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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

“É PESADO, MAS VOU LEVANDO”: JOVENS DE MANAUS ENTRE A


ESCOLA E O TRABALHO.

NÁDIA MACIEL FALCÃO

NITERÓI/RJ
2014
1

NÁDIA MACIEL FALCÃO

“É PESADO, MAS VOU LEVANDO”: JOVENS DE MANAUS ENTRE A


ESCOLA E O TRABALHO.

Tese de doutorado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial para
obtenção do título de doutora em educação.

Campo de Confluência: Diversidade,


desigualdades sociais e educação.

Orientador: Dr. Paulo Cesar Rodrigues Carrano

Agência de Fomento: Fundação de Amparo à


Pesquisa do Estado do Amazonas.

Niterói/RJ
2014
2

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

F178 Falcão, Nádia Maciel.


“É pesado, mas vou levando”: jovens de Manaus entre a escola e o
trabalho / Nádia Maciel Falcão. – 2014.
209 f.
Orientador: Paulo Cesar Rodrigues Carrano.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Faculdade de


Educação, 2014.
Bibliografia: f. 165-170.

1. Juventude. 2. Escola. 3. Trabalho. I. Carrano, Paulo Cesar


Rodrigues. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de
Educação. III. Título.

CDD 305.235
3
4

Para Micherlan e Maria Elisa, que tiveram as vidas


diretamente implicadas na produção deste trabalho. Ele de
modo voluntário, ela nem tanto.
5

AGRADECIMENTOS

Nesse momento conclusivo em que um trabalho de pelo menos quatro anos ganha
corpo de tese, nominar algumas pessoas e instituições que contribuíram para que me fosse
possível chegar até aqui é um dever e uma satisfação.
Eu sou grata ao Deus para quem tantas vezes rezei em silêncio, pedindo ajuda nos
momentos mais difíceis desse caminhar.
Tenho muito a agradecer a minha mãe, Maria de Nazaré, que esteve comigo,
apertando a tecla shift, sempre que uma etapa maiúscula desse processo de doutoramento
precisou ser escrita. Foi assim no pós-parto e primeiros três meses da Maria Elisa, que chegou
bem no meio do processo, e fez a abnegada avó superar mais de quatro mil quilômetros de
medo de voar. E às vésperas do esgotamento do prazo, foi ela quem mais uma vez deixou sua
casa para cuidar da minha e dos meus, para que eu pudesse ter a tranquilidade fundamental
para o momento conclusivo. E ao lado dessa grande mulher, um grande homem, meu pai
Ursulino Falcão, que mesmo de longe reuniu todos os meios possíveis para me ajudar, mas
principalmente pela energia emanada da coragem que ele teve de voltar aos bancos de escola,
para cursar a licenciatura em História com quase setenta anos, retomando um sonho que as
contingências do seu tempo de juventude lhe impediram de viver.
Ao meu esposo Micherlan, a quem também dedico essa tese, registro aqui minha
gratidão. Num gesto de entrega, ele adiou muitos projetos pessoais para me acompanhar na
necessária mudança para a cidade de Niterói, esforçando-se para acreditar que dias melhores
viriam e felizmente eles vieram. A sua companhia foi muito importante para que eu me
sentisse em casa e em me sentido assim, pude usufruir ao máximo esta oportunidade de
amadurecimento acadêmico e pessoal.
À Maria Elisa, minha filha, que dividiu comigo muitos momentos de estudo e
pesquisa. Na primeira fase de sua vida, ainda no ventre, os chutes na barriga me mantinham
desperta nas aulas e seminários e no decorrer da pesquisa, seu crescimento e desenvolvimento
me ajudaram a marcar o tempo, cuidando para que o cronograma da pesquisa não entrasse em
defasagem, mas que também houvesse tempo para a maternidade em todos os desafios e
felicidades que oferece.
Agradeço também ao querido professor Paulo Carrano, a quem coube me orientar no
desenvolvimento da pesquisa, na escrita da tese e em tantas outras etapas do doutoramento.
Obrigada por todas as indicações, correções, trocas, diálogos e por ter sido sempre tão
compreensivo, acessível e afetuoso, me passando assim segurança e tranquilidade.
6

Aos meus irmãos Charles, Nara e Marcos que dividem comigo a sala de aula da vida,
ajudando a manter acesa a chama do querer saber e do saber dividir e aos meus cunhados
Gládison e Augusta, pelo o que representam para seus companheiros e por terem sido
essenciais para que viessem ao mundo os meus sobrinhos Natália, Henrique e Miguel, que
também enchem de graça o meu existir.
Os meus agradecimentos vão também para Dona Neide, minha sogra, que com seu
tempero caseiro tentou amenizar a agonia dos enjoos decorrentes dos primeiros meses de
gravidez, me ajudando a manter-me saudável para conclusão dos compromissos acadêmicos
daquele momento.
E sendo a pesquisa um trabalho que se faz no coletivo, agradeço ao grupo de pesquisa
Observatório Jovem do Rio de Janeiro, onde tantas vezes tive a oportunidade de dialogar e
aprender e, além disso, firmar laços que se estendem para além da academia. Destaco em
especial as trocas efetuadas com Nilza, Mariane, Juliano, Mônica Sacramento, André e
Cleidy, uma espécie de turma de orientandos da qual sou remanescente. E agradeço também
aos professores Ana Karina, Elionaldo Julião e Osmar Fávero, cuja experiência acumulada na
vida acadêmica foi gentilmente partilhada nas reuniões do grupo.
Não poderia deixar de agradecer aos jovens participantes da pesquisa, nomeadamente
aqueles que entregaram partes de suas vidas, traduzidas em relatos, para que a pesquisa
pudesse se concretizar. Daniele, Denise, Evandro, João Felipe, Lidiane, Kelly, Renato,
Robson, Sávio e Taís, obrigada por terem confiado e disponibilizado um pouco de seus
corridos tempos para me contar os sentidos do ser jovem estudante e trabalhador na
atualidade, a partir de seus lugares na sociedade local e global.
Há alguns amigos que também foram fundamentais para o desenvolvimento deste
trabalho. Começo por Elias Lacerda, aquele que me recebeu em Niterói, abrindo as portas de
sua casa para minha estada desde o processo seletivo; depois utilizou sua rede de relações e
emprestou sua reputação para me poupar dos aborrecedores trâmites imobiliários; além disso,
foi uma excelente companhia para mim e Micherlan nos momentos de lazer e sociabilidade. E
com o mesmo desprendimento e atenção, depois de ter desmontado a barraca em Niterói eu
encontro em Nilza o afetuoso acolhimento para as breves passagens pela cidade realizadas
desde o final de 2012. Obrigada querida amiga por ter me livrado da frieza dos hotéis e ter
dividido comigo aquele cafezinho quente que você apressadamente fazia pela manhã e pelas
taças de tinto que embalavam nosso sono no final da noite.
Da turma de Manaus, quero citar Margareth, que além de me presentear com sua
valiosa companhia em tantos momentos extra acadêmicos, disponibilizou-se a ler meu
7

trabalho com seus olhos de professora de língua portuguesa e sua competência de


pesquisadora do campo da educação. E ao Roberto, Vitor, Vinícius, Alessandra, Miqueline,
Wissilene, César, Andressa, Maurício e Lícia, que longe ou perto transmitiram sempre boas
energias, dividindo momentos de muita alegria ao longo desses quatro anos.
Divido a alegria da conclusão desse trabalho também com meus colegas professores
da Universidade Federal do Amazonas, particularmente com os integrantes do Departamento
de Administração e Planejamento, com Arminda Mourão, que me orientou no curso de
mestrado e sempre me incentivou a seguir na estrada acadêmica e com as queridas Graça
Pinheiro e Edla Caldas, companheiras de agradáveis momentos de aprendizagem sobre o fazer
pesquisa em educação na região amazônica e fonte revigorante de afeto na paisagem quase
sempre árida do meio acadêmico.
Agradeço às Escolas Estaduais aqui denominadas de escola do centro e escola do
bairro e à Fundação Fé e Alegria Amazonas, na pessoa de seus gestores, pedagogos,
professores e outros profissionais pelo apoio prestado no processo de aplicação do
questionário e na realização de algumas entrevistas.
Às professoras Léa Paixão e Mônica Peregrino pela leitura atenta do trabalho em
construção e indicações preciosas feitas no processo de qualificação. E às professoras Cecília
Goulart, Sonia Rummert, Clarice Nunes e Ana Clara Torres Ribeiro (in memorian),
responsáveis pelas disciplinas cursadas no decorrer desse processo formativo, momentos de
muita leitura e discussão, que contribuíram para meu amadurecimento enquanto pesquisadora
do campo da educação.
Para finalizar, registro os meus agradecimentos à Universidade Federal do Amazonas,
pela concessão da liberação total de minhas atividades como docente, para que eu pudesse me
dedicar integralmente ao curso de doutorado durante os últimos quatro anos. E à Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM, pelo apoio financeiro prestado por
meio de bolsas mensais, que foram fundamentais para a viabilização da pesquisa.
8

Como sei pouco, e sou pouco, faço o pouco que me cabe me dando inteiro.

Thiago de Melo
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RESUMO

FALCÃO, Nádia Maciel. É pesado, mas vou levando: jovens de Manaus entre a escola e o
trabalho. Tese (Doutorado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade Federal
Fluminense: Niterói, 2014. Orientador: Dr. Paulo Cesar Rodrigues Carrano.
Referencial teórico
O estudo buscou compreender o lugar que os processos de escolarização e inserção laboral
ocupam hoje na transição para a vida adulta, tomando como lastro empírico, as experiências
de um grupo de jovens de Manaus. Considerando a transição para a vida adulta enquanto
processo gradual e multidimensional de ampliação da autonomia e independência por parte
dos jovens, este estudo verifica em que medida a escolarização e a inserção no trabalho têm
possibilitado ou interditado a vivência da condição juvenil. A abordagem da transição
enquanto processo que se realiza por meio de contínuas tentativas dos jovens em combinar
autonomia e independência sustenta-se em Singly (2005). Para compreender as atuais
modalidades de transição, cuja característica central é a reversibilidade ou os movimentos de
idas e vindas por estágios outrora articulados em perspectiva linear, retomam-se as
contribuições de Pais (2003; 2005), Casal (1996; 2006), Camarano (2006), dentre outras. Os
conceitos de individualização (BECK, 2011), suportes (MARTUCCELI, 2007) e Patrimônio
Individual de Disposições (LAHIRE, 2005) contribuíram para entender a relação entre
aspectos estruturais e biográficos no dimensionado o ser jovem na atualidade. O processo
metodológico contemplou um trabalho empírico de caráter longitudinal, iniciado no ano de
2010 com a aplicação de questionário estruturado a estudantes do primeiro ano do ensino
médio de duas escolas públicas de Manaus. A partir disso, definiu-se um grupo de 10 jovens
para aplicação de entrevistas, orientadas para a coleta de relatos de vida (BERTAUX, 2005;
2009). Foram realizadas três etapas de entrevistas entre os anos de 2011 a 2013. A abordagem
longitudinal permitiu verificar variações em diferentes dimensões da vida dos jovens, que
tiveram importantes implicações nos processos de transição. Os resultados apontam que
escolarização e trabalho permanecem enquanto dimensões centrais da condição juvenil, sendo
reforçadas, tanto no plano normativo, quanto nas relações sociais, como lugares para jovens,
porém a desigualdade no acesso a essas esferas coloca os jovens em diferentes posições
quanto à possibilidade de nelas encontrar suportes à efetivação de processos de transição mais
seguros. Dependendo da escola e da ocupação a que se tem acesso, a própria condição juvenil
só é parcialmente considerada. Apesar da aparente homogeneidade entre os jovens da
pesquisa, depreendida da similar posição social que ocupam, nuances da ordem moral
doméstica, das redes de relações interpessoais e das escolas e ocupações a que têm acesso,
produzem especificidades nos modos como a escolarização e o trabalho aproximam ou
distanciam o jovem da vida adulta.

Palavras-chave: Juventude; Escola; Trabalho; Transição para a vida adulta.


10

ABSTRACT

This study aims to understand the place where the processes of schooling and labor insertion
occupy today in the transition to adulthood, taking as empirical backing, the experiences of a
group of young people from Manaus. Considering the transition to adulthood as
multidimensional and gradual process of increasing autonomy and independence for young
people, this study evaluates the extent to which education and inclusion at work have allowed
or forbidden the experience of juvenile condition. The approach of the transition as a process
that takes place through ongoing attempts by young people to combine autonomy and
independence holds itself according to Singly (2005). To understand the current transition
rules, whose main characteristic is its reversible or the back and forth moves in linear
perspective articulated by former internships , resume the contributions of Pais (2003, 2005),
Casal (1996, 2006 ), Camarano (2006), among others . The concepts of individualization
(BECK, 2011), supports (MARTUCCELI, 2007) and Patromônio Individual de Disposições
(LAHIRE, 2005) helped to understand the relationship between structural and biographical
aspects in the dimensioned the young being today. The methodological process contemplated
a longitudinal character of empirical work, started in 2010 with a structured questionnaire to
students in the first year of high school in two public schools in Manaus. From this, we
defined a group of 10 young people applying for interviews, orientated to collecting life
stories (BERTAUX, 2005; 2009). Three rounds of interviews were conducted between the
years 2011-2013. The longitudinal approach allowed determination of differences in different
dimensions of life of young people who had important implications in the transition
processes. The results indicate that schooling and work remain as central dimensions of
juvenile condition, being strengthened, both at the normative level, as well as in social
relations, as places for young people, but unequal access to these spheres puts young people in
different positions in relation to the possibilities of finding in them support to the execution of
safer transition processes. Depending on the school and occupation to which they have access
to, the juvenile condition itself is only partially integrated. Despite the apparent homogeneity
among youth in the research, deduced from similar social position they occupy, peculiarities
of domestic moral order, the interpersonal relationships networks and the schools and
occupations they have access to, produce different modes of schooling and work to promote
the approximation or gap between youth and adulthood.

Keywords: Youth, School, Work, Transition to adulthood.


11

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Perfis-tipo e outros critérios utilizados na seleção dos jovens da pesquisa 52

Quadro 2 - Jovens participantes das etapas de entrevistas 54

Quadro 3 - Fluxo escolar individual no período da pesquisa 58

Quadro 4 - Fluxo escolar geral apurado nas entrevistas 58

Quadro 5 - Situação laboral individual declarada no período da pesquisa 59

Quadro 6 - Variações da situação laboral apurada na pesquisa 60

Quadro 7 - Atividade remunerada que desenvolve 91

Quadro 8 - Áreas para as quais enviaria currículo 93

Quadro 9 - Áreas nas quais considera ter chances de conseguir emprego 93

Quadro 10 - Ambientes/meios/pessoas procurados para obtenção de informações sobre o 94


mercado de trabalho

Quadro 11 - Expectativas profissionais para o período de 10 anos 96


12

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Auto declaração de cor/raça 86

Tabela 2 - Maternidade/Paternidade por Estado Civil 87

Tabela 3 - Número de pessoas com quem mora 88

Tabela 4 - Escolaridade do pai 88

Tabela 5 – Escolaridade da mãe 88

Tabela 6 - Renda familiar mensal 89

Tabela 7 - Renda mensal dos jovens 90

Tabela 8 - Renda familiar mensal segundo vínculo escolar 90

Tabela 9 – Inserção em atividade remunerada 91

Tabela 10 - Situação atual do vínculo de trabalho 92

Tabela 11- Contribuição do Ensino Médio para os objetivos profissionais 97


13

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Idade e vinculação institucional 85

Gráfico 2 - Idade e auto declaração de cor/raça 86


14

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................. 15

CAPÍTULO I - CAMINHOS METODOLÓGICOS................................................... 25

1.1 Situando a pesquisa no campo científico................................................. 25


1.2 Pesquisas sobre jovens na área da educação: gênese e contribuições do 27
estudo.................................................................................................................
1.3 A pesquisa biográfica na modalidade de relatos de vida 33
1.4 Contribuições da abordagem longitudinal 39
1.5 Enfrentamentos do campo de pesquisa 41
1.5.1 Escola do centro e escola do bairro: breve caracterização das escolas 42
selecionadas para aplicação do questionário
1.5.2 Notas sobre a aplicação do questionário exploratório........... 47
1.5.3 Notas sobre a realização das entrevistas................................... 51

CAPÍTULO II – APROXIMAÇÕES DA CONDIÇÃO JUVENIL NA ATUALIDADE 62

2.1 Jovens brasileiros: constrangimentos estruturais e tendências apontadas nas


pesquisas e estatísticas nacionais 66

2.2 Um olhar sobre a cidade de Manaus: especificidades da situação juvenil local 73

2.2.1 Escolarização, constituição de domicílio e mobilidade habitacional 79

2.3 Perfil dos jovens da pesquisa 84

CAPÍTULO III - TRABALHO, ESCOLA E TRANSIÇÃO PARA A VIDA ADULTA 100

3.1 A transição na perspectiva de processo: alternativas à compreensão das 101


aproximações entre juventude e vida adulta na contemporaneidade
3.2 O lugar da inserção profissional e da escolarização no processo de transição. 108
3.3 Atuais arranjos das relações intergeracionais na família e seus efeitos na
ampliação da autonomia e independência dos jovens 114

3.4 O papel das redes de relações interpessoais na construção de itinerários


profissionais 121
15

CAPÍTULO IV – MODOS DE VIVER A TRANSIÇÃO PARA A VIDA ADULTA 132


PELOS CAMINHOS DA ESCOLARIZAÇÃO DO TRABALHO

4.1 No portão da escola, trabalhadores do lado de fora: tensões da conciliação entre 133
trabalho e ensino médio.
4.2 Se eu pudesse escolher ou, da procura por trabalhos para jovens. 144
4.3 “Trabalho agora? Nem pensar!” Adiamento da entrada do jovem no mercado de 149
trabalho como estratégia familiar
4.4 Ser jovem, mas não tanto: como a escola e o trabalho aproximam e distanciam o 153
jovem da condição juvenil?

CONSIDERAÇÕES FINAIS 158

REFERÊNCIAS 165

APÊNDICES 171
15

INTRODUÇÃO

O mundo do trabalho mudou, a população está mais escolarizada, os diplomas


escolares estão desvalorizados, os jovens são o grupo mais afetado pelo desemprego, as
fronteiras entre o ser jovem e o ser adulto estão imprecisas, as redes interpessoais promovem
importantes mediações com o mundo do trabalho. Sentenças como essas têm sido recorrentes
quando o assunto é juventude, escolarização e trabalho. No meio acadêmico ou nas manchetes
dos diversos tipos de mídias, seja como interrogação ou conclusão, esse tem sido um
conteúdo bastante explorado.
Ainda que muitos estejam se ocupando com questões derivadas dessas afirmativas, a
complexidade que elas guardam, isoladamente ou em conjunto, faz com que esse tema
permaneça como um desafio àqueles que intencionam compreender o jovem contemporâneo.
Diante das evidentes mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais pelas quais
têm passado as sociedades contemporâneas, emerge a necessidade de maior apropriação sobre
os modos como os jovens têm sido afetados, mas também reagido às transformações de larga
escala. Quando o foco é trazido para os temas da escolarização e da inserção no trabalho, é
especialmente relevante compreender os desafios postos aos jovens das classes populares e
levantar as estratégias de que têm lançado mão para viver suas juventudes enquanto
trabalhadores e estudantes que são em grande maioria.
A noção de classes populares que orienta este estudo não está referenciada apenas na
posição de renda e outros indicadores objetivos do campo sócio econômico, mas considera
também que estas classes se expressam por meio de modos de vida particulares, forjados nos
enfrentamentos cotidianos ou provas, como sustenta Martuccelli (2007a, 2007b, 2010),
necessários para a garantia da existência nos planos objetivo e subjetivo.
Conforme Durham (1986) o conceito de classes populares é pertinente porque
considera simultaneamente diferenças (ainda que sutis) verificadas no plano objetivo das
inserções dos indivíduos (variadas ocupações, níveis de escolaridade, renda etc.) e
semelhanças que se evidenciam no plano cultural (valores, hábitos, gostos, aspirações).
Os modos de vida das classes populares precisam ser conhecidos também a partir de
suas próprias constituições e dinâmicas, somente acessíveis quando a pesquisa parte do
princípio de que os sujeitos (no caso deste estudo os jovens de origem popular) estão em
condições de produzir elaborações válidas sobre suas experiências.
16

Sabendo que a própria possibilidade de falar de uma juventude popular é parte das
transformações mais amplas pelas quais as sociedades modernas vêm passando, visto que, na
origem, a moderna noção de juventude só fazia sentido para as elites, importa interrogar quais
os principais desafios vividos por jovens das classes populares que chegam ao ensino médio
no Brasil de hoje? O que pensam sobre o trabalho e como se processam as inserções laborais
desses jovens? Que atores e/ou instituições têm conferido apoio à vivência da dupla condição
de estudante e de trabalhador experimentada por muitos jovens do ensino médio público? Em
que medida as experiências profissionais e a escolarização os aproximam ou afastam do
estatuto de adulto?
Sabendo da densidade do conceito de trabalho é preciso mencionar que neste estudo,
sua abordagem se constrói em referência ao exercício de uma atividade no âmbito do sistema
produtivo capitalista, que resulte em alguma forma de remuneração. Em outras palavras, o
trabalho que se expressa por meio das experiências de inserção ou reinserção dos jovens no
mercado de trabalho.
De modo mais amplo, são essas as questões que moveram esta pesquisa. No escopo de
suas possibilidades, o estudo busca ampliar a compreensão acerca dos efeitos que os
complexos processos de inserção dos jovens brasileiros no mundo do trabalho, especialmente
quando vividos concomitantemente à escolarização, possuem sobre a transição para a vida
adulta.
Sabe-se do desafio que representa tratar de uma juventude brasileira no singular, tal é
o grau de diversidade e desigualdade instalado entre as diferentes regiões do país, inclusive
quando se trata do acesso à educação escolar, da qualidade do ensino público e da atuação do
Estado na regulamentação do trabalho juvenil e no combate às formas mais degradantes de
inserção no mundo do trabalho. As questões iniciais e as conclusões as quais se chegou por
meio deste estudo, retratam uma realidade nacional, refratada e complementada pelas
peculiaridades da condição e da situação juvenil na cidade de Manaus, no Estado do
Amazonas.
Mais especificamente, a investigação procurou compreender de que modo as
experiências juvenis de escolarização e de trabalho têm afetado seus processos de transição
para a vida adulta. Importa-se por entender o lugar que o trabalho e o processo de
escolarização de nível médio ocupam na aquisição/ampliação de independência e autonomia
por parte dos jovens, elementos que, combinados, podem ser tomados como indicativos da
entrada na vida adulta, na linha do argumento de Singly (2005).
17

A escala de observação da pesquisa concentra-se principalmente nos percursos de 10


jovens da cidade de Manaus, cujos eventos biográficos, narrados no contexto da investigação,
permitem compreender que ordens de aspectos estão implicadas quando confrontamos hoje
inserção no mundo do trabalho, formação escolar e transição para a vida adulta.
O trabalho de coleta e análise dos dados foi mediado pelas seguintes questões de
pesquisa:
1) De que maneira a inserção no mundo do trabalho e a escolarização de nível médio se
posicionam nos processos de transição para a vida adulta de jovens de origem popular
da cidade de Manaus?
2) Em que medida essas duas atividades têm efeitos sobre a ampliação da autonomia e
independência dos jovens?
3) Quais as tensões decorrentes das experiências e/ou tentativas de conciliação dessas
duas atividades vivenciadas pelos jovens?
4) Que instituições, grupos, agentes e ações atuam na produção de suportes aos jovens e
os auxiliam no enfrentamento dessas tensões?
5) Como se estabelecem arranjos entre os elementos de ordem estrutural e as trajetórias
individuais implicados nos processos de transição para a vida adulta? Em que medida
esses arranjos expressam especificidades locais assumidas pelo trabalho e a
escolarização nos processos de transição para a vida adulta?
Na análise empreendida, tanto os aspectos objetivos quanto aqueles de ordem
subjetiva que estruturam as experiências de aproximação dos jovens com o mundo do trabalho
e com a escola pública são considerados importantes. Os procedimentos metodológicos
adotados contemplaram a sondagem de diferentes dimensões biográficas, nas quais se
incluem as relações familiares, as trajetórias de escolarização, as redes de relações
interpessoais, além daquelas diretamente relacionadas ao trabalho.
No desenvolvimento da pesquisa de campo duas categorias emergiram como centrais
nos relatos dos jovens. São elas o “é pesado”, e o “vou levando”. Não poucas vezes, ao longo
das entrevistas, os jovens terminaram suas falas com o tom reticente desse gerúndio depois de
haverem caracterizado as experiências de inserção, escolarização e, em caráter mais amplo
sua própria situação juvenil.
Compreender os sentidos e os significados dessas categorias nativas também foi um
esforço fundamental da pesquisa. Desse modo, tornou-se relevante conhecer os diferentes
contextos e relações de produção e atualização das disposições relacionadas ao trabalho, à
18

escolarização e ao processo de transição e para isso adotou-se a perspectiva de um estudo


sociológico à escala do indivíduo (LAHIRE, 2005).
Sem desconsiderar o peso das estruturas sociais, procura-se escapar de modelos
explicativos da transição centrados estritamente na relação entre variáveis posicionais tais
como classe, cor da pele, sexo, idade, dentre outros. Estudar o social individualizado requer
como afirma Lahire (2005, p. 14), considerar o indivíduo como produto complexo de
múltiplos processos de socialização (diacrônicos, mas também sincrônicos) e deixar-se
conduzir ao longo da investigação pela necessidade de desvelar questões tais como:

Como é que a realidade exterior, mais ou menos heterogênea, se faz corpo?


Como é que as experiências socializadoras múltiplas podem (co)habitar (n)o
mesmo corpo? Como é que tais experiências se instalam de modo mais ou
menos duradouro em cada corpo e como é que elas intervém nos diferentes
momentos da vida social ou da biografia de um indivíduo? [...] Como é que
as múltiplas disposições incorporadas, que não formam necessariamente um
“sistema” coerente e harmonioso, se organizam ou se articulam? (grifos do
autor)

Nessa perspectiva o indivíduo é tomado como um ser matizado e contraditório, muito


mais frequente na realidade do que os estudos de tendências deixam visualizar. Indivíduos
constituídos de diferentes disposições para agir e para crer1 que podem ser mobilizadas e
atualizadas de muitas maneiras, como também estão sujeitas a perder força em algum
momento de suas biografias.
Muito embora pressupostos como o da unicidade do indivíduo e o da capacidade da
ciência em captar, organizar e traduzir esta unicidade ocupem importantes lugares nas
sociedades modernas, o conhecimento das variações intraindividuais torna-se cada vez mais
um desafio difícil de postergar, o que não quer dizer que os estudos das desigualdades e
diferenças entre classes tenham perdido seu valor.
A agenda dos estudos de viés sociológico na atualidade instiga os pesquisadores a
compreenderem que, para além da identificação e mesmo da crítica às fraturas entre as
diferentes posições e classe sociais, é importante olhar o indivíduo que, paradoxalmente,
acumula disposições inscritas em campos distintos e muitas vezes opostos, e interrogar os

1
Bernard Lahire faz esta distinção entre disposições para crer ou crenças e disposições para agir. Segundo o
autor, na sociedade atual, nem sempre estão disponíveis os meios (materiais ou disposicionais) para respeitar,
concretizar, atingir ou cumprir algumas crenças que são incorporadas pelos atores. “Os atores podem ter
interiorizado normas, valores, ideais..., sem ainda terem podido forjar hábitos de ação que lhes permitam atingir
o seu ideal.” (LAHIRE, 2005, p. 18).
19

efeitos e os contextos de produção e ativação de seu “patrimônio individual de disposições”


(LAHIRE, 2005).
A escala individual torna possível a observação do cruzamento de práticas, sentidos e
valores que muitas vezes seriam imprevisíveis ou facilmente invisibilizadas nas classificações
mais duras, fabricadas por variáveis de renda, cor da pele, idade, sexo etc. Os relatos dos
jovens da pesquisa confirmam a potência desse tipo de abordagem para o desvelamento de
faces intrigantes e complexas da realidade social. Esses relatos estão plenos de elementos
simbólicos e materialmente heterogêneos, transfigurados em percursos que podem ser
considerados verdadeiros campos de força.
A denominada sociologia à escala individual inscreve-se, conforme argumenta Lahire
(2005), em um duplo movimento da Sociologia que, de um lado, procura acompanhar o
processo de individualização que se acelera na modernidade avançada e, de outro lado, traduz
a dinâmica do próprio campo científico em busca de maior autonomia científica. É assim que
o autor considera que, diante da onda individualizante que atravessa as formações sociais na
atualidade, “a sociologia tem o dever (e o desafio) de pôr em evidência a produção social do
indivíduo [...] e de mostrar que o social não se reduz ao coletivo ou ao geral, mas que ele se
encontra também nos traços mais singulares de cada indivíduo.” (LAHIRE, 2005, p. 36)
O processo de individualização reconhecido por Lahire tem sido objeto de múltiplas e
intensas reflexões e disputas conceituais, dentre as quais se destaca a contribuição de Beck
(2010). Para este autor, o processo de individualização não é expressão do fim do projeto de
indivíduo da modernidade, mas de sua radicalização, numa configuração mais recente da
modernidade, ao qual ele prefere nomear de “modernidade tardia, avançada ou ultra”,
contrapondo-se à noção de pós-modernidade.
Conforme argumenta Beck, o processo de individualização não é uma invenção da
segunda metade do Século XX, mas é a partir desse período que o indivíduo se vê convocado
com mais intensidade a desprender-se de teias de afirmação e proteção (instituições, direitos
sociais, tradições etc.) constituídas no seio da sociedade industrial, que paradoxalmente criou
complexos arranjos entre liberdades e dependências, que não cessam de se renovar e
apresentar novas faces.
Nesse sentido, a contradição dos novos tempos se esboça no momento em que “o
indivíduo se desonera de estruturas de sustento e vínculos tradicionais, mas recebe em troca as
pressões do mercado de trabalho, de uma subsistência baseada no consumo e das
padronizações e controles contidos em ambos.” (BECK, 2010, p. 194).
20

A plataforma de onde se projeta este estudo das relações entre trabalho, escolarização
juvenil e transição para a vida adulta, retoma também apontamentos de Martuccelli (2007a;
2007b) sobre a sociologia dos suportes. O quadro de dependências fundado no próprio interior
do processo de individualização referido por Beck é, para Martuccelli, o contexto que põe em
evidência que o indivíduo só existe na medida em que pode contar com um conjunto de
suportes exteriores.
Segundo Martuccelli, os suportes, enquanto realidade exterior mediada de diferentes
maneiras na experiência individual, contrariam o mito do indivíduo autossustentado. Os
suportes são um conjunto heterogêneo de elementos reais ou imaginários mobilizados pelo
indivíduo, com maior ou menor grau de explicitação, que lhe permitem sustentar-se como
indivíduo no quadro da modernidade. Nas palavras do autor, esse complexo de relações entre
indivíduo e sociedade se estabelece sob a seguinte configuração:

Não existe indivíduo moderno sem o processo inaugural pelo qual o ator se
libera das subordinações impostas pela ordem tradicional. Não há
modernidade sem a ruptura das antigas dependências e a aparição de uma
experiência entre-dois. Nesta experiência o indivíduo não existe senão na
medida em que consegue sustentar-se por um conjunto de suportes.
(MARTUCCELLI, 2007a, p. 77, tradução nossa).

Com base neste pano de fundo que retoma aportes da sociologia à escala do indivíduo,
o quadro de individualização observado nas formações sociais atuais e o papel dos suportes na
constituição do indivíduo, a transição para a vida adulta é abordada nesta pesquisa a partir de
sua dinâmica de constituição. Isso permite considerar não somente os aspectos objetivos que a
estruturam, mas também a pluralidade de combinações e significados que determinados
acontecimentos e orientações adquirem nas experiências particulares dos jovens. O estudo
entende a transição enquanto processo e busca compreender os elementos que lhe dão força,
mas do que definir novos calendários de entrada na vida adulta.
A construção de uma problemática de estudo da juventude que aponta para o processo
que supostamente decretaria seu fim (a transição para a vida adulta) não se apoia no
pressuposto de que tornar-se adulto seja uma preocupação estruturante da vida dos jovens, ao
contrário, as pesquisas sobre a relação dos jovens com o futuro têm sinalizado que na
atualidade estes tendem a refugiar-se em uma espécie de presente estendido ou futuro
próximo (LECCARDI, 2005; PAIS, 2005).
A transição, enquanto problema de pesquisa, certamente se constrói sobre fortes
referências a eventos empíricos, mas não necessariamente coincide com a forma com que se
21

apresenta no cotidiano dos jovens. Na experiência social corrente nas sociedades ocidentais, a
transição não é tão evidente e nem tão claramente delimitada. A pesquisa empenha-se em não
reforçar uma noção de juventude estritamente definida por sua condição de transitoriedade,
nem de vida adulta como lugar de completa estabilidade.
As questões da investigação emergem no conjunto de uma abordagem da temática da
transição que reconhece juventude e vida adulta como construções negociadas nas relações
sociais, culturais e históricas. Essas construções são, portanto, portadoras de especificidades e,
na atual configuração social, as fronteiras entre essas duas fases da vida mostram-se cada vez
mais imprecisas. Desse modo, referenciais lineares que em outros contextos ajudavam a
compreender a transição para a vida adulta, dão sinais de insuficiência.
Dentre os referenciais que já não cobrem com precisão os atuais modos de transição,
destaca-se aquele que entende que a passagem da juventude para a vida adulta resulta do
cumprimento de uma sequência de eventos tais como: conclusão da escolaridade, a inserção
profissional, a saída da casa dos pais, o estabelecimento de vida conjugal e da
maternidade/paternidade.
De certo modo, este estudo interroga em que medida a dificuldade de compreensão da
transição para a vida adulta na atualidade decorre das imprecisões das noções de juventude e
vida adulta, e até que ponto essa dificuldade é reforçada pelas opções feitas no campo da
pesquisa, na medida em que a própria angulação do olhar de muitos pesquisadores nem
sempre permite identificar o processo em suas novas manifestações.
O filtro de análise do processo de transição é aqui deslocado dos marcadores
tradicionalmente associados à transição, para o grau de aproximação e combinação que os
jovens apresentam quanto às dimensões da autonomia e independência. A primeira sintetizada
como capacidade do indivíduo “outogar-se a si mesmo sua própria lei, de formar uma visão
de mundo” (SINGLY, 2005, p. 115, tradução nossa); a segunda, conferida pela posse dos
recursos que lhe permitam sustentar-se a si próprios e “não prestar contas a ninguém”
(SINGLY, 2005, p. 114, tradução nossa).
A proposta de investigação questiona, assim, a relação que se estabelece entre dois dos
acontecimentos classicamente associados à transição – a inserção laboral e a conclusão da
escolaridade secundária – e as dimensões da autonomia e da independência.
Na definição do objeto da pesquisa, foram consideradas algumas conclusões,
perguntas e ausências identificadas a partir de investigações anteriores sobre o tema. A
tentativa é apresentar novas faces do problema e explorar aspectos que ainda carecem de
explicação.
22

No campo quantitativo, pesquisas estatísticas produziram, nos últimos anos,


importantes indicadores da situação social, ocupacional, escolar e etária da população
brasileira que permitem o reconhecimento de tendências gerais descritas pelos segmentos
mais jovens nestas áreas. É importante que estes enquadramentos gerais, produzidos pelos
dados estatísticos, sejam complementados por pesquisas de natureza qualitativa que possam
testar à escala do cotidiano, a validade do que é geral e, ao mesmo tempo, identificar nuances
dessas tendências nas maneiras como os jovens confirmam, ressignificam ou reagem a elas.
Pesquisas indicam que mais da metade dos jovens nas idades entre 15 e 29 anos fazem
parte da população economicamente ativa – PEA2. A maioria desses jovens está inserida ou já
teve alguma experiência de inserção no mercado de trabalho, seja na condição de aprendiz
(com maior ou menor grau de cumprimento da legislação), seja através de outros vínculos
formais, ou mesmo nos espaços da informalidade, combinados ou não com processos de
escolarização; outra parte desses jovens está em busca de trabalho.
Ao abordar a relação dos jovens brasileiros com o trabalho, Sposito (2005, p. 124)
chega a concluir que "no Brasil o 'trabalho também faz juventude' e se torna demasiadamente
complexa a construção sociocultural da categoria 'juventude' sem a sua mediação efetiva e
simbólica".
Por sua vez, Peregrino (2009) destaca que na combinação de processos de
escolarização e trabalho, que se observa crescente a partir dos anos de 1990 entre as classes
economicamente desfavorecidas, o prolongamento da escolaridade é a novidade, muito mais
do que o trabalho.
Pesquisas de natureza qualitativa têm demonstrado que, para além da compreensão do
trabalho como uma necessidade, os jovens o têm como um elemento de aquisição de
autonomia e de identização (CARRANO, 2010). Apesar de constituírem o grupo mais afetado
pelo desemprego e de estarem mais vulneráveis aos baixos salários, aos contratos de curta
duração e a outras condições de trabalho que tendem a precarizar as inserções laborais, os
jovens inventam formas diversas de se relacionar com a escassez de oportunidades e
produzem sentidos que mediam estas faltas e preocupações despertadas pela crise do emprego
(PAIS, 2005). Formas e sentidos, diga-se, que não estão nem suficientemente inventariadas,
nem profundamente conhecidas.

2
A afirmação de que mais da metade da população juvenil brasileira faz parte da população economicamente
ativa – PEA, seja na condição de ocupada ou como desempregada é sustentada em pelo menos três importantes
pesquisas de abrangência nacional: 1) Pesquisa Perfil da Juventude Brasileira, desenvolvida pelo Instituto
Cidadania (2003); Censo demográfico IBGE 2010 e Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião dos Jovens
Brasileiros, desenvolvida pela Secretaria Nacional de Juventude (2013).
23

Partindo dos apontamentos que informam que na atualidade os jovens constituem o


grupo mais afetado por problemas como a crise do emprego e a precarização das condições de
trabalho, e ainda assim, veem na inserção profissional uma possibilidade de autonomização,
parece importante levantar quais estratégias têm sido utilizadas por eles para enfrentar essas
tensões que caracterizam suas relações com a inserção profissional presente ou projetada.
A pesquisa desta tese teve início em março de 2010 e, desde então, foram realizados
investimentos em discussões teóricas, combinadas com etapas empíricas. No delineamento
metodológico, o objetivo de compreender as implicações das distintas disposições e relações
objetivas e subjetivas dos jovens com o trabalho e a escolarização nos processos de transição
para a vida adulta, fez emergir a necessidade de uma abordagem longitudinal do problema de
investigação. Nesse sentido, a fase empírica incluiu o acompanhamento de um grupo de
jovens participantes da pesquisa pelo período de três anos (2011-2013).
O processo e os resultados dessa pesquisa compõem esta tese cujo texto apresenta-se
estruturado em quatro capítulos, além desta introdução, das considerações finais e apêndices.
Essas partes articulam-se entre si e concorrem para compreensão global do objeto de estudo.
O capítulo I, intitulado “Caminhos metodológicos”, apresenta uma reflexão sobre a
construção do objeto de estudo, destacando a maneira como esta pesquisa dialoga com o
conhecimento acumulado no campo científico no qual se insere. Neste capítulo encontram-se
ainda, apontamentos sobre as escolhas feitas no campo metodológico, dentre as quais se
destaca a utilização da abordagem biográfica e da perspectiva longitudinal e, ao final, o
capítulo traz o relato do trabalho empírico.
O capítulo II, cujo título é “Aproximações da condição juvenil na atualidade”, faz uma
discussão sobre a juventude enquanto fase da vida e construção sociocultural. Ao longo dos
itens que compõem esta parte do trabalho, se estabelece um diálogo com a produção
acadêmica acerca do tema e reúnem-se dados do contexto nacional e local que são
importantes para se operar mediações entre o conceito de juventude e as manifestações
empíricas que esta designa. Um perfil dos jovens que participaram da primeira etapa do
trabalho empírico também integra esse capítulo.
No capítulo III são retomados aportes e perspectivas de estudo da transição para a vida
adulta nos campos da sociologia e da educação. Nesta parte do texto, também se encontra uma
reflexão sobre as caraterísticas dos processos de transição observados nos últimos anos em
escala planetária, situando-os em relação às mudanças ocorridas em outras dimensões sociais
e culturais que têm efeitos sobre esses processos, tais como a ampliação do tempo de
permanência na escola e a redefinição das relações entre as gerações mais velhas e os jovens,
24

sobretudo aquelas que ocorrem na família. O capítulo traz ainda a discussão sobre o lugar que
inserção profissional e a escolarização de nível médio ocupam nos processos de ampliação da
autonomia e independência dos jovens e analisa as contribuições das redes de relações
interpessoais na construção de itinerários profissionais.
O Capítulo IV faz a discussão sobre os modos de viver a transição para a vida adulta
considerando as dimensões da escola e do trabalho. Os dados empíricos, coletados no
processo de pesquisa, apontam algumas questões centrais ao debate da transição para a vida
adulta tais como: as tensões da conciliação entre vida escolar e inserção laboral, a
precariedade que acompanha muitas das inserções juvenis no trabalho, o adiamento da
inserção e o investimento prioritário da escolarização como estratégia familiar de mobilidade
social e as contradições que a escola e o trabalho apresentam quando, ao receber o jovem,
negam uma parte de sua condição juvenil.
As considerações finais apresentam as principais conclusões a que se chegou por meio
desse estudo e, além disso, indicam alguns pontos que se apresentaram como relevantes, mas
que não puderam ser explorados em profundidade nesta pesquisa, podendo tornar-se objeto de
novas reflexões e pesquisas.
Nos apêndices pode-se encontrar um breve perfil individual dos jovens participantes
das etapas de entrevistas, além dos instrumentos utilizados na pesquisa de campo
(questionário e roteiros de entrevistas) e outros documentos complementares que foram
produzidos a partir dos dados da pesquisa e que ajudam, em alguma medida, na compreensão
dos seus resultados.
25

CAPÍTULO I – CAMINHOS METODOLÓGICOS

1.1 Situando a pesquisa no campo científico

Neste trabalho de investigação, entende-se que a reflexão sobre os vínculos de cunho


epistemológico, teórico, disciplinar, metodológico e institucional do pesquisador e da
proposta de estudo é uma etapa importante do cronograma da pesquisa. O investimento nessa
atividade nem sempre é considerado uma prioridade, ou mesmo, uma possibilidade, nas atuais
condições de produção científica, especialmente nas investigações realizadas por discentes da
pós-graduação.
Nesse âmbito da produção de ciência, não poucas vezes, a criatividade e o tempo
dedicado ao ato de pensar o pensamento no percurso da investigação são sacrificados, e a
geração de tensões e questões é inibida em nome da emergência de respostas rápidas. Pensar e
escrever sobre esse processo é, pois, se colocar em um campo de resistência contra o
imediatismo e o caráter meramente operacional de algumas regras e padrões vigentes no
campo científico brasileiro.
Há quase um século3, Weber destacou a importância de elementos como paixão e
intuição no desenvolvimento da atividade científica e, como que calculando o grau de
aceleração a que seria exposto o processo de pesquisa, o autor defende temporalidades
distintas no que concerne aos atos que compõem esta atividade.

As idéias nos acodem quando não as esperamos e não quando, sentados à


nossa mesa de trabalho, fatigamos o cérebro a procurá-las. É verdade,
entretanto, que elas não nos ocorreriam se, anteriormente, não houvéssemos
refletido longamente em nossa mesa de estudos e não houvéssemos, com
devoção apaixonada, buscado uma resposta. (WEBER, 2010, p. 26)

A proposta que aqui se defende não consiste em desviar a pesquisa da busca de


repostas, mas se dedica em cuidar para que não seja por elas conduzida, mas, antes, que seja
orientada por um conjunto lógico de questões e/ou hipóteses, assentadas sobre um processo de
objetivação da realidade, capaz de combater a ilusão da transparência (BOURDIEU et al,
2007), que tantas vezes opera uma naturalização das relações entre investigadores e seus

3
Não há consenso sobre a data exata em que Weber proferiu as conferências Ciência como vocação e Política
como vocação, mais tarde publicadas em forma de livro. Sabe-se, contudo, que ocorreram por volta de 1917 e
1918, na Universidade de Munique, Alemanha.
26

grupos de pertencimento e entre estes e outros elementos implicados na pesquisa, dificultando


a percepção dos limites e possibilidades do trabalho realizado.
A aposta centra-se na ideia de que as ferramentas do trabalho científico, quando
submetidas a um rigoroso processo de reflexão que lhes interrogue a pertinência, podem não
somente conter as pressões advindas da implicação social do pesquisador na realidade
pesquisada, como protegê-lo das armadilhas do senso comum erudito, até que se obtenham
explicações consistentes e portadoras de conhecimento novo, sem que se abra mão do uso da
imaginação no processo de pesquisa.
Definir uma problemática de pesquisa nas ciências sociais hoje significa tomar posição
no fluxo das tradições teóricas e metodológicas das diversas disciplinas e áreas que se
consolidaram ao longo do tempo e das demandas de atualização que a vida em sociedade
impõe. Além disso, o pesquisador desta área do conhecimento vive a dupla condição de ser
analista e sujeito social ao mesmo tempo. Isso significa que o acúmulo decorrente do
pertencimento à sociedade que pretende analisar é tão importante de ser tratado na pesquisa,
quanto a herança refletida no olhar específico que lança sobre essa experiência social, qual
seja o olhar científico que traz as marcas de sua formação acadêmica.
A simples percepção da existência de um problema social, ou o maior ou menor
envolvimento prático com ele, não coloca um indivíduo no campo da ciência. O que define a
passagem das explicações espontâneas às explicações científicas é a apreensão dos fenômenos
que se colocam a nossa percepção, por meio de uma problemática teórica, que garante a
transformação de um problema social em problema sociológico. (BOURDIEU et al. 2007, p.
48). Não se chega ao objeto sociológico senão pela sua construção e conquista, somente
garantidas pelo enfrentamento das pré-noções e dos apelos sociais lançados perante o analista
social.
Como estratégia de resistência a discursos auto protegidos que embaçam a visão e
obstruem o acesso às nuances da dinâmica social, é pertinente pensar a gênese do interesse
pelo estudo dos jovens e suas relações com o trabalho e a escola nos trânsitos para a vida
adulta e encontrar, nesse movimento do pensamento, a potência que as perguntas mais
elementares possuem, de gerar questões complexas, capazes de interrogar certezas e apontar o
caminho do conhecimento novo.
27

1.2 Pesquisas sobre jovens na área da educação: gêneses e contribuições do estudo

Refletir sobre as contribuições de uma pesquisa para o avanço de uma área do


conhecimento requer considerá-la como uma ação específica no quadro de um projeto
científico maior de interrogação e compreensão da realidade. Acerca da validade do
pensamento dos indivíduos diante do conjunto do pensamento humano e das contribuições de
um pesquisador isolado para o projeto científico mais amplo, resgatamos em Lefebvre (1975)
o argumento de que toda investigação se situa em um ponto marcado entre a semente que
germinada no processo histórico deu origem ao pensamento científico e a mutação que algum
dia possa decretar o seu fim, “limite infinitamente longínquo, mas do qual nos aproximamos
sempre” (LEFEBVRE, 1975, p. 99).
Por esta via de análise o fazer científico é um empreendimento coletivo que tende à
apreensão da totalidade do universo, mas que se realiza por etapas e ações individuais e, ao
mesmo tempo, combinadas, de agentes do campo científico no tempo e no espaço.
Entender a complementaridade como condição primeira da produção científica é um
movimento válido tanto quando nos reportamos ao conjunto do conhecimento humano,
quanto nos casos em que o que está em pauta é a produção específica de uma área ou de um
indivíduo. De modo análogo, é pertinente pensar a produção de uma área ou indivíduo
acumulada ao longo do tempo e concluir que, seja na verticalidade estabelecida entre o que
veio antes e o que veio depois, ou na horizontalidade do que se produz em um mesmo marco
temporal, as mais humildes constatações e os procedimentos mais simples da prática científica
têm o seu lugar. (LEFEVBRE, 1975).
Constatar a dialeticidade do ato de produzir verdades científicas é também uma
maneira eficaz de manter em níveis sustentáveis o dilema da incompletude enfrentado pelo
homem moderno. Conforme destaca Weber (2010, p. 31), na sua pequenez diante das
possibilidades criadas pelo seu tempo, “o homem civilizado [...] não pode jamais apossar-se
senão de uma parte ínfima do que a vida do espírito incessantemente produz, ele não pode
captar senão o provisório e nunca o definitivo”. Assim sendo, é preciso reduzir a
complexidade do real para pensá-lo.
No processo de construção do objeto desta pesquisa se apresentaram de início muitas
possibilidades de conexões entre a produção pretendida sobre os jovens e as dimensões do
trabalho e da escolarização no trânsito para a vida adulta. Isso tudo em relação com os
conjuntos mais amplos nos quais a temática se insere ou com os quais dialoga.
28

Em nenhum momento se trabalhou com a hipótese de esgotar essas possibilidades,


sendo importante a adequação da escala de reflexão a um nível que permitisse a compreensão
da gênese das questões de pesquisa na relação com o acúmulo teórico-metodológico da área
da educação sobre o tema. Foi necessário também interrogar sobre a sua pertinência e as
contribuições que nosso movimento de investigação pode trazer para o avanço do
conhecimento sobre a problemática “juventude e transição para a vida adulta”.
Nessa linha de orientação, fez-se necessário uma operação de identificação das origens
do pré-conhecimento que sustenta conceitualmente a proposta de pesquisa, além da análise
das possíveis interferências de pré-noções e categorias burocráticas e/ou institucionais na
definição do problema.
O entendimento da pesquisa como uma atividade constituída de continuidades, mas
também de rupturas, só é possível em um quadro de recusa das abordagens que tratam essas
etapas do trabalho acadêmico como opostos binários. Segundo Bourdieu et al. (2007),
ruptura, construção e constatação são atos epistemológicos complementares na consolidação
do objeto da pesquisa sociológica. O conhecimento não avança sem que opere rupturas com o
conhecido e o familiar, mas também não o faz se não se aceita, por um determinado período,
algumas formas/conceitos necessários para a própria angulação do ponto de vista que constrói
o objeto.
Para esse autor,

A experimentação vale o que vale a construção que ela coloca à prova e o


valor heurístico e probatório de uma construção depende do grau em que ela
permite romper com as aparências e, por conseguinte, conhecer as
aparências ao reconhecê-las como aparências. (BOURDIEU et al. 2007. p.
74).

A educação, à parte da discussão sobre sua condição de ser ou não uma ciência4,
firmou-se como uma área de produção científica que acumula investigações sobre a prática
educativa, predominantemente nos aspectos ligados a sua forma escolar, mas também em
contextos não escolares.
No diálogo com a sociologia, um corpo teórico foi sendo produzido em torno de temas
tais como: processos de socialização nas sociedades modernas; produção e reprodução das

4
Sobre este tema ver, dentre outros: BRANDÃO, Zaia (1992). A teoria como hipótese. Revista Teoria &
Educação, Porto Alegre, n. 5; ISAMBERT-JAMATI, Viviane (1992). Ciências da Educação: um plural
importante quando se trata de pesquisa. Revista Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 5; MAZZOTI, Tarso
Bonilha e OLIVEIRA, Renato José (2000). Ciências da Educação. Rio de Janeiro: DP&A.
29

desigualdades sociais e escolares; vinculações entre processos de escolarização e mundo do


trabalho nas sociedades capitalistas, dentre outros.
O conhecimento derivado do olhar reflexivo que desnaturaliza os processos educativos
e os transforma em problemas sociológicos, compõe o acervo do pré-conhecimento desta área
e, ao mesmo tempo, está aí para ser testado e atualizado por meio da pesquisa.
No Brasil, o tema da juventude adquire progressiva visibilidade no cenário acadêmico,
em especial no campo da sociologia e da educação, a partir da década de 1990, coincidindo
com um momento de multiplicação das políticas públicas dirigidas aos jovens no âmbito
federal. Sposito e Carrano (2003) concluem que os processos de criação e implementação de
programas e projetos federais voltados ao segmento juvenil no Brasil, no período
compreendido entre as décadas de 1980 e 1990, evidenciam tentativas de respostas do poder
público a problemas que atingiam os jovens de modo peculiar.
Segundo os autores, as ações se aglutinam em torno de três focos e períodos distintos:
1) No final da década de 1980: prevenção de problemas de saúde que atingiam os jovens e
adolescentes; 2) Até meados da década de 1990: exposição dos jovens à violência e
criminalidade; 3) Ao final da década de 1990: o desemprego e a precarização social.

As primeiras ações de programas específicos destinados aos jovens,


sobretudo adolescentes, aparecem no interior da área da saúde e são
marcadas pelo foco na prevenção (DST/AIDS), drogação, acidentes de
trânsito, gravidez precoce, já ao final da década de 1980. [...] A
disseminação das mortes violentas de jovens ou por eles protagonizados e o
crescimento das redes de narcotráfico se associam ao tema do consumo de
substâncias ilícitas/lícitas, a partir da década de 1990. [...] No final da
década, os indicadores sobre o desemprego juvenil e a acentuação dos
processos de precarização social fomentam a necessidade de políticas de
inclusão. (SPOSITO e CARRANO, 2003, p. 29).

Esta simultaneidade entre a percepção de tensões sociais em torno da juventude e o


aumento do número de pesquisas que tomam os jovens e/ou a juventude como objeto de
análise, não é suficiente para garantir a legitimidade acadêmica destes estudos. Pelo contrário,
esta é uma questão que deve ser enfrentada com rigor na pesquisa, a fim de garantir que esta
exposição do tema à apreciação e à ação social, não dissimule sob a aparente produção de
consensos no campo político, legal ou burocrático, as contradições a que está exposto. Sobre
esta questão, Sposito (2009, p. 18) considera que,

A visibilidade da questão juvenil na sociedade contemporânea [...] de um


lado suscita o interesse acadêmico, mas, de outro, impõe a tomada de
distância dessa mesma visibilidade de modo que o objeto possa sofrer um
30

esforço claro de construção científica e, assim, alcançar alguma legitimidade


teórica.

