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Arte e Literatura

na Infância
Créditos
Centro Universitário Senac São Paulo – Educação Superior a Distância
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e de Desenvolvimento Kamila Harumi Sakurai Simões
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Sandra Regina Mattos Abreu de Freitas Vivian Martins Gonçalves
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Tecnologias Aplicadas à Educação Adriano Tanganeli
Regina Helena Ribeiro
Equipe de Design Audiovisual
Coordenador de Operação Adriana Matsuda
Educação a Distância Caio Souza Santos
Alcir Vilela Junior Camila Lazaresko Madrid
Professor Autor Carlos Eduardo Toshiaki Kokubo
Rita de Cássia Costa Moreira Christian Ratajczyk Puig
Danilo Dos Santos Netto
Revisor Técnico Hugo Naoto
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Caio Augusto Carvalho Alves Karina de Morais Vaz Bonna
Técnico de Desenvolvimento Marcela Corrente
Carolina Tiemi Sato Marcio Rodrigo dos Reis
Adriana Ferreira Dutra Tomida Renan Ferreira Alves
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Cristina Yurie Takahashi
Emília Correa Abreu
Diogo Maxwell Santos Felizardo
Elisangela Almeida de Souza Fernando Eduardo Castro da Silva
Flaviana Neri Mayra Aoki Aniya
Francisco Shoiti Tanaka Michel Iuiti Navarro Moreno
Gizele Laranjeira de Oliveira Sepulvida Renan Carlos Nunes De Souza
Hágara Rosa da Cunha Araújo Rodrigo Benites Gonçalves da Silva
Janandrea Nelci do Espirito Santo Wagner Ferri
Arte e Literatura na Infância
Aula 01
A História da Arte e a Arte na História

Objetivos Específicos
• Conhecer a História da Arte e suas implicações para o ensino de Artes no
Brasil.

Temas

Introdução
1 Arte e historicidade
2 A Arte e suas linguagens
3 A arte no Brasil
4 A escola e a educação artística no Brasil
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
“As grandes nações escrevem sua autobiografia em três volumes:
o livro de suas ações, o livro de suas palavras e o livro de sua arte.
Nenhum desses três livros pode ser compreendido
sem que se tenham lido os outros dois, mas desses três,
o único em que se pode confiar é o último”.
(RUSKIN, 1980, p. 86)

Somos seres da convivência, das trocas, da relação entre objetividade e subjetividade.


Nossa comunicação se dá por meio da linguagem, seja ela oral, escrita, pictórica, musical,
teatral. Ela, em suas muitas manifestações, nos permite o intercâmbio de pensamentos,
conhecimentos e sentimentos, revelando assim a nossa história.

Nessa dinâmica, a fala, os movimentos corporais, as expressões faciais, a escrita e o


desenho exprimem, para além das mensagens objetivamente planejadas, sentidos e
significações. A grafia, as cores, as formas, os gestos, as mímicas, os olhares, a respiração
potencializam mensagens, fortalecem a linguagem escrita e produzem discursos e silêncios.

Língua e linguagem, como expressões do pensamento humano nascem, se legitimam e se


atualizam na dinâmica social. Uma dinâmica recheada de discursos, manifestações artísticas,
representações e interpretações que nos permitem perceber a presença da arte em nossa
história Uma presença fortemente marcada pelas linguagens que constituíram e divulgaram
o pensamento, a história e a arte de mulheres e homens em sua existência social concreta.

A primeira aula da nossa disciplina é também o início de uma grande e estimulante


jornada; de uma prazerosa parceria: entre pessoas, temas, saberes, experiências. Minha
proposta é que nos deixemos apaixonar pela palavra, pela arte (em suas muitas linguagens)
e pela educação para que assim, de olhos bem abertos, possamos aprofundar leituras, trocar
experiências e internalizar saberes que nos permitirão atuar, avaliar e definir estratégias que
favoreçam a aprendizagem infantil.

Estimulante proposta, não é mesmo? Então, apertem os cintos, nossa viagem vai
começar!

1 Arte e historicidade
O desejo de comunicação e de transformação, ao longo da história, motivou mulheres e
homens a utilizar símbolos, linguagens e discursos das mais diferentes formas para expressar,
entender e mudar o que viam, viviam, faziam, sentiam. Nas paredes das cavernas, nas
construções, nos objetos e utensílios encontramos marcas do trabalho, das descobertas e
dos desafios cotidianos para sobrevivência, adaptação, manutenção e melhoria da vida em
sociedade. Marcas, sinais, indícios passíveis de interpretação, de leitura, de reconstituição da
fascinante trajetória humana na história.

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Flora, fauna, utensílios, tecnologia, marcas temporais e situações envolvendo o viver


cotidiano são visíveis em cavernas espalhadas por todo o mundo, em escavações e sítios de
estudos arqueológicos. A pintura rupestre, denominação usada para as “produções artísticas”
dos primeiros representantes da vida em sociedade, evidencia essa intenção comunicativa.
Nela, a natureza e seus fenômenos: o dia, a noite, a morte, o nascimento, e a forma como
mulheres e homens os representavam: a caça, a agricultura, a pecuária, a gravidez, o uso do
fogo etc. História e magia, o natural e o sobrenatural, portanto, marcaram essas produções
e alimentaram a imaginação e as narrativas, em diferentes linguagens e diferentes tempos,
sobre a experiência humana de transformar e representar a realidade.

Uma experiência que preenche os espaços, dá cor e forma ao cotidiano, revela marcas
de tecnologia1 e expõe as permanências e mudanças materializadas ao longo do tempo. Num
rápido exercício de visão/percepção, observe à sua volta a infinidade de detalhes presentes
em objetos, utensílios, construções. São cores, formas, tamanhos, ideias, sugestões,
combinações, encaixes... Todos ligados a uma finalidade (a exemplo dos utensílios domésticos,
dos instrumentos de trabalho, da habitação), a uma necessidade funcional (a roda, o elevador,
o motor), à superação de limitações (a vara, a corda, o gancho), à apreciação estética, ao
registro (a escrita, o desenho, a caneta, a pintura, a música) e outras tantas possibilidades
concretas e abstratas.

Dominando a natureza com imaginação e grande dose de ousadia e criatividade, mulheres


e homens deixaram (e deixam) suas marcas na história. Do Paleolítico (cerca de 500.000 a.C.)
ao Século XXI (e além), materializam sua existência fazendo arte, e criando obras de arte.
Realizando, construindo, usando tecnologia e dando forma e existência concreta às suas
criações, diferentes sujeitos, em diferentes contextos e culturas deram nome, função (real e
simbólica) e sentido às coisas, às situações, à sua experiência e assim evoluíram: do barro e
pigmentos, ao grafite; da roda, ao pneu; da casa de pedra aos edifícios; da roupas de peles de
animais, ao couro sintético; da canoa, ao foguete; dos sinais de fumaça, à linguagem virtual.
Cotidianamente, observando, superando e transformando, a humanidade cria e recria a sua
própria existência. E nesse processo uma forte relação entre a necessidade e a beleza; entre
a função e a estética; entre o simples, e o complexo; entre o valor emocional, simbólico e
financeiro de uma criação.

Num rápido exercício de memória, podemos pensar nos muitos estilos de


música – Clássica, Rock, MPB, Funk, Pagode, Samba etc – na importância
emocional de cada um para nós, e no valor social atribuído a eles (e suas
classificações) pela crítica especializada. Partindo do princípio de que são todos
manifestações do pensamento humano e, portanto, dotados de importância
histórica e social, como diferenciar este “fazer arte” de legitimadas obras de
arte?

1 Expressão aqui empregada no sentido de um conjunto de conhecimentos que envolvem técnicas, métodos e instrumentos utilizados pelos
indivíduos para satisfazer necessidades e transformar a realidade.

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Vamos começar investigando a expressão “fazer arte” e os sentidos de que ela se reveste
em diferentes contextos. No sentido mais popular do termo, bastante referido no que diz
respeito à infância, fazer arte é “traquinar”, fazer coisa errada, desobedecer, transgredir a
norma. “Fazer arte” também é empregado no sentido de criar algo novo, experimentar e
se expressar de diferentes formas; outra forma de transgressão. Nas duas possibilidades de
interpretação, a arte encontra-se como manifestação do desejo humano de expressar, criar,
mudar, fazer. Como expressão de sua relação com a natureza, com o outro, com a realidade,
com a subjetividade; ou seja, sua integração com as atividades humanas.

Já a palavra arte também envolve alguns sentidos de acordo com o contexto em que
é empregada: pode ser a forma de fazer algo de acordo com regras preestabelecidas (uma
tecnologia); pode se referir também a uma habilidade para executar trabalhos com as mãos,
para comover alguém com gestos e palavras; ou ainda para se referir ao conjunto de obras
de um espaço, uma cidade, um país, um artista. Comum a todas essas, há a possibilidade de
pensar a arte como elemento humano e, portanto, vivo, dinâmico e sensível no tempo e no
espaço.

Tomando essa perspectiva, os sujeitos da história (mulheres, homens, crianças, jovens,


idosos etc.) estão a todo tempo fazendo arte (criando, nomeando, transgredindo...) em
diferentes linguagens e nos diversos campos do conhecimento. Para isso, utilizam
conhecimentos, tecnologia, materiais, imaginação e criatividade. Nessas produções, marcas
do que vivem, sentem e esperam; de tempos e espaços; de tendências e movimentos; de
ética e estética, de história. Marcas passíveis de leituras, interpretações e classificações.

A arte é um fazer. A arte é um conjunto de atos pelos quais se muda


a forma, se transforma a matéria oferecida pela natureza e pela cultura.
Nesse sentido, qualquer atividade humana, desde que conduzida
regularmente a um fim, pode chamar-se artística. Para Platão exerce a
arte tanto o músico encordoando a sua lira quanto o político manejando
os cordéis do poder (...) A arte é uma produção; logo, supõe trabalho.
Movimento que arranca o ser do não ser, a forma do amorfo, o ato da
potência, o cosmos do caos. Techné chamavam-na os gregos; modo exato
de perfazer uma tarefa, antecedente de todas as técnicas dos nossos
dias. (BOSI, 2000, p. 12)

Há sobre a pré-história muitas narrativas produzidas com base em imagens, achados


arqueológicos e descrições construídas pela comunidade científica (arqueólogos,
antropólogos, historiadores). Achados que, como vimos anteriormente, representam a ação
concreta de mulheres e homens sobre a natureza, e são interpretados e classificados de
acordo com as crenças e os valores de cada sociedade em cada momento histórico. Nessa

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interpretação, os materiais e técnicas utilizadas, a possibilidade de reconhecimento como


documento histórico, as relações entre os sexos, a cultura, as tradições.

Observe atentamente a Figura 1 – Arte Rupestre. Ela representa um desses


achados. O que você observa? Que leitura você faz desse recorte?

Figura 1 – Arte Rupestre

As imagens visíveis nesta ilustração (feita nas paredes das cavernas no período histórico
conhecido como Paleolítico ou Idade da Pedra Lascada, aproximadamente 2,5 milhões de anos
a.C.) e denominada de Pintura Rupestre revelam traços simples feitos com argila, sem muita
preocupação com a forma, mas com forte apelo visual, mágico e sentimental. Estudiosos
da área acreditam que para esses primeiros artistas, o desenho garantiria a posse sobre o
objeto desenhado. É possível perceber, no olhar atento, força e movimento, medo e ousadia
na representação dos animais temidos (fortes, grandes); na leveza das renas e dos cavalos;
na imagem das crianças e das mulheres grávidas. São indivíduos (eles mesmos e não suas
representações), animais e objetos em relação; em situações cotidianas como a caça, o sono,
o contato com os animais, os rituais de magia. Você poderia perguntar: o que permite então,
sua classificação como arte, ou melhor, como Pintura e Arte Rupestre? A técnica (aliando
o fazer e o material utilizado), a possibilidade de legitimação como documento histórico (é
o registro concreto da existência dos primeiros hominídeos) e o valor cultural (produção
humana situada no tempo e no espaço) justificam tal classificação.

Das cavernas e da vida nômade em busca de alimentos, mulheres e homens passaram


a se dedicar à agricultura e domesticação de animais (período histórico conhecido como
Neolítico ou Idade da Pedra Polida, 10.000 anos a.C.). Construíram habitações (início da
propriedade privada), “constituíram família” (grupos de indivíduos habitando o mesmo
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espaço), produziram fogo, criaram utensílios e ferramentas e incluíram no cardápio alimentos


cultivados e cozidos. Mantendo o poder de observação e a forte criatividade que lhes permitiu
sobreviver num ambiente hostil, ampliaram sua expressão pictórica representando (mais que
desenhando) seres e situações através de sinais e figuras, e abraçando novos temas ligados
à vida coletiva: o plantio, a colheita, a técnica de tecer, a produção cerâmica, a domesticação
de animais e o trabalho com metais (possível através do fogo). Na Arte Neolítica, portanto, é
forte o desejo de comunicação e a preocupação com a representação fiel do ver e do sentir.
Poucas cores e traços dotados de movimento caracterizam esta arte e abrem espaço para a
escrita pictórica – a representação através do desenho, como você pode ver na Figura 2.

Figura 2 – Pintura nas cavernas

Desenvolvimento, crescimento urbano e complexidade marcaram a trajetória civilizatória


no oriente. A civilização Egípcia (aproximadamente 2.500 anos a.C.). e seu modelo de
organização social, arte e cultura na antiguidade, entre Faraós, escribas seitas e preceitos,
utilizou o recurso da escrita (um poder, que de início, era apenas facultado aos homens),
para registros contábeis e para legitimar relações de poder. Um avanço significativo para
a memória da humanidade que a partir deste momento passa a viver a possibilidade de
registro através da organização e padronização das representações gráficas. A escrita sagrada
ou Hieróglifos (de 3500 a.C) era composta por aproximadamente 600 sinais (entre desenhos
e símbolos) somente utilizados pelo escriba – indivíduo que, em nome do governante (um
Faraó)2 , redigia as normas sociais, além dos registros de ordem administrativa e contábil.

No que diz respeito à produção artística, os egípcios nos deixaram como legado uma
arte fortemente marcada pela religiosidade, pelas convenções, pelo rigor técnico e pelo
anonimato – o artista deveria evidenciar sua precisão técnica e não o seu nome ou estilo.
A Lei da Frontalidade, por exemplo, revela esse rigor: o tronco de uma pessoa deveria ser
representado sempre de frente, enquanto a cabeça, os pés e as pernas eram vistos de
perfil, como se vê na imagem 3. Dessa forma, para eles, a arte garantiria a sua função de
representar a realidade e não a de expor uma ilusão. Nos deixaram também esculturas e

2 Faraó: soberano do antigo Egito. Chefe político visto pela sociedade como um deus. Governava o império de forma autoritária, exercia
funções religiosas, fiscalizava obras públicas e comandava exércitos (BRAICK, 2000).

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grandes construções e monumentos artísticos como as pirâmides, os templos, os túmulos de


faraós.

Figura 3 – Arte egípcia

Ainda na antiguidade, os gregos marcaram a resistência e transgressão aos ditames


impostos pelos reis e sacerdotes, realizando uma arte mais livre e uma intensa produção
cultural. Desprendendo-se do rigor e das técnicas (marcas da arte egípcia) e considerando
que a razão estava acima da fé, surpreenderam pela valorização do corpo (principalmente o
masculino) e do conhecimento, como se vê em famosas esculturas do período, que expõem
abertamente o modelo de masculinidade historicamente legitimado – força, virilidade,
beleza e coragem. O escultor grego, acreditava que a representação de um homem deveria
evidenciar seu corpo belo e forte.

Na Idade Média (séculos V a XV, aproximadamente), a ideologia religiosa marcou


profundamente as produções artísticas. A sociedade, organizada em torno da aristocracia e do
regime feudal, validava uma arte marcada pela ostentação, pelo brilho dos metais preciosos,
pela ausência de representação da figura humana (tão cara à produção greco-romana),
influência dos invasores bárbaro, e sua relação com a posse e ostentação de ouro e pedras
preciosas. Este longo e marcante período histórico nos deixou como legado a forte presença
da história, da religiosidade, e da organização social nas produções artísticas, a exemplo Arte
Romântica, visível na arquitetura pomposa das igrejas, nos afrescos (murais), na literatura (os
romances, as histórias de “capa e espada” – Hobin Hood, Ivanhoé etc., os contos de fada) e
da Arte Gótica e sua influência bárbara na arquitetura cheia de colunas, torres e arcos, nas
esculturas representando os aspectos humanos mais valorizados no período (a religiosidade,
a vida na corte, a nobreza); e o início da Arte Renascentista (alusão à retomada dos ideais
greco-romanos), período de grandes mudanças e realizações na literatura, nas artes, na
ciência, na arquitetura. E de grandes obras artísticas que até hoje intrigam, inspiram e ditam
tendências, estilos e técnicas.

A Idade Moderna (1453-1789) marcando a transição do feudalismo para o capitalismo


fortalece a concepção da arte como expressão humana situada no tempo e no espaço. Na

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esteira das grandes navegações, da invenção da imprensa e do surgimento das universidades, a


revolução industrial marca o fortalecimento do comércio e da família burguesa, o crescimento
das cidades e fortes mudanças na dinâmica social. A representação artística, fiel ao momento
histórico vivido, evidenciou ao mesmo tempo, a busca de retomada do pensamento clássico
grego e a efervescência do Renascimento político, religioso, comercial, artístico, cultural:
as produções artísticas (pintura, escultura, literatura...) buscavam expressar a tendência
artístico-cultural daquele período: a busca de equilíbrio entre o real e o sobrenatural, a
preocupação com as formas, com a geometria, com o avanço científico e o cuidado com
a expressão da beleza artística de braços dados com a crença na dignidade humana. São
ícones na produção desse período (entre tantos outros), nas Artes plásticas: Leonardo da
Vinci, o criador da Monalisa (pintor, escultor, arquiteto, matemático, cientista, inventor) e
Michelangelo e sua famosa pintura na Capela Sistina (pintor, escultor, arquiteto e poeta);
na Ciência: Isaac Newton e a Lei da gravidade; Galileu Galilei e seu método científico; René
Descartes, o pai do Racionalismo científico; na Literatura, Dante Aligieri e sua Divina Comédia,
e Nicolau Maquiavel e sua obra O Príncipe.

A Idade Contemporânea (a partir de 1789), fortemente marcada pela confluência de


estilos, linguagens, correntes e tendências teve seu início marcado pela Revolução Francesa
e seus ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. O urbanismo, os avanços da tecnologia
aplicada à medicina, às construções, aos transportes e às comunicações criaram novas
possibilidades de vida, interação social e ocupação de espaços. Indivíduos, tecnologias,
contextos imagens, estilos e concepções dialeticamente dialogam com o antigo e o moderno,
o verbal e o não verbal, a ilusão e a realidade, a objetividade e a subjetividade. Mulheres e
homens, em sua pluralidade são representados e interpretados numa profusão de temas,
linguagens e significações.

2 A Arte e suas linguagens


Dos primórdios da humanidade aos dias atuais, como vimos, a expressão humana esteve
fortemente atrelada à linguagem (seja ela verbal ou não verbal); por meio dela, conhecemos
a história pelo relato e representação de coisas, lugares, pessoas, sentimentos e situações.
Essas representações, seus símbolos e significações narram a história e nos situam sobre a
experiência humana de se adaptar e transformar a realidade. Mostram também as relações
entre os sujeitos e o ambientes, o lugar onde habitam e o mundo que os cerca. Ao longo
do tempo, há a marca da ação humana nos utensílios, objetos, construções, invenções,
representações artísticas; uma marca desde sempre carregada de símbolos, signos,
significação, de linguagens, essência da arte – este conjunto harmônico de procedimentos,
técnicas e materiais utilizados para a produção de um objeto/texto que expresse sentimentos,
emoções, cultura, subjetividade e história.

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Muito bom pensar sobre essa materialização das experiências; sobre


objetos, imagens, narrativas e olhares produzidos por mulheres e homens
concretamente inseridos na dinâmica social. E nesses olhares, conceitos, ideias,
formas de leitura, representações e interpretações. Num rápido olhar ao seu
entorno, você poderá perceber muitas criações, de diferentes formas e
materiais. Em cada uma, a função, a estética, a necessidade, o prazer, a
informação, o respeito à tradição e a transgressão. Objetividade e subjetividade
em diálogo nas diferentes linguagens que compõem a comunicação humana.
Mas quais são essas linguagens? Vamos conhecê-las?

No seu ofício de comunicar, a arte se inspira, alimenta e utiliza de diferentes linguagens –


transmissoras de fatos, sentimentos e ideologia – comumente definidas como um conjunto de
ideias, pensamentos e/ou doutrinas que orientam a vida dos indivíduos de uma determinada
sociedade e academicamente relacionada às correntes de pensamento teórico-metodológicos
que explicam/investigam/criticam a sociedade, a política, a economia, a exemplo da Ideologia
marxista (Karl Marx e as classes sociais), capitalista (sistema econômico que objetiva o lucro),
fascista (autoritarismo nacionalista), democrática (participação popular através do voto).
Como vimos, desde tempos remotos, se evidencia que a gênese humana é comunicativa e
também política. Suas produções revelam tempo, espaço, contexto e suas impressões sobre
eles e também, o desejo de registrar, possuir, saber (sobre si mesmo e sobre o outro) e
explicar suas origens. Produções que se materializam, legitimam e reproduzem por meio
deste complexo sistema de comunicação: a linguagem.

A linguística – ciência que estuda a linguagem – tem um vasto campo de investigação,


a exemplo da língua (escrita e de sinais); dos códigos e das linguagens – forma viva de
representação da realidade social e da relação entre sujeitos históricos – e, por isso mesmo,
passível de constante atualização. Das muitas possibilidades de expressão por meio da
linguagens, seis se destacam no que diz respeito ao trabalho educativo com crianças. Vamos
conhecer um pouco sobre elas:

• A linguagem visual, com forte apelo ao sentido da visão, alimenta a pintura, o desenho,
a gravura, a fotografia e o cinema, e mais a escultura, a arquitetura, a decoração, o
grafite e demais manifestações do pensamento captadas pela retina. O que usamos,
vestimos, escolhemos, desejamos está em estreita relação com o que vemos, lemos e
interpretamos. Conscientemente ou não, somos aprisionados pela leitura visual, não
apenas como elemento decodificar do mundo escrito, mas também como percepção
de mensagens sobre a realidade. Periódicos, livros, quadros, outdoors, palavras,
pessoas imagens... a cada instante os mais variados estímulos atravessam nossa
retina e conduzem nosso olhar, nossas emoções. Recursos tecnológicos, criatividade,

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investimento financeiro e imaginação têm permitido o uso cada vez mais intencional
e profissional desta linguagem na dinâmica social e nas produções artísticas.

• A linguagem musical, com forte referência na voz, se alimenta da combinação de


sentidos/sentimentos que envolvem a fala, a audição (para captação dos efeitos
sonoros) e a sensibilidade. Sua referência é a união de elementos que orquestrados
configuram a composição musical: o som (audível pelo ouvido, sentido através de
vibrações, e de importância capital na comunicação entre os seres e o mundo); os
instrumentos musicais; objetos cuja gênese é produzir música e que podem ser
classificados como: instrumentos de corda (violino, violoncelo e piano), instrumentos
de sopro (flauta, gaita, trombone, saxofone) e instrumentos de percussão (bateria,
gongo, chocalho) e a melodia, combinação entre sons e silêncios que caracteriza a
música de diferentes tempos (as sinfonias, as óperas, o rock, o samba, a MPB etc).

• A linguagem cênica (o teatro) e seu caráter performático têm sua origem associada ao
desejo de celebração, de representação pública do cotidiano e das emoções através
da linguagem corporal. O palco é o espaço dessas apresentações que primam pela
carga dramática, pela composição de personagens e cenários, pelo uso de diferentes
recursos interpretativos (a voz, a música, o movimento, a expressão facial etc.) e
por acionar no público emoções, sentimentos e estranhamentos. Atores, sujeitos
que emprestam seu corpo, emoção e voz para dar corpo e vida ao espetáculo,
dramaturgos, diretores e técnicos, de posse de um tema, texto, livro ou ideia criam
uma apresentação com foco na divulgação cultural, na crítica e no despertar de
sentimentos e opiniões do público presente.

• A linguagem da dança, presente na história humana desde a antiguidade, se


caracteriza por sua relação íntima com a expressão corporal e com a linguagem
musical. Relacionada à celebração, diversão, ou aos rituais cerimonias é sempre uma
forma artística de comunicação, expressão, sensibilização. Atualizada no tempo e
no espaço, como toda linguagem artística, a dança expressa ideologias e contextos.
Classificada ou adjetivada como folclórica (como o samba de roda e o maculelê),
histórica (como a dança de rua), cerimonial (os rituais indígenas e africanos), cênica
(como o Balé Clássico, a Ópera), religiosa (como a indiana, por exemplo), fato é que a
dança se configura, entre outras coisas, como possibilidade plástica de comunicação
e como documento histórico que diz, através da união entre corpo, som e movimento
sobre a existência real dos sujeitos da história.

• A linguagem literária se alimenta da arte da palavra. É também uma arte de encontros:


entre o oral e o escrito, entre realidade e fantasia, entre som e silêncio, entre a cultura
e o cotidiano, entre sujeitos (autores/leitores), entre tempos e memórias. Nela, fatos,
situações, pessoas, objetos e elementos da natureza se relacionam com o possível
e o inusitado, revelando em seu bojo ideologia, historicidade, valores, símbolos e
sentidos. Tudo isso é alimentado pela palavra, signo linguístico e ideológico, elemento

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fundamental na comunicação humana em diferentes linguagens, e que situado no


discurso evidencia e reproduz representações de gênero, geração, etnia e classe
social.

• A linguagem virtual, utilizada na internet e outros meios eletrônicos, é uma ferramenta


bastante utilizada na atualidade (e muitas vezes imprescindível), representa uma
evolução nas formas de comunicação e se afina com o desejo humano (presente
desde a pré-História) de expressar, inovar, transformar. Ela permite o acesso às redes
sociais, a livros digitais, a bibliotecas virtuais e a um sem número de informações e
possibilidades de ampliação de conhecimentos. Se caracteriza também pela rapidez
nas trocas e diálogos, estimulando reduções e abreviações nas palavras (o que cria,
muitas vezes, sérios problemas para a aprendizagem e expressão na língua formal),
pela aproximação geográfica (entre países, cidades, instituições), e pelo isolamento
social (já que com um celular, tablet ou um computador nas mãos se pode conversar
sem a necessidade do contato físico). Ela se alimenta, disponibiliza e divulga diferentes
manifestações artísticas, o que possibilita e amplia o acesso aos bens culturais e ao
conhecimento socialmente construído.

3 A arte no Brasil
Da pré-história brasileira temos achados arqueológicos que evidenciam a presença
humana entre 40 e 50.000 anos atrás, em várias regiões do país e, em especial, no estado
do Piauí e na região amazônica. Pesquisas empreendidas sob a coordenação da arqueóloga
Niéde Guidon encontraram manifestações de pintura rupestre (que se utiliza de pigmentos
para dar cor), gravura rupestre (desenhos feitos a partir de incisões na Rocha), objetos e
utensílios que ratificam a existência deste importante acervo artístico em território nacional
e permitem interpretar como viviam esses primeiros habitantes do nosso país.

Dos indígenas recebemos uma arte que valoriza a perfeição na sua realização (já que
criada para uma finalidade específica), representa fielmente as tradições e identidade de sua
comunidade, é inspirada e alimentada (em materiais e cores) pela natureza local. Pintura
corporal, cerâmica (como a conhecida arte Marajoara), tecelagem, arte com plumas e
máscaras tribais são características deste grupo étnico e influenciam de diferentes formas a
cultura artística no Brasil.

Do período colonial e sua forte expressão barroca (estilo artístico que surgiu na Europa
entre os séculos XVI e XVIII e ficou conhecido pela forma rebuscada de suas expressões),
intimamente ligada à religião católica, temos: a riqueza arquitetônica visível em igrejas
espalhadas pelo Brasil inteiro e, especialmente na Bahia (como a Igreja de São Francisco) e
em Minas Gerais (como a Igreja de Nossa Senhora do Pilar); uma rebuscada escrita literária,
inspirada em escritores espanhóis e portugueses), a exemplo de Gregório de Matos (o Boca
do Inferno) e do Padre Antônio Vieira; e na escultura, o artista mineiro Aleijadinho.

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Marcando um tempo de forte criticidade, de transgressão e desejo de rompimento com


antigos padrões, vários artistas nacionais, expoentes de diferentes linguagens e movimentos,
engendraram propostas inovadoras de expressão e veiculação artística. Novas leituras, novas
cores, novas formas e linguagens foram propostas e apresentadas num movimento modernista
que culminou com a Semana de Arte Moderna, em 1922. São nomes desse período: nas
artes plásticas, Di Cavalcanti e Tarsilla do Amaral; na música, Heitor Villa Lobos; na Literatura,
Oswald de Andrade e Graça Aranha entre outros.

4 A escola e a educação artística no Brasil


É possível perceber que variados estilos e vasta produção artística e cultural nas diversas
áreas e linguagens também compõem o cenário nacional. Nessas produções, retratos
de tempos, lugares, pessoas, tendências e correntes. Material para atualizadas críticas,
investigações e pesquisas, e que inspiram a proposição curricular e metodológica do atual
ensino de Arte Educação no Brasil, como é possível ver no texto do PCN (BRASIL, 1997, p.
17): “As atividades de artes plásticas mostram-se como espaço de invenção, autonomia e
descobertas” e que devem compor o projeto pedagógico das instituições educativas.

Da primeira metade do século XX, quando a arte começou a ser ensinada no Brasil (ainda
fortemente marcada pela proposta de transmissão de conhecimentos, de reprodução de
modelos e espontaneísmo) à atual proposta de ensino de arte na escola, um caminho de
permanências, mudanças e significativos avanços. À escola – ora afinada com a religiosidade
(fundada por Jesuítas no Brasil Colônia e hoje, em sua maioria, inspirada pelo ideal católico), ora
com o pensamento dominante de cada contexto histórico (burguês, capitalista, democrático
etc.) – coube a função de educar, disciplinar corpos e mentes para papéis e ações adequadas
para cada um dos sexos, além de transmitir saberes socialmente construídos e formar
cidadãos, (indivíduos dotados de direitos e deveres).

No Brasil Colônia, caracterizado por uma sociedade austera e fiel aos princípios da Igreja,
a educação para as meninas e moças limitava-se ao ensino das prendas do lar e do artesanato
como caminho para uma adequada assunção da administração ds casa, do marido, e dos
filhos; na educação dos homens a preparação para o espaço público com disciplinas que
desenvolvessem o intelecto e a autonomia.

Já no Brasil República, é possível observar a alternância entre o incentivo às habilidades


manuais (resquício do modelo de educação anteriormente citado), o domínio técnico
profissional (tão importante para o modelo tecnicista de educação), e a forte influência
modernista incentivando a liberdade criativa e a criticidade.

No início do século XX, com o processo de industrialização e urbanização, a educação


formal e escolar passa a assumir novas funções. Entre os anos de 1930 a 1960, além da
ampliação no número de escolas, toda uma organização legal e administrativa se estrutura

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Arte e Literatura na Infância

com a primeira Lei específica da educação - LDB 1961. A mobilização popular e as muitas
investidas no campo da educação na década de 70 tomam corpo e novo fôlego com a 2ª Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que entre outros avanços incluiu a educação
artística (sem o status de disciplina) no currículo escolar.

A possibilidade de pensar a Arte-Educação como “componente curricular obrigatório,


nos diversos níveis da educação básica” (Lei nº 9.394/96, art. 26, § 2º) só se efetivou na
década de 1990, quando novas tendências foram, de fato, colocadas em prática e asseguradas
pela 3ª LDB, a Lei 9.394/96. Nesta Lei, a proposta de apresentar a arte-educação como um
componente curricular obrigatório desde as séries iniciais com a finalidade de sensibilizar
os sujeitos da educação e promover sua formação por meio da arte. Uma formação para a
cidadania, a criticidade, o respeito à pluralidade e diversidade cultural; para o conhecimento
de si, do outro e do seu entorno, e para o acesso a diferentes saberes, linguagens e tecnologias.

E neste sentido, é de fundamental importância a proposta educativa presente nos PCN –


documento de inspiração democrática (criado por uma equipe técnico-docente das diversas
áreas do conhecimento) hoje, referencial na educação brasileira para instituições públicas e
privadas – o qual abraça a ideia de formação integral e sensível desde a infância por meio da
arte (e suas linguagens): “A educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento
artístico, que caracteriza um modo particular de dar sentido às experiências das pessoas: por
meio dele, o aluno amplia a sensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação” (BRASIL
1997, p. 11).

Vale destacar que quando falamos da importância da arte na educação, falamos da


possibilidade de sensibilização das crianças por meio das diferentes linguagens que compõem
a herança cultural e artística (a pintura, a música, a escultura, a dança, a literatura) e, ao mesmo
tempo, desta arte como caminho para a sensibilização leitora e escritora. Um importante
caminho de mão dupla efetivado cotidianamente por docentes e projetos na educação infantil
e ensino fundamental, a exemplo das propostas de releitura de obras artísticas como mote
para o trabalho de letramento, e da literatura como sensibilização para a apreciação artística.
Importante destacar que a arte na educação (essa que vimos estudando até aqui) difere
da Arte-Educação – formação superior específica para a docência da disciplina Educação
Artística.

Considerações finais
Aprendemos, neste rápido panorama, que linguagens e comunicação caminham lado a
lado na história da humanidade. Das primeiras representações pictóricas às linguagens todas
que hoje favorecem a interação entre as pessoas e o mundo, a presença da arte (como
manifestação do pensamento humano), da tecnologia (uso conjugado de criatividade, técnica
e matéria-prima) e do desejo de registro que caracterizam a trajetória humana na terra.
Reconhecer, na arte e na prática pedagógica, o importante trabalho de mulheres e homens

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Arte e Literatura na Infância

de diferentes tempos na construção dessa história permitirá às crianças, respeitar e valorizar


a produção artística e cultural, e se desenvolver integralmente como sujeitos sociais sensíveis,
críticos e criativos.

