeclarou-se branca, era solteira e morava com a mãe no bairro do Coroado, zona
leste de Manaus. Nasceu em Manaus, mas passou alguns de sua infância em outras cidades,
tendo retornado a Manaus na adolescência.
Cursou toda a educação básica em escola pública e tinha um histórico de sucesso
escolar sem interrupções por reprovações ou abandono. Tinha dúvidas sobre o sentido do
ensino médio em sua vida escolar, chegando a considera-lo como um obstáculo a ser vencido
para chegar à formação que verdadeiramente desejava: curso superior na área de
comunicação. Suas críticas também se dirigiam à escola que frequentava, quando apontava
aspectos da metodologia que entendia como defasados, apesar de reconhecer que entre as
escolas públicas de Manaus a sua ainda era considerada uma das melhores.
Desde o início da pesquisa planejava fazer algum curso superior na área de
comunicação e também mencionava gostar de história. Primeiro pensou no curso de
jornalismo, mas a partir de uma experiência profissional vivida em um grupo de comunicação,
optou por cursar publicidade, mesmo sabendo que este curso não era oferecido por nenhuma
instituição pública da cidade.
Ao longo do ensino médio desenvolveu estratégias particulares de estudo visando
complementar o conteúdo escolar e melhorar suas chances de ingresso na universidade
pública (fez cursinho, resolvia questões de prova e fez curso de inglês), mas ao final ingressou
no ensino superior privado. Inscreveu-se no Programa Bolsa Universidade e foi contemplada
com bolsa de 50%. O restante da mensalidade a jovem pagava com recursos próprios.
Kelly sentiu-se muito cedo tocada pela vontade de trabalhar para ganhar seu próprio
dinheiro. Nas suas primeiras tentativas produziu e comercializou pequenas peças em crochê e
vendeu chocolate na escola. Com quinze anos ingressou como aprendiz em uma fábrica,
experiência com a qual ela diz ter aprendido muito, mas que não enxergou como parte do
futuro profissional que planejava, tanto foi assim, que a jovem permaneceu por apenas um
ano no Programa. Durante um período da pesquisa, a jovem atuou em uma web rádio, que
também ajudou a criar. Foi a partir dessa atividade que surgiu o interesse pelo campo da
182
Lidiane
A jovem tinha 27 anos quando a pesquisa iniciou e era estudante da escola do bairro.
Foi entrevistada somente uma vez. Nessa ocasião Lidiane mencionou que se sentia
desconfortável em participar de uma pesquisa sobre jovens, visto que há muito se considerava
adulta. Apesar disso a jovem considerou a oportunidade de falar sobre sua vida para uma
pessoa desconhecida e interessada em ouvi-la como um momento singular.
Na tentativa de realizar a segunda entrevista com esta jovem, as hesitações da mesma
em agendar uma data e depois em atender ao telefone tornaram-se sinal de desistência de
Lidiane em continuar na pesquisa. Ainda assim, o relato produzido na primeira entrevista foi
significativo.
Declarou-se parda e nascida em Manaus. Tinha três filhos e vivia uma segunda união
conjugal. Morava com o cônjuge e os filhos, no bairro do Grande Vitória, zona leste da
cidade. Cuidava de uma pequena venda instalada na própria residência e dali extraía uma
pequena parte dos recursos utilizados no pagamento das despesas da casa, o restante era
custeado pelo salário do marido, que era empregado no setor formal.
A jovem relata uma infância marcada por necessidades materiais e por conflitos no
campo afetivo, principalmente com o padrasto. A primeira gravidez ocorreu quando a jovem
tinha quinze anos. A maternidade aprofundou ainda mais as necessidades materiais, então
Lidiane começou a trabalhar logo após o nascimento da filha.
Por intermédio de uma amiga da mãe, a jovem foi trabalhar como babá. A jovem
acumula mais de uma experiência nos serviços domésticos, todas elas vividas de modo
informal e ilegal, tendo em vista a idade que Lidiane tinha no período dessas inserções (entre
quinze e dezessete anos).
Legalmente desprotegida, a jovem viveu diversas situações constrangedoras nas
residências em que trabalhou (parca remuneração, atrasos no pagamento, pagamento com
produtos e não em espécie, e o autoritarismo de moradores da casa e longas jornadas). Pela
dificuldade de conciliar essas atividades laborais com a escolarização e também em razão da
maternidade vivida em contexto de poucos suportes familiares, teve a trajetória escolar
prejudicada por reprovações e abandonos.
Mesmo com a significativa distorção idade série (com 28 anos cursava o segundo ano
do ensino médio), a jovem vivia um momento de reencontro com a escola e projetava seguir
estudos em nível superior. Mencionou o interesse em cursar pedagogia, mas não demonstrava
muita clareza sobre os caminhos que poderiam leva-la ao curso superior ou acerca das
184
instituições que ofereciam o curso. Ao falar de sua projeção de ingresso no ensino superior a
jovem não considerou a possibilidade de ingressar em uma instituição pública, aludindo
diretamente à intenção de estudar em uma instituição privada instalada no bairro vizinho ao
seu.
185
Renato
Renato tinha 18 anos quando a pesquisa começou. Era estudante da escola do bairro e
participou de duas entrevistas, a primeira no ano de 2011 e a segunda no ano de 2012, ambas
realizadas no horário de almoço do jovem, em uma organização não governamental situada
próximo de sua casa.
Declarou-se preto e nascido no município de Novo Aripuanã, um pequeno município
do Estado do Amazonas, onde passou os primeiros anos de sua infância, aos cuidados da avó
paterna. Aos 9 anos mudou-se para Manaus, passando a viver com a mãe e a irmã no bairro de
Grande Vitória, onde residia até o final da pesquisa. O jovem teve a infância e a adolescência
marcadas por dificuldades no campo financeiro e também nas relações familiares.
Desde a infância Renato trabalhou para ajudar no sustento da família e mesmo nas
ocasiões em que a mãe solicitou que se dedicasse apenas aos estudos o jovem nunca atendeu,
por considerar que sua renda era fundamental para a subsistência da família. Com o passar
dos anos as responsabilidades do jovem com o sustento da casa só aumentaram de modo que
aos 18 anos, quando começou a participar da pesquisa o salário do jovem era a única renda da
família. Aos 18 anos Renato também se tornou pai, fato que impactou significativamente sua
visão de futuro e seu orçamento.
Depois que passou que se tornou o provedor da casa obteve consequentemente uma
nova posição na hierarquia da família. Apesar de ainda sentir-se subordinado a algumas regras
colocadas pela mãe, por entender que ela é a dona da casa, o jovem tem importante peso nas
decisões da casa.
A trajetória escolar de Renato apresenta algumas interrupções por reprovação. Estas
reprovações estão associadas à dificuldade de conciliar trabalho e estudo. O jovem estudou
sempre em escolas públicas situadas próximas de seus locais de moradia. Após o ensino
médio pensa em fazer algum curso técnico, acreditando que isso irá impulsionar sua ascensão
profissional. Não descarta a possibilidade de ingressar no ensino superior, mas isso seria um
plano mais tarde. Acha que não está preparado para os processos seletivos das instituições
públicas e teria dificuldades para custear um curso em instituição privada. Cogita a
possibilidade de cursar direito futuramente.
Renato já desenvolveu diversas atividades desde que começou a trabalhar: vendeu
frutas, pão e dindin quando ainda morava com a avó. Dos 9 aos 14 atuou informalmente como
gandula em uma pelada em um clube frequentado por advogados, juízes e outros
186
profissionais, dos quais recebia remunerações pela reposição das bolas ao campo; A partir dos
14 passou a integrar a equipe da pelada e continuou sendo remunerado por isso; Concomitante
a essa participação nas peladas do clube dos advogados, desenvolvia desde os 14 anos bicos
como ajudante de pedreiro, de eletricista de soldador etc.; Aos 18 anos ingressou como
auxiliar de escritório em uma empresa de transporte, por intermédio de alguns membros do
grupo do futebol.
187
Robson
dificuldades de conciliação com a escola e a compressão de seu tempo livre. Robson faz
planos de tirar a carteira de habilitação e comprar um carro para facilitar seu deslocamento e
com isso diminuir os problemas de conciliação da escola com o trabalho e dispor de mais
tempo livre.
Atualmente o jovem se diz completamente independente dos pais e também possui
bastante autonomia no âmbito familiar. Apesar de morar com os pais, o jovem colabora com o
pagamento das despesas da casa e participa das principais decisões que afetam o coletivo.
189
Sávio
Taís
Taís tinha 16 anos quando respondeu ao questionário da pesquisa no ano de 2010. Era
aluna da escola do centro. Participou de duas entrevistas, sendo a primeira realizada no ano de
2011, na residência da jovem e a segunda realizada no ano de 2013 também em sua casa. No
ano de 2012 problemas no estabelecimento de contato por telefone com a jovem impediram a
realização da entrevista.