A necessidade do distanciamento, um dos requisitos da objetivação da realidade, é um


desafio particular para muitos pesquisadores da área da educação que se dedicam ao estudo da
juventude, dadas suas vinculações práticas com os espaços e sujeitos pesquisados5. Apesar
disso, o estabelecimento do campo de objetividade não é inviabilizado, uma vez que o
distanciamento necessário para controlar as interferências de categorias nativas na construção
do discurso científico não é dado pelo grau de implicação prática do pesquisador com o
problema investigado.
O distanciamento, que é de caráter analítico e não prático, é conferido pelo
estranhamento daquilo que é familiar ou, como ensinam Bourdieu et al. (2007), pela
capacidade de quebrar as relações mais aparentes para fazer surgir o novo sistema de relações
entre os elementos e de reunir o que o vulgo separa, ou distinguir o que o vulgo confunde.
Os resultados das pesquisas sobre jovens e juventude, analisados em conjunto,
demonstram que uma parte dos pesquisadores que se dedicam à investigação de práticas nas
quais estão implicados política, afetiva ou profissionalmente, consegue tirar um bom proveito
da proximidade, quando garantem o espaço da reflexão e se mantém abertos à captura de
elementos que a imersão no cotidiano tende a ocultar. Outra parte, porém, não consegue
realizar este salto analítico. Em muitos casos, como atestam Corrochano e Nakano (2009, p.
47) os pesquisadores “partiram de posicionamentos político-ideológicos e a eles voltaram em
suas conclusões, ignorando muitas vezes dados obtidos através das falas dos sujeitos
pesquisados que estão presentes em seus textos”.
É importante dizer que a maior porosidade do meio científico para com os elementos
da prática não é uma especificidade da temática da juventude, mas uma característica da
própria área da educação. Por refletir sobre relações sociais altamente institucionalizadas e
burocratizadas, o fluxo de categorias entre os campos da ação prática e da atividade científica
na área da educação, muitas vezes, ocorre de modo acelerado.
Há tendência, de um lado, ao esvaziamento da capacidade explicativa de alguns
conceitos quando de sua vulgarização; de outro, ao encerramento precoce de questões, pela
incorporação irrefletida de noções advindas da experiência prática para explicação da

5
Esta situação é constatada na pesquisa “O Estado da Arte sobre juventude na pós-graduação brasileira:
Educação, Ciências Sociais e Serviço Social (1999-2006). Na análise do tema “Jovens e Trabalho”, Corrochano
e Nakano (2009) destacam que “muitos dos atores (sobretudo nas áreas de Educação e Serviço Social) que estão
buscando construir algumas saídas concretas para as mutações do trabalho, acabam por realizar estudos a partir
de suas próprias experiências.” (p. 47)
31

realidade, quando estas mesmas (as noções e a experiência prática) deveriam ser encaradas
como parte da realidade a ser explicada.
Não obstante a captura de algumas pesquisas sobre juventude por essa tentação do
profetismo e da hiperempiria (BOURDIEU et al. 2007), no conjunto dos estudos, se observa
um esforço de reflexão em busca de definições ponderadas entre as contribuições do corpo
teórico mais amplo produzido pela área e as evidências da empiria. Não por acaso uma das
recorrências nas pesquisas mais recentes sobre jovens e juventude tem sido a demarcação dos
referentes que dão suporte aos conceitos e lhes garantem a validade.
Esse movimento de tensionamento entre formas/conceitos e conteúdos/experiências é
o próprio embate entre pré-conhecimento e conhecimento novo, do qual a pesquisa científica
não pode se furtar. Lefebvre (1975, p. 102) nos ajuda a compreender que a validade de uma
verdade produzida pela atividade científica não é dada, isoladamente, nem pela capacidade de
manter-se fiel a formas consagradas na tradição teórica, nem pela demissão total dessas
formas em nome da inovação.
Nesse encontro do pensamento do movimento com o movimento do pensamento, é
preciso aceitar, por um determinado tempo, algumas formas que o pensamento empresta à
realidade, mas também pressioná-las e transformá-las, conforme o exija o movimento dos
objetos que esse pensamento separa e enforma na abstração. “Se o real está em movimento,
então que nosso pensamento também se ponha em movimento e seja pensamento desse
movimento”. (LEFEBVRE, 1975, p. 174)
No tema da juventude, a provocação de Bourdieu (1983) – “a juventude é apenas uma
palavra”– convida a pensar a relatividade deste conceito e a interrogar os significados e
sentidos do ser jovem em diferentes tempos, culturas e sociedades. Os pesquisadores deste
tema no Brasil têm se perguntado com insistência até que ponto se pode falar de uma
juventude no singular. Sobre esse aspecto, é importante destacar o posicionamento de Sposito
(2009, p. 34),

A articulação entre elementos específicos e condições mais gerais da


produção histórico-cultural da categoria juventude precisa ser
permanentemente negociada no âmbito da produção acadêmica, pois, se o
risco da abstração homogeneizadora da categoria ocorre, no limite oposto a
fragmentação e a aposta radical da análise apenas nas diferenças, quer sejam
elas diversidades ou desigualdades, implodem a própria noção de juventude
e as eventuais singularidades que delimitam a condição juvenil em tempos e
espaços socialmente construídos.
32

Nesta pesquisa, a juventude é abordada a partir das relações dos jovens com os
processos de escolarização e inserção profissional, na perspectiva de averiguar se e até que
ponto estas relações têm atuado como elementos estruturantes da transição para a vida adulta.
A definição desse objeto só foi possível porque, antes de ser problema de pesquisa, o
dilema da conciliação entre escola, trabalho e perspectivas de futuro e entrada na vida adulta é
recorrente na vida de grande parte dos jovens brasileiros, mas, sobretudo, porque a produção
científica resultante do diálogo entre educação e sociologia possibilitou esse olhar de
interrogação e de estranhamento, transmutando-o de dilema individual em problema
sociológico.
O estudo das articulações entre escola e trabalho e, especificamente, entre ensino
médio e inserção profissional ocupa um lugar relevante entre os trabalhos da área da educação
e as abordagens seguem orientações teóricas e metodológicas diversas. Predominam, contudo,
as explicações desta relação a partir da análise da ação das estruturas sociais sobre os
sujeitos6.
Em linhas gerais, os resultados das pesquisas permitem concluir que as relações dos
jovens com as instâncias da escola e do trabalho são moduladas pelas estruturas sociais e por
suas pertenças de classe. Nesse nível de análise, é possível afirmar que o término da
escolaridade básica e o ingresso na vida profissional são etapas necessárias à entrada na vida
adulta, e que para as camadas mais pobres a preocupação com o trabalho se apresenta e se
objetiva muito mais cedo que nas classes médias e nas elites. O desafio que se coloca aos
pesquisadores da área é a realização de estudos que busquem compreender os modos como os
sujeitos reagem e imprimem singularidades às propostas e constrangimentos que emanam das
estruturas sociais, do campo político, das instituições e do próprio âmbito familiar.
É nessa segunda perspectiva que esta pesquisa está situada. Entendo que a objetivação
de sentidos, estratégias e experiências produzidos por um grupo de jovens que vivencia
eventos de inserção, reinserção ou procura de atividade profissional concomitante ao processo
de escolarização, pode revelar elementos importantes a serem considerados na explicação
desta relação entre juventude, escola, trabalho e vida adulta na atualidade.

6
Também neste aspecto as pesquisas reunidas sob o tema Jovens e Trabalho na investigação sobre o Estado da
Arte vem referendar que, no período analisado (1999-2006), predominam os trabalhos classificados no subtema
“Programas/projetos de qualificação e/ou apoio à inserção de adolescentes e jovens”, estes dedicados mais a
observar a ação institucional sobre os sujeitos que os sentidos e significados conferidos pelos jovens a essas
práticas. Ver Corrochano e Nakano (2009).
33

1.3 A pesquisa biográfica na modalidade de relatos de vida

A história da sociologia é também a história das formas de fazer pesquisa sociológica


e não somente a história das grandes ideias e das grandes teorias sobre a sociedade, é o que
ensina Becker (1996). Por estar inserida entre os estudos que investigam objetos que marcam
o encontro da educação com a sociologia esta pesquisa tem lugar no movimento histórico
desta ciência (a Sociologia).
A abordagem do tema da inserção de jovens estudantes no mundo do trabalho e seus
processos de transição para a vida adulta poderia se construir sobre diferentes perspectivas,
que levariam, consequentemente, a diferentes resultados. Nossas perguntas de pesquisa nos
colocam em um campo da sociologia que confere especial atenção aos relatos dos sujeitos de
pesquisa sobre suas biografias ou sobre parte delas, para a compreensão de processos sociais
mais amplos.
Trata-se do que tem se convencionado denominar abordagem biográfica, uma forma
de fazer pesquisa em ciências sociais que deve tributos aos sociólogos da Escola de Chicago 7,
e que, depois de enfrentar certo desprestígio no meio acadêmico entre o Pós-Segunda Guerra
até os anos 1970, retoma forças nos anos 1980 e desde lá se reinventa e se traduz em
diferentes modos de fazer pesquisa.
Este tipo de investigação aposta na possibilidade das ciências sociais dedicarem-se à
compreensão e “observação do mundo social em escala individual, com a consideração das
singularidades individuais e a construção sociológica do ‘indivíduo” (LAHIRE, 2006, p. 15).
Sob esse ponto de vista, a participação dos sujeitos na pesquisa deixa de ser motivada apenas
pelo seu pertencimento a classes de enquadramentos genéricos (idade, sexo, raça, categoria
sócio profissional etc.) e passa a interessar também pelas variações de sentido que mesmo
trajetórias sociais idênticas no que diz respeito ao primeiro tipo de enquadramento podem
apresentar no nível biográfico ou intrapessoal.
A afirmação do enfoque biográfico como uma abordagem pertinente no âmbito das
ciências sociais e de modo mais específico na sociologia, passa necessariamente pelo
enfretamento da polissemia de alguns conceitos a ele articulados e pela exposição das suas

7
O trabalho de pesquisa dos sociólogos da Universidade de Chicago nos anos 1920 e 1930 chamam a atenção
pela combinação de análises quantitativas e qualitativas e pela diversidade em termos de método, quando a
sociologia, ainda jovem ciência, defendia padrões rígidos de coleta e tratamento de dados. Howard Becker se
declara herdeiro desta Escola e resume assim a perspectiva de trabalho: “Nós éramos muito mais ecléticos em
relação a métodos do que as pessoas que conhecíamos e que estavam em outras instituições. Assim, achávamos
que era preciso fazer entrevistas, coletar dados estatísticos, ir atrás de dados históricos.” (BECKER, 1996, p.
186)
34

especificidades em relação aos usos feitos no âmbito da literatura, do jornalismo, das ciências
históricas e da psicologia. Em Abrantes et al. (2010, p. 7) encontramos uma definição que
demarca com clareza essa especificidade.

Entendemos o método biográfico, nas ciências sociais, como produção


controlada de uma narrativa sobre a vida de uma pessoa, através de um
sistema teoricamente orientado de procedimentos explícitos (distinguindo-se
assim das suas versões literárias e jornalísticas) de recolha, selecção e
análise de um conjunto (ou “corpus”) relevante de informações, com o
intuito de observar e compreender certos processos sociais (diferenciando-se
do seu uso, por exemplo, na psicologia).

Segundo Pineau (2006), o movimento mais recente em torno da abordagem biográfica


nas ciências sociais, pode ser compreendido a partir de três fases: uma fase de eclosão, nos
anos 1980; uma fase de fundação, nos anos 1990 e uma fase de desenvolvimento
diferenciador, nos anos 2000. Essa classificação leva em consideração as datas de edição de
produções escritas e audiovisuais sobre o tema, além da fundação de entidades, redes e
diplomas em torno dessa perspectiva de fazer ciência.
Para este autor, a eclosão da pesquisa biográfica de diferentes formas e em diferentes
lugares ocorre como que por contrabando nas ciências sociais, cujos “feudos científicos da
época, as taxavam de ilusão biográfica” (PINEAU, 2006, p. 333). Essas práticas tensionam as
relações entre pesquisador e sujeito, e admitem a possibilidade de o processo de narração de si
reverter-se em uma busca de sentido e de autorreflexão por parte do sujeito pesquisado.
Tomando como referência a diversidade de formas de utilização da abordagem
biográfica observada a partir dos anos 2000, Pineau (2006) elabora uma classificação das
correntes que se utilizam das narrativas biográficas para extrair e construir sentidos que
ajudem a compreender e explicar experiências sociais. No quadro elaborado por este autor,
encontram-se descritas as seguintes modalidades ou correntes: biografia, autobiografia, relato
de vida e história de vida. Para ele “estas correntes já se diferenciam segundo a vida que
levam em conta: global, singular, plural, educativa, formativa, profissional etc.” (PINEAU,
2006, p. 339).
Na classificação de Pineau (2006, p. 340), o relato de vida “aponta para a importância
da expressão do vivido pelo ‘desdobrar narrativo’, quer essa enunciação seja oral ou escrita”.
Segundo Daniel Bertaux, pioneiro do desenvolvimento do relato de vida na França, “desde el
momento em que aparece la forma narrativa em uma conversación y el sujeto la utiliza para
35

examinar el contenido de uma parte de su experiencia vivida, entonces decimos que se trata
de um relato de vida. (BERTAUX, 2005, p. 36).
Para Abrantes et al. (2010, p. 8) os relatos são um produto científico do método
biográfico “cuja profundidade relativamente a certos aspectos, contextos ou etapas da vida
alimenta análises temáticas de cariz qualitativo, sobretudo mediante o cruzamento das
narrativas de um conjunto de indivíduos”.
Apoiados em Bertaux, nos utilizamos da metodologia de relatos de vida a partir de
uma perspectiva etnosociológica, na qual o objetivo central é compreender um objeto social
em profundidade e não especificamente a vida de uma ou de algumas pessoas em
profundidade. Os relatos de vida, embora contenham as marcas da experiência vivida, narrada
em um plano que se pode considerar mais individual, têm o propósito de fornecer informações
e descrições que ajudem a compreender o funcionamento e a dinâmica de um objeto social.
As experiências e práticas individuais são recolhidas mediante entrevistas biográficas
desenvolvidas com sujeitos considerados significativos para a construção do conhecimento
sociológico que se pretende. A pertinência do grupo selecionado para as entrevistas é
conferida menos pela quantidade de sujeitos envolvidos, que pela diversidade de posições que
ocupam com relação ao objeto, ainda que a própria seleção lhes confira sempre algum grau de
similitude (no nosso caso, jovens entre 15 e 29 anos, estudantes do ensino médio em escolas
públicas).
Nos múltiplos depoimentos individuais, buscam-se revelar estruturas e lógicas de ação
que permitam identificar recorrências relevantes para o conhecimento do fenômeno social
investigado. A esse respeito Pais (2005) argumenta que um caso estudado a partir de um
relato de vida, embora não represente o mundo, pode representar um mundo no qual muitos
outros acabam por se refletir e o autor esclarece ainda que, “em ambiências qualitativas, os
critérios de selecção são critérios de compreensão, de pertinência e não de representatividade
estatística”. (PAIS, 2005, p. 89).
Do ponto de vista do valor heurístico deste tipo de material (relatos) no processo de
pesquisa, os relatos de vida, assim como outras metodologias qualitativas que se utilizam do
discurso como fonte de dados, enfrentam, ainda hoje, a desconfiança daqueles que esperam
dos dados de pesquisa uma reconstituição fiel da realidade vivida.
Contra a rejeição sumária que alguns cientistas sociais fazem aos relatos enquanto
dados de pesquisa, alegando a falta de provas de que o sujeito esteja narrando os fatos tal qual
aconteceram, Bertaux (2005, p. 24, tradução nossa) lança o seguinte questionamento:
36

Se quando um entrevistado indica em um questionário sua data de


nascimento, seu lugar de moradia, seu nível escolar, sua profissão ou as de
seu pai e sua mãe, sua religião, suas motivações na hora de comprar suas
respostas são levadas em conta, por que não haveríamos de crer quando
oferece essa mesma informação no marco de uma entrevista prolongada cara
a cara, onde é muito mais difícil mentir?

A noção fundamental para o pesquisador que se utiliza de relatos de vida é de que


estes não serão nunca uma reprodução fiel dos acontecimentos, nem uma construção completa
e acabada acerca dos mesmos. Conforme observaram Demazière et. al. (2009, p. 93),

Ninguém pode narrar seu percurso à exaustividade, por mais que este se
restrinja a sua dimensão profissional (ou a outra dimensão qualquer), não
somente porque o número de episódios e detalhes do seu desenrolar
transbordam as possibilidades da evocação ou da descrição, mas também
porque cada um destes detalhes pode ser evocado a partir de uma multidão
de pontos de vista.

O conteúdo das entrevistas é afetado não somente pela propriedade que tem o sujeito
de rememorar, selecionar e interpretar o vivido segundo critérios particulares, como também
pelo próprio contexto em que é solicitado a produzir esta narrativa.
Segundo Bourdieu (1997) a entrevista contém sempre uma dose de arbitrariedade, seja
porque tem sua lógica definida unilateralmente pelo pesquisador, seja pelas diferentes
posições que pesquisador e sujeito pesquisado ocupam no espaço social. Os efeitos dessa
inevitável violência simbólica podem ser reduzidos, de acordo com este teórico, por uma
relação de escuta ativa e metódica, que não seja nem a pura não-intervenção da entrevista não
dirigida, nem o dirigismo do questionário.
Muitos pesquisadores (BERTAUX, 2005; DEMAZIÈRE et. al., 2009; LALANDA,
1998; PAIS, 2005; dentre outros) destacam a importância dos primeiros contatos
estabelecidos com os sujeitos para redução dessas dissimetrias e desconfianças iniciais.
Bertaux (2005), nos fala da construção da identidade de investigador como a porta de entrada
para uma relação de confiança que resulte favorável à produção das narrativas, processo que
será negociado com cada sujeito desde os primeiros encontros. Para isso são fundamentais a
empatia do entrevistador e a clareza na explanação dos objetivos da pesquisa, mas também, o
estabelecimento de um filtro pactuado entre pesquisador e entrevistado, que servirá de guia no
desenrolar das entrevistas.
Este filtro é definido em estreita vinculação com o objeto da pesquisa e em nome da
manutenção da objetividade da relação entre sujeitos (entrevistador e entrevistado). O
37

estabelecimento desse filtro ou foco não impede que a narrativa se organize em torno de
elementos sincrônicos e diacrônicos. Ou seja, a propósito do melhor entendimento de
determinada posição do sujeito diante de uma situação específica, é possível que sejam
retomados aspectos relacionados a distintas fases da vida (infância, adolescência, juventude
etc.) ou a diferentes âmbitos de sua existência (família, grupos de amizades, relações
profissionais etc.).
Segundo Pais (2005) a compreensão da vida a partir do amontoado de eventos
descontínuos que a compõem e da consideração dos diversos sistemas de referência que a
estruturam, é o que marca a passagem das abordagens biográficas lineares, mais preocupadas
em captar as continuidades, para o âmbito de uma sociologia da “pós-linearidade”. No campo
de estudos da juventude, o autor acredita que as perspectivas não lineares são essencialmente
requeridas, dados os claros indícios de que a vida de muitos jovens não seguem trajetórias
lineares.
Nesta pesquisa o filtro que orienta a produção dos relatos de vida, é estabelecido sobre
a necessidade de compreender o modo como se processa a experiência da inserção, busca ou
preparação para o trabalho concomitantemente com o processo de escolarização e os
significados e implicações destes eventos no processo de transição para a vida adulta. Os
eventos narrados pelos sujeitos são organizados e analisados a partir das questões teóricas que
dão suporte à pesquisa, na busca de compreender os sentidos e significados destas
experiências sociais e suas contribuições para a compreensão de processos mais abrangentes.
O tratamento analítico dos relatos de vida produzidos pelos jovens e acessados nas
entrevistas, não é nem uma exaltação da empiria, conferida pela simples utilização literal das
categorias nativas para explicação da realidade investigada; nem uma exaltação da teoria,
dada pelo enquadramento sumário dos relatos juvenis em hipóteses teóricas previamente
estabelecidas. Os relatos de vida são explorados em três momentos distintos, mas
complementares entre si, conforme indicação de Bertaux (2009): uma fase exploratória, na
qual se buscam as linhas de força pertinentes ao tema tratado; uma fase analítica, em que
adquirem status de dados e possibilitam sustentar uma teoria, com maior ou menor grau de
concordância com os conceitos utilizados no ponto de partida; e uma fase de síntese
expressiva, na qual os relatos ajudam a fazer passar uma mensagem sociológica.
Do ponto de vista operativo, o tratamento dado aos relatos coletados nas entrevistas
com os jovens realizou-se por meio das seguintes etapas: transcrição literal dos relatos orais;
leituras sucessivas dos relatos e extração de linhas de força (aspectos mais relevantes quando
consideradas as questões da pesquisa); análise dos relatos enquanto unidades constituintes de
38

percursos individuais, levantando continuidades e variações de situações e representações e


enquanto produtores de significados para a compreensão de situações sociais mais amplas e
transversais aos diferentes sujeitos da pesquisa.
As apostas da pesquisa em termos de metodologia são estabelecidas na confluência
entre a construção conceitual do objeto e o acesso direto aos sujeitos da pesquisa, sustentando
a importância de um trabalho empírico que, se por um lado não prescinde de sustentação
teórica, por outro, não se deixa por ele manipular. Neste aspecto concordamos ainda com Pais
(2005) no entendimento de que na atividade de pesquisa, o ato de teorizar deve ser uma
tentativa de enfrentar os acontecimentos através de questionamentos e problematizações, e
não uma forma de tentar submetê-los a um processo de legitimidade previamente
estabelecida.
A ideia central que norteia o roteiro metodológico da pesquisa é captar arranjos
criativos que os sujeitos constituem a partir das diversidades que os tornam singulares, sem
perder de vista que integram tramas e redes mais amplas, das quais são unidades
interdependentes (ELIAS, 1994).
A opção de definir os sujeitos através da vinculação institucional com a escola de
ensino médio da rede pública deve-se a duas ordens de fatores: 1) O fato de estes jovens
combinarem a escolarização de nível médio com atividades relacionadas ao campo do
trabalho, os coloca no centro da tensão entre estas duas etapas que precisam ter sua associação
com o processo de transição para a vida adulta testadas na atualidade; 2) A representatividade
do ensino médio e da escola pública no que diz respeito ao número de jovens em processo de
escolarização8.
O recorte geográfico na cidade de Manaus acena com possibilidades de revelar
especificidades nos modos como se produzem juventudes em meios urbanos ainda não
explorados de maneira expressiva pelas pesquisas sobre este tema, e, assim, apresentar
elementos que ajudem a pensar a juventude brasileira a partir de sua diversidade.
Os resultados da pesquisa o Estado da Arte sobre juventude na pós-graduação
brasileira demonstram a pequena participação da região norte no conjunto das pesquisas
sobre jovens e juventude no Brasil. Para Sposito (2009, p. 24), “a predominância de
investigações sobre a vida de jovens em grandes metrópoles pode induzir a generalizações

8
Dados da Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião dos Jovens Brasileiros (2013), indicam que o maior
contingente da população juvenil (59%) tem sua escolarização localizada no ensino médio, sendo que 38% já
concluíram, mas ainda não ingressaram no ensino superior e 21% estão cursando esta etapa de ensino ou dela
evadiram.
39

apressadas sobre a juventude brasileira, se não forem levadas em conta as condições de vida
das pequenas e médias cidades e das zonas rurais”. Mesmo não integrando o grupo de
pequenas e médias cidades mencionados por Sposito, Manaus, com seus 1.802.525 habitantes,
sétima cidade mais populosa do Brasil (IBGE, Censo 2010), e desafios urbanos e ambientais
sui generis, apresenta-se como um campo profícuo ao desenvolvimento de pesquisas no tema
da juventude.
Como se espera em investigações de cunho biográfico, as entrevistas com os sujeitos
desta pesquisa primaram pela criação de um ambiente favorável à livre expressão dos jovens,
visto que tratam de aspectos particulares, dos quais nem sempre se quer falar com uma
desconhecida. Desse modo, foram importantes os contatos anteriores à realização da
entrevista, e a postura de escuta interessada da pesquisadora mantida ao longo do processo.
Elaboraram-se roteiros guia (Apêndices IV, V e VI), para orientação da pesquisadora na
condução da entrevista e manutenção do foco da entrevista.

1.4 Contribuições da abordagem longitudinal

Considerando o indicativo de que, na atualidade, a situação juvenil e a transição para a


vida adulta são marcadas por um alto teor de reversibilidade (PAIS, 2005; GUERREIRO e
ABRANTES, 2007; DAYRELL, 2007), observado nas constantes experiências de entradas e
saídas no mercado de trabalho, na vida escolar, na vida conjugal, na residência de origem,
dentre outros, optou-se por realizar uma abordagem longitudinal dos sujeitos, a partir de
entrevistas individuais realizadas em três momentos distintos, com intervalos de
aproximadamente um ano entre cada etapa.
A adoção da perspectiva longitudinal de coleta de dados no quadro de abordagens de
cunho biográfico tem apresentado importantes contribuições nas investigações sobre jovens.
Em muitos casos, o reencontro com os sujeitos e a realização de novas etapas de entrevistas,
permitem ao pesquisador o refinamento e aprofundamento de temas que surgem como linhas
de força na primeira fase da coleta, tornando o procedimento mais sensível à compreensão da
heterogeneidade e complexidade do fluxo vital.
Essa opção metodológica permite ao pesquisador observar o processo de formação de
percursos, possibilitando o acesso a dinâmicas e lógicas não lineares que estão na base do
movimento biográfico de um sujeito ou de um grupo e, do ponto de vista epistemológico,
40

pode levar à descoberta de novos significados ou até reinvenção de conceitos e categorias


tomados como referência no início da pesquisa9.
Além disso, a repetição de entrevistas com os mesmos sujeitos guarda o potencial de
colocá-los diante de suas próprias narrativas, havendo casos em que novos e fundamentais
aspectos de eventos já narrados emergem. São igualmente importantes as possibilidades que a
perspectiva longitudinal abre para a verificação de mudanças contextuais e de sentido que os
fenômenos observados podem adquirir ao longo de um período determinado.
Em recente pesquisa sobre militância de jovens em partidos políticos, Brenner (2011,
p. 34) atesta a validade deste tipo de abordagem.

A entrevista, como uma fotografia, ainda que capte histórias, experiências do


presente e do passado e projeções de futuro, é um retrato do momento. O
sujeito entrevistado relata as experiências vividas de acordo com o momento
presente. A realização da segunda entrevista [...] permitiu ver um segundo
momento da vida dos jovens e perceber mudanças, nuances, vazios que
foram preenchidos entre os dois momentos, permitindo perceber algum
movimento entre os dois pontos de realização de cada entrevista.

Na pesquisa coordenada por Demazière, Guimarães e Sugita acerca do desemprego


como experiência biográfica, a realização de uma segunda rodada de entrevistas com o grupo
de jovens sujeitos da pesquisa revelou-se como um importante meio de fortalecimento de
laços de confiança entre pesquisadores e pesquisados, sobretudo no contexto brasileiro, onde
as distâncias social e simbólica entre o grupo de pesquisadores e o grupo de entrevistados
(jovens de periferia) eram acentuadas. Nesse sentido, argumentam as pesquisadoras que, “a
realização de uma segunda entrevista teve um impacto metodológico decisivo, aprofundando
pontes e laços que muitas vezes deram ao discurso colhido uma grande densidade.”
(DEMAZIÈRE, GUIMARÃES E SUGITA, 2009, p. 102).
Ao longo dos três anos em que foram aplicadas as entrevistas desta pesquisa, os jovens
produziram relatos sobre seus contextos de socialização, suas experiências de trabalho e
escolarização e sobre os modos de viver a sua condição juvenil. Nos reencontros com a
pesquisadora muitos aspectos tratados na primeira entrevista foram retomados e
aprofundados, seja pela provocação da pesquisadora, seja pela evocação espontânea dos
sujeitos. O fato é que, no conjunto dos dados, se observam variações/mudanças relacionadas

9
Em pesquisa sobre processos de escolarização nos meios populares, Nadir Zago aponta que a opção por fazer
um acompanhamento da situação escolar de um grupo de estudantes por um período estendido de tempo (8
anos), permitiu captar o caráter dinâmico dos percursos escolares e as articulações entre os recorrentes eventos
de ingresso, interrupções e retornos à escola, que por sua vez, exerceram pressão sobre a noção genérica de
evasão escolar de onde se costuma partir neste tipo de investigação.
41

ao contexto laboral e outras dimensões da vida dos jovens que têm implicações sobre seus
processos de transição, na perspectiva da autonomização e aquisição/ampliação de
independência.
Esse tipo de opção no campo metodológico adiciona algumas dificuldades ao processo
de pesquisa, visto que há sempre o risco da desistência e/ou da perda de contato com os
sujeitos. Neste estudo, trabalhava-se inicialmente com a proposta de realização de três
entrevistas com cada um dos dez jovens selecionados para esta etapa da pesquisa, porém no
desenvolvimento da atividade algumas dificuldades se interpuseram e precisaram ser
equacionadas, sendo os principais contratempos: a conciliação da agenda da pesquisa com a
disponibilidade dos sujeitos para concessão das entrevistas e a perda do contato ocasionada
pela mudança de número de telefone e de endereço.
Mesmo com as lacunas que ao longo da pesquisa foram se formando no cronograma
das entrevistas, devido à impossibilidade de realizar as três etapas com todos os sujeitos, o
conjunto final de dados, que é composto por um total de 24 entrevistas, acrescidas dos dados
extraídos do questionário, traz um apanhado significativo de elementos das experiências de
inserção profissional, de escolarização e outros aspectos da vida dos jovens que ajudam a
entender a transição para a vida adulta como um fenômeno resultante da combinação de
elementos de diferentes naturezas. Os elementos presentes nos relatos trazem a marca da
objetividade do pertencimento dos jovens, mas também da subjetividade que produz os
sentidos dessas experiências para cada jovem e tem implicações no seu campo de
possibilidades.
Os desafios e as aprendizagens decorrentes do enfrentamento do campo empírico são
objeto de considerações do item que segue.

1.5 Enfrentamentos do campo de pesquisa

A fase empírica da pesquisa foi realizada na cidade de Manaus e teve como sujeitos
um grupo de jovens com idade entre 15 e 29 anos de idade. A coleta de dados se organizou a
partir de duas fases:
1) Aplicação de questionário estruturado de caráter exploratório (Apêndice III) em
turmas do primeiro ano do ensino médio de duas escolas públicas da rede estadual do
Amazonas localizadas na capital Manaus, estando uma no centro da cidade e uma em região
42

de periferia. Um total de 134 jovens respondeu ao questionário evidenciando a diversidade de


situações socioeconômicas e de relações com o mundo do trabalho.
2) Realização de entrevistas biográficas com um grupo de 10 jovens em perspectiva
longitudinal, segundo roteiros previamente elaborados (Apêndices IV, V e VI). A primeira
etapa de entrevista ocorreu no mês de abril de 2011; a segunda em abril de 2012 e a última
fase nos meses de março e abril de 2013.

1.5.1 Escola do centro e escola do bairro: breve caracterização das escolas selecionadas para
aplicação do questionário

No intuito de alcançar jovens com diferentes situações socioeconômicas e relações


com a instituição escolar e com o mundo do trabalho, optou-se por fazer a aplicação do
questionário exploratório em escolas públicas com perfis distintos.
Apesar de a perspectiva longitudinal aumentar a possibilidade da ocorrência de
mudanças no vínculo escolar dos jovens ao longo da pesquisa (mudanças de rede, de escola,
abandonos etc.), a entrada em campo, a partir de escolas com perfis diferenciados, possibilitou
verificar os efeitos que as variações de localização, origem da demanda, organização do
ensino, clima escolar e qualidade do ensino podem ter sobre as questões de interesse da
pesquisa.
Com base nessa perspectiva de encontrar sujeitos com trajetórias diversificadas,
definiu-se como campo inicial de pesquisa, uma escola localizada no centro da cidade e outra
situada em um bairro da zona leste10.
As diferenças entre as duas escolas se apresentaram desde os primeiros contatos e
visitas realizados a propósito da pesquisa. Conforme avançou a investigação, mais claro ficou
que estas duas instituições enfrentavam desafios díspares no âmbito da gestão, das condições
de funcionamento, da origem familiar e territorial do público atendido etc., embora fizessem
parte de uma mesma rede de ensino.
Os elementos de diferenciação permitem concluir que as dessimetrias observadas não
se resumem a essas duas escolas, mas remetem a diferenças de caráter mais abrangente entre
as escolas situadas nas áreas mais centrais da cidade e aquelas de regiões periféricas e mais
afastadas.

10
Esta breve caracterização das escolas e de seus contextos de localização resulta das observações e registros
realizados durante as visitas destinadas à aplicação de questionários, de informações presentes nos relatos dos
jovens entrevistados e também de incursões de pesquisa e observações anteriores vivenciadas pela pesquisadora.
43

A nomenclatura escola do centro e escola do bairro adotada nesta pesquisa não é


somente uma estratégia para preservar a identidade das escolas e dos sujeitos que as
compõem. Mais do que isso, esse modo de nomear as instituições deriva de uma reflexão
sobre a estrutura e o modo como se constroem diferenças entre as escolas públicas
desigualmente situadas na cidade de Manaus11.
A escola do centro fica localizada na zona central de Manaus, próximo de área
comercial e de avenidas importantes que fazem a ligação do centro com vias de acesso às
demais zonas. Essa área é servida por uma grande quantidade de linhas de ônibus, o que faz
com que a escola esteja no horizonte de estudantes de todas as zonas da cidade.
Estando nessa região da cidade, a escola do centro se avizinha com muitas outras
instituições de educação e cultura tais como: escolas de educação básica, centro de ensino
superior, museus, livrarias, teatros e biblioteca pública. O centro da cidade de Manaus é
predominantemente comercial e, por conta disso, é um importante setor de empregabilidade e
circulação de pessoas12.
Apesar do fluxo intenso de automóveis nas ruas e avenidas que constituem o entorno
da escola do centro, os estudantes dessa escola e das demais instituições que ficam nas
redondezas costumam utilizar as calçadas e canteiros centrais das vias públicas como espaços
de sociabilidade. Ali eles se juntam para conversar, brincar, namorar, marcar território etc.
A maioria das escolas públicas instaladas no centro de Manaus possuem muitos anos
de funcionamento, tendo sido edificadas entre o final do Século XIX e a primeira metade do
Século XX. Os prédios escolares conservam traços arquitetônicos de época e na decoração
interna, são frequentes as fotografias e exposição de outros objetos que remetem ao passado.
Nos relatos dos sujeitos que hoje integram o quadro profissional e estudantil, também é
comum a referência à importância dessas escolas na história da cidade e a citação de antigos
professores e estudantes que se tornaram pessoas ilustres (políticos, empresários, escritores
etc.).

11
No capítulo II, item 2.2 desta tese, encontram-se mais informações sobre o processo histórico de formação da
cidade de Manaus e do seu desenvolvimento urbano que ajudam a compreender melhor os sentidos de centro e
periferia, não somente enquanto referências geográficas e administrativas, mas também enquanto territórios
produzidos e produtores de referências no campo simbólico.
12
No processo histórico de formação da cidade de Manaus o centro ocupa sempre posição relevante na dinâmica
da cidade. Porém, ao longo do tempo variam as configurações que conferem importância a esse espaço. Se no
auge da economia da borracha o setor comercial e portuário ali instalado dividia espaço com a moradia e locais
de sociabilidade das elites e com os órgãos públicos, nos dias atuais, a expansão do setor imobiliário, comercial,
de serviços e dos estabelecimentos do poder público para diferentes áreas colocam o centro em outra posição de
disputa e afirmação na hierarquia dos espaços da cidade, sem, contudo, retirar-lhe a relevância. Sobre esse tema
pode-se ver o trabalho de Oliveira (2009).
44

O que se observa é que esses elementos da história das instituições, também são
importantes de serem levados em conta quando se tenta compreender a identificação dos
estudantes com suas escolas, as práticas e sentidos atribuídos por eles às suas instituições de
ensino e as próprias estratégias de escolha da escola utilizadas pelos jovens e seus familiares.
A escola do centro foi fundada no ano de 1938 como instituição privada, dedicando-se
por um longo período à formação profissional de nível técnico. Na década de 1990 a escola
foi integrada à rede estadual, passando a oferecer, ensino de primeiro e segundo graus,
correspondentes ao que hoje se denomina ensino fundamental (anos finais) e ensino médio,
nos turnos matutino e vespertino13.
A arquitetura da instituição, mesmo depois de ter passado por reformas e adaptações,
reflete os padrões da época de sua construção, que ainda podem ser observados nas suas
grandes portas e janelas e nos largos corredores de circulação. É composta de três pavimentos
onde se distribuem salas de aula, gabinetes de diretoria, secretaria e coordenação pedagógica,
biblioteca, copa etc. Na área externa, a Escola apresenta uma praça que é utilizada como
espaço de convivência entre os estudantes e uma quadra poliesportiva coberta.
No período da pesquisa a escola oferecia ensino fundamental (6º. ao 9º. Ano) e ensino
médio, funcionando nos turnos matutino e vespertino. A escola recebe estudantes de todas as
zonas da cidade, estando entre as mais procuradas nos períodos de matrícula, dado que é
reforçado pela resposta quase unânime dos jovens pesquisados no que se refere aos motivos
de escolha da escola, dentre os quais destacam a opção que faz referência à escola como
instituição de qualidade14.
Em uma cidade como Manaus, na qual se enfrentam problemas históricos de baixa
qualidade e capacidade de atendimento na área dos transportes coletivos, violência urbana,
pavimentação e iluminação de ruas, dentre outros empecilhos à circulação, a localização da
escola termina por ser um fator diretamente relacionado com o grau de permanência ou
rotatividade do quadro de profissionais. Nesse sentido, a escola do centro apresenta um
quadro de professores estável que passa por poucas alterações ao longo do ano letivo ou na

13
Informações do histórico da Escola obtidas em folder acessado durante visita de pesquisa.
14
A representação que os moradores de Manaus constroem acerca da qualidade do ensino na escola do centro
sustenta-se nos relatos de experiência de egressos, em informações sobre o histórico da instituição e sobre os
índices apresentados pela escola nos exames e avaliações externas. Em alguns casos, a mídia local contribui com
a maior visibilidade dos índices escolares, a exemplo da matéria veiculada no site Acrítica.com, no dia 21 de
julho de 2012. Na chamada da matéria que trata da Mostra de Gestão Escolar da Secretaria de Estado da
Educação, a escola do centro é apresentada como uma das três melhores de Manaus. Disponível em:
http://acritica.uol.com.br/noticias/IEA-Brasileiro-Estadual-melhores-Manaus_0_740925928.html, acesso em
25/09/2013.
45

mudança de um ano para o outro. A própria equipe que respondia pela gestão da escola no
início da pesquisa, atuava ali há mais de cinco anos.
A manutenção de um núcleo estruturante de docentes e outros profissionais nas
instituições de ensino, algo que só é possível dentro de um quadro de garantia da permanência
dos profissionais na instituição por um dado período de tempo, é fundamental para que a
escola seja pensada como um projeto que se sobrepõe às individualidades ou aos estilos
pessoais. Uma escola que dialoga com o novo a partir de uma identidade que é reforçada no
coletivo.
O objeto de estudo dessa pesquisa e seu processo metodológico não possibilitam uma
análise aprofundada da relação entre a existência de um quadro profissional estável na escola
do centro e a qualidade de ensino, porém, os dados advindos do questionário, entrevistas e
observações livres, deixam ver que esse é, no mínimo, um fator a menos de desgaste por parte
da comunidade escolar que, liberada dessa preocupação, pode direcionar esforços para outros
interesses e projetos. Possibilidade que não está dada, por exemplo, na escola do bairro.
A escola do bairro situa-se na zona leste da cidade, na comunidade de Grande Vitória,
no bairro de São José Operário15, que está localizado a aproximadamente 15,5 Km do centro
de Manaus. Na malha urbana de Manaus, as zonas leste e norte apresentaram uma dinâmica
de expansão mais acelerada que as demais zonas a partir da década de 1990. Nesse ciclo de
expansão do perímetro urbano, predominam processos informais e não regularizados de
aquisição de terra e construção de moradias, e lá também estão muitos dos conjuntos
habitacionais populares construídos pelo Estado para a transferência de moradores dos
igarapés e zonas de risco.
Nesse tipo de movimento de expansão de fronteiras urbanas, que, diga-se de
passagem, não é uma exclusividade de Manaus, a população com suas necessidades e
estratégias de provimento de condições mínimas para moradia (água, luz, abertura de vias de
circulação etc.), chega antes e o Estado vem em seguida. Primeiro na tentativa de coibir a
formação do aglomerado habitacional em questão e, nos casos em que isso não é possível, dá-
se início à corrida do poder público para oferecimento de serviços públicos básicos às novas
localidades. O fato é que as respostas do Estado são muito mais lentas do que a dinâmica de
produção das demandas, de modo que as regiões periféricas da cidade convivem por longos
anos com problemas de acesso a serviços e direitos.

15
Entre os moradores da localidade é comum a referência à região do Grande Vitória como um bairro, porém,
oficialmente a área integra o bairro de São José Operário, cuja superfície total é de 543,10 há (Lei nº 1.401, de
14 de janeiro de 2010).
46

A comunidade de Grande Vitória, de modo semelhante ao que acontece em outras


áreas periféricas, enfrenta recorrentes problemas relacionados ao acesso e funcionamento de
serviços básicos esperados para uma região urbana. Dentre as precariedades com as quais os
habitantes desse bairro precisam conviver, destacam-se problemas no fornecimento de água
encanada, inexistência de rede de esgoto, falta de manutenção da pavimentação e iluminação
de vias públicas, insuficiência do número de linhas de ônibus, além do reduzido número de
coletivos em circulação. A estes se adiciona a deficitária oferta de serviços públicos,
sobretudo no que concerne às áreas de saúde, educação e lazer.
A escola do bairro foi fundada em 2006 e desde então recebe estudantes do próprio
bairro e de bairros adjacentes (Nova Vitória, Novo Reino, Nova Floresta, Nova Conquista,
Zumbi e Castanheiras). No ano de 2010, a instituição oferecia o ensino fundamental (6º ao 9º
ano) e era a única na Comunidade de Grande Vitória a oferecer o ensino médio. Em 2012 a
escola passou para a responsabilidade do Comando da Polícia Militar16.
A escola foi construída segundo padrões atuais utilizados pelo Governo do Estado para
edificação de instituições de ensino, possuindo um pavimento térreo onde se distribuem salas
de aula, refeitório e dependências de apoio pedagógico, administrativo e de gestão. Na área
externa, possui uma quadra poliesportiva.
A escola apresentava dificuldades para manter o quadro de professores completo e
também enfrentava alta rotatividade de professores e outros profissionais. Foi possível
constatar a ausência de docentes e outros profissionais nas ocasiões de visita para
agendamento e aplicação do questionário da pesquisa. Além disso, nas entrevistas com os
jovens dessa escola, são frequentes as reclamações acerca da falta de aula em decorrência da
falta de professores ao longo do ano letivo.
Os relatos da ausência de professores associam-se às dificuldades de acesso à escola
(ruas em péssimas condições de iluminação e pavimentação, número reduzido de coletivos,
distância entre o bairro e a área central da cidade etc.) e aos índices de violência da localidade.
Em algumas disciplinas como física, química, matemática e língua estrangeira, nas quais se
observa um déficit nacional no número de docentes, as escolas de bairros mais afastados de
Manaus tornam-se ainda mais vulneráveis a esse tipo de problema.

16
As mudanças ocorridas na escola após essa transferência de gestão para a Polícia Militar rebateram de
diferentes modos nos jovens da pesquisa. Há relato de um jovem sobre evasão em virtude da maior rigidez com
o cumprimento de horário que lhe impedia de conciliar o horário da escola com o trabalho. Assim como há
também uma jovem que elogia as novas práticas da escola. Para ela o ensino melhorou e as novas regras
permitiram que os alunos “interessados” fossem reconhecidos no ambiente escolar. Ela mesma foi agraciada com
menções devidas ao seu bom desempenho e comportamento.
47

O ensino médio era oferecido somente no horário noturno na escola. Desse modo,
além de receber o público jovem e adulto que procura o ensino noturno devido à necessidade
de conciliar escola e trabalho, a escola do bairro, por ser a única na comunidade de Grande
Vitória que oferece o ensino médio, recebe muitos jovens que potencialmente seriam público
de escolas diurnas, ou seja, aqueles que se encontram na idade indicada para o ensino médio
(15 a 17 anos) e que não trabalham ou não procuram trabalho.
A escola do bairro não se constituía para os estudantes como uma referência de
qualidade de ensino, figurando apenas como a opção mais próxima de casa que se torna
interessante por requerer menor tempo e gastos com deslocamento, componente acentuado na
experiência dos jovens que conciliam trabalho e estudo.

1.5.2 Notas sobre a aplicação do questionário exploratório

A primeira entrada no campo de pesquisa se fez via aplicação de um questionário


estruturado a jovens do primeiro ano do ensino médio de duas escolas públicas da rede
estadual do Amazonas. Esta etapa de caráter exploratório permitiu a identificação do perfil
socioeconômico e alguns aspectos das experiências de escolarização, formação profissional e
busca ou inserção profissional de um grupo de 134 jovens, divididos entre as duas escolas.
Em cada escola o processo de aplicação gerou um movimento particular que oscilou da
recepção calorosa até a resistência declarada e explícita daqueles que não se mostravam
dispostos a colaborar com a atividade.
Na escola do centro, a aplicação foi precedida por contatos presenciais e telefônicos
com o gestor e pedagogas. As conversas iniciais permitiram a explicitação dos objetivos da
pesquisa, o agendamento da aplicação e a definição das duas turmas nas quais seria aplicado o
questionário.
Nessa escola, o primeiro ano do ensino médio é oferecido no turno vespertino, estando
os estudantes distribuídos, segundo o critério da idade, em sete turmas com média de 40
alunos por sala. Com a intenção de alcançar turmas com diferentes perfis de estudantes,
optou-se pela aplicação do instrumento em uma turma com os alunos mais novos (14 e 16
anos) e uma turma com alunos de 17 anos ou mais.
Apesar do prévio agendamento, a realização dessa atividade foi marcada por
contratempos. Os professores das turmas selecionadas não haviam sido avisados com
antecedência sobre a pesquisa e, além disso, a escola funcionava em regime de tempos
48

reduzidos (30 minutos)17 naquele dia, de modo que a mudança de professor requeria uma
pausa na aplicação do questionário até que se negociasse com o professor do horário a
continuidade da atividade.
Embora o questionário seja um instrumento autoaplicável, foi dada preferência por
uma aplicação assistida, prevendo a permanência da pesquisadora na sala enquanto os jovens
respondiam ao mesmo, assim podendo esclarecer dúvidas e, além disso, realizar observações
do momento de aplicação.
Depois de ser apresentada às turmas pela pedagoga da escola, a pesquisadora
explicava os objetivos da visita e solicitava o consentimento do grupo para a atividade. Nas
duas turmas houve um consentimento imediato, seguido de um momento de silêncio diante do
questionário. Procurou-se quebrar aquela situação inicial com algumas instruções gerais sobre
o preenchimento, lembrando-lhes que ficassem à vontade para perguntas e que a identificação
só estava sendo requerida para que, havendo a necessidade, pudessem ser contatados
posteriormente. Em poucos instantes o clima tornou-se amistoso e as solicitações de
esclarecimento se multiplicaram, permitindo o estabelecimento de um primeiro, e ainda frágil,
laço de confiança entre pesquisadora e sujeitos da pesquisa.
Foi interessante observar o empenho da maioria dos jovens em responder ao
questionário, havendo, porém, alguns que o fizeram do início ao fim sob um ar de
desconfiança e rejeição, não se registrando nesta escola nenhuma recusa. Alguns jovens
conversavam entre si sobre algumas questões. Mesmo sendo um instrumento pessoal, a
conversa com seus pares parecia lhes dar mais conforto.
Nesta escola destacam-se duas situações que chamaram a atenção em especial. A
primeira foi a recusa de um jovem em continuar participando das próximas fases da pesquisa.
A segunda foi a solicitação veemente de uma jovem em ser selecionada para a próxima fase.
No primeiro caso, em conversa particular com o jovem na tentativa de entender os
motivos da recusa, o mesmo se disse preguiçoso demais para participar da atividade. Depois
de ouvir novas explicações sobre o objetivo da pesquisa foi-lhe solicitado que pensasse um
pouco mais a respeito de sua participação e que adiasse a resposta até o final da aplicação.
Enfatizou-se a importância de sua colaboração, mas também foi reforçado que a sua opção
seria respeitada caso permanecesse o desinteresse em participar das próximas fases. Depois

17
O questionário foi aplicado em uma quinta-feira posterior a um recesso de 6 dias nas atividades escolares em
decorrência primeiro da cessão da escola para as atividades eleitorais de segundo turno, ocorridas no dia 31 de
outubro e depois ao feriado nacional do dia dos finados.
49

dessa conversa, o jovem imediatamente solicitou o questionário para alterar sua opção de
resposta à questão18.
Quanto à jovem que solicitou com insistência sua seleção para as próximas fases,
preocupava a possibilidade do interesse da mesma ser motivado pela expectativa de tratar-se
de uma agência de emprego, visto que a jovem interpelou a pesquisadora com a seguinte
expressão: “- Me escolhe, professora, meu maior sonho é trabalhar”. Para ela também se
explicou o objetivo da investigação e foi reforçada a vinculação institucional da pesquisa,
procurando deixar claro que se tratava apenas de um estudo. Mesmo assim, a jovem
mostrava-se animada em participar e insistia para ser selecionada, indicando, inclusive, que
havia listado vários telefones de contato para não correr o risco de não ser encontrada19.
Na escola situada em região periférica da zona leste de Manaus, o contato com a
pedagoga da escola foi estabelecido com apenas um dia de antecedência à aplicação, isso
porque em duas tentativas anteriores o contato não havia sido possível, dada ausência da
referida profissional e falta de alguém que pudesse atender a demanda da pesquisa.
Nesta instituição, o ensino médio era oferecido no horário noturno e as turmas
compostas por uma média de 40 alunos. Em todos os dias de visita à escola, inclusive no dia
em que a aplicação do questionário foi realizada, notou-se um esvaziamento da escola, tanto
pela ausência de alunos, quanto de professores e outros profissionais.
Também nesta escola, optou-se pela aplicação assistida dos questionários. No primeiro
momento, a pedagoga fazia a apresentação da pesquisadora que, em seguida, adotava os
procedimentos de explicação dos objetivos da pesquisa, dava instruções sobre o
preenchimento do questionário e tentava criar um clima de confiança com os estudantes.
Nesta escola, percebeu-se maior indisposição dos estudantes em colaborar com a
pesquisa, havendo, inclusive casos de recusa por parte de alguns poucos alunos em responder
ao instrumento. Muitos alunos permaneciam envolvidos com outras atividades durante a
aplicação, o que era reforçado pelo fato dos professores permanecerem na classe. Outros
alunos interessavam-se pelo instrumento e demandavam esclarecimentos. De um misto de
desconfiança, empatia, apatia e prontidão, pode-se dizer que ao final da aplicação havia um
clima mais amistoso entre pesquisadora e sujeitos da pesquisa.
Dentre as diversas perguntas lançadas pelos jovens durante a aplicação do
questionário, duas despertaram especial atenção. Numa delas uma jovem solicitou ajuda para

18
Este jovem foi selecionado para a etapa das entrevistas, mas não compareceu ao local agendado.
19
Esta jovem não participou da etapa das entrevistas porque nenhum dos seus telefones de contato funcionou e
também não houve resposta pela internet.
50

responder à questão referente à cidade e ao estado em que nascera. A jovem não conseguia
precisar sua cidade e estado de nascimento. Perguntada sobre o local de nascimento a mesma
respondeu que havia nascido no Careiro da Várzea, um pequeno município localizado a 22
Km de Manaus. A partir das informações fornecidas pela jovem, foi-lhe esclarecido que sua
cidade de nascimento seria o Careiro da Várzea e seu estado o Amazonas. A outra pergunta
que causou curiosidade foi lançada por uma jovem que nos interrogou sobre o que era o
ensino superior.
Estes dois casos, adicionados a outras dificuldades de escrita e compreensão de textos
percebidas no momento da aplicação e também nas respostas dos jovens de ambas as escolas,
geram preocupação pelo fato de tratar-se de estudantes do primeiro ano do ensino médio, de
quem se espera maior nível de domínio destes conteúdos. Por outro lado, revelam uma das
grandes dificuldades que esta etapa da educação básica enfrenta: a baixa qualidade do ensino.
Por sua vez, o desconhecimento sobre os níveis de ensino, denota a distância
simbólica daquela jovem em relação ao horizonte da continuidade de estudos em nível
superior. Esta situação sinaliza ainda que a jovem dispõe de baixos capitais social e cultural,
que, mesmo diante de um ensino de baixa qualidade, poderiam lhe possibilitar um maior
discernimento sobre o que venha a ser a escolaridade superior, a exemplo do que se verificou
para alguns jovens na etapa das entrevistas.
Na escola do bairro também observou-se que os contatos posteriores com os jovens
por meio da internet seriam mais difíceis, visto que um grande número de jovens não
dispunha de e-mails ou fazia uso de redes sociais no início da pesquisa. Isso pode ser bem
ilustrado pela fala de uma aluna referindo-se aos itens e-mail, Orkut, googletalk, msn e outros
solicitados no questionário: “- Não tenho nenhum desses negócios, não!”, disse a jovem.
Somam-se a isso, as dificuldades de acesso à internet no bairro20.
Depois da fase de aplicação foi realizado um trabalho classificatório das respostas
dadas ao questionário. A partir disso, foi possível definir critérios de montagem de um grupo
menor de jovens para participar das fases subsequentes da pesquisa. Na composição desse
grupo, assim como na opção feita por duas escolas de diferentes localidades, o propósito
central era alcançar um grupo de sujeitos diversificados no que diz respeito à situação

20
Na Comunidade de Grande Vitória o serviço de internet a cabo não está disponível. O acesso só é possível
através das operadoras de telefonia celular (modem e chip), ainda assim com fortes oscilações na qualidade do
sinal ou através de rádio, um serviço inviável para as instalações domésticas, devido ao alto custo em Manaus.
Com o crescimento da oferta de pacotes de custo mais acessível pelas operadoras nos últimos anos, observa-se
uma ampliação do acesso. Ao longo da pesquisa foi visível a ampliação do uso das redes sociais pelos jovens da
pesquisa via aparelhos móveis.
51

socioeconômica, à moradia, às trajetórias de escolarização e profissionalização, às


expectativas com relação à escola, dentre outros.
A diversidade de experiências captadas na pesquisa se presta menos à produção de
generalizações, que à compreensão do movimento gerado por combinações únicas de escolhas
biográficas e condicionamentos sociais. O aprofundamento do olhar sobre as experiências
individuais como experiências sociais, permitirá a atualização da reflexão sobre processos
mais amplos de relação dos jovens com a escola e o mundo do trabalho no trânsito para a vida
adulta.

1.5.3 Notas sobre a realização das entrevistas

Na definição dos participantes da etapa das entrevistas duas orientações centrais foram
levadas em conta: 1) Definir uma quantidade de jovens adequada aos objetivos, opções
metodológicas e condicionantes institucionais da investigação; 2) Formar um grupo com
jovens de perfis diversificados.
Do ponto de vista da quantidade, definiu-se que o número de dez jovens atendia aos
objetivos da investigação e também era coerente com a perspectiva de realização de um
acompanhamento dos jovens pelo período de três anos, ensejado na perspectiva longitudinal.
A proposta era realizar três entrevistas com cada jovem, perfazendo assim um total de 30
entrevistas ao longo dos anos de 2011 a 2013.
Para montagem do grupo a ser entrevistado foi realizada uma pré-seleção mediante os
dados extraídos do questionário. Esse trabalho baseou-se nos seguintes critérios primários:
equidade entre o número de jovens do sexo masculino e o número de jovens do sexo feminino
e entre o número de jovens da escola do centro e da escola do bairro. Atendidos esses
critérios, utilizou-se um modelo de classificação dos jovens a partir de quatro perfis-tipos,
combinados com diferentes aspectos do perfil dos jovens, tais como: situação
socioeconômica, maternidade/paternidade, cor/raça, estado civil, local e situação de moradia,
experiências profissionais, idade etc. (Quadro 1).
A combinação desses diferentes critérios possibilitou que ao final da pré-seleção se
obtivesse um grupo de 35 jovens com perfis diversificados, dentre os quais seriam destacados
os 10 jovens para participação na fase de entrevistas.
Com um mês de antecedência à realização da primeira rodada de entrevistas, foi feito
um trabalho denominado de contatos-teste, que consistiu no estabelecimento de contatos com
52

10 dos jovens pré-selecionados (5 homens e 5 mulheres) utilizando a internet (e-mail, redes


sociais e chats), e, em menor escala, o telefone. O objetivo era retomar o contato com os
jovens, informá-los sobre a continuidade da pesquisa e as próximas etapas da coleta de dados,
além de consultá-los sobre o interesse de continuar participando. Estes contatos também
serviram para checar se os dados de contato fornecidos no questionário permaneciam válidos.