Vimos até aqui a importância da linguagem na socialização, educação e


comunicação e, pensando nisso, propomos o desafio de unir o que aprendemos
com a sua prática em sala, sugerindo a seguinte situação-problema a sua turma:

• Você precisa enviar uma mensagem para uma comunidade que


não domina a língua escrita, alertando para um perigo iminente
(relacionado à família, à habitação, às crianças de uma comunidade).
Que linguagem você utilizaria?

Registre suas discussões. Elas serão muito importantes para avaliar as


linguagens que utilizaram e conhecer como seus alunos pensam e constroem
conhecimento.

Referências
ARNOLD, Dana. Introdução à História da Arte. São Paulo: Ática, 2008.

BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ática, 2000.

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a


4ª séries): Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CORTELAZZO, Patrícia Rita. A história da Arte por meio da leitura de imagens. Curitiba: Ibpex,
2008.

IAVELBERG, R. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. ArtMed,
abr./2011. VitalBook file.

ZAGONEL, B. (org.) Metodologia do ensino de arte. Curitiba: Ibpex, 2011 (Série Metodologias).

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Arte e Literatura na Infância
Aula 02
Com a palavra, a Literatura

Objetivos Específicos
• Identificar as relações entre a palavra – oral e escrita (signo linguístico e
ideológico), a arte, as tecnologias e o livro, e sua importância para a educação
de crianças

Temas
Introdução
1 A palavra, signo ideológico e linguístico
2 Escrita e poder
3 A literatura para crianças no Brasil e no mundo
4 O livro, o leitor e o consumo
5 A vocação “pedagógica” da literatura
6 Arte, tecnologias, acessibilidade e aprendizagem
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
Como já sabemos, a arte, como expressão do pensamento e da cultura humana está
intimamente relacionada à educação. Já aprendemos também a ampliar o nosso olhar sobre
a arte na escola, assegurando sua integração às diferentes linguagens, é absolutamente
necessário para a formação integral das crianças.

Nesta aula, vamos mergulhar nas relações entre a palavra, a arte, o livro e as novas
tecnologias, compreendendo-os como elementos fundamentais na realidade da escola.

Na afirmação “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra” (FREIRE,


2005, p. 92) a marca da historicidade e a força da palavra como elemento fundamental para a
constituição social, para a comunicação entre os seres, para a educação é contundente.

Não é de hoje que a palavra é objeto de estudo para diferentes áreas do conhecimento
humano. Saber sua origem, entender as mudanças sociais, explicar a cultura e suas muitas
linguagens tem sido mote para investigações cada vez mais reveladoras sobre a capacidade
humana de expressar-se e transformar-se.

Na família, na escola, na comunidade, na religião, longos e eficazes processos de


socialização nos iniciam e integram nas tradições culturais, nas relações de parentesco, nos
valores éticos e estéticos, nos hábitos e nas regras sociais tendo como suporte a palavra,
e como veículo, a linguagem. Assim nos constituímos plurais (fruto de diferentes culturas,
etnias, religiões etc), e também singulares (únicos, inigualáveis). Vamos então, nesta aula,
aprofundar conhecimentos sobre palavra, a linguagem e, em especial, a linguagem artística,
o livro e as novas tecnologias, identificando suas relações com o desenvolvimento infantil.

1 A palavra, signo ideológico e linguístico


Pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento têm definido e problematizado a
linguagem. Filósofos, como Michel Foucault, linguistas como Ferdinand de Saussurre e Michail
Bakhtin, semioticistas1 como Roland Barthes e Umberto Eco, em diferentes tempos e por meio
de abordagens teóricas diversas, discutem as relações entre a palavra, a língua e linguagem.
Em todos, existe a possibilidade de perceber a palavra como elemento fundamental para a
expressão e comunicação humana.

1 A Semiótica, ou ciência geral dos signos, investiga os modos como interpretamos a realidade e tem por objeto de estudo qualquer sistema
composto de signos, como a religião, a dança, a música, as artes visuais etc.

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Arte e Literatura na Infância

Nessa perspectiva, língua e linguagem se realizam no exercício de dizer; um


dizer que é relato, criação, memória e representação, e que nos chega também
por meio de diferentes manifestações artísticas. Num rápido e necessário
exercício cognitivo, responda para si mesmo:

• Como você define a palavra?

• E linguagem?

• O que elas significam para você?

Responda essas perguntas levando em consideração suas reflexões,


marcas de sua vivência na escola, de sua experiência de vida e da forma como
diferentes linguagens lhe permitiram ler o mundo e ser inserido em sua cultura.

Investigar conceitos e definições é sempre um bom “começo de conversa” e deve


nortear a nossa prática pedagógica. Teóricos, pesquisadores e estudiosos de diferentes áreas
do conhecimento têm contribuído com atualizadas discussões sobre língua e linguagem; são
filósofos, linguísticas, antropólogos, psicólogos, artistas que com diferentes abordagens nos
permitem pensar na relação orgânica e complexa entre palavra, língua e linguagem.

Como manifestação intencional da racionalidade humana, a língua é um sistema de signos


que nos nomeia e representa; é uma instituição social que nos antecede e está acima de nós,
ao mesmo tempo em que a utilizamos e atualizamos. Ela nos integra a uma comunidade,
representa nossas leis, tradições, valores, costumes, permitindo assim a interação, a troca e a
constante transmissão de mensagens, de comunicação e de aprendizagens.

Já a linguagem, sistema organizado de símbolos e sinais marcadamente ideológicos,


permite a socialização de conhecimentos, atitudes, valores e saberes num caminho sempre
permeado por textos de muitas vozes, sentidos, olhares e emoções, no qual palavras códigos,
símbolos, subjetividade, intencionalidade e historicidade compõem discursos e mensagens.
Em síntese, a língua é o código linguístico, um conjunto orquestrado de signos que representam
e manifestam linguagens.

A linguagem, como representação do pensamento por meio de sinais que permitem


a comunicação e a interação entre pessoas (escrita, desenho, mímica, gestos, palavras e
pinturas), se mostra abrangente, elástica e afinada com a língua; tem sua existência atrelada,
ao momento histórico, à intencionalidade, à ação de diferentes sujeitos em constante processo
de produção, representação e atribuição de sentidos. Língua e linguagem, na vida e nas artes,
são assim poderosos instrumentos a serviço da sociedade, da educação, da aprendizagem.

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Arte e Literatura na Infância

De acordo com Bakhtin (BRAIT, 2012), importante teórico da filosofia da linguagem,


dois aspectos também precisam ser considerados nesta relação palavra/língua/linguagens:
a dialética e dialogia. Na perspectiva dialética, toda palavra tem sempre um opositor: ela é
mágica e é real, é silêncio e é dizer, é sim e não, é bom e ruim, é guerra e é paz, é amor e é
ódio etc. Na dialogia, ela é veículo de muitas vozes (polifonia), muitos sentidos (polissemia)
que envolvem fatores físicos, psicológicos, sociais e linguísticos.

Nessa perspectiva, todo discurso produzido pelos sujeitos (na oralidade, na escrita,
nas artes) é expressão de seus pensamentos, desejos e modos de vida e do trabalho social,
político, histórico e ideológico que se constitui e alimenta da relação entre língua e linguagem,
cotidianamente materializada.

2 Escrita e poder
“No princípio era a Palavra e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus” (João
1, 1-2)

Como já sabemos, os primeiros registros de comunicação – a pintura nas cavernas – já


evidenciavam o caráter místico/sagrado da relação humana com a escrita (desenhar o que
via garantiria a posse sobre o objeto desenhado). No texto bíblico, grande referência para
cristandade, a missão sagrada desta palavra como verbo de criação do mundo, representada
na figura de Deus, ícone da masculinidade, ou da imagem socialmente legitimada para os
machos da espécie humana: de força, coragem e liderança.

No Egito antigo, o domínio da escrita sagrada2 pelos escribas trata-se de um papel dos
homens (há poucos e contraditórios registros sobre mulheres escribas) que, segundo esta
inspiração, estariam destinados a conduzir a humanidade, a ter poder, a escrever. Isso pode
explicar o acesso tardio das mulheres à educação formal – que de início era volta para prendas
do lar (o que só aconteceu por volta do século XVII, enquanto os homens já frequentavam
a escola desde a antiguidade), à escrita e ocupação de espaços públicos na condição de
profissionais.

Evidente assim, a especial atenção dada a quem domina a escrita. O privilégio


historicamente concedido aos homens desde os primórdios tem interferido diretamente no
acesso, interpretação, legitimação e produção dos outros sujeitos e linguagens que fazem a
história. Uma história onde saber e poder estão em íntima relação.

Conhecer a história da escrita e seus processos de significação é fundamental para


entender e ressignificar a prática pedagógica a partir da compreensão: de que a arte,
alimentada pela palavra, pela língua e pela linguagem, é documento histórico, ideológico (do
campo das ideias e das crenças de uma sociedade), e retrato das complexas relações sociais
entre mulheres, homens, a sociedade e a realidade.

2 A escrita hieroglífica era considerada sagrada por ser dominada apenas por membros da realeza, sacerdotes ou escribas no Egito antigo.

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Arte e Literatura na Infância

3 A literatura para crianças no Brasil e no mundo


A literatura, arte da palavra verbal ou oral, se alimenta e inspira na realidade vivida
pelos sujeitos sociais e assim expõe, em suas narrativas, a história. Sujeitos socializados
(apresentados e inseridos em grupos sociais – escola, comunidade, família), iniciados nas
diferentes linguagens que constituem o todo social (escrita, oral, visual, pictórica e virtual)
e mergulhados em contextos éticos, morais, religiosos, políticos, se revelam explícita ou
implicitamente no discurso literário. Neste discurso, encontram-se polissemia e polifonia,
sentidos e contextos, realidade e fantasia.

Neste contexto, a leitura literária é fundamental para a aprendizagem escolar. Ela é fonte
de prazer, de conhecimentos, de transmissão ideológica, de contato com temas e assuntos
diversos como expresso nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1997,
p. 36-37): “[...] É importante que o trabalho com o texto literário esteja incorporado às práticas
cotidianas de sala de aula, visto tratar-se de uma forma específica de conhecimento”. E nessa
perspectiva ganham força a literatura ficcional, os livros em linguagem não verbal para leitores
iniciais (educação infantil) e não-alfabetizados, os livros denominados paradidáticos (criados
com a finalidade de abordar temas e conteúdos específicos) e os de autoajuda destinados às
crianças.

A literatura, portanto, tem a “liberdade poética” de dizer com autonomia deste rico,
diverso e complexo cotidiano social: o trabalho, o lazer, a sobrevivência, as relações familiares,
profissionais, amorosas, educativas entre os gêneros. Nesse percurso, a literatura expõe a
língua, suas tradições, suas manifestações artísticas; a linguagem e suas marcas ideológicas;
a memória social; a história; as identidades e as representações sociais e culturais.

Nas figuras 1 e 2, a seguir, existe a possibilidade de leitura do mesmo tema – a Gata


Borralheira descrita pelos Irmãos Grimm – em dois contextos bem diferentes: na Idade Média
e na Idade Contemporânea.

Figura 1 – Cinderela camponesa representada nos textos Figura 2 – Representações de “Cinderella” no mundo
dos Irmãos Grimm contemporâneo

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Arte e Literatura na Infância

Conflitos e assimetrias se evidenciam no texto escrito e também nas


ilustrações, reafirmando estereótipos e papéis esperados (porque socialmente
adequados) para cada um dos sexos, sejam crianças, jovens, adultos, idosos de
diferentes contextos, (políticos, psicológicos, culturais) classes sociais, etnias e
religião. Neste sentido cabe uma provocação a título de reflexão: de que
memória se alimenta a literatura e como ela se materializa? Da oralidade, da
expressão escrita, do simbólico, corporal, imagético; de signos, sentidos e
discursos que, em relação, contam de nós, e da nossa história.

Esta memória, passada de geração em geração por meio de diferentes linguagens,


permite à literatura, alimentada pelas tradições culturais e pela observação sensível do
cotidiano contar, atualizar e documentar história. E isso, muito antes do surgimento da
escrita3, quando a narrativa oral já exercia a importante função social de agregar e entreter,
de ensinar e representar a vida de mulheres e homens numa combinação de gestos,
expressões, sons, movimentos, desenhos.

Considerada enquanto criação na linguagem, a literatura tem por


natureza uma profunda característica social. A linguagem pressupõe
sempre o contato e a interação entre o criador e produtor do texto e os
receptores. Além dessa natureza linguística, a literatura trata de assuntos e
temas humanos, isto é, que tem relação com a vida humana (sentimentos,
afetos, temores, desejos, violências), mesmo que apresente personagens
sob forma de animais ou objetos, pois eles representam sempre, a
compreensão do ser humano sobre a realidade. (COSTA 2007, p. 23)

Assim, narrativas orais e escritas, marcadas pela riqueza de detalhes, pela verossimilhança
e pelo uso de um imaginário fantástico e mágico, prenderam e fidelizaram um público cada
vez maior. Das cavernas (e seus registros pictóricos que nos deixaram inúmeras histórias) aos
dias atuais, diferentes estilos e narrativas marcadas pela ideologia do contexto sócio-histórico
do período que retratam: da Europa burguesa do século XVIII os maravilhosos contos de
Grimm (1785-1863) – irmãos filólogos4 que, na busca de resgatar e difundir a cultura alemã,
empreenderam um minucioso trabalho de campo para registrar um sem número de histórias
da tradição popular, como Branca de Neve, Cinderela, O Gato de Botas etc.

3 Aproximadamente “1500 a.C. quando os fenícios inventaram a escrita fonética alfabética” que usamos até hoje. Antes disso, tivemos a escrita
pictográfica (uso de figuras), cuneiforme (em forma de cunhas) na Mesopotâmia e hieroglífica no Egito (ARANHA, 2006, p. 42).

4 Filologia é o estudo da língua por meio da combinação entre literatura (oral e escrita) e linguística (estudo da linguagem).

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Arte e Literatura na Infância

Na França, os contos de Charles Perrault (1628-1703), famoso contador de histórias


desse período, encantavam performaticamente a nobreza com os já queridos contos de fadas
(atualizações das mesmas narrativas coletadas na Alemanha). Daí encontrarmos traduções
das mesmas histórias em Grimm e Perrault.

Anos mais tarde, já no século XIX, surgiu na Dinamarca a sensível criação literária de
Hans Cristian Andersen (1805-1875), um dos primeiros expoentes da literatura dedicada às
crianças. São obras suas, entre tantas outras, O Patinho Feio, A Pequena Sereia e O Soldadinho
de Chumbo, hoje reeditados e veiculados em cinematográficas releituras dos Studios Disney.

Nas narrativas de Grimm, Perrault, Andersen e tantas outras dedicadas ao público


infantil, reproduções, interpretações e representações de contextos e papéis historicamente
legitimados. Papéis passíveis de veiculação pela educação (em suas muitas práticas e
linguagens), como veremos em outra aula, agentes ativos na construção das identidades de
gênero, sexual, musical, profissional e que se configuram como legitimados e expressivos
documentos históricos sobre a ideologia burguesa e capitalista dos séculos XVIII e XIX.

No que diz respeito à tradição literária no Brasil, merece destaque inicialmente a


tradução de títulos e autores da literatura mundial feita por Monteiro Lobato como Daniel
Defoe (Robinson Crusoé), Lewis Carrol (Alice no país das maravilhas), Andersen, Grimm
e Perraut e muitos outros; e a extensa coleta folclórica empreendida por Luís da Câmara
Cascudo (1898-1986), estudioso da cultura brasileira, que em seu Dicionário do Folclore
Brasileiro (1972) evidenciou a influência cultural dos elementos colonizadores (europeus,
africanos e indígenas) na literatura nacional como Monteiro Lobato, Sylvia Orthof e Ruth
Rocha e quadrinistas como Maurício de Souza.

Com o avanço da industrialização, o crescimento urbano e a ascensão da classe média, o


consumo foi fortalecido o que favoreceu a produção, circulação e consumo da obra literária.
Diferentes estilos (poesia, contos populares, romances, HQ etc.) passaram a compor o
acervo de livrarias e bibliotecas pessoais e institucionais. No passado, nomes como Olavo
Bilac, Euclides da Cunha, Castro Alves e Amélia Rodrigues figuram entre os escritores lidos
e legitimados pela igreja e ideologia dominante para o mundo adulto. Na atualidade, a
globalização, a democracia e a abertura a temas polêmicos e complexos amplia o número de
autores e publicações nas diversas áreas do conhecimento e para diferentes idades: Ziraldo,
Ana Maria Machado, Eva Furnari e tantos outros apresentam a um público leitor cada vez
mais cativo e exigente obras atuais e de altíssima qualidade.

Da África, e por meio da voz sofrida e forte das amas de leite, recebemos, além das
cantigas de ninar, histórias de resistência, amor e beleza. Cultura, costumes e linguagens
caminhavam lado a lado com o respeito aos antepassados, a culinária, os mitos e os ritos,
como ricamente expõe o escritor, historiador e professor brasileiro Joel Rufino dos Santos,
referência sobre a cultura africana no Brasil, nos títulos: O presente de Ossanha (2000), A
botija de ouro (1984), Gosto de África (1988), entre tantos outros de sua vasta produção
literária.
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Arte e Literatura na Infância

Dos primeiros habitantes do Brasil5 , a tradição narrativa de lendas e mitos sobre a criação
do mundo e a relação entre os seres vivos e a divindade, como Yara, a Rainha das águas,
Guaraná, a essência dos frutos, Mumuru, a estrela dos lagos e muitos outros que, ao relatar
a rica herança cultural indígena nos revela suas influências em nossa língua, linguagens e
costumes.

Nestas breves reflexões, um discurso que evidencia a força da palavra e da literatura como
materialização do pensamento e da história humana e como instrumento de comunicação e de
poder. Na literatura, como em toda arte, um retrato social onde realidade, valores, fantasias,
pensamentos, tradições culturais e história se revestem de importância, de significação, e
ensinam mais que muitos manuais didáticos. Na literatura, polissemia e polifonia revelam
a complexa relação entre os sujeitos e suas subjetividades a história, e a realidade; nesse
encontro, a possibilidade de resgatar o passado, entender o presente, e planejar o futuro.

4 O livro, o leitor e o consumo


Seguindo esta linha de pensamento, as narrativas infantis têm importância significativa
nas discussões sobre linguagens e sobre educação. Por meio dela, as crianças conhecem
a língua materna, têm contato com o simbólico, a fantasia e o imaginário, são iniciadas na
prática leitora e escritora, organizam o pensamento, conhecem e valorizam a herança cultural
entre tantas outras possibilidades. E nesse contexto vive o conflito entre o lúdico (no contato
livre e prazeroso com o texto) e o pedagógico (com as regras, as atividades avaliativas com
datas e períodos demarcados, e a preocupação didática).

Como narrativa, a literatura infantil se realiza na oralidade, pela voz de quem conta; na
linguagem visual por meio das ilustrações; na linguagem corporal, por meio de mímicas
e gestos; na linguagem musical, nas cantigas de roda, nos musicais; na linguagem teatral
e suas muitas possibilidades de representação dramática; na linguagem virtual, o e-book
ou livro digital representa, neste momento histórico, uma evolução no que diz respeito ao
acesso à informação e circulação da obra literária, seja ela ficcional (a exemplo dos romances
de José de Alencar e Jorge Amado) ou factual (como a obra histórica Casa Grande e Senzala,
de Gilberto Freire).

Na esteira dos livros digitais, a Biblioteca virtual (a exemplo da que utilizamos neste curso)
se fortalece como importante espaço para constituição de acervo e acesso à informação
neste momento histórico de ampliação de oportunidades leitoras, de formação à distância,
de inclusão digital, e cesso ilimitado à internet:

Em sua singularidade e pluralidade, polifonia e polissemia (BRAIT, 2012), o livro evidencia


a complexidade das produções humanas: ele é, ao mesmo tempo, aprendizagem e ensino,
ficção e realidade, libertação e prisão, manutenção e transgressão. Nele se dá o encontro
entre instituições – a língua, a escola, o Estado, a família etc., entre identidades (autor/leitor/
narrador/personagens); entre técnica e tecnologias, entre discursos e representações.

5 Até hoje erroneamente designados de índios (numa alusão à chegada de Colombo às Índias).

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Arte e Literatura na Infância

5 A vocação “pedagógica” da literatura


Como observamos, na literatura realidade e fantasia permitem aos sujeitos a vivência
de emoções e aprendizagens sobre diferentes assuntos, sobre si e sobre o outro. Nela, com
poesia e ludicidade, as crianças são apresentadas a temas, conflitos e desafios que lhes
permite conhecer, interpretar e intervir no cotidiano. É por intermédio desta relação entre
a criança e a narrativa ficcional, por meio do código escrito e da linguagem que a literatura
entra na escola em seus projetos, métodos, currículo e percursos.
E nessa perspectiva os livros e narrativas selecionadas para fins pedagógicos devem
atender os ideais da escola, espaço privilegiado para a troca de saberes e inculcação de
normas, regras e valores. No mundo fantástico das histórias, o bem sempre vence, o mal
é punido e as pessoas agem de acordo com os padrões e papéis sociais, como é possível
observar em Chapeuzinho Vermelho, dos Irmãos Grimm (século XVIII) – como aprofundaremos
posteriormente. Por acionar o universo simbólico e transmitir mensagens fortemente
marcadas por valores morais, éticos e religiosos, esses textos atendem às expectativas
pedagógicas da educação de crianças, fortalecendo sua escolha como recurso privilegiado
na educação
Entretendo e ensinando, a literatura vai fazendo, contanto e marcando a história.
Cumprindo assim uma “vocação pedagógica” não planejada por seus autores, mas efetivada
em seu discurso que, situado no tempo e no espaço, é histórico. Ela, a literatura, não tem
como mote o ensinar, mas entreter e expor o ponto de vista de seu autor sobre um fato, um
sentimento, uma percepção da realidade. Neste caminho, tornado possível pela palavra e
pela linguagem (ideologicamente comprometidas), conhecimentos, fatos, aprendizagens e
relações de poder podem ser relacionados e trabalhados nas diferentes áreas do currículo
escolar e do conhecimento.
Evidente assim, o importante papel ocupado pela literatura na escola. Com ela, as crianças
usam a imaginação, exercitam a criatividade, sentem, experimentam e resolvem conflitos
simbolicamente, além do contato estreito e prazeroso com a língua, a escrita, a historicidade.
O cuidado nesse contato é no que diz à escolarização do texto literário; é preciso respeitar o
prazer, o deleite e a mágica presentes na relação entre a criança, e o livro.

6 Arte, tecnologias, acessibilidade e aprendizagem


Como já aprendemos, polissemia e polifonia estão a todo tempo presentes nos discursos.
A acessibilidade, expressão largamente utilizada na contemporaneidade ilustra bem esta
presença; a depender do contexto social e político pode representar diferentes significados
(polissemia) e expressar diferentes vozes (polifonia). Na verdadeira acepção do termo,
acessibilidade tem a ver com acesso mesmo, com a possibilidade de locomoção, adaptação
e acesso a espaços e ferramentas de uso coletivo por todas as pessoas, e não apenas por
portadores de deficiência.

Nesse sentido, as rampas de acesso, banheiros, placas informativas, trilhas sensoriais,


a língua brasileira de sinais (LIBRAS), o sistema braile, os leitores de ecrãs6 para deficientes

6 Expressão de origem francesa – ecrã, ou inglesa - touch screen - que designa uma superfície/tela sensível ao toque, presente em celulares,
computadores e tabletes, entre outros.

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Arte e Literatura na Infância

visuais, os teclados virtuais, os sintetizadores de voz, os livros virtuais, a educação a distância


e tantas outras possibilidade de acesso a informação e bens se configuram como caminhos
para a integração social, promessa da globalização.
No que diz respeito à arte e à literatura, a acessibilidade é condição indispensável para
que os sujeitos desenvolvam competências e habilidades de leitura; comunicação e expressão;
para que conheçam e exercitem seus direitos; para que se desenvolvam física, intelectual e
psicologicamente; para que conheçam, apreciem, compreendam e critiquem as produções
artísticas e culturais de diferentes tempos e contextos. E para que, como educadores,
busquemos favorecer um conhecimento amplo e atualizado acerca da produção histórica
e cultural de mulheres e homens em sua busca por expressão, adaptação, comunicação e
transformação social.
Leia atentamente a Figura 3. Ela revela ícones, símbolos de acessibilidade que permitem
identificar locais e situações que favoreçam, a diferentes sujeitos, a inclusão social, como
é o caso dos cães guia, das rampas para cadeirantes, das trilhas sensoriais para deficientes
visuais. Este é um significativo avanço no que diz respeito à cidadania e ao reconhecimento
dos direitos expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Outras possibilidades
de inclusão também podem ser propostas, outras ainda podem ser repensadas visando evitar
o reforço a estereótipos que favoreçam o preconceito e a exclusão social.

A identificação para idosos, por exemplo, representa esta categoria


na atualidade? Todos os indivíduos desta geração necessitam do suporte de
muletas? Os portadores de albinismo estão aí representados?

Meu objetivo, com estas provocações, é permitir que você reflita sobre a
força da linguagem na expressão, na comunicação e na inserção de diferentes
sujeitos na dinâmica social.

Figura 3 – Símbolos de identificação de acessibilidade

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Arte e Literatura na Infância

Considerações finais
Nesta aula, relacionamos, de maneira dialógica e dialética, alguns dos elementos que
compõem a comunicação humana, a palavra, a escrita e a linguagem, compreendendo-os
como fundamentais para a criação e circulação do livro na escola e fora dela. Vimos também
que utilizando diferentes caminhos e possibilidades de acesso à leitura as crianças podem
dialogar com os variados campos do saber e, ao mesmo tempo, construir conhecimento
linguístico e social em diferentes situações de comunicação. Na próxima aula, mantendo o
mesmo ritmo de estudos e discussões, vamos aprofundar conhecimentos sobre o fascinante
campo da linguagem e da educação.
Nosso cotidiano é bastante rico no que diz respeito às manifestações de linguagem, aos
avanços tecnológicos e à comunicação. Sujeitos mergulhados em complexas relações que
envolvem a educação, a família, a escola e o trabalho, interagem no tempo e no espaço por
meio da palavra, da arte, da literatura. Nessa interação, há o encontro de opostos (a dialética),
o bem e o mal, a alegria e a tristeza, o dia e a noite, e de muitas vozes (dialogia) de mulheres,
homens, governantes, autores, pesquisadores, professores etc.

E como se dá esse encontro? Qual a sua importância para a aprendizagem


infantil? Num rápido exercício, podemos pensar num conto clássico: Cinderela.
E investigar nele: que momento histórico retrata? Quais os personagens e
como se relacionam? Que conflitos apresenta? Quais os elementos simbólicos
que utiliza? O que acontece no final? Que leituras podem ser feitas sobre ele?
Muitas perguntas; muitas e diversas respostas.

Minha sugestão é que continue este exercício com outras histórias e


produções artísticas, e tendo como suporte as leituras e discussões sugeridas
na disciplina, buscando sempre perceber as manifestações de linguagem e as
possibilidades de comunicação por meio da arte.

Referências
BRAIT, B. Bakhtin: conceitos chave. São Paulo: contexto, 2012

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a


4ª séries): Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997

COSTA, M. M. Metodologia do Ensino da literatura infantil. Curitiba: Ibpex, 2007

FARIA, M. A. Como usar a literatura infantil na sala de aula. 5 ed. São Paulo: Contexto, 2009.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

ZILBERMAN, R. A leitura e o ensino da literatura. Curitiba: Ibpex, 2010 .

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Arte e Literatura na Infância
Aula 03
Linguagem e Educação

Objetivos Específicos
• Compreender a importância da arte na aquisição da linguagem (oral e escrita)
e no desenvolvimento infantil

Temas

Introdução
1 Aquisição da linguagem oral e escrita
2 Desenvolvimento sensorial e cognitivo
3 Arte, literatura e produção de sentidos
4 Jogo simbólico e imaginação infantil
5 Linguagem virtual, criatividade, raciocínio e aprendizagem
6 Linguagens e disciplinas em diálogo
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
Toda criança, ao nascer, se integra a uma história — da família, da comunidade, da
cidade, do seu grupo social ou de uma cultura — no seu processo de socialização. Seu passado
e antepassados próximos e distantes são elementos fundamentais na construção de suas
experiências, hábitos, atitudes, valores e linguagens. Também a história e a cultura de outros
indivíduos com os quais ela se relaciona têm papel fundamental nesse desenvolvimento.

Vamos, nesta aula, entender esse processo e descobrir como a criança adquire linguagem
e como esta interfere no seu desenvolvimento sensorial e cognitivo, na produção de sentidos,
nos jogos simbólicos e na sua relação com a vida, com a arte e com os saberes socialmente
construídos. Para isso, vamos buscar o suporte teórico-metodológico nos autores indicados
na bibliografia, nas recentes discussões sobre este tema e na nossa experiência concreta
como sujeitos ativos na história.

1 Aquisição da linguagem oral e escrita


De maneira natural, a criança, no dia a dia, aprende o uso oral da língua materna. No
processo de aquisição da linguagem, ela internaliza palavras e expressões por meio de cantigas,
saudações, histórias, brincadeiras etc., que, utilizando diferentes linguagens (musical, teatral,
corporal), permitem a rápida assimilação e internalização da cultura, das tradições e valores
sociais. Nesse processo, ela produz leituras, significa experiências, percebe o mundo pela
oralidade (inicialmente) e, mais tarde, pela escrita.

Nesse sentido, a criança lê o seu entorno muito antes de entrar na escola e dominar
a língua escrita. Esse aspecto pode ser percebido quando a criança está em contato com
as músicas (cantigas de roda ou de ninar), as narrativas infantis (de diferentes temas e, em
especial, animais e princesas), a poesia, a dança e os jogos dramáticos. Histórias, contos,
lendas, fábulas e poemas encantam mesmo os que ainda não dominam o código escrito.
As narrativas orais – clássicas e populares – bem como as cantigas, parlendas, trava-línguas
e adivinhações são significativos momentos de ludicidade, afetividade e informação,
fundamentais para a aproximação entre a criança e a língua.

O alfabeto, o código Morse1, a língua brasileira de sinais, a música, a dança, a informática,


etc. são códigos que permitem a compreensão de mensagens e a transmissão de saberes. Cada
um deles, signos visuais, sonoros ou táteis, tem a função de substituir a escrita convencional,
favorecendo a troca de informações e experiências necessárias à comunicação. A o
se apropriar da linguagem (oral e escrita), a criança nomeia, classifica, separa, supera,
experimenta e aprende. Nesta dinâmica, os gestos, os movimentos, a expressão facial, o
tom da voz, o andar, o sentar, o falar e os movimentos de braços e pernas são formas de
comunicação e transmitem explícita ou implicitamente uma mensagem.

1 Código Morse: Sistema de comunicação em código, criado em 1835 por Samuel Morse (mesmo inventor do telégrafo), que utilizando letras,
números e sinais de pontuação, transmitia mensagens por meio de ondas sonoras, pulsos elétricos ou sinais visuais (luzes).

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Arte e Literatura na Infância

2 Desenvolvimento sensorial e cognitivo


Em seu processo de desenvolvimento, a criança observa, sente e escuta a língua falada
ao seu redor; assim, vai organizando o que vive em algum tipo de sentido: sensitivo, motor
ou cognitivo – visual e auditivo. Neste processo de interação/comunicação com o mundo,
a criança (com desenvolvimento adequado para sua idade) utiliza três modalidades de
linguagem: auditiva (percebida através dos ouvidos); visual (percebida através dos olhos);
oral (percebida através da fonoarticulação2 ). Essas modalidades mostram-se dependentes de
três sistemas: sensitivo: sentidos de tato, dor, pressão, olfato, gustação e temperatura; motor:
praxia3, movimento muscular, equilíbrio, cansaço e disposição; e cognitivo: compreensão,
expressão, léxico, sintaxe e pragmática.

Assim, um consistente trabalho com a arte e suas muitas linguagens é fundamental e


deve levar em conta a exploração prazerosa e adequada dos cinco sentidos e suas muitas
possibilidades para o desenvolvimento infantil.

3 Arte, literatura e produção de sentidos


A arte, para além da apreciação, é representação artística da realidade; uma representação
que se sustenta pela tradição e atravessa a história cada vez mais viva, ativa e excitante.
Diferentes temáticas (a guerra, a paz, o amor, a religião, a inveja, o medo...), diferentes tempos
(passado, presente, futuro) e contextos (históricos, políticos, ideológicos...) se abrem aos
sentidos (visão, olfato, audição, paladar, tato), à interpretação e à leitura, ampliando, assim,
o universo infantil (e adulto). Pela arte as crianças são motivadas para a leitura e a criatividade
na expressão pictórica, musical, corporal, oral e escrita.

Podemos ilustrar essa discussão sobre a representação artística da


realidade tomando como exemplo o painel Guernica (Figura 1), do pintor
espanhol Pablo Picasso (1881-1973), obra representativa de um importante
momento histórico (a Segunda Guerra Mundial), drasticamente vivido pela
sociedade espanhola – o bombardeio alemão em 1937. Nele, conseguimos
perceber sentimentos de dor e repúdio nas cores (branco e preto) e na
representação de pessoas e animais vitimados pela brutalidade da ação
empreendida por Adolf Hitler, lado a lado com os muitos gritos, denúncias e
relatos silenciados de quem sofreu direta ou indiretamente com esta e outras
guerras, com a luta armada e a violência em diferentes tempos e espaços.

2 Articulação da fala; associação entre a produção do som vocal e a articulação do som promovido pelas estruturas orofaciais (boca, dentes,
língua, lábio, palato mole).

3 Habilidade para realizar movimentos e gestos coordenados e eficazes.

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Figura 1 – Painel Guernica, de Pablo Picasso (1937) (estampado em selo da Checoslováquia)

4 Jogo simbólico e imaginação infantil


Como observamos, a linguagem se desenvolve entre sentidos, sujeitos e história. Nesta
perspectiva, ela é polissêmica: há o espaço do simbólico, do sentido das coisas, do resgate da
memória; e polifônica: expressa muitas vozes e o dizer de diferentes sujeitos. No exemplo da
tela Guernica, há uma forte relação entre a linguagem e o pensamento, entre o discurso e o
significado das palavras e expressões; uma relação em que estão presentes a individualidade
(forma como cada um de nós se relaciona com a realidade), a coletividade (o outro social: as
pessoas, os objetos, os fatos) e a subjetividade (os sentimentos, os sentidos, as vivências).

É nesse sentido que a linguagem contribui para o jogo simbólico tão presente (e
necessário) na infância. Por meio da linguagem, a criança vive na fantasia e no faz de conta,
experiências estruturantes consigo mesma, com o outro e com o meio ambiente, e assim
aprende a lidar com frustrações, medos, limites e com os contraditórios sentimentos que
compõem a subjetividade humana (o amor, o ódio, o desejo, a inveja e tantos outros). Daí ser
bastante comum observar na infância o recorrente interesse por narrativas que lhes permitam
experimentar (na fantasia e, por isso mesmo, reversivelmente) o medo (Chapeuzinho
Vermelho, Os três Porquinhos, Cachinhos de Ouro), o amor (Cinderela, A Bela Adormecida), a
superação (O Pequeno Polegar, O Patinho Feio, a Polegarzinha) e a morte (Branca de Neve, O
Rei Leão).

Você concorda que ler é viajar sem sair do lugar?

Assista ao vídeo “A Maior Flor do Mundo”, cujo link está disponível na


midiateca, baseado na história escrita por José Saramago, e reflita sobre isso.

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Arte e Literatura na Infância

5 Linguagem virtual, criatividade, raciocínio e aprendizagem


Como aprendemos até aqui, a linguagem, a infância e seu desenvolvimento têm
mobilizado a atenção de diferentes pesquisadores e em diferentes temáticas. A busca por
novas possibilidades pedagógicas e por novas formas de intervenção educacional aponta
caminhos inovadores, novas tendências e também limites a serem superados.

E, nesse sentido, um desafio se coloca:

Como fazer da tecnologia, aqui representada pela linguagem virtual, uma


aliada para o desenvolvimento do raciocínio, da criatividade e da aprendizagem
infantil?

Essa é uma questão bem interessante, não é verdade? Sigamos a leitura,


então, para verificar como isso se dá.

De início, pesa sobre a prática pedagógica a importância de um olhar sensível,


consciente, crítico e constantemente reflexivo sobre a ação, para e com criança, observando
sua individualidade, sua interação e os sinais por meio dos quais expressa seus sentimentos,
desejos, insatisfações e necessidades (o desenho, a escrita, os gestos, as expressões, a postura,
etc.). Essas marcas de subjetividade evidenciam sua corporeidade, suas experiências de vida
e abrem importantes canais de intervenção educativa.

Nesse sentido, programas educativos (na TV, no computador, no cinema), textos


publicitários (outdoor, propagandas), jogos eletrônicos, filmes infantis e animações devem ser
mote para a interação social e não para o isolamento. Com eles, estrategicamente planejados
e incluídos na proposta pedagógica, pode-se ampliar o contato mais estreito das crianças com
os colegas, com outras crianças e culturas e com temáticas fundamentais para a educação
cidadã (diversidade, meio ambiente, política, gênero, tecnologias, sexualidade), o que pode
influenciar de maneira positiva seu comportamento social e sua aprendizagem.

6 Linguagens e disciplinas em diálogo


Conforme discutimos até aqui, é necessário inserir a criança constantemente em
ambientes de aprendizagem. Nesses ambientes, ela precisa ser convidada a vivenciar
experiências sensório-motoras, afetivas, didáticas, sociais e lúdicas que acionem diferentes
estruturas (físicas, mentais, motoras, psicológicas, cognitivas, relacionais etc.). Lendo,
jogando, dramatizando, cantando e escrevendo, as crianças passeiam por diversas áreas
do conhecimento e, ao mesmo tempo, constroem conhecimento linguístico, artístico e

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Arte e Literatura na Infância

estético, em situações de comunicação formal (na escola) e informal (na vida cotidiana),
como defendem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) já na sua introdução: “No ensino
fundamental (...) a Arte visa à formação artística e estética dos alunos” (BRASIL, 1997, p. 19).

O trabalho desenvolvido sob essa inspiração e afinado com a proposta cidadã expressa no
artigo 2ª da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei 9394/96), que diz que:
“A educação (...) inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana,
tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania”, deve priorizar o contato da criança com diferentes linguagens, manifestações
artísticas e disciplinas, o que lhe permitirá compreender e utilizar diferentes conteúdos nas
diversas áreas do conhecimento; respeitar a diversidade de pessoas, culturas e ambientes,
valorizando o patrimônio histórico, a arte e a produção humana ao longo da história.

Considerações finais
Nesta aula, aprendemos que para além da escrita e da oralidade, diferentes linguagens,
fontes de informação e recursos (materiais, didáticos, tecnológicos etc.), cada vez mais
acessíveis e constantemente atualizados permitem conhecer, discutir, construir e ampliar
conhecimentos. Assim, por meio do sensível, adequado e mediado trabalho com a arte e a
literatura, as crianças podem interpretar fatos da natureza histórico-geográfica, técnico-
científica, artístico-cultural, ou do seu cotidiano imediato, identificando regularidades e
mudanças, confrontando diferenças, questionando pontos de vista, analisando argumentos,
calculando, classificando, opinando, adquirindo e desenvolvendo linguagem.

Acesse o link indicado na midiateca para o vídeo em que o professor e


filósofo Mario Sérgio Cortela discorre sobre a relação entre linguagem,
tecnologia e aprendizagem.

Referências
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a
4ª séries): Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997

COSTA, M. M. da. Metodologia do Ensino da literatura infantil. Curitiba: Ibpex, 2007

DEL RÉ, A. Aquisição da linguagem: uma abordagem psicolinguística. SãoPaulo: Contexto, 2009.

OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky: Aprendizagem e desenvolvimento: um processo sócio-histórico.


São Paulo: Scipione, 2010

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Arte e Literatura na Infância
Aula 04
O lúdico e o pensamento mágico na infância

Objetivos Específicos
• Associar a arte e a literatura à atividade simbólica da criança

Temas
Introdução
1 O maravilhoso e sua função simbólica: mitos, heróis, personagens
2 Contos populares: por que gostamos tanto de ouvi-los?
3 O que eles nos dizem?
4 Características das narrativas infantis (lendas, fábulas, cantigas de roda,
parlendas, trava-línguas) e seu uso em sala de aula
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
A arte, as narrativas literárias e, em especial, os contos têm importância vital no
desenvolvimento infantil. Eles representam além do apelo à fantasia e imaginação, uma
motivação para a leitura e a expressão escrita. Seu universo simbólico – tão afinado com
o sensível olhar infantil – seduz pela beleza, pelas temáticas, pelo diálogo entre os seres
(vivos, mágicos e inanimados), o meio ambiente e os complexos e contraditórios sentimentos
humanos, como o amor, o ódio e a inveja.

Uma das formas artísticas de representação da realidade, a literatura, tem sua força
na oralidade e na tradição. Como explicar para as crianças a grande aventura humana,
seus desafios e conflitos (entre a vida e a morte, o bem e o mal, a criança e o adulto, o
menino e o homem, a menina e a mulher) senão através do simbólico presente na literatura?
Viver fantasias, assumir papéis, travestir-se, transformar-se... tudo é possível e reversível no
universo simbólico.

É neste universo que vamos mergulhar nesta aula. Uma viagem prazerosa e recheada de
magia nos espera.

1 O maravilhoso e sua função simbólica: mitos, heróis,


personagens
Os contos se caracterizam por serem narrativas curtas, transmitidas oralmente, nas quais
um herói ou uma heroína tem de enfrentar grandes obstáculos antes de triunfar contra o mal.
Envolvem algum tipo de magia, metamorfose ou encantamento, e têm como personagens
principais fadas, bruxas, princesas, príncipes e animais falantes. Motivados por um conflito,
os personagens precisam enfrentar obstáculos e perigos para só então triunfar. São histórias
repletas de ensinamentos e lições de moral.

Contos maravilhosos, de fadas e de encantamento modernos têm em comum o tipo


de relato: uma sequência que tem início, desenvolvimento (marcado por um conflito) e um
fim. Neles, os personagens precisam da ajuda de protetores, geralmente ajudantes mágicos,
como as fadas, em Cinderela; há um rito de iniciação, ou seja, uma passagem entre a vida
infantil e a adulta, representado pela morte ou ressurreição simbólica (como é o caso do
despertar de Branca de Neve e da Bela Adormecida).

Os contos possuem elementos invariantes: o ajudante mágico; o afastamento do herói/


heroína; o amadurecimento dos personagens – que são reconhecidos por seus atributos
e não, por seus nomes (A Pequena Sereia, Os sete anões, A Bela Adormecida); a ausência
materna (a morte precoce da mãe era uma situação típica do contexto sócio-histórico em
que esses contos surgiram) e o final feliz e redentor para seus personagens (reconhecidos
por suas ações boas ou más).

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Arte e Literatura na Infância

Neste universo convivem personagens fantásticos, heróis e mitos – narrativas simbólico-


imagéticas que contam a origem das coisas do mundo, tendo como referência uma divindade
– a exemplo de Zeus e os deuses do Olimpo, na Grécia antiga; do Saci Pererê e do Boto,
no Brasil; dos Orixás da mitologia africana. A mitologia (estudo ou conjunto de mitos de
uma sociedade) tem sua origem ligada à Grécia Antiga e são histórias baseadas em lendas e
em tradições culturais de diferentes povos, passadas de geração em geração pela oralidade.
Nesta, e em outras narrativas populares, há, portanto, um rico e importante material histórico/
cultural sobre a forma de vida de mulheres e homens em diferentes tempos e suas relações
com o real e o sobrenatural.

Nesse ponto, certa confusão no entendimento do conto – este complexo e apaixonante


estilo literário – precisa ser esclarecida: eles não são apenas histórias para crianças, agradam
sujeitos de diferentes idades, tempos e contextos; eles não foram escritos pelos irmãos
Grimm1 , como narrativas populares, foram (e são) recontados por diferentes autores; os
contos ensinam lições, veiculam história, emoções e sentimentos, e os sujeitos delas se
apropriam diferentemente, livre e inconscientemente.

2 Contos populares: por que gostamos tanto de ouvi-los?


Ao longo do tempo, os contos têm encarnado o bem e o mal, o sim e o não, o possível
e o impossível, enfim, como se diz coloquialmente, “os dois lados da moeda”, lados que
habitam em cada um de nós, que nos constituem e nos fazem ser quem somos. Através dos
contos e de tantas outras manifestações literárias (poesias, lendas, fábulas, mitos, tragédias,
romances etc.) adquirimos linguagem e trilhamos os caminhos da leitura, da escrita, do
autoconhecimento e da aprendizagem.

Como nos diz Fanny Abramovich (1997, p. 17), literatura “é ouvir, sentir e enxergar com
os olhos do imaginário!”. Nessa perspectiva, é fundamental para a formação infantil ouvir
histórias. É o início da aprendizagem para ser leitor, para saber ouvir, sentir e conhecer o
mundo real, o mágico e o simbólico, onde tudo é possível e também reversível. Com as
histórias, a criança pode sorrir, chorar, brincar, sentir e descobrir sentimentos, coisas, lugares,
pessoas e possibilidades; também é um importante caminho para o contato físico, o carinho,
a atenção, a superação de conflitos, medos, impasses e problemas; e para possibilitar o
acesso e ampliar o contato da criança com outras linguagens artísticas, como o desenho,
a dança, a linguagem virtual, na escola e fora dela; clássicos da literatura mundial, como
William Shakspeare, por exemplo, podem ser vistos no teatro (em peças e musicais), em
modernos aplicativos e games e nos Mangás (histórias em quadrinhos no estilo japonês)
traduzidos em todo o mundo.

1 Os Irmãos Grimm (1785-1859), estudiosos da língua alemã, coletaram contos populares e os registraram para garantir a permanência e
resguardar a cultura de seu país. Esses contos, conhecidos como Contos de Grimm não foram criados por eles, mas recontados da tradição oral.

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Arte e Literatura na Infância

Para conhecer e saber mais sobre os Mangás Shakspereanos, estilo


narrativo já abraçado por algumas escolas, acesse o link disponível em nossa
midiateca (em inglês).

Para alguns, a literatura para crianças e, em especial, os contos, é apenas um passatempo,


para outros, ela é uma forma de ensinamento por sua íntima relação com a realidade e com
as mensagens de fundo moral. Para a Psicanálise e a Psicopedagogia, os contos, por sua
linguagem simbólica permitem a leitores de diferentes idades e, em especial, às crianças,
mergulhar nas questões da existência, na sabedoria popular e na busca pelo sentido da vida.
Daí sua permanência, seu fascínio, sua aceitação ao longo de mais de duzentos anos (esse
estilo narrativo surgiu na Europa no Século XVII) por leitores de diversas idades. Seu uso
na escola como recurso didático e pedagógico tem o objetivo de auxiliar no ensino e na
aprendizagem da língua, da literatura, de diferentes temas e conteúdos.

3 O que eles nos dizem?


Os contos nos falam de amor e de sofrimentos, e também de descobertas, encantos,
possibilidades, começo e fim — O Soldadinho de Chumbo (Grimm), A Sereiazinha (Andersen),
Um Espinho de Marfim (de Marina Colasanti) —; das dificuldades de ser criança — Peter Pan
(J.M.Barrie), O Pequeno Polegar, Cinderela, Pele de Asno (Grimm) —; de carências, de comida,
afetividade, companhia, alegria, perspectivas — Joãozinho e Maria (Grimm), A Menina dos
fósforos (Andersen).

Seu universo simbólico está repleto de fadas – boas, que expressam votos positivos
e têm função de anjo da guarda, e más, que têm poderes maléficos e segredos, mas que
também favorecem os ritos de iniciação e o amadurecimento do herói —; ogros e gigantes,
que representam o confronto do homem com as forças obscuras, testando sua coragem.
Também apresentam espelhos mágicos, que refletem a verdade (boa ou ruim); animais
malignos (lobos e dragões) e animais pacíficos e servis (como as corças), que representam
nossa consciência moral; árvores e suas raízes, representando o limite entre o céu e o
inferno; a solidão do herói/heroína, demonstrando a inegável solidão do ser humano; uma
fada boa, que realiza desejos e tem função de anjo da guarda; uma fada má, que substitui,
que toma, mas que também ensina e faz acordar. E também metamorfoses, encarnando o
sonho humano de renascimento e, consequentemente, da passagem de um estado físico (de
feiura e imperfeição) para o estado moral encarnado pela beleza.

Por sua força simbólica, os contos veiculam mensagens marcadamente subjetivas


(e implícitas no discurso), que tocam a infância (e a vida adulta também) e são por elas

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Arte e Literatura na Infância

apropriadas: de que é possível e preciso organizar “a casa interior”, integrando o real e o


imaginário, o bem e o mal, a natureza humana e animal. Também passam a ideia de que
as provações e dificuldades são uma passagem do estado de imperfeição para um estado
melhor, de recompensa e de felicidade, como discutem pesquisadores e terapeutas, como
Bruno Bethelheim e Jean Marie Gillig.

O pensamento simbólico aqui discutido na perspectiva da oralidade e da escrita é


também visível nas artes visuais, especialmente no desenho, onde a criança expressa suas
representações e visões de mundo.

Assista ao vídeo indicado na midiateca em que consta a análise da


educadora Monique Deheinzelin sobre a relação entre o desenho e o
pensamento simbólico infantil.

4 Características das narrativas infantis (lendas, fábulas,


cantigas de roda, parlendas, trava-línguas) e seu uso em sala
de aula
As narrativas recolhidas da tradição oral têm especial ligação com universo infantil. Elas
são recheadas de pensamento simbólico, de “aproximações” com a realidade, de sonoridade,
musicalidade e movimento, aspectos significativos para o desenvolvimento integral das
crianças. Dentre essas narrativas podemos citar: A lenda é uma importante narrativa da
tradição oral; nela, diferentes povos transmitem de geração em geração histórias em que
realidade e fantasia, pessoas e animais, fatos reais, irreais e históricos explicam aquilo que
o “senso comum” não consegue entender; são lendas históricas, a exemplo do Caramuru;
etimológicas (que buscam explicar a origem das coisas), como a Lenda do Café e da Manidioca;
geográficas, a exemplo das lendas sobre a Amazônia ou as que vieram da importante herança
cultural dos indíos do Brasil: Lobisomem, do Boitatá, da Cuca e tantas outras (PINTO, 2005).

As fábulas são narrativas que, envolvendo pessoas e animais e relatando situações


do cotidiano, transmitem uma “moral”, uma mensagem, um conselho, uma crítica ao
comportamento humano, um exemplo de vida a ser imitado ou repudiado. Elas existem há
mais de dois mil anos e têm sua existência atribuída a Esopo, um escravo grego que viveu no
Século VI a.C. e que usava a palavra e sua criatividade para livrar seus senhores de situações
difíceis e constrangedoras. A Raposa e as uvas, A cigarra e a formiga, A tartaruga e a lebre
fazem parte do fabulário atribuído a Esopo.

As cantigas de roda, também conhecidas como cirandas, são brincadeiras musicais em


que as crianças cantam e dançam músicas folclóricas, ritmando sons e movimentos. Por
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Arte e Literatura na Infância

seu aspecto lúdico, pelos temas ligados à infância e por exercitarem diferentes estruturas
(físicas, motoras, sensoriais) são muito apreciadas e utilizadas como recurso pedagógico:
“[...] Caranguejo não é peixe, Caranguejo peixe é, Caranguejo não é peixe na vazante da maré.
Palma, palma, palma, Pé, pé, pé, Caranguejo só é peixe na vazante da maré!”

As parlendas são pequenas composições rimadas e ritmadas, com temáticas ligadas ao


universo infantil e bastante características do folclore brasileiro. Têm tido, historicamente, a
função de embalar e entreter crianças e, ao mesmo tempo, promover a integração de pessoas
e grupos: “Um, dois, feijão com arroz. Três, quatro, feijão no prato. Cinco, seis, chegou minha
vez. Sete, oito, comer biscoito. Nove, dez, comer pastéis”.

O trava-línguas é uma manifestação da cultura popular que tem como característica


príncipal o desafio de repetir rapidamente, e sem errar, a pronuncia de textos e palavras
rimadas. Utilizando elementos do folclore e da história cultural este divertido gênero textual
agrada às crianças, à escola e terapeutas da fala e da linguagem (fonoaudiólogos) por
permitir trabalhar, na oralidade, conteúdos específicos da gramática (encontros vocálicos
e consonantais, por exemplo), dicção e interação social. Leia em voz alta o trava-línguas a
seguir, exercitando sua habilidade vocal: “[...] O tempo perguntou para o tempo qual é o
tempo que o tempo tem. O tempo respondeu pro tempo que não tem tempo de dizer pro
tempo que o tempo do tempo é o tempo que o tempo tem”.

O “O que é o que é?”, ou advinhas, é um interessante e provocador jogo de palavras


que, por meio da linguagem figurada, propõe desafios à inteligência e raciocínio lógico, em
textos lúdicos e inspirados na cultura popular. Essa manifestação folclórica é bastante
apreciada pelas crianças por contemplar suas muitas indagações, por permitir que desafiem
a si mesmo e aos adultos, por permitir produção de leitura e atribuição de sentidos e por
abrir espaço para novas criações/adivinhações. Para a prática pedagógica, é especialmente
importante por permitir o trabalho com a criatividade, com o raciocínio lógico, com a
semântica e com a ampliação de vocabulário: “[...] O que é, o que é, não tem pé e corre, tem
leito e não dorme, quando para, morre?”2 .

A escritora brasileira Ângela Lago faz um interessante reconto da história


“Sua Alteza A Divinha”, em que um pretendente criativo obtém a mão da
princesa em casamento, por sua astúcia em responder corretamente as
adivinhas que ela lhe propôs. Vale a pena a leitura: LAGO, A. Sua Alteza A
Divinha. Belo Horizonte: Editora RHJ, 1990.

2 Resposta: Rio

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Arte e Literatura na Infância

Como foi possível observar, são inúmeras as possibilidades de trabalhar o lúdico e o


pensamento mágico na infância a partir da arte e suas diversas linguagens. Esse trabalho
deve permitir aos sujeitos o contato ampliado com a cultura, com o outro e consigo mesmo. À
escola, espaço legitimado para a construção e troca de saberes, e à docência cabe este papel:
o de favorecer o exercício do conhecer, pensar, sentir e interpretar para que as crianças
possam intervir na realidade, reconhecendo-a como construção social e como possibilidade
de comunicação entre os seres (sua história, seus desejos, seus limites) ao longo do tempo.

Considerações finais
Vimos nesta aula a força da arte e da literatura na atividade simbólica da criança. Vimos
também diferentes possibilidades de uso da linguagem para o desenvolvimento infantil: a
brincadeira com as palavras, o estimulo à magia, a exploração de sentidos, a ampliação do
olhar sobre si mesmo e sobre o mundo, a sensibilidade, a dicção e expressão oral e escrita e
o respeito às manifestações culturais. Equilibrando razão e emoção, o maravilhoso universo
dos contos, das lendas, das fábulas e das manifestações artísticas em geral, toca as crianças e
permite que, emocionadas, construam conhecimento.

Assista ao vídeo com a entrevista da professora e contadora de histórias


Bia Bedran sobre a importância do trabalho lúdico no desenvolvimento infantil.
O link está disponível na midiateca da disciplina.

Referências
ABRAMOVICH, FANNY. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1997.

BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

COSTA, M. M.da. Metodologia do Ensino da literatura infantil. Curitiba: Ibpex, 2007.

FARIA, M. A. Como usar a literatura infantil na sala de aula. 5 ed. São Paulo: Contexto, 2009.

GILLIG, Jean-Marie. O Conto na Psicopedagogia. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

PINTO, I. C. Folclore: aspectos gerais. Curitiba: Ibpex, 2005.

ZAGONEL, B. (org.) Metodologia do ensino de arte. Curitiba: Ibpex, 2011 (Série Metodologias).

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Arte e Literatura na Infância
Aula 05
Literatura e formação humana

Objetivos Específicos
• Relacionar língua, palavra, linguagem e literatura à formação integral de
sujeitos leitores.

Temas

Introdução
1 Palavra, língua e linguagem
2 Literatura ideologia e Cidadania
3 Leitura de si e do mundo, diversidade e pluralidade
4 Literatura e representações sociais (papéis, temas, estereótipos)
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e literatura na infância

Introdução
Como estudamos até aqui, ser socializado é pertencer a uma cultura. É ter internalizado
ao longo do tempo os padrões, os valores e os jeitos para estar e se relacionar com o mundo.
Esse processo acontece de forma constante e gradual e envolve os sentidos, as subjetividades,
o cognitivo, o real e o simbólico; envolve língua e linguagem.

Dia após dia em seu desenvolvimento, os sujeitos são iniciados e estimulados à formação
de hábitos (de higiene, de estudo, de leitura...), a vestir-se, a brincar e a se comportar
adequadamente de acordo com seu sexo, idade, classe social, etnia ou religião. Na educação
formal, recebida por meio da escola, são transmitidos saberes e valores estereotipados e
historicamente legitimados; na educação informal, a transmissão de valores culturais anda
“de braços dados” com as expectativas em torno dos papéis sociais e sexuais (a escolha das
cores para meninas e meninos, as brincadeiras adequadas, a forma de sentar, andar, brincar)
que compõem a nossa aprendizagem e integração social. Uma aprendizagem repleta de
vivências marcadas por ideologias, representações e estereótipos, como veremos nesta aula.

1 Palavra, língua e linguagem


A escola tem sido , historicamente, o espaço de linguagens (nas mais diversas
manifestações), de ideologias, trocas culturais e relações de poder. Como frutos da
cultura, estamos a todo tempo recebendo, transformando e transmitindo informações
e conhecimentos pela língua e pela linguagem, o que nos permite conhecer, comparar e
analisar. Conteúdos, emoções e significados simbólicos estão presentes na construção das
subjetividades e do conhecimento que temos de nós mesmos e do mundo.

Com a família, primeira forma de convívio social, a possibilidade de construção dos laços
afetivos e emocionais; com a escola, a possibilidade de convivência, partilha e acesso ao
conhecimento de um mundo plural, diverso, complexo e cheio de antagonismos, classificações
e hierarquizações. Na família e na escola, intercâmbios e práticas são possíveis por meio da
língua, da linguagem, da palavra.

A língua, como um sistema de signos, nos nomeia e apresenta. Por meio dela,
pertencemos a uma cultura, nos comunicamos e nos percebemos como seres sociais.
Falando, escrevendo e representando transmitimos experiências e pensamentos afetivos
e intelectuais, ora utilizando a linguagem popular (com gírias e dialetos), ora a linguagem
culta (rica em recursos de estilo e expressões formais).

A linguagem nos antecede; ela faz parte da nossa existência mesmo antes de nascermos.
Sempre viva e atualizada, revela tempos, pensamentos e construções ideológicas (BAKHTIN, 2006)
por meio de diferentes discursos: sociais, políticos, históricos, econômicos, educacionais etc. Esta
troca, cotidianamente realizada no exercício da língua e da linguagem, nos permite comunicar,
significar, internalizar e aprender conteúdos explícitos (objetividade) e implícitos (subjetividade).
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Arte e literatura na infância

Complexidade: essa é a expressão que melhor caracteriza a linguagem humana. Ela


não se reduz a uma expressão fonética, à emissão de sons ou ainda à simples tradução do
pensamento por meio do desenho, da escrita, da música e da arte: ela é tudo isso e muito
mais, porque é criação, atribuição de sentidos, significação, representação, comunicação e
manifestação da nossa humanidade.

Atribuir sentidos e compreender diferentes textos, portanto, estão em íntima relação


com a língua e a linguagem, como afirmam os os PCN: “[...] O domínio da língua, oral e escrita,
é fundamental para a participação social e afetiva, pois é por meio dela que o homem se
comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói
visões de mundo, produz conhecimento” (BRASIL, 1997, p. 15).

Assim, dominar a língua (ferramenta de acesso a diferentes linguagens e manifestações


artísticas e culturais) é possibilidade de acesso ao conhecimento, autonomia de pensamento
e liberdade de escolha e de expressão. Tomando essa perspectiva, vale destacar cinco
conceitos fundamentais no que diz respeito à comunicação humana:

Palavra – conjunto de letras ou sons de uma língua cuja função é representar gráfica ou
sonoramente o pensamento humano

Língua – Código linguístico formado por palavras e leis combinatórias por meio do qual
as pessoas se comunicam e interagem entre si.

Linguagem – Representação do pensamento por meio de sinais que permitem a


comunicação e a interação entre pessoas (escrita, desenho, mímica, gestos, palavras, pinturas
etc.).

Comunicação – troca de informações; emissão e compreensão de uma mensagem que


modifica um pensamento e/ou um comportamento.

Ideologia: conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas ou visões de mundo.

Para ampliar os seus conhecimentos sobre este assunto, leia: FIORIN, J.L.
Introdução à Linguística I: objetos teóricos. Páginas 11 a 24 e 25 a 53. São Paulo:
Contexto, 2010 (disponível na biblioteca virtual)

2 Literatura, ideologia e cidadania


Neste sentido, é possível afirmar que língua e linguagem nascem, crescem e se fortalecem
na dinâmica social; o que evidencia sua subjetividade, humanidade e não naturalidade1, mas
seu caráter eminentemente social, construído histórica e culturalmente.

1 Natural é o que é relativo à natureza, espontâneo, em que não há trabalho humano (BUENO, 2000, p. 533).

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Arte e literatura na infância

Nesse sentido, a língua é resultado da interação e das trocas que os sujeitos


cotidianamente efetivam em sua existência concreta. Mas é também instituição e
instrumento de ação sobre o outro, de manipulação, de reprodução, de controle e também
de poder.

Como defende Bakhtin (2006, p. 36), a palavra se constitui, assim, num “fenômeno
ideológico”, que reflete a experiência concreta de mulheres e homens, uma experiência que
evidencia desigualdades e relações de poder em diferentes representações: de papéis sociais,
de coragem, de fragilidade, de medos, sofrimentos, conquistas e descobertas, evidenciadas
em imagens, ideias e discursos. Nessa perspectiva, a linguagem na literatura se revela como
um poderoso instrumento de comunicação, de educação e, consequentemente, de ação
sobre o pensamento e sobre o outro.

A título de ilustração, podemos citar na literatura clássica os contos de Grimm, que


no auge do século 18 difundiram em suas narrativas uma imagem feminina ora delicada e
doce, como Branca de Neve e Cinderela, ora má e tenaz, como as bruxas e madrastas; e uma
imagem masculina de coragem, ousadia e autoridade, como os príncipes e os guerreiros.

Na literatura brasileira, a exemplo de José de Alencar, que expôs, na patriarcal sociedade


do século 19, a ambiguidade feminina no corpo que atrai (sedução) e na fragilidade que,
comovendo, seduz: “As mulheres têm isso de particular; reconhecendo-se fracas, a sua maior
ambição é reinar pelo imã dessa mesma fraqueza, sobre tudo o que é forte, grande e superior
a elas; não amam a inteligência, a coragem, o gênio, o poder, senão para vencê-los e subjugá-
los” (ALENCAR, 1959, p. 80).

E no moderno conto de Marina Colasanti (1992, p. 46-47), que discute o ideal de beleza,
silêncio e o papel de submissão a que toda mulher casada estaria sujeita: “Quanta alegria,
desta vez, na recepção do Rei. Sim, os nobres cavaleiros haviam dito a verdade. Ali estava a mais
bela das jovens. A mais delicada. A mais silenciosa. Ali estava a esposa que tanto buscara”.

É forte, portanto, a relação entre a literatura, a linguagem e a subjetividade humana


nestes breves exemplos. O pensamento mágico, o universo simbólico, os seres fantásticos, os
mitos e seu caráter extraordinário e os fenômenos naturais, fortemente inspirados e apoiados
nos modelos e papéis socialmente reconhecidos, são evidenciados nas narrativas literárias,
legitimados pelo pensamento dominante de cada tempo e contexto histórico e veiculados na
pluralidade do ambiente escolar.

Literatura e história, indiscutivelmente atreladas, estão presentes na vida educativa e


escolar das crianças desde a mais tenra idade. Em diferentes tempos, família, sociedade e
escola participam da escolha, autorizam ou desautorizam autores, títulos e temas; permitida
ou não, popular ou erudita, infantil ou juvenil, em prosa ou poética, a literatura tem cumprido
o papel de sensibilizar, provocar, reproduzir e ensinar sem perder sua força, sua beleza, sua
pluralidade e sua atualidade.

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Arte e literatura na infância

3 Leitura de si e do mundo, diversidade e pluralidade


Todos esses aspectos evidenciam o papel da literatura, como arte verbal, no
desenvolvimento infantil e na formação de cidadãos sensíveis, críticos e conscientes.
Comprometida com uma língua (sistema de signos), a literatura expressa valores (morais,
éticos etc.), expõe ideias e pensamentos, nomeia e interpreta coisas, fatos e pessoas.

Muitos estudiosos definirão a literatura como a arte de compor escritos. Veja o que nos
diz Roland Barthes sobre literatura:
“Entendo por literatura não um corpo ou sequência de obras, nem mesmo um setor
de comércio ou de ensino, mas o grafo complexo das pegadas de uma prática: a
prática de escrever. Posso portanto dizer, indiferentemente: literatura, escritura ou
texto (...) A literatura assume muitos saberes. Num romance como Robinson Crusoé,
há um saber histórico, geográfico, social (colonial), técnico, botânico, antropológico
(Robinson passa da natureza à cultura)”. (BARTHES, 2007, p. 16-17)

E estes escritos têm tido historicamente o papel de reserva cultural. Para grande parte
das línguas ocidentais (como o português e o inglês), o material literário é o alfabeto. Isso
significa dizer que, ao contrário das outras artes que lidam com aspectos “menos formais”
(o desenho, a dança, a mímica etc.), a literatura se vale de um signo para construir algo:
o signo linguístico. Este, marcadamente ideológico, porque é comprometido com o meio
sociocultural onde está inserido, regula os processos de interação social: a escrita, a fala e os
diferentes canais de manifestação do pensamento humano.

No encontro entre a criança e a arte literária, ocorre a interação com os outros, a


ampliação de sua visão de mundo. Em suas distintas manifestações, a arte e, em especial, a
literária, seja ela oral, escrita, virtual ou imagética, é uma forma privilegiada de construção
da identidade e da noção de cidadania, por permitir a convivência com realidades diversas,
passíveis de observação no tempo e no espaço, e com a pluralidade de pessoas, sentimentos
e experiências.

4 Literatura e representações sociais (papéis, temas,


estereótipos)
Como aprendemos até aqui, diferentes fatores sociais, ideológicos e psicológicos
interferem nas possibilidades de leitura e diálogo entre autor/leitor, fantasia/realidade.
A literatura é a possibilidade do entretenimento, da vivência do lúdico e do prazer e, ao
mesmo tempo, do contato com saberes, valores morais, éticos e educacionais. Na riqueza
das histórias destinadas à infância, alguns elementos se constituem estruturantes ao longo
da narrativa, para suas vivências, experiências, aprendizagens e maturidade leitora: tempo
(cronológico, histórico, psicológico), espaço (ambiente físico, social, psicológico), personagens
(protagonista, coadjuvante, figurante), temáticas e representações sociais.

E que tal exemplificarmos tudo isso de forma poética?