Taís declarou-se parda e nascida em Manaus. É a filha mais nova em uma família
composta por pai, mãe, uma irmã e dois irmãos. Taís morava com os pais no bairro do
Puraquequara, na comunidade Bela Vista. Trata-se de uma região híbrida entre rural e urbano,
que se encontra bastante isolada com relação ao centro da cidade. A casa da jovem fica
próximo de um igarapé e assim como as demais famílias da região onde reside, sua vida é em
grande medida integrada a estas águas, de modo que a jovem sente diretamente os efeitos dos
ciclos de cheia e seca e do processo de poluição atravessado pelo igarapé ao longo dos anos.
O pai de Taís atuou a maior parte da vida como pescador e atualmente trabalha como
carpinteiro. A mãe da jovem é contratada de uma empresa de conservação e presta serviços de
auxiliar de serviços gerais em uma escola pública do bairro.
A jovem possui uma trajetória escolar regular, sem reprovações ou abandonos e
cursou toda a educação básica em escolas públicas. Até o ensino fundamental frequentou
escolas próximas de sua casa, mas para o ensino médio buscou uma escola do centro,
apostando que ali encontraria ensino de maior qualidade. Os pais de Taís são pouco
escolarizados. A mãe possui o ensino médio incompleto e o pai o ensino fundamental
incompleto. Os três irmãos mais velhos da jovem já concluíram o ensino médio. Dois deles já
estão inseridos no mercado de trabalho e um dos irmãos faz faculdade de turismo na
Universidade Estadual.
No início da pesquisa Taís apenas estudava e não estava procurando emprego.
Naquele momento Taís entendia que o trabalho poderia atrapalhar sua vida escolar e, com o
apoio dos pais e irmãos, investia seu tempo e esforço somente na escolarização. No último
contato da pesquisa, Taís havia concluído o ensino médio e estava trabalhando em uma
fábrica do Distrito Industrial. Havia participado dos processos seletivos das universidades
públicas locais, mas não obteve aprovação.
Diante das circunstâncias Taís refez alguns planos relacionados à continuidade de
estudos. Nos processos seletivos realizados havia escolhido os cursos de fisioterapia e
engenharia química, mas na última entrevista a jovem planejava iniciar o curso de Pedagogia
191
Olá pessoal!
Meu nome é Nádia Falcão, desenvolvo uma pesquisa sobre os jovens do ensino médio e
suas experiências de formação e de trabalho. Gostaria da colaboração de vocês em
responder este questionário, que faz parte da primeira etapa da pesquisa. O objetivo é
coletar dados sobre o seu perfil socioeconômico, sua trajetória escolar e sua
vivência/experiência de trabalho.
Sua colaboração será de grande valia para compreensão do tema. Garantimos que todas as
suas informações e opiniões serão de uso exclusivo da pesquisa e que sua identidade será
preservada.
1. Nome 2. Idade:
3. Sexo 4. Cor ou raça (classificação utilizada pelo IBGE)
Feminino Branca Parda
Masculino Preta Indígena
Amarela Outra, qual?
___________________
193
11. Quantas pessoas moram 12. Qual sua posição com relação às despesas da
com você? casa?
Pago sozinho(a) todas as despesas
Colaboro com o pagamento de algumas despesas
Não colaboro com o pagamento de nenhuma
despesa
13. Qual a escolaridade de seu pai? 14. Qual a escolaridade de sua mãe?
Não estudou Não estudou
Ensino fundamental incompleto Ensino fundamental incompleto
Ensino fundamental completo Ensino fundamental completo
Ensino Médio incompleto Ensino Médio incompleto
Ensino Médio completo Ensino Médio completo
Ensino Superior incompleto Ensino Superior incompleto
Ensino Superior completo Ensino Superior completo
Pós-Graduação Pós-Graduação
Não sei Não sei
15. Em qual profissão seu pai trabalha ou 16. Em qual profissão sua mãe trabalha
trabalhou a maior parte da vida? ou trabalhou a maior parte da vida?