Quadro 1. Perfis-tipo e outros critérios utilizados na seleção dos jovens da pesquisa

Perfil-tipo Outros critérios considerados na seleção


Jovens com diferentes experiências de trabalho informal  Local e situação da moradia
remunerado21.  Renda familiar
 Idade
 Trajetória escolar
Jovens com experiência de trabalho formalizada
 Cor/raça
(carteira assinada, aprendiz, contratos, serviço público,
etc.).  Estado Civil
 Maternidade/Paternidade
 Participação em atividades de qualificação
Jovens que não desenvolvem nenhuma atividade profissional
remunerada, mas procuram trabalho ou atividades de
 Participação no pagamento de despesas
qualificação profissional.
familiares
 Local de nascimento
Jovens que não desenvolvem nenhuma atividade  Opinião sobre a colaboração da escola aos
remunerada, e não estão procurando trabalho. objetivos profissionais.

Em todos os casos, os jovens manifestaram interesse em participar das entrevistas,


alguns pareciam mais animados, outros, no entanto, mostravam-se desconfortáveis com a
aceitação do convite e, no geral, todos demonstraram uma desconfiança inicial que
normalmente era minimizada pela explicação dos objetivos da pesquisa e da apresentação das
credenciais da pesquisadora e da pesquisa.
A retomada da conversa com os jovens, seja pela internet ou pelo telefone, aconteceu
aproximadamente cinco meses depois da aplicação do questionário nas escolas, sendo assim,
este contato seguia um padrão, que começava com a reapresentação da pesquisadora e da
pesquisa, seguido do esclarecimento dos objetivos dessa nova abordagem.
A maioria mencionou lembrar-se do questionário, mas não tinha clareza acerca de sua
finalidade e já não recordava o conteúdo. O passo seguinte consistia em esclarecer que, dentre
os jovens que participaram da etapa do questionário, alguns haviam sido selecionados para a
etapa das entrevistas e que o motivo do contato era informá-los que estavam entre os

21
Este perfil-tipo incorpora as respostas dos jovens que fazem referência ao exercício de atividades remuneradas
com alguma regularidade, mas para a qual não dispõem de nenhum tipo de formalização, a exemplo daqueles
que mencionaram trabalhar como ajudantes de pedreiro, ajudante dos pais em comércio próprio, ajudante na
produção de doces e salgados, venda de doces e balas na escola, dentre outros.
53

selecionados para esta nova fase da pesquisa e também consultá-los sobre a possibilidade de
serem entrevistados.
Mesmo depois das explicações iniciais, os jovens apresentavam novas indagações
sobre o objetivo da pesquisa e pediam maiores informações sobre esta nova fase das
entrevistas. Explicava-se então que o trabalho dizia respeito a uma pesquisa científica,
ressaltando que a finalidade era apenas de estudo. Eram destacadas também as vinculações
profissionais e acadêmicas com a universidade, utilizando uma linguagem de fácil
compreensão para os jovens nesse primeiro contato.
Visando deixá-los mais seguros, era reforçado que suas identidades não seriam
reveladas e, a fim de evitar mal-entendidos, informava-se que a pesquisadora não
representava nenhuma instituição de intermediação de emprego ou estágio, tentando conter
uma possível associação do tema da pesquisa com outros processos ligados ao mercado de
trabalho. Ao final, explicava-se como seriam realizadas as entrevistas e sempre era
perguntado aos jovens se haviam compreendido.
Todos se mostraram satisfeitos com as explicações, alguns solicitavam explicações
complementares, mas no geral, se sentiam seguros de confirmar suas participações, com
conclusões tais como: “vc so que fazer um estudo com os alunos para entender mas cada
situacao” (Observação feita pela jovem Cleany no contato estabelecido por chat).
Os contatos-teste também serviram para atualização de algumas informações
referentes aos jovens tais como: mudança de escola, endereço e situação laboral e, além disso,
permitiu checar a capacidade de resposta dos jovens aos contatos da pesquisa, aspecto
fundamental para a abordagem longitudinal.
No contato telefônico para agendamento das entrevistas, surgiram as primeiras
dificuldades, dentre as quais, telefones que não funcionavam, impossibilidade de participação
por doença, desistência de alguns jovens. Do quadro inicial, apenas quatro jovens foram
efetivamente entrevistados (Denise, Kelly, Renato e Robson)22.
O trabalho com os perfis-tipo possibilitou a substituição dos primeiros jovens
escolhidos por outros com características semelhantes. Na busca por substitutos, o problema
da comunicação via telefone e das desistências continuaram, mas ao final o grupo ficou
constituído (Quadro 2 e Apêndice I).
O grupo final é diverso em muitos aspectos, mas na variável cor ou raça predominam
aqueles que se declaram pardos. Isso reflete a situação geral observada no total dos

22
Foram estabelecidos nomes fictícios para os jovens a fim de preservar suas identidades.
54

questionários, no qual a maioria também se diz pardo. Dos 134 questionários, apenas dois
jovens declararam-se indígenas, e até a pré-seleção buscou-se incluí-los no grupo das
entrevistas, mas a ausência de resposta desses sujeitos às tentativas de contato da
pesquisadora deixou o grupo sem nenhum indivíduo com esse perfil.

Quadro 2. Jovens participantes das etapas de entrevistas

Escola do centro Escola do bairro


Nome Idade em 2010 Nome Idade em 2010
Denise 16 anos Daniele 16 anos
João Felipe 16 anos Evandro 16 anos
Kelly 15 anos Lidiane 27 anos
Sávio 15 anos Renato 18 anos
Taís 16 anos Robson 16 anos

A maioria das desistências se anunciou com a ausência do jovem ao local combinado


para a entrevista, seguido do ato de evitar novos contatos (telefones desligados, chamadas não
atendidas, e-mail sem resposta etc.). Depois de identificar que entre o momento de contato e a
efetivação da entrevista estava ocorrendo uma desistência da metade dos jovens selecionados,
optou-se por marcar entrevistas nas residências dos mesmos. Este processo resultou eficaz,
mas também agregou variáveis diferentes a serem consideradas na análise das entrevistas,
visto que no ambiente doméstico, nem sempre foi possível a total privacidade para realização
do procedimento.
A primeira etapa de entrevistas ocorreu no mês de abril de 2011. A princípio o
planejamento das entrevistas previa que os contatos pessoais fossem estabelecidos nas escolas
onde os jovens foram selecionados, exceto nos casos em que estes houvessem mudado de
instituição. Isso facilitaria o encontro com os jovens, porém, na primeira semana definida para
realização das entrevistas, as aulas estavam suspensas nas escolas estaduais do Amazonas,
dado o cumprimento de um calendário de semana pedagógica estabelecido pela Secretaria de
Educação do Estado.
Na escola do centro, a semana também era aproveitada para a realização dos jogos
escolares no horário vespertino, e para a aplicação de provas aos alunos com dependência em
disciplinas. Dado o pouco movimento observado na referida semana, foi-nos disponibilizado
o espaço da biblioteca para realização das entrevistas. Entretanto, as duas entrevistas feitas
nessa escola ocorreram em outros locais (sala de aula e praça), visto que na biblioteca havia
55

outras pessoas presentes no momento das entrevistas. Os demais jovens da escola do centro
foram entrevistados nas respectivas residências.
No caso dos jovens selecionados na escola do bairro, pareceu mais viável a definição
de um local de referência e de fácil acesso no bairro, para aplicação das entrevistas, já que
todos os estudantes residiam no mesmo bairro da escola. O local definido foi a sede de uma
organização não governamental bastante conhecida no bairro pelo trabalho educativo que
desenvolve com jovens estudantes do ensino médio. A administração da instituição
disponibilizou a sala de leitura e a sala de professores em momentos que estas não eram
utilizadas. Todos os jovens da escola do bairro foram entrevistados nesta instituição.
Cada entrevista possui um conjunto de situações, expressões e contextos que escapam
ao processo de transcrição, por mais fiel que este possa ser na transformação de falas em texto
escrito. Tentando agregar estes elementos ao processo de pesquisa, utilizou-se um caderno de
campo para registro de aspectos das condições de apresentação e fala dos jovens no momento
da conversa, além de elementos do local e contexto de realização da entrevista.
Na primeira etapa de entrevistas um dos aspectos que mais chama a atenção é a
riqueza de dados que a abordagem biográfica proporciona captar. Nas relações dos jovens
entrevistados com o mundo do trabalho e a escola e também em seus processos de transição
para a vida adulta foi interessante observar que as experiências e projeções daqueles sujeitos a
princípio selecionados mediante classificações objetivas (vínculo escolar, situação laboral,
idade, cor/raça, sexo, renda, local de moradia, dentre outros), revelam ricas e múltiplas
nuances e sentidos para os cruzamentos entre suas biografias e as contingências do mundo do
trabalho, da escola e da vida adulta.
A cada entrevista os sentidos da inserção profissional e da escolarização na vida dos
sujeitos se multiplicavam e, não raro, em momentos distintos da narrativa de um mesmo
jovem, essa multiplicidade também se apresentava. Progressivamente, as perguntas de
pesquisa e também as respostas que elas suscitavam nos mostravam faces cada vez mais
nuançadas que a experiência profissional ou busca por ela podem adquirir na vida dos jovens
do ensino médio.
No início das entrevistas, os jovens mostravam-se tensos e desconfiados, mas com o
transcorrer da conversa ficavam mais à vontade e ao final manifestavam satisfação em ter
participado, concordando em seguir na pesquisa. A garantia de um local reservado para
realização da entrevista e o próprio conteúdo da atividade foram fundamentais para a elevação
do nível de confiança dos participantes e o maior envolvimento com a atividade.
56

Além disso, alguns elementos foram importantes para fortalecer o vínculo entre
pesquisadora e pesquisados, a saber, a apresentação das credenciais da pesquisadora,
incluindo o fato de ser conterrânea e o vínculo com a universidade federal local; a utilização
de uma linguagem coloquial para expressar os objetivos da pesquisa e as perguntas da
entrevista, além do próprio conteúdo da entrevista que fazia referência a experiências pessoais
cotidianas, sobre as quais os jovens se sentiam à vontade para narrar, descrever, opinar.
Durante o processo de agendamento, os responsáveis pelos jovens foram consultados
e, nos casos das entrevistas realizadas nas residências, houve contato pessoal com os membros
da família presentes, tornando-se oportuna a explicação dos objetivos e da forma de
participação dos jovens na pesquisa. A título de formalização da participação voluntária dos
jovens e das responsabilidades da pesquisadora, utilizou-se um termo de consentimento livre e
esclarecido, onde estavam dispostas informações sobre a pesquisa e a pesquisadora, sendo
assinado e copiado para ambas as partes.
Na segunda etapa de entrevistas o objetivo foi observar continuidades e rupturas nas
experiências e projeções relacionadas à escolarização e inserção profissional dos jovens e
também as principais mudanças nos seus contextos familiares e em outras dimensões da vida
que apresentassem rebatimentos nessas duas dimensões da situação juvenil de interesse da
pesquisa: escola e trabalho.
As entrevistas foram precedidas por contatos telefônicos e por meio da internet (redes
sociais e e-mail). Diferente das primeiras abordagens, nos contatos estabelecidos para
agendamento da segunda entrevista, os jovens sentiam-se mais à vontade para continuar
participando da pesquisa e, consequentemente, conceder a entrevista. Ainda assim, três jovens
deixaram de ser entrevistados nessa etapa (Robson, Taís e Lidiane). Concorreram para a não
realização dessas entrevistas motivos tais como: ausência do entrevistado ao local agendado
para entrevista e dificuldades de estabelecimento de novos contatos por telefone e/ou internet.
Dois desses jovens (Robson e Taís) participaram da terceira etapa de entrevista e somente
com a jovem Lidiane não foi mais possível o contato até o final da pesquisa.
Devido a um quadro de maior confiança já estabelecido entre a pesquisadora e os
pesquisados, os locais de realização das entrevistas apresentaram maior variação que o
observado na primeira etapa. Foram realizadas duas entrevistas nas residências dos jovens,
duas em praças de alimentação de shoppings centers, duas em Organização Não
Governamental próximo da moradia dos jovens e uma no local de trabalho.
A entrevista foi conduzida mediante um roteiro que contemplava a retomada de
aspectos já tratados na fase anterior. Além dos momentos em que a pesquisadora provocou a
57

retomada desses aspectos já abordados, os próprios jovens evocavam trechos de falas


anteriores concedidas à pesquisa e, em alguns casos, acrescentavam informações que
consideravam importantes e que não haviam mencionado anteriormente.
No que concerne à escolarização, a segunda entrevista possibilitou a verificação de
problemas no fluxo escolar de alguns dos jovens da pesquisa. Dentre os sete jovens
entrevistados, cinco cursavam o terceiro ano do ensino médio, um encontrava-se no segundo
ano devido à reprovação na primeira série do ensino médio e um havia abandonado a escola
por dificuldade de conciliação com o trabalho.
Na dimensão da inserção profissional algumas variações também foram captadas na
segunda entrevista. Dentre os entrevistados, um jovem que atuava como aprendiz saiu do
programa e não estava trabalhando e nem procurando emprego, três jovens continuavam
trabalhando na mesma empresa e função, registrando pequeno aumento de salário, uma jovem
havia mudado de empresa e função, um jovem que estava fora do mercado de trabalho em
2011 se reinseriu e um jovem que não trabalhava e nem procurava emprego continuava na
mesma condição.
Ao final da segunda entrevista os jovens foram novamente consultados sobre o
interesse de continuar participando da pesquisa e da próxima fase de entrevistas a ser
realizada no ano de 2013. Além disso, foi-lhes solicitado um breve parecer sobre essa
participação. Todos os jovens manifestaram interesse em continuar na pesquisa e também
avaliaram positivamente sua participação até então, destacando que se sentiam importantes
por poder expor suas experiências e opiniões, já que enquanto jovens não dispõem de muitos
espaços de escuta.
A terceira etapa de entrevistas ocorreu nos meses de março e abril de 2013. O
agendamento foi realizado pela internet e por telefone e prosseguiram sem muitos problemas,
com exceção de três jovens que não responderam aos telefonemas ou aos contatos pela
internet.
As entrevistas foram realizadas em diferentes locais e horários: faculdades (3), praça
de alimentação (1) e residência (3). O grupo estava bem mais ocupado que no início da
pesquisa, haja vista as mudanças ocorridas na vida escolar e no âmbito do trabalho. Alguns
jovens que não trabalhavam nos anos anteriores se inseriram ou reinseriram em 2013, outros
jovens que trabalhavam em horário parcial estavam agora em tempo integral, houve também
aqueles que ingressaram no ensino superior e continuavam combinando estudo e trabalho.
58

Por tudo isso, a persistência, insistência e flexibilidade de horário da pesquisadora


foram fundamentais para a consecução dessa etapa do trabalho. As variações na vida escolar e
laboral dos jovens podem ser observadas nos quadros 03, 04, 05 e 06.

Quadro 03 – Fluxo escolar individual no período da pesquisa

NOME Escola Situação Escolar Observações sobre o


de 2010 2011 2012 2013 fluxo escolar no EM
origem
Daniele Bairro 1º ano EM 2º ano EM 3º ano EM Ensino Superior Regular com inserção
no ensino superior
Denise Centro 1º ano EM 2º ano EM 3º ano EM Ensino Superior Regular com inserção
no ensino superior
Evandro Bairro 1º ano EM 2º ano EM Fora da Sem informação Retenção por abandono
escola
João Felipe Centro 1º ano EM 2º ano EM 3º ano EM Ensino Superior Regular com inserção
no ensino superior
Kelly Centro 1º ano EM 2º ano EM 3º ano EM Ensino Superior Regular com inserção
no ensino superior
Lidiane Bairro 1º ano EM 2º ano EM Sem Sem informação Regular até a fase de
informação contato da pesquisa
Renato Bairro 1º ano EM 2º ano EM 3º ano EM Sem informação Regular até o último
contato da pesquisa
Robson Bairro 1º ano EM 2º ano EM Fora da 3º ano EM Retenção devido ao
escola abandono
Sávio Centro 1º ano EM 1º ano EM 2º ano EM 3º ano EM Retenção por
reprovação
Taís Centro 1º ano EM 2º ano EM 3º ano EM Não está Regular sem inserção
estudando no Ensino Superior

Quadro 04 – Fluxo escolar geral apurado nas entrevistas


Situação do fluxo escolar apurado na pesquisa Quantidade
Regular com inserção no ensino superior 4
Regular sem inserção no ensino superior 1
Regular até o último contato da pesquisa 2
Retenção por reprovação 1
Retenção por abandono 2
Total 10

Dentre os jovens alcançados na terceira etapa de entrevistas, quatro cursavam o ensino


superior, todos em instituições particulares, dois estavam cursando o terceiro ano do ensino
médio devido à reprovação e evasão em anos anteriores e uma jovem não estava estudando,
mas planejava ingressar na faculdade de pedagogia no segundo semestre.
Os jovens que cursavam o ensino superior o faziam nos cursos que mencionaram ter
interesse ao longo da pesquisa: publicidade, direito, arquitetura e administração. Esses jovens
contam com bolsas oferecidas pelas próprias instituições ou pelo programa municipal Bolsa
59

Universidade23. Com exceção de um jovem, todos os que cursavam o ensino superior


utilizavam o próprio salário para pagar a mensalidade, além de uma jovem que pretendia
ingressar no segundo semestre e também deverá pagar o curso com recursos próprios.
No tocante à situação laboral, apenas dois dos entrevistados estavam fora do mercado
de trabalho e ambos não estavam procurando emprego por ocasião da terceira etapa de
entrevistas. Entre os que trabalhavam, observou-se, mais uma vez, uma variação significativa
no que diz respeito a locais de trabalho, salário, função e jornada de trabalho com relação aos
anos anteriores.
Os dois jovens que se encontravam fora do mercado de trabalho dizem-se confortáveis
na atual condição de dependência financeira que mantém com os pais. Na avaliação dos
mesmos, trata-se de uma dependência parcial, visto que ambos ajudam esporadicamente os
pais nos comércios ou em casa. Os dois só pretendem trabalhar depois de concluir o ensino
superior.

Quadro 05 – Situação Laboral Individual declarada no período da pesquisa

NOME Escola Situação Laboral por ano


de 2010 2011 2012 2013
origem
Daniele Bairro Aprendiz Aprendiz Aprendiz Contratada - CLT
empresa na qual foi
aprendiz
Denise Centro Trabalho informal Trabalho informal Trabalho informal Trabalho informal -
com a mãe com a mãe com a mãe comércio
Evandro Bairro Procurava Procurava trabalho Trabalho informal Sem informação
trabalho - estaleiro
João Felipe Centro Procurava Aprendiz Não trabalhava e Não trabalhava e
trabalho nem procurava nem procurava
Kelly Centro Aprendiz Aprendiz e trabalho Estagiária - Contratada - CLT -
informal - comunicação empresa na qual
comunicação estagiou
Lidiane Bairro Procurava Procurava trabalho Sem informação Sem informação
trabalho
Renato Bairro Contratado – CLT Contratado em Contratado em Sem informação
– transportes regime CLT regime CLT
Robson Bairro Trabalho informal Procurava trabalho Trabalho - regime Trabalho regime
- construção civil CLT - indústria CLT - indústria
Sávio Centro Trabalho informal Não trabalhava e Não trabalhava e Não trabalhava e
com os pais nem procurava nem procurava nem procurava
Taís Centro Procurava Não trabalhava e Estágio no setor Trabalho - CLT -
trabalho nem procurava público indústria

23
MANAUS. Lei n. 1.357, de 08 de julho de 2009. Cria o Programa Bolsa Universidade, e dá outras
providências. Diário Oficial do Município de Manaus, n. 2241, 08 de julho de 2009. O Programa oferece
incentivos fiscais para que instituições privadas de ensino superior que atuam em Manaus disponibilizem bolsas
integrais ou parciais em cursos de graduação ou sequenciais de formação específica estudantes de baixa renda e
que não possuam formação em nível superior, além de outros critérios especificados na legislação pertinente.
60

Quadro 06 – Variações da situação laboral apurada na pesquisa

NOME Perfil Experiência 2010 2011 2012 2013


anterior
Daniele 1
2
3
4
Denise 1
2
3
4
Evandro 1
2
3
4
João Felipe 1
2
3
4
Kelly 1
2
3
4
Lidiane 1
2
3
4
Renato 1
2
3
4
Robson 1
2
3
4
Sávio 1
2
3
4
Taís 1
2
3
4

Legenda: Perfil 1 – Trabalha de modo regularizado


Perfil 2 – Trabalha de modo informal
Perfil 3 – Não trabalha, mas procura
Perfil 4 – Não trabalha e nem procura

A entrevista se iniciava com a leitura de um perfil do jovem elaborado pela


pesquisadora a partir dos dados já coletados na pesquisa. Os participantes mostravam-se
surpresos diante do que haviam dito, pois lhes parecia mais do que esperavam quando
61

olhavam retrospectivamente. Surpreendiam-se principalmente com as mudanças ocorridas no


intervalo dos quatro anos em que estiveram na pesquisa.
Nessa aproximação com o campo, as molduras que as reflexões teórico-metodológicas
produziram foram importantes, mas o que se fez mais fundamental foi o olhar/ouvir/sentir
atento aos detalhes e às especificidades que as narrativas dos jovens e as condições de sua
produção revelavam, desafiando os conceitos e roteiros de partida.
Desde as primeiras entrevistas o próprio modo de operar com a técnica da entrevista
foi sendo refinado, se transformando em momento de aprendizagem e aprimoramento do fazer
pesquisa educacional de abordagem biográfica. Olhando a partir do final, os limites do
processo podem ser facilmente identificados, mas eles não comprometem o conteúdo geral do
material coletado. Além disso, os limites encontrados desde as primeiras etapas do trabalho
com entrevistas, em sendo objeto de reflexão, se tornaram propósito de refinamento dos novos
encontros com os sujeitos da pesquisa, reforçando também a validade da perspectiva
longitudinal.
62

CAPÍTULO II – APROXIMAÇÕES DA CONDIÇÃO JUVENIL NA ATUALIDADE

Para abordar o tema da juventude, parece pertinente iniciar com a afirmação de que se
trata de uma construção social, ou seja, a juventude, tal como a concebemos na atualidade não
existiu sempre. Ainda que indivíduos jovens estejam presentes em toda e qualquer formação
social, isso não significa que tenham sempre constituído e sido reconhecidos como uma
categoria com demandas específicas de expressão e inserção no meio social. Essa noção é
tributária da modernidade e o contexto que favorece sua instalação nos modos de vida está
articulado com outros fenômenos impulsionados pela modernidade, dentre os quais a
expansão da escolarização e os novos padrões das relações entre os indivíduos e os grupos de
pertencimento, sobretudo a família.
Desde o seu surgimento até os dias atuais, a apropriação dessa invenção da
modernidade apresentou muitas variações na concretude da vida social. Se no início a
juventude entendida como um tempo de moratória social, destinada à experimentação de
estilos de vida e à preparação para a vida adulta só era possível para os indivíduos das elites e
camadas médias, na atualidade faz sentido falar de juventude referindo-se às classes
populares.
O fato de o conceito ter ampliado a sua abrangência, diante da necessidade de
acompanhar o movimento dos referentes empíricos que designa, e abarcar hoje os indivíduos
de todas as classes, não significa que a juventude, como fase de vida ou como construção
cultural, seja uma noção homogênea em todas as sociedades contemporâneas.
Em diferentes culturas e sociedades os sentidos e significados de juventude são
distintos. Se considerarmos, por exemplo, algumas sociedades indígenas que nos são
contemporâneas, essa é uma noção que muitas vezes só fará sentido na fronteira entre as
culturas indígenas e as culturas urbanas. Diante disso Weigel et al. (2012) afirmam que,

Classificar indígenas como jovens, inserindo-os nessa dimensão ou fase da


vida, só é possível quando eles participam da cultura da cidade, pois, na
maioria das vezes, a juventude não é um processo presente internamente em
sua comunidade ou aldeia. Lá eles geralmente passam de criança para adulto
mediante rituais específicos. (p. 34)

No que diz respeito ao pertencimento socioeconômico, muitas disputas no campo


conceitual e político também se travaram historicamente até que pudéssemos hoje chamar de
63

jovem, com certa tranquilidade, um indivíduo de pouca idade das classes populares. Para
Abramo (2008, p. 44),

A juventude, mesmo que não explicitamente, é reconhecida como condição


válida, que faz sentido, para todos os grupos sociais, embora apoiada sobre
situações e significações diferentes. Agora a pergunta é menos sobre a
possibilidade ou impossibilidade de viver a juventude, e mais sobre os
diferentes modos como tal condição é ou pode ser vivida. (Grifos da autora).

Uma proposta da academia, mais especificamente da sociologia, para operar com o


conceito de juventude e suas diferentes manifestações no campo simbólico e empírico, é
abordá-la a partir da distinção entre as noções de condição juvenil e situação juvenil. A
primeira noção remete ao “modo como uma sociedade constitui e atribui significado a esse
momento do ciclo de vida, que alcança uma abrangência social maior, referida a uma
dimensão histórico-geracional” (ABRAMO, 2008, p. 42). O segundo conceito, refere-se ao
“modo como tal condição é vivida a partir dos diversos recortes referidos às diferenças sociais
– classe, gênero, etnia etc.” (ABRAMO, 2008, p. 42).
O cruzamento dessas duas noções permite entender que a condição juvenil definida
socialmente e operada por meio dos valores, relações e instituições, nem sempre é vivida de
modo integral por todos os sujeitos jovens. No caso do Brasil, ainda circula com certa força
nos campos político, cultural e social a ideia de juventude como tempo de preparação para
vida adulta, no qual os sujeitos jovens estão desobrigados da vida produtiva e devem se
dedicar apenas à formação escolar e ao aprimoramento e experimentação de habilidades. No
entanto, a vida de muitos jovens brasileiros nem de longe reflete essa expectativa. As
clivagens aparecem e se aprofundam conforme se consideram as variáveis de renda, etnia,
sexo, local de moradia, dentre outros.
O reconhecimento dessas contradições entre juventude, como condição e como
situação efetivamente vivida por sujeitos que encarnam diferentes modos de ser jovem é
indicativo, também, para que no campo da pesquisa, a relação entre juventude, enquanto
conceito e enquanto manifestação empírica seja continuamente atualizada. Sobre isso
concordamos com Pais (2003) quando afirma que a postura analítica capaz de conter a
tendência de cristalização que o conceito de juventude pode operar é a busca pelo seu
entendimento como síntese complexa de uma unidade – enquanto fase da vida - e de
diversidades – considerando os atributos sociais que distinguem os jovens uns dos outros.
A perspectiva homogeneizante com que muitas vezes o conceito de juventude é
tratado é considerada por Bourdieu (1983, p. 114) como um "formidável abuso de
64

linguagem", contra o qual propõe uma abordagem pautada no reconhecimento das diferenças
existentes entre vários grupos que compõem as diferentes juventudes.

[...] falar de jovens como se fossem uma unidade social, um grupo


constituído, dotado de interesses comuns, e relacionar estes interesses a uma
idade definida biologicamente já constitui uma manipulação evidente. Seria
preciso pelo menos analisar as diferenças entre as juventudes. (BOURDIEU,
1983, p. 113)

Em muitos casos, a homogeneização se expressa na categorização dos jovens a partir


de faixas de idade. Sobre esta questão, Carrano (2003) considera que de um lado este é um
critério que permite a objetivação de estudos estatísticos, intervenções administrativas e
elaboração de políticas. De outro, é uma questão a ser problematizada na compreensão da
juventude, considerando que as idades não possuem um caráter universal, distinguindo-se nos
tempos e espaços sociais.

Os jovens na sociedade não constituem uma classe social, ou grupo


homogêneo como muitas análises permitem intuir. Os jovens compõem
agregados sociais com características continuamente flutuantes. As
idealizações políticas que procuram unificar os sentidos dos movimentos
sociais da juventude tendem a ser ultrapassadas pelo contínuo movimento da
realidade. (CARRANO, 2003, p. 110)

De um modo geral, observa-se que nas sociedades contemporâneas o período de


juventude tem englobado uma faixa-etária mais ampla do que se observou em outros
momentos históricos. Esse movimento de extensão das idades está relacionado com
fenômenos do campo cultural, social, político e também demográfico. O fato é que muito dos
marcadores objetivos e simbólicos que tradicionalmente serviam para distinguir os jovens das
crianças e dos adultos se esvaziam de sentido na atualidade. Segundo Abramo (2008, p. 43), a
extensão da juventude ocorre em diferentes aspectos.

Na duração desta etapa no ciclo de vida (no início da industrialização


referida a alguns poucos anos, chegando depois a intervalos que podem
durar dez ou 15 anos); na abrangência do fenômeno para vários setores
sociais, não mais só os rapazes da burguesia, como no início (operada
principalmente pela inclusão no sistema escolar e no universo simbólico);
nos elementos constitutivos da experiência juvenil e nos conteúdos da noção
socialmente estabelecida.
65

Na mesma direção, os estudos sobre transição da juventude para a vida adulta


sinalizam que etapas tradicionais tais como: conclusão da escolaridade, inserção no mercado
de trabalho, saída da casa dos pais, casamento e nascimento de filhos, que normativa ou
simbolicamente também estavam atrelados a idades consideradas adequadas para a vivência
de tais situações, demonstram-se insuficientes para explicar uma juventude tão marcada pela
diversidade e desigualdade, e que vivencia percursos cada vez mais auto reflexivos (BECK,
2010) e reversíveis, às vezes devido à ampliação das possibilidades de escolha, que o atual
estágio de desenvolvimento das sociedades possibilita, outras vezes, pelas contingências no
campo social e econômico em que estão inseridos, dentre as quais podemos citar as
dificuldades que os jovens possuem para estabelecimento de domicílios próprios e a maior
exposição desse segmento ao desemprego.
Para além da objetividade que as cronologias etárias podem encerrar, os jovens
(principalmente, mas não só eles) vivem na atualidade experiências com o tempo que diferem
radicalmente das experiências de gerações anteriores. Segundo Melucci (1997), as
experiências juvenis nas sociedades complexas não são orientadas por uma concepção linear
do tempo e desse modo, o significado do presente não está dado, como outrora, nem pelo
passado enquanto memória e nem pelo futuro como destino final.

O passo da mudança, a pluralidade das participações, a abundância das


possibilidades e mensagens oferecidas aos adolescentes contribuem todas
para debilitar os pontos de referência sobre os quais a identidade era
tradicionalmente construída. A possibilidade de construir uma biografia
contínua torna-se cada vez mais incerta. (MELUCCI, 1997, p 10).

Essas análises ajudam a entender a crise de sentido que a escola e outras instituições
modernas, que por décadas delimitaram a condição juvenil, apresentam hoje para muitos
jovens. A simples alegação da importância que determinadas inserções e práticas possuem
para um futuro possível, já não tem sido suficiente para gerar a adesão dos jovens aos projetos
sociais que definem a condição juvenil na atualidade. A autoridade do discurso normativo é
confrontada pela necessidade de diálogo que os jovens cada vez mais individuados passam a
requerer.
No Brasil, a partir do ano de 2005, o corte etário de 15 e 29 anos passou a ser a
referência utilizada no âmbito da política nacional de juventude para definição da população
alvo. Atualmente essa faixa- etária está referendada na Constituição Brasileira (Art. 227) e
também no Estatuto da Juventude (Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013).
66

Trata-se de uma faixa ampla que abarca indivíduos que vivem diferentes desafios e
requerem proposições diversificadas em termos de políticas públicas. As pesquisas de
abrangência nacional apontam diferentes alertas quando operam o desdobramento dos dados
segundo faixas intermediárias das idades correspondentes à juventude. O reagrupamento das
idades em faixas (15 a 17 anos, 18 a 24 anos e 25 a 29 anos) tem sido o mais utilizado para
demonstrar os diferentes desafios da política de juventude em âmbito nacional.
Na definição dos jovens estudantes do ensino médio como sujeitos desta pesquisa, o
critério de idade foi considerado, não como um dado natural e absoluto, mas enquanto
marcador histórica e socialmente situado. Os dados que articulam idade e escolarização dos
jovens no Brasil apontam o ensino médio como a etapa de formação escolar preponderante
entre os indivíduos jovens, isso porque a maioria desses indivíduos ou está cursando esta
etapa da educação básica ou nela parou por ter concluído ou evadido.
Isso não quer dizer que não sejam relevantes e, até urgentes, os estudos sobre os
jovens que se encontram em outras etapas da escolarização ou fora da escola, trata-se, tão
somente, de uma escolha por enfrentar aquele que tem parecido um dos maiores campos de
tensão quando observada a relação dos jovens com a escola.
Enquanto categoria de análise, a juventude é tomada como noção multiplamente
constituída e socialmente construída, de modo que as referências à juventude e aos jovens que
por vezes se faz, não querem remeter a um imperativo unificador, mas se prestar a suscitar a
reflexão sobre as marcas que as diversidades etárias, de gênero, de condições sociais e étnicas
imprimem ao conceito.

2.1 Jovens brasileiros: constrangimentos estruturais e tendências apontadas nas


pesquisas e estatísticas nacionais

As pesquisas de abrangência nacional ajudam a configurar as dimensões que


constituem os diversos modos de viver a juventude no Brasil. Os achados estatísticos sobre a
população jovem no Brasil, produzidos nas duas últimas décadas, balizam também as ações
públicas dirigidas a esse segmento da população.
A agenda pública das políticas de juventude no Brasil, ganha força a partir dos anos
1990, e surge profundamente marcada pelo temor de uma combinação, considerada perigosa,
entre a alta proporção do número de jovens no conjunto da população, conforme indicavam as
estatísticas demográficas, e os episódios de violência envolvendo este público, além da
questão do desemprego (CAMARANO, 2006). Em muitos casos, as proposições
67

governamentais e não governamentais de ações para jovens, são pautadas em políticas de


controle do tempo livre e dirigidas especialmente aos indivíduos das classes populares
(SPOSITO e CORROCHANO, 2005).
Ao longo dos anos, disputas e embates no campo político têm contribuído para
consolidação da noção do jovem enquanto sujeito de direitos inserido de modo ativo na
sociedade, ao passo que progressivamente perde força nas políticas públicas a ideia do jovem
enquanto ameaça ou como mero portador de uma condição transitória ou de um exotismo
cultural.
Apesar dos reconhecidos avanços na estruturação das políticas públicas para a
juventude, há muitos campos de tensão por serem enfrentados. No que concerne ao tema do
trabalho, Abramo (2013, p. 42) chama a atenção para a inexistência de uma política estrutural
de emprego para os (as) jovens, destacando também que,

O foco central das políticas e programas existentes são as ações de elevação


da escolaridade e de qualificação, que, sem dúvida são centrais, mas não
esgotam o âmbito das políticas necessárias à promoção do trabalho decente
para os (as) jovens.

O incremento do número de jovens na população brasileira, observado a partir dos


anos 1970, também chamado de onda jovem, é definido por Bercovich e Massé (2004) como
uma descontinuidade demográfica, resultante do efeito das ondas de nascimento no período
compreendido entre o fim da Segunda Guerra Mundial até os anos de 1960. As pesquisadoras
afirmam que o crescimento da população jovem descreve uma linha ascendente nos anos
1970, apresenta um refluxo nos anos 1980, volta a subir nos anos 1990 e tende a regredir nas
primeiras décadas do século XXI.
Os dados do Censo populacional realizado pelo IBGE no ano de 2010 informam que a
população de 15 a 29 anos corresponde a um total de 51.340.473 pessoas, equivalendo a
26,9% da população total. Comparado à população apurada no Censo de 2000, observa-se um
crescimento da população em números absolutos (de 47 milhões no ano 2000 para pouco mais
de 51 milhões no ano de 2010). Porém há uma queda da representatividade percentual dos
jovens no total da população (em 2000 os jovens representavam 28,3% da população
brasileira e em 2010 passam a representar 26,9%).
A expectativa de vida dos brasileiros ao nascer vem aumentando progressivamente
(em 2008 a média chegou a 72,86 anos para ambos os sexos) e segundo a projeção, o Brasil
continuará galgando anos na vida média de sua população, alcançando em 2050 o patamar de
68

81,29 anos (IBGE, 2009). Esse também é um aspecto que tem efeitos sobre as definições e os
modos de viver a juventude no Brasil de hoje.
Além da tendência de regressão do número de jovens no total da população brasileira a
que Bercovich e Massé (2004) fazem referência, outro dado relevante para a discussão das
questões juvenis no Brasil diz respeito às modificações ocorridas na pirâmide etária. Apesar
dos dados nacionais apontarem o estreitamento da base da pirâmide, ao mesmo tempo em que
o ápice se torna cada vez mais largo em decorrência do declínio dos níveis de fecundidade e,
em menor parte, da queda da mortalidade no período (IBGE, 2011), há variações regionais
que precisam ser levadas em conta, justamente porque estes dois fatores (queda da
fecundidade e queda da mortalidade) não se comportam da mesma maneira nas diversas
regiões do país.
Na região norte (sobre a qual esta pesquisa tem um interesse em particular) a tendência
do envelhecimento da estrutura populacional é contrabalanceada por uma mais lenta
diminuição das populações mais jovens, devido aos reflexos das altas taxas de natalidade
observadas até 1980 nesta região24. Enquanto isso, as regiões sul e sudeste apresentam
padrões de envelhecimento populacional acima da média nacional.
O que se observa é que as preocupações com a juventude tendem a se intensificar
conforme se cruzam os dados demográficos com outros indicadores, principalmente aqueles
que se referem à distribuição dessa população entre o campo e a cidade, à escolarização, à
exposição à violência e ao trabalho. Quanto a esses aspectos as pesquisas permitem
generalizar que os jovens brasileiros (querendo dizer, a maioria deles) vivem em meios
urbanos, compõem a população economicamente ativa (por estarem efetivamente inseridos no
mercado de trabalho ou à procura de emprego), estão mais escolarizados que as gerações
precedentes e apresentam elevados graus de insegurança e exposição à violência25.
O sobrevoo pelos dados estatísticos faz emergir o desafio de pensar como essas
tendências gerais ganham corpo no cotidiano dos jovens brasileiros. É preciso investigar
como os jovens articulam escolhas pessoais e determinantes estruturais nos seus itinerários e
projetos de futuro e também refletir sobre o desafio de se fazer a transição para a vida adulta
em tempos de transições marcantes no cenário econômico, político, social e cultural.

24
Isso se reflete no percentual de jovens com relação à população total do Estado do Amazonas e também no
caso da cidade de Manaus, onde o contingente de jovens de 15 a 29 anos representam, respectivamente, 29,5% e
30,04% da população total, enquanto o percentual nacional é de 26,9%, conforme dados do Censo 2010.
25
Dados que justificam essa afirmação podem ser encontrados nas Pesquisas Nacionais por Amostra Domiciliar
– PNADs e Censos Demográficos produzidos pelo IBGE nos últimos anos; na Pesquisa Nacional Retratos da
Juventude Brasileira realizada pelo Instituto Cidadania (2003); e na Pesquisa sobre perfil e opinião da juventude
brasileira, coordenada pela Secretaria Nacional da Juventude em 2013.
69

É importante enfatizar que a realidade dos jovens não se constitui à parte das tensões
gerais que afetam outros segmentos da população que vivem no mesmo tempo histórico.
Tanto é assim que definir os sentidos e significados de ser jovem na atualidade é uma tarefa
cada vez mais complexa, isso porque as fronteiras culturais e sociais que distinguem o ser
jovem do ser adulto, por exemplo, estão cada vez mais imprecisas.
O padrão etário-institucional que tradicionalmente deu consistência à definição das
idades da vida dá sinais de insuficiência. Efeitos desse fenômeno podem ser observados, por
exemplo, nas esferas da escola e do trabalho. No aspecto escolar, a ideia de uma idade escolar
perde centralidade diante do discurso que defende que a sociedade atual requer processos
formativos que se atualizam ao longo da vida. No trabalho, os critérios de saída do mercado
laboral também se modificam de tal modo que a funcionalidade passa a prevalecer à idade.
No campo cultural as representações sobre o ser jovem e o ser adulto são redefinidas
na medida em que a noção de tempo linear que orientava as relações entre gerações a partir de
causalidades entre passado e futuro, começa a ceder lugar a um presente estendido, definido
como "o lapso temporal suficientemente breve para não fugir ao domínio humano e social,
mas também suficientemente amplo para consentir alguma forma de projeção para além no
tempo”. (LECCARDI, 2005, p. 45). Assim, em contextos de novas relações no mercado de
trabalho, de prolongamento da escolarização e de envelhecimento postergado, o jovem
transforma-se, "de promessa de futuro que era, em modelo cultural do presente" (PERALVA,
2007, p. 25).
Por sua vez, no campo da relação com o mercado de trabalho, na nova etapa do
sistema capitalista, caracterizado pelo padrão de acumulação flexível (HARVEY, 2003), que
se evidencia a partir de meados dos anos 1970, problemas apontados como tipicamente
inerentes aos jovens, tais como a instabilidade e a precarização da inserção profissional,
afetam de modo cada vez mais agudo a população adulta. Isso significa que mesmo atingindo
o estatuto de adultos não há garantias de estabilidade profissional para os jovens, conforme
observa Guimarães (2006, p. 173),

[...] os nossos grandes mercados urbanos de trabalho parecem estruturados


de forma a ameaçar os trabalhadores jovens com a reprodução duradoura da
instabilidade dos empregos precários e da recorrência do desemprego. Longe
de se afigurarem como tormentos da inserção "juvenil" a serem
ultrapassados com a maturidade profissional, esses riscos estão presentes na
ordem do dia do mercado de trabalho também para grande parte dos adultos.
(grifos da autora)
70

Comparando-se esta realidade com o ciclo imediatamente anterior de desenvolvimento


do capitalismo, observa-se a acentuação de incertezas no que diz respeito ao ingresso e
permanência no mercado de trabalho. Nos países desenvolvidos, o período que se estende do
pós Segunda Guerra até meados dos anos 1970 foi marcado pela expansão exponencial do
capitalismo industrial, conformado numa organização produtiva de padrões fordistas e na
regulação de um Estado de bem-estar. Naquele contexto, estavam dadas as condições para o
estabelecimento de uma relação de continuidade entre a escolarização e o ingresso no
mercado de trabalho e para as políticas de pleno emprego.
Referindo-se ao contexto europeu, Casal (1996) menciona que, mesmo sob os
primeiros impactos da crise do modelo de acumulação fordista e das investidas neoliberais, a
tradição social faz com que os Estados permaneçam ocupando-se das questões sociais, de
modo que a partir da década de 1970 se observa a criação do que o autor denomina de sistema
europeu de transição, um sistema complexo de passagem da escola à vida ativa, que segundo
Casal (1996, p. 306), resulta de uma contradição em quatro níveis,

... a escola de massas e suas segmentações em trajetórias de formação de


escassez/abundância; a crise estrutural do mercado de trabalho, a queda na
competitividade e a redução da taxa de benefícios; a “tradição” social
europeia frente ao ressurgir do neoliberalismo; por último, o impacto
estrutural no sistema produtivo da nova “sociedade informacional”. (grifos
do autor, tradução nossa).

Com todas as peculiaridades do desenvolvimento deste processo no Brasil, que se sabe


não ter concretizado todas as etapas associadas ao modelo de produção do tipo fordista e ao
Estado de bem-estar, pode-se afirmar que havia, até o início dos anos 1990, uma configuração
econômica e social propícia para se projetar uma carreira profissional, se não para toda a vida,
ao menos para boa parte dela e, consequentemente, para considerar o ingresso no mercado de
trabalho como um elemento de autonomização e etapa importante no processo de transição
para a vida adulta.
Na medida em que se acentuam o desemprego, a precarização e fragilização dos
contratos de trabalho e o enfraquecimento de coletivos profissionais, como consequências da
reengenharia produtiva que agrega novas tecnologias ao processo produtivo e novos modelos
de gestão como alternativa à crise do modelo de produção em massa, as conexões entre
escolarização, mercado de trabalho e vida adulta se tornam muito mais complexas e perdem a
linearidade que outrora lhes articulava, pois se por um lado, a adoção de modelos flexíveis
representa, para o capital, novas possibilidades de realização, para o trabalhador, muitas vezes
71

significou o início de tempos de incertezas e enfraquecimento de suas relações com o


mercado, na medida em que estas relações se individualizam.
Ao confrontar estes dois momentos da história do capitalismo e colocar em evidência
suas diferenças em termos de configuração do mercado de trabalho, não se quer criar a
impressão cristalizada de que passamos de uma época de total estabilidade para outra de pura
instabilidade, pois as incertezas na relação da humanidade com o futuro estão presentes
mesmo nos contextos mais calculáveis. O que se almeja, todavia, é chamar a atenção para a
predominância de um tipo singular de incerteza nos dias de hoje, que nas palavras de Sennett
(2009, p. 33) "existe sem qualquer desastre histórico iminente; ao contrário, está entremeada
nas práticas cotidianas de um vigoroso capitalismo. A instabilidade pretende ser normal [...].".
O fato é que, nas estatísticas destes novos tempos, os jovens sobressaem como um
grupo fortemente afetado pelo desemprego, porém, curiosamente, se descobre que os grupos
juvenis não só continuam a preocupar-se com o trabalho (GUIMARÃES, 2008) como
também inventam formas diversas de se relacionar com a escassez de oportunidades (PAIS,
2005). Nestes termos, pode-se dizer juntamente com Pais (2005, p. 11) que "o sentido do
trabalho está a ser redefinido por quem mais falta tem dele".
Perante as comprovadas dificuldades de inserção no mercado de trabalho, o
prolongamento da escolarização juvenil e as novas configurações das relações entre jovens e
adultos no meio familiar e em outras esferas de socialização, se não é possível concluir que
houve um efetivo prolongamento da fase de vida da juventude no Brasil, pelo menos se pode
afirmar que tais aspectos complexificam os processos de transição para a vida adulta e
modificam a relação dos jovens e os tempos presente, passado e futuro.
Na compreensão de Pais (2005), os jovens defendem-se da tensão entre experiência
(presente) e espera (futuro) através de estratégias que procuram ampliar o espaço da
experiência que é também o do cotidiano e do presente. Guimarães (2006) destaca que o
contexto de precarização de vínculos e crescimento do desemprego de longa duração, fez
surgir análises que apontam os jovens como atores de uma relação específica com o trabalho,
que os colocaria em condições de antecipar uma mutação cultural, dado o grau de adaptação
às características de um período em que o trabalho (duradouro) perde centralidade.
Um dos principais defensores desta perspectiva que toma os jovens como
protagonistas de uma mutação cultural na relação com o trabalho, André Gorz (2004) chega a
denominá-los de exilados do trabalho, ou seja, um grupo que está empenhado em desenvolver
formas alternativas de existência não mais centradas no trabalho.
72

No entendimento de Peralva (2007) a tendência se estende para além das relações com
o trabalho, pois "enquanto o adulto vive ainda sob o impacto de um modelo de sociedade que
se decompõe, o jovem já vive em um mundo radicalmente novo, cujas categorias de
inteligibilidade ele ajuda a construir. (p. 25)".
Sem discordar que os jovens experimentam em primeira linha as transformações que
afetam atualmente o mundo do trabalho, Castel (2010) defende a necessidade de
aprofundamento do olhar para que se detecte até que ponto relações mais aleatórias com o
mercado de trabalho, como as que têm vivido a maioria dos jovens, são necessariamente
sinônimo de relações mais distanciadas. Para ele, há variações importantes a serem
observadas no que concerne aos diferentes grupos de jovens.
Enquanto para alguns jovens as formas flexíveis de trabalho e a desregulamentação
podem representar elementos de liberação, para outros, estes dois fatores podem se
transformar em verdadeiras ameaças, motivando-os a desenvolver um grau mais intenso de
implicação e outras vezes, preocupação, com as atividades laborais. Segundo Castel (2010, p.
119), “la desocupación masiva y la precarización del empleo con frecuencia conducen a uma
relación desgraciada com el trabajo [...] Pero es falso inferir de esto que, por regla general,
essas dificultades liberan del trabajo, y en algunos aspectos sucede todo lo contrario.
Com a propagação de riscos e incertezas, antes considerados tipicamente juvenis, a já
suspeita estabilidade associada à vida adulta é questionada e as relações dos indivíduos com o
tempo e suas formas de projetar o futuro se alteram profundamente. Assim, os jovens tendem
a reagir a estas condições sociais refugiando-se em um tempo presente constituído de projetos
de curto prazo, experiências rotativas e marcadas pelo princípio de reversibilidade. Os
processos de transição para a vida adulta tem sido, desta maneira, realizados segundo
combinações muito variadas de etapas anteriormente bem definidas como critérios de
passagem da juventude à vida adulta.
É importante que estes enquadramentos gerais, produzidos pelos dados estatísticos e
pelas pesquisas que apontam as mudanças nas macroestruturas sociais, sejam
complementados por pesquisas de natureza qualitativa que possam testar em escala cotidiana,
a validade do que é geral e, ao mesmo tempo, identificar nuances dessas tendências nas
maneiras como os jovens confirmam, ressignificam ou reagem a elas.
73

2.2 Um olhar sobre a cidade de Manaus: especificidades da situação juvenil local

Para compreender os aspectos estruturais que condicionam a formação dos campos de


possibilidades dos jovens e a situação juvenil em Manaus, é importante proceder a uma breve
caracterização da cidade, retomando aspectos históricos de sua formação ao mesmo tempo em
que se tece o diálogo com os usos da cidade feitos pelos jovens da pesquisa.
Manaus, capital do Estado do Amazonas é hoje a sétima cidade mais populosa do
Brasil, aglomerando 51% dos 3.483.985 habitantes do Estado (IBGE, Censo 2010). Essa
população predominantemente urbana agrega um percentual de 30% de jovens de 15 a 29
anos de idade (541.362 jovens).
Se os números relacionados à população na atualidade se destacam a tal ponto que
tornam interessante posicioná-la no ranking das maiores cidades do Brasil, mais significativo
ainda é observar a expressividade econômica e política de Manaus no contexto amazônico e
em especial no Estado do Amazonas.
Um olhar panorâmico e mais apressado sobre a Manaus de hoje facilmente detectaria
virtudes e problemas muito semelhantes àqueles que se observam em qualquer das grandes
cidades brasileiras. O refinamento do olhar e a compreensão da história de sua formação faz
emergir, no entanto, significativas peculiaridades.
Para começar, é importante dizer que muitos dos traços da Manaus de hoje são
tributários de um modelo exógeno de urbanização introduzido no final do Século XIX e início
do Século XX, o que demonstra a intensidade desse primeiro surto de urbanização. À época,
um completo redesenho da cidade e de seus usos foi posto em prática pelo Estado, contando
com o financiamento da economia agrária extrativa-exportadora de borracha que reposicionou
Manaus na rota do interesse mundial, sobretudo dos europeus.
Por volta de 1890, a pequena urbe remanescente do período colonial que abrigava
modestos prédios públicos e casas de barro cobertas com palha distribuídas em vielas que
conviviam com os muitos igarapés que cortavam a cidade, começou a sofrer intervenções
urbanísticas com inspiração no modelo das modernas cidades europeias, sobretudo de Paris.
O projeto de transformação da velha aldeia em moderna cidade requeria a instalação
dos signos da modernidade (porto, teatro, energia elétrica, mercado, dentre outros) e a
execução desta tarefa não somente desbancou a antiga arquitetura, como atropelou costumes,
tradições e vocações naturais do lugar. Conforme aponta Dias (2007, p. 34),
74

A capital do látex adquire nova fisionomia, corrigem-se acidentes de


terrenos, organiza-se o diagrama de nivelamento da cidade, a fim de
estabelecer normas aos novos projetos de construção: aterram-se igarapés,
estes muitas vezes usados como via de comunicação, fonte de abastecimento
d’água e local de lazer.

Além disso, era preciso afastar o mais que possível os traços de pobreza e outras
inconformidades com a asséptica noção de urbanidade moderna. Desde então, pobres e
portadores de doenças consideradas perigosas foram empurrados para as regiões mais
afastadas do centro da cidade, ficando esta área reservada para a instalação das grandes casas
comerciais e moradias da elite da economia da seringa. No olhar de Dias (2007, p. 45) os
trabalhadores são o grupo mais afetados pelo novo ordenamento da cidade.

O projeto de urbanização de Manaus do final do século XIX e início do


século XX excluiu a classe trabalhadora dos benefícios da modernização,
causando-lhe grandes prejuízos nas condições de viver, de morar e de
trabalhar, no saneamento, em transportes, saúde e abastecimento. As coisas
públicas, isto é, aquilo a que todos deveriam ter acesso, tornam-se
privilégios de poucos.

O que se observa é que naquele período, semelhante ao que ocorre hoje e resguardadas
as devidas singularidades dos dois momentos, habitar os lugares mais afastados da cidade
representava ficar desassistido ou obter em condições muito desiguais de qualidade, serviços
constitutivos do modelo de vida urbana moderna e certos benefícios proporcionados pelo
desenvolvimento técnico-científico, tais como água encanada, transporte coletivo, energia
elétrica, pavimentação de ruas etc.26
No bojo do movimento de urbanização e transformação de Manaus em vitrine do
sucesso da economia gomífera, ocorreu um consequente crescimento demográfico,
impulsionado pela migração de trabalhadores, comerciantes, investidores e outros atores que a
nova dinâmica da cidade acomodava. A força de trabalho direcionada aos seringais veio
principalmente da região nordeste, com especial contribuição do Estado do Ceará. Foi assim
que a população de Manaus saltou de 8.500 habitantes identificados no ano de 1852 para
50.300 em 1890, e continuou a crescer, impulsionada pelo processo migratório. (DIAS, 2007,
p. 35).

26
Embora a malha urbana de Manaus seja hoje uma complexa arena na qual a precariedade e a suntuosidade
disputam lugar por toda a parte, as regiões mais afastadas do centro e habitadas pelos mais pobres padecem de
modo mais acentuado desse tipo de problema.
75

Para o maior contingente dessa população de migrantes como também para os nativos
que ocupavam os postos de trabalho menos qualificados, o espaço que a moderna Manaus
tinha a oferecer para moradia eram aqueles mais distantes da região central e, portanto, longe
de seus locais de trabalho, além de desassistidos de serviços públicos ou então, os novos
cortiços que o Código Municipal ajudava a maquiar27, afora aqueles que viviam as condições
aviltantes de trabalho nos seringais.
O fato é que a riqueza e a melhoria da qualidade de vida gerada no ciclo econômico da
Borracha além de não ter chegado para todos nos tempos áureos dessa economia, não foi
capaz de se proteger do contrabando de sementes para as colônias inglesas na Ásia (sobretudo
na Malásia) e mais tarde, não sobreviveu à concorrência da borracha asiática de menor preço
e maior qualidade, mesmo quando se tratava da importação para o mercado local.
Com o esmorecimento do ciclo econômico da borracha alguns migrantes retornaram
aos seus lugares de origem e muitos permaneceram no Amazonas em condições precárias de
vida. Os governantes dos estados do norte passaram, então, a se empenhar na defesa de
demandas específicas para a região, dentro do conjunto da pauta desenvolvimentista que
ganhou força no país, principalmente no período pós Segunda Guerra. Das muitas costuras em
âmbito nacional, destaca-se a idealização e implantação já no governo dos militares da Zona
de Livre Comércio de Manaus28. Esta pode ser tomada como uma segunda alternativa
econômica que teve grandes impactos na urbanização de Manaus.
Do ponto de vista demográfico, a implantação da Zona Franca acarreta a Manaus um
segundo surto de crescimento. Historicamente, a capital sempre concentrou uma parcela
significativa da população do Estado, mas a partir dos anos 60 esse processo se intensifica em

27
Do trabalho de Dias (2007, p. 124) destaca-se trecho esclarecedor sobre a questão habitacional na cidade de
Manaus nos fins do Século XIX e início do Século XX: “Os cortiços surgem no momento em que as antigas
barracas ou palhoças são destruídas, dando oportunidade para que os especuladores construam, em pleno centro,
prédios de fachada, escuros, sem luz, água, nem ventilação, sem nenhuma condição de higiene, que são alugados
por elevados preços a pessoas absorvidas pelo novo mercado de trabalho e de consumo que se amplia cada vez
mais”.
28
A Zona Franca de Manaus (ZFM) foi criada pela Lei Nº 3.173 de 06 de junho de 1957, como Porto Livre. Dez
anos depois, o Governo Federal, por meio do Decreto-Lei Nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, ampliou essa
legislação e reformulou o modelo, estabelecendo incentivos fiscais por 30 anos para implantação de um pólo
industrial, comercial e agropecuário na Amazônia. A ZFM engloba uma área física de 10 mil km², tendo como
centro a cidade de Manaus. O modelo está assentado em Incentivos Fiscais e Extrafiscais. Desde sua criação a
vigência do projeto foi prorrogada por diversas vezes. O prazo de vigência atual é o ano de 2023,
conforme Emenda Constitucional n.º 42, de 19 de dezembro de 2003; SUFRAMA, 2013, Disponível em:
http://www.suframa.gov.br/zfm_historia.cfm, Acesso em: 15/08/2013.
76

decorrência da atração que a ZFM exerce sobre investidores e migrantes de outras regiões do
país e também do interior do Estado.

Manaus, a capital do Estado do Amazonas, cresceu espetacularmente a partir


do momento em que passou a ser considerada uma zona de livre comércio
pelo governo brasileiro no final da década de 60. A cidade atraiu muitos
negócios, fábricas e migrantes. [...] A parcela da população do Estado do
Amazonas morando em Manaus tem aumentado gradualmente, já que este é
um Estado marcado por poucas cidades de porte médio. (BROWDER E
GODFHREY, 2006, p. 26).

Os impactos da explosão demográfica impulsionada pela Zona Franca de Manaus


apareceram gradualmente nas estatísticas populacionais. No censo de 1980 a cidade
ultrapassou a marca dos 50% da população do Estado e até os dias atuais permanece
concentrando a maior parte da população amazonense.
A partir de dados extraídos do censo de 2010, pode-se observar que Manaus tem uma
população 17,6 vezes superior à população de Parintins, que é a segunda cidade mais
populosa do Amazonas. Diferente do que ocorreu no vizinho Estado do Pará nas últimas
décadas do século XX e início do século XXI, o modelo de desenvolvimento adotado no
Amazonas não potencializou a ascensão de cidades de médio porte para a condição de polos
que pudessem concorrer ou dividir com a capital o poder econômico e a oferta de serviços
considerados básicos à vida urbana. Por conta disso, o Amazonas experimenta até os dias
atuais um fenômeno de primazia metropolitana (BROWDER E GODFHREY, 2006, p. 26).
Mais que um grande aglomerado populacional cuja densidade demográfica supera em
mais de 70 vezes aquela verificada para o Estado, Manaus é o grande polo de acesso a
serviços de média e alta complexidade na área da saúde, a bens de consumo circulantes nas
metrópoles brasileiras e mundiais e a instituições que lidam com os mais diversos assuntos do
interesse público, tais como Receita Federal, Instituto Nacional de Seguridade Social,
matrizes administrativas de concessionárias de serviços de água, luz e telefonia fixa, dentre
outros.
Não é raro que o habitante das regiões mais remotas e pobres do Estado do Amazonas
tenha que se dirigir à capital, com todas as dificuldades e custos que isso representa em um
estado com longos trechos hidrográficos, para tratar de questões que para muitos dos
habitantes das grandes cidades seriam simples situações do cotidiano.
Por tudo isso, a cidade de Manaus, famosa por hospedar um importante polo industrial
do Brasil, paga o alto preço de um processo de expansão desordenado, que inclui a explosão
77

demográfica, o surgimento não planejado de áreas residenciais baseadas em invasões de


terras, a precária oferta e desigual distribuição de serviços considerados básicos para a
manutenção de condições mínimas de vida na cidade (saneamento, energia elétrica, água
encanada, transporte coletivo etc.).
Em artigo datado de 1986, Eunice Durham caracteriza com precisão o modo de viver
nas periferias urbanas. Apesar de decorridos mais de vinte e cinco anos da escrita desse texto
e das referências empíricas serem três cidades de médio porte do Estado de São Paulo, o
trecho que segue poderia ter sido escrito depois de uma imersão no bairro de Grande Vitória,
onde se encontra a escola do bairro, ou qualquer outra área periférica de Manaus na
atualidade:

[...] A constituição da periferia é um processo constante. A população mais


pobre e os recém-chegados tendem a se localizar nas fímbrias da área
urbanizada, onde a ausência de serviços como luz, água, iluminação,
calçamento, esgotos torna o solo mais barato e mais acessível. Aí se
localizam as residências mais modestas e os aluguéis mais baratos. Com o
decorrer do tempo há um aumento da densidade populacional e a Prefeitura
tende a estender os serviços públicos, valorizando os terrenos. As residências
incompletas e precárias do início do povoamento vão sofrendo uma série de
reformas, melhorias e ampliações. A cidade engole a antiga periferia, que se
cria numa nova fímbria. Todo esse processo faz parte da experiência de vida
da população, que o assimila como parte das condições “dadas” dentro das
quais realiza seu planejamento de uma estratégia de sobrevivência e
ascensão social. (DURHAM, 1986, p. 5)

A materialidade de que é constituído esse modo de habitar a cidade têm efeitos diretos
na circulação, no estabelecimento da moradia e, no plano simbólico, até sobre a formação do
campo de possibilidades para os diferentes estratos sociais encontrados em Manaus. Ainda
seguindo as pistas de Durham, observa-se que as periferias urbanas produzem os fenômenos
da “segregação e da imobilidade relativas da população” (DURHAM, 1986, p. 2).
Os jovens da pesquisa habitam diferentes regiões de Manaus (Grande Vitória, Zumbi,
Puraquequara, Coroado, Petrópolis e Parque Riachuelo). Estas localidades estão em diferentes
graus de afastamento da área central da cidade e suas formações ocorreram em diversos
períodos, mas pode-se dizer que todas elas encontram-se num momento específico do
fenômeno de formação das periferias urbanas descrito por Durham.
Bairros mais antigos tais como Coroado e Petrópolis, apesar de ainda apresentarem
resquícios da precariedade que predominou no início, já foram engolidos pela cidade,
enquanto que os aglomerados de mais recente formação e aqueles mais afastados como
78

Grande Vitória, Parque Riachuelo e Puraquequara enfrentam desafios de natureza distinta no


que diz respeito à integração urbana.
Os relatos dos jovens sobre suas experiências de habitar e circular demonstram, que a
segregação e a imobilidade é constituída de aspectos objetivos e simbólicos que, conjugados,
promovem impedimentos à mobilidade e à projeção desses jovens por alguns espaços e bens
teoricamente disponíveis a todos os habitantes da cidade.
De alguns jovens vinculados à escola do bairro se ouviram frases reticentes do tipo:
“morei em vários lugares, mas eram sempre esses bairros assim...” (Robson, jovem
participante da pesquisa); “Jorge Teixeira, Cidade de Deus, todos esses bairros assim (...),
novos, a gente morou” (Lidiane, jovem participante da pesquisa). “Bairros assim”, uma
expressão um tanto quanto envergonhada dos lugares de moradia.
No contexto dos relatos dos jovens, observa-se que a expressão “bairros assim...”, faz
referência aos loteamentos residenciais que se expandiram de modo significativo nas regiões
leste e norte de Manaus nos últimos anos. Na representação dos habitantes de Manaus, e
conforme se observa nas falas dos jovens, a região leste, muito mais do que uma noção
político-administrativa que ordena a organização urbana, formou-se como uma noção-bloco, à
revelia da diversidade que a compõe: a “zona leste”, cujo sentido remete ao conceito de
periferia, pobreza, precariedade, violência e degradação ambiental.
Não se observa para nenhuma outra zona administrativa de Manaus uma ligação tão
imediata com a noção de periferia como a que ocorre com a zona leste, apesar de diversas
áreas da cidade também apresentarem uma contraditória convivência de riqueza e
precariedade e, em muitos casos, índices de violência que se igualam ou superam aqueles
verificados na região leste.
Além dos impedimentos simbólicos que o processo histórico de urbanização
desenhou, as precárias condições de funcionamento do sistema de transporte coletivo na
atualidade são um grande empecilho à mobilidade dos habitantes de Manaus. O insuficiente
número de ônibus e o desenho das rotas podem transformar um deslocamento para o trabalho,
para o lazer ou para a escola em uma atividade desgastante, longa e dispendiosa,
especialmente para os moradores de regiões mais afastadas da região central.
Entre os jovens da pesquisa, foi frequente a menção ao sistema de transporte coletivo
como um dos aspectos que mais dificultam sua circulação na cidade, motivo que os levam a
procurar opções de lazer, serviços educativos e outros espaços de sociabilidade e serviços
pelo critério da proximidade com a moradia, onde com frequência essas opções são bastante
reduzidas.
79

A experiência de ir ao trabalho, pra ir tudo bem, mas na volta você vem


pendurado, é horrível, todos os dias. [...] Mas tem vezes que eu sou
guerreira, tipo, a gente vai lá na Ponta Negra com as meninas, pra tirar foto,
pra andar... Dá aquela preguiça, porque pega dois ônibus pra ir pra lá, mas
mesmo assim a gente vai, um pra ir pra o T529 e do T5 pega outro pra ir pra
lá. Na ida até que é tudo bem, mas na volta tu vê o negócio! Mas quando a
gente tá lá aproveita, aproveita bastante pra quando voltar se estressar dentro
do ônibus. (Daniele, trecho da segunda entrevista)

Tá animado pra ir pra um canto, vai esperar o ônibus passa até a vontade de
ir de tanto que demora pra chegar, principalmente aqui nesse bairro que é
meio esquecido, afastado, distante de tudo. Pra ir pra um canto tem que sair
bem cedo, esperar ônibus, pegar outro, ir pra outro canto... Pra voltar tem
que ter aquela preocupação de voltar mais cedo porque é longe e os ônibus
param de passar, quando passam não param na parada. (Taís, trecho da
segunda entrevista).

Nestes trechos extraídos das falas das jovens Daniele e Taís, pode-se perceber quão
dispendioso e cansativo pode ser uma simples volta para casa ou uma visita a um ponto de
lazer mais afastado de suas residências.

2.2.1 Escolarização, constituição de domicílio e mobilidade habitacional.

No tocante ao atendimento educacional, os problemas do estado do Amazonas são


vultosos. Os índices apurados sobre média de anos de estudo, rendimento e fluxo escolar e a
taxa líquida de escolarização da população juvenil ajudam a dimensionar os desafios da
educação escolar no estado.
No quantitativo de escolas que compõem a rede estadual de ensino, a capital Manaus
também se destaca por uma grande concentração de instituições e significativa parcela da
demanda atendida30. Assim, mesmo quando os dados relativos ao Ensino Médio apontam a
situação do Estado como um todo, visto que esta etapa da educação básica é de
responsabilidade deste ente federado, pode-se inferir a representatividade de Manaus na
composição desses índices.
A taxa de frequência líquida a estabelecimento de ensino da população residente de 15
a 17 anos no Estado do Amazonas é de 39,6%. Essa taxa está abaixo daquela apurada para a

29
Manaus possui cinco terminais de integração entre linhas de ônibus. Estes terminais são conhecidos na cidade
pelas siglas T1, T2, T3, T4 e T5.
30
Do total de 270 escolas que oferecem o Ensino Médio na rede estadual do Amazonas, 100 escolas estão em
Manaus. Os dados sobre a matrícula inicial da rede estadual para o Ensino Médio em 2013 indicam que 50,2%
da demanda se encontra na capital Manaus. (Fonte: SEDUC/DPGF/GEPES, 2013).
80

região norte e também da taxa nacional que são respectivamente 41,3% e 51,6% (IBGE,
2012). Isso significa que menos da metade dos jovens de 15 a 17 anos que estão estudando no
Amazonas encontra-se no ensino médio, que seria a etapa de ensino prevista para as pessoas
dessa idade.
Por sua vez, os jovens entre 18 e 24 anos, de quem se espera estar cursando o ensino
superior, têm acessado de modo muito tímido esse nível de ensino no estado, o que não difere
muito da situação do país como um todo. A taxa de frequência líquida da população residente
no Amazonas entre 18 e 24 anos no ensino superior é de 12,3%, enquanto a média nacional é
de 14,6 (IBGE, 2012).
Quanto aos anos de estudo da população de 25 anos ou mais residente no Amazonas,
apura-se que 29,2% possuem 11 anos de estudo (o que teoricamente seria suficiente para
conclusão do ensino fundamental e médio) e 12,8 possuem 12 anos ou mais de estudo. A
média de anos de estudo das pessoas de 25 anos de idade ou mais na região norte é de 6,7
anos, enquanto que a média nacional é de 7,3 anos e de 8,1 anos na região sudeste.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica verificado para a etapa do ensino
médio no Estado do Amazonas, no ano de 2011, foi de 3,5, sendo que a rede estadual
apresenta o índice de 3,4 e a rede particular alcança 5,0.
Sabemos que esses dados ganham diferentes volumes quando se opera o recorte por
faixas de renda, cor, sexo, local de moradia e outras variáveis que historicamente produzem
desigualdades que afetam principalmente alguns grupos de pessoas no Brasil (em especial
pobres, pretos e pardos). Embora não estejam aqui disponibilizados esses desmembramentos
estatísticos, os elementos qualitativos reunidos na pesquisa indicam algumas das clivagens
que compõem essas desigualdades no acesso e qualidade ao ensino médio na cidade de
Manaus.
A pesquisa identifica que a disparidade entre as regiões centrais e as áreas periféricas
de Manaus também se evidencia quando considerado o atendimento das instituições públicas
de ensino, havendo uma tendência à precarização e baixa qualidade do ensino nas escolas
públicas situadas nos bairros mais afastados.
As redes públicas de ensino municipal e estadual compartilham a dificuldade de
cobertura de uma demanda extremamente flutuante tanto em quantidade, quanto nas
características sociais e culturais. De um lado, o acúmulo histórico da formação desta
demanda escolar na cidade de Manaus torna-se realmente um grande desafio para o poder
público, de outro havemos de mencionar que as estratégias de atendimento utilizadas tanto na
esfera municipal quanto estadual não têm sido suficientes para enfrentar a constrangedora
81

disparidade observada na estrutura e qualidade do ensino entre instituições da mesma rede.


Esta disparidade tende a variar de acordo com a localização das escolas na cidade.
No decorrer da pesquisa, desde a fase de aplicação do questionário, chamou-nos a
atenção o fato da maioria dos jovens ligados à escola do centro mencionar que a escolha da
instituição para cursar o ensino médio foi feita com base em informações sobre a qualidade do
ensino na escola, enquanto que entre os jovens vinculados à escola do bairro, predominou a
proximidade com o local de moradia como o principal motivo da escolha.
De certo modo, as diferentes relações com a escola e estratégias de escolha da
instituição escolar observadas entre os jovens da escola do centro e aqueles da escola do
bairro se refletem nas projeções que fazem sobre o prosseguimento de estudos em nível
superior e também sobre seu futuro profissional. Os cinco jovens da escola do bairro são
mais imprecisos quando falam de uma possível inserção no ensino superior e normalmente
anulam de seus discursos, mesmo quando não se dão conta disso, a possibilidade de ingresso
nas instituições públicas. As palavras do jovem Renato ilustram bem essa conclusão: “Eu tô
pensando em terminar, eu tô no segundo ano, e entrar, se eu não tiver condições de pagar
uma faculdade, fazer um curso técnico.” (Renato, trecho da primeira entrevista).
Por outro lado, os jovens da escola do centro demonstram maior clareza sobre cursos e
processos seletivos, reconhecem as dificuldades de aprovação em instituições públicas de
ensino superior e mencionam diferentes estratégias que consideram importantes para elevar
suas chances de aprovação, tais como a frequência a cursinhos, a resolução de simulados e
provas de processos anteriores e a participação em grupos criados nas redes sociais para
divulgação e troca de experiência sobre oportunidades de estudo e trabalho entre jovens do
ensino médio.
Com exceção de duas jovens da escola do centro, os entrevistados não consideram a
possibilidade de prestar vestibular para instituições de outras cidades e estados. Isso de certo
modo não é um comportamento incomum entre jovens do norte do país, uma vez que esta
região, historicamente, figura nas estatísticas como aquela que tem os menores números de
pessoas que deixam seus locais de nascimento. No caso do Estado do Amazonas 95% dos
residentes declaram a região norte como local de nascimento no censo de 201031.
Não é situação comum, mesmo entre os jovens das classes médias do Amazonas, a
mudança para outras cidades, estados e regiões com finalidades de estudo. Também não são
frequentes os jovens que saem da casa dos pais para habitar locais mais próximos das

31
O Amazonas também é uma das unidades da federação que menos contribui com o total de emigrantes
internacionais, sendo o 7º estado que menos emigrantes possui.
82

instituições de ensino, exceto quando se trata de famílias residentes no interior do estado, que
vêm na capital melhores oportunidades educativas para os filhos e os auxiliam na mudança
para Manaus, contando em muitos casos com o acolhimento de familiares, amigos ou
recorrendo ao aluguel ou aquisição de casas para moradia dos filhos.
Sem desconsiderar o peso, ainda por ser aferido, das questões culturais que motivam a
permanência dos jovens nas residências dos pais, o alto custo da moradia em Manaus,
principalmente os valores de aluguel ou compra de imóveis, figura como fator que contribui
fortemente para o não estabelecimento de unidades autônomas de moradia por parte dos
jovens na cidade.
Diante da dificuldade de estabelecer domicílio próprio, muitos jovens aderem ao
sistema de moradia conjugada (puxadinhos) ou fazem os seus quartos de verdadeiras ilhas
dentro da casa dos pais. Não por acaso, o Estado do Amazonas apresenta a menor proporção
de unidades unipessoais, ou seja, residências composta por um só indivíduo (IBGE, CENSO
2010).
Recentemente, com a expansão da Universidade Federal do Amazonas para algumas
cidades do interior, mediante a criação de unidades permanentes32, começa a se observar a
formação de uma demanda de jovens universitários saindo da capital para o interior e o
surgimento da cultura da moradia coletiva em sistema de república, principalmente por ser
esta uma alternativa de redução de custos.
A existência de unidades permanentes da UFAM nas cidades do interior, juntamente
com a criação da Universidade do Estado do Amazonas - UEA - no ano de 200133 e sua
consequente expansão para o interior do Estado são fatores que também têm contribuído para
permanência de muitos jovens nas cidades de origem. Essas instituições têm atendido no
ensino superior uma expressiva demanda dos habitantes do interior.
Cabe dizer que por longos anos restava ao habitante do interior do Amazonas como
oportunidade de continuidade de estudos no ensino superior, a participação nos eventuais
cursos especiais ofertados pela Universidade Federal, ou a mudança para a Capital, opção que
não se fazia plausível para grande parte dos jovens concluintes do ensino médio nas pequenas
cidades.

32
A criação de unidades permanentes da UFAM em cidades do interior se inicia no ano de 2005. Atualmente
estão em funcionamento cinco unidades com sede nos municípios de Benjamin Constant, Coari, Itacoatiara,
Humaitá e Parintins.
33
A Universidade do Estado do Amazonas foi instituída pela Lei N.º 2.637, de 12 de janeiro de 2001. A UEA
agrega cinco Escolas Superiores na Capital, seis Centros de Ensino Superior e dez Núcleos de Ensino Superior
instalados em diversas cidades do interior. Os Centros de Ensino Superior e as Escolas superiores possuem
cursos de oferta regular, enquanto os Núcleos ofertam cursos de caráter especial.
83

Nos últimos anos, se observa também um movimento de saída e entrada de estudantes


do ensino superior no estado. Trata-se de uma mobilidade estimulada pelo Sistema de Seleção
Unificada - SISU - adotado por algumas universidades públicas brasileiras como processo de
seleção de novos alunos. A Universidade Federal do Amazonas tem utilizado esse sistema
para preenchimento de 50% do total de vagas oferecidas desde o ano de 2009.
A vinda de estudantes de outros estados e regiões para o Amazonas, em certa medida,
já ocorria entre os cursos mais concorridos das universidades públicas locais. Porém, com a
adesão ao SISU pela Universidade Federal do Amazonas, a mobilidade de estudantes de
outras regiões se intensifica a tal ponto de ser considerada pela população local como uma
ameaça às possibilidades do estudante amazonense de ingressar nos cursos mais concorridos
dessa Universidade34.
Chama a atenção também os movimentos de saída de estudantes do Amazonas. Em
levantamento apresentado em infográfico pelo Portal G1 de notícias35, com base no SISU
(2013), os dados da mobilidade para o Estado do Amazonas são: 279 chegadas de alunos de
outros estados e 112 partidas de alunos amazonenses para outros estados.
O levantamento indica que a maioria dos estudantes que chegam ao Amazonas vem da
própria região norte (43%) e o sudeste é a segunda região de onde partem mais estudantes
para o Amazonas (26,8%). Quanto às saídas dos estudantes do Amazonas, 41% vão para
estados da própria região norte e a região sudeste também fica em segundo lugar entre aquelas
que recebem estudantes do Amazonas. Por estes dados observa-se que prevalece uma
mobilidade intrarregional tanto nas chegadas de estudantes quanto nas partidas do Amazonas
para outros estados, apesar de serem significativos os números referentes à região sudeste em
ambos os casos.
O que se observa é que, em muitos aspectos, os dados sobre a juventude de Manaus e
do Amazonas refletem a realidade nacional, mas também se verificam algumas peculiaridades
que dão variações de intensidade, significado e sentido a algumas situações. O perfil dos
jovens da pesquisa, elaborado a partir das repostas ao questionário exploratório, acrescentam

34
O curso de Medicina, que é o mais concorrido da UFAM, desde a adoção do SISU tem apresentado as maiores
taxas de alunos vindos de fora do Estado, havendo edições do referido processo seletivo nas quais nenhum
amazonense foi convocado em primeira chamada. Notícias relacionadas a essa situação têm grande repercussão
no cenário local. Após a divulgação da primeira lista de chamada da primeira edição do SISU no ano de 2013, o
preenchimento da totalidade das vagas por estudantes de outros estados foi notícia na mídia local (Jornal
televisivo Band Cidade – Edição Amazonas de 21/02/2013, disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=GXCV5M3V13E, acesso em 14 de outubro de 2013; Portal D24am.com –
21/02/2013, disponível em: http://www.d24am.com/noticias/concursos-/estudantes-do-amazonas-ficam-de-fora-
do-curso-de-medicina-da-ufam/80705, acesso em 14 de outubro de 2013).
35
Disponível em: http://estaticog1.globo.com/2013/05/sisu/, Acesso em 12/06/2013.
84

mais elementos à caracterização da situação juvenil local e também ajudam no entendimento


das dimensões marcantes do ser jovem nessa cidade.

2.3 Perfil dos jovens da pesquisa

A aplicação de um questionário como atividade de entrada no campo possibilitou o


contato com um grupo de 134 jovens estudantes do ensino médio de duas escolas públicas da
cidade de Manaus. Muito mais do que um meio para selecionar os dez jovens que
participariam das etapas de entrevistas, este instrumento acrescentou importante material que
retrata o perfil socioeconômico desses jovens, suas condições de vida e trajetórias e
expectativas de escolarização e inserção profissional.
No momento inicial da pesquisa (ano de 2010), os 134 jovens contatados cursavam o
primeiro ano do ensino médio. Durante os anos de 2011 a 2013, realizou-se o
acompanhamento de 10 jovens que haviam respondido ao questionário. Ao longo das
entrevistas realizadas neste intervalo de tempo com os dez jovens, seis jovens concluíram o
ensino médio, três permaneceram nesta etapa de ensino em razão de abandonos e reprovação
e houve uma jovem sobre a qual não obtivemos informação referente à conclusão do ensino
médio.
A sondagem de perfil realizada por meio do questionário exploratório contemplou
diferentes dimensões, dentre as quais se incluem a faixa etária, o local de nascimento e
moradia, renda familiar, trajetória de escolarização, estado civil, maternidade/paternidade,
situação laboral, perspectivas de continuidade de estudos, dentre outros.
No que concerne à distribuição por escola, 74 jovens vinculam-se à escola do bairro e
60 jovens à escola do centro, totalizando 134 respondentes do questionário, sendo 79 do sexo
feminino (59%) e 55 do sexo masculino (41%). A essas diferentes vinculações escolares
correspondem perfis típicos de localização da moradia, observando-se que 100% dos jovens
matriculados na escola do bairro residem na própria localidade ou em bairros vizinhos,
enquanto que os jovens da escola do centro provêm das mais diversas zonas da cidade.
Outro aspecto que chama a atenção, quando observados a partir da vinculação escolar,
são os motivos declarados para a escolha da instituição. Entre os jovens da escola do bairro,
predomina a motivação pela proximidade com o local de moradia (70 citações), enquanto que
entre os jovens da escola do centro, o critério mais citado faz referência à qualidade do ensino
oferecido na instituição (48 citações). Invertendo-se estes dois motivos entre as escolas,
85

obtém-se para o quesito qualidade, apenas 5 citações entre os jovens da escola do bairro e
para localização, 17 citações no caso dos jovens da escola do centro.
As idades dos jovens variam entre 14 e 27 anos, extraindo-se em ambas as escolas,
médias de idade situadas entre a faixa de 15 e 17 anos (Gráfico 1). Este quesito também
revela diferentes situações de desajuste entre idade e série para as duas escolas. Na escola do
bairro é mais expressivo o percentual de estudantes com idade superior àquela esperada para o
primeiro ano do ensino médio (15 à 16 anos de idade). Nessa escola, 64,4% do total de
estudantes participantes da pesquisa apresenta atraso escolar. Na escola do centro, os casos de
distorção idade-série são em menor número, equivalendo a 9,83%.
Neste quesito é importante considerar que essas escolas se encontram em diferentes
posições quando relacionadas ao índice de 49% de distorção, apurado para o conjunto das
escolas estaduais do Amazonas que atuam no ensino médio. Observa-se, portanto, que a
escola do centro possui um índice de distorção bem mais baixo que o estadual, enquanto que a
escola do bairro apresenta um índice que supera em mais de quinze pontos percentuais aquele
aferido para o Estado, que já é bastante alto comparado com o índice nacional de 31%36.

Gráfico 1. Idade e vinculação institucional

Média

Média

Escola do Bairro Escola do Centro

ção
institucional
Outro aspecto a considerar na leitura dos números sobre distorção idade-série, diz
respeito aos diferentes turnos de oferta do ensino médio nas duas escolas, pois na escola do
centro a oferta se dava no horário vespertino e na escola do bairro no horário noturno.

36
Dados extraídos do Portal QEdu, elaborados com base nos resultados da Prova Brasil e Censo Escolar do
INEP. Disponível em: http://www.qedu.org.br/brasil/distorcao-idade-serie?dependence=0&localization=
0&stageId=initial_years&year=2012. Acesso em: 18 de novembro de 2013.
86

A situação de distorção idade-série também foi observada segundo a autodeclaração


de cor e raça dos jovens, a partir do que se pode verificar que as maiores médias de idade
concentram-se nas categorias preta e indígena. Entre os que se declaram brancos e amarelos, a
média de idade é de 15 anos, faixa considerada adequada para a série escolar frequentada
(Gráfico 2).
O perfil de cor/raça dos jovens foi elaborado mediante as categorias do IBGE,
solicitando-se a autodeclaração dos sujeitos. Nesse caso o resultado obtido revela uma maioria
de jovens na categoria pardos (68,4%) e uma minoria na categoria indígena (1,5%).

Tabela 1. Auto declaração de cor/raça


Percentual
Frequência Percentual válido
Branca 25 18,7 18,8
Parda 91 67,9 68,4
Preta 10 7,5 7,5
Indígena 2 1,5 1,5
Amarela 5 3,7 3,8
Total 133 99,3 100,0
Não declarou 1 0,7
Total 134 100,0

Gráfico 2. Idade e auto declaração de cor/raça

No quesito estado civil, verifica-se que 93,3% dos jovens são solteiros/as e apenas
6,7% declaram possuir algum tipo situação conjugal (casados, conviventes, amigados etc.). A
87

maioria (91%) declara não ter filhos e entre aqueles que os tem (9%, equivalente a 12 jovens,
todos da escola do bairro), apenas 1 é do sexo masculino. Do cruzamento entre as variáveis
estado civil e maternidade/paternidade, obtemos um resultado de 5 jovens pais/mães
solteiros/as e 7 casados/conviventes (Tabela 2). A situação mais comum é de apenas 1 filho,
encontrando-se somente uma jovem com 3 filhos.
A maioria dos jovens nasceu no próprio Estado do Amazonas (87,3%), sendo
diversificados os municípios de origem, com predominância de manauaras (70,1%). Estes
jovens, em sua maior parte, residem em Manaus desde o nascimento e entre aqueles que
provêm de outros municípios e os nascidos na cidade de Manaus que residiram fora por algum
tempo, observa-se que a maioria mora em Manaus por um período de 6 a 10 anos.

Tabela 2. Maternidade/Paternidade por Estado Civil

Tem filhos
Não Sim Total

Estado civil Solteiro 120 5 125


Casado/convivente 2 7 9
Total 122 12 134

Quanto ao local de moradia, nos itens bairro e zona, o grupo revela-se bastante
heterogêneo, sendo citados 40 bairros diferentes37 quando considerados os jovens de ambas as
escolas. Observa-se, contudo, que todos os jovens da escola do bairro residem na mesma zona
da Escola (zona leste), a maioria na própria comunidade de Grande Vitória e dos demais em
bairros vizinhos.
Dos jovens consultados nesta primeira fase da pesquisa, apenas 1 mora sozinho, sendo
a residência dos demais composta por diferentes arranjos familiares 38. A maioria dos jovens
vive com 3 a 5 pessoas (tabela 3) e 37,3% colaboram com o pagamento das despesas da casa.

37
Nem todas as localidades citadas correspondem à classificação oficial de bairros, mas assim são reconhecidos
pela maioria dos residentes que se utilizam de referenciais diversificados de localização nem sempre
coincidentes com os limites oficiais.
38
Esta questão admitia que os jovens marcassem quantas opções fossem necessárias para representar a
composição de sua família (pessoas com quem mora), porém, algumas respostas entram em desacordo com a
questão relacionada ao número de pessoas que residem na casa, demonstrando que houve problema na
compreensão. Ainda assim, foi possível perceber que a maioria mora com familiares e que a mãe é o membro
mais citado.
88

Tabela 3. Número de pessoas com quem mora


Frequência %
0 a 2 pessoas 22 16,4
3 a 5 pessoas 72 54
6 a 8 pessoas 30 22,4
9 ou mais 7 5
Não responderam 3 2,2
Total 134 100

Os jovens também foram interrogados a respeito da escolaridade dos pais e mães. As


respostas evidenciam que na condição de estudantes do ensino médio, muitos destes jovens já
protagonizam uma ascensão no histórico de escolarização familiar (Tabelas 4 e 5). No quadro
geral, trata-se de famílias com baixo capital escolar, observando-se poucos casos de acesso e
conclusão do ensino superior.

Tabela 4. Escolaridade do pai


Frequência %
Nunca estudou 5 3,7
Ensino Fundamental incompleto 47 35,1
Ensino Fundamental completo 9 6,7
Ensino Médio Incompleto 11 8,2
Ensino Médio Completo 31 23,1
Ensino Superior Completo 8 6,0
Pós-Graduação 2 1,5
Não sei 21 15,7
Total 134 100,0

Tabela 5. Escolaridade da mãe


Frequência %
Nunca estudou 4 3,0
Ensino Fundamental incompleto 38 28,4
Ensino Fundamental completo 10 7,5
Ensino Médio incompleto 18 13,4
Ensino Médio completo 43 32,1
Ensino Superior Incompleto 2 1,5
Ensino Superior completo 5 3,7
Pós-Graduação 2 1,5
Não sei 11 8,2
Não respondeu 1 0,7
Total 134 100,0

A baixa escolaridade tem ressonância na ocupação profissional dos pais e mães e na


renda familiar. Dos diversos postos de trabalho citados (Apêndice VII), grande parte refere-se
89

a ocupações de baixa remuneração sendo a mais citada para os pais a profissão de pedreiro
(14 citações) e para as mães os serviços domésticos, observando-se as seguintes variações:
diarista (3 citações), doméstica (18 citações), dona de casa (18 citações) e empregada
doméstica (15 citações). Por tratar de um item aberto do questionário as respostas
apresentaram bastante variação e, em alguns casos, certa imprecisão.
Alguns jovens referiram-se não ao posto ocupado pelos pais, mas a área de ocupação
(administração, vendas, restaurante, saúde etc.); outros mencionaram o nome das empresas
em que os pais trabalham. Além disso, 13 jovens deixaram de responder ao quesito profissão
do pai, dos quais 4 indicaram não sabê-lo, e 7 jovens deixaram de fazê-lo no item profissão da
mãe, com 2 indicações de não saber.
Por sua vez, a renda familiar predominante encontra-se na faixa de 1 a 2 salários
mínimos (na ocasião da aplicação equivalente à faixa de R$510,00 a R$1.020,00). Reunidas
as faixas de 1 até 5 salários mínimos, obtém-se um percentual acumulado de 84,1% das
respostas válidas (Tabela 6).

Tabela 6. Renda familiar mensal


Frequência % % Válido
Até 1 SM 27 20,1 21,4
1 a 2 SM 55 41,0 43,7
2 a 5 SM 24 17,9 19,0
5 a 10 SM 17 12,7 13,5
Mais de 10 SM 3 2,2 2,4
Total 126 94,0 100,0
Não respondeu 8 6,0
Total 134 100,0

Como mencionado anteriormente, 37,3% dos jovens declaram colaborar com o


pagamento das despesas da casa, por outro lado, apenas 21,6% indicaram renda mensal
própria, o que sugere que, para alguns destes jovens a participação na composição da renda
familiar seja uma ação esporádica, possivelmente combinada com os momentos em que
conseguem alguma renda decorrente da realização de serviços avulsos ou temporários. As
rendas próprias indicadas pelos jovens concentram-se majoritariamente na faixa de até 1
salário mínimo (Tabela 7).
A fim de observar a variação da renda familiar, conforme o vínculo escolar dos jovens,
fez-se o cruzamento destas duas variáveis, de onde se pode extrair que, para ambos os grupos,
os maiores percentuais encontram-se na faixa de 1 a 2 salários mínimos (Tabela 8), porém
entre as famílias dos jovens matriculados na escola do bairro há uma concentração dos
90

percentuais nas três primeiras faixas de renda (da faixa de até 1 salário mínimo à faixa de 2 a
5 salários mínimos). Já nas famílias dos jovens vinculados à escola do centro, esta
concentração ocorre nas três faixas intermediárias (da faixa de 1 a 2 salários mínimos à faixa
de 5 a 10 salários mínimos).

Tabela 7. Renda mensal dos jovens


Frequência % % válido
Não tem 102 76,1 78,5
Até 1 SM 21 15,7 16,2
1 a 2 SM 7 5,2 5,4
Total 130 97,0 100,0
Não respondeu 4 3,0
Total 134 100,0

Tabela 8. Renda familiar mensal segundo vínculo escolar


Renda familiar mensal
Até 1 5 a 10 Mais de Total
1 a 2 SM 2 a 5 SM
SM SM 10 SM
Escola do bairro Quant. 24 33 8 4 0 69
% 34,8% 47,8% 11,6% 5,8% ,0% 100,0%
Escola

Escola do centro Quant. 3 22 16 13 3 57


% 5,3% 38,6% 28,1% 22,8% 5,3% 100,0%
Total Quant. 27 55 24 17 3 126
% 21,4% 43,7% 19,0% 13,5% 2,4% 100,0%

A trajetória escolar em nível de ensino fundamental se efetivou, para 80,6% dos


jovens, toda em instituições públicas. Apenas 5,2% cursaram esta etapa da educação básica
toda em escola privada e 13,4% cursaram parte em instituições públicas e parte em
instituições privadas. No que diz respeito à continuidade de estudos após a conclusão do
ensino médio, verifica-se que o ensino superior figura como expectativa para a maioria destes
jovens, visto que 84,3% mencionaram a intenção de ingressar neste nível de ensino após o
ensino médio, enquanto que 7,5% pretendem realizar um curso técnico e 6,7% disseram não
pretender dar continuidade aos estudos.
Para muitos destes jovens a formação escolar obrigatória é acompanhada por
atividades de formação complementares, muitas vezes procuradas com o intuito de melhorar
as chances de inserção no campo profissional. Na pergunta que fazia referência à participação
dos jovens em atividades de qualificação profissional, as respostas evidenciaram que 50% dos
jovens tiveram ou estão passando por algum tipo de atividade que consideram preparar-lhes
91

para o trabalho, 41,7% pretendem participar desse tipo de atividade e apenas 8,2% dos jovens
não pretendem participar. As atividades mais citadas neste item foram estágios, participação
em programas de aprendizagem, cursos de idiomas (sobretudo inglês) e cursos de informática.
A preocupação com o campo profissional anunciada nas estratégias de formação
complementar utilizadas pelos jovens enquanto cursam o ensino médio, também se reflete e é
reforçada nas respostas sobre o desenvolvimento de alguma atividade remunerada. Para
20,8% destes jovens a inserção profissional já se realizou em atividades as mais diversas e
com distintos graus de formalização (Tabela 9 e Quadro 7).

Tabela 9. Inserção em atividade remunerada


Percentual
Frequência % Válido
Não, mas procura 89 66,4 68,5
Não, e não pretende trabalhar agora 14 10,4 10,8
Sim 27 20,1 20,8
Total 130 97,0 100,0
Não respondeu 4 3,0
Total 134 100,0

Quadro 7. Atividade remunerada que desenvolve39


Atividade Frequência
Não especificou 5
Auxiliar de escritório 2
Auxiliar de serviços gerais 2
Comércio 1
Digitação 1
Estágio 2
Feira 1
Floricultura 1
Industriária 1
Lan House 1
Manutenção de computadores 1
Aprendiz 3
Padaria 1
Produção de doces 1
Trabalha 1
Trabalha com a mãe 1
Trabalha com a mãe na feira 1
Vende trufas 1
Total 27

Verifica-se no conjunto dos dados que, embora a maioria (51,8%) esteja envolvida em
atividades reguladas (estágios supervisionados e carteira assinada), há um percentual

39
Neste quesito as respostas eram livremente construídas pelos jovens, de modo que em alguns casos não se
reportam as atividades específicas que desenvolvem, mas a áreas e locais de trabalho.
92

significativo (40,7%) de jovens cuja situação ocupacional não se inscreve nestes marcos de
regularização (Tabela 10).

Tabela 10. Situação atual do vínculo de trabalho


Frequência % Percentual Válido
Estagio supervisionado 5 3,7 18,5
Carteira assinada 9 6,7 33,3
Trabalho sem contrato formal 7 5,2 25,9
Atividades autônomas 4 3,0 14,8
Outra 2 1,5 7,4
Total 27 20,1 100,0
Não trabalham 107 79,9
Total 134 100,0

Dentre os jovens que não desenvolvem nenhuma atividade remunerada, 66,4% estão à
procura de trabalho e 10,4% não pretendem trabalhar agora (Tabela 9). Isso indica que a
maior parte dos jovens alcançados nessa fase da pesquisa faz parte da população
economicamente ativa, alguns estão efetivamente no mercado de trabalho e outros à procura
de emprego. Estes dados indicam que seria impertinente centrar a análise da realidade destes
jovens nas noções de diferimento da inserção profissional ou da moratória social da
juventude.
Na tentativa de captar um pouco mais da dinâmica da relação estabelecida entre os
jovens e o mercado de trabalho, um último bloco de questões sondou as perspectivas e leituras
atuais dos jovens sobre sua inserção profissional, incluindo perguntas sobre os seguintes itens:
áreas de atividade para as quais enviaria currículo (considerando esta uma atividade típica
daqueles que procuram emprego); áreas nas quais consideram ter chances reais de conseguir
emprego; ambientes/meios e pessoas que já procurou ou procuraria para obter informações
sobre o mercado de trabalho; expectativas profissionais para um período de 10 anos e, por
fim, contribuição das atividades desenvolvidas na escola de ensino médio para o alcance de
seus objetivos no campo profissional.
Para cada área profissional foram listados alguns locais de trabalho a fim de facilitar a
compreensão dos jovens. A questão admitia múltiplas escolhas e a maioria dos jovens se
utilizou desse recurso. No quadro geral de respostas (Quadro 8) as áreas mais citadas foram,
respectivamente, indústria (82 citações); comércio (61 citações); saúde (46 citações) e turismo
(45 citações). A área menos citada foi serviços avulsos (4 citações).
Estas áreas apontadas como as mais procuradas também são as que recebem o maior
número de citações quando o que está em questão são as chances reais de conseguir emprego,
93

havendo apenas uma inversão na posição das áreas de saúde e turismo (Quadro 9). Neste
quesito os serviços avulsos também se mantêm como a área menos citada.

Quadro 8. Áreas para as quais enviaria currículo

Frequência
Indústria 82
Comércio 61
Saúde 46
Turismo 45
Educação 30
Entretenimento 17
Alimentação 16
Outros 7
Serviços avulsos 4
Total 308

Quadro 9. Áreas nas quais considera ter chances de conseguir emprego

Frequência
Indústria 54
Comércio 53
Turismo 21
Saúde 17
Educação 11
Entretenimento 10
Alimentação 7
Serviços avulsos 6
Outros 4
Total 183

É interessante notar que o número de citações, por área e geral, é maior quando se trata
da procura por trabalho (308 citações) e diminui consideravelmente no quesito relacionado às
chances de conseguir emprego (183 citações no total). Isto sugere que a leitura dos jovens
sobre as oportunidades de trabalho refrata as marcas do estado atual do mercado de trabalho,
cujo processo de enxugamento de postos e novas exigências de formação, tendem a aumentar
o espaço entre o ato da procura e da escolha voluntária por uma área ou local de trabalho e a
conquista de uma vaga.
Parece que os jovens tem se dado conta de que, diante desta configuração do mercado,
melhor é ampliar os horizontes da procura, ainda que nem sempre estejam relacionados aos
campos em que possuem maiores perspectivas de inserção ou maior propensão e gosto com
relação à atividade.
As posições que as áreas assumem na hierarquia das respostas dos jovens revelam
ainda a influência, tanto no nível das representações quanto no nível da experiência, que a
94

dinâmica da economia local e nacional possui na construção desta noção sobre chances e
oportunidades de emprego. O fato das áreas da indústria, comércio e saúde constarem do topo
desta classificação conferida pelos jovens, pode estar associado tanto à percepção da real
presença destes setores na oferta de vagas em Manaus, como também pode estar articulada à
ideia de trabalho formal e regulado, características que talvez ainda não estejam
suficientemente claras nas elaborações sobre o trabalho em setores como serviços e
entretenimento, que não por acaso são duas áreas que obtiveram as menores citações entre os
jovens, muito embora estejam em franca ascensão na cidade, sobretudo na oferta de vagas
para jovens.
As projeções e a experiência da procura de trabalho pelos jovens também é afetada
pela ação das instituições e grupos dos quais fazem parte ou a que tem acesso. Neste aspecto
foi interessante observar os ambientes/locais e as pessoas de referência para obtenção de
informações sobre o mercado de trabalho (Quadro 10).

Quadro 10. Ambientes/meios/pessoas procurados para obtenção de informações


sobre o mercado de trabalho
Frequência
Família 69
Instituições de apoio e intermediação entre escola e mercado 67
Internet 65
Jornais impressos 48
Escola, por meio de contato com professores 32
Escola, por meio de contato com outros estudantes 25
Total 306

Em primeiro instante surpreende o número de jovens que confiam à família a posição


de orientadora no processo de inserção profissional (69 citações, o item mais citado), dado o
discurso da crise atravessada por esta instituição na atualidade; por outro lado, este resultado
está de acordo com a conclusão das pesquisas sobre a força que as redes de contatos pessoais
exercem na procura de emprego e no ingresso no mercado de trabalho no Brasil. Na
sequência, as instituições de apoio e intermediação entre escola e mercado (67 citações) e a
internet (65 citações) compõem o quadro dos meios mais procurados pelos jovens para
obtenção de informações sobre o mercado de trabalho.
É interessante notar que dentre os três itens mais citados (família, instituições de apoio
e internet) o único que supõe uma ação mais intencional e sistemática com relação a este fim
são as instituições de apoio, das quais se espera, inclusive, o trabalho de divulgação e
95

mediação entre as vagas disponíveis no mercado e os jovens, admitindo assim, dois tipos de
movimento, um que se dá por meio da ação do jovem em busca da informação/vaga e um que
faz o percurso contrário e leva a informação/vaga até os jovens. Nos dois outros meios
(família e internet) pode-se dizer que o movimento mais comum seria dado pela ação do
jovem na direção da procura pela informação/vaga.
Apesar do questionário não ter permitido maior detalhamento sobre os membros da
família a quem os jovens efetivamente recorrem em busca de orientações sobre o mercado de
trabalho, o destaque que as mães apresentaram no quesito relacionado à composição familiar,
somado aos relatos coletados durante as entrevistas, levam-nos à compreensão de que são
estas e também os irmãos e irmãs mais velhos/as os membros mais procurados pelos jovens
para tratar do assunto. Em todo caso, concluímos que o inventário minucioso dos modos
como famílias populares prestam esta orientação aos jovens é uma tarefa necessária.
Na busca pelo conhecimento dos interlocutores dos jovens quando se trata de escolhas
profissionais, inserção no mercado de trabalho e decisões sobre continuidade de estudos,
Melo (2011) defende que além de levantar a frequência com que determinados meios e
pessoas são acessados é preciso averiguar a importância atribuída pelos jovens a estas
diferentes intervenções. Segundo a autora, pode haver casos em que meios e/ou pessoas
apontados como os menos procurados, estejam entre os que exercem maior peso nas decisões
dos jovens e vice-versa.
Na questão relacionada às expectativas profissionais para um período de 10 anos,
houve uma variação grande nas opções mencionadas pelos jovens. A maioria dos jovens
indicou uma profissão ou área profissional na qual gostaria de estar integrado, mas houve
também aqueles que utilizaram o espaço para registrar objetivos mais genéricos tais como,
estar empregado (20 citações), ter negócio próprio (9 citações), ter concluído o ensino
superior (7 citações) e até um jovem que mencionou a intenção de concluir um curso técnico
para pagar o curso de graduação em direito (Quadro 11).
Entre as profissões e áreas as opções mais citadas foram, respectivamente, medicina
(24 vezes), direito (14 vezes) e engenharia (12 vezes). Destaque-se ainda que 15 jovens não
responderam esta questão, e, por outro lado, houve jovens que mencionaram mais de um item
na resposta.
As três áreas mais citadas pelos jovens (medicina, direito e engenharia) fazem parte de
um grupo profissional com grande prestígio social e boa média de remuneração, sendo
também áreas que apresentam um alto teor de seletividade que se expressa desde acirrada
concorrência nos processos seletivos para ingresso nos cursos de formação, passando pelo
96

elevado custo dos materiais e livros necessários ao longo da formação e chegando até o
momento da inserção profissional, quando as redes de relações pessoais jogam um importante
papel.

Quadro 11. Expectativas profissionais para o período de 10 anos

Respostas Frequência
Não respondeu 15
Administração 8
Arquitetura 5
Atriz 1
Auxiliar administrativo 1
Biologia 4
Ciência da Computação 1
Computação/manutenção 1
Contabilidade 2
Designer Gráfico 1
Direito 14
Economia 1
Educação física 6
Engenharia 12
Enfermagem 3
Estar empregado 20
Eventos 2
Fazer Curso técnico para pagar faculdade de Direito 1
Forças Armadas 1
Gerente 1
Industriário 2
Jornalismo 8
Medicina 24
Moda 1
Modelo 1
Música 2
Odontologia 5
Pedagogia 1
Policial 1
Professora 3
Psicologia 4
Química 1
Saúde 1
Serviço Social 1
Secretária 1
Tecnologia 1
Turismo 2
Teatro 1
Ter concluído o ensino superior 7
Ter negócio próprio 9

Pelo perfil do capital escolar e profissional40 que predomina nas famílias destes jovens,
pode-se dizer que o capital cultural objetivado nos títulos escolares será o principal recurso de

40
Opera-se aqui com a noção de Capital utilizada heuristicamente por Bourdieu (1992 e 2008) para explicar, por
analogia às características que a noção possui no campo econômico (acumulação, transmissão por herança e
97

que irão dispor, caso decidam dar corpo a projetos profissionais em setores como os três aqui
citados, nos quais os critérios de concorrência e seleção nem sempre são suficientemente
explícitos ou objetiváveis.
As respostas dos jovens à pergunta sobre a contribuição das atividades desenvolvidas
na escola de ensino médio revelam, em primeira instância, que o grupo reforça a credibilidade
da escola como lugar de preparação para o trabalho, já que 80,6% escolheram a resposta:
“sim, a escola contribui para o alcance dos objetivos profissionais” (Tabela 11).

Tabela 11. Contribuição do Ensino Médio para os objetivos profissionais


Frequência %
Não 23 17,2
Sim 108 80,6
Total 131 97,8
Não respondeu 3 2,2
Total 134 100,0

Na complementação destas respostas aparece uma questão intrigante, visto que muitas
das justificativas adicionadas à resposta sim, fazem referência a uma visão genérica e
projetada da escola como local de aquisição do saber e preparação para o futuro e não
exatamente à escola que frequentam ou às experiências que lá vivenciam: “porque sem ela
não poderia alcançar nada”; “porque aprendo mais e me preparo para o futuro”; “estou me
preparando para alcançar meu objetivo”; “pois todo o sacrifício que estou fazendo agora eu
sei que terei um bom resultado muito positivo”; dentre outros. (respostas extraídas dos
questionários).
Por outro lado, os que respondem não a esta questão, são mais específicos em suas
justificativas: “baixa qualidade de ensino”; “por estudar com pessoas mais velhas os
professores são obrigados a passar assuntos mais fracos”; “porque o ensino público é muito
vago e não específico”; “falta uma preparação dos professores para lidar com os jovens de
hoje em dia”; dentre outros (respostas obtidas dos questionários).
Sobre a capacidade da política de educação contribuir com a melhoria das condições
de vida da população pobre, alguns pesquisadores (NERI, 2007, POCHMAN, 2004, dentre
outros) apresentam argumentos e dados que comprovam os impactos da escolarização tanto
na elevação do padrão material de vida dos indivíduos, diretamente relacionado à maior

rentabilidade), os modos como diferentes propriedades - materiais e simbólicas - atuam na definição das
posições sociais dos indivíduos e grupos e na reprodução social.
98

possibilidade de inserção no mercado de trabalho e de acesso aos maiores salários41, quanto


aos efeitos indiretos sobre as condições de saúde, fecundidade e minoração da exposição à
criminalidade.
Apesar das evidências acerca dos efeitos do prolongamento da escolarização no acesso
ao emprego e na melhoria da qualidade de vida para uma parte da população, é lamentável
perceber que esses argumentos em torno das contribuições da escola, vindos dos
pesquisadores ou dos jovens que frequentam o ensino médio, se sustentam mais como
projeção de um tipo ideal de oferta da escolarização, que como uma referência empírica da
experiência de universalização da escola brasileira.
Essa análise não se move por uma sorte de pessimismo travestido de presentismo, mas
pela obrigação de reconhecer que para os jovens pobres brasileiros o aumento das taxas de
cobertura de escolarização não foi acompanhado da garantia da qualidade do ensino. Isso tem
contribuído para que os sentidos da experiência presente de escolarização e das projeções de
futuro se tornem menos claros para esses jovens. Ainda assim, não há como discordar
totalmente da afirmação de que a experiência escolar potencialmente eleva as chances de
inserção profissional e de melhoria das condições de vida.
O que a pesquisa permite verificar é que as contribuições da escola de ensino médio à
estruturação de processos mais seguros de transição para o mundo do trabalho e para a vida
adulta dependem tanto de ações mais amplas como aquelas do campo das políticas públicas,
mas também de estratégias e usos locais que se fazem das escolas e que terminam por
produzir diferentes níveis de qualidade do ensino entre as diversas regiões do país, e até
mesmo entre diferentes escolas da mesma rede de ensino e cidade.
Ainda que a aposta da política pública de educação brasileira seja um ensino médio de
caráter geral, admitida sua integração com a formação profissional, muitos dos jovens que
frequentam essa etapa de escolarização reclamam uma relação mais funcional com esta
formação, ou seja, gostariam de encontrar ali uma ponte objetiva com seus projetos
profissionais e de continuidade de estudos.
O fato de estes jovens não enxergarem essa articulação, não quer dizer que a opção
pela educação geral, feita no campo da política, não possa resultar em preparação para o
trabalho, visto que, por princípio, esta deve preparar para a vida entendida nas suas diversas
dimensões. Todavia, o que está na base dessa insatisfação dos jovens com a escola de ensino
médio é a fragilidade da qualidade das ações escolares, além das dificuldades no campo do

41
Segundo Neri (2007) os salários dos universitários excedem em 540% o dos analfabetos e a chance de
ocupação é 308% maior.
99

currículo e organização do trabalho escolar, cujos tempos e espaços não dialogam com a
realidade juvenil e com muitas das novas demandas que esse público enfrenta na transição
para a vida adulta.
100

CAPÍTULO III – TRABALHO, ESCOLA E TRANSIÇÃO PARA A VIDA ADULTA

As relações entre trabalho, escola e transição têm sido objeto de inúmeras


investigações sobre jovens nas últimas décadas. Muitos dos recortes atuais do tema buscam
compreender em que medida as formas de entrada na vida adulta recorrentes nas sociedades
ocidentais modernas foram afetadas pelas mudanças no sistema produtivo pós década de
1970, com seus agregados (desemprego, precarização, flexibilização, despadronização, entre
outros) e pelas transformações associadas ao processo de expansão do tempo e da abrangência
populacional da educação escolar.
No recorte do tema pelo viés da inserção dos jovens no mercado de trabalho, o
destaque deve-se tanto às evidências de que este grupo populacional é afetado de modo mais
intenso pelos problemas do desemprego e da precarização que se acentuaram no mercado de
trabalho, o que termina por tornar problemáticos seus processos de inserção e o planejamento
de percursos profissionais; quanto à hipótese de que a experiência profissional segue sendo
uma importante referência para discutir a transição para a vida adulta.
Na temática da escolarização os analistas têm se esforçado principalmente em
compreender os efeitos da ampliação do tempo de permanência na escola, cada vez mais
generalizado entre as novas gerações, inclusive das classes populares, além de levantar os
significados e sentidos que a escola, enquanto instituição socializadora, adquire na sociedade
atual e, em especial, para essas camadas mais pobres que até a década de 1990 não
compunham de modo tão significativo o universo da escola brasileira.
Neste capítulo, os dois desdobramentos do recorte temático são abordados, mas antes
de tratar a especificidade do lugar que as dimensões da escolarização e do trabalho ocupam
hoje nos processos de transição para a vida adulta, considerou-se pertinente demarcar de
modo mais preciso a noção de transição para a vida adulta que orienta este estudo e junto
disso, apresentam-se apontamentos sobre as modalidades de transição observadas nas
sociedades contemporâneas, destacando algumas de suas contradições.
O capítulo apresenta ainda uma discussão sobre os processos de ampliação da
autonomia e independência juvenil no contexto dos novos arranjos relacionais que se esboçam
no ambiente familiar e em outras instituições socializadoras. E, ao final, aborda-se a
contribuição que as redes de relações interpessoais têm dado aos processos de inserção
profissional dos jovens e suas consequentes atuações na produção de suportes ao processo de
transição para a vida adulta.
101

3.1 A transição na perspectiva de processo: alternativas à compreensão das


aproximações entre juventude e vida adulta na contemporaneidade

A transição para a vida adulta tem sido um dos temas mais explorados nos estudos
sociológicos sobre jovens. Dependendo do ângulo de observação, pode-se tomar a noção de
transição para nomear o fenômeno da saída da juventude e entrada na vida adulta como fato
concluído, ou seja, o momento do ciclo da vida em que um indivíduo deixa de ser jovem e
passa a ser adulto; ou, por outra perspectiva, pode-se fazer o estudo da transição como um
processo de maior extensão, que é constituído de aproximações graduais dos jovens com
relação aquilo que representa e institui o adulto nas diferentes sociedades.
Assim como os significados de ser jovem e de ser adulto variam nas diferentes
culturas e sociedades, a passagem entre essas fases da vida também se associam a diferentes
marcadores. Há grupos sociais para os quais os sinais de maturação do corpo são indicadores
suficientes para que se considere que um indivíduo jovem transitou para a vida adulta e está
em condições de assumir o papel social conferido a essa segunda fase. Nesse tipo de
sociedade, a passagem geralmente é publicizada por meio de um ritual.
As sociedades modernas ocidentais consideram os aspectos biológicos na definição de
juventude e vida adulta e também possuem alguns rituais típicos de determinados momentos
da vida, mas estes dois elementos não são suficientes para enquadrar um indivíduo na
condição de jovem ou de adulto e assim também, para compreender o processo de transição
nessas sociedades.
Os múltiplos pertencimentos e os critérios de diferenciação social dos indivíduos
atuantes nessas sociedades inserem outras dimensões a serem consideradas no tratamento da
transição da juventude para a vida adulta. Com o aprofundamento dos pressupostos da
modernidade observados nas formações sociais na atualidade, definir aquilo que é
especificidade da juventude e o que é particular ao ser adulto, tornou-se tarefa ainda mais
complexa.
Sabendo da complexidade que representam as trocas entre o ser jovem e o ser adulto
nas sociedades modernas atuais, entre estas a sociedade brasileira, este estudo adota a
perspectiva de análise da transição como um processo, ou seja, entende que a transição para a
vida adulta não é o ato final de passagem entre fases, mas o movimento de experimentação
gradual e às vezes concomitante de situações peculiares a uma ou a outra fase da vida que os
indivíduos protagonizam em dados momentos de sua existência.
102

Compreender esse movimento requer considerá-lo enquanto processo que ocorre em


referência a definições sociais e culturais mais amplas (normas, instituições, costumes,
representações etc.), e, ao mesmo tempo é a expressão do diverso, quando consideradas as
experiências individuais e as múltiplas combinações de atributos e pertencimentos dos
sujeitos, podendo assim alongar-se para uns, ou encurtar-se para outros.
No lugar de mapear a transição como um conjunto de estados estanques que separam
juventude e vida adulta, busca-se aqui levantar as intersecções e estados intermediários que se
produzem entre ambas, entrecruzadas por elementos do contexto social, econômico e cultural
e com o poder de agência dos indivíduos.
De qualquer modo, conceitos de juventude e de vida adulta estão presentes no
momento de partida. A diferença que pode existir entre uma e outra forma de abordagem do
tema, reside na maior ou menor abertura destes conceitos para adequações exigidas por
elementos do contexto, graduação que está diretamente articulada à perspectiva de análise
adotada pelo investigador.
No contexto europeu, a produção acadêmica das últimas décadas sobre o tema das
transições já representa um acúmulo significativo de reflexões, que têm permitido delinear
algumas tendências. Apesar das flagrantes diferenças entre as realidades de alguns países, os
estudos sinalizam um alargamento do espaço compreendido entre juventude e vida adulta e
um processo de despadronização e fragmentação dos processos de transição.
A dilatação do tempo de transição da juventude para a vida adulta ocorre em função de
diferentes questões, podendo remeter ao fenômeno do prolongamento da juventude, como
também à situações de diferimento da entrada na vida adulta. Para Singly (2005) esse
processo é tomado como um indicativo de que o fluxo da vida, cada vez mais marcado por
processos de formação permanente do eu, não permite encerrar definitivamente todas as
características que são peculiares a determinadas fases.
A noção de prolongamento da juventude faz referência à extensão observada no tempo
que se leva para atravessar etapas social e culturalmente utilizadas para demarcar a condição
juvenil nas sociedades ocidentais, sobretudo nos meios urbanos. Estes marcadores muitas
vezes se traduzem em ações institucionais e normativas dirigidas à juventude.