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Arte e literatura na infância

Nos três versos a seguir, tempo, espaço, pensamento simbólico, contextos e personagens
da literatura infantil, caminhando junto com os sentimentos e as descobertas, se abrem à
interpretação e ilustram breve e ludicamente um período histórico e a nossa discussão sobre
a relação entre literatura, ideologia, papéis e representações sociais:
Na Bela Adormecida (princesa linda e casta), história que nos remete aos tempos
medievais, o despertar para a maturidade: “Nasceu linda a menina filha de rei tão valoroso;
batizada e adorada, por seis fadas foi abençoada. Mas, por maldade ou inveja, por cem anos
precisou dormir, para só sair dali nos braços de um príncipe que a beijou, amou e fez sorrir”.
Em Branca de Neve, também evidenciando o período feudal, a conquista da maturidade,
a sobrevivência fora de casa e num ambiente hostil, a quebra de paradigmas e a reprodução
de estereótipos: a mulher má (a madrasta) e o homem salvador: “Branca, meiga e gentil,
despertou na madrasta um desejo de vingança. Mas era tão jovem a criança que se tocou o
caçador e correndo a libertou bem no meio da floresta. Sete homens a acharam, protegeram
e ajudaram”.
Em Rapunzel, como nas outras histórias deste mesmo período, o ensino de valores, a
legitimação de papéis sociais, o repúdio aos maus sentimentos (como a inveja) e o estímulo
às boas atitudes (coragem, bondade, perseverança): “Longas tranças, possuía e era bela e
formosa. Mas a bruxa invejosa a prendeu no castelo. Mas, mesmo na torre, essa princesa
corajosa casou com um príncipe sincero vestido de branco e amarelo”.
Como pudemos observar neste breve exercício de leitura, aspectos ligados à realidade
concreta de mulheres e homens em seus papéis sociais se descortinam, evidenciando as
representações e atributos esperados e valorizados para cada um deles na dinâmica social,
como discutido pela historiadora brasileira Heleieth Saffioti (1987, p.08), “A sociedade
delimita, com bastante precisão, os campos em que pode operar a mulher, da mesma forma
como escolhe os terrenos em que pode atuar o homem”. Essas expectativas e representações,
presentes nas diferentes manifestações de linguagem, se abrem ao universo infantil por meio
da arte, seja ela visual, escrita, imagétina, virtual, teatral ou corporal, na escola e fora dela.
Daí a importância, como afirmam os PCN (BRASIL, 1997), de sensibilizar as crianças para a
diversidade e para o respeito à humanidade presente em cada um de nós.

Em toda atividade mental há um duplo fenômeno de percepção: da


subjetividade e do mundo exterior (uma paisagem, um fato, uma obra de arte
etc.). No ensino da arte desde a infância, é preciso levar em conta a ampliação
do olhar sensível, crítico e contextualizado e o respeito às fases do
desenvolvimento infantil. Como sugestão de atividade, você pode propor a seus
alunos que descrevam (usando diferentes linguagens) uma paisagem que
represente estados da alma (sentimentos) – felicidade, medo, amor, solidão,
revolta (ou outros a seu critério). Ouça suas respostas, partilhe as descobertas
com o grupo e perceba, nesta atividade concreta, a riqueza do trabalho sensível
com a expressão artística.

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Arte e literatura na infância

Considerações finais
Aprendemos, nesta aula, que leitura e literatura são elementos fundamentais para o
desenvolvimento infantil e para a formação humana e que a arte literária é uma forma
privilegiada de contato com a realidade, de construção das identidades e de respeito à
pluralidade e à diversidade. Ela nos revela o mundo e media a nossa relação com ele. Uma
relação cheia de história, ideologias e subjetividades. Com ela aprendemos e ensinamos.
Com ela podemos favorecer o contato cada vez mais aprofundado, sensível e crítico da criança
com a arte em suas diferentes manifestações.

Acesse, em nossa midiateca o interessante texto (em HQ) de Maurício de


Souza – Piteco em As sombras da vida - e reflita sobre a relação entre literatura
e formação humana e sobre o despertar que a arte e a leitura nos proporcionam.

Referências
ALENCAR, José de. O Guarani. 1959. (Obras completas).

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006.

BARTHES, R. Aula. São Paulo: Cultrix, 2007.

BOSI, A. Reflexões sobre a Arte. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2000.

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros curriculares nacionais: arte.


Brasília : MEC/SEF, 1997

COLASANTI, Marina. Uma voz entre os arbustos. In: e a Rosa. Rio de Janeiro: Salamandra, 1992.

COSTA, M. M.da. Metodologia do Ensino da literatura infantil. Curitiba: Ibpex, 2007.

FARIA, M. A. Como usar a literatura infantil na sala de aula. 5ªed. São Paulo: Contexto, 2009.

FIORIN, J.L. Introdução à Linguística. São Paulo: Contexto, 2010.

SAFFIOTI, H. I. B. O Poder do Macho. São Paulo: Moderna, 1987.

ZILBERMAN, R. A leitura e o ensino da literatura. Curitiba: Ibpex, 2010 . PCN 1997.

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Arte e Literatura na Infância
Aula 06
Conhecendo o sujeito leitor

Objetivos Específicos
• Relacionar as fases do desenvolvimento infantil às escolhas literárias,
competências e habilidades de leitura e produção de textos em diferentes
linguagens e áreas do conhecimento.

Temas
Introdução
1 O sujeito leitor e a Estética da Recepção.
2 O leitor na educação infantil e a literatura em linguagem verbal e não verbal
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e literatura na infância

Introdução
Em nossos estudos, aprendemos que a criança lê o seu entorno muito antes do
aprendizado sistemático da leitura e da escrita e que seu desenvolvimento envolve diferentes
fatores ligados aos aspectos motores, intelectuais, cognitivos e emocionais. Neste sentido,
ela precisa ser estimulada a vivenciar histórias, contos, jogos, brincadeiras e dramatizações
que encantem e mobilizem diferentes estruturas mentais, intelectuais, físicas e relacionais.

Assim, como veremos nesta aula, pode-se formar um sujeito leitor, dialogar nas diversas
áreas do conhecimento e, ao mesmo tempo, construir conhecimentos; para isso, ela precisa
ser vista, sentida, ouvida e estimulada em práticas que envolvam o contato cada vez mais
íntimo e frequente com a arte e a literatura infantil.

1 O sujeito leitor e a Estética da Recepção.


Para Jean Piaget (AZENHA, 2006), o desenvolvimento cognitivo acontece por etapas, ou
seja, numa série de mudanças ordenadas e previsíveis, que se caracterizam pelas diferentes
maneiras como os indivíduos interagem com a realidade. Em cada etapa ou estágio, ocorre a
aquisição de novos conhecimentos e a ampliação de competências e habilidades. Do estágio
sensorio-motor, mais ou menos de 0 a 2 anos, ao estágio das operações formais, dos 12 anos
em diante, estruturas mentais se configuram como absolutamente necessárias para que as
aprendizagens aconteçam.

Para a pesquisadora Emília Ferreiro (AZENHA, 2006), no processo em direção à


compreensão da escrita alfabética, a criança percorre etapas que vão do nível pre-silábico ao
nível silábico-alfabético. Nessa evolução, estabelece semelhanças, corresponde sons e grafias
e entende o mundo das letras. Acessar este universo, presente na família, na escola e na
sociedade, é, para a criança, a possibilidade não só de entender, mas de utilizar os códigos do
mundo adulto, bem como relacionar sentidos e significados às inúmeras representações de
linguagem com as quais se defronta todos os dias. É neste processo, misturando desenhos,
traçados e registros gráficos até chegar à escrita convencional, que ela percorre fases,
amadure sistemas, utiliza estruturas cognitivas e desenvolve inteligência.

Veja o que nos dizem Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1986, p. 11) sobre a importância
da aprendizagem da leitura para os sujeitos:

“Pretendemos demonstrar que a aprendizagem da leitura, entendida como


questionamento a respeito da natureza, função e valor desse objeto cultural que é a
escrita, inicia-se muito antes do que a escola imagina, transcorrendo por insuspeitados
caminhos. Que além dos métodos, dos manuais, dos recursos didáticos, existe um
sujeito que busca a aquisição do conhecimento, que se propõe problemas e trata de
solucioná-los, segundo sua própria metodologia... Insistiremos sobre o que se segue:
trata-se de um sujeito que procura adquirir conhecimento, e não simplesmente de um
sujeito disposto ou mal disposto a adquirir uma técnica particular”.

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Arte e literatura na infância

É fundamental, portanto, ensinar as crianças a lidar com a linguagem em suas distintas


manifestações: a leitura (em linguagem verbal e não verbal), a escrita e os aspectos
relacionados ao sistema alfabético e à ortografia, a oralidade e seus aspectos discursivos, o
desenho e suas possibilidades gráficas e sensoriais, a dança e o teatro, com suas ampliações
psicomotoras e sociais. A criança, em ambientes de aprendizagem, precisa ser estimulada a
ler e produzir seus próprios textos em diferentes linguagens e temáticas, mesmo que não
ainda saiba grafá-los convencionalmente.

Lendo e/ou produzindo textos, as crianças podem dialogar com diversas áreas do
conhecimento e, ao mesmo tempo, construir conhecimento (linguístico, lógico-matemático,
espaço-temporal, físico etc.) em diferentes situações de comunicação. Assim, ela aprenderá
a variedade de grafias que usamos numa palavra; as letras e as sequências em que elas
podem ocorrer; os valores sonoros, os sentidos (conotativo e denotativo) e seus significados
em cada contexto.

Nessa perspectiva, vale destacar que a linguagem é ao mesmo tempo:

• Expressão do pensamento humano ao longo da história;

• Instrumento de comunicação e de ação sobre o outro;

• Forma privilegiada de interação social.

O contato com a arte e suas muitas linguagens amplia o universo de expressões da


criança, o que favorece a leitura, a elaboração da fala e a incorporação da escrita. Por acionar
os processos de pensamento, memória, percepção e atenção (funções mentais) ligados
diretamente à aprendizagem e ao desenvolvimento, as crianças se tornam sujeitos ativos
de sua própria aprendizagem, que questionam, pensam, comparam, excluem, ordenam,
categorizam, classificam, reformulam, comprovam e dialogam.

Mas quem é este sujeito ativo de quem falamos?

O sujeito leitor: aquele que se deixa envolver pelo texto (em qualquer linguagem) e
descobre nele novas possibilidades; que dialoga com suas palavras e mensagens; que é
sensível e curioso, buscando novos conhecimentos, e que, abraçando uma postura crítica, vai
além das linhas e se envolve também com as entrelinhas do texto. Ele participa e encontra
prazer nas suas descobertas e nos diálogos com o autor.

E esse sentido, esse sujeito ativo, situado histórica e culturalmente, legitima as


discussões teórico-metodológicas propostas pela Estética da Recepção e pela abordagem

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Arte e literatura na infância

conceitual que investiga a dinâmica relação entre a Literatura (produção, recepção e


comunicação), o autor, sua obra e o sujeito leitor.

2 O leitor na educação infantil e a literatura em linguagem


verbal e não verbal
Lembrando as discussões de Jean Piaget e Emília Ferreiro sobre estágios e fases do
desenvolvimento infantil, vamos agora relacionar estes saberes às fases da leitura e tipos de
leitor. Da educação infantil ao primeiro ano do ensino fundamental (período compreendido
entre 05 e 07 anos de idade) acontece o ingresso sistemático da criança ao mundo letrado.
Nesta primeira fase, são de fundamental importância os livros infantis ilustrados, de diferentes
texturas, cores e tamanhos; os momentos de contação de histórias; o contato com diferentes
linguagens artísticas e portadores textuais; a musicalidade, a sonoridade e o movimento. É
também a fase do pensamento simbólico e da distinção entre o eu e o mundo, quando são
bem vindas as histórias com animais, as fábulas e as cantigas, caminho imprescindível para
a aprendizagem da leitura e das linguagens. E nessa perspectiva, vale explorar nesta faixa
etária:

• A audição de narrativas literárias (na contação de histórias, em CD’S, em linguagem


virtual etc.);

• A leitura e exposição oral de diferentes portadores textuais: quadros, esculturas,


livros, poemas rimados e adivinhas;

• O reconto de uma história utilizando marionetes, fantoches e sucatas;

• A escrita de uma história a partir de uma imagem;

• A escolha e colocação de um título para uma história lida ou ouvida;

• A organização de um espaço de leitura na sala de aula: livros, almofadas, esteiras.

Numa segunda fase (entre os 05 e 09 anos), o amadurecimento de estruturas cognitivas


já permite um mergulho mais aprofundado no universo mágico dos contos de fadas e a
compreensão de diferentes símbolos e mensagens presentes nestes e em outros gêneros
textuais. Agradam especialmente às crianças desta faixa etária as coleções sobre cultura
popular (lendas, mitos e baús de histórias), sobre animais pre-históricos e sobre aventuras
vividas por principes e princesas. Neste momento, são bem vindas atividades de:

• Reprodução: reescrita, paráfrase (dizer a mesma coisa com outras palavras), paródia
(recriação crítica ou irônica de um texto), resumo oral e escrito;

• Escritura/Reescritura: de histórias, listas, cartazes, notícias, bilhetes, balões de HQ;

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• Simbolização: renomear simbolicamente objetos ou personagens das histórias lidas


ou ouvidas;

• Descrição afetiva: colocar detalhes ou descrever de forma carinhosa situações,


imagens, músicas e personagens.

Na terceira fase (entre 09 e 12 anos), a criança, orientada para a leitura da realidade


concreta (e não mais “tomada” pelo mundo mágico das histórias), se interessa pela história
ambiental e pela leitura factual, daí sua inclinação para temas ligados à aventura, terror e
ficção científica, como os textos de Pedro Bandeira,saga Crepúsculo, livros do bruxo Harry
Potter e aos heróis das HQ e dos Mangás.

A quarta fase, entre os 12 e os 14 anos, caracterizada pela pré-adolescência, dá início


ao fascínio por histórias de aventuras mais elaboradas; é também chamada de fase da leitura
psicológica, orientada para as sensações da pré-adolescência: os questionamentos,conflitos,
as gangues, o sensacionalismo. A escritora Thalita Rebouças é, na atualidade, uma referência
na literatura para esta fase, pelos temas abordados, pela apresentação e pela linguagem.
Para estas etapas, algumas atividades podem ser sugeridas e/ou ampliadas, como propõe
Geraldi (2006):

• A argumentação: produzir um texto e utilizar fatos, acontecimentos e informações


para defender seu ponto de vista, sua opinião;

• A explicação: o esclarecimento de pontos, a descrição de detalhes e o cuidado com


informações que possam ampliar a compreensão do seu texto;

• O decalque: o preenchimento de lacunados com palavras e expressões que permitam,


ao mesmo tempo, a abstração e a manutenção da ideia original do texto.

• A observação das produções humanas no cotidiano (ruas, praças, mídias, locais de


estudo etc.) e a discussão dos materiais usados, representações, gostos, opiniões e
possíveis intervenções;

• A Expressão, por meio de diferentes linguagens, de suas percepções, sensações,


medos e conhecimentos sobre experiências pessoais vividas com as manifestações
artísticas;

• A elaboraração de textos em linguagem verbal (oral, escrita), visual, musical,


audiovisual, teatral sobre obras de arte em diferentes materiais e temáticas.

Em todas essas etapas, alguns objetivos se destacam: estimular o prazer de ouvir, o


desejo de aprender e o contato cada vez mais estreito com a língua, a arte e a literatura;
ampliar o repertório linguístico e artístico das crianças e promover as relações sociais e o
autoconhecimento. Uma aprendizagem que vai além dos conteúdos escolares, porque
permite à criança: fantasiar e, na fantasia, resolver conflitos e medos; responder indagações

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do mundo real; transformar inquietações em ferramentas para a compreensão da realidade;


dominar convenções gráficas e ortográficas; apreciar a arte e se posicionar crítica e
sensivelmente sobre as manifestações da cultura e do pensamento humano.

Para saber mais sobre a obra, os títulos e a escritora brasileira Thalita


Rebouças, acesse nossa midiateca.

Na quinta fase, dos 14 aos 17 anos, a maturidade ou desenvolvimento da esfera litero-


estética, a descoberta do mundo exterior e dos valores éticos e morais (histórias de amor,
romances históricos etc.), das ambiguidades e da complexidade da existência humana,
permitindo a estes jovens leitores o mergulho nos imortais da literatura brasileira e mundial
(João Ubaldo Ribeiro, Jorge Amado, José Saramago, Fernando Pessoa e tantos outros
largamente referenciados no ensino médio, nas avaliações do ENEM e nos vestibulares).

Neste processo, os indivíduos, dependendo do seu estágio de desenvolvimento e dos


estímulos que recebem do meio, dos outros sujeitos e de seus pares, vão se configurando
como leitores: ora, ascendentes, isto é, presos às marcas visuais, à decodificação e ao sentido
literal do texto; ora, descendentes, que priorizam as pistas não visuais e por isso pecam pela
rapidez, criticidade e generalização das informações; e ora proficientes, utilizando harmônica
e adequadamente as duas estratégias, a depender da situação de leitura e do texto.

Nessa perspectiva, é preciso ter cuidado para que a literatura seja um caminho de
sensibilização e aproximação entre a arte, a leitura e os sujeitos, e não apenas um instrumento
a serviço da educação e da avaliação escolar. O objetivo do trabalho com a arte e as narrativas
infantis repousa na possibilidade de formar leitores proficientes, críticos e com autonomia
para ler e fazer suas próprias escolhas literárias.

Considerações finais
Que aula deliciosa! Aprender enquanto ensinamos a amar a arte, a leitura e a literatura!
Como observamos ao longo desta aula, ao favorecer o contato da criança com o material
artístico e literário, o educador também aprende e se sensibiliza. Nas fases e afinidades
com temas e abordagens, nos identificamos com os jovens e descobrimos, neste diálogo
entre gerações, caminhos para retomadas e superações. Nossa leitura, comprometida
ideologicamente, porque é ligada aos valores sociais, ganha frescor e se renova. Caminhando
dessa forma, nos tornamos sujeitos leitores cada vez mais conscientes da capacidade
humana de constantemente aprender e superar-se, tendo a arte e a leitura como aliadas e
fiéis companheiras de viagem.

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Vale a pena assistir o vídeo/entrevista com o filósofo, escritor e educador


Rubem Alves (recentemente falecido) sobre a importância da leitura e da
literatura, disponível em nossa midiateca.

Referências
AZENHA, Mª. G. Construtivismo: de Piaget a Emília Ferreiro. São Paulo: Ática, 1986.

COSTA, M. M.da. Metodologia do Ensino da literatura infantil. Curitiba: Ibpex, 2007

FARIA, M. A. Como usar a literatura infantil na sala de aula. 5ªed. São Paulo: Contexto, 2009.

FERREIRO, E. Alfabetização em processo. São Paulo: Cortez, 1986.

GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006.

ZILBERMAN, R. A leitura e o ensino da literatura. Curitiba: Ibpex, 2010 .

PCN. Parâmetros Curriculares Nacionais.1997.

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Arte e Literatura na Infância
Aula 07
A arte, os sentidos e o papel do imaginário

Objetivos Específicos
• Compreender a importância do desenvolvimento neurossensório-motor
para a imaginação e criatividade infantil.

Temas

Introdução
1 Os sentidos e o papel do imaginário
2 Funções mentais, sentidos e aprendizagem
3 A poesia, a música, a expressão corporal e o desenvolvimento infantil
4 A arte visual e a criação textual em diferentes linguagens
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
A natureza precisou de muito tempo (aproximadamente 10 milhões de anos, dos
primatas ao Homo sapiens) para preparar um sistema nervoso centralizado que tornasse
possível o pensamento humano e que integrasse informações polissensoriais cada vez mais
abundantes e sofisticadas. Neste processo de evolução do cérebro humano, o aparecimento
da consciência representa o desenvolvimento dos neurônios e suas muitas possibilidades
de conexão, da linguagem, das atividades conscientes e reflexivas e de todas as formas de
representação e comunicação que conhecemos.

Amplos estudos vêm sendo realizados acerca do desenvolvimento cerebral e de sua


relação com a aquisição da linguagem e o pensamento infantil. Esses estudos são baseados
em correntes teóricas como as de Piaget e sua teoria dos estágios; Vygotsky e as relações
entre linguagem e pensamento; Wallon e o desenvolvimento psicossocial, e tantos outros
que nos apresentam um leque de possibilidades para conhecer, entender e intervir na lógica
da aprendizagem infantil.

Assim, para melhor discutirmos a arte, os sentidos e o papel do imaginário nesta


aprendizagem, é importante entendermos também as relações entre funções mentais,
cultura e o desenvolvimento humano. E será isto que estudaremos nesta aula!

1 Os sentidos e o papel do imaginário


Pensar o desenvolvimento integral da criança é pensar em atividade física, mental,
simbólica e intelectual. É pensar nos cinco sentidos (olfato, visão, tato, paladar, audição) e
na linguagem como instrumento indispensável para a mediação entre essas atividades e os
saberes individuais e coletivos. Saberes que envolvem o simbólico e a cultura e que propiciam
trocas, interação social e aprendizagens.

Pensar em atividade mental é pensar nas muitas possibilidades de sentir, exercitar,


imaginar, criar, aprender; em atividade física é pensar em ação, conhecimento, movimento,
percepção, motricidade, cultura, sociedade... Pensar a díade “mente e corpo” é pensar
em sujeitos históricos ativos, singulares e ao mesmo tempo plurais (e, por isso, mesmo
complexos); e na integração entre sentimentos, sentidos, ação e conhecimentos. É pensar
também em como as crianças aprendem, significam, dão sentido às suas experiências
e expressam seu mundo interior de diferentes formas (chorando, balbuciando, falando,
escrevendo, desenhando, dançando, brincando). É pensar em como as crianças se relacionam
com a realidade, com o meio e consigo mesmas.

A integração psicomotora permitiu a mulheres e homens de diferentes tempos, situações


e contextos, durante o seu processo de adaptação e sobrevivência na terra, transformar a
natureza e criar cultura, usando tecnologia (junção entre conhecimento e técnica na criação

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Arte e Literatura na Infância

ou transformação de algo), imaginação e grande dose de criatividade. Um exemplo clássico


pode ser observado (e discutido com as crianças) na narrativa do naufrágio de Robinson
Crusoé, no qual o autor, Daniel Defoe descreve a luta do personagem por sobrevivência e
adaptação em um ambiente hostil (uma ilha deserta e longínqua), ao longo dos 28 anos em
que lá viveu até ser resgatado.

Vale a pena assistir ao filme Robinson Crusoé, disponível em nossa


Midiateca, e observar a adaptação desta obra clássica para o cinema, as
linguagens presentes e as estratégias de adaptação e sobrevivência do
personagem (usando os cinco sentidos).

Construir habitações, criar objetos, inventar instrumentos, desenvolver linguagens,


superar-se e comunicar-se por meio da arte faz parte do processo evolutivo humano e
também ilustra as relações entre pensamento e ação concreta, entre reflexão e motricidade,
entre gesto e palavra, mente e corpo, entre pensamento e linguagem. E, neste processo,
o sistema nervoso e seus muitos elementos constitutivos (e interligados) – esquema
corporal, lateralidade, interação espacial, orientação temporal, desenvolvimento sensorial,
coordenação motora óculo-manual – são particularmente importantes.

2 Funções mentais, sentidos e aprendizagem


No filme citado, o personagem Robinson Crusoé utiliza as mãos, a visão e a escuta
para sobreviver com relativa segurança e conforto. Por meio dos sentidos, foi possível
executar habilidosamente as tarefas que exigiam funções mentais – linguagem, atenção,
memória, sensação, percepção, emoção e pensamento – que foram harmonizadas com suas
necessidades e habilidades físicas e manuais.

A percepção (relação entre os cinco sentidos e os estímulos que recebem do ambiente)


são uma espécie de registro continuamente armazenado em nossa memória corporal e
cognitiva. Desta perspectiva, cada pessoa dá um significado próprio aos estímulos que recebe,
vai construindo e armazenando, aos poucos, sua visão de si e do mundo num exercício
de memória. Esta seria, então, a capacidade humana de adquirir, armazenar e recuperar
vivências, assim como experiências e informações recebidas por meio da socialização.

No que diz respeito ao desenvolvimento infantil, ações cotidianas vividas na escola e na


família – como segurar o lápis, selecionar grãos, agarrar instrumentos, modelar, reconhecer
e distinguir cores e sons, executar comandos simples e complexos (sentar, levantar, saltar,
alternar movimentos, pedalar), pintar e escrever – são expressões que permitem visualizar
limites e possibilidades de interação da criança com o meio, os conteúdos, a aprendizagem e
a construção de conhecimentos.
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Arte e Literatura na Infância

A prática pedagógica com crianças, portanto, precisa considerar a construção


de competências e habilidades necessárias para a inserção social e, também, para o
autoconhecimento. Neste sentido, a arte e suas linguagens (escrita, desenho, mímica,
gestos, palavras, pinturas, etc.) têm papel fundamental no desenvolvimento e fortalecimento
neurossensório-motor infantil: fala, visão, olfato, tato, paladar, audição e motricidade, entre
outros.

Desta perspectiva, como realizar um consistente trabalho educativo por meio da arte e
suas muitas linguagens?

Em primeiro lugar, reconhecendo a pluralidade e complexidade da vida e do conhecimento


humano.

Em segundo, buscando inspiração nos diversos estudos teórico-metodológicos (de Piaget,


Wallon, Vygotsky, Coll, Ferreira, Krieger, Faria, Marinho e tantos outros) sobre aquisição da
linguagem e estimulação de crianças com vistas a seu adequado desenvolvimento. A partir
disso, pode-se destacar que:

• é necessário observar e respeitar o tempo de cada criança (seus estágios de


desenvolvimento cognitivo e ritmos de aprendizagem) (PIAGET, 1970 apud KRIEGER,
2013), e as informações que traz ao entrar na escola (cultura, valores, conhecimentos
diversos);

• a mediação é decisiva na formação neuroanatômica (anatomia do sistema nervoso –


relações entre os nervos, o cérebro e o corpo) e no amadurecimento das capacidades
motoras e cognitivas (VYGOTSKY, 1984 apud OLIVEIRA, 2010);

• a criança possui capacidades físicas (motoras), psíquicas (emocionais e simbólicas)


e uma predisposição para sons e melodias (músicas, brincadeiras, cantigas de roda)
que ampliam suas possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento (COLL, 2009);

• a arte e as histórias infantis acionam o imaginário, desenvolvem a criatividade e


estimulam a inteligência (linguística, lógico-matemática, cinestésica, musical...) das
crianças (FARIA, 2009);

• o cérebro humano tem plasticidade e uma imensa capacidade de adaptação


(independentemente de sexo, idade, etnia, etc.). Daí a importância da estimulação,
do contato com a linguagem artística e dos exercícios de memória e de lógica para a
ampliação e criação de novas aprendizagens e conexões (FERREIRA, 2014).

Em terceiro lugar, e sempre, acreditar que o incentivo às atividades concretas, inspiradas


na rica experiência cultural por meio da arte, vai-se refletir em intensa atividade intelectual,
num adequado desenvolvimento psicossocial e motor e na apropriação de competências e
habilidades para a escrita, o pensamento abstrato (raciocínio lógico-matemático), a leitura,
a lateralidade, a consciência fonológica, a orientação espaço-temporal, a percepção visual e
auditiva e as relações sociais.

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Arte e Literatura na Infância

3 A poesia, a música, a expressão corporal e o


desenvolvimento infantil
Como aprendemos, o desenvolvimento infantil acontece por estágios. Quando bebês,
sua sobrevivência depende basicamente de alimentação, eliminação e sono, sendo que sua
comunicação com o mundo tem como referência o choro. Num segundo estágio, amplia
sua forma de expressão quando passa também a sorrir, balbuciar e ter noção do próprio
corpo. Somente por volta de um ano de idade manifesta padrões de vocalização diretamente
vinculados ao seu estado emocional e afetivo. A partir daí, imerge no universo da língua e da
linguagem, a criança amadurece conhecimento linguístico e amplia suas formas de ver e se
relacionar com o mundo.

É sob essa perspectiva que ela organiza conhecimentos de acordo com os sentidos:

• visão: tudo que a arte visual proporciona;

• audição: por meio da música, das rimas, da sonoridade;

• tato: toda exploração pela pele, pelas mãos;

• paladar: o amplo universo dos sabores;

• olfato: com todos os seus cheiros, seus odores.

Assim, a criança explora o ambiente, relaciona-se com seus pares (a mãe, o pai, a família,
outras crianças, etc.) e se expressa utilizando as mais diversas manifestações de linguagem.
Daí a importância da vivência com a arte (visual, musical, teatral, corporal...) e suas muitas
possibilidades de expressão simbólica e concreta para a afetividade, o equilíbrio emocional,
as relações humanas e o desenvolvimento infantil.

E esse trabalho com a corporeidade é de fundamental importância, pois é por meio do


corpo que a criança (e mais tarde, o adulto) entra em contato com a linguagem (simbólica e
concreta), o conhecimento, a cultura, os valores e papéis sociais. É assim que a criança testa
e expande seus limites, que se integra e pode desenvolver o desejo de aprender e participar
ativamente de atividades em grupo.

E aqui, para continuarmos, vale uma provocação.

Por que o destaque a essas três manifestações artísticas: a poesia, a


música, a expressão corporal? E por que, nos processos educativos, se percebe
uma certa hierarquia entre arte visual, expressão corporal e criação textual?

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Arte e Literatura na Infância

Podemos encontrar diferentes respostas (e essas dependem das nossas escolhas


pessoais, dos teóricos que abraçamos, das nossas condições de produção – experiências,
sentimentos, histórias de vida, etc.). Para começar, podemos pensar na expressividade, no
potencial emocional que essas manifestações permitem trabalhar. O corpo fala de maneira
peculiar por meio da música, da poesia, da dança; e falando, subjetivamente expressa a
cultura e os valores de cada contexto.

No que diz respeito à relação assimétrica entre os saberes na escola, podemos pensar nas
construções culturais que privilegiam, em cada contexto sócio-histórico, uma manifestação
de linguagem em detrimento de outra; como é o caso da escrita, da matemática, da filosofia,
do teatro, da dança em diferentes momentos da história. O que queremos, nesta disciplina,
é pensar sem hierarquias; é reconhecer a importância do trabalho sensível, porque aberto a
diferentes linguagens, com as distintas manifestações do pensamento humano.

4 A arte visual e a criação textual em diferentes linguagens


São inúmeras as possibilidades do fazer artístico. Nele, tudo é possível e reversível. Por
ele, os indivíduos se manifestam livremente ou profissionalmente em ruas, avenidas, praças,
parques, museus, mídias, etc.

Para isso, é necessário ter intenção de comunicar, de registrar, documentar; de expor


sua opinião ao partilhar seu talento, suas ideias e seus pontos de vista; de tornar pública
sua interpretação da realidade, seus anseios e sonhos, ou de simplesmente se expressar por
meio da linguagem e, nesse movimento, tocar as pessoas e acionar diferentes sentimentos
(prazer, medo, raiva, surpresa, saudade, descontentamento, afeto...) e ações: um sorriso, um
agradecimento, uma retribuição financeira na compra de um livro, um quadro, uma escultura,
um ingresso para uma exposição, um filme, um espetáculo de dança.

Trancada por muitos anos em galerias e museus, acessíveis somente a especialistas,


colecionadores e estudiosos, a arte hoje está em nosso cotidiano, nas ruas, nos shoppings,
nas redes sociais, no vestuário, nas escolas... Em cada tela que apreciamos, em cada espaço
grafitado, em cada canção que ouvimos; em rádios, televisores e outdoors; nos celulares,
notebooks e iPods... infinitas possibilidades de expressão, de interpretação e de comunicação
evidenciando o poder de atualização e adaptação que o pensamento humano tem.

4.1 Grafitismo
Um exemplo atual que bem ilustra essa discussão é a arte chamada grafitismo. Diferente
da pichação (escritas e rabiscos sobre muros e espaços públicos), que, sem nenhuma
preocupação estética polui visualmente as grandes cidades, o grafite é baseado em desenhos
cujos elementos visuais (letras e/ou figuras) são cuidadosamente pensados, elaborados,
desenhados e coloridos para que representem o pensamento, as ideias e a mensagem que

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o artista quer passar; uma mensagem que possa sensibilizar e conduzir diferentes sujeitos a
refletir, mudar, transformar.

Observe as ilustrações:

Imagem 1 – Grafitismo e pichação

O grafitismo tem como proposta intervir na paisagem urbana, fazendo


com que a população reflita sobre o que está sendo representado ali (uma
crítica, uma denúncia, um elogio, uma sensibilização, uma expressão poética e/
ou artística). Enquanto a pichação continua sendo discriminada (porque agride
e polui visualmente as cidades), o grafite brasileiro se expande e ganha cada vez
mais espaço, inclusive fora do país, onde artistas de diferentes regiões são
chamados para expor e divulgar suas obras. Hoje, o grafite brasileiro é
considerado um dos melhores do mundo.

4.2 Aplicação da arte visual e criação textual na escola


Assim, o trabalho com a arte visual na escola deve privilegiar, nas crianças:

Todas as suas capacidades inteligentes, abrangendo uma ampla variedade de


domínios, o que nos leva a pensar em uma educação que não priveligie apenas o
desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático, mas o indivíduo no seu todo.
(ZAGONEL, 2012, p. 16)

Neste sentido, os elementos da visualidade (espaço, superfície, volume, linha, textura,


cor, luminosidade) são fundamentais na percepção, no entendimento, na apreciação e na
produção artística; quer nas representações da realidade a partir de imagens fixas (fotografias,
desenhos), quer em movimento (cinema, animações).

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Arte e Literatura na Infância

Pensar a arte visual e a criação textual em diferentes linguagens nos permite pensar
também na relação forma/conteúdo, ou seja, a relação entre o texto, a técnica usada e a
mensagem que se quer passar. No trabalho com crianças esta é uma possibilidade ímpar por
permitir a vivência concreta dos elementos que constituem uma obra artística: o artista, o
texto (discurso e contexto) e a técnica utilizada.

Vamos ilustrar essa discussão com um exemplo concreto: sua escola vai realizar um evento
chamado Semana Cultural e o tema de sua turma da educação infantil é meio ambiente. Para
o desenvolvimento do seu projeto, você define a linguagem a ser explorada – a arte visual – e
a técnica – o grafitismo. A partir daí você seleciona o artista que lhe permita explorar com as
crianças seu universo simbólico (composto de cores, formas, personagens, sensações); sua
imaginação, sua percepção; seu conhecimento de mundo (a rua, as casas, as praças) e de meio
ambiente. Respeitando os critérios previamente estabelecidos e os objetivos traçados para
este projeto, você vai poder explorar as relações entre a linguagem, a técnica e a mensagem
que o artista quer passar (ou sugere) na produção de leitura de suas obras e na releitura que
as crianças poderão fazer em linguagem oral, escrita, imagética, corporal, teatral, etc.).

Vistas dessa forma, a arte visual e a criação textual em diferentes linguagens configuram-se
como possibilidade indispensável na sensibilização e educação de crianças porque envolvem,
para além do conhecimento acadêmico e artístico, o exercício do pensar e se expressar com
imaginação e criatividade, sobre diferentes assuntos por meio de diferentes linguagens.

Considerações finais
Como aprendemos, os sentidos são fundamentais para pensar, expressar e comunicar
mensagens; para observar o cotidiano e nele perceber objetividade e subjetividade; para
captar a produção artística e seu olhar privilegiado sobre as coisas, um olhar que nos chega
por meio da arte visual, da poesia, da dança e tantas outras manifestações de linguagem. Os
sentidos são, portanto, portas abertas para o simbólico, para o imaginário, para a criatividade
e aprendizagem infantil.

Referências
MARINHO, H. R. B. et al. Pedagogia do movimento: universo lúdico e psicomotricidade. Curitiba:
Intersaberes, 2012.

COLL, C. et al. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 2009.

FARIA, M. A. Como usar a literatura infantil na sala de aula. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2009.

KRIEGER, M. G. T. Psicodinâmica da aprendizagem. Curitiba: Intersaberes, 2013.

OLIVEIRA, M. K. Vygotsky – Aprendizagem e desenvolvimento: um processo sócio-histórico.


São Paulo: Scipione, 2010.

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Arte e Literatura na Infância
Aula 08
Práticas de leitura em arte na escola

Objetivos Específicos
• Conhecer os diferentes critérios e aspectos que compõem a produção de
leitura na escola.

Temas

Introdução
1 Análise do discurso e a produção de leitura em arte
2 A leitura nas diferentes disciplinas
3 A produção de leitura nas diferentes manifestações artísticas
4 Imagens e interdisciplinaridade
5 A arte (e seus autores) na escola
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
Educar é uma ação que requer conhecimento, sensibilidade, atenção e também,
interação. É uma prática consciente, sensível e planejada que permite à criança saber de
si, reconhecer a igualdade na diferença e a riqueza da produção cultural de diferentes
tempos. Neste sentido, algumas provocações se destacam e servem de inspiração para o
desenvolvimento desta aula:

• qual a importância da arte nesse contexto,

• como ela favorece esta educação,

• como provocar na criança a capacidade de se desenvolver por meio da compreensão


artística?

Atentos ao potencial e à importância da arte no desenvolvimento e na formação humana,


vamos estudar aspectos fundamentais para a leitura e a compreensão de diferentes saberes
e manifestações artísticas.

1 Análise do discurso e a produção de leitura em arte


A proposta de produzir leitura e atribuir sentidos aos textos em diferentes linguagens (e
não somente decodificar a língua escrita) é inspirada num campo conceitual chamado análise
do discurso, criado por Michel Pêcheux (1938-1983), que investiga as relações entre discurso
e produção de sentidos, acionando três domínios disciplinares: a Linguística (estudo científico
da linguagem), o Marxismo (teoria social elaborada por Karl Marx) e a Psicanálise (teoria da
personalidade criada por Freud).

Esta proposta se apresenta para nós como importante possibilidade para pensar
a linguagem como manifestação do pensar de sujeitos que agem e produzem sentidos
historicamente. Sujeitos que leem, escrevem, fazem, reproduzem, interferem e transformam
a história.

Como discute Guimarães (2009), alguns elementos merecem destaque e precisam ser
considerados para um consistente trabalho de produção de leitura em diferentes linguagens
e idades:

• o texto é constituído de palavras e/ou imagens e, nelas, pistas e sinais que têm um
significado;

• é preciso ir além daquilo que o texto diz objetivamente e buscar o sentido escondido
(oculto nas entrelinhas – subjetividade);

• o dicionário é um importante aliado na produção de leitura, mas saber o seu significado


não esgota os sentidos da palavra; esta deve ser vista também em seu contexto;

• o sentido não está dentro do texto; ele nos oferece pistas, sinais, indícios. O sentido
é um trabalho de interpretação do leitor, a partir de suas condições de produção
(experiências e conhecimentos) e relação com a exterioridade;
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Arte e Literatura na Infância

• o sentido é uma construção histórica que envolve: escritores/as; leitores/as; contextos


e condições de produção (histórico, político, ideológico, religioso...);

• Os sentidos de um texto são afetados pela língua, pela história, pela experiência
simbólica e pelo conjunto de ideias e valores (ideologia) de uma cultura.

Este trabalho, ao considerar a relação entre os sujeitos, os discursos e as linguagens,


permite às crianças, por meio da arte, relacionar a produção de leitura a descobertas (sobre si,
sobre o outro, sobre o mundo), ampliar o universo cultural e linguístico, exercitar a linguagem
(visual, imagética, musical, oral, escrita...) e compreender a língua materna como herança
cultural dinâmica e viva.

2 A leitura nas diferentes disciplinas


O trabalho de produção de leitura e atribuição de sentidos nas diferentes disciplinas que
compõem o currículo escolar precisa levar em conta as competências e habilidades leitoras
construídas em diferentes etapas do desenvolvimento infantil. Essas etapas, como Emília
Ferreiro (1986) propôs pensar em seus estudos sobre a psicogênese da língua escrita, teriam
estratégias específicas para a apreensão da língua, como ilustrado no gráfico 1. A fase da
garatuja, quando a criança faz riscos ou desenhos para representar a escrita; o nível pré-
silábico, momento em que utiliza letras e números para representar a palavra; o nível silábico,
quando coloca as letras conforme as sílabas; e o silábico-alfabético, quando entende que
necessita de duas ou mais letras para formar o som certo de uma sílaba.

Gráfico 1 - Ilustrativo dos níveis de leitura de acordo com Emília Ferreiro

É preciso também priorizar a mediação (como possibilidade de interação entre os


sujeitos, o ambiente e os saberes), como preconizado por Vygotsky (OLIVEIRA, 2010) e a
oferta constante de materiais em diferentes linguagens (visual, virtual, musical, corporal,
linguística, etc.) (PEREIRA, 2009). Nesse processo algumas etapas precisam ser consideradas,
na prática escolar de qualquer disciplina:

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• sensibilização (uma história, uma música, uma tela, uma cantiga, uma brincadeira...),
algo que acione a memória afetiva dos sujeitos envolvidos;

• levantamento de expectativas e conhecimentos prévios sobre o tema a ser trabalhado


(um exercício de oralidade e memória);

• apreciação e/ou leitura silenciosa de um texto (leitor contemplativo), observando


sinais (pistas, marcas linguísticas) e ideias mais significativas (compreensão);

• interpretação, considerando as ideias explícitas e implícitas no texto;

• extrapolação, relacionando ideias do texto com suas vivências ou com outras áreas
de conhecimento (observando outros textos que dialoguem com texto estudado);

• até que possa resgatar e/ou acionar conhecimentos específicos de cada área, bem
como os fatos linguísticos (fonética, semântica, morfologia, sintaxe, estilística)
necessários para organizar ideias, articular os argumentos com textualidade (coesão
e coerência) e informatividade (nível de informações fornecidas ao leitor).

Como se observa, uma proposta que vai além de decifrar, de decodificar o signo linguístico
e sim, de considerar pistas, sinais, marcas presentes em diferentes textos (orais, escritos,
imagéticos...) para assim vê-lo em sua totalidade e contextualidade. Um estimulante convite
para que a criança leia a si mesma e ao mundo; para que cedo compreenda linguagens,
atribua sentidos, entenda implícitos, construa conhecimentos.

3 A produção de leitura nas diferentes manifestações


artísticas
A linguagem artística e sua multiplicidade de formas, cores, temas, texturas e olhares,
oferece rica possibilidade de trabalhar o aspecto sensível, o conhecimento acadêmico e
de mundo (necessários para o letramento). Nesse sentido, permite explorar importantes
domínios do desenvolvimento infantil.

Vejamos isso na prática educativa.

No domínio cognitivo, as crianças podem conhecer a vida e obra de artistas (da literatura
e de outras linguagens artísticas), analisar o trabalho do artista (valorização, preservação
e valor histórico de sua obra), conhecer a diversidade de produções artísticas – desenhos,
fotografias, colagens, ilustrações, cinema. Podem identificar movimentos artísticos e culturais
e, ainda, reconhecer técnicas e procedimentos artísticos presentes nas obras de artes visuais,
virtuais, escritas, etc.

No domínio afetivo, a arte permite a ampliação e o fortalecimento das relações


interpessoais, a comunicação e a valorização das próprias conquistas e das do outro. Permite
também respeitar o espaço coletivo e toda manifestação da cultura e do pensamento humano,
independentemente de idade, sexo, geração, religião.

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No domínio psicomotor, as crianças podem realizar atividades artísticas utilizando


diferentes materiais, sólidos (madeira, tecido, pedra, galhos etc) e líquidos (água, tinta,
misturas); podem selecionar, cortar e rasgar papéis e folhas; podem realizar combinações
cromáticas, testar texturas e realizar movimentos corporais ligados ao fazer artístico (teatro,
dança, mímica, fantoche, etc).

Como se observa, a criança, em seu desenvolvimento, relaciona-se com o meio de


diferentes formas, pelos sentidos, pela oralidade, pelo contato físico, pela leitura, pela escrita,
pela literatura. Assim, significa suas experiências, desenvolve a criatividade, a sensibilidade,
o pensamento lógico e constrói identidades. Nesse contexto, atividades que ampliem sua
vivência com o corpo (na relação com o outro) com o mundo e a leitura se revestem de
grande importância. Uma vivência ilustrada/materializada (da arte rupestre à comunicação
virtual) num processo evolutivo de observação, ação, interpretação e registro por meio das
diversas linguagens e manifestações artísticas.

4 Imagens e interdisciplinaridade
A interdisciplinaridade ou a integração dialógica e dialética entre diferentes áreas do
conhecimento tem, na arte, uma importante aliada. Acionando saberes construídos
historicamente nas diversas disciplinas e no universo simbólico, a subjetividade permite aos
sujeitos transitar e se relacionar livremente com espaços, técnicas, métodos, leituras e
interpretações das mais diversas (PAVIANI, 2008).

Vamos ilustrar a nossa discussão com uma situação que objetivamente


nos permite pensar a interdisciplinaridade e o exercício do pensamento por
meio da arte e da criação de imagem mental.

Você vai descrever (oral ou graficamente) uma rua. Pode ser a rua em
que você mora ou alguma de sua história cotidiana. Por meio da visão, como
você percebe a rua? Como é a sua forma? E as cores? E as casas, que formas e
cores têm? Você também pode perceber e caracterizar a rua utilizando outros
sentidos. Por exemplo: os sons da rua – ela é silenciosa ou ruidosa? Que tipo
de ruídos a caracteriza? Você também pode descrever a rua pelos cheiros que
existem nela (e os cheiros, muitas vezes, lembram sabores).

Neste breve exercício de memória (função mental superior), conhecimentos


prévios (formais, obtidos nas diferentes disciplinas, na escola; ou informais –
experiências cotidianas) e sentidos foram acionados. Nas lembranças resgatadas,
na sensibilidade estimulada, o espaço aberto para a percepção, para a descrição.
A partir da imagem mental, você criou (resgatou) a possibilidade de produção
textual por meio de diferentes técnicas e linguagens – escrita, oralidade,
desenho... Um rico exercício que se abre para ampliações, desdobramentos e
interpretações.

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Arte e Literatura na Infância

Esta situação evidencia a complexidade do pensamento humano e a forte relação entre a


arte, a realidade e as diferentes áreas do conhecimento. O que reafirma sua importância para
o ensino e a aprendizagem em diferentes fases da vida e, em especial, na educação infantil.
Momento em que, explorando o pensamento mágico e o universo simbólico na produção
de leitura, pode-se trabalhar: com histórias infantis – contando, recontando, produzindo
(COSTA, 2007); com imagens (descrevendo, narrando, relendo); com músicas (ouvindo,
reproduzindo, criando); com o corpo (dançando, fazendo mímicas, exercitando); com os
sentimentos (dramatizando, representando, sensibilizando); com diferentes linguagens e
acionando diferentes estruturas – cognitiva, corporal, emocional, etc.

5 A arte (e seus autores) na escola


Um bom projeto de trabalho com arte na escola, desde a educação infantil, deve priorizar
a ideia da arte livre e acessível a todas as pessoas. Os temas, as imagens e os textos expostos
à produção de leitura das crianças devem sensibilizar e estimular a imaginação e a percepção,
além de promover desafios cognitivos.

Dessa perspectiva, língua e linguagem, realidade e fantasia, imaginação e criatividade,


conhecimento e técnica caminharão lado a lado, despertando sonhos, ressignificando saberes
e experiências e construindo novos caminhos de aprendizagem intelectual, motora,
psicossocial, artística.

A título de ilustração e ampliação das possibilidades de uso da arte na


educação de crianças, vale a pena assistir ao breve documentário Arte na Escola
Cidadã, disponível na Midiateca.

Ao produzir leitura, estabeleça consigo mesmo um diálogo que lhe permita


refletir:

• quais competências e habilidades foram acionadas e construídas com


as crianças,

• é possível desenvolver esta proposta com meus alunos e alunas,

• qual a contribuição deste documentário para minha vida pessoal e


minha prática pedagógica?

A arte e o artista também, portanto, têm a importante responsabilidade social de


despertar, nas crianças e nos adultos, reflexões que permitam questionar a realidade e suas
representações, buscar respostas, propor caminhos. Ainda que não tenhamos conhecimento
acadêmico, que não sejamos críticos e teóricos da arte, ela nos toca, sensibiliza; ela abre

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Arte e Literatura na Infância

nosso olhar e nos diz de diferentes formas que a história é feita por sujeitos, o que a cultura
diz de nós e para nós, que a linguagem, materializada de diferentes formas, é trabalho cultural
que se revela à nossa interpretação por meio de diferentes discursos, contextos, valores,
representações e histórias.

Assista ao vídeo Arte na Praça, da Turma da Mônica, disponível na


Midiateca. Ele ilustra, de maneira leve e divertida, esta responsabilidade social
do artista com a sua obra.

Considerações finais
Nesta aula, pudemos aprofundar conhecimentos sobre práticas de leitura e texto na
escola, observando as diferentes formas de expressão por meio da linguagem. Aprendemos
também que o trabalho com a arte, abre canais de percepção que permitem aos sujeitos
explorar os sentidos e assim construir competências e habilidades físicas, motoras, psicológicas,
intelectuais e sociais, o que nos permite reafirmar a importância da arte para uma prática
educativa que permita aos sujeitos o livre acesso e a expressão de suas capacidades, seus
limites, seus pensamentos, seu jeito de ser e estar no mundo.

Referências
COSTA, M. M. da. Metodologia do ensino da literatura infantil. Curitiba: Ibpex, 2007.

FERREIRO, E. Alfabetização em processo. São Paulo: Cortez, 1986.

GUIMARÃES, E. Texto, discurso e ensino. São Paulo: Contexto, 2009.

OLIVEIRA, M. K. Vygotsky – Aprendizagem e desenvolvimento: um processo sócio-histórico.


São Paulo: Scipione, 2010.

PAVIANI, J.; PEIXOTO, A. G. Interdisciplinaridade: conceito e distinções. Caxias do Sul (RS):


Educs, 2008.

PEREIRA, K. H. Como usar artes visuais na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2008.

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Arte e Literatura na Infância
Aula 09
A arte visual

Objetivos Específicos
• Conhecer os conceitos de arte visual, as imagens e seus elementos, e sua
importância para as práticas interpretativas e educativas.

Temas

Introdução
1 A arte visual e os sentidos
2 Os elementos visuais na aprendizagem infantil
3 Arte visual e tecnologia
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
Embora os primeiros contatos com a linguagem aconteçam no ambiente familiar, cabe
à escola, como espaço de socialização de saberes e formação humana, dar continuidade a
experiências que ampliem o contato com a arte e levem as crianças a conhecer e interpretar
a realidade. Neste percurso, é preciso considerar a diversidade humana e a pluralidade de
situações, contextos e linguagens. Uma música, um toque, um sabor, um perfume, um olhar,
sempre despertam memórias daquilo que experimentamos no corpo e na alma. Assim,
em meio a sensações, sinapses e conexões, armazenamos, classificamos e construímos
conhecimentos.

Nesta relação entre a consciência de si, do outro e da realidade, acontecem conquistas,


avanços e construção de conhecimentos que podem ser: psicomotores (postura, praxia –
habilidade motora como riscar, desenhar, abrir, escrever, movimento, etc.), na linguagem,
na comunicação, no exercício de competências e habilidades em diferentes áreas; e que
permitem ilustrar, por meio da arte visual, o processo evolutivo vivido pelos seres vivos (e
não só mulheres e homens) ao longo da história. Conhecer a arte visual e sua importância
para a aprendizagem infantil é o tema central desta aula.

1 A arte visual e os sentidos


Falando em arte visual, vamos começar com um bom exercício de leitura, com a
exploração dos sentidos.

Para isso, observe atentamente a figura 1, respondendo para si mesmo o que vê, sente,
percebe e interpreta:

Figura 1 - Davi, de Michelangelo

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Arte e Literatura na Infância

Nesta imagem – uma escultura produzida pelo artista italiano e grande expoente do
renascimento, Michelangelo –, variados fatores em diálogo evidenciam a complexa interação
entre o indivíduo e o meio; a experiência vivida pelo artista (suas condições de produção)
presentes no material e técnica escolhidos (escultura em mármore), na mensagem que
quer passar, nos sentidos que quer despertar. Em seu trabalho, o fiel retrato do herói bíblico
(anatomicamente forte, musculoso, belo) no momento que antecedeu a famosa batalha
contra o gigante Golias. Uma obra até hoje reconhecida por sua beleza, grandeza, técnica e
valor sócio-histórico.

Ver e observar, portanto, são ações extremamente importantes para as artes visuais
– campo bastante amplo e em constante atualização. Ele abrange qualquer forma de
representação visual (que aciona primordialmente o sentido da visão) que tenha cor e forma:
a pintura (técnica de aplicar pigmento – cor – a uma superfície), o desenho (composição
dimensional), a gravura (impressão a partir de uma matriz artesanal), a fotografia e o cinema.

Por esta razão, e pelo constante diálogo com diferentes linguagens, outras categorias são
incluídas em seu campo conceitual, abrindo um leque de possibilidades de estudo, discussão
e aplicação em sala de aula, com diferentes idades: arquitetura, escultura, novela, moda,
decoração, paisagismo, teatro, música, ópera, web design, instalação, etc.

Ao pintar, modelar, distinguir cores e sons, executar comandos simples e complexos,


escrever... os seres humanos expressam aquisições, limites e possibilidades; expressam
também conhecimentos construídos e/ou que precisam ser ressignificados; expressam a
sua e tantas outras histórias. Nesta expressão, tem importância fundamental a arte visual,
especialmente em linguagem não verbal. Ela, por seu distanciamento do código escrito (com
suas regras gramaticais e ortográficas) expressa mais livremente sentimentos, saberes, medos
e silêncios dos sujeitos, apontando caminhos de investigação e também de intervenção.

Possível perceber que a sala de aula é um espaço privilegiado, ainda que complexo.
Neste ambiente, é possível observar a criança em seu desenvolvimento pessoal (mental,
psicológico, emocional...), social (interação, troca, colaboração, competição...), físico (motor,
corporal) e cognitivo (linguagem, competências e habilidades); aspectos que interferem no
seu processo educativo e que devem ser considerados na proposta de educação pela arte
(MARINHO et al., 2012).

Neste ponto, para continuidade desta discussão, duas provocações se fazem necessárias:

• Como trabalhar a arte visual para que ela favoreça a ampliação da capacidade de ler
o mundo nas crianças?

• Como utilizar a pluralidade (de sujeitos e culturas) e a diversidade (de cores, formas,
texturas, etc.) da vida cotidiana como aliadas numa educação pela arte?

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Arte e Literatura na Infância

2 Os elementos visuais na aprendizagem infantil


A arte visual e seus elementos constitutivos (superfície, espaço, volume, linha, textura,
cor e luz) permitem uma apreensão sensível do real (BUENO, 2013a). Permitem também
maior integração entre a criança e o texto e a ampliação das relações de prazer entre a
criança e a escola. Permitem ainda o trabalho lúdico com diferentes conteúdos curriculares e
com a história produzida por mulheres e homens em diferentes tempos, a partir de diferentes
técnicas e para tratar de diferentes temas.

Esses elementos, presentes em diferentes linguagens visuais e percebidos por cada um


de nós em situações diversas, se articulam também com outros elementos, como movimento,
direção, ritmo, simetria, contraste, proporção, cultura.

Vamos agora pensar esses elementos separadamente e em conjunto. Vendo-os,


observando-os em situações concretas e cotidianas, podemos responder às provocações
anteriormente feitas, no que diz respeito à prática com crianças:

Figura 2 - Singapura

Observando atentamente a figura 2, podemos ver uma paisagem composta de


construções (de diferentes formatos e tamanhos) delimitados por outras construções, e pelo
céu azul com nuvens. Nas formas aí presentes, linhas retas, curvas, detalhes como luz, vidros,
faixas luminosas, telhados, janelas, fachadas, arquitetura. Nossa percepção também capta
profundidade, espaços (vazios e ocupados), direções e dimensões (distância, profundidade, bi
e tridimensionalidade). Altura e largura também se destacam compondo a ideia de superfície;
suporte do trabalho artístico (madeira, vidro, tela, mármore, etc.) e onde registramos nossas
impressões gráficas, pictóricas.

Linha (grossa, fina, brilhante, colorida, continua), cor (primária, secundária e seu efeito
simbólico), textura (brilho, suavidade, aspereza), luz (luminosidade) e sombras permeando

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Arte e Literatura na Infância

toda a imagem, abrem espaço para a compreensão e provocam efeitos de sentido captados
diferentemente por quem olha (pela subjetividade). Nesse olhar, altura, largura e profundidade
(volume) ampliam as possibilidades de interpretação, criam a sensação de imagens fixas (como
essa fotografia) e lembram movimento (no cinema, na televisão, no vídeo, nos grafismos
informatizados, tão utilizados em narrativas futuristas).

Vendo e observando separadamente, percebemos os elementos da visualidade. O


conjunto, em harmonia, nos permitiu interpretar pistas e atribuir sentidos a esta fotografia
(um recorte) da moderna cidade-estado chamada Singapura, localizada no Sudeste Asiático.
Neste exercício, como analisa Bueno (2013a, p. 19) a complexa e importante função de olhar:

[...] não é simples. Assim, embora possamos gozar de uma visão perfeita, muitas
vezes, parecemos vendados. Não basta abrir os olhos, precisamos exercitar nosso
olhar, como fazemos com nosso cérebro ou nosso corpo.

E exercitar o olhar, no que diz respeito à aprendizagem infantil, é ampliar possibilidades


de leitura e apreensão do real, de construir competências e habilidades de observação,
percepção e classificação e, ao mesmo tempo, de resgatar memória, ampliar conhecimentos
e construir habilidades (emocionais, motoras, intelectuais) por meio de diferentes
manifestações da arte visual e da linguagem artística.

Que tal realizar esta atividade com seus alunos e alunas?

Você pode utilizar fotografias, gravuras de revistas, telas de pintores


conhecidos, observação de uma construção no próprio bairro ou na própria
escola. O importante é trabalhar os elementos da visualidade (superfície,
espaço, volume, linha, textura, cor e luz) e a produção de leitura.

3 Arte visual e tecnologia


Toda produção humana ao longo da história precisou de tecnologia. Da idade da pedra
lascada aos dias atuais, imaginação e criatividade permitiram a criação de objetos, utensílios
e arte. Fomos acostumamos a pensar (e a ensinar) que tecnologia tem a ver apenas com a
ciência e a eletrônica. Deixamos de lado, muitas vezes, o fato de que a pedra, o lápis, a caneta,
a roda, a agricultura, a domesticação de animais, etc. representaram avanços significativos
na experiência humana, experiência essa vivida na interação entre o ser humano e o meio,
na adaptação a diferentes condições e na superação de obstáculos. Essa experiência foi
registrada e veiculada por diferentes manifestações de linguagem, passível de observação no
vasto campo das artes visuais.

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Arte e Literatura na Infância

Observação, conhecimento e tecnologia, portanto, em intensa relação, são fortes marcas


dessa experiência criativa, artística e comunicativa. Marcas presentes: na telefonia (celulares
de última geração, iPods, smartphones); na medicina (nanotecnologia, neurocirurgia); na
ciência (estudos sobre o genoma humano); na educação (internet, EAD, inclusão digital,
museu virtual, excursão digital em 3D); no lazer (cinemas em 3,4 e 6D); na moda (os blogs, as
simulações, a indústria da beleza, as plásticas, etc.).

Essas marcas estão presentes também em outra importante expressão, que é a fotografia
(BUENO, 2013b), técnica criada em 1826 e que parte do princípio de expor um filme
quimicamente tratado à luz; na fotopintura, técnica também antiga e manual que consistia
em ampliar o aspecto visual da foto (colorir, inserir joias e/ou objetos na paisagem); nos
editores gráficos (Photoshop, GIMP, WCP, NeoPaint, etc.) largamente utilizados pelas mídias
impressas e televisivas para ajustar aspectos físicos de artistas, modelos e celebridades (sinais,
celulites, estrias, barriguinhas indesejadas, etc.); na fotocolagem (editor on-line e gratuito
para colagem de fotos); e tantos outros veículos, objetos e espaços que materializam nosso
pensamento, cultura e história por meio da arte visual.

Ainda que passíveis de discussão ética (pois envolvem direitos humanos, respeito à
diversidade, valores morais de cada sociedade, etc.), representam possibilidade de acesso a
saberes e informações das mais diversas para distintos sujeitos, incluindo possibilidades de
avanço e ampliação da linguagem e de nossa capacidade inventivo-comunicativa, na escola e
fora dela, por meio da arte.

Vivemos em uma sociedade permeada de artefatos que nos trazem maior


agilidade, produtividade e conforto. A cada dia, novos equipamentos – celulares,
computadores, micro-ondas etc. – são inseridos em nossa vida, causando, em
um primeiro momento, um pouco de espanto, euforia, receiro, entusiasmo,
dúvidas e medo. São diversas as sensações que sentimos quando temos esse
primeiro contato. Porém, o uso desses equipamentos no dia a dia acontece de
forma natural, corriqueira. O mesmo processo ocorre na educação, pois a
utilização de um novo recurso em nossas aulas também traz diversos
sentimentos, dúvidas e incertezas, mas, com o passar do tempo, torna-se mais
uma ferramenta comum que nos auxilia no processo de ensino-aprendizagem
(KLEINA, 2012 p. 12).

É fascinante o universo da arte visual e das tecnologias. Presentes em nosso dia a dia,
elas nos tocam pelo aspecto sensível (exploração dos sentidos), pelo desafio da compreensão
e por nos oferecer, no trabalho com crianças, um importante leque de novas linguagens,
ferramentas (jogos, livros e excursões virtuais, aplicativos, filmes, animações, músicas, etc.),
leituras e possibilidades interativas, inclusivas (áudio, Libras, Braile...) e educativas.

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Arte e Literatura na Infância

Considerações finais
Como observamos, o trabalho com as artes visuais “concretas” (desenhos, pinturas,
gravuras, esculturas, colagens) e digitais (fotografias, fotocolagem e fotopinturas), ao colocar
a criança diante de diferentes linguagens e tecnologias, amplia seu olhar e abre janelas para
uma leitura crítica e sensível da realidade em que as imagens e seus elementos constitutivos
podem ser vistos em seu contexto social, político, cultural e histórico. Assim, recursos
tecnológicos como o Photoshop, que cria “belezas artificiais”, podem ser discutidos sob a
ótica da ética (e nela os valores humanos de cada cultura) e da estética (discussão sobre a
beleza); importantes canais para a formação integral e cidadã das crianças.

Acesse o link com o documentário sobre a obra dos artistas brasileiros


Gustavo e Otávio Pandolfo, conhecidos como Os Gêmeos (disponível em nossa
Midiateca) e observe a sensibilização, o trabalho de pesquisa que eles realizam
e os efeitos de sentido provocados em diferentes sujeitos pela arte visual que
eles realizam.

Referências
BUENO, L. E. B. Linguagem das artes visuais. Curitiba: InterSaberes, 2013a.

___________. Por dentro da arte. Curitiba: InterSaberes, 2013b.

KLEINA. C. Tecnologia assistiva em educação especial e educação inclusiva. Curitiba:


InterSaberes, 2012.

MARINHO, H. R. B. et al. Pedagogia do movimento: universo lúdico e psicomotricidade. Curitiba:


InterSaberes, 2012.

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Aula 10
A arte da música

Objetivos Específicos
• Conhecer os conceitos e elementos que compõem a linguagem musical e sua
importância para a sensibilidade e aprendizagem infantil.

Temas

Introdução
1 A linguagem musical e a inteligência
2 Música, acessibilidade e novas tecnologias
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
Diferentes áreas do conhecimento têm investigado o desenvolvimento infantil da
perspectiva de sua formação integral e não apenas no que diz respeito aos conteúdos
curriculares e aos saberes disciplinares socialmente legitimados.

No contexto das práticas educativas para a formação integral da criança, no qual a arte se
insere, a linguagem musical revela-se como importante fator para sensibilização, aquisição,
desenvolvimento da linguagem e conhecimento de si e do mundo, como veremos nesta aula.

1 A linguagem musical e a inteligência


A música, em sua composição que engloba ritmo, melodia e harmonia (elementos que
ativam os sentidos e as funções mentais superiores) pode favorecer o desenvolvimento
psicomotor, socioafetivo, emocional, cognitivo e linguístico, além de promover trocas,
interação e inclusão. Por meio dela, crianças de diferentes idades podem ser sensibilizadas e
estimuladas à expressão oral e corporal, ao prazer, à criatividade, à escuta, à investigação, ao
contato físico e à aproximação, somo sinaliza Ferreira (2012).

E aqui, você pode estar se perguntando:

• Como ensinar música na escola com tantos conteúdos escolares?

• Em que idade esse ensino deve começar?

• Só um professor de música pode trabalhar com a música na escola?

Para entendermos melhor e ampliar essa discussão, vamos investigar o que nos diz
a ciência sobre este assunto. No início da década de 1980, o psicólogo e cientista norte-
americano, Haward Gardner (MEYER, 2012), revolucionou a ciência educacional ao apresentar
a Teoria das Inteligências Múltiplas, uma abordagem que sugere pensar que os seres humanos
são dotados de diferentes inteligências – intrapessoal, interpessoal, corporal-cinestésica,
espacial, linguística ou verbal, musical, naturalista – e não apenas a lógico-matemática, tão
valorizada pela escola e pela sociedade. A partir dessa perspectiva, valida uma inteligência
musical passível de ser estimulada e desenvolvida nos processos pedagógicos, e que amplia
o acesso aos saberes culturais e a diversas manifestações de linguagem.

Seguindo essa tendência, diferentes abordagens foram abraçadas especialmente na


educação e, nelas, a defesa da música que, por sua beleza, singularidade e pluralidade, estimula
a memória, a percepção auditiva, as construções linguísticas, a inclusão e a sensibilidade,
como relata Tony Buzan (2009, p. 41), no livro “Um cérebro sempre jovem”:

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Arte e Literatura na Infância

Nos anos 90, a psicóloga norte-americana Frances Rauscher fez uma extraordinária
descoberta: ouvir a música de Mozart melhorava as noções espaciais e o raciocínio
matemático das pessoas. O efeito era tão notório, que podia até ser demonstrado
com ratos de laboratório através de experiências em labirintos. Em pouco tempo,
Rauscher descobriu que as sonatas de Mozart para piano ativavam efetivamente os
genes envolvidos nos sinais nervosos dos ratos.

Noutro estudo, concluiu-se que as crianças pequenas com lições de música


aumentavam mais os seus QI do que as crianças da mesma idade com aulas de teatro,
ou de computadores. O mesmo era verdade para os adultos.

A abordagem musical foi utilizada na educação por permitir também, no contato


e respeito à produção artística e cultural de diferentes tempos, contextos e sujeitos, o
desenvolvimento da inteligência, da consciência de si e da postura cidadã, como sinaliza o
texto dos PCN (BRASIL, 1997, p. 79).

É necessário procurar e repensar caminhos que nos ajudem a desenvolver uma


educação musical que considere o mundo contemporâneo em suas características e
possibilidades culturais. Uma educação musical que parta do conhecimento e das
experiências que o jovem traz de seu cotidiano, de seu meio sociocultural e que saiba
contribuir para a humanização de seus alunos.

Wolfgang Amadeus Mozart foi um importante compositor clássico


austríaco que, desde a infância, evidenciou uma incrível habilidade musical.
Sem ter recebido aulas, aos quatro anos de idade já tocava o cravo com muita
habilidade; aos cinco, já compunha e tocava; aos seis, já excursionava pela
Inglaterra, França, Itália e Alemanha; aos nove anos, já era autor de sinfonias e,
aos quinze, já contava com mais de 100 composições musicais. A vida intensa e
com muitas viagens custou-lhe a saúde. Morreu aos 35 anos de idade, vítima de
uma febre reumático-inflamatória. Sua obra, mundialmente conhecida e
respeitada, pode ser apreciada em discos, filmes (a exemplo de Amadeus,
disponível em nossa Midiateca) e biografias.

A música, ao longo do tempo, tem sido uma fiel (e imprescindível) companheira da


aprendizagem e da escola. Em seus muitos estilos, temas e ritmos, ela amplia os canais
sensoriais e perceptivos, favorece a memorização, a autodisciplina e a higiene mental, estimula
a oralidade, desenvolve a corporeidade. Aproximando pessoas e culturas, também promove
um ambiente escolar mais humano, mais sensível e solidário. Música, práticas educativas e
trocas culturais.