194
17. Em qual tipo de escola você cursou o ensino fundamental (1º ao 9º ano)?
Todo em escola pública
Todo em escola privada
Parte em escola pública e parte em escola privada
18. Por que você escolheu esta escola para cursar o Ensino Médio? (Você pode
marcar mais de uma opção de resposta, se necessário)
Porque fica próximo de sua residência
Porque fica no centro da Cidade
Porque já estudava nesta escola
Porque a escola é reconhecida na Cidade como uma instituição de qualidade
Por outro(s) motivo(s)? Qual(is)? __________________________________
22. Qual tipo de vínculo representa sua situação atual de trabalho? (Se não trabalha
atualmente, passe para a questão nº 23)
Estágio supervisionado
Carteira assinada
Trabalho sem contrato formal de trabalho
Desenvolvo atividades autônomas
Servidor público concursado
Outra. Especifique
195
24. Somando a sua renda com a renda de todas as pessoas que moram com você
qual é a renda familiar por mês?
Até 1 salário mínimo (até R$ 510,00)
De 1 a 2 salários mínimos (de R$ 510,00 a R$ 1.020,00)
De 2 a 5 salários mínimos (de R$ 1.020,00 a R$ 2.550,00)
De 5 salários mínimos a 10 salários mínimos (R$ 2.550,00 a R$ 5.100,00)
Mais de 10 salários mínimos (mais de R$ 5.100,00)
25. Se você tivesse que procurar trabalho neste momento, para qual destas áreas
de atividade você enviaria currículo? (Marque quantas opções achar necessário)
Comércio (lojas, supermercados, shoppings center, auto-peças etc.)
Indústria (fábricas do distrito industrial)
Educação (creches, escolas, universidade etc.)
Entretenimento (casas noturnas, eventos, bares etc.)
Alimentação (restaurantes, lanchonetes, sorveterias etc.)
Turismo (agências, hotéis, balneários etc.)
Saúde (clínicas, hospitais, laboratórios etc.)
Serviços avulsos (entregas, limpeza, lavagem de carro, divulgação de produtos
etc.)
Outros, especifique: _______________________________________________
26. Em qual(ais) dessas áreas você considera que teria chances reais de conseguir
emprego atualmente?
Comércio (lojas, supermercados, shoppings center, auto-peças etc)
Indústria (fábricas do distrito industrial)
Educação (creches, escolas, universidade etc.)
Entretenimento (casas noturnas, eventos, bares etc.)
Alimentação (restaurantes, lanchonetes, sorveterias etc.)
Turismo (agências, hotéis, balneários etc.)
Saúde (clínicas, hospitais, laboratórios etc.)
Serviços avulsos (entregas, limpeza, lavagem de carro, divulgação de produtos,
etc).
Outros, especifique: _______________________________________________
196
27. Quais destes ambientes e meios você já procurou ou procuraria para obter
informações sobre o mercado de trabalho hoje? (Marque quantas opções forem
necessárias)
A escola, por meio do contato com professores e outros profissionais
A escola, por meio do contato com outros estudantes
A internet
A família, por meio de orientações de pessoas mais velhas
Jornais impressos
Instituições de apoio ao ingresso no mercado de trabalho (CIEE, IEL, SINE etc.)
Outros, quais:
________________________________________________________
28. Em termos profissionais, quais as suas expectativas para daqui a 10 anos? (Que
atividade gostaria de estar desempenhando?)
29. Você considera que as atividades que você desenvolve hoje no ensino médio
estão lhe preparando para atingir seus objetivos profissionais?
Sim, por que?
____________________________________________________________
Não, por que?
____________________________________________________________
Você aceita participar de uma próxima fase da pesquisa e conversar sobre a relação escola e
trabalho?
( ) sim ( ) não
Grata,
Nádia Maciel Falcão
Pesquisadora do Observatório Jovem do Rio de Janeiro
Contatos: falcao.nadia@gmail.com
(21) 81848351 /3126-7506
197
Observações Gerais:
A entrevista será orientada para a produção de relatos de vida. Os jovens serão motivados a
narrar eventos biográficos (fragmentos de sua biografia) que permitam situar suas
experiências perante as questões apresentadas neste roteiro.
As partes e as questões presentes neste roteiro não indicam, necessariamente, a ordem com
que serão abordadas na conversa com os sujeitos entrevistados, servem apenas de guia para
garantir que a interlocução não se afaste das questões da pesquisa.
Os jovens serão informados de que podem expressar-se livremente, conforme seus padrões
de comunicação oral, não havendo respostas certas ou erradas.
Fale de sua vida desde a infância até agora. O que lembra? Como foi sua vida de criança
(em casa, na rua, na escola, amizades)? E a adolescência?