De facto, assiste-se, na sociedade contemporânea, a um prolongamento da


condição juvenil: porque os percursos escolares são mais longos, porque há
uma mais tardia inserção no mercado de trabalho; porque o acesso a casa
própria é difícil; porque os casamentos se retardam, devido também a uma
maior liberalização das relações sexuais. (PAIS, 2005, p. 67, grifos do autor)
103

A noção de diferimento da entrada na vida adulta é apresentada por Casal et al.


(2006), para nomear os crescentes casos em que a permanência do indivíduo no domicílio de
origem é uma opção, antes que uma necessidade. Considerando a juventude como um trecho
da biografia que se estende do início da puberdade até a emancipação familiar plena,
caracterizada pelo estabelecimento de domicílio próprio, estes autores consideram que os
casos em que estão dadas as possibilidades de emancipação, mas o sujeito opta por adiá-la,
não se enquadram analiticamente na categoria de prolongamento da juventude, retratando
antes um diferimento da entrada na vida adulta.
Na perspectiva de Singly (2005), a dificuldade em dimensionar a duração da transição
deve-se ao fato de que o término da juventude é um processo que só se efetiva de maneira
parcial, quando se considera que a idade adulta não retira do sujeito a possibilidade de
“formação permanente do eu” e não encerra a persecução da coerência entre as dimensões da
autonomia e da independência, processo que ao longo da juventude potencializa a
experimentação e a projeção de futuro. Para Singly (2005, p. 120), “los individuos
contenporáneos no se niegan a crecer; sin embargo, no quieren renunciar a lo que simboliza la
juventude: su próprio nacimiento y a la vez la posibilidade de renacer.”
A partir de mediações epistemológicas, se podem extrair dos estudos europeus,
algumas chaves para compreensão da juventude brasileira, porém, o investimento que parece
mais oportuno para o momento, aponta a necessidade de desvelar a realidade dos jovens
brasileiros e seus processos de transição a partir dos matizes que os constituem, os quais,
seguramente, se distinguem daqueles que forjam a juventude em outros países e continentes.
Certo é que a diversidade é uma característica que sobressai mesmo quando tratados
jovens de um único país ou região, pois embora reflitam uma unidade do ponto de vista
geracional, os jovens também espelham o diverso a partir dos elementos culturais, sociais,
etários, étnicos, de gênero, dentre outros.
Entender os modos como ocorrem os processos de transição dos jovens brasileiros
para a vida adulta exige um exercício de rigorosa combinação de elementos de unidade e
diversidade, além de um olhar atento às fendas produzidas pelas desigualdades
socioeconômicas que marcam a história deste País.
Pesquisas desenvolvidas no Brasil e em outros países (Melissa Pimenta, 2007 e
Camarano, 2006 no Brasil; José Machado Pais, 2005 e Guerreiro e Abrantes, 2007 em
Portugal; Casal et al., 2006 na Espanha, dentre outras) sinalizam que o quadro de mudanças
que as sociedades de economia capitalista vem atravessando desde meados da década de
104

1970, do qual foram apresentados alguns dos principais traços no capítulo anterior, tem
afetado substancialmente os modos de passagem da juventude para a vida adulta.
Os pesquisadores identificam que o modelo de transição assentado no cumprimento de
uma sequência linear das etapas de escolarização, inserção profissional, saída da casa dos
pais, casamento e nascimento do primeiro filho, que predominou em outros momentos das
sociedades modernas de economia capitalista, já não ocorre para a maioria dos jovens.
No modo linear de fazer a transição para a vida adulta, as passagens entre estágios
(escola-trabalho; trabalho-saída da casa dos pais; saída da casa dos pais-casamento etc.)
configuravam transições específicas a partir das quais se fazia a travessia mais ampla para a
vida adulta. Assim é que as maiores possibilidades de uma pessoa permanecer no mesmo
emprego ou numa carreira profissional por toda a vida, independente do grau de qualificação
ou prestígio social da ocupação, representava um pré-requisito importante para a
concretização de fases seguintes, como o domicílio próprio ou o casamento.
Nos contextos em que as transições intermediárias foram incorporadas aos projetos
político-institucionais e culturais de transição para a vida adulta, cada um dos estágios
proporcionava uma espécie de preparação e recursos para o estágio seguinte. Sabe-se, contudo
que este modelo aterrissou com diferente força nas distintas sociedades. Na transição da
escola para o trabalho, por exemplo, há países que configuraram uma relação de passagem
mais ou menos pré-programada entre os processos formativos institucionalizados e o mercado
de trabalho e outros nos quais o trabalho se apresentou para grande contingente da população
como um campo independente da escolarização, como sabemos é o caso do Brasil.
No estudo de Tartuce (2007) sobre a transição escola-trabalho, a partir das
experiências de escolarização e de inserção profissional de jovens da cidade de São Paulo,
fica claro que por aqui há evidentemente uma convivência entre escola e trabalho, na medida
em que os jovens estão inseridos em ambos os lugares, mas não há, necessariamente, uma
transição, principalmente quando considerada a escolarização de nível médio.

Se transição é um processo de passagem entre duas coisas que estão


relacionadas, no Brasil – ou melhor, para os jovens que procuram trabalho
por meio de mecanismos institucionalizados de intermediação na maior
metrópole do país – a passagem da escola para o trabalho só parece adquirir
sentido quando se dá entre a faculdade e um trabalho da área. Em outras
palavras, quando não se chega ao ensino superior, não se trata efetivamente
de transição escola-trabalho, seja por causa do distanciamento entre a
experiência da escola regular e o mundo do trabalho, seja porque essas duas
esferas são largamente conviventes, isto é, são vividas ao mesmo tempo.
(TARTUCE, 2007, p. 354)
105

O que pode ser generalizado acerca dos novos padrões de transição para a vida adulta
é que a sequência típica que outrora predominou já não é vivida pela maioria dos jovens em
virtude, tanto de mudanças socioeconômicas e culturais mais amplas, quanto por questões que
se operam no campo subjetivo. Em seu lugar vão surgindo trajetórias diversificadas que
emprestam sentidos diferentes a cada uma das etapas isoladamente e também às relações
estabelecidas entre estas.
Assim, é que, com muita frequência, podem ser encontrados, hoje, jovens que se
casam ou passam a coabitar sem ter saído da casa dos pais; permanecem na casa dos pais
mesmo tendo alcançado independência financeira por meio de empregos bem remunerados;
casam-se, separam-se e voltam à moradia da família de origem; adiam o ingresso no mercado
de trabalho em função do prolongamento da escolarização; saem da casa dos pais, mas
continuam a receber auxílios financeiros e de outras ordens; assim como podem ser
encontrados também jovens que descrevem trajetos lineares aos moldes tradicionais. Esses
novos arranjos que marcam a convivência dos jovens com suas famílias tencionam também os
sentidos de autonomia e independência.
Se, por um lado, a maior plasticidade das estruturas e das relações sobre as quais se
desenvolvem a experiência juvenil nos dias de hoje sugere que as possibilidades de escolha
dos jovens estão ampliadas, por outro, também apresenta elementos contraditórios, que
podem camuflar estados perversos de estagnação sob a aparente fluidez, conforme destacam
Guerreiro e Abrantes (2007, p. 39),

Não só as fronteiras entre o percurso de escolaridade e o mercado de


trabalho se tornam fluídas, como a saída de casa dos pais não é definitiva
nem implica necessariamente o casamento. Esta realidade de relativa anomia
abre um campo infinito de oportunidades, combinações e experiências. Por
outro lado, dá também origem a "buracos negros", situações em que os
jovens não estão integrados em qualquer das esferas (educação, emprego,
família), mergulhando em processos de exclusão e isolamento.

Nessa direção, é importante abrir aqui um parêntese para salientar que as mais recentes
pesquisas sobre a população juvenil no Brasil apontam dados preocupantes relacionados a um
significativo número de jovens que não se encontram nem na escola, nem no trabalho.42

42
A partir de estudo comparativo dos resultados dos Censos Populacionais de 2000 e 2010 do IBGE, Camarano
e Kanso (2012) apontam o aumento do número de jovens que não estudavam e nem trabalhavam. Em 2000, o
quantitativo de jovens nessa condição representava 16,9% da população juvenil, enquanto que em 2010 esse
percentual subiu para 17,2%. A Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião dos Jovens Brasileiros, desenvolvida
pela Secretaria Nacional de Juventude no ano de 2013, também sinaliza que uma importante parcela da
população juvenil (26%) encontra-se fora da escola e do mercado de trabalho. Quando se exclui aqueles que
estão à procura de trabalho, o percentual ainda é de 11%.
106

Quando considerado o conjunto das pessoas que têm entre 15 e 29 anos, os mais velhos são
maioria entre aqueles que estão fora da escola e do mercado de trabalho.
Mesmo com a ponderação de que para alguns desses jovens a condição de desfiliação
possa ser provisória, haja vista que a população juvenil é fortemente atingida pelo
desemprego recorrente e que para muitos a conclusão da escolarização básica ainda é um
desafio, os dados preocupam porque no Brasil estes dois espaços (escola e mercado de
trabalho) e as redes que ali se formam, são primordiais na estruturação das identidades
juvenis.
O estudo de Camarano e Kanso (2012) traz o perfil dos jovens que se estão nessa
condição que vem sendo nomeada de nem-nem. Segundo as autoras, a maioria destes jovens é
do sexo feminino, apesar do decréscimo da participação feminina no período analisado; eles
moravam nos domicílios da mais baixa faixa de renda, nos quais um menor número de
pessoas encontrava-se trabalhando e havia uma maior dependência da renda dos chefes, que,
por sua vez, tinham a mais baixa escolaridade.
Dentro das possibilidades técnicas do estudo, as autoras trazem importante
contribuição para a compreensão desse público, mas elas próprias terminam com a indagação:
“Esses jovens, principalmente os do sexo masculino, estavam esperando por uma
possibilidade de retorno à escola ou de ingresso (reingresso) no mercado de trabalho?”
(CAMARANO e KANSO, 2012, p. 43).
Saber mais sobre esses jovens e sobre aquilo que necessitam parece ser um importante
desafio tanto no plano das políticas públicas quanto no acadêmico. No estudo da transição
esse é um tema relevante, pois, a primeira vista, pode acenar para uma suspensão do
movimento, que é uma característica central da transição. Porém, é preciso avançar no
mapeamento dos fatores que têm produzido essa situação, para verificar até que ponto ela
expressa uma evasão do jovem da cena pública, e até que ponto ela é resultado do
investimento que os jovens podem estar fazendo em modos de inserção laboral e de formação
não necessariamente compatíveis com as medidas da estatística oficial.
Fechando esse parêntese sobre a situação dos jovens que não estudam e não trabalham,
pode-se considerar que, para os jovens de maneira geral, a transição para a vida adulta ocorre
em meio aos constrangimentos estruturais mais amplos, mas também reflete a diversidade de
percursos individuais. Diante do embate que se estabelece entre prescrições e
(im)possibilidades, que derivam das estruturas sociais, e intenções e estratégias de ação, que
marcam a ação do indivíduo, a reversibilidade ganha força como uma característica das ações
e decisões juvenis.
107

Assim, como alternativa às clássicas oposições entre estudante/não estudante,


empregado/desempregado, solteiro/casado etc., os jovens da geração ioiô (Pais, 2005) se
desdobram em personagens possíveis experimentando estatutos intermediários e reversíveis,
com maior ou menor grau de transitoriedade, precariedade ou formalidade.
Além disso, por suas estratégias de se centrar no presente, em tempos em que futuros
pensados em termos de médio e longo prazo despertam preocupações, os jovens têm sido
considerados modelos culturais.

[...] Nas "voltas que a vida dá" é curioso constatar que o movimento (iô) de
socialização de pais para filhos dá uma volta de retorno (ioiô) que assegura
que também os pais sejam socializados pelos filhos, aculturizados por uma
cultura juvenil, cada vez mais referencial, nomeadamente no domínio da
moda e da valorização do corpo. (PAIS, 2005, p. 59, grifos do autor)

Também, neste aspecto, é preciso estar atento a uma contradição fundamental, pois ao
mesmo tempo em que os jovens têm se destacado na invenção de estratégias para lidar com as
novas ordens econômicas, sociais e culturais, muitos dos referenciais do modelo tradicional
do ser adulto permanecem a povoar seus horizontes.
Conforme constata Pimenta (2007) acerca dos relatos dos jovens participantes de sua
pesquisa: "a angústia dos(as) entrevistado(as) está justamente no menor controle sobre o
momento e a possibilidade de realização desses modelos, daí a sensação de 'atraso' ou
'descompasso' em relação às suas próprias expectativas e projeções para a vida adulta" (p.
451, grifos da autora).
Apesar da força que ganham os novos modelos de relação intergeracional na família,
mais abertos a negociações que eram impensáveis em outros contextos, a exemplo da divisão
das tarefas domésticas entre os membros do sexo feminino e masculino, do menor controle
dos pais sobre os horários de saída e chegada dos filhos, da permanência dos filhos no
domicílio de origem após a maternidade ou paternidade etc. permanecem significativos os
casos de jovens, especialmente as mulheres jovens, que vislumbram na maternidade e na
união conjugal a possibilidade de melhoria de vida e de ampliação da autonomia e
independência.
O que há de preocupante nesse quadro é que o contexto de precariedade que costuma
marcar essa experiência termina muitas vezes por situar os jovens em novos modos de
dependência e falta de autonomia, mesmo quando constituem domicílio próprio na condição
de cônjuges ou chefes de família.
108

Os alertas dos últimos parágrafos trazem as contradições que o processo de transição


para a vida adulta pode hoje abrigar, pois ao passo que as estruturas e valores sobre as quais
estão apoiadas a condição juvenil e a vida adulta tendem a se flexibilizar e contribuir para a
individualização dos percursos, as desigualdades dos campos social e econômico continuam a
constranger uma parcela significativa dos jovens brasileiros a processos de transição
contingenciados por sua classe social e outros pertencimentos de cor, região, sexo etc. que os
inferiorizam.
Refletindo sobre as especificidades dos processos de transição no Brasil Dayrell
(2007), chega à conclusão de que por aqui o princípio da incerteza é dominante no cotidiano
dos jovens. Diante das encruzilhadas de vida com as quais se deparam, as transições tendem a
ser ziguezagueantes, sem rumo fixo ou predeterminado. “No caso dos jovens pobres os
desafios são ainda maiores, uma vez que contam com menos recursos e margens de escolhas,
imersos que estão em constrangimentos estruturais”. (DAYRELL, 2007, p. 1114).
O desafio que se coloca como fundamental para o estudo dos processos de transição
para a vida adulta na atualidade é o de compreender que, para além das variações que aqui
foram tratadas no nível mais panorâmico, a transição tem a propriedade de se diversificar e
complexificar ainda mais, na medida em que ganha sentidos e materialidade nas experiências
dos jovens. Isso, não somente pelas tendências que se observam entre grupos de diferentes
estratos econômicos, gênero ou cor da pele, mas por aquilo que estes jovens imprimem de
particular ao processo, enquanto desenvolvem estratégias de projetar e viver a passagem para
a vida adulta na tensão ente objetividade das estruturas e a subjetividade de suas escolhas.

3.2 O Lugar da inserção profissional e da escolarização no processo de transição

Depois de afirmar que a juventude é uma noção social e culturalmente referenciada e


que a transição para a vida adulta é um processo resultante da combinação de diferentes
dimensões da trajetória juvenil, é preciso reconhecer que cada sociedade esboça com maior ou
menor grau de rigidez, um programa genérico de transição a ser cumprido pelos jovens. Nas
sociedades modernas de economia capitalista esse programa se materializa em normas,
instituições, tempos, espaços e também orienta as representações simbólicas acerca do ser
jovem e do ser adulto.
109

Para se estabelecer na sociedade, as predefinições sobre a passagem da juventude para


a vida adulta mantêm um núcleo central, mas também se reformulam continuamente para
acompanhar a dinâmica da vida social e as diversidades culturais.
A escola e o trabalho possuem posição de destaque no programa da sociedade
moderna para a vivência da juventude, mas o lugar que cada uma dessas instâncias ocupa nos
modos de transição efetivamente experimentados pelos sujeitos jovens, varia em cada
sociedade de acordo com o processo histórico que caracteriza seu processo de modernização.
A modernidade brasileira, em muitos aspectos apresenta controvérsias entre aquilo que
significa o moderno modo de ser e aquilo que realmente se coloca como possibilidade para a
maioria dos indivíduos. A modernidade anômala brasileira, conforme definiu Martins (2008),
é constituída dos desencontros entre os signos do moderno e a consciência do moderno, de
modo que por aqui,

As misérias, como o desemprego e o subemprego, os valores e as


mentalidades produzidos pelo desenvolvimento dependente (e podemos
acrescentar nessa lista os déficits do sistema escolar) são partes integrantes
da modernidade, embora de um ponto de vista teórico e tipológico não façam
parte do moderno. (MARTINS, 2008, p. 18).

No processo histórico de consolidação da juventude como categoria social no Brasil, o


trabalho, como realidade imediata ou enquanto projeção, tornou-se uma dimensão estruturante
da situação juvenil, muito mais que a moratória social que em outras formações sociais
contemporâneas sustentou a postergação da entrada dos jovens no mercado de trabalho em
nome do investimento prioritário na formação escolar. Com exceção das elites e de alguns
segmentos médios, em diferentes períodos e de diferentes maneiras o tema da inserção dos
jovens em atividades laborais permeia o projeto das famílias e outras instituições públicas e
privadas do Brasil para as gerações mais jovens.
Embora nos dias atuais não exista um consenso em torno da ideia da inserção dos
jovens no mercado de trabalho, ou mais especificamente, acerca da idade em que a inserção
seria mais interessante, na prática o ingresso no trabalho ocorre, para muitos indivíduos, nos
primeiros anos da fase da juventude, havendo até mesmo aqueles para quem as primeiras
experiências são anteriores aos quinze anos de idade, idade em que legalmente inicia sua
juventude.
Do ponto de vista legal, a sociedade brasileira define os 16 anos como a idade a partir
da qual é permitida a inserção profissional dos jovens, com exceção dos aprendizes a quem é
permitida a inserção aos 14 anos de idade (EC nº 20, de 15 de dezembro de 1998). No caso
110

dos menores de 18 anos há ainda uma lista de atividades em que é vedada a inserção, por
serem consideradas perigosas ou prejudiciais à saúde e segurança dos jovens. Essas atividades
compõem a lista das piores formas de trabalho infantil43, que também é utilizada como
referência na regulamentação do trabalho juvenil para os menores de 18 anos.
Além do trabalho, a escola é outro desses lugares em que se pensa com certa facilidade
quando a juventude brasileira está em pauta. Porém, diferente do que ocorre com a dimensão
do trabalho, a associação entre escola e juventude figura, na atualidade, como uma
unanimidade na sociedade brasileira, que além de tê-la transformado em norma jurídica, tem
nesse binômio (juventude-escola) uma das suas mais potentes representações sobre juventude.
Ainda assim, também nesse tema, a vida em sociedade revela muitas contradições entre o que
se sustenta como noção e como norma e o que se efetiva na trajetória dos sujeitos a que se
destinam os processos de escolarização.
Tomando como certa a relevância dessas duas esferas de socialização na discussão da
juventude brasileira, cabe ainda e permanentemente inventariar os padrões e pilares que na
atualidade sustentam e conferem importância a essas duas dimensões na estruturação dos
processos de transição para a vida adulta. Em tempos em que muito se fala sobre crise do
mundo do trabalho e da escola, resta saber: em que consiste a centralidade dessas duas esferas
na vida dos jovens contemporâneos?
As relações dos jovens de origem popular com esses dois campos de atuação humana
são, em muitos aspectos, diferentes daquelas vivenciadas por jovens das camadas médias e
das elites. A situação financeira da família dos jovens impõe diversos condicionantes às
relações laborais e escolares, mas a clareza de que nenhuma dimensão da vida dos jovens
determina de modo isolado suas trajetórias, tem motivado cada vez mais as ciências sociais a
dedicarem-se à compreensão da complexa teia que compõe uma trajetória, considerando as
imbricações entre objetividades e agência.
Na linha das conclusões gerais e tendências sobre o processo de escolarização dos
jovens de origem popular no Brasil contemporâneo, evidencia-se uma significativa ampliação
do acesso ao ensino médio por parte dessa parcela da população a partir dos anos 1990.
Também é fato que os dados sobre a dilatação da cobertura dessa etapa da educação escolar
normalmente são ladeados pela constatação de que a chegada desses jovens ao ensino médio
amplifica os desafios da qualidade da educação pública.

43
Decreto Nº 6.481, de 12 de junho de 2008.
111

Apesar do progressivo avanço, observado no número de matrículas e nos dispositivos


legais que versam sobre organização e financiamento do ensino médio, persistem problemas
na organização da oferta, na qualidade do ensino e nas estratégias de manutenção da escola
como lugar em que esses jovens queiram e possam permanecer.
Para Sposito (2008) a expansão dessa etapa de escolarização produz novas
desigualdades no interior do sistema de ensino. A maioria das novas ou velhas escolas de
ensino médio não dispõe de recursos materiais e humanos capazes de torná-las lugares
minimamente significativos para os amplos segmentos juvenis que as frequentam e, além
disso, observa-se a coexistência de escolas com qualidade diversa para públicos socialmente
diversos.
Em muitos casos essa desigualdade se expressa em diferentes patamares de
funcionamento entre a rede pública e privada ou mesmo no interior da rede pública. Na
análise de Peregrino (2006), essa escola que chega pela primeira vez para as gerações mais
jovens das classes populares já se instala com um déficit de qualidade.
O abandono e a reprovação nesse nível de ensino também estão entre os maiores
desafios das políticas públicas para a educação brasileira. Ademais, em toda a complexidade
estrutural e logística que pode representar a universalização do ensino médio no Brasil, na
experiência de expansão transparecem lacunas tão ou mais profundas no que diz respeito à
identidade entre escola e os novos sujeitos demandantes deste nível de formação escolar.
Com base nos resultados de pesquisas e nas estatísticas referentes ao ensino médio,
Aur e Castro (2012, p. 16), assim sintetizam o perfil dos estudantes do ensino médio público
no Brasil:
Quando se fala do ensino médio público no Brasil, está se falando
basicamente de adolescentes e jovens na faixa etária de 15 a 24 anos,
homens e mulheres transitando para a vida adulta, apresentando defasagem
na sua escolaridade, com diferentes experiências e expectativas, e renda
familiar per capita de até um salário mínimo, enfrentando um mercado de
trabalho cada vez mais exigente quanto à escolaridade e à qualificação
profissional.

Conforme se observa, pesam sobre os estudantes das classes populares estatísticas de


trajetórias escolares truncadas por reprovações, evasões, baixo rendimento, indisciplina etc.
Em muitos casos, esses dados ensejam representações de fracasso individual dos jovens de
origem popular, num quadro em que a referência deixa de ser as condições gerais em que
ocorre a inserção desse público na escola e passa a ser a comparação com um ideal tipo de
estudante, do qual grande parte desses escolares encontra-se bastante afastada.
112

Das vozes de docentes e de outros profissionais que atuam nas escolas também
emanam enfáticos relatos sobre um desinteresse generalizado dos estudantes pelas propostas
oferecidas por esta instituição. Os professores sentem-se desafiados por jovens que
questionam suas autoridades com frases do tipo: Quem você pensa que é? ou ainda, Estudar
para que?. Dificilmente se considera a possibilidade de estes jovens estarem ao seu modo,
fazendo perguntas sinceras sobre os sentidos dessa escola e todos os elementos a ela
associados.
Por mais importante que seja o mapeamento global das dificuldades dos jovens de
origem popular na relação com a escola, o desafio contemporâneo é recompor as muitas peças
de que é feito esse mosaico da dificuldade, distinguindo quais elementos lhe dão força e quais
aqueles que lhe contradizem.
Investigando trajetórias escolares de estudantes de origem popular, Zago (2010)
defende o argumento de que diferentes fatores estruturais e biográficos se entrecruzam na
definição de trajetórias escolares de longevidade ou de fracasso. Há variações inter e
intraindividuais que a pesquisa sobre a relação das classes populares com o saber escolar
precisa se preocupar em conhecer e compreender.
Ao abordar essa relação de estudantes de classes populares com a escola e com o saber
Charlot (1996) também argumenta que é necessário olhar as histórias singulares, sem
desconsiderar que estão inscritas em uma ordem social mais ampla, mas sabendo que esta
ordem é mediatizada de diferentes modos mesmo quando considerados indivíduos com
semelhantes posições na hierarquia social. Para o autor, as classes populares apresentam uma
diversidade de práticas de apoio à escolarização que contribuem para estruturar a história
escolar dos jovens, mas jamais a determinam, como também as variáveis posicionais clássicas
(classe, cor, sexo etc.) a estruturam, mas não a determinam.
Charlot também propõe uma releitura da noção de capital cultural quando
consideradas as classes populares. Para ele, essa camada da população possui um capital
cultural específico, que não é, necessariamente aquele conjunto de elementos tidos como
legítimos (tal como aponta a noção original formulada por Pierre Bourdieu). Nem sempre esse
capital cultural refere-se “à arte com um grande A” (CHARLOT, 1996, p. 58). Muitas vezes a
paixão e/ou o gosto pela leitura, pela política, pela participação no sindicato etc. cultivado na
família é a mola propulsora de uma história de sucesso escolar nos meios populares, muito
mais do que as práticas que atestam o nível do capital cultural.
Análises como essas de Zago e Charlot indicam que a tarefa de compreender as
relações das classes populares com a escola e todo o conjunto de normas, conteúdos, práticas
113

e símbolos que a ela estão atrelados, exige um olhar sobre as trocas que ocorrem entre a
ordem doméstica presente nos meios populares e as leituras e usos que os indivíduos
provenientes dessas camadas fazem dos espaços escolares e suas promessas. Nesse tipo de
análise as graduações intermediárias daquilo que constitui o “ser popular” e o “ser estudante”
são muito importantes de serem levantadas, e não somente os estados finais que classificam as
trajetórias.
No quesito das relações dos jovens de origem popular com o mercado de trabalho,
também sobressaem os problemas que os atingem. A pergunta que fica é: para além do mapa
do desemprego e da precarização do trabalho, da falta de regulamentação que ocasiona as
jornadas incompatíveis com a escola, os constrangimentos e assédios morais e a exposição
aos acidentes e outros perigos à saúde física e psicológica, o que o trabalho tem representado
para os jovens e seus processos de transição? Que mediações têm sido eficazes na proteção de
alguns jovens das classes populares diante desses problemas?
Se considerarmos que a relação dos jovens com o mundo do trabalho não se inicia
quando eles de fato assumem uma ocupação, o levantamento dos diferentes tempos e espaços
da construção dos sentidos do trabalho e das contribuições efetivas de suas redes de relações
para sua inserção são aspectos que também devem ser considerados na análise de suas
trajetórias, sem descartar, contudo, a indagação sobre o que tem feito o Estado em termos de
contribuição para a estruturação de trajetórias profissionais mais seguras e decentes
(utilizando aqui um termo proposto pela Organização Internacional do Trabalho – OIT para
referir-se ao trabalho realizado de modo seguro e regulado).
Não se pode negar que a escola e o trabalho são instâncias juvenis por excelência na
realidade brasileira, porém suas atuações no sentido da ampliação da autonomia e da
independência dos jovens e da produção de suportes importantes para que a transição ocorra
de modo mais seguro são ainda bastante incipientes, quando não inexistentes. Os jovens têm
acesso a essas instituições a partir de diferentes lugares sociais e possuem demandas
diferenciadas, nem sempre reconhecidas e articuladas às práticas que vivenciam nos
ambientes da escola e do trabalho.
O modo desigual como são distribuídas as vagas no mercado de trabalho e as
instituições escolares também contribuem para que a maioria dos jovens não encontre nessas
duas instâncias experiências significativas para as expressões de sua juventude e para as
experimentações progressivas das experiências da vida adulta.
114

Na maior parte dos casos, as situações de inserção dos jovens na escola e no trabalho
se alternam entre uma tutela excessiva ou um exagero de cobranças que chega a negar as
possibilidades de vivência de outras dimensões constituintes da juventude. Para muitos jovens
a transição não ocorre dentro de um projeto que os desafie gradualmente e lhes possibilite
ampliar sua autonomia e independência.

3.3 Atuais arranjos das relações intergeracionais na família e seus efeitos sobre a
ampliação da autonomia e independência dos jovens

A família foi uma instituição social bastante afetada pelo advento da modernidade ao
mesmo tempo em que se tornou importante espaço de consolidação do projeto de indivíduo
das sociedades modernas ocidentais. As relações que ocorrem nesse microcosmo de fórum
privado estão ancoradas em questões e estruturas que perpassam os tempos sociais em que
estão inscritas. Assim, mesmo não tendo sido uma invenção da modernidade, a família se
incorpora ao moderno como produto e produtora de novos os modos de vida e socialização.
Nas primeiras expressões das sociedades modernas, que analiticamente constituem
hoje o bloco denominado de modernidade tardia ou primeira modernidade, a incorporação da
família ao modo de vida moderno requeria principalmente a redefinição do tipo de laço que
aproximava os indivíduos em torno dessa unidade de socialização.
No ideal da modernidade, amarras como a consanguinidade e as obrigações de
continuidade dos patrimônios familiares que até então estruturavam o pertencimento dos
indivíduos às famílias, eram incoerentes e impeditivas para o processo de individualização
humana, apregoado como condição central do ser moderno. Assim, a noção de família como
unidade de sobrevivência é questionada e, aos poucos, substituída pela noção de unidade de
afeto (ALMEIDA, 2009).
Durante as primeiras configurações sociais da modernidade as relações entre os
membros das famílias, o que inclui as relações entre as gerações mais velhas e as mais jovens
ou, mais especificamente, entre pais e filhos foi predominantemente marcada pela
hierarquização do poder de decisão que se concentrava nas mãos dos adultos e requeria a
obediência dos mais jovens. Os argumentos que sustentaram esse modelo de socialização
vigente na família até meados do século XX reuniam os mais diversos pressupostos para
afirmar a minoridade das crianças e jovens. Estes argumentos incluíam desde a alegação da
115

imaturidade biológica e psicológica até a questão legal como impeditivos para considerar-lhes
aptos a posicionarem-se acerca de seus futuros.
Apesar de ainda encontrarmos resquícios dessa exacerbação do poder do adulto sobre
os mais jovens nas sociedades atuais, observa-se que a partir da segunda modernidade,
conforme denominaram Beck (2010) e Singly (2005), as relações entre pais e filhos
apresentam-se cada vez mais horizontalizadas e a matriz da autoridade paterna/materna é
refundada em um contexto no qual o valor da autonomia passa a concorrer com o valor da
obediência e é posto em ação um processo de desfiliação que se inicia ainda na infância.
Segundo destaca Almeida (2009, p. 95), a reconfiguração das relações inter-
geracionais no interior das famílias reflete um processo social mais amplo que diz respeito à
implantação do regime democrático nas sociedades modernas.

Se a democracia se vinha revelando [...] no modelo de organização social


entendido como mais justo, pois assente na ideia de que todos os indivíduos
são (ou devem ser) iguais em liberdade e autonomia, também na família a
forma democrática de relações sociais, reproduzindo à escala os mesmos
princípios se foi, muito lentamente ainda assim, consolidando como modelo
normativo a seguir nas relações entre os membros do casal, estendendo-se a
perda de força das relações baseadas na autoridade e no estatuto hierárquico,
às relações de filiação.

Esses novos padrões e valores que predominam no âmbito das relações, se expressam
materialmente em arranjos familiares que não cessam de se renovar. Não é necessário
regressar muito no tempo para perceber a expressividade que adquiriram as famílias
monoparentais, o fenômeno da redução do número de filhos por casal, a articulação cada vez
mais forte da noção de família ao núcleo mais próximo constituído por no máximo duas
gerações e muitas vezes circunscrito aos membros que habitam a mesma casa e o crescimento
das famílias homo afetivas.
Importante dizer também, que o processo de reformulação da família é ladeado pelo
estabelecimento de marcos legais que definem direitos, papéis e obrigações no âmbito público
e privado e corroboram na consolidação de normas, valores e representações que passam a
regular e orientar das relações familiares.
No que diz respeito ao lugar dos mais jovens com relação aos mais velhos ou, mais
precisamente, dos filhos com relação aos pais, o processo de desfiliação resignifica a condição
de filho/a, de modo que ela pode perdurar para além da juventude, mas já não estrutura
necessariamente a totalidade da existência do indivíduo (SINGLY, 2005). É possível ser hoje
o filho de e muitas coisas mais. Dizer-se o filho de já não aprisiona o indivíduo na teia dos
116

compromissos morais e de subsistência para com as origens tanto quanto se observou em


contextos anteriores.
Diante das mudanças que ocorrem nos campos normativos, institucionais e culturais e
redefinem aquilo que se espera do indivíduo e das famílias, tendem a se tornar cada vez mais
raros ou pelo menos mais disfarçados os contextos familiares de orientação prescritiva,
enquanto se tornam cada vez mais comuns modelos de relação entre pais e filhos baseados na
negociação e em outros modos aconselhamento.
A aterrissagem dos novos modelos de relações intergeracionais, na experiência
particular de cada família e indivíduo, sofre variações de acordo com o modo como os
sujeitos estão integrados na sociedade, sendo importantes variáveis a observar a sua posição
no sistema produtivo e outros pertencimentos, tais como: étnicos, religiosos, regionais etc.
Para Singly (2005), a tensão entre uma lógica educativa baseada na obediência e na
disciplina (remanescente da primeira modernidade) e uma lógica educativa baseada na
autonomia do indivíduo (mas comum na segunda modernidade), resulta numa identidade
juvenil dividida. “Em alguns momentos de sua existência, o jovem está em um mundo que lhe
é próprio e em outros momentos circula por um mundo imposto por seus pais (e seus
professores)” (SINGLY, 2005, p. 114).
Para o autor, esta tensão produz diferentes graduações de autonomia dos jovens,
alargando-se quando se trata de amizades, vida sexual e lazer e estreitando-se nos assuntos
escolares, por exemplo. O autor conclui que, “o aluno ou a aluna de uma escola secundária
terão mais direito a escolher a sua noiva ou seu noivo que a área de prosseguimento de
estudos em nível superior”. (SINGLY, 2005, p. 114, tradução nossa).
Em semelhante direção, dados extraídos da Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião
dos Jovens Brasileiros (BRASIL, 2013) demonstram que os pais predominam como
interlocutores dos assuntos relacionados à educação e futuro profissional, enquanto que os
amigos são preferidos para discutir sexualidade, por exemplo. Os relatos dos jovens
participantes da pesquisa também confirmam que os pais, mas, sobretudo as mães, são
importantes referências para os jovens nos assuntos relacionados à escola e ao futuro
profissional.
As relações mais horizontais entre pais e filhos pressupõem modos mais sutis de
estabelecimento da autoridade paterna e materna, de modo que as trocas entre jovens e adultos
no meio familiar na atualidade nem sempre deixam explícitas todas as intenções que os
movem. Assim, há diferentes maneiras de um pai e uma mãe influenciarem seus filhos na
117

escolha de uma carreira, de uma escola ou de um(a) namorado(a), como há também diferentes
modos de os jovens conseguirem apoio para aquilo que perseguem.
Nos estudos de Foracchi (1977) encontramos apontamentos sobre a sutileza com que
se produzem modelos de subordinação no meio familiar. Para a autora, a relação de
manutenção existente entre pais e filhos cria diferentes formas de dependência e determina em
grande medida o nível de autonomia dos jovens, inclusive quando se trata da escolha por um
curso superior ou um trajeto profissional.
Em qualquer das relações de manutenção observadas pela autora (totalmente
mantidos, parcialmente mantidos ou totalmente independentes financeiramente), os filhos
relatam situações de subordinação ou, no mínimo, reciprocidade, quanto aos interesses e
investimentos dos pais. O fato é que em todos os casos, esta subordinação é guarnecida por
recursos discursivos que tendem a minimizá-la e a retirar-lhe o tom de imposição em favor do
tom de acordo.
Em pesquisa com jovens portugueses, Pappamikail (2004) conclui que o apoio
familiar prestado pelos pais na fase de transição da escola para o trabalho é visto de forma
positiva e entusiasta pelos jovens. A autora afirma que para os jovens portugueses
investigados, a família é uma bolsa de recursos a que podem recorrer frequentemente.
Composta de capitais emocionais e materiais que variam em quantidade e variedade
consoante a condição social dos sujeitos, esta bolsa produz suportes não somente porque os
recursos são disponibilizados pelos pais, mas também porque são entendidos como
disponíveis pelos filhos.
A partir dessas observações extraídas dos estudos de Foracchi e Pappamikail, pode-se
perceber que a posição assumida pelos adultos e os jovens com relação à manutenção e
provimento de recursos materiais da casa é um aspecto fundamental na estruturação das
relações entre ambos. Apesar de serem mais comuns os casos em que o apoio material
procede dos adultos para os jovens, nas classes populares é possível encontrar muitos casos
em que os jovens dividem ou assumem integralmente as responsabilidades pelo provimento
da casa.
As experiências dos jovens participantes da pesquisa comprovam a existência de uma
relação estreita entre a conquista da independência financeira e a ampliação da autonomia,
mas este é um processo que é influenciado por muitas outras variáveis, inclusive algumas de
fundo moral. Mesmo entre os jovens que declararam ser completamente independentes dos
pais no campo financeiro e inclusive para aqueles que assumem o papel de provedores da
118

casa, verifica-se que algumas regras e outros tipos de controle feito pelos pais operam
fortemente sobre suas decisões.
Independentemente da posição que ocupam na manutenção do domicílio, os jovens
entendem que a casa é de seus pais e enquanto ali estiverem a principal contrapartida a ser
dada aos “donos da casa” é a obediência. Em todo caso a situação é ambígua, como se pode
perceber nos relatos do jovem Renato.
Quando é indagado de modo genérico sobre quem é responsável pelo estabelecimento
das regras em casa Renato afirma: “Agora mudou! Quem coloca (regras) sou eu! Sou eu que
imponho as regras. Ela (a mãe) acaba executando. Todas, tipo: quando eu chego, quando eu
vejo alguma coisa bagunçada eu peço para ela arrumar. Tudo... se tem alguma coisa para fazer
eu falo”. (Renato, trecho da segunda entrevista)
Na entrevista anterior, Renato havia mencionado que a mãe impunha uma regra que o
proibia de levar alguém para dormir em casa, então quando é indagado especificamente sobre
esta imposição, ele diz: “Ainda continua. Continua impondo essa regra. A casa é dela, né. Eu
que sustento, mas a casa é dela, o prédio. Eu acabo obedecendo. E nem ela também (pode
levar ninguém), nem ninguém. É para todos”. (Renato, trecho da segunda entrevista).
A pesquisa traz também realidades que espelham outras combinações no que diz
respeito à participação dos jovens na subsistência da família e à ampliação da autonomia.
Havia jovens que não possuíam renda ou cujas rendas cobriam apenas uma parte dos gastos
de subsistência e itens de uso pessoal, mas que apesar disso registram ganhos significativos
no plano da autonomia ao longo do período pesquisado. Fatos tais como: completar dezoito
anos, concluir o ensino médio, ingressar no ensino superior e progredir no mercado de
trabalho, são citados como fatores importantes no alargamento dessa autonomia juvenil.
A jovem Kelly, que nas duas primeiras entrevistas foi enfática ao falar do controle e
rigidez da mãe sobre seus horários e atividades, na terceira entrevista afirma que algumas
coisas haviam mudado radicalmente nesse plano familiar:

Mudou pra caramba a minha relação com a mamãe, a gente tá mais


companheira, digamos assim, depois que eu... sei lá... mudei, eu mudei pra
caramba, como eu te falei, dezoito anos pra mim foi uma mudança muito
grande, o pensamento é bem diferente. Então a gente tá bem companheira. A
minha mãe tá com um projeto de... projeto não, isso já é concreto que ela vai
voltar pro Maranhão, [...] então a gente tá vendo como vai suceder isso da
melhor forma e acho que até o final do ano ela tá indo, [...] e eu vou ficar e aí
depois quando eu me formar a gente vai ver como é que faz isso.
119

A ampliação da autonomia dos jovens também é impulsionada pelo movimento de


resistência ou questionamento que fazem acerca de algumas regras ou costumes com os quais
não estão plenamente de acordo. O trecho extraído do relato da jovem Denise elucida um caso
desse tipo.
Tinha um período que eu tava usando alargador (de orelha), mas por minha
família ser evangélica eles não gostaram muito dessa ideia, mas eu tentei
conversar, explicar, perguntar, pedir conselhos com relação a isso e por meu
pai ser evangélico ele foi pra bíblia dizer que não pode e tal [...], mas mesmo
assim eu não acreditei porque a gente por ser jovem a gente pesquisa muito,
não tô desacreditando no que diz a bíblia ou que Deus existe ou qualquer
coisa assim, mas a gente passa a entender de forma melhor, a gente procura
saber o que diz na bíblia, procura interpretar da melhor forma possível, então
eu tentei explicar isso pra ele, mas meu pai e tal... não aceitou né. Eu tirei
desse lado, desse lado ficou e não é por birra não, por ser rebelde é porque
eu comecei a gostar. Não que eu tenha visto em alguém como meu pai
pensava: ela viu em alguém isso, quero saber em quem ela viu isso, porque
eu não uso e não sei por que você quer usar.

Há casos também em que as principais mudanças na relação com a família surgem


como respostas a algumas contingências da vida. A jovem Taís, por exemplo, obteve
autorização para dormir na casa do namorado, visando facilitar seu deslocamento para o
trabalho. Na última entrevista a jovem avalia as mudanças ocorridas em sua vida no período
da pesquisa e diz:

Eu não podia namorar, agora eu posso, já tô quase casando (risos). Tô quase


casando, já tô trabalhando, já não tô dormindo em casa, coisa que eu não
podia fazer. Mas essa questão de eu sair de casa não foi nada planejado, foi
mais por necessidade, pelo fato da rota não vir aqui, devido à distância, aí eu
ir pra lá, mas por isso. (Taís, trecho da segunda entrevista)

Os relatos desses jovens demonstram que os pais não estão eximidos de algumas
contrapartidas ou adaptações, tanto quanto os jovens não estão totalmente alijados da tomada
de decisões. O fato é que as condições de independência e autonomia dos jovens nem sempre
coincidem e, apesar de se influenciarem mutuamente, não é possível afirmar que a posse de
uma, leve diretamente à outra.
Compreender as diferenças conceituais entre essas duas condições – autonomia e
independência - é uma ação importante para entender as relações entre ambos. Segundo
Almeida (2010) a autonomia pode ser definida como “um conjunto de (in)competências
psico-sociológicas transitórias ou permanentes, também servindo para aferir a condição global
do sujeito face a outros, numa ou em todas as dimensões de sua existência,
independentemente da fase do seu ciclo da vida”; enquanto que a independência resume-se a
120

“autossuficiência do indivíduo no que diz respeito aos recursos que mobiliza para agir.”
(ALMEIDA, 2010, p. 404).
A autonomia diz respeito, portanto ao modo como os sujeitos escolhem e decidem
agir, enquanto que a independência responde pelos recursos necessários à concretização do
agir autônomo. Importante mencionar que não há uma medida geral a partir da qual é possível
aferir o grau de autonomia e independência do sujeito. Isso só é possível levando em conta o
jogo relacional que se estabelece entre o sujeito e seus grupos, no caso da autonomia, e aquilo
que se considera necessário para realização das intenções do sujeito em um determinado
contexto. Assim, o indivíduo não é autônomo e independente senão em relação a alguém ou
algo.
Para Singly (2005) a autonomia e a independência são dimensões centrais do processo
de individualização e a dissociação dessas duas dimensões é a característica central da
juventude na segunda modernidade. Para o autor a configuração social contemporânea tem
criado muito mais possibilidades de desenvolvimento da dimensão da autonomia que da
independência juvenil. Assim, Singly (2005, p. 115) considera que, “Los jóvenes se hallam
em las condiciones sociales y psicológicas que les permitem aceder a uma certa autonomia,
sin disponer, por ello de recursos, especialmente económicos, suficientes para ser
independientes de sus padres”.
Os dados dessa pesquisa sinalizam que há uma grande variação nos modos como os
jovens brasileiros buscam ampliar sua independência e autonomia. De um modo geral esses
dados reforçam que as relações intergeracionais no meio familiar estão mais horizontais e há
também um contexto mais favorável à consideração do jovem como um sujeito de direitos,
em condições de se posicionar de modo autônomo sobre seu presente e futuro.
Os dados também mostram que essas tendências mais amplas desdobram-se em
diferentes modos de combinar independência e autonomia, modos estes profundamente
marcados pelas questões estruturais que afetam hoje o jovem brasileiro em nível nacional de
local.
Conforme se apresentou no capítulo anterior, os jovens de Manaus enfrentam sérios
desafios nos campos da mobilidade urbana e da aquisição de casa própria, além disso, estão
expostos às formas precárias de inserção no mercado de trabalho e sofrem as consequências
de um sistema de ensino com diferentes níveis de qualidade entre escolas centrais e escolas de
bairro.
Olhar para as experiências particulares de transição desses jovens é um modo de
compreender esse contexto social, do mesmo modo que a compreensão do movimento de
121

autonomização e conquista da independência desses jovens precisa considerar os efeitos dos


constrangimentos estruturais.

3.4 O papel das redes de relações interpessoais na construção de itinerários profissionais

O trabalho de sondagem das diferentes dimensões biográficas dos jovens (relações


familiares, processo de escolarização, redes de amizade, inserção no mundo do trabalho etc),
revelou que a família (em especial a mãe e os irmãos mais velhos) e os grupos de amigos e
colegas de escola são importantes interlocutores dos jovens quando se trata da definição de
caminhos para a inserção profissional, seja como experiência imediata ou como projeção para
o futuro.
Pensar as relações dos jovens com estes grupos a partir da noção de rede permite
compreender, tanto aos jovens quanto aos membros dos grupos, como unidades ativas numa
relação de troca e interdependência, cuja dinâmica e natureza precisam ser mais bem
clarificadas. As redes de relações interpessoais propiciam estruturas objetivas de apoio aos
jovens, como também contribuem na construção do campo de possibilidades.
Se considerarmos o mercado de trabalho enquanto uma espécie de microcosmo com
regras específicas a serem seguidas por quem dele participa, havemos de concluir que não é
sempre que as regras de acesso e permanência deste subcampo do social estão acessíveis de
modo mais objetivo para todos que nele pretendem entrar. A situação é especialmente
complexa para os jovens em vias de realização das primeiras aproximações com o mundo do
trabalho.
No plano teórico, as sociedades modernas acenam com a possibilidade de criação de
aparatos institucionais responsáveis por fazer a ponte entre os demandantes de emprego e o
mercado de trabalho. Na prática, o Brasil não tem feito dessa premissa uma realidade, dada a
fraca atuação do Estado quando se trata da mediação entre o jovem e o emprego. Dentro desse
quadro, as redes de relações interpessoais têm se tornado, cada vez mais, um canal de acesso a
informações, orientações e recursos que se tornam importantes chaves na definição de
percursos profissionais, sejam eles efetivamente vividos, ou aqueles que se projetam para o
futuro44.

44
Na pesquisa sobre o desemprego como construção social coordenada por um grupo de pesquisadores
brasileiros, franceses e japoneses, os resultados apontam o diferente peso das redes de relações interpessoais
quando comparados o Brasil a França e o Japão. No caso brasileiro, ficou evidente que estas redes são um meio
importante de obter informações e vagas do mercado de trabalho (GUIMARÃES, 2009).
122

A maior parte dos modos de atuação das redes de relações interpessoais na


constituição de percursos profissionais ocorre em contextos de fórum privado, mas têm
aumentado os casos em que os contatos pessoais de funcionários são incorporados à política
de recrutamento de grandes empresas. Em Manaus, algumas indústrias da Zona Franca têm se
utilizado do recurso das indicações para contratação de novos funcionários.45
O estudo de Mourão (2006) em uma fábrica da Zona Franca de Manaus mapeou os
processos de seleção adotados pela empresa, identificando diferentes estratégias para o
preenchimento de vagas quando se tratam de cargos críticos, que demandam qualificação
técnica mais específica e maior nível de escolaridade e cargos não críticos ou operacionais.
Segundo a pesquisadora, para os cargos críticos, o processo é inicialmente interno, dando-se
prioridade aos funcionários da empresa, em seguida aos estagiários e terceirizados e somente
quando a vaga não é preenchida por estes profissionais, que já estão familiarizados com as
rotinas da empresa, é feita a divulgação da vaga para o público em geral.
A seleção para os cargos não críticos, que são aqueles que apresentam o maior número
de vagas e, normalmente o maior número de candidatos, a seleção também se inicia entre os
próprios funcionários da fábrica, estagiários e terceirizados e no caso do não preenchimento
das vagas, a empresa prioriza a indicação dos chefes e demais trabalhadores, evitando a
divulgação da vaga em jornal de grande circulação e, assim, precavendo-se da morosidade e
lentidão que o provável excessivo número de interessados tenderia a agregar ao processo.
Na avaliação de Mourão (2006, p. 176), o recrutamento de profissionais pela via da
indicação gera um compromisso entre quem indica e quem é indicado para com a empresa.
“De quem indica, pois não pode sugerir alguém que não condiga com as expectativas dele; e
de quem é indicado, pois não pode colocar em dúvida a capacidade de discernimento de quem
o indicou”.
Na medida em que acessam o mercado de trabalho pela mediação de parentes ou
amigos, os jovens percebem e incorporam essa lógica de compromisso moral entre quem
indica e quem é indicado, conforme se observa no relato de Robson:

Se a pessoa que a gente conhece trabalha bem, faz tudo direito, se aquela
pessoa quiser botar a gente lá dentro consegue, porque se a gente seguir o
mesmo exemplo... Que nem minha irmã, ela bota as pessoas lá, só que ela
sempre pede pra não sujar o nome dela, porque tá entrando lá com o nome
dela praticamente, se sujar o nome dela aí sempre cai os dois não é só ela né.
(Robson, trecho da primeira entrevista)

45
As pesquisas de Mourão (2006) e Baçal (2007 e 2010) em fábricas do Distrito Industrial de Manaus trazem
essa constatação.
123

No Brasil, sabemos que entre os mais jovens são especialmente aqueles que possuem
as menores rendas familiares os que procuram mais cedo por uma ocupação. Nesse caso
podemos nos perguntar que tipo de recursos podem as famílias de baixa renda e os grupos de
amigos oferecerem aos jovens no intuito de lhes proporcionar melhores posições no mercado
de trabalho? E, ainda, é necessário perguntar como se processa a tensão entre prescrições e
autonomização para os jovens em vias de inserção laboral?
Observa-se que o apoio dos familiares e dos grupos de pares pode se traduzir em
diferentes suportes materiais e imateriais dos quais os jovens lançam mão ao projetar e/ou
viver suas experiências relacionadas ao trabalho. Essa noção de suporte, conforme se
apreende dos estudos do sociólogo Danilo Martuccelli (2007a e 2007b) pressupõe que as
contribuições das redes de relações interpessoais são tecidas em um movimento de mão dupla
que caracteriza uma interdependência entre o jovem e os demais membros das redes.
Trata-se, pois, de um apoio que se constrói na relação específica de cada jovem com
seus grupos. Assim, é possível que um mesmo sistema de apoio produza efeitos distintos para
diferentes jovens. Apurar estas nuances, normalmente inviabilizadas em abordagens mais
estruturais, tem sido o desafio dos estudos biográficos.
Os estudos que têm se debruçado sobre as contribuições das redes para a construção
de trajetórias laborais dos indivíduos apontam que a compreensão deste objeto passa
necessariamente pelo entendimento de múltiplas articulações que se dão entre atributos
individuais, questões estruturais e relações que ganham corpo nas redes. É nesse sentido que
Guimarães et al. (2012) formulam o seguinte argumento:

Sob um mesmo contexto estrutural, as chances de obtenção de trabalho


variam não apenas em função das mudanças na estrutura da oferta de postos,
ou da variada natureza dos atributos individuais daqueles que os pleiteiam,
mas estão associados [...] à natureza das redes em que os indivíduos se
inserem e, sobretudo [...] refletem o modo como atributos e relações são
representados, mobilizados e negociados nas situações de procura de
trabalho.

Conforme nos diz Portugal (2004), a ativação do capital relacional ocorre de modo
articulado com outras variáveis e outros tipos de capital e isso tem efeitos sobre sua maior ou
menor capacidade de prover recursos no acesso ao emprego.
A pergunta anteriormente formulada sobre o tipo de contribuição possível no âmbito
das classes populares para construção de percursos profissionais entre os jovens, não quer
dissimular uma desconfiança antecipada da impotência destas classes em oferecer suportes
124

aos seus jovens. Ao contrário, esta pergunta se faz com base na conclusão de que para além de
todos os problemas de ordem material que atingem esta parcela da população, há estratégias
específicas, muitas vezes sutis, que são capazes de oferecer aos jovens das classes populares
um conjunto de recursos importantes para construção de trajetórias de conciliação entre escola
e trabalho.
O olhar sociológico sobre esta questão não se contenta com a simples exaltação do
esforço despendido pelas famílias e pelos jovens entre si para superar as desigualdades sociais
que também se refletem em desvantagens profissionais. O trabalho a ser feito é, em primeiro
lugar, o de inventariar estes modos de atuação das redes e compreender como se processam
arranjos relacionais capazes de produzir apoios onde só se esperava a carência.
Na clássica abordagem dos sistemas de dominação formulada por Pierre Bourdieu o
capital econômico e o capital cultural figuram como os principais critérios de diferenciação
social. Deste modo, os agentes sociais são distribuídos no espaço social, em primeira
dimensão, conforme o volume global desses dois tipos de capital que possuem e, em segunda
dimensão, de acordo com a estrutura de seu capital, ou seja, conforme o peso relativo dos
diferentes tipos de capital - econômico e cultural -, no volume global de seu capital.
(BOURDIEU, 2005).
Numa escala mais reduzida de produção e reprodução dos sistemas de dominação,
Bourdieu situa as disputas travadas pelos indivíduos no interior dos campos. Este conceito
formulado pelo teórico refere-se a espaços de produção, consumo e classificação de bens
específicos, com regras e móveis de disputa relativamente autônomos entre si, tais como o
campo religioso, o artístico, o acadêmico, o profissional, o escolar, o familiar etc.
No interior dos campos, os agentes disputam o controle da produção e o direito de
legitimar, classificar e hierarquizar os bens produzidos. Os agentes em posição dominante
tendem a adotar estratégias de conservação dos padrões, enquanto que os agentes em posição
de dominados podem adotar estratégias de aceitação ou adaptação à ordem estabelecida ou
estratégias de contestação ou subversão dos padrões (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2009).
De modo análogo ao que ocorre no meio social mais amplo, os critérios de
classificação do que é ou não legítimo num determinado campo, são definidos de acordo com
os padrões estabelecidos e impostos pelo grupo dominante, ainda que, para Bourdieu,
nenhuma das partes envolvidas neste processo o façam de modo plenamente conscientes.
Em determinados campos profissionais a dimensão simbólica inerente aos padrões de
seleção em vigor podem incluir requisitos ligados ao capital cultural incorporado – padrões de
comportamento, apresentação estética, vocabulário, dentre outros –, além daqueles que são
125

oficial e juridicamente estabelecidos para o acesso e a permanência em determinada profissão


e que corresponderiam, via de regra, ao capital institucionalizado que inclui títulos,
certificados, diplomas, comprovação de experiência etc.
Nestes casos, para além dos critérios oficiais que definem as condições de
pertencimento à determinada categoria sócio-profissional, existe toda uma ordem de
propriedades secundárias que podem funcionar como critérios de seleção e exclusão sem
nunca terem sido claramente enunciadas.
Nesta espécie de segunda ordem de propriedades que definem as condições de acesso
a certas profissões, as questões de gênero, etnia e origem social podem ter seus efeitos
mascarados por exigências oficiais que aparentam estar acima de tais características, quando
de fato, a exigência de determinados diplomas pode ser uma maneira dissimulada de exigir
determinada origem social (BOURDIEU, 2008, p. 97-98).
Estas sutilezas inscritas na ordem simbólica da sociedade só podem ser decifradas
por agentes em condições de percebê-las, condições elas mesmas marcadas pela objetividade
das estruturas, mas também pelas trajetórias individuais que os agentes descrevem no campo
dos possíveis estabelecido entre esperanças e oportunidades ou entre a posição de origem e as
prováveis posições de chegada ao longo da trajetória.
No trabalho de Setton (2005), no qual trata da contribuição das famílias para o êxito
escolar de jovens universitários de baixa renda, encontra-se uma releitura da noção de capital
cultural de Bourdieu, que parece oportuna. A autora defende a tese de que no contato com
informações e conteúdos divulgados em meios culturais não legítimos, as classes populares
desenvolvem um tipo específico de capital cultural que pode render aos jovens trajetórias
(improváveis) de sucesso escolar. A este capital cultural específico das classes populares
Setton (2005) denomina “capital cultural dos desfavorecidos”.
No que concerne aos percursos profissionais pode-se observar que também operam
capitais culturais e sociais específicos entre os jovens de classes populares no acesso ao
mundo do trabalho, mas não se pode deixar de mencionar que, em muitos casos, eles são
insuficientes ou apenas parcialmente capazes de romper com as barreiras produzidas pelas
desigualdades sociais.
Tão importante quanto inventariar os modos de atuação das redes interpessoais na
construção de percursos profissionais entre os jovens é a tarefa de levantar os tipos de relação
com o mundo do trabalho que se desenham a partir destas redes informais. Segundo Portugal
(2004), a atuação das redes informais no acesso ao emprego tem diferentes resultados quando
126

confrontados empregos decentes e empregos precários; primeiro emprego e empregos


subsequentes; indivíduos mais escolarizados e menos escolarizados etc.
Assim sendo, faz-se necessário compreender até que ponto os recursos obtidos pelos
jovens por meio das redes de relações interpessoais confluem para seu aprisionamento em um
círculo de relações precárias com o trabalho ou para projeção de uma trajetória profissional
decente.
A pesquisa possibilitou a identificação de diferentes modos de atuação da família e
dos pares juvenis na definição de percursos profissionais. Estes modos de atuação expressam
em parte os aspectos estruturais em que são forjados (famílias com baixas rendas, pouca
escolarização, inserção laboral juvenil precarizada etc), mas também revelam arranjos
relacionais menos óbvios entre pais e filhos e entre irmãos e algumas estratégias familiares e
amicais de enfrentamento das dificuldades decorrentes da posição social de origem.
Os dados relacionados às projeções e à experiência da inserção profissional dos jovens
mostram-se bastante marcados pela ação das instituições e grupos dos quais fazem parte ou a
que têm acesso. Conforme já foi exposto, a família é apontada pelos jovens respondentes do
questionário da pesquisa como a principal fonte de acesso a orientações e informações sobre o
mercado de trabalho. Na sequência, as instituições de apoio e intermediação entre escola e
mercado e a internet completam o quadro dos meios mais procurados por esses jovens para
informar-se sobre o mercado de trabalho.
As entrevistas biográficas revelaram um pouco mais sobre a dinâmica dessa troca
entre os jovens e seus familiares. Por meio dos relatos dos dez jovens participantes das etapas
de entrevistas, foi possível identificar que o apoio das famílias na definição de percursos
profissionais por parte dos jovens do ensino médio se traduz em diferentes práticas de
aconselhamento, provisionamento de recursos, indicação de oportunidades, partilha de
experiência e incentivos46.
Embora todos os jovens entrevistados que desenvolvem ou já desenvolveram alguma
atividade remunerada relatem que não sofreram nenhum tipo de pressão para o ingresso no
mercado de trabalho, muitos deles complementaram a questão dizendo que a própria
observação da relação de outros membros da família com o trabalho e também a percepção
das necessidades materiais da família, incidiram fortemente sobre a decisão de buscar
trabalho.

46
Com exceção de uma jovem que conseguiu emprego mediante distribuição de currículo e um jovem que não
possuía nenhuma experiência de trabalho, todos os jovens da pesquisa relataram pelo menos um evento de
inserção no mercado de trabalho que havia sido mediado por um membro da família ou par afetivo.
127

Em alguns casos as falas dos jovens evidenciaram que o trabalho é um elemento


identitário central entre os membros de suas famílias, mesmo quando as referências empíricas
do histórico de inserção profissional dos jovens e de suas famílias são ocupações
precarizadas.
Nesse sentido é possível compreender a força dessa dimensão quando o jovem Renato
diz: “Eu sempre trabalhei!”, utilizando-se de um tom peculiar a quem quer deixar clara a
centralidade do trabalho em sua vida. Ou quando o jovem Robson expressa: “Gosto (de
trabalhar). Na minha família a gente não tem preguiça de trabalhar, todo mundo trabalha e
gosta do seu trabalho”.
Os irmãos mais velhos foram citados por vários jovens como pessoas que servem de
referência para suas decisões no campo do trabalho e da formação escolar. Para alguns jovens
a simples observação da experiência do/a irmão/irmã fez despertar o interesse pelo trabalho.

A minha irmã já tava trabalhando, ela tinha dezesseis anos, aí eu me sentia


na obrigação também de ter um trabalho, já como ela tinha eu também
queria ter, não queria ficar dependendo da mamãe, porque a mamãe me dava
tudo né, comprava sapato, tênis, essas coisas assim, a minha irmã não, ela
comprava com o próprio dinheiro dela, aí eu queria comprar com o próprio
meu dinheiro. E eu também queria aprender, porque ela sabia um monte de
coisa de computador, tudo de computador aquela menina sabia, aí eu
também queria saber, aí eu peguei fui atrás, meti a cara, aí hoje em dia eu sei
também, igualmente o que ela sabe eu também sei. (Daniele)

Em outros casos os irmãos mais velhos aproveitam suas experiências para fazer a
ponte entre os irmãos mais novos e o mundo do trabalho. Às vezes isso resulta em uma
indicação para uma vaga de emprego, outras vezes os relatos de experiência vêm em forma de
dicas sobre o funcionamento do mercado de trabalho, que os mais velhos consideram
importantes para o sucesso dos irmãos mais novos.
Além dos irmãos mais velhos os pais e, sobretudo as mães são os principais membros
da família que oferecem suportes para os jovens no campo do trabalho e da formação escolar.
Apesar da pouca escolaridade observada entre os pais, suas opiniões estão sempre permeando
os relatos dos jovens sobre escolhas de cursos de nível superior. O relato de Daniele, cuja mãe
trabalha na indústria e possui o ensino médio completo elucida essa questão: “Minha mãe fala
que administração não é brincadeira não, porque é muitos módulos, e esses módulos são
difíceis”.
Diferente do que se pode observar em famílias mais escolarizadas, as opiniões dos pais
desses jovens sobre os cursos superiores sugeridos para os filhos nem sempre derivam de suas
128

experiências escolares. Muitas vezes baseiam-se em representações correntes sobre as


carreiras profissionais e refletem seus cuidados para que os filhos tenham mais êxito que eles
próprios no mercado de trabalho.

O meu pai já perguntou o que eu queria fazer, porque ele não quer que seja
que nem ele, porque lá embaixo ele trabalha demais, aí ele não quer que eu
siga o mesmo rumo dele, quer que eu seja um bom engenheiro, quer que eu
tente até Medicina, mas não é muito o que eu quero. Então ele já vem
abrindo, já vem me falando direto o que eu quero ser, o que eu pretendo
fazer. (Sávio, trecho da primeira entrevista)

Entre os modos de suportes objetivos, pode-se verificar ainda que a pouca renda não é
impeditivo para que alguns pais apoiem financeiramente a prorrogação da entrada do filho no
mercado de trabalho em nome de um investimento prioritário na educação visando a um
posterior ingresso no trabalho em melhores condições que as dos pais.
No início da pesquisa, dois dos dez jovens entrevistados não tinham nenhuma
experiência profissional e também não estavam à procura de emprego, sendo incentivados
pela família a se dedicarem exclusivamente aos estudos. O grupo apresenta também alguns
jovens que mesmo tendo recebido este tipo de orientação dos pais decidiu enfrentar uma
trajetória de conciliação de estudos e trabalho, seja porque suas leituras de necessidade
diferem da dos pais, seja porque acreditam que uma inserção profissional precoce possa lhes
render vantagens ao longo dos percursos projetados.
O fato é que ao longo das três etapas de entrevistas a situação e a posição dos jovens
quanto ao momento adequado/necessário de ingresso no mercado de trabalho sofreu
variações. Apenas um dos jovens que no início estava fora do mercado de trabalho e não
estava à procura de emprego permaneceu nessa condição. Por outro lado, houve um jovem
que no início estava trabalhando e nos dois anos finais da pesquisa não só havia parado de
trabalhar como não procurava emprego, isso porque a inserção anterior era por ele
considerada como circunstancial, tendo em vista as dificuldades financeiras que a família
atravessava.
Entre os modos de atuação dos pais observou-se também que estes se utilizam de suas
experiências para alertar os jovens sobre as dificuldades típicas do mercado de trabalho na
atualidade e para formular aconselhamentos e prestar assessoria em assuntos como
remuneração, poupança etc. Em alguns casos chegam a acompanhar o jovem nos primeiros
contatos com o ambiente profissional.
129

Quanto à atuação dos grupos de pares ocorre uma situação intrigante. Apesar de serem
pouco citados nos questionários (25 citações, o item menos citado), na etapa das entrevistas os
colegas de escola e amigos aparecem como importantes atores de momentos e situações
relevantes para a inserção profissional do jovem.
No relato dos jovens, o ambiente escolar aparece frequentemente como um lugar
propício às conversas sobre oportunidades de trabalho, estágio, programas de aprendizagem e
formação profissional, o que não significa que a entrada do tema do trabalho na escola esteja
sendo mediada pela proposta pedagógica da instituição.
A troca de informações sobre o mercado de trabalho entre os amigos/colegas de escola
é favorecida pelo fato de que grande parte dos alunos do ensino médio de escolas públicas ou
já tem algum tipo de relação com o mercado de trabalho ou está em plena busca de atividades
remuneradas.
A fala do jovem Sávio sobre a existência de um clima favorável na escola pública para
conversas sobre empregos sugere que os jovens do ensino médio, além de serem pares em
outros assuntos talvez mais ligados à representação sobre o jovem, também o são quando o
assunto é trabalho. “[...] tinham muitos alunos que precisavam ter emprego e tal, aí era o
que mais corria lá essas coisas” (Sávio, trecho da primeira entrevista).
Se na maioria das vezes os suportes criados pelos jovens entre si permeiam as
conversas cotidianas, há casos em que o apoio mútuo é amparado por outros mecanismos, tal
como a criação de grupos em redes sociais na internet com a finalidade específica de fazer
circular informações sobre empregos, cursos superiores, estágios etc.
A convivência com outros jovens que trabalham, não somente na escola, mas também
em outros meios, termina por ser também um suporte no campo subjetivo. Para os jovens que
trabalham é importante poder ver outros jovens como sujeitos com quem compartilham este
elemento de identificação. Nas conversas entre os jovens e seus pares o trabalho e a condição
de trabalhador também refletem um dos traços mais citados por eles quando caracterizam sua
juventude: a brincadeira. Nesse caso, eles brincam e fazem piadas sobre suas próprias
experiências, os locais de trabalho ou sobre os perfis dos chefes, por exemplo.
No caso de Daniele, que é aprendiz em uma empresa do ramo de panificação, o temor
inicial que a jovem tinha de ser alvo de brincadeiras entre os amigos devido ao ramo da
atividade, acabou por ser suplantado por meio das próprias brincadeiras. A jovem parece
reconhecer que se não fosse esse o motivo, certamente haveria outros para animar algumas
conversas sobre trabalho. “Minhas amigas de escola também são menores aprendiz em
130

empresas do distrito, então quando eu chego elas ficam bagunçando comigo: lá vem a
padeirinha. Mas tudo bem, eu não ligo, é tudo brincadeira.” (Daniele).
Os amigos pertencentes a outros círculos sociais frequentados pelos jovens, sobretudo
de igrejas e vizinhança também se revelaram como interlocutores importantes para os
assuntos relacionados ao trabalho e à formação em nível superior. Em alguns casos, amigos
mais velhos e já inseridos no mercado de trabalho fornecem informações sobre as áreas
profissionais em que atuam e os cursos que realizam e até mesmo indicam oportunidades de
inserção profissional aos jovens do ensino médio.
Para o jovem João Felipe, os depoimentos positivos dos amigos já inseridos em cursos
superiores ou áreas profissionais nas quais pretende ingressar, foram importantes desde a
escolha da escola de ensino médio e também são considerados quando o jovem projeta e
organiza a continuidades de seus estudos em nível superior.

Comecei a ouvir o pessoal falando a ‘escola do centro’ é bom e tal’, aí


tinham alguns amigos meus que já tinham estudado lá, tava até fazendo
faculdade, ‘pô, estudei no Comendador, é legal, uma coisa assim de outro
nível, então eu gostei. (João Felipe, trecho da primeira entrevista).

A conversa com os amigos também ajuda o jovem a refletir sobre fragilidades de sua
formação e o leva a pensar em escolher cursos menos concorridos para ingressar no ensino
superior e só depois tentar migrar para os cursos pretendidos.

Eu tenho amigos que são formados em Medicina, Fisioterapia, Odonto,


advogados, promotores. Então eu tenho, vamos dizer assim, um nível de
amizade bem alto, assim desse nível. Então eu sempre converso com eles,
troco umas ideias, mas o pensamento hoje no segundo ano é fazer a prova da
faculdade, certo, fazer o processo seletivo da faculdade, mas, por enquanto,
não ainda é não marcar lá pra fazer Direito ou Jornalismo, por quê? Porque
são faculdades que hoje no mercado elas estão muito concorridas, então não
vejo preparado ainda o suficiente pra eu poder e chegar lá e marcar e passar.
(João Felipe, trecho da primeira entrevista).

Ao longo das entrevistas foi possível verificar que mesmo quando mencionam outros
locais de apoio acessados no processo de construção de percursos profissionais, tais como as
agências de mediação de estágio, programas de aprendizagem, cursos profissionalizantes etc.,
o acesso se faz via familiares ou amigos.
Foi interessante notar também que no conjunto dos dados, as atuações dos familiares e
dos pares como interlocutores dos jovens em suas experimentações do mundo do trabalho
131

receberam conotações positivas por parte destes jovens. Não houve casos em que o apoio
recebido no meio familiar ou entre os colegas e amigos fosse dado pelos jovens como um
problema.
Prescrições e interesses pessoais dividem espaço na balança dos jovens no que diz
respeito às experiências e projeções no campo do trabalho, estando ainda lado a lado com as
dúvidas e a contínua produção de sentidos que derivam de suas sondagens e práticas.
132

CAPÍTULO IV – MODOS DE VIVER A TRANSIÇÃO PARA A VIDA ADULTA


PELOS CAMINHOS DA ESCOLARIZAÇÃO E DO TRABALHO

Neste capítulo a discussão sobre os modos de viver a transição para a vida adulta
encontrados nos dias atuais entre os jovens brasileiros é retomada a partir de uma maior
aproximação com os dados aferidos na pesquisa. A pesquisa com os jovens de Manaus
demonstra que a realidade local reflete as tendências gerais de maior reversibilidade nos
processos de transição e de elevação do grau de insegurança nos contextos nos quais os jovens
se movem em busca de ampliação da autonomia e independência. Ao mesmo tempo, os dados
indicam que alguns componentes da realidade local produzem variações importantes nos
modos de viver a transição.
Os jovens da pesquisa apresentam diferentes relações com a escola e com o trabalho.
Essas diferenças envolvem desde os aspectos mais objetivos que caracterizam suas
vinculações com essas duas esferas, como também aspectos simbólicos que mediam
expectativas, projeções e visões sobre o ser jovem e o ser adulto.
No campo do trabalho, os jovens apresentavam desde o início da pesquisa diferentes
perfis, havendo aqueles que trabalhavam de modo formal ou informal e aqueles que não
trabalhavam, sendo que alguns destes estavam à procura de emprego. A situação laboral de
quase todos esses jovens se alterou ao longo dos quatro anos de acompanhamento da
pesquisa. Nesse período, observou-se um intenso fluxo de entradas, saídas, retornos e
progressão dos jovens no mercado de trabalho.
No quesito da escolarização, os jovens tinham em comum, no início da pesquisa, os
seguintes aspectos: estavam inseridos no sistema de ensino; cursavam o primeiro ano do
ensino médio e tinham planos de ingressar no ensino superior imediatamente após a conclusão
desta etapa da formação escolar. Ao final da pesquisa, nem todos haviam concluído o ensino
médio, devido a reprovações ou abandonos, e a inserção no ensino superior efetivou-se para
apenas quatro jovens.
Ainda que a escola de ensino médio e o trabalho sejam duas dimensões centrais da
situação juvenil dos jovens da pesquisa, nem sempre estas duas esferas produzem os mesmos
graus de ampliação da autonomia e independência dos jovens, ou seja, a participação dos
jovens nessas duas dimensões influi de modo distinto nos seus processos de transição. Isso
porque os efeitos dessas duas dimensões de socialização são afetados por outros
pertencimentos, relações, circulações, acessos e experiências vivenciados pelos jovens.
133

Os relatos dos jovens apontam quatro pontos que se colocam como centrais no debate
do lugar que trabalho e escola ocupam hoje nos processos de transição: 1) As tensões da
participação simultânea dos jovens nessas duas esferas; 2) A precariedade que marca seus
processos de inserção; 3) O adiamento da inserção que se configura, para alguns, como uma
estratégia de mobilidade ascendente; 4) As aproximações e distanciamentos da condição
juvenil que se vivem na escola e no trabalho. Esses quatro pontos são explorados ao longo
deste capítulo.

4.1. No portão da escola, trabalhadores do lado de fora: tensões da conciliação entre


trabalho e ensino médio.

Durante o trabalho de pesquisa, ficou evidente que os mundos da escola e do trabalho


figuram para os jovens como unidades incomunicáveis entre si. Seja porque os jovens
acumulam tentativas frustradas de busca de apoio para o entendimento e o enfrentamento das
relações entre essas duas dimensões de suas situações juvenis, ou porque não conseguem
sequer enxergar a possibilidade de diálogos entre os dois mundos. O que se observa com
frequência, é que os jovens do ensino médio, que necessitam ou optam pela conciliação das
atividades de trabalho e escolarização, seguem solitários no enfrentamento das tensões
geradas por essa concomitância.
A situação de acúmulo das atividades de estudo e trabalho por parte dos jovens foi
sondada em diferentes momentos dessa pesquisa. O questionário permitiu um levantamento
quantitativo dos jovens que conciliavam essas atividades. Já na etapa de entrevistas, aplicadas
em perspectiva longitudinal com um grupo menor de jovens no período de três anos
consecutivos, outras dimensões importantes que compõem o cenário da combinação de escola
e trabalho foram reveladas.
De antemão, podemos considerar que algumas informações disponíveis sobre a
estrutura do mercado de trabalho e a organização da educação escolar no Brasil, tomadas de
modo isolado, já produzem um alerta sobre as dificuldades de conciliação dessas duas
atividades. Quando, porém, a pesquisa permite um inventário mais preciso dos modos como
esse duplo pertencimento é vivenciado pelos jovens, muito mais que o elenco das dificuldades
decorrentes da permanência nas duas esferas, se descobre alguns detalhes sobre a atuação das
escolas e as estratégias dos estudantes, que dizem muito acerca da constituição dessas
dificuldades e sobre seus efeitos nos percursos escolares e profissionais dos jovens.
134

As informações prévias sobre a jornada escolar e de trabalho no Brasil podem ser


consideradas um primeiro indício objetivo que sinaliza para uma dificuldade na conciliação
das duas atividades. Genericamente, um jovem que está inserido no mercado de trabalho
formal, em um sistema de jornada diária integral de 8 horas e que cursa o ensino médio de
horário parcial, correspondente a 4 horas/dia, possui uma carga-horária de 12 horas de
atividades de trabalho e estudo por dia.
Na maioria das grandes cidades, entre as quais Manaus, o tempo de deslocamento
adiciona, no mínimo, duas horas a essa jornada, de modo que aos jovens que vivem essa
dupla condição de trabalhador e estudante, pouco resta de tempo para o investimento em
outras atividades ou mesmo para descansar47.
Na realidade investigada, as inserções dos jovens no mundo do trabalho e suas
relações com a escola são muito mais variadas do que supõem os apontamentos gerais sobre
carga-horária e vínculos dos jovens com as atividades laborais e com a escola. Os graus de
regularização dos vínculos, as condições de trabalho e as proximidades entre os conteúdos do
trabalho desenvolvido e as atividades escolares variam muito entre o público juvenil, havendo
tanto aqueles que tiram proveito da vivência concomitante das duas situações, quanto os
jovens que abandonam uma das duas atividades (com mais frequência a escola) diante das
dificuldades de conciliação.
A primeira etapa do trabalho de campo alcançou 134 jovens, todos eles estudantes do
primeiro ano do ensino médio em duas escolas públicas de Manaus. Conforme já mencionado
(Tabela 9), eram 27 os jovens que naquele momento declararam desenvolver alguma
atividade remunerada. Pouco mais da metade desses jovens (14) mencionou que as atividades
laborais desenvolvidas ocorriam em setores formais, nas condições de estagiários ou
celetistas. Os demais (13) apontaram outras situações de vínculo (trabalho sem contrato,
atividades autônomas e outras sem especificação).
A carga-horária de trabalho desses jovens não foi sondada no questionário, mas as
informações sobre o grau de regularização da inserção e sobre as atividades que desenvolvem
(Tabela 10 e Quadro 07) permitem intuir que boa parte desses jovens está inserida em
sistemas de jornada integral.
O questionário não identificou experiências de trabalho anteriores desses jovens, de
modo que os dados sobre os que não estavam inseridos no mercado de trabalho no início da

47
A pesquisa Nacional sobre perfil e opinião da juventude brasileira, da Secretaria Nacional da Juventude
(2013), revela números preocupantes com relação à jornada de trabalho dos jovens. Entre os jovens que estavam
trabalhando no momento da pesquisa, 46% cumpriam uma jornada de mais de 40 horas semanais e somente 16%
possuía uma jornada de menos de 24 horas semanais.
135

pesquisa (103 jovens) podem refletir apenas uma situação temporária de afastamento do
mercado de trabalho por parte de alguns jovens e não a realidade mais frequente na vida dos
mesmos. Quanto a isso se deve considerar o fato de que 89 jovens que não estavam
trabalhando disseram estar procurando trabalho. Além disso, a análise global do questionário
e os relatos coletados nas entrevistas apontam que alguns jovens não consideraram as
atividades remuneradas que desenvolviam esporadicamente (os bicos ou trabalhos avulsos
como eles costumam mencionar) para responder à questão sobre a inserção no mercado de
trabalho.
Algumas incoerências foram encontradas quando se cruzou respostas sobre renda
própria, contribuição com o pagamento das despesas da casa e desenvolvimento de alguma
atividade remunerada, dando indícios de que o número de jovens que estava no mercado de
trabalho no período de aplicação do questionário ou nele já haviam se inserido em algum
momento anterior era superior ao efetivamente apurado quando considerado apenas o quesito
que diretamente interrogava sobre o desenvolvimento de alguma atividade remunerada
naquele momento.
Na etapa das entrevistas a experiência de combinação das condições de trabalhador e
estudante foi abordada de modo mais aprofundado. No grupo dos dez estudantes selecionados
para a fase das entrevistas havia inicialmente – no ano de 2010 – seis jovens que vivenciavam
ou já haviam conciliado trabalho e estudo. No decorrer dos três anos em que foram realizadas
as entrevistas, ocorreram muitas mudanças no status desses jovens, tanto no quesito da
escolarização, quanto da inserção no mercado de trabalho (Quadros 03, 04 05 e 06).
Para todos os jovens da pesquisa a participação simultânea nessas duas esferas
representava um desafio. Em primeiro nível, as respostas dos jovens sobre a dificuldade de
conciliar estudo e trabalho espelhavam uma conclusão genérica que afirmava a dificuldade
ladeada com o esforço de adaptação, tal como se observa na fala de Kelly: “Fácil não é,
realmente é difícil [...] o que me atrapalha muito é o cansaço, mas fora isso, eu acho que dá
pra conciliar legal” (Kelly, trecho da primeira entrevista).
Quando as experiências marcantes de suas trajetórias de estudantes e trabalhadores são
detalhadas no decorrer das entrevistas, aparecem os diferentes graus de manifestação dessa
dificuldade em permanecer e tirar um bom proveito em ambos os espaços.
No quadro geral, se observa que a duração da jornada de trabalho, o tipo de atividade
exercido pelo jovem e a regularização da situação de trabalho são os principais fatores que
intervém no grau de dificuldade de conciliação de estudo e trabalho. Ou seja, os jovens que
estavam inseridos em jornadas diárias de 8 horas ou mais, exerciam atividades que requeriam
136

maior esforço físico e atuavam à margem da formalização apresentam respectivamente


maiores problemas em permanecer como estudantes e trabalhadores.
São quatro os jovens que relatam reprovações e/ou evasão escolar ocasionada pela
inserção no mercado de trabalho (Lidiane, Evandro, Renato e Robson), todos eles da escola
do bairro. Dois desses eventos de evasão ocorreram, inclusive durante o período da pesquisa
(Evandro e Robson).
Nos relatos dos jovens sobressaem o cansaço, as faltas, os atrasos e as dificuldades em
acompanhar as atividades escolares como os principais problemas da convivência das
condições de estudante e trabalhador.

Ainda cheguei a ir no primeiro dia de aula só que não tinha como. Eu


chegava lá atrasado, às vezes não dava pra ir, às vezes chegava muito
cansado. Tentei, mas não deu. Tentei assim umas duas semanas, mas não
deu mesmo. Eu tô planejando assim, pelo menos até o final do ano que
vem... eu tô guardando um dinheiro, eu tô pretendendo comprar uma moto
pra mim, pra facilitar o meu tempo, entendeu? (Evandro, 16 anos no início
da pesquisa, trecho da segunda entrevista).

Eu perdi a sétima e dois anos no primeiro. A sétima foi por causa mesmo
que eu não me dediquei, aí os dois primeiros anos, porque eu trabalhava e
chegava tarde. Eu trabalhava na Ponta Negra e estudava aqui no bairro. Eu
saia do trabalho cinco horas, pegava engarrafamento, esperava o ônibus,
chegava aqui oito e meia, nove horas, aí acabei desistindo dois anos, porque
eu tinha que trabalhar né. (Renato, 18 anos no início da pesquisa, trecho da
primeira entrevista).

Repeti a 9ª série. Em termo de trabalho, que eu faltava muito. Eu trabalhava,


aí chegava muito tarde e tinha vezes que eu num ia. Chegava muito cansado
e num ia. Aí eu fui reprovado por falta. Eu sempre não entregava meus
trabalhos porque não tinha tempo de fazer, aí isso me prejudicou um pouco
nas notas escolares. (Robson, 16 anos no início da pesquisa, trecho da
primeira entrevista).

Desisti ano passado na escola por causa que eu comecei a trabalhar no


primeiro turno, aí eu estudava normal, dava tempo de eu ir pra aula, porque
eu saía três horas aí dava tempo de eu ir pra aula, eu estudava de noite.
Quando foi no meio do ano me passaram pro terceiro turno aí a escola se
tornou militar também, aí a gente não podia sair mais cedo (da escola), aí
devido isso eu perdia rota e era perigoso porque eu trabalho no distrito e é
muito escuro e perigoso pra mim ficar pegando lotação toda vez, aí eu tive
que desistir da escola. (Robson, trecho da segunda entrevista).

Eu tinha 15 anos. Engravidei dela (da primeira filha), aí fiquei um ano sem
estudar. Depois que eu tive ela, eu retornei de novo. Aí eu comecei a
trabalhar, aí não fui mais também, trabalhei em casa de família, aí não fui
mais pra aula, porque não dava tempo de chegar. Aí nesse período
engravidei de novo, eu tenho uma filha de treze e uma de doze e esse menino
137

de seis. Dele foi acho que um ano também sem estudar, aí que eu voltei.
(Lidiane, 27 anos no início da pesquisa).

A maternidade e a paternidade também aparecem como situações que interferem na


trajetória escolar dos jovens. A jovem Lidiane e o jovem Evandro relatam situações de
abandono da escola relacionados com a gravidez e/ ou nascimento dos filhos. Nos dois casos,
o resultado da difícil equação entre maternidade/paternidade, trabalho e estudo resultou no
abandono da escola e na permanência no trabalho, diga-se um trabalho marcado pela urgência
que induz à aceitação de péssimas condições de exercício da atividade e de remuneração.
Nos casos em que a dificuldade de conciliar escola e trabalho resultou em reprovação
ou abandono da escola, sobressaem algumas características em comum: inserção informal
(exceto no segundo caso de retenção relatado por Robson), jornadas de mais de 8 horas de
trabalho e atividades que requeriam muito esforço físico (Evandro trabalhava em um
estaleiro; Robson fazia carregamento de caminhão; Renato era ajudante de pedreiro; e Lidiane
trabalhava como doméstica). O tempo de deslocamento no trajeto trabalho – escola e vice-
versa também é reportado pelos jovens como um fator que torna as jornadas de trabalho e
estudo inconciliáveis.
O que a experiência destes quatro jovens materializa é o quadro de dois lados que
compõe a situação juvenil de grande parte dos jovens brasileiros. De um lado, esse tipo de
inserção que consome quase a totalidade da energia e tempo dos jovens. De outro lado, a
escola regular de ensino médio pela qual tanto se luta, mas que não pode se realizar
plenamente para esses sujeitos, dadas as demandas muito mais urgentes que apresentam no
plano material e simbólico.
Entre os jovens entrevistados na pesquisa, observa-se outro subgrupo de sujeitos que
também possuem relatos de conciliação de inserção no mercado de trabalho durante o período
em que cursavam o ensino médio, mas nesse caso não houve retenção na trajetória escolar
relacionada à combinação dessas duas atividades. As situações são diversas no que concerne à
formalização da inserção e às atividades desenvolvidas, mas convergem quanto à duração da
jornada, em todos os casos jornadas parciais de no máximo 4 horas por dia e a remuneração
que varia de meio a um salário mínimo.
Estes jovens não consideravam que sua escolarização tivesse sido ameaçada pela
inserção no trabalho e nenhum deles era o responsável principal pela subsistência da família
ou tinha filhos, o que fazia com que alguns deles pensassem que havendo problemas de
conciliação, a saída do mercado de trabalho seria mais plausível que a saída da escola. A
138

renda auferida com o trabalho era utilizada para o próprio consumo ou para o investimento na
formação complementar e uma parcela muito pequena dessa renda era repassada aos pais,
para colaborar com o pagamento das despesas da casa.
Este grupo é formado pelas jovens Denise, Daniele e Kelly e pelo jovem João Felipe.
No início da pesquisa Denise ajudava a mãe em um escritório nas atividades de atendimento
ao público e digitação e os demais jovens eram aprendizes. Ao longo da pesquisa todos eles
mudaram de situação: Denise atuou temporariamente como repositora de produtos em um
supermercado e ao final atuava como atendente e caixa em uma livraria; Daniele foi
contratada como auxiliar administrativo na empresa em que atuou como aprendiz; Kelly
ingressou como estagiária e depois foi contratada por uma empresa do ramo da comunicação;
e João Felipe passou a se dedicar apenas aos estudos nos dois últimos anos da pesquisa.
Outro ponto convergente nos relatos desses jovens sobre o trabalho e que é
significativo para a conciliação com a escola, refere-se ao tipo de atividade desenvolvida.
Nenhum deles estava envolvido em atividades fisicamente desgastantes e para alguns o
conteúdo do trabalho agregava habilidades que tinham efeitos positivos no rendimento e
atividades escolares e também os preparavam para futuras inserções profissionais. Os relatos
trazem elementos que apontam sintonia entre conteúdos e comportamentos exigidos no campo
do trabalho e a forma escolar.

Tem gente que faz um curso, aí se prepara, trabalha como menor aprendiz,
eu acho que é praticamente a mesma coisa, porque eu tô adquirindo
experiência de como é um local de trabalho, né, como é dirigir o trabalho,
ser o chefe ali, às vezes a minha mãe não tá lá e é eu que tenho que tomar a
frente, ou fazer o serviço que ela mesma faz. [...] É também questão de
horário, hoje eu cheguei atrasada, né, eu liguei me desculpando, porque eu
não tenho esse costume, eu tô aprendendo a... na verdade, eu aprendi a
questão do horário, de ser pontual. [...] Aprendi um pouco assim a dividir,
‘não, hoje eu vou fazer esse tanto, amanhã eu faço isso’, entendeu, se
organizar mais, acho que isso ajudou bastante, eu ser um pouco mais
organizada, a ter pontualidade e ter experiência no trabalho. (Denise, 16 anos
no início da pesquisa, trecho da primeira entrevista).

Querendo ou não eu tenho que aprender pra mim poder falar lá na empresa
direito né, e na empresa aprender a ser uma pessoa melhor pra no colégio
também ser uma pessoa estudiosa. [...] Aprendi a ser uma pessoa... - não que
eu não fosse uma pessoa boa -, mas uma pessoa melhor ainda né, porque lá a
pessoa convive com muitas pessoas, são muitos funcionários, querendo ou
não eu aprendi a lidar com cada um, então isso me ajudou muito no colégio.
(Daniele, 16 anos no início da pesquisa, trecho da primeira entrevista).
139

A perspectiva longitudinal utilizada na aplicação das entrevistas permitiu a


identificação do trânsito que alguns jovens fizeram de situações de difícil conciliação entre
escola e trabalho para situações mais favoráveis. O jovem Renato experimentou essa mudança
e em seu relato fica claro que a regularização da atividade laboral (que traz em seu bojo carga-
horária e remuneração regulados) e o tipo de tarefa que se desenvolve, são requisitos
fundamentais para uma boa combinação entre estudo e trabalho na juventude.
Este jovem, que já tivera o ciclo escolar interrompido por dificuldades adicionadas
pela inserção no trabalho, avaliava a experiência corrente de auxiliar administrativo como a
primeira atividade laboral que ao invés de prejudicar incentivou sua formação escolar.
Interrogado se o trabalho que desenvolvia como auxiliar administrativo no setor jurídico de
uma empresa de transportes atrapalhava seus estudos ele responde com firmeza:

Não, nem um pouco. Pelo contrário, só ajuda, porque a gente tem que ler. Eu
acabei melhorando em Língua Portuguesa, tem que ler tudo que tá lá e
acabou melhorando, entendeu? Só fez é ajudar, o horário é compatível, né,
eu saio 17 horas. Da empresa pra casa é 10 minutos e aí acabou ajudando”.
(Renato, trecho da primeira entrevista).

Observa-se que os jovens que vivem as condições mais favoráveis de conciliação entre
escola e trabalho são aqueles que possuem nos seus locais de trabalho possibilidades de
negociar melhores condições de trabalho e de fazer, quando necessário, ajustes que são
fundamentais para a manutenção do bom desempenho na escola, a exemplo dos ajustes de
horário e de função. Concorrem para isso o suporte moral e financeiro prestado pelos pais, a
própria forma de inserção e também o setor em que a atividade é desempenhada.
Foi assim que a inserção regulada de João Felipe como aprendiz, por exemplo, lhe deu
a garantia de reclamar do desvio de função a que estava sendo submetido, algo que os jovens
do primeiro grupo poderiam não cogitar.

Eu trabalho na AB, alimentos e bebidas, que é a parte que liga bar, cozinha e
o restaurante, então eu meio que tava ultimamente fazendo trabalho de
garçom, só que eu não posso fazer isso, porque a minha área é
administrativa, então eu falei pro CIEE e o CIEE foi na empresa e conversou
e me trocaram, pra eu ficar ali dando suporte, no caso ajudando no home
service que é onde o hóspede liga pra cozinha, faz o pedido, nós anotamos,
ajeitamos tudo e leva pra ele. (João Felipe, 16 anos no início da pesquisa,
trecho da primeira entrevista)
140

Apesar de a inserção no mercado de trabalho não ter gerado nenhum abandono ou


reprovação escolar, alguns jovens desse grupo também falam de dificuldades na conciliação
das duas atividades. As principais dificuldades citadas são a falta de tempo para realizar
tarefas escolares e para participar de atividades complementares que consideram que seriam
importantes para sua formação geral.

Pra mim, o primeiro dia foi uma alegria trabalhar e estudar, mas agora tá
sendo muito cansativo porque de manhã eu fazia curso de inglês também, no
colégio né, porque tem o projeto Jovem Cidadão, aí eu fazia curso de inglês
de manhã, trabalhava de tarde e estudava de noite, aí eu fazia as tarefas na
sala de aula, agoniada, nos primeiros tempos eu fazia, tal e tal. Aí eu parei o
curso de inglês, aí de manhã eu faço minhas tarefas, de tarde eu trabalho e de
noite eu estudo, aí agora dá pra levar bom porque não tava dando mesmo pra
mim fazer três coisas ao mesmo tempo. Conseguir eu conseguia, mas saía
muito... forçava muito minha mente. (Daniele, 16 anos no início da pesquisa,
trecho da primeira entrevista).

Fácil não é, realmente é difícil, por exemplo, se eu tivesse tempo de estar em


casa à tarde ou pela manhã, talvez... O que me atrapalha muito é o cansaço,
mas fora isso, eu acho que dá pra conciliar legal, porque se eu tivesse em
casa de manhã eu ia estar dormindo, então eu ia acordar pra comer e ir pra
escola. Então o tempo de manhã não é problema, eu tenho tempo durante à
noite, durante o fim de semana, então eu acho que não é uma coisa tão difícil
assim. Fácil não é porque chega às vezes aquela hora que você queria tá
dormindo ou então tenho diversos trabalhos pra fazer: “poxa, amanhã podia
tá em casa fazendo aquele trabalho...”, mas é uma coisa que dá pra conciliar
legal, pra mim não é uma dificuldade tão grande. (Kelly, 15 anos no início
da pesquisa, trecho da primeira entrevista).

No limite do incômodo, alguns desses jovens jogam com a possibilidade de deixar de


trabalhar por um tempo ou buscar outras vagas, que melhor se integre com os outros projetos
que tocam no presente ou que planejam para o futuro. Foi assim que Kelly largou o programa
de aprendizagem e ingressou como estagiária de um grupo de comunicação, atividade
integrada com a carreira planejada na área de comunicação. E João Felipe, por sua vez, parou
de trabalhar e passou a dedicar-se apenas à escola regular e ao cursinho durante o período em
que cursava o terceiro ano.
A pesquisa demonstra que alguns elementos do perfil dos jovens são importantes para
entender as tensões que podem decorrer da participação concomitante na escola e no trabalho.
Nesse aspecto, destacam-se, especialmente, a posição do jovem quanto à constituição de
domicílio próprio e/ou a responsabilidade com a manutenção do domicílio e a maternidade/
141

paternidade como elementos que produzem diferenças no grau de apresentação dessas


tensões.
Os jovens que tiveram a escolaridade interrompida ou prejudicada devido à inserção
no trabalho, com exceção de Robson, viviam em domicílios próprios como cônjuges ou
chefes de família ou eram responsáveis pela manutenção do domicílio de origem e, além
disso, tinham filhos. Já os jovens cuja inserção profissional não ocasionou nenhuma
interrupção na trajetória escolar, moravam com os pais, eram solteiros, não tinham filhos e
pouco utilizavam de suas rendas para o pagamento de despesas coletivas da casa.
A pesquisa aponta também que a combinação da condição de estudante e trabalhador
se estende para além do ensino médio. Demonstram isso tanto as projeções que os jovens
fizeram ao longo da pesquisa, quanto a posição que alguns deles ocupavam com relação a
esse aspecto no final da pesquisa.
Ao longo das entrevistas os jovens deram sinais do quanto suas expectativas de
continuidade da formação escolar eram marcadas por suas condições de trabalhadores.
Durante os primeiros anos da pesquisa, quando se referiam ao ensino superior, com
frequência os jovens falavam da necessidade de trabalhar para pagar o curso, antes mesmo de
considerar a possibilidade de aprovação em uma instituição pública.
As contingências de caráter material e as informações que os jovens acumulavam
acerca das dificuldades de acesso às instituições públicas de ensino superior atuavam
fortemente na formação de suas perspectivas com relação a esse nível de ensino. Para esses
indivíduos, o acesso ao ensino superior não estava diretamente relacionado ao fato de serem
jovens, mas dependia fortemente de sua condição de trabalhadores. Em outras palavras, a
experiência social desses jovens não lhes dava bases para defender e acreditar no acesso ao
ensino superior enquanto um dos direitos articulados à condição juvenil.
No campo das ações práticas, observa-se que entre os jovens da pesquisa, alguns
sequer fizeram levantamentos sobre datas de processos seletivos, cotas e formas de acesso às
instituições públicas sediadas na cidade de Manaus. Outros deixaram de fazer os processos
seletivos devido à perda de prazos de inscrição, falta de documento, ausência no dia da prova
etc.
Sabendo do quadro geral no qual se constrói a relação (ou a ausência dela) entre estes
jovens das classes populares e as instituições públicas de ensino superior, os fatos
mencionados acima não podem ser tomados simplesmente como indicativos de falta de
interesse e responsabilidade dos jovens ou de suas famílias. Estes fatos refletem, sobretudo, o
quanto estas instituições estão apartadas de seus horizontes.
142

No final da pesquisa, quatro jovens haviam ingressado no ensino superior, todos eles
em instituições privadas. Destes jovens, apenas um não estava inserido no mercado de
trabalho e tinha a mensalidade do curso de direito paga pelos pais. As demais jovens (Denise,
Daniele e Kelly), as quais já vinham conciliando trabalho e estudo durante o ensino médio, no
final da pesquisa, viviam a situação de conciliação no ensino superior.
Denise e Kelly haviam se beneficiado com bolsas parciais do Programa Municipal
Bolsa Universidade e utilizavam as remunerações próprias para pagamento do restante do
valor referente às mensalidades. Elas cursavam, respectivamente, Arquitetura e Publicidade e
Propaganda. Já Daniele, dividia com o pai o pagamento da mensalidade do curso de
administração.
Nessa análise sobre as tensões da conciliação da escolarização com as atividades
laborais, chama atenção o modo como os jovens assimilam essas dificuldades como questões
individuais. Assim, tanto no grupo dos jovens cuja trajetória escolar foi atropelada pela
inserção profissional, quanto naquele formado por jovens que vivenciavam melhores
condições de conciliação, os relatos da dificuldade em momento algum enfatizaram a
contribuição da escola no aprofundamento desse quadro, e também não fazem referência ao
nível mais amplo das políticas públicas ou das desigualdades sociais como corresponsáveis
pela formação dessa situação que os atinge individualmente.
A consequência mais comum dessa construção discursiva da dificuldade como uma
questão pessoal foi a alusão ao esforço pessoal como o principal recurso de que dispunham
para superar as dificuldades de ser, ou tentar ser, ao mesmo tempo estudantes e trabalhadores.
Individualmente eles buscavam saídas para problemas tais como: atrasos, decorrentes das
longas jornadas e do tempo de deslocamento e apresentação de tarefas escolares, para as quais
não dispunham de nenhum tempo além daquele que já dedicavam à escola. Isso pode ser visto
nos seguintes relatos:

Eu tô guardando um dinheiro, eu tô pretendendo comprar uma moto pra mim


pra facilitar o meu tempo, entendeu? Porque talvez se eu tivesse hoje eu
ainda conseguiria terminar esse ano porque aí facilitaria muito, porque às
vezes pra vim depende de ônibus aí só de tempo é duas horas. (Evandro,
trecho da segunda entrevista).

Às vezes eu pedia pra entregar (os trabalhos escolares) um dia depois,


porque eu fazia lá mesmo na escola, rápido, aí eu pedia pra entregar no outro
dia. Às vezes eles deixavam, às vezes, tem professor que é chato, não
deixavam. Os amigos, os professores sabiam que eu trabalhava, mas eu não
chegava a ficar comentando o dia a dia do trabalho, assim, basta o cansaço a
143

gente tentava focalizar a mentalidade só nos estudos dentro da escola.


Deixava o trabalho pra trás. (Robson, trecho da primeira entrevista).

Eu fazia curso de inglês de manhã, trabalhava de tarde e estudava de noite, aí


eu fazia as tarefas na sala de aula, agoniada, nos primeiros tempos eu fazia,
tal e tal. [...] aí eu parei o curso de inglês, aí de manhã eu faço minhas
tarefas, de tarde eu trabalho e de noite eu estudo, aí agora dá pra levar.
(Daniele, trecho da primeira entrevista).

Os jovens falam de suas experiências e citam diferentes fatos que evidenciam que a
escola também não está sensível para a condição de estudantes trabalhadores que eles vivem,
porém seus relatos não sugerem que tenham outras expectativas com relação a esta
instituição, ou seja, nenhum deles menciona a possibilidade de a escola também ser um agente
importante na produção de melhor diálogo entre as esferas do trabalho e da formação escolar.
Isso ficou claro na expressão do jovem Robson: “Quando eu entrava na escola o trabalhador
ficava lá no portão, do lado de fora”. (Robson, trecho da primeira entrevista).
Apesar da dificuldade de conciliação de escola e trabalho ser uma experiência
construída de modo coletivo, na maioria dos casos em que se materializa em abandono ou
reprovação, essa dificuldade se projeta silenciosa enquanto uma experiência apenas
individual, que não produz eco na escola. Desse modo, não é incomum que os outros sujeitos
que participam da rotina escolar (professores, gestores, estudantes etc.) somente percebam o
fato quando o estudante já não está lá e muitas vezes nem se sabe o motivo de seu
afastamento ou baixo rendimento.
Martuccelli (2007a e 2007b) nos fala que a representação da sociedade sobre o
conjunto de suportes a que uma pessoa tem acesso varia conforme a posição social dos
indivíduos em questão. Para ele, entre os ocupantes de posições sociais mais elevadas
encontram-se muitos dos indivíduos assistidos pelos mais sólidos suportes. No entanto, é
neste grupo que a ideia de indivíduo soberano costuma se afirmar, dada a invisibilidade que o
conjunto de suportes pode adquirir dentro de um quadro de naturalização operado pela
ideologia do mérito pessoal.
Por outro lado, nas posições sociais menos favorecidas, estão muitos dos indivíduos
que mais têm que sustentarem-se por si próprios, tal a debilidade de seus suportes. Estes
indivíduos são, contudo, facilmente estigmatizados na condição de dependentes ou acusados
por demandarem maior assistência. Isso porque recorrem com mais frequência a políticas e
ações institucionais que os fazem parecer mais frágeis ou mais expostos a riscos, no lugar de
144

favorecer sua emancipação. Muitos dos jovens que participaram desta pesquisa são casos
típicos dessa segunda situação.

4.2. Se eu pudesse escolher ou, da procura por “trabalhos para jovens”.

Para alguns dos jovens participantes da pesquisa, a mola propulsora da inserção no


mercado de trabalho durante a juventude ou até mesmo na infância, foi a necessidade de
contribuir ou assumir integralmente a responsabilidade pela autossubsistência e/ou o sustento
familiar. Este dado também é verídico para grande parte dos jovens brasileiros, como têm
demonstrado as pesquisas de abrangência nacional.
O critério da necessidade pode apresentar-se com diferentes graus para indivíduos
distintos. Pode-se considerar que o modo mais agudo de sua objetivação ocorra quando aos
jovens não resta qualquer possibilidade de aguardar por uma vaga mais condizente com a sua
condição juvenil. Essa urgência, imposta pela necessidade financeira, deixa o jovem em
condições mais vulneráveis de inserção.
Os jovens da pesquisa recorrentemente utilizam expressões como trabalho para
adolescente, trabalho para menor ou trabalho para jovens para fazer referência a um tipo de
inserção profissional que julgam ser mais adequado à sua condição juvenil. Na maioria dos
casos esse termo não está diretamente ligado a uma referência empírica dos jovens, ou seja,
não necessariamente citam uma vaga ou ocupação conhecida quando mencionam o trabalho
para jovens, mas reportam um conjunto de condições para justificar a expressão, dentre as
quais a jornada parcial de trabalho, a remuneração digna e compatível com a jornada, a
formalização e o exercício de atividades cujo grau de desgaste físico e mental não prejudique
sua escolarização ou a vivência de outras dimensões da sua condição de jovem.
Quando fala de suas buscas por vagas de estágio ou aprendiz nas agências de
intermediação escola-emprego, o jovem Evandro explicita alguns aspectos daquilo que
constitui o trabalho para jovens e também destaca o peso que a necessidade possui sobre sua
situação de jovem inserido de modo precário e desprotegido no mercado de trabalho.

Um foi no CIEE, que ele te encaminha pra empresa, aí trabalha meio


período, ganha meio salário, mas trabalha meio expediente, aí tem aquele
auxílio, tem auxílio dentário, ganha cesta básica, esse tipo de coisa, porque
na verdade o que eu tava procurando era isso, entende, porque eu não queria
tá me desgastando tão cedo com um trabalho tão pesado, mas foi o que eu
145

consegui. E se, eu vou falar assim, e se eu precisar novamente e aparecer de


novo, eu iria novamente (para o trabalho pesado do estaleiro). (Evandro,
trecho da primeira entrevista).

A jovem Lidiane, cujas experiências de trabalho nos serviços domésticos durante os


primeiros anos da juventude não rendem boas lembranças, nos seus então vinte e oito anos,
projeta para a filha adolescente a expectativa de conseguir uma ocupação do tipo para
adolescente.

No caso da minha filha, eu gostaria muito que quando ela tivesse uns 15, 16
anos, ela já tivesse o primeiro emprego dela, mas não assim como eu tive o
meu, como babá. Eu tenho amigos, inclusive [...] (na escola), que têm o
primeiro emprego e faz estágio no colégio, eu não sei o que ele faz direito,
só sei que ele faz várias coisas. E eu queria que ela tivesse o primeiro
emprego assim, pra ela fazer mais amizade também. (Lidiane, trecho da
primeira entrevista).

A expressão “trabalho para jovens”, soa como uma versão nativa encontrada entre os
jovens para a definição de trabalho decente desenvolvida pela Organização Internacional do
Trabalho – OIT (2010, p. 21), a saber,

Trabalho produtivo com remuneração justa, segurança no lugar de trabalho e


proteção social para o trabalhador e sua família, melhores perspectivas para
o desenvolvimento pessoal e social, liberdade para que manifestem suas
preocupações, se organizem e participem da tomada de decisões que afetem
suas vidas assim como a igualdade de oportunidades e de tratamento para
mulheres e homens. (OIT, 2010, p. 21, tradução nossa).

A versão juvenil também coaduna com as prioridades definidas para a Agenda


Nacional de Trabalho Decente para a juventude: 1) Mais e melhor educação; 2) Conciliação
de estudos, trabalho e vida familiar; 3) Inserção ativa e digna no mundo do trabalho; 4)
Diálogo social. (BRASIL/MTE/SGPR, 2010, p. 24).
Na noção elaborada pelos jovens, a característica central do trabalho (decente) para
jovens é a possibilidade da conciliação com a vida escolar.

Eu acho que nas outras áreas de trabalho que tem pra menores, num
atrapalha tanto porque só é meio período né. Agora o que eu fazia não era
assim, porque não era pra menor, era pra pessoas mais velhas, que trabalham
o período inteiro, mas se fosse pra minha idade, menor aprendiz, seria bem
146

mais fácil porque é só meio período, num atrapalharia no estudo nem nos
deveres escolares. (Robson, trecho da primeira entrevista).