O trabalho com a linguagem musical, portanto, deve considerar sons, instrumentos,


símbolos, linguagens, discursos e a complexidade das emoções e sentimentos que povoam o
universo infantil, assim como os recursos e espaços disponíveis na escola.

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Dessa perspectiva, as propostas destinadas à infância se apresentam recheadas de


possibilidades: a partir de estilos – músicas regravadas/adaptadas para as crianças, cantigas
infantis, de roda e cirandas; a partir de ritmos – rock, samba e clássicos; a partir de movimentos
– parlendas, trovas, trava-línguas; ou a partir de instrumentos musicais tradicionais (corda,
percussão, sopro) existentes ou construídos com sucata. Isso se reflete na riqueza e na
combinação de sons (agudos, graves, suaves) e velocidades. Assim, quanto mais rica em
elementos for a música e a proposta a ser desenvolvida com ela, mais estímulo o cérebro
da criança receberá; mais sinapses e conexões fará, mais plasticidade e, consequentemente,
mais desenvolvimento terá, como afirma Buzan (2009, p. 38) em seus estudos sobre o ato de
aprender:
Um dos fatos mais surpreendentes em relação ao cérebro humano é a sua capacidade
notável de aprender ao longo da vida. Algumas competências básicas existem desde o
início, como, por exemplo, saber respirar, e controlar o ritmo cardíaco e a temperatura
corporal. Para além dessas capacidades inatas, quase todo o resto tem de ser
aprendido pelo cérebro, que o faz através da reestruturação de ligações, em resposta
às condições do mundo exterior.

No caso da música clássica (erudita)1, citada no exemplo de Mozart, a riqueza impressiona:


a execução é feita por uma orquestra sinfônica ou filarmônica composta de muitos músicos
e por diferentes famílias de instrumentos – de corda (violinos, violas, pianos e harpas), de
madeira (flautas, oboés, clarinetes), metais (trompetes, trombones), percussão (triângulo,
caixas, pratos) – e, nesse contexto de múltiplos sons, a música se reveste de importância
para a acuidade auditiva, a percepção, a sensibilidade – elementos fundamentais para
a aprendizagem da língua, seja ela materna ou estrangeira e das outras disciplinas que
compõem o currículo escolar.
A linguagem musical, ou a habilidade de combinar, distinguir e significar os sons
(existentes, inventados, eletrônicos), reveste-se, assim, de grande importância na educação
de crianças. Seu efeito, a depender do contexto, dos objetivos traçados no planejamento e das
possíveis abordagens interdisciplinares ou transversais com outras disciplinas que compõem
o currículo escolar, pode ser terapêutico (como na musicoterapia, ioga), relaxante (meditação,
silêncio interior, autoconhecimento), educativo (de coordenação motora, de concentração,
de manifestações culturais, de estilos musicais, de resgate de memória), comunicativo (as
músicas de protesto, as paródias), estimulante (expressão corporal, exercício de oralidade)
ou provocativo (inventar novos sons, fazer sonoplastia, dramatizar). Esses vários efeitos da
aprendizagem a partir da linguagem musical, podem fazer a criança liberar
[...] o mundo musical que já existe dentro dela, desenvolvendo a criatividade, a
expressividade, a percepção sonora e espacial, a capacidade inventiva, a coordenação
motora e a socialização (MEYER, 2012, p. 112).

Essas e tantas outras possibilidades presentes na arte musical, evidenciam a riqueza


deste recurso que, bem utilizado na escola, permite sensibilizar e ampliar as possibilidades de
aprendizagem para crianças, jovens e adultos. Nesse sentido, algumas atividades podem ser
desenvolvidas desde a infância: audição de músicas em diferentes estilos e ritmos; canto;
exposição oral dos sons e instrumentos percebidos na audição; releitura plástica em diferentes

1 Que envolve instrução e conhecimento.

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linguagens (desenho, pintura, escultura, dramatização, dança, etc.); reprodução ou criação


de novos sons conjugados com a expressão corporal; produção de leitura do texto das
canções; pesquisa sobre seus autores e contextos presentes nas canções, etc.

Para um bom uso da música como recurso pedagógico, sem deixar de lado
o prazer que ela provoca, vale a pena ler o livro de Martins Ferreira (2012),
“Como usar a música na sala de aula”, disponível em nossa biblioteca virtual.
Nele, você vai encontrar, além de boa fundamentação teórico-metodológica,
sugestões de atividades para desenvolver um bom trabalho com as diferentes
disciplinas.

2 Música, acessibilidade e novas tecnologias


Os estudos sobre a arte musical, a exemplo de Ilari (2013) e seu potencial educativo,
e sobre a plasticidade cerebral (FERREIRA, 2014), têm permitido significativos avanços no
que diz respeito à inclusão e ao respeito à diversidade humana. Para além da sensibilização
e do acesso a saberes socialmente construídos, a música, por sua riqueza de elementos,
veículos e temas, tem participado ativamente na melhoria da qualidade de vida de deficientes
físicos, visuais, auditivos e portadores de outras necessidades e/ou enfermidades físicas ou
emocionais (KLEINA, 2012).

Nesse sentido, a musicoterapia, em parceria com outras áreas – equipe multidisciplinar


que inclui médicos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, educadores e
psicólogos –, tem tido um importante papel no que diz respeito ao estímulo cognitivo, ao
resgate da autoestima, à socialização e ao respeito aos direitos humanos.

Vejamos alguns exemplos: no caso do autismo, ampliando a capacidade de comunicação


social; na deficiência visual, com a ampliação da experiência tátil (leitura de partituras em
braile e toque nos instrumentos, cordas e texturas) e auditiva (percepção de sons e ritmos);
na deficiência auditiva, a ampliação do contato com a vibração sonora por meio da música, o
que permite reconhecer ritmos, perceber presenças, dançar; na paralisia cerebral, a música
e sua melodia estimulam a aproximação, o contato físico e as manifestações de afeto; nos
transtornos psicológicos, a música favorece uma sensação de bem-estar e conforto.

A música, em interação com as novas tecnologias, ganhou potencialidades ainda não


experimentadas, trazendo novas possibilidades para ser usada como recurso terapêutico,
porque permite trabalhar o movimento, a percepção auditiva, visual e sensorial, a
propriocepção (ou cinestesia) (ADLER; BECKERS; BUCK, 2007), o tato e os aspectos cognitivos
no geral. Os diferentes canais usados para isso são: rádio, TV, celular, computador, internet;
recursos como a tecnologia touch (telas sensíveis ao toque), os tablets (dispositivo pessoal
compacto com acesso à internet), a game terapia, realidade virtual (com o uso de consoles

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como X-Box 360 Kinect, PS3) e todos os seus impactos positivos sobre os músculos, a atividade
cerebral, a concentração e o equilíbrio. Instrumentos decisivos para a integração social, a
aprendizagem, a qualidade de vida e a cidadania para diferentes sujeitos.

Considerações finais
Utilizar a música como recurso pedagógico não é uma sugestão, é uma necessidade. Ela,
seus instrumentos, ritmos, estilos e textos, ampliam a capacidade de ouvir, ver, observar,
expressar e aprender. Presente em nosso cotidiano (na respiração, no movimento, na fala,
nas batidas do coração, etc.) e nos diversos espaços de atuação e relação humana (na rua, na
escola, no transporte, no shopping, etc.), o som rapidamente nos invade e desperta
lembranças, sentimentos, emoções, experiências. Neste sentido, é um importante aliado
para sensibilização, memorização e aprendizagem de diferentes saberes (dentro e fora da
escola).

Acesse o link disponível em nossa Midiateca e assista à reportagem do


Jornal Manchete do Vale, de Itajaí-SC, sobre os benefícios da musicalização na
educação de crianças.

Referências
ADLER, S. S.; BECKERS, D.; BUCK, M. PNF: facilitação neuromuscular proprioceptiva – Um guia
ilustrado. Barueri (SP): Manole, 2007.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Brasília:


MEC/SEF, 1997.

BUZAN, T. Um cérebro sempre jovem. Córdova-Espanha: Oficina do livro, 2009.

FERREIRA, M. G. R. Neuropsicologia e aprendizagem. Curitiba: InterSaberes, 2014.

FERREIRA, M. Como usar a música na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2012.

ILARI, B. Música na infância e na adolescência – Um livro para pais, professores e aficionados.


Curitiba: Ibpex, 2013.

KLEINA. C. Tecnologia assistiva em educação especial e educação inclusiva. Curitiba:


InterSaberes, 2012.

MEYER, C. Inteligências na prática educativa. Curitiba: InterSaberes, 2012.

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Arte e Literatura na Infância
Aula 11
A Arte do Teatro

Objetivos Específicos
• Compreender os conceitos e elementos que estruturam a arte dramática e
sua relação com a imaginação e o desenvolvimento infantil.

Temas
Introdução
1 Breve história do teatro
2 O teatro na educação e na escola
3 Sensibilização pela arte: os jogos teatrais na escola
4 Teatro, corporeidade e autoconhecimento
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
Vamos iniciar esta aula com uma provocação: o corpo tem linguagem?

Tem sim! A expressão facial, os gestos, a respiração, o tom de voz; a forma de sentar,
andar, falar, pegar nos cabelos; os movimentos que fazemos com braços e pernas; tudo é
considerado forma de comunicação; são maneiras de transmitir objetiva ou subjetivamente
uma, ou muitas, mensagens. Dessa forma, revelamos o que nos agrada, aborrece; o que
desejamos; nossa alegria ou tristeza; quem somos e o que queremos. Nessa expressão do
corpo que fala, em muitas linguagens, marcas da história, da cultura, dos valores que cada
sociedade atribui ao gênero, à classe social, à geração, à etnia... enfim, aos variados aspectos
que nos constituem como sujeitos históricos.

Este é o material de que se alimenta o teatro, esta manifestação artística rica em técnicas
e recursos que permite aos sujeitos de diferentes idades e, especialmente às crianças, pela
via da educação, ampliar seu universo de expressão e seu acesso à cultura, como veremos
nesta aula.

1 Breve história do teatro


Teatro: que arte é esta? De acordo com Dória (2013, p. 83) o teatro “[...] é uma arte
que engloba atividades de expressão, de comunicação e de reflexão [...] envolve sempre
nossas sensações, percepções e sentimentos.” Para aprofundar nossos estudos nessa área e
entender sua importância para a educação infantil, vamos conhecer um pouco mais sobre a
história desta arte milenar.

Imagens gravadas nas cavernas, durante a pré-história da humanidade, evidenciavam a


forte relação entre os indivíduos e a natureza. Nessas imagens, representações rituais (a caça,
a partilha de alimentos, a morte, o nascimento...) e imitações (do corpo e do movimento
de outros seres) traduziam o desejo de deter, expressar e, assim, comunicar o que esses
primeiros habitantes da terra viam, sentiam, queriam. Para alguns pesquisadores, talvez seja
essa a origem do teatro – arte nascida da observação, da imitação e do desejo de comunicação
por meio da expressão corporal (GRANERO, 2011).

Esta relação com o sagrado marcou a história do teatro. Nele, como em outras
manifestações de linguagem, sinais da cultura e do desejo humano de controlar a natureza
através de rituais: ora invocando (forças, deuses, energias), ora garantindo a posse (sobre os
seres vivos e as coisas), ora explicando ou controlando os fenômenos naturais (chuva, fogo,
vento, raios...), ora estabelecendo regras e validando a lógica social (casamento, maioridade,
etc.); ora usando máscaras para reverenciar, esconder, representar, etc.

Algo passível de observação na história oficial de cada sociedade são os exemplos de como
o teatro se manifestou em diversas épocas e culturas, como é o caso das máscaras funerárias

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Arte e Literatura na Infância

no antigo Egito; das tragédias de Sófocles e Ésquilo, dos cenários, das máscaras e do teatro ao
ar livre na Grécia antiga; das expressões teatrais religiosas e dos bobos da corte (funcionários
do riso para a monarquia) durante a Idade Média; das óperas (combinação entre a música, o
canto e o balé); dos teatros modernos cheios de pompa para os reis absolutistas; dos bailes de
máscaras em Veneza (permitindo a mistura entre pobres e ricos, nobreza e povo); dos rituais
indígenas de socialização e iniciação (nascimento, maior idade, morte, etc.) e das liturgias de
diferentes religiões (o batismo, o casamento, etc.). Essas expressões culturais, de maneira
harmônica, se encontraram e encontram também com outras linguagens, como a dança, a
pintura e o canto, contando importantes momentos da história da humanidade.

Possível observar, portanto, a forte relação entre o teatro e a expressão humana. Como
tornar esta arte mais acessível às crianças na escola é o que veremos a seguir.

2 O teatro na educação e na escola


Num importante avanço no que diz respeito aos processos educativos, os PCN (BRASIL,
1997) incluíram o teatro (e também a dança, as artes visuais e a música) no currículo obrigatório
do ensino fundamental, ampliando assim o contato da criança com o plural, rico e simbólico
universo desta arte (ZAGONEL, 2012). Nesta parceria entre a escola e a linguagem teatral,
abre-se um leque de possibilidades didáticas que vai da criação à dramatização, utilizando
diferentes canais comunicativos.

O ato de dramatizar está potencialmente contido em cada um, como uma necessidade
de compreender e representar uma realidade. Ao observar uma criança em suas primeiras
manifestações dramatizadas, o jogo simbólico, percebe-se a procura na organização de seu
conhecimento do mundo de forma integradora. A dramatização acompanha o desenvolvimento
da criança como uma manifestação espontânea, assumindo feições e funções diversas, sem
perder jamais o caráter de interação e de promoção de equilíbrio entre ela e o meio ambiente
(BRASIL, 1997, p. 57).

Estes canais que cotidianamente utilizamos (sem nos darmos conta disso) na chegada
na escola, nos intervalos escolares, em nossas aulas (e nas relações sociais), configuram-
se como recursos importantíssimos para a arte teatral e para o desenvolvimento infantil,
período quando os acontecimentos se revestem de grande potencial dramático, fantasioso
e simbólico: como a leitura oral (expressão vocal) com voz empostada (bem articulada, com
entonação e boa dicção) de um conto, uma notícia, uma história (falando alto, sussurrando,
gritando, imitando a voz dos personagens, etc.); a expressão corporal mais altiva, mais dura
ou mais relaxada, a depender da situação e da necessidade de expressar poder, fragilidade,
ou chamar a atenção do grupo (autoridade, submissão, aproximação, etc.); o gestual
(mãos, expressões faciais, respiração, etc.); a improvisação (interpretação de um texto
sem preparação prévia); e a interpretação (internalização e apresentação das emoções e
pensamentos de um personagem) (REVERBEL, 2007).

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Dessa perspectiva, o teatro é um grande aliado no trabalho com crianças e adolescentes,


possibilitando a eles:

• rever seu autoconceito: as características, os rótulos e os estereótipos internalizados


no processo de socialização;

• desenvolver a autoestima: o olhar afetivo sobre as características que compõem suas


existências e lhes conferem identidade;

• envolver-se com a leitura: condição indispensável para a apropriação dos textos;

• tornar-se mais comunicativos: diminuindo a timidez;

• relacionar-se melhor em grupo;

• tornar-se mais criativos e sensíveis à produção de leitura;

• lidar com mais autonomia em diferentes e desafiadoras situações;

• aprender a improvisar e a interpretar em diferentes e desafiadoras situações.

Assim, o teatro ajuda crianças e adolescentes a tornarem-se cidadãos sensíveis, críticos,


autônomos e conscientes do seu papel como sujeitos ativos do conhecimento e de sua própria
história, como afirma Granero (2011, p. 13),

O fazer teatral desperta os alunos para a observação de si mesmo e do outro, incita-os


a aprofundar-se em suas próprias histórias de vida, e a desenvolver a capacidade de
expressar seus sentimentos.

3 Sensibilização pela arte: os jogos teatrais na escola


Manifestação artística de grande potencial pedagógico, o teatro abre possibilidades
de trabalhar o cognitivo, o emocional, o intelectual e o psicomotor, além de permitir, no
intercâmbio de ideias, linguagens e experiências, a troca de saberes, a expressividade, o
prazer e o exercício da subjetividade.

Vejamos duas possibilidades de trabalho que a arte teatral e seu grande potencial
didático nos oferece, observando os diferentes canais de comunicação que aciona (visual,
gestual, motor, auditivo, tátil) e a abordagem de conteúdos, temas, situações de conflito e
desafio que fazem parte do dia a dia da sala de aula.

• Exemplo 1 - organização e responsabilidade:

O protagonista (personagem central), escolhido pelo professor ou pelo grupo, chama


os personagens necessários à cena, cria o espaço, utilizando acessórios que estão à
sua volta e relata para o grupo a história que vai ser encenada e que será mais tarde
discutida no grupo. Cada aluno que se candidatar receberá do “protagonista” o seu
“papel” com algumas simples explicações (GRANERO, 2011, p. 13).

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Nesta situação, o docente pode, utilizando situações-problema recorrentes na sala


ou na escola, provocar no protagonista e na classe, discussões e retomadas sobre
o tema selecionado, além de exercitar a criatividade, a imaginação, a oralidade,
a expressividade. Essa atividade também possibilita que os alunos treinem a sua
autonomia, na medida em que organizem uma situação e cumpram certas regras
(falar em seu tempo, ocupar um espaço específico e agir em cadência com os outros
participantes).

• Exemplo 2 - exercitando os sentidos:

[...] um bom exercício para estimular a percepção das cores é usar folhas grandes de
celofane azul, vermelho e amarelo e observar o ambiente através delas. O céu mudará
para rosa ou roxo, as árvores ficarão quase pretas e em um instante o mundo mudará
de cor (GRANERO, p. 37-38).

Este exemplo, que pode ser ampliado para outras abordagens e sentidos, permite
trabalhar cores primárias (vermelho, verde e azul), cores secundárias (verde,
laranja e violeta) e a ampliação do olhar sobre as coisas e sobre a vida (tudo pode
mudar a depender do foco, da perspectiva, das cores e das lentes que usamos
para enxergar – lentes fornecidas pela linguagem artística). Possibilita também o
desenvolvimento da noção de representação (caminho para alcançar o pensamento
abstrato), uma vez que a mistura e forma em que as cores se dispõem representam
diferentes elementos da realidade (que podem não os reproduzir fielmente, mas
os representam).

Como se pode observar, aspectos fundamentais para a arte teatral (e para a vida) foram
explorados nestes dois exemplos: a oralidade, a expressão corporal, o gestual, a interpretação,
o improviso, os sentidos, etc., evidenciando sua importância como recurso pedagógico a
serviço da sensibilização e da formação cidadã.

A premiada animação Vida Maria (disponível em nossa Midiateca), é um


exemplo bem interessante da união entre as artes visuais (onde se insere o
teatro) e seus elementos, as novas tecnologias e a realidade. Nela, temos uma
discussão sobre a reprodução de papéis, sobre o analfabetismo e sobre a seca
do Nordeste marcada nos gestos, nas expressões, nas imagens e na carga
dramática de seus personagens.

Como se pode observar, são várias as possibilidades para desenvolver um trabalho lúdico
e consistente com as crianças, a partir da arte teatral. Esta, por sua abrangência e proximidade
com as emoções humanas e com outras linguagens (literatura, dança, música, etc.), permite a

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Arte e Literatura na Infância

integração entre o corpo, a mente, o espírito e o conhecimento de si e do mundo.

4 Teatro, corporeidade e autoconhecimento


Como somos seres sociais, somos influenciados pelo ambiente, pela cultura, pela
interação com outras pessoas (na família, na escola, na sociedade). Desde a mais tenra idade
(em diferentes contextos e sociedades), somos apresentados a papéis sociais que nos
classificam e que organizam nossas vidas. Nesses papéis, muitas vezes usamos máscaras
imaginárias (para esconder nossos sentimentos, para dizer o que não somos, para ter
coragem, etc.) que nos permitem ocupar espaços e desempenhar diferentes funções.

As crianças, por sua espontaneidade e sinceridade, não sabem esconder


sentimentos ou fingir emoções; são transparentes em suas manifestações de
dor, medo, alegria, resistência... Uma transparência visível no corpo socialmente
disciplinado (pelo qual sinaliza para o mundo o que está em seu interior) e que
se expressa por diferentes linguagens (gestos, palavras, posturas, sorrisos,
respiração, choros, etc.).

Dessa perspectiva, a expressão corporal pela via do teatro, apresenta dois importantes
desafios na escola: favorecer o autoconhecimento e, com ele, o controle sobre o próprio corpo
e suas emoções; e o conhecimento do outro, para respeitar, interpretar e compreender as
mensagens que ele diz. Assim, ensinando a equilibrar pensamento e ação, língua e linguagem,
gesto e mensagem, o teatro permite a socialização, a expressão e a integração dos sujeitos e
a aquisição de conheciementos dentro e fora da escola.

Considerações finais
No trabalho com o teatro e a expressão corporal na escola, sentimentos, emoções e
conflitos (medo, agitação, raiva, intolerância, resistência, etc.) estão sempre presentes e
vão-se revelando, ainda que subjetivamente. Por isso devem ser observados e considerados
em relação aos recursos disponíveis para melhor abordá-los (textos dramáticos, musicais,
mímicas, fantoches, etc.). É preciso ver, em cada um deles, possibilidades educativas que
permitam aos sujeitos (crianças, docentes, comunidade, etc.) se expressar (por meio de
diferentes linguagens), refletir (sobre a realidade, sobre si mesmo e sobre o outro) e buscar
caminhos, estratégias e recursos de adaptação, superação e transformação.

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Referências
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a 4ª
séries): Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.

DÓRIA, L. M. F. T. Linguagem do teatro. Curitiba: InterSaberes, 2012.

DÓRIA, L. M. F. T. Linguagem do teatro. In: ZAGONEL, B. et al. Metodologia do ensino da arte.


Curitiba: InterSaberes, 2013.

GRANERO, V. V. Como usar o teatro na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2011.

REVERBEL, O. G. Jogos teatrais na escola: atividades globais de expressão. São Paulo: Scipione,
2007.

ZAGONEL, B. Arte na educação escolar. Curitiba: InterSaberes, 2012.

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Aula 12
A arte da dança

Objetivos Específicos
• Relacionar o desenvolvimento infantil à expressão corporal através da dança,
reconhecendo sua importância na prática pedagógica com crianças.

Temas
Introdução
1 História da dança
2 Dança e corporeidade
3 A dança, os sentidos e a expressão criativa
4 A dança na educação e na escola
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
Somos seres da comunicação. Em diferentes tempos, espaços e culturas, emitimos
mensagens usando o corpo, as mãos, os gestos, a expressão facial, o tom da voz, a postura
para expressar nossos medos, anseios e conquistas. Nesta linguagem do corpo, estão as
marcas da educação, do nosso olhar sobre as coisas, sobre os fatos, sobre as pessoas, sobre
a história.

Nesta aula, mergulhando no universo da dança e da expressão corporal, vamos ampliar


conhecimentos teórico-práticos sobre esta arte tão importante para o autoconhecimento,
para o desenvolvimento de nossa corporeidade, para o encontro com o outro, para a
comunicação, para a aprendizagem infantil.

1 História da dança
Muitos anos se passaram até que o ser humano pudesse se comunicar por meio da
escrita. Nesse percurso, e na incessante busca de novas realizações, diferentes formas de
comunicação e expressão dos sentimentos e desejos foram desenvolvidas, utilizando uma
ferramenta simples e de grande importância: a observação. Com ela, o homem dominou a
natureza, transformou o ambiente, domesticou animais; aprendeu e registrou movimentos
dos ventos, das folhas, das águas, dos seres vivos de diferentes formas e tamanhos que lhe
serviram de inspiração, de modelo para novas formas de atuação e expressão, para novas
linguagens, como é o caso da dança.

A expressão corporal por meio da dança também vem desta observação e está presente
na história da humanidade desde a antiguidade. Vinculada inicialmente aos rituais sagrados
(no Egito), aos jogos (na Grécia), e à expressão cênica nas óperas no final da Idade Média, foi
com o balé do período renascentista (século 15), inicialmente na Itália (com representações
dramáticas e improvisadas) e mais tarde na França, com Luís XVI (que fundou a Academia Real
de Dança em 1661) que a dança adquiriu status profissional e de expressão corporal, baseada
na precisão técnica, no vocabulário e figurino próprios, na arte interpretativa, na vinculação à
música e à arte plástica, na disciplina e na valorização da bailarina como elemento principal.

Estes elementos (técnica, música, figurinos, profissionalização, expressão cênica,


disciplina, etc.) relidos e atualizados se fazem também presentes na dança contemporânea,
criando condições para uma expressão corporal rica em estilos, linguagens, performances e
mensagens (políticas, sociais, filosóficas, culturais...) (MAÇANEIRO et. al., 2013).

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2 Dança e corporeidade
Para a Biologia, o corpo é uma estrutura física, uma “engrenagem” composta de órgãos
e sistemas onde habita a vida humana. Para as Ciências Humanas, o corpo, para além do
biológico, é também uma produção social e cultural, como analisa Onuki (2013, p. 163):
“O corpo carrega informações, sejam biológicas, sejam culturais. Portanto, não podemos
caracterizar o corpo apenas por sua parte estética, ou aparente”.

É nessa complexa integração entre corpo físico, mente e contexto sócio-histórico que a
humanidade se constitui e que os indivíduos constroem e internalizam sua imagem corporal.
Uma imagem composta de histórias, papéis, máscaras, cores, experiências, sabores, sentidos
e significados culturalmente ensinados e aprendidos por meio de diferentes linguagens
na família, na escola e na sociedade. Neste panorama, há presença marcante dos valores
culturais e dos saberes ensinados na escola, na maneira como nos vemos (autoimagem), nos
avaliamos (autoestima) e lidamos com nosso corpo (corporeidade).

Assim, construímos nossa identidade, nossa subjetividade. Assim, internalizamos


representações sobre as coisas, as pessoas, os conceitos (de feio e bonito, bom e ruim,
proibido e permitido, etc.). Assim, em meio a processos educativos (formais e informais), em
meio a emoções, percepções, interpretações e tecnologias, construímos nossa corporeidade:
maneira como entendemos e nos relacionamos com nosso próprio corpo, que se constrói na
interação entre três dimensões: fisiológica (corpo físico), psicológica (campo emocional) e
espiritual (campo da subjetividade), e interfere diretamente em nosso olhar e em nossa
relação com as coisas, com a vida e nós mesmos.

É por intermédio do corpo que vemos, ouvimos, sentimos sensações,


gestos, aromas e, também, aprendemos. É com o corpo que expressamos/
desenvolvemos nossas emoções, nossas doenças, nossas dificuldades,
nosso conhecimento e é, por meio dele, que nos comunicamos, nos
mostramos vivos. (MEYER, 2012, p. 66).

O corpo, portanto, é o ponto de interseção entre o biológico e o cultural. É ponto de


partida e também de chegada. É o espaço de representações sociais (objetivas e subjetivas).
É a tela onde desenhamos e expressamos nossas emoções. Daí a importância da dança na
construção e expressão de nossa corporeidade e no trabalho educativo com as crianças.

Esta complexa comunicação pelo corpo, para além da expressão artística, vem sendo
estudada pela teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner (MEYER, 2012), para
ele, essa capacidade de internalizar e expressar sentimentos por meio do corpo pode ser
inserido no campo da inteligência Cinestésica – capacidade para criar objetos e produtos,

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resolver situações, e expressar-se bem utilizando a linguagem corporal (algo observado


nas artes cênicas, nas artes plásticas, nos atletas, nos dançarinos). Ela envolve também os
movimentos faciais (dos olhos, dos lábios, das sobrancelhas...), os gestos (das mãos, dos
braços...), a postura, o andar e as expressões corporais, como a dança e o teatro. Por seu
caráter subjetivo, já que envolve além da inclinação pessoal as impressões de cada sujeito, é
um importante recurso na interação e na comunicação entre as pessoas.

3 A dança, os sentidos e a expressão criativa


Você já parou para pensar nas situações em que transmitimos emoções por meio do
corpo?

E por que muitas vezes percebemos o que o outro sente só de olhar para ele?

Pois é, o nosso corpo fala (mesmo quando não queremos que ele fale) utilizando
a linguagem não verbal. Os outros nos leem pela forma como andamos, gesticulamos,
movimentamos os olhos, respiramos, dançamos, o que mais uma vez evidencia a importância
da linguagem corporal para a comunicação humana e da dança como a arte da contemplação
(estado de observação, meditação), dos movimentos e seus significados (místicos, rituais,
cerimoniais, sensuais, etc.), da beleza (experiência estética e subjetiva), dos sentidos (tato,
visão, audição, paladar, olfato), do corpo que fala em movimentos livres (improvisados) ou
planejados (coreografados), mas sempre manifestando seus sentimentos e sua história, afinal,
como discute Tandra (2013, p. 15): “[...] a dança é uma das formas de comunicação mais
antigas que existe, pois, antes mesmo de o homem começar a falar, ele realizou movimentos
de dança”.

Gestos e movimentos, então, tem caráter pessoal. Eles podem também ser universais?

Cada país, cada cidade, cada região tem sua própria cultura: marcas do passado, das
tradições e valores passados de geração em geração presentes nas canções, nos gestos, nas
expressões. Ainda que muitas formas de expressão sejam universais (como o sorriso, por
exemplo), outras, podem ter significado distinto para cada cultura, como o aperto de mão, o
beijo e a dança. Fato é que o corpo fala em conjunto: expressões, gestos e movimentos se
complementam e harmonizam no momento da comunicação.

Diferentes linguagens podem ser acionadas na dança. Com o avanço


tecnológico, novos recursos têm permitido o acesso de diferentes sujeitos,
deficientes ou não, aos saberes culturais. Acesse o lindo Dança com luzes,
disponível em nossa Midiateca, e observe a feliz união entre a dança e a
tecnologia.

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4 A dança na educação e na escola


A partir dessa perspectiva, a expressão corporal por meio da dança é um caminho
privilegiado. Ele permite o autoconhecimento e o fortalecimento da autoestima; a união entre
aparato biológico e subjetividades; corpo, mente e espírito; real e imaginário; intelectual
e motor. Com a dança, as crianças podem exercitar os sentidos, a psicomotricidade (pular,
dançar, correr, explorar, brincar...) e, assim, ludicamente, desenvolver competências e
habilidades que lhes permitam conhecer-se e integrar-se na escola e fora dela, como apontam
os PCN (BRASIL, 1997, p. 49):
A atividade da dança na escola pode desenvolver na criança a compreensão de sua
capacidade de movimento mediante um maior entendimento de como seu corpo
funciona. Assim, poderá usá-lo expressivamente com maior inteligência, autonomia,
responsabilidade e sensibilidade.
Tal visão está de acordo com as pesquisas mais recentes feitas pelos neurocientistas
que estudam as relações entre o desenvolvimento da inteligência, os sentimentos e o
desempenho corporal.

E como aproximar a dança da escola?


Construindo parcerias entre os alunos, docentes, a escola e a comunidade. Uma parceria
que evidencie a dança como manifestação artística e cultural; canal de aprendizagem para
diferentes saberes; ampliação da leitura de mundo; possibilidade de sensibilização por meio
da expressão corporal; caminho para o autoconhecimento, desenvolvimento cognitivo,
psicomotor e emocional. E que também estimule a vida e o corpo saudável (canal de
comunicação), que ensine o prazer que a atividade física proporciona; que efetive experiências
com o corpo em jogos, sucatas, canções, desafios; que vivencie a prática social e psicomotora
da música por intermédio das cantigas de roda (e tantos outros gêneros e estilos musicais)
para: relaxar; iniciar e finalizar os turnos e as aulas; acolher e sensibilizar crianças e pais;
trabalhar rimas, sonoridade, movimento. E também para a abordagem da língua (letras,
palavras, sons, sentidos e significados,) temas e conteúdos (sexualidade, meio ambiente,
matemática, geografia, etc.); para nomear objetos (janelas, carros, móveis...), animais,
sentimentos e o próprio corpo (música dos dedinhos, dos membros – cabeça, ombro, braços,
pernas e pés –, dos olhos); e tantas outras possibilidades musicais na escola. Assim, promove-
se uma educação cujo princípio básico esteja relacionado à linguagem e ao movimento
corporal, à aproximação e à harmonia entre todas as instâncias que compõem o ser humano.

Os movimentos da dança são criados e interpretados sob a ótica de um


grande prisma, apontando ideias, metáforas e são sempre providos de
interesse e significados. Para cada olhar – do criador, do intérprete, do
intérprete-criador, ou do espectador, ou mais especificamente do aluno e
do professor – a interpretação de cada movimento se torna amplamente
subjetiva, vindo a depender do contexto histórico-cultural, do repertório
intelectual, e das interconexões que o indivíduo realiza para interpretar
um movimento. (ONUKI, 2013, p. 161).

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Como observamos, a arte da dança favorece o intercâmbio de informações, a aproximação


entre as pessoas, e uma melhor integração da criança consigo mesma, com os outros e com
o ambiente escolar.

Considerações finais
Aprendemos nesta aula a importância da dança e da linguagem corporal na relação entre
as pessoas. Aprendemos também a importância de estimular o uso da dança na escola como
prazeroso recurso para sensibilizar, ensinar e ampliar a participação da criança no dia a dia
escolar. Espaço onde aprende, expressa, comunica e ressignifica sentimentos.

Referências
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a 4ª
séries): Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.

GOELNER, S. V. A produção cultural do corpo. In: LOURO, G. L. et al. Corpo, Gênero e Sexualidade.
Petrópolis (RJ): Vozes, 2003.

MEYER, C. Inteligências na prática educativa. Curitiba: InterSaberes, 2012.

ONUKI, G. Metodologia do ensino da dança. In: DÓRIA, L. F. et al. Metodologia do ensino da


arte. Curitiba: InterSaberes, 2013.

MAÇANEIRO, S. M. et al. Linguagem da dança. In: BUENO, L. E. B. et al. Por dentro da arte.
Curitiba: InterSaberes, 2013.

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Aula 13
Metodologia em Arte e Educação

Objetivos Específicos
• Conhecer procedimentos didático-metodológicos em Artes e sua importância
para o desenvolvimento de competências e habilidades na infância.

