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Caro aluno

Ao elaborar o seu material inovador, completo e moderno, o Hexag considerou como principal diferencial sua exclu-
siva metodologia em período integral, com aulas e Estudo Orientado (E.O.), e seu plantão de dúvidas personalizado.
O material didático é composto por 6 cadernos de aula e 107 livros, totalizando uma coleção com 113 exemplares.
O conteúdo dos livros é organizado por aulas temáticas. Cada assunto contém uma rica teoria que contempla, de
forma objetiva e transversal, as reais necessidades dos alunos, dispensando qualquer tipo de material alternativo
complementar. Para melhorar a aprendizagem, as aulas possuem seções específicas com determinadas finalidades.
A seguir, apresentamos cada seção:

INCIDÊNCIA DO TEMA VIVENCIANDO


NAS PRINCIPAIS PROVAS
Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico é o seu
De forma simples, resumida e dinâmica, essa seção foi desenvol- distanciamento da realidade cotidiana, o que dificulta a compreen-
vida para sinalizar os assuntos mais abordados no Enem e nos são de determinados conceitos e impede o aprofundamento nos
principais vestibulares voltados para o curso de Medicina em todo temas para além da superficial memorização de fórmulas ou regras.
o território nacional. Para evitar bloqueios na aprendizagem dos conteúdos, foi desenvol-
vida a seção “Vivenciando“. Como o próprio nome já aponta, há
uma preocupação em levar aos nossos alunos a clareza das relações
entre aquilo que eles aprendem e aquilo com que eles têm contato
em seu dia a dia.
TEORIA
Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos de cada coleção
tem como principal objetivo apoiar o aluno na resolução das ques-
tões propostas. Os textos dos livros são de fácil compreensão, com-
pletos e organizados. Além disso, contam com imagens ilustrativas
que complementam as explicações dadas em sala de aula. Qua- APLICAÇÃO DO CONTEÚDO
dros, mapas e organogramas, em cores nítidas, também são usados
e compõem um conjunto abrangente de informações para o aluno Essa seção foi desenvolvida com foco nas disciplinas que fazem
que vai se dedicar à rotina intensa de estudos. parte das Ciências da Natureza e da Matemática. Nos compila-
dos, deparamos-nos com modelos de exercícios resolvidos e co-
mentados, fazendo com que aquilo que pareça abstrato e de difí-
cil compreensão torne-se mais acessível e de bom entendimento
aos olhos do aluno. Por meio dessas resoluções, é possível rever,
a qualquer momento, as explicações dadas em sala de aula.

MULTiMÍDiA
No decorrer das teorias apresentadas, oferecemos uma cuidado-
sa seleção de conteúdos multimídia para complementar o reper-
tório do aluno, apresentada em boxes para facilitar a compreen-
ÁREAS DE
são, com indicação de vídeos, sites, filmes, músicas, livros, etc.
Tudo isso é encontrado em subcategorias que facilitam o apro- CONHECiMENTO DO ENEM
fundamento nos temas estudados – há obras de arte, poemas, Sabendo que o Enem tem o objetivo de avaliar o desempenho ao
imagens, artigos e até sugestões de aplicativos que facilitam os fim da escolaridade básica, organizamos essa seção para que o
estudos, com conteúdos essenciais para ampliar as habilidades aluno conheça as diversas habilidades e competências abordadas
de análise e reflexão crítica, em uma seleção realizada com finos na prova. Os livros da “Coleção Vestibulares de Medicina” contêm,
critérios para apurar ainda mais o conhecimento do nosso aluno. a cada aula, algumas dessas habilidades. No compilado “Áreas de
Conhecimento do Enem” há modelos de exercícios que não são
apenas resolvidos, mas também analisados de maneira expositiva
e descritos passo a passo à luz das habilidades estudadas no dia.
Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a
apurar as questões na prática, a identificá-las na prova e a resol-
CONEXÃO ENTRE DiSCiPLiNAS vê-las com tranquilidade.

Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é ela-


borada, a cada aula e sempre que possível, uma seção que trata
de interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares atuais não
exigem mais dos candidatos apenas o puro conhecimento dos
conteúdos de cada área, de cada disciplina. DiAGRAMA DE iDEiAS
Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abran-
Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Por isso, cria-
gem conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão,
mos para os nossos alunos o máximo de recursos para orientá-los em
como Biologia e Química, História e Geografia, Biologia e Mate-
suas trajetórias. Um deles é o ”Diagrama de Ideias”, para aqueles
mática, entre outras. Nesse espaço, o aluno inicia o contato com
que aprendem visualmente os conteúdos e processos por meio de
essa realidade por meio de explicações que relacionam a aula do
esquemas cognitivos, mapas mentais e fluxogramas.
dia com aulas de outras disciplinas e conteúdos de outros livros,
Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo da
sempre utilizando temas da atualidade. Assim, o aluno consegue
aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos princi-
entender que cada disciplina não existe de forma isolada, mas faz
pais conteúdos ensinados no dia, o que facilita a organização dos
parte de uma grande engrenagem no mundo em que ele vive.
estudos e até a resolução dos exercícios.

HERLAN FELLiNi
© Hexag Sistema de Ensino, 2018
Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2021
Todos os direitos reservados.

Autor
Lucas Limbert
Rodrigo Martins

Diretor-geral
Herlan Fellini

Diretor editorial
Pedro Tadeu Vader Batista

Coordenado-geral
Raphael de Souza Motta

Responsabilidade editorial, programação visual, revisão e pesquisa iconográfica


Hexag Sistema de Ensino

Editoração eletrônica
Arthur Tahan Miguel Torres
Matheus Franco da Silveira
Raphael de Souza Motta
Raphael Campos Silva

Projeto gráfico e capa


Raphael Campos Silva

Imagens
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ISBN: 978-65-88825-22-8

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lação, tendo por fim único e exclusivo o ensino. Caso exista algum texto a respeito do
qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à disposição para
o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforços para identificar e
localizar os titulares dos direitos sobre as imagens publicadas e estamos à disposição
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SUMÁRIO

ENTRE ASPAS
Obra 1: Poemas escolhidos: Gregório de Matos Guerra 4
Obra 2: Quincas Borba: Machado de Assis 13
Obra 3: Alguma poesia: Carlos Drummond de Andrade 22
Obra 4: Mensagem: Fernando Pessoa 27
Obra 5: Angústia: Graciliano Ramos 36
Obra 6: Romanceiro da inconfidência: Cecília Meireles 46
Tesoureiro-Mor da Sé baiana. O arcebispo dom Gaspar
OBRA 1 Barata tornou-o vigário-geral da Bahia. A intenção era
tentar melhorar a imagem do poeta, uma vez que seus
versos satíricos, que incomodavam muita gente, inclusive
o governador baiano Antônio de Souza Menezes, o Braço
de Prata, justificavam a alcunha pela qual ele se tornaria
conhecido: Boca do Inferno.
POEMAS ESCOLHIDOS: O poeta não obedecia a todas as ordens da instituição reli-
GREGÓRIO DE giosa e se negava a usar o vestuário exigido por seu cargo.

MATOS GUERRA Assim, foi retirado de suas funções e, devido a suas opiniões
polêmicas e a seus poemas irreverentes, foi denunciado ao
Tribunal da Inquisição em Lisboa.
Gregório passou a exercer a função de advogado e se ca-
sou com a viúva Maria dos Povos. Nesse período, levando
uma vida boêmia, escreveu muitas sátiras e poemas eróti-
cos repletos de provocações e ironia. Algumas autoridades
não suportavam a língua venenosa do poeta, e ele acabou
sendo deportado para Angola. No país africano, Gregório
ajudou a conter uma revolta militar local e, em retribuição
aos serviços prestados, obteve autorização para voltar ao
1. Gregório de Matos Brasil. Proibido de retornar a Salvador, instalou-se em Reci-
fe, onde morreu em 1695.
Guerra, o primeiro poeta
O poeta viveu durante o ciclo da cana-de-açúcar no Nordes-
te brasileiro. Filho de um português que se tornou senhor de
engenho, Gregório fez parte da elite que ele mesmo negou
ao se indignar com as injustiças da sociedade patriarcal.
Gregório nada publicou em vida, e seus poemas foram trans-
mitidos oralmente. Até o século XVIII, os registros escritos de
sua obra foram realizados por copistas, que reuniam os tex-
tos em códices. Um desses códices trazia na capa o brasão
da coroa portuguesa abaixo da frase: "Ineditas poezias do
douto Gregorio de Mattos Guerra".

Gregório de Matos nasceu em Salvador, então capital do


Brasil, em 1636. É considerado o primeiro poeta do Brasil e o
maior poeta barroco da literatura brasileira.
Ainda criança, estudou com os Jesuítas na Bahia e, em 1650,
aos 14 anos, foi para Portugal, onde se formou em Direito
pela Universidade de Coimbra em 1661. Começou a escre-
ver os seus primeiros poemas satíricos. Depois de formado,
foi nomeado juiz de Alcácer do Sal, na região do Alentejo.
Em 1678, ficou viúvo e recorreu ao arcebispo da Bahia pe-
dindo para voltar ao Brasil. Em Portugal, a acidez de seus
versos já incomodava autoridades e pessoas importantes.
Em 1682, Gregório voltou para sua terra natal, Salvador,
e foi nomeado Desembargador da Relação Eclesiástica e

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Os copistas não seguiam critérios científicos para a re- ƒ 1672 – foi nomeado procurador da Bahia;
alização do trabalho, e, por isso, há controvérsias sobre
ƒ 1674 – deixou o cargo de procurador;
a autoria de alguns dos poemas atribuídos a Gregório
de Matos. Além disso, os poemas podem apresentar pe- ƒ 1678 – ficou viúvo;
quenas variações de vocabulário ou de sintaxe, depen- ƒ 1682/1683 – volta ao Brasil;
dendo da edição consultada.
ƒ 1691 – casou-se pela segunda vez, com Maria dos Povos;
Foi somente em meados do século XIX que seus poemas
foram reunidos em livro pelo historiador Francisco Adolfo ƒ 1694 – foi degredado para Angola;
de Varnhagen. Apesar dessas dificuldades históricas, a obra ƒ 1695 – Morreu em Pernambuco, depois de ser proi-
de Gregório de Matos vem sendo reconhecida como pio- bido de voltar a Salvador.
neira e iniciadora de uma tradição entre nós, capaz de su-
perar os limites do próprio Barroco. É possível dizer que, em 1.2. O “Boca do Inferno”
pleno século XVII, o poeta chegou a ser um dos precursores
da poesia moderna brasileira do século XX. O apelido atribuído a Gregório de Matos pode ser com-
preendido como de duplo sentido: se de sua boca saíam
imoralidades e indecências, também saíam acusações dos
pecados da humanidade. Gregório foi irreverente como
poeta ao ridicularizar os valores arcaicos, a hipocrisia so-
cial e a falsa moral da sociedade de seu tempo, e também
como pessoa, devido ao seu comportamento, considerado
por vezes indecoroso.
Como poeta satírico, criticou todas as classes sociais, da
elite ao povo, denunciando as contradições da sociedade
de seu tempo. Foi na sátira, por exemplo, que ele encontrou
a ferramenta para ridicularizar os políticos corruptos que go-
vernavam a Bahia. Observe, no trecho abaixo, como ele critica
a falta de princípios dos políticos de sua cidade.

[...]
na política de estado
nunca houve princípios certos,
[...]
Eia! Estamos na Bahia,
onde agrada a adulação,
onde a verdade é baldão,
e a virtude hipocrisia:
sigamos esta harmonia
de tão fátua consonância,
e inda que seja ignorância
seguir erros conhecidos,
sejam-me a mim permitidos,
1.1. Linha do tempo se em ser besta está a ganância.
ƒ 1636 – em 20 de dezembro nasceu em Salvador, Bahia, [...]
Gregório de Matos Guerra; MATOS, GREGÓRIO DE. IN: WISNIK, JOSÉ MIGUEL [SEL. E ORG.]. POEMAS
ESCOLHIDOS. SÃO PAULO: COMPANHIA DAS LETRAS, 2010, P. 70-71.
ƒ 1650 – aos 14 anos, viajou para Portugal;
Apesar de ser quase sempre associado à sátira, Gregório
ƒ 1652 – matriculou-se, por incentivo de seu pai, na de Matos foi um grande poeta lírico – lirismo religioso
Universidade de Coimbra; ou amoroso –, pois criou um estilo próprio de reflexão
ƒ 1661 – formou-se na universidade e se casou com sobre a condição humana, com matizes locais, ao mes-
dona Michaela de Andrade; mo tempo imitando e quebrando os modelos do Barroco
europeu. Do ponto de vista formal, sua poesia apresenta
ƒ 1662 – concluiu o bacharelado, em Coimbra;
recursos de linguagem muito utilizados na poesia barro-
ƒ 1663 – foi nomeado juiz de fora, em Alcácer do Sal, ca, como o paradoxo, a antítese, a hipérbole etc., como
no Alentejo; veremos adiante.

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1.3. O Barroco chega ao Brasil faz do Barroco uma escola literária fundamentada no de-
sequilíbrio e no exagero.
A tentativa de aproximar opostos faz a literatura barroca ser,
ao mesmo tempo, mística e sensual, religiosa e profana, espi-
ritual e carnal. Há nas manifestações barrocas um dualismo
que evidencia um conflito entre o homem e o mundo. Para
traduzir esse conflito, são utilizados certos recursos de lin-
guagem, como antíteses, metáforas, hiperbatos e hipérboles.

1.3.3. Rebuscamento formal e atenção aos detalhes

Linguagem

ESCULTURA DE ALEIJADINHO (ANTONIO FRANCISCO


Em sua poesia, Gregório de Matos busca legitimar a cultu-
LISBOA, 1738-1814), OURO PRETO/MG. ra brasileira por meio de um processo criativo que agluti-
na ao código da língua portuguesa vocábulos indígenas e
1.3.1. O princípio africanos, além de palavras de baixo calão e léxico oriundo
do erotismo.
Outras características técnicas do ponto de vista da lin-
guagem podem ser elencadas a fim de facilitar a compre-
ensão da maneira com que o poeta lida com o manejo da
palavra. Veja:
ƒ Paradoxo: aspecto da linguagem que apresenta opo-
sição de ideias em um único pensamento, o que leva a
um absurdo ou contrassenso.
Ardor em firme coração nascido;
pranto por belos olhos derramado;
incêndio em mares de água disfarçado;
rio de neve em fogo convertido.
ƒ Antítese: jogo de palavras opostas, como "noite" e
"dia"; reflete o dualismo presente no Barroco.
"Nasce o sol e não dura mais que um dia.
Em 1601, o poeta português Bento Teixeira publicou no Depois da luz se segue a noite escura"
Brasil o poema épico Prosopopeia, inaugurando o Bar- ƒ Metáfora: figura de linguagem que apresenta uma
roco em terras brasileiras. O poema, com estrofes em oi- relação implícita de semelhança.
tava rima e versos decassílabos, seguia o modelo de Os
“Se és fogo, como passas brandamente?
Lusíadas, de Camões. No entanto, trata-se de uma obra
Se és neve, como queimas com porfia?“
encomiástica, ou seja, foi escrita em louvação ao dona-
tário da capitania de Pernambuco, Jorge de Albuquerque ƒ Hipérbato: inversão da ordem dos termos da oração.
Coelho. O Barroco estendeu-se por todo o século XVII e “Em tristres sombras morre a formosura [...]"
entrou pelo século XVIII. No período colonial, não havia
um público leitor significativo no Brasil, e, entre os anos ƒ Hipérbole: figura de linguagem que apresenta um
de 1720 e 1750, a poesia barroca ganhou sobrevida com exagero com finalidade expressiva; exprime a desme-
a fundação das academias literárias. Contudo, a funda- dida e a grandiosidade da arte barroca.
ção da academia Arcádia Ultramarina, em 1768, marca a “É a vaidade, Fábio, nesta vida,
decadência do Barroco e a ascensão do Arcadismo. Rosa, que da manhã lisonjeada,
Púrpuras mil, com ambição dourada,
1.3.2. Conflitos e contrastes Airosa rompe, arrasta presumida.”
No Barroco, são evidenciadas as forças contraditórias que ƒ Prosopopeia ou personificação: atribuição de carac-
constituem o homem. O conflito constante entre opostos terísticas, ações ou sentimentos humanos a objetos

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inanimados ou seres irracionais. Observe um trecho
escrito pelo padre Antonio Vieira:
“No diamante agradou-me o forte, no cedro o
incorruptível, na águia o sublime, no Leão o ge-
neroso, no Sol o excesso de Luz.”
Além da linguagem rebuscada e do vasto uso de figuras
de linguagem, é possível identificar na poesia barroca de
Gregório de Matos o conceito do soneto fusionista, sobre-
tudo por conta da relação entre forma e conteúdo, em que
ideias contraditórias se fundem no desenvolvimento do
poema. Assim, os 14 versos do soneto se estruturam em:
ƒ Tese: apresentação de um determinado tema.
ƒ Antítese: apresentação de uma progressão semântica
contraditória em relação ao proposto na tese. WISNIK, J. M. (ORG.). GREGÓRIO DE MATOS. POEMAS ESCOLHIDOS
DE GREGÓRIO DE MATOS. SÃO PAULO: CULTRIX, 1976.

ƒ Síntese: conclusão que representa uma fusão entre os


aspectos contrários anteriormente apresentados.
2. Poemas escolhidos
Cultismo e conceptismo O livro é uma coletânea de poemas selecionados pelo pro-
A arte barroca, de um modo geral, valoriza o cuidado com fessor José Miguel Wisnik nos anos 1970. Recentemente,
os detalhes. Nas artes plásticas, por exemplo, as obras se ganhou uma nova edição revisada pelo próprio organiza-
caracterizam pelo excesso de ornamentação. Na literatura, dor. A obra apresenta poemas de Gregório de Matos nas
por sua vez, proliferam os jogos de palavras, o uso de figu- diversas modalidades que o poeta cultivou.
ras de linguagem e as sutilezas de raciocínio.
A organização dos poemas no livro ajuda a compreender a
Nesse sentido, dois estilos convivem no Barroco literário: o lógica produtiva de Gregório de Matos:
cultismo e o conceptismo.
ƒ poesia de circunstância
O estilo cultista ou cultismo, inspirado no poeta espanhol
– Satírica
Luis de Gongora (1561-1627), é caracterizado pela lingua-
gem rebuscada, culta, extravagante, que supervaloriza os – Encomiástica
jogos de palavras e o uso de metáforas, hipérbatos e hi-
ƒ poesia amorosa
pérboles. O poema a seguir, de Gregório de Matos, é um
exemplo do emprego do estilo cultista: – Lírica

O todo sem a parte não é todo,


– Erótico-irônica
A parte sem o todo não é parte, ƒ poesia religiosa
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.
Em todo Sacramento esta Deus todo,
2.1. Poesia de circunstância
E todo assiste inteiro em qualquer parte, Criticar o sistema e as autoridades de sua época transformou
E feito em partes todo em toda a parte, Gregório de Matos em um "poeta maldito". A perspicácia
Em qualquer parte sempre fica o todo.
com que provocava políticos e ridicularizava poderosos e
O braço de Jesus não seja parte, seus bajuladores contribuiu para o “abrasileiramento” do
Pois que feito Jesus em parte todo, Barroco importado da Europa.
Assiste cada parte em sua parte.
Não se sabendo parte deste todo, O crítico social mordaz, que aponta a sociedade de compe-
Um braço, que lhe acharam, sendo parte, tição, em que vence quem for mais esperto e/ou desonesto,
Nos disse as partes todas deste todo.
apresenta-se no soneto abaixo.
O estilo conceptista ou conceptismo, mais utilizado na pro- CONTEMPLANDO NAS COISAS DO MUNDO DESDE O SEU RETIRO, LHE ATIRA
sa, valoriza o raciocínio lógico e a agudeza de pensamento. COM SEU ÁPAGE, COMO QUEM A NADO ESCAPOU DA TORMENTA.

A ideia é exposta por meio de conceitos, analogias, histó- Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
rias paralelas que facilitam o entendimento. Quem mais limpo se faz, tem mais carepa

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Com sua língua, ao nobre o vil decepa: A câmara não acode?..... Não pode.
O velhaco maior sempre tem capa. Pois não tem todo o poder?..... Não quer.
É que o governo a convence?..... Não vence.
Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa: Quem haverá que tal pense,
Quem menos falar pode, mais increpa: Que uma câmara tão nobre,
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa. Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.
A flor baixa se inculca por tulipa:
Bengala hoje na mão, ontem garlopa: Em ritmo de perguntas e repostas, a estrutura dos versos
Mais isento se mostra o que mais chupa. se assemelha aos modelos da tradição oral. O espaço é a
Para a tropa do trapo vazo a tripa, Bahia, em que o eu poemático critica os desmandos de
E mais não digo, porque a musa topa sua cidade, a degradação moral e religiosa, bem como os
Em apa, epa, ipa, opa, upa. aspectos econômicos. Os oportunistas da sociedade são os
ƒ ápage: desaprovação, raiva detentores do poder, enquanto os trabalhadores honestos
encontram-se na pobreza.
ƒ increpa: censura
Os poemas satíricos de Gregório de Matos são marcados
ƒ carepa: caspa, sujeira
por essa divisão entre uma sociedade do homem bem-nas-
ƒ inculca: finge, insinuas cido, dita “normal”, e outra, considerada “absurda”, que é
ƒ vil: reles, ordinário composta por pessoas oportunistas, mas que estão instau-
radas no poder.
ƒ garlopa: trabalhador braçal
No entanto, no caso de Gregório de Matos, a “sociedade
ƒ decepa: destrói absurda” é real, pois é a Bahia onde ele vive e, pela lógica
ƒ “Para a tropa do trapo vazo a tripa” é uma expres- aplicada, inverte-se o conceito apreendido.
são idiomática que se aproxima de “não quero mais dar Logo, tanto uma como outra são consideradas absurdas,
importância a esse bando de miseráveis”. pois o impasse está na realidade histórica; um mesmo lo-
No poema a seguir, o autor critica, de forma impiedosa, a cal, duas Bahias: uma “normal”, que é vista com ar nostál-
incompetência, a promiscuidade e a desonestidade. gico, e outra “absurda” e amaldiçoada.

TORNA A DEFINIR O POETA OS MAUS MODOS DE OBRAR NA GOVERNANÇA DA Os poemas laudatórios, ou seja, de elogio, são chama-
BAHIA, PRINCIPALMENTE NAQUELA UNIVERSAL FOME, QUE PADECIA A CIDADE. dos também de poemas encomiásticos. Um exemplo é o
Epílogos poema em homenagem ao desembargador Belchior da
Cunha Brochado:
Que falta nesta cidade?..... Verdade.
Que mais por sua desonra?..... Honra. O típico jogo de palavras do Barroco é a marca predomi-
Falta mais que se lhe ponha?..... Vergonha. nante do poema. Em cada um dos pares de versos, há ter-
O demo a viver se exponha, minações das palavras em comum, como:
Por mais que a fama a exalta,
Douto, prudente, nobre humano, afável,
Nesta cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha. Reto, ciente, benigno e aprazível
[...]
Tal esquema justifica o uso inusitado da palavra nos espa-
E que justiça a resguarda?..... Bastarda. ços em branco do papel.
É grátis distribuída?..... Vendida.
Que tem, que a todos assusta?..... Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa 2.2. Poesia amorosa
O que El-Rei nos dá de graça,
Que anda a justa na praça A poesia lírico-amorosa de Gregório de Matos se desenvol-
Bastarda, vendida, injusta. ve por meio de contradições e pares de opostos, utilizando
[...] figuras de linguagem como a antítese, que reforça essas
O açúcar já se acabou?..... Baixou. contradições. Deve-se ter em mente que essas contradições
E o dinheiro se extinguiu?..... Subiu.
não se anulam, e a mensagem final que o poeta passa é a
Logo já convalesceu?..... Morreu.
de que a “diferença é identidade”.
À Bahia aconteceu
O que a um doente acontece, O lirismo amoroso é contraditório, fortemente marcado pela
Cai na cama, o mal lhe cresce, ambiguidade da mulher, vista a partir de uma dualidade en-
Baixou, subiu, morreu. tre a matéria e o espírito. No soneto dedicado a dona Ângela

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de Souza Paredes, o eu lírico está diante de um dilema sobre Apresenta versos decassílabos (versos com dez sílabas poéti-
a finalidade da beleza, uma vez que ela leva à perdição. cas), rimas regulares, ou seja, rimas opostas ou interpoladas
nos dois quartetos (ABBA-ABBA) e rimas mistas nos dois
Não vira em minha vida a formosura,
Ouvia falar dela a cada dia tercetos (CDE-CDE). Ressalta-se na lírica sacra o senso do
E ouvida, me incitava e me movia pecado, ao lado do desejo do perdão, como se pode verificar:
A querer ver tão bela arquitetura:
A Jesus Cristo Nosso Senhor
Ontem a vi, por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
De uma mulher, que em Anjo se mentia Da vossa alta clemência me despido;
De um Sol, que se trajava em criatura: Porque, quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
Matem-me, disse eu vendo abrasar-me,
Se esta a coisa não é, que encarecer-me Se basta a vos irar tanto pecado,
Sabia o mundo e tanto exagerar-me: A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Olhos meus, disse então por defender-me, Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se a beleza heis de ver para matar-me,
Antes olhos cegueis, do que eu perder-me Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
A poesia erótico-irônica também pode ser chamada de Vos deu, como afirmais na Sacra História:
poesia profana, em que o poeta exalta a sensualidade dos
Eu sou, senhor, a ovelha desgarrada,
amantes na Bahia, além dos escândalos sexuais envolvendo Cobrai-a; e a não queirais, Pastor divino
as personagens que existiam nos conventos de Salvador. Perder na vossa ovelha a vossa glória.

Necessidades forçosas da natureza humana ƒ despido: despeço


Descarto-me da tronga, que me chupa, ƒ delinquido: cometido delito
Corro por um conchego todo o mapa,
O ar da feia me arrebata a capa, ƒ empenhado: comprometido
O gadanho da limpa até a garupa. A lírica filosófica de Gregório de Matos evidência um po-
Busco uma freira, que me desentupa eta que, tal qual os clássicos, transmite um forte senso do
A via, que o desuso às vezes tapa, “desconcerto do mundo” e preocupa-se com a transitorie-
Topo-a, topando-a todo o bolo rapa,
dade da vida, o escoamento do tempo e a fragilidade do
Que as cartas lhe dão sempre com chalupa.
ser humano, como se pode perceber no soneto que segue.
Que hei de fazer, se sou de boa cepa,
E na hora de ver repleta a tripa, À instabilidade das coisas no mundo
Darei por quem mo vase toda Europa?
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Amigo, quem se alimpa da carepa, Depois da luz se segue a noite escura,
Ou sofre uma muchacha, que o dissipa, Em tristes sombras morre a formosura,
Ou faz da mão sua cachopa. Em contínuas tristezas, a alegria.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
2.3. Poesia religiosa Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
No conjunto da obra de Gregório de Matos, a poesia lírica Como o gosto da pena assim se fia?
é idealista, às vezes emocional, às vezes conceitual, mas
quase sempre preocupada com a busca de entender con- Mas no Sol, e na Luz falta a firmeza,
Na formosura não dê Constância,
tradições. No poema a seguir, o choque entre as temáticas
E na alegria sinta-se a tristeza,
controversas da “culpa" e do"perdão” ganha forma no
soneto fusionista. O eu lírico se vale da linguagem para Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza.
conseguir seu perdão e salvação ao enfrentar o poder divi-
A firmeza somente na inconstância.
no. Logo, da mesma forma como o poder divino, colocado
aqui na figura de Jesus, precisa perdoar, o pecador precisa Esse soneto exemplifica, pelo tema desenvolvido, o estado
pecar para poder ser perdoado. transitório da condição humana. Ao longo do poema, re-
O conflito de ordem espiritual é típico do período Barro- pete-se a utilização da antítese pela aproximação de duas
co: de um lado, o teocentrismo (Deus é o centro do Uni- ideias naturalmente opostas.
verso) e, por outro lado, o antropocentrismo (o homem é Na segunda estrofe, o elemento comum a todos os versos é
o centro do universo). o ponto de interrogação, que representa não só o questiona-

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mento do eu poético como também sua perplexidade diante Quinze soldados, rotos e despidos,
do mistério insolúvel do Universo. Doze porcos na praça bem criados.
Dois conventos, seis frades, três letrados,
Essa visão de mundo corresponde à da arte barroca, que
Um juiz, com bigodes, sem ouvidos,
vê o homem como um ser instável diante da realidade Três presos de piolhos carcomidos,
que lhe faz apelos opostos, ora dirigidos aos sentidos, ora Por comer dois meirinhos esfaimados.
dirigidos ao espírito. As damas com sapatos de 2baeta,
Palmilha de tamanca como frade,
Saia de 3chita, cinta de raqueta.
O feijão, que só faz 4ventosidade
Farinha de pipoca, pão que greta,
De Sergipe d’El-Rei esta é a cidade.
DIMAS, ANTÔNIO. LITERATURA COMENTADA - GREGÓRIO
DE MATOS. SÃO PAULO: NOVA CULTURAL, 1988.
____________________________________

multimídia: vídeo 1

2
mentrasto: tipo de erva
baeta: tecido felpudo
FONTE: YOUTUBE 3
chita: tecido de algodão de pouco valor
4
Gregório de Mattos, 2002, dirigido por Ana Carolina ventosidade: que provoca flatulência

Em pleno século XVII, surge na Bahia o poeta Gregório de Pela leitura do soneto, é correto afirmar que o poeta:
Mattos (Waly Salomão), que, com sua obra e vida trágica, a) critica veladamente o governo português por ter
anuncia o perfil tenso e dividido do povo brasileiro. Com escolhido essa cidade para ser a sede administrativa
sua produção literária, o poeta cria situações desconfor- da colônia.
táveis aos poderosos da época, que passam a combatê-lo b) escreve esse poema para expor as angústias vividas
até transformar sua vida em um verdadeiro inferno. durante o período em que cumpria a primeira ordem
de desterro.
c) comenta a elegância e a sensualidade das damas, vis-
to que sempre apreciou as mulheres brasileiras.
Aplicando para d) lamenta a inexistência de instituições religiosas, pois
elas organizariam moralmente a cidade.
aprender (A.P.A.) e) descreve as condições do local, mostrando que os ha-
bitantes vivem rusticamente e com poucos recursos.
1. (UEPA)
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, 3. (UCS) As obras literárias marcam diferentes visões de
Depois da luz se segue a noite escura, mundo, não apenas dos autores, mas também de épo-
Em tristes sombras morre a formosura, cas históricas distintas. Reflita sobre isso e leia os frag-
Em contínuas tristezas a alegria. mentos dos poemas de Gregório de Matos e de Tomás
GREGÓRIO DE MATOS GUERRA Antônio Gonzaga.

Assinale a alternativa que contém uma característica da Arrependido estou de coração,


comunicação poética, típica do estilo Barroco, existente de coração vos busco, dai-me abraços,
no quarteto acima. abraços, que me rendem vossa luz.

a) Reflexão sobre o caráter humano da divindade. Luz, que claro me mostra a salvação,
b) Associação da natureza com a permanência da re- a salvação pretendo em tais abraços,
alidade espiritual. misericórdia, amor, Jesus, Jesus!
c) Presença da irreverência satírica do poeta com base (MATOS, GREGÓRIO. PECADOR CONTRITO AOS PÉS DO CRISTO CRUCIFICADO.
no paradoxo. IN: TUFANO, DOUGLAS. ESTUDOS DE LITERATURA BRASILEIRA. 4
ED. REV. E AMPL. SÃO PAULO: MODERNA, 1988. P. 66.)
d) Utilização do pleonasmo para reforçar a superiorida-
de do cristianismo sobre o protestantismo. Minha bela Marília, tudo passa;
e) Uso de ideias contrastantes com base no recurso a sorte deste mundo é mal segura;
da antítese. se vem depois dos males a ventura,
vem depois dos prazeres a desgraça.
2. (IFSP) Leia o soneto do escritor barroco Gregório Estão os mesmos deuses
de Matos. sujeitos ao poder do ímpio fado:
Apolo já fugiu do céu brilhante,
Descrição da cidade de Sergipe d’El-Rei já foi pastor de gado.
Três dúzias de casebres remendados, (GONZAGA, TOMÁS ANTÓNIO. LIRA XIV. IN: TUFANO, DOUGLAS. ESTUDOS DE
Seis becos, de 1mentrastos entupidos, LITERATURA BRASILEIRA. 4 ED. REV. E AMPL. SÃO PAULO: MODERNA, 1988. P. 77.)

10
Em relação aos poemas, analise a veracidade (V) ou a de exaltar os que aqui vêm,
falsidade (F) das proposições abaixo. e abater os que aqui nascem?
( ) O poema de Gregório de Matos apresenta um sujei- Se o fazeis pelo interesse
to lírico torturado pelo peso de seus pecados e desejo- de que os estranhos vos gabem,
so de aproximar-se do Divino.
isso os paisanos fariam
( ) Tomás Antônio Gonzaga, embora pertença ao mesmo com conhecidas vantagens.
período literário de Gregório de Matos, revela neste po-
ema um sujeito lírico consciente da brevidade da vida. E suposto que os louvores
( ) Em relação às marcas de religiosidade, a visão an- em boca própria não valem,
tagônica que se coloca entre os dois poemas reflete, no se tem força esta sentença,
Barroco, a influência do cristianismo e, no Arcadismo, a mor força terá a verdade.
da mitologia grega. O certo é, pátria minha,
Assinale a alternativa que preenche corretamente os que fostes terra de alarves,
parênteses, de cima para baixo. e inda os ressábios vos duram
a) V – V – V desse tempo e dessa idade.
b) V – F – F Haverá duzentos anos,
c) V – F – V nem tantos podem contar-se,
d) F – F – F que éreis uma aldeia pobre
e) F – V – F e hoje sois rica cidade.

4. (UFPR) Considerando a poesia de Gregório de Matos Então vos pisavam índios,


e o momento literário em que sua obra se insere, avalie e vos habitavam cafres,
as seguintes afirmativas: hoje chispais fidalguias,
I. Apresentando a luta do homem no embate entre a arrojando personagens.
____________________________________
carne e o espírito, a terra e o céu, o presente e a eter-
1Nota: entenda-se “Bahia” como cidade.
nidade, os poemas religiosos do autor correspondem à 2
Vocabulário: alarves – que ou quem é rústico, abrutado, grosseiro,
sensibilidade da época e encontram paralelo na obra de
ignorante – que ou o que é tolo, parvo, estúpido.
um seu contemporâneo, Padre Antônio Vieira. ressábios – sabor; gosto que se tem depois.
II. Os poemas erótico-irônicos são um exemplo da ver- cafres – indivíduo de raça negra.
satilidade do poeta, mas não são representativos da
a) Existem antíteses, características de textos no pe-
melhor poesia do autor, por não apresentarem a mes-
ma sofisticação e riqueza de recursos poéticos que os ríodo barroco.
poemas líricos ou religiosos apresentam. b) Há uma personificação, pois a Bahia, ser inanima-
do, é tratada como ser vivo.
III. Como bom exemplo da poesia barroca, a poesia do
autor incrementa e exagera alguns recursos poéticos, c) A ausência de métrica aproxima o poema do Mo-
deixando sua linguagem mais rebuscada e enredada dernismo.
pelo uso de figuras de linguagem raras e de resultados d) O eu lírico usa o vocativo, transformando a Bahia
tortuosos. em sua interlocutora.
IV. A presença do elemento mulato nessa poesia resga- e) Há diferença de tratamento para os habitantes lo-
ta para a literatura uma dimensão social problemática cais e os estrangeiros
da sociedade baiana da época: num país de escravos,
o mestiço é um ser em conflito, vítima e algoz em uma Leia o texto a seguir para responder às questões 6 a 8.
sociedade violentamente desigual.
1 Triste Bahia! Oh quão dessemelhante
Assinale a alternativa correta. 2 Estás, e estou do nosso antigo estado!
a) Somente as afirmativas I e II são verdadeiras. 3 Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
b) Somente as afirmativas I, II e III são verdadeiras. 4 Rica te vejo eu já, tu a mi abundante.
c) Somente as afirmativas I, III e IV são verdadeiras. 5 A ti trocou-te a máquina mercante,
d) Somente as afirmativas II e IV são verdadeiras. 6 Que em tua larga barra tem entrado,
e) Somente as afirmativas III e IV são verdadeiras. 7 A mim foi-me trocando, e tem trocado
8 Tanto negócio, e tanto negociante.
Leia o texto a seguir para responder à questão 5. 9 Deste em dar tanto açúcar excelente
10 Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Senhora Dona Bahia, 11 Simples aceitas do sagaz Brichote.
nobre e opulenta cidade, 12 Oh se quisera Deus, que de repente
madrasta dos naturais, 13 Um dia amanheceras tão sisuda
e dos estrangeiros madre: 14 Que fora de algodão o teu capote!
Dizei-me por vida vossa (MATOS, GREGÓRIO DE. POESIAS SELECIONADAS. 3.
em que fundais o ditame ED. SÃO PAULO: FTD, 1998. P. 141.)

11
6. (UEL) No que diz respeito à relação entre o eu lírico e c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
a Bahia, considere as afirmativas a seguir. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
I. Na primeira estrofe, o eu lírico identifica-se com a e) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas.
Bahia, pois ambos sofrem a perda de um antigo estado.
9. (G1 CFT-MG) O poeta Gregório de Matos tornou-se
II. Na primeira estrofe, a Bahia aparece personificada,
importante na representação da literatura barroca bra-
fato confirmado no momento em que ela e o eu lírico
se olham. sileira porque:
III. Na terceira estrofe, constata-se que a Bahia não está
isenta da culpa pela perda de seu antigo estado.
IV. Na quarta estrofe, o eu lírico conclui que a lamen-
tável situação da Bahia está em conformidade com a
vontade divina.
Assinale a alternativa correta.
a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
b) Somente as afirmativas II e IV são corretas.
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
ALEIJADINHO, CRISTO DO CARREGAMENTO DA CRUZ. 1998.
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
e) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas. a) enfatizou a produção poética satírica em detrimen-
to da religiosa.
7. (UEL) A partir da leitura do texto, considere as afir- b) pautou sua vida pelo respeito às normas e costu-
mativas a seguir. mes sociais e estéticos.
I. O poema faz parte da produção de Gregório de Matos c) criticou membros do clero e do poder político e
caracterizada pelo cunho satírico, visto que ridiculariza exaltou índios e mulatos.
vícios e imperfeições e assume um tom de censura. d) apropriou-se de formas e temas do barroco euro-
II. As figuras do desconsolado poeta, da triste Bahia e peu, adequando-os ao contexto local.
do sagaz Brichote são imagens poéticas utilizadas para
expressar a existência de um triângulo amoroso. 10. (UEG)
III. O poema apresenta a degradação da Bahia e do eu Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
lírico, em virtude do sistema de trocas imposto à co- Da vossa alta clemência me despido;
lônia, o qual privilegiava os comerciantes estrangeiros. Porque quanto mais tenho delinquido,
IV. Os versos “Que em tua larga barra tem entrado” e Vos tenho a perdoar mais empenhado.
“Deste em dar tanto açúcar excelente” conferem ao po- OBRA POÉTICA DE GREGÓRIO DE MATOS.
ema um tom erótico, pois, simbolicamente, sugerem a RIO DE JANEIRO: RECORD, 1990.
ideia de solicitação ao prazer.
Durante o período colonial brasileiro, as principais mani-
Assinale a alternativa correta. festações artísticas, populares ou eruditas, foram, assim
a) Somente as afirmativas I e II são corretas. como nos demais aspectos da vida cotidiana, marcadas
b) Somente as afirmativas I e III são corretas. pela influência da religiosidade. Nesse sentido, com base
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. na análise da presença da religiosidade na obra de Aleija-
dinho e Gregório de Matos, é correto afirmar:
d) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas.
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. a) Ambas são modelos da arte barroca, uma vez que
se inspiram mais na temática cristã do que em ele-
8. (UEL) Sobre figuras de linguagem no poema, conside- mentos oriundos da mitologia greco-romana.
re as afirmativas a seguir. b) A presença da temática religiosa em ambos deve-
I. A descrição do eu lírico e da Bahia configura uma antí- -se à influência protestante holandesa na região da
tese entre o estado antigo e o atual de ambos. Bahia e de Minas Gerais.
II. A antítese é verificada na oposição entre as expres- c) No trecho do poema, tem-se a expressão de um
sões “máquina mercante” e “drogas inúteis”, embora pecador que, embora creia em Deus, não tem certeza
ambas se refiram à Bahia. de que obterá o perdão divino.
III. Os versos 3 e 4 são exemplos do papel relevante da d) A pobreza estética da obra de Aleijadinho e Matos
gradação no conjunto do poema, pois enumeram esta- deriva da censura promovida pela Santa Inquisição às
dos de espírito do eu lírico. obras artísticas no Brasil.
IV. Os versos “Um dia amanheceras tão sisuda/ Que fora
de algodão o teu capote!” configuram exemplos de
personificação e metáfora, respectivamente. Gabarito
Assinale a alternativa correta. 1. E 2. E 3. C 4. C 5. C
a) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
b) Somente as afirmativas II e III são corretas. 6. D 7. B 8. A 9. D 10. A

12
Em 1856, entrou para a Imprensa Nacional como aprendiz
OBRA 2 de tipógrafo. Em 1858, tornou-se revisor e colaborador no
Correio Mercantil e, em 1860, foi para a redação do Diário
do Rio de Janeiro. Escreveu para a revista O Espelho, onde
estreou como crítico teatral, para a Semana Ilustrada e para
o Jornal das Famílias, no qual publicou contos. Foi um dos
fundadores da Academia Brasileira de Letras, que presidiu
QUINCAS BORBA: por mais de dez anos. Casou-se com Carolina Augusta Xa-
MACHADO DE ASSIS vier de Novais, que foi sua companheira durante 35 anos.
A obra de Machado de Assis abrange diversos gêneros li-
terários. Na poesia, inicia com o romantismo de Crisálidas
(1864) e Falenas (1870), passando pelo Indianismo em
Americanas (1875) e pelo Parnasianismo em Ocidentais
(1901). Paralelamente, apareciam as coletâneas de Con-
tos fluminenses (1870) e Histórias da meia-noite (1873);
os romances Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874),
Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878) são considerados como
pertencentes ao seu período romântico.
A partir daí, Machado de Assis entrou na fase das obras-pri-
mas que o tornaram o maior escritor da literatura brasileira e
1. Machado de Assis um dos maiores autores da literatura de língua portuguesa.
Machado publicou na Gazeta de Notícias, de 1881 a 1897,
diversos textos, mas, principalmente, suas melhores crôni-
cas. Em 1881, saiu o livro que daria uma nova direção à
sua carreira literária: Memórias póstumas de Brás Cubas. A
data se tornou o marco inicial do Realismo no Brasil. A partir
de 1881, ao remodelar a literatura e trazer conceitos que
negavam os princípios românticos, suas obras se tornaram
as representantes máximas do Realismo brasileiro. Os ou-
tros romances dessa fase são: Casa Velha (1885), Quincas
Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e
Memorial de Aires (1908).
Como contista, publicou Papéis avulsos (1882), Histórias
sem data (1884), Várias histórias (1896), Páginas recolhi-
das (1899) e Relíquias de Casa Velha (1906)
Em 1889, foi promovido a diretor da Diretoria do Comércio
no Ministério.
Para se compreender as inovações do "Bruxo do Cosme
Velho", como Machado ficou conhecido, é preciso consi-
derar que ele começou a escrever inspirado no molde de
José de Alencar, ou seja, publicou inicialmente romances
românticos, como as já citadas obras Ressurreição, A mão
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu na cidade do Rio
e a luva, Helena e Iaiá Garcia. Entretanto, seu reconheci-
de Janeiro em 21 de junho de 1839. Era mestiço, filho do
mento e consagração ocorre pelas obras realistas.
pintor Francisco José de Assis e de Maria Leopoldina Ma-
chado de Assis, portuguesa dos Açores. Perdeu a mãe muito O diálogo com o leitor, a digressão, a metalinguagem e
cedo e foi criado pela madrinha no Morro do Livramento. o mergulho na psicologia humana compõem o conjunto
Sem meios para cursos regulares, estudou sempre como um de genialidade temperada por ironia refinada, estilo que
autodidata. Com apenas 15 anos incompletos, publicou um desnuda as aparências da sociedade burguesa com um
soneto no Periódico dos Pobres, em 1854. Foi jornalista, con- cinismo elegante e que faz de Machado de Assis um dos
tista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo. maiores nomes da literatura mundial.

13
1.1. Linha do tempo midores para seus produtos industrializados. O Brasil conso-
lidava o Império apoiado no sistema escravista e com algum
ƒ 1839 – Nasce Joaquim Maria Machado de Assis, no dia encaminhamento de modernização.
21 de junho, no Rio de Janeiro. Filho do brasileiro Fran-
cisco José de Assis e da portuguesa Maria Leopoldina Machado de Assis viveu momentos importantes da história
Machado de Assis, moradores do Morro do Livramento. do Brasil, como a Guerra do Paraguai, a luta abolicionista
e a constituição da República, que repercutiram em sua
ƒ 1849 – Depois do falecimento de sua mãe e de sua
produção literária. A segunda metade do século XIX foi, de
única irmã, Machado é cuidado por sua madrinha
fato, um período de intensas transformações na sociedade
ƒ 1854 – Seu pai casa-se com Maria Inês da Silva, brasileira. O que é possível perceber no romance Quincas
com quem Machado continuará vivendo depois da Borba, em que o Rio de Janeiro, por ser a corte, era um
morte do pai. espaço onde surgiam os enganadores e suas falcatruas.
ƒ 1855 – Publica “A palmeira”, seu primeiro trabalho,
e “Ela”, seu primeiro poema, no periódico Marmota
Fluminense.
2. Quincas Borba
ƒ 1856 – Entra para a Tipografia Nacional como aprendiz.
ƒ 1858 – Estuda francês e latim com o professor padre
Antônio José da Silveira Sarmento. Torna-se revisor de
provas de tipografia e da livraria do jornalista Paula Bri-
to. Nesse período, conhece membros da Sociedade Pe-
talógica, como Manuel Antônio de Almeida e Joaquim
Manoel de Macedo. Escreve para os jornais O Paraíba
e Correio Mercantil.
ƒ 1864 – Publica o volume de poesias Crisálidas, seu
primeiro livro.
ƒ 1867 – É nomeado ajudante do diretor no Diário Oficial.
ƒ 1869 – Casa-se com Carolina Augusta Xavier de Novaes.
ƒ 1873 – É nomeado o primeiro-oficial da Secretaria
do Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas.
ƒ 1878 – Passa uma temporada em Friburgo para cuidar
da saúde.
ƒ 1881 – Torna-se oficial de gabinete do ministro da
Agricultura, Pedro Luis.
ƒ 1888 – Torna-se oficial da Ordem da Rosa por decreto
do imperador.
Na obra de Machado de Assis, o personagem Quincas Borba
ƒ 1889 – É nomeado diretor na Diretoria do Comércio. aparece pela primeira vez no livro Memórias póstumas de
ƒ 1897 – É eleito presidente da Academia Brasileira de Le- Brás Cubas. No romance de 1891, por sua vez, o título da
tras, da qual, um ano antes, havia sido um dos fundadores. obra faz referência direta ao filósofo Quincas Borba, que
morre logo no início da história. Depois de sua morte, Pedro
ƒ 1904 – Torna-se membro da Academia das Ciências
de Lisboa. Morre sua mulher, Carolina Xavier. Rubião de Alvarenga, que era seu discípulo e enfermeiro par-
ticular, é beneficiado com uma grande herança.
ƒ 1908 – Falece no Rio de Janeiro em 29 de setembro.
Com o dinheiro da herança, Rubião, ex-professor primá-
rio e enfermeiro, muda-se da fazenda que vivia na cidade
1.2. Tempo de mudanças de Barbacena, em Minas Gerais, para a cidade do Rio de
Na segunda metade do século XIX, Inglaterra e França de- Janeiro, e passa a viver em um palacete no bairro de Bo-
tinham o controle administrativo, econômico e militar do tafogo. Rubião fica encarregado de cuidar do cão de seu
mundo capitalista e buscavam ampliar o número de consu- amigo, que, ironicamente, chama-se Quincas Borba.