Para muitos jovens o trabalho decente, ou como eles definem, o trabalho para jovens
não é uma realidade, tampouco uma possibilidade. Por um lado, isso ocorre porque esse tipo
de inserção não está disponível para todos os jovens que buscam ou precisam inserir-se no
mundo trabalho, por outro lado, para muitos jovens a remuneração proveniente dos trabalhos
em tempo parcial não seria suficiente para a manutenção das obrigações financeiras que
possuem no âmbito familiar.
Diante da dificuldade em encontrar vagas que compatibilizem todas essas variáveis –
renda suficiente para suprir as necessidades, trabalho pouco desgastante e jornada parcial e
conciliável com a escolarização – a maioria dos jovens das classes populares submete-se a
atividades que dificultam e, em muitos casos, comprometem seu desempenho em outras
dimensões da vida, em especial a escolarização e o uso do tempo livre, que paradoxalmente
são duas das principais dimensões que caracterizam a moderna noção de juventude da qual
somos herdeiros.
Quando foram indagados sobre as atividades que costumavam fazer no tempo livre, as
respostas dos jovens demonstram o quanto essa dimensão, tipicamente juvenil, é afetada pela
inserção laboral:

O meu tempo livre praticamente só é o sábado, por causa que, até o domingo
eu trabalho. Eu entro de noite (trabalha no terceiro turno), aí eu não posso
sair senão eu fico desgastado pra noite. O meu tempo livre só é o sábado. Eu
saio com meus amigos por aí, mas... normalmente. É difícil também, fico
mais em casa. (Robson, trecho da segunda entrevista)

Aí tu falou certo. Tempo livre! Vamos lá! Bom, de segunda à sexta eu


trabalho... Ah! Sábado eu também trabalho. De segunda à sábado eu trabalho
e de segunda a sexta eu faço faculdade de noite. Aí me sobra o sábado à
tarde, que eu largo três horas, quatro horas... Aí nesse período da tarde eu
vou pra casa, tomo um banho e vou pra igreja, pro grupo de jovens, que
começa de seis horas até oito horas da noite. Quando é no domingo eu vou
pra igreja de manhã, depois da missa volto pra casa, tomo café, lavo minha
roupa, volto pra igreja de tarde, essa hora, pra dar catequese pra os
pequenininhos, sou catequista. E assim vai. (Daniele, trecho da terceira
entrevista)

Durmo (risos). Meu hobby? Dormir agora. Eu trabalho de segunda a sábado,


aí pela manhã eu acordo esse horário que você chegou entre dez horas, tem
dias que eu acordo onze, aí só tomo café e depois já almoço. (Taís, trecho da
segunda entrevista).
147

Quando se toma o trabalho para jovens enquanto um tipo ideal que condensa as
características do trabalho decente, pode-se observar que as experiências de inserção laboral
dos jovens da pesquisa posicionam-se em diferentes níveis de proximidade desse tipo ideal.
Os casos mais críticos são aqueles nos quais os jovens precisam provar que as condições
físicas e psicológicas típicas da adolescência e da juventude não seriam motivos para o menor
rendimento no trabalho. Os relatos dos jovens Evandro e Renato ajudam a entender essa
situação.
14 (anos) já quando eu comecei como ajudante (de pedreiro), até os 18 eu
ainda trabalhei. [...] Era bastante ruim, eu trabalhava demais, tinha que
trabalhar que nem os outros, entendeu? De maior idade, pra conseguir a
vaga. [...] Batia massa, concreto, carregava, tudo que o outro fazia eu tinha
que fazer, carregar material pesado, mas eu sempre me destacava, né, porque
eu queria trabalhar assim, aí eu tinha que trabalhar mais que o outro que
tinha maior idade que eu. Aí por isso que eu durava nos trabalhos. (Renato,
trecho da primeira entrevista)

Eu nunca tinha feito nada, eu comecei a ver ferro, máquina, máquina de


solda, maçarico, essas coisas, eu fiquei até meio perdido, sabe, fiquei sem
saber o que fazer, mas eu consegui me virar muito bem. Em questão da
força, do trabalho físico, eu consegui me sair, porque desde os 14 anos de
idade eu sempre fazia esporte, sabe, malhava, lutava boxe, essas coisas, mas
em questão do físico eu acho que consegui ir bem devido essa vida, sempre
voltada pro esporte que eu tive. Mas com o tempo eu me acostumei um
pouco, o sol também é uma coisa que incomoda bastante. A gente diz mais
ou menos assim, que é sol em dobro, porque vinha aquele sol, ele bate no
ferro e volta muito mais quente, é uma coisa horrível mesmo e eu trabalhei lá
acho que no período de 3 meses. (Evandro, trecho da primeira entrevista).

Os casos dos jovens da pesquisa chamam a atenção para o fato de que o ingresso nas
vagas consideradas não juvenis é sempre ausente de formalização, o que faz com que essa
inserção aumente a exposição dos jovens a acidentes e constrangimentos, alguns, inclusive,
são estabelecidos como provas pelas quais eles e elas têm que passar para demonstrar sua
capacidade de permanecer no posto. Eis alguns relatos que enunciam as dificuldades dos
jovens nos trabalhos desprotegidos: “Já, caiu uma vez uma cantoneira de mais ou menos uns
80 quilos na minha perna, ficou inchado, mas isso é coisa do dia a dia”. (Evandro, trecho da
segunda entrevista).

Como soldador, uma vez peguei uma queimadura na mão, porque o cara que
trabalhava comigo soldou uma peça lá de ferro, aí pediu pra mim pegar, só
que ele já tava com a mente pro mal, entendeu? Pra bagunçar, né, aí eu
peguei na minha mão. Pô, nesse dia, aí eu pedi pra eu sair, era uma hora da
tarde, eu pedi pra sair, ele não deixou não, disse que eu tinha que trabalhar,
se eu quisesse um emprego. Aí da outra vez foi o choque, eu perguntei pra
148

ele se o fio tava desligado, ele falou que tava, aí eu fui pegar e peguei um
choque. (Renato, trecho da primeira entrevista).

No dia que eu ia receber o meu primeiro salário ela (a patroa) nem me deu
todo. [...] Ela foi fazer compras no BT, ela me levou com ela e acho que ela,
não sei se ela tinha dinheiro e não queria dar, só sei que ela disse assim ‘tu
vê aí o que tu precisa de alimentos que eu vou pagar’. E aí eu só sei que eu
peguei um quilo de arroz, feijão, as coisas assim básicas. E no dia que eu fui
receber, ela falou que não tinha quase nada, que tinha ido tudinho, e eu não
tinha pegado, entendeu, eu tinha pegado pouquíssima coisa, só o básico
mesmo. [...] Você tá emocionada em ganhar o primeiro dinheiro, comprar
uma comida boa pra dentro de casa, você tá esperando, você vê que tá
fazendo uma comida boa lá na casa dela, quando você quer comprar pra sua
casa, a mulher chega no dia e não te paga, faz você praticamente obrigada o
que eu não queria comprar, o que eu poderia comprar até mais barato e nem
deu todo dinheiro. (Lidiane, trecho da primeira entrevista)

Os jovens da pesquisa vivem diferentes desafios cotidianos e estão submetidos a


distintas provas de existência. Alguns estão envolvidos diariamente na luta por condições
elementares que para outros já estão asseguradas. Conforme conclui Dayrell (2007, p. 1108),
“a vivência da juventude nas camadas populares é dura e difícil: os jovens enfrentam desafios
consideráveis. [...] Um grande desafio cotidiano é a garantia da própria sobrevivência, numa
tensão constante entre a busca de gratificação imediata e um possível projeto de futuro”.
Desse modo, tão preocupante quanto a situação presente desses jovens, é observar que
suas lutas se dão em cotidianos que não facultam as melhores condições para a mudança. O
nível de desassistência que acomete alguns jovens da pesquisa e que dá início ao círculo
vicioso da precariedade da inserção laboral é bem ilustrado pelo relato do jovem Evandro.

É uma coisa pra dinheiro imediato, sobrevivência mesmo, preciso me


alimentar, preciso comprar roupa, preciso comprar material de escola,
preciso de tudo isso e nada cai do céu, preciso de dinheiro pra isso e eu
também não queria ficar ‘mamãe, eu quero isso’, pô, foi embora daqui e
agora tô sustentando do mesmo jeito. (Evandro, trecho da primeira
entrevista).

Esses novos quadros de dependência também se manifestam na situação de algumas


jovens que vislumbram no casamento a possibilidade de aquisição de maior autonomia e
melhoria de vida e depois se veem presas em novas teias de submissão material e moral,
exercidas principalmente por seus companheiros, que assumem a condição de provedores da
casa.
149

Assim ocorreu para a jovem Lidiane, que vivia na ocasião da pesquisa a segunda união
conjugal e o desconforto diante da condição de dona de casa, cujas atividades e esforços
despendidos diariamente nos cuidados com a casa e as pessoas eram recorrentemente
desprestigiadas pelo marido. A expectativa de ampliação da autonomia dessa jovem de vinte e
oito anos de idade projetava-se para o mercado de trabalho.

Você é dona de casa e o marido chega, diz que passa o dia trabalhando e
você dentro de casa sem fazer nada. [...] Você tando fora, vão dizer ‘aquela
pessoa chegou agora do trabalho’, né, no final do mês eu vou receber. [...]
Agora você passa o dia lavando roupa, lavando louça, fazendo as coisas e a
pessoa chega e diz você não faz nada. Às vezes eu escuto isso em casa,
entendeu? Ele quer a roupa dele passada, tudo feito, e ainda diz que você não
faz nada. Eu prefiro tá fora pra uma pessoa que tá vendo o que eu tô fazendo,
ele não tá vendo, mas a outra tá vendo o que tô fazendo. [...] Dentro de casa
você não é reconhecido, a pessoa trabalhando na rua, pra mim você é mais
reconhecido do que dentro de casa. (Lidiane, trecho da primeira entrevista).

Em situações como estas vividas por Evandro e Lidiane, a saída da casa dos pais, que
fora de contexto pode ser considerado um ícone da autonomia e independência juvenil,
representa uma autonomização e independência parciais que libera o jovem do controle
familiar, mas o insere em outros quadros de dependência e falta de autonomia, dadas as
condições de extrema necessidade que acompanham o processo. Nesse caso, a autonomia
alcançada no plano da possibilidade de poder decidir sobre seu próprio destino é muitas vezes
embargada pela falta de recursos necessários para efetivação das escolhas.

4.3. “Trabalho, agora? Nem pensar!”: adiamento da entrada do jovem no mercado de


trabalho como estratégia familiar.

Ao selecionar os jovens da pesquisa, julgou-se importante ter um grupo que incluísse


indivíduos sem nenhuma experiência de inserção profissional, partindo da ideia de que as
relações dos jovens com a esfera do trabalho não se realizam apenas quando o fato da
inserção acontece. Para os jovens do ensino médio, sobretudo aqueles que estudam nas
escolas públicas e que em sua maioria provém das camadas populares, o trabalho é um tema
de grande interesse, se não enquanto uma realidade presente de procura ou inserção,
certamente o é como balizador das apostas do presente e das projeções de futuro.
Mesmo entre os estudantes que chegam à etapa do ensino médio sem registrar
nenhuma experiência de inserção no mercado de trabalho, observa-se que durante essa etapa
150

de ensino os jovens tendem a buscar maior aproximação entre os processos formativos e


projeções profissionais.
De um modo geral as relações e o status dos jovens com relação ao trabalho são
passíveis de constantes alterações. Isso é válido tanto no plano objetivo em que se observa
uma grande rotatividade dos jovens no mercado de trabalho (admissões, demissões,
readmissões, desemprego, mudança de atividade etc.), mas também no campo subjetivo, onde
as construções dos jovens sobre a inserção profissional ganham contornos que tendem a
flutuar de acordo com as circunstâncias que se vive no plano da subsistência e em outras
dimensões da vida.
Na pesquisa, a situação de adiamento do ingresso no mercado de trabalho apareceu em
diferentes perspectivas. No início da fase das entrevistas, os jovens Sérgio e Taís
experimentavam e defendiam a postergação do ingresso no mundo do trabalho como uma
condição essencial para maior dedicação aos estudos e melhor preparação para uma futura e
mais qualificada inserção profissional.
No decorrer dos três anos de aplicação de entrevistas, um terceiro jovem, João Felipe,
passou a viver essa condição, também alegando que a concomitância de trabalho e escola
deixava comprometida uma ou outra esfera. Antes que a pesquisa terminasse, a jovem Taís,
que no início fazia eco à expressão “Trabalho agora? Nem pensar!” e que apostava na
priorização da escolarização como fator de ampliação de suas chances de aprovação nos
cursos superiores mais concorridos, não tendo logrado a aprovação em instituições públicas,
fez a aposta inversa, passando a ver no trabalho a possibilidade de obter os recursos para
pagar a faculdade.
Quando a opção é a postergação da entrada do jovem no mercado de trabalho, é
predominantemente a família que aparece como produtora do apoio necessário a esse
adiamento. Em todos os casos que apareceram na pesquisa, o investimento prioritário do
tempo dos jovens nas atividades formativas na escola regular e em atividades
complementares, figura como uma estratégia familiar visando à mobilidade ascendente, tanto
na dimensão dos diplomas escolares quanto na inserção profissional.

Trabalho agora, nem pensar. Acho que só quando eu tiver bem perto de me
formar ou coisa parecida. [...] Como agora tudo melhorou, a gente tá com
uma condição de vida bem melhor, toda vez que eu peço meu pai me dá,
então não tem assim do que reclamar, eu tô achando bom. Não deixa de ser
uma dependência, mas é bom. (João Felipe, trecho da segunda entrevista).
151

Se eu for procurar trabalho vai prejudicar no meu índice escolar e o tempo


que eu irei gastar no trabalho é o tempo que eu posso tá estudando em casa,
aí também é muito ruim, porque o meu pai não deixa eu trabalhar por causa
disso. Aí eles que me sustentam, mas eu gostaria de trabalhar sim, só que eu
ainda não posso, então tá bom só estudando. (Taís, trecho da primeira
entrevista).

Eles (os pais) queriam que primeiro eu estudasse, aí depois eu corresse atrás
de um emprego, porque eles queriam que fizesse até um concurso público,
pra entrar num trabalho melhor, receber um bom salário. Então, eu nunca
corri atrás de um emprego nem nada. Eu sempre estudei e nunca fui atrás
desses trabalhos de jovem aprendiz, nem nada. (Sávio, trecho da primeira
entrevista).

Na dimensão simbólica, o futuro é sempre sinalizado como o tempo que dará o


significado ao investimento escolar priorizado nos primeiros anos da juventude. A esperança
em um futuro melhor ajuda a conter também as desvantagens da dependência vivida no
presente.

Pra mim tá tranquilo, tá bom, tô só estudando no momento, quem sabe ano


que vem eu possa desfrutar de tudo que fiz? Eu tô estudando bastante pra
quando eu tiver no terceiro ano, correr atrás, fazer um concurso público e
entrar pra uma boa faculdade. (Sávio, trecho da primeira entrevista)

As vantagens é que temos mais tempo pra dedicar ao estudo e com isso tirar
boa nota nos conteúdos da escola para que quando eu for fazer o vestibular,
saia bem e ingresse numa faculdade pública, sem precisar tá pagando. As
desvantagens é que não tem como ter a sua própria renda e querer pagar os
seus cursos, acho que é isso as desvantagens. Mas aí futuramente teremos
volta. (Taís, trecho da primeira entrevista).

Os relatos sobre o retardamento do ingresso no mercado de trabalho aparecem


guarnecidos por um compromisso moral dos jovens com relação às famílias, sejam aqueles
que se cumprem pelas ajudas prestadas no presente ou pelo desejo de futuramente dividir com
eles as conquistas resultantes de uma boa inserção profissional. Com base nisso, os jovens
sustentam as seguintes afirmativas: “Eu ajudo eles, né? Então eu acho que essa dependência
não é 100%, tem algo em troca.” (João Felipe, trecho da terceira entrevista); “Depois dos
meus sonhos todos concretizados e se tudo correr bem, eu pretendo ajudar a minha família,
porque é ela que me apoia e que me dá incentivo na vida”. (Taís, trecho da primeira
entrevista).
152

Os meus pais estão lá embaixo, eles trabalham direto, aí só ele e minha mãe
que trabalham, aí fica meio apertado pra eles, então eu vou ajudar eles lá
embaixo. Eu ajudo mais aos domingos, que é um dia que eu não tô com meu
tempo muito ocupado e eu tenho esse tempo vago pra ajudar eles; eu ajudo
também quando eles estão no sufoco lá, meu pai me chama e eu ajudo, mas
enquanto eu ajudo eles, eles pagam o colégio e eles me dão um dinheiro, é
isso aí. (Sávio, trecho da primeira entrevista).

Esse compromisso não representava, para os jovens, uma obrigação, mas são
incorporados como componentes da realização que muitas vezes citam em seus planos de
futuro. Estar realizado é também poder contribuir para que os pais melhorem as condições de
vida. A melhoria de vida é, nesse caso, um plano compartilhado entre pais e filhos, ainda que
as famílias nunca tenham conversado abertamente sobre isso.
Algo que é comum no perfil desses três jovens é que todos eles eram os filhos mais
novos em suas famílias, então a experiência escolar e de inserção no mercado de trabalho dos
irmãos mais velhos era tomada como referência na definição dos rumos da escolarização dos
mais novos e na aposta que faziam no adiamento da inserção profissional. Nos três casos, todo
o capital escolar e laboral acumulado pela família era mobilizado, no intuito de que a
escolarização e a inserção profissional dos filhos mais novos repetissem as boas experiências
vividas pelos pais e irmãos mais velhos, ou evitasse os problemas identificados nessas
trajetórias.
Assim, João Felipe escolheu cursar o ensino médio na escola do centro porque a irmã
também havia feito opção semelhante anteriormente e repassara à família informações
positivas acerca da qualidade do ensino na escola escolhida pelo jovem. Por sua vez, a escolha
de Taís pela mesma escola representou uma tentativa de não repetir a experiência dos irmãos,
que haviam cursado o ensino médio na escola do bairro em que moravam e que eram
consideradas por eles próprios como uma escola de baixa qualidade. Na família de Sávio, a
experiência exitosa da irmã no acesso ao ensino superior em uma instituição pública era
indicativa da importância de priorizar os estudos, em detrimento do mercado de trabalho,
durante os primeiros anos da juventude.
O capital escolar e laboral era diversificado nas três famílias em questão, havendo
diferentes níveis de escolarização e tipos de inserção profissional. Mas, em linhas gerais, esse
capital dizia respeito ao conhecimento das famílias sobre o funcionamento, regras e
dualidades do sistema escolar e sobre suas articulações com o mercado de trabalho.
Esse conhecimento derivava principalmente das próprias experiências de escolarização
e inserção profissional dos membros da família. Ao seu modo, as famílias assimilaram a
153

existência de uma relação funcional entre a formação escolar e o futuro profissional.


Considerando as dificuldades enfrentadas pelos pais e/ou irmãos mais velhos na aquisição de
empregos qualificados, o investimento prioritário na escolarização dos mais novos era uma
estratégia familiar para que estes obtivessem melhor lugar no mercado de trabalho.

4.4 Ser jovem, mas não tanto: como a escola e o trabalho aproximam e distanciam o
jovem da condição juvenil?

Até aqui parece claro que, no Brasil, a formação escolar e a inserção laboral são duas
dimensões constitutivas da condição juvenil, mas também foram apresentadas muitas
evidências acerca da desigualdade que marca o acesso dos jovens a essas duas instâncias de
socialização. Diferentes jovens acessam distintas escolas e desiguais oportunidades no campo
do trabalho.
Algumas das experiências vividas pelos jovens nessas duas dimensões são tão
contraditórias que terminam por negar uma parte da condição juvenil, negando, com isso, os
próprios modelos formais e as relações sociais que lhes institui como parte dessa condição.
Diante disso, no Brasil, o trabalho e a escola são importantes não somente para compreender a
juventude, mas também sua transição para a vida adulta, uma vez que é pela mediação dessas
duas esferas que muitos jovens vivem as primeiras experiências de aproximação com a vida
adulta.
A mesma escola que se coloca como um lugar de jovens não tem procurado dialogar
com outras dimensões que constituem o sujeito jovem na atualidade. Mesmo no ensino
médio, que é a etapa na qual se encontra a maioria dos jovens brasileiros que estão em
processo de escolarização, predominam práticas que ignoram os desafios e experiências
vividos pelos estudantes no exterior do mundo escolar.
As culturas juvenis, as novas tecnologias, as necessidades advindas do mundo do
trabalho têm tido dificuldade de penetrar no ambiente escolar e, mesmo quando ali adentram,
não é pela via do diálogo com a proposta pedagógica. A subutilização dos laboratórios de
informática nas escolas é um exemplo de que a simples introdução das novas tecnologias no
ambiente escolar não garante que essas venham a se transformar em ferramentas de melhoria
do processo de ensino e aprendizagem.
Por um lado, o excesso de tutela da forma escolar que prevalece no ensino médio não
permite aos jovens o desenvolvimento de práticas ou comportamentos que produzam
154

ampliação da autonomia. Por outro lado, essa tutela não inclui um cuidado mais apurado da
instituição com questões que efetivamente beneficiam ou interessam aos jovens tais como:
oferecimento de um ensino de qualidade; divulgação de informações e orientações sobre
processos seletivos para o ensino superior, estágios ou outras oportunidades no campo do
trabalho; promoção do diálogo entre os conteúdos e formas de organização dos tempos e
espaços do currículo escolar com a realidade enfrentada pelos jovens fora da escola.
Os relatos dos jovens da pesquisa demonstram que não é apenas com o mundo do
trabalho que a escola tem apresentado dificuldade em dialogar, mas com muitas outras
dimensões que constituem a condição juvenil na atualidade. Essa situação tende a se agravar
com a ausência de espaços de escuta dos jovens na escola.
Ao chegar ao ensino médio, os jovens já acumulam pelo menos oito anos de vida
escolar, considerando que alguns deles são remanescentes do ensino fundamental de oito anos
de duração. Por essa experiência escolar acumulada, adicionada às aprendizagens decorrentes
de outras inserções que a essa altura da vida já realizaram, os jovens poderiam ser tratados
como interlocutores potenciais da escola na busca por melhorias e pelo restabelecimento do
sentido dessa instituição na atualidade.
A pesquisa aponta, no entanto, que a escuta das vozes juvenis não tem sido uma
prioridade no espaço escolar. Isso não significa que eles não tenham o que dizer sobre as
metodologias, a organização do trabalho escolar, a relação professor-aluno e outros temas
relacionados à escola. Conforme se pode observar nos trechos abaixo, os jovens têm uma
leitura sobre os problemas que atingem suas escolas e opinam sobre algumas maneiras de
superar os problemas que reconhecem.

Os professores de hoje em dia eles não gostam de dar aula, eles não gostam
dos alunos deles, eles não gostam da sala de aula, é difícil os professores que
gostam, que chegam aqui e olham pra cara do aluno, olho no olho, porque a
partir do momento que eles fazem isso, os alunos dão um retorno pra ele, os
alunos vão ficar olhando ali, vão prestar atenção na aula. É difícil lidar com
adolescentes, mas se a pessoa fez aquela faculdade, ela tem que saber lidar
contigo, ela tem que ser preparada pra aquilo, ou foi fazer o que na
faculdade? (Kelly, trecho da primeira entrevista).

O método de ensino, tipo, eu acho que deveria, por exemplo, o segundo ano
a pessoa acima de 20 anos separaria uma sala pra elas, entendeu, e a partir de
20, outra sala e adotaria um método de ensino aqui e outro ali, sendo da
mesma série, porque as pessoas de mais idade acabam com dificuldade, né,
de acompanhar, eu acho que eu mudaria isso. (Renato, trecho da primeira
entrevista).
155

Eu estudei numa escola num conjunto, que era uma escola pública, mas que
era uma escola muito boa, os professores sempre incentivam os alunos a
fazerem feiras, essas coisas que deixam a gente mais... sai daquela rotina de
sala de aula, deixa a gente mais entusiasmado, a gente fica pensando naquilo
sabe? Deixa a gente com mais vontade de estudar. (Evandro, trecho da
primeira entrevista).

À revelia da hostilidade que o ambiente escolar muitas vezes apresenta aos jovens,
eles estão lá e, como se disse, há alguns anos, e isso inegavelmente lhes coloca em condições
de avaliar as propostas que lhes são feitas naquele ambiente e captar algumas de suas
incoerências.
Alegar que a escola não dispõe de espaços que favoreçam a expressão dos jovens, com
suas culturas e demandas, não significa dizer que eles também não tenham alguma
responsabilidade sobre a constituição desse quadro, nem tampouco que não haja iniciativas
importantes de algumas escolas e de jovens na direção de fazer da escola um lugar de
autonomização. Quer-se enfatizar, contudo, que o que predomina são as experiências nas
quais é suficiente, tanto para as escolas, quanto para os jovens, o cumprimento de um
programa geral. Nas palavras de Dayrell (2007, p. 1117), “a escola tende a não reconhecer o
‘jovem’ existente no ‘aluno’.
Os desafios e as experiências que os jovens enfrentam fora da escola efetivamente
permanecem com eles ao entrar nesta instituição, mas à medida que não são incorporados
como saberes importantes a considerar na definição do ofício de estudante, simbolicamente
essas experiências esbarram no portão da escola, como mencionou o jovem Robson por
ocasião do relato sobre a dificuldade de conciliar trabalho e escola (item 4.1, p. 142)
Muito do movimento que permeava os relatos dos jovens sobre suas condições de
mãe, pai, líder de grupo religioso, músico, trabalhador e outros papéis que assumiam fora da
escola, se perdia quando os jovens falavam de sua vida escolar, ao menos aquela que
acontecia na escola regular. Ao falarem das experiências escolares, os jovens não se
autorretrataram como atores centrais, exceto quando mencionaram seus esforços pessoais para
superar dificuldades e permanecer enquanto estudantes.
Não por acaso, o fato de ser estudante foi um dos elementos centrais para que alguns
sujeitos da pesquisa se dissessem jovens. Sabendo que para estes jovens, a noção de vida
adulta está centrada na ampliação das responsabilidades e no encolhimento do tempo de
brincadeiras, a condição de tutelados e a sociabilidade entre pares que a escola oferece são
aspectos que os fazem sentir-se jovens.
156

Eu ando com muita gente mais velha que eu, a não ser na escola, que tem o
pessoal da minha idade, 16, 17 anos. [...] Só vou conseguir assim, digamos,
ser vista como adulta quando eu tiver assim mais responsabilidade, né, eu
não tenho tanta responsabilidade agora, a não ser escola, eu não tenho tanta
responsabilidade. (Denise, trecho da primeira entrevista).

Sim, sim (me considero jovem), primeiro pela minha idade, segundo porque
eu convivo numa escola com jovens. Infelizmente eu tenho
responsabilidades que muitos jovens não têm, felizmente e infelizmente
também, é uma coisa boa, [...] mas às vezes bate o cansaço, eu poderia tá
fazendo outras coisas. (Kelly, trecho da primeira entrevista).

Eu acho que isso até já aconteceu (tornar-se adulto). Minha vida mudou de
uma hora pra outra (quando saí de casa), porque a minha vida era, vou falar a
verdade: ficar sentado jogando videogame, ir pra academia e esperar a hora
de ir pra escola, só. (Evandro, trecho da primeira entrevista).

O que se observa é que, na escola, apenas alguns dos elementos constitutivos da


condição juvenil têm tido lugar. Nesse sentido, para afirmarem suas juventudes, os jovens
aludem à escola muito mais por possibilitar o contato com outros jovens e por fazer oposição
com uma responsabilidade típica do mundo adulto, que pelo fato de representar um lugar de
aprendizagens significativas para seu tempo de juventude ou seu futuro.
No campo do trabalho também se observam contradições com relação ao lugar que a
condição juvenil ocupa. A primeira contradição se estabelece entre as indicações previstas no
campo legal sobre a inserção dos jovens no mercado de trabalho e as efetivas maneiras de
inserção experimentadas pelos jovens.
Conforme se verificou, estão vigentes no Brasil normas que estabelecem critérios de
idade para o ingresso no mercado de trabalho e restringem o exercício de algumas atividades
até os dezoito anos. Além disso, pressupõe-se que a inserção dos jovens observem os
parâmetros gerais que conferem legalidade ao exercício de uma ocupação, tais como:
formalização de um contrato de trabalho, utilização de equipamentos de segurança, quando
necessário, salário compatível com a atividade realizada, entre outros.
No entanto, sete dos dez jovens da pesquisa relataram experiências de inserção
realizadas em desacordo com os dispositivos legais específicos do trabalho juvenil e com a
legislação trabalhista geral.
A outra contradição que se observa é que apesar de o mercado admitir de modo
regular ou irregular a inserção juvenil, algumas peculiaridades que compõem a condição
juvenil encontram resistência para se expressar no ambiente de trabalho.
157

Entre os participantes da pesquisa, houve jovens que precisaram redobrar os esforços,


em atividades que já eram por si bastante pesadas, para provar que a condição física de
adolescente não seria uma desvantagem para o empregador. Nesse caso, negar a condição
juvenil é um modo de obter ou manter-se na vaga. Esse tipo de situação ocorre sempre nas
inserções informais.
Há outros modos difusos de constrangimento da condição juvenil no mercado de
trabalho. Trata-se de situações diárias nas quais se delimitam o lugar do jovem e se
prescrevem, sutilmente, os modos adequados para sua apresentação pessoal, comportamento,
estilo de falar etc. Os trechos abaixo demonstram essa situação.

Eu queria conversar coisa de abobrinha, entendeu, aí lá no departamento que


eu trabalho não é que não permite, mas não é adequado, entendeu, é um
departamento mais formal. Eu tive dificuldades, né, todo mundo pegava no
meu pé, ‘Renato, isso não é conversa! Isso não é jeito, isso não é brincadeira
que se faça aqui’! [...] Uma camisa toda colorida, não era muito legal não na
sala de audiência, sapato todo colorido. Cabelo também, eu usava partido
aqui, né, grande, aí tive que cortar também, não porque mandaram, mas
porque a consciência acusava, tipo: ‘- pô, Renato, tá vacilando’, tive que
mudar. (Renato, trecho da primeira entrevista)

Eu não posso falar gírias. Lá eu falo, não é proibido, eu posso falar quando o
meu chefe não tá lá, o dono da empresa, mas quando ele tá eu tenho que
falar sério, direito, bonito, mas quando ele não tá eu posso falar. Tipo,
piercing, eu nunca tive piercing, mas a minha vontade era colocar, né, mas aí
falaram que não ia poder. Dois brincos, não podia ter, aí eu tirava um e
ficava só com um. Eu gostava de usar um monte de berimbelo no cabelo, eu
achava lindo, tive que parar com isso, porque era muito criança, eu ainda uso
só um de vez em quando, mas não uso mais tanto berimbelo, mas eu achava
bonitinho. Eu usava tiara colorida, tal, não uso mais, aquelas pulseiras que
tavam na moda, eu usava, não uso mais isso. [...] Eu fui sacando. Chegava
assim só eu com aquilo no cabelo, aí eu comecei a tirar, hoje eu não tenho
mais essas coisas. (Daniele, trecho da primeira entrevista).

Segundo Dayrell (2007) elementos como os citados por estes jovens são expressões de
suas culturas juvenis e ajudam a demarcar identidades individuais e coletivas. O autor conclui
que as culturas juvenis são constituídas “longe dos olhares dos pais, educadores ou patrões,
mas sempre tendo-os como referência” (DAYRELL, 2007, p. 1110).
Pode-se observar que ao ingressar no mercado de trabalho o jovem precisa negociar
uma parte de sua condição juvenil. Nos piores casos, isso pode ocasionar prejuízos objetivos
às dimensões da escolarização e do tempo livre. Outras vezes são os estilos pertinentes às
culturas juvenis que precisam ser modificados para que se ajustem à cultura do trabalho que
se pretende geral para jovens e adultos.
158

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta tese comunica as atividades, opções, dificuldades, aprendizagens e resultados da


pesquisa sobre as relações entre trabalho, escolarização e transição para a vida adulta,
tomando como lastro empírico os relatos de jovens de Manaus sobre seus processos de
escolarização e inserção profissional. Estas considerações finais trazem um balanço dos
resultados da pesquisa, considerando os objetivos e questões propostos, mas também os
desafios de aprofundamento que algumas questões que aqui não puderam ser exploradas
deixam para estudos posteriores.
Cada etapa e atividade realizada ao longo da pesquisa, em alguma medida dá corpo
aos tópicos que estruturam o texto, mas, além disso, desempenharam um papel fundamental
na consolidação do próprio projeto da pesquisa e, junto disso, no amadurecimento da
pesquisadora.
A pesquisa, enquanto processo, demonstrou que a produção do conhecimento avança
por meio de níveis variados de combinação entre o acúmulo decorrente do processo formativo
que lhe precede e a criação, inovação, revisão de perspectivas e ajustes de foco que lhe devem
acompanhar. Deste modo pode-se dizer que, o fazer esta pesquisa revelou-se também uma
oportunidade de formar-se para e nesta pesquisa.
No trabalho de pesquisa aqui empreendido descobriu-se que algumas ferramentas de
comprovada eficácia e divulgação no meio científico só revelam suas potencialidades à
medida que o jogo começa, e o pesquisador se tornar capaz de transformar técnicas,
instrumentos, categorias, conceitos em modos de fazer falar/ouvir/perceber/compreender a
realidade. Um trabalho que traduz bem a figura do artesanato intelectual construída por
Wright Mills (1969).
No meio científico brasileiro, muito há para aprender sobre o refinamento de uma
proposta de investigação naquilo que ela deveria ter de mais potente: o problema. Não raro as
pesquisas escorregam ao campo da operacionalidade antes que se tenha clareza das questões
centrais que lhe sustentam. Certo é, porém, que algumas perguntas nos movem e, ainda que
muitas delas só venham a ser amadurecidas e elevadas à categoria de questões de pesquisa
com o avançar do processo investigativo, seguimos com nossas tarefas, com um modo
peculiar de ajuste no processo.
Com esta pesquisa não foi diferente. As interrogações sobre o problema que
fundamentalmente movia leituras, discussões e incursões empíricas foram constantes. A cada
159

passo que se dava na direção de um novo conceito, de uma nova entrevista, de um novo
roteiro, de um trabalho de análise, era preciso retomar a pergunta sobre sua pertinência e, na
busca pelas justificativas para utilizá-los ou descartá-los como possibilidades, muitas vezes
encontraram-se elementos que pouco a pouco garantiram maior consistência ao problema da
pesquisa.
A aposta que se fez na utilização de uma abordagem longitudinal, por exemplo,
adicionou à pesquisa o desafio de entrar em campo empírico ainda nas primeiras fases de sua
execução, visto que a investigação está circunscrita ao tempo institucional de quatro anos
referente ao curso de doutorado. Pesando-se as dificuldades e as possibilidades que esta opção
no campo metodológico adicionou, as segundas (as possibilidades) mostraram-se muito
maiores que as primeiras.
A aplicação do questionário exploratório nas escolas de ensino médio, realizada no
nono mês do cronograma da pesquisa, tinha inicialmente o propósito de embasar a seleção dos
10 jovens que seriam os sujeitos diretos da pesquisa. Ao final, esta atividade revelou um rico
conjunto de dados sobre jovens do ensino médio, seus perfis socioeconômicos, arranjos
familiares, trajetórias de escolarização, inserções e projeções profissionais e suas leituras do
campo de possibilidades nas áreas do trabalho e educação, que trazem algumas
especificidades locais. Estes dados também contribuíram para o melhor refinamento do objeto
da pesquisa.
Foi interessante notar, a partir das respostas ao questionário, que muitos jovens que
naquele momento cursavam o primeiro ano do ensino médio, vinham desenvolvendo ou
estavam mobilizados para desenvolver estratégias diversas de formação e/ou inserção
profissional, com ou sem a mediação da escola, ainda que, em muitos casos não houvesse
clareza sobre o modo como se articulariam estas apostas do presente e os percursos
profissionais pensados a mais longo prazo.
As estratégias mais utilizadas pelos jovens visando à inserção, aproximação ou busca
de melhores chances no mercado de trabalho, incluem desde a realização e busca contínua por
cursos complementares como idiomas e informática; os estágios ou a participação em
programas de aprendizagem; a busca por informações e cadastramento nas agências que
atuam na mediação de estágios e também as diversas experiências, reguladas ou não, nas
quais muitos deles já estão envolvidos.
O que chama a atenção é o fato de que as respostas dos jovens aos itens que se
referiam aos investimentos em atividades de preparação para o trabalho e possíveis áreas nas
quais buscariam emprego naquela ocasião, nem sempre guardavam relação com suas
160

respostas às questões ligadas à continuidade no processo de escolarização ou às projeções


profissionais.
Se levarmos em consideração o fato de que os jovens desta pesquisa já não constituem
as primeiras gerações das classes populares a terem acesso de modo massivo ao ensino médio,
é lamentável perceber o quanto ainda tem sido difícil para a escola reconhecer e lidar com
este público e uma das principais demandas e características de sua situação juvenil: a questão
do trabalho.
Além disso, as respostas indicam que os discursos que fazem alusão à escolarização
como garantia plena de emprego parecem mover-se cada vez mais no campo das disposições
para crer, enquanto as disposições para agir (LAHIRE, 2005) dos jovens estão tendendo
cada vez mais para as aproximações sucessivas e, se for o caso, descontínuas com o mercado
de trabalho.
O trabalho estatístico realizado a partir dos dados do questionário exploratório
permitiu a composição de um perfil geral dos jovens inicialmente abordados na pesquisa. O
perfil constitui-se de uma diversidade de traços tanto quando considerado o universo dos
jovens, quanto no que se refere aos seus pertencimentos escolares (escola do centro, escola do
bairro). A diversidade também reforçou a necessidade de contemplar o mais que possível a
heterogeneidade de perfis, na composição do grupo de dez jovens participantes das etapas de
entrevistas.
No primeiro encontro com os dez jovens entrevistados, as lentes através das quais os
enxergávamos estavam marcadas pela heterogeneidade objetivada em seus pertencimentos às
classes e critérios possíveis de serem criados em uma seleção realizada via instrumento
estruturado. Sabíamos que constituíam um grupo com diferentes idades, origens, situação
socioeconômica, implicações com o trabalho, sexo, cor da pele etc. O que ainda estávamos
por sentir era a força que diversidades de outras naturezas, não tão facilmente observáveis ou
classificáveis, demonstrariam a partir dos relatos dos jovens.
Na escuta dos jovens, critérios que a princípio pareciam aproximar alguns deles entre
si, ganhavam contornos particulares que demonstravam o quanto uma posição pode ser
experimentada e produzir efeitos muito diferentes a depender do contexto e da articulação
com outras dimensões da existência. Exemplo disso são os diferentes efeitos que a
formalização ou não da atividade profissional possui nos percursos profissionais dos jovens
da pesquisa.
Os relatos dos jovens nos fazem perceber que a constatação da atual inoperância dos
percursos estandardizados para inserção profissional não é uma exclusividade dos analistas.
161

Os jovens têm se dado conta disso e a isso têm reagido de variados modos. Os jovens da
pesquisa têm clareza de que não podem abrir mão das ofertas institucionais e suas promessas,
mas não depositam nelas todas as suas expectativas. Ao lado dos projetos formativos
compulsórios e das formas reguladas de inserção, eles tateiam outras possibilidades e às vezes
as descobrem por caminhos não formais, tais como redes de contatos familiares ou grupos de
sociabilidade.
Ao passo que estão inseridos no mundo do trabalho os jovens tendem a incorporá-lo
como dimensão estrutural de sua situação juvenil. Nem sempre essa inserção é assimilada
como uma entronização na vida adulta. A relação entre trabalhar e tornar-se adulto só é
frequente entre os jovens que assumem sozinhos ou de modo compartilhado a
responsabilidade pela manutenção do domicílio.
Nesses casos não são somente as obrigações financeiras que os fazem sentir-se mais
adultos, mas também demandas de ordem moral e prática que afetam suas famílias e perante
as quais se tornam atores centrais na indicação de alternativas e resoluções. Casos como os de
Lidiane, Evandro e Renato evidenciam essa situação. A maternidade/paternidade também são
elementos comuns aos jovens que fazem uma ligação mais forte entre a inserção profissional
e o tornar-se adulto.
O ensino médio não é visto como etapa conclusiva de formação escolar. Todos os
jovens da pesquisa projetam o ingresso no ensino superior após a conclusão da educação
básica. Todos eles reconhecem o processo de desvalorização do diploma do ensino médio e
consideram que a conclusão dessa etapa de escolarização não altera ou altera de modo pouco
significativo suas condições de ingresso, permanência ou avanço no mercado de trabalho.
Ser estudante de ensino médio é algo central quando se autoafirmam jovens. Mesmo
quando as experiências fora do ambiente escolar os colocam mais próximos do status de
adulto, na escola eles se sentem como qualquer outro jovem, principalmente porque lá não
dispõem da autonomia que têm em outras dimensões da vida. No contexto global da vida
desses jovens, a escola figura como uma dimensão que pouco dialoga com as outras
experiências que vivenciam na família, no trabalho, na igreja etc.
O ensino médio é visto mais como uma etapa necessária e obrigatória dos planos de
melhoria de vida traçados pelos jovens, que como uma oportunidade de vivência de
experiências e aprendizagens significativas ou mesmo como fase preparatória para a
continuidade de estudos ou para o mundo do trabalho.
As expressões “é pesado” e “vou levando” emergiram como categorias explicativas
construídas espontaneamente pelos jovens nos seus relatos sobre o processo de inserção no
162

mundo do trabalho, a escolarização e sobre aspectos mais abrangentes das situações juvenis a
que dão corpo.
O é pesado soa como constatação que, em certa medida, refletia uma leitura mais
ampla do jovem sobre sua vida, mas também tinha o timbre de uma conclusão daquele exato
momento no qual a narrativa de eventos biográficos, solicitada pela pesquisa, os colocava
diante dessas dificuldades e os remetia a uma tomada de posição. Do que há de mais
transversal no relato desses jovens, pode-se concluir que para eles: é pesado o tipo de trabalho
nos quais estão inseridos; é pesado conciliar a inserção no trabalho com a vida escolar, é
pesado viver o tempo de juventude no contexto de escassos suportes.
Na expressão vou levando ou similares tais como: dá pra levar, fazer o que, ou
simplesmente o mas..., que imediatamente acionavam tentando não se renderem às
dificuldades que acabavam de caracterizar nos relatos, os jovens demonstram uma perspectiva
de adaptação que também é estratégica em seus horizontes de mudança de situação ou de
melhoria de vida. Com essa expressão, eles driblam a dureza e impermeabilidade de uma
expressão tal como: “não tenho escolha” e apostam na provisoriedade que a categoria vou
levando imprime. Ir levando também é um modo de tirar proveito das situações nas quais
voluntária ou involuntariamente se envolvem.
Os dados empíricos apresentados e as produções e pesquisas que apoiam a análise
sinalizam para a forte atuação de redes de relações interpessoais no que diz respeito aos
processos de inserção juvenil no mundo do trabalho.
A pesquisa revelou diferentes modos de apoio dos membros da família e dos jovens
entre si, demonstrando que nas suas aproximações como o mundo do trabalho os jovens
recebem suportes materiais e imateriais, transmutados em orientações, circulação de
informações, troca de experiência, indicações, apoio afetivo, apoio financeiro etc., que são
relevantes na formação de suas primeiras representações e nas suas primeiras experiências
laborais.
Por se tratarem de redes relacionais primárias, a família e os grupos de pares são
compostos por indivíduos que guardam bastante semelhança do ponto de vista cultural e
econômico com os jovens sujeitos da pesquisa. Para a maioria destes jovens é no curso das
relações de troca efetivadas com os membros destas redes que são acessadas as primeiras
narrativas e contatos com o mundo do trabalho.
As experiências de inserção laboral dos familiares e dos pares com os quais os jovens
da pesquisa dialogam são de diferentes naturezas, havendo alguns que falam de lugares
estáveis como aquele ocupado por indivíduos com longo histórico de emprego com carteira
163

assinada, outros que vivenciam relações precarizadas de trabalho e até aqueles que dividem
com estes jovens as tensões da busca e projeção das primeiras experiências no mercado de
trabalho.
Observou-se que consoante à extensão de suas inserções nos meios relacionados ao
trabalho, ampliam-se as fontes de recursos acessados pelos jovens na formulação de suas
decisões no campo profissional sem que com isso os modos de apoio prestados pelos
familiares e amigos deixem de ocupar uma posição privilegiada de interlocução para os
jovens.
Este dado se harmoniza com aquilo que têm apontado as pesquisas sobre o papel das
redes na aquisição de trabalho, ou seja, que o apoio das redes primárias é mais efetivo para o
acesso as primeiras oportunidades no mercado de trabalho. No entanto, mais do que a
confirmação deste achado geral das pesquisas, o que nos chama a atenção no caso dos jovens
é a conclusão de que, para eles, este tipo de suporte conserva um importante peso, mesmo
quando suas experiências lhes colocam em patamares de escolaridade e de inserção
profissional que superam aqueles que são do domínio dos membros destas redes.
A duração prolongada do valor atribuído pelos jovens ao apoio recebido no âmbito das
duas redes de relações interpessoais reflete as principais características dos atuais processos
de transição para a vida adulta, que também se apresentam como gradativos e mesclados,
mostrando uma complexa grade de combinações entre autonomização e dependência.
Na rede de embalar, um elemento da cultura amazônica que não nos deixa esquecer a
polissemia da palavra rede, encontramos uma figura pertinente para clarificar o movimento de
produção de suportes no seio das relações entre estes jovens e suas famílias e grupos de pares.
É o embalo da rede, um movimento de vaivém que desestabiliza, mas também produz
aconchego, conforto, segurança.
A atuação das redes relacionais, sobretudo a família e os grupos de pares, também
geram a tensão entre o ir e vir. No primeiro momento – a rede vai – estas redes oferecem ao
jovem um conjunto de recursos que intentam auxiliá-lo em suas primeiras vivências no
trabalho ou em suas projeções neste campo. No outro momento – a rede vem – as próprias
redes se retroalimentam pela postura ativa do jovem, que filtra, seleciona e reconhece como
suportes algumas atitudes, valores e recursos no meio de tantos outros elementos que estas
redes agregam.
O perfil dos jovens da pesquisa reflete tendências nacionais relacionados à condição e
situação juvenil, mas também sinaliza o efeito de alguns aspectos locais sobre suas trajetórias
e projeções. As diferenças e desigualdades inscritas na história da cidade têm implicações
164

profundas nas relações dos jovens com o mercado de trabalho, a escola, os espaços de
circulação e de moradia. Apesar de não se observarem grandes diferenças de renda entre os
jovens, suas representações e experiências às vezes abrem verdadeiros fossos entre os modos
de viver a juventude, observados nesse grupo.
Destaca-se nesse grupo de jovens, a ausência de tempo livre para fruição da condição
juvenil e um baixo grau de mobilidade no território da cidade. Contribui para isso o fato dos
jovens acumularem os papéis de trabalhadores, estudantes e outras obrigações familiares, mas
a dificuldade de deslocamento devida à debilidade do sistema de transporte coletivo aparece
também como elemento central no consumo do tempo dos jovens. Nesse sentido, foi
intrigante perceber que projetos como a compra de uma motocicleta, antes de ser um símbolo
de consumo, representa, para mais de um jovem da pesquisa, uma alternativa ao transporte
público insuficiente e de baixa qualidade.
Observa-se que uma parte da trajetória dos jovens é enquadrada pelos recursos
materiais, os lugares de moradia, a escola na qual se estuda e o tipo de ocupação ao qual se
tem acesso, mas é preciso notar que a estrutura desigual da sociedade capitalista se reproduz
em diferentes níveis na experiência individual.
As trajetórias dão uma organização específica para o conjunto de fatores estruturais.
Diferentes combinações de tempo, espaço, circulação e relações conferem, em dados
momentos da trajetória, abertura para a produção da experiência social como síntese do social
e do individual.
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171

APÊNDICE I - Síntese do perfil dos jovens entrevistados (dados extraídos do questionário)

Nome Idade Estado Cor Filhos Com quem Local de Renda Renda Escolaridade/profissão dos pais
(2010) civil mora moradia familiar própria
Daniele 16 Solteira Parda - Mãe, tia e 2 Zona leste 1 a 2 SM Até 1 Pai: Fund. Incompleto / agricultor e comerciante
irmãs (G. Vitória) SM
Mãe: Médio incompleto / Industriária
Denise 16 Solteira Parda - Pai, mãe e 2 Zona Oeste 2 a 5 SM Até 1 Pai: Superior completo/ Assessor parlamentar
irmãos. (Pq. SM
Mãe: Superior completo/autônoma
Riachuelo)
Evandro 16 Solteiro Parda - Pai, mãe e Zona leste 5 a 10 Não Pai: Médio completo/mecânico Petrobrás
irmãos. (G. Vitória) SM possui
Mãe: Médio completo/industriária (produção)
João Felipe 16 Solteiro Parda - Pai, mãe, irmã Zona leste 1 SM Não Pai: Fund. Completo/autônomo
(Zumbi) possui Mãe: Médio completo/autônoma
Kelly 15 Solteira Branca - Mãe e irmã Zona leste 2 a 5 SM Até 1 Pai: Fund. completo/apontador
(Coroado) SM
Mãe: Fund. Completo/cozinheira/cobradora de
ônibus.
Lidiane 27 Casada Parda 3 Cônjuge e 3 Zona leste 1 a 2 SM Até 1 Pai: Não sabe / pedreiro
filhos (G. Vitória) SM
Mãe: Não sabe / feirante
Renato 18 Solteiro Preta 1 Mãe e irmã Zona leste 1 a 2 SM 1 a 2 SM Pai: Superior completo / professor
(G. Vitória)
Mãe: Fund. Incompleto/dona de casa.
Robson 16 Solteiro Preta - Pai, mãe, irmã Zona leste 2 a 5 SM Até 1 Pai: Fund. Incompleto / pedreiro/carro de frete
e cunhado. (G. Vitória) SM
Mãe: Fund. Incompleto / doméstica/dona de casa
Sávio 15 Solteiro Branca - Pai, mãe e Zona sul 5 a 10 Não Pai: Superior completo/Comerciante
irmã (Petrópolis) SM possui
Mãe: Superior cursando/ Comerciante
Taís 16 Solteira Parda - Pai, mãe, Zona leste 1 a 2 SM Não Pai: Fund. Incompleto / Carpinteiro
irmã, 2 (Bela Vista possui
Mãe: Médio incompleto / serviços gerais em
irmãos, Puraquequ
escola
cunhado. ara)
172

APÊNDICE II - Perfis descritivos dos jovens entrevistados


173

Daniele

Daniele era estudante da escola do bairro e tinha 16 anos quando a pesquisa iniciou.
Participou de três etapas de entrevistas, que foram realizadas respectivamente nos anos de
2011, 2012 e 2013. Nas duas primeiras fases o encontro com a jovem ocorreu em uma
instituição não governamental que funcionava próximo a sua casa, sempre em dias de semana,
no horário matutino, no qual a jovem tinha disponibilidade. A última entrevista aconteceu na
praça de alimentação de um Shopping Center em bairro próximo da moradia da jovem, na
tarde de um sábado, visto que neste último ano a jovem estava trabalhando em horário
integral e cursando o ensino superior no horário noturno.
Declarou-se parda e nascida no município de Manaus, mas viveu uma parte da
infância em uma cidade do interior do Amazonas. O retorno a Manaus ocorreu quando ainda
era criança, após a separação dos pais. Desde então a jovem, a mãe e as irmãs passaram a
residir com a tia, primeiro no bairro Morro da Liberdade e depois, por estarem incluídas em
um programa de remoção de famílias das margens de igarapés em Manaus (PROSAMIM)
mudaram-se para o bairro de Grande Vitória.
A jovem credita uma importante posição à família. Seus relatos pontuam muitos
momentos em que as irmãs, a tia e principalmente a mãe estão presentes enquanto pessoas a
quem a jovem recorre para obter orientações e dividir situações com as quais tem dificuldade
de lidar. Estes momentos envolvem desde situações do campo afetivo tais como namoro, até
dúvidas relacionadas ao campo do trabalho e da formação. Apesar de os pais serem separados
a jovem mantém vínculo e contatos frequentes com o pai, embora este more em outra cidade.
A jovem avalia que ao longo do período abordado pela pesquisa sua autonomia se
ampliou no ambiente doméstico. Atualmente a mãe já não exerce o mesmo controle sobre
seus horários e chega a consultá-la sobre assuntos que antes decidia sozinha. A jovem
colabora nos afazeres domésticos e no pagamento de despesas. No quesito da independência
financeira Daniele ainda depende do pai que a ajuda a pagar a mensalidade da faculdade e da
mãe na alimentação e outros aspectos relacionados à moradia.
Daniele tem uma trajetória escolar sem interrupções por reprovação ou abandono.
Houve apenas uma ocasião contrária a esse histórico, quando da mudança para Manaus, em
consequência da separação dos pais, teve que reiniciar os estudos por falta de um documento
de transferência. Até o ensino médio, estudou sempre em escolas públicas situadas próximas
de seus locais de moradia.
174

Desde os primeiros anos da pesquisa a jovem demonstrou interesse em ingressar no


ensino superior. Por sua inclinação pessoal gostaria de cursar biologia, mas a inserção como
aprendiz no setor administrativo fazia a jovem pensar que o ingresso no curso de
administração seria mais viável para sua estabilização profissional. Considerava a
possibilidade de ingressar em uma instituição pública de ensino superior, mas também não
descartava a hipótese de ter que pagar pelo curso. No último ano da pesquisa, a jovem estava
cursando administração em uma instituição privada e utilizava aproximadamente 1/4 de sua
remuneração para o pagamento da mensalidade, que dividia com o pai. Sobre os processos
seletivos das instituições públicas a jovem não fornece muitos detalhes, apenas comenta que
nem procurou saber do seu resultado no PSC (processo seletivo contínuo da UFAM).
A inserção como aprendiz lhe possibilitou o acesso a cursos complementares tais
como matemática, informática, dentre outros que integravam o Programa de Aprendizagem.
Por outro lado, esta inserção também lhe adicionou dificuldades para realizar outros projetos
de formação complementar tais como o curso de inglês.
A primeira atividade remunerada da jovem foi como aprendiz em uma empresa do
ramo de panificação, intermediada pelo Programa de Aprendizagem do SEST/SENAT. A
jovem gostava do ambiente de trabalho e das atividades que ali desenvolvia, estabelecendo
pontes entre estas atividades e o futuro profissional projetado. Após a conclusão do período de
dois anos no programa de aprendizagem, que coincidiu com o ano de conclusão do ensino
médio, Daniele foi contratada pela empresa, passando a trabalhar em jornada integral.
A inserção no trabalho colocou a jovem diante de situações novas, tais como o
convívio com pessoas mais velhas e com um ambiente que exerceu pressão sobre alguns
aspectos do visual e do comportamento que apresentava quando ingressou como aprendiz
(precisou mudar o modo de se vestir e arrumar os cabelos).
As principais atividades desenvolvidas por Daniele no tempo livre são a ida ao cinema
e a participação em atividades religiosas, no último ano o pouco tempo livre era investido
mais nas atividades religiosas. A jovem participa do grupo de jovens e catequese da igreja
católica do bairro, onde também se tornou liderança ao longo desses anos. Na maioria das
vezes as atividades de lazer são vividas no próprio bairro ou nos locais mais próximos a ele.
Quando seleciona um local para passear ou ir ao cinema o critério da proximidade com a
moradia, associado ao do menor custo são os que mais pesam para a jovem, isso faz com que
esta jovem pouca conheça acerca de algumas partes da cidade.
175

Denise

Denise tinha 16 anos quando respondeu ao questionário da pesquisa no ano de 2010.