Temas

Introdução
1 O ensino de arte no Brasil
2 O ensino de arte e o trabalho com competências, habilidades e atitudes
3 A arte, as crianças e a prática docente
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
O conceito de leitura, até há bem pouco tempo, girava em torno da capacidade de
decodificar o signo escrito. Assim, diferentes textos, em sua complexidade e contextualidade,
perdiam-se por carência de interação, de diálogo. Hoje, sabemos que é preciso ler o mundo
em suas variadas manifestações de linguagem, para cada vez mais cedo atribuir sentidos,
compreender e interagir com o que está à nossa volta.

Dessa perspectiva, como veremos nesta aula, é grande a contribuição da arte para
a educação. Por meio dela (numa abordagem que considera seus aspectos teórico-
metodológicos), a criança atribui sentidos, observa o contexto sócio-histórico, político
e ideológico no qual autor, texto e leitor estão inseridos, produzindo leitura e, assim,
desenvolvendo as competências e habilidades necessárias para sua formação integral.

1 O ensino de arte no Brasil


Antes de falar em didática (métodos, técnicas e condições de ensino) e metodologia
(caminho), vamos conhecer (ainda que brevemente) a trajetória e alguns conceitos
fundamentais para a compreensão do ensino de arte na escola. Como já sabemos, a arte
acompanha a evolução humana desde tempos remotos como forma de registro, expressão
e comunicação. Mas ela também tem sua história atrelada aos processos educativos e a
diferentes correntes e movimentos didático-metodológicos que compuseram a História da
Educação (campo de estudo em franco desenvolvimento em nosso país) e do ensino de arte.

Vejamos, na tabela 1, os principais movimentos em torno do ensino da arte no Brasil


(ZAGONEL, 2012):

Tabela 1 – Principais movimentos do Ensino da Arte

ANO EVENTO OBJETIVO


Chegada da Missão Artística Francesa Formação da primeira escola de Arte para
1816
ao Brasil com D. João VI a elite.
Fundação da Academia Imperial de Ensino particular para formação de
1870
Belas Artes desenhistas (prioritariamente copistas).
Incentivo à cópia de telas famosas;
Reforma Republicana – Criação da
1890 a 1920 inclusão do desenho geométrico na escola
Escola Nacional de Belas Artes
secundária.
Usar a arte como atividade integrativa e de
1920 Arte incluída no currículo escolar
apoio a outras disciplinas.
Semana de Arte Moderna –
movimento cultural ocorrido em Apresentar novas ideias e conceitos
São Paulo que marcou o início artísticos ligados à liberdade de expressão
1922
do Modernismo e contou com a por meio da pintura, da escultura, da
participação de escritores, artistas poesia, da literatura e da música.
plásticos, arquitetos e músicos.

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Defender a liberdade, o espontaneísmo


1ª Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e a expressão de sentimentos pela via da
1950 a 1970
(1961) Escola Nova linguagem artística para a construção de
uma sociedade democrática.
Incluir a Educação Artística no currículo
1971 Pedagogia Libertadora – Paulo Freire escolar com foco na consciência crítica e na
educação de jovens e adultos.
Pedagogia triangular de Ana Mae Defender a inclusão da arte como atividade
1980
Barbosa educativa nos diferentes níveis de ensino.
Incluir a arte como disciplina obrigatória
Nova Lei de Diretrizes e Bases da
na educação básica para desenvolver o
Educação Nacional (LDBEN)
1996/1997 pensamento artístico, a percepção estética,
Parâmetros Curriculares Nacionais
o respeito à diversidade e a preparação
(PCN)
para o mundo do trabalho.
Conhecer e defender a importância das
manifestações artísticas (música, dança,
Formação docente e formação de
Nos dias atuais teatro, arte visual...) para a formação
arte-educadores em nível superior.
integral dos sujeitos da educação infantil
ao ensino médio.

Fonte: ZAGONEL (2012)

Nesse percurso, educação e arte, caminhando juntas, delinearam ações, propostas,


mudanças e possibilidades de formação didático-metodológica para a docência. Em
cada período, cada contexto, as questões políticas (mudanças de governo e formas de
representação popular, golpes militares, etc.), sociais (manifestações populares, políticas
públicas...), econômicas (industrialização, urbanização, capitalismo...), educacionais (LDBEN,
PCN, etc.) e culturais (movimentos artísticos, festivais, etc.) permitiram repensar o ensino
e a aprendizagem nos diferentes níveis de escolaridade e efetivar propostas com vistas à
formação sensível e acadêmica de estudantes de diferentes idades pela via da arte.

O ensino da arte se configura, assim, como campo privilegiado para o conhecimento


e a aprendizagem, no que diz respeito à formação integral das crianças. Nos 17 anos de
escolaridade obrigatórias na educação básica (desde 1997), a arte está presente na escola:

• na sala de aula regular, onde docentes (especialmente da educação infantil), de


maneira lúdica, exploram elementos constitutivos das diferentes linguagens artísticas
(literatura, dança, música, teatro, etc.);

• na sala de arte, espaço onde arte-educadores (com formação superior específica)


utilizam conhecimentos, materiais e técnicas para potencializar aprendizagens;

• na sala de música;

• nas aulas de teatro, nas aulas de literatura e nos demais espaços onde as linguagens
se manifestem para registrar, comunicar e veicular cultura.

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Para saber mais sobre a trajetória do ensino da arte no Brasil, acesse o


texto de Ana Mae Barbosa, “Arte-Educação no Brasil: realidade hoje e
expectativas futuras”, disponível na Midiateca.

2 O ensino de arte e o trabalho com competências,


habilidades e atitudes
Como podemos observar na tabela 1, diferentes momentos inspiraram o ensino e a
produção de arte na escola. Na atualidade, vale destacar a importante contribuição de Ana
Mae Barbosa (uma das principais referências no ensino de arte no Brasil) em sua proposta
de abordagem triangular para o ensino de arte1 baseada nos três eixos de aprendizagem
significativa:

1. conhecer: corresponde à contextualização (reflexão e história da arte);

2. fazer: corresponde à produção artística; e

3. apreciar: relacionado à fruição (crítica e estética).

O trabalho desenvolvido pela ótica da abordagem triangular, e sob a ótica do


multiculturalismo (que respeita diferenças culturais, religiosas e étnicas), ampliando a relação
interdisciplinar, permite à criança:

• exercitar e desenvolver suas capacidades cognitivas, sensitivas, afetivas e imaginativas,


organizadas em torno da aprendizagem artística e estética na escola,

• fora da escola, tem a função social do ensino de arte, como analisa Zagonel (2012, p.
36), de “[...] contribuir para preparar o cidadão para viver em sociedade”.

Tanto para nós (adultos) quanto para as crianças, a arte está sempre ligada à sua
materialidade (existência concreta) na percepção, na produção ou na fruição, daí a
necessidade da exploração (e análise crítica) de diferentes linguagens artísticas, tomando
diferentes perspectivas.

1 Criada por Ana Mae Barbosa, esta abordagem é difundida no país por meio de projetos como os do Museu de Arte Contemporânea de São
Paulo e o Projeto Arte na Escola da Fundação Iochpe (BRASIL, 1997, p. 25).

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Arte e Literatura na Infância

Vejamos um exemplo prático: quando pensamos num quadro, fazemos


uma imagem mental (percepção) de tamanho, cor, imagem, material, etc.,
afinada com nossa experiência pessoal e nossos sentidos; quando produzimos
um quadro, colocamos nossa impressão pessoal e também as regras impostas
para esta produção (tema, tamanho, cor, objetivo, tempo); quando apreciamos
um quadro, acionamos conhecimentos prévios – objetiva e subjetivamente
construídos na escola e fora dela – para contextualizar, interpretar e criticar.

No que diz respeito à prática pedagógica com crianças, o trabalho com a arte (em suas
diversas manifestações) deve ter como meta (e seguindo procedimentos didáticos2 ) (DIAZ,
2013):

• desenvolver experiências e conhecimentos de sensibilidade estética em diversas


linguagens para que possa, progressivamente, apreciar, desfrutar, valorizar e analisar
bens artísticos de distintas culturas;

• criar formas artísticas nas diferentes linguagens, valorizando e articulando o fazer e o


conhecer com sensibilidade, imaginação, curiosidade e reflexão;

• ampliar o conhecimento de si mesmo, do mundo e da realidade.

Num trabalho sensível, planejado e metodologicamente bem estruturado (equilíbrio


entre teoria e prática), essas competências e habilidades podem ser desenvolvidas no
cotidiano da escola. Vejamos alguns exemplos:

• observação de uma rua ou praça próxima (dos elementos da visualidade, dos


materiais usados – madeira, metal, concreto, etc. – e situações – crianças brincando,
animais, pessoas caminhando);

• apreciação de obras artísticas (uma tela, uma escultura, um grafite) e não artísticas
(trabalho dos colegas, pintura da sala, etc.), de novas tecnologias (celular, computador,
jogos eletrônicos...), de inovações culturais (mostra de projetos com instalação,
parcerias entre artigos de estilos diferentes, teatro ao ar livre, esculturas vivas, etc.);

• produção de leitura e atribuição de sentidos (a relação autor/leitor/texto sendo


exposta para o grupo, evidenciando as percepções individuais e coletivas) permitindo
o diálogo consigo mesmo, com o outro e com o conhecimento.

2 Didática: ramo da pedagogia que se ocupa de métodos e técnicas a serem usados pelo docente (elemento mediador) para o ensino e a
aprendizagem.

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Arte e Literatura na Infância

Tomando a perspectiva da arte como a possibilidade de formação integral – que une as


dimensões afetiva e psicomotora e –, merece destaque o diálogo entre a abordagem triangular,
de Ana Mae Barbosa, e os aspectos ligados à aquisição da linguagem e desenvolvimento
infantil, especialmente nas contribuições que Piaget, Vygotsky, Wallon e Emília Ferreiro deram
ao Sociointeracionismo – área do conhecimento que defende a interação entre a criança,
o outro (individual e coletivo) e a cultura (e suas linguagens), como forma privilegiada para
construir conhecimentos (COLL, 2009).

Merece destaque, também, as abordagens que respeitam o contexto de formação


da consciência crítica, como defendido por Paulo Freire (SANTOS JUNIOR, 2013), as
abordagens sobre o estímulo às múltiplas como aponta Howard Gardner (MEYER, 2012), e o
desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor como defendido pela taxonomia de Bloom
(lembrar, entender, aplicar, analisar, sintetizar, criar) proposta criada em 1956 com o objetivo
de classificar os objetivos educacionais.

Importância também deve ser dada no que diz respeito a individualidades e à autonomia
das crianças no desenvolvimento de suas competências e habilidades, como defende a
proposta construtivista de ensino. Nessa proposta, a mediação teria papel fundamental
no fazer artístico, ao permitir (e ao mesmo tempo estimular) que as crianças exponham
livremente suas produções e dúvidas, considerando seus estágios de desenvolvimento e suas
compreensões.

Neste percurso, onde interação, mediação, cognição e cultura caminham lado a lado,
objetividade e subjetividade em constante diálogo permitem o desenvolvimento afetivo e
psicomotor e, consequentemente, a construção de competências e habilidades. E, neste
sentido, se afinam com a proposta de formação integral pela via da arte.

Seguindo esta linha de análise, o trabalho educativo com a arte, em suas diferentes
manifestações, em consonância com os procedimentos didático-metodológicos de cada
etapa do desenvolvimento infantil, amplia o olhar e abre perspectivas para diferentes
leituras: de obras artísticas em diferentes estilos (literatura, música, escultura, pintura, dança,
teatro, etc.), de vestuários (na relação tempo/espaço), de arquitetura urbana (as fachadas,
as moradias, as escolas, os espaços comerciais...), de arte erudita (clássica) e popular (na
pintura, o grafite; na música, o funk, o rap e tantos outros), de lazer (as praças, os parques
temáticos, os cinemas...), de tecnologias.

3 A arte, as crianças e a prática docente


A arte também se reveste de importância no que diz respeito às demais disciplinas do
currículo escolar (Língua Portuguesa, Geografia, História, Matemática, etc.), já que permite,
às crianças, no contato e na reflexão sobre a ação humana em diferentes tempos, espaços,
contextos e linguagens, construir um olhar sensível e crítico que lhe permita produzir leitura,
propor novas interpretações, questões e soluções nas diferentes áreas do conhecimento.

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Arte e Literatura na Infância

E como podem a escola e os docentes promover esta educação pela arte?

Inicialmente pelo viés da sensibilidade, do entendimento da importância da arte para as


trocas simbólicas, para a consciência ética e estética das crianças. E também pelo conhecimento
acadêmico, advindo da formação (Pedagogia, Licenciaturas, Arte-educação etc.), da pesquisa
(sobre seus alunos, sua cultura, sua história e os saberes socialmente construídos), da
abordagem metodológica (de teóricos e pesquisadores) afinada com a escolha metodológica
de cada docente (considerando sua região, seu contexto, sua realidade), da observação do
cotidiano e da busca incessante de possibilidades (metodologias) mais humanas e criativas
de ensinar e aprender. O que pressupõe, para docentes e crianças, ler, apreciar, perceber,
produzir, dialogar, refletir e criar.

Dessa forma, ela (a arte), mantendo sua essência transformadora e sua fidelidade à
expressão humana em sua singularidade, complexidade e subjetividade, apresenta amplos
e sensíveis caminhos para o ensino e a aprendizagem infantil. Caminhos que precisam de
espaço, tempo didático, mediação docente (sensível, crítica e atualizada) e novas tecnologias
(máquinas fotográficas, computadores, celulares, ipods, etc.), para potencializar o acesso (a
portadores e não portadores de deficiências) e o diálogo entre a arte, a história, a realidade
e os sujeitos.

Considerações finais
Como observamos nesta aula, ensinar considerando os procedimentos didático-
metodológicos (a abordagem triangular – conhecer, fazer, apreciar; a produção de leitura; a
dramatização; a contação de história, etc.) e refletindo sobre as competências, habilidades e
atitudes pelos caminhos da arte e para além dos muros da escola, permite a ampliação da
leitura de mundo (considerando tempos, contextos e espaços), o respeito ao ser (em sua
individualidade e pluralidade) e à realidade de cada sujeito envolvido no processo educativo.
O que requer da docência, sensibilidade e conhecimento teórico, didático e metodológico
afinados com o desejo de promover uma educação para a consciência crítica e a transformação.

Acesse nossa Midiateca e assista ao vídeo com a entrevista da professora


Socorro Lamenha sobre a importância da arte para a formação humana.

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Arte e Literatura na Infância

Referências
BARBOSA, A. M.; SALES, H. M. (orgs.). O ensino da arte e sua história. São Paulo: MAC/USP,
1990.

COLL, C. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 2009.

DIAZ, M. Metodologia do Ensino do teatro. In: ZAGONEL, B. Metodologia do ensino de arte.


Curitiba: InterSaberes, 2013.

PEREIRA, K.H. Como usar artes visuais na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2009.

SANTOS JÚNIOR, R. N. Aprendendo a ensinar: uma introdução aos fundamentos filosóficos da


educação. Curitba: InterSaberes, 2013.

ZAGONEL, B. Arte na educação escolar. Curitiba: InterSaberes, 2012.

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Aula 14
A arte da narração

Objetivos Específicos
• Compreender a importância da arte de contar histórias para a aprendizagem
infantil.

Temas

Introdução
1 Contar histórias: de onde vem esta arte?
2 O ato de contar
3 A narração e outras linguagens em diálogo
4 Para que, o que e por que contar?
5 A narração, a pedagogia, a psicopedagogia e a psicanálise
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
Era uma vez...

Expressão mágica! Senha para entrar no fantástico universo das histórias – narrativas
que estão presentes desde o início dos tempos (entre 5.000.000 a.C. e 25.000 a.C., época dos
primeiros hominídeos) na história da humanidade e que ainda hoje encantam, despertam e
se atualizam.

Ao contar uma história (usando diferentes estratégias e recursos), abrimos importantes


canais para o entretenimento, o prazer e, ao mesmo tempo, para o autoconhecimento, o ensino
de valores, de regras sociais e também de conteúdos escolares. Na riqueza das muitas histórias
que compõem o acervo literário (local e universal) em diferentes temáticas e abordagens,
como veremos nesta aula, a presença de elementos visuais, simbólicos e linguísticos, bem e
sensivelmente explorados em seu potencial didático, evidenciam a história e se abrem para
os sentidos, o ensino, a aprendizagem e, consequentemente, o desenvolvimento integral das
crianças (COSTA, 2013).

1 Contar histórias: de onde vem esta arte?


“[...] ouvir muitas, muitas histórias... Escutá-las é o início da aprendizagem para ser
um leitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de descoberta e de
compreensão do mundo” (ABRAMOVICH, 1997, p. 16)

A partir dos registros (imagens) deixados nas cavernas, podemos interpretar que observar
e contar histórias já fazia parte do cotidiano de mulheres e homens desde a pré-história,
quando estes primeiros habitantes da terra se reuniam em torno da fogueira para narrar,
ouvir e desenhar acontecimentos, conquistas, derrotas, nascimento e morte.

Estes momentos de oralidade, com registro pictórico (desenhos), repletos de experiências


e simbologias, podem ter originado mitos (para representar e explicar os fenômenos
naturais), rituais (a forte relação com o sagrado), heróis (indivíduos dotados de força e magia)
e narrativas que, inspiradas na realidade, foram ampliadas pela fantasia, pela imaginação e
pela criatividade humana.

Com a escrita (por volta de 4.000 a.C), outras formas de registro foram abraçadas, o que
permitiu a difusão da experiência humana na terra. Mas é fato que a oralidade, fortemente
presente nestes primeiros narradores, marcou (e marca) a aventura de ver, interpretar e
produzir história utilizando a linguagem artística.

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2 O ato de contar
“O contador é um artista da voz e do gesto” (GILLIG, 1999, p. 83).

Nosso primeiro contato com o mundo mágico das histórias geralmente se dá quando
ainda somos bebês. Somos acalentados por mágicas narrativas nas quais heróis, princesas
e animais falantes vivem fantásticas aventuras. Esses textos, e tantos outros que nos foram
apresentados nas séries iniciais e ao longo da vida, compõem o nosso repertório cultural e
interferem, de maneira incondicional, na nossa sensibilidade, na nossa criatividade e no olhar
original que cada um de nós tem sobre a vida.

Hoje, como docentes, seguimos o caminho iniciado por esses primeiros contadores.
Reunidos (numa rodinha, numa sala de aula, num auditório), observando o entorno, usamos
a oralidade (hoje alimentada por outras formas de registro) para sensibilizar, para levar
sonho, fantasia, história, realidade e aprendizagem para uma plateia cada vez mais exigente
e desafiadora – as crianças.

Mas como tocá-las? Como despertá-las por meio da narração?

Emoção, esta é a senha. É preciso gostar de ler e aprender a viajar com os livros e as
histórias. A memória é seletiva, o que nos emociona é mais fácil de ser guardado. Por isso,
o encontro com a narrativa deve ser cuidadoso, deve encantar desde o primeiro momento
(COELHO, 1999). Deve ser uma vivência de respeito e descobertas. Uma espécie de passaporte
para uma doce e vertiginosa viagem, em que o passado, o presente e o futuro dialogam.

E, nessa viagem, tem importância fundamental (GILLIG, 1999):

• a escolha da história (considerando as fases do desenvolvimento, os interesses de


cada faixa etária e a sua própria subjetividade);

• o estudo da história (leitura prévia e apropriação, considerando possíveis


complementações e associações posteriores);

• a sensibilização (preparação da turma para este momento de prazer, que pode ser
uma conversa informal, uma música, uma pista, um tema...);

• o tom da voz (tranquilo, encorajador, e também afinado com as variações dos


personagens);

• o uso do corpo (os gestos, as mímicas, as expressões faciais e corporais que darão
vida e cor ao enredo, aos personagens);

• a escolha de recursos e forma de contar (com ou sem livro, com objetos, com
imagens, com filme, com fantoches etc.);

• os desdobramentos a partir dela (dramatização, pantomima, desenhos, brincadeiras,


danças, etc.);

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• o ambiente (espaço físico, cenário, sonoplastia, quando necessário);

• a afetividade que deve permear todo o processo: da escolha à narração.

Vale destacar, que a contação de histórias favorece:

• a concentração e a escuta;

• a aproximação (entre a criança e o docente, entre as crianças, entre elas e a cultura);

• o contato físico (por meio das atividades desenvolvidas durante ou após a narração);

• a expressão de sentimentos (o riso, o choro, o medo, a raiva, etc.);

• o conhecimento sobre lugares e pessoas de diferentes culturas, tempos e contextos;

• a releitura e superação de conflitos, medos, impasses;

• a expressão oral e escrita; e

• a aprendizagem de conteúdos diversos (nos domínios cognitivo, afetivo e psicomotor).

3 A narração e outras linguagens em diálogo


A narração é uma arte! A arte de contar, em linguagem oral ou escrita, de maneira
coerente e envolvente, uma história envolvendo fatos e personagens em um determinado
contexto. Neste exercício, o narrador apresenta os personagens, descreve a situação e
o ambiente (início); relata um fato/acontecimento que os afeta direta ou indiretamente
(desenvolvimento/clímax); e dá um desfecho à história (fim).

Este relato permite que realidade e fantasia se encontrem numa rede de fios, estilos e
recursos de linguagem que, entrelaçados, apresentam conteúdos, sentimentos e sentidos de
natureza múltipla, compreensíveis no momento da recepção – relação entre autor, leitor e
texto; momento cheio de subjetividades e possibilidades de atribuição de sentidos e produção
de leitura.

E como já aprendemos, ler não é apenas decifrar o que está escrito (leitor ascendente), mas
também, e principalmente, compreender (leitor proficiente). Na pressa (leitor descendente),
atropelamos palavras, tropeçamos no sentido e não efetivamos a produção de leitura
(atribuição de sentidos ao texto). Ler, portanto, é somar (subjetividades e informações). Lendo
(coisas, pessoas e mundo), somamo-nos ao outro e ampliamos saberes. Lendo e contando,
multiplicamos possibilidades de sensibilização, apropriação, interpretação, expressão, ensino
e aprendizagem.

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O texto literário é polissêmico, pois sua leitura provoca no leitor


reações diversas, que vão do prazer emocional ao intelectual. Além de
simplesmente fornecer informação sobre diferentes temas – históricos,
sociais, existenciais e éticos, por exemplo –, eles também oferecem vários
outros tipos de satisfação ao leitor: adquirir conhecimentos variados,
viver situações existenciais, entrar em contato com novas ideias, etc.
(FARIA, 2009, p.12).

E, nessa perspectiva, não se pode separar a literatura da música, da dança, da


matemática, da geografia e das demais áreas do conhecimento, e, sim, usufruí-la e tê-la como
fiel aliada no processo de ensino e aprendizagem. Narrativas modernas, clássicas, regionais e
internacionais, nos dão formidáveis noções de história, costumes, culturas, etc., e devem ser
contadas nas diferentes fases do ensino.

4 Para que, o que e por que contar?


“Há mais sentido nos contos de fadas que me contaram na infância,
do que em qualquer verdade que é ensinada na vida”.
(Friedrich Schiller)

A literatura, por sua complexidade e subjetividade, sofre influência direta de fatores


sociais, ideológicos, políticos, psicológicos..., que interferem nas possibilidades de expressão,
leitura e diálogo entre autor e leitor, fantasia e realidade. E a literatura para crianças vive esse
mesmo processo. É complexa, é polifônica (muitas vozes), é polissêmica (muitos sentidos) e
por isso mesmo, fonte inesgotável de sentidos e descobertas (LAJOLO; ZILBERMAN, 2004).

A riqueza dessas narrativas pode ser observada no fantástico mundo das fábulas de
Esopo, em que os animais refletem valores humanos; nos clássicos contos de Grimm e de
Perrault, revelando contexto histórico e simbologias; nos contos de Andersen, expondo sua
experiência pessoal em narrativas cheias de encanto e ensinamento; nos textos de suspense,
enigma e aventura provocando o pensamento lógico e a resolução de desafios; nos contos
modernos de Marina Colassanti; nos poemas e sua sonoridade, seu movimento e incentivo
à sensibilidade; nas narrativas épicas cheias de amor e honra; na literatura infantil brasileira
local, regional, nacional.

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Arte e Literatura na Infância

Vale destacar o papel do professor para fazer a literatura compor o


imaginário leitor. Assim, é necessário que se conduza os trabalhos na aula
trazendo muitos exemplos e demonstrações, de modo que se possa
traduzir ao público “a utilidade do livro e o prazer que a leitura traz para
o intelecto e a sensibilidade” (COSTA, 2013, p. 20).

Enfim, temos um leque de possibilidades, de janelas que se abrem para o deleite e para
o trabalho de formação leitora, considerando os estágios de desenvolvimento, as fases de
leitura, o objetivo pedagógico e a aproximação entre a criança e a literatura.

5 A narração, a pedagogia, a psicopedagogia e a psicanálise


“Mas um conto é apenas um conto,
que eu conto, reconto e
transformo em outro conto.”
Marina Colasanti

Para a Pedagogia, a escola em parceria com a família e a sociedade tem o importante


papel de desenvolver a formação integral das crianças (conhecimentos, atitudes, habilidades,
valores) e também de reconhecer que a infância é uma fase cheia de conflitos, medos, dúvidas
e contradições.

Nesse sentido, ao favorecer o contato da criança com o material artístico e literário pela
via da contação de histórias (quando o educador empresta seu corpo, sua voz, sua energia e
sua emoção à literatura), se estabelece um vínculo fundamental e promissor entre o educador,
a criança e a literatura.

A Psicopedagogia (ramo de atuação ligado à psicologia da aprendizagem), vê, nas


histórias, uma importância vital para o desenvolvimento infantil. Elas estimulam a imaginação
e a criatividade, motivam para a leitura, ampliam as formas de expressão oral e escrita e
permitem um intermitente diálogo entre a criança e a realidade.

Na perspectiva apontada pela Psicanálise, as narrativas infantis (e especialmente, os


contos), com sua linguagem simbólica, permitem incursões pelos conflitos da infância
(medos, transgressões, egocentrismo, etc.) e da adolescência, pelos grandes problemas
da existência (vida, morte, separação...) e pela forma como a sabedoria popular (o senso
comum) representa papéis, resolve conflitos e se adapta à realidade.

Fundamental, portanto, ter a literatura e a contação de histórias como aliadas no


processo educativo em diferentes idades, afinal, como analisa Gillig (1999, p. 84):
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Os pedagogos que trabalham ou trabalharam na escola infantil sabem que importância


dar a “hora do conto”com as crianças pequenas e conhecem o fascínio que podem
exercer sobre elas através dessa atividade.

Elas são ferramentas indispensáveis para estimular os sentidos, para estabelecer e


fortalecer relações e para partilhar saberes e experiências pessoais e pedagógicas na escola e
em outros espaços educativos (instituições públicas, empresas particulares, etc.), bem como
nos processos terapêuticos (nos hospitais, clínicas e centros integrados de educação). Por meio
delas, as crianças desenvolvem a linguagem, constroem o pensamento crítico, compreendem
a realidade e podem nela intervir com segurança, competência e sensibilidade.

Hoje, no Brasil, diferentes espaços e instituições (públicas e particulares), reconhecendo


a importância terapêutica das narrativas infantis sobre a saúde física e psicológica das crianças,
capacitam voluntários de diferentes profissões e idades para contar histórias em alas
pediátricas de hospitais e centros de atenção à saudade da criança – como é o caso do
belíssimo trabalho dos Palhaços do Riso ou Brincantes, em Salvador, e dos Doutores da
Alegria, em São Paulo.

Para Gillig (1999, p. 76), “O conto de fadas leva a criança para uma viagem
maravilhosa e, no final, volta à realidade, uma realidade que nada mais tem de
mágico, pois se está no nível do cotidiano comum”.

Nessa perspectiva, algumas provocações podem nos permitir pensar e


entender a força dessas narrativas para a infância: o final “[...] e viveram felizes
para sempre” pode representar a esperança de dias melhores? De que o
sofrimento é reversível? De que as dores e doenças podem ser superadas?

Considerações finais
Aprendemos, ao longo desta aula, que a narração de histórias tem importância
fundamental para o desenvolvimento infantil e para a prática pedagógica com crianças. Vimos,
também, que a mediação docente (ao emprestar seu corpo, sua voz, sua sensibilidade e
energia para a contação) favorece a construção de competências e habilidades que permitirão
à criança transitar pelo universo da literatura, da arte e dos demais saberes com sensibilidade,
autonomia e consciência crítica. E que a Arte, em suas distintas manifestações (como é o caso
da narração), permite às crianças e docentes uma vivência de prazer e aprendizagens.

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Para saber mais sobre esta incrível e milenar arte da voz e do gesto – a
contação de histórias – acesse nossa Midiateca e assista ao didático e
estimulante vídeo da TV PUC: A Arte de Contar Histórias.

Referências
COELHO, B. Contar histórias: uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 1999.

COSTA, M. M. Metodologia do ensino da literatura infantil. Curitiba: InterSaberes, 2013.

FARIA, M. A. Como usar a literatura infantil na sala de aula. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2009.

GILLIG, J. M. O Conto na Psicopedagogia. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

LAJOLO, M.; ZILBERMAN, R. Literatura infantil brasileira: histórias & histórias. São Paulo: Ática,
2004.

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Aula 15
Educação, autores e histórias infantis

Objetivos Específicos
• Conhecer autores e livros infantis, sua relação com o contexto histórico e sua
importância para o ensino e a aprendizagem das crianças.

Temas

Introdução
1 Escritores clássicos e modernos: de Cinderela a Alice
2 Escritores nacionais e a literatura regional
3 A escrita feminina e masculina para crianças
4 Autores, personagens e temas para a infância
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
Seguindo o ditado popular, “quem conta um conto aumenta um ponto”. Foi assim
que a literatura para crianças, vinda da Europa entre os séculos 18 e 20, se misturou às
tradições culturais dos povos colonizadores do Brasil: portugueses, indígenas e africanos
(especialmente), e, mais tarde, imigrantes, ampliando o universo das narrativas com
“identidade” nacional, uma identidade miscigenada, rica, plural, multicultural e, por isso
mesmo, de grande importância para a cultura e a escola.

Nesta aula, tomando como perspectiva a relação entre a literatura, a história e a educação
de crianças, ampliaremos conhecimentos sobre os autores clássicos – nacionais e atuais –,
que vêm inspirando a prática educativa, atualizando as tradições culturais, ampliando as
possibilidades de expressão oral e escrita e favorecendo a aproximação entre a criança, o
texto literário e a aprendizagem.

1 Escritores clássicos e modernos: de Cinderela a Alice


A Europa viveu, entre os séculos 16 e 17, um período de transição entre o sistema feudal
e o capitalista, o que implicou em transformações na economia, na política, na educação,
na cultura e nas artes. A família, notadamente patriarcal, impregnada de valores, regras e
imposições de conduta para meninas e meninos, mulheres e homens, se afinava com os
ditames da igreja e da emergente burguesia que chancelava as artes e a literatura.

Nesta época de clara distinção entre as camadas sociais (o clero, a nobreza, a burguesia
de um lado, e o proletariado, do outro), de grandes bailes e ricos encontros “mundanos” em
salões reais, nasceu a “moda” dos contos de fada – narrativas que, presentes na oralidade
de diferentes culturas desde a Idade Média, ganharam força neste momento histórico de
reestruturação da sociedade, da família, da educação e dos valores sociais , pois uniam
tradição oral, valores morais e os elementos da cotidianidade (o galanteio, a maldade, a
inveja, etc.).

Essa “moda” chegou ao Brasil no início do século 20 (via tradução) e só era acessível
a crianças (com prévia censura) e adultos das classes dominantes. Os contos eram lidos em
rebuscadas publicações, contados nas poucas escolas desse período para meninos e nos
conventos (onde teve início a educação feminina), recontada e atualizada nas ruas. Esta
literatura já encantava (um prazer muitas vezes silencioso, na leitura individual), entretinha
(nas festas, salões, saraus) e ensinava (boas maneiras, papéis sociais, obediência, história,
padrões de beleza e comportamento adequados às mulheres e aos homens também). Daí a
alusão ao seu potencial pedagógico e à sua crescente apropriação pela escola (GILLIG , 1999).

Como arte milenar, a literatura tem, na palavra oral ou escrita, sua força de expressão.
Uma expressão que tem sua estética pautada nas relações entre língua e linguagem;

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emoção e poesia; estilo e imagem e, em diferentes temáticas; que se alimenta da realidade


e busca inspiração em sonhos, fantasias, pensamentos, tradições culturais, sentimentos,
representações e em tudo que diz respeito ao humano em sua simples e, ao mesmo tempo,
complexa existência na Terra.

Como bem analisa Gonçalves Filho (2000, p. 13):


[...] a literatura – universo de ponta da língua [...] é conhecimento produzido
historicamente, além de ocupar, na prática cultural, um lugar de privilégio como
exercício de liberdade, de inquietação e de perplexidade.

Daí sua importância na escola como recurso indispensável para sensibilizar, formar e
expressar a riqueza artística e cultural de diferentes lugares, tempos e contextos.

São exemplos de clássicas histórias (velhas conhecidas nossas), ainda bastante apreciadas
pelas crianças por conta de suas narrativas cheias de magia, simbolismos e significados:

• “Cinderela”, “Chapeuzinho Vermelho”, “Branca de Neve”, “O Pequeno Polegar”, “O


gato de Botas”, dos Irmãos Grimm e de Perrault, e

• “A Sereiazinha”, “O Patinho Feio”, “O Soldadinho de Chumbo” e “A menina dos


Fósforos”, de Andersen.

Dos escritores clássicos citados (Grimm, Perrault e Andersen), aos modernos como:

• Carlo Collodi, criador da famosa saga de “Pinóquio” (o boneco/menino de madeira


cujo nariz crescia sempre que mentia) e Geppeto (seu pai e artesão),

• Lewis Carrol, e sua fantástica história de “Alice no País das Maravilhas” (um “país”
em outra dimensão onde as coisas, os animais e as pessoas tinham uma mágica e
extraordinária relação), e

• James Barrie, autor de “Peter Pan” (o menino que se negava a crescer).