14
Na mudança de sua vida provinciana para a vida na cidade, “Um criado trouxe o café. Rubião pegou na xícara e, en-
Rubião conhece o casal Palha: Sofia e Cristiano. quanto lhe deitava açúcar, ia disfarçadamente mirando a
bandeja, que era de prata lavrada. Prata, ouro, eram os
A partir daí, ele começa a ter contato com diversas caracte- metais que amava de coração; não gostava de bronze,
rísticas que o levam a se tornar um “professor capitalista”. mas o amigo Palha disse-lhe que era matéria de preço,
e assim se explica este par de figuras que aqui está na
No Rio de Janeiro, Rubião foi visto como uma pessoa que sala, um Mefistófeles e um Fausto.”
poderia ser facilmente enganada, dada a sua ingenuidade
e vida simples que levava em Minas Gerais. Então, Rubião ƒ Cristiano Palha: marido de Sofia e suposto amigo de
passa a conviver com o casal Palha, seus supostos novos Rubião, mas que está interessado somente em sua fortu-
“amigos”, e acaba se interessando pela beleza e meiguice na. Cristiano rompe a sociedade com Rubião, alegando
de Sofia. Em certo ponto da história, Rubião resolve declarar a necessidade de se afastar da empresa para assumir
seu amor, mas é rejeitado pela moça, que é fiel a seu marido. cargos no sistema financeiro. Na verdade, já estabeleci-
Sofia conta o ocorrido a Cristiano, que, mesmo sabendo dos do, Cristiano quer continuar a conduzir sozinho os seus
intentos de Rubião, continua a relação com ele, uma vez que negócios. Sofia também se afasta de Rubião, recusando
está interessado em sua fortuna. Rubião e Cristiano se tor- seus insistentes convites para passeios.
nam sócios em uma importadora, Palha & Cia “Chegados à estação da corte, despediram-se quase fa-
miliarmente (...). No dia seguinte, estava Rubião ansioso
Rubião, aos poucos, vai perdendo a razão devido à rejeição por ter ao pé de si o recente amigo da estrada de ferro,
de Sofia. Ele acredita ser Napoleão III e repete aos quatro e determinou ir a Santa Teresa, à tarde; mas foi o próprio
cantos a máxima de seu falecido amigo Quincas Borba: Palha que o procurou logo de manhã.”
“Ao vencedor, as batatas”.
ƒ Sofia Palha: esposa de Cristiano, que por sua vez,
Fala de Quincas Borba: fica interessada em Carlos Maria. Ela apoia o marido
“Não há morte. O encontro de ditas expansões, ou a ex- em suas ações.
pansão de duas formas, pode determinar a supressão de “As senhoras casadas eram bonitas; a mesma solteira
uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, não devia ter sido feia, aos vinte e cinco anos; mas Sofia
porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência primava entre todas elas. Não seria tudo o que o nos-
da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e so amigo sentia, mas era muito. Era daquela casta de
comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. mulheres que o tempo, como um escultor vagaroso, não
Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As acaba logo, e vai polindo ao passar dos longos dias. Es-
batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, sas esculturas lentas são miraculosas; Sofia rastejava os
que assim adquire forças para transpor a montanha e ir
vinte e oito anos; estava mais bela que aos vinte e sete;
à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas,
era de supor que só aos trinta desse o escultor os últimos
se as duas tribos dividirem em paz as batatas do cam-
retoques, se não quisesse prolongar ainda o trabalho,
po, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de
por dois ou três anos.”
inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a
conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe ƒ Carlos Maria: homem que desperta o interesse de Sofia
os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, e que, por fim, casa-se com a prima dela. Torna-se amigo
recompensas públicas e todos demais efeitos das ações
de Rubião. Trata-se de um rapaz que exala prepotência.
bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não
chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só “Queres o avesso disso, leitor curioso? Vê este outro
comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e convidado para o almoço, Carlos Maria. Se aquele tem
pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza os modos “expansivos e francos”, – no bom sentido
uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou laudatório, – claro é que ele os tem contrários. Assim,
compaixão; ao vencedor, as batatas.” não te custará nada vê-lo entrar na sala, lento, frio e
superior, ser apresentado ao Freitas, olhando para outra
No fim da história, Rubião foge para Barbacena com o cachor- parte. Freitas que já o mandou cordialmente ao diabo
ro, onde morre. O casal Palha, por outro lado, torna-se rico. por causa da demora (é perto do meio-dia), corteja-o
agora rasgadamente, com grandes aleluias íntimas.”
2.1. Personagens ƒ Maria Benedita: prima de Sofia e esposa de Carlos
ƒ Rubião: enfermeiro, ex-professor do primário na cida- Maria. Trata-se de uma personagem secundária da obra.
de de Barbacena e protagonista da narrativa. De origem No livro, há o relato de que o nome “Maria Benedita” a
humilde, muda radicalmente de vida quando conhece o incomodava, por ser um nome de velha. É uma mulher
filósofo Quincas Borba e se torna seu herdeiro. Rubião prendada, que aprende bons costumes com sua prima.
demonstra descontrole em relação à fortuna, além de “Maria Benedita, nome que a fechava, por ser de ve-
se mostrar ingênuo. Apaixona-se por Sofia, mulher de lha, dizia ela; mas a mãe retorquia-lhe que as velhas
seu mais novo amigo, Cristiano Palha. foram algum dia moça as meninas, e que os nomes

15
adequados às pessoas eram imaginações de poetas e 2.2. Análise
contadores de histórias.”
ƒ Camacho: advogado, político e falso jornalista, figura 2.2.1. Espaço e tempo
que vai se aproveitar da fortuna de Rubião.
O livro foi publicado em 1891, mas a narrativa começa em
“Ao mesmo tempo entrou no gabinete, onde os dez
1867, em Barbacena, Minas Gerais, estendendo-se para o
homens tratavam de política, porque este baile, ia-me
esquecendo dizê-lo, era dado em casa de Camacho, a Rio de Janeiro a partir de 1870. Toda a história se passa em
propósito dos anos da mulher.” Barbacena, devido à universalidade do texto, poderia ser
em qualquer lugar do mundo. Fora isso, os fatos intermedi-
ƒ D. Fernanda: a personagem nasceu em Porto Alegre e
ários acontecem na Corte (RJ).
possuía pouco mais de trinta anos. Era jovem, expansi-
va, corada e robusta.
2.2.2. O narrador
“Sofia organizou a comissão, que trouxe novas relações
à família Palha. Incluída entre as senhoras que forma- O narrado da obra, em terceira pessoa, possui uma posição
vam uma das subcomissões, Maria Benedita trabalhou imparcial sobre os fatos. O narrador de Quincas Borba é, em
com todas, mas granjeou em especial a estima de uma certa medida, o próprio Machado de Assis. É importante res-
delas, D. Fernanda, esposa de um deputado. D. Fernanda saltar que não se deve confundir o narrador com o escritor.
se casara com um bacharel das Alagoas, deputado agora
por outra província, e, segundo corria, prestes a ser mi- Machado de Assis assume a postura de escritor/narrador. A
nistro de Estado.” passagem a seguir, como outras da obra, quebra a objetivi-
ƒ Dona Tônica: é personagem secundária. D. Tônica é dade do narrador em terceira pessoa:
filha do Major Siqueira. Ela é caracterizada por ser uma Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler Me-
“solteirona” desesperada para se casar. mórias Póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago
ƒ Quincas Borba (o cão): teve esse nome dado pelo da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado e
seu dono, também chamado Quincas Borba e, mais tar- inventor de uma filosofia. Aqui o tens agora, em Barbacena.”
de, vem a ter outro dono: Rubião. Ao longo da narrativa,
o cão mostra-se amável e fiel. As atitudes do cão faziam 2.2.3. Temas: filósofo ou cachorro?
com que Rubião achasse que ele recebera a alma do A principal característica do romance é o foco nas relações
filósofo morto. sociais de seu tempo. Machado faz fortes críticas às rela-
ções humanas. Temas como herança, traição, poder, apa-
rência, loucura, ironia, imoralidade e falsidade são recor-
rentes na obra de Machado.
O adultério, temática sempre presente nas obras macha-
dianas da fase resalista, é insinuada no interesse que Sofia
manifesta pelos homens que a cortejam: vale mencionar os
personagens Rubião e Carlos Maria. A traição não chega a
acontecer de fato, talvez porque a moça tenha no marido
o seu melhor parceiro na enganação, sendo esta, afinal, a
temática central da obra.
O engodo sugere a existência de uma sociedade improdu-
tiva e parasitária, que age sempre sob máscaras que dis-
simulam duvidosas transações financeiras e falsos elogios
nos jornais. O jogo de aparências revela a verdadeira face
da sociedade: um diretor de banco é humilhado em uma
visita ao ministro e desconta em Cristiano Palha, tratando-
-o da mesma forma. O próprio Rubião, senhor de sua for-
tuna, sente-se pequeno ao se deparar com a suntuosidade
de uma baronesa do Império. Nesse sentido, a demonstra-
ção de poder é sempre mais importante que o poder em si,
que permanece mascarado.
No desenrolar do enredo, o leitor pode questionar as razões
do título dado ao livro. Seria uma referência ao filósofo que

16
morre logo na abertura ou ao cachorro que fica de herança? Na obra Memórias póstumas de Brás Cubas, o personagem
A resposta não pode ser dada antes da reflexão de que am- Quincas Borba é citado pelo autor. Por isso, o livro Quincas
bas as respostas estão certas. Segundo a filosofia criada por Borba pode ser considerado (em partes) uma continuação
Quincas Borba, Humanitas é o princípio da existência que se de Brás Cubas.
manifestaria em todo ser vivente, podendo também existir As narrativas de Memórias póstumas de Brás Cubas e de
no cão. E talvez esteja nesse princípio a verdadeira razão do Quincas Borba tocam-se no início do capítulo IV, sendo
título: ele pode ser uma referência ao Humanitismo. uma espécie de continuação daquela. Mas a história de
A história de Rubião confirma a filosofia de Quincas Borba. Quincas Borba é completamente outra.
Sofia e seu marido não fazem mais do que seguir a máxima Quincas Borba retrata a jornada de Rubião rumo à loucu-
segundo a qual “Humanitas precisa comer”. Eles seguem ra. Assim, o verdadeiro elo entre os romances é apenas o
à risca essa prescrição, alimentando-se da fortuna e da in- Humanitismo, filosofia com a qual Quincas Borba marcou
genuidade de Rubião. Segundo outra máxima da filosofia sensivelmente Brás Cubas, mas que, apesar de seus esfor-
de Quincas e que aparece na fala de Rubião antes de mor- ços, não conseguiu transmitir a Rubião.
rer: “Ao vencedor, as batatas”. Os espólios da guerra se
destinam aos vitoriosos. Rubião é o derrotado justamente Nas duas obras, Machado trata da teoria filosófica do Hu-
por representar o anti-Humanitas, uma vez que nada em manitismo criada por Quincas.
sua vida foi conquistado com luta, mas por mera condição Segundo o filósofo, esse conceito está relacionado com a
do acaso. Sua loucura gradativa – aproximada da loucura exploração das pessoas e a falta de humanismo na cons-
que atinge Quincas Borba – é a confirmação do destino de trução das relações sociais.
quem acreditou excessivamente na aparência. Ironicamen-
Assim, nessa luta incessante pela sobrevivência, os ingênu-
te Rubião morreu acreditando ser Napoleão III.
os são manipulados pelos espertos, os fracos padecem, e
Nesse sentido, Quincas Borba simboliza a reafirmação dos os fortes permanecem vivos e manipulando outros.
princípios humanitistas, livres de moralidade, em que tudo
O livro retrata a filosofia inventada por Quincas Borba, de
é permitido, porque tudo se faz em nome da substância que a vida é um campo de batalha no qual só os mais for-
original. A filosofia se enquadra perfeitamente no jogo de tes sobrevivem, e em que fracos e ingênuos, como Rubião,
fingimento das relações sociais – a moralidade aparente es- são manipulados e aniquilados pelos fortes e espertos,
conde a imoralidade da essência dessas relações. como Palha e Sofia, que terminam vivos e ricos.

2.2.4. A filosofia: Humanitismo “Nunca há morte. Há encontro de duas expansões, ou ex-


pansão de duas formas”, diz a frase com que Quincas Bor-
ba criou sua filosofia. E, ao tentar explicá-la melhor, acabou
formulando a célebre máxima: "Ao vencedor, as batatas".
Esse é o princípio que rege a lógica constitutiva da obra.
Assim, é importante que o aluno entenda a explicação nas
palavras do próprio Quincas:
“Supõem-se em um capo de duas tribos famintas. As bata-
tas apenas chegavam para alimentar uma das tribos, que
assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra
vertente, onde há batatas em abundância; mas se as duas
tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam
a nutrir-se suficientemente e morrerão de inanição. A paz,
neste caso, é a destruição; a guerra, é a esperança.
Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos.
Daí, a alegria da vitória, os hinos, as aclamações. Se a
guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam
a dar-se. Ao vencido, o ódio ou compaixão. Ao vencedor,
as batatas!”
Esta tal “filosofia” se enquadra no jogo de fingimento das
relações sociais em que a aparente moralidade esconde a
imoralidade dessas relações.

17
2.3. O romance machadiano da obra em que se insere. Por isso, hoje em dia, tende a
ostentar sentido pejorativo, equivalente a “desvio”, “di-
vagação”, “subterfúgio”.
2.3.1. Estilo (MOISÉS, MASSAUD. 2004, P. 125)
O estilo machadiano pode ser definido como elegância e
certa contenção ao escrever, rápidas pinceladas na compo- 2.3.2. Crítica
sição da personagem e muita discrição. O autor sempre foi “Seja no plano da forma, através das interrupções, seja
adepto de personagens fortes. A sua enorme capacidade no plano do conteúdo, através de anedotas e apólo-
de observação do ser humano e da sociedade não é um gos sobre a vaidade humana, a experiência visada não
privilégio da fase realista e está presente desde o início. muda, (...) Machado carrega a tinta com maestria – são
formas fechadas em si mesmo, e neste sentido, matéria
Machado de Assis organizou seus personagens de modo romanesca de segunda classe, estranha ao movimento
diverso ao dos românticos, ainda que tivesse aproveita- global própria ao grande romance oitocentista.”
do as lições que aprendeu na leitura de grandes mestres, (SCHWARZ, ROBERTO. UM MESTRE NA PERIFERIA DO CAPITALISMO. P. 51.)
como José de Alencar, o português Almeida Garrett, o fran-
cês Victor Hugo e o inglês Swift.
Nos romances iniciais, Machado é um romântico um pouco
diferente: já é marcante a crítica que haveria de constituir
sua característica singular. Em sua obra, o casamento não
era a cura para todos males (como acreditavam os românti-
cos), mas um tipo de comércio, uma certa troca de favores.
Nos romances escritos depois de 1880, Machado intensifi-
cou essa crítica social, assumindo uma fina ironia ao foca-
lizar questões delicadas como o casamento, o adultério, a
exploração do homem pelo homem, entre outros. Notabi-
lizou-se por olhar além das máscaras sociais a fim de des-
mascarar o jogo das relações e de compreender a natureza
humana, focalizando personagens com espírito de análise.
Em outras palavras, Machado de Assis acreditava que nos
indivíduos existem sempre intenções supostas para objeti-
vos reais. É disso que resultam os atos, os quais se dirigem
para a satisfação pessoal de quem os prática.
De acordo com o crítico literário Roberto Schwarz, nos ro-
mances machadianos quase todas as frases possuem se-
gunda intenção ou propósito espirituoso:
A prosa é detalhista ao extremo, sempre à cata de efeitos
imediatos, o que amarra a leitura ao pormenor e dificul-
ta a imaginação do panorama. Em consequência, e por
causa também da campanha do narrador para chamar
a atenção sobre si mesmo, a composição do conjunto
pouco aparece.” 2.4. Trechos da obra
(SCHWARZ, ROBERTO. IN: UM MESTRE NA PERIFERIA DO Acompanhe alguns trechos para compreender melhor a
CAPITALISMO – MACHADO DE ASSIS. P. 18) linguagem utilizada no livro. Confira abaixo:
Outro elemento do estilo machadiano é a digressão, que
o autor empregava com maestria. De acordo com o crítico 2.4.1. Prólogo da 3ª edição
Massaud Moisés: A segunda edição deste livro acabou mais depressa que a
Própria do discurso oratório, a digressão pode apresen- primeira. Aqui sai ele em terceira, sem outra alteração além
tar qualquer medida, aparecer em qualquer parte do da emenda de alguns erros tipográficos, tais e tão poucos
texto e em obras de qualquer outra natureza, sobretudo que, ainda conservados, não encobririam o sentido.
a poesia épica, o romance e o ensaio. Empregada desde
a antiguidade greco-latina, constitui expediente difícil de Um amigo e confrade ilustre tem teimado comigo para que
manejar, uma vez que pode comprometer a integridade dê a este livro o seguimento de outro. “Com as Memórias

18
Póstumas de Brás Cubas, donde este proveio, fará você
uma trilogia, e a Sofia de Quincas Borba ocupará exclusiva-
mente a terceira parte.” Algum tempo cuidei que podia ser,
mas relendo agora estas páginas concluo que não. A Sofia
está aqui toda. Continuá-la seria repeti-la, e acaso repetir o
mesmo seria pecado. Creio que foi assim que me tacharam
este e alguns outros dos livros que vim compondo pelo multimídia: vídeo
tempo fora no silêncio da minha vida. Vozes houve, gene-
FONTE: YOUTUBE
rosas e fortes, que então me defenderam; já lhes agradeci
em particular; agora o faço cordial e publicamente. Quincas Borba, 1987, dirigido por Roberto Santos
Releitura do clássico de Machado de Assis. Rubião sai
1899 – M. DE A.
do interior de Minas Gerais com apenas um objetivo
em mente: aproveitar ao máximo todos os prazeres que
2.4.2. Capítulo II uma cidade como o Rio de Janeiro pode lhe oferecer, em
Que abismo que há entre o espírito e o coração! O espírito uma viagem patrocinada pelo dinheiro que seu mestre,
do ex-professor, vexado daquele pensamento, arrepiou ca- o filósofo Quincas Borba, lhe deixou como herança. No
minho, buscou outro assunto, uma canoa que ia passando; entanto, assim que Rubião chega à Cidade Maravilhosa,
o coração, porém, deixou-se estar a bater de alegria. Que as coisas começam a se complicar.
lhe importa a canoa nem o canoeiro, que os olhos de Ru-
bião acompanham, arregalados? Ele, coração, vai dizendo
que, uma vez que a mana Piedade tinha de morrer, foi bom Aplicando para
que não casasse; podia vir um filho ou uma filha... – Bonita
canoa! – Antes assim! – Como obedece bem aos remos do aprender (A.P.A.)
homem! – O certo é que eles estão no céu!
1. (ITA) Em 1891, Machado de Assis publicou o roman-
ce Quincas Borba, no qual um dos temas centrais do
2.4.3. Capítulo XCV Realismo, o triângulo amoroso (formado, a princípio,
pelas personagens Palha–Sofia–Rubião), cede lugar a
Vou agarrá-la antes de chegar ao Catete, disse Rubião su- uma equação dramática mais complexa e com diversos
bindo pela Rua do Príncipe. desdobramentos. Isso se explica porque:
Calculou que a costureira teria ido por ali. Ao longe, des- a) o que levava Sofia a trair Palha era apenas o interesse
cobriu alguns vultos de um e outro lado; um deles pare- na fortuna de Rubião, pois ela amava muito o marido.
ceu-lhe de mulher. Há de ser ela, pensou; e picou o passo. b) Palha sabia que Sofia era amante de Rubião, mas
fingia não saber, pois dependia financeiramente dela.
Entende-se naturalmente que levava a cabeça atordoada:
c) Sofia não era amante de Rubião, como pensava
Rua da Harmonia, costureira, uma dama, e todas as rótu-
seu marido, mas sim de Carlos Maria, de quem Pal-
las abertas. Não admira que, fora de si, e andando rápido, ha não tinha suspeita alguma.
desse um encontrão em certo homem que ia devagar, ca- d) Sofia não era amante de Rubião, mas se interessou
bisbaixo. Nem lhe pediu desculpa; alargou o passo, vendo por Carlos Maria, casado com uma prima de Sofia, e
que a mulher também andava depressa. este por Sofia.
e) Sofia não se envolvia efetivamente com Rubião, pois
2.4.4. Capítulo CCI se sentia atraída por Carlos Maria, que a seduziu e de-
pois a rejeitou.
Queria dizer aqui o fim do Quincas Borba, que adoeceu
2. (PUC-RS) No início de Quincas Borba, a personagem
também, ganiu infinitamente, fugiu desvairado em busca do
Rubião avalia sua trajetória, enquanto olha para o mar,
dono, e amanheceu morto na rua, três dias depois. Mas, ven- para os morros, para o céu, da janela de sua casa, em
do a morte do cão narrada em capítulo especial, é provável Botafogo. Passara de _______________ a capitalista ao
que me perguntes se ele, se o seu defunto homônimo é que _______________. Mas, no final do romance, o persona-
dá o titulo ao livro, e por que antes um que outro, – questão gem acaba morrendo na miséria.
prenhe de questões, que nos levariam longe. Eia! chora os As lacunas podem ser correta e respectivamente pre-
dois recentes mortos, se tens lágrimas. Se só tens riso, ri-te! enchidas por:
É a mesma coisa. O Cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, a) jornalista – receber um prêmio
como lhe pedia Rubião, está assaz alto para não discernir os b) professor – receber uma herança
risos e as lágrimas dos homens. c) enfermeiro – se tornar comerciante

19
d) filósofo – investir em terras b) da admiração de Machado de Assis pelos muitos
e) enfermeiro – se casar com Sofia “ismos” surgidos no início do século XX: futurismo,
impressionismo, dadaísmo.
3. (UFRGS) Assinale a alternativa correta em relação a c) da capacidade de Machado de Assis em antever os
Quincas Borba, de Machado de Assis. muitos “ismos” que surgiriam no século XIX: darwi-
a) O título do livro, como esclarece o narrador, refere-se nismo, positivismo, evolucionismo.
ao filósofo Quincas Borba, criador do “Humanitismo”. d) da preocupação didática de Machado de Assis com
b) Quincas Borba é apenas um interiorano milionário a transmissão de conhecimentos filosóficos consoli-
explorado por parasitas sociais como Palha e Camacho. dados na época.
c) Rubião é objeto de disputa amorosa entre a bela e) da competência de Machado de Assis em antecipar
Sofia e dona Tonica, filha do major Siqueira. a estética surrealista surgida no século XX.
d) Rubião, sócio do marido de Sofia, comete adultério
6. (CEFET-PR) A filosofia de Quincas Borba é explicada
com ela sem levantar suspeitas.
nos primeiros capítulos do romance. Posteriormente, em
e) Ao fugir do hospital, Rubião retorna com Quincas
alguns momentos de delírio, Rubião recorda-se dos ensi-
Borba à sua cidade de origem, Barbacena.
namentos do mestre e os sintetiza na frase: “Ao vencedor,
As questões 4 e 5 referem-se ao texto a seguir, extraído as batatas”. A versão completa da máxima, enunciada
do sexto capítulo de Quincas Borba (1892), de Machado por Quincas a Rubião no capítulo 6, é esta: “Ao vencido,
de Assis (1839-1908). ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”.
A filosofia inventada por Quincas Borba pode ser com-
“Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As ba- provada com os seguintes acontecimentos do romance,
tatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim exceto:
adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente,
onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividem a) a organização da comissão das Alagoas.
em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficiente- b) a morte da avó de Quincas, atropelada por carro puxa-
mente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a do a cavalos.
guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e reco- c) o tipo de relação estabelecida entre Camacho e Rubião.
lhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, re- d) o empenho de D. Fernanda em casar Maria Benedita.
compensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. e) o gesto de Rubião de salvar de um atropelamento
Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a o menino Deolindo.
dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o
que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que 7. (FATEC) Leia o texto.
nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói.
Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.” Capítulo CC
(ASSIS, JOAQUIM MARIA MACHADO DE. QUINCAS BORBA. RIO Poucos dias depois, [Rubião] morreu... Não morreu súbdito nem
DE JANEIRO: NOVA AGUILAR, 1997, P. 648-649.) vencido. Antes de principiar a agonia, que foi curta, pôs a coroa
na cabeça, — uma coroa que não era, ao menos, um chapéu
4. Com base nas palavras de Quincas Borba, considere velho ou uma bacia, onde os espectadores palpassem a ilusão.
as afirmativas a seguir: Não, senhor; ele pegou em nada, levantou nada e cingiu nada;
I. As duas tribos existem separadamente uma da outra. só ele via a insígnia imperial, pesada de ouro, rútila de brilhantes
II. A necessidade de alimentação determina os termos e outras pedras preciosas. O esforço que fizera para erguer meio
do relacionamento entre as duas tribos. corpo não durou muito; o corpo caiu outra vez; o rosto conservou
III. O relacionamento entre as duas tribos pode ser porventura uma expressão gloriosa.
amistoso (“dividem entre si as batatas”) ou competiti- — Guardem a minha coroa, murmurou. Ao vencedor...
vo (“uma das tribos extermina a outra”).
A cara ficou séria porque a morte é séria; dous minutos de ago-
IV. O campo de batatas determina a vitória ou a derrota
nia, um trejeito horrível, e estava assinada a abdicação.
de cada uma das tribos.
Estão corretas apenas as afirmativas: Capitulo CCI
a) I e IV. Queria dizer aqui o fim do Quincas Borba, que adoeceu também,
b) II e III. ganiu infinitamente, fugiu desvairado em busca do dono, e ama-
c) III e IV. nheceu morto na rua, três dias depois. Mas, vendo a morte do
d) I, II e III. cão narrada em capítulo especial, é provável que me perguntes
e) I, II e IV. se ele, se o seu defunto homônimo é que dá titulo ao livro, e por
que antes um que outro, – questão prenhe de questões, que nos
5. (UEL) O Humanitismo, filosofia criada por Quincas levariam longe... Eia! chora os dous recentes mortos, se tens lá-
Borba, é revelador: grimas. Se só tens riso, ri-te! É a mesma cousa. O Cruzeiro que a
a) do posicionamento crítico de Machado de Assis linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto
aos muitos “ismos” surgidos no século XIX: darwinis- para não discernir os risos e as lágrimas dos homens.
mo, positivismo, evolucionismo. (MACHADO DE ASSIS. QUINCAS BORBA.)

20
Depreende-se do texto que:
a) ao narrar a agonia de Rubião, o narrador deixa
implícito que aquele merecia as honrarias de um rei.
b) a ambiguidade no título do romance, Quincas Bor-
ba, justifica-se pelo fato de o autor não conseguir de-
finir-se por homenagear o filósofo ou seu cão.
c) a afirmação que encerra o capítulo CC revela um
traço machadiano característico: a ironia.
d) a declaração de que Sofia não quis fitar o Cruzeiro
revela a indiferença como matriz do estilo do autor.
e) a linguagem empregada para descrever a morte
de Quincas Borba revela tendência do narrador a dar
mais importância ao cão do que a Rubião.