Foi estudante da escola do centro durante os três anos do ensino médio, não apresentando
nenhuma reprovação no período. Participou das três etapas de entrevistas propostas, as quais
foram realizadas, respectivamente na escola onde cursava o ensino médio no ano de 2011, no
local de trabalho da jovem no ano de 2012 e na faculdade onde cursava o ensino superior no
ano de 2013.
Autodeclarou-se parda, era solteira e não tinha filhos. Morava com os pais e dois
irmãos mais velhos. Oriunda de uma família protestante, Denise relatou que participava
regularmente de atividades promovidas pela igreja, dentre as quais destacou o grupo de dança
de urbana.
Durante o período da pesquisa a família da jovem morava no bairro Parque Riachuelo,
na Zona Oeste da cidade, mas a jovem relatou que antes dessa casa a família já havia morado
em muitos outros endereços. Para amenizar as dificuldades de deslocamento decorrentes
principalmente do fato de o bairro ser bastante afastado da região central da cidade, a família
desenvolve algumas estratégias de combinação de horários e endereços de trabalho e estudo,
procurando tirar melhor proveito possível do automóvel da família.
Ao longo dos quatro anos da pesquisa Denise avaliou que sua autonomia dentro de
casa aumentou progressivamente, conclusão que ela ilustra citando fatos como: a autorização
para sair de casa sozinha e a participação na divisão de responsabilidades pelo cuidado com a
casa. No outro extremo do processo de autonomização da jovem perante a família, ela relata
alguns conflitos e situações de tensão enfrentados nos últimos anos que a fazem relativizar
suas conclusões sobre a ampliação de sua autonomia. Houve o caso em que o pai desaprovou
o uso do alargador de orelhas e o caso em que a mãe proibiu sua participação nas aulas de
dança, por desconfiar que estas fossem pretexto para encontros afetivos. Nos dois casos em
que teve suas decisões contestadas pelos pais, a jovem relatou ter efetuado um recuo parcial
em suas ações, retirando o alargador de uma das orelhas e deixando de ir às aulas por alguns
dias.
Na família a jovem tem os pais e os irmãos mais velhos como importantes
interlocutores sobre a escolarização em nível superior e inserção profissional. Isso é
potencializado pelo fato de que todos os membros da família da jovem possuem a experiência
da inserção no ensino superior. Fato que se concretizou também para a jovem no ano final a
pesquisa.
176

Quanto à trajetória escolar Denise relatou a ocorrência de duas reprovações por


motivo de doença, mas pelo fato de ter começado a estudar muito cedo, essas reprovações não
provocaram grande distorção entre a idade e a série.
Desde as primeiras abordagens da pesquisa, a jovem mencionou o projeto de cursar
arquitetura após a conclusão do ensino médio. Esse interesse era reputado à inclinação para a
arte e também a alguns contatos mantidos com pessoas que cursavam arquitetura. No último
ano a jovem havia ingressado no curso de arquitetura em uma instituição privada e até aquele
momento sentia suas expectativas quanto ao curso correspondidas. Sobre os processos
seletivos das instituições públicas Denise afirma ter sido aprovada mas não classificada no
PSC e ter perdido o ENEM por não possuir CPF.
A primeira atividade profissional remunerada foi exercida em caráter informal.
Sabendo da necessidade da mãe em ter uma pessoa para ajudar com os serviços de digitação,
a jovem se ofereceu para trabalhar. O objetivo inicial era usar a remuneração recebida para
comprar uma passagem para São Paulo, onde iria participar de uma apresentação de dança,
mas depois da viagem a jovem permaneceu trabalhando, pois além do compromisso
financeiro havia se estabelecido um compromisso moral e um senso de gratidão com aquela
que lhe proporcionara a oportunidade de realização da viagem.
No ambiente de trabalho da mãe a jovem foi ampliando seu leque de atividades:
atendia ao público prestando informações, ajudava outras pessoas a resolver problemas de
informática e até substituía a mãe em algumas ocasiões fazendo recebimento de valores.
A jovem considerava que essa experiência havia lhe proporcionado maior
conhecimento sobre o funcionamento de um local de trabalho, lhe ajudou a ser mais pontual e
mais organizada quanto à divisão das tarefas pelo tempo. Acha que esse aprendizado será
importante em qualquer atividade que venha a desenvolver futuramente.
No último ano da pesquisa a jovem trabalhava como vendedora em uma livraria de
artigos evangélicos e também relatou que antes da livraria havia atuado temporariamente
como repositora em um hipermercado. Enquanto esteve no ensino médio a remuneração
proveniente do seu trabalho era utilizado para comprar roupas, calçados, crédito para celular,
cadernos etc. e também para o lazer (cinema, lanche, entre outros). Quando entrou no ensino
superior, passou a utilizar seu salário para pagar a mensalidade do curso, o que consumia
aproximadamente a metade de sua renda individual e a mantinha em significativo grau de
dependência financeira dos pais, sobretudo nos quesitos moradia e alimentação.
177

Evandro

Evandro tinha 16 anos quando respondeu ao questionário da pesquisa na escola do


bairro. Participou de duas entrevistas, sendo a primeira realizada no ano de 2011, em uma
instituição localizada próximo à residência do jovem, no horário matutino; e a segunda
realizada na praça de alimentação de um shopping center em bairro adjacente aquele que o
jovem habitava, no horário noturno. No último ano da pesquisa, não foi possível o
agendamento da entrevista com o jovem, dada a pouca disponibilidade de tempo que
apresentava.
Pardo, nascido em Manaus, este jovem passou por muitas mudanças durante os anos
em que participou da pesquisa: saiu da casa dos pais para morar sozinho em 2011; teve
experiências oscilantes de inserção no mercado de trabalho (ingressou, saiu e retornou ao
trabalho em um estaleiro); passou a morar junto com a namorada no ano de 2012; tornou-se
pai e parou de estudar neste mesmo ano.
Proveniente de uma das famílias que se encontra na mais elevada faixa renda
observada entre os jovens da pesquisa (5 a 10 salários mínimos), cujo pai e mãe possuíam
ensino médio completo e estavam empregados no setor formal, ele funcionário público, ela
industriária, não são as necessidades de ordem material que empurram Evandro para o
trabalho precário, mas as dificuldades de relacionamento com o pai, as quais o jovem se refere
como o principal motivo de sua saída de casa e da procura por qualquer atividade que
possibilitasse o auto sustento.
No início da pesquisa o jovem apresentava uma defasagem de apenas um ano na
relação idade-série, o que era devido a uma reprovação na oitava série do ensino fundamental,
ocorrida em um período em que o jovem saiu da casa dos pais para morar com a avó. Na
segunda entrevista o jovem havia deixado de frequentar a escola por não conseguir conciliar
com o trabalho, principalmente em função do tempo de deslocamento que o impedia de
chegar no horário da escola.
Evandro acumulava mais de uma experiência de inserção laboral, todas elas realizadas
de modo informal, primeiro como ajudante em uma oficina de fabricação de carrinhos de
metal e a segunda, que é também a mais marcante em seu relato, em um estaleiro. No
estaleiro o jovem realizava um trabalho penoso que lhe exigia bastante força física e
exposição ao sol e outras intempéries climáticas. A atividade foi conseguida por intermédio
de um cunhado (irmão da namorada).
178

O jovem mostrava-se bastante inquieto com seu afastamento da escola e planejava


comprar uma moto para encurtar o tempo de deslocamento na volta do trabalho e assim poder
voltar a estudar. Os planos de ingressar no curso de educação física após a conclusão do
ensino médio permaneciam em seus horizontes, mas no último ano em que fora entrevistado
ele fazia questão de afirmar que sua vida estava muito mais marcada pelas necessidades do
presente. O futuro que Evandro conseguia considerar era aquele que podia ser calculado no
tempo e no custo, como a expectativa de comprar uma moto e de preparar a casa para a
chegada do filho que ocorreria poucos meses depois da última entrevista.
O jovem pouco circulava pela cidade e dispunha de escasso tempo livre. Nas horas de
folga preferia ficar em casa e algumas vezes visitar ou sair com a família da namorada para
algum balneário.
Evandro sentia-se muito mais adulto que jovem, devido às responsabilidades que
adquirira ao sair de casa e, posteriormente constituir uma família própria. O jovem reconhecia
que não dispunha das condições para viver seu tempo de juventude e, diferente dos outros
participantes da pesquisa, ele mencionou que a família e o Estado também haviam contribuído
para isso, ao passo que não lhe haviam oferecido as oportunidades para viver a juventude de
modo seguro. Essa conclusão o jovem ilustra com diversos fatos que demonstram decepções
no campo afetivo e tentativas de encontrar um trabalho decente.
179

João Felipe

Em 2010, quando a pesquisa se iniciou, João Felipe tinha 16 anos e frequentava a


escola do centro, onde permaneceu até a conclusão do ensino médio. O jovem morava com os
pais e a irmã em residência própria no bairro do Zumbi, na zona leste da cidade. Na última
etapa de entrevista o jovem estava com 19 anos e cursava Direito em uma instituição
particular.
Na relação com a família, o jovem menciona possuir bastante liberdade para projetar
seu futuro escolar e profissional, mas também para as pequenas atividades do dia a dia. O
jovem exemplifica seu grau de autonomia citando a falta de restrições com horários, posse da
chave de casa e autorização para dirigir (mesmo não tendo carteira de habilitação), mas ao
mesmo tempo avalia que seus pais não costumam consultá-lo nas decisões que afetam a
família.
Apesar de relatar diversos eventos que o caracterizam como um aluno indisciplinado,
o jovem possui uma trajetória sem interrupções por reprovação ou abandono. Considerava que
sua Escola de Ensino Médio tinha ensino de qualidade, apesar de fazer críticas à atuação de
alguns professores e ao perfil de alguns dos gestores que passaram pela escola. Desde o início
de nossa pesquisa manifestava a intenção de cursar jornalismo ou direito, principalmente por
se identificar mais com a área de humanidades. Embora no começo não descartasse a
possibilidade de fazer um curso de menor concorrência (citou música) para depois fazer os
cursos de seu interesse.
Ao longo do ensino médio desenvolveu estratégias particulares de estudo visando
complementar o conteúdo escolar e melhorar suas chances de ingresso na universidade.
Quando a situação financeira da família melhorou, parou de trabalhar e dedicou-se somente à
escola e ao cursinho pré-vestibular.
Sua primeira inserção no mundo do trabalho foi-lhe oferecida como um presente de 15
anos dado pela tia. Tratava-se de uma vaga em uma loja de produtos e serviços na área de
informática. Depois disso, o jovem também realizou serviços no âmbito da construção civil –
pintura - junto com o irmão mais velho e aos 16 anos teve a primeira experiência regulada,
quando ingressou como aprendiz em um Hotel. O que menos gostava nessa atividade era o
salário que considerava muito baixo, principalmente quando comparado ao nível do hotel.
Não viu em nenhuma das experiências que teve uma ponte clara com seu futuro profissional,
estas eram experiência mais ligadas aos momentos em que surgiram.
180

Na segunda entrevista João Felipe já não atuava como aprendiz e até o final da
pesquisa o jovem passou a dedicar-se somente aos estudos, fato que foi possibilitado pelo
incremento significativo da renda familiar que ocorrera a partir do ano de 2012.
Os grupos de sociabilidade do jovem incluem principalmente os amigos que fez na
igreja, onde o jovem integra a equipe de música. Para o jovem a relação que estabeleceu com
pessoas de diferentes perfis sociais e econômicos lhe possibilita circular por diferentes meios
e atividades e também amplia sua circulação na cidade.
181

Kelly

Kelly tinha 16 anos e era estudante da escola do centro quando a pesquisa iniciou.
Participou de três entrevistas da pesquisa, sendo a primeira realizada na escola, a segunda na
residência da jovem e a terceira na faculdade em que fazia o curso de Publicidade e
Propaganda no ano de 2013.
Autodeclarou-se branca, era solteira e morava com a mãe no bairro do Coroado, zona
leste de Manaus. Nasceu em Manaus, mas passou alguns de sua infância em outras cidades,
tendo retornado a Manaus na adolescência.
Cursou toda a educação básica em escola pública e tinha um histórico de sucesso
escolar sem interrupções por reprovações ou abandono. Tinha dúvidas sobre o sentido do
ensino médio em sua vida escolar, chegando a considera-lo como um obstáculo a ser vencido
para chegar à formação que verdadeiramente desejava: curso superior na área de
comunicação. Suas críticas também se dirigiam à escola que frequentava, quando apontava
aspectos da metodologia que entendia como defasados, apesar de reconhecer que entre as
escolas públicas de Manaus a sua ainda era considerada uma das melhores.
Desde o início da pesquisa planejava fazer algum curso superior na área de
comunicação e também mencionava gostar de história. Primeiro pensou no curso de
jornalismo, mas a partir de uma experiência profissional vivida em um grupo de comunicação,
optou por cursar publicidade, mesmo sabendo que este curso não era oferecido por nenhuma
instituição pública da cidade.
Ao longo do ensino médio desenvolveu estratégias particulares de estudo visando
complementar o conteúdo escolar e melhorar suas chances de ingresso na universidade
pública (fez cursinho, resolvia questões de prova e fez curso de inglês), mas ao final ingressou
no ensino superior privado. Inscreveu-se no Programa Bolsa Universidade e foi contemplada
com bolsa de 50%. O restante da mensalidade a jovem pagava com recursos próprios.
Kelly sentiu-se muito cedo tocada pela vontade de trabalhar para ganhar seu próprio
dinheiro. Nas suas primeiras tentativas produziu e comercializou pequenas peças em crochê e
vendeu chocolate na escola. Com quinze anos ingressou como aprendiz em uma fábrica,
experiência com a qual ela diz ter aprendido muito, mas que não enxergou como parte do
futuro profissional que planejava, tanto foi assim, que a jovem permaneceu por apenas um
ano no Programa. Durante um período da pesquisa, a jovem atuou em uma web rádio, que
também ajudou a criar. Foi a partir dessa atividade que surgiu o interesse pelo campo da
182

comunicação, mais tarde consolidado pela inserção como estagiária em um grupo de


comunicação.
No grupo de comunicação Kelly trabalhava com mídias sociais, primeiro na função de
estagiária e no final da pesquisa havia sido contratada. Neste trânsito entre experiências
profissionais obteve vantagens salariais e também passou a pensar de modo mais objetivo
seus projetos profissionais, chegando à conclusão de que a faculdade de publicidade seria a
melhor opção a seguir após a conclusão do ensino médio. Sua intenção é seguir formação na
área de mídias sociais, campo que considera em expansão e com boas oportunidades para os
próximos anos.
No contexto familiar as mudanças mais significativas ocorreram no último ano da
pesquisa. Até então a jovem destacava a rigidez e o controle exercido pela mãe como fator
preponderante em suas relações, o que, todavia não era dito em tom de reclamação. Havia
momentos em que essa rigidez era considerada por Kelly como um elemento de
infantilização, mas em outros, ela via essa situação como uma forma de proteção e como um
dos aspectos que a fizeram despertar mais cedo para algumas responsabilidades da vida
adulta. No último ano a jovem havia ampliado significativamente a independência financeira,
tanto que a mãe planejava mudar-se para outra cidade e a jovem passaria a morar sozinha.
Kelly tinha uma boa experiência de circulação pela cidade e isso era em grande parte
impulsionado pelas atividades profissionais que desenvolvera até ali. Usufruía boa parte do
seu tempo livre em casa para descansar, ouvir música, navegar na web, assistir filmes e
aproveitar o convívio com a mãe. Na última entrevista a jovem relatou que nas folgas da
faculdade e do trabalho começou a prestar serviços de assessoria de comunicação e estava se
organizando para montar seu próprio negócio nesse ramo.
183

Lidiane

A jovem tinha 27 anos quando a pesquisa iniciou e era estudante da escola do bairro.
Foi entrevistada somente uma vez. Nessa ocasião Lidiane mencionou que se sentia
desconfortável em participar de uma pesquisa sobre jovens, visto que há muito se considerava
adulta. Apesar disso a jovem considerou a oportunidade de falar sobre sua vida para uma
pessoa desconhecida e interessada em ouvi-la como um momento singular.
Na tentativa de realizar a segunda entrevista com esta jovem, as hesitações da mesma
em agendar uma data e depois em atender ao telefone tornaram-se sinal de desistência de
Lidiane em continuar na pesquisa. Ainda assim, o relato produzido na primeira entrevista foi
significativo.
Declarou-se parda e nascida em Manaus. Tinha três filhos e vivia uma segunda união
conjugal. Morava com o cônjuge e os filhos, no bairro do Grande Vitória, zona leste da
cidade. Cuidava de uma pequena venda instalada na própria residência e dali extraía uma
pequena parte dos recursos utilizados no pagamento das despesas da casa, o restante era
custeado pelo salário do marido, que era empregado no setor formal.
A jovem relata uma infância marcada por necessidades materiais e por conflitos no
campo afetivo, principalmente com o padrasto. A primeira gravidez ocorreu quando a jovem
tinha quinze anos. A maternidade aprofundou ainda mais as necessidades materiais, então
Lidiane começou a trabalhar logo após o nascimento da filha.
Por intermédio de uma amiga da mãe, a jovem foi trabalhar como babá. A jovem
acumula mais de uma experiência nos serviços domésticos, todas elas vividas de modo
informal e ilegal, tendo em vista a idade que Lidiane tinha no período dessas inserções (entre
quinze e dezessete anos).
Legalmente desprotegida, a jovem viveu diversas situações constrangedoras nas
residências em que trabalhou (parca remuneração, atrasos no pagamento, pagamento com
produtos e não em espécie, e o autoritarismo de moradores da casa e longas jornadas). Pela
dificuldade de conciliar essas atividades laborais com a escolarização e também em razão da
maternidade vivida em contexto de poucos suportes familiares, teve a trajetória escolar
prejudicada por reprovações e abandonos.
Mesmo com a significativa distorção idade série (com 28 anos cursava o segundo ano
do ensino médio), a jovem vivia um momento de reencontro com a escola e projetava seguir
estudos em nível superior. Mencionou o interesse em cursar pedagogia, mas não demonstrava
muita clareza sobre os caminhos que poderiam leva-la ao curso superior ou acerca das
184

instituições que ofereciam o curso. Ao falar de sua projeção de ingresso no ensino superior a
jovem não considerou a possibilidade de ingressar em uma instituição pública, aludindo
diretamente à intenção de estudar em uma instituição privada instalada no bairro vizinho ao
seu.
185

Renato

Renato tinha 18 anos quando a pesquisa começou. Era estudante da escola do bairro e
participou de duas entrevistas, a primeira no ano de 2011 e a segunda no ano de 2012, ambas
realizadas no horário de almoço do jovem, em uma organização não governamental situada
próximo de sua casa.
Declarou-se preto e nascido no município de Novo Aripuanã, um pequeno município
do Estado do Amazonas, onde passou os primeiros anos de sua infância, aos cuidados da avó
paterna. Aos 9 anos mudou-se para Manaus, passando a viver com a mãe e a irmã no bairro de
Grande Vitória, onde residia até o final da pesquisa. O jovem teve a infância e a adolescência
marcadas por dificuldades no campo financeiro e também nas relações familiares.
Desde a infância Renato trabalhou para ajudar no sustento da família e mesmo nas
ocasiões em que a mãe solicitou que se dedicasse apenas aos estudos o jovem nunca atendeu,
por considerar que sua renda era fundamental para a subsistência da família. Com o passar
dos anos as responsabilidades do jovem com o sustento da casa só aumentaram de modo que
aos 18 anos, quando começou a participar da pesquisa o salário do jovem era a única renda da
família. Aos 18 anos Renato também se tornou pai, fato que impactou significativamente sua
visão de futuro e seu orçamento.
Depois que passou que se tornou o provedor da casa obteve consequentemente uma
nova posição na hierarquia da família. Apesar de ainda sentir-se subordinado a algumas regras
colocadas pela mãe, por entender que ela é a dona da casa, o jovem tem importante peso nas
decisões da casa.
A trajetória escolar de Renato apresenta algumas interrupções por reprovação. Estas
reprovações estão associadas à dificuldade de conciliar trabalho e estudo. O jovem estudou
sempre em escolas públicas situadas próximas de seus locais de moradia. Após o ensino
médio pensa em fazer algum curso técnico, acreditando que isso irá impulsionar sua ascensão
profissional. Não descarta a possibilidade de ingressar no ensino superior, mas isso seria um
plano mais tarde. Acha que não está preparado para os processos seletivos das instituições
públicas e teria dificuldades para custear um curso em instituição privada. Cogita a
possibilidade de cursar direito futuramente.
Renato já desenvolveu diversas atividades desde que começou a trabalhar: vendeu
frutas, pão e dindin quando ainda morava com a avó. Dos 9 aos 14 atuou informalmente como
gandula em uma pelada em um clube frequentado por advogados, juízes e outros
186

profissionais, dos quais recebia remunerações pela reposição das bolas ao campo; A partir dos
14 passou a integrar a equipe da pelada e continuou sendo remunerado por isso; Concomitante
a essa participação nas peladas do clube dos advogados, desenvolvia desde os 14 anos bicos
como ajudante de pedreiro, de eletricista de soldador etc.; Aos 18 anos ingressou como
auxiliar de escritório em uma empresa de transporte, por intermédio de alguns membros do
grupo do futebol.
187

Robson

Robson tinha 16 anos quando a pesquisa iniciou. Estudava na escola do bairro e


participou de duas entrevistas, uma em 2011 e outra em 2013. No ano de 2012, o jovem faltou
a primeira data agendada para a entrevista e, em seguida, não respondeu às ligações
telefônicas nem aos contatos pela internet. A primeira entrevista foi realizada em uma
instituição não governamental próximo da residência de Robson, em um dia de semana pela
manhã e a segunda, aconteceu na casa do jovem, em um sábado à tarde.
Era solteiro, natural de Manaus e autodeclarou-se preto. Robson sempre morou na
cidade de Manaus, com os pais e a irmã, mas sua família mudou muitas vezes de endereço até
a aquisição da casa própria no Bairro de Grande Vitória, onde estão até hoje. Seu pai e sua
mãe são pouco escolarizados (ambos possuem o ensino fundamental incompleto) e trabalham,
respectivamente, como pedreiro e empregada doméstica.
O jovem sempre estudou em escolas públicas próximas de seus locais de moradia. Sua
trajetória escolar possui algumas interrupções ocasionadas por abandonos e reprovações. As
interrupções no processo escolar são reportadas às mudanças de endereço e às dificuldades de
conciliação entre trabalho e estudo, inclusive uma dessas interrupções ocorreu no período da
pesquisa.
O jovem tem planos de cursar engenharia civil após a conclusão do ensino médio, mas
acredita que deverá fazê-lo em uma instituição privada por considerar reduzidas as suas
chances de ingressar em uma instituição pública de ensino superior.
O jovem trabalha desde os quinze anos de idade. Suas primeiras experiências
ocorreram de modo informal, primeiro na construção civil, onde atuou como ajudante de
pedreiro e depois em uma fábrica de produtos recicláveis.
Nos intervalos entre esses serviços que denominava de avulsos, o jovem fez várias
tentativas de ingresso em programas de aprendizagem, mas em nenhuma delas obteve
sucesso.
Depois de completar dezoito anos Robson retornou à fábrica onde já havia atuado
informalmente, e, por indicação da irmã e do cunhado que também eram empregados na
empresa, o jovem obteve o seu primeiro contrato de trabalho formal.
O jovem atua como auxiliar de transporte e apesar de trabalhar sob os marcos da
legalidade, a atividade não deixa de ser desgastante, principalmente por tratar-se de uma
tarefa repetitiva e que é desenvolvida no terceiro turno. Essa inserção tem lhe custado
188

dificuldades de conciliação com a escola e a compressão de seu tempo livre. Robson faz
planos de tirar a carteira de habilitação e comprar um carro para facilitar seu deslocamento e
com isso diminuir os problemas de conciliação da escola com o trabalho e dispor de mais
tempo livre.
Atualmente o jovem se diz completamente independente dos pais e também possui
bastante autonomia no âmbito familiar. Apesar de morar com os pais, o jovem colabora com o
pagamento das despesas da casa e participa das principais decisões que afetam o coletivo.
189

Sávio

Sávio tinha 15 anos quando respondeu ao questionário da pesquisa. Era estudante da


escola do centro. Participou de três entrevistas, todas elas realizadas na residência do jovem.
Declarou-se branco e nascido em Manaus. Morava com os pais, uma irmã mais velha e o avô
no bairro de Petrópolis.
Os pais de Sávio possuem um comércio (mercadinho) que funciona no térreo da
residência. Eventualmente Sávio ajuda nas vendas, mas não considera que isso caracterize um
trabalho, e também não tem uma remuneração específica por isso. A ajuda funciona como
uma contrapartida do jovem ao pagamento das despesas e da mesada que é garantida pelos
pais.
No conjunto dos jovens participantes da pesquisa, a família de Sávio é a que possui a
maior renda per capta e também a mais escolarizada. Seu pai concluiu o ensino superior e sua
mãe e irmã cursam este nível. Sávio estudou todo o ensino fundamental em escolas
particulares e no ensino médio transitou entre a escola pública e a escola particular.
Cursou o primeiro ano do ensino médio na escola do centro, mas os pais de Sávio
consideraram que a qualidade do ensino era inferior àquela verificada nas escolas privadas e
então o matricularam em uma escola particular para cursar o segundo ano. Nesse mesmo ano,
Sávio foi reprovado e no ano seguinte retornou à escola pública. O jovem envergonhava-se
dessa reprovação e pensou em desistir da pesquisa para não ter que expor essa situação.
Durante a pesquisa mencionou as áreas de Engenharia, Direito e Psicologia como
possíveis cursos para os quais prestaria vestibular. Tem a Universidade Federal como alvo. Na
última entrevista parecia decidido por fazer Engenharia, devido à identificação com as áreas
de matemática e física e ao mercado de trabalho em engenharia está em expansão em Manaus.
Com o apoio dos pais, Sávio está postergando a entrada no mercado de trabalho e tem
investido seu tempo apenas na escola regular e em outras atividades formativas que considera
importantes para seu futuro profissional (curso de informática, inglês, AutoCad).
Sávio nunca trabalhou e também não estava à procura de emprego durante a pesquisa.
Pretende ingressar no mercado de trabalho somente após a conclusão da faculdade, mas
observa que nas escolas públicas onde já estudou o trabalho é um tema central para a maioria
dos estudantes.
No tempo livre, Sávio gosta de jogar futebol, videogame e raramente vai ao cinema.
No fim de semana também frequenta a igreja evangélica junto com os pais.
190

Taís

Taís tinha 16 anos quando respondeu ao questionário da pesquisa no ano de 2010. Era
aluna da escola do centro. Participou de duas entrevistas, sendo a primeira realizada no ano de
2011, na residência da jovem e a segunda realizada no ano de 2013 também em sua casa. No
ano de 2012 problemas no estabelecimento de contato por telefone com a jovem impediram a
realização da entrevista.
Taís declarou-se parda e nascida em Manaus. É a filha mais nova em uma família
composta por pai, mãe, uma irmã e dois irmãos. Taís morava com os pais no bairro do
Puraquequara, na comunidade Bela Vista. Trata-se de uma região híbrida entre rural e urbano,
que se encontra bastante isolada com relação ao centro da cidade. A casa da jovem fica
próximo de um igarapé e assim como as demais famílias da região onde reside, sua vida é em
grande medida integrada a estas águas, de modo que a jovem sente diretamente os efeitos dos
ciclos de cheia e seca e do processo de poluição atravessado pelo igarapé ao longo dos anos.
O pai de Taís atuou a maior parte da vida como pescador e atualmente trabalha como
carpinteiro. A mãe da jovem é contratada de uma empresa de conservação e presta serviços de
auxiliar de serviços gerais em uma escola pública do bairro.
A jovem possui uma trajetória escolar regular, sem reprovações ou abandonos e
cursou toda a educação básica em escolas públicas. Até o ensino fundamental frequentou
escolas próximas de sua casa, mas para o ensino médio buscou uma escola do centro,
apostando que ali encontraria ensino de maior qualidade. Os pais de Taís são pouco
escolarizados. A mãe possui o ensino médio incompleto e o pai o ensino fundamental
incompleto. Os três irmãos mais velhos da jovem já concluíram o ensino médio. Dois deles já
estão inseridos no mercado de trabalho e um dos irmãos faz faculdade de turismo na
Universidade Estadual.
No início da pesquisa Taís apenas estudava e não estava procurando emprego.
Naquele momento Taís entendia que o trabalho poderia atrapalhar sua vida escolar e, com o
apoio dos pais e irmãos, investia seu tempo e esforço somente na escolarização. No último
contato da pesquisa, Taís havia concluído o ensino médio e estava trabalhando em uma
fábrica do Distrito Industrial. Havia participado dos processos seletivos das universidades
públicas locais, mas não obteve aprovação.
Diante das circunstâncias Taís refez alguns planos relacionados à continuidade de
estudos. Nos processos seletivos realizados havia escolhido os cursos de fisioterapia e
engenharia química, mas na última entrevista a jovem planejava iniciar o curso de Pedagogia
191

em uma instituição privada e prestar o processo seletivo do Instituto Federal de Tecnologia


para a licenciatura em química. A opção por pedagogia estava estritamente relacionada com o
seu menor custo, enquanto a Química surgia como uma opção que a deixava mais próxima do
seu sonho de cursar engenharia química.
No decorrer da pesquisa, os planos de Taís com relação ao casamento e constituição
de família também passaram por mudanças significativas. Na primeira entrevista a união
conjugal era algo que a jovem só pretendia realizar depois de ter alcançado outros objetivos
tais como a conclusão do ensino superior, a realização profissional, a independência
financeira etc. Na última entrevista Taís dizia-se praticamente casada, pois já estava dormindo
junto com o namorado e estavam economizando dinheiro para comprar uma casa e oficializar
a união.
A jovem falava dessa situação vivida no plano afetivo com certo constrangimento e
fazia questão de enfatizar que passou a dormir na casa do namorado por facilitar seu
deslocamento para o trabalho. Em alguns trechos da entrevista a jovem lamentou que algumas
circunstâncias da necessidade material tivessem lhe afastado de seus primeiros planos.
O acesso ao emprego se deu por meio da distribuição de currículo, seguida da
participação em processo seletivo. A jovem trabalha na linha de produção de uma fábrica de
acessórios para automóveis. O trabalho é formalizado, mas as condições de exercício da
atividade são pesadas: trabalha em pé e tem uma jornada longa, que se torna ainda mais
cansativa devido ao tempo necessário para o deslocamento. A remuneração é pouco maior
que um salário mínimo. A jovem diz que está aprendendo muito com a experiência, mas que
não pretende passar muito tempo nessa ocupação. Quer voltar a estudar e retomar o controle
de seus planos no campo profissional.
192

APÊNDICE III – Questionário exploratório aplicado aos jovens

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - DOUTORADO
GRUPO DE PESQUISA OBSERVATÓRIO JOVEM DO RIO DE JANEIRO

PESQUISA: O LUGAR DO TRABALHO NO PROCESSO DE TRANSIÇÃO PARA A VIDA ADULTA

Questionário direcionado a jovens do 1º ano do Ensino Médio


Escola Estadual ___________________________________

Olá pessoal!
Meu nome é Nádia Falcão, desenvolvo uma pesquisa sobre os jovens do ensino médio e
suas experiências de formação e de trabalho. Gostaria da colaboração de vocês em
responder este questionário, que faz parte da primeira etapa da pesquisa. O objetivo é
coletar dados sobre o seu perfil socioeconômico, sua trajetória escolar e sua
vivência/experiência de trabalho.
Sua colaboração será de grande valia para compreensão do tema. Garantimos que todas as
suas informações e opiniões serão de uso exclusivo da pesquisa e que sua identidade será
preservada.

Orientações Gerais de Preenchimento

 Por favor, preencha o questionário com caneta na cor azul ou preta;


 Não deixe nenhuma pergunta sem resposta;
 Marque apenas o número de alternativas possíveis, conforme indicação em cada pergunta;
 Evite rasuras;
 Seja sincero em suas respostas, pois omissões ou mentiras podem comprometer o
resultado da pesquisa.
Desde já, agradeço sua atenção e colaboração.

1. Nome 2. Idade:
3. Sexo 4. Cor ou raça (classificação utilizada pelo IBGE)
Feminino Branca Parda
Masculino Preta Indígena
Amarela Outra, qual?
___________________
193

5. Onde você nasceu? 6. Há quanto tempo mora em


Manaus (caso tenha vindo de
Cidade:
outra cidade ou estado)?
Estado:

7. Qual seu estado civil? 8. Você tem filhos (as)?


Solteiro(a) Sim. Quantos? _________
Casado(a) / Mora com um(a) Não
companheiro(a)
Separado(a) / divorciado(a)
Outro. Qual? ____________________
9. Em qual bairro e zona da Cidade 10. Com quem você mora atualmente?
você mora? Sozinho (a) Esposo(a) /
Bairro: __________________________ companheiro(a)
Pai Filho(s) / filha(s)
Zona: ___________________________ Mãe Amigos
Irmãos(ãs) Outros parentes

11. Quantas pessoas moram 12. Qual sua posição com relação às despesas da
com você? casa?
Pago sozinho(a) todas as despesas
Colaboro com o pagamento de algumas despesas
Não colaboro com o pagamento de nenhuma
despesa

13. Qual a escolaridade de seu pai? 14. Qual a escolaridade de sua mãe?
Não estudou Não estudou
Ensino fundamental incompleto Ensino fundamental incompleto
Ensino fundamental completo Ensino fundamental completo
Ensino Médio incompleto Ensino Médio incompleto
Ensino Médio completo Ensino Médio completo
Ensino Superior incompleto Ensino Superior incompleto
Ensino Superior completo Ensino Superior completo
Pós-Graduação Pós-Graduação
Não sei Não sei

15. Em qual profissão seu pai trabalha ou 16. Em qual profissão sua mãe trabalha
trabalhou a maior parte da vida? ou trabalhou a maior parte da vida?
194

17. Em qual tipo de escola você cursou o ensino fundamental (1º ao 9º ano)?
Todo em escola pública
Todo em escola privada
Parte em escola pública e parte em escola privada
18. Por que você escolheu esta escola para cursar o Ensino Médio? (Você pode
marcar mais de uma opção de resposta, se necessário)
Porque fica próximo de sua residência
Porque fica no centro da Cidade
Porque já estudava nesta escola
Porque a escola é reconhecida na Cidade como uma instituição de qualidade
Por outro(s) motivo(s)? Qual(is)? __________________________________

19. Você pretende continuar estudando após a conclusão do ensino médio?


Sim, pretendo cursar o ensino superior (Especifique a área: __________________)
Sim, pretendo realizar um curso técnico (Especifique a área: _________________)
Não tenho planos de continuar estudando depois do ensino médio

20. Você participa ou já participou de alguma atividade de qualificação profissional


ou preparação para o trabalho? (cursos, estágios, treinamentos, projetos etc.)
Participo atualmente.
Qual(ais)?_____________________________________________
Participei em outro momento.
Qual(ais)?______________________________________
Pretendo participar.
Qual(ais)?______________________________________________
Não e nem pretendo participar agora

21. Atualmente, você realiza alguma atividade remunerada?


Sim, qual? ______________________________________
Não, mas estou procurando
Não, e não pretendo trabalhar agora

22. Qual tipo de vínculo representa sua situação atual de trabalho? (Se não trabalha
atualmente, passe para a questão nº 23)
Estágio supervisionado
Carteira assinada
Trabalho sem contrato formal de trabalho
Desenvolvo atividades autônomas
Servidor público concursado
Outra. Especifique
195

23. Qual sua renda mensal?


Não possuo renda própria
Até 1 salário mínimo (até R$ 510,00)
De 1 a 2 salários mínimos (de R$ 510,00 a R$ 1.020,00)
De 2 a 5 salários mínimos (de R$ 1.020,00 a R$ 2.550,00)
Mais de 5 salários mínimos (mais de R$ 2.550,00)

24. Somando a sua renda com a renda de todas as pessoas que moram com você
qual é a renda familiar por mês?
Até 1 salário mínimo (até R$ 510,00)
De 1 a 2 salários mínimos (de R$ 510,00 a R$ 1.020,00)
De 2 a 5 salários mínimos (de R$ 1.020,00 a R$ 2.550,00)
De 5 salários mínimos a 10 salários mínimos (R$ 2.550,00 a R$ 5.100,00)
Mais de 10 salários mínimos (mais de R$ 5.100,00)

25. Se você tivesse que procurar trabalho neste momento, para qual destas áreas
de atividade você enviaria currículo? (Marque quantas opções achar necessário)
Comércio (lojas, supermercados, shoppings center, auto-peças etc.)
Indústria (fábricas do distrito industrial)
Educação (creches, escolas, universidade etc.)
Entretenimento (casas noturnas, eventos, bares etc.)
Alimentação (restaurantes, lanchonetes, sorveterias etc.)
Turismo (agências, hotéis, balneários etc.)
Saúde (clínicas, hospitais, laboratórios etc.)
Serviços avulsos (entregas, limpeza, lavagem de carro, divulgação de produtos
etc.)
Outros, especifique: _______________________________________________
26. Em qual(ais) dessas áreas você considera que teria chances reais de conseguir
emprego atualmente?
Comércio (lojas, supermercados, shoppings center, auto-peças etc)
Indústria (fábricas do distrito industrial)
Educação (creches, escolas, universidade etc.)
Entretenimento (casas noturnas, eventos, bares etc.)
Alimentação (restaurantes, lanchonetes, sorveterias etc.)
Turismo (agências, hotéis, balneários etc.)
Saúde (clínicas, hospitais, laboratórios etc.)
Serviços avulsos (entregas, limpeza, lavagem de carro, divulgação de produtos,
etc).
Outros, especifique: _______________________________________________
196

27. Quais destes ambientes e meios você já procurou ou procuraria para obter
informações sobre o mercado de trabalho hoje? (Marque quantas opções forem
necessárias)
A escola, por meio do contato com professores e outros profissionais
A escola, por meio do contato com outros estudantes
A internet
A família, por meio de orientações de pessoas mais velhas
Jornais impressos
Instituições de apoio ao ingresso no mercado de trabalho (CIEE, IEL, SINE etc.)
Outros, quais:
________________________________________________________
28. Em termos profissionais, quais as suas expectativas para daqui a 10 anos? (Que
atividade gostaria de estar desempenhando?)

29. Você considera que as atividades que você desenvolve hoje no ensino médio
estão lhe preparando para atingir seus objetivos profissionais?
Sim, por que?
____________________________________________________________
Não, por que?
____________________________________________________________

Você aceita participar de uma próxima fase da pesquisa e conversar sobre a relação escola e
trabalho?
( ) sim ( ) não

Em caso afirmativo, por favor, informe os seus dados para contato:


Email: ___________________________________________________________
Google talk:____________________________
MSN: _________________________________
Orkut: ________________________________
Telefones: ___________________________________________________________
Endereço: Rua
__________________________________________________________Nº______
Bairro:______________________ CEP: _____________________________

Grata,
Nádia Maciel Falcão
Pesquisadora do Observatório Jovem do Rio de Janeiro
Contatos: falcao.nadia@gmail.com
(21) 81848351 /3126-7506
197

APÊNDICE IV - Roteiro de entrevista – 1ª etapa

Observações Gerais:
 A entrevista será orientada para a produção de relatos de vida. Os jovens serão motivados a
narrar eventos biográficos (fragmentos de sua biografia) que permitam situar suas
experiências perante as questões apresentadas neste roteiro.

 As partes e as questões presentes neste roteiro não indicam, necessariamente, a ordem com
que serão abordadas na conversa com os sujeitos entrevistados, servem apenas de guia para
garantir que a interlocução não se afaste das questões da pesquisa.

 Ao longo da entrevista, também poderão ser realizadas adaptações na linguagem, a fim de


tornar as questões o mais claras possível para os entrevistados.

 Os jovens serão informados de que podem expressar-se livremente, conforme seus padrões
de comunicação oral, não havendo respostas certas ou erradas.

1ª Parte – Aspectos biográficos: sua vida por você mesmo

(Captar aspectos relacionados à composição familiar; trajetória escolar; condições de


moradia; condições sócio-econômicas da família, redes de amizades etc.)

 Fale de sua vida desde a infância até agora. O que lembra? Como foi sua vida de criança
(em casa, na rua, na escola, amizades)? E a adolescência?

2ª Parte – Ser trabalhador e estudante na juventude

Observação: No caso dos jovens que nunca desenvolveram nenhuma atividade profissional,
algumas perguntas deste bloco deverão ser adaptadas e/ou suprimidas.

 Quando você começou a se preocupar com o trabalho? Que motivos/contexto o levaram a


querer desenvolver alguma atividade profissional?

 Relate sua primeira experiência de trabalho remunerado (local, atividade, remuneração,


dificuldades, idade, conciliação com a escola). Se pudesse escolher teria adiado esta entrada
no mundo do trabalho? Quando acha que seria o momento mais oportuno?
198

 Desenvolva uma linha do tempo com todas as atividades remuneradas que você realizou
desde esta primeira experiência até os dias atuais.

 Até onde vão suas expectativas profissionais na atualidade? Você tem um projeto pensado?
Para quanto tempo? Quais as etapas o constituem? As atividades descritas na linha do tempo
fazem parte deste projeto? Quais experiências são mais importantes para atingir os objetivos
traçados no projeto? Quais as dificuldades a enfrentar? Onde você acha que pode encontrar
apoio/suporte para atingir suas metas e superar dificuldades?

 Quais seus principais receios com relação ao mercado de trabalho? Você teme o
desemprego? Que motivos você acha que pode fazer com que alguém fique desempregado
hoje? Você acha que a idade que você tem aumenta suas possibilidades de ficar
desempregado? Como é possível evitar ou minimizar as possibilidades de ficar desempregado
hoje? Como você enfrenta ou se prepara para enfrentar essa dificuldade?

 Você considera que as atividades desenvolvidas na escola lhe ajudam ou podem vir a lhe
ajudar no campo profissional? Como? Por quê? Há algum evento que possa exemplificar sua
resposta?

 Você encontra dificuldades de conciliar as atividades escolares com as atividades laborais?


Quais? A que você credita estas dificuldades? Que tipo de estratégias você utiliza atualmente
para tentar amenizá-las? Essas dificuldades já lhe trouxeram algum prejuízo? De que ordem?
Com que outros meios/recursos você gostaria de contar para melhorar esta conciliação?

 Depois que você ingressou no ensino médio você sentiu alguma mudança de perspectiva
em relação ao trabalho? Você acha que suas chances de conseguir um emprego aumentaram?
Você se sente mais preparado para enfrentar o mercado de trabalho?

3ª Parte – O trabalho na transição pra vida adulta

 Você se considera jovem ou adulto? Por quê?

 Quando você começou a trabalhar sentiu alguma alteração no modo como as pessoas de
sua família e de outros círculos de convivência passaram a tratá-lo? Dê alguns exemplos.

 No ambiente de trabalho você já teve que modificar ou rever algum comportamento ou


característica (estilo de vestir, falar, usar o cabelo etc.) que você considerava tipicamente
juvenil? Houve algum tipo de solicitação explícita para isso, ou foi de sua iniciativa?
199

 Que vantagens você vê no fato de ter começado a trabalhar ainda na juventude? Você acha
que isso te aproxima em alguma medida da vida adulta?

 O que você quer estar fazendo daqui a dez anos? (sonhos de consumo, projetos no campo
familiar, futuro profissional) Você já parou para pensar o que será necessário fazer para
atingir estes objetivos? Que atividades que você realiza hoje contribuem para este fim? Que
grupos/redes que você mantém hoje são importantes para esse projeto?
200

APÊNDICE V – Roteiro de entrevista – 2ª etapa

1. Conversa introdutória retomando aspectos abordados na primeira entrevista. A


entrevistadora pergunta inicialmente aos jovens o que recordam da primeira entrevista e, se
necessário complementa as informações.

Perguntas sugeridas: Você lembra sobre o que conversamos na primeira entrevista? Você
lembrava que teríamos outras etapas de entrevista? Estava esperando por este novo encontro?
O que mudou de lá pra cá com relação aos aspectos sobre os quais conversamos na entrevista
anterior?

Subtemas introduzidos ao longo da entrevista:

- Situação laboral

Verificar recorrências e mudanças na situação laboral informada anteriormente: Mudou de


emprego ou função? Ficou desempregado? Teve aumento salarial? Saiu ou entrou na
informalidade?

- Situação Escolar

Verificar se houve interrupção do fluxo escolar por reprovação ou abandono; Verificar quais
as principais tensões e expectativas daqueles que estão cursando o último ano do ensino
médio; Levantar se houve mudança de escola e quais os motivos; Levantar as estratégias de
preparação para ingresso no ensino superior; verificar as projeções de continuidade de estudos
em nível superior ou outros.

- Usos da cidade e mobilidade

Verificar o grau de circulação dos jovens pela Cidade de Manaus, levantando os principais
impedimentos e as atividades que funcionam como molas propulsoras da mobilidade urbana
dos jovens. Verificar quais os locais mais acessados para o lazer.

- Autonomia e independência

Verificar como estão constituídas as relações de autoridade entre os jovens e os pais ou outros
membros da família. Averiguar em que medida o jovem depende financeiramente dos pais ou
outros membros da família. Verificar se há atividades para as quais o jovem adquiriu
autorização recente para fazer e o que motivou essa autorização (idade, inserção profissional,
maior participação da renda familiar etc).
201

APÊNDICE VI – Roteiro de entrevista – 3ª etapa

1) Retomar aspectos abordados nas entrevistas anteriores: a pesquisadora fará a leitura de


um perfil do(a) jovem elaborado a partir das entrevistas anteriores e do questionário e, ao final
da leitura pedir, um parecer do jovem sobre o que ouviu, perguntando se tem algo a
acrescentar ou modificar no que foi dito.

 PESQUISADORA: Vou fazer um breve relato das coisas que eu sei sobre você a partir
do que conversamos nas duas entrevistas anteriores e ao final você me diz o que acha.
 Então, enquanto você ouvia meu relato o que você pensou? Tem algo a acrescentar
neste perfil? Tem alguma modificação a fazer?

2) Verificar recorrências e as mudanças nas diversas dimensões da vida do jovem que foram
sondadas na pesquisa (família, escola, trabalho, lazer, local de moradia, etc).

 Qual sua idade atual?


 Você continua morando no mesmo endereço e com as mesmas pessoas?
 Quais as tensões vividas atualmente na convivência familiar?
 Como está sua vida escolar? Concluiu o Ensino Médio? Prestou processos seletivos
para o ensino superior? Entrou na faculdade?
 O que aconteceu no campo do trabalho? Está trabalhando? Procurou emprego? Se
estiver trabalhando no mesmo local de antes, houve alguma mudança no tipo de serviço, no
salário ou outras?
 O que você tem feito no seu tempo livre? Nesses quatro anos de pesquisa (de 2010
para cá), conheceu novos lugares e opções da cidade? Como isso aconteceu?

3) Quais os principais desafios enfrentados pelo(a) jovem no momento? Como os têm


enfrentado? (Chamar a atenção para o tema do trabalho e da escolarização caso não apareçam
espontaneamente nas respostas do jovem à primeira provocação).
4) Nos 4 anos de pesquisa, quais os maiores problemas e quais os maiores ganhos
observados pelos jovens acerca de suas vidas? (Chamar a atenção para o tema do trabalho e
da escolarização caso não apareçam espontaneamente nas respostas do jovem à primeira
provocação).

5) Como está a relação de independência e autonomia do jovem perante a família na


atualidade?

 Ganhou novas responsabilidades dentro da família?


 É consultado quando é necessário tomar alguma decisão importante na família?
 Em que medida depende financeiramente dos pais ou outros membros da família?
202

 Busca o auxílio da família para resolver problemas particulares? Em que tipo de


situação isso ocorre?
 Que tipo de coisas não fazia antes e agora tem autorização da família para fazer?
Como e quando isso passou a ocorrer?

6) Quais seus projetos mais importantes? (Verificar a relação do jovem com o futuro)

7) Qual seu parecer final sobre sua participação na pesquisa?

 Sabe a finalidade deste trabalho?


 Gostou de participar? Por quê?
 Como isso afetou você?
203

APÊNDICE VII - Profissão do pai e da mãe (dados extraídos a partir do questionário)

Profissão do Pai
Frequência
Administração 1
Advogado 1
Agente de limpeza 1
Agricultor 5
Agronomia 1
Ajudante de pedreiro 1
Apontador 1
Assessor parlamentar 1
Autônomo 3
Autonomo(vendedor ambulante) 1
Auxiliar administrativo 1
Bancário 1
Bar man 1
Base aérea 1
Cabelereiro 1
Câmara frigorífica 1
Carpinteiro 4
Carteiro 1
Caseiro 1
CETRAN 1
Comércio 1
Conferente 1
Construção civil 1
Descarregador de caminhão 1
Dono de açougue 1
Dono de marina 1
Eletricista 2
Empreiteiro construção civil 1
Encarregado de eletricista e motorista de caminhão 1
Fazendeiro 1
Feirante 2
Ferramentaria 1
Fiscal 1
Funcionário público 1
Gerente 1
Gradista 1
Gráfico 1
Industriário 7
Linha de montagem 1
Maniqueiro 1
Marceneiro 1
Marítimo 2
Mecânico 2
Mestre de obras 3
204

Montador 2
Montador de móveis 1
Motoboy 1
Motorista 2
Motorista de caminhão 1
Motorista de ônibus 2
Motorista de taxi 1
Operador de máquina 1
Padaria 1
Padeiro 1
Pedreiro 14
Pescador e vendedor de peixe 1
Petrobrás 1
Pintor 4
Policial 1
Porteiro 1
Professor 2
Professor Ed. Fisica 1
Recepcionista 1
Soldador 2
Taxista 3
Trabalha com gesso 1
Trabalha na RM 1
Vendas 1
Vendedor 5
Vendedor de peixe 1
Vigia 1
Vigilante 2
Não respondeu 9
Não sei 4
Total 134

Profissão da Mãe
Frequência
Administração 1
agente social 1
Agricultora 1
Autônoma 4
aux. de serviços gerais 1
auxiliar de cozinha 3
balconista restaurante 1
Cabeleireira 5
cabelereira e costureira 1
Caseira 1
cobradora de ônibus 1
205

Comércio 2
Copeira 1
Costureira 3
Cozinheira 3
Diarista 3
Doméstica 17
doméstica e pescadora 1
dona de casa 17
dona de casa/costureira 1
empregada doméstica 15
Empresária 1
Enfermeira 2
Faxineira 1
Feirante 2
funcionária pública 4
gerente posto gasolina 1
Industriária 4
ISTEC 1
junto com o pai 1
loja de varejo 1
Merendeira 2
Montadora 3
oficina de carro 1
operadora de máquina 1
professora aposentada 1
recepcionista 2
restaurante 1
saúde 1
secretária 3
secretaria de um prédio 1
serviços gerais 2
serviços gerais em escola 1
setor de RH 1
vendedora 4
não respondeu 5
não sei 2
nenhuma 2
Total 134
206

APÊNDICE VIII – Modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
GRUPO DE PESQUISA OBSERVATÓRIO JOVEM DO RIO DE JANEIRO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Dados de identificação do Projeto

Título: O LUGAR DO TRABALHO NA TRANSIÇÃO PARA A VIDA ADULTA: RELATOS DE VIDA DE


JOVENS DA CIDADE DE MANAUS
Pesquisador Responsável: Nádia Maciel Falcão
Orientador: Paulo Carrano
Instituição a que pertence o Pesquisador Responsável: Universidade Federal Fluminense
Telefone para contato: (21) 3126-7506
Email: falcao.nadia@gmail.com

Você está sendo convidado(a) a participar da pesquisa “O lugar do trabalho na


transição para a vida adulta.

Esta pesquisa pretende conhecer as relações dos jovens estudantes do ensino médio
com o mundo do trabalho, tentando compreender, por meio de suas experiências, quais as
estratégias utilizadas pelos jovens para enfrentar as dificuldades e os desafios do mercado
de trabalho na atualidade e qual o valor que os jovens atribuem ao trabalho na passagem da
juventude para a vida adulta.

Os resultados desta pesquisa poderão contribuir com os setores responsáveis pela


elaboração de políticas públicas de trabalho e educação e também com a melhoria das
práticas dos estabelecimentos de ensino, que poderão considerar estes resultados para
elaboração de atividades mais próximas das necessidades e interesses dos estudantes.

Durante a pesquisa, 15 (quinze) jovens entre 15 e 29 anos de idade, estudantes do


ensino médio, participarão de entrevistas individuais, nas quais deverão relatar opiniões e
experiências a respeito do tema. As entrevistas serão realizadas em local previamente
combinado entre a pesquisadora e os jovens e serão realizadas em três etapas, com
intervalos de 1 ano entre cada abordagem. Não serão necessários registros fotográficos em
207

nenhuma fase da pesquisa, bem como, não será necessária a identificação do participante
da pesquisa.

Sua participação é fundamental para o sucesso desse trabalho de pesquisa, mas


devemos lhe esclarecer que você tem liberdade de se recusar a participar deste estudo e
ainda se recusar a continuar participando em qualquer fase da pesquisa. Sempre que quiser
poderá pedir mais informações sobre a pesquisa através do telefone ou email da
pesquisadora responsável.

A participação nesta pesquisa não traz complicações legais. Os procedimentos


adotados nesta pesquisa obedecem aos Critérios da Ética em Pesquisa com Seres Humanos
conforme Resolução no. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Nenhum dos
procedimentos usados oferece riscos a sua dignidade. Além disso, todas as informações
coletadas neste estudo são estritamente confidenciais. Somente a pesquisadora e o
orientador terão conhecimento dos dados.

Ao participar desta pesquisa você não receberá nenhum benefício financeiro, como
também não terá nenhuma despesa. Entretanto, esperamos que este estudo traga
informações importantes sobre as necessidades e os interesses dos jovens do ensino médio
na Cidade de Manaus sobre o trabalho, de forma que o conhecimento que será construído a
partir desta pesquisa possa contribuir para novas ações e políticas nessa área. Para tanto, a
pesquisadora se compromete a divulgar os resultados obtidos.

Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para


participar desta pesquisa.

Consentimento Livre e Esclarecido

Eu, _______________________________________________________, RG nº
_________________ declaro ter sido informado e concordo em participar, como voluntário,
do projeto de pesquisa acima descrito.

Manaus, _____ de ____________ de _______

______________________________________
Assinatura do Participante da Pesquisa

__________________________________
Assinatura da Pesquisadora
208

APÊNDICE IX – Modelo da Autorização dos pais

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
GRUPO DE PESQUISA OBSERVATÓRIO JOVEM DO RIO DE JANEIRO

PESQUISA: O LUGAR DO TRABALHO NA TRANSIÇÃO PARA A VIDA ADULTA: RELATOS DE VIDA


DE JOVENS DA CIDADE DE MANAUS

AUTORIZAÇÃO

Autorizo meu (minha) filho (a), ________________________________________________


________________________, aluno (a) do ____ ano do Ensino Médio da Escola
____________________________________________________, localizada na rua
_______________________________________nº______, bairro_____________________,

Cidade _______________________, a participar da pesquisa “O Lugar do Trabalho na


Transição para a vida adulta: relatos de vida de jovens da Cidade de Manaus”,
desenvolvida pela doutoranda Nádia Maciel Falcão, sob orientação do Prof. Paulo Carrano
no âmbito do Observatório Jovem do Rio de Janeiro, no período de março de 2010 a
fevereiro de 2014.

Declaro ainda estar ciente que o objetivo da pesquisa é ouvir o que dizem os jovens
estudantes do ensino médio a respeito de suas experiências com o trabalho e a escola e
sobre o seu processo de passagem da juventude para a vida adulta.

Sei também que será guardado sigilo sobre a identidade de meu/minha filho/a e que sua
participação na pesquisa é voluntária, não devendo receber benefícios financeiros pela
participação, como também não deverá ter nenhum tipo de despesa. Além disso, poderá
deixar de participar a qualquer momento, caso seja de seu interesse.

Manaus, ____ de_____________________ de 2011.

_____________________________________________

Assinatura do responsável legal

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