Observação: No caso dos jovens que nunca desenvolveram nenhuma atividade profissional,
algumas perguntas deste bloco deverão ser adaptadas e/ou suprimidas.
Desenvolva uma linha do tempo com todas as atividades remuneradas que você realizou
desde esta primeira experiência até os dias atuais.
Até onde vão suas expectativas profissionais na atualidade? Você tem um projeto pensado?
Para quanto tempo? Quais as etapas o constituem? As atividades descritas na linha do tempo
fazem parte deste projeto? Quais experiências são mais importantes para atingir os objetivos
traçados no projeto? Quais as dificuldades a enfrentar? Onde você acha que pode encontrar
apoio/suporte para atingir suas metas e superar dificuldades?
Quais seus principais receios com relação ao mercado de trabalho? Você teme o
desemprego? Que motivos você acha que pode fazer com que alguém fique desempregado
hoje? Você acha que a idade que você tem aumenta suas possibilidades de ficar
desempregado? Como é possível evitar ou minimizar as possibilidades de ficar desempregado
hoje? Como você enfrenta ou se prepara para enfrentar essa dificuldade?
Você considera que as atividades desenvolvidas na escola lhe ajudam ou podem vir a lhe
ajudar no campo profissional? Como? Por quê? Há algum evento que possa exemplificar sua
resposta?
Depois que você ingressou no ensino médio você sentiu alguma mudança de perspectiva
em relação ao trabalho? Você acha que suas chances de conseguir um emprego aumentaram?
Você se sente mais preparado para enfrentar o mercado de trabalho?
Quando você começou a trabalhar sentiu alguma alteração no modo como as pessoas de
sua família e de outros círculos de convivência passaram a tratá-lo? Dê alguns exemplos.
Que vantagens você vê no fato de ter começado a trabalhar ainda na juventude? Você acha
que isso te aproxima em alguma medida da vida adulta?
O que você quer estar fazendo daqui a dez anos? (sonhos de consumo, projetos no campo
familiar, futuro profissional) Você já parou para pensar o que será necessário fazer para
atingir estes objetivos? Que atividades que você realiza hoje contribuem para este fim? Que
grupos/redes que você mantém hoje são importantes para esse projeto?
200
Perguntas sugeridas: Você lembra sobre o que conversamos na primeira entrevista? Você
lembrava que teríamos outras etapas de entrevista? Estava esperando por este novo encontro?
O que mudou de lá pra cá com relação aos aspectos sobre os quais conversamos na entrevista
anterior?
- Situação laboral
- Situação Escolar
Verificar se houve interrupção do fluxo escolar por reprovação ou abandono; Verificar quais
as principais tensões e expectativas daqueles que estão cursando o último ano do ensino
médio; Levantar se houve mudança de escola e quais os motivos; Levantar as estratégias de
preparação para ingresso no ensino superior; verificar as projeções de continuidade de estudos
em nível superior ou outros.
Verificar o grau de circulação dos jovens pela Cidade de Manaus, levantando os principais
impedimentos e as atividades que funcionam como molas propulsoras da mobilidade urbana
dos jovens. Verificar quais os locais mais acessados para o lazer.
- Autonomia e independência
Verificar como estão constituídas as relações de autoridade entre os jovens e os pais ou outros
membros da família. Averiguar em que medida o jovem depende financeiramente dos pais ou
outros membros da família. Verificar se há atividades para as quais o jovem adquiriu
autorização recente para fazer e o que motivou essa autorização (idade, inserção profissional,
maior participação da renda familiar etc).
201
PESQUISADORA: Vou fazer um breve relato das coisas que eu sei sobre você a partir
do que conversamos nas duas entrevistas anteriores e ao final você me diz o que acha.
Então, enquanto você ouvia meu relato o que você pensou? Tem algo a acrescentar
neste perfil? Tem alguma modificação a fazer?
2) Verificar recorrências e as mudanças nas diversas dimensões da vida do jovem que foram
sondadas na pesquisa (família, escola, trabalho, lazer, local de moradia, etc).
6) Quais seus projetos mais importantes? (Verificar a relação do jovem com o futuro)
Profissão do Pai
Frequência
Administração 1
Advogado 1
Agente de limpeza 1
Agricultor 5
Agronomia 1
Ajudante de pedreiro 1
Apontador 1
Assessor parlamentar 1
Autônomo 3
Autonomo(vendedor ambulante) 1
Auxiliar administrativo 1
Bancário 1
Bar man 1
Base aérea 1
Cabelereiro 1
Câmara frigorífica 1
Carpinteiro 4
Carteiro 1
Caseiro 1
CETRAN 1
Comércio 1
Conferente 1
Construção civil 1
Descarregador de caminhão 1
Dono de açougue 1
Dono de marina 1
Eletricista 2
Empreiteiro construção civil 1
Encarregado de eletricista e motorista de caminhão 1
Fazendeiro 1
Feirante 2
Ferramentaria 1
Fiscal 1
Funcionário público 1
Gerente 1
Gradista 1
Gráfico 1
Industriário 7
Linha de montagem 1
Maniqueiro 1
Marceneiro 1
Marítimo 2
Mecânico 2
Mestre de obras 3
204
Montador 2
Montador de móveis 1
Motoboy 1
Motorista 2
Motorista de caminhão 1
Motorista de ônibus 2
Motorista de taxi 1
Operador de máquina 1
Padaria 1
Padeiro 1
Pedreiro 14
Pescador e vendedor de peixe 1
Petrobrás 1
Pintor 4
Policial 1
Porteiro 1
Professor 2
Professor Ed. Fisica 1
Recepcionista 1
Soldador 2
Taxista 3
Trabalha com gesso 1
Trabalha na RM 1
Vendas 1
Vendedor 5
Vendedor de peixe 1
Vigia 1
Vigilante 2
Não respondeu 9
Não sei 4
Total 134
Profissão da Mãe
Frequência
Administração 1
agente social 1
Agricultora 1
Autônoma 4
aux. de serviços gerais 1
auxiliar de cozinha 3
balconista restaurante 1
Cabeleireira 5
cabelereira e costureira 1
Caseira 1
cobradora de ônibus 1
205
Comércio 2
Copeira 1
Costureira 3
Cozinheira 3
Diarista 3
Doméstica 17
doméstica e pescadora 1
dona de casa 17
dona de casa/costureira 1
empregada doméstica 15
Empresária 1
Enfermeira 2
Faxineira 1
Feirante 2
funcionária pública 4
gerente posto gasolina 1
Industriária 4
ISTEC 1
junto com o pai 1
loja de varejo 1
Merendeira 2
Montadora 3
oficina de carro 1
operadora de máquina 1
professora aposentada 1
recepcionista 2
restaurante 1
saúde 1
secretária 3
secretaria de um prédio 1
serviços gerais 2
serviços gerais em escola 1
setor de RH 1
vendedora 4
não respondeu 5
não sei 2
nenhuma 2
Total 134
206
Esta pesquisa pretende conhecer as relações dos jovens estudantes do ensino médio
com o mundo do trabalho, tentando compreender, por meio de suas experiências, quais as
estratégias utilizadas pelos jovens para enfrentar as dificuldades e os desafios do mercado
de trabalho na atualidade e qual o valor que os jovens atribuem ao trabalho na passagem da
juventude para a vida adulta.
nenhuma fase da pesquisa, bem como, não será necessária a identificação do participante
da pesquisa.
Ao participar desta pesquisa você não receberá nenhum benefício financeiro, como
também não terá nenhuma despesa. Entretanto, esperamos que este estudo traga
informações importantes sobre as necessidades e os interesses dos jovens do ensino médio
na Cidade de Manaus sobre o trabalho, de forma que o conhecimento que será construído a
partir desta pesquisa possa contribuir para novas ações e políticas nessa área. Para tanto, a
pesquisadora se compromete a divulgar os resultados obtidos.
Eu, _______________________________________________________, RG nº
_________________ declaro ter sido informado e concordo em participar, como voluntário,
do projeto de pesquisa acima descrito.
______________________________________
Assinatura do Participante da Pesquisa
__________________________________
Assinatura da Pesquisadora
208
AUTORIZAÇÃO
Declaro ainda estar ciente que o objetivo da pesquisa é ouvir o que dizem os jovens
estudantes do ensino médio a respeito de suas experiências com o trabalho e a escola e
sobre o seu processo de passagem da juventude para a vida adulta.
Sei também que será guardado sigilo sobre a identidade de meu/minha filho/a e que sua
participação na pesquisa é voluntária, não devendo receber benefícios financeiros pela
participação, como também não deverá ter nenhum tipo de despesa. Além disso, poderá
deixar de participar a qualquer momento, caso seja de seu interesse.
_____________________________________________