Gabarito
1. D 2. B 3. E 4. D 5. A (CÓD.1.1)

6. D 7. E

21
papos amenos, amizade, amor. Acho que a poesia está
OBRA 3 contida nisso tudo”
(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE EM 'PROCURA DA POESIA')

Ao longo de sua carreira como escritor, lançou dezenas


de livros de prosa, verso, contos e ensaios. Teve seu título
traduzido para diversas línguas e levou a poesia mineira
ALGUMA POESIA: para muito além das fronteiras brasileiras. Drummond foi
seguramente, por muitas décadas, o poeta mais influen-
CARLOS DRUMMOND te da literatura brasileira em seu tempo. Além disso, foi
DE ANDRADE tradutor de autores estrangeiros: Balzac, Marcel Proust,
García Lorca e Molière.
Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro RJ,
no dia 17 de agosto de 1987, 12 dias após a morte de sua
filha única, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade
DISPONÍVEL EM: <HTTP://STATIC.AGENCIAMINAS.MG.GOV.BR/NOTICIA/
HOMENAGENS-A-CARLOS-DRUMMOND-DE-ANDRADE-MARCAM-
O-DIA-NACIONAL-DA-POESIA>. ACESSO EM: JAN.2021

2. Alguma Poesia
1. Carlos Drummond de Andrade Meu primeiro livro, Alguma poesia (1930), traduz uma
grande inexperiência do sofrimento e uma deleitação
ingênua com o próprio indivíduo. Já em Brejo das al-
mas (1934) alguma coisa se compôs, se organizou; o
individualismo será mais exacerbado, mas há também
uma consciência crescente de sua precariedade e uma
desaprovação tácita da conduta (ou falta de conduta)
espiritual do autor.
DRUMMOND DE ANDRADE, CARLOS. "AUTOBIOGRAFIA
PARA UMA REVISTA". CONFISSÕES DE
MINAS. POESIA E
PROSA. RIO DE JANEIRO: NOVA AGUILAR, 1992.

Alguma Poesia é o livro de estreia do poeta de Itabira. Uma


obra ímpar para compreensão da Literatura no Brasil hoje
e sempre, o livro é, também, uma chave importante no
auxílio à percepção crítica do que foi o movimento mo-
1.1. A vida do poeta e cronista dernista. Dedicado a Mário de Andrade, amigo do autor
e outro grande escritor brasileiro, a obra capta e trabalha
Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, em 31 sobre os influxos da semana de 22, reunindo a "grande
de outubro de 1902. De uma família de fazendeiros, estu-
inexperiência", como diz o próprio Drummond, e uma sin-
dou em Belo Horizonte, onde também começou a carreira
cera vontade de escrita.
de escritor como colaborador do Diário de Minas, que reu-
nia conhecidos jornalistas e escritores mineiros expoentes Definindo o primeiro momento do modernismo como
do movimento modernista. uma busca não apenas pelo rompimento e pela iden-
tidade nacional, mas também como um marco para a
Pressionado pela família, Drummond formou-se em far-
apropriação de uma linguagem que fosse real, o livro
mácia na cidade de Ouro Preto, em 1925. Não seguiu a
de Drummond, datado de 1930, figura bem na transi-
carreira. Ingressou no serviço público e, em 1934, mudou-
ção desse referido período para um segundo momento, a
-se para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete do
fase em que a linguagem está em posse dos escritores, o
amigo Gustavo Capanema, então ministro da Educação.
momento de consolidar os ideais. Alguma poesia, portan-
Em 1945, passou a trabalhar no Serviço do Patrimônio His-
tórico e Artístico Nacional até se aposentar em 1962. to, traz em seus 49 um olhar irreverente para a tradição
literária, na mesma medida em que propõe com enorme
“Se eu gosto de poesia?
autenticidade atenção para importantes questões sobre o
Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, indivíduo, o Brasil e a própria poesia.

22
O homem atrás do bigode
Aspectos gerais é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
ƒ Otto Maria Carpeaux define o conjunto como: “no- Tem poucos, raros amigos
tações sensíveis, descontínuas, características do o homem atrás dos óculos e do -bigode,
impressionismo sentimental.”; Meu Deus, por que me abandonaste
ƒ Sensação de incompletude; se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
ƒ Significações para as impotências existenciais e
Mundo mundo vasto mundo,
poéticas: “Tinha uma pedra no meio do caminho” se eu me chamasse Raimundo
ƒ O sujeito moderno e a autoidentificação; seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
ƒ Possibilidades do humor e da confidência prosaica; mais vasto é meu coração.

ƒ Legado, desarranjado, do Modernismo de 22 . Eu não devia te dizer


mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
2.1. A Modernidade O gauche drummondiano foi bastante estudado por Alci-
A obra de Drummond é carregada por tensões dialéticas des Villaça, professor doutor na Universidade de São Paulo,
que vez ou outra privilegiam uma face em detrimento da e, em seu livro, Passos de Drummond (2006), desenvolve:
outra – o destaque na expressão do privilégio aqui diz res- Por ocasião do "Poema de Sete Faces", o estreante Drum-
peito ao fato de tal tensão jamais encontrar solução. Nessa mond está ainda num primeiro passo da perplexidade: o
direção, o poeta que vem de Itabira, o mineiro no Rio, ex- gauche se mostra sobretudo na insuficiência psicológica
plora a modernidade como o indivíduo que se apresenta para a ação dentro de um mundo de movimentos rápidos e
de excessivos convites. A primeira tarefa, para o poeta, é ter
enquanto faces de uma "vida besta" e de um "mundo consciência disso, é iluminar a timidez na praça antes que
torto". Há impotência em modificar o último. No entanto, seja acusada pelo outro – sempre um virtual demolidor.
ainda assim, há no fazer poético certo aclaramento sobre
Assim, o poeta assume uma posição de tocaia, como quem
as questões que turvam este mesmo mundo.
adapta o voyeurismo de Baudelaire. Essa tocaia, no entan-
Figura que sintetiza a leitura da modernidade nessa obra to, não deixa de expor percepções e de retorcer sentidos do
aparentemente descontínua é o gauche, indicado no fa- fazer poético, da autoidentificação e do projeto nacional do
moso Poema de sete faces. A figura desse passante (pelas modernismo de 22.
ruas, pela vida) remete também aos movimentos moder-
nos de Baudelaire. Enquanto seja a modernidade a busca Resumo do tópico
por um abandono do arcaico e do provinciano, há a tenta-
ƒ Entre “a expressão humana e a angulação geométrica”
tiva de encontro e conciliação com modos de estar nesse
novo mundo. O gauche de Drummond, contudo, atualiza ƒ Consciência moderna múltipla e dinâmica
o pessimismo do poeta francês, trazendo irreverência ao ƒ Apresentada em discurso poético
soturno e humor como forma de identificação ao sujeito
moderno no Brasil. ƒ O gauche e o desajuste
ƒ Refinamento irônico da própria condição
Poema de Sete Faces
ƒ A condição de voyeur
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra ƒ A existência e a movimentação pelos desejos
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
ƒ Responsabilização humorística da investigação
As casas espiam os homens do sujeito
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos. 2.2. Poemas
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas. Cidadezinha qualquer
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Casas entre bananeiras
Porém meus olhos mulheres entre laranjeiras
não perguntam nada. pomar amor cantar.

23
Um homem vai devagar. E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
Um cachorro vai devagar.
Desconfio que escrevi um poema
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.

Anedota búlgara
Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e an-
dorinhas,
ficou muito espantado
multimídia: vídeo
e achou uma barbaridade FONTE: YOUTUBE
O SOBREVIVENTE - ZÉ MIGUEL WISNIK declama
Quadrilha
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Aplicando para
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
aprender (A.P.A.)
que não tinha entrado na história Leia o poema "Sentimental".

A rua diferente
Sentimental
Na minha rua estão cortando árvores
Ponho-me a escrever teu nome
botando trilhos
com letras de macarrão.
construindo casas.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
Minha rua acordou mudada. e debruçados na mesa todos contemplam
Os vizinhos não se conformam. esse romântico trabalho.
Eles não sabem que a vida
tem dessas exigências brutas. Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
Só minha filha goza o espetáculo para acabar teu nome!
e se diverte com os andaimes,
a luz da solda autógena - Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!
e o cimento escorrendo nas formas. Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
Sobrevivente "Neste país é proibido sonhar."
Impossível compor um poema a essa altura da evolução da – ALGUMA POESIA
humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de 1. Da leitura do poema, é coerente afirmar que:
verdadeira poesia. a) Drummond recupera o sonho adolescente do me-
O último trovador morreu em 1914. nino que se distrai, brincando de estar apaixonado,
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais. durante a ceia.
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades b) Drummond evoca um amor que se manifesta di-
mais simples. retamente na figura do sonho, trabalhando o incons-
Se quer fumar um charuto aperte um botão. ciente, o onírico.
Paletós abotoam-se por eletricidade. c) O discurso direto configura um rompimento poé-
Amor se faz pelo sem-fio. tico elaborado por Drummond, sendo uma inovação
Não precisa estômago para digestão. característica do modernismo.
Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta d) A ideia do eu lírico extremamente apaixonado
muito para atingirmos um nível razoável de contrasta com o restante da obra, na qual o eu lírico
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto. aparece sempre maduro e realista.
e) Drummond explora uma temática que só é possível
Os homens não melhoram
dentro do modernismo, o amor nos gestos cotidianos
e matam-se como percevejos.
da figura do adolescente.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado. Leia um trecho de “Lanterna mágica”, poema de Carlos

24
Drummond de Andrade, que tem como foco a cidade de b) A linguagem adotada no poema recupera a tra-
Itabira, onde o poeta nasceu. dição da poesia clássica e, por esse motivo, adota o
estrangeirismo “Stop”.
Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê. c) Para o eu lírico, a invenção do automóvel é uma possi-
Na cidade toda de ferro bilidade da humanidade dominar completamente o uso
as ferraduras batem como sinos. do tempo e, portanto, ser mais produtivo e mais feliz.
Os meninos seguem para a escola.
d) Já que o poema fala sobre o automóvel, é possível
Os homens olham para o chão.
analisarmos as referências do futurismo no texto de
Os ingleses compram a mina.
Drummond.
Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota in- e) A partir da concisão, o poema discute como a vida
comparável. moderna parece se paralisar frente às invenções tec-
nológicas.
2. A partir da análise do trecho, assinale a alternativa
correta: Leia o poema “Cidadezinha qualquer”, de Carlos Drum-
a) No poema, por meio do primeiro verso do trecho, mond de Andrade.
há uma reivindicação da divisão igualitária dos bens
naturais da cidade de Itabira. Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
b) Ao caracterizar Itabira como “cidade toda de fer-
Pomar amor cantar.
ro”, o eu lírico apresenta um cenário em que não há
possibilidade nenhuma para a experiência de senti- Um homem vai devagar.
mentos e emoções. Um cachorro vai devagar.
c) Ao encerrar o trecho do poema dizendo que “Tutu Um burro vai devagar.
Caramujo cisma na derrota incomparável”, o eu lírico Devagar… as janelas olham.
quer demonstrar uma perspectiva positiva do proces- Eta vida besta, meu Deus.
so histórico de transformou Itabira no século XX.
d) Com os versos “Os meninos seguem para a escola/ 5. Da leitura do poema, pode-se afirmar que:
Os homens olham para o chão”, o eu lírico apreende a) O poema expõe um olhar de ternura frente à condi-
a banalidade dos dias e está interessado em demons- ção de desajuste do ser humano no mundo moderno.
trar os ciclos da vida humana. b) O poema focaliza as experiências de desventuras
e) No verso “Os ingleses compram a mina”, o eu lírico amorosas do eu lírico.
faz um flagrante do processo histórico de exploração c) A partir de uma linguagem bastante simples, o eu
dos bens naturais de Itabira. lírico expõe um sentimento nostálgico da sua infân-
3. Assinale a alternativa que melhor apresenta a relação cia, que é apresentada enquanto um momento feliz
existente entre o primeiro livro de poesias de Drummond, da sua trajetória.
Alguma poesia, com a primeira geração modernista: d) O poema capta a monotonia e o tédio que parece
estruturar as vidas dos habitantes das pequenas cidades.
a) Nos poemas, há uma avaliação positiva do desen-
e) Há, no poema, um posicionamento político do eu
volvimento urbano.
lírico que encara de forma negativa as mudanças na
b) O poeta, na maior parte dos poemas, assim como sua cidade de infância.
Mário de Andrade, busca dar conta das diferentes cul-
turas que estruturam a identidade brasileira. 6. A partir da leitura integral da obra Alguma poesia, é
c) Os poemas observam, a partir de um prisma sub- possível dizer que:
jetivo, as experiências cotidianas modernas, apresen- a) O desajuste no mundo que é característica do eu
tando, a partir delas, significações mais profundas lírico do livro é também uma posição política.
sobre a existência humana e apontamentos políticos. b) O livro analisa, de diferentes perspectivas, a rela-
d) A poesia é apresentada como a possibilidade de ção entre o sujeito e o mundo.
alcançar um estado sublime. c) Não há no livro uma preocupação com a forma dos
e) Assim como Oswald de Andrade, Drummond, na poemas, já que está inserido no contexto da primeira
maioria das vezes, opta por poemas bastante curtos, já geração modernista.
que considera esta a forma adequada à modernidade. d) Os poemas metalinguísticos reforçam a perspectiva
Leia o poema “Cota zero” de Carlos Drummond de Andrade de que o poeta não busca diálogo com o grande público.
e) O uso do tom irônico e humorístico é uma estra-
Stop. tégia comercial para que a poesia tivesse uma maior
A vida parou. circulação no Brasil.
Ou foi o automóvel?
7. Sobre as características principais de Alguma poesia,
4. Assinale a alternativa correta: livro de estreia de Carlos Drummond de Andrade, pode-
a) O poema, ao optar pela síntese extrema, apresenta -se dizer que
uma visão positiva do desenvolvimento tecnológico a) O livro apresenta uma ampla crítica a todas as ins-
na modernidade. tituições sociais.

25
b) Os poemas de Alguma poesia recuperam os mode- O poeta municipal
los clássicos da literatura brasileira. discute com o poeta estadual
c) Alguma poesia é o livro em que a literatura en- qual deles é capaz de bater o poeta federal.
gajada de Drummond se apresenta de forma mais Enquanto isso o poeta federal
acentuada. tira ouro do nariz
d) O eu lírico dos poemas do livro, apesar de enfrentar
situações adversas, confere um sentido à sua própria 10. Levando em consideração a leitura do poema, faz-se
existência. correta a afirmação presente na alternativa:
e) Grande parte dos poemas do livro trabalham com a) O poema, ao tematizar o confronto entre os poe-
a inadequação do sujeito. tas estadual e municipal, está tratando, unicamente,
sobre as divergências políticas que estruturam os di-
Leia um trecho do “Poema de sete faces”
ferentes governos.
Meu Deus, por que me abandonaste b) O poema defende que toda produção artística
Se sabias que eu não era Deus deve, necessariamente, tematizar os conflitos polí-
Se sabias que eu era fraco ticos e sociais.
Mundo mundo vasto mundo c) A tentativa de “bater o poeta federal” representa
Se eu me chamasse Raimundo o desejo de aprimorar os conhecimentos literários por
Seria uma rima, não seria uma solução parte dos poetas municipal e estadual.
Mundo mundo vasto mundo d) O ouro que é tirado pelo poeta federal de seu pró-
Mais vasto é meu coração prio nariz representa as qualidades da poesia brasileira.
e) O poema demonstra que, assim como a política, a
8. Da leitura do poema, é correto concluir que: literatura também é influenciada por divergência de
a) As duas estrofes trabalham com uma perspectiva ideias e antagonismos.
de mundo desencantada, já que o autor apresenta o
seu desamparo. 11. O poema que tornou famoso Carlos Drummond de An-
drade foi “No meio do caminho” de 1928. Leia-o a seguir.
b) No poema, o eu lírico recusa completamente a
perspectiva religiosa e, por isso, reclama de seu aban- No meio do caminho tinha uma pedra
dono no mundo. Tinha uma pedra no meio do caminho
c) Na segunda estrofe do trecho, há uma perspectiva Tinha uma pedra
positiva do mundo pela afirmação a subjetividade do No meio do caminho tinha uma pedra
eu lírico: “Mais vasto é meu coração”
Nunca me esquecerei desse acontecimento
d) Drummond utiliza das rimas como uma forma de
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
demonstrar que a poesia, para alcançar uma perspec-
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tiva sublime do mundo, tem que se preocupar com a
Tinha uma pedra
questão sonora do texto.
Tinha uma pedra no meio do caminho
e) A autodeclaração do eu lírico, “se sabias que eu No meio do caminho tinha uma pedra
era fraco”, demonstra que o autor segue as propostas
veiculadas pelo Ultrarromantismo. Sobre o poema, é possível afirmar que:
9. Já no primeiro poema de Alguma poesia, o eu lírico é a) O poema, ao repetir as mesmas sentenças, de-
caracterizado como gauche. Sobre esse aspecto na obra monstra que a poesia, no mundo moderno, não tem
de Drummond, assinale a alternativa INCORRETA espaço para a inventividade.
b) É possível perceber no poema uma ausência completa
a) Mesmo em meio ao contexto familiar, o eu lírico
da figura do eu lírico, o que pode representar o mundo
dos poemas de Alguma poesia se sente desajustado
em que os objetos são mais importantes que as pessoas.
e, portanto, destoante.
c) O impasse “encenado” no poema permite uma refle-
b) O fato de o eu lírico ser um gauche relaciona-o a toda
xão sobre a própria subjetividade do poeta e também
uma tradição poética de desajustes frente à sociedade,
das condições socioculturais em que estava inserido.
como no caso dos poetas considerados “malditos”.
d) A questão do impasse, simbolizada pela pedra no
c) Há uma desconfiança do eu lírico em relação aos
meio do caminho, é uma forma de representar a crise
comportamentos cotidianos e, por isso, em muitos
criativa do autor.
poemas focaliza fatos aparentemente banais da vida.
d) Mesmo sentimento amoroso é tratado por Drum- e) A imagem das “retinas tão fatigadas” é uma forma
mond como algo desajustado, já que o eu lírico dos do autor tematizar a sua própria maturidade.
poemas não concebe, no amor, um sentido para a vida.
e) O eu lírico explora a sua situação de desajustado
e, a partir disso, posiciona-se junto aos explorados e Gabarito
marginalizados, explorando, nos poemas, as situa-
ções de pobreza e de opressão. 1. A 2. E 3. C 4. E 5. D

Leia o poema “Política literária”. 6. B 7. E 8. A 9. E 10. E 11. C

26
os estudos secundários. Frequentou, durante um ano, uma
OBRA 4 escola comercial e a Durban High School e concluiu, ainda,
o Intermediate Examination in Arts, na Universidade do
Cabo (onde obteve o Queen Victoria Memorial Prize, pelo
melhor ensaio de estilo inglês), finalizando os seus estudos
na África do Sul. No tempo em que viveu no continente
africano, passou um ano de férias (entre 1901 e 1902), em
MENSAGEM: Portugal, tendo residido em Lisboa e viajado para Tavira,
FERNANDO PESSOA na intenção de contatar a família paterna, e para a Ilha Ter-
ceira, onde vivia a família materna. Já nesse tempo redigiu,
sozinho, vários jornais, assinados com diferentes nomes.
De regresso definitivo a Lisboa, em 1905, frequentou, por
um período breve (1906-1907), o Curso Superior de Letras.
Após uma tentativa falhada de montar uma tipografia e
editora, Empresa Íbis — Tipográfica e Editora, dedicou-se,
a partir de 1908, e a tempo parcial, à tradução de corres-
pondência estrangeira de várias casas comerciais, sendo o
restante tempo dedicado à escrita e ao estudo de filosofia
(grega e alemã), ciências humanas e políticas, teosofia e
literatura moderna, temas que acrescentavam à sua for-
1. Fernando Pessoa mação cultural anglo-saxónica, determinante na sua per-
sonalidade. Em 1920, ano em que a mãe, viúva, regressou
Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais
a Portugal com os irmãos e em que Fernando Pessoa foi
alto que pode obrar alguém da humanidade.
viver de novo com a família, iniciou uma relação sentimen-
– PÁGINAS ÍNTIMAS E DE AUTO-INTERPRETAÇÃO. FERNANDO PESSOA.
(TEXTOS ESTABELECIDOS E PREFACIADOS POR GEORG RUDOLF LIND E tal com Ophélia Queiroz (interrompida nesse mesmo ano
JACINTO DO PRADO COELHO.) LISBOA: ÁTICA, 1966. - 100. e retomada, para rápido e definitivo término, em 1929). A
relação de Fernando e Ophélia é testemunhada pelas Car-
tas de Amor de Pessoa, organizadas e anotadas por David
Mourão-Ferreira, e editadas em 1978.
Em 1925, ocorreria a morte da mãe. Fernando Pessoa viria
a morrer uma década depois, a 30 de Novembro de 1935
no Hospital de S. Luís dos Franceses, onde foi internado
com uma cólica hepática, causada provavelmente pelo
consumo excessivo de álcool.
ADAPTADO DE: <HTTPS://ESCRITAS.ORG/PT/BIO/
FERNANDO-PESSOA>. ACESSO EM: JAN 2021.

2. Mensagem
Mensagem foi um dos poucos livros publicados por Fer-
nando Pessoa em vida e o único em língua portuguesa.
Nele. o autor, estudioso declarado do ocultismo, faz com
que os elementos mais sobressalentes sejam os símbolos.
A partir desse "monte e desmonte" dos símbolos, o que
Fernando Pessoa foi um escritor português de importân-
veremos é uma poesia que transcende a própria matéria.
cia ímpar na história da literatura em língua portuguesa.
O significado do termo torna-se incapaz de expressar a
Pessoa nasceu a 13 de Junho, em uma casa do Largo de
essência daquilo que comunica, os símbolos, por sua vez,
São Carlos, em Lisboa. Aos cinco anos morreu-lhe o pai, vi-
apresentam um tom mais abrangente.
timado pela tuberculose, e, no ano seguinte, o irmão, Jorge.
Devido ao segundo casamento da mãe, em 1896, com o Pensemos que para definir o perigo, seriam necessárias
cônsul português em Durban, na África do Sul, viveu nesse uma série de palavras que, por sua vez, aparecem dentro e
país entre 1895 e 1905, aí seguindo, no Liceu de Durban, de forma genérica de um simples sinal de alerta. Um sím-

27
bolo é, portanto, uma forma de tratar de algo que não é [...]
totalmente conhecido ou que as palavras não dão conta O Quinto Império. O futuro de Portugal —que não cal-
de definir da melhor maneira possível. Para Fernando, as culo mas sei —está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas
palavras foram transformadas em símbolos. trovas do Bandarra, e também nas quadras de Nostra-
damo. Esse futuro é sermos tudo. Quem, que seja portu-
guês, pode viver a estreiteza de uma só personalidade,
Noções sobre o gênero épico de uma só nação, de uma só fé? Conquistámos já o Mar:
resta que conquistemos o Céu, ficando a terra para os
ƒ Ilíada e Odisséia: apresentação e representação Outros, os eternamente Outros, os Outros de nascen-
de valores culturais e crença religiosa ça, os europeus que não são europeus porque não são
ƒ Epopeias naturais/espontâneas - realidade mítica portugueses. Ser tudo, de todas as maneiras, porque a
verdade não pode estar em faltar ainda alguma coisa!
ƒ Ulisses enquanto sábio grego Criemos assim o Paganismo Superior, o Politeismo Su-
premo! Na eterna mentira de todos os deuses, só os
ƒ Os lusíadas, de Luís Vaz de Camões deuses todos são verdade.
ƒ Poema épico de enaltecimento de Portugal - re- ULTIMATUM E PÁGINAS DE SOCIOLOGIA POLÍTICA . FERNANDO PESSOA.
alidade histórica (RECOLHA DE TEXTOS DE MARIA ISABEL ROCHETA E MARIA PAULA MORÃO.
INTRODUÇÃO E ORGANIZAÇÃO DE JOEL SERRÃO.) LISBOA: ÁTICA, 1980.
ƒ Figura histórica: Vasco da Gama
ƒ Mensagem enquanto modelo épico moderno 2.2. Estrutura Geral de Mensagem
ƒ O vazio do mito do Quinto Império - dimensão ƒ Título: inicialmente “Portugal”
transcendente ƒ Mens Agitat Molem: a mente move a matéria
ƒ Falência do discurso épico: sujeito fragmentário ƒ Epígrafe: “Benedictus Dominus Deus noster qui dedit
nobis signum”
ƒ Bendito sejas Deus nosso Senhor, que nos deu sinal
2.1. Quinto império
ƒ Estrutura tripartida
O Quinto Império aparece como uma referência bíblica re-
cuperada na tradição literária e, também, por Pessoa, em ƒ “Brasão”, “Mar português” e “O encoberto”
Mensagem. ƒ Ciclo da vida/nação
ƒ 1541: Bandarra, o primeiro profeta, é julgado
pela Inquisição 2.2.1. Brasão
ƒ 1578: Batalha de Alcácer-Quibir A primeira parte da obra tem no uso do brasão de Portugal
uma forma de evocar a origem do país. Os elementos do
ƒ Sumiço de D. Sebastião símbolo são transformados em poemas, que se destinam a
ƒ 1688: Sermão de Acção de Graças pelo nasci- falar dos mitos fundadores do país.
mento do príncipe D. João, Padre Antonio Vieira Desde o primeiro poema, O dos Castelos, fica evidente a
ƒ Condenado pela Inquisição relação entre passado e futuro que Pessoa irá desenvolver.
Nele, a Europa é simbolizada como o corpo de uma mulher,
ƒ 1896: fim da Guerra de Canudos a partir do qual uma profecia sobre o futuro da civilização
ƒ 1934: Mensagem, Fernando Pessoa se faz presente.
O próprio Pessoa, em seus escritos, comenta o mito do Tomando os castelos como pedras fundamentais da nação,
Quinto império: Pessoa estabelece relação entre eles e os personagens histó-
ricos pertinentes à formação de Portugal. Respectivamente,
Ser português, no sentido decente da palavra, é ser euro-
peu sem a má-criação de nacionalidade. Arte portuguesa temos Ulisses, Viriato (um herói celta que lutou contra os ro-
será aquela em que a Europa - entendendo por Europa manos), conde dom Henrique, Dona Tareja, rei Dom Afonso
principalmente a Grécia antiga e o universo inteiro - se Henriques (primeiro rei de Portugal) e Dom Diniz (fundador
mire e se reconheça sem se lembrar do espelho. Só duas da Universidade de Lisboa) habitando do primeiro ao sexto
nações - a Grécia passada e Portugal futuro - receberam castelo. O sétimo é habitado por Dom João I (Mestre de Avis)
dos deuses a concessão de serem não só elas mas tam- e Dona Filipa de Lencastre (princesa do Santo Gral).
bém todas as outras. Chamo a sua atenção para o facto,
mais importante que geográfico, de que Lisboa e Atenas Em seguida, as cinco Quinas do Brasão aparecem como con-
estão quase na mesma latitude. solidadoras da glória do império português. Elas são repre-

28
sentadas pelas figuras de Dom Duarte décimo primeiro rei 5º “D. Afonso Henriques”
de Portugal), Dom Fernando, Dom Pedro (um dos oito filhos 6º “D. Diniz”
de Dom João I e Dona Filipa de Lencastre), Dom João e Dom
Sebastião (o desaparecido da batalha de Alcácer-Qibir). 7º I “D. João, o Primeiro”

Sobre o Brasão, há, ainda, dois importantes símbolos: a co- 8º II “D. Filipa de Lencastre”
roa e o grifo. Para simbolizar a coroa, Pessoa evoca Nunál- III – As Quinas
vares Pereira, apoiador de Dom João, Mestre de Avis e um
1º “D. Duarte, Rei de Portugal”
dos maiores generais portugueses, uma vez que derrotou
o exército de Castela, cinco vezes maior do que o seu. Nu- 2º “D. Fernando, Infante de Portugal”
nálvares se torna o Santo Condestável, isto é, uma figura 3º “D. Pedro, Regente de Portugal”
canonizada. É na mão do santo que Pessoa irá colocar a
espada mítica Excalibur. 4º “D. João, Infante de Portugal”

O grifo, por sua vez, híbrido de águia, leão e outros ani- 5º “D. Sebastião, rei de Portugual”
mais, é o timbre do Brasão. É uma forma de conotar poder IV – A coroa
sobre o ar, a terra e a água. Pessoa o divide em três per-
1º “Nuno Álvares Pereira”
sonagens: a cabeça é atribuida ao Infante Dom Henrique
(fundador e mantenedor da escola de Sagres); uma das V – O timbre
asas é atribuída a Dom João II (responsável por descobrir 1º “A Cabeça do Grypho/ O Infante de D.
o caminho para as Índias); e a outra é atribuída a Afonso Henrique”
de Albuquerque (assegurou a ocupação militar das terras
2º “Uma asa do Grypho/ D. João, o Segundo”
além-mar orientais).
3º “A outra asa do Grypho/ Afonso de Albu-
querque”

2.2.1.2. Características
ƒ Epígrafe: Bellum sine bello - Guerra sem guerrear
ƒ A preparação para a difusão cultural das Grandes
Navegações
ƒ Recriação histórica da fundação do país
ƒ Apresentação de figuras históricas importantes na
fundação do país
ƒ Apresenta figuras históricas anteriores ao empreendi-
mento marítimo

BRASÃO REAL DE PORTUGAL NO SÉC XV. 2.2.1.3. Organização


ƒ Os campos: apresentação do destino histórico e da
2.2.1.1. Estrutura Interna
espiritualidade portuguesa
1ª parte – “Brasão”(19 poemas)
ƒ Os castelos: criação e espacialização de Portugal (1º rei)
I – Os Campos
ƒ As quinas: ínclita geração, vitória sobre os mouros, D.
1º “O dos Castellos” Sebastião
2º “O das Quinas” ƒ A coroa: O santo condestável e Excalibur
II – Os Castellos ƒ O timbre (grifo): os domínios da terra, ar e água –
encaminhamento para as Grandes Navegações.
1º “Ulysses”
2º “Viriato” 2.2.1.4. Poemas
3º “Conde D. Henrique” O dos castelos
4º “D. Tareja” A Europa jaz, posta nos cotovelos:

29
De Oriente a Ocidente jaz, fitando, 2.2.2. O mar português
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando. A segunda parte do livro traz à tona as conquistas maríti-
mas de Portugal. Simultaneamente, há uma busca espiritual
O cotovelo esquerdo é recuado;
que demonstram a ambição pelo conhecimento de si. Nessa
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado; parte da obra, Pessoa liga o destino de Portugal à vontade
Este diz Inglaterra onde, afastado, divina, como se fosse missão de Portugal ser o protagonista
da Era das Descobertas e o transformador do mundo.
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar sphyngico e fatal, Como na primeira parte, vemos a mitificação de persona-
O Ocidente, futuro do passado. gens importantes do momento descrito, como Fernão de
O rosto com que fita é Portugal. Magalhães e Vasco da Gama; D. Sebastião reaparece no
penúltimo poema.
O das quinas
Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!
Baste a quem baste o que Ihe basta
O bastante de Ihe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.
Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu.

Ulisses
O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou. ARMADA PORTUGUESA, LIVRO DE LISUARTE DE ABREU, 1565.
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade, 2.2.2.1. Estrutura Interna
E a fecundá-la decorre.
Segunda parte: Mar português – 12 poemas
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre. I. O Infante

D. Sebastião, Rei de Portugal II. Horizonte


Louco, sim, louco, porque quis grandeza III. Padrão
Qual a Sorte a não dá.
IV. O Mostrengo
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está IX. Ascensão De Vasco Da Gama
Ficou meu ser que houve, não o que há.
V. Epitáfio De Bartolomeu Dias
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia. VI. Os Colombos
Sem a loucura que é o homem VII. Ocidente
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria? VIII. Fernão De Magalhães

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X. Mar Português Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
XI. A Última Nau
XII. Prece A última nau
Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,
2.2.2.2. Características E erguendo, como um nome, alto o pendão
Do Império,
ƒ Epígrafe: Possessio maris - A posse do mar Foi-se a última nau, ao sol aziago
ƒ Traça o período histórico das Grandes Navegações Erma, e entre choros de ânsia e de pressago
Mistério.
ƒ A participação pioneira de Portugal no século XV e XVI
Não voltou mais. A que ilha indescoberta
ƒ O “espírito” que busca a Verdade Aportou? Voltará da sorte incerta
Que teve?
ƒ Apresenta os aspectos subjetivos das navegações
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
ƒ Coragem, braveza, triunfo, etc. Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
E breve.
2.2.2.3. Poemas Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
O infante E entorna,
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. E em mim, num mar que não tem tempo ou espaço.
Deus quis que a terra fosse toda uma, Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que o mar unisse, já não separasse. Que torna.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma. Não sei a hora, mas sei que há a hora,
E a orla branca foi de ilha em continente, Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Clareou, correndo, até ao fim do mundo, Mistério.
E viu-se a terra inteira, de repente, Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
Surgir, redonda, do azul profundo. A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. 2.2.3. O encoberto
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
A última parte do livro é dedicada ao oculto e ao místico,
Ascensão de Vasco da Gama aquilo que não conhecemos. Contudo, o "encoberto" é
Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra também um título dado ao desaparecido D. Sebastião e,
Suspendem de repente o ódio da sua guerra como vemos, a terça parte do livro apresenta, também, um
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus caráter sebastianista. Essa parte é também tripartida em:
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus, Os símbolos, Os avisos e Os tempos.
Primeiro um movimento e depois um assombro.
Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro, Em Os símbolos, Pessoa trabalha com a temática sabas-
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões. tianista, a conquista marítima e o mito do Quinto Império
Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta – que deveria se fazer maior do que todos os anteriores
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões, (Assírios, persa, Grego e Romano). Pessoa renova o mito.
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.
Já na segunda parte de O encoberto, três poemas de-
Mar Português senvolvem o mito sebastianista na literatura. Primeiro, a
profecia de Bandarra, depois, a elevação ao patamar de
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal! Mito por Antonio VIeira e, por fim, um terceiro poeta não
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, identificado, mas que pode ser lido como próprio Pessoa,
Quantos filhos em vão rezaram! que o continua.
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar! Na finalização do texto, em Os tempos, temos cinco po-
emas, sendo que três deles são situações climáticas pre-
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena. judiciais às navegações. A última delas fecha a obra e se
Quem quer passar além do Bojador chama O nevoeiro, nele, Pessoa brada que é chegada a
Tem que passar além da dor. hora de dissipar a névoa que tanto já encobriu.

31
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Grécia, Roma, Cristandade,
Europa — os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?

O encoberto
Que símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Terceira parte: O Encoberto – 13 poemas
Na Cruz Morta do Mundo
I - Os Símbolos A Vida, que é a Rosa.

Primeiro: D. Sebastião Que símbolo divino


Traz o dia já visto?
Segundo: O Quinto Império Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa, que é o Cristo.
Terceiro: O Desejado
Que símbolo final
Quarto: As Ilhas Afortunadas Mostra o sol já desperto?
Quinto: O Encoberto Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.
II - Os Avisos
O Bandarra
Primeiro: O Bandarra
Sonhava, anónimo e disperso,
Segundo: António Vieira O Império por Deus mesmo visto,
Confuso como o Universo
Terceiro: Escrevo Meu Livro À Beira-mágoa.
E plebeu como Jesus Cristo.
III - Os Tempos Não foi nem santo nem herói,
Primeiro: Noite Mas Deus sagrou com Seu sinal
Este, cujo coração foi
Segundo: Tormenta Não português mas Portugal.
Terceiro: Calma Nevoeiro
Quarto: Antemanhã Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Quinto: Nevoeiro
Este fulgor baço da terra
Poemas Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
O quinto império Como o que o fogo-fátuo encerra.
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar, Ninguém sabe que coisa quer.
Sem que um sonho, no erguer de asa, Ninguém conhece que alma tem,
Faça até mais rubra a brasa Nem o que é mal nem o que é bem.
Da lareira a abandonar! (Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Triste de quem é feliz! Tudo é disperso, nada é inteiro.
Vive porque a vida dura. Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz — É a hora!
Ter por vida a sepultura. VALETE, FRATRES.

32
Mas que, se escutamos, cala,
Aplicando para Por ter havido escutar.
aprender (A.P.A.) E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos,
1. Leia o poema “Tormenta” pertencente à terceira par- Que ela nos diz a esperança
te do livro Mensagem de Fernando Pessoa. A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.
TORMENTA
São ilhas afortunadas,
Que jaz no abismo sob o mar que se ergue? São terras sem ter lugar,
Nós, Portugal, o poder ser. Onde o Rei mora esperando.
Que inquietação do fundo nos soergue? Mas, se vamos despertando,
O desejar poder querer. Cala a voz, e há só o mar.
Isto, e o mistério de que a noite é o fausto... Mensagem, livro de poesias de Fernando Pessoa, tem
Mas súbito, onde o vento ruge, a sua terceira e última parte nomeada de O encoberto.
O relâmpago, farol de Deus, um hausto O poema “As ilhas afortunadas” pertence à primeira
Brilha, e o mar escuro estruge. subdivisão, “Os símbolos”, desta terceira parte. Como é
possível, portanto, interpretar a relação do poema com
Pode-se dizer que:
este momento da obra de Fernando Pessoa?
a) O poema, pela grandiosa imagem do mar ao final,
a) Ao retomar as figurações das ilhas, o eu lírico retoma
denota um sentido violento e necessário para o soer-
o passado glorioso dos empreendimentos marítimos.
guimento da pátria.
Por esta recuperação, é possível perceber que o passa-
b) É pela situação de “poder ser/poder querer” que do de Portugal é glorioso, porém, o futuro não o será.
Portugal pode se retirar do fundo do abismo em que
b) A noção de espera no verso “Onde o Rei mora es-
se encontra.
perando” demonstra a impossibilidade portuguesa
c) O mistério da própria vida se apresenta enquanto de acreditar em um futuro melhor para a nação
insolucionável e, portanto, as possibilidades de soer-
c) As diversas imagens que misturam a presença e a
guimento são todas anuladas.
ausência, como a voz que “se escutamos, cala”, apre-
d) O título do poema apresenta uma condição de ques- sentam o aspecto messiânico do livro que crê na volta
tionamento social - dada pelo neocolonialismo - que de D. Sebastião.
estrutura a obra e reflete a organização social da época.
d) O mar é a figura final do poema, uma vez que o eu
e) O “farol de Deus”, ao promover uma relação do lírico entende o empreendimento marítimo como um
divino com o mundo concreto demonstra o comporta- dos aspectos problemáticos da história portuguesa.
mento cético do autor em relação às religiões.
e) O verso “Dormente, a dormir sorrimos” demonstra
2. A obra Mensagem, de Fernando Pessoa, ao apresen- que a glória portuguesa está invariavelmente na fic-
tar diferentes aspectos históricos de Portugal, permite cionalização da sua própria história, partindo de uma
uma identificação da especificidade do espírito portu- reconstituição das suas principais figuras.
guês. Nesse sentido, qual das alternativas melhor apre- 4. Leia um trecho do poema Screvo meu livro à beira-
sentam o indivíduo português delineado na obra poéti- -mágoa e responda ao que se pede.
ca de Fernando Pessoa?
a) Há uma preocupação, exclusiva, com a postura de Quando virás, ó Encoberto,
Portugal na modernidade do século XX. Sonho das eras português,
b) Há uma análise da história no seu aspecto político- Tornar-me mais que o sopro incerto
-social, apresentando as contradiçõe sociais de Portugal. De um grande anseio que Deus fez?
c) Reconstituição da história portuguesa desde a figu- De que forma, neste poema, o empreendimento poéti-
ra lendária de Dom Sebastião. co se relaciona ao anseio sebastianista?
d) Denotação do impacto da religião católica na alma a) O poema, ao prenunciar a volta de D. Sebastião,
portuguesa como força exclusiva e determinante. demonstra que a poesia é o elemento capaz de
e) Apresentação recorrente de elementos culturais transformar os aspectos problemáticas da realidade
portugueses, como o messianismo e o empreendi- portuguesa.
mento marítimo b) O eu lírico, ao se questionar sobre o momento da
3. Leia o poema abaixo e responda ao que se pede. volta de D. Sebastião, demonstra que o próprio proje-
to do seu livro necessita desse retorno para assegurar
AS ILHAS AFORTUNADAS a glória portuguesa e do empreendimento poético
que o anunciava.
Que voz vem no som das ondas c) A literatura, pelo seu aspecto imaginativo, não se
Que não é a voz do mar? relaciona com a realidade e, portanto, o sebastianis-
É a voz de alguém que nos fala, mo é apenas um “Sonho das eras português”.

33
d) O aspecto religioso é colocado como o grande res- A seguir, assinale a alternativa
ponsável por toda a transformação do país e a poesia a) se apenas I estiver correta.
não estabelece nenhuma relação com a mudança
b) se apenas II estiver correta.
pela presença de D. Sebastião.
c) se apenas III estiver correta.
e) D. Sebastião pode ser compreendido como a pró-
d) se I, II e III estiverem corretas.
pria figura do poeta, ou seja, aqui Fernando Pessoa
e) se II e III estiverem corretas.
se considera o próprio salvador da glória portuguesa.
7. Leia o poema e responda ao que se pede.
5. Leia o poema Prece, de Fernando Pessoa.

Senhor, a noite veio e a alma é vil. D. Duarte, Rei de Portugal


Tanta foi a tormenta e a vontade! Meu dever fez-me, como Deus ao mundo.
Restam-nos hoje, no silêncio hostil, A regra de ser Rei almou meu ser,
O mar universal e a saudade. Em dia e letra escrupuloso e fundo.
Mas a chama, que a vida em nós criou, Firme em minha tristeza, tal vivi.
Se ainda há vida ainda não é finda. Cumpri contra o Destino o meu dever.
O frio morto em cinzas a ocultou: Inutilmente? Não, porque o cumpri.
A mão do vento pode ergué-ía ainda.
Pensando na estrutura do livro Mensagem de Fernan-
Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -, do Pessoa, não é possível dizer que a sua primeira par-
Com que a chama do esforço se remoça, te, Brasão:
E outra vez conquistaremos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa! a) refere-se às principais figuras representativas da
fundação do país.
(FERNANDO PESSOA. MENSAGEM, 1995.)
b) apresenta, pela história de Portugal, um país já há
Mensagem é o único livro, em língua portuguesa, publi- muito tempo representativo do futuro da civilização
cado em vida por Fernando Pessoa. Pode-se dizer que o Ocidental.
livro assume um caráter nacionalista pois: c) apresenta, pela primeira vez, a figura de Dom Se-
bastião - figura histórica que se fará presente nas três
a) Portugal é apresentado, unicamente, como uma
partes do livro e que tem sua importância histórica
nação decadente, que não se relaciona ao seu passa-
reverberada por todas as composições.
do de heroísmo e glórias.
d) apresenta na subdivisão “O Timbre” figuras de
b) o passado heróico do povo português é esquecido
grande importância para o desenvolvimento do em-
na atualidade.
preendimento marítimo do país.
c) busca reviver o sonho de uma da nação em ruínas,
e) promove um retorno histórico à fundação do país
pelo qual Portugal almeja os feitos gloriosos dos pa-
que serve de comparação com o presente português
íses vizinhos.
também muito glorioso.
d) formula o desejo do povo português glorificar seus
heróis, atitude, até então, inédita na literatura do país. 8. Leia o poema “Ocidente” pertencente à segunda par-
e) promove uma recuperação histórica de aspectos te do livro Mensagem de Fernando Pessoa.
heróicos e vislumbra um potencial de grandiosidade
para a nação. OCIDENTE
6. Leia os seguintes versos: Com duas mãos — o Acto e o Destino —
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
O poeta é um fingidor. Uma ergue o facho trémulo e divino
Finge tão completamente E a outra afasta o véu.
Que chega a fingir que é dor
Fosse a hora que haver ou a que havia
A dor que deveras sente.
A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
(FERNANDO PESSOA) Foi alma a Ciência e corpo a Ousadia
Da mão que desvendou.
Verifique a veracidade das sentenças a seguir em rela-
ção ao autor dos versos acima: Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
I. O poeta promove uma ruptura com as noções ideali-
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
zadas da pátria em que nascera.
Da mão que o conduziu.
II. Esse poeta criou uma obra que, além do fenômeno
heteronímico, sintetiza uma crise de identidade de Por- Pode-se dizer que:
tugal com sua própria história. a) O destino glorioso português vislumbrado pelo eu
III. O poeta foi um dos responsáveis pelo Modernismo lírico é um fato a ser concretizado independente das
em Portugal. próprias atitudes do povo.

34
b) A união entre a imagem divina e Portugal é a forma
compreendida pelo eu lírico para o avanço e a consti-
tuição do novo império do Ocidente.
c) O “Acaso” e o “Temporal” são representações da
força portuguesa no projeto conquistador.
d) A “Ciência” e a “Ousadia” são apresentados enquan-
to propostas negativas que invalidam o empreendimen-
to conquistador e a glorificação da pátria portuguesa.
e) A figuração religiosa no poema prescreve a inexis-
tência de atitude desbravadora, ou seja, entende-se,
no poema, que é necessário um respeito total às de-
signações divinas.

Gabarito
1. B 2. E 3. C 4. B 5. E
6. E 7. E 8. B

35
uma inspiração para suas obras. Graciliano acabaria abor-
OBRA 5 dando em sua literatura temas e situações que pertenciam
ao seu cotidiano.
Viveu grande perte de sua infância na cidade de Buíque
(PE) e também residiu em Viçosa (AL). No entanto, concluiu
seus estudos em Maceió, a capital alagoana, sem cursar o
ANGÚSTIA: Ensino Superior.

GRACILIANO RAMOS Em 1927, Graciliano Ramos tornou-se prefeito de Palmei-


ra dos Índios (AL) e, em 1933, estreou na literatura com a
publicação da obra Caetés. Em 1936, foi preso em Maceió
e levado para o Rio de Janeiro acusado de ser comunista.
Na então capital do país, não recebeu acusação formal ou
julgamento, mas sofreu diversas privações que abalaram
sua saúde. Ficou 9 meses na prisão. Nessa época, escreveu
a obra de denúncia à ditadura de Getúlio Vargas, bem como
de sua experiência como preso político: Memórias do cárcere
(publicado só em 1953). Depois de solto, quase como uma
provocação, filiou-se ao Partido Comunista. Graciliano per-
maneceu no Rio de Janeiro, mas se manteve fiel ao cenário
regional do Nordeste. Não descreveu qualquer paisagem do
1. Graciliano Ramos Rio durante dezessete anos. Depois de descobrir que estava
com câncer, chegou a operar em Buenos Aires, mas não se
curou e morreu em 1953.
O célebre romance Vidas secas, considerado a sua obra
mais importante, foi escrito e publicado em 1938. Conta a
história de uma família de retirantes nordestinos que, atin-
gida pela seca, é obrigada a perambular pelo sertão em
busca de melhores condições de vida.
Do ponto de vista técnico e da profundidade psicológica, An-
gústia (publicado em 1936) se destaca entre todas as obras
de Graciliano Ramos, pois é considerado o seu romance mais
complexo e inovador. A narrativa conta a história de um frus-
trado, Luís da Silva, homem tímido e solitário, que vive entre
dois mundos com os quais não se identifica. Produto de uma
sociedade rural em decadência, Luís da Silva alimenta um
nojo impotente dos outros e de si mesmo. Apaixonado por
uma vizinha, Marina, pede-a em casamento e lhe entrega as
parcas economias para um enxoval hipotético. Surge Julião
Tavares, que tem tudo o que falta a Luís: ousadia, dinheiro,
posição social, euforia e uma tranquila inconsciência. A fútil
Marina se deixa seduzir sem dificuldades, e Luís, amargura-
do, vai nutrindo impulsos de assassino que o levam, de fato,
a estrangular o rival.

Graciliano Ramos nasceu em 1892, na cidade de Quebran-


gulo (AL). Morou com sua família em diversas cidades do in-
1.1. Características de sua obra
terior de Alagoas e de Pernambuco. Quando menino, gostava Além de abordar as relações humanas e reafirmar fortes crí-
de contar histórias para os frequentadores da venda do pai. ticas sobre o descaso com o sertão nordestino, suas obras
tinham outras características:
Sua família era de classe média e Graciliano teve o privilé-
gio de estudar. A vivência no sertão nordestino se tornaria ƒ Identidade nacional.

36
ƒ Contexto biográfico: aspectos vivenciados no nordeste ƒ O existencialismo, uma corrente filosófica e literária que
brasileiro. destaca a liberdade individual, a responsabilidade e a
subjetividade do ser humano. O existencialismo con-
ƒ Prosa “seca”, firme e crítica.
sidera cada homem como um ser único, que é mestre
ƒ Antropomorfização e humanização de personagens dos seus atos e do seu destino.
não humanas, como a cadela Baleia, em Vidas secas.
ƒ Durante a existência, à medida que se experimentam
ƒ Em um primeiro momento, dá voz às relações humanas, novas vivências, redefine-se o próprio pensamento (a
e, num segundo momento, às paisagens retratadas. sede intelectual, tida como a alma para os clássicos),
adquirindo-se novos conhecimentos a respeito da pró-
pria essência, caracterizando-a sucessivamente.
ƒ Depois da Segunda Guerra Mundial, uma corrente li-
terária existencialista contou com autores como Albert
Camus, Boris Vian e Jean-Paul Sartre. É importante ob-
servar que Albert Camus era contrário ao existencialis-
mo, sendo este somente uma característica de sua obra
literária. Vian definia-se como patafísico.
ƒ Vale ressaltar que Graciliano Ramos vai manter conta-
to com a literatura de Camus ao traduzir um dos seus
romances. Na leitura de Angústia, é possível perceber
claramente que Luís da Silva enxerga a vida como uma
série de lutas. No existencialismo (e no romance), o in-
divíduo é forçado a tomar decisões, e, frequentemente,
as escolhas são ruins.

2.2. Intertextualidade
A crítica aponta uma interessante intertextualidade em An-
gústia, e o leitor certamente poderá fazer uma associação
com o livro Crime e castigo, do escritor russo Fiódor Dos-
toiévski. De fato, nas duas obras é possível identificar as
angústias de um crime e o medo de ser descoberto.
Em Angústia, o crime é o clímax; em Crime e castigo, é o
2. Angústia ponto de partida para a história, e o personagem consegue
a redenção. Outra influência marcante é a dos naturalistas
brasileiros, especialmente a de Aluízio Azevedo, com o de-
2.1. Contexto terminismo e a animalização do homem. O narrador não
Angústia é um romance publicado por Graciliano Ramos, quer ser um rato e luta contra isso. Durante diversas pas-
em 1936, e que pertence à segunda geração modernista, sagens da narrativa, os homens são comparados a bichos,
conhecida como “Regionalista” ou “Geração de 30”. Nes- como porcos, formigas e ratos; além disso, são utilizados
se período, Graciliano estava preso pelo governo de Vargas verbos de animais para as reações humanas.
e contou com a ajuda de amigos, como o escritor José Lins
do Rego, para a publicação do livro. 2.3. Temas e principais conflitos
Apesar de Vidas secas ser considerado o grande marco da O realismo de Graciliano Ramos – considerado o ficcionista
obra do autor, Angústia, romance ignorado por parte da mais importante da Geração de 30 – tem sempre caráter
crítica na época do lançamento, é considerado uma das crítico. Nesse sentido, o herói é sempre problemático e não
obras-primas de Graciliano, que entrega ao leitor uma lei- aceita o mundo, nem os outros e nem a si mesmo.
tura densa sob o ponto de vista do narrador Luís da Silva.
ƒ Romance de confissão – livro escuro e sombrio.
Para auxiliar na compreensão do romance, alguns dados
são fundamentais, como os questionamentos abordados ƒ Economia vocabular – a palavra que corta como faca.
na narrativa de Luís da Silva. ƒ Estudo completo da frustração.

37
ƒ Sem predomínio de regionalismo. alguns símbolos citados com frequência no romance, como
ƒ A paisagem interessa à medida que interage com o a corda, a cobra e os ratos.
psicológico.
“Ainda não disse que moro na rua do Macena, perto
da usina elétrica. Ocupado em várias coisas, frequente-
mente esqueço o essencial. Que, para mim, a casa onde
moramos não tem importância grande demais. Tenho
vivido em numerosos chiqueiros. Provavelmente esses
imóveis influíram no meu caráter, mas sou incapaz de re-
cordar-me das divisões de qualquer deles. Não esperem
a descrição destas paredes velhas que Dr. Gouveia me De acordo com pesquisas no Dicionário de Símbolos Literários:
aluga, sem remorso, por cento e vinte mil-réis mensais, ƒ a cobra, além de representar o fálico, simboliza fusão,
fora a pena de água.“
sedução e asfixia, um constante confronto pessoal do
personagem protagonista; na obra, simboliza também
a falsidade;
ƒ a corda, assim como a cobra, representa, de certa for-
ma, o fálico, portanto, fornece também uma ideia de
busca de redenção e salvação;
ƒ os ratos representam a sujeira que o personagem enx-
erga à sua volta e a necessidade de uso da água para
lavar a sujeira que o toma.

2.5. Foco narrativo


A obra apresenta um narrador em primeira pessoa, Luís da
Silva, funcionário público de 35 anos, solitário, desgostoso,
que mescla fatos do passado e do presente, num ritmo rápi-
do, o que pode ser considerado um grande monólogo interior.
A princípio, a narrativa de Angústia pode causar estra-
nhamento: trata-se de um romance que requer bastante
atenção e cautela do leitor, visto que há fluxo de consciên-
cia em boa parte da história, além das diversas temáticas
existentes na trama, que passeiam desde o existencialismo
aos constantes símbolos, que abrem espaço para uma nar-
rativa primorosamente cinematográfica.
O romance é narrado em tom confessional e memorialista.
Alguns críticos atribuem-lhe um lugar na trilogia densa e
fortemente existencialista, completada por Caetés (1933)
e São Bernardo (1938). Os três romances, narrados em pri-
meira pessoa, apresentam personagens em intenso conflito
interior, buscando respostas para seus atos e indagando o
porquê dos acontecimentos que os afligem. Essas narrativas
são semelhantes a diários íntimos. Em cada uma delas, o
narrador se desnuda e se desvenda expondo as dolorosas
confissões de culpas dramáticas.

2.4. Simbologia 2.6. Memória


Angústia pode ser resumido como o relato de um crime O romance parece ser pura memória, uma espécie de diário
cometido por um intelectual, Luís da Silva, um homicídio no qual se registram, de modo caótico, alucinado e aleatório,
contra o rival Julião Tavares, que lhe roubara a mulher ama- os fatos que marcaram o narrador. Some-se a isso a culpa
da, Marina, às vésperas de um casamento planejado. Há que ele sente pelo ato cometido e, por fim, acrescente-se a

38
tudo a mágoa que, pouco a pouco, transforma-se em rancor Angústia é um relato desesperado, cuja tentativa do narra-
contra a mulher que um dia amou e desejou. O que Gracilia- dor é colocar em ordem os fatos da vida, que está estilha-
no Ramos capta em seus livros em primeira pessoa não é a çada, sem rumo e objetivos. É um grito de dor: a decepção
ambiência do nordeste ressequido, é o interior dos seres em amorosa, o ciúme, o desejo contido e humilhado e a mu-
conflito, seus desajustes com o mundo que lhes deve algo lher escolhida pertencendo a outro ser. O ódio pela perda
que procuram como resposta a si mesmos. gera o crime, o assassinato transtorna o narrador e o deixa
Em Angústia, o centro de onde procede a descrição e a com- doente depois de matar o oponente:
preensão dos demais personagens é evidentemente Luís ”Retirei a corda do bolso e em alguns saltos, silencio-
da Silva. Esses personagens são compreendidos a partir do sos como os das onças de José Bahia, estava ao pé
de Julião Tavares. Tudo isto é absurdo, é incrível, mas
pensamento dele, em cujo íntimo o leitor se coloca desde o
realizou-se naturalmente. A corda enlaçou o pescoço
início da narrativa. Para justificar essas afirmações, pode-se do homem, e as minhas mãos apertadas afastaram-se.
tomar como exemplo a descrição de Marina, a vizinha nova Houve uma luta rápida, um gorgolejo, braços a deba-
do narrador, por quem ele vai se apaixonar: ter-se. Exatamente o que eu havia imaginado. O corpo
“Era uma sujeitinha vermelhaça, de olhos azuis e cabe- de Julião Tavares ora tombava para a frente e ameaça-
los tão amarelos que pareciam oxigenados”. va arrastar-me, ora se inclinava”.

(ANGÚSTIA, 1996, P. 120)

No decorrer da narrativa, Luís da Silva vai caracterizando


Marina como uma mulher vulgar, muito jovem e extrema-
mente ambiciosa. Marina existe apenas em imagem, o que
significa que a descrição dela faz parte essencialmente da
construção realizada por Luís da Silva. O leitor adquire a
respeito dela um conhecimento que é fruto das informa-
ções relatadas pelo narrador. Luís da Silva vê Marina senti-
mentalmente, ou seja, em função do sentimento que nutre
por ela. O leitor vê Marina “com” ele.
Quando o narrador analisa um determinado personagem ou
uma determinada situação, não se trata de uma análise im- (ANGÚSTIA, 1936, P. 188)
pessoal, mas sim de uma análise impactada por sua interiori-
dade; nesse sentido, o leitor recebe a imagem que o narrador
concebe dos outros e do mundo. O modo como Luís da Silva
2.7. Espaço
analisa Julião Tavares, Marina, seu Ramalho, dona Adélia, Em geral, a obra de Graciliano Ramos apresenta espaços
seu Ivo, o pai, o avô, entre outros personagens, é sempre afe- que envolvem a seca, os retirantes, o latifúndio e a caatin-
tado pela sua subjetividade: o leitor vê os outros “com” ele ga. Sua condição social fez com que ele fosse um artista
e a partir dele. Em Angústia, quando o narrador-personagem empenhado na vida e no registro histórico de seu tempo.
se encontra com outro personagem, tudo o que é narrado Em Angústia, a cidade de Maceió é escolhida como o palco
faz parte da compreensão do narrador. Num romance com a onde se desenvolve a história sob a égide de duas pecu-
visão “com” (analisando a relação narrador-personagem), liaridades, ou seja, as realidades humana e social. Com a
um único personagem constitui o centro da narrativa (em percepção do que acontece nas mais diversas camadas so-
primeira ou terceira pessoa), que fica limitada ao campo ciais, a literatura de Graciliano reproduz o dinamismo inte-
mental de um só personagem. É o caso de Luís da Silva, com rior de uma ação. Assim, o personagem Luís da Silva revela
suas inúmeras impressões que norteiam a narrativa. a forma como o romancista via a sociedade; no entanto, o
pior lugar para Luís da Silva sempre foi dentro dele mesmo.
É possível classificar o narrador como narrador-protago- Apesar de tudo, foram reunidas, dentro de um máximo de
nista, pois aparece representado por um personagem que compreensão, suas lembranças, ainda que vindas da me-
conta sua própria história, em primeira pessoa, de um cen- mória de um ser cuja alma estava a caminho da essência.
tro fixo e, por não ter acesso ao estado mental das demais
personagens, fica limitado exclusivamente às suas percep-
ções, pensamentos e sentimentos. Diante disso, identifica-
2.8. Tempo
-se no romance uma abordagem interna, pois Luís da Silva O tempo da narrativa é o século XX, especificamente os
conta sua própria história, o que faz com que seja repre- anos 1930, logo depois do início do primeiro governo de
sentada na obra uma visão mais restrita, tendo em vista Getúlio Vargas. Contudo, prevalece o tempo psicológico, a
que a finalidade do narrador é narrar a si mesmo. ação interior por meio do fluxo das ideias e dos pensamen-

39
tos de Luís da Silva. A ação se desenvolve nas frinchas do forma precária numa casa simples. A vizinhança sempre
labirinto composto pelo incessante ir e vir do pensar do cuidando da vida alheia. É apaixonado por Marina, que é
personagem narrador. sua vizinha, e começa um namoro com ela, logo ficando
noivos. A parte financeira do personagem começa a pio-
rar ainda mais, sobretudo pelo fato de agora ter de gastar
com o enxoval do casamento.
“Trabalho num jornal. À noite dou um salto por lá, escre-
vo umas linhas. Os chefes políticos do interior brigam de-
mais. Procuram-me, explicam os acontecimentos locais,
e faço diatribes medonhas que, assinadas por eles, vão
para a matéria paga. Ganho pela redação e ganho uns
tantos por cento pela publicação.”
Luís mergulha cada vez mais no pessimismo, desejando
vingança quando descobre que Marina foi seduzida por
Tavares. Ela havia sido utilizada como um objeto fútil e
abandonada grávida, enquanto Julião já estava em outro
relacionamento. A mágoa, a decepção e o ódio que nutria
aumentavam cada dia mais, fazendo crescer em Luís um
espírito de vingança.
2.9. Personagens Assassinar seu concorrente passou a ser para ele um fluxo
do qual ele não podia mais escapar. Para ele seria uma
ƒ Luís da Silva
questão de honra. Dessa forma, começa a alimentar in-
O narrador da história, apesar de oprimido, mostra-se incon- cessantemente a ideia de matar Tavares, até concretizá-la
formado, rude, amargo e decepcionado com o meio em que estrangulando-o com uma corda. Para simular um suicídio,
vive. Sua preocupação com a justiça social é pela inconformi- Luís o pendura pela corda em um galho.
dade com sua própria vida, e não com a dos outros.
Narrando a própria história, Luís confessa no fim da obra
“Um homem emocionalmente de nervos estilhaçados, que cometeu o assassinato, não apenas pelo ódio contra o
35 anos, funcionário público, homem de ocupações
concorrente, mas também por toda a angústia de sua vida
marcadas pelo regulamento [...] Um sujeito feio: olhos
baços, o nariz grosso, um sorriso besta e a atrapalhação, – libertando-se do rival ao matá-lo – e pelas decepções
o encolhimento que é mesmo uma desgraça.[...] Habi- que o rondavam. Um narrador emocionalmente abalado,
tuei-me a escrever, como já disse. Nunca estudei, sou um assustado com a dimensão de seus próprios atos, um de-
ignorante, e julgo que os meus escritos não prestam. [...] lírio que, na estrutura, configura-se como desordenação e
Trabalho num jornal. À noite dou um salto por lá, escrevo fragmentação de ideias, tempo que se entrelaça, sem indi-
umas linhas. [...]“
cação de passado e presente.
A personalidade de Luís da Silva é marcada por tudo o
Luís da Silva é, enfim, um frustrado violento e cruel que traz
que vivera. Seu histórico de vida, sua precária e pressio-
em si amargura e negação. Esse sentimento volta-se contra
nada criação e toda a opressão que o cercava não o fi-
ele próprio pela autopunição, e ele só consegue equilibrar-
zeram um homem submisso, que simplesmente abaixaria
-se assassinando o rival. Um equilíbrio precário que o deixa
a cabeça para os contratempos da vida, sem questionar
arrasado, mas que passa a ser a única maneira de sua afir-
os motivos pelos quais vivia daquela maneira. Seu desejo mação no mundo.
íntimo era de também oprimir, tanto quanto era oprimido.
“Alguns dias depois, achava-me no banheiro, nu, fuman-
Quando expressava opiniões sobre pessoas ou mesmo
do... Abro a torneira, molho os pés. [...]“
sobre outro assunto, revelava um caráter amargurado e
rude, como se durante toda a vida remoesse e ruminasse “O banheiro da casa de seu Ramalho é junto, separado
do meu por unia parede estreita. [...])“
suas decepções e tristezas. A sua existência poderia ser
considerada ordinária, não era relevante para os outros, “Lá estava Marina outra vez nova e fresca, enchendo a
boca e atirando bochechos nas paredes. [...]“
para a sociedade e nem para si próprio, mas seu interior
era deveras perturbador, sempre se atormentando por ƒ Marina
lembranças da infância e frustrações intelectuais. Marina é um estereótipo das mulheres da época, tão bem
O emprego o faz conseguir ter uma vida razoável, e, de- retratadas por outros autores. Ela se caracteriza por cer-
vido ao baixo salário, as dívidas se acumulam. Ele vive de ta futilidade devido às leituras que faz. De personalidade

40
fraca, deixa-se levar pelas situações e pelos interesses. É eram uns ratos. Quando eu passava pela Rua do Comér-
representada mais como alvo, prêmio ou posse de Julião e cio, via-os por detrás do balcão, dois sujeitos papudos,
de Luís do que como mulher. carrancudos, vestidos de linho pardo e absolutamente
iguais. Esse Julião, literato e bacharel, filho de um de-
“Se aquela tonta prestasse, estaria ajudando a mãe, en- les, tinha os dentes miúdos, afiados, e devia ser um rato,
saboando panos. Preguiça. Estava era lendo besteiras, como o pai. Reacionário e católico. – Por disciplina, en-
arrancando cabelos das sobrancelhas com a pinça ou tende? Considero a religião um sustentáculo da ordem,
raspando os sovacos. A princípio ainda tratara dos can- uma necessidade social.”
teiros. Habituara-se depois a levar para ali um romance,
que não abria. Conversava. E eu me zangava com as ƒ Dona Adélia
conversas dela, que, como já disse, eram malucas. Zan-
É a mãe de Marina. Queixa-se de tudo e é a responsável,
gava-me de verdade. Mas estava ali com os olhos meio
fechados, espiando os canteiros e esperando que a mu- pela “perdição da filha“. Estimula a filha a casar-se, como
lherinha chegasse.” se fora um arranjo, e joga-a de encontro a Julião, quando
descobre que ele é rico, aceitando comida e presentes.
Jovem bonita, sensual, vaidosa, volúvel e superficial, além
de indolente. Gasta as economias de Luís da Silva a títu- ƒ Seu Ramalho
lo de preparar-se para se casar com ele. Entretanto, com Pai de Marina, um velho decente e sistemático, avisa Luís
grande facilidade, é seduzida por Julião Tavares e esque- de que a filha não é lá grande coisa. Torna-se amigo de Luís
ce Luís. Grávida de Julião, é abandonada por ele. Aborta da Silva quando Marina o abandona para ficar com Julião.
clandestinamente, sendo tratada muito mal, ridicularizada
e chamada de “puta” e ameaçada por Luís de ser denun- ƒ Seu Ivo
ciada à polícia. Seu Ivo é considerado uma alma infeliz que bebe o tempo
“Cabelos de milho, unhas pintadas, beiços vermelhos e inteiro e vaga pela rua. Ele sempre vai comer na casa de
o pernão aparecendo.“ Luís. É dele que o narrador recebe como presente a corda
“Era uma sujeitinha vermelhaça, de olhos azuis e cabe- que enforcará Julião Tavares.
los tão amarelos que pareciam oxigenados.“
ƒ Moisés
ƒ Julião Tavares É um judeu corcunda, amigo de Luís, porém envergonha-se
Personagem que possui linguajar rebuscado, com certo de cobrar o amigo e evita de encontrá-lo na rua. Quan-
exagero na formalidade, fazendo referência à classe social do o encontra, recebe uma prestação e diz que elas já se
à qual pertence. Além disso, mostra-se um patriota vazio e acabaram e restabelece a amizade, estando junto com ele
sem ideais políticos. para discutir assuntos, beber e frequentar a casa. Moisés é
socialista, fala pausadamente e é um pessimista invetera-
Ele é considerado o antagonista de Luís da Silva. Do pon-
do. É poliglota, inteligente e lê jornais com muita rapidez.
to de vista físico, é descrito como um tipo forte e gordo,
Tem um tio judeu, dono de loja, com quem trabalha. Vende
sempre suado e vestido com roupas caras. É bacharel,
fiado para Luís, que vai lhe pagando quando pode.
de razoável cultura, tem veleidades de poeta. Filho de
comerciantes, procura se mostrar satisfeito socialmente, ƒ Vitória
sem a rebeldia de Luís da Silva, já que tem interesse pes- Empregada e agregada de Luís. Aparentemente distraída,
soal em que as instituições funcionem; afinal de contas, mas percebe tudo o que se passa a seu redor. Tem o hábito
pertence a uma família capitalista, logo, é conservador, de enterrar suas economias em buracos feitos no quintal,
católico e reacionário. Individualista, consequentemente às vezes “roubando” algum dinheiro de Luís, mas devol-
egoísta, só age em função de seu interesse pessoal, tanto vendo-o posteriormente, num gesto sem explicação. Tem,
que seduz várias jovens, que nada podem fazer contra ainda, o hábito de ler a seção dos jornais em que se noti-
ele, pois são mulheres de famílias pobres que acreditam ciam chegadas e partidas de navios. Através desse hábito,
em suas promessas de bem-estar, através de sua riqueza. de alguma forma, queria dizer para o patrão Luís que ele
No máximo, ele lhes dá uma pequena quantia de dinhei- deveria mudar de vida, viajar, ir para outro lugar.
ro para que se calem. Assim acontece também com Mari-
na, namorada de Luís. ƒ Pimentel
“Tudo nele era postiço, tudo dos outros.“ É um amigo de Luís e, como ele, é jornalista e socialista.
Muito prático, só conversa ou escreve sobre o que é de fato
“Conversa vai, conversa vem, fiquei sabendo por alto a
vida, o nome e as intenções do homem. Família rica. Ta- útil, necessário; portanto é uma pessoa quieta, de pouquís-
vares & Cia., negociantes de secos e molhados, donos de simas palavras. Faz sempre críticas sérias em suas escritas
prédios, membros influentes da Associação Comercial, sobre a sociedade, a política e a sociedade em geral.

41
ƒ Camilo Pereira da Silva trata-se de uma mulher bonita, aparentemente fácil e, pro-
vavelmente, sexualmente acessível.
Pai de Luís. Passa dias deitado preguiçosamente em redes,
às vezes lendo, outras vezes preparando palha para futuros “Marina tinha deixado de ver-me à tarde, mas todas as
cigarros. Acaba por dilapidar os poucos bens que sobraram noites a gente se reunia no fundo do quintal. Ela passava
pelo buraco da cerca, encostava-se ao tronco da man-
da decadente herança que seu pai Trajano, avô de Luís, dei- gueira, e eram beijos, amolegações que nos enervavam.
xara. Durante a morte e velório de Camilo, percebe-se o
— Vamos entrar, descansar um bocado, Marina. Já que
abandono em que fora criado Luís. Esse momento é uma
chegou aqui, dê mais uns passos.
das mais tocantes situações narradas no livro.
— Você está maluco? Eu vou dar o fora. Qualquer dia
ƒ Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva a gente mete o rabo na ratoeira. Os velhos descobrem
tudo, estrilam, e é um fuzuê da desgraça.
Pai de Camilo e avô de Luís. Fazendeiro rico, porém, já de-
cadente. É um homem de personalidade forte, na contra- — Deixa disso, Marina, vamos lá para dentro.
mão do filho Camilo e do neto Luís. Ele não tem inveja e — Good bye.
envergonha-se diante de lembranças de certas ações cora- — Vem cá, Marina.
josas. Acaba seus dias pobre e esclerosado.
— Vai-te embora, Lobisomem.”
Num dado momento de sua vida, Luís conhece Julião Ta-
2.10. Enredo vares, advogado e de família rica. Esse contato, já no início,
”Sou um bípede, é preciso ter a dignidade dos bípedes.” não agrada a Luís, que de hábito é avesso a contatos so-
O narrador da história é Luís da Silva, um funcionário público ciais, e ele não entende por que não afasta Julião do seu
que escreve para jornais locais, lê muito e ganha pouco, mas, convívio, como já fizera com outras pessoas.
a rigor, profissionalmente também produz pouco, já que lhe Aos poucos e cada vez mais, o narrador vai sentindo aver-
é comum a perda de razoável parte do seu tempo com re- são pelo novo “amigo”, pois Julião concentra todas as ca-
flexões sobre sua vida e sobre a de outras pessoas, com idas racterísticas e conceitos detestados pelo narrador, ou seja, é
e vindas pela casa ou pela cidade, sem objetivo concreto ou exatamente o oposto daquilo que Luís sente e pensa sobre
útil. É razoavelmente culto, até considerado intelectual, ten- sociedade, religião, política, literatura e demais assuntos.
do em vista a limitação cultural do meio em que atua, mas Além disso, Julião Tavares é rico, capitalista, o que contraria
extremamente frustrado e revoltado com sua situação. Vive a ideologia social de Luís da Silva. Como se não bastasse,
numa moradia simples e suja em um bairro de classe média, Julião trata todos com uma compreensão condescenden-
convivendo com uma vizinhança constituída de pessoas sim- te, magnânima, como se estivesse fazendo favor em dar
ples, que o tratam com respeito e com alguma solenidade, atenção aos outros, quando, na verdade, está concentrado
por entenderem que ele lhes é superior, considerando-se seu em si mesmo, pois se trata de indivíduo egoísta, sente-se
trabalho e o fato de que é um homem que lê. poderoso e se dá grande importância. É conservador, como
consequência das atividades comerciais de sua família, já
que o status quo social e econômico tem conveniências para
os negócios de sua família. Enquanto os valores de Luís são
ditados por um sentir idealista, logo, mais autêntico e desin-
teressado pessoalmente, ao menos de acordo com o que ele
transparece para o leitor.
Como se não fosse o suficiente essas diferenças, Julião acaba
por conquistar Marina pelo fascínio que o seu poder econô-
mico exerce. Porém, Luís já se preparava para casar com a
moça, tendo gastado suas poucas economias para que ela
Apesar de ser um sujeito tímido, inicia um relacionamen- comprasse o enxoval. Luís se sente humilhado, entre tantas
to com Marina, sua vizinha, jovem, sensual e volúvel. No já vividas, e seu ódio por Julião toma forma definitiva.
início da relação, Luís sente algum desprezo por ela por “Ao chegar à rua do Macena recebi um choque tremen-
causa da ignorância e dos valores fúteis da moça, porém, do. Foi a decepção maior que já experimentei. À janela
aos poucos, ela passa a ter muita importância para ele, não da minha casa, caído para fora, vermelho, papudo, Julião
Tavares pregava os olhos em Marina, que, da casa vi-
só por representar uma conquista rara no parco cenário
zinha, se derretia para ele, tão embebida que não per-
de sua trajetória amorosa, em razão da sua timidez e do cebeu a minha chegada. Empurrei a porta brutalmente,
seu “desajeito” com mulheres, mas principalmente pela o coração estalando de raiva, e fiquei em pé diante de
atração física que ela exerce sobre “o solitário Luís”; afinal, Julião Tavares, sentindo um desejo enorme de apertar-

42
-lhe as goelas. O homem perturbou-se, sorriu amarelo, ”Lá estão novamente gritando os meus desejos. Calam-
esgueirou-se para o sofá, onde se abateu.” -se acovardados, tornam-se inofensivos, transformam-se,
correm para a vila recomposta. Um arrepio atravessa-me
Alguns meses depois, Julião abandona Marina e ela se dá a espinha, inteiriça-me os dedos sobre o papel. Natural-
conta que está grávida do mesmo. Ela fica desesperada e vai mente são os desejos que fazem isto, mas atribuo a coi-
até uma parteira e provoca o aborto. Luís descobre, pois a viu sa à chuva que bate no telhado e à recordação daquela
entrar e sair na casa da parteira. Luís, que já não se apresenta peneira ranzinza que descia do céu todos os dias.”
muito constante e racional por causa da somatória desses (ANGÚSTIA, DE GRACILIANO RAMOS)
fatores, desequilibrado, decide matar Julião. Luís talvez não
tenha consciência, todavia, a morte de Julião poderia fazê-
-lo readquirir seu próprio equilíbrio anterior a esses últimos
acontecimentos, ainda que esse equilíbrio precário o fizesse
voltar ao eixo da rotina entediante e mesquinha de até en-
tão. Tanto isso é verdadeiro que, durante o assassinato, Luís
sente-se forte e importante, desmentindo a própria autoava-
liação que sempre se fazia, no sentido de que ele era pessoa
insignificante. Luís assassina Julião por enforcamento, de
madrugada, numa rua deserta, esperando-o na escuridão
e enlaçando-o pelo pescoço com uma corda. Com enorme
esforço, por culpa do peso do morto, consegue levantá-lo por
um galho de uma árvore, deixando-o pendurado pela corda,
com o intuito de simular suicídio. Ferido nas mãos, cansado,
sujo e rasgado, lentamente volta para casa. Pede à empre-
gada Vitória que ligue para a “Repartição” avisando que ele
não está bem e que não vai trabalhar.
Moisés e Pimentel, que são seus dois únicos amigos, vêm
visitá-lo, uma vez que ele fica jogado na cama vivendo in-
tensa angústia, com medo da possibilidade de seu crime 2.11.1. A obra
ser descoberto e, o pior, ele vir a ser preso e julgado como
culpado. Entra em algumas paranoias, como por começar Angústia é o segundo romance do que chamamos ”ciclo
a desconfiar de que está sendo vigiado por quase todos, e, memorialista” de Graciliano Ramos; inesquecível e pertur-
em sua cabeça, o passado e o presente começam a ficar bador, não há nele divisão estrutural em capítulos: é escrito
confusos e a se misturar. É um processo doloroso para ele, como um fluxo confessional de um homem desesperado.
porque, acima de todo esse embaralhar de ideias, sobre-
leva a síndrome de vir a ser descoberto, preso e conde- 2. 11. 2. O protagonista
nado; mas ele precisa descansar. Numa espécie de delírio, Luís da Silva, protagonista do romance, veio do mundo rural
pessoas com quem ele convivera no passado chegam, e para a capital. Ele é um anônimo qualquer na cidade. Em seu
ele as convida para se deitarem com ele em sua cama e cotidiano medíocre, escreve para o jornal o que lhe pedem,
descansarem juntos. Luís precisa descansar de seus ódios e atendendo a encomendas, de forma quase robótica. Ele se
humilhações morais, medos e frustrações. considera um intelectual fracassado num mundo sem lugar
na prateleira de heróis: vive mediocremente, engaveta escri-
2.11. Análise e resumo da obra tos, não progride nem em sua vida profissional – carregando
o fardo de ser um reles funcionário público –, nem em sua
vida afetiva – mantendo um noivado prolongado pela fal-
ta de condições para a efetivação do casamento. Marina, a
noiva, acaba se envolvendo com outro homem, fato que vai
desencadear um pesadelo na vida do protagonista.

2.11.3. Interesses sociais


Inserido num mundo onde a voz do dinheiro fala mais alto,
afunda-se em dívidas, aluguéis atrasados e empréstimos to-
mados no intuito de agradar a amada, Marina. Ele a pede

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em casamento, mas ela o deixa por outro mais bem-suce- Minha mãe tinha a franqueza de manifestar-me viva
dido, Julião Tavares. Este sim, filho de comerciantes ricos, antipatia. Dava-me dois apelidos: bezerro-encourado e
audacioso e competente na arte de ganhar dinheiro. Julião cabra-cega. (...)
Tavares possui cacife para comprar Marina com todas as di- Devo o apodo ao meu desarranjo, à feiúra, ao desen-
tas que ela deseja: joias, sedas, idas ao cinema e ao teatro. gonço. Não havia roupa que me assentasse no corpo: a
camisa tufava na barriga, as mangas se encurtavam ou
alongavam, o paletó se alargava nas costas, enchia-se
2.11.4. Ciúmes como um balão. (...)
O protagonista, Luís da Silva, vê-se impossibilitado de conviver Zanguei-me permanecendo exteriormente calmo, depois
com sua rotina desmotivada e passa a sentir um ciúme cres- serenei. Ninguém tinha culpa do meu desalinho, daque-
cente que o leva a cometer um crime num forte clima de an- les modos horríveis de cambembe. Censurando-me a
gústia. Luís acompanha como uma sombra a vida de Marina, inferioridade, talvez quisessem corrigir-me. (...)
principalmente depois que Julião Tavares a abandona grávida.
O trecho acima, narrado em 1.ª pessoa, foi extraído do
livro Infância, de Graciliano Ramos. O autorretrato lido
2.11.5. Vingança e ódio permite identificarmos uma das personagens importan-
tes do livro Angústia, do mesmo autor. Indique-a.
Luís vai nutrir um ódio mortal contra Julião, plantando a ideia
crescente de que só a morte iria terminar com seu sofrimen- a) Camilo Pereira da Silva
to e angústia. Julião Tavares representa aquilo que ele não b) Moisés
podia ser e, com isso, surge como uma grande ameaça. Luís c) Seu Ivo
da Silva, oprimido pelos acontecimentos, persegue seu rival, d) Julião Tavares
uma vez que seu oponente anda às voltas com nova amante. e) Luís da Silva
Seu drama interior faz com ele se sinta diminuído diante da 2. Aponte a alternativa em que se encontra uma carac-
prepotência de Julião Tavares. terística modernista presente no livro Angústia, de Gra-
ciliano Ramos.
2.11.6. Psicologia humana a) Atitude crítica em relação a certos valores sociais,
como o provincianismo e a falta de cultura.
Após ter cometido o crime, Luís da Silva entra em uma b) Ênfase a aspectos regionais e a tradições populares.
crise psicológica que o angustia. Surge, então, um efeito c) Clara aversão a comportamentos ditados pelo mo-
de circularidade em que o fluxo de consciência vai e vem, dismo estrangeiro.
fazendo com que o narrador pense de maneira aleatória, d) Violações gramaticais sistemáticas, como forma de
indo e vindo de forma não ordenada. A morte de Julião Ta- desprezo pela língua padrão.
vares representa para Luís da Silva uma grande vitória num e) Opção pela narrativa linear, cronológica, evitando
primeiro momento, porém, em seguida, perde o aparente flash-backs.
significado de vitória:
3. (Unicamp) Leia o seguinte trecho extraído do romance
“Tive um deslumbramento. O homenzinho da repartição Angústia.
e do jornal não era eu. Esta convicção afastou qualquer
receio de perigo. Uma alegria enorme encheu-me. Pes- Onde andariam os outros vagabundos daquele tempo?
soas que aparecessem ali seriam figurinhas insignifi- Naturalmente a fome antiga me enfraqueceu a memória.
cantes, todos os moradores da cidade seriam figurinhas Lembro-me de vultos bisonhos que se arrastavam como
insignificantes. Tinham-me enganado. Em trinta e cinco bichos, remoendo pragas. Que fim teriam levado? Mortos
anos haviam-me convencido de que só me podia mexer nos hospitais, nas cadeias, debaixo dos bondes, nos rolos
pela vontade dos outros. Os mergulhos que meu pai me sangrentos das favelas. Alguns, raros, teriam conseguido,
dava no poço da pedra, a palmatória de mestre Antônio como eu, um emprego público, seriam parafusos insignifi-
Justino, os berros do sargento, a grosseria do chefe da cantes na máquina do Estado e estariam visitando outras
revisão, a impertinência macia do diretor; tudo virou fu- favelas, desajeitados, ignorando tudo, olhando com as-
maça. Julião Tavares estrebuchava.” sombro as pessoas e as coisas. Teriam as suas pequeninas
almas de parafusos fazendo voltas num lugar só.
RAMOS, GRACILIANO. ANGÚSTIA. 56. ED.
Aplicando para RIO DE JANEIRO: RECORD, 2003, P. 140-141.
a) No momento da narração, a posição social do nar-
aprender (A.P.A.) rador personagem difere de sua condição de origem?
Responda sim ou não e justifique.
1. (Fuvest)
b) Na citação acima, o termo “parafusos” remete ao ver-
(...) Sem dúvida o meu aspecto era desagradável, ins- bo “parafusar” que, além do significado mais conhecido,
pirava repugnância. E a gente da casa se impacientava. também tem o sentido de “pensar”, “cismar”, “refletir”,

44
“matutar”. Como esses dois sentidos podem ser relacio- b) Agarrava a papelada com entusiasmo de fogo de
nados ao modo de ser do narrador personagem? palha. Tempo perdido.
c) De que maneira o segundo sentido do verbo “para- c) Afinal, para a minha história, o quintal vale mais do
fusar” está expresso na técnica narrativa de Angústia? que a casa. Era ali, debaixo da mangueira, que, de volta
da repartição, me sentava todas as tardes, com um livro.
4. (UFPR) A respeito de Angústia, de Graciliano Ramos, d) Por disciplina, entende? Considero a religião um
é correto afirmar: sustentáculo da ordem, uma necessidade social.
01) Este é um volume do famoso ciclo da cana-de-açú- e) A corda enlaçou o pescoço do homem, e as minhas
car, em que se narra a vinda de um rapaz do engenho mãos apertadas afastaram-se.
falido do avô, onde fora criado, para a cidade.
02) O crime de Luís da Silva nos é apresentado como
passional, mas é possível dizer que ele também repre-
senta uma desforra social.
Gabarito
04) Trata-se de um romance regionalista típico, já que 1. E 2. A
sua ação, passada no sertão alagoano, gira em torno de
um crime político muito comum no Nordeste brasileiro. 3.
08) Luís da Silva, oriundo de uma família de proprie- a) Antes do momento narrado no trecho, Luís fora
tários rurais, sente-se isolado na cidade, não se en- neto de proprietário rural decadente e filho de peque-
quadrando bem em nenhum círculo social. no comerciante. Órfão, foi socorrido por conhecidos,
também pobres. Posteriormente, chegou a ser pedin-
16) O narrador onisciente em 3.ª pessoa permite a ex-
te, serviu ao Exército, foi mestre-escola, trabalhou
ploração psicológica de um crime tanto por parte do
como revisor, além de fazer poesias para vender para
assassino, Luís da Silva, quanto da vítima, Julião Tavares.
estudantes, acabando por chegar a funcionário públi-
32) Em várias ocasiões, a forma escolhida por Luís da Silva
co e redator de jornal. Essas duas últimas atividades
para cometer o assassinato – o enforcamento – é anteci-
compunham a sua situação social no momento re-
pada. Exemplo disso é a semelhança que ele vê entre um
gistrado pelo texto e lhe davam alguma estabilidade.
cano exposto na cozinha de sua casa e uma corda.
b) O primeiro significado tem o sentido de mera peça
64) A personagem principal, Luís da Silva, deseja uma
de um mecanismo maior, ou seja, insignificância. O
revolução socialista, pois essa revolução pode transfor-
segundo uso remete à estagnação social em que vivia
má-lo em alguém mais importante que Julião Tavares.
o narrador: girava à volta do seu próprio eixo sem sair
5. De forma sucinta, destaque as principais diferenças so- do lugar, sem evoluir na escala social, atormentado
ciais e de personalidade entre Luís da Silva e Julião Tavares. pelas suas reflexões repetidas sobre seus ódios, res-
sentimentos e culpas.
6. (UDF) Aponte o item que melhor conceitua a obra An- c) O pensamento de Luís gira em torno praticamente
gústia, de Graciliano Ramos. das mesmas coisas, e uma delas é verdadeiramente
a) Essa obra complementa Memórias do cárcere, do uma obsessão, como se fosse uma “ideia-parafuso”:
mesmo autor, relativamente às suas memórias, mas o assassinato de Julião Tavares. Essa ideia vai e volta
sem o seu envolvimento político. constantemente, até que ele a realiza, o que lhe dá
a sensação de algum poder, de não ser, afinal, tão
b) Narrativa ficcional de forte tendência psicológica, se-
guindo o fluxo do pensamento do narrador em 1.ª pessoa. insignificante; quem sabe assim tenha saído do lugar,
do buraco em que fora colocado para ficar girando
c) A exemplo das narrativas de Jorge Amado e Erico Ve-
em torno de si mesmo.
ríssimo, em Angústia, Graciliano Ramos privilegia a ação,
de forma a registrar o universo das tradições nordestinas. 4. 02 + 08 + 32 = 42
d) Em Angústia, o autor movimenta as personagens
em ações que lhe permitem registrar as relações ex- 5. Luís é pobre, sente-se fracassado e humilhado diante
teriores entre pessoas de diferentes crenças e origens, da sociedade; desenvolve rancor e pessimismo em relação
como num painel ou palco teatral. a todos que, socialmente, estão em melhor condição que
e) Os contos reunidos no volume Angústia, de interação ele, além de criticar quase tudo na sociedade. Ao contrário
psicológica, assemelham-se aos de Insônia, do mesmo dele, Julião tem dinheiro e é egoísta, não tendo nenhuma
autor, e a algumas coletâneas de Clarice Lispector.
preocupação social em relação aos outros, pois, para ele,
7. Quatro das frases abaixo são de Luís da Silva, prota- conta apenas o seu próprio interesse.
gonista do livro Angústia, de Graciliano Ramos, e, ainda
que fragmentadamente, ajudam a compor sua reali- 6. C 7. B
dade psicológica e social. A quinta frase foi dita pelo
antagonista Julião Tavares e mostra uma faceta de sua
personalidade. Marque-a.
a) À noite fecho as portas, sento-me à mesa da sala
de jantar, a munheca emperrada, o pensamento va-
dio, longe do artigo que me pediram para o jornal.

45
seja mais conhecida como poetisa, deixou contribuições nos
OBRA 6 domínios do conto, da crônica, da literatura infantil e do fol-
clore. Perdeu o pai poucos meses antes de seu nascimento
e a mãe logo depois de completar três anos, sendo criada
por sua avó materna, a portuguesa Jacinta Garcia Benevides.
Fez o curso primário na Escola Estácio de Sá, onde recebeu
ROMANCEIRO DA das mãos de Olavo Bilac a medalha de ouro por louvor e
distinção. Em 1917, formou-se professora na Escola Nor-
INCONFIDÊNCIA: mal do Rio de janeiro, passando a exercer o magistério em
CECÍLIA MEIRELES escolas oficiais da cidade. Estudou música e línguas.
Aos 18 anos de idade, estreou na literatura com o livro de
poemas Espectros, que possuía 17 sonetos de temas histó-
ricos. Em 1922, por ocasião da Semana de Arte Moderna,
participou – ao lado de Tasso da Silveira, Andrade Muricy e
outros – do grupo literário, católico e conservador da revista
Festa, que defendia o universalismo e a preservação de certos
valores tradicionais da poesia, e dessa vinculação herdou a
tendência espiritualista que percorre seus trabalhos com fre-
quência. Nesse mesmo ano, casou-se com o artista plástico
português Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas.
1. Cecília Meireles
Cecília Meireles estudou literatura, folclore e teoria educa-
cional. Colaborou na imprensa carioca escrevendo sobre
folclore e atuou como jornalista (1930-1931) publicando
vários artigos sobre educação. Fundou, em 1934, a primeira
biblioteca infantil no Rio de Janeiro – seu interesse pela edu-
cação se transformou em livros didáticos e poemas infantis.
Ainda em 1934, a convite do governo português, viajou para
Portugal, onde proferiu conferências divulgando a literatura
e o folclore brasileiros. No ano seguinte, morria seu marido.
Entre 1936 e 1938, Cecília lecionou Literatura Luso-Brasileira
na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1938,
seu livro de poemas Viagem recebeu o Prêmio de Poesia da
Academia Brasileira de Letras. Em 1940, casou-se com o pro-
fessor e engenheiro agrônomo Heitor Grilo. Nesse mesmo
ano, lecionou Literatura e Cultura Brasileiras na Universidade
do Texas, proferiu conferência sobre Literatura Brasileira, em
Lisboa e Coimbra, e publicou, em Lisboa, o ensaio Batuque,
samba e macumba, com ilustrações de sua autoria.
Em 1942, tornou-se sócia honorária do Real Gabinete Por-
tuguês de Leitura do Rio de Janeiro. Realizou várias viagens
aos Estados Unidos, Europa, Ásia e África, fazendo confe-
rências sobre literatura, educação e folclore.

1.1. Características
Cecília Meireles é o retrato da poesia de sua época. O grande
Cecília Benevides de Carvalho Meireles (1901-1964), nasci- destaque de sua poesia é a projeção de vozes que se frag-
da no Rio de Janeiro, foi poetisa, professora, jornalista, pin- mentam em várias possibilidades líricas. Tais possibilidades de
tora e a primeira voz feminina de grande expressão na Lite- constituições de vozes surgem, por exemplo, com a recupe-
ratura Brasileira, com mais de 50 obras publicadas. Embora ração da estética simbolista, em que os temas abstratos são

46
tratados por intermédio dos estímulos sensoriais como a mu- 1.1.1. Poesia histórica
sicalidade, entre outros. Também trabalhou com a temática
A obra máxima de Cecília Meireles foi o poema épico-lírico
social, como era característica de muitos poetas de seu tem-
“Romanceiro da Inconfidência”, no qual se encontram os
po, ou seja, da segunda geração modernista (1930-1945).
maiores valores de sua poética. Trata-se de uma narrativa
rimada escrita em homenagem aos heróis que lutaram e
morreram pela Pátria.

Romanceiro da Inconfidência
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem
acontece a Inconfidência.
E diz o vigário ao Poeta:
“Escreva-me aquela letra
do versinho de Virgílio...”
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz o Poeta ao Vigário,
Com dramática prudência:
“Tenha meus dedos cortados,
antes que tal verso escrevam...”
Liberdade, Ainda que Tarde, (...)
Para que se tenha uma dimensão geral da poética da au-
tora, vale a pena mencionar que, para além da poesia his-
tórica (“Romanceiro da Inconfidência”), surge a dimensão
simbolista ou neossimbolista na qual fará o uso frequente
de elementos como vento, água, mar, ar, tempo, espaço,
solidão e música.
Das palavras aéreas
Ai, palavras, ai, palavras,
O interessante da lírica desenvolvida por Cecília Meireles que estranha potência, a vossa!
é justamente o fato de que sua versatilidade e pluralidade Ai, palavras, ai, palavras,
sois de vento, ides no vento,
discursivas e temática – religiosidade, desespero, individua-
no vento que não retorna,
lismo e misticismo no campo da solidão – fazem dela única e, em tão rápida existência,
na poesia de língua portuguesa, mas existe a consciência tudo se forma e transforma! (...)
de seus dons e seu destino. Talvez uma das mais belas pro-
duções de caráter metalinguístico de sua poética se dá com 1.1.2. Poesia reflexiva
o poema “Motivo”, a seguir.
O caráter filosófico é outro aspecto de suma importância,
Eu canto porque o instante existe
pois é um tema que perpassa por toda a sua obra. Cecília
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
Meireles vai trazer em sua poesia de caráter reflexivo as mais
sou poeta. diversas temáticas, como o efêmero e a transitoriedade da
vida, a natureza, o tempo, o amor e o infinito (como não
Irmão das coisas fugidias,
poderia deixar de ser, este tema sempre permeou a poética
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias dos grandes escritores). A intuição sempre foi um ponto fun-
no vento. damental na poética de Cecília Meireles e vale ressaltar que
ela sempre procurou entender e questionar o mundo a partir
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço, das próprias experiências. Uma série de cinco poemas, todos
— não sei, não sei. Não sei se fico intitulados “Motivo da rosa”, da obra Mar absoluto, trata do
ou passo. tema da passagem da vida e do tempo efêmero:
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
1º Motivo da rosa
E um dia sei que estarei mudo: Vejo-te em seda e nácar,
— mais nada. e tão de orvalho trêmula,

47
que penso ver, efêmera, As reflexões sobre “quem sou eu?” e “o que estou fazendo
toda a Beleza em lágrimas aqui?” foram marcas e questões trabalhadas pelos poetas
por ser bela e ser frágil. (...)
na geração de 1930. Foi da oscilação entre o fechamento
Apenas em 1939, com a publicação da obra Viagem, é que a e a abertura do “eu” à sociedade e à natureza que nasceu
autora iniciou de fato seu mergulho no famoso espírito mo- a poesia que vai do “eu” (intimismo) ao “mundo” (univer-
dernista enquanto estética, escola e poesia. A escolha lexical sal). Todavia, Cecília Meireles foi única, e sua poesia mais
continua inclinada para a musicalidade; o verso, compacto e do que nunca deve ser estudada e contemplada.
denso e as intertextualidades, com outros autores e períodos,
como é o caso da poesia medieval portuguesa:
2. Romanceiro da Inconfidência
Música “Todo o presente emudeceu, como plateia humilde, e
Noite perdida os antigos atores tomaram suas posições no palco. Vim
Não te lamento: com o modesto propósito jornalístico de descrever as co-
embarco a vida memorações de uma Semana Santa; porém os homens
No pensamento, de outrora misturaram-se às figuras eternas dos ando-
busco a alvorada res; (...) na procissão dos vivos caminhava uma procis-
do sonho isento, são de fantasmas (...). Era, na verdade, a última Semana
Puro e sem nada, Santa dos inconfidentes: a do ano de 1789”.
– rosa encarnada, (CECÍLIA MEIRELES)
intacta, ao vento.
Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida

1.2. Contexto de publicação e estilo de época


Partindo da linha de raciocínio em que a percepção da
literatura moderna valoriza a linguagem simples, porém
com elevado grau de arte, Cecília Meireles situa-se ca-
nonicamente na chamada segunda fase do Modernismo
brasileiro, que compreende o período entre 1930 e 1945.
A segunda fase da poesia moderna é marcada por uma ló-
gica de consolidação dos valores heroicos da primeira fase
(1922-1930), buscando de maneira crítica nacionalizar a
literatura brasileira do século XX.

Cecília Meireles vai até Ouro Preto e, como muitos moder-


nistas contemporâneos a ela, tematizou o espaço numa
Com intensa variedade temática e, no caso específico da
proposta de ressignificar de alguma forma o projeto de
autora, também uma pluralidade formal, num primeiro mo-
literatura nacional de José de Alencar (Romantismo), com-
mento, foi caracterizada numa chave de análise que a coloca
pondo estes poemas de temática social, que evocam a luta
junto aos espiritualistas de influência católica, como é o caso
pela liberdade no Brasil do século XVIII, incorporando ele-
de Murilo Mendes e, principalmente, Jorge de Lima. Tal ten-
mentos de ordens lírica, dramática e épica.
dência, que se agrupou em torno da revista Festa, no ano
de 1927, no Rio de Janeiro (RJ), mostra clara influência do Pela primeira vez, utilizou a temática social, de interesse
lirismo católico francês e das marcas dessa influência, que se histórico e nacional, enfatizando a luta pela liberdade.
fazem sentir na tendência introspectiva, intimista e na musi- Romanceiro da Inconfidência passou a ser uma das obras
calidade que marca a maior parte das obras da autora. mais conhecidas da autora, que com muita sensibilidade

48
traz uma visão mais humana dos heróis e protagonistas
daquele que foi o primeiro movimento de grande porte em
prol da independência do Brasil – a Inconfidência Mineira.
Do ponto de vista da linguagem, é possível observar uma
clareza maior em relação às suas demais obras – a comuni-
cação se faz de maneira a se tornar algo mais familiar, imagi-
nativo aos interlocutores, sobretudo por se tratar de poesia.

2.1. Contexto e projeção histórica


Romanceiro da Inconfidência marca um contexto de cará-
ter épico, todavia pode ser lido de maneira lírica e reflexiva.
A Inconfidência Mineira será o pano de fundo histórico
escolhido por Cecília Meireles para compor sua obra. A
autora leva em consideração os acontecidos no ano de
1789 quando, inspirados pelas ideias iluministas europeias
e pela independência dos Estados Unidos, alguns homens
– os inconfidentes –, organizaram um movimento de liber-
tação da colônia brasileira em detrimento da metrópole, ou
seja, da coroa portuguesa. ƒ Tomás Antônio Gonzaga, o poeta árcade, e sua ama-
da Marília de Dirceu (Maria Doroteia Seixas);
As ações da coroa, seus altos impostos sobre a extração do
ouro e os interesses de classe dos inconfidentes fomentaram
a constituição deste movimento importante e histórico para
a pavimentação do processo de libertação e independên-
cia do Brasil. Logo, os donos de minas, profissionais liberais
como advogados e juízes formados em Coimbra, Portugal,
entre os quais se destacam diversos poetas árcades, aliás a
maioria, – começaram a conspirar contra Portugal. Porém,
a insurgência do movimento foi denunciada, numa delação
em que os envolvidos foram perseguidos, presos, exilados e
mortos. Tiradentes foi escolhido para dar de exemplo e foi
executado na forca, em 21 de abril de 1792.

ƒ José de Alvarenga Peixoto, minerador e poeta, jun-


to a sua esposa Bárbara;

2.1.1. Personagens
Na constituição dos romanceiros, Cecília Meireles trará à
baila conhecidos personagens da Inconfidência Mineira.
Podemos citar:
ƒ Cláudio Manuel da Costa e as circunstâncias miste-
riosas envolvendo sua morte;

49
ƒ Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes – o enfor- e urbanísticas, museus, ateliês de escultura inspirados no
cado que se tornaria mártir. famoso aleijadinho e estudantes das mais variadas ordens,
como é o caso da própria literatura, que vão desfrutar des-
se cenário histórico e artístico de nosso país.

2.1.3. Tempo
Cecília Meireles opta por não fazer uma marcação cronológi-
ca no desenvolvimento de seus poemas – romanceiros –, to-
davia, é sabido que a obra situa-se no século XVIII e abrange
o período do ciclo do ouro (Brasil colônia), desde o período
que antecede a revolta até a morte dos inconfidentes, em
que a autora homenageará os heróis da tragédia mineira.

2.2. Gênero: romanceiro


O vestibulando precisa dar atenção especial ao gênero esco-
lhido por Cecília Meireles, pois, quando se trata desta obra
aqui analisada, é muito comum que os vestibulares cobrem
o aspecto formal, ou seja, o conceito do “romanceiro”.

2.1.2. Espaço

A gênese da obra ocorreu, de acordo com depoimento da


escritora, quando foi pela primeira vez à cidade de Ouro
Preto, local onde se organizou o movimento de Tiradentes
e seus companheiros. As alusões que Cecília Meireles faz A primeira grande questão que se deve ter atenção é o
não são consideradas diretas ao espaço geográfico evoca- fato de que não se pode confundir com a denominação do
do na narrativa, uma vez que o objetivo é apenas ambien-
atual gênero em prosa, o romance.
tar e valorizar a ação das personagens da história. Porém, o
espaço aparece como uma espécie de personagem secun- O gênero “romanceiro” é poesia e se estrutura num tipo de
dário de luxo, pois não é possível entender a história bem forma poemática de origem medieval na península Ibérica.
como os poemas, sem dominar plenamente os acontecidos Além disso, assume um caráter narrativo em que fatos he-
naquelas ladeiras pedregosas, nas minas de ouro, o pal- roicos e históricos são contados a um determinado povo.
co de acontecimentos que foi a cidade de Vila Rica, atual É considerado na tradição como uma junção de poesias
Ouro Preto, centro do poder da então capitania de Minas ou canções de caráter popular. Em geral, a narrativa se de-
Gerais. Hoje considerada um patrimônio histórico mundial bruça sobre tema central, no caso aqui da Inconfidência
e resguardada por todos em suas estruturas arquitetônicas Mineira e seus personagens.

50
São narrativas breves e rimadas sob a forma de poemas Inconfidência Mineira, abortada pela traição de Joaquim
épico-líricos e que originalmente surgiram cantadas em Silvério dos Reis, que culminou na execução de Tiradentes.
função da tradição oral (contexto de analfabetismo). Com A ambientação da narrativa aparece nos primeiros 19 ro-
85 “romances” (romanceiro), publicado em 1953, Cecília mances. A questão da descoberta do ouro e a estrutura-
Meireles mergulha na História do Brasil no século XVIII. Os ção de ordem social que se estabelece a partir deste novo
episódios narrados relacionam-se com a ambientação da contexto econômico. Esta configuração social se dá com a
mineração e do ciclo do ouro, passando desde Chica da vinda dos mineradores, seus costumes e aspectos culturais,
Silva, a da Inconfidência Mineira (Vila Rica) até o enforca- como se vê nos “causos”:
mento de Tiradentes.
ƒ Romance IV: A donzela morta por uma punhalada
desferida pelo próprio pai.
2.3. Estrutura
ƒ Romance VI ou os cantos dos negros nas catas.
ƒ Romances XIII a XIX: Surge o folclore, a história do
contratador João Fernandes e de sua amante Chica da
Silva e o alerta sobre a traição do conde de Valada-
res. O foco se desenvolve acerca da questão da am-
bição das pessoas circunscritas a esse ambiente, onde
a possibilidade de enriquecer via descoberta do ouro
ou exploração do mesmo era muito grande. E, é claro,
a cobiça em torno do ouro torna as pessoas cada vez
mais inescrupulosas.
ƒ Romance XXI: Neste interessante romance, começam
a surgir e circular naquelas passagens as primeiras ideias
de liberdade do País em ralação à coroa portuguesa.
Além disso, a Vila Rica será chamada de “país das Ar-
cádias”, uma menção direta a influências iluministas em
terras brasilis e que constituem o Neoclassicismo brasi-
leiro, com seus principais poetas e suas pastoras: cita-
-se Dirceu e Marília (Tomás Antônio Gonzaga), além de
Glauceste Satúrnio e Nise (Cláudio Manuel da Costa).
ƒ Romance XXIV: É a partir deste romance que a insa-
tisfação começa a ficar cada vez mais latente entre os
insurgentes, a revolta contra os portugueses explora-
Nessa obra de Cecília Meireles, há 85 romances, além de dores toma forma com a confecção de uma bandeira:
outros poemas, como os que retratam os cenários/espaços Libertas quae sera tamen.
e pelas falas:
ƒ romances: narrativas em versos relacionadas aos fa-
tos ligados à Inconfidência Mineira;
ƒ cenário/espaço: as descrições dos cenários onde se
desenrolaram os fatos;
ƒ falas: os comentários feitos pela narradora a respeito
dos fatos narrados.

2.3.1. Os romances
A autora faz uma aprofundada pesquisa histórica para es-
crever seu Romanceiro da Inconfidência. Nesse livro, por ƒ Romances XXVII ao XLVII: Neste conjunto de roman-
meio de uma hábil síntese entre o dramático, o épico e o ces, surge mais claramente e especificada a atuação de
lírico, há um retrato da sociedade de Minas Gerais do sé- Tiradentes, apelido do alferes Joaquim José da Silva Xa-
culo XVIII, principalmente dos personagens envolvidos na vier. Sua atuação buscava atrair cada vez mais adeptos

51
para sua causa e ideologia de libertação, atraindo cons- Não posso mover meus passos
piradores em suas longas cavalgadas pelos caminhos e por esse atroz labirinto
estradas que, inclusive, o levavam para o Rio de Janeiro. de esquecimento e cegueira
em que amores e ódios vão:
ƒ Romance XXVIII: Os planos libertários de Tiradentes (…)
serão freados antes mesmo de serem colocados em
No entanto, vale observar que Cecília não se prende total-
prática, sobretudo por conta da ação de seus delatores,
mente a esse modelo, como uma boa escritora modernista. O
em especial a figura de Joaquim Silvério dos Reis.
texto vai girar em torno de outras perspectivas formais, com
ƒ Romance XLIX: Os ataques da coroa são cada vez mais versos mais curtos – de quatro sílabas (como em “Fala aos
ferrenhos, começa uma perseguição violenta a todos os Inconfidentes Mortos”) –, e mais longos, como é o caso dos
integrantes do movimento de libertação com confisco de decassílabos que podemos observar no poema “Cenário”.
bens, prisões, falsos testemunhos e a morte de Glauceste
Satúrnio (pseudônimo de Cláudio Manuel da Costa), sob
2.3.3. Rimas
condições misteriosas. Uma carta suicida é colocada ao
lado de seu corpo assassinado na cadeia. ƒ Imperfeitas: No que diz respeito às rimas, a autora
utiliza as chamadas imperfeitas, cuja determinação se
ƒ Romance LII: Antecipação da execução de Tiradentes,
vale de terminações de versos semelhantes, como se
por intermédio da fala do carcereiro.
observa no Romance XIII.
ƒ Romances LVI a LXIII: Explicitação da morte de Ti-
Eis que chega ao Serro Frio,
radentes. à terra dos diamantes,
ƒ Romances LIV e LV: Julgamento e exílio de Tomás o Conde de Valadares,
Antônio Gonzaga para Moçambique (África). fidalgo de nome e sangue,
José Luís de Meneses
ƒ Romance LXXIII: Sem a presença de seu amado Tomás de Castelo Branco e Abranches.
Antônio Gonzaga, sua ex-noiva, Maria Doroteia Joaqui- Ordens traz do grão Ministro
na de Seixas (Marília), fica completamente inconsolada. de perseguir João Fernandes.
(…)
ƒ Romance LXXI: Tomás Antônio Gonzaga se casa com
Juliana de Mascarenhas, filha de um traficante de es- ƒ Perfeitas: A escritora faz uso, ainda, de rimas perfei-
cravos em Moçambique. tas, que são as terminações em sons vocálicos e conso-
nantais idênticos, como se vê no Romance VI.
ƒ Romances LXXV a LXXX: Estes últimos romances
narram aspectos relativos à vida do poeta Alvarenga Já se preparam as festas
Peixoto e de sua família: sua esposa, Bárbara Heliodo- para os famosos noivados
que entre Portugal e Espanha
ra, e sua filha, Maria Ifigênia. Surge também o retrato
breve serão celebrados.
de Marília idosa. Ai, quantas cartas e acordos
ƒ Romances LXXXII e LXXXIII: Nestes romances, sur- redigidos e assinados!
gem os lamentos pela situação calamitosa em que se (…)
encontra Vila Rica e Minas Gerais como um todo, bem
como a morte de D. Maria, a Louca. 2.3.4. Temas
ƒ Romance XXIV: A obra é concluída com a “Fala aos De maneira geral, o grande tema desse livro é o valor his-
Inconfidentes Mortos”. Segundo a crítica, este é consi- tórico que a Inconfidência trouxe para o processo de inde-
derado um dos romances mais importantes, simboliza- pendência do Brasil. Os heróis e os símbolos da liberdade
do pela confecção da bandeira dos inconfidentes com que fazem parte de história nacional e que, muitas vezes,
todo o movimento que eles preparavam em Vila Rica. é esquecida por aqueles que desconsideram a importância
de se entender o passado para ressignificar o futuro.
2.3.2. Métrica utilizada ƒ Inconfidência Mineira: O tema central da obra Ro-
Em sua composição, é utilizada principalmente a medida manceiro da Inconfidência é, como o próprio título in-
velha, ou seja, a redondilha menor, verso de cinco sílabas dica, a Inconfidência ou Conjuração Mineira, episódio
poéticas (pentassílabo) e, predominantemente, a redondi- histórico ocorrido em 1789, que culminou com a morte
lha maior, verso de sete sílabas (heptassílabo). Este tipo de de Tiradentes, apelido de Joaquim José da Silva Xavier,
verso é típico da poesia popular, como ocorre no poema além da perseguição, prisão e morte de tantos outros
intitulado “Fala Inicial”: inconfidentes.

52
ƒ Heroísmo e ousadia: A ousadia fica por conta do he- Gonzaga ou Cláudio Manuel da Costa, ao recordarem
rói do poema, Tiradentes, que ousava sair pelos campos em suas liras as pastoras Marília, Nise ou Anarda.
ou pelos quartéis bradando em nome da liberdade do
ƒ Arcadismo: A escola literária do Arcadismo também
País e falando contra a ambição da coroa portuguesa,
será abordada por Cecília Meireles, no sentido de ser
que estava sempre a exigir mais dinheiro de todos. Tira-
uma vanguarda em relação ao pensamento iluminista
dentes surge como um símbolo do heroísmo dos incon-
dos inconfidentes que encabeçaram a estética artística,
fidentes. Além disso, vale ressaltar que Cecília Meireles
pois foram buscar suas utopias liberais na Europa, so-
também mostra o lado humano do inconfidente mais
bretudo em seus estudos de Direito na famosa Univer-
famoso: sua profissão, sua origem humilde, seu cargo
sidade de Coimbra (Portugal). A experiência aparecerá
militar, sua utopia de liberdade. Relata também a trai-
como tema em diversos momentos da obra, em que
ção de que foi vítima, seu isolamento e execução. Não
as pastoras, as ovelhinhas e a natureza bucólica irão
se pode esquecer também dos outros inconfidentes e
contrapor-se ao clima de violência e insurreição que
dos heróis anônimos.
dominará a ação narrativa.
ƒ Morte de Tiradentes: A morte de Tiradentes surge
como uma centralização temática, no entanto, outros
temas giram em torno de sua execução. Podemos citar,
2.4. Leia alguns poemas
por exemplo, os fatores históricos do episódio, a trai- Fala inicial
ção, a ambição desmedida e a tal “febre do ouro”.
Não posso mover meus passos.
ƒ Traição e covardia: A traição e a covardia são temas Batem patas de cavalos
abordados nos romances, em função da busca desme- por esse atroz labirinto
dida pelo ouro em que muitos delataram os inconfiden- Suam soldados imóveis,
tes, movidos por interesse econômico, como é o caso de esquecimento e cegueira.
Na frente dos oratórios,
de Joaquim Silvério dos Reis – delator de Tiradentes
em que amores e ódios vãos;
–, ou por medo das ações do governador da capitania que vale mais a oração?
de Minas. Muitos dos delatores, inclusive, inventavam – Pois sinto bater os sinos,
histórias para se beneficiar das recompensas e nem vale a voz do Brigadeiro.
sequer viram ou ouviram qualquer coisa que pudesse Percebo o roçar das rezas,
servir de fato como prova contra os acusados. sobre o povo e sobre a tropa,
vejo o arrepio da morte,
ƒ Ambição: Deixando de lado qualquer escrúpulo ou louvando a augusta Rainha
ideia de amizade, a ambição está presente nas atitudes à voz da condenação;
do próprio Joaquim Silvério dos Reis ou do conde de – já louca e fora do trono –
Valadares, que se vendem por dinheiro e ouro. – avisto a negra masmorra na sua proclamação.
e a sombra do carcereiro
ƒ Loucura: O tema loucura vai figurar em caráter dra- que transita sobre angústias
mático com a figura da rainha D. Maria I, uma vez que Ó meio-dia confuso,
é sabido de suas características históricas, bem como a com chaves no coração;
menção ao fato de que ela se via condenada ao Infer- ó vinte-e-um de abril sinistro,
no. Outra circunstância vinculada à temática da loucura – descubro as altas madeiras
que intrigas de ouro e de sonho
se dá em relação à figura de Bárbara Heliodora, que so-
do excessivo cadafalso
fre muito em função do exílio de seu marido, o poeta e houve em tua formação?
inconfidente Alvarenga Peixoto, somado à tragédia da e, por muros e janelas,
morte de sua filha Ifigênia, ficando louca e morrendo. o pasmo da multidão.
ƒ Corrupção: O tema da corrupção, tão recorrente em
Romance XIV ou da Chica da Silva
nosso País até hoje, já nessa época dava a sua cara,
sobretudo num lugar onde circulava tanto dinheiro e Que andor se atavia
naquela varanda?
estruturas de poder. A corrupção vai entremear as rela-
É a Chica da Silva:
ções de poder entre governadores, fiscais, magistrados
é a Chica-que-manda!
e funcionários da coroa portuguesa.
Cara cor da noite,
ƒ O amor: Num contexto de tanta violência, revolta e cor- olhos cor de estrela.
rupção, ainda é possível perceber a resistência do amor. O Vem gente de longe
tema surge nos versos dos poetas árcades Tomás Antônio Para conhecê-la.

53
Romance LX ou do caminho da forca Pois ele encontra remorso,
coisa que não te acomete.
Os militares, o clero,
Ele topa uma figueira,
os meirinhos, os fidalgos
tu calmamente envelheces,
[Águas, montanhas, florestas,
orgulhoso impenitente,
que o conheciam das ruas, negros nas minhas, exaustos...
com teus sombrios mistérios.
das igrejas e do teatro, – bem podíeis ser, caminhos,
(Pelos caminhos do mundo,
das lojas dos mercadores de diamante ladrilhados...]
e até da sala do Paço; nenhum destino se perde:
Tudo leva na memória: há os grandes sonhos dos homens,
e as donas mais as donzelas em campos longos e vagos e a surda força dos vermes.)
que nunca o tinham mirado, tristes mulheres que ocultam (CECÍLIA MEIRELES, ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA)
os meninos e os ciganos, seus filhos desamparados...
as mulatas e os escravos, 1. (Fatec) Considere as seguintes afirmações sobre o texto.
Longe, longe, longe, longe, I. O emissor assume postura argumentativa ao exprimir
os cirurgiões e algebristas, no mais profundo passado... juízos de valor sobre as ações de ambos os traidores
leprosos e encarangados, – pois agora é quase um morto, célebres.
e aqueles que foram doentes que caminha sem cansaço, II. A significação do texto constrói-se com base numa
e que ele havia curado que por seu pé sobe à forca, ampla comparação, na qual se destaca crítica mais con-
– agora estão vendo ao longe, diante daquele aparato... tundente à traição praticada por Joaquim Silvério.
de longe escutando o passo III. O emissor enfatiza as vantagens obtidas pelos atos
dos Alferes que vai à forca, de Joaquim Silvério, como forma de expor sua vileza.
Pois agora é quase um morto,
IV. Os versos finais, postos entre parênteses, contêm um
levando ao peito o braço, partindo em quatro pedaços,
comentário de natureza ética e generalizante que ex-
levando no pensamento e – para que Deus o aviste –
pressa o tema do texto.
caras, palavras e fatos; levantado em postes altos.
as promessas, as mentiras, Estão corretas as afirmações:
línguas vis, amigos falsos [Caminha a Bandeira a) I e III, apenas.
coronéis, contrabandistas, de Misericórdia. b) II e IV, apenas.
ermitões e potentados, Caminho, piedosa, c) I, III e IV, apenas.
estalagens, vozes, sombras, mais alta que a tropa. d) II, III e IV, apenas.
adeuses, rios, cavalos...
e) I, II, III e IV.
Da forca se avista
a Santa Bandeira 2. (Fatec) À vista dos traços estilísticos, é correto afirmar
Tudo leva nos seus olhos, da Misericórdia.] que o texto de Cecília Meireles:
nos seus olhos espantados,
a) representa grande inovação na construção dos versos,
o Alferes que vai passando
marcando-se sua obra por experimentalismo radical da
para o imenso cadafalso,
linguagem e referência a fontes vivas da língua popular.
onde morrerá sozinho
por todos os condenados. b) é despida de sentimentalismo e pautada pelo culto
formal expresso na riqueza das rimas e na temática
de cunho social.
Aplicando para aprender c) simula um diálogo, adotando linguagem na qual pre-
domina a função apelativa, e opta por versos brancos, de
Leia o texto a seguir para responder às questões 1 e 2. ritmo popular (caso dos versos de sete sílabas métricas).
d) expressa sua eloquência na escolha de temática
greco-romana e nas tendências conservadoras típicas
Romance XXXIV ou de Joaquim Silvério
do rigor formal de sua linguagem.
Melhor negócio que Judas e) é de tendência descritiva e heroica, adotando a sáti-
fazes tu, Joaquim Silvério: ra para expressar a crítica às instituições sociais falidas.
que ele traiu Jesus Cristo,
tu trais um simples Alferes. 3. (Fuvest) Como o próprio título indica, no Romanceiro
Recebeu trinta dinheiros... da Inconfidência, de Cecília Meireles, os romances têm
-- e tu muitas coisas pedes: como referência nuclear a já frustrada rebelião na Vila
pensão para toda a vida, Rica do século XVIII. No entanto, deve-se reconhecer que:
perdão para quanto deves,
comenda para o pescoço, a) a base histórica utilizada no poema converte-se
honras, glória, privilégios. no lirismo transcendente e amargo que caracteriza as
E andas tão bem na cobrança outras obras da autora.
que quase tudo recebes! b) as intenções ideológicas da autora e a estrutura
Melhor negócio que Judas narrativa do poema emprestam ao texto as virtudes
fazes tu, Joaquim Silvério! de uma elaborada prosa poética.

54
c) a imaginação poética dá à autora a possibilidade 6. (UFG) No Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meire-
de interferir no curso dos episódios essenciais da re- les mescla os três gêneros literários, entre os quais o lí-
belião, alterando-lhes o rumo. rico e o épico podem ser identificados, respectivamente:
d) a matéria histórica tanto alimenta a expressão po- a) nos trechos referentes ao amor de Marília por Dir-
ética no desenvolvimento dos fatos centrais quanto ceu e no fio narrativo da obra.
motiva o lirismo reflexivo. b) na descrição objetiva dos fatos e na manifestação
e) a preocupação com a fidedignidade histórica e com da imparcialidade dos protagonistas.
o tom épico atenua o sentimento dramático da vida, c) na escolha da forma romance e na marcação do
habitual na poesia da autora. tempo nas partes intituladas de Cenários.
4. (UFPR) Sobre o livro Romanceiro da Inconfidência, de d) na grandiloquência da linguagem e na fala dramá-
Cecília Meireles, considere as afirmativas a seguir. tica das personagens.
I. Os documentos históricos legados à posteridade não e) nos monólogos e diálogos expressos em versos e
esclarecem de fato certos episódios relacionados à na fusão do narrador com o mundo narrado.
Inconfidência Mineira. Em face dessa situação, Cecília 7. (UFG) “Calabar”, de Chico Buarque e Ruy Guerra, e
Meireles optou por apresentar os acontecimentos e “Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília Meireles,
as personagens a partir de uma perspectiva lírica que trazem episódios da História do Brasil para o plano lite-
prescinde de nitidez e definição. rário e, nessa releitura:
II. O poema contém partes de elaboração clássica, me- a) o tópico da traição é relativizado e exposto de for-
trificadas em versos longos e outras mais próximas das ma poética.
composições populares, em versos curtos. b) o açúcar e o ouro constituem temas secundários
III. Além das personagens diretamente envolvidas no desenvolvidos alegoricamente.
movimento sedicioso do título, o poema também trata c) os negros e as mulheres são subjugados e excluí-
de outras, como Chica da Silva, que embora não este- dos das cenas dramáticas.
jam diretamente envolvidas, ajudam a compor o am- d) a consolidação dos heróis da Independência rece-
biente histórico do texto. be tratamento irônico.
IV. Tiradentes, o alferes que a história transformou em he- e) o fracasso dos primeiros ideais de brasilidade é
rói, é apresentado na obra como indivíduo ambíguo e de mostrado por diversas vozes.
moral discutível, numa clara contraposição literária à ima-
gem apresentada pelos historiadores mais conservadores. 8. (Ufrgs) Considere o enunciado a seguir e as três pro-
postas para completá-lo.
Assinale a alternativa correta.
No “Romanceiro da Inconfidência”, Cecília Meireles...
a) Somente as afirmativas I, II e III são verdadeiras.
I. recria a paisagem física e humana da Vila Rica dos
b) Somente as afirmativas I, II e IV são verdadeiras.
inconfidentes, dando voz a figuras centrais dos aconte-
c) Somente as afirmativas II e IV são verdadeiras. cimentos políticos da época.
d) Somente as afirmativas II, III e IV são verdadeiras.
II. recupera uma forma poética de origem medieval,
e) Somente as afirmativas III e IV são verdadeiras. proveniente da literatura oral ibérica, o que favorece a
5. (Ufrgs) Considere as seguintes afirmações sobre o inserção de vozes populares.
Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. III. retoma, em muitos “romances”, episódios da vida
de Tomás Antônio Gonzaga, relatando sua prisão, seu
I. O Romanceiro é narrativo e lírico ao mesmo tempo,
exílio e seus amores.
apresentando uma sequência de poemas, através dos
quais a autora realiza uma comovente reflexão sobre Quais propostas estão corretas?
um momento da história do Brasil. a) Apenas I.
II. A obra vale-se dos acontecimentos da Inconfidência b) Apenas II.
Mineira para expor a constituição da sociedade e a atu- c) Apenas I e III.
ação do homem, e, a partir deles, traçar um retrato da d) Apenas II e III.
condição humana. e) I, II e III.
III. O Romanceiro recria a cidade de Vila Rica durante
o episódio da Inconfidência, procurando dar voz tanto 9. (Fuvest) O verso “Só se estivesse alienado”, que fun-
às figuras conhecidas da história quanto ao povo que ciona como um refrão no “Romance LXXIII ou da incon-
assistiu perplexo ao desenrolar dos acontecimentos. formada Marília”, registra a reação desta personagem
do Romanceiro da Inconfidência à informação de que:
Quais estão corretas?
a) seu amado, o inconfidente e poeta Cláudio Manuel
a) Apenas I. da Costa, se suicidara na prisão.
b) Apenas II. b) seu primo-irmão, o inconfidente Joaquim Silvério dos
c) Apenas I e III. Reis, traíra os companheiros de conjura, delatando-os.
d) Apenas II e III. c) seu noivo, o poeta e inconfidente Tomás Antônio
e) I, II e III. Gonzaga, se casara em África.

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d) seu prometido, o árcade e inconfidente Dirceu, se
suicidara na prisão. Gabarito
e) seu companheiro na Inconfidência, o alferes Tira-
1. E 2. C 3. D 4. A 5. E 6. A
dentes, assumira sozinho toda a culpa da conjuração.

10. (UFG) Leia o poema que segue. 7. E 8. E 9. C

Romance XXXV ou do suspiroso alferes 10.


Terra de tantas lagoas! a) A ironia está em querer a revolução e não fazer
Terra de tantas colinas! nada, ou seja, não lutar por ela.
No fundo das águas podres, b) O alferes está preso no Rio de Janeiro, traído e
o turvo reino das febres... desejando retornar para Minas Gerais. Presença de
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...” recursos estilísticos, entre eles: poema, verso, estrofe,
rima, refrão, presença de voz lírica, metáfora, repe-
Nos palácios, vãos fidalgos.
tição, alegoria, reticências, interrogação, exclamação,
Santos vãos, pelas esquinas.
anáfora, aliteração, hipérbole.
Pelas portas e janelas,
as bocas murmuradoras... c) O narrador é realista, cético. O alferes é sonhador,
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...” idealista.

Rios inchados de chuva,


serra fusca de neblinas...
Quem tivera uma canoa,
quem correra, quem remara...
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...”
(Que vens tu fazer, Alferes,
com tuas loucas doutrinas?
Todos querem liberdade,
mas quem por ela trabalha?)
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...”
(O humano resgate custa
pesadas carnificinas!
Quem morre, para dar vida?
Quem quer arriscar seu sangue?)
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...”
Minas das altas montanhas,
das infinitas campinas...
Quem galopara essas léguas!
Quem batera àquelas portas!
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...”
Mas os traidores labutam
nas funestas oficinas:
vão e vêm as sentinelas,
passam cartas de denúncia...
“Ah! se eu me apanhasse em Minas...”
(E tudo é tão diferente
do que em saudade imaginas!
Onde estão os teus amigos?
Quem te ampara? Quem te salva,
mesmo em Minas? mesmo em Minas?)
MEIRELES, CECÍLIA. ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA. RIO
DE JANEIRO: NOVA FRONTEIRA, 1999. P. 135-136.

Com base no poema “Romance XXXV ou do suspiroso


alferes”:
a) Explique a ironia presente no poema.
b) Identifique o momento histórico que esse poema re-
toma e explicite duas características da linguagem usada
pela poetisa para transformar o documental em lírico.
c) Esclareça a divergência entre a voz do narrador e
a do alferes.

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