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Construção dos Conceitos

Matemáticos
Créditos
Centro Universitário Senac São Paulo – Educação Superior a Distância
Diretor Regional Luciana Marcheze Miguel
Luiz Francisco de Assis Salgado Luciana Saito
Superintendente Universitário Mariana Valeria Gulin Melcon
e de Desenvolvimento Mônica Maria Penalber de Menezes
Luiz Carlos Dourado Mônica Rodrigues dos Santos
Nathália Barros de Souza Santos
Reitor Paula Cristina Bataglia Buratini
Sidney Zaganin Latorre Renata Jessica Galdino
Diretor de Graduação Sueli Brianezi Carvalho
Eduardo Mazzaferro Ehlers Thiago Martins Navarro
Wallace Roberto Bernardo
Diretor de Pós-Graduação e Extensão
Daniel Garcia Correa Equipe de Qualidade
Ana Paula Pigossi Papalia
Gerentes de Desenvolvimento Aparecida Daniele Carvalho do Nascimento
Claudio Luiz de Souza Silva Gabriela Souza da Silva
Luciana Bon Duarte Vivian Martins Gonçalves
Roland Anton Zottele
Sandra Regina Mattos Abreu de Freitas Coordenador Multimídia e Audiovisual
Adriano Tanganeli
Coordenadora de Desenvolvimento
Tecnologias Aplicadas à Educação Equipe de Design Visual
Regina Helena Ribeiro Adriana Matsuda
Caio Souza Santos
Coordenador de Operação Camila Lazaresko Madrid
Educação a Distância Carlos Eduardo Toshiaki Kokubo
Alcir Vilela Junior Christian Ratajczyk Puig
Professor Autor Danilo Dos Santos Netto
Monike C. S. Bertucci Fleischmann Hugo Naoto
Inácio de Assis Bento Nehme
Revisor Técnico Karina de Morais Vaz Bonna
Amélia Cristina Abreu Artes Lucas Monachesi Rodrigues
Técnico de Desenvolvimento Marcela Corrente
Adriana Ferreira Dutra Tomida Marcio Rodrigo dos Reis
Carolina Tiemi Sato Renan Ferreira Alves
Renata Mendes Ribeiro
Coordenadoras Pedagógicas Thalita de Cassia Mendasoli Gavetti
Ariádiny Carolina Brasileiro Silva Thamires Lopes de Castro
Izabella Saadi Cerutti Leal Reis Vandré Luiz dos Santos
Nivia Pereira Maseri de Moraes Victor Giriotas Marçon
Equipe de Design Educacional William Mordoch
Alexsandra Cristiane Santos da Silva Equipe de Design Multimídia
Angélica Lúcia Kanô Alexandre Lemes da Silva
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Cláudia Antônia Guimarães Rett
Diogo Maxwell Santos Felizardo
Elisangela Almeida de Souza Cristiane Marinho de Souza
Flaviana Neri Eliane Katsumi Gushiken
Francisco Shoiti Tanaka Elina Naomi Sakurabu
Gizele Laranjeira de Oliveira Sepulvida Emília Correa Abreu
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Juliana Quitério Lopez Salvaia Mayra Aoki Aniya
Jussara Cristina Cubbo Michel Iuiti Navarro Moreno
Kamila Harumi Sakurai Simões Renan Carlos Nunes De Souza
Karen Helena Bueno Lanfranchi Rodrigo Benites Gonçalves da Silva
Katya Martinez Almeida Wagner Ferri
Lilian Brito Santos
Construção dos Conceitos Matemáticos

Aula 01
História da matemática

Objetivos Específicos
• Construção dos Conceitos Matemáticos

Temas

Introdução
1 Um mundo sem matemática?
2 A matemática surge a partir das necessidades humanas
Considerações finais
Referências

Professor
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
Essa aula apresenta uma breve história da matemática para conhecermos suas origens e
o processo de desenvolvimento de conceitos matemáticos.

No primeiro tópico há uma proposta de reflexão sobre a presença da matemática em


nosso mundo moderno e a reflexão sobre um mundo sem a matemática.

A partir do segundo tópico, o texto apresenta a matemática como uma criação humana,
mostrando etapas de seu desenvolvimento ao lado da evolução da humanidade.

O texto discorre sobre como percebemos nosso senso numérico e como o superamos,
após surgir a necessidade de quantificar e contar até criar formas e estratégias para
representar e registar quantidades. Veremos também como a necessidade de medir coisas
levou o homem a desenvolver as noções de medida e de geometria.

A proposta é conhecer a origem da matemática para entendê-la como uma criação


humana em processo constante de desenvolvimento. A matemática foi elaborada e construída
ao longo de nossa história e por isso não se deve apenas apresentar os resultados, as sínteses,
as técnicas e fórmulas prontas às crianças desejando que elas, a partir do contato com essas
sínteses das criações humanas, desenvolvam processos que a humanidade levou séculos
para criar e aprimorar. Deve-se conhecê-la para compreendê-la.

1 Um mundo sem matemática?


Você consegue imaginar um mundo sem a matemática? Como seria esse mundo? Um
tanto caótico, você pensou.

Vamos relembrar e analisar situações de nosso dia a dia para verificar se é possível ter
um mundo sem a matemática.

Ao acordar, a maioria das pessoas é despertada por um relógio, instrumento que mede
o tempo e o indica com algarismos (números)... Logo em seguida, as pessoas se vestem e
observam as condições climáticas do tempo e a temperatura (mesmo instintivamente) para
escolher o tipo de roupa: para um dia muito quente ou frio.

Para se alimentar pela manhã, atualmente, as pessoas compram alimentos ou serviços


alimentares e é necessário dinheiro para pagar pelo serviço. Nesse caso, a quantia monetária
corresponde ao valor que é atribuído ao alimento (produto) ou à prestação de serviço.

As nossas moradias são construídas a partir de medições do espaço, planejamentos das


formas de sua ocupação, cálculo da quantidade de materiais a serem utilizados, encaixes de
peças, comparações para nivelamentos e outras tantas utilizações da matemática.

Ao sair de casa, muitos de nós utilizamos máquinas, veículos para nos locomover. Então
você dirá: “Não tem matemática nesse momento!”. Mas os veículos somente foram produzidos

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porque a humanidade evoluiu tecnologicamente a partir de conceitos matemáticos...

A matemática está em praticamente em todos os aspectos de nossa vida. Nos dias atuais
é difícil pensarmos em um mundo sem matemática, sem os números, as medidas... Mas esse
mundo já existiu.

Durante muito tempo, a humanidade viveu sem a matemática, no tempo em que os


homens eram nômades, não viviam em um lugar fixo. Eles se deslocavam de um lugar para
outro, principalmente em busca de alimento. Nessa época, os homens eram pescadores,
caçadores e coletores de vegetais. Migravam também em busca de abrigo, algum lugar em
que pudessem se aquecer e se proteger dos animais. Nessa época, o homem não tinha
necessidade de contar ou de registrar algo. Não havia números.

Segundo Carvalho e Gomes (2009), o homem1 que vivia naquela época (e as crianças
passam pelo mesmo processo antes de construir o conceito de número) apenas percebe
pequenas quantidades de até 4 (quatro) elementos. Nessa percepção, consegue-se distinguir
a unidade, os pares e muitos, conforme mostrado no esquema da tabela 1:

Tabela 1 – Percepção e senso numérico

Um elemento = unidade

Dois elementos = um par

Três elementos = um par e uma unidade

Quatro elementos = dois pares

Mais que dois pares = muitos

Fonte: Da autora (2014).

1 Nesse texto, o termo homem é usado como sinônimo de humanidade, referindo-se a homens e mulheres.

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Faça o teste!
Em qual situação abaixo é mais fácil realizar a leitura?
a. 99444442 b. 9944 – 4442

Atente para o modo como registramos os números de telefone, por


exemplo. Para facilitar a nossa percepção, a leitura e a memorização dos
números, tentamos organizá-los aos pares ou em grupos de três ou quatro
algarismos, separando-os por algum sinal, geralmente o hífen, como no caso do
número acima mostrado. Outro exemplo é o número de registro dos documentos
CPF (Cadastro de Pessoa Física) ou RG (Registro Geral). Fica mais fácil realizar a
leitura quando organizamos os números em duplas ou trios.

Outra estratégia utilizada durante a leitura de um número maior que a nossa percepção
registra e que não apresenta nenhum sinal para organizá-lo em grupos é utilizar o auxílio dos
dedos da mão para marcar os algarismos que estão sendo lidos, assim vamos organizando-os
imaginariamente.

De acordo com o estudo das pesquisadoras Carvalho e Gomes (2009), atualmente em


algumas tribos indígenas, ainda é possível encontrar grupos de pessoas que não conhecem
os números e utilizam apenas a percepção do senso numérico:

Houve um tempo em que o homem não sabia contar e, ainda hoje, algumas tribos
indígenas contam com apenas dois nomes de números. Eles utilizam dois-um para
expressar o três e dois-dois para expressar o quatro. Quando querem expressar
muitos, apontam para sua cabeça como sinal de inúmeros, tal qual é o número de fios
de cabelo da cabeça. (CARVALHO e GOMES, 2009, p. 56)

Outra situação clássica, muito utilizada para demonstrar a percepção do senso numérico
é a questão:

Imagine que você esteja numa festa. Em que momento é mais fácil saber se há mais
homens ou mais mulheres na festa: quando estão dançando, ou quando a múscia
para e as pessoas estão conversando pelo salão? Por quê? (Questão obtida no site do
programa Educar e citada por LOPES, VIANA e LOPES, 2005, p. 10)

É claro que é o momento em que as pessoas estão dançando, pois estão organizadas em
pares e nossa atenção se focará na percepção da diferença entre a quantidade de homens e
mulheres que não estão dançando.

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A organização em pares nos ajuda a perceber que a quantidade de homens e mulheres


dançando é igual, pois uma mulher corresponde a um homem. Assim, nossa atenção se volta
para os que não estão dançando, ou seja, para aqueles que não estão agrupados (organizados
em pares), a fim de estimarmos se há mais homens ou mulheres no salão.

Ao longo da história e desenvolvimento da humanidade, verificamos também o


desenvolvimento da matemática e sua contribuição para a construção do mundo moderno e
tecnológico em que vivemos atualmente. Esse conhecimento está em constante transformação.
Assim, o conhecimento matemático é entendido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais que
afirmam: “O conhecimento matemático deve ser apresentado aos alunos como historicamente
construído e em permanente evolução” (BRASIL, 1997, p. 20).

A seguir, veremos como surgiu a matemática na história da humanidade.

2 A matemática surge a partir das necessidades humanas


A matemática surgiu basicamente de duas necessidades humana: a necessidade de
quantificar e contar e a necessidade de medir. A seguir, veremos como cada uma dessas
necessidades contribuiu para o surgimento e desenvolvimento da matemática.

2.1 Necessidade de quantificar e de contar


A humanidade começou a deixar de ser nômade depois que o homem aprendeu a
dominar o fogo, isto é, a produzir fogo, diminuindo assim a necessidade de se locomover
em busca de alimento e de abrigo. Aos poucos os hábitos desse homem também foi se
transformando. Ele passou a cultivar seus próprios alimentos, deixou de ser coletor para ser
agricultor, e percebeu também que poderia ser criador de animais em vez de se deslocar
para caçar e começou a viver em sociedade. Essas transformações ocorreram cerca de 10 mil
anos atrás, na região onde atualmente localiza-se o Oriente Médio, conforme as informações
apresentadas por Lopes e Viana (2005).

Tais transformações provocaram mudanças no modo de vida humano e o aumento da


população. Com uma população maior para alimentar, a produção de alimento passou a
tornar-se insuficiente e os homens tiveram de buscar meios para aumentar essa produção de
alimento, bem como produzir vestes e moradias.

Surgiu, então, a necessidade de quantificar alimentos e animais que eram criados e


medir a área das terras cultivadas.

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Quantificar significa determinar a quantidade de elementos de um


conjunto ou agrupamento.

Quando o homem começou a quantificar, ainda não existiam os números. Então, como
se determinava a quantidade de determinadas coisas?

Acredito que você já deve ter ouvido ou lido a história dos pastores, que no início do dia
levavam o rebanho para pastar e retornavam com os animais ao final do dia. Pois bem, para
saber a quantidade exata dos animais que eram levados e trazidos, e principalmente saber
se algum animal havia se perdido pelo caminho ou se desgarrado do rebanho, os pastores
pegavam um saco e colocavam uma pedra para cada animal que saía da área reservada ao
descanso.

Carregavam o saco de pedras ao longo do caminho na ida e na volta. Ao colocar os


animais novamente na área de descanso, para cada animal que entrava, era retirada uma
pedra do saco. Se ao final desse procedimento sobrassem pedras, significava que, de acordo
com a quantidade de pedras, algum ou mais animais haviam se perdido do rebanho. Mas
se faltassem pedras, significava que retornavam uma quantidade maior de animais do que
aquela que saiu para pastar no início do dia.

Foi assim que surgiu a correspondência termo a termo ou correspondência um a um.


Para cada animal, o pastor fazia corresponder a uma pedra.

“Fazer correspondência um a um é associar a cada objeto de uma coleção


um objeto de outra coleção” (LOPES e VIANA, 2005, p. 20).

Com essa situação originou-se um vocábulo muito utilizado em matemática: a palavra


cálculo. Segundo Guimarães (2010), a palavra cálculo tem origem na palavra latina calculus,
que significa pedra. Logo, calcular é contar com pedras.

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Alguns pesquisadores da história da matemática nos contam que o homem também


usava partes de seu corpo para fazer a correspondência com os itens a serem quantificados,
levantando um dedo para corresponder a cada item. Essa situação provocou um dilema: era
possível saber a quantidade no momento da correspondência, mas não tinha como guardar
ou registrar a informação, então ela se perdia.

Então o homem buscou uma forma de registrar a informação fazendo marcas nas
paredes das cavernas. Carvalho e Gomes (2009, p. 56) nos trazem uma imagem do que pode
ser o registro de quantidades relacionando-o com a quantidade de dedos da mão humana:

Figura 1 – Registro de quantidade

Observe que na figura 1 cada marca na vertical e na horizontal corresponde a um item


quantificado. Esse tipo de registro ainda trabalha com a ideia de acrescentar uma unidade à
quantidade anterior. E que a partir da quantidade 6, as marcas começam a se repetir, fazendo
a junção de quantidades menores para representar quantidades maiores.

Note também que na figura 1 o traço na horizontal também indica um agrupamento.

Agrupamento será entendido como conjunto formado por elementos com


características iguais.

Nesse momento, a semelhança do agrupamento é a quantidade: a cada quatro traços


na vertical, acrescenta-se um na horizontal sobre os outros, estipulando que a característica
desse agrupamento é ter cinco elementos. Ainda hoje, em situações de jogos ou em algumas
contagens, utilizamos o sistema de traços para fazer marcações, fazer agrupamentos de cinco

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em cinco e registrar as quantidades de pontos, como ocorre na situação abaixo:

Tabela 2 – Simulação de registro de pontuação em um jogo

O homem usou outras formas de registro: marcas em cavernas, marcas em chifres e


ossos, nós em cordas, marcas em madeiras. Vários povos desenvolveram seus símbolos para
representar diferentes agrupamentos, observe um exemplo:

Tabela 3 – Símbolos do sistema de numeração egípcio

Símbolo egípcio Descrição Nosso número

I Bastão 1
Calcanhar 10
Rolo de corda 100
Flor de lótus 1 000
Dedo apontando 10 000
Peixe 100 000

Homem 1 000 000

Fonte: ICMC/USP (1996).

Na tabela 3 podemos verificar os símbolos para registrar e representar quantidades que


os egípcios criaram, utilizando a observação do cotidiano e das partes de nosso corpo.

Os símbolos do sistema de numeração egípcio também contêm a ideia de agrupamento,


pois o símbolo (calcanhar) representa um agrupamento de dez símbolos (bastão).

O agrupamento foi uma estratégia fundamental para o desenvolvimento do número e da


contagem. Provavelmente surgiu quando o homem foi percebendo que carregar um saco de
pedra se tornaria inviável caso a quantidade de animais do rebanho fosse bastante grande.
Imagine encontrar mil pedras e carregá-las num saco!

Acredita-se que o homem começou a fazer agrupamentos de 2 em 2, relacionando-os


à simetria do corpo humano ou ao gênero masculino e feminino. Posteriormente, podem

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ter realizado agrupamentos de 5 em 5, 10 em 10 e 20 em 20, fazendo alusão aos dedos que


possuímos.

Depois do agrupamento, o homem levou um bom tempo para desenvolver o processo de


contagem. Foi necessário observar e organizar o pensamento para passar da ideia concreta,
desenvolvida a partir da representação do real, da quantidade de animais e da quantidade de
pedras vistas e manuseadas pelo homem ao fazer a correspondência um a um, passando pela
busca de uma forma de registro e de símbolos para representar grandes quantidades que
vão além da percepção humana e do senso numérico, chegando à abstração – pensamento
abstrato e reflexivo – que é a representação mental desse conjunto de grandes quantidades.

O agrupamento facilita muito a vida do homem, permitindo-o trabalhar com grandes


quantidades, desenvolvendo e aprimorando o senso de quantidade. Observe como atualmente
organizamos várias coisas fazendo grupos. Para facilitar o comércio e o transporte, várias
mercadorias são organizadas em grupos: grupo de fósforos em uma caixa e grupo de caixas
de fósforos em um pacote; grupo de folhas de papel em um pacote, grupo de canudos de
plásticos, grupo de pílulas em uma caixa de medicamentos e outros exemplos.

Para desenvolver a contagem, é preciso compreender que um agrupamento pode conter


outro agrupamento, como no caso das caixas de fósforo: uma caixa é um agrupamento de
40 palitos de fósforo; um pacote é um agrupamento de 10 caixas. Assim fica fácil calcular a
quantidade de palitos de fósforo que possui um pacote.

Você já calculou? São 400 palitos. Imagine contar tudo isso um a um? É nesse sentido
que o agrupamento facilita a organização da vida humana.

Analisando os números, vejamos o 12 (doze). Podemos pensar que ele é:

um agrupamento de doze 1 (uns): 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1

um agrupamento de seis 2 (dois): 2 + 2 + 2 + 2 + 2 + 2

um agrupamento de quatro 3 (três): 3 + 3 + 3 + 3

um agrupamento de três 4 (quatros): 4 + 4 + 4

um agrupamento de dois 5 (cincos) e dois 1 (uns): 5 + 5 + 1 + 1

A ideia de agrupamento também está presente no sistema de numeração criado pelo


povo romano, como nos mostram Lopes e Viana (2005, p. 20):

Os sistemas antigos de numeração dão uma boa noção de como foi essa passagem
e muitos deles usavam a noção de agrupamentos para formar representações de
números maiores. Por exemplo, na numeração romana, as letras são usadas para
representarem os números. “VIII” representa 8, que é o mesmo que I + I + I + V = 1 + 1
+ 1 + 5. O “V” é uma representação para um agrupamento de 5 “I”. O “X” é o símbolo
para representar o agrupamento de 10 “I” ou de 2 “V” etc.

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Esta ideia de que um número contém agrupamentos dentro dele nos dá a noção de
contagem que temos hoje. O sistema de numeração criado pelos romanos foi utilizado por
muito tempo. As quantidades eram representadas por símbolos e letras, que mudavam de
valor de acordo com a posição em que estavam.

Tabela 4 – Símbolos do sistema de numeração romano

I V X L C D M
1 5 10 50 100 500 1 000

Fonte: ICMC/USP (1996).

A tabela 4 apresenta os símbolos do sistema de numeração romano. Para registrar uma


quantidade, pode-se repetir um símbolo até 3 vezes:

Quantidade 3 = III “I + I + I”

Quantidade 30 = XXX “X + X + X”

Outra característica desse sistema de numeração é o valor posicional.

Para representar o 4, coloca-se o símbolo de menor valor à esquerda, antes do próximo


símbolo de maior valor. Nesse caso, 1 e 5 = IV. Essa posição indica que se deve subtrair o
menor valor do maior valor: 5 – 1 = 4.

Para representar o 6, a regra é diferente: coloca-se o símbolo de menor valor após o


próximo símbolo de maior valor: 5 e 1 = VI. Essa posição indica que os valores devem ser
somados: 5 + 1 = 6.

Mas esse sistema gerava um pouco de dificuldade no momento de registrar grandes


quantidades. Veja como é a escrita do número 3458 = MMMCDLVIII.

Entretanto, ainda hoje utilizamos os algarismos romanos, como em mostrador de relógios


e em capítulos em livros, por exemplo.

A civilização babilônica também desenvolveu seu sistema de numeração, cuja base de


agrupamento e de cálculo é a quantidade 60 (sessenta). Recebemos influências desse povo
em relação às medidas de tempo: as horas, os minutos e os segundos são contados em base
60. Significa dizer que um agrupamento de 60 segundos corresponde a 1 minuto e que um
agrupamento de 60 minutos corresponde a 1 hora.

O sistema de numeração que utilizamos atualmente é o decimal – SND – Sistema de


Numeração Decimal, desenvolvido pelo povo hindu, por volta do século V d.C. Esse sistema
possui como critério de agrupamento e contagem a base 10 (dez), ou seja, cada dez unidades
correspondem a uma dezena; dez dezenas correspondem a uma centena; dez centenas
correspondem a uma unidade de milhar e assim por diante. Os hindus tiveram contato com

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outros povos e deles receberam influências para organizar esse sistema de numeração.

Mas foram os árabes que disseminaram esse sistema de numeração pelo mundo, por
isso o SND ficou conhecido como sistema de numeração indo-arábico.

Em outro momento, estudaremos com profundidade o Sistema de Numeração Decimal


utilizado, atualmente, de forma universal.

2.2 Necessidade de medir


Muitos povos antigos se desenvolveram às margens de rios, praticando principalmente
a agricultura. Para organizar essa atividade e saber em que pedaço de terra cada agricultor
poderia trabalhar, era necessário medir as áreas, demarcar e dividir essas terras. Foi a partir
dessa demanda que as primeiras noções de medidas e de geometria se desenvolveram.

Para a agricultura, era importante também prever épocas de frio e calor, as estações do
ano, chuva e seca. Então, o homem começou a medir o tempo, observando e registrando
as variações de períodos e o movimento dos astros como o sol, a lua a as estrelas. Assim,
povos antigos como os maias, astecas e incas, que habitaram a região central do continente
americano, criaram seus calendários.

Outra atividade humana que contribuiu muito para o desenvolvimento de sistemas de


medida foi o comércio. Era preciso determinar medidas dos produtos, quantidades e medidas
equivalentes para se realizarem as trocas de mercadorias.

Inicialmente, utilizava-se como unidade de medidas partes dos corpos das pessoas, como
a polegada, o palmo, o cúbito (ou côvado), pés e passos. Algumas delas são utilizadas até hoje,
mas o problema encontrado na utilização dessas medidas é que elas não são padronizadas.
O palmo de uma pessoa é diferente da outra, por isso surgiram muitas divergências sobre a
quantidade ou tamanho do que era medido.

Uma das alternativas utilizadas foi escolher o corpo do rei como referência, mas quando
o rei era destituído, causava nova crise, pois as próximas referências seriam novamente
diferentes. Essa alternativa também não se sustentou. Logo, o homem começou a buscar
unidades de medidas que não se alterassem com o passar do tempo, que não gerassem
divergências nas medidas das quantidades de mercadorias ou do tamanho (área) das terras. A
partir dessa necessidade, foram criadas as unidades de medida padronizadas, como o metro
e o litro, unidades utilizadas até hoje pela humanidade.

Por volta do século IV a.C., os gregos alcançaram grande desenvolvimento da geometria,


cujo principal representante foi Euclides de Alexandria, matemático e escritor. Sua obra
influencia o ensino da geometria até os dias atuais.

Com a expansão do império romano e o contato com a civilização grega, parte dos

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conhecimentos matemáticos dos gregos foi aprendida pelos romanos, que se interessaram
mais pelas aplicações práticas nas áreas da engenharia, aplicando-as na construção de
estradas e aquedutos e na área da medicina.

Ainda hoje, é a necessidade humana que impulsiona o desenvolvimento da matemática


e esta auxilia no evolução da humanidade.

Considerações finais
A matemática é uma construção humana, desenvolvida ao longo de nossa história.

Superamos o senso numérico quando sentimos a necessidade de quantificar e começamos


a desenvolver o processo de correspondência um a um. Depois, passamos à fase de realizar
agrupamentos e, a seguir, à representação e registro das quantidades.

Foi assim que a humanidade desenvolveu a matemática, construindo-a como uma ciência
que nos ajuda a resolver situações cotidianas e trabalhar com quantidades, medidas e formas
do espaço.

Para alcançar esse desenvolvimento, foi necessário observar, experimentar, criar


hipóteses sobre como é possível contar e medir, testar essas ideias para reafirmá-las ou
rejeitá-las. Depois veio a necessidade de registrar, criar símbolos e regras para calcular e
operar com tais símbolos.

E por último, o intercâmbio entre os povos encarregou-se de difundir a matemática, os


sistemas de numeração e de medidas pelo mundo.

De acordo com com os Parâmetros Curriculares Nacionais:

O conhecimento da história dos conceitos matemáticos precisa fazer parte da


formação dos professores para que tenham elementos que lhes permitam mostrar
aos alunos a Matemática como ciência que não trata de verdades eternas, infalíveis
e imutáveis, mas como ciência dinâmica, sempre aberta à incorporação de novos
conhecimentos. (BRASIL, 1997, p. 38)

Por isso, acredito que é dessa forma que ela deve ser compreendida e ensinada.

Referências
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a
4ª séries): matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CARVALHO, A. M. F. T.; GOMES, M. T.; PIRES, M. N. M. Fundamentos Teóricos do Pensamento


Matemático. Curitiba: IESDE Brasil, 2009.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

GUIMARÃES, K. P. Desafios e perspectivas para o ensino da matemática. Curitiba: IBEPX, 2010.


(Série: Matemática em Sala de Aula.)

ICMC/USP/SÃO CARLOS – INSTITUTO DE CIÊNCIAS MATEMÁTICAS E DE COMUNICAÇÃO.


Programa Educar. Curso para professores de 1º a 4º série. 1996. Disponível em: <http://educar.
sc.usp.br/matematica/mate02.html>. Acesso em: fev./2014.

LOPES, S. R.; VIANA, R. L.; LOPES, S. A. A construção de conceitos matemáticos e a prática


docente. Curitiba: IBPEX, 2005.

OLIVEIRA, A. A descoberta que mudou a humanidade. 2010. Ciência Hoje. Disponível em:
<http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/fisica-sem-misterio/a-descoberta-que-mudou-a-
humanidade>. Acesso em: fev./2014.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Aula 02
Conhecimento lógico-matemático e o conceito de número

Objetivos Específicos
• Compreender como se constrói o conhecimento lógico-matemático e o
conceito de número.

Temas

Introdução
1 Diferentes tipos de conhecimento: diferentes tipos de aprendizagem
2 Diferenças entre abstração empírica e abstração reflexiva
3 O conceito de número
Considerações finais
Referências

Professor
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
Nesta aula, iremos estudar o que é e como se constrói o conhecimento lógico-matemático
e conceito de número a partir dos estudos do epistemólogo1 suíço Jean Piaget (1896-1980).

Suas pesquisas na área da psicologia do desenvolvimento e da epistemologia genética


contribuíram para desvendarmos como o indivíduo se comporta frente a novas informações
e como vai construindo seu conhecimento a partir da interação com o meio e de acordo com
as estruturas mentais que possui.

Apesar de Piaget não se preocupar em desenvolver uma obra para a educação, muitos
educadores têm se baseado nos estudos do pesquisador suíço para compreender como as
crianças aprendem e analisar as implicações pedagógicas de sua teoria.

O primeiro tópico apresenta os diferentes tipos de conhecimento concebidos por


Piaget: o conhecimento físico, o conhecimento social e o conhecimento lógico-matemático, e
algumas características de sua aprendizagem.

No segundo tópico, discutem-se os processos de assimilação e acomodação e do


desenvolvimento das estruturas mentais dos sujeitos que aprendem. São abordadas também
as etapas de desenvolvimento cognitivo e suas relações com os processos de abstração
empírica e abstração reflexiva que irão proporcionar a aprendizagem.

O terceiro e último tópico analisa o conceito de número e os processos mentais que


devem ser desenvolvidos pelo sujeito para a sua compreensão e aprendizado.

Espera-se que os saberes aqui compartilhados subsidiem a prática docente e pedagógica


na orientação de um aprendizado matemático baseado na compreensão dos conceitos e na
atribuição de significação às operações desse campo de conhecimento.

1 Diferentes tipos de conhecimento: diferentes tipos de


aprendizagem
Ao longo de suas pesquisas, Piaget distinguiu três tipos de conhecimento: o conhecimento
físico; o conhecimento social e o conhecimento lógico-matemático, considerando suas fontes
e seu modo de estruturação.

De acordo com cada tipo de conhecimento, ocorre um tipo de aprendizagem, por isso
é importante que o professor saiba distinguir esses tipos de conhecimento para propiciar a
situação de aprendizagem adequada a cada um.

1 Estudioso e pesquisador de questões que se relacionam com o conhecimento humano, com a forma como o homem, sujeito que aprende,
constrói o conhecimento.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

1.1 Conhecimento físico


O conhecimento físico é considerado externo ao sujeito. Ele está no mundo físico e pode
ser aprendido pelo sujeito a partir da observação, da experiência e da interação com o meio.
Trata-se de uma abstração empírica.

Como exemplo de conhecimento físico é possível citar as características físicas de objetos:


sua cor, sua forma, seu peso, seu tamanho. Observe a imagem a seguir:

Figura 1 – Fichas

Fonte: Da autora (2014).

Observamos duas fichas: uma verde e a outra amarela. A cor de cada uma delas é uma
propriedade física, uma característica do objeto e está na realidade externa do sujeito. A
forma redonda também é outra característica do objeto.

De acordo com Lopes, Viana e Lopes (2005, p. 32): “A experiência sobre o objeto
conduzindo a uma abstração a partir do objeto, assim, é a experiência física que é propriamente
uma descoberta das propriedades das coisas”.

Se a criança não tiver a oportunidade de observar, pegar, comparar com outras cores e
outras formas de fichas, ela não conseguirá entender o que são cores e formas. Por isso, essas
experiências, essa interação com os objetos e pessoas do mundo exterior são importantes
para o aprendizado.

1.2 Conhecimento social


O conhecimento social é considerado também uma fonte externa ao sujeito, e sua
principal característica é a arbitrariedade. É arbitrário porque não existe uma lógica.

São as convenções criadas socialmente, como o nome de um objeto, por exemplo. Por
que o recipiente no qual se coloca o alimento para comer se chama prato?

Os comportamentos sociais também se adaptam: alguns grupos permitem que as


mulheres possam usar calças e saias, mas não veem com bons olhos os homens que se atrevem
a usar saias. Em outros, não há problemas se os homens usarem saias, mas não admitem que
as mulheres usem calças. Qual é a lógica dessas regras? Nenhuma. Ainda tomemos como

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exemplo algumas comemorações, como o Natal. Algumas sociedades o celebram e outras,


não.

Um último exemplo interessante apresentado por Lopes, Viana e Lopes (2005) e citado
por Guimarães (2010) é o fato de algumas crianças, até mesmo aquelas bem pequenas,
cantarem os números até dez. Digo cantar em vez de contar porque se ensina à criança
recitar a sequência numérica até dez acreditando que esse procedimento fará com que ela
compreenda o que são os números.

Ao questionar essa criança que sabe recitar os números até dez para ela mostrar
quanto é o 9 (nove), ela não sabe indicar porque ainda não compreendeu que o nove é um
agrupamento de nove unidades ou de três grupos com três elementos em cada um. Essa é a
diferença entre decorar os números e compreender o conceito.

A forma de ensinar o conhecimento social é realmente a transmissão passada entre as


gerações, por isso é importante o convívio, a interação com o meio em que a criança vive e
com outras pessoas, para que aprendam o que é socialmente valorizado.

Porém, não é assim que se ensinam os números, porque eles não são conhecimento
arbitrário socialmente construído. Os números foram construídos a partir de relações lógicas,
por observação, experimentação, elaboração e testagem de hipóteses, como nos mostra a
história da matemática. Trata-se, portanto, de um conhecimento de outra natureza.

1.3 Conhecimento lógico-matemático


O conhecimento lógico-matemático, diferentemente dos outros tipos de conhecimento,
é interno ao sujeito. Trata-se da coordenação de relações criadas mentalmente por cada
sujeito, ou seja, abstração reflexiva.

Retomemos o exemplo das fichas verde e amarela, analisando novamente a figura:

Figura 2 – Fichas

Fonte: Da autora (2014).

A cor é característica de cada uma, porém, a diferença estabelecida entre uma cor e
outra não está nas fichas. É uma relação mental criada por cada sujeito.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Ao mesmo tempo, é possível estabelecer uma relação de semelhança sobre a forma


dessas fichas: redonda.

Como essas fichas podem ser diferentes e semelhantes ao mesmo tempo?

Isso depende da classificação que o sujeito escolhe para analisar as fichas: se for
considerar as cores, a relação será de diferença; se for escolher o quesito forma, a relação
mental criada será de semelhança.

Lopes, Viana e Lopes afirmam que “o sujeito faz abstração de determinadas propriedades,
partindo das próprias ações e não a partir do objeto” (2005, p. 33).

Dessa maneira, ninguém pode aprender no lugar de outras pessoas. O que se pode fazer
– papel que se espera do professor – é criar situações de aprendizagem, situações em que
cada sujeito, cada criança tenha condições de observar, experimentar, levantar hipóteses e
testar essas hipóteses para construir uma relação mental baseada em lógica.

O número é um tipo de conhecimento lógico-matemático, pois o sujeito, a criança, no


caso, precisa coordenar algumas relações, como fazer a correspondência um a um, entender
a ideia de agrupamento, classificação e seriação para construir o conceito de número. Dessa
forma, não é possível ensinar números apenas pela repetição oral ou pela transmissão das
definições de número como se fosse um conhecimento social, porque não é. O número é
um conhecimento de natureza lógico-matemática, e como tal deve ser tratado, entendido e
ensinado pelos professores.

Lopes, Viana e Lopes (2005, p. 33) indicam que “de acordo com Piaget, a abstração
reflexiva é a fonte do conhecimento lógico-matemático porque pressupõe o estabelecimento
de relações e apoia-se nas coordenações das ações ou operações dos sujeitos”.

Guimarães (2010) ainda apresenta uma síntese das características do conhecimento


lógico-matemático:

1. É construído a partir das relações mentais criadas entre os objetos já conhecidos,


portanto, não é ensinável;

2. É baseado na coerência, na lógica, sem esse elemento, não há sentido, não há


compreensão e não pode haver estabelecimento de relações.

3. Se de fato foi construído a partir de relações mentais criadas pelo indivíduo, não será
esquecido.

Mas saber a natureza de cada tipo de conhecimento não é suficiente para poder ensiná-
lo com propriedades. É necessário saber também como a criança abstrai e aprende.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

2 Diferenças entre abstração empírica e abstração reflexiva


Muitos educadores e pesquisadores se debruçaram sobre a obra de Piaget para entendê-
la e buscar suas implicações pedagógicas.

Ao longo de seus estudos, Piaget observou e estudou o desenvolvimento cognitivo da


criança. Ele procurou entender de que forma ocorre o aprendizado. Uma das conclusões a
que chegou esse estudioso é a de que o conhecimento se dá pela “construção progressiva das
estruturas lógicas” (CARVALHO E GOMES, 2009, p. 46) do sujeito a partir de suas interações
com o meio em que vive.

A construção do conhecimento é uma atividade mental interna do sujeito que aprende,


que depende de suas estruturas cognitivas e das informações que recebe na interação com
o mundo externo. A cognição pode ser considerada como uma função da inteligência ao
construir um conhecimento.

Estruturas cognitivas são as relações criadas pelo cérebro e que correspondem a ações
aprendidas pelo sujeito. No início da vida, a criança possui poucas estruturas cognitivas,
e geralmente simples, resultado do aprendizado de ações reflexas. Conforme cresce, se
desenvolve e aprende, o cérebro vai estabelecendo novas relações e incrementando suas
estruturas cognitivas. São essas estruturas que também permitem novos aprendizados.
As estruturas cognitivas podem ser desenvolvidas a partir dos processos de assimilação e
acomodação. Esses conceitos são centrais na obra de Piaget.

Carvalho e Gomes (2009, p. 47) definem os processos de assimilação e acomodação da


seguinte maneira:

A assimilação é o processo por meio do qual os esquemas internos são aplicados


sobre o objeto. Esse objeto passa a ser conhecido pelo indivíduo somente quando
for assimilado por um ou mais esquemas. A acomodação consiste na modificação dos
esquemas internos como resultado de uma experiência ativa com os objetos, levando
em conta qualidades particulares destes.

Vamos analisar para entender melhor esses processos.

Quando o sujeito recebe uma informação, um novo saber, ele pode criar uma situação
de conflito em suas estruturas cognitivas, porque recebe uma nova informação que não se
encaixa ou se adéqua ao conhecimento que já construiu e nem se encaixa nas estruturas
cognitivas metais que possui. Isso coloca em xeque seus conhecimentos e as estruturas
cognitivas desse sujeito entram em desequilíbrio.

Na busca pela adequação dessa nova informação ao conhecimento já construído, as


estruturas mentais vão buscando uma acomodação da nova informação e estabelecendo
relações entre a nova informação e o conhecimento já construído pelo sujeito. Nessa busca,
o cérebro do sujeito que aprende estabelece ligações e criam outras estruturas mentais que
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Construção dos Conceitos Matemáticos

permitam assimilar a informação.

Quando o sujeito consegue estabelecer relações e fazer conexões entre as informações


e os conhecimentos que ele já possui, entra no processo de acomodação e constrói um novo
conhecimento.

O processo de assimilação e acomodação ocorre ao longo de todo o desenvolvimento


cognitivo, porém ocorre de formas diferentes de acordo com os estágios de desenvolvimento
concebidos por Piaget. Para promover melhor aprendizado e potencializar as estruturas
cognitivas, deve-se respeitar cada uma das fases de desenvolvimento da criança.

Em linhas gerais, Piaget estabeleceu quatro estágios de desenvolvimento cognitivo:

• Sensório-motor, que vai aproximadamente até os 02 anos. Período relacionado às


experiências sensoriais e motoras concretas em que a criança começa a construir
os esquemas de ação para assimilação do meio em que vive. Por exemplo, o bebê
segura, apalpa, pega, segura o objeto que for colocado em sua mão. Aos poucos,
conforme cresce e se desenvolve, ele aprende o movimento de pegar e não espera
mais colocarem objetos em sua mão; ao contrário, ele vai em direção aos objetos e
move as mãos para tentar pegar tais objetos.

• Pré-operatório (aproximadamente dos 2 aos 6 ou 7 anos). Inicia-se a representação de


imagens mentais como forma de interiorizar os esquemas construídos anteriormente.
A criança vive uma fase egocêntrica (pensamento voltado para ela mesma) e consegue
expressar seu pensamento intuitivo através da linguagem. Exemplo: quando se diz a
palava “cadeira”, mesmo com o objeto ausente, a criança é capaz de relacionar a
palavra com o objeto sem ver o objeto. O aspecto egocêntrico faz a criança pensar
que a “cadeira” a que se refere a palavra é a cadeira dela (criança). Ela pode até
conhecer outras cadeiras, mas entenderá que estão falando da cadeira da casa dela,
utilizada muitas vezes por ela, e considera que tal objeto existe em função dela.

• Operatório-concreto (aproximadamente dos 6 ou 7 aos 10 ou 11 anos). Nessa há


a superação do egocentrismo e a criança começa a considerar o ponto de vista do
outro. Surge a capacidade de classificar e agrupar a partir de ações concretas, ou seja,
faz abstrações concretas, bem como começa a aparecer o pensamento reversível.
Retomando o exemplo anterior da palavra “cadeira”, que evoca um objeto, nessa fase
a criança passa a considerar também outras cadeiras, além daquela que existe em
sua casa.

Nessa fase, a criança consegue fazer abstrações concretas, ou seja, aprender por
meio da experiência: a professora pede para ela separar um punhado de sementes
de vários tipos (milho, feijão, arroz, ervilha), de acordo com a semelhança, e fazer
grupos com 12 sementes em cada um. Ao final da tarefa, a professora explica que
agrupamentos com a quantidade 12 recebem um nome especial, são chamados

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de dúzia e que a criança separou “uma dúzia de semente de milho”, “uma dúzia de
semente de feijão”, e assim por diante. Depois dessa atividade, a criança com certeza
terá construído a estrutura mental para compreender o que é uma dúzia.

A reversibilidade é a capacidade de reverter uma operação, de pensar do início para


o fim e fazer o caminho de volta, do fim para o início. Considerando as operações
matemáticas, a criança começa a compreender que se 4 + 7 = 11; o processo inverso
é 11 – 4 = 7, mas é preciso mostar uma experiência concreta, utilizando objetos:
reúne-se um conjunto com 4 tampinhas plásticas de garrafa e outro com 7 tampinhas.
Propõe-se à criança que junte, agrupe os dois conjuntos e questione a quantidade de
tampinhas obtidas. Depois, faz-se a operação inversa, perguntando o que acontece se
retirar (separar) 4 tampinhas desse agrupamento de 11 tampinhas. Antes de elaborar
essa estrutura cognitiva (pensamento reversível) a criança não compreende que é
possível reverter alguns processos.

• Operatório-formal (a partir dos 12 anos, aproximadamente), em que surge a capacidade


de pensar, refletir e raciocinar logicamente partindo de hipóteses e ideias abstratas,
sem a representação imediata da realidade. Por exemplo, a criança consegue fazer
uma operação reversível sem a necessidade da representação concreta na realidade.
Basta propor o cálculo “5 × 12 = 60” e pedir para calcular a operação inversa que a
criança conseguirá fazer: 60 ÷ 12 = 12 ou 60 ÷ 5 = 12.

Ainda segundo Piaget, essas fases são vividas por todos os indivíduos mas nem sempre
ao mesmo tempo. A idade em que se vive cada fase depende de cada indivíduo e pode ter
variações nas faixas etárias. Essa observação é corroborada por Carvalho e Gomes (2009, p.
47):

Piaget descreveu a sequência das etapas pelas quais os seres humanos passam
durante seu desenvolvimento cognitivo. Essas etapas seguem as mesmas sequências
em todos os seres, embora não se deem necessariamente na mesma faixa etária. Uma
nova forma de organização cognitiva, ou seja, nova estrutura, implica numa mudança
de etapa e também maior equilíbrio – forma superior de adaptação.

A noção sobre essas fases de desenvolvimento estabelecidas por Piaget nos auxiliará a
compreender que, de acordo com cada fase, a criança consegue desenvolver algumas ações
e realizar determinadas abstrações, empíricas ou reflexivas, e que, como professores, não
podemos propor situações desafiadoras a ponto de a criança não possuir ainda estruturas
mentais para compreendê-las e superá-las.

A abstração empírica ocorre quando o sujeito utiliza suas estruturas mentais mas apoia-
se na interação com o meio ou sobre o objeto. A fonte da abstração é externa ao sujeito.

É a ação de manusear determinados objetos, observar certas características ou vivenciar


determinadas situações que permite a abstração pela experiência, ou seja, abstração empírica.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

De acordo com Guimarães (2010, p. 46) a “abstração empírica pode ocorrer, então, a
partir da vivência de situações envolvendo objetos concretos (de diferentes cores, tamanhos,
espessuras, texturas etc.) que o professor apresenta às crianças na escola”.

A criança só pode aprender o que é a cor verde se ela visualizar e observar essa cor.
Assim, o aprendizado do conhecimento físico acontece por meio da abstração empírica. Uma
característica da abstração empírica é que ela nos faz focar apenas em um aspecto, no caso
apresentado, a cor.

Já a abstração reflexiva tem sua fonte interna ao sujeito, por se tratar de ação mental,
como estabelecer a diferença entre duas cores, por exemplo. A diferença não está nas cores
propriamente ditas, ela está na relação mental que o sujeito estabelece. Trata-se de uma
construção de relações que não tem existência na realizada externamente.

Entretanto, os pesquisadores chamam a atenção para o fato de que uma (abstração


reflexiva) não pode existir sem a outra (abstração empírica). A relação mental diferente pode
ser estabelecida apenas por meio da abstração reflexiva depois que o sujeito conhece as
características dos objetos, como as cores verde e amarela, por meio da abstração empírica.

Relacionando os tipos de abstrações com as fases de desenvolvimento, é possível


perceber que a abstração reflexiva ocorre em todas elas, de forma diferente.

Na etapa sensório-motora, fase de ações práticas, a abstração reflexiva consiste na


coordenação dos esquemas cognitivos criados pelas crianças a partir das experiências
sensoriais e motoras, que posteriormente serão utilizadas na fase pré-operatória para fazer a
representação de imagens de objetos ausentes.

Na etapa das operações concretas, a abstração reflexiva manifesta-se quando o sujeito


consegue coordenar as ações interiorizadas e operá-las por meio da reversibilidade dessas
ações.

A reversibilidade é um princípio que muitos professores tentam ensinar por meio


da transmissão do conhecimento a seus alunos, mas nem sempre esses mesmos alunos
entendem a reversibilidade por estarem em estágio de desenvolvimento anterior e, por isso,
não compreendem algumas operações numéricas de cálculo.

Nessa etapa das operações concretas ainda faz-se necessário o uso de recursos
manipuláveis ou imagens concretas que ajudem o sujeito a coordenar a ação de reversibilidade,
ou seja, a criar mentalmente o princípio de que é possível reverter um processo.

Cuidado para não confundir abstração empírica e abstração reflexiva nessa situação,
nos alertam Lopes, Viana e Lopes (2005, p. 33) “o sujeito utiliza-se de objetos manipuláveis,
entretanto, as informações são abstraídas a partir das coordenações das ações mentais sobre
os mesmos.”

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A abstração reflexiva é imprescindível para a construção do conceito de número, que


envolve a coordenação de ações mentais para estabelecer relações de classificação e seriação
de agrupamentos, como veremos a seguir.

3 O conceito de número
Para compreender o conceito de número, é necessário conhecer a história da matemática
para saber que ele surge da necessidade de quantificar, determinar a quantidade de
elementos em um grupo. Esse processo iniciou-se com a correspondência um a um e depois,
com a necessidade de registrar essa quantidade, foram criados os símbolos (algarismos que
frequentemente chamamos de números) para registrar as quantidades.

Porém, somente o conhecimento dessa história não é suficiente para a compreensão


do conceito de número. Tomando por base os estudos piagetianos sobre o desenvolvimento
cognitivo e os tipos de conhecimento, é possível afirmar que o número é uma relação mental
criada pelo sujeito e que representa determinada quantidade.

Ou seja, o conceito de número é um conhecimento lógico-matemático que resulta das


operações de seriação e de classificação.

A seriação é a operação lógica que determina a sequência e a ordem dos elementos em


uma determinada série. Essa operação também auxilia muito a contagem para evitar que o
mesmo elemento seja contado ou considerado duas vezes na mesma série.

Kamii (1990, p. 20) apresenta uma imagem que mostra o processo de contagem realizado
por muitas crianças de 4 anos:

Figura 3 – Ideia de seriação

Fonte: Kamii, Constance (1990, p. 20)

Essa figura mostra como a ideia de seriação é necessária para construir a ideia de número
e organizar o pensamento.

A classificação é entendida como uma ação lógica de agrupar ou separar por semelhança.
Podemos, assim, classificar os animais em grupos dos que possuem duas patas e dos que
possuem quatro patas; podemos classificar, agrupar as árvores frutíferas, separando-as dos

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outros tipos de árvore.

A ação de classificar está presente em nosso dia a dia quando guardamos as roupas nos
armários dos quartos, a comida na cozinha, os brinquedos em caixas específicas, separando
cada classe de objetos dos demais.

Mas, em relação aos números, a classificação demonstra na forma de pertinência e de


inclusão hierárquica.

A pertinência diz respeito à relação estabelecida entre cada elemento e a classe a


que pertence. Essa relação considera o aspecto de semelhança; quando definimos que um
elemento se parece com os demais daquela classe, como quando compramos maçãs e as
selecionamos para colocar em uma determinada sacola. Ou que ao pensar no número cinco,
você pensará em cinco elementos que pertencem a uma classe: cinco frutas, cinco pessoas,
cinco objetos... A lógica é para integrar a classificação “cinco”, é preciso ter cinco elementos.

A inclusão hierárquica é a ação que permite compreender que uma classe está dentro
da outra, como entender que a classe das maçãs é diferente da classe das bananas, mas
ambas estão inclusas na classificação frutas. Ou, pensando em números, que o número um
está incluído no número dois e que o número dois está incluído no número três e assim por
diante, como mostra o esquema a seguir:

Figura 4 – Ideia de inclusão hierárquica

Fonte: Adaptado de Kamii (1990, p. 21).

Observe que na figura 4 a classe do número três, destacada em vermelho, compreende


também a classe do número dois, que por sua vez compreende a classe do número 1. Dessa
forma, entende-se que não é possível construir o três se não se incluir o um e o dois. Também
não é possível passar da classe do número um direto para o número três. É necessário respeitar
a hierarquia dos números e incluí-los um após o outro para obter a próxima quantidade. Essa
figura ilustra a ideia de inclusão hierárquica.

Somente a operação lógica de classificação não basta para compreender o conceito de


número, pois o número 5 tem incluso nele o número 1 e o número 2, mas a ordem da série
dos números não tem por sequência 1, 2, 5...

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Então retornamos ao início da reflexão sobre o que é necessário para compreender o


conceito de número:

O conceito de número é um conhecimento lógico-matemático que resulta


das operações lógicas de seriação e de classificação.

KAMII, C. A criança e o número. Campinas: Papirus. 1990.

A autora foi aluna e colaboradora de Jean Piaget, por isso discute com
propriedade as implicações educacionais de seu professor. O livro aborda assuntos
como a natureza do número, os objetivos para “ensinar” número, os princípios de
ensino e apresenta situações que podem ser utilizadas pelos professores a fim de
proporcionar situações de aprendizagem matemática à crianças entre 4 e 6 anos
de idade.

Considerações finais
Nessa aula, vimos as contribuições dos estudos de Jean Piaget para a compreensão dos
diferentes tipos de conhecimento: o físico, o social e o lógico-matemático, que demandam
diferentes situações de ensino para que possa ocorrer a aprendizagem.

Refletimos ainda como ocorre a aprendizagem considerando o desenvolvimento cognitivo


por meio dos esquemas de assimilação e acomodação do conhecimento nas estruturas
mentais de cada sujeito, que também são desenvolvidas mentalmente ao longo da interação
do sujeito com o meio em que vive.

Conhecemos de maneira breve as etapas de desenvolvimento cognitivo estabelecidas


por Piaget e como os processos de reflexão empírica e reflexão abstrata se apresentam em
cada uma das etapas para proporcionar aprendizagem e construção de conhecimento.

Por último, vimos que a construção do conceito de número depende da compreensão

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das operações lógicas de seriação e classificação, que são relações mentais estabelecidas
pelo sujeito para entender o que é o número.

Referências
CARVALHO, A. M. F. T.; GOMES, M. T.; PIRES, M. N. M. Fundamentos teóricos do pensamento
matemático. Curitiba: IESDE Brasil, 2009.

GUIMARÃES, K. P. Desafios e perspectivas para o ensino da matemática. Curitiba: IBEPX, 2010.


(Série: Matemática em Sala de Aula.)

LOPES, S. R.; VIANA, R. L.; LOPES, S. A. A construção de conceitos matemáticos e a prática


docente. Curitiba: IBPEX, 2005.

AZEVEDO, G. E. A. Estágios de desenvolvimento segundo Piaget. São Paulo: Ática. Disponível


em: <http://www.aticaeducacional.com.br/htdocs/pcn/pcns.aspx?cod=54>. Acesso em:
fev./2014.

KAMII, C. A criança e o número. Campinas: Papirus, 1990.

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Aula 03
Características do sistema de numeração decimal e sua
representação numérica

Objetivos Específicos
• Identificar as características do sistema de numeração decimal e sua
representação numérica.

Temas

Introdução
1 Sistema de numeração decimal
2 Características do sistema de numeração decimal
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
Nessa aula, iremos estudar o sistema de numeração decimal (SND), conhecendo sua
origem, sua representação numérica e suas características.

No primeiro tópico, será abordada a história do desenvolvimento desse sistema de


numeração e os símbolos usados para sua representação numérica, comparando-os com
outros sistemas de numeração anteriormente estudados.

O segundo tópico identificará as características que tornam o sistema de numeração


decimal mais prático que os outros. Conhecer tais características é essencial para a
compreensão desse sistema de numeração, bem como desenvolver estratégias para operá-
lo.

1 Sistema de numeração decimal


O sistema de símbolos que atualmente usamos para representar e para operar (fazer
operações com as quantidades) é o sistema de numeração decimal – SND. Ele foi criado por
volta do século V d.C. pelo povo hindu, civilização que se desenvolveu na região do vale do rio
Indo, na região onde hoje está localizado o Paquistão, no Oriente Médio (ICMC/USP, 1996).

Sabe-se que os hindus receberam influências de outras nações que desenvolveram


sistemas de numeração, como os babilônicos (ou sumérios), egípcios, gregos e romanos. Essas
civilizações trocavam mercadorias e conhecimentos diversos, entre estes, o matemático. Tal
intercâmbio cultural influenciou na organização e construção dos sistemas de numeração de
cada povo.

Entretanto, esse sistema de numeração foi difundido mundialmente pelos árabes.


Por esse motivo, o sistema de numeração decimal é conhecido como sistema indo-arábico
(GUIMARÃES, 2009).

Mas, afinal, o que é um sistema de numeração?

Sistema de numeração, de acordo com Dias e Moretti (2011, p. 20) pode ser entendido
como forma de “registrar e representar a variação de quantidades”. Cada sociedade criou seu
próprio sistema e o organizou de maneiras diferentes, com símbolos e regras próprias.

1.1 Os símbolos do sistema de numeração decimal e sua


representação numérica
Diferentemente de outros sistemas de numeração que utilizam letras ou imagens para
representar quantidades, o sistema de numeração decimal – SND – utiliza, atualmente, 10
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símbolos:

1 (um), 2 (dois), 3 (três), 4 (quatro), 5 (cinco), 6 (seis), 7 (sete), 8 (oito), 9 (nove) e 0


(zero).

O zero foi o último algarismo a ser inventado. Adiante conheceremos sua história.

Com esses algarismos e a organização em classes, é possível escrever números infinitos,


ou seja, representar quantidades infinitas, de maneira simples e eficiente nesse sistema de
numeração:

27 (vinte e sete)

4 538 (quatro mil, quinhentos e trinta e oito)

3 845 236 179 (três bilhões, oitocentos e quarenta e cinco milhões, duzentos e trinta
e seis mil, cento e setenta e nove).

Agora, compare a representação desses números (com exceção do número bilionário,


pois não há símbolos para representá-los) em outros sistemas de numeração:

Tabela 1 – Escrita do número em diferentes sistemas de numeração

Sistema de numeração
Sistema egípcio Sistema romano
decimal

27 XXVII

4 538 MMMMDXXXVIII

Fonte: Da autora (2014).

Além de requererem mais símbolos para sua representação, a operação e os cálculos


usando esses símbolos tornam-se mais difíceis, pois exigem maior atenção.

Observe agora a representação dos números trezentos e seis e mil e cinco.

Tabela 2 – Escrita do número em diferentes sistemas de numeração

Sistema de numeração
Sistema egípcio Sistema romano
decimal

306 CCCVI

1 005 MV

Fonte: Da autora (2014).

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Observe que só existe um símbolo para representar o zero no sistema de numeração


decimal com os algarismos indo-arábicos. Nos outros sistemas não há. Como mostra a história
da matemática, os números surgiram da necessidade da humanidade em quantificar e contar.
E em tempos remotos, nesses outros sistemas não havia a necessidade de representar o
nada. Mas em algum momento da história ela surgiu, como veremos adiante.

2 Características do sistema de numeração decimal


Para a compreensão do sistema de numeração decimal é necessário identificar suas
características:

• Tem base 10;

• É aditivo e multiplicativo;

• É posicional;

• Possui o zero para a representação do nada e da posição vazia.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, as características do sistema


de numeração decimal “serão observadas, principalmente, por meio da análise das
representações numéricas e dos procedimentos de cálculo em situações problema” (BRASIL,
1997, p. 100).

Então, vamos analisar algumas dessas situações.

2.1 A base 10
Os hindus desenvolveram um sistema de base 10, ou seja, baseado em agrupamentos de
10 elementos. A ideia de base apoia-se na ideia de agrupamento. Outras civilizações, como
os babilônicos, por exemplo, escolheram o agrupamento de 60 elementos para organizar seu
sistema de numeração. Em algumas situações específicas, como a contagem de tempo e o
registro dele em horas, minutos e segundos, também utilizamos a base sessenta. Os hindus,
assim como os egípcios e os romanos, optaram pela escolha da base 10 para organizar seus
sistemas de numeração decimal.

Muitos pesquisadores acreditam que a escolha da quantidade, do número 10, tenha


sido influenciada pela quantidade de dedos das mãos (CARVALHO, 2009). Essa ideia fica
mais clara quando se observa os símbolos de registro do sistema de numeração romano,
que destacam os agrupamentos 5 e 10, representados pelas letras V e X, respectivamente,
onde 5 são os dedos de uma mão e 10 os dedos das duas mãos juntas. A relação de 5 como
metade de 10 também pode ser vista em outros símbolos do sistema de numeração romano:
50, representado pela letra L como metade de 100, representado pela letra C e 500 “D” como

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metade de 1 000 “M”. Observe essa regularidade na tabela:

Tabela 3 – Símbolos do sistema de numeração romano

I V X L C D M
1 5 10 50 100 500 1 000

Fonte: ICMC/USP (1996).

A cada agrupamento de 10 elementos, no sistema de numeração decimal, forma-se uma


ordem. Assim temos:

Tabela 4 – Representação das primeiras classes do SND

Classes Quantidades representadas


Unidade \

Dezena = 10 unidades \\\\\\\\\\

\\\\\\\\\\ \\\\\\\\\\ \\\\\\\\\\ \\\\\\\\\\ \\\\\\\\\\


Centena =10 dezenas \\\\\\\\\\ \\\\\\\\\\ \\\\\\\\\\ \\\\\\\\\\ \\\\\\\\\\

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Unidade de milhar = 10 centenas


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Fonte: Da autora (2014).

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A tabela 4 mostra o agrupamento de base 10 do SND e sua representação até a classe


das unidades de milhar. A organização permite que ele represente infinitas ordens e classes
numéricas.

2.2 Ser aditivo e multiplicativo


A maioria dos sistemas de numeração tem o princípio aditivo, pois para escrever alguns
números basta adicionar os valores dos símbolos. Vejamos o exemplo do número quinhentos
e trinta e sete:

Em numeração egípcia:

(100 + 100 + 100 + 100 + 100 + 10 + 10 + 10 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1 + 1)

Em numeração romana: DXXXVII

(500 + 10 + 10 + 10 + 5 + 1 + 1)

No sistema de numeração decimal: 537

(5 × 100 + 3 × 10 + 7 × 1)

Como é possível verificar, além do princípio aditivo, o sistema de numeração decimal


possui o princípio multiplicativo. Este auxilia na representação e operação com grandes
quantidades.

Se esses princípios forem bem explorados, a aprendizagem e a compreensão do


sistema de numeração decimal ocorrerão naturalmente e auxiliarão muito a fixar as técnicas
operatórias, trazendo elementos para que as crianças atribuam significado às operações.

2.3 O valor posicional


O sistema de numeração decimal possui valor posicional. Veja o caso dos números 14,
41 e 145.

No primeiro número, o algarismo um vale uma dezena ou 10 unidades. Já no segundo, o


algarismo 1 vale uma unidade. E no terceiro, vale uma centena. Isso significa que, de acordo
com a posição do algarismo, ele possui um valor.

Esse valor pode ser identificado de acordo com as ordens e as classes dos números. Por
exemplo, se o algarismo 4 estiver na posição de unidade de milhar, significa que passa a valer
ou indicar quatro mil, ou seja, quatro agrupamentos de mil unidades. Se o algarismo 6 estiver
ocupando a posição de centena simples, significa que ele representa seis agrupamentos de
cem unidades. Observe na tabela 5:

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Tabela 5 – Valor posicional do algarismo

Classes Classe dos milhares Classe simples


Ordens CM DM UM C D U
Valor posicional 4
Valor posicional 6

Fonte: Da autora (2014).

A posição que um número ocupa no sistema de numeração decimal atribui a ele


determinado valor. No caso do algarismo quatro, que está na coluna das unidades de milhar,
significa que ele passa a valer quatro agrupamentos de mil, ou quatro mil. O mesmo algarismo
quatro, se estivesse na coluna da dezena simples, passaria a valer quatro agrupamentos de
dez ou quarenta. Esse é o valor posicional do SND.

Em uma comparação com os outros sistemas de numeração estudados, é possível


verificar que o sistema egípcio não possui valor posicional. Neste, os símbolos representam o
valor do número, a quantidade, independentemente da posição em que ele ocupa. Tanto faz
começar a representação do número usando o símbolo de menor ou de maior valor porque
essa posição não interferirá no valor do número que determinado símbolo representa.

Já no sistema de numeração romano, há um valor posicional diferente do sistema de


numeração decimal. Como não é possível repetir o mesmo símbolo quatro vezes, a solução
encontrada foi subtrair, como no caso do número quatro, que é representado por IV (5 – 1 =
4). O valor dos símbolos não muda, mas pode indicar uma subtração como forma de mostrar
a combinação de dois símbolos para representar uma quantidade.

2.4 A criação do zero


Analise mais uma vez a tabela 5. Repare que em relação ao número quatro mil, as ordens
posteriores à unidade de milhar estão vazias, sem símbolos que os represente.

Imagine, então, a seguinte situação: um comerciante hindu negocia com dois clientes
ao mesmo tempo. A conta do cliente A foi trezentos e um e a conta cliente B foi trinta e
um. Utilizando os algarismos indo-arábicos e o conhecimento sobre os agrupamentos, valor
posicional e ordem dos números, o registro ficava assim:

Quadro 1 – Registro de números

Cliente A Ciente B
C D U C D U
3 1 3 1

Fonte: Da autora (2014).

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Observe que são os mesmos algarismos utilizados: três depois o um. O que os diferencia
é a posição que esses números ocupam na tabela. Imagine agora que o comerciante não tem
uma tabela como a do quadro para fazer o registro. É possível diferenciar um número do
outro?

Os sábios hindus resolveram a situação observando o espaço. Tais cálculos eram realizados
em tabelas improvisadas no chão ou em outro lugar que se pudesse fazer pequenas covas
para colocar as pequenas pedras (calculus em grego). Cada pequena cova registrava uma
ordem. Observaram então que, no caso do número trezentos e um a cova da dezena ficava
vazia, então revolveram a situação criando um símbolo para representar o vazio, o nada,
mas que ao mesmo tempo tem a função de indicar uma ordem naquele número. O símbolo
inventado foi o zero, cujo formato lembra uma pequena cova vazia.

Essa foi considerada uma das grandes invenções matemáticas, pois foi a criação desse
símbolo que potencializou o uso do valor posicional, como afirmam Lopes, Viana e Lopes
(2005, p. 38) “Para representarmos uma determinada quantidade por números e fazer uso do
valor posicional, necessitamos usar outra grande invenção da humanidade, isto é, o número
para representar o nada – o zero.”

Tal fato permitiu à humanidade operar os números com mais rapidez e lidar de maneira
relativamente simples com a representação de grandes quantidades, conforme afirma
Carvalho e Gomes (2009, p. 61) “Vale lembrar que a invenção do zero, muito mais tarde,
tornou realizável cálculos que até então não eram possíveis de ser feitos.”

A partir de então, o avanço da matemática contribuiu sobremaneira para o


desenvolvimento das sociedades e das tecnologias.

Considerações finais
Nessa aula, vimos como o sistema de numeração se desenvolveu e como os hindus
criaram regras e símbolos para facilitar muito os cálculos e as representações dos números,
utilizando apenas 10 símbolos.

Vimos que o sistema de numeração decimal possui características que o tornam muito
prático: possui (a) base 10, ou seja, se organiza a partir de agrupamentos de 10 elementos,
tornando mais ágil a contagem de grandes quantidades, pois podemos contá-las de 10 em
10, de cem em cem, mil em mil e assim por diante; essa estratégia revela seu princípio
multiplicativo (b), além do aditivo, encontrado também em outros sistemas de numeração.
Tem valor posicional e um símbolo para indicar o vazio e auxiliar a marcar a posição dos
números.

Esses conhecimentos, se bem trabalhados com a criança, podem facilitar bastante o


ensino das operações matemáticas. O que por muito tempo vimos, entretanto, é que se

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apresentava o sistema de numeração decimal de forma estática, como um conjunto de regras


a serem decoradas, pois não se podia perder tempo e o mais importante era aprender a fazer
continhas e resolver problemas.

Ora, para bem conhecer o sistema de numeração decimal, devemos conhecer suas
características e isso envolve compreender os agrupamentos realizados, os valores posicionais,
os princípios aditivo e multiplicativo (já estamos “fazendo continhas”!) e a função do zero. Se
nossos futuros alunos entenderem esses princípios, não terão dificuldades com os tais “vai
um” ou “empresta um”.

Referências
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a
4ª séries): matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CARVALHO, A. M. F. T.; GOMES, M. T.; PIRES, M. N. M. Fundamentos Teóricos do Pensamento


Matemático. Curitiba: IESDE Brasil, 2009.

DIAS, M. S.; MORETTI, V. D. Números e operações: elementos lógico-históricos para atividade


de ensino. Curitiba: IBPEX, 2011.

GUIMARÃES, K. P. Desafios e perspectivas para o ensino da matemática. Curitiba: IBPEX, 2010.


Série: Matemática em Sala de Aula.

ICMC/USP/São Carlos- Instituto de Ciências Matemáticas e de Comunicação. Programa Educar:


Curso para professores de 1º a 4º série. 1996. Programa Educar. Disponível em: <http://educar.
sc.usp.br/matematica/mate02.html>. Acesso em: fev./2014.

LOPES, S. R.; VIANA, R. L.; LOPES, S. A. A construção de conceitos matemáticos e a prática


docente. Curitiba: IBPEX, 2005.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Aula 04
Processos de aprendizagem desenvolvidos pelas crianças para
a construção do conceito de número e a representação gráfica

Objetivos Específicos
• Analisar os processos de aprendizagem desenvolvidos pelas crianças para a
construção do conceito de número e a representação gráfica

Temas

Introdução
1 O contato com a matemática na vida e na escola
2 Processos de aprendizagem para a construção do conceito de número
3 Hipóteses das crianças sobre a escrita dos números
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
Esta aula procura analisar os processos de aprendizagem desenvolvidos pelas crianças
para a construção do conceito de número e a sua representação gráfica. Entendendo o
conceito de número como uma relação mental que deve ser construída por cada sujeito,
a partir das interações estabelecidas com o meio em que vive, o texto dessa aula propõe
algumas reflexões.

No primeiro tópico há uma reflexão sobre a matemática com a qual a criança tem contato
fora e dentro da escola e do quão necessário é relacioná-las, levantando os conhecimentos
prévios dos alunos para utilizá-los como ponto de partida para o ensino de matemática na
escola.

O segundo tópico retoma o conceito de número e a partir dele procura relacionar as


ações e processos que favorecem essa construção por parte das crianças. Apresenta ainda
exemplos de como a ação do professor pode auxiliar nos processos de construção do conceito
de número.

O terceiro tópico apresenta as hipóteses que crianças com idades entre 4 e 5 anos
elaboram sobre a representação gráfica dos números e revelam o modo como elas organizam
seu pensamento na tentativa de compreender o significado do número.

1 O contato com a matemática na vida e na escola


Mesmo antes de ingressar na escola, a criança possui contato com a matemática e com
os números. Segundo Guimarães (2010), são várias as situações em que tal contato acontece:
por meio da observação do mundo, dos números que a criança visualiza em seus brinquedos
e jogos, na representação de sua idade com os dedos da mão, nas brincadeiras com os
amigos, nas moedas e cédulas de dinheiro que ela pode ganhar para guardar num cofrinho...
Elas observam as quantidades representadas por números em situações cotidianas, quando
uma pessoa pede à outra para comprar cinco pães, pegar determinado objeto na terceira
prateleira do armário, colocar a mesa para servir seis pessoas, visitar uma pessoa que mora
no quarto andar de um edifício localizado na rua A, no número.

Ou, ainda, quando a criança tem contato com os números ao brincar com objetos e
com outras crianças, ao ter de fazer a divisão de brinquedos ou de colegas para compor dois
times para jogar futebol, por exemplo; quando marcam pontos nos jogos em que participam,
quando escolhem o número de um canal televisivo para assistir a seus programas favoritos.

Tais situações fazem com a que a criança construa os chamados “conhecimentos prévios”,
ou seja, ideias e hipóteses sobre o que é o número e sua utilidade. Conforme Guimarães (2010,
p. 58), esse conhecimento varia de acordo com o meio social em que ela vive: “Um meio

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social mais favorecido de estímulos, no qual a criança observe a função social do número, por
exemplo, favorece a construção dos conhecimentos prévios.”

Por esses motivos, pesquisadores e documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares


Nacionais (1997), recomendam que o ensino da matemática na escola deve levar em conta
os conhecimentos prévios dos alunos e identificar o que as crianças já sabem para iniciar o
processo de ensino e aprendizagem escolar, desenvolvendo-o a partir de situações práticas,
contextualizando esse ensino e trabalhando-o de forma concreta.

Entretanto, nem sempre essas recomendações são acatadas, ou por falta de conhecimento
e formação do próprio professor, ou por opção do sistema de ensino disponível. Outro fator
é o recente tempo, se considerarmos a história da humanidade e da matemática, há cerca
de 30 anos apenas essas recomendações começaram a ser feitas. Antes disso, o professor
preocupava-se apenas em ensinar a matemática, apresentando todo o conteúdo programado
para cada ano escolar sem considerar o conhecimento prévio do aluno.

Todo processo de mudança demanda tempo e reconstrução de concepções e práticas.


Atualmente vivemos esse processo. Muita coisa já mudou no ensino da matemática, mas a
transformação precisa continuar, pois ainda encontram-se práticas de ensino que apresentam
uma matemática pronta, acabada, abstrata e distante da realizada do aluno, baseada na
memorização de técnicas de cálculos e fórmulas para aplicá-los na resolução dos problemas
que lhes eram apresentados, com exercícios extensos e repetitivos que nem sempre garantem
a compreensão e as aprendizagens necessárias para a construção dos conhecimentos
matemáticos.

2 Processos de aprendizagem para a construção do conceito


de número
Definindo o conceito de número como uma relação mental criada pelo indivíduo, que
abarca a compreensão dos processos de classificação e seriação, o aprendizado desse conceito
deve se iniciar logo na primeira infância, quando as crianças ingressam na Educação Infantil.

Isso não significa que esse ensino tem de ocorrer somente pela escrita e memorização
dos números, pois a escrita do número, sua representação, deve resultar de um processo de
abstração reflexiva, que a criança da Educação Infantil ainda não consegue realizar devido
à ausência de estruturas cognitivas necessárias a essa abstração, mas já desenvolveu as
estruturas mentais necessárias para a realização de abstrações empíricias.

De acordo com Carvalho e Gomes (2009, p. 32), “o desenvolvimento do conceito de


número pode se dar por meio da ação de contar, que tem grande importância na educação
matemática das crianças, sendo que, para concretizar o processo de contar, é indispensável
recorrer à série numérica oral e à série numérica escrita.”

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Repare que a criança, como sujeito que aprende, desenvolve um papel ativo no
processo de ensino e aprendizagem. Essa participação nos lembra um pouco da própria
história da matemática, que a apresenta como uma criação humana, desenvolvida a partir de
necessidades humanas, como a necessidade de quantificar e contar.

Corroborando o pensamento acima, Smole e Diniz (2007, p. 126) ressaltam que “a


linguagem oral está presente na vida das crianças mesmo antes de sua escolaridade,
constituindo-se, por isso mesmo, um recurso muito utilizado por elas para se expressarem”.

Outro aspecto importante para a aprendizagem e construção do conceito de número,


antes dessa construção abstrata, de natureza lógico-matemática, é o desenvolvimento de
algumas noções matemáticas com o apoio da linguagem oral (LORENZATO, 2006).

O autor recomenda a estimulação, por meio de brincadeiras e atividades de organização


ainda na Educação Infantil, a fazer comparações: maior/menor, grande/pequeno, alto/baixo,
curto/comprido, longo/curto, estreito/largo, leve/pesado, cheio/vazio... As situações para o
desenvolvimento dessas noções devem ser as mais variadas possíveis:

• Guardar os sapatos na prateleira baixa da estante e as sacolas na estante alta;

• Na quadra, ou em pátio aberto, fazer brincadeiras de estafetas e orientar as crianças


a andarem pelo caminho estreito e passarem pulando pelo caminho largo;

• Brincar de dentro/fora;

• Organizar uma fila de alunos, comparando a altura, do menor para o maior ou vice-
versa;

• Observar que a porta da sala fica do lado direito e as janelas do lado esquerdo;

• Na hora do lanche, observar os copos cheios de suco e perguntar se há algum vazio


antes que as crianças tomem o suco ou leite.

Muitos momentos de interação entre professor e alunos na escola podem oferecer


uma situação de desenvolvimento das noções matemáticas. O autor, em sua obra Percepção
matemática e Educação Infantil, lista outras noções importantes de serem trabalhadas e que
contribuirão para a construção do conceito de número:

grande/pequeno, maior/menor, grosso/fino, curto/comprido, alto/baixo, largo/


estreito, perto/longe, leve/pesado, vazio/cheio, mais/menos, muito/pouco, igual/
diferente, dentro/fora, começo/meio/fim; antes/agora/depois, cedo/tarde, dia/noite,
ontem/hoje/amanhã, devagar/depressa; aberto/fechado, em cima/embaixo, direta/
esquerda, primeiro/último/entre, na frente/atrás/ao lado, pra frente/pra trás/para o
lado, para a direita/para a esquerda, para cima/para baixo, ganhar/perder, aumentar/
diminuir. (LORENZATO, 2006, p. 24)

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Construção dos Conceitos Matemáticos

O desenvolvimento dessas noções deve ser anterior ao trabalho com o conceito de


número, que futuramente auxiliará a criança a construí-lo. São noções que, para serem
desenvolvidas, exigem da criança – sujeito que aprende – um comportamento ativo: observar,
analisar a situação que se apresenta de forma concreta, ligada à realidade, mobilizar suas
estruturas cognitivas, tomar uma decisão e comunicá-la. O autor traz em sua obra sugestões
de inúmeras atividades que podem ser executadas em sala de aula.

Essa ação ou exploração mobiliza o que Lorenzato (2006, p. 25) chama de “sete processos
mentais básicos para a aprendizagem da matemática: correspondência, comparação,
classificação, sequenciação, seriação, inclusão e conservação”. Esses processos permitirão à
criança construir o conceito de número mais tarde.

Lopes, Viana e Lopes (2005) sugerem ainda que, antes de passar à representação de
números, o professor deve fazer algumas experiências com quantidades, deixando as crianças
fazerem comparações utilizando objetos e situações reais em que elas tenham condições de
manipulá-los para fazer a exploração matemática, como propor às crianças de 4 ou 5 anos
comparar a quantidade de tampinhas de garrafa que há em uma caixa com a quantidade de
garrafas plásticas que há no chão.

Para auxiliá-las no processo, promova uma situação de comparação entre a quantidade


de garrafas e tampinhas, como apresentada na figura 1. Pergunte às crianças se encaixar as
tampinhas nas garrafas ajuda a saber a quantidade que tem mais (maior) e a quantidade que
tem menos (menor). Se houver dez tampinhas e nove garrafas, as crianças logo perceberão
que há mais tampinhas do que garrafas.

Figura 1 – Comparação de tampinhas e garrafas

Fonte: Da autora (2014).

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Para enriquecer a situação, leve os objetos físicos, concretos, e depois de as crianças


levantarem uma hipótese, deixe-as testarem suas ideias, manipulando os objetos. Nessa
situação, o aprendizado será mais significativo, pois permitirá a construção de relações entre
as ideias, a imagem e a manipulação de objetos concretos como forma de comprovar o
pensamento.

Se você, professor, não oferecer à criança a chance de vivenciar essa situação e comparar
efetivamente as quantidades, fazendo a correspondência um a um, corre-se o risco de alguma
criança achar que há mais garrafas do que tampinhas, pois o conjunto das garrafas ocupa
um espaço maior e pode transmitir a sensação de que estão em maior número, ou maior
quantidade, como mostra a figura 1.

Quando se proporciona a experiência de fazer a comparação concretamente, permitindo


às crianças manusear os objetos, elas estarão trabalhando a comparação de quantidade e a
correspondência um a um sem ainda utilizar números. Nesse momento, o mais importante
não é saber o número exato ou escrever o algarismo que os representa, e sim fazer com que
as crianças desenvolvam ações e façam a exploração matemática para desenvolver as noções
e esquemas necessários à construção do conceito numérico. Fazer com que entendam as
ideias de agrupamento, classificação e seriação.

Outro exemplo interessante é um caso relatado pelo Programa Educar (1996):

[...] uma situação interessante que uma professora inventou para desafiar suas
crianças. Elas já tinham tido experiências com quantidades, mas o novo desafio era
mais complicado. Nesse caso, elas não tinham duas quantidades para comparar.
Tinham uma só e tiveram que descobrir a outra.

A professora dividiu a classe em grupos de quatro, cinco ou seis alunos, deu um


punhado de feijões para os grupos e disse:

— Vocês vão fazer os feijões falarem!

As crianças ficaram espantadas, mas a professora continuou :

— Os feijões têm que dizer quantas crianças têm neste grupo. Vocês não devem falar.
Em vez disso, devem me mostrar os feijões. E eu, vendo os feijões, tenho que saber
quantas crianças estão no grupo.

A professora ficou esperando. As crianças tinham dúvidas e fizeram perguntas. A


professora repetiu a explicação com outras palavras.

De repente, uma aluna, que estava em um grupo de cinco, teve uma ideia. E logo
mostrou cinco feijões para a professora.

— Como você descobriu? — perguntou a professora.

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A menina colocou um feijão na frente de cada criança, isto é, “casou” um feijão com
cada criança, fazendo uma correspondência um a um. Seus colegas logo entenderam
a ideia.

Essa ideia de corresponder um a um é muito importante na matemática. Na situação


que acabamos de ver, ela permitiu às crianças obterem uma quantidade de feijões
igual à quantidade de pessoas.

Mesmo sendo importante, não precisamos explicar o que é essa correspondência


às crianças. Basta que elas percebam a ideia e a usem. Isso é importante para que
elas possam entender os números. As crianças da história dos feijões percebiam essa
correspondência. Quando a professora começou a trabalhar com os números, elas
aprenderam bem depressa. (ICMC/USP, 1996)

Pode-se comparar várias coleções de objetos presentes na sala de aula: lápis de cor e
folhas; cadernos e livros, crianças e mochilas, meninos e meninas.

Além de realizar a exploração matemática, é necessário fazer a socialização das ideias


construídas pelas crianças. Num primeiro momento, essa socialização deve ser oral. Incentivar
as crianças a falarem o que e como pensaram irá ajudá-las a reelaborar seus pensamentos e
organizar as ideias sobre o que irão comunicar, no caso, os procedimentos utilizados e os
resultados, as conclusões a que chegaram. Num segundo momento, o desafio será fazer essa
comunicação por escrito.

Em minha experiência docente, certa vez trabalhei com uma turma de


segundo ano do Ensino Fundamental, crianças com sete anos de idade, em
média, em uma escola pública municipal na região metropolitana de São
Paulo. Logo no início do ano letivo, propus um exercício e pedi que as crianças
registrassem o cálculo e o resultado a que chegaram da forma que soubessem.
A situação era “Tenho duas caixas com lápis de cor. Em uma há 8 lápis e na outra
há 9 lápis. Como faço para saber quantos lápis eu tenho?”

A maioria dos alunos deve ter imaginado que eu esperava que eles
escrevessem uma continha, que muitos ainda não ainda não sabiam fazer,
porque me perguntaram logo qual era a “conta” que deveriam: “é de mais ou
de menos?”. Respondi que não precisariam escrever uma conta, mas que me
mostrassem uma maneira de saber a quantidade de lápis que eu possuía.

Nesse momento, vi que um aluno registrou a quantidade total corretamente,


mas que não havia registrado o cálculo. Perguntei então:

[Professora] — Como você chegou nesse resultado?

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[Aluno T1] — Eu pensei de cabeça! — E apontou para sua cabeça.

[Professora] — Mas como você pensou na sua cabeça?

[Aluno T] — Primeiro eu imaginei oito lápis, depois imaginei nove e fui


contando.

[Professora] — Você pode me mostrar isso no papel, colocar na sua folha?

[Aluno T] — Eu não sei.

[Professora] — Você consegue desenhar?

[Aluno T] — Pode?

[Professora] — Sim.

Então o aluno desenhou seu rosto com um balão de pensamento. Dentro


do balão ele desenhou os lápis nas quantidades corretas e mostrou a contagem
para mim e os demais colegas, apontando seus desenhos com os dedos.

Mesmo assim, outro aluno ainda demonstrava dúvidas, pois disse que não
tinha entendido. Então, peguei os lápis nas quantidades indicadas inicialmente
e tal qual, os distribuí em dois estojos. Entreguei ao aluno e refiz a pergunta:

[Professora] — Como faço para saber quantos lápis eu tenho?

Ele respondeu prontamente, num ato quase mecânico:

[Aluno P2 ] — É só contar!

[Professora] — Então me mostra.

O aluno começou a tirar os lápis do estojo, um por um, contando-os.


Quando terminou de tirar os lápis do primeiro estojo, que tinha oito, ele
continuou a contagem retirando os lápis do outro estojo. Ao final da operação
ele disse:

[Aluno P] — Tem dezessete lápis.

Ao se dar conta da situação, o aluno me olhou com brilho nos olhos,


demostrando a compreensão do processo que acabara de fazer, como a mais
importante descoberta que ele fez. A seguir, desafiei-o a registrar na folha e ele
o fez utilizando desenhos.

Ainda desafiei a turma, perguntando se alguém conseguiria registrar essa


operação usando números e símbolos da matemática. Após algumas tentativas,
acabamos por elaborar um registro coletivo da operação utilizando a linguagem
matemática: 8 + 9 = 17.

1 Aluno, menino com 7 anos.

2 Aluno, menino com 8 anos.

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Iniciar o registro escrito permitindo aos alunos que utilizem desenhos e esquemas é
muito importante para ajudá-los a chegar à linguagem matemática. A linguagem matemática
é repleta de símbolos: sinais e algarismos, que se apresentados e utilizados antes de serem
compreendidos poderão se tornar uma barreira ao aprendizado da matemática.

Dessa forma, o trabalho do professor e o planejamento do ensino da matemática devem


considerar os conhecimentos prévios dos alunos e propiciar experiências concretas nas quais
a criança tenha papel ativo para fazer a exploração matemática: observar, analisar, comparar,
levantar hipóteses, testá-las para refutar ou afirmar o pensamento, fazendo a abstração
empírica para chegar à abstrção reflexiva, necessária à construção do conceito de número.

3 Hipóteses das crianças sobre a escrita dos números


O contato com os números fora e dentro da escola e as experiências vivenciadas pelas
crianças fazem com que elas criem hipóteses sobre o que são os números e como se faz sua
representação gráfica.

As pesquisadoras Delia Lerner e Patricia Sadovsky realizaram pesquisas e entrevistaram


crianças com idades entre 4 e 6 anos para entender as hipóteses que elas constroem acerca
da representação escrita dos números. As entrevistas foram realizadas com pares de crianças
matriculadas na mesma série (ano escolar) porque as pesquisadoras queriam investigar se as
ideias de uma criança influenciam as ideias da outra e descobriram:

[...] que as crianças elaboram critérios próprios para produzir representações


numéricas e que a construção da notação convencional não segue a ordem da
sêquencia (numérica), ainda que esta desepenhe um papel importante dessa
construção. (LERNER e SADOVSKY, 2009, p. 82)

Além das entrevistas, as pesquisadoras elaboram uma situação experimental, em que as


crianças são colocadas para fazer a comparação de números. Hoje, essa situação é um jogo
utilizado em aulas de matemática conhecido por “batalha de números”, “batalha de cartas”
ou como as pesquisadoras nomearam, “jogo da guerra”.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

PARRA, C. SAIZ, I. (orgs.) Didática da matemática: reflexões psicopedagógicas.


Porto Alegre: Artmed, 1996.

Com a colaboração de alguns pesquisadores, as autoras organizaram uma


obra para socializar resultados de pesquisas sobre como se aprende e se ensina
matemática atualmente, ampliando as discussões acerca do tema.

BETINI, B. Batalhas numéricas. Revista Nova Escola. São Paulo, ago. 2006.

A reportagem apresenta as regras do jogo e sua construção para o


aprendizado do valor posicional dos algarismos nos números.

As pesquisadoras identificaram algumas hipóteses que as crianças elaboraram para


produzir as representações numéricas:

• Comparar números com diferentes quantidades de algarismos, como 56 e 123. Dizem


que cento e vinte e três é maior porque tem mais números.

Segundo as próprias autoras, esse critério foi “elaborado fundamentalmente a partir da


interação com a numeração escrita e de maneira relativamente independente da manipulação
da sequência dos nomes dos números” (LERNER e SADOVSKY, 2009, p. 82).

• O primeiro é quem manda. As crianças baseiam-se no primeiro algarismo que aparece


no número para determinar qual é o maior, em caso de comparação de números
com a mesma quantidade de algarismos: 41 e 35. Dizem que quarenta e um é maior
porque o quatro (quatro dezenas ou quarenta) é maior que o três (três dezenas ou
trinta).

Contudo, as crianças ainda não atribuem o valor posicional ao algarismo e também não
demonstraram domínio da noção de agrupamento na base 10, uma das características do
Sistema de Numeração Decimal. Por esse motivo, é importante que o professor desenvolva
atividades que gerem a necessidade de agrupamento dos números de forma a auxiliar o
aprendizado das operações com os números.

• O aprendizado dos números exatos (dezenas, centenas, unidades de milhar) não


segue a sequência numérica. As crianças conseguiram escrever convencionamente
números como 1 000 (mil), 100 (cem), 5 000 (cinco mil), 200 (duzentos), mas não
foram capazes de produzir corretamente a escrita do número cento e cinco, pois
grafaram 1005, apoiando-se na linguagem oral (cento e cinco) ou 1 000 500 para
representar mil e quinhentos.
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A princípio, os números exatos são entendidos pelas crianças como um conhecimento


social, apoiando-se na linguagem oral ou até em dinheiro (moedas ou quantidade de cédulas
com as quais tem contato), no caso de 10, 50, 100. Por volta dos 6, 7 anos, algumas crianças
atribuem valor ao dinheiro pela quantidade de cédulas. Também criam a hipótese de que o
dinheiro de papel vale mais que as moedas porque é maior.

As pesquisadoras também constataram que geralmente as crianças nessa idade


representam a sequência numérica até 30 ou 31, fazendo alusão ao conhecimento da
sequência desses números expostos diariamente no calendário.

Para fazê-las evoluir na escrita dos números e compreender que representam quantidades
acrescentando-se uma unidade ao próximo número da sequência e agrupando os números
na base 10, é importante que o professor proponha situações de comparação e análise
dos números. Pode ser em situações de jogo que gerem a necessidade de registro; faça
questionamentos e dê tempo para a criança pensar, analisar e comunicar seu pensamento.

Considerações finais
Procuramos refletir sobre o contato que as crianças têm com a matemática dentro e
fora da escola, como elas desenvolvem os processos de aprendizagem do conceito numérico,
como pode ser a intervenção do professor e quais ideias as crianças constroem sobre os
números.

Reafirmamos que a matemática é uma construção humana surgida a partir das


necessidades de contar e medir, e que despertar a curiosidade da criança, questioná-la,
desafiá-las, fazê-la pensar a partir de situações concretas e incentivá-la a comunicar e registrar
suas “descobertas” pode, realmente, auxiliar a sua construção do conceito de número.

Referências
BETINI, B. Batalhas numéricas. Revista Nova Escola. São Paulo. ago. 2006. Disponível em: <http://
revistaescola.abril.com.br/matematica/pratica-pedagogica/batalhas-numericas-428109.
shtml>. Acesso em: fev./2014.

CARVALHO, A. M. F. T. et al. Fundamentos teóricos do pensamento matemático. Curitiba:


IESDE Brasil, 2009.

GUIMARÃES, K. P. Desafios e perspectivas para o ensino da matemática. Curitiba: IBPEX, 2010.


(Série: Matemática em Sala de Aula).

ICMC/USP/São Carlos – Instituto de Ciências Matemáticas e de Comunicação. Programa Educar:


Curso para professores de 1ª a 4ª série. 1996. Programa Educar. Disponível em: <http://educar.
sc.usp.br/matematica/let2.htm#let2a1>. Acesso em: fev./2014.

LERNER, D.; SADOVSKY, P. O sistema de numeração: um problema didático. In: Didática da


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Construção dos Conceitos Matemáticos

matemática. Porto Alegre: Artmed, 1996. p. 79-161.

LOPES, S. R.; VIANA, R. L.; LOPES, S. A. A construção de conceitos matemáticos e a prática


docente. Curitiba: IBPEX, 2005.

LORENZATO, S. Percepção matemática e Educação Infantil. Campinas: Autores Associados,


2006.

SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. (orgs.). Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para
aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2007.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Aula 05
Linguagem matemática: relação entre leitura e escrita dos
números

Objetivos Específicos
• Compreender o desenvolvimento da linguagem matemática analisando a
relação entre leitura e escrita dos números.

Temas

Introdução
1 A linguagem matemática
2 Relação entre leitura e escrita dos números
3 Construção da linguagem matemática
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
O objetivo desta aula é auxiliar a compreender o que é e como se desenvolve a linguagem
matemática, bem como analisar a relação entre a leitura e escrita dos números.

No primeiro tópico, desenvolveremos a compreensão da linguagem matemática ao


conhecer suas características e buscar uma relação com a linguagem cotidiana ou língua
materna1.

No segundo tópico, serão apresentadas e analisadas as relações entre a leitura e escrita


de números e suas implicações na aprendizagem das crianças.

No terceiro e último tópico, veremos exemplo de situações de como auxiliar o aluno na


construção da linguagem matemática.

1 A linguagem matemática
A linguagem matemática tem suas especificidades, pois se trata de uma combinação de
sinais, letras, palavras e regras definidas para expressar ideias. Nem sempre sua organização
e significados se assemelham àqueles encontrados na língua materna e, por isso, as crianças
podem encontrar dificuldades em compreender o significado dos termos utilizados na
linguagem matemática e até na aprendizagem e construção dos conceitos matemáticos.

Baseados nos estudos de Carvalho e Gomes (2009), vamos analisar o caso das palavras
“mais” e “menos” com as quais nominamos os símbolos “+” e “‒”, respectivamente. Em
matemática, essas palavras designam a realização de cálculos, operações. A palavra “mais”
mostra uma situação ou cálculo em que se adiciona uma quantidade à outra ou reúne-se duas
ou mais quantidades; é a ideia de adição. A palavra “menos” indica operação de subtração,
na qual se abate uma quantidade da outra (ideia de retirar, diminuir) ou completar o quanto
falta para chegar em outra quantidade, ou, ainda, de comparar quanto uma quantidade tem
“a mais” que outra – olha a confusão!

Percebam que a palavra “mais” da expressão “a mais” relaciona-se com uma ideia de
subtração. Isso por si só pode gerar confusões na sala de aula. No início do processo de
aprendizado da matemática, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, é bastante corriqueiro
uma criança realizar um cálculo de adição quando é solicitada a resolver um exercício ou
problema matemático cujo enunciado seja semelhante a esse:

“João tem 15 figurinhas e Paulo tem 22. Quantas figurinhas Paulo tem a mais que João?”

Há casos em que as crianças entendem a expressão “a mais” como sinônimo do sinal de

1 Língua materna: a língua pela qual os indivíduos de um grupo social se comunicam. No Brasil, a língua materna é a língua portuguesa ou a
Libras,– Língua Brasileira de Sinais, língua das pessoas surdas.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

adição “+” e acabam efetuando uma soma das duas quantidades, levando à interpretação e
respostas erradas ao exercício.

O que essas crianças ainda não compreenderam é que a situação apresentada exige
uma comparação (ideia de subtração), ou seja, analisar a quantidade de figurinhas que cada
personagem possui, comparar até onde possuem o mesmo número de figurinhas e depois
analisar quantas figurinhas uma personagem tem a mais que a outra. Isso implica trabalhar
com a diferença – novamente, ideia da subtração.

A situação apresentada ilustra uma das especificidades da linguagem matemática:


atribuir significados.

Porém, se analisarmos como as palavras “mais” e “menos” são utilizadas no cotidiano,


veremos que essas palavras podem adquirir ainda outros significados, diferentes do utilizado
na linguagem matemática.

Veja algumas situações:

Uma criança de quatro anos está pintando um desenho, uma casa com flores ao redor.
Em determinado momento a criança mostra seu trabalho para a mãe e esta sugere:

“Pinte as flores de vermelho. Vai ficar mais bonito!”

Em outra ocasião uma mãe vai chamar seu filho de 7 anos que está brincando com os
colegas no jardim do condomínio e diz:

“Vamos pra casa, Pedro, já está escuro e você não pode mais ficar no jardim hoje.”

Em outra situação, duas crianças estão apostando corrida e uma diz a outra:

“Vamos ver quem é mais rápido?”

Nas três situações, a palavra mais tem significados diferentes da ideia de adição. Na
primeira, significa realçar um valor atribuído ao desenho; na segunda representa uma forma
de negação da ação realizada e ordem para mudar a ação; na terceira é o sentido de verificar
quem melhor domina a velocidade, quem chega primeiro. Nessa ideia, o primeiro é sempre
“mais”, no sentido de ser o melhor.

Entretanto, pesquisadores apontados por Carvalho e Gomes (2009) verificaram que a


palavra menos é utilizada com menor frequência na linguagem cotidiana, pois se aplica a
situações que se referem a quantidades pequenas.

Imagine a seguinte situação. É a primeira vez que Mariana, uma adolescente, faz um
bolo e seus familiares estão reunidos para provar. Ao experimentarem o bolo, o pai faz o
seguinte comentário:

“Está bom! Mas, da próxima vez, coloque menos açúcar.” (Ideia de menor quantidade do
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Construção dos Conceitos Matemáticos

produto).

Em uma comparação de estaturas de pessoas, a palavra “menos” não aparece na


linguagem cotidiana. Geralmente pergunta-se “quem é o mais alto” ou “quem é o mais baixo”.
Dificilmente alguém irá perguntar “quem tem menos estatura”.

Carvalho e Gomes (2009) discutem os resultados de uma pesquisa sobre o impacto do


significado dos termos utilizados quando os aprendizes tentam relacionar esse significado
ao sentido cotidiano atribuído a algumas palavras ou expressões. Elas apresentam duas
situações nas quais os alunos se baseiam no significado cotidiano das palavras já conhecidas
convencionalmente pela linguagem cotidiana e tentam relacionar esses significados aos
termos apresentados em linguagem matemática, numa tentativa de compreendê-los, mas
que, na verdade, num primeiro momento, geram confusões aos pensamento dos alunos.

A primeira situação mostra um aluno atordoado com a proposta “Paulo exige ser pago
à vista, em dinheiro vivo”. Ele entende que à vista é ver, ter o sentido da visão, a capacidade
humana de enxergar. Dessa forma, ele não consegue relacionar esse sentido com os cálculos
para resolver o problema de aritmética.

Na segunda, o pensamento do aluno vai além. Em outro problema, quando solicitado


a fazer a divisão de centésimos, ele traz o sentido cotidiano atribuído aos centésimos e
argumenta com o pesquisador: “Quando eu tenho uma divisão com centésimos eu os risco
sempre: o que você quer que as pessoas façam com alguns centésimos?” (CARVALHO e
GOMES, 2009, p. 230). O aluno entende que as pessoas desprezam os centésimos por serem
quantidades ou quantias – relativas ao valor monetário – muito pequenas, por isso deduz não
haver necessidade de aprender tal divisão.

Essa multiplicidade de significados das palavras na linguagem cotidiana, nem sempre


dotadas com o mesmo sentido em linguagem matemática, acaba trazendo, inicialmente,
dificuldades para o aprendizado dessa área de conhecimento. Por isso, torna-se importante
a comunicação em sala de aula. Em momento oportuno, iremos aprofundar essa discussão.

2 Relação entre leitura e escrita dos números


A escrita e leitura dos números merece atenção especial, porque nem sempre essa
relação é explicita.

No caso dos números de um a nove, cada um possui um símbolo e uma escrita de fácil
compreensão e distinção pelas crianças, pois a leitura e a escrita mantêm uma relação clara:

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Tabela 1 – Leitura e escrita dos números de um algarismo

Leitura Escrita
(nome) (símbolo)
Um 1
Dois 2
Três 3
Quatro 4
Cinco 5
Seis 6
Sete 7
Oito 8
Nove 9

Fonte: Da autora (2014).

Observem que são nove símbolos diferentes para cada número. Reparem ainda que o
nome do número corresponde exatamente ao seu símbolo.

Entretanto, a lógica matemática não funciona exatamente assim, como Lorenzato (2006)
nos faz refletir sobre o assunto. Para escrever o número dez, usam-se os algarismos 1 seguido
do 0, repetindo os símbolos “um” e “zero”. Porquanto as crianças pensam e criam hipóteses
acerca dos números, o símbolo “10”, em uma lógica infantil, poderia ser chamado “um-zero”,
levando em conta a grafia do algarismo 1 seguido do algarismo 0.

Isso acontece com os outros números: onze, doze, treze, quatorze, quinze, dezesseis,
dezessete, dezoito e dezenove. Esses últimos quatro trazem uma sugestão de sua composição,
por exemplo “dez-e-nove”, usando a lógica infantil.

E quando os alunos aprendem os algarismos da unidade, sua escrita e as dezenas exatas


(10, 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80 e 90) com seus códigos em língua materna e depois tentam
juntar esses conhecimentos para escrever os números trinta e quatro e vinte e sete, por
exemplo?

Uma criança em fase de aprendizado pode grafar 304 e dizer “trinta e quatro”, pode grafar
207 e ler “vinte e sete”. O pensamento da criança com esse tipo de registro está buscando
lógica, pontos comuns na relação entre a escrita dos números em sua língua materna
– o número escrito por extenso, com palavras – e o número representado por símbolos,
os algarismos. Há certa coerência, mas falta-lhe observar a influência do valor posicional
também na escrita do número para entender que “vinte e sete” representam 2 dezenas + 7
unidades; logo, a grafia correta do número usando símbolos da linguagem matemática será
27 e no caso do “trinta e quatro”, 34.

Essa relação entre leitura e escrita dos números precisa ser trabalhada didaticamente
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Construção dos Conceitos Matemáticos

em sala de aula, pois não é explícita. O professor dispõe de recursos didáticos para realizar
esse trabalho, como a representação dos números no “quadro valor de lugar”. Trata-se de
uma tabela que contém na primeira linha o nome das ordens: unidade, dezena e centena,
cada uma em uma coluna, com os respectivos valores que o algarismo ocupa quando está em
alguma dessas ordens. Na linha seguinte, geralmente em tamanho maior, fica o espaço para
representar a quantidade desejada. Dessa forma, a criança tentará ler o valor de lugar (valor
posicional) e não somente o algarismo disposto naquela posição. Para o preenchimento, a
regra determina a escrita de apenas um algarismo em cada célula vazia da tabela.

Figura 1 – Quadro valor de lugar

Centena 100 Dezena 10 Unidade 1

Fonte: Da autora (2014).

Vejamos o exemplo do número “65”. Se a criança ainda se apoia na linguagem oral –


também linguagem materna – ela pode produzir o seguinte registro em linguagem matemática:
“605” para representar “sessenta e cinco”. Se a criança for representar esse número no
“quadro valor de lugar”, ela não poderá escrever o símbolo “60” na tabela; deverá fazer uma
opção: colocar o algarismo seis ou o algarismo zero. Logo a criança chega à conclusão de que
o zero não representa quantidade alguma e que o seis pode ser indicado para representar
seis dezenas, chamadas de “sessenta”. Ao terminar o preenchimento, a criança se deparará
com o símbolo “65” para representar o número 65.

Figura 2 – Representação do número 65 no quadro valor de lugar

Centena 100 Dezena 10 Unidade 1

6 5
Fonte: Da autora (2014).

Dessa forma, o uso do “quadro valor de lugar” pode auxiliar a criança a entender a
linguagem matemática.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

3 Construção da linguagem matemática


Para facilitar às crianças a interpretação e construção a linguagem matemática, é preciso
ensiná-las a aprender a ler matemática para poderem compreender a matemática, de acordo
com Smole e Diniz (2007). Ou seja, explicar os símbolos, promover atividades de familiarização
com a linguagem matemática, análise e diálogo. Ouvir o que a criança pensa e oferecer
oportunidade para ela verbalizar, escrever e socializar o seu conhecimento e suas ideias
pode mostrar ao professor onde fazer a interferência para ajudar a criança a ressignificar seu
pensamento e se apropriar da linguagem matemática.

Nesse trabalho, o professor deve considerar as diferentes formas de linguagem e


representação de ideias, e utilizar fotos, desenhos, esquemas, recursos manipulativos e
simulações para auxiliar os alunos a compreenderem a linguagem matemática, segundo
Smole e Muniz (2103).

Em uma situação como essa pude ajudar um aluno do segundo ano do Ensino Fundamental
(criança de 8 anos) a se familiarizar com os símbolos de adição e subtração e aos poucos se
apropriar da linguagem matemática, atribuindo significado a ela e entendendo a expressão
matemática que representa um cálculo simples de adição ou subtração. Nessa situação,
utilizei a calculadora como instrumento de apoio.

Era uma aula com o uso de calculadora. Já havíamos realizado algumas


explorações anteriormente de como registrar os números, conhecer as teclas,
fazer aparecer determinados números, como o número 10 sem apertar as teclas
1 e 0. As respostas foram imediatas: “5 + 5”. Perguntei se haveria outra forma
de fazer o dez aparecer no visor da calculadora e os alunos disseram todas as
formas de somar os algarismos de 1 a 9 para obter o 10.

O desafio da aula era fazer aparecer no visor da calculadora o número 80


sem digitar a tecla 8. Os deixei livres para pensar e propor alguma estratégia
e não demorou para uma criança sugerir “70 + 10”. Sugeri a cada aluno que
fizesse a verificação na sua própria calculadora. Fui ditando:

“Aperte o 7, aperte o 0. Que número apareceu no visor da calculadora?”

“70”, foi a resposta uníssona.

“Agora aperte o símbolo da adição, o mais, a tecla com a cruz.” Era


preciso especificar, pois apesar de já realizarem muitos cálculos, geralmente
o fazíamos em situações concretas, com brincadeira, jogos e linguagem oral.
“Depois, aperte a tecla 1 e 0. Pronto? Já fizeram, deixa eu ver?”, e os alunos me
mostravam o que haviam digitado. Quando estava certa de que todos digitaram
o cálculo correto, ordenei: “Agora aperte o sinal de igual para ver o resultado, é
a tecla que possui dois tracinhos, um em cima do outro. Que número apareceu
no visor da calculadora?”

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Construção dos Conceitos Matemáticos

“80”, as crianças responderam.

Lembro-me ainda da carinha de surpresa de alguns como se fosse um


passe de mágica. Desafiei-os então a encontrar outros cálculos cujo resultado
fosse 80. Testamos todos na calculadora. Surgiram muitas possibilidades de
adição até que uma criança sugeriu “100 – 20”. Fomos conferir e algumas
crianças pediram ajuda aos colegas para ver qual era a tecla do “menos”.
Todos conseguiram representar a operação na calculadora. Parei a atividade e
disse que iríamos registrá-la no caderno para mostrar aos pais os cálculos que
aprendemos naquela aula usando a linguagem matemática.

Nesse momento, um dos alunos mostrou dificuldade e resolveu esperar os


colegas registrarem para depois copiar. Eu já havia percebido essa estratégia na
atividade prática, então sentei ao lado do aluno e começamos a conversar. Ele
disse que não sabia usar a linguagem matemática e eu o interpelei:

[Professora] — Claro que sabe, você fez todos os cálculos na calculadora.


As teclas da calculadora possuem os símbolos da linguagem matemática. Você
usou esses símbolos para digitar os cálculos, vamos lembrar? Qual foi o primeiro
cálculo que fizemos?

[Aluno P2] — Foi setenta mais dez.

[Professora] — Então vamos lá. Que teclas você apertou pra colocar o
setenta no visor da calculadora?

[Aluno P] — O sete e o zero.

[Professora] — Então escreve sete e zero, setenta. E depois, o que você


apertou na calculadora?

[Aluno P] — O mais.

[Professora] — Ótimo! Escreve o mais. E depois?

[Aluno P] — O dez — e o aluno imediatamente escreveu o dez, nem


precisei pedir.

[Professora] — Ainda falta alguma coisa.

[Aluno P] — Os dois tracinhos.

[Professora] — Como chama mesmo?

[Aluno P] — Igual — ele respondeu meio desconfiado.

[Professora] — Muito bem, o sinal de igual. E qual foi o resultado?

[Aluno P] — Oitenta — assim que terminou de falar, escreveu oitenta.

[Professora] — Excelente! Agora tente escrever os outros.

O aluno se debruçou na atividade de registrar os cálculos e como eu fiquei por perto,


quando tinha dúvida ou se mostrava inseguro, ele olhava para mim e perguntava se estava

2 Aluno, menino com 8 anos.

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fazendo corretamente!

Um desses momentos foi na hora do cálculo de subtração: ele disse que não sabia qual
era o sinal de menos. Ajudei-o e ele conseguiu.

Outro benefício desse momento de diálogo: o aluno começou a construir sua


autoconfiança para não esperar mais a resposta dos colegas para copiar, e junto com ela,
começou a interpretar a linguagem matemática, que para ele era um problema.

Para desenvolver a linguagem matemática, às vezes, é preciso iniciar o trabalho partindo


de situações concretas, discussões em grupo, manipulação de objetos e até a escrita da
situação vivenciada utilizando as palavras da língua materna para depois poder utilizar os
símbolos da linguagem matemática.

Esse processo geralmente não é comumente vivenciado em aulas de matemática, porque


imagina-se que a aula deve ser estritamente de matemática, com linguagem matemática.
Porém, pensando em crianças pequenas, no início de sua escolarização básica, por volta
dos 4 ou 5 anos, que ainda não dominam a leitura e escrita da língua materna, o trabalho
com a matemática e sua linguagem específica deve acontecer utilizando a linguagem oral e
manipulando objetos reais. Ao iniciar o processo de alfabetização (6, 7 e até 8 anos), pode-
se utilizar esse conhecimento para auxiliar a criança a compreender e construir a linguagem
matemática.

Considerações finais
Para compreender o desenvolvimento da linguagem matemática, analisamos a composição
dessa linguagem e sua relação com a língua materna. Vimos que essa relação nem sempre é
explícita, clara e cabe a nós, docentes, criar situações para os alunos se comunicarem em sala
de aula, exporem suas dúvidas e ideias para fazer a intervenção didática necessária.

Aprendemos ainda que as palavras utilizadas na língua materna e na linguagem


matemática podem ter significados diferentes e isso pode confundir os alunos em seu
processo de aprendizagem, pois o trabalho docente torna-se imprescindível. Nesse processo,
recursos como o diálogo, o uso do quadro valor de lugar e de outros recursos podem auxiliar
na construção da linguagem matemática.

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Referências
CARVALHO, A. M. F. T.; GOMES, M. T.; PIRES, M. N. M. Fundamentos teóricos do pensamento
matemático. Curitiba: IESDE Brasil, 2009.

LORENZATO, S. Percepção matemática e Educação Infantil. Campinas: Autores Associados,


2006.

SANDEZ, J. P. O desenho como representação do pensamento matemático da criança no início


do processo de alfabetização. In. SMOLE, K. S.; MUNIZ, C. A. A matemática em sala de aula:
reflexões e propostas para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Porto Alegre: Penso, 2013.
p. 67-88.

SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. (orgs.). Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para
aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2007.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Aula 06
A linguagem matemática e o aprendizado escolar (desafios,
mitos e superações).

Objetivos Específicos
• Discutir a importância da linguagem matemática no aprendizado escolar.

Temas

Introdução
1 Importância da linguagem matemática
2 Desenvolvimento da linguagem matemática nos alunos
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
Depois de conhecer as especificidades da linguagem matemática e sua relação com a
língua materna, vamos discutir nessa aula a sua importância e seu aprendizado escolar.

O primeiro tópico aborda a importância da linguagem matemática e nos mostra como


ela contribui para o desenvolvimento da matemática e da própria sociedade. Analisa
também como a evolução da linguagem matemática permitiu o desenvolvimento da própria
matemática e de outras áreas, como a tecnologia utilizada atualmente pela humanidade.

O segundo tópico discorre sobre como o aprendizado da linguagem matemática, enquanto


habilidade de comunicação na sala de aula, favorece o aprendizado escolar, subdividindo-se
em dois ambientes: um na Educação Infantil e outro nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

1 Importância da linguagem matemática


Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) apresentam a importância da matemática
para o desenvolvimento tecnológico da sociedade e da cidadania, e dentro dessa evolução,
afirmam que o ensino de matemática deve abranger a relação das observações do mundo
real e suas representações com os princípios e conceitos (BRASIL, 1997). A forma de fazer tal
relação é a compreensão e aprendizagem correta da linguagem matemática e ter acesso ao
conhecimento historicamente acumulado.

Por meio do domínio da linguagem matemática, ou seja, pela forma de comunicar e


registrar o conhecimento matemático e pelo seu aperfeiçoamento, a humanidade tem
conseguido avançar na área de tecnologia. Sem essa ferramenta, talvez o desenvolvimento
tecnológico atual não tivesse sido alcançado.

A contribuição da matemática está presente em várias áreas, como na arquitetura e


urbanismo, na tecnologia cada vez mais avançada de construção de moradias e edifícios
com a medição das formas, ângulos para sustentação de ambientes e coberturas, análise
de resistência de materiais; no desenvolvimento dos transportes, primeiro com a navegação
e hoje com os automóveis, aviões, espaçonaves, cada vez mais equipados com aparatos
tecnológicos. Sem o desenvolvimento da matemática, o homem nunca teria alçado voo. As
áreas de engenharias em geral (mecânica, química, civil, elétrica) utilizam a matemática como
base.

O que dizer então sobre a tecnologia e robótica? Os computadores funcionam a


partir da programação de códigos criados com base em cálculos matemáticos. Programas
de computador utilizam basicamente linguagem matemática de códigos e cálculos. As
informações transmitidas atualmente via satélites ao redor do planeta desenvolvem-se a
partir da matemática. A maioria das máquinas e aparelhos que utilizamos para facilitar nossa
vida não existiriam sem a contribuição da matemática.
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Construção dos Conceitos Matemáticos

A matemática está muito mais presente em nossas vidas do que podemos imaginar ou
perceber. O próprio sistema de numeração decimal utilizado hoje só pôde evoluir por meio
de suas características inovadoras do valor posicional e por ter um símbolo para registrar o
nada e representar a posição vazia, como foi apresentado em aulas anteriores. A partir de
então, a matemática e a humanidade iniciaram um processo de evolução constante.

Nem sempre a linguagem matemática possui relação explícita com a linguagem cotidiana
– linguagem materna – mas é possível estabelecer algumas relações e atribuir significados
para a linguagem matemática; o diálogo é primordial para o aprendizado.

A comunicação em aulas de matemática favorece o aprendizado da linguagem matemática,


pois quanto mais chance houver para a criança se comunicar, expressar suas ideias, suas
dúvidas, pensar e refletir sobre o tema estudado, seja falando, representando com desenhos,
esquemas ou escrevendo, melhor será seu aprendizado (SMOLE e DINIZ, 2007).

Quanto mais a criança puder explorar, conhecer e utilizar a linguagem matemática, mais
ela estará pensando, reelaborando seus esquemas mentais e desenvolvendo seu aprendizado,
pois as características abstratas da linguagem matemática auxiliam no desenvolvimento
cognitivo e ajudam não só a aprender matemática, mas também a melhorar o desempenho
em todas as outras disciplinas escolares.

Como visto anteriormente, para aprender as outras disciplinas, as crianças utilizam


suas estruturas mentais, elaboradas pelos aprendizes conforme vão assimilando as
informações obtidas pela interação com o meio em que vivem e estabelecendo relações
mentais. Num estágio mais avançado, com o desenvolvimento da linguagem e da capacidade
de representação, os sujeitos começam a analisar, criar ideias e levantar hipóteses sobre
situações abstratas, ou seja, sobre situações que não foram vivenciadas concretamente,
aprimorando suas estruturas cognitivas e permitindo melhor aprendizado em todas as áreas
do conhecimento.

Essas estruturas cognitivas e o aprendizado acumulado permitem melhor inserção na


sociedade, no aprendizado de atividades e profissões, na tomada de decisões, no próprio
processo de comunicação com outras pessoas dentro e fora da escola. Dessa forma, o
aprendizado da matemática contribui para a melhora da vida do sujeito de uma forma geral.

Por esses motivos, a linguagem possui importância relevante na aprendizagem


matemática e no desenvolvimento cognitivo da criança.

2 Desenvolvimento da linguagem matemática nos alunos


Efetivamente, a comunicação nas aulas de matemática tem sido pesquisada com maior
ênfase nas três últimas décadas, e a partir dos resultados dessas pesquisas, tem sido indicada
como um caminho para o desenvolvimento da linguagem matemática.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Nesse tópico, veremos como a linguagem matemática pode ser desenvolvida na Educação
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, e de que forma ela contribui para o próprio
aprendizado da matemática.

2.1 Linguagem matemática na Educação Infantil


Por ser abstrata e utilizar símbolos para seus registros, a linguagem matemática pode ser
desenvolvida com crianças da Educação Infantil – de 4 a 5 anos –, que ainda não dominam a
escrita da língua materna. Mesmo sem saber escrever, essas crianças conseguem fazer registros
e se comunicar por meio da linguagem matemática utilizando desenhos, considerados como
recurso de comunicação e pensamento visual por Smole e Diniz (2007) e a primeira escrita
da criança por Sandez (2013).

O desenho pode ser explorado pelos professores desde a Educação Infantil para
comunicar as ideias matemáticas das crianças e seus pensamentos e representar situações
vivenciadas, como a hora de brincar.

A professora pode aproveitar esse momento e questionar a turma: “Crianças, hora de


brincar com bola, e vou dar uma bola para cada duas crianças, mas de quantas bolas vamos
precisar? Alguém me ajuda a descobrir?”

As crianças podem fazer sugestões, como distribuir as bolas para as crianças e depois
contá-las; formar duplas e entregar uma bola para cada uma, ou ainda, entregar uma bola a
uma criança, e esta escolher um colega, depois contar as bolas distribuídas.

Ao final da brincadeira, a professora pode pedir às crianças que desenhem esse momento
de distribuir as bolas e indicar a quantidade utilizada pela turma (LORENZATO, 2006). Antes,
porém, relembre oralmente a situação vivida junto com o grupo de crianças. Deixe que elas
relembrem as etapas vivenciadas e procure dar oportunidade de todas as crianças falarem.
Essa prática ajuda a organizar o pensamento antes que elas façam o registro visual da situação.

Esse tipo de situação e a proposta de representação por desenhos iniciam o processo


de alfabetização e familiarização com a linguagem matemática. Os desenhos das crianças
podem ser comparados a símbolos ou esquemas que fazem parte da linguagem matemática.
Outro aspecto da atividade é sua diferença em comparação aos problemas que tínhamos
em nosso tempo de escola. Os professores esperavam que resolvêssemos as situações com
propostas de cálculos e resultados precisos, mas estávamos mais preocupados em saber qual
conta resolvia, se era de mais ou de menos, de vezes ou de dividir... Mesmo não estando
escrita, registrada de maneira formal, a situação proposta para a Educação Infantil permite o
desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático, pois as crianças levantam hipóteses e as
testam, fazem cálculos mentais e buscam uma forma lógica de resolver a situação.

Aqui também desconstruímos um dos mitos da educação matemática, segundo o qual as

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Construção dos Conceitos Matemáticos

crianças pequenas, não alfabetizadas ou que ainda não aprenderam as operações matemáticas,
não conseguem resolver situações problema. Pesquisadores como Sandez (2013) afirmam
o contrário, e o leitor da situação problema (o professor, um auxiliar, estágiário ou outra
pessoa já alfabetizada fora do ambiente escolar) deve deixar que as crianças levantem
hipóteses e proponham ideias para a resolução da situação problema lida por outra pessoa.
Para possibilitar a resolução dessas situações, o educador deve valorizar as diferentes formas
de expressão e comunicação, registrar a linguagem visual, oral, pictórica, esquemática e,
principalmente, vivenciar a situação ou fornecer objetos às crianças para manipulação e
modelagem da resolução da situação problema.

Outras situações podem ser exploradas na Educação Infantil para trabalhar com a
linguagem matemática, mesmo que de forma oral. Propor atividades de observação e
comparação em situações cotidianas, como ao observar os brinquedos espalhados pela sala
após o momento de brincadeira, o professor pode perguntar: “Onde tem mais (ou menos)
brinquedos, na caixa (armário) ou no chão?”; “O que está mais perto?” “O que está mais
longe?”... Essas questões podem ser levantadas em vários momentos e trabalham com as
noções e linguagem matemática na Educação Infantil.

2.2 Linguagem matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental


Mesmo as crianças maiores dos anos iniciais do Ensino Fundamental ainda precisam
dessa multiplicidade de formas de registrar o pensamento e se comunicar, pois aos poucos
elas vão associando essas representações com o significado das palavras da língua materna e
também com a linguagem matemática. Não há outra forma de atribuir sentido e desenvolver
esse tipo de linguagem que é simbólica, abstrata e requer o desenvolvimento da cognição da
criança.

Sandez (2013) apresenta e discute uma situação problema resolvida por uma criança
de 6 anos de idade. Em um lanche, seriam servidos dois pães para cada aluno da turma e
o professor questionava aos alunos quantos pães seriam necessários para que tal situação
acontecesse. Nessa turma havia 18 alunos.

Para nós, adultos, a resposta e a forma de encontrá-la parecem óbvias: basta multiplicar
a quantidade de alunos por dois. Utilizando a linguagem matemática, a resolução e resposta
são: 2 × 18 = 36.

Mas, e para crianças que ainda não aprenderam o conceito e muito menos a técnica
operatória (algoritmo, a famosa “continha”) de multiplicação? Como as crianças poderiam
resolver essa situação?

A aluna elaborou um esquema (diagrama) no qual desenhou os 36 pães. Ao que parece,


ela foi desenhando os pães aos pares de forma a atender as 18 crianças, ou seja, dois pães
para cada criança e depois realizou a contagem agrupando a quantidade de pães na base 10
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Construção dos Conceitos Matemáticos

da seguinte forma:

10

10 ₌

10

36

Segundo a autora, o registro numérico acompanhou a contagem enquanto a aluna resolvia


o problema. Observem que esse registro não se parece com os algoritmos convencionais,
mas apoiou a contagem e o cálculo que a aluna desenvolveu.

Apesar de não convencional, o registro da criança mostra-se eficiente do ponto de vista


da comunicação e podemos ainda perceber que a linguagem matemática está sendo
construída pela criança, que num primeiro momento recorre ao desenho (linguagem pictórica)
mas logo em seguida já utiliza símbolos matemáticos como os algarismos e o sinal de igual.
Mostra também que ela domina com propriedade a ideia da adição e do agrupamento de
base 10 de nosso sistema de numeração.

SANDEZ, J. P. O desenho como representação do pensamento matemático


da criança no início do processo de alfabetização. In: SMOLE, K. S.; MUNIZ, C. A.
A matemática em sala de aula: reflexões e propostas para os anos iniciais do
ensino fundamental. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 67 a 88.

Nesse capítulo a autora compartilha resultados de sua pesquisa sobre o


desenho como representação do pensamento matemático das crianças na fase
inicial de alfabetização. Ela acompanhou aulas de matemática no primeiro ano do
Ensino Fundamental, observou e conversou com crianças sobre a matemática.

Quando a criança atinge esse estágio, o professor pode ter duas atitudes: primeiro,
reprovar a conta da criança e mostrar a forma convencional, mesmo que a criança ainda não
a compreenda – e muitos de nós passamos por isso durante nosso processo de escolarização;
ou, segundo, considerar a estratégia muito interessante e concordar com a resposta da aluna,
afirmando que também há outras formas de resolução e compartilhar a forma convencional
para ampliar o repertório de estratégia das aluna, contudo, sem esperar que imediatamente

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Construção dos Conceitos Matemáticos

na próxima atividade de resolução de problemas a aluna aplique a estratégia convencional.

Entretanto, aos poucos, a partir de discussões coletivas e socializações de estratégias, o


grupo pode ir observando as mais práticas e ágeis na resolução de problemas, valorizando e
adotando tais estratégias, que serão as convencionais.

Sobre esse tema, recordo de outra situação que vivenciei enquanto docente em 2008,
em uma turma de terceira série do Ensino Fundamental (crianças de 9 anos). Era uma aula
com a proposta de conhecer e explorar o material Tangram1, construir as peças, algumas
figuras e trabalhar com a produção de texto. Foi trabalho de uma manhã inteira.

Vou me ater à parte da aula em que trabalhamos com a produção das peças para mostrar
uma possibilidade de construção da linguagem matemática.

Depois de ouvir uma história sobre o tangram e conhecer o quadrado das


sete peças, propus aos alunos a construção dessas peças de duas formas: uma
utilizando apenas a folha de papel e tesoura, na qual as peças eram obtidas
por meio de dobraduras; e outra utilizando folha, régua, lápis e tesoura. Em
ambas as formas foi possível oferecer aos alunos contato com a linguagem
matemática sem ter a preocupação de fazer as crianças decorarem tais termos.
Meu objetivo era colocá-las em contato com essa linguagem, além, é claro de
obter as sete peças do quebra-cabeças.

Distribui às crianças dois quadrados com 10 cm de lado. Pedi que


reservassem um e segurasse o outro em suas mãos.

Com o quadrado em mãos orientei os alunos a dobrarem o papel ao


meio, marcando a diagonal e formando dois triângulos, e vincar bem. Com a
demonstração que eu fazia enquanto falava, as crianças acompanharam sem
maiores dificuldades. Na sequência, pedi que cortassem o papel na diagonal
marcada com a dobra, separando os dois triângulos.

Figura 1 – Tangram: primeira dobra

1 Tangram: quebra-cabeças chinês de origem milenar composto por sete peças: dois triângulos grandes, um triângulo médio, dois triângulos
pequenos, um quadrado e um paralelogramo, que juntos formam um quadrado. Usando as sete peças, sem sobrepô-las, é possível representar
mais de mil figuras.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Fonte: Da autora (2014).

A seguir, pedi para reservarem um triângulo e segurarem o outro pelo


lado com maior medida. Contei que esse lado, nessa figura, recebia um nome
especial: a hipotenusa. Pedi que unissem as duas pontas da hipotenusa para
encontrar a metade dela, ou seu ponto médio e que dobrassem novamente a
figura formando mais dois triângulos que deviam ser separados, conforme a
Figura 2.

Figura 2 – Tangram: segunda dobra

Fonte: Da autora (2013).

Depois pedi que reservassem os dois triângulos formados e disse que eram
os triângulos grandes do tangram, portanto, duas peças já estavam prontas.

Então disse a eles que pegassem novamente o triângulo reservado,


formado pela primeira dobra, e o segurassem pelo lado com maior medida.
Perguntei se alguém lembrava o nome dessa parte. Na sequência, reforcei:
a hipotenusa. Pedi para unirem as duas pontas da hipotenusa com o intuito
de encontrar a sua metade, ou seu ponto médio, e que, dessa vez, apenas
marcassem o ponto médio com um pequeno vinco. Orientei a segurar a ponta
oposta e levá-la até o vinco da hipotenusa, dobrando a ponta do triângulo.
Depois pedi que recortassem do papel o triângulo formado. Essa era a terceira
peça do tangram a ser formada, como mostra a Figura 3.

Figura 3 – Tangram: terceira dobra

Fonte: Da autora (2014).

Perguntei depois se alguém conhecia o nome da figura geométrica


formada com a parte que sobrou. Dois alunos disseram “trapézio”. Eu exclamei
com o acerto dos alunos e destaquei a ideia e a nomenclatura para os demais.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Analisamos ainda algumas características dessa figura: que ela possui quatro
lados, mas dois são inclinados e, nos outros, um é maior que o outro.

Afirmei também que daquele trapézio formaríamos as outras quatro peças


restantes: um quadrado, dois triângulos pequenos e um paralelogramo. O
nome dessa última figura foi novidade para a turma.

Pedi, então, que os alunos unissem as duas pontas do lado com maior
medida no trapézio, as dobrassem ao meio e recortassem, de acordo com a
ilustração da figura 4:

Figura 4 – Tangram: quarta dobra

Fonte: Da autora (2014).

Formaram-se outras duas figuras idênticas, outros dois trapézios com


características sobre os lados um pouco diferentes. Ao invés de ter os dois lados
inclinados, um dos lados é reto, mas ainda assim é uma figura com quatro lados.

Pegamos um dos novos trapézios formados, que se assemelha a um


calçado ou uma “botinha”, como disseram as crianças. Pegamos a ponta da
“botinha” e levamos até onde seria o calcanhar, chamado de ângulo reto em
linguagem matemática. Dobramos e desse trapézio extraímos um quadrado e
um triângulo pequeno, formando as peças de número 4 e 5, representadas na
figura a seguir:

Figura 5 – Tangram: quinta dobra

Fonte: Da autora (2014).

Do último trapézio que sobrou, falta tirar um triângulo pequeno e um


paralelogramo. Para isso, a dobra teria que ser diferente. Pegamos a ponta reta
(o ângulo reto), onde ficaria o “calcanhar da botinha”, e levamos até onde seria

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Construção dos Conceitos Matemáticos

a ponta superior da parte inclinada. Dobramos e cortamos. Assim formamos a


sexta e a sétima peças do tangram, como mostra a Figura 6:

Figura 6 – Tangram: sexta dobra

Fonte: Da autora (2014).

Assim formamos as sete peças do tangram.

Durante a atividade, eu introduzi alguns termos da linguagem matemática


às quais os alunos não conheciam ou estavam pouco acostumados: “diagonal”,
“ponto médio”, “hipotenusa”, “paralelogramo” e “ângulo reto”. Porém, é preciso
deixar claro que o objetivo não é a memorização dos termos matemáticos, e
sim, apenas o contato com a linguagem matemática.

Na atividade seguinte, de riscar o tangram usando régua e lápis, retomei


esses termos e muitos lembraram. Nesse caso, a dificuldade foi manusear a
régua e a medida da folha.

O objetivo de familiarização com os termos da linguagem matemática presentes na


atividade foi atingido, pois quando ouvirem esses termos novamente, terão ideia do que
representam e poderão aprofundar seus conhecimentos. É importante destacar que a
familiarização com a linguagem matemática não deve ser entendida apenas como memorização
dos termos matemáticos. Ela é construída aos poucos, ao longo do processo de escolarização
e não somente de um vez, ou após passar um período decorando e memorizando tais termos.
Se esses termos não forem utilizados em situações reais e contextualizados, eles não serão
lembrados.

Considerações finais
Ao longo desse texto, pudemos refletir sobre a importância da matemática para o
desenvolvimento da sociedade em que vivemos atualmente.

Vimos também como o aprimoramento da linguagem contribuiu para a evolução


da própria matemática e que, por esse motivo, o ensino e aprendizagem da linguagem
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Construção dos Conceitos Matemáticos

matemática merecem atenção especial dos professores, mesmo daqueles que trabalham
com crianças pequenas que ainda não foram alfabetizadas na língua materna.

Refletimos sobre como trabalhar a linguagem matemática na Educação Infantil e no


Ensino Fundamental a partir da análise de situações que podem ser exploradas em cada
um desses segmentos educacionais. Dessa maneira, as situações apresentadas nos fizeram
pensar na construção da linguagem matemática e nas possibilidades de condução desse
processo como futuros docentes.

Referências
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a
4ª séries): matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CARVALHO, A. M. F. T.; GOMES, M. T.; PIRES, M. N. M. Fundamentos teóricos do pensamento


matemático. Curitiba: IESDE Brasil, 2009.

FLEISCHMANN, M. C. S. B. Construindo tangram com dobraduras. Disponível em: <http://


www.esev.ipv.pt/mat1ciclo/tarefas/Tarefa%20Constru%C3%A7%C3%A3o%20do%20Tangran.
pdf>. Acesso em: fev./2014.

LORENZATO, S. Percepção matemática e Educação Infantil. Campinas: Autores Associados,


2006.

SANDEZ, J. P. O desenho como representação do pensamento matemático da criança no início


do processo de alfabetização. In: SMOLE, K. S.; MUNIZ, C. A. A matemática em sala de aula:
reflexões e propostas para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Porto Alegre: Penso, 2013.
p. 67 a 88.

SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. (orgs.) Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para
aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2007.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Aula 07
Conceitos matemáticos: o senso de medidas, as noções
estatísticas e seu desenvolvimento nas crianças

Objetivos Específicos
• Entender como o senso de medidas e as noções estatísticas se desenvolvem
na criança.

Temas

Introdução
1 Do senso de medidas ao conceito de medida
2 O desenvolvimento das noções estatísticas
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
Essa aula abordará a construção de conceitos matemáticos como o senso de medidas e
as noções estatísticas, buscando entender de que maneira são compreendidos pelas crianças.

O primeiro tópico detalhará o senso de medida, como desenvolvê-lo nas crianças até a
construção do conceito de número e de que forma esses conhecimentos são utilizados na
vida cotidiana e contribuem para o aprendizado da própria matemática.

No segundo tópico, veremos as noções estatísticas, os conhecimentos e habilidades a


elas ligadas, as demandas da sociedade atual e como podem ser desenvolvidos o ensino e a
aprendizagem do conhecimento estatístico na escola.

1 Do senso de medidas ao conceito de medida


Antes mesmo de realizar medições, as crianças vivenciam diversas situações em que
escutam ou observam expressões como:

“Demorei porque tinha muita gente no mercado...”;

“Comprei porque foi o menor preço que encontrei...”;

“Sua mochila está muito pesada...”;

“Guardem os brinquedos na prateleira mais baixa”;

“Hoje o dia está muito quente!”;

“Mastigue mais devagar...”.

Observando os contextos nos quais essas expressões são utilizadas e relacionando as


atitudes ligadas a essas palavras, as crianças vão atribuindo significados e desenvolvendo o
senso de medida, sempre partindo de uma experiência prática vivenciada ou presenciada
pela criança.

Por exemplo: consideremos a situação em que a criança pega a mochila para ir à escola.
Para ajudá-la a entrar no carro, sua mãe segura a mochila e diz: “Sua mochila está muito
pesada”. A criança percebeu que necessitava de certa força para sustentar a mochila “muito
pesada”. Para modificar essa situação, a mãe da criança olha os objetos colocados dentro
da mochila e decide retirar dois livros que não serão utilizados naquele dia. Devolve para a
criança e diz: “Pronto! Está mais leve” ou “Não está tão pesada agora”. A criança carrega a
mochila e se sente mais confortável por não ter de fazer tanta força para sustentá-la.

Vivenciando essa situação, a criança começa a desenvolver a noção de pesado e muito


pesado. Poderá ainda, vivenciar outras situações que a permitirão desenvolver a noção de

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Construção dos Conceitos Matemáticos

“leve”, comparar com o “pesado” e atribuir significados a essas expressões.

Essas noções de medida são anteriores ao ato de medir, devem ser trabalhadas desde a
Educação Infantil e são fundamentais para que a criança construa o conceito de medida.

Autores como Carvalho e Gomes (2009) e Lorenzato (2006) concordam que o senso de
medidas está relacionado a situações práticas cotidianas e deve ser trabalhado na escola
mesmo com crianças pequenas, por exemplo, pedindo para as crianças organizarem uma
fila de alunos começando pelo aluno mais alto e terminando com a criança mais baixa (ou
menos alta). Esse caso ainda nos permite fazer outra análise, na verdade, uma observação
sobre a linguagem matemática: utilizamos a palavra “mais” com maior frequência e a palavra
“menos” com menor frequência. Isso poderá trazer implicações para o desenvolvimento da
linguagem matemática futuramente.

Outra situação a ser trabalhada em sala de aula com relação ao desenvolvimento


do senso de medidas, mesmo com crianças bem pequenas, é dispor alguns objetos, com
tamanhos semelhantes, mas massas (peso) diferentes e pedir para os alunos pegarem os
objetos, segurarem um de cada vez e indicarem o que tem maior ou menor massa (peso).
Podem ser, por exemplo, caixas de sapato encapadas com objetos dentro. Uma caixa pode ter
pedras, a outra, tampinhas plásticas e uma terceira caixa deve estar vazia. Ao levantarem as
caixas para “sentir” sua massa (peso), as crianças logo identificarão que a caixa com pedras é
mais pesada e a caixa vazia é a mais leve.

Pode-se, ainda, propiciar situações em que as crianças toquem superfícies frias e


quentes: leve para a sala três garrafas com água. Uma deve conter água quente; a segunda,
água em temperatura ambiente, e a terceira, água gelada. Ao tocar nas garrafas, as crianças
conseguirão sentir as diferentes temperaturas e dizer qual garrafa está mais fria ou mais
quente.

Até aqui, analisamos situações que envolvem senso de medida, ou seja, as noções
desenvolvidas sem a necessidade de instrumentos ou unidades de medida para expressar
comparações. O passo seguinte para a construção do conceito de medida pela criança é
explorar a ação de medir.

Medir é comparar grandezas de mesma espécie.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Vamos considerar grandeza como algo mensurável ou marcado numa escala de variação.
Assim, pode-se medir o tamanho de um corpo, o volume, a superfície (espaço), a massa
(peso), a distância e a velocidade (do movimento), grandezas mensuráveis; ainda é possível
marcar a temperatura e a duração (do tempo).

Mas, para medir, só é possível comparar tamanho com tamanho, volume com volume,
temperatura com temperatura. Não é possível comparar a massa de um corpo com a sua
velocidade. Pode-se, sim, estabelecer algum tipo de relação, mas não de medida. Então, é
necessário comparar a massa entre dois ou mais corpos; pode-se comparar a velocidade de
um movimento com a velocidade de outro movimento.

Para fazer essa comparação, devemos utilizar um instrumento e uma unidade de


medida. Por exemplo, para medir o tamanho (altura) de uma pessoa, temos que utilizar um
instrumento adequado para medições lineares, pode ser um pedaço de barbante, uma régua
ou outro objeto que permita comparar a altura desse objeto, utilizado como instrumento, e
a altura da pessoa.

Se o instrumento utilizado nessa medição for graduado, com marcações de unidades


de medida, tais marcações permitirão fazer a comparação direta e expressarão a medida da
altura da pessoa. Se o instrumento não for graduado, deve-se determinar uma unidade de
medida, que pode ser o próprio objeto.

Vamos analisar a seguinte situação: a professora de um 1° ano do Ensino Fundamental


propõe medir a altura de uma criança e pergunta aos alunos como fazer para descobrir qual
é a altura da criança.

Depois apresente alguns objetos: pedaço de barbante (30 cm aproximadamente),


balança, relógio-cronômetro, vasilhame, fita métrica e pergunte se poderiam utilizar para
ajudar a saber a altura da criança. A resposta mais provável é que, para medir a altura, o
pedaço de barbante e a fita métrica podem ajudar. Mas os outros, não. Se fosse o caso de
medir o volume, o instrumento utilizado seria o recipiente.

Deixe os próprios alunos fazerem a medição usando os dois instrumentos. Sugira começar
com o barbante. Na primeira tentativa, erros e até dificuldade no procedimento de medir são
comuns, pois o pedaço de barbante é menor que a criança e será preciso utilizar novamente
o mesmo barbante colocando-o na altura em que ele havia terminado.

Alguém (crianças ou professora) pode sugerir, então, encostar a criança na parede, fazer
uma marca onde termina a sua altura (nesse momento, a professora pode marcar encostando
sua mão na parede) e depois verificar quantas vezes o barbante cabe no espaço delimitado.
Pode ser que a altura da criança seja “três barbantes inteiros e uma parte do barbante”.

Nesse momento, surge a necessidade de utilizar outros números além dos inteiros (um,
dois, três...). Foi se deparando com situações semelhantes, na medida de terras, que os
homens inventaram as frações ou partes de números inteiros: meio, terço, quarto...
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Construção dos Conceitos Matemáticos

Outras experiências de medição sem unidade de medida padronizada podem envolver


comparações, como a situação mostrada na Figura 1:

Figura 1 – Quantos clipes mede o lápis?

A resposta à questão-título da figura 1 pode ser aferida pela comparação do tamanho


(comprimento) do lápis com o tamanho (comprimento) do clipe posicionado quatro vezes
paralelamente ao lápis. Nesse caso, se considerarmos o clipe como unidade de medida, o
tamanho do lápis será 4 clipes.

Outras medições semelhantes podem ser realizadas, como quantos passos de largura
medem o comprimento da sala de aula? Ou, quantos palmos mede o tampo da carteira? São
boas situações para os alunos realizarem a ação de medir, utilizando instrumentos e unidades
de medida (não padronizadas).

As unidades apresentadas nos exemplos acima são consideradas não padronizadas,


pois o palmo de uma pessoa é diferente do palmo de outra pessoa; o passo de uma criança
é diferente do passo de outra; e até mesmo, existem clipes com tamanhos diferentes. Se
na representação da Figura 1 houvesse clipes com tamanhos diferentes, não seria possível
considerá-los uma unidade de medida.

A história da matemática registra que a humanidade usava seu corpo como unidades de
medida, como nos relatam Carvalho e Gomes (2009, p. 138), “os egípcios, há cerca de 4 mil
anos, utilizam como padrão de medida o cúbito, que é a medida do cotovelo até a ponta do
dedo médio”.

Porém, a questão das diferenças do tamanho dos corpos das pessoas gerava diferenças
nas medições realizadas, o que, por sua vez, gerava conflitos na demarcação de terras e
no comércio. Isso aconteceu por séculos. Somente no século XVIII, a partir da Revolução
Francesa, a humanidade pensou em padronizar mundialmente as unidades de medida.

Até hoje temos vestígios da utilização das partes do corpo como unidade de medida. A
polegada, por exemplo, que corresponde à medida da ponta do dedão da mão até à falange
(dobra), foi padronizada em 2,54 cm.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Voltemos à medição da altura da criança. A professora incentivou os alunos a utilizarem


também a fita métrica para fazer a mesma medição. Isso ajudará os alunos a entenderem
que pode existir mais de um instrumento e mais de uma unidade de medida. A fita métrica já
possui a graduação em unidades de medidas padronizadas, no caso, o metro e os centímetros.
Basta, então, comparar a altura da criança com a marcação da fita métrica. O mais difícil nessa
ação para as crianças de 6 anos é ler a unidade de medida padronizada que eles ainda não
conhecem.

Esse tipo de atividade mobiliza os três aspectos envolvidos na construção do conceito de


medida:

1. A seleção de uma unidade de medida, padronizada ou não;

2. A comparação da unidade selecionada com a grandeza a ser medida;

3. A comunicação da medida expressa por um número.

De acordo com Lorenzato (2006, p. 51), esses três aspectos estão integrados para formar
o conceito de medida: “uma relação entre grandeza e unidade, expressa por um número que
significa quantas vezes a grandeza contém a unidade”.

O conceito de medida é uma relação mental, construída inicialmente pela abstração


empírica, a partir das experiências vividas de comparar grandezas e depois de atribuir um
valor numérico a essa comparação, caracterizando a abstração reflexiva.

Dessa forma, o trabalho com o senso de medidas e a construção do conceito de medidas


deve iniciar desde a Educação Infantil, baseada em experiências práticas.

Esse conhecimento auxilia também o aprendizado de outras áreas da matemática, como


a de geometria, e permite aplicação do conhecimento matemático na vida cotidiana. De
acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, p. 56), os conhecimentos
sobre as grandezas e medidas possuem “forte relevância social, com evidente caráter prático
e utilitário [...] e proporcionam melhor compreensão de conceitos relativos ao espaço e às
formas”.

Um exemplo dessa contribuição do desenvolvimento do senso de medida e do conceito


de medidas para o aprendizado do próprio sistema de numeração decimal é apresentado
por Carvalho e Gomes (2009), quando relacionam as unidades de medida com a base 10
do sistema de numeração decimal e com as operações de multiplicação e divisão. Também
ajudam os alunos a relacionarem e memorizarem as divisões e medidas mais frequentemente
utilizadas.

Ao trabalhar com o volume, a capacidade de um recipiente, o professor pode explorar o


desafio de encher uma garrafa de um litro com copos de diferentes capacidades.

Se utilizar um copo de 100 ml, serão necessários dez copos; 10 copos multiplicados por
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Construção dos Conceitos Matemáticos

100 ml de cada copo equivalem a 1 000 ml ou 1 litro.

Se utilizar copos com capacidade de 200 ml, serão necessários 5 copos, pois multiplicando
5 copos por 200 ml teremos novamente 1 000 ml ou 1 litro. Pode-se, ainda, trabalhar a divisão
ou a noção de fração, uma vez que 200 ml é a quinta parte de 1 litro.

Se utilizar copos de 250 ml, serão necessários somente 4 copos, pois cada copo representa
a quarta parte de um litro.

Da mesma forma, essas relações com a base decimal também podem ser identificadas
nas relações entre as moedas e cédulas do sistema monetário brasileiro: a moeda de 10
centavos representa um décimo de real; já as moedas de 25 centavos representam a quarta
parte do real.

Ao estabelecer essas relações com a vida cotidiana e entre os conhecimentos matemáticos,


o professor estará oferecendo maiores condições de desenvolvimento do raciocínio lógico-
matemático, bem como melhores condições de construção dos conceitos matemáticos.

2 O desenvolvimento das noções estatísticas


Em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) incluíram o bloco de conteúdos
Tratamento da Informação ao ensino de matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental
devido à sua relevância social.

A sociedade atual requer das pessoas competências e habilidades ligadas à busca de


dados, seleção de informações, reflexão, pensamento crítico e tomadas de decisão baseadas
nos acontecimentos sociais, políticos, econômicos, culturais, educacionais. Essas habilidades
são desenvolvidas no ensino e aprendizado do tratamento da informação, de acordo com
Smole e Muniz (2013).

Mas esse tipo de conhecimento não é novo. Estudos indicam que o conhecimento
estatístico surgiu com o desenvolvimento da aritmética e no início do século I já se utilizavam
tais conhecimentos, como no caso de contagem e cadastramento de populações. Segundo
Carvalho e Gomes (2009, p. 189), “foi num desses cadastramentos que se descobriu que
Jesus tinha nascido em Belém e não em Nazaré”.

Hoje nominamos esse procedimento de censo.

Para realizar um censo, é necessário coletar dados, organizar essas informações, analisar
de forma crítica e divulgar com auxílio de gráficos e tabelas. Essa forma de apresentação foi
adotada porque favorece a comunicação visual. Os resultados do censo servem para orientar
a tomada de decisão dos governantes e a determinação de políticas públicas.

Esse conjunto de procedimentos e conhecimentos recebe o nome estatística.

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Ainda de acordo com os PCN (1997), além da estatística, integram o bloco de tratamento
da informação as noções de probabilidade e de combinatória.

A probabilidade está ligada à ideia de chance que um fenômeno ou acontecimento tem


de se tornar realidade ou não, de maneira aleatória, e que é possível calcular essas chances.

Já a ideia de combinatória envolve arranjos, combinações, permutas e o princípio


multiplicativo da contagem.

Por sua utilização e relevância social, esse bloco de conteúdos poderia perfeitamente
ser desenvolvido ao longo dos outros blocos de conteúdos da matemática e até mesmo junto
com outras áreas do conhecimento.

Mas como desenvolver a noção de estatística nas crianças?

As pesquisas têm apontado como resposta a essa questão o ensino e a prática


contextualizada desses procedimentos estatísticos.

É necessário oportunizar às crianças, na escola, o fazer estatístico: desenvolver uma


pesquisa, ligada a uma necessidade do mundo real, e desenvolver os procedimentos: coletar
as informações, organizar, analisar, interpretar, criticar e divulgar.

Para isso, é preciso planejar todas as etapas com as crianças e discutir cada uma delas.
Combinar como as crianças irão fazer o registro da coleta das informações. Fazer com que
as crianças pensem e compartilhem suas ideias, as coloquem em prática e vão a campo
para coletar os dados. Com os dados reunidos, é preciso pensar em uma forma de organizar
baseada nas respostas e criar categorias. Depois, é necessário ensinar a fazer o registro em
forma de gráficos e tabelas, discutir a função desse tipo de registro e os elementos que os
compõem.

Numa classe de Educação Infantil, pode-se pesquisar qual é a fruta preferida das crianças
da turma para fazer um suco para a turma. A professora pode utilizar materiais manipuláveis
e desenhos para fazer a pesquisa e montar um gráfico, por exemplo.

Selecione imagens de algumas frutas em quantidade igual à de crianças. Se na turma há


16 crianças, providencie 16 imagens, respectivamente, de laranja, de morango, de mamão,
de limão e de uva.

Peça para cada criança pegar a imagem da fruta de sua preferência para fazer o suco.
Coloque fita adesiva no verso de cada imagem.

Leve um cartaz pré-elaborado com a imagem das frutas coladas lado a lado, todas embaixo
de uma linha. Oriente as crianças a colar, uma de cada vez, a imagem da fruta escolhida logo
acima da linha com a imagem da mesma fruta, de forma a criar uma coluna.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Figura 2 – Construção de um gráfico na Educação Infantil

Fonte: Da autora (2014).

Depois que todas as crianças colarem sua imagem, faça uma primeira leitura e
interpretação, pergunte às crianças qual é a maior coluna, ou seja, a que tem mais figuras.
Assim fica fácil saber qual foi a fruta escolhida pela turma.

Continue a exploração e faça a contagem, numerando as linhas de quantidade, no eixo


de valores do gráfico.

Converse ainda com as crianças sobre a ideia de que cada papel colocado no cartaz
representa a vontade de cada criança da turma. É preciso ficar clara a correspondência entre
a imagem da fruta como representação da vontade ou voto de cada criança.

Pergunte às crianças que nome pode ser dado ao cartaz, ou melhor, ao gráfico elaborado.

Outras análises podem ser realizadas, como a contagem total das frutas para saber
o número de crianças que votaram; saber a quantidade de votos que cada fruta recebeu;
analisar a diferença de votos entre a fruta escolhida pela maioria das crianças para fazer o
suco e a segunda fruta mais votada.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Já para turmas de Ensino Fundamental, a exploração pode ser mais detalhada e ampliar
a pesquisa a outras turmas da escola. Deixe que as crianças registrem as respostas, criem
tabelas e gráficos utilizando papel quadriculado e montem os cartazes para divulgação dos
resultados da pesquisa realizada.

Porém, muitos professores, principalmente os que atuam na Educação Infantil e nos


anos iniciais do Ensino Fundamental, não tiveram formação estatística e, antes de ensinar,
precisam compreendê-la. Assim, os pesquisadores afirmam que é necessária a formação
continuada dos professores.

Existem softwares e programas de computadores que podem auxiliar na compreensão


dos conceitos estatísticos, mas é importante que o professor os conheça antes.

Considerações finais
Nessa aula, estudamos o desenvolvimento do senso de medidas, a elaboração do
conceito e seu aprendizado pelas crianças. Vimos que esse processo pode se iniciar na
Educação Infantil, partindo da observação do mundo real e da vivência de situações nas quais
é necessário realizar medições.

Entendemos que o conceito de medida envolve basicamente três aspectos: escolher


uma unidade e instrumento para realizar a medição; comparar a grandeza a ser medida com
a unidade escolhida e comunicar essa relação (grandeza x unidade de medida) por meio de
um número.

De maneira semelhante, vimos que os conhecimentos estatísticos estão fortemente


ligados à veiculação da informação em nossa sociedade atual e que essa sociedade demanda
pessoas capazes de coletar, selecionar, analisar, interpretar e criticar informações, tomar
decisões e comunicá-las. Essas habilidades fazem parte do conjunto do conhecimento
estatístico e é possível desenvolvê-las também com crianças pequenas, no início do processo
de escolarização.

Referências
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a
4ª séries): matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CARVALHO, A. M. F. T.; GOMES, M. T.; PIRES, M. N. M. Fundamentos teóricos do pensamento


matemático. Curitiba: IESDE Brasil, 2009.

LORENZATO, S. Percepção matemática e Educação Infantil. Campinas: Autores Associados,


2006.

SMOLE, K. S.; MUNIZ, C. A. (orgs.). A matemática em sala de aula: reflexões propostas para os
anos iniciais do ensino fundamental. Porto Alegre: Artmed, 2013.
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Construção dos Conceitos Matemáticos

Aula 08
Características do pensamento geométrico e do pensamento
algébrico e sua construção pelas crianças

Objetivos Específicos
• Conhecer como os pensamentos geométricos e algébricos são construídos
pelas crianças.

Temas

Introdução
1 Características do pensamento geométrico e sua construção
2 O pensamento algébrico
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
Esta aula apresenta duas temáticas: a identificação de características e compreensão do
desenvolvimento dos pensamentos geométrico e algébrico nas crianças.

O primeiro tópico dedica-se a revelar as características do pensamento geométrico,


entender como ele foi desenvolvido ao longo da história da humanidade e da matemática e
como as crianças constroem esse tipo de pensamento.

Já no segundo tópico serão estudadas as características do pensamento algébrico, sua


evolução histórica e como ocorre o seu desenvolvimento no pensamento infantil e algumas
possibilidades de trabalho com esse conteúdo nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

1 Características do pensamento geométrico e sua


construção
A geometria é uma área da matemática que surgiu com a necessidade da humanidade
de reconstruir limites territoriais (fronteiras), de construir moradias, de navegar, junto com
o desenvolvimento da área de medidas. Por isso, essas duas áreas (geometria e medidas)
possuem bastante integração e caminham juntas.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) consideram que o pensamento geométrico


é “um tipo especial de pensamento que lhe permite compreender, descrever e representar,
de forma organizada, o mundo em que se vive” (BRASIL, 1997, p. 55).

Foi para atender a essa necessidade de compreender, descrever e representar o mundo


que a geometria foi criada. Pode-se reconhecer nos métodos utilizados pela geometria a
forma como a humanidade aprendeu a pensar e a buscar formas e estratégias de resolver os
problemas apresentados pela vida.

Por volta do século II a.C., Euclides, na Grécia, sistematizou o conhecimento até então
elaborado sobre a geometria. Os estudos desse matemático ficaram conhecidos como
Geometria Euclidiana, valorizado pelos currículos oficiais escolares e estudado até hoje. Mais
tarde, no século XVII, surgiu a Geometria Projetiva e no séc. XX, a Geometria Topológica.

Historicamente, o conhecimento geométrico segue a sequência: Geometria Euclidiana,


na qual os objetos e o observador constituem-se como elementos do espaço – Euclides
analisou, observou e registrou os elementos básicos e as definições que compõem a
geometria; Geometria Projetiva, relacionada à percepção de que as formas e dimensões dos
objetos depende do ponto de vista do observador; e a Geometria Topológica, quando se tem
o domínio das relações espaciais e da posição dos objetos no espaço.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Entretanto, o desenvolvimento do pensamento geométrico nas crianças segue a ordem


inversa, segundo Lorenzato (2006).

Ao observar crianças pequenas e estudar o seu desenvolvimento cognitivo de acordo


com a perspectiva piagetiana, as crianças iniciam a construção do pensamento geométrico
pela exploração sensorial do espaço tridimensional1 : tocam os objetos, os levam à boca,
experimentam, conhecem a textura, a solidez, tentam modificá-los, é a exploração do espaço
sensorial, caracterizando a fase topológica do pensamento geométrico. Associando essas
ações aos estágios de desenvolvimento cognitivo concebidos por Piaget, pode-se dizer que
as crianças estão vivenciando o estágio sensório-motor e início do estágio pré-operatório
concreto.

Nessa fase da construção do pensamento geométrico aparecem as noções básicas de


vizinhança, de contorno, ordem, separação e continuidade. Ao observar figuras abertas e
fechadas, as crianças logo reconhecerão as diferenças, baseando-se na análise do contorno
das figuras.

Figura 1 – Figuras abertas e fechadas

Fonte: Da autora (2014).

Observando a figura um, as crianças conseguem facilmente identificar quais são as figuras
abertas e as figuras fechadas. Entretanto, quando seu pensamento geométrico considera
apenas o aspecto topológico, a criança não consegue distinguir o círculo do polígono de sete
lados, pois a criança ainda não percebe os detalhes, os ângulos que diferenciam as figuras.
Elas nomeiam ambas as figuras como “rodas”, pois o relacionam ao objeto tridimensional com
o qual tem contato (roda do carrinho de bebê, dos brinquedos, dos veículos que observa).

Na fase seguinte, da geometria projetiva, o espaço percebido pela criança é ampliado.


Surgem as noções de perto e longe, dentro e fora. A noção de proporcionalidade do mundo
real passa a ser representada nos desenhos da criança, como quando ela desenha uma casa
com telhado, porta e janela.

1 Espaço tridimensional: espaço vivenciado nas três dimensões. O cubo, por exemplo, existe na realidade concreta porque possui três
dimensões: comprimento, largura (ou altura) e profundidade.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Figura 2 – Desenho casa

Observe que a porta e a janela são menores do que as paredes, pois a criança conservou
a proporcionalidade observada entre esses elementos no mundo real. Entretanto, a ideia de
profundidade ainda não está presente.

Outro aspecto dessa fase do pensamento geométrico projetivo no desenvolvimento da


criança é a presença ou o entendimento de que a visão dos objetos depende do ponto de
vista do observador. E que a representação dos objetos do mundo real pode mudar se o
ponto de vista do observador for modificado. Tudo depende da visão do observador.

Esse aspecto também é característico do estágio pré-operatório de desenvolvimento


cognitivo concebido por Piaget, marcado pelo egocentrismo, quando a criança entende que
o mundo gira em torno dela e as coisas existem para ela e por causa dela. Mas como a criança
já consegue fazer imagens para representar os objetos do mundo físico e nominá-las sem
a presença do objeto, é possível também relacionar a fase de construção do pensamento
geométrico projetivo com o estágio de desenvolvimento cognitivo operatório concreto.

Na fase seguinte, do pensamento geométrico euclidiano, a percepção do mundo vai


além dos objetos observados. O observador também é percebido como um elemento desse
mundo e que ambos, objetos e observador são móveis, isto é, podem ser movimentados e
ocupar lugares e posições diferentes.

A partir desse momento a criança começa a perceber os detalhes das figuras geométricas,
como os ângulos, a noção de profundidade e o perpendicularismo. Essas percepções são
representadas nos desenhos. A representação da casa modifica-se para demonstrar que a
criança já entende esses elementos.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Figura 3 – Desenho com perspectiva

Como é possível verificar na Figura 3, o desenho infantil já apresenta elementos


de percepção de profundidade. Isso acontece quando a criança atinge o estágio de
desenvolvimento operatório formal, segundo as etapas de desenvolvimento de Piaget.

Dessa forma, o trabalho com o pensamento geométrico deve estimular a criança


a observar, perceber semelhanças e diferenças e identificar regularidades, habilidades
utilizadas em outras áreas da matemática e até em outras áreas do conhecimento. Ele pode
ser desenvolvido utilizando a exploração sobre objetos do mundo físico como obras de arte,
esculturas, pinturas, desenhos de modo a mostrar a relação da matemática com as outras
áreas do conhecimento humano.

Assim, o principal objetivo do ensino da geometria é fazer com que a criança passe do
espaço vivenciado para o espaço pensado, estabeleça relações para representar o espaço
em que ela vive e passe do concreto para o abstrato, da abstração empírica para a abstração
reflexiva.

2 O pensamento algébrico
O que caracteriza a álgebra é o uso de letras ou expressões literais interpretadas e sobre
as quais são realizadas em operações matemáticas, tal qual acontece com o uso dos símbolos
da linguagem matemática.

Ao longo da história da humanidade, o pensamento algébrico se desenvolveu e os


pesquisadores identificam três fases desse desenvolvimento:

• Primeira fase: retórica ou verbal, utilizava palavras, sem o uso de abreviações


ou símbolos para expressar o pensamento algébrico, e aparece nos registros de
civilizações antigas, egípcios, babilônicos e gregos anteriores a Diofanto.

• Segunda fase: sincopada, marcada pelos estudos do grego Diofanto de Alexandria,


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Construção dos Conceitos Matemáticos

no século III, que utilizou a letra grega sigma “∑” como incógnita de uma equação.
Há registros de que os hindus também utilizavam abreviações. Atualmente, pode-se
encontrar essa letra como símbolo indicativo de soma no software Excel.

• Terceira e última fase: simbólica, utiliza somente símbolos ou letras para representar
incógnitas e constantes, e um dos seus principais representantes é François Viète, no
final do século XVI. Uma equação simples é um exemplo dessa fase: 5x + 2=30.

O professor deve conhecer as fases de evolução do pensamento algébrico para


proporcionar aos estudantes a vivência de cada uma, pois, se iniciar o trabalho pela fase
simbólica e se ativer a ela, o pensamento algébrico pode tornar-se complexo, até sem sentido
para os alunos, gerando dificuldades nesse aprendizado.

O pensamento algébrico deve ter um foco amplo e contextualizado, cuja preocupação


é entender uma relação e não apenas identificar um número, uma resposta exata, como
se a matemática fosse uma ciência pronta, acabada, em que todo cálculo ou análise fosse
comunicado em um número exato.

Para exemplificar as considerações, pense na seguinte situação: em determinado ano


letivo numa escola, estudam uma quantidade de meninas e três quartos dessa quantidade de
meninos. O principal é entender que a relação é três quartos de meninos.

Se na escola estudarem 175 crianças, 100 serão meninas e 75 meninos; a proporção é


três quartos. Mas se na escola estudarem 350 alunos, 200 são meninas e 150 são meninos.
Apensar de mudarem os números, a relação de três quartos permanece.

É esse tipo de entendimento que mobiliza o pensamento algébrico.

Segundo Carvalho e Gomes (2009), algumas concepções sobre a álgebra podem ajudar
no entendimento e estabelecimento de relações:

• A álgebra como aritmética generalizada, ou seja, quando exemplifica propriedades ou


apresenta modelos cujas variáveis são representadas por letras e que são aplicáveis
com quaisquer números. Por exemplo, a apresentação da propriedade comutativa
da adição: a + b = b + a, não importa quais sejam os números, a relação sempre será
verdadeira. Experimente!

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Construção dos Conceitos Matemáticos

5+4=4+5

16 + 32 = 32 + 16

209 + 27 = 27 + 209

• A álgebra como um estudo de procedimentos para resolver certos tipos de problema:


a idade do pai é igual ao dobro da soma da idade de seus dois filhos, que têm 9 e 12
anos, respectivamente. Qual é a idade do pai?

Analisando o problema, é possível saber a idade dos filhos, mas não a do pai. Então, diz-
se que o pai tem Q anos de idade, igual ao dobro da idade dos filhos, ou seja, duas vezes a
soma de 9 e 12. Utilizando a linguagem matemática algébrica, temos: Q = 2 × (9 +12), onde Q
representa a idade do pai e × representa a multiplicação. Assim, é possível determinar a idade
do pai, 42 anos. Confira! Inicialmente, a idade do pai é uma incógnita, desconhecida.

• Na terceira concepção, a álgebra é entendida como uma relação entre grandezas


(medidas), como no caso do cálculo do perímetro de um triângulo: “P = a + b + c”. A
medida do perímetro é igual à relação aditiva medida dos lados desse triângulo.

Nesse caso, a variável não é uma incógnita, pois dependendo da medida dos lados, o
perímetro será diferente, mas a relação entre a medida do perímetro sempre será igual à soma
da medida dos lados do triângulo. A relação não muda. Diferentemente do caso anterior, se
tentar aplicar a resolução quando o pai tiver 43 anos e os filhos 10 e 13, a equação montada
não será verdadeira.

• Existe ainda uma quarta concepção, a “álgebra como estudo das estruturas, que
ocorre com a manipulação de variáveis como símbolos arbitrários, sem relação com
o problema ou função, ou ainda, padrão a ser generalizado” (CARVALHO; GOMES,
2009, p. 161-162) cujo exemplo é a fatoração de um polinômio, onde “x² + 2x” pode
ser fatorado por x (que é o fator comum em evidência nos dois termos) e dividirá
todos os termos do polinômio. Logo: x² ÷ x = x; 2x ÷ x = 2. Assim teremos como
fatoração: x*(x + 2).

Esse tipo de concepção foi enfatizado no ensino da álgebra a partir da metade do século
XX e provocou um “simbolismo extremado”, no qual o aluno apenas aplica as fórmulas sem
compreender as ideias principais da álgebra.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Para evitar os problemas causados pelo ensino enfático desse conceito, o professor
deve compreender as outras concepções e trabalhá-las ainda nos anos iniciais do Ensino
Fundamental.

2.1 A formação do pensamento algébrico na criança


O trabalho com a álgebra nos anos iniciais do Ensino Fundamental deve mostrar que
a álgebra “é uma forma específica de pensamento para estabelecer padrões e expressar
relações” (CARVALHO; GOMES, 2009, p. 162).

Para isso, as atividades propostas devem auxiliar os alunos a observar e comparar


padrões (numéricos ou geométricos), a expressar regularidades e desenvolver a linguagem
matemática de modo a representar o pensamento algébrico, ou seja, utilizar símbolos para
comunicar ideias e relações.

Atividades de classificação e seriação, nas quais solicita-se aos alunos classificar objetos
de acordo com determinadas características ou a construir séries, sequências determinadas
por uma razão, ajudam a desenvolver o pensamento algébrico e podem ser trabalhadas desde
a Educação Infantil para buscar regularidades e desenvolver a ideia de generalização. Utilizar
recursos manipuláveis, como os blocos lógicos, pode ser o ponto de partida. O trabalho com
elaboração e análise de sequências é ótimo para desenvolver o pensamento algébrico.

A sequência pode ser de desenhos (imagens que representam objetos da realidade) ou


símbolos. Incentivar as crianças a observar a regularidade e descobrir a razão (ou segredo)
da sequência e dizer qual é o próximo desenho é uma forma de desenvolver o pensamento
geométrico nas crianças.

Observe a sequência da Figura 4:

Figura 4 – Sequência de imagens

Fonte: Da autora (2014).

Diga qual é o próximo desenho?

Qual será a vigésima figura da sequência?

Pode ser uma sequência numérica: 5, 10, 15, 20, 25, 30, 35... Ou, ainda, uma sequência
geométrica, como mostra a Figura 5:

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Figura 5 – Sequência geométrica

Fonte: Da autora (2014).

Explorar as diferentes sequências, observar suas regularidades, identificar a razão


e aplicar essa razão para determinar qualquer elemento da sequência é desenvolver o
pensamento algébrico das crianças.

O professor deve incentivar o registro e a comunicação dessas ideias para que os alunos
desenvolvam além do pensamento algébrico a escrita algébrica e a linguagem matemática.

Outras atividades podem ser a escrita de cálculos aritméticos, substituindo um número


por um símbolo ou uma letra:

15 + a = 25 37 ‒ = 31 × 3 = 12

O desafio para o aluno será determinar o valor de cada letra ou símbolo. Para esse tipo de
atividade, a criança mobilizará também a reversibilidade, ou a operação inversa para ajudar a
determinar o valor da incógnita.

Por isso, para conseguir determinar o valor da incógnita, é importante que as crianças
compreendam que, nesses casos, a letra ou símbolo utilizado representam um valor numérico.

Colocar a variável em diferentes posições na sentença matemática auxilia as crianças a


desenvolverem suas estratégias de leitura da linguagem matemática e de cálculo, pois evita
que façam uma memorização mecânica.

Considerações finais
Após estudar os pensamentos geométrico e algébrico, compreendendo suas características
e sua evolução história, pudemos compreender a natureza desses pensamentos e conhecer
as concepções ligadas a cada um deles.

Estudamos, ainda, como se desenvolvem cada um desses pensamentos nas crianças e


a partir de então, pensamos em situações de ensino e de aprendizagem desses conceitos
matemáticos na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Referências
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a
4ª séries): matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CARVALHO, A. M. F. T.; GOMES, M. T.; PIRES, M. N. M. Fundamentos teóricos do pensamento


matemático. Curitiba: IESDE Brasil, 2009.

LOPES, S. R.; VIANA, R. L.; LOPES, S. A. A construção de conceitos matemáticos e a prática


docente. Curitiba: IBPEX, 2005.

LORENZATO, S. Percepção matemática e Educação Infantil. Campinas: Autores Associados,


2006.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Aula 09
A resolução de problemas e a modelagem matemática como
processos de ensino-aprendizagem

Objetivos Específicos
• Analisar o processo de ensino-aprendizagem dos conceitos matemáticos
existentes nos mais diversos campos do conhecimento.

Temas

Introdução
1 A resolução de problemas
2 Modelagem matemática
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
O objetivo desta aula é analisar a resolução de problemas e a modelagem matemática
como processos de ensino-aprendizagem dos conceitos matemáticos existentes nos mais
diversos campos do conhecimento.

Inicialmente, essas duas estratégias surgiram como forma de resolver matematicamente


problemas da vida prática, traduzindo-os em linguagem matemática para que possam ser
aplicados e ajudem a humanidade a encontrar soluções, tomar decisões e até pensar em
formas de evitar esses contratempos.

Também estão relacionados ao desenvolvimento da matemática e de outros campos


do conhecimento, como a física, astronomia, engenharias, área financeira e contabilidade,
tecnologia, informática, medicina e meteorologia.

Porém, é possível utilizar essas estratégias de resolução de problemas e modelagem


matemática como processo de ensino e aprendizagem dos conceitos matemáticos, como
veremos nas linhas a seguir.

1 A resolução de problemas
Com certeza você já deve ter resolvido um problema em aulas de matemática enquanto
frequentava a educação básica. Que tal recordar?

“João comprou 5 pacotes de figurinhas. Cada pacote tem 3 figurinhas. Quantas figurinhas
ele comprou ao todo?”

Esse problema é fácil! Basta multiplicar 5 por 3 e obter a resposta: 15.

Esse é um exemplo tradicional de problemas convencionais utilizados nas aulas de


matemática. Podemos analisar sua estrutura e ver que ela geralmente se repete: um texto
em forma de frases (que parecem retiradas de cartilhas) diagramas ou parágrafos curtos;
os dados estão explícitos no problema e em ordem de utilização; a resolução acontece pela
aplicação direta de um algoritmo e a resposta é numérica (resultado do algoritmo) e única.
(SMOLE, DINIZ, 2007).

Geralmente, esse tipo de problema é apresentado logo após a demonstração de um


conteúdo ou uma técnica de cálculo (algoritmo), cuja tarefa do aluno é apenas identificar
a operação a ser realizada e encontrar a resposta numérica que sempre estará lá. Se não
houver resposta numérica, a professora pode ter errado no problema...

No ano de 2008 vivenciei tal questionamento por uma aluna de 9 anos (antiga 3ª série
do Ensino Fundamental, hoje 4º ano) que não compreendeu a questão do problema, disse
ter pedido ajuda a seu pai e, por não encontrarem uma forma de aplicar um algoritmo, voltou

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Construção dos Conceitos Matemáticos

no dia seguinte dizendo que o problema estava errado porque não dava para fazer “a conta”.

Era a exploração de uma situação que permitia realizar vários cálculos e análises. Na
parte dos cálculos, as crianças foram bem, mas na análise... elas estavam tão condicionadas
a fazer cálculos que, quando a resposta deveria ser encontrada apenas por uma análise, sem
cálculos, elas não conseguiram responder.

O problema era sobre a viagem de um trem, com quatro vagões e capacidade para 80
passageiros sentados e 120 passageiros em pé, que partia da estação inicial e os alunos
acompanhavam a movimentação de passageiros fazendo cálculos sobre quantos embarcavam
ou desembarcavam do trem a cada parada. Na penúltima estação desceram muitos e
embarcaram poucos, restando menos de 50 passageiros no trem. A pergunta era: “Quantos
passageiros ficaram em pé no trem entre a penúltima e a última estação?”

As crianças já haviam realizado cálculo semelhante para saber quantas pessoas ficaram
em pé, número bem maior em relação aos assentos. E tentaram realizar o mesmo cálculo:
subtrair o número de assentos da quantidade de pessoas. Mas como havia bem mais assentos,
o resultado seria negativo e as crianças do Ensino Fundamental I não aprendem esse tipo de
cálculo. Então disseram que não dava para fazer “a conta” e que o problema estava errado.

Reparem que nem era necessário realizar cálculos. Se havia mais assentos do que
pessoas, todas as pessoas que estavam no trem, naquele momento, poderiam sentar. Outro
detalhe: e se algumas pessoas, considerando que faltava apenas uma estação para descer e
mesmo com a oferta abundante de lugares, decidissem continuar em pé?

A resposta para a questão que eu havia colocado não era exata, nem numérica, não
havia sequer a necessidade de cálculo, apenas de interpretação. Mas as crianças estavam tão
condicionadas a fazer contas (cálculos) que não conseguiam mobilizar seus conhecimentos,
ir além da aplicação de um algoritmo e analisar a situação. Nem os familiares que ajudaram
na tarefa imaginaram uma resposta diferente do padrão exato, numérico e resultado de um
algoritmo.

No dia seguinte, analisei junto com os alunos a situação e juntos chegamos à conclusão
de que: 1. não havia a necessidade de cálculo (conta) para essa questão e 2. todas as pessoas
teriam condições de terminar a viagem sentadas e ainda sobrariam assentos vagos no trem.

Propus então outro problema, muito parecido com a estrutura convencional, mas a
resposta, apesar de ser numérica, dependia ainda da interpretação e análise das crianças
sobre o resultado do algoritmo.

O problema era: “Os 350 alunos da Escola Rosa irão fazer uma visita ao museu na próxima
quinta-feira. Para transportar os alunos até o museu será necessário alugar ônibus. Se cada
ônibus tem capacidade para 40 alunos, quantos ônibus a diretora da escola deve alugar?”

Observe que um cálculo simples, dividindo a quantidade de alunos pela capacidade

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Construção dos Conceitos Matemáticos

resulta na quantidade de ônibus. Alguns alunos perceberam isso e logo disseram “É de dividir.”
Então todos começaram a fazer um algoritmo de divisão.

Mas o resultado é um número decimal: 8,75. Como alugar 8 ônibus inteiros e três quartos
de um ônibus? As locadoras alugam o carro inteiro. Se você irá ocupar toda a capacidade
dele, é opção sua.

Meus alunos não vislumbraram essa possibilidade e como nem todos concluíram a
divisão, porque não conseguiam dividir os décimos, se satisfizeram com o quociente 8 e resto
30, definindo a resposta como 8 ônibus.

Então questionei, “mas cabem todos os alunos da escola nesses oito ônibus? E os 30
alunos que sobraram, o que a gente faz com eles?” E recorri ao desenho para ilustrar a
explicação.

Figura 1 – Relação entre ônibus e alunos

Fonte: Da autora (2014).

A figura ilustra a relação entre ônibus e passageiros de forma a mostrar as 30 crianças


que “sobraram”, mas também deverão ser transportadas até o museu.

Os alunos apresentaram algumas soluções: “colocar três crianças em cada banco”, e eu


disse que isso era proibido por lei, pois só cabiam 40 crianças em cada ônibus.

Então outra criança sugeriu fazer um ônibus ir e voltar para buscar essas 30 crianças
numa segunda viagem; eu disse que também não daria certo porque a visita ao museu tinha
horário e se um ônibus voltasse para buscá-las, elas iriam perder a visita.

Até que alguém arriscou, “aluga mais um ônibus”. E eu disse que isso resolveria a situação
das trinta crianças, mas não era o resultado do algoritmo. As crianças concordaram e, depois
de algumas discussões, chegamos à conclusão de que os cálculos ajudam, mas em casos de
divisão, temos que analisar a situação e o resto da “conta” para encontrar a resposta correta.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Essa análise foi um avanço para as crianças, apesar de limitada. Entender


que nem sempre o resultado da “conta” é a resposta do problema e que é
necessário interpretar a pergunta é importante para tentar encontrar a resposta.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) alertam que a resolução de


problemas tem sido utilizada em sala de aula apenas para aplicação de conhecimentos
matemáticos adquiridos anteriormente. A prática mais comum tem sido apresentar um
conceito, mostrar uma forma de aplicação (geralmente um cálculo) e pedir aos alunos para
repetir esse procedimento algumas vezes. Esse não é um caminho para fazer matemática,
mas apenas para ver o professor fazer a matemática.

A resolução de problemas foi reduzida a um exercício que consiste em fazer cálculos


com os números de um enunciado e obter uma resposta numérica exata. Pouco se explora
o potencial dessa atividade. Para tornar a resolução de problemas um caminho para fazer
matemática, o aluno deve ter um papel ativo.

Entretanto, os PCN (1997) apontam a resolução de problemas como um dos caminhos


para aplicar a matemática na sala de aula e ensiná-la. Atualmente, muitos pesquisadores,
dentre eles Dante (2009), Carvalho e Gomes (2009), Smole e Diniz (2007), consideram a
resolução de problemas como uma das tendências atuais da educação matemática.

Carvalho e Gomes (2009) entendem que a resolução de problemas, como processo de


ensino, deve ser uma forma para aproximar os alunos da matemática; uma oportunidade de
valorizá-la e desafiar o aluno a fazer explorações, levantar hipóteses, testá-las até encontrar
uma resposta que seja satisfatória – e que nem sempre é um número, ou seja, aplicar
ideias matemáticas, trabalhar em grupos e superar desafios, ao ponto de, além de resolver
problemas, também propô-los, mostrando a compreensão dos conceitos matemáticos.

Smole e Diniz (2007) também concordam que o aluno deve ser capaz de resolver
problemas. Para propor um problema, é necessário retomá-lo, analisar novamente os dados,
a história (contexto), as relações envolvidas entre os dados e a história e localizar a pergunta,
relacioná-la com a resposta encontrada para verificar sua validade. Torna-se um processo de
estudo que desenvolve o pensamento lógico-matemático, mobiliza os conhecimentos sobre
conceitos matemáticos aprendidos pelo aluno, desenvolve a linguagem e a comunicação e
auxilia no processo de alfabetização.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Usando a resolução de problemas como estratégia de ensino, o ponto de partida da


aula é a problematização e não a apresentação da definição do conceito matemático a ser
aprendido.

Dessa forma, a metodologia de resolução permite que conteúdos matemáticos sejam


estudados por esse método num movimento de “aprender descobrindo”.

Considere a soma 27 + 18. Quantas estratégias diferentes você consegue fazer para
encontrar o resultado, sem usar o algoritmo tradicional (conta armada)?

Observe que foram encontradas três possibilidades diferentes de realizar a soma


proposta. Esse tipo de situação desafia a criança, estimula o uso da criatividade e a partir
de um problema, desenvolve a ideia de decomposição da base 10 (característica do sistema
decimal de numeração) e ao mesmo tempo trabalha as noções de adição e subtração, que
aparecem na terceira estratégia pela ideia de compensação: tirou-se três unidades do número
oito, que foram adicionadas ao número 27 e depois o valor foi compensado porque o 18
passou a valer 15.

Outro benefício ao utilizar a resolução de problemas como processo de ensino-


aprendizagem é o favorecimento do trabalho em grupo, no qual os alunos devem aprender
a conviver com outros colegas, escutar opiniões diferentes, argumentar para defender seu
ponto de vista, construir a linguagem matemática de forma que seja compreendida por todos
do grupo e por outras pessoas que não participaram da discussão e de sua elaboração; um
real fazer matemático.

Para Dante (2009), ensinar a resolver problemas é um processo mais complexo do que
ensinar a resolver algoritmos e equações, pois geralmente o professor faz uma demonstração,
orienta passo a passo (instrução) de como fazer e passa uma lista de exercícios para os alunos
“aplicarem” o que viram e “aprenderem” a resolver essas técnicas de cálculos. Mas passado
um tempo, se não utilizar essas técnicas, o aluno pode apresentar dificuldades em sua
resolução quando se deparar com um algoritmo ou uma equação em uma situação cotidiana,
fora de uma lista.

Entretanto, para ensinar a resolver um problema, o professor deve atuar como incentivador
para os alunos expressarem suas ideias e estratégias sobre possíveis resoluções e mediador

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Construção dos Conceitos Matemáticos

das ideias apresentadas, promovendo a socialização de forma a garantir a compreensão e a


desenvolver a linguagem matemática implicada nessa situação.

O professor pode colocar mais questões ou dados aos problemas, propor aos alunos
analisar diferentes perspectivas, modificar um ou mais dados da situação analisada. Carvalho
e Gomes (2009) e Dante (2009) sugerem alguns passos que podem ser trabalhados com as
crianças para a resolução de problemas:

1. Compreender o problema

2. Elaborar um plano

3. Executar o plano

4. Fazer a verificação

Esses passos são estratégias que os alunos, num papel ativo na construção do
conhecimento, devem desenvolver, criar para tentar resolver os problemas. Não adianta o
professor fazer os dois primeiros passos e deixar apenas a execução para os alunos. Mesmo
porque, se os alunos não compreenderam como a estratégia foi elaborada, não terão
condições de fazer a verificação, ou seja, de analisar se a execução de determinado plano
levou a encontrar a resposta adequada ao problema.

Num primeiro momento, quando os alunos não estão acostumados com a metodologia
de resolução de problemas, o professor pode medir o pensamento dos alunos, até interpretar
junto com as crianças, mas nunca fazer essa análise no lugar delas, pois o momento de
aprendizagem dos conceitos matemáticos é das crianças e não do professor.

1.1 Tipos de problema


Além do problema convencional, cujas características já foram analisadas e utilizadas
quase que exclusivamente no ensino de matemática, Smole e Diniz (2007) apresentam outros
tipos, classificados como não convencionais, que podem e devem ser trabalhados com as
crianças, mesmo da Educação Infantil, para impedir a associação mecânica de que a resolução
de problemas se faz pela aplicação direta do algoritmo (conta armada) e a resposta é sempre
numérica, exata e única. São eles:

• Problemas sem solução:

A proposta desse tipo de problema é romper com a ideia de que todos os dados numéricos
devem ser utilizados para fazer cálculos e de que todo problema tem uma resposta numérica
como solução.

Ex.: “Paulo ganhou 12 figurinhas de seu tio e 15 figurinhas de sua tia. Qual é a idade de
Paulo?”
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Construção dos Conceitos Matemáticos

Não é possível saber, com os dados apresentados, a idade da personagem do problema.

Ex.: “Como dividir igualmente 2 cachorrinhos entre 4 pessoas?”

Numericamente até pode-se desenvolver um cálculo que resulta em 0,5 (meio) cachorro.
Mas como deixá-lo vivo dividindo-o ao meio? É uma situação que não está adequada ao
contexto real, tornando o problema sem solução. Se no lugar de cachorrinhos fosse um bolo,
que pode ser dividido em partes, o problema teria solução, mas considerando animais torna-
se impossível.

• Problemas com mais de uma solução:

Esse tipo de problema deve ser trabalhado para estimular a criatividade e a elaboração
de diferentes estratégias de resolução e de resposta. Desmancham a crença de que todo
problema tem apenas uma solução.

Ex.: planificação do cubo. “Com seis quadrados iguais, construa uma planificação para o
cubo.”

Figura 2 – Planificações do cubo

Fonte: Da autora (2014).

Existem onze respostas diferentes e que satisfazem corretamente a questão.

Ex.: “As compras de Alice somaram 24 reais. Quais cédulas (notas de papel) ela pode usar
para pagar sua conta?”

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Figura 3– Cédulas

Fonte: Da autora (2014).

Descrição de acessibilidade: A figura 3 demonstra como pode ser efetuado o pagamento


das compras de Alice, no valor de 24 reais. A primeira opção é com uma cédula de 20 reais
e mais duas cédulas de dois reais cada. A segunda resposta é formada com duas cédulas de
dez reais e mais duas cédulas de dois reais cada. A terceira maneira de pagar as compras é se
Alice desse uma nota de dez reais, duas notas de cinco reais e mais duas notas de dois reais. A
quarta opção é utilizando quatro notas de cinco reais e mais duas notas de dois reais. A quinta
forma é com uma nota de dez reais e sete notas de dois reais. E a sexta e última resposta é
usando duas notas de cinco reais e sete notas de dois reais. Em todas as opções, a soma das
cédulas dá 24 reais.

Para esse problema foram encontradas seis soluções. Se considerássemos as moedas, as


possibilidades de resposta aumentariam bastante.

• Problemas com excesso de dados:

Nem todas as informações numéricas devem ser utilizadas para encontrar a solução. Esse
tipo de problema mostra a necessidade de leitura, interpretação e seleção de informações
que realmente serão utilizadas para encontrar a resposta.

Uma sugestão para trabalhar com esse tipo de problema é acrescentar dados à problemas
convencionais:

Problema convencional: “João tinha 20 figurinhas. Durante o jogo perdeu 7, ganhou 2 e


na última rodada perdeu 5. Com quantas figurinhas João ficou ao terminar o jogo?”

Problema com excesso de dados: “João é um garoto de 6 anos que coleciona figurinhas.
Ele tem muitas. Todos os dias acorda às 7 horas da manhã, toma café, faz a lição, brinca um
pouco, almoça às 12 horas e, de segunda à sexta-feira vai para a escola. Numa terça-feira de
manhã ele foi brincar com seu amigo Pedro de jogo de ganha ou perde, e levou 20 figurinhas.
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Durante o jogo perdeu 7, ganhou 2 e na última rodada perdeu 5. Depois almoçou e foi para a
escola. Ele assiste aula das 13h às 18h. Volta para casa, toma banho, janta com os pais e vai
dormir às 21 horas. Quantas figurinhas João levou para sua coleção depois que terminou o
jogo com Pedro, na terça-feira?

Além de ler toda a situação, o aluno deve identificar a questão e selecionar os dados que
realmente importam e são necessários para encontrar a resposta.

Os tipos de problemas aqui apresentados são uma classificação utilizada por Smole e
Diniz (2007), mas existem outras. Como exemplo e sugestão de leitura complementar, é
possível citar a obra de Dante (2009).

Formulação e resolução de problemas de matemática é o livro de Luiz


Roberto Dante, renomado professor de matemática, publicado em 2009. Nessa
obra, o autor aborda a didática da resolução de problemas discutindo estratégias,
orientações didáticas e apresentando mais de cem exemplos de problemas que
podem ser trabalhados nos anos iniciais do Ensino Fundamental, analisando as
estruturas e as resoluções dos problemas. Disponível na Biblioteca Virtual.

2 Modelagem matemática
A modelagem matemática é uma área que se relaciona com a problematização e
investigação, por meio da matemática, de situações vivenciadas na realidade.

Problematizar é levantar questões, fazer perguntas, colocar em evidência determinado


aspecto para ser analisado. Investigar é, segundo Barbosa (2004), selecionar as informações,
organizar, manejar, reorganizar e refletir sobre essa seleção de informações, dados, fatos ou
eventos.

Por isso, o autor acredita que a modelagem matemática está relacionada à compreensão
do seu papel sociocultural, ou seja, o papel que a matemática desempenha nas sociedades.

Um exemplo pode ser o estudo, por meio da modelagem, sobre os preços oferecidos
pelo serviço de telefonia móvel a ser contratado por uma família, com turmas de 4º e 5º ano
do Ensino Fundamental. Os alunos podem modelar a situação, ou seja, fazer a cotação do
preço do pacote oferecido e dos serviços disponibilizados (levantamento de dados), organizar,
comparar, levantar questionamentos, fazer análises e indicar a melhor opção a ser contratada

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pela família.

De certa forma, a modelagem matemática aproxima-se da resolução de problemas,


mas seu objetivo é entender a realidade pela construção de modelos, quer seja por meio
da proposição de cálculos, criação de expressões numéricas ou elaboração de tabelas para
análise de informações e tomada de decisões, como na situação descrita.

Considerando seu potencial, a modelagem matemática pode ser aplicada em várias


situações da realidade e se relacionar com várias áreas de conhecimento, como a meteorologia
e a climatologia. As previsões do tempo são outro exemplo de aplicação da modelagem
matemática para tomar decisões em nossa sociedade.

Ao utilizar a modelagem matemática como processo de ensino-aprendizagem, o


professor estará oferecendo ao aluno a oportunidade de problematizar, investigar, relacionar
a matemática com a realidade vivenciada e tomar decisões com base nos estudos e situações
modeladas, bem como desenvolver a autonomia e o pensamento lógico-matemático.

Considerações finais
Nesta aula, vimos que tanto a resolução de problemas como a modelagem matemática
podem ser utilizadas como processos de ensino-aprendizagem nas escolas.

Estão relacionadas com a capacidade de problematizar, investigar e analisar situações


com o auxílio da matemática. Mas nem sempre foram exploradas de forma a proporcionar
esse tipo de aprendizado aos alunos.

Verificamos, por exemplo, que a resolução de problemas é muito utilizada em aulas


de matemática, mas de uma forma limitada aos problemas convencionais, que possuem
estrutura simples (frases e textos curtos, dados apresentados de forma explícita e direta para
utilização, cálculo com algoritmo e comunicação do resultado do algoritmo como resposta do
problema) e condicionam o aluno a perguntar “qual é a conta?”, associando mecanicamente
problemas à aplicação de algoritmos.

Assim, esta aula procurou analisar a resolução de problemas e a modelagem matemática


como estratégia de aprendizado para desenvolver o raciocínio lógico-matemático e a
autonomia de pensamento do aluno.

Tentou também refletir sobre situações que podem ser desafiadoras e ao mesmo tempo
motivadoras para a aprendizagem matemática.

Referências
BARBOSA, J. C. Modelagem matemática: o que é? Por que? Como? Veriati: UFMS, 2004. n. 4,

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Construção dos Conceitos Matemáticos

p. 73-80. Disponível em: <http://www.uefs.br/nupemm/veritati.pdf>. Acesso em: mar./2014.

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a


4ª séries): matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CARVALHO, A. M. F. T.; GOMES, M. T.; PIRES, M. N. M. Fundamentos teóricos do pensamento


matemático. Curitiba: IESDE Brasil, 2009.

DANTE, L. R. Formulação e resolução de problemas de matemática: teoria e prática. São Paulo:


Ática, 2009.

SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. (orgs.). Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para
aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2007.

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Aula 10
Relações entre resolução de problemas e a linguagem escrita

Objetivos Específicos
• Debater as relações existentes entre a resolução de problemas, a linguagem
matemática e a escrita na construção dos conceitos matemáticos.

Temas

Introdução
1 Relações entre linguagem, escrita e resolução de problemas
2 A escrita nas aulas de matemática
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
A presente aula pretende debater as relações existentes entre a resolução de problemas
e a linguagem – oral e escrita – no ensino de matemática.

Entre as dificuldades no trabalho com a resolução de problemas matemáticos nas escolas


estão a leitura e interpretação do problema.

O texto a seguir foi elaborado com o objetivo de problematizar essa questão e


buscar relações que contribuam para a superação das dificuldades com a leitura, escrita e
interpretação na resolução de problemas e no aprendizado dos conceitos matemáticos.

1 Relações entre linguagem, escrita e resolução de


problemas
Já estudamos a linguagem matemática, suas características que fazem dela uma
linguagem abstrata e simbólica. Vimos também as relações que estabelece com a língua
materna, a dificuldades dos alunos em superar as diferenças entre elas e os desafios para
atribuir significado à linguagem matemática.

A maioria dos problemas propostos nas aulas de matemática, seja de forma oral, na
Educação Infantil, ou de forma escrita a partir anos iniciais do Ensino Fundamental, utiliza a
linguagem matemática para comunicar a situação a ser resolvida ou o desafio a ser superado.

Dessa forma, muitas dificuldades presentes no desenvolvimento da linguagem


matemática e em seu aprendizado encontram-se também na resolução de problemas.

Uma das primeiras dificuldades dos alunos é compreender o significado dos termos
utilizados no problema.

Carvalho e Gomes (2005) e Dante (2009) verificaram que os alunos se confundem muito
com algumas palavras, dentre elas a palavra “dobrar”, que cotidianamente e muito em
particular no contexto da Educação Infantil, que trabalha bastante com dobraduras, significa
fazer marcar no papel, ou dobrar a roupa de forma a organizá-la para caber na gaveta ou na
mala.

Ao praticar e ouvir essas ações, as crianças pequenas podem associar a ideia de


“dobro” com a ideia de modificar a forma, dividir (no caso de dobrar e cortar o papel), de,
aparentemente, diminuir o tamanho da roupa para caber na gaveta ou na mala, como mostra
a figura 1.

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Figura 1 – Significados de “dobrar” em situações cotidianas

Fonte: Da autora (2014).

Em linguagem matemática, “dobro” significa multiplicar por dois, colocar determinada


quantidade mais a mesma quantidade. O significado é inverso àquele vivenciado ou observado
pela criança anteriormente.

Figura 2 – Significado de “dobrar” em linguagem matemática

Fonte: Da autora (2014).

Os adultos não se dão conta do conflito vivido pelas crianças quando leem ou escutam a
palavra “dobrar” em linguagem matemática, porque para eles é muito simples.

Outras palavras com as quais as crianças, alunos da Educação Infantil ou dos anos iniciais
do Ensino Fundamental, se confundem, de acordo com a pesquisa de Dante (2009) são:
diferença, meio, vezes, conta, par, altura.

Por isso, uma das ações do professor é trabalhar a linguagem matemática para apropriação
do significado dos termos e compreensão das palavras que são utilizados nos problemas.

Como sugestão para sistematizar o trabalho com o significado das palavras, pode-se
elaborar um dicionário de matemática com a descrição, explicação e até mesmo ilustração
do significado dos termos da linguagem matemática.

Outro aspecto percebido por Dante (2009) é que a linguagem utilizada nos problemas
precisa ser adequada à faixa etária das crianças e procurar utilizar termos mais próximos da

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realidade dos alunos.

Uma possibilidade para o trabalho com crianças da Educação Infantil e dos dois primeiros
anos do Ensino Fundamental para desenvolver a linguagem matemática a fim de proporcionar
condições de interpretação do problema é trabalhar com figuras para ilustrá-lo.

Figura 3 – Problema com figuras

Fonte: Da autora (2014).

No problema da figura três há uma fotografia da criança acompanhada de seu nome.


Ao lado, estão dois pratos com trufas. O primeiro tem cinco trufas e o segundo, sete. Com
base nessas informações e análise das imagens, o aluno deve responder à questão: “Quantas
trufas Lucas tem?”.

É importante também, a partir a leitura das imagens, registrar as informações em


linguagem matemática, utilizando os algarismos e símbolos matemáticos para expressar o
pensamento e entendimento das crianças:

“Lucas tem 5 + 7 trufas.

Lucas tem 12 trufas.”

À medida que os alunos se familiarizam com a linguagem pictórica (imagens) e aprendem


o seu significado, o professor deve substituir palavras por frases e pequenos textos:

“A mãe de Lucas fez trufas para ele e as colocou em dois pratos. Um prato tem 5 trufas e
o outro, 7 trufas. Quantas trufas ele ganhou?”

Dante (2009) aponta, ainda, a possibilidade de eliminar dados relevantes e utilizar


gráficos e tabelas para apresentar as informações e dados do problema, de forma a facilitar a
interpretação da situação apresentada.

“Uma loja comprou 90 bonés a 10 reais cada um e 40 mochilas ao custo de 32 reais cada.
Qual foi o valor total da compra?” Essa situação pode ser apresentada da seguinte maneira:
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Construção dos Conceitos Matemáticos

Tabela 1 – Custo de bonés e mochilas

Unidades Preço unitário Totais

Bonés 90 10 ?
Mochilas 40 32 ?
Valor total ?

Fonte: Da autora (2014).

A tabela mostra de forma clara os itens comprados: bonés e mochilas; a quantidade


desses itens e os valores de cada item, com espaço para os alunos calcularem os totais.

Esse tipo de apresentação permite vários questionamentos sobre uma mesma situação:

“Qual foi o valor maior gasto com a compra dos bonés ou a compra dos mochilas?

Quantos itens foram comprados ao total?

Supondo que a compra foi paga em duas parcelas iguais, qual foi o valor de cada parcela?”

Outra dificuldade enfrentada pelas crianças é interpretação do problema apresentado, ou


seja, entender qual é a situação exposta e qual é a pergunta, o que se quer saber exatamente
ou se determina que o aluno faça.

Para Smole e Diniz (2007, p. 72), “a dificuldade que os alunos encontram em ler e
compreender textos de problema está entre outros fatores, ligada à ausência de um trabalho
específico com o texto do problema.”

Dessa forma, as autoras sugerem uma estratégia interessante para ajudar o aluno a ler e
a interpretar esse tipo de texto: é o problema em tiras.

Pode-se trabalhar em duplas ou individualmente. Ofereça tiras contendo frases que,


juntas, formam o texto do problema e peça para os alunos as organizarem em uma sequência
que dê sentido à situação apresentada. Se as tiras estiverem soltas, o aluno poderá manusear,
fazer a leitura, testar a ordem das frases, ler novamente e reorganizar, se for preciso. Dê
tempo para que os alunos realizem a tarefa.

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A tabela 2 apresenta um exemplo de problemas em tiras.

Ele resolveu comprar todas as figurinhas que faltam para completar o álbum.
Com essas figurinhas, ele já colou 64.
Daniel, um menino de 8 anos, coleciona figurinhas de futebol e cola no álbum.
Quantas figurinhas Daniel deverá comprar?
O padrinho de Daniel deu a ele 15 figurinhas de presente.
Para estar completo, o álbum deverá ter 99 figurinhas.

Fonte: Da autora (2014).

Uma possibilidade de organização do texto do problema é:

“Daniel, um menino de 8 anos, coleciona figurinhas de futebol e cola no álbum. Para estar
completo, o álbum deverá ter 99 figurinhas. O padrinho de Daniel deu a ele 15 figurinhas de
presente. Com essas figurinhas ele já colou 64. Ele resolveu comprar todas as figurinhas que
faltam para completar o álbum. Quantas figurinhas Daniel deverá comprar?”

Outra possibilidade é trocar a ordem das frases do meio do problema, que não mudará
o sentido do texto:

“Daniel, um menino de 8 anos, coleciona figurinhas de futebol e cola no álbum. O


padrinho de Daniel deu a ele 15 figurinhas de presente. Com essas figurinhas ele já colou
64. Ele resolveu comprar todas as figurinhas que faltam para completar o álbum. Para estar
completo, o álbum deverá ter 99 figurinhas. Quantas figurinhas Daniel deverá comprar?”

Esse tipo de exploração contribui também para o desenvolvimento da habilidade de


produção de texto, uma vez que na tarefa de atribuir sentido às frases e organizá-las em
formato de pequeno texto, o aluno desenvolve a noção de começo, meio e fim necessária à
organização textual na língua materna, a observação da coerência textual e a articulação da
pergunta com a situação apresentada.

Somente depois de que todos tenham organizado o texto do problema surgirá a


preocupação em resolvê-lo e buscar uma resposta.

Outra situação que pode ser explorada utilizando o problema em tiras é a análise dos
dados numéricos. Na situação apresentada na tabela 1 – “Exemplo de problemas em tiras”
existem quatro informações numéricas, mas somente duas serão utilizadas para calcular a
quantidade de figurinhas restantes para completar o álbum de Daniel.

Ainda para fazer a análise dos dados numéricos de um problema, pode-se adaptar a
atividade: proponha o problema em tiras com lacunas nos lugares dessas informações.

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Tabela 3 – Exemplo de problema em tiras com lacunas

O valor da compra foi _____ reais.


Compraram um caderno de ______ reais e um estojo de _____ .

Quanto ela recebeu de troco?

Ela deu uma nota de ______ reais para pagar a compra.

Paula e sua mãe Amélia foram à papelaria, após o término das aulas, às _____ horas da tarde.

Os números do problema são: 5, 6, 11, 17 e 20.

Fonte: Da autora (2014).

A tabela 3 – “Exemplo de problemas em tiras com lacunas” apresenta um problema


em tiras. Em cada tira há uma frase. Quando a frase tem uma informação numérica ela é
substituída por uma lacuna. Na última linha, são apresentadas as informações numéricas do
problema.

A tarefa do aluno é, primeiro, interpretar o problema, fazer a leitura, ordenar as frases,


organizar o texto, interpretar e localizar a questão. Depois, posicionar corretamente as
informações numéricas e selecionar os dados para buscar a solução e resposta ao problema.

Outra estratégia apresentada e discutida por Smole e Diniz (2007) para o trabalho com
a resolução de problemas e a leitura e interpretação deles é questionar o alunos sobre “Que
conta resolve?”

Apresente à turma um problema com opções de cálculos (contas). É possível explorar


problemas convencionais e não convencionais. Apresente cálculos com operações diferentes
e, às vezes, com mais de uma operação que leve ao resultado correto, como na situação a
seguir:

“Um ônibus pode transportar até 46 passageiros sentados. Ele faz a linha Campinas-
Sorocaba, duas cidades do interior paulista. Se esse ônibus fizer 6 viagens diárias, com todos
os assentos ocupados, quantos passageiros ele irá transportar nesse dia?”

Que “conta” resolve?

46 ÷ 6 46 x 6 46 – 6 – 6 – 6 – 6 – 6 – 6 46 + 46 + 46 + 46 + 46 + 46

Na situação apresentada, duas opções de operações diferentes conduzem à resposta correta.

O diferencial dessa situação é que o aluno não deve adivinhar, chutar a conta que resolve
o problema, mas ler, analisar as opções apresentadas utilizando a linguagem matemática,
fazer verificações, escolher a operação que considera adequada e justificar sua escolha com
argumentos válidos, ou seja, explicar porque a “conta” escolhida resolve o problema e aponta
a resposta. Essa justificativa pode ser oral ou escrita.

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Outros tipos de leitura em aulas de matemática são propostos pelas pesquisadoras Smole
e Diniz (2007): livros paradidáticos, poemas, artigos de jornais e revistas, tabelas e gráficos
para selecionar dados matemáticos nesses diversos tipos de textos.

Qualquer que seja a estratégia escolhida pelo professor para trabalhar a resolução de
problemas e a linguagem matemática, o trabalho em grupo, a comunicação entre os alunos e
socialização de soluções e propostas de resolução dos alunos potencializarão o aprendizado
matemático.

2 A escrita nas aulas de matemática


A escrita pode auxiliar a compreensão dos alunos tanto ao explicar e justificar suas
respostas como ao elaborar problemas. Para essa última atividade, será necessária a
compreensão da estrutura do problema, sua função e a articulação dos dados. Antes de
propor um determinado problema para resolver um cálculo específico, o aluno deve ter o
domínio do cálculo, sua resposta e sua resolução.

É uma excelente atividade para aproximar a matemática da língua materna e desenvolver


ambas, bem como desenvolver a linguagem matemática.

Antes de fazer com que os alunos se tornem escritores nas aulas de matemática, é
necessário que eles tenham tido contato com vários tipos de problemas e a experiência de
analisar, interpretar e resolvê-los.

É possível citar algumas estratégias para promover a escrita nas aulas de matemática:

• Dar um problema aos alunos, mas sem a questão e pedir para as crianças proporem
as questões;

• Analisar uma sequência de figuras ou história em quadrinhos e propor questões;

• Dar o início do problema e pedir para os alunos continuarem a escrita da situação e


da questão;

• Mostrar um tipo de problema e solicitar aos alunos que escrevam um problema


parecido;

• Dar uma questão, pergunta, e pedir para alunos escreverem um problema;

• Dar a resposta e pedir que formulem o problema e a pergunta;

• Apresentar um ou mais algoritmos e pedir para os alunos criarem um problema para


os cálculos;

• Explorar gêneros literários e pedir para os alunos criarem problemas.

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Um exemplo para essa última estratégia de escrita é trabalhar com enigmas, do tipo “O
que é, o que é?”. Smole e Diniz (2007 p. 172) compartilham problemas desse tipo formuladas
por crianças da terceira série do Ensino Fundamental:

“O que é, o que é, tem quatro triângulos e 5 faces. É um sólido geométrico e se parece


com uma construção egípcia. Tem 5 vértices, 8 arestas e um quadrado como base?”
R. Pirâmide.

“Sou um número primo. Estou entre dois números. Cada um deles tem um algarismo.
Sou maior que o número 3, mas não sou o 5. Sou ímpar. Que número sou eu?” R.
Número sete.

Cada proposta deve levar em conta o desenvolvimento e o nível de conhecimento


matemático e linguístico que a turma possui. Esse cuidado deve ser observado para que
a proposta não se torne um desafio impossível de ser superado pelas crianças e evitar a
frustração nas aulas de matemática.

A oportunidade de formular problemas fará com que os alunos sintam que estão fazendo
matemática, gerando confiança e interesse pela resolução de problemas.

Considerações finais
Essa aula nos permitiu analisar as relações entre leitura, escrita e resolução de problemas.

O domínio da linguagem matemática, a leitura e correta interpretação dos problemas são


fundamentais para a sua resolução. Muitas vezes, a dificuldade em resolver os problemas não
é falta de conhecimento matemático, mas falta de familiaridade com a linguagem utilizada no
problema, com o significado dos termos e com a interpretação do texto do problema.

A escrita nas aulas de matemática torna-se uma estratégia para promover o aprendizado
matemático, a compreensão e resolução de problemas e o desenvolvimento da escrita da
língua materna, conectando essas áreas de conhecimento.

Referências
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a
4ª séries): matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CARVALHO, A. M. F. T.; GOMES, M. T.; PIRES, M. N. M. Fundamentos teóricos do pensamento


matemático. Curitiba: IESDE Brasil, 2009.

DANTE, L. R. Formulação e resolução de problemas de matemática: teoria e prática. São


Paulo: Ática, 2009.

SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. (orgs.). Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para
aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2007.
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Aula 11
Revivendo a história da matemática como processo de ensino
e aprendizagem

Objetivos Específicos
• Identificar como o conhecimento da história da matemática pode
se transformar em processo de ensino-aprendizagem dos conceitos
matemáticos.

Temas

Introdução
1 História da matemática como processo de ensino e aprendizagem
2 Situações de aprendizagem utilizando a história da matemática
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
Para ensinar matemática, é necessário conhecê-la e uma dessas formas é compreender
a sua história. Esse motivo justifica a importância da história da matemática na formação de
professores e, por isso mesmo, iniciamos a disciplina Construção de Conceitos Matemáticos
com um pouco da história da matemática, a fim de compreender suas origens e entendê-la
como uma construção humana.

Porém, a proposta deste texto e desta aula é ir além: provocar uma reflexão sobre a
história da matemática como metodologia de ensino; entendê-la como uma forma de
promover aprendizado matemático nas crianças.

Não basta apenas contar a história da matemática para que o aprendizado das crianças
aconteça. Essa é uma das etapas ou pode ser o início do processo de aprendizagem. Muitas
vezes, as crianças da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental não estão
prontas para compreender as histórias da matemática, então, como fazer?

A tentativa de resposta a essa questão será objeto de estudo das próximas linhas que o
primeiro tópico reflete sobre as contribuições para o aprendizado a partir do entendimento
da história da matemática como um processo de ensino e de aprendizagem. O segundo tópico
aborda algumas situações de aprendizagem que utilizam a história da matemática.

1 História da matemática como processo de ensino e


aprendizagem
A história da matemática deve fazer parte da formação do professor responsável por
essa disciplina. Essa questão é defendida de forma unânime pelos pesquisadores.

Mas apenas o conhecimento da história da matemática não é suficiente para que o


professor consiga promover o aprendizado matemático de seus alunos. É necessário entender
como utilizar o conhecimento histórico da matemática para criar situações de aprendizagem
de forma a auxiliar as crianças na construção dos conceitos matemáticos.

Documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), e pesquisadores


como Lopes, Viana e Lopes (2005) e Guimarães (2010) discorrem sobre a importância
de conhecer a história da matemática tanto para a formação de professores como para a
construção dos conceitos matemáticos pelos alunos. Utilizada como uma estratégia de ensino
e de aprendizagem, ela pode contribuir de maneiras diferentes:

1. Na compreensão de ideias matemáticas;

2. Como instrumento de resgate da identidade cultural;

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Construção dos Conceitos Matemáticos

3. Na integração entre a matemática e outras disciplinas;

4. Como ferramenta motivadora para o ensino de matemática.

Vamos analisar essas diferentes contribuições do entendimento da história da matemática


como processo de ensino e aprendizagem.

1.1 Compreensão de ideias matemáticas


Uma coisa é você, professor(a), entender como os homens foram construindo o conceito
de número ao longo da história da humanidade e outra é utilizar esse conhecimento para
proporcionar uma situação de aprendizagem às crianças que ainda não compreendem o
sistema de numeração decimal, por exemplo.

É necessário contar como foi a evolução, a criação dos conceitos matemáticos pelos
homens, mas somente ler essa história para as crianças não garante que elas compreendam
o processo de construção desse conceito.

Assim, torna-se necessário proporcionar situações em que as crianças conheçam essa


história e passem ou vivenciem as mesmas etapas de construção dos conceitos matemáticos
que a humanidade vivenciou, para que ela consiga atribuir significado a esse conceito,
compreendê-lo e aprendê-lo, ou seja, construí-lo.

O nosso sistema de numeração é decimal, quer dizer, baseado em agrupamentos de


10. Isto significa que a cada dez itens, troca-se por um item que tenha o valor 10: a cada dez
unidades, trocamos por 1 dezena.

Como já foi visto em aulas anteriores, quando o homem começou a quantificar e contar,
antes de existirem os números, ele iniciou esse processo fazendo correspondência um a um,
como na história dos pastores que, para fazer o controle de seu rebanho após deslocamentos,
utilizavam uma pedra para representar/corresponder cada animal.

Assim, quando o pastor saía pela manhã do local de descanso, colocava uma pedra
em um saco para cada animal que saía e carregava o saco cheio de pedras. Ao retornar, no
final do dia, para cada animal que entrava no local de descanso ele retirava uma pedra do
saco. Se sobrassem pedras, teria perdido algum animal pelo caminho. Mas em determinado
momento, ficou difícil e pesado carregar o saco de pedras. Então, o homem pensou em
maneiras de tornar o saco mais fácil de carregar e começou a experimentar a substituição
de uma quantidade de pedras por outro objeto: por exemplo, a cada dez pedras, o pastor
trocava-as por um graveto. Então, cada graveto passou a representar dez ovelhas e o pastor
conseguiu diminuir muito o volume e peso do saco de controle dos animais.

Esse é o mesmo princípio do nosso sistema de numeração decimal, mas que muitas
crianças não conseguem compreender, porque ela não vivenciou essa situação e nem atribuiu
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significado a essas trocas.

Como docentes, devemos proporcionar uma situação de aprendizagem em que, junto


com as crianças, tenhamos de realizar a contagem. Pode ser contar a quantidade de alunos
em sala de aula, mas com a condição de não utilizar os números. Pergunte às crianças como
isso é feito.

Num primeiro momento, dirão que não é possível contar sem os números, então
colocamos um desafio: “Será? Eu conheço um jeito, será que vocês conseguem descobrir?”

Elas irão começar a levantar hipóteses, sugestões diversas e junto com o grupo iremos
avaliar a viabilidade dessas proposições. Se ninguém levantar a questão, sugiro que utilizemos
um objeto para representar cada criança: bolinhas de gude, botões, tampinhas de garrafa,
um lápis, ou qualquer outro disponível em sala de aula, desde que sejam iguais.

Fazendo isso com um grupo de 20 a 30 crianças não ficaria tão difícil, mas e se fôssemos
contar a quantidade de crianças da escola inteira? Seriam necessários muitos objetos e ficaria
difícil de carregar, mais fácil de se confundir e perder a conta. Será que existe uma maneira
mais fácil sem se confundir ou perder a conta?

Se nenhuma criança tiver a ideia, então, pode-se propor: e se a gente trocar uma
quantidade de tampinhas de garrafa por um lápis, será que funciona? As crianças irão analisar,
testar e podem chegar à conclusão de que sim, é viável. Nesse momento, podemos fazer a
relação com o sistema de numeração decimal, permitindo à criança que atribua significado à
troca que fazemos na base 10 de nosso sistema de numeração: a cada 10 unidades, trocamos
por 1 dezena.

Dessa forma, utilizamos a história da matemática não somente para conhecer a evolução
do sistema de numeração decimal, mas criamos uma situação de aprendizagem a partir da
história da matemática, em que a criança revive essa história, atribui significado de modo a
não somente compreender, mas também construir essa ideia.

Tal situação vai ao encontro do que recomendam os Parâmetros Curriculares Nacionais


(1997, p. 46) ao entender que “o recurso à história da matemática pode esclarecer ideias
matemáticas que estão sendo construídas pelo aluno”.

Guimarães (2010, p. 32) também corrobora a recomendação dos PCN (1997) e o


nosso entendimento ao afirmar que “as crianças precisam ser incentivadas a reinventarem
a matemática para que esta possa realmente ter sentido para elas, conduzindo-as a uma
aprendizagem voltada para a compreensão”.

Cada vez que a criança tem oportunidade de vivenciar a construção de um conceito ou


ideia matemática, este processo se torna significativo e permite compreender sua lógica.
Assim, o aluno constrói um conhecimento sólido e, ao ser questionado, terá condições de
argumentar e defender seu pensamento, bem como relacioná-lo a outros saberes e construir

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Construção dos Conceitos Matemáticos

novos conhecimentos.

1.2 Instrumento de resgate e formação da identidade cultural


Ao conhecer histórias da matemática criadas e desenvolvidas por diferentes povos, o
aluno terá a oportunidade de observar as necessidades, os aspectos de cada cultura e poderá
estabelecer comparações entre os diferentes povos e os conceitos matemáticos criados por
eles.

Por exemplo, existem diferentes sistemas de numeração, e cada um foi criado a partir das
necessidades e dos conhecimentos de cada povo. Da mesma forma, a agricultura praticada
pelos maias, nos topos das montanhas dos Andes, era diferente do método utilizado pelos
egípcios às margens do rio Nilo.

O aluno só terá condições de estabelecer as diferenças e as marcas de cada cultura se


conhecer as histórias da matemática utilizadas por cada povo e compará-las. Essa atividade
demanda pesquisa, leitura, análise, observação de características, registro, comparação.

Tal atividade contribuirá para o resgate da identidade cultural de diferentes povos, mas
também para a criação da própria identidade cultural do aluno, porque ele irá conhecer
características da sociedade em que vive e poderá observar suas características, diferenciando-
se de outros povos.

1.3 Integração entre a matemática e outras disciplinas


O item anterior já apresentou outra contribuição de utilizar a história da matemática
como metodologia de ensino: a integração da matemática com outras disciplinas.

Ao estudar as histórias da matemática de diferentes povos, observam-se também outros


aspectos, como a temporalidade (estudada em história), a localização, área em que viveram
e desenvolveram suas atividades, bem como as características dessas regiões (estudadas
em geografia); o próprio contato com as informações escritas, seja em forma de artigo ou
narrativas literárias, permite o conhecimento de diferentes tipos de textos (estudados em
língua portuguesa).

O que dizer, então, das artes, da matemática presente nas obras, que permite sua
apreciação, e dos estudos de conceitos matemáticos ou conceitos matemáticos revelados
pela natureza, nas flores analisadas pelas ciências naturais e biológicas?

A história da matemática pode revelar sua conexão com várias áreas do conhecimento.

Dessa forma, é possível estabelecer relações entre a matemática e as outras disciplinas,


integrando-as nos saberes adquiridos pelos alunos e utilizados para a construção de

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Construção dos Conceitos Matemáticos

conhecimento ao considerar a história da matemática como metodologia de ensino.

1.4 Ferramenta motivadora para o ensino de matemática


A história da matemática pode ser convidativa e motivadora, pois envolve os alunos
em uma viagem por um mundo de imaginação e incentiva a pesquisa por saber mais sobre
determinado assunto, considerando que ele não é esgotado em um capítulo de livro didático.

Muitas vezes, a história da matemática retratada pelos livros didáticos é apresentada


sob a forma de um recorte simplista, apenas de caráter informativo de algum aspecto do
conhecimento matemático que não apresenta a riqueza da história, que não faz o aluno querer
saber mais sobre as pessoas apresentadas na história ou sobre o processo de construção de
tal conhecimento matemático. Nesse momento, o professor pode levar outras informações
sobre a história da matemática retratada pelo livro didático para seus alunos. Pode dispor de
livros paradidáticos, enciclopédias, pesquisas biográficas e pesquisas na internet.

A história da matemática pode ser utilizada como ponto de partida para motivar os alunos
a estudarem e pesquisarem sobre determinado tema ou conteúdo matemático. Apresentar
o prazer da leitura e da pesquisa para os alunos pode ser um bom começo, ou seja, mostrar-
se leitor e pesquisador pode despertar nos alunos a busca pelo conhecimento que se revela
através da história da matemática.

Como docentes, nossa responsabilidade é conhecer a história da matemática e utilizá-la


para promover um ensino significativo aos alunos, criar estratégias motivadoras, mostrar que
a matemática é uma construção humana em constante evolução e que os próprios alunos
podem fazer parte dessa construção.

2 Situações de aprendizagem utilizando a história da


matemática
A partir do entendimento de que a história da matemática pode ser utilizada como
processo de ensino e de aprendizagem, pode-se desenvolver algumas práticas:

• Leitura de livros paradidáticos

Os livros paradidáticos têm como objetivo aprofundar determinado assunto e, assim,


podem trazer várias histórias da matemática em linguagem acessível às crianças. Dessa forma,
esses livros podem ser utilizados desde a Educação Infantil.

• Contação e dramatização de histórias (da matemática)

A partir do conhecimento de uma história, é possível organizar com os alunos uma roda
de contação para as crianças, recontar as histórias, ou ainda preparar dramatizações.
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Uma pessoa reconta uma história porque se apropriou do enredo e se tornou capaz
de recriá-la. O mesmo ocorre com as crianças: para recontar ou dramatizar uma história da
matemática, elas precisam se apropriar da história, das ações e conceitos construídos durante
o processo histórico.

• Reconstrução dos processos históricos (vivência)

O professor também pode, utilizando seu conhecimento sobre a história da matemática,


convidar os alunos para vivenciarem a história da matemática.

Por exemplo, para chegar à definição do metro como unidade de medida linear padrão,
foi necessário um longo processo histórico. Em vez de apenas contar o processo, o professor
pode permitir aos alunos vivenciarem as etapas desse processo.

Proponha às crianças realizar a medição de algum móvel na sala de aula – ou a própria


área da classe – e pergunte aos alunos como é possível realizar essa ação.

Elas podem dizer que precisam de algo para medir. Incentive-as a utilizar partes do corpo:
braço, palmo, pés, passos, ou até o corpo inteiro. Deixe as crianças realizarem as medições
e anotarem seus resultados sem que os colegas vejam. Depois, compare os resultados da
medição. Espera-se que eles sejam diferentes, pois cada corpo tem uma medida distinta.

Prepare alguns instrumentos que podem ser utilizados para medir: barbantes, tira de
borracha, cabo de vassoura com diferentes tamanhos, fita métrica, régua, trena.

Apresente primeiro os instrumentos de medida não padronizados: barbante, tira


de borracha, cabo de vassoura e pergunte se esses instrumentos ajudam a medir de uma
maneira melhor do que usando as partes do corpo. Peça novamente aos alunos que anotem
os resultados sem que os colegas vejam. Faça uma discussão e socialização das medidas
encontradas pelos alunos.

Espera-se que hajam diferenças entre as medidas e dificuldade em comunicar essa


medida, principalmente quando se utilizam instrumentos semelhantes, porém com medidas
diferentes. Imagine isso em uma situação de comércio?

Por último, ensine como utilizar os instrumentos padronizados com unidades de medidas
iguais. Deixe que os alunos experimentem, façam as medições e registrem. Depois socializem,
conversem. Nesse momento, as medidas aferidas devem ser as mesmas. E sua comunicação
ficará mais fácil.

• Resolução de problemas históricos

A história da matemática revela problemas históricos e clássicos em sua literatura,


cujas resoluções trouxeram grandes contribuições e avanços para a matemática e para a
humanidade.

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Alguns deles podem ser propostos às crianças (respeitando-se o desenvolvimento


cognitivo) para a resolução coletiva, em duplas ou individualmente. A atividade relatada a
seguir pode ser desenvolvida com alunos do quarto ou quinto ano.

Um exemplo de problema histórico é encontrar um número perfeito. É


considerado número perfeito quando ele for igual à soma de seus divisores,
sem repetir nenhum.

No caso do número 28, seus divisores, excetuando ele mesmo, são: 1, 2, 4,


7 e 14, cuja soma é igual ao próprio número:

1 + 2 + 4 + 7 + 14 = 28

Existe outro número perfeito menor que 28? Aliás, é o primeiro número
perfeito que se conhece e possui apenas um algarismo. Será que você consegue
descobrir?1

Esse número, o 28, o 496 e 8.128 são os quatro primeiros números


perfeitos. Quem os descobriu foi o matemático Nicômaco de Gerasa, matemático
e filósofo da escola pitagórica, que viveu por volta do ano 100 d.C. em Alexandria,
onde hoje fica o norte do Egito.

• Pesquisa sobre os matemáticos da história (para alunos de 4º e 5º anos do Ensino


Fundamental).

Outra estratégia é propor pesquisas sobre os matemáticos que fizeram a história da


matemática: conhecer quem foram, quando e onde viveram e porque merecem destaque,
ou seja, o que fizeram em termos matemáticos para serem lembrados e destacados ao longo
da história da matemática e da humanidade.

Por exemplo, quando se ensina multiplicação e a seguir, a tabuada, pode-se iniciar o


trabalho com “tabela de Pitágoras”.

1 O primeiro número perfeito que se conhece é 6, pois a soma de seus próprios divisores é igual a esse número: 1 + 2 + 3 = 6.

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Figura 1 – Tabela de Pitágoras

X 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
1 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
2 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
3 3 6 9 12 15 18 21 24 27 30
4 4 8 12 16 20 24 28 32 36 40
5 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
6 6 12 18 24 30 36 42 48 54 60
7 7 14 21 28 35 42 29 56 62 70
8 8 16 24 32 40 48 56 64 72 80
9 9 18 27 36 45 54 63 72 81 90
10 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Fonte: Da autora (2014).

Nesse momento, é possível propor uma pesquisa para os alunos sobre quem foi Pitágoras,
em que região e época viveu esse importante matemático grego.

Considerações finais
Nesta aula, pudemos refletir que é possível utilizar a história da matemática como
processo de ensino e de aprendizagem e como essa estratégia contribui para que os alunos
possam compreender a lógica e o processo de construção das ideias matemáticas.

Além disso, contribuir para os alunos compararem características de diferentes povos


reveladas pela história da matemática e fazer um resgate da identidade cultural desses povos,
bem como da própria identidade.

A história da matemática ajuda a promover essa área de conhecimento com as outras


disciplinas e ainda pode servir como ferramenta motivadora para o ensino da matemática.

Vimos que algumas práticas podem ser desenvolvidas para promover o trabalho com a
história da matemática enquanto estratégia de ensino e de aprendizagem: promover a leitura
de livros paradidáticos; o reconto e a dramatização dessas histórias; a vivência dos processos
históricos registrados na história da matemática e ainda promover pesquisas sobre quem
foram e como viveram os matemáticos que fizeram parte da História da Matemática.

Assim, espera-se que os alunos possam compreendê-la como uma construção humana e
em constante transformação.

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Referências
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a
4ª séries): matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

GUIMARÃES, K. P. Desafios e perspectivas para o ensino da matemática. Curitiba: Ibpex, 2010.


Série: Matemática em Sala de Aula.

LUCHETA, V. O. J. Números perfeitos. IME-USP: 2000. Disponível em: <http://www.matematica.


br/historia/nperfeitos.html>. Acesso em: 08 maio 2014.

SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. (orgs.). Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para
aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2007.

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Aula 12
Literatura infantil em aulas de matemática

Objetivos Específicos
• Utilizar a literatura infantil para a construção de conceitos matemáticos.

Temas

Introdução
1 Relações entre a literatura infantil e a matemática e a formação de professores
2 A literatura infantil nas aulas de matemática
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
A presente aula tem como objetivo analisar o uso da literatura infantil para auxiliar o
aprendizado de conceitos matemáticos.

No primeiro item, analisaremos as relações entre literatura infantil e a matemática, bem


como as contribuições dessa relação.

Algumas práticas educativas para ensinar matemática a partir da literatura infantil serão
abordadas no segundo item.

1 Relações entre a literatura infantil e a matemática e a


formação de professores
Em aulas anteriores, analisamos as relações entre a língua materna e a linguagem
matemática e refletimos sobre como utilizar essas relações para promover aprendizado
matemático das crianças, mesmo daquelas que ainda não dominam a linguagem escrita e
ainda não se apropriaram da linguagem matemática.

Estudamos também as relações entre a língua materna e a resolução de problemas, e


muitas vezes, o que aparentemente se apresenta como uma dificuldade matemática, por não
conseguir que uma criança resolva determinada situação problema, na verdade pode ser
dificuldade em interpretar a linguagem utilizada no enunciado.

Nessa aula, a língua materna volta a ser objeto de nossa atenção, mas o enfoque será a
literatura infantil. Realizaremos uma análise para verificar o seu potencial de colaboração no
aprendizado de conceitos matemáticos.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) falam da importância de tornar o


conhecimento matemático formalizado acessível aos estudantes por meio da comunicação
direta e que essa ação implica em rever as práticas educativas.

Nesse sentido, Smole et al. (2007, p. 2) afirmam que integrar a literatura infantil e
matemática representa mudança em relação ao ensino tradicional pois, “em atividades desse
tipo, os alunos não aprendem primeiro a matemática para depois aplicar na história, mas
exploram a matemática e a história ao mesmo tempo”.

Concordo com as autoras quando afirmam que por meio do contato com a literatura
infantil as crianças podem ir aprendendo tanto a língua materna como a matemática. Não é
preciso necessariamente aprender uma para depois aplicar a outra, mas é possível aprender
ambas juntas, no contato com a literatura infantil.

Para que essa concepção seja adotada pelos professores, é necessário primeiro que o
professor goste de ler e conheça o material, a história. Depois, é preciso levar o livro para os
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alunos terem contato, observar, manusear, escutar a história (se ainda não souberem ler), ver
as imagens conforme a história é contada e ler.

Com essa atitude, o professor irá criar condições para os alunos se apropriarem da
história. Esse ponto é fundamental, pois somente a partir da apropriação da história é que
pode-se propor sua exploração para estudar a língua materna e a matemática contida na
história.

Ao mudar sua concepção, o professor consegue modificar também suas práticas e, dessa
forma, a atividade docente passa a contribuir para que:

[...] habilidades matemáticas e de linguagem desenvolvam-se juntas enquanto os


alunos leem, escrevem e conversam sobre as ideias matemáticas que vão aparecendo
ao longo da literatura. É nesse contexto que a conexão da matemática com a literatura
infantil aparece. (SMOLE, et al., 2007, p. 3)

Os livros de literatura infantil podem ser complementares ao material tradicionalmente


utilizado para o ensino da matemática e utilizados em trabalhos individuais ou em grupos.
Recomenda-se utilizá-los porque ajudam a criar um contexto em que a matemática esteja
presente de uma forma mais natural. Nesse contexto, é mais fácil atribuir significados à
matemática e compreendê-la.

Mas as autoras alertam: nem todo livro de literatura infantil deve ser explorado
matematicamente, pois somente algumas histórias foram escritas com esse objetivo. O
propósito principal dos escritores de literatura infantil é fazer seus leitores viajarem por um
mundo mágico e despertar o prazer de ler.

Para o trabalho com a literatura infantil nas aulas de matemática deve-se utilizar livros
que permitem diferentes aprendizagens matemáticas.

Podemos encontrar quatro tipos de livros, segundo Smole et al. (2007):

1. Livros de contagem e de números;

2. Livros com histórias variadas;

3. Livros conceituais;

4. Livros de charadas.

1.1 Tipos de livros de literatura infantil para o ensino da matemática


• Livros de contagem e de números:

Permitem a exploração de ideias e conceitos matemáticos ligados à contagem, aos

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sistemas de numeração e às operações matemáticas com os números. Abordam, entre outros


conceitos, a ideia de número e a sua formação, o valor posicional, a leitura e a escrita.

Exemplos de livros de contagem e de números: O livro de números de Marcelo, de Ruth


Rocha; A revolta dos números, de Odett B. Mott; e a coleção Histórias de contar, de Nilson
José Machado.

• Livros com histórias variadas:

Possuem fábulas, contos folclóricos, contos de fada ou outras histórias que inicialmente
não foram escritas com objetivo de abordar temas matemáticos, embora o façam de maneira
indireta ou direta e geralmente não foram escritos por matemáticos.

Exemplos de livros com histórias variadas: O lobo e os sete cabritinhos, dos Irmãos
Grimm; O pequeno polegar, de Charles Perrault; Farra no formigueiro, de Liliana Iacocca e
Michele Iacocca; e A fábula das três cores, de Ziraldo.

• Livros conceituais:

São pensados e escritos para explorar ideias matemáticas e também conceitos de outras
áreas que permitem uma ligação com os conteúdos matemáticos.

Seus enredos são apresentados de forma que encantam o leitor e o fazem querer saber
ainda mais sobre o assunto.

Exemplos de livros conceituais matemáticos: As formas e as cores, de Elisabeth Bosetti e


Simone Goufier; Polígonos, centopeias e outros bichos, de Nilson José Machado, e Depende
do ponto de vista, de Clélia Isolani e Cláudia Siedel.

Exemplos de livros conceituais de outras áreas que permitem ligação com a matemática:
Aventuras de uma gota d’água, de Samuel M. Branco, e Uma teia alimentar, de Neide S.
Matos.

• Livros de charadas:

Reúnem diversas charadas e atividades que propiciam o desenvolvimento de habilidades


matemáticas como previsão, levantamento de hipóteses, verificação, desenvolvimento de
linguagem matemática e de raciocínio lógico-matemático.

Exemplos de livros com charadas: Vivendo a matemática: problemas curiosos, de Luiz


Imenes, e O que é, o que é?, de Ruth Rocha.

2 A literatura infantil nas aulas de matemática


Neste tópico, pretende-se abordar algumas práticas educativas para ensinar matemática
a partir da literatura infantil. Discutiremos basicamente duas práticas: de leitura, interpretação
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e exploração; e de produção de textos.

2.1 Práticas de leitura, interpretação e exploração


Vamos analisar uma proposta de trabalho de leitura, interpretação e exploração do livro
As três partes, de Edson Luiz Kozminski.

O livro narra a história de três partes, três figuras geométricas que formavam uma casa,
se desmancharam, formaram outras figuras, viveram muitas aventuras até se tornar casa
outra vez.

Figura 1 – Casa das três partes

Fonte: Da autora (2014).

A figura 1 mostra a casa da história das três partes e ao lado, as três partes soltas.

Trata-se de uma história do tipo variada, pois não explora diretamente um conceito
específico, apenas brinca com três partes que assumem várias formas ao longo da história, se
encantam com uma vovó e decidem presenteá-la e morar com ela. Apaixonante!

A primeira etapa é fazer a leitura da história, que pode ser usada desde a Educação
Infantil. Antes de ler o enredo, você pode apresentar as figuras das páginas e perguntar se as
crianças sabem dizer qual figura é aquela.

Deixe-as falaram, levantarem palpites, usarem a imaginação e a criatividade. Esse


momento será um convite para que as crianças tenham vontade de saber o que acontece
com essas figuras.

Depois inicie a leitura. Aos poucos, o enredo será revelado e confirmará ou não as
hipóteses levantadas inicialmente pelas crianças. É uma festa quando elas descobrem que

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acertaram a figura.

Ao final da leitura, faça a exploração da história perguntando aos alunos sobre as


personagens – as figuras – sobre o que aconteceu com elas, sobre o final da história. Aproveite
a discussão para fazer as crianças recontarem a história. Isso as ajudará a se apropriar da
trama.

Inicie a exploração matemática, leve algumas figuras geométricas recortadas em papel-


cartão, entre elas as três partes da história, e pergunte às crianças se elas reconhecem quais
foram as figuras da história.

Entre as três partes para grupos de crianças, desafie-as a reproduzirem algumas figuras.
Caso elas não se lembrem, mostre as silhuetas das figuras para elas tentarem sobrepor as
peças, como mostra a figura 2.

Figura 2 – Silhuetas de figuras da história das três partes

Fonte: Da autora (2014).

Nessa figura, é possível observar a silhueta das figuras da história e tentar sobrepor as
três partes para descobrir em que posição está cada parte.

A seguir, pergunte se alguém consegue formar outra figura com as três partes. As
possibilidades são muitas.

Depois, pergunte se os alunos sabem como se chama cada uma das partes. Trata-se de
dois triângulos e um trapézio. Pode ser que nem todas as crianças conheçam um trapézio.

Nesse momento tem início a exploração matemática.

Peça aos alunos para observarem as características dessas figuras: todas têm pontas,
cantos, que são chamados de ângulos.

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Os triângulos são compostos por três lados e três pontas, três ângulos que dão nome à
figura: três ângulos = triângulo. Podemos fazer uma analogia com a estrutura da formação da
palavra: é a mesma de “tricampeão”, que significa três vezes campeão.

O trapézio possui quatro lados e quatro pontas, quatro ângulos. É possível observar que
ele tem dois lados opostos paralelos, um menor e outro maior. Vemos também que dois lados
possuem medidas iguais.

Podemos ainda desafiar os alunos a construírem outras figuras geométricas com os dois
triângulos. Nesse caso, podemos ter: um retângulo, um paralelogramo e outro triângulo,
conforme mostra a figura 3:

Figura 3 – Figuras geométricas formadas por triângulos

Fonte: Da autora (2014).

Explore as características dessas formas geométricas, como o número de lados e de


pontas (ângulos).

A origem do nome é semelhante à do triângulo, pois o retângulo é formado por quatro


ângulos retos, ou seja, um retângulo.

Pode-se ainda propor a exploração da medida dos lados das figuras. No caso apresentado,
as figuras são formadas por triângulos-retângulos que possuem medidas de lados diferentes.

Proponha aos alunos imaginar se os triângulos tivessem os lados com a mesma medida.
Pergunte se seria possível formar as mesmas figuras.

Leve os triângulos que tenham lados com a mesma medida recortados em papel-cartão
e deixe os alunos compararem com as outras partes e formarem figuras. A única diferença
além das medidas será a substituição do retângulo pelo quadrado – que é um caso particular
do retângulo, porque tem todos os lados com a mesma medida.

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Essa é uma proposta de explorar conceitos geométricos: figuras, formação de figuras,


número de ângulos e lados a partir de uma história infantil que inicialmente não foi pensada
para esse tipo de exploração, mas que permite aprendizagem de conceito matemático e de
linguagem matemática.

2.2 Práticas de produção de texto


Agora, vamos discutir possibilidades de produção de histórias infantis que podem ter
ligação com a matemática.

Para chegar à produção é necessário... saber escrever? Nem sempre, pois o professor
pode se tornar um escriba. Para produzir, é necessário saber o que é uma história, ter tido
contato com muitas histórias, por isso é importante que o professor seja exemplo de leitor e
estimule a leitura diária a fim de repertoriar as crianças.

Sabendo o que é uma história, e dependendo do tema que se deseja abordar, o professor
pode fazer uma seleção de livros com histórias infantis e ler uma por dia para as crianças.

Escolha algumas das histórias lidas para serem analisadas: observar como eram as
personagens, o que elas faziam, o que acontecia com elas nas histórias, o que as histórias
podem ensinar sobre a matemática...

Geralmente, os livros do tipo de contagem e de números são mais fáceis de serem


explorados e produzidos. Podemos citar como exemplo os livros da coleção Histórias de
contar, de Nilson José Machado. Alguns títulos são:

• O pirulito do pato (conta uma história de divisão);

• Contando de um a dez (números);

• Amigos para ler e contar (números e alfabetos);

• Contando com o relógio (contagem e medida de tempo).

• Vamos utilizar um desses títulos como inspiração: O pirulito do pato.

Essa história aborda a divisão de uma maneira simples com a divisão de um pirulito,
sempre em partes iguais, e a exploração da representação fracionária de meio até um sexto.

A proposta a ser apresentada destina-se a alunos de quarto e quinto anos do Ensino


Fundamental.

Após a leitura e exploração da história, pergunte aos alunos se eles já vivenciaram


situações semelhantes, nas quais tiveram de dividir seus bens em algum momento de suas
vidas, ou se viram envolvidos em alguma situação que os obrigou a realizar um cálculo.

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Provavelmente a resposta de muitos deles será positiva!

Converse com os alunos e escolha uma situação vivida para ser escrita em forma de
história. Pode ser uma produção em duplas, na qual um escreve e o outro dita, assim, terão
que negociar como será a história.

Oriente os alunos para que, durante a narrativa, a situação matemática seja demonstrada
com exemplos, como foi feito no livro O pirulito do pato.

Outra forma de incentivar os alunos a produzirem histórias com conteúdos matemáticos


é propor uma situação, iniciar o enredo e pedir aos alunos para continuar a narrativa. Vivenciei
essa experiência com alunos do quarto ano do Ensino Fundamental.

Estávamos estudando geometria com o tangram e entre outras atividades,


conhecemos uma das lendas que conta a origem desse antigo quebra-cabeças
chinês.

Conta a lenda que um jovem chinês despedia-se de seu mestre, pois iniciara uma
grande viagem pelo mundo. Nessa ocasião, o mestre entregou-lhe um espelho de
forma quadrada e disse:

‒ Com esse espelho você registrará tudo que vir durante a viagem, para mostrar-me
na volta.

O discípulo, surpreso, indagou:

‒ Mas mestre, como, com um simples espelho, poderei eu lhe mostrar tudo o que
encontrar durante a viagem?

No momento em que fazia esta pergunta, o espelho caiu-lhe das mãos, quebrando-se
em sete peças.

Então o mestre disse:

‒ Agora você poderá, com essas sete peças, construir figuras para ilustrar o que viu
durante a viagem. (USP, LABMAT, 1999)

A partir dessa lenda e de algumas figuras com tangram já criadas, propus


aos alunos continuarem a história. A turma produziu um texto coletivo para
mostrar figuras que podem ser formadas com as peças do tangram:

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Então, o jovem pegou seu BARCO e iniciou a viagem. Viajou... viajou... e pelos lugares
que passou registrou o que viu de mais belo. Observou diferentes CONSTRUÇÕES
feitas pelos seres humanos e conheceu muitos animais: CANGURU, COELHOS, GATOS,
CISNE, PATO e um CACHORRO, que se tornou seu companheiro. Se encantou com os
PEIXES no mar e com os PÁSSAROS no céu e ficou deslumbrado com as PLANTAS na
terra. Ao retornar de sua viagem, o JOVEM CHINÊS havia aprendido que a beleza do
mundo está na diversidade e no respeito à vida. (BERTUCCI, 2009, p. 8).

Os alunos continuaram a história mostrando as possibilidades de formação


de imagens com figuras geométricas.

Considerações finais
Nessa aula, pudemos analisar como a literatura infantil pode contribuir para o aprendizado
matemático, além de conhecer os tipos de livros apropriados para esse trabalho.

Vimos também possibilidades de exploração de literatura infantil nas aulas de matemática,


colocando os alunos ora na posição de leitores, ora na posição de escritores.

Referências
BERTUCCI, M. C. S. B. Leitura, escrita e geometria: possibilidades do uso do tangram em sala
de aula. 17º Congresso de Leitura do Brasil: Campinas, 2009.

BOSETTI, E. As formas e as cores. São Paulo: Scipione, 1997.

BRANCO, S. M. Aventuras de uma gota d’água. São Paulo: Moderna, 2011.

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a


4ª séries): matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

IACOCCA, L.; IACOCCA, M. Farra no formigueiro. São Paulo: Ática, 1999.

IMENES, L. M. Vivendo a matemática: problemas curiosos. São Paulo: Scipione, 1999.

ISOLANI, C. M. M.; SIEDEL, C. Depende do ponto de vista. São Paulo: Editora do Brasil, 1991.

KOZMINSKI, E. L. As três partes. 12 ed. São Paulo: Ática, 2009.

LENDA DO TANGRAM. Disponível em: <http://paje.fe.usp.br/~labmat/edm321/1999/geometr/


tangram.html>. Acesso em: 08 maio 2014.

MACHADO, N. J. A peteca do pinto. São Paulo: Scipione, 2003. 5 ed. Coleção Histórias de Contar.

______. Amigos para ler e contar. São Paulo: Scipione, 2005. Coleção Histórias de Contar.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

______. Brincando com o espelho. São Paulo: Scipione, 2004. Coleção Histórias de Contar.

______. Contando com o relógio. 6 ed. São Paulo: Scipione, 2003. Coleção Histórias de Contar.

______. Contando de um a dez. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2008. Coleção Histórias de Contar.

______. O pirulito do pato. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2008. Coleção Histórias de Contar.

______. Polígonos, centopeias e outros bichos. São Paulo: Scipione, 1995.

MATTOS, N. S. Uma teia alimentar. São Paulo: FTD, 1988.

MOTT, O. B. A revolta dos números. São Paulo: Paulinas, 2007.

OLIVEIRA, A. O lobo e os sete cabritinhos (Irmãos Grimm). São Paulo: Moderna, 2010.

PERREAULT, C. O pequeno polegar. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2004.

ROCHA, R. O livro de números de Marcelo. 5 ed. São Paulo: Salamandra, 2013.

______. O que é, o que é? São Paulo: Scipione, 1995.

SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. (orgs.). Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para
aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2007.

SMOLE, K. S. et al. Era uma vez na matemática: uma conexão com a literatura infantil. São
Paulo: CAEM/USP, 2007.

ZIRALDO. A fábula das três cores. 29 ed. São Paulo: Melhoramentos, 2011.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Aula 13
Processo de ensino e aprendizagem dos conceitos
matemáticos: cálculo mental, utilização de jogos e uso de
materiais manipuláveis.

Objetivos Específicos
• Compreender como o desenvolvimento do cálculo mental, os jogos e
o uso de materiais manipuláveis favorecem a construção de conceitos
matemáticos.

Temas

Introdução
1 O cálculo mental
2 Os jogos na aprendizagem dos conceitos matemáticos
3 A utilização de recursos manipuláveis
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
Essa aula analisa o cálculo mental e a utilização de jogos e recursos manipuláveis no
ensino da matemática. Assim, o texto foi dividido em três partes.

A primeira discorre sobre o cálculo mental, suas potencialidades e sua utilização na vida
real e nas escolas, bem como a relação com a resolução e anuncia a relação com os jogos,
tratada na segunda parte do texto.

Além da relação com o cálculo mental, o texto explora o potencial dos jogos para o
ensino da matemática na escola e apresenta algumas sugestões de jogos e do seu potencial
a ser explorado.

A terceira parte apresenta a contribuição do uso de recursos manipuláveis para a


construção de conceitos matemáticos.

1 O cálculo mental
O cálculo aritmético, geralmente utilizado de modo escrito no ensino escolar da
matemática, pode ser realizado também “de cabeça”. Quando isso acontece, dizemos que se
trata do cálculo mental.

O cálculo mental tem sido pouco utilizado no ensino tradicional de matemática. Uma aula
tradicional tem a apresentação da definição de um conceito, demonstração de um exercício-
modelo, aplicação do modelo em uma lista de exercícios, tudo registrado por escrito. Os
cálculos são realizados de forma escrita, utilizando uma técnica que pode ser o algoritmo (a
famosa “continha”), uma expressão matemática ou uma fórmula.

Porém, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1997) afirmam que o cálculo mental
é a base do cálculo aritmético utilizado no cotidiano, no dia a dia das pessoas, que nem
sempre dispõem de lápis e papel para registrar o algoritmo e efetuar o cálculo.

Por exemplo, ao fazer compras, geralmente a pessoa calcula o valor mentalmente, e de


maneira aproximada, para saber se não irá ultrapassar a quantia que possui. Ou ainda, em
algumas situações calculamos mentalmente o valor de um troco a ser devolvido para conferir
se não recebemos valor a menos (e nem a mais) do que o devido.

Assim, os PCN (1997) recomendam que o cálculo mental seja explorado concomitantemente
com o cálculo escrito durante o ensino escolar da matemática.

Por exemplo, pode-se pedir que os alunos estimem o resultado de um cálculo antes de
escrevê-lo. Socialize algumas estratégias e depois registre o cálculo. Dessa forma, o exercício
do cálculo mental pode se tornar uma estratégia de controle do cálculo escrito.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

A estratégia de controle serve como guia, de modo a analisar se o resultado é possível


ou não, se está correto ou não. Quase não percebemos, mas situações como essa acontecem
frequentemente. Uma pessoa que usa a calculadora para saber o valor das parcelas em um
financiamento, pode, por engano, apertar a tecla de multiplicação do aparelho e, ao invés
de diminuir o valor – supondo que se o valor total for dividido em parcelas, cada uma deve
ser menor que o valor total – ele aparece maior do que o total. Nesse caso, a pessoa realiza
o cálculo e a operação novamente, porque o cálculo mental que realizou ofereceu uma
estimativa de parcela menor que o valor final.

Outra sugestão de trabalho com o cálculo mental é apresentada por Viana, Lopes e Viana
(2005), ao indicar a disposição horizontal dos cálculos escritos:

35 + 17 =

Sem a opção de “armar a conta”, o aluno começa a desenvolver estratégias de resolução:

a. 35 + 10, que resulta em 45, + 7 = 52

b. 30 + 10, que resulta em 40, + 5 = 45 e + 7 = 52

c. c) 30 + 10, que resulta em 40; 5 + 7 que resulta em 12; logo 40 + 12 = 52

Essas estratégias não precisam ser necessariamente escritas em todas as situações.


Nas primeiras vezes em que forem propostas, podem ser somente discutidas, socializadas,
apresentadas oralmente.

Se a apresentação oral não for compreendida por todos os alunos, pode-se então utilizar
o registro escrito de diferentes formas: como cálculo horizontal (apresentado acima), como
esquema numérico ou descrevendo-o com palavras.

Exemplo de esquema numérico:

Exemplo de descrição com palavras:

“Somam-se as dezenas trinta mais dez, que é igual a quarenta. Depois, somam-se as
unidades, cinco mais sete é igual a doze. Por último, somam-se os dois resultados: quarenta
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Construção dos Conceitos Matemáticos

mais doze é igual a cinquenta e dois.”

Podemos observar nos exemplos apresentados outra potencialidade do cálculo mental:


o desenvolvimento conceitual da matemática. Ficam em evidência as propriedades dos
números e das operações.

Com a decomposição dos números, no exemplo, o dezessete é decomposto em uma


dezena e sete unidades e temos a decomposição do trinta e cinco em três dezenas e cinco
unidades. Isso revela uma das características do sistema de numeração decimal: a base dez,
ou seja, o agrupamento de dez em dez, como estudamos anteriormente.

Acredito que você deve se lembrar de exercícios para decompor os números nas aulas de
matemática que teve no Ensino Fundamental. Eu me lembro. Eram listas longas de números
que tínhamos de decompor em suas ordens. Eu fazia, procurava entender a lógica do exercício
para não errar mas não compreendia como aquilo me fazia aprender matemática e muito
menos como utilizar esse conhecimento.

Em uma situação de cálculo mental, faz todo sentido decompor o número. Cria-se um
contexto natural e favorável à decomposição de número em suas ordens e a atividade torna-
se significativa.

Quanto à propriedade das operações, podemos aplicar diretamente a propriedade


comutativa, quando não importa a ordem das parcelas, pois tanto faz somar 35 + 17 como
somar 17 + 35.

Ao decompor os números, podemos aplicar outra propriedade da adição, a propriedade


associativa, pois é possível somar (35 + 10) + 7 = 52 e 35 + (7 + 10) = 52.

O estudo das propriedades acontece de forma contextualizada, no qual o aluno tem a


oportunidade de observar regularidades, fazer deduções e construir o conceito, a propriedade.
Repare que esse é o caminho inverso do ensino tradicional da matemática e coloca o aluno no
centro do processo de ensino, num papel ativo de reflexão.

As diferentes maneiras de calcular proporcionadas pelo cálculo mental são ressaltadas


como aspecto positivo e necessário ao ensino da matemática pelos PCN (1997, p. 117):

O cálculo mental apoia-se no fato de que existem diferentes maneiras de calcular


e pode-se escolher a que melhor se adapta a uma situação, em função do cálculo
constituir-se um problema aberto que pode ser solucionado de diferentes maneiras,
recorrendo-se a procedimentos originais para chegar ao resultado.

A multiplicidade de estratégias de resolução do cálculo proposto pode ser trabalhada


junto com a metodologia de resolução de problemas, pois torna-se um problema aberto e
oferece ao aluno a possibilidade de exploração matemática do cálculo aritmético.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Outro recurso usado para explorar o cálculo mental são situações de jogos nas aulas de
matemática, como veremos mais adiante. Guimarães (2010, p. 94) destaca, ainda, que “o uso
de jogos é um recurso favorável ao trabalho com cálculo mental”.

As situações de jogos e de resolução de problemas com o cálculo mental favorecem a


compreensão de significado pelos alunos e, dessa maneira, auxilia a construção de conceitos
matemáticos. São recursos que o professor pode lançar mão para valorizar o pensamento
do aluno, a reflexão sobre a matemática e não apenas a utilização da técnica algorítmica
memorizada e descontextualizada.

2 Os jogos na aprendizagem dos conceitos matemáticos


Os jogos no ensino da matemática desempenham papel importante reconhecido por
pesquisadores como Guimarães (2010), Brenelli (1996) Macedo, Petty e Passos (2005) e pelos
documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997).

Os PCN (1997) consideram o jogo um objeto sociocultural, no qual a matemática se faz


presente, pois se trata de uma atividade natural do ser humano ao longo do desenvolvimento
de processos psicológicos básicos e do pensamento lógico-matemático.

Ao longo desse desenvolvimento, é possível reconhecer três tipos de jogos vivenciados


pelas crianças:

• Os jogos de exercício, geralmente praticados por crianças pequenas cujo


desenvolvimento se encontra na fase sensório-motora. São ações que elas repetem
sistematicamente com um sentido funcional, geram satisfação e ajudam na formação
de hábitos, como brincar de abraçar, pular, correr. Também é possível encontrar esse
tipo de ação na vida adulta, como aprender a andar de bicicleta ou a dirigir.

• Os jogos simbólicos auxiliam na assimilação da realidade e no aprendizado da leitura e


interpretação de símbolos e no desenvolvimento do pensamento por analogia. Os jogos
de faz de conta, como brincar de casinha, de professor e aluno, de princesa e outros
personagens do mundo imaginário ou papéis sociais do mundo real, caracterizam-se
como simbólicos porque permitem às crianças imitarem comportamentos do mundo
social, compreender os papéis e linguagens neles utilizados e as convenções sociais.

• Entre os jogos de regras estão o xadrez, futebol, esportes em geral que possuem
regras e devem ser respeitadas, e se apresentam como situações mais complexas às
crianças.

Em geral, o jogo se apresenta como um espaço de reflexão e desafio que pode gerar
muito interesse em sala de aula, sendo recomendado pelos PCN (1997) com a ressalva de
que cabe ao professor analisar e avaliar a potencialidade educativa e os conteúdos a serem
abordados com cada jogo.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Guimarães (2010) considera que o jogo deve ser um recurso a mais nas aulas de
matemática, valorizando o processo de ensino e de aprendizagem e permite que o aluno
vivencie esse processo, construa conceitos e conhecimentos na interação com os colegas.

A seguir, vamos conhecer alguns jogos e analisar as potencialidades de sua utilização no


ensino da matemática.

2.1 Jogo “pega-varetas”


Situações de aprendizado matemático a partir do jogo “pega-varetas” foram alisadas por
Macedo, Petty e Passos (2005).

O jogo é divertido e adaptável a várias faixas etárias. O objetivo é fazer o maior número
de pontos pegando varetas. É composto por 41 varetas de cores e pontuações variadas:

10 varetas amarelas com valor de 5 pontos cada;

10 varetas verdes com valor de 10 pontos cada;

10 varetas azuis com valor de 15 pontos cada;

10 varetas vermelhas com valor de 20 pontos cada; e

1 vareta preta com valor de 50 pontos.

Figura 1

Para começar o jogo, basta reunir os participantes em um círculo. Um deles segura as


varetas todas juntas “em pé” e depois as solta. Elas caem espalhadas e inicia-se o desafio:
retirar as varetas uma de cada vez sem que nenhuma outra, a não ser aquela escolhida e
tocada pelo participante para ser retirada, seja movimentada.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Se o participante conseguir retirar a vareta com sucesso, ele continua jogando. Se ele
movimentar qualquer outra, passa a vez para outro participante. Ao final, quando todas as
varetas foram coletadas, somam-se os valores e quem fizer a maior pontuação vence.

Podem ser explorados cálculos aditivos e multiplicativos. Se um participante A conseguiu


pegar três varetas azuis, cinco varetas amarelas, uma vareta vermelha e cinco varetas verdes,
qual foi a pontuação obtida? São duas as possibilidades de cálculo:

Cálculo aditivo: 15 + 15 + 15 + 5 + 5 + 5 + 5 + 5 + 20 + 10 + 10 + 10 + 10 + 10

Cálculo aditivo e multiplicativo: 15 x 3 + 5 x 5 + 20 + 5 x 10

Atente para o fato de que o próprio sistema de numeração decimal possui os princípios
aditivos e multiplicação para a composição dos números. Assim, retomamos uma propriedade
do SND.

Pode-se ainda propor comparações entre as pontuações dos participantes: quem fez
mais pontos, o participante A ou o participante B, que conseguiu pegar a vareta preta, 5
varetas amarelas, uma vareta vermelha, duas varetas azuis e duas varetas verdes?

Os alunos, às vezes, podem se surpreender, pois mesmo com a vareta preta que possui o
maior valor, o participante B não conseguiu somar mais pontos que o participante A.

Outra atividade interessante é pedir aos alunos que troquem as varetas entre si, mas
mantendo o mesmo valor: por exemplo, quem for trocar a vareta preta, deverá receber quais
varetas para ter o valor equivalente? As possibilidades são muitas.

Pode-se ainda diminuir o valor das varetas, de forma proporcional, para trabalhar com
crianças de 4 a 5 anos, segundo sugestão de Guimarães (2010). Basta dividir o valor das
varetas pelo máximo divisor comum, no caso, o número 5. Assim teremos:

Varetas amarelas: 5 ÷ 5 = 1

Varetas verdes: 10 ÷ 5 = 2

Varetas azuis: 15 ÷ 5 = 3

Varetas vermelhas: 20 ÷ 5 = 4

Vareta preta: 50 ÷ 5 = 10

Os cálculos serão mais fáceis, favorecendo ainda mais o cálculo mental.

Segundo Macedo, Petty e Passos (2005), para jogar bem o pega-varetas os alunos
precisarão desenvolver habilidades de organização e planejamento, antecipação de ações e
respeito às regras, desenvolvendo o raciocínio lógico-matemático.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

2.2 Jogo “batalha”


Muito utilizado por professores dos anos iniciais, o jogo “batalha” faz os alunos refletirem
sobre a leitura dos números, as ordens e os valores posicionais, por exemplo.

Utilizam-se as cartas numéricas de um baralho até 9 com o ás valendo 1 ou fichas numeradas


de 1 a 9 com algarismos. Pode ser jogado por dois, três ou até quatro participantes. As cartas
são divididas igualmente entre os participantes, formando um monte com os números virados
para baixo. O jogo inicia-se quando a um sinal todos os participantes viram uma carta. Eles
têm de comparar, analisar quem tirou o maior (ou o menor) número e justificar sua resposta.
Aquele que vencer a rodada leva as cartas viradas de todos os participantes. Ganha o jogo
quem tiver mais cartas quando todas forem viradas e comparadas.

Em um segundo momento, o baralho é substituído por fichas numeradas de 0 a 31


(números com os quais as crianças geralmente têm contato em calendários). O jogo continua
o mesmo. O importante é o espaço para pensar, para comparar, analisar e refletir sobre os
números de maneira significativa para a criança.

Em uma variação do jogo, a “batalha de composição”, utilizam-se as fichas numeradas


de 0 a 9, e cada participante deve virar duas ou três cartas – isso vai depender da ordem que
está sendo trabalhada. Se virar duas cartas, as dezenas serão analisadas; se virar três cartas,
as centenas estarão em pauta.

Ao virar duas cartas, os alunos devem formar o maior número possível com aquelas duas
cartas, dizer qual é o número, comparar com o número formado pelos colegas, dizer qual é
o maior e justificar. Novamente, após esse momento, ganha o jogo quem tiver mais fichas
depois que todas forem viradas.

Esse jogo contribui para o aprendizado matemático porque os alunos devem pensar nos
critérios que devem utilizar para compor o maior número possível com as duas ou três fichas
que possuir.

Inicialmente, o professor pode levantar uma série de questionamentos:

• Por exemplo, se o aluno virar as fichas 2 e 7, que número ele pode formar?

• Se colocar as fichas na ordem em que apareceu o 27, que número foi formado?

• E se inverter a ordem dos algarismos, o número continua o mesmo?

• Como se chama esse número: 72?

• Quanto vale o 2 em cada número? Quanto vale o 7?

• Quanto vale 27? Você consegue demonstrar a quantidade com tampinhas plásticas?
(ou qualquer outro conjunto de objetos que possa ser contado)
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Construção dos Conceitos Matemáticos

• Qual desses números é o maior? Por quê?

Com as fichas 2 e 7 o aluno tem duas possibilidades de formação de número: o 27 ou o


72. Repare que os algarismos não mudaram, mas quando se modifica a posição, altera-se o
valor e o próprio número.

Dessa forma, o aluno exercita a leitura do número, a análise do valor posicional, a


quantidade representada por cada número e vai construindo seus conhecimentos sobre o
sistema de numeração decimal.

Assim, o jogo apresenta “situações problema significativas que desafiam o pensamento


da criança, desencadeando os processos de equilibração responsáveis pela construção de
novos conhecimentos” (GUIMARÃES, 2010, p. 128).

2.3 Jogo scopa


Outro jogo que pode ser utilizado para ensinar matemática e trabalha com cálculo
mental de adições é uma adaptação do jogo de cartas Scopa, original da Itália, que pode ser
trabalhado nos três primeiros anos do Ensino Fundamental.

Nessa adaptação escolar, utilizam-se as cartas de 1 (ás) a 10 do baralho. Misturam-se


as cartas e distribuem-se três cartas para cada jogador. O número de pessoas varia de dois a
quatro jogadores. Colocam-se quatro cartas na “mesa” com os números virados para cima.

O objetivo do jogo é somar quinze. Quem conseguir, combinando uma das cartas de sua
mão com uma ou mais cartas da mesa, leva as cartas. Se nessa combinação o jogador levar
todas as cartas da mesa, ele faz uma “scopa”. Cada scopa vale três pontos na contagem final.
O próximo jogador tem apenas a opção de colocar uma carta na mesa. Quando o jogador,
porém, não consegue fazer nenhuma combinação que some quinze, ele deve deixar uma
carta na mesa e a rodada continua com o próximo jogador.

Quando acabarem as cartas da mão, distribuem-se novamente três cartas para cada
jogador e repete-se o procedimento até acabarem as cartas. Cada jogador conta os pontos
que fez. Cada carta vale um ponto e cada scopa, três pontos. Ganha o jogo quem tiver mais
pontos ao final.

Se na mesa estiverem as cartas 2, 3, 5 e 8 e se em sua mão o jogador tiver as cartas 2, 10


e 3, ele pode escolher a carta 10 para formar quinze com as cartas da mesa de duas formas
diferentes:

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Construção dos Conceitos Matemáticos

a. 10 + 5, ou

b. 10 + 3 + 2

Mas se na mesa estivessem as cartas 2, 3, 5 e 9 e na mão do jogador estivessem as cartas


1, 10 e 6, ele teria mais opções, além das duas já citadas para somar quinze:

c. 6 + 9

d. 1 + 9 + 5

Atente para os cálculos mentais que as crianças fizeram. Isso também ajuda a memorizar
somas exatas de dez (fatos básicos da adição1) e ampliar para a soma quinze. Isso futuramente
ajudará a resolver outros cálculos com maior agilidade.

Esse jogo oferece várias outras possibilidades de cálculos e análises:

“Que carta eu teria que ter para fazer scopa em determinada rodada?”

“Se o jogador anterior fez scopa e é a minha vez de jogar, e eu tenho as cartas 8 e 3, que
carta é melhor eu jogar, ou tanto faz?”

Se jogar a carta 8, o próximo jogador terá a chance de fazer uma scopa se tiver a carta 7,
pois 8 + 7 = 15; assim é melhor jogar a carta 3.

De acordo com Brenelli (2005), no espaço para pensar criado pelo jogo, o aluno utiliza
sua inteligência para determinar estratégias a serem utilizadas para ganhar o jogo e as
desenvolve mobilizando conhecimentos matemáticos, como o cálculo mental, a composição
dos números, a propriedade das operações como a adição presente nesse jogo. Assim, o jogo
contribui para o aprendizado matemático.

2.4 Jogo “caminhando com o resto”


Esse jogo é proposto para alunos de quarto e quinto ano que já dominam as quatro
operações básicas da matemática: adição, subtração, multiplicação e divisão. O jogo explora
mais a divisão, fazendo com que os alunos se apropriem dos princípios de divisibilidade,
quociente, resto, divisor e dividendo, divisão exata e não exata; explorem a multiplicação e
exercitem o cálculo mental.

Para jogar, são necessários de dois a quatro participantes, um dado, um marcador para
cada participante e um tabuleiro, como mostra a figura 1:

1 Fatos básicos da adição são as somas de dois números que resultem em dez: 1 + 9; 2 + 8; 3 + 7, 4 + 6, 5 + 5 e vice-versa..

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Figura 2 – Tabuleiro do jogo avançando com o resto

Fonte: Da autora (2014).

O jogo se inicia com cada participante ou equipes de participantes posicionando seu


marcador na casa com o número 43. Pode ser interessante a ideia de grupos ou equipes com
dois ou três participantes no máximo para os alunos se ajudarem na realização dos cálculos.

Cada um joga o dado e faz a divisão de 43 pelo número sorteado no dado. Se esse
número for 5, o resto será 3 e o participante poderá avançar 3 casas. A explicação é simples:
43 ÷ 5 = 8 com resto três. Depois do avanço, passa a vez para o participante seguinte e assim
por diante. Ganha o jogo quem chegar primeiro à casa “fim”.

Como o principal objetivo do jogo é descobrir o resto para avançar, o quociente perde
importância e o foco se volta para o resto. Isso também permite diferentes estratégias de
resolução, por exemplo: pensar nos múltiplos de 5 e verificar qual é o mais próximo de 43
imediatamente menor, subtrair a diferença entre eles, que corresponde ao resto da divisão e
avançar com esse número.

Com o desenvolvimento do jogo, cria-se também um repertório de cálculos de


multiplicação e de divisão que podem apoiar cálculos mais complexos.

O jogo permite fazer várias análises:

• É possível não caminhar com o marcador no início do jogo? Justifique.

• Qual é o maior número de casas que você pode caminhar no tabuleiro em uma
jogada? Explique.

• Há uma casa que lhe coloca fora do jogo. Qual? E por que você será excluído do jogo?

• Se a sua ficha estiver na casa 51, você terá chance de vencer na próxima jogada?
Justifique.

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• E se a sua ficha estiver na casa com o número 80, quais números devem sair no dado
para que você ganhe o jogo? Por quê?

• A equipe adversária à sua estava com a ficha na casa 77 e conseguiu avançar para a
casa 12. Quantos pontos essa equipe obteve no dado?

Essas questões ajudam a explorar o potencial do jogo para o ensino da matemática, bem
como os conteúdos elencados no início desse tópico, para a socialização de conhecimentos e
saberes entre os alunos durante as trocas de experiências, entendimentos e visões sobre as
situações de jogo e as interpretações das regras.

3 A utilização de recursos manipuláveis


Recursos manipuláveis são qualquer tipo de material que possa ser manipulado e auxilie
na compreensão dos conceitos matemáticos. Ao longo dessa disciplina já apresentamos
alguns desses recursos:

• o material dourado;

• o quadro valor de lugar;

• as fichas sobrepostas;

• as figuras geométricas;

• o tangram;

• os blocos lógicos;

• até as pedras usadas para fazer o controle de quantidade, ainda quando os números
não existiam, podem ser considerados recursos manipuláveis.

Lorenzato (2006) nos fala sobre a importância desse recurso, seja para apresentar um
assunto em sala, motivar os alunos, auxiliar na memorização de resultados, apoiar análises e
facilitar “redescobertas” matemáticas, exemplificar um conceito ou apoiar uma demonstração.

Eles apoiam a prática pedagógica e favorecem a compreensão dos conceitos matemáticos,


pois são uma forma de “ver” o conceito que está sendo aprendido.

Outro exemplo que podemos apresentar é a representação do triângulo e a demonstração


de que a soma de todos os ângulos de um triângulo qualquer sempre será igual a 180 graus,
como mostra a figura 2:

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Figura 3 – Representação do triângulo

Fonte: Da autora (2014).

A figura 2 demostra como a soma dos ângulos de um triângulo é sempre 180 graus.

Faça essa experiência com as crianças. Ela pode ser trabalhada no segundo ciclo do
Ensino Fundamental (quarto e quinto anos), quando se estuda o conceito de ângulo. Entregue
aos alunos triângulos de diferentes tipos, isósceles, equilátero, escaleno, triângulo retângulo,
feitos em papel colorido. Peça para pintarem todos os ângulos de cada um e recortarem
a figura do centro até a metade de cada lado. Depois, peça para unirem os vértices dos
triângulos.

Os recursos manipuláveis podem ajudar o aluno a ter uma aprendizagem com


compreensão, pode auxiliar na atribuição de significado aos conceitos matemáticos, motivar
os alunos e aproximá-los da matemática.

Considerações finais
Nessa aula, pudemos aprender um pouco sobre o cálculo mental e como ele contribui
para o aprendizado da matemática na escola.

Analisamos alguns jogos e como eles podem ser explorados em favor da aprendizagem
matemática, além de conhecer a importância dos recursos manipulativos.

Referências
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a
4ª séries): matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRENELLI, R. P. O jogo como espaço para pensar: a construção de noções lógicas e estatísticas.
Campinas: Papirus, 1996.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

GUIMARÃES, K. P. Desafios e perspectivas para o ensino da matemática. Curitiba: Ibpex, 2010.


Série: Matemática em Sala de Aula.

LOPES, S. R.; VIANA, R. L.; LOPES, S. A. A construção de conceitos matemáticos e a prática


docente. Curitiba: Ibpex, 2005.

LORENZATO, S. O laboratório de ensino de matemática na formação de professores. Campinas:


Autores Associados, 2006. Col. Formação de Professores.

MACEDO, L.; PETTY, A. L. S.; PASSOS, N. C. Os jogos e o lúdico na aprendizagem escolar. Porto
Alegre: Artmed, 2005.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Aula 14
A relação professor-aluno e a construção do conhecimento
matemático.

Objetivos Específicos
• Refletir sobre como a relação professor-aluno contribui para a construção
do conhecimento matemático.

Temas
Introdução
1 A relação dos professores dos anos iniciais com a matemática
2 Relação professor-aluno e sua influência na construção do conhecimento
matemático
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
Esta aula propõe um convite à reflexão sobre a relação dos professores que ensinam
matemática nos anos iniciais com a própria matemática; a relação do professor com o aluno
e sua influência na construção do conhecimento matemático.

O primeiro tópico se propõe a refletir sobre a relação dos professores com a matemática
e analisa possíveis motivos que contribuíram para a construção dessa relação.

O segundo tópico trata da relação entre professor-aluno nas aulas de matemática, e


procura entender como esta influencia o aprendizado matemático das crianças.

1 A relação dos professores dos anos iniciais com a


matemática
Vamos recordar...

Qual era sua disciplina favorita nos anos iniciais do Ensino Fundamental, ou seja, no
antigo primário?

O que você lembra sobre os professores ou professoras que lhe ensinaram matemática
naquela época?

Que tipo de relação você percebia entre o professor e a matemática? Ele(a) gostava? Se
empolgava com as aulas ou se limitava ao trabalho com o livro didático?

Qual era o sentimento que a matemática despertava em você durante esse período?

Algum professor fez você gostar ou não gostar da matemática?

Talvez você tenha respondido a essas questões com recordações negativas, sentimentos
ruins. Ou, talvez, tenha se sentido indiferente ou, quem sabe ainda, se recordou com um
sorriso no rosto.

Esses sentimentos, aliados às experiências que tivemos, nos fizeram construir ideias,
concepções e crenças sobre a matemática e seu ensino.

Quando nos tornamos profissionais da educação, carregamos todos esses sentimentos,


concepções e crenças para a prática docente. Esta é reflexo daquilo em que acreditamos. E
nossos alunos percebem.

Se você tem boa relação com a matemática, se gosta, se entusiasma, se ela desperta
curiosidade, vontade de saber mais e satisfação, sua prática docente será orientada nesse
sentido e seus alunos provavelmente irão gostar da matemática também e querer conhecê-
la.
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Construção dos Conceitos Matemáticos

Porém, se ao contrário, você não tem uma boa relação com a matemática, tem
um sentimento negativo, limita-se a usar o livro didático ou as orientações mínimas sem
demonstrar interesse em querer saber mais, sem demonstrar o prazer de conhecer, seus
alunos perceberão e provavelmente não irão se interessar por essa disciplina.

Essas observações estão sendo realizadas por pesquisadores recentemente, a partir de


1990, segundo Carvalho e Gomes (2009).

Em 1994, Carvalho afirmava que um dos problemas enfrentados pelos professores de


primeira à quarta série no ensino da matemática dizia respeito ao desgosto dos professores
em relação à área de exatas, o que motivou a busca pelo magistério e atualmente pelos
cursos de Pedagogia, tradicionais da área de humanas.

Curi (2005) reafirma as observações de Carvalho ao divulgar resultados de suas pesquisas


realizadas com a participação de estudantes de Pedagogia, professores de anos iniciais e
formadores de professores, que muitas vezes procuraram os cursos de formação para o
magistério e a Pedagogia como uma forma de “fuga” da matemática.

Além desses problemas, Curi (2005) afirma que existe mais uma dificuldade a ser levada
em conta quando se analisa a relação dos professores das séries iniciais com a matemática.

O professor especialista, aquele que leciona a partir do sexto ano, escolhe a disciplina na
qual deseja se formar ou que se identifica mais.

O mesmo não acontece com os professores de anos iniciais, uma vez que são polivalentes1,
ministram várias disciplinas, além de serem responsáveis pela alfabetização dos alunos. E
nesse caminho se deparam com a matemática.

De maneira semelhante, Nacarato, Mengali e Passos (2009, p. 23) afirmam em seus


estudos sobre a formação matemática das professoras das séries iniciais, que “trazem marcas
profundas de sentimentos negativos em relação a essa disciplina [matemática], as quais
implicam muitas vezes bloqueios para aprender e ensinar”.

Tudo isso se reflete na prática pedagógica desenvolvida para ensinar matemática e é


percebida e assimilada pelos alunos.

Esse tema continua sendo observado e investigado. Por exemplo, Conti (2011) relata uma
experiência em que solicita a professores – cursistas de uma pós-graduação – que retratem
com imagens ou palavras a relação de cada uma com a matemática.

A maioria apresentou uma relação negativa, outras se mostraram indiferentes e houve


as que afirmaram ter boa relação com a matemática. A reflexão provocada pela pesquisadora
levou uma das professoras a reproduzir a experiências com seus alunos e os resultados foram

1 Polivalentes: diz-se dos professores que atuam nos anos iniciais de escolarização e ministram várias disciplinas ao mesmo tempo (Língua
Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia) e não são especialistas em nenhuma dessas disciplinas

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semelhantes. A partir de então, essa professora procurou construir uma relação diferente
com a matemática.

Assim, Conti (2011) entende que se o professor não tem boa relação com a matemática e
a vê com temor, tende a ensiná-la da mesma forma, ou seja, a reproduzir as mesmas práticas
que o fizeram não gostar e temer a matemática.

Tais reflexões nos levam a indagar se realmente essas pessoas não gostam ou não
conhecem a matemática. Geralmente é difícil gostar de algo que não se conhece. É isso que
afirma Lorenzato (2005).

Esse cenário releva uma necessidade de professor estar sempre em formação,


especialmente no caso daqueles que ensinam a matemática (e a língua portuguesa, as
ciências, história e geografia) nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

2 Relação professor-aluno e sua influência na construção do


conhecimento matemático
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) relatam que, tradicionalmente, o ensino
da matemática foi realizado com o professor na posição de detentor do conhecimento,
apresentando um conceito, definições matemáticas, depois fazendo demonstrações,
apresentando exemplos e modelos de aplicação do conceito com técnicas algorítmicas em
um problema.

Os alunos prestam atenção, escutam, reproduzem a técnica e ao mostrar que conseguem


reproduzir essa técnica, supõe-se que aprenderam – a técnica – mas não há garantias de que
compreenderam os conceitos matemáticos.

Era uma relação vertical: o professor, detentor do saber, ensina, e o aluno, que ainda
não tem o conhecimento construído, aprende. Havia pouca – ou quase nenhuma – interação.
Inexistia o diálogo.

Ao se dar conta da ineficácia desse método, também em um passado recente, por volta
de 1990, várias áreas de conhecimento como a didática e a psicologia propuseram um novo
papel para o aluno dentro do processo de ensino e de aprendizagem.

Esse novo papel põe o aluno no centro do processo, em caráter ativo na construção
do conhecimento. Também demanda que o professor tenha um novo papel, que promova
o diálogo e a interação com os alunos e entre os alunos. É conceber uma relação dialógica,
como preconizava Paulo Freire no final dos anos de 1960.

Assim, é importante que se crie um ambiente no qual possa haver negociação de


significados, com participação ativa de todos por meio do diálogo e estabelecida por meio da
confiança (CONTI, 2011).

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Essa reflexão me faz lembrar de minha própria história de prática e aprendizagem


docente.

Quando iniciei a docência, em uma terceira série do Ensino Fundamental


com crianças de 9 anos de idade, mesmo após oito anos de formação – nos
cursos de magistério e de Pedagogia – eu ainda me sentia insegura e reproduzia
práticas docentes que vivenciei e observei enquanto aluna, ou seja, reproduzi
as práticas de meus professores. A base era o livro didático.

Porém, ainda com a primeira turma – e felizmente! – percebi que esse


modelo não era suficiente para atender as dificuldades enfrentadas pelos
alunos em seu aprendizado e por mim, na condução do processo de ensino.

Eu precisava buscar outras fontes, outras estratégias. Acabei voltando à


universidade e consegui apoio no grupo de sábado da Universidade Estadual
de Campinas, que reúne professores, pesquisadores e estudantes para analisar
práticas pedagógicas em matemática.

Com apoio da gestão escolar, estudos em grupo e reflexão sobre a prática


com o apoio da teoria, eu pude ressignificar minha prática, compreender a
matemática e oferecer algo novo a meus alunos.

Mas esse processo não foi tão rápido e automático como parece. Envolveu
– e ainda envolve – esse movimento de estudo e reflexão sobre as práticas a
partir da teoria e da interlocução com os pares. Essa interlocução me auxiliou a
construir, aos poucos, uma prática docente baseada no diálogo, na socialização
de aprendizados, em questionamentos e buscas de respostas e argumentos
para sustentar as respostas encontradas.

Essa prática foi aos poucos construída e hoje consigo envolver o aluno,
colocá-lo no centro do processo de ensino e de aprendizagem, em que ele
possui voz e pode dialogar comigo, professora e com seus colegas, para juntos
construirmos os conhecimentos matemáticos.

Hoje consigo ver a evolução em minha prática pedagógica não só em


matemática, mas também em relação às outras disciplinas. Atualmente, consigo
conduzir melhor o processo de ensino e de aprendizagem da matemática muito
em face do conhecimento que construí sobre a disciplina e sua metodologia de
ensino, mas também em face à relação que estabeleço com os alunos. Essa
questão é fundamental.

Voltando às pesquisas...

Carvalho e Gomes (2009) afirmam que a afetividade estabelecida entre professor e aluno
influencia a qualidade da aprendizagem dos alunos. Como já foi dito, as concepções e crenças

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do professor são transmitidas em suas práticas e são percebidas e assimiladas pelos alunos.

Então, espera-se que o professor construa uma relação diferente e positiva com a
matemática, baseada no prazer do conhecimento e na curiosidade que motiva a pesquisa e a
socialização de saberes.

Para auxiliar nesse processo, os PCN (1997) fazem uma reflexão sobre as facetas que o
professor deve assumir para conduzir a aprendizagem significativa dos alunos. São elas:

• O professor, como organizador da aprendizagem, deve conhecer as condições


socioculturais dos aluno e o desenvolvimento cognitivo para escolher situações
didáticas adequadas à capacidade da turma e com nível de desafio capaz de ser
superado pela turma, além de propor problemas que irão auxiliar a exploração e
construção de conceitos matemáticos.

• O professor como consultor do processo. Ao invés de apresentar todas as informações


de uma só vez aos alunos, ele deve apresentar o conceito, explicar, demonstrar,
fazer a aplicação em um modelo e mostrar como os alunos deverão reproduzi-lo,
assumindo o papel de consultor, fornecendo apenas as informações que os alunos
não conseguirão obter sozinhos. Essa função exige que o professor dê condições aos
alunos de caminharem com autonomia, fornecendo materiais de pesquisa, recursos
manipulativos, problemas que façam os alunos pensarem e elaborarem estratégias
próprias de resolução.

• O professor como mediador da aprendizagem, como aquele que irá promover o


diálogo, a socialização e confrontação de ideias, ajudará a organizar o debate e os
argumentos para sustentar as hipóteses levantadas pelas crianças. Fará com que os
alunos tenham a vez de falar e de ouvir, garantir que as diferentes estratégias sejam
socializadas, ouvidas e entendidas pelos colegas e avaliar se houve aprendizado
matemático ou se será necessário novas abordagens sobre o tema.

• O professor como controlador, não de forma repressora, mas a partir do ponto do


sentido literal da palavra, de quem tem o domínio do processo, elabora ou busca
os materiais necessários em cada situação, estabelece e garante as condições de
aprendizagem e o tempo necessário para realização das atividades.

• O professor como incentivador da aprendizagem, quando estimula a interação


entre os alunos, promove a cooperação durante as atividades em grupo e o trabalho
coletivo; quando incentiva que um aluno ou grupo apresente suas ideias e que os
outros o respeitem durante essa apresentação; quando promove a confrontação de
pensamento, a exposição e defesa de argumentos com explicações e provas e, dessa
maneira, contribui para uma aprendizagem significativa.

Além de considerar essas facetas no “novo” papel do professor, os PCN recomendam a


realização do trabalho coletivo com os alunos. Isso não significa apenas reunir as crianças e
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propor uma atividade para que realizem juntas. Para que o trabalho coletivo de fato aconteça,
o professor deve orientar os alunos para a própria aprendizagem sobre esse tipo de trabalho.

O trabalho coletivo envolve cooperação, um ajudando o colega para, juntos,


compreender a atividade e buscar uma solução ou resposta. Para isso, deve-se superar o
sentido de competição, onde o que importa é chegar logo ao resultado, independentemente
da compreensão que os pares tiveram sobre o processo.

Outro aspecto desse trabalho é expor seu pensamento e compreender o pensamento


dos colegas com quem trabalha junto. Isso pressupõe diálogo, respeito entre os alunos, saber
o momento de ouvir e de falar, auxiliar na exposição e do pensamento e na interpretação do
grupo, ou seja, negociar significados durante a atividade.

Isso é extremamente difícil, porque, em geral, as crianças são estimuladas a usar seus
recursos, seu pensamento em uma busca solitária da resposta correta. Ouvir o outro é um
exercício que requer disponibilidade, atenção, paciência... habilidades que nem sempre as
crianças possuem e terão de ser desenvolvidas.

O trabalho coletivo envolve ainda o reconhecimento de que a ideia, o pensamento, a


estratégia e a solução do outro estejam corretas e sejam o melhor caminho a ser seguido pelo
grupo. Superar o egocentrismo não é tarefa simples ou fácil. Fazer um aluno, uma criança
abandonar sua ideia e seguir a de outro colega requer novamente negociação, diálogo e
entendimento do pensamento alheio.

E por fim, aprender a trabalhar coletivamente permite que cada criança saiba lidar com
soluções alternativas, de modo a ampliar seu pensamento, considerar possibilidades não
vistas anteriormente e junto com os pares, compreender os conceitos abordados na situação,
ou seja, promover a aprendizagem de todos.

Para efetivamente poder realizar esse tipo de trabalho, é necessário que o professor
proporcione um ambiente de trabalho que estimule o aluno a criar, compartilhar ideias,
ouvir, interagir com seus colegas, comparar, discutir, rever pensamentos e estratégias, fazer
perguntas e socializar as informações.

Mas como criar esse ambiente?

Será a discussão do próximo tópico.

2.1 Construindo um ambiente favorável à aprendizagem matemática


O que é um ambiente favorável à aprendizagem matemática?

Podemos defini-lo como aquele que reúne determinadas características com o intuito
de ajudar a promover a aprendizagem matemática dos alunos. Para discutir esse ambiente,

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vamos nos fundamentar nos estudos realizados por Nacarato, Mengali e Passos (2009).

As autoras discutem o conceito de “ambientes de aprendizagem” e preferem conhecer


e destacar as características desses ambientes do que procurar estabelecer uma definição do
termo.

Ao compreender as características de um ambiente de aprendizagem, as autoras


entendem que poderão levá-las a diversos ambientes, tornando-os favoráveis à aprendizagem.

Elas entendem também que esse ambiente é construído dentro da relação entre
professor e alunos, porque o concebem como espaço e não apenas local de aprendizagem.

Assim, a primeira característica fundamental do ambiente de aprendizagem é o diálogo


que permitirá o estabelecimento de uma relação. Não uma relação de submissão, na qual o
aluno apenas recebe as informações ou ordens do professor, mas uma relação em que ambos
possam se encontrar, trocar informações e compartilhar experiências, conhecer um ao outro,
seus pensamentos e ideias. Isso significa estabelecer uma relação dialógica, numa concepção
freireana.

Outra característica desse ambiente favorável é a comunicação, que envolve, além da


linguagem oral, também a linguagem escrita, a gestual e a negociação de significados.

Assim, esse espaço de aprendizagem deve ser dinâmico para que professor e alunos
possam se envolver no processo. Ambos passam a ter papel ativo e a desenvolver a atividade
intelectual. Em uma prática tradicional, a atividade intelectual de pensar, compreender, atribuir
significados e construir conhecimento era restrita ao professor, que depois “transmitia” esse
conhecimento a seus alunos.

Esse dinamismo pressupõe, ainda, que o aluno seja colocado no centro do processo de
ensino e de aprendizagem, do qual o professor também faz parte, desempenhando novo
papel, com várias facetas. Isso nos remete ao princípio freireano de que quem ensina também
aprende ao ensinar.

Nesse ambiente, as “certezas absolutas” dão lugar aos questionamentos, às


argumentações, à pesquisa que gera aprendizado e construção de conhecimento.

O registro escrito também faz parte desse ambiente, pois serve como apoio à memória,
como sistematização do conhecimento construído e de demonstração do processo dessa
construção. Esse último item permite que o professor acompanhe passo a passo as etapas
percorridas pelos alunos e possa identificar onde acontece o erro, que tipo de erro acontece
e permite ao professor buscar uma estratégia de intervenção adequada a cada situação.

De forma semelhante, o registro do professor pode servir de instrumento e reflexão


sobre a própria prática docente e sobre que tipo de relação o professor está construindo com
seus alunos.

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Construção dos Conceitos Matemáticos

Considerações finais
Nessa aula, propusemos uma reflexão sobre como a relação professor e aluno contribui
para a construção do conhecimento matemático.

Iniciamos pela lembrança sobre os tempos em que éramos alunos dos anos iniciais,
das práticas docentes exercidas por nossos professores. Essas recordações e as experiências
que tivemos nos forneceram elementos para criar ideias, concepções e crenças sobre a
matemática. Vimos que estas são transferidas para nossa prática docente e para a relação
como nossos alunos.

Então, passamos a refletir como estabelecer uma relação com a matemática de forma
a contribuir para a aprendizagem matemática dos alunos? Durante essa reflexão, vimos que
o papel do aluno no processo de ensino e aprendizagem se modificou, e que o papel do
professor deve se modificar também, desenvolvendo várias facetas.

Ao final, entendemos que, para contribuir com a aprendizagem matemática dos alunos, é
necessário construir um ambiente favorável a essa aprendizagem e essa construção depende
de uma relação dialógica entre professor e alunos.

Referências
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a
4ª séries): matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CARVALHO, A. M. F. T.; GOMES, M. T.; PIRES, M. N. M. Fundamentos teóricos do pensamento


matemático. Curitiba: IESDE Brasil, 2009.

CARVALHO, D. L. Metodologia do Ensino da Matemática. São Paulo: Cortez, 1994.

CONTI, K. C. As influências afetivas no ensino e aprendizagem da matemática. In: ALBUQUERQUE,


S. R. T. P. Educação em foco. Itu: Ottoni, 2011.

CURI, E. A matemática e os professores dos anos iniciais. São Paulo: Musa, 2005.

NACARATO, A. M.; MENGALI, B. L.; PASSOS, C. L. B. A matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental: tecendo fios do ensinar e do aprender. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

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Aula 15
A matemática e a tecnologia na sociedade atual

Objetivos Específicos
• Conhecer as alterações provocadas pelas tecnologias digitais
contemporâneas no processo de ensino-aprendizagem dos conceitos
matemáticos.

Temas
Introdução
1 Conhecimento, matemática e tecnologia
2 A tecnologia, a escola e a matemática
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
Tivemos a oportunidade de refletir como a matemática e a tecnologia evoluíram
conjuntamente em nossa sociedade nas aulas anteriores.

A matemática surgiu como forma de solucionar problemas de ordem prática da vida das
pessoas e ainda hoje se desenvolve assim.

Com o desenvolvimento da matemática e de outras ciências, como a engenharia, foi


possível criar máquinas. Da evolução das máquinas vieram os computadores e a informática.
Esta alterou o modo como o ser humano se relaciona com a informação e com a construção
dos conhecimentos.

Hoje iremos conhecer e refletir sobre as alterações provocadas pelas tecnologias digitais
contemporâneas no processo de ensino e aprendizagem dos conceitos matemáticos.

1 Conhecimento, matemática e tecnologia


Analisemos a evolução do conhecimento, sua construção e transmissão na sociedade.
Antes da escrita, o conhecimento era transmitido pela tradição oral, de geração em
geração, ou seja, os mais velhos, que tinham maior tempo de vida, maior experiência e mais
conhecimentos, transmitiam essas informações para os mais novos.

Não havia onde guardar o conhecimento acumulado a não ser na memória dos mais
velhos. Assim, os anciãos eram valorizados e muitas vezes considerados sábios.

As formas de aprendizado baseavam-se no ouvir os mais velhos ou acompanhá-los em


suas atividades para observar e fazer igual, ou seja, aprender pela memorização e repetição
da experiência e da observação.

Ambos, tanto quem ensina como aprende, deveriam estar juntos no tempo e no espaço,
eram, portanto, contemporâneos.

Imagine um grupo de pessoas que não conhece e nem utiliza a escrita para se comunicar
ou para registrar informações. Pode-se encontrar algumas tribos indígenas que ainda vivem
assim.

Mas com certeza você consegue imaginar esse grupo de pessoas, em que os conhecimentos
são transmitidos oralmente. Um ancião contando suas histórias, experiências e saberes para
os mais jovens que estão ao seu redor, escutando, com bastante atenção.

Ou ainda, um homem mais velho, acompanhado de um jovem, ensinando-o a caçar. Eles


estão no meio da mata, em silêncio, comunicando-se quase que por gestos e olhares para
não fazer barulho, para não espantarem a presa e nem chamarem a atenção de possíveis

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ameaças ou de animais que possam atacá-los.

Quando a escrita foi inventada, criou-se uma forma de registrar o conhecimento e os


saberes construídos pela humanidade. Isso mudou radicalmente as formas de se comunicar
e se relacionar com o conhecimento, permitindo também o acúmulo de informação.

As pessoas passaram a registrar suas experiências, seus saberes e seus conhecimentos


para que a memória não se esquecesse ou para não perder as informações e, com isso,
outras pessoas também puderam saber desses registros e dessas memórias, mesmo sem ter
contato com quem escreveu.

O autor e o leitor não precisavam mais compartilhar o mesmo tempo e espaço. Somente
essa possibilidade, de ler algo que foi escrito em outro lugar do mundo, ou em outra época,
distante do tempo em que o leitor vive, provocou grandes alterações na relação com o
conhecimento e com as próprias pessoas.

As cartas são exemplo dessa relação. Escreve-se para contar a uma pessoa distante como
é o dia a dia de quem escreveu, as suas descobertas e o que se pode aprender com ela.

Podemos destacar ainda a questão da aprendizagem da escrita e da interpretação do


leitor. Para ter acesso ao escrito, é necessário conhecer o código utilizado para a escrita, ou
seja, é necessário aprender a ler o que foi escrito, a língua utilizada na tal escrita.

Surgiu, então, a necessidade de ensinar a língua escrita, de aprender a ler e a escrever


para continuar registrando o conhecimento e os saberes de determinado grupo social.

Outro ponto a ser discutido é a interpretação que o leitor faz. Diferentemente de outrora,
quando o emissor da mensagem e o receptor compartilhavam o mesmo tempo e espaço,
interagiam e podiam dirimir dúvidas ou esclarecer interpretações diversas a fim de chegar a
um entendimento comum sobre o assunto abordado.

Rolkouski (2011), um pesquisador sobre o uso das tecnologias na educação matemática


e da evolução de ambas (tecnologia e matemática), explica que cada interpretação pode
ser considerada como um novo texto sobre o tema debatido. O leitor pode registrar sua
interpretação e tornar-se escritor produzindo um novo registro com a discussão do assunto.

Um escrito, como um livro sobre a história dos números, pode ser lido por várias pessoas,
em diferentes tempos e lugares, e ser gerador de outros escritos, artigos, reportagens,
resenhas etc. sobre o mesmo tema.

Observe que, dessa forma, inicia-se a produção de registros escritos sobre o conhecimento
e estes pode ser guardados, acumulados, transportados de um lugar para outro, contribuindo
com a disseminação da informação e do conhecimento e com o aumento desses materiais e
do próprio conhecimento.

Numa primeira etapa isso ocorreu de forma bem lenta, pois os livros eram escritos
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manualmente. Demorava-se muito para registrar as informações. Por isso as bibliotecas


ganharam importância, por ser um local onde se guarda o conhecimento de um povo.

Eram poucas as pessoas que sabiam ler e muito menos as que tinham acesso às
bibliotecas. Temos acesso a essas informações justamente pelos registros e pelas pesquisas e
análises realizadas por historiadores.

Numa segunda etapa, com a invenção da imprensa no século XV, a reprodução de um


escrito tornou-se mais rápida, porém ainda era caro e poucos tinham acesso ao material
impresso.

Um pouco mais à frente, a partir do século XIX, os meios de comunicação começam


a se desenvolver com a invenção do telégrafo elétrico (1837), o telefone (1876), o cinema
(1895), o rádio (1901), o computador analógico (1930), a televisão (1947), a primeira rede de
computadores (1969) que deu origem à internet e muitas outras invenções.

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), como são chamadas hoje, permitiu


levar as informações para perto das pessoas, para dentro de suas casas. Não é mais necessário
deslocar-se de sua moradia para saber o que acontece pelo mundo ou ir até uma biblioteca
para ler sobre algum assunto.

Atualmente, com o advento da informática no século XX e o uso da tecnologia digital,


esse processo acelerou-se imensamente. Além dos impressos, livros, revistas, jornais,
periódicos e folhetos, temos os computadores e a rede mundial, que permite armazenar e
acessar facilmente uma quantidade imensa de informação sem sair de casa.

Nunca se produziu tanto quanto hoje, nunca houve maior acesso à informação, nunca
se leu tanto...

Porém, a tradição oral não foi perdida, não houve a substituição total de uma forma de
transmissão de conhecimento pela outra, nesse caso, a escrita. As duas formas coexistem.
Entretanto, conforme as sociedades foram evoluindo e crescendo, o conhecimento escrito
passou a ser mais valorizado pelos grupos sociais.

Da mesma forma, a televisão não suplantou o rádio e a internet e os computadores não


suplantaram o material impresso. Essas formas de comunicação e de registro da informação
continuam existindo. Elas vão se reinventando junto com o avanço da tecnologia.

Analisemos o caso do telefone. Inicialmente, era usado apenas para comunicação de


voz e os aparelhos eram fixos, as pessoas precisaram se locomover até onde existia um
aparelho para efetivamente atender a ligação e poder se comunicar. Com o desenvolvimento
da tecnologia, essa situação se inverteu: foram criados os aparelhos móveis e as pessoas
passaram a atender suas ligações onde quer que estivessem, se o aparelho, o famoso celular,
estivesse com seu portador. Isso modificou os hábitos das pessoas.

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A tecnologia continuou avançando e, no século XXI, um aparelho celular é multifuncional:


faz e recebe ligações, envia mensagens de textos e fotos, serve como agenda e uma infinidade
de funções. Novamente, os hábitos de comunicação e a forma de se relacionar com a
informação foram modificadas e as pessoas vão se adaptando, descobrindo novas maneiras
de se comunicar, de produzir informações, saberes e conhecimento.

A valorização das pessoas e das profissões também foi se alterando. Não mais o ancião
detentor do conhecimento e da memória de determinado grupo social, mas aquele que
domina a leitura e a escrita e que tem acesso ao conhecimento registrado de forma escrita,
que consegue ler, interpretar, transmitir e registrar. E, mais recentemente, as pessoas com
facilidade em lidar com a tecnologia dos computadores e das redes ganham maior destaque
em nossa sociedade.

Nesse cenário, as relações de ensino e a própria escola foram se modificando para


atender as necessidades da sociedade em que está inserida.

Também as relações de ensino e de aprendizagem se modificaram: era possível aprender


pelo relato escrito, sem ter contato com quem o escreveu ou mesmo até, sem observar o
processo, sem estar junto para aprender.

A matemática também se beneficiou da escrita, pois passou a ser disseminada e os


registros escritos contribuíram para o próprio desenvolvimento da matemática, como visto
em aulas anteriores.

Conforme o conhecimento matemático era desenvolvido e registrado, mais a humanidade


passou a aprimorar esse conhecimento gerando novas informações, cada vez mais sofisticadas.

Outras áreas do conhecimento começaram a ser criadas e desenvolvidas a partir do


conhecimento matemático acumulado e registrado de maneira escrita, principalmente na
área de exatas: construção, mecânica, transportes, comunicação, imprensa, informática...

Os campos de conhecimento são muitos, mas um dos últimos a serem desenvolvidos, já


no século XX, foi a informática, com o advento dos computadores, e que hoje chamamos de
tecnologia digital, tecnologia na ponta dos dedos, ao alcance do toque das mãos.

Observamos que a tecnologia modificou a vida das pessoas, para melhor. Hoje temos
recursos para viver com maior conforto, erguer construções, nos locomover, produzir
alimentos, tratar e prevenir doenças, nos proteger, produzir entretenimento e conhecimento.

Com a tecnologia digital, novamente mudou a forma de se comunicar e de se relacionar


com o conhecimento. Rolkouski (2011) entende que a tecnologia pode funcionar como
reorganizadora do pensamento a partir da constituição de um coletivo pensante.

Apoiado nas reflexões do filósofo francês, Pierre Levy (1999), Rolkouski afirma que a
relação entre o homem e o computador gera um coletivo pensante, isto é, que as tecnologias

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intelectuais condicionam o modo de pensar de determinado grupo.

Por exemplo, quando uma notícia de racismo no esporte é veiculada pela web, as pessoas
rapidamente se posicionam sobre o assunto, enviam mensagens, manifestam opiniões, ações
e acabam por mobilizar um grupo de pessoas, um coletivo que pensa de modo semelhante
e se manifesta para defender seu pensamento. Esse pensamento já não é mais individual,
torna-se coletivo.

Outro exemplo, quando uma pessoa apresenta um novo estilo de se vestir e outras pessoas
comentam, algumas se identificam, outras não, mas esse estilo começa a se multiplicar, as
pessoas se vestindo de modo semelhante e defendendo suas opções, que já não são mais
suas, passam a ser de um coletivo que se “encontra”, primeiro, num espaço virtual.

Assim, as pessoas compartilham informações, experiências, ideias, saberes,


conhecimento, dentro de uma nova forma de se relacionar.

A tecnologia digital pode, também, servir como ferramenta para a reorganização do


pensamento, uma vez que as informações, saberes e conhecimentos veiculados pela rede
podem desequilibrar as estruturas mentais de uma pessoa, que irá procurar reestabelecer
seu equilíbrio buscando uma forma de assimilar e acomodar as novas informações.

Nesse movimento de mudanças no processo cognitivo, Rolkouski (2011) apresenta três


teses que expõem diferentes maneiras de o homem se relacionar com a tecnologia digital,
com os computadores:

• Pela substituição, quando considera que o computador pode substituir o homem


nas atividades intelectuais, como num jogo de xadrez, em que o computador “pensa”
para jogar. Por essa vertente, desenvolve-se a área de inteligência artificial.

• Pela suplementação, quando a tarefa é dividida em partes e cabe ao computador


uma tarefa que o homem tem condições de fazer, mas a máquina faz com maior
rapidez e eficiência. Porém, o controle do processo é ainda do homem, que está no
controle, como quando alguém utiliza uma planilha de excel, que realiza cálculos com
maior rapidez e pode realizar vários cálculos ao mesmo tempo. Entretanto, a análise
da planilha e da implicação que podem ter os cálculos é realizada por quem editou a
planilha.

• Pela reorganização, quando o computador passa a ser visto como mediador da


cognição humana, que muda a forma de pensar do homem, se apresentando como
um desafio a ser superado e possível de sê-lo. Por exemplo, desenhar o esquema
corporal de uma pessoa com lápis não parece ser tão difícil, mas fazê-lo usando o
computador pode se revelar como um desafio. Ou projetar uma construção com
figuras geométricas utilizando o computador pode modificar a forma de pensar de
uma pessoa.

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Quem determina o tipo de relação a se estabelecer entre o computador e o homem é o


próprio homem1.

Essa última tese – de reorganização do pensamento – deve trazer implicações para o


ensino da matemática, segundo o autor e que serão discutidas na próxima sessão.

2 A tecnologia, a escola e a matemática


Dessa forma, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) afirmam que a tecnologia
presente na sociedade deve estar presente também nas escolas, pois a população tem acesso
à tecnologia em qualquer lugar, já convive com as máquinas e computadores na sociedade e
é necessário colocar essas ferramentas a serviço da educação.

Não somente nas universidades para a produção de conhecimento, mas na educação


básica, para apoiar o processo de ensino em todas as áreas, incluindo a matemática.

Para Smole e Diniz (2007), a tecnologia não é uma novidade na escola, se considerarmos
que os materiais utilizados representaram um avanço tecnológico na época em que foram
apresentados na escola, como é o caso do livro ou das máquinas de calcular e, mais
recentemente, os computadores.

Na educação, na escola, a informática chega por volta dos anos 1980, de acordo com
Rolkouski (2011).

Porém, a chegada da tecnologia não significou que a escola se modificou tanto para
utilizá-la. Encontra-se muita resistência para a utilização da tecnologia na educação, mesmo
quando só haviam calculadoras.

O receio de quebrar a máquina, a falta de estrutura dos prédios escolares ou a falta de


conhecimento para utilizá-la a fim de mediar a construção do conhecimento pelos alunos
foram motivos para encontrar equipamentos eletrônicos embalados, novos e obsoletos nas
escolas. Isso ocorreu muito com os computadores. Tem-se registros de escolas que receberam
os computadores, mas por falta de local, uma sala simples e de uma instalação elétrica que
permitisse ligar as máquinas, muitos computadores nunca foram ligados e ficaram obsoletos,
ultrapassados antes de serem utilizados.

Outra questão que merece nossa análise é a relação entre o professor e o computador.
Quando as máquinas chegaram às escolas, os professores tiveram de aprender a lidar com o
computador. Primeiro dominar a máquina, e depois pensá-la como ferramenta educacional.

Essa segunda parte foi mais complexa. Quando se pensava em tecnologia educacional,
incialmente se pensava em programas de computadores que fizessem o papel do professor.

1 Lembramos que, aqui, a palavra “homem” é utilizada no sentido de humanidade.

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Softwares que pudessem ensinar conteúdos aos alunos.

Essa tecnologia foi desenvolvida e encontra-se disponível, porém, esse não deve ser um
fim da tecnologia educacional, deixar a tarefa de pensar e aprender para o computador.

O professor não deve trabalhar somente com softwares específicos, em que muitas
vezes cabe ao aluno papel coadjuvante, de apenas clicar nos locais devidos, muitas vezes
sem pensar, mas começar a utilizar programas gerais, como os processadores de texto em
situações nas quais os alunos sejam protagonistas do processo de pensar e decidir.

Smole e Diniz (2007) apresentam sugestões de como trabalhar a matemática em


processadores de texto, explorando situações problema, ou mesmo congelando uma tela de
um jogo ou software para explorar cálculos e conceitos matemáticos. Em outra oportunidade
discutiremos com maiores detalhes essas sugestões das autoras.

Sugerem ainda que o professor deve ter o cuidado de escolher um recurso tecnológico
como se escolhe qualquer outro recurso a ser utilizado na educação: pensando nos objetivos
e buscando recursos para atingi-los; verificando a adequação à faixa etária e desenvolvimento
cognitivo dos alunos; analisando sua potencialidade, pontos e fortes, pontos fracos; e
conteúdos e conceitos que podem ser trabalhados.

As autoras afirmam

Nenhum software é válido por si só; as interferências que o professor fará e o ambiente
criado a partir delas determinarão a qualidade do trabalho. O uso de um excelente
software não é garantia de um bom trabalho, assim, como um software ruim, não
produz, obrigatoriamente, maus resultados (SMOLE e DINIZ, 2007, p. 178).

Desse modo, a responsabilidade de condução do processo de ensino e aprendizagem


continua sendo do professor. Nesse caso, não tem como o computador substituir o professor.

Indicam que a internet também pode ser utilizada para pesquisa com os alunos, utilização
de jogos educacionais on-line, comunicação e interação com outras turmas ou outras escolas.

Além disso, as autoras apresentam algumas vantagens para o uso da informática na


educação matemática:

• O computador exige que o aluno tenha participação ativa em seu aprendizado e


pode possibilitar a inversão de papéis: um aluno ensinar algo sobre a tecnologia ou
informática ao professor;

• A visualização rápida dos trabalhos pode favorecer a criatividade e a autocorreção;

• Considerando a interação homem-máquina, cada aluno pode trabalhar no seu ritmo,


explorando suas ideias e hipóteses e o professor passa a exercer o papel de mediador
no processo de aprendizagem do aluno;

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• O computador e a internet oferecem vários recursos a alunos e professores: textos,


imagens, áudios, vídeo com demonstrações e explicações, jogos... muitos recursos
que podem ser explorados para o ensino dos conceitos matemáticos. Pode, também,
servir como fonte de motivação, pois é fácil e rápido corrigir textos, em softwares há
a possibilidade de retornar para corrigir um movimento errado, um cálculo ou uma
palavra;

• O computador facilita o registro, arquivamento e troca de informações e sua


reprodução;

• Tarefas mecânicas ganham outra motivação. Não é mais necessário perder muito
tempo para desenhar o mesmo polígono e depois parti-lo de diferentes formas para
auxiliar o estudo das frações, pode-se usar o computador e reproduzir rapidamente a
mesma figura, com as mesmas dimensões, inclusive.

Outro ponto lembrado pelas autoras é que as crianças têm mais facilidade de se adaptar
ao computador do que os adultos. Por isso, deve-se promover a utilização dos computadores
e da informática na escola. O receio ou as maiores dificuldades são listadas pelos adultos em
relação ao uso da tecnologia.

Essa reflexão nos conduz à questão da formação dos professores, que nem sempre estão
preparados para lidar com a informática na educação e dependem de um técnico que opere
os computadores ou de alguém que conheça os programas para utilizá-los.

O próprio professor pode considerar a informática como um recurso aliado à sua formação
profissional. É preciso pensar o uso da internet, a rede mundial de computadores como fonte
de pesquisa, compartilhamento de informações entre professores, de experiências e saberes.

Os professores podem utilizar muitas opções: livros digitalizados para leitura,


compartilhamento de materiais, explicações sobre como utilizar materiais e softwares
educacionais e até cursos de formação on-line.

Pensemos em nossa realidade, o curso de graduação em Pedagogia a distância, oferecido


pelo Senac, do qual esse material faz parte. A educação a distância – EaD – é um bom exemplo
das oportunidades de formação inicial e continuada, disponível aos professores.

A EaD não é novidade, desde meados do século XX ela acontece, seja por correspondência
de cartas ou com o apoio de programas de televisão. Mas, com o avanço da tecnologia e
a utilização de computadores e internet, essas relações educacionais se modificaram e as
possibilidades de interação e de produção de materiais aumentaram bastante.

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Considerações finais
Nessa aula, refletimos sobre o desenvolvimento da tecnologia e as mudanças provocadas
por essa evolução nas formas de se relacionar com o conhecimento. E que a chegada da
tecnologia digital é recente na escola.

Vimos também que ainda existem dificuldades para implantar a tecnologia educacional.
Embora os recursos estejam disponíveis, falta formação para que os professores possam
explorar as vantagens oferecidas por ela.

Referências
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a
4ª séries): matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

ROLKOUSKI, E. Tecnologias no ensino de matemática. Curitiba: Ibpex, 2011. Série: Matemática


em Sala de Aula.

SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. (orgs.). Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para
aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2007.

SUA PESQUISA. Grandes invenções tecnológicas. Disponível em: <http://www.suapesquisa.


com/cienciastecnologia/invencoes.htm>. Acesso: 28 maio 2014.

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Aula 16
O ensino da matemática com a utilização da tecnologia

Objetivos Específicos
• Entender como as tecnologias digitais contemporâneas disponíveis no
espaço digital auxiliam na compreensão e construção dos conceitos
matemáticos.

Temas
Introdução
1 As tecnologias digitais no ensino da matemática
Considerações finais
Referências

Professora
Monike Cristina Silva Bertucci Fleischmann
Construção dos Conceitos Matemáticos

Introdução
Nesta aula, iremos conhecer algumas propostas que utilizam a tecnologia digital e a
informática como recurso auxiliar para o ensino e aprendizagem dos conceitos matemáticos.

O tópico um está dividido em três subtópicos. Cada um deles apresenta possibilidades


de trabalho utilizando o computador.

O primeiro apresenta o jogo on-line “Feche a Caixa” e analisa como esse recurso pode
auxiliar na aprendizagem de cálculos e operações matemáticas. Tem ainda a possibilidade de
trabalhar esse jogo a partir da perspectiva da resolução de problemas.

O segundo traz o programa SuperLogo, que auxilia no ensino e aprendizagem da


geometria.

E o terceiro explora o uso de softwares genéricos, como um editor de texto para auxiliar
no aprendizado da matemática, no desenvolvimento de sua escrita e sua linguagem e na
conexão com a língua materna e a literatura infantil, ou ainda o paint (programa que permite
fazer desenhos e modificar formatos e cores) e o editor de apresentações.

1 As tecnologias digitais no ensino da matemática


Como visto anteriormente, pesquisadores como Smole e Diniz (2007) e Rolkouski (2011),
após realizarem estudos sobre o uso das tecnologias digitais no ensino da matemática,
recomendam sua utilização na escola em face das vantagens oferecidas por esses recursos.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) propõem uma reflexão sobre o uso das
tecnologias da informação na escola, para o ensino de matemática com um recurso que pode
auxiliar o aprendizado e motivar os alunos.

A reflexão começa pelo uso de um equipamento relativamente simples, a calculadora,


com exemplo de uma atividade que pode ser realizada em sala de aula. Depois, analisa-se o
uso dos computadores e softwares educacionais.

Nesse tópico, vamos nos debruçar sobre o uso dos computadores e softwares no ensino
da matemática. Algumas possibilidades de trabalho são:

• jogos on-line, nos quais o aluno pode jogar e desenvolver habilidades de cálculos
como no jogo “Feche a caixa”, disponível gratuitamente;

• “congelar” as páginas de jogos e propor análises;

• softwares específicos como o SuperLogo;

• softwares genéricos como o editor de texto, paint e editor de apresentações.

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1.1 Jogo “Feche a Caixa” on-line


O jogo “Feche a Caixa” tem por objetivo explorar os fatos básicos e o cálculo mental
envolvendo adição e subtração. É possível utilizar o jogo em sala de aula, com materiais
recicláveis, porém a versão on-line desperta muito interesse nas crianças. Pode ser utilizado
desde o primeiro ano do Ensino Fundamental.

As figuras a seguir mostram uma rodada desse jogo e permite visualizar a exploração
matemática dos fatos básicos e do cálculo mental.

Figura 1 – Tela inicial do jogo “Feche a Caixa” on-line

Fonte: Nova Escola

A figura 1 apresenta a tela inicial do jogo e uma história sobre sua origem. Para os
jogadores que já conhecem as regras, pode-se iniciar o jogo clicando no botão “iniciar”. Mas
se alguém esqueceu, pode conferir as regras clicando na seta “continua”.

Figura 2 – Jogando os dados

Fonte: Nova Escola

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A figura 2 mostra o início do jogo com os dados rolando, esperando o comando do


jogador para parar.

Figura 3 – Pontos indicados pelos dados

Fonte: Nova Escola

A figura três mostra os dados indicando os números 3 e 4. Assim, o jogador decide se


fecha uma caixa, a de valor 7, ou se fecha duas caixas, cujos valores somam 7. São duas
possibilidades: 2 + 5 ou 3 + 4.

Figura 4 – A caixa 7 fechada

Fonte: Nova Escola

A figura 4 “A caixa 7 fechada” mostra ainda a primeira jogada e revela a escolha do


jogador: fechar a caixa 7.

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Figura 5 – Última jogada

Fonte: Nova Escola

A figura 5 apresenta a última jogada com as caixas 1 e 3 abertas. Quando o dado1 foi
lançado, saiu o número 6. Assim, não é possível continuar a rodada e o jogador deve calcular
os pontos das caixas abertas: 1 + 3.

Depois, deve-se retirar os pontos das caixas abertas do total de pontos que possuía no
início do jogo, como mostra a figura 6.

Figura 6 – Cálculo final

Fonte: Nova Escola

Conforme acontecem as jogadas e os dados indicam os pontos a serem fechados, cada


jogador tem a oportunidade de realizar diferentes cálculos de fatos básicos. Os cálculos
realizados ao final de cada rodada são boas oportunidades de exercitar o cálculo mental.

1 Existe uma regra no jogo que permite utilizar apenas um dado depois que as caixas 7, 8 e 9 forem fechadas.

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Além das oportunidades de cálculo criadas durante o jogo, o professor pode utilizar o
recurso de “congelar” uma tela e propor uma exploração matemática a partir da resolução
de problemas.

Figura 7 – Tela congelada

Fonte: Nova Escola

Na figura 7 vemos que o jogador tem à disposição, ou seja, ainda estão abertas as casas
1, 2, 3, 6 e 9. Os dados foram lançados e indicam os pontos 5 e 3.

A partir da análise desse momento do jogo, na tela congelada, o professor pode fazer
uma exploração matemática e levantar uma série de questionamentos:

a. Qual é o total de pontos indicados no dado?

b. Quais caixas ainda estão abertas e podem ser fechadas com essa pontuação?

c. Imagine que todas as caixas estejam abertas, existem outras possibilidades para
fechar a pontuação indicada pelos dados? Quais?

d. Para fechar a caixa 9, quais números devem ser indicados pelos dados?

e. Quantas combinações com números diferentes podem ser indicadas nos dados para
se ter o resultado 6?

f. Imagine que nessa rodada os dados indiquem os números 5 e 5. É possível fechar


alguma caixa? O que você faria?

g. Se a rodada fosse encerrada depois dessa jogada (fechando as caixas 2 e 6) quantos


pontos o jogador vai perder, somando as caixas que ficaram abertas?

h. Qual combinação de pontos nos dados deve ser indicada para o jogador fechar o
maior número de pontos nessa rodada? E para fechar o menor número de pontos?

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i. Existe alguma combinação de pontos indicada pelos dados que encerra a rodada
nesse momento, com as caixas 1, 2, 3, 6 e 9 abertas?

Muitas questões podem ser levantadas e as análises, realizadas. Na última questão


apresentada, os alunos irão explorar todas as combinações possíveis com os pontos indicados
pelos dados, fazendo cálculos de fatos básicos, para descobrirem que, qualquer que seja a
combinação dos dados, com essas caixas abertas, o jogador sempre terá uma opção para
fechar uma ou mais caixas.

Essas questões também podem ser exploradas em outros jogos eletrônicos cujo objetivo
seja desenvolver o cálculo mental.

1.2 Software SuperLogo


O SuperLogo é um software educativo que utiliza linguagem de programação,
desenvolvendo autonomia da criança e seu raciocínio lógico. Pode ser utilizado em todos os
níveis de ensino, inclusive na Educação Infantil.

Esse programa foi desenvolvido em meados dos anos 1960 pelo matemático Seymour
Papert, professor e pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) nos Estados
Unidos, com fins educacionais, mais especificamente, auxiliar no ensino e aprendizado da
matemática.

O ambiente do programa é formado por duas telas. A primeira é um plano coordenado


sem eixos, com fundo branco, onde se localiza a tartaruga, como mostra a figura 8. A segunda
tela, chamada “Janela de Comandos” fica logo abaixo, e possui uma linha para digitar
comandos na parte inferior e um campo para registro do histórico dos comandos digitados. À
direita existe um menu de comandos.

Figura 8 – Tela inicial do SuperLogo

Fonte: Software SuperLogo

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O objetivo do programa é desenvolver conceitos da geometria por meio de uma


linguagem de programação que faz a tartatura do programa se movimentar. Isso só pode ser
feito digitando comandos. Se quiser que a tartaruga “ande” 40 passos para a frente, deve-se
digitar o comando “parafrente 40” ou “pf 40”.

A linguagem de programação é digitada na linha de digitação localizada na parte inferior


da Janela de Comandos. A tartaruga reconhece alguns comandos básicos:

• para a frente 40 (pf 40) faz a tartaruga andar 40 passos para a frente;

• para trás 70 (pf 70) faz a tartaruga andar 70 passos para trás;

• para a direita 90 (pd 90), faz a tartaruga girar 90° para a direita;

• para a esquerda 45 (pe 45), faz a tartaruga girar 45° para a esquerda.

A figura 9 mostra a tartaruga após ter realizado três movimentos, de acordo com os
comandos registrados no histórico da Janela de Comandos.

Figura 9 – Movimentos da tartaruga

Fonte: Software SuperLogo

Se repetir os mesmos comandos, será possível formar um quadrado, como mostra a


figura 10.

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Figura 10 – Quadrado criado no SuperLogo

Fonte: Software SuperLogo

É possível ainda desenhar outras figuras geométricas, colorir, explorar as caraterísticas


a partir das medidas dos lados, comparar perímetros, discutir o conceito de ângulo e outros
conceitos da geometria. Esse é o principal objetivo do jogo. Outros objetivos do software
é auxiliar o desenvolvimento do pensamento lógico-matemático e o desenvolvimento da
própria tecnologia, pois permite ao aluno desenvolver a linguagem de programação em um
estágio inicial e de forma simples.

Pode-se também programar a tartaruga para aprender um comando, uma ação que será
realizada toda vez que o comando for digitado.

O Logo é um software livre, gratuito e pode ser baixado nos sites de universidades
brasileiras.

1.3 Softwares genéricos: editor de texto, paint e editor de


apresentações
Um editor de texto pode oferecer muitas possibilidades para o ensino da matemática.
Uma delas é propor um livro eletrônico de problemas, experiência relatada por Smole
e Diniz (2007). Escrever um livro infantil com uma história que aborde diversos conceitos
matemáticos, fazer a conexão com a literatura infantil e com as artes ou ainda trabalhar o
tratamento da informação com tabelas e gráficos.

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Além da escrita, o editor de texto permite a inserção de elementos gráficos, como


imagens, desenhos, figuras geométricas e que potencializam o trabalho com a edição de
textos. E as possibilidades de correção e de formatação tornam mais ágil o processo de edição
dos textos.

O paint permite desenhar, colorir e modificar figuras. Ele pode ser utilizado para trabalhar
desenhos, formas e cores que podem ser inseridas depois no editor de texto ou no editor
de apresentações. Esse último software possibilita ainda fazer apresentações dos trabalhos
realizados pelos alunos.

Os softwares genéricos são muito utilizados em situações de trabalho, produção de


textos, elaboração de material para apresentações em reuniões, e na formatação de figuras,
porém é possível desenvolver um olhar para explorar esses programas de forma a auxiliar o
desenvolvimento cognitivo das crianças e ainda desenvolver e aplicar conceitos matemáticos.

Por exemplo, considere o programa paint. Para o aluno criar uma figura, ele pode usar o
auxiliar e escolher a forma que quiser. Pense em uma criança da Educação Infantil ou início
do Ensino Fundamental, que tenha entre 5 e 6 anos de idade. Se pedir para ela desenhar um
quadrado, ela irá escolher a ferramenta que desenha o quadrado.

Você pode, então, questioná-la, “como você sabe que essa figura é um quadrado?”;
“O que faz ele (quadrado) diferente desta (e aponta para o triângulo)?” Para responder à
segunda questão, a criança deverá pensar nas características da figura geométrica quadrado
e triângulo para conseguir explicar as diferenças entre elas. E essa diferença não se resume
apenas ao número de lados.

Atualmente já existem outros softwares (ou programas de computador) que trabalham


com figuras, porém requerem maior domínio da informática e de conceitos matemáticos,
como o programa Corel Draw. Com alunos de outros níveis de ensino é possível explorá-lo.

O importante, é que, além de propor a utilização do programa e do computador, o


professor deve propor situações de análise e reflexão que mobilizem o conhecimento
matemático dos alunos. Isso pode acontecer com a utilização de vários softwares.

Considerações finais
Essa aula pretendeu discutir algumas possibilidades de uso das tecnologias no ensino da
matemática apresentando propostas com diferentes softwares e jogos on-line.

O uso da tecnologia na educação matemática auxilia no desenvenvolimento do


pensamento e do raciocínio lógico-matemático e no estudo e aprendizagem de conceitos
matemáticos.

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Referências
BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a
4ª séries): matemática. Brasília: MEC/SEF, 1997.

FECHE A CAIXA. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/swf/jogos/exibi-jogo.


shtml?201_caixa.swf> Acesso em: mai./2014.

ROLKOUSKI, E. Tecnologias no ensino de matemática. Curitiba: Ibpex, 2011. (Série: Matemática


em Sala de Aula.)

SANTOS, V. M.; NASCIMENTO, M. C. SuperLogo: programação da o estudo de geometria. Bauru:


UNESP, 2006. Disponível em: <http://wwwp.fc.unesp.br/~mauri/Logo/Superlogo.pdf>. Acesso
em: mai./2014.

SMOLE, K. S.; DINIZ, M. I. (orgs.). Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para
aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2007.

SUPERLOGO. Disponível em: <http://www2.mat.ufrgs.br/edumatec/softwares/soft_geometria.


php>. Acesso em: mai./2014.

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