Essas narrativas se mantiveram fiéis a características seguramente afinadas com o


universo infantil: o jogo simbólico, o fantástico e o reversível.

Veiculados em livros (em diferentes materiais e recursos visuais), ilustrações (em diferentes
estilos) e filmes (com pessoas, animações e musicais) com modernos recursos tecnológicos
(3D, 4D), como se vê nas famosas adaptações de importantes estúdios cinematográficos,
a exemplo de Walt Disney Company, essas (e tantas outras) histórias são frequentemente
reeditadas e adaptadas em diferentes mídias e linguagens, atingindo (e fidelizando) um
público cada vez mais amplo e diversificado, como é o caso da releitura

• de “Cinderela”, no filme Para Sempre Cinderela (com Drew Barrimore);

• de “Branca de Neve”, no filme Espelho, Espelho meu (com Júlia Roberts); e

• da “Bela Adormecida”, em Malévola (com Angelina Jolie).

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Ampliando as linguagens, amplia-se também a acessibilidade. O que permite a diferentes


sujeitos ler, ver, ouvir e sentir o encanto das narrativas literárias.

Você sabia?

Que no dia 2 de abril se comemora o Dia Internacional do Livro Infantil


em homenagem ao aniversário do escritor Hans Christian Andersen?

E que no dia 18 de abril se comemora o Dia Nacional do Livro Infantil em


homenagem ao escritor Monteiro Lobato?

Nas histórias clássicas e modernas, as crianças podem observar os valores morais


do período em que viveram seus autores e de diferentes sujeitos (os menos favorecidos
economicamente, os ricos, os doentes, os feios, os deficientes). Todos eles viveram desafios,
resistiram, usaram a inteligência, lutaram, foram punidos ou libertados; superaram barreiras,
realizaram sonhos, venceram seus medos, se transformaram. Foram socializados. A exemplo
de:

• Pequena Sereia (que trocou sua voz pela possibilidade de amar e, assim, ter uma
alma imortal);

• Soldadinho de Chumbo (que mesmo com uma perna só, enfrenta o ogro e se sacrifica
pelo amor da bailarina); e

• Patinho Feio (que nascendo feio, é expulso da colônia de patos, sofre maus tratos, e
encontra a redenção na beleza e na fama, revelando uma espécie de autobiografia
do autor).

E das aprendizagens de:

• Pinóquio (sobre a mentira, sobre a educação);

• Peter Pan (sobre a coragem de crescer e ser feliz);

• Alice (sobre a maturidade); e

• Pequeno Polegar (sobre inteligência e superação).

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2 Escritores nacionais e a literatura regional


Para muitos estudiosos e pesquisadores, a exemplo de Lajolo (1999), a literatura é sempre
um saboroso aperitivo para novas viagens, leituras e descobertas. Um convite para conhecer:

• estilos (Romantismo, Simbolismo, Modernismo, etc.);

• gêneros: lírico (como a poesia e a sátira); narrativo (como os contos, as fábulas, as


crônicas); dramático (como a farsa e a tragédia);

• autores (nacionais e internacionais),

• temáticas (história, meio ambiente, cultura, política, etc.) e

• linguagens (oral, escrita, imagética, digital, etc.).

Uma viagem, onde escritores e leitores se encontram, dialogam e aprendem.

O conto de fadas, gênero narrativo nascido da tradição oral, com sua estrutura narrativa
que tem início, desenvolvimento e fim, serviu de inspiração para autores e estilos em
diferentes tempos. Da sua entrada em território brasileiro no início do século 20, aos dias de
hoje, casas editoriais em diferentes pontos do país vêm publicando histórias para crianças
pautadas na fantasia, no jogo simbólico e na poesia que tanto agrada o universo infantil (por
sua sonoridade, plasticidade e movimento).

Dessa perspectiva, vale conhecer alguns autores (e suas narrativas) que, em âmbito
nacional, têm permitido às crianças o acesso a uma prosa poética que prima pela qualidade,
inovação e criatividade. Para efeito didático, observando a necessidade de valorizar (e divulgar)
a escritura de diferentes vertentes e estilos literários no país, bem como a possibilidade de
trabalho com as crianças (observando as fases de leitura, e do desenvolvimento), vamos
conhecer alguns importantes representantes de cada uma das cinco regiões do país.

• Nordeste

A professora e escritora Maria Isabel Vianna Telles Velloso (Mabel Velloso) de


81 anos de idade, busca evidenciar em suas publicações o lema “contar e cantar
é o melhor caminho para ensinar” (citação oral). Para ela, o ensino não pode se
distanciar das experiências pessoais, pois estas revelam memória e história; precisa,
portanto, abraçar a poesia, a sensibilidade e o respeito às tradições culturais de
cada região.

São publicações suas: “O leque” (1993), “O Trenzinho Azul” (1992), “Medo do


Escuro” (1995), “Arraia azul” (1995), “Barrinho” (2005) e “Bonequinhos de Papel”
(2005).

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• Sudeste

A professora, jornalista e poeta carioca Cecília Meireles (1901-1964) é umas das


escritoras mais conceituadas no Brasil. Sua poesia infantil revela sensibilidade e
riqueza de elementos que, no aspecto educativo, se configuram fundamentais para
o desenvolvimento infantil – ludicidade, sonoridade, plasticidade, beleza – daí sua
obra ser tão apreciada e usada nos anos iniciais do ensino fundamental:

Com seu colar de coral, Carolina corre por entre as colunas da colina. O colar de
Carolina colore o colo de cal, torna corada a menina. E o sol, vendo aquela cor do
colar de Carolina , põe coroas de coral nas colunas da colina (MEIRELES, 1990, p. 72).

• Centro-Oeste

A poeta e escritora Cora Coralina (nascida Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas,
1889-1985), teve seu primeiro livro publicado aos 76 anos de idade, no qual se
revelou uma peculiar e sensível contadora das histórias do seu povo, via produção
poética: “ Meti o peito em Goiás e canto como ninguém. Canto as pedras, canto as
águas, as lavadeiras, também” (CORALINA, 2013, p. 9)

• Norte

O poeta amazonense Thiago de Melo, nascido em 1926, tornou-se nacional e


internacionalmente conhecido por sua luta em prol dos Direitos Humanos. Sua
obra, já traduzida em mais de 30 idiomas, revela fortes marcas do seu engajamento
político, da cultura de sua região, e dos contatos que teve no exílio com o poeta
Pablo Neruda: “ Fica decretado que agora vale a verdade. Agora vale a vida , e de
mãos dadas , marcharemos todos pela vida verdadeira” (MELO, 1991).

• Sul

O escritor, cartunista, romancista e tradutor Luis Fernando Verissimo, nascido em


Porto Alegre em 1926. Nacionalmente conhecido por seus textos de humor e suas
crônicas (que também circulam por importantes jornais de veiculação nacional),
Luis Fernando nos revela um olhar sensível e crítico sobre a realidade e as relações
humanas:

Cinema é melhor pra saúde do que pipoca! Conversa é melhor do que piada. Exercício
é melhor do que cirurgia. Humor é melhor do que rancor. Amigos são melhores do
que gente influente. Economia é melhor do que dívida. Pergunta é melhor do que
dúvida. Sonhar é melhor do que NADA!

É vasto o universo de escritores, poetas, temas e abordagens sobre os mais diferentes


assuntos em cada região, em cada estado, o que evidencia a competente (e crescente)
produção autoral e editorial em nosso país, cada vez mais acessível e próxima de nós e de
nossas crianças.

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3 A escrita feminina e masculina para crianças


A história da menina do “narizinho arrebitado”, e toda a saga do Sítio do Pica-pau
Amarelo, escrita por Monteiro Lobato e publicada em 1921, marca o início da literatura
produzida para crianças no Brasil. Uma literatura que seduz (e fideliza ainda hoje) um grande
número de leitores por sua narrativa regionalizada (o cenário é um sítio numa cidade do
interior, possivelmente no estado de São Paulo, local onde o autor viveu e teria buscado
inspiração), recheada de situações cotidianas e mágicas, seres fantásticos, história (local e
mundial) e personagens de diferentes culturas (indígena, africana, europeia, grega, egípcia,
etc.) (LAJOLO, 1999)

Até aquele momento, outros autores já tinham sua produção, nomes reconhecidos e
divulgados na produção literária e também na poesia destinada a adultos, como Castro Alves
(1883), Machado de Assis (1891) e Olavo Bilac (1910). Fato curioso, no que diz respeito à
infância nesse contexto, esse sucesso literário de Lobato – que não era professor, não estava
próximo das crianças e nem realizava atividade diretamente ligada ao público infantil.

Isso nos leva a pensar: por que ele, Monteiro Lobato, distante do
magistério (defendido historicamente como função/vocação feminina a partir
do século 19), foi quem teve destaque e legitimidade na escrita para a infância,
e não as mulheres, tão próximas das crianças por meio da maternagem e do
ensino primário? Porque eles, os homens, historicamente representados
como superiores e inteligentes e, portanto, dotados de autoridade, teriam
legitimidade para falar da e para a criança.

As mulheres, mesmo sendo maioria na docência infantil, nos cursos de


pedagogia e licenciatura e, mesmo acompanhando cotidianamente (e
majoritariamente) o desenvolvimento das crianças (em casa e na escola), não
tiveram seu discurso reconhecido pelo pensamento dominante (historicamente
consideradas frágeis, submissas e dotadas de pouca inteligência).

Num rápido olhar sobre a história, podemos observar que são os homens que mais
aparecem como cientistas, pintores, escritores, escultores; que explicam a infância e teorizam
sobre elas – evidenciando uma lacuna história que ocultou o protagonismo feminino: as
mulheres sempre estiveram presentes, pensando, escrevendo, educando, produzindo,
pesquisando, fazendo arte e fazendo história. Mas foram ocultadas no registro histórico por
conta da relação entre a escrita e o sagrado (ligado à masculinidade) e, consequentemente,
entre o saber e o poder.

Hoje, esse universo tem-se ampliado e já é grande o número de autoras que se dedicam
a escrever para crianças – ainda que seu reconhecimento esteja atrelado a outros fatores,
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Arte e Literatura na Infância

como o estilo (a poesia ainda é pouco editada), a região (sul e sudeste tem maior tiragem) e o
suporte de grandes editoras nacionais (que selecionam por temática e nomes já conhecidos).

Isso reafirma nosso compromisso, como educadores (conscientes da necessidade de


educar para a igualdade na diferença), em oferecer às crianças boas e diversas opções de
leitura, reafirmando a importância e o compromisso de cada um de nós (mulheres e homens)
– professores, leitores, escritores – na produção artística, no registro e na divulgação de nossa
história, de nossa cultura.

4 Autores, personagens e temas para a infância


Retomando e ampliando as discussões realizadas nos tópicos anteriores, vamos conhecer
a produção de alguns autores infantis da contemporaneidade, observando a diversidade de
temas (a arte, a etnia, a inclusão, as tradições culturais, etc.) e abordagens:

• Sylvia Ortof (1932-1997)

Livro: “Doce, doce... E quem comeu regalou-se” (1987)

A autora cria um divertido texto, provocando o leitor a relacionar o seu discurso


escrito (afinado com o universo infantil) com as imagens produzidas por seu marido
Tato (ilustrador). Recriando o estilo do pintor flamenco Peter Bruguel (O Velho),
eles apresentam um texto leve, cheio de humor e rico em elementos visuais.

• Ruth Rocha

Livro “Romeu e Julieta” (1999)

A autora, retomando o clássico romance de Shakespeare, narra a fantástica aventura


de duas borboletinhas (uma azul e uma amarela) separadas pela cor (os canteiros
não se misturavam) e que se tornaram amigas. Num passeio escondido pela floresta,
elas se perdem, o que obriga a união de todos os canteiros para localizá-las. Este
encontro põe fim à separação, ao preconceito e cria uma comunidade colorida e
feliz.

• Ana Maria Machado

Livro: “Menina Bonita do Laço de Fita” (2000)

A autora, utilizando como metáfora a relação de um coelhinho branco que quer ser
pretinho com uma menina pretinha, discute a forma de ensinar às crianças sobre a
sua identidade étnica, sobre família e sobre autoestima.

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• Mabel Velloso

Livro “Inclusão, uma carta” (2013)

Em parceria com o Núcleo de Atendimento às crianças com Paralisia Cerebral


(NACPC-Bahia), a autora, inspirada na história de vida de uma amiga (avó de uma
criança com paralisia cerebral), narra em prosa poética as angústias, apreensões e
conquistas efetivadas a partir do acolhimento e acompanhamento individualizado
à criança neste núcleo.

• Ricardo Azevedo

Livro: “Meu livro de Folclore” (2000)

O autor retoma (em formato de coletânea) narrativas populares em diferentes


estilos (contos, parlendas, advinhas, etc.), fruto de extensa pesquisa sobre o
folclore brasileiro (Câmara Cascudo, Silvio Romero e outros) e da sua preocupação
pedagógica.

É possível observar, portanto, a riqueza das temáticas e abordagens das produções


literárias e, em especial, as destinadas ao público infantil: sejam clássicos, modernos,
contemporâneos; locais, regionais ou nacionais; sejam em diferentes linguagens (poema,
crônica, romance, suspense, aventura, etc.), os autores e seus textos contam histórias e assim
emprestam beleza, sabedoria e conhecimento a diferentes sujeitos, de distintas idades e em
diferentes tempos.

Escrever para crianças é uma arte. Sobre esta delicada arte, sensivelmente,
nos fala Ruth Rocha no vídeo É muito bom escrever para crianças, disponível
em nossa Midiateca. Confira!

Considerações finais
Como observamos nesta aula, autores e histórias continuam encantando crianças e
adultos e simbolicamente dialogando com nossas emoções, medos, desafios e descobertas.
Atualizadas pela tradição oral de cada país, de cada cultura, as histórias dizem de nós e para
nós num movimento que une prazer, suspense, romance, intriga, amor e vitórias. Ainda que
passíveis de crítica e releitura (observando aspectos de gênero, classe social, etnia, etc.),
como propõe e desafia a arte e a crítica contemporânea, as histórias são imprescindíveis para
uma prática sensível da língua, da memória e da história. Enfim, para a prática formativa com
as crianças de um modo geral.

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Arte e Literatura na Infância

Referências
AZEVEDO, R. Meu livro de folclore. São Paulo: Ática, 2000.

GILLIG, J. M. O conto na psicopedagogia. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

CORALINA, C. Meu livro de cordel. São Paulo: Global, 2013.

GONÇALVES FILHO, A. A. Educação e literatura. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

LAJOLO, M. Literatura infantil brasileira: história e histórias. São Paulo: Ática, 1999.

MACHADO, A. M. Menina Bonita do Laço de Fita. São Paulo: Ática, 2000.

MEIRELES, C. Ou isto ou aquilo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

MELO, T. Os estatutos do homem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

ORTHOF, S. Doce, doce... e quem comeu regalou-se! Ilustrações de Tato. São Paulo: Paulus,
1987.

PEREIRA, K. H. Como usar artes visuais na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2009.

ROCHA, R. Romeu e Julieta. São Paulo: Ática, 1992.

VELLOSO, M. Inclusão: uma carta. Salvador: Presscolor, 2013.

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Aula 16
Movimentos de arte, linguagens e educação

Objetivos Específicos
• Valorizar os principais movimentos de arte, seus expoentes, relações e
importância para a prática educativa para crianças.

Temas

Introdução
1 Arte, interação e educação
2 E foi assim que tudo começou...
3 Os movimentos de arte e a prática com as crianças
Considerações finais
Referências

Professora
Rita de Cássia Costa Moreira
Arte e Literatura na Infância

Introdução
Ao longo de mais de 30.000 anos, a humanidade vem registrando suas impressões por
meio de diferentes linguagens. De maneira intuitiva ou consciente, mulheres e homens
documentaram sua existência em materiais e com técnicas que receberam da sociedade
em que estavam inseridos, por meio da leitura, interpretação e tratamento diferenciado
a depender do contexto, dos valores sociais e históricos atribuídos e da legitimação pelo
pensamento dominante. É nesse contexto que a arte se insere. Por meio dela e de suas
muitas linguagens, é possível observar a evolução humana através dos tempos, conhecer as
características da vida de nossos antepassados mais distantes e assim reconstruir e entender
a nossa história.

Em todo esse tempo, a concepção de arte foi mudando de acordo com os valores
significativos de cada sociedade, em cada época, em cada contexto social, político, ideológico
e econômico (apoiado em modelos socialmente reconhecidos e legitimados). Os valores
vigentes (culturais, econômicos, religiosos), no que diz respeito aos materiais, às linguagens,
às normas e regras socialmente estabelecidas como o parâmetro avaliador para técnica e
estilo, foram fatores determinantes para a composição do que se convencionou chamar de
movimentos artísticos.

Nesta aula, vamos conhecer esses movimentos (especialmente no caso do Brasil) e suas
relações com a educação e a formação integral de crianças.

1 Arte, interação e educação


A escola e a sala de aula são espaços para a troca de informações, saberes, valores e
normas, mas também é um espaço para interação social, um espaço privilegiado para a
aprendizagem. Nosso papel, na condição de educadores sensíveis à arte e à literatura, é
favorecer experiências significativas por meio da arte, promovendo ações que permitam à
criança adquirir saberes, exercitar conhecimentos, reconhecer seus limites e potencialidades
e respeitar a diversidade.

Nesse sentido, é preciso ensinar, desde muito cedo, as crianças a reconhecerem e a


respeitarem a riqueza da pluralidade cultural e das diferentes formas de comunicação e
expressão que mulheres e homens construíram (e diariamente constroem), para registrar
suas experiências, suas conquistas e sua história , importante exercício para a tolerância e o
reconhecimento da igualdade na diferença – caminho para a plena cidadania.

Como então trabalhar com os movimentos artísticos para que eles estimulem e favoreçam
a aprendizagem das crianças em diferentes anos escolares?

Em primeiro lugar, possibilitando às crianças o contato com diferentes perspectivas,


mostrando-lhes que diferentes sujeitos em diferentes situações e contextos sócio-históricos

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Arte e Literatura na Infância

podem se manifestar de formas diversas. Esse contato com diferentes saberes e culturas
certamente possibilita aprendizagens ricas por meio do processo de mediação, conforme
defende a perspectiva sociointeracionista.

Em segundo lugar, possibilitando a interação entre quatro importantes pilares:

1. saber sobre a cognição humana (como o indivíduo aprende);

2. saber o conteúdo (conhecimento específico);

3. saber a forma como vai ensinar (metodologia/didática), e

4. a importância das relações interpessoais na prática educativa.

Assim, o organismo biológico (corpo), o desenvolvimento cognitivo (processos mentais)


e o meio sociocultural (afetivo/cultural/relacional) teriam relação direta com a aprendizagem
e o desenvolvimento das potencialidades da criança: ativando os sentidos (visão, olfato,
tato, audição, paladar); desenvolvendo a autoestima e transformando informações em
conhecimento.

Abraçando um movimento dialógico e dialético, vejamos então, os principais movimentos


artísticos e suas possibilidades de uso na educação das crianças.

2 E foi assim que tudo começou...


A história da arte (e, consequentemente, dos movimentos artísticos) é um conhecimento
construído socialmente por estudiosos e pesquisadores de acordo com suas condições de
produção (influenciadas pelo contexto sócio-histórico, político e ideológico do período em
que viveram e vivem) sendo, portanto, da ordem da subjetividade. O que lemos são as suas
interpretações (e classificações), a sua produção de leitura sobre cada linguagem e cada
expressão artística (ARNOLD, 2008).

Para efeito didático, vamos aprofundar nosso olhar sobre a trajetória artística no Brasil, a
partir de cinco importantes momentos na história da arte: arte pré-histórica (arte rupestre);
arte do período colonial; arte no século 19; arte moderna; e arte contemporânea. Neles,
vamos conhecer especialmente a produção artística nacional (situando-a no contexto mundial)
identificando períodos, artistas, estilos, técnicas, influências e possibilidades educativas no
ensino fundamental.

2.1 Arte pré-histórica (arte rupestre)


Na arte pré-histórica, mulheres e homens, expressando seu espírito prático e suas relações
com a magia (posse sobre o que era representado), deixaram nas cavernas as marcas de sua
experiência concreta: uma produção (arte rupestre) que revelava seres (animais, plantas e
indivíduos), objetos (utensílios e armas) e situações (caça, pesca, nascimento, morte, etc.) em

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seu cotidiano. No Brasil, um amplo território (que engloba prioritariamente áreas no Piauí,
Bahia, Minas Gerais e Paraíba) mapeado pela arqueóloga Niéde Guidon traz registros que
visualmente documentam (em formas e cores) a história desses primeiros representantes da
espécie humana em nosso território: cenas de caça, dança, combate, e figuras abstratas e
geométricas.

Uma arte reconhecida por sua riqueza, pela ampla possibilidade de nos aproximar
da nossa história primeva (ações, criações, costumes e vida em sociedade), que pode ser
observada em livros, exposições, sítios arqueológicos e museus, e explorada com as crianças,
em releituras ou como estratégia para contação de histórias.

2.2 Arte do período colonial


A chegada dos portugueses em território brasileiro em 1500 e o processo de colonização
empreendido a partir daí constituíram de maneira ímpar nossa herança cultura. As
manifestações artísticas nesta época (período colonial) evidenciam forte influência da corte
portuguesa e da religião trazida pelos jesuítas (1549), beneditinos (1581) e franciscanos
(1584), como se pode observar na arquitetura das igrejas, nos centros urbanos, no vestuário
de mulheres, homens e crianças, e nas residências de nossos primeiros governantes.

Com o Renascimento artístico e cultural na Europa de Leonardo da Vinci e Michelangelo,


com o crescimento urbano do século 17 e com a chegada da Companhia de Jesus ao Brasil,
as construções religiosas, agora contando com arquitetos e pintores, passaram a seguir os
padrões europeus (da elite) e a valorizar as belezas naturais (consideradas exóticas) do Brasil,
como fizeram Frans Post e Albert Eckhout – desenhistas cuja missão era registrar a paisagem
brasileira na expedição holandesa de Maurício de Nassau.

Figura 1 - Vista das Ruínas da Sé de Olinda

Fonte: Frans Post (meados do século 17)

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O século 18, marcado pelos movimentos populares e políticos em prol da Independência


do Brasil, evidenciou uma arte fincada em dois importantes pilares – a espiritualidade (marcada
pelo catolicismo) e a racionalidade (inspirada no Renascimento) – como se pode observar
na Arte Barroca (incluindo o rococó) adaptada à realidade nacional (CORTELAZZO, 2012).
Mestres, arquitetos e pintores passaram a inserir em sua produção artística e, em especial
nas igrejas e na arquitetura urbana, elementos da visualidade (cor, luz, linhas, volume) que
pudessem sugerir a ideia de pompa, perspectiva, movimento e contraste, dando destaque
à beleza e riqueza do patrimônio artístico e cultural, como se pode observar nas obras de
Antônio Francisco Lisboa – O Aleijadinho, em Minas Gerais. Merece destaque também nesse
período, a arte musical. Uma arte fortemente influenciada pelo cotidiano e ritual indígena,
pela celebração católica de origem portuguesa (em especial os hinos) e, mais tarde, pela
percussiva musicalidade africana, configurando o sincretismo que até hoje prevalece em
nossa arte.

2.3 Arte no século 19


O século 19 foi marcado pela transição entre o Brasil colônia e o Brasil imperial;
momento de tensões políticas, novas ideias e grande efervescência cultural. A chegada da
Missão Artística Francesa (cujo objetivo era a formação da primeira escola de arte para a
elite) de inspiração neoclássica (retomada dos ideias clássicos) e sua adaptação ao território
nacional, provocou atualizações na arquitetura (em construções mais sofisticadas), na pintura
(de retratos e quadros de personalidades importantes e fatos históricos – o descobrimento, a
fundação das cidades, as lutas contra os holandeses, as entradas e bandeiras, os movimentos
da independência e a proclamação da República), no mobiliário, evidenciando a busca de
oficializar e de reconhecer este novo Brasil.

Também foram registrados os trabalhadores do campo, a vida cotidiana nas cidades,


o lazer, os costumes, as paisagens nativas. Essas representações, ainda que marcadas pela
busca de uma identidade artística nacional, traziam evidências das escolas e dos nomes que as
inspiraram (neoclássica, romântica, realista, impressionista, etc.) e nessas escolas, a evidência
da emoção, do olhar romântico e idealizado sobre os índios, os portugueses, as mulheres e a
história, como pode ser observado nas pinturas em tela desse período: A Primeira Missa no
Brasil (de Victor Meireles), O Último Tamoio (de Rodolfo Amoedo) e Iracema (de José Maria
de Medeiros).

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Figura 2 - Primeria Missa no Brasil, de Victor Meirelles

Fonte: Meirelles (1860).

2.4 Arte moderna no século 20


O século 20 apresenta para nós a perspectiva modernista que se caracteriza como um
movimento em defesa de uma nova cultura que rompe com os pressupostos clássicos até
então vigentes (considerados ultrapassados) em uma proposta que pudesse conduzir os
indivíduos à produção livre e a uma apreciação estética desvinculada de normas e rígidos
padrões para o bom e o belo.

O modernismo brasileiro, como legítimo movimento de vanguarda, inspirado no


Cubismo (expresso na arte de Pablo Picasso), no Surrealismo (de Salvador Dali), no Futurismo
e na tendência mundial de pensar e executar uma nova arte, defendia a liberação artística, a
inovação e a ruptura com todo sistema que impedisse a liberdade de expressão em diferentes
linguagens.

Este intenso movimento culminou com a realização da Semana de Arte Moderna, evento
realizado entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922 em São Paulo e que reuniu intelectuais
e representantes de diferentes linguagens para discutir e apresentar novos conceitos e novas
formas de interpretação artística. Foram ícones da expressão modernista no Brasil:

• na pintura, Tarsila do Amaral (com seu famoso Abaporu);

• na literatura, Mario de Andrade (com “Macunaíma”); e

• na música, Heitor Villa Lobos (e as Bachiannas) (REZENDE,2006).

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Figura 3 - Tarcila do Amaral, “Auto-retrato”, de 1923

Fonte: Amaral (1923).

2.5 Arte contemporânea


Este movimento (em seus desdobramentos) inspirou a revolução cultural das décadas de
70 (período da ditadura militar) e 80 do século passado, quando a transgressão, a resistência
às normas e aos valores e os projetos culturais e ideológicos alternativos (típicos da arte
contemporânea), foram a tônica para diferentes discussões, abordagens e conquistas: a
liberdade sexual, o uso de drogas, a contracepção e a relação com o corpo.
• Ideias e opiniões contadas e cantadas na música internacional (Elvis Presley, John
Lennon, Cheer, Bee Gees) e nacional (Rita Lee, Doces Bárbaros, Lulu Santos, Os
Mutantes);
• na literatura (Paulo Leminski e Caio Fernando Abreu); e
• na interação entre a arte e a tecnologia (a instalação, o grafite, a arte postal, a
performance (Cláudio Tozzi, Takashi Fukushima, Alex Vallauri).

O artista do século XX precisava ir além das pesquisas de seus antecessores


e posicionar-se contra qualquer tipo de manifestação que se relacionasse
aos padrões daquela arte do passado. Dessa forma, cada grupo, dentro
de suas vivências, buscava superar as ideias existentes, trazendo novas
experiências e agregando, em número cada vez maior, adeptos de uma
proposta que negava completamente a arte “passadista” (CORTELAZZO,
2013, p.165).

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Hoje, em meio à globalização, às novas tecnologias (nas mídias, na telefonia, na saúde,


no lazer, na educação etc.) e às redes sociais, convivem a arte clássica, a Pop Art (a cultura em
massa, as histórias em quadrinhos, as fotos, as cenas e imagens do cinema e da publicidade),
o Expressionismo abstrato (estilo baseado em cores vibrantes e forte alusão ao sobrenatural
que inspirou o cinema e a pintura, como se vê na obra de Edvard Munch, O Grito, de 1893),
o Minimalismo (e o econômico uso dos elementos para uma produção artística), o Grafite
(a expressão artística em paredes, fachadas e muros de espaços públicos) em sua forte
relação com o Hip Hop (gênero musical originário da Jamaica) e tantas outras manifestações
que se revelam nos espaços públicos e em diferentes ambientes e linguagens e se abrem à
apreciação, atribuição de sentidos e produção de leitura.

3 Os movimentos de arte e a prática com as crianças


No que diz respeito ao trabalho com as crianças, os movimentos artísticos se revelam
como campo bastante promissor. Sobre os primórdios da arte, pode-se utilizar diferentes
materiais de base (argila, telha, tijolo, o próprio chão ou uma parede previamente preparada,
papel metro, etc.), para reproduzir algumas pinturas utilizando a técnica dessas primeiras
produções (grafismos, desenhos com ou sem pintura, impressões com as mãos ou os pés, etc.
e pinturas no próprio corpo), os temas (animais, pessoas, situações, etc.), as cores (utilizando
pigmentos naturais como a semente de urucum), e as formas (em esculturas, peças decorativas
e utensílios) ou para contar sua própria história e assim reconhecer a importância do registro
histórico na comunicação humana.

Sobre o Brasil colônia, é preciso privilegiar a discussão sobre a nossa identidade. Tomando
como ponto de partida a herança cultural dos povos colonizadores – brancos, índios e negros
– e a riqueza de suas produções na arquitetura (observando igrejas, casas, construções
antigas, etc.), na literatura (contos, fábulas, lendas, canções, etc.), na música, na culinária
(feijoada, beiju, acarajé, mingau...), no vocabulário, nos costumes (tomar banho, dormir em
rede, adorar os deuses), na arte (cerâmica, pintura do corpo, arquitetura...), é possível refletir
com as crianças sobre a construção da nossa identidade observando o aspecto étnico (as
características de cada um dos povos no cabelo, no nariz, na cor da pele...), religioso (com
fortes marcas nas igrejas e capelas em todo o país) e cultural (nas diferentes manifestações
que compõem o acervo nacional – as festas populares e religiosas, as esculturas, as pinturas,
etc.) em atividades concretas e lúdicas por meio da dança, dos jogos e brincadeiras, do
trabalho com argila, com pintura e com desenho.

Do séculos 19 e 20, é importante apresentar para as crianças as produções desse


período por meio de visitas ao centro histórico da cidade onde vivem, da pesquisa em livros,
da apreciação de obras de arte, filmes e vídeos. E acessar também a literatura (Alvares de
Azevedo, José de Alencar, Machado de Assis...), a música (Carlos Gomes, Francisco Manuel
da Silva – autor do nosso Hino Nacional), a pintura (Pedro Américo e Henrique Bernardelli), a
dança (a valsa, o tango, o bolero, as quadrilhas...), reconhecendo em todas essas manifestações

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a possibilidade de aproximação entre a história, a cultura e a produção humana em diferentes


tempos e linguagens.

São muitas as possibilidades para explorar a arte moderna e contemporânea com as


crianças. São vários estilos, correntes, materiais e técnicas visíveis na escola, nas ruas, praças,
parques e avenidas, onde pessoas, unindo desejo e coragem, compartilham abertamente seu
talento (em diferentes linguagens) e recebem em troca o silêncio contemplativo, o aplauso,
um tímido sorriso ou até moedas no chapéu. São danças, esculturas vivas, performances,
apresentações musicais (violino, teclado, violão...), pantomimas, malabaristas no semáforo,
arte em sucata, declamação, grafite... enfim, uma miríade de opções que cotidianamente
acionam os sentidos, estimulam múltiplas inteligências e provocam o pensar e experimentar
outras formas de olhar e aprender.

Nesse contexto, entende-se que o aluno, visto como centro e parte mais
importante do processo, deve sentir prazer em aprender, em fazer arte,
em criar, em improvisar, em ouvir, em ver e em apreciar as diferentes
formas artísticas. Ele deve se expressar por meio do fazer artístico, ao
mesmo tempo que adquire conhecimento e desenvolve suas habilidades.
(ZAGONEL, 2012 p. 77).

Considerações finais
Como vimos nesta aula, a aproximação entre as crianças e cada movimento artístico,
cada manifestação de arte, traz a possibilidade de conhecer a história concreta de mulheres
e homens, em suas relações com a vida e a realidade. E nessa experiência intelectual, afetiva
e sensorial, temos a valorização do trabalho de construção e expressão cultural e artística de
diferentes povos, em diferentes tempos. Um trabalho, que como analisa Pereira (2009, p. 09
) “[...] é a manifestação concreta dos significados que um determinado coletivo atribui ao
viver em grupo, é a maneira de criar sentidos para o cotidiano”.

Vale a pena assistir aos vídeos disponíveis em nossa Midiateca sobre a arte
contemporânea de Nina Pandolfo, sobre a Pop Art, e sobre a arte de rua dos
Gêmeos.

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Arte e Literatura na Infância

Referências
AMARAL, T. Autoretrato. 1923. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/
pessoa824/tarsila-do-amaral>. Acesso em: 29 out. 2014.

ARNOLD, Dana. Introdução à História da Arte. São Paulo: Ática, 2008.

CORTELAZZO, P.R. A história da arte por meio da leitura de imagens. Curitiba: InterSaberes,
2012.

______. A história da arte por meio da leitura de imagens. In: CORTELAZZO, P.R. [et.al.] Por
dentro da arte. Curitiba: InterSaberes, 2013.

MEIRELLES, V. Primeira Missa no Brasil. 1860. Óleo sobre tela. Disponível em: <http://
enciclopedia.itaucultural.org.br/termo327/pintura-historica>. Acesso em: 29 out. 2014.

REZENDE, N. A Semana de Arte Moderna. São Paulo: Ártica, 2006.

PEREIRA, K.H. Como usar artes visuais na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2009.

POST, F. Ruínas de uma igreja jesuíta em Olinda. [16--]. Óleo sobre tela. Disponível em: <http://
enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9982/frans-post>. Acesso em: 29 out. 2014.

ZAGONEL, B. (org.) Arte na educação escolar. Curitiba: InterSaberes, 2012. (Série Metodologias).

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