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ARTIGOS
Raimon Panikkar**
Tradução: Flávio Augusto Senra Ribeiro***
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Texto da conferên-
RESUMO cia inaugural do cur-
so 2002-2003 do
Esta aula inaugural, proferida por Raimon Panikkar no Institut Superior de
Institut Superior de Ciènces Religioses de Vic, em 2002, Ciències Religioses de
analisa o problema da irrelevância a que está condenada Vic (Barcelona), pu-
a teologia nos dias atuais, a marginalização do teólogo e blicado sob o título
das faculdades de teologia. O texto procura investigar as Muerte y ressurrec-
causas desta lamentável situação e se pergunta pela pos- ción de la Teología.
Barcelona: Vic (Insti-
sibilidade de mudança deste quadro. Organizada a refle-
tut Superior de Ciên-
xão nestes três pontos, o escrito diagnostica um desvio cias Religiosas),
da rota evangélica como uma das possíveis causas da 2002, 27p. Publica-
perda de relevância da teologia. Investigando a interna ção e tradução auto-
relação entre filosofia e teologia, o presente texto desvela rizadas pelo autor
os distintos aspectos deste matrimônio. Por um lado, cha- para a Revista Hori-
ma-se atenção para a confusão entre os domínios de cada zonte da PUC Minas.
Texto disponível tam-
disciplina, por outro, reafirma-se a necessidade de um bém em espanhol no
urgente reenlace entre alma e corpo, filosofia e teologia, sítio: <http://servici-
respectivamente. Além de abandonar o divórcio com a fi- oskoinonia.org/relat/
losofia, para ressuscitar, a teologia cristã, como expres- 367.htm>.
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são da religião da Palavra, deve fazer-se cada vez mais Raimon Panikkar é
ouvinte do Mistério, abrir-se ao símbolo, evitando con- Doutor em Filosofia
verter a fé em uma ideologia. pela Universidade de
Madri, em Ciências
Palavras-chave: Teologia; Filosofia; Cristianismo. Químicas pela Uni-
versidade de Barcelo-
na e em Teologia
(Roma). É autor de
mais de 40 livros em
diversos idiomas que
abarcam desde Filo-
sofia da Ciência a
“A teologia não está acorrentada”. Metafísica, Religiões
(II Tim. II, 9) Comparadas e Indo-
logia. É presidente da
ONG Inodep (Paris),
AMIGOS E INIMIGOS DA teologia: do Center for Cross-
É uma honra ter a oportunidade de apresentar criticamente cultural Religious
Studies (California),
algo que foi para mim um problema capital durante toda minha fundador e presiden-
vida: Morte e ressurreição da teologia.1 te de Vivarium, uma
fundação dedicada a
Disse inimigos não como uma ocorrência, senão porque, quase promover o diálogo
sempre, escutando os inimigos é como mais se aprende – tam- intercultural, de Cen-
tre d’Estudis Inter-
bém teologia. Sorte tem a teologia de seus inimigos hoje em dia culturals da Catalu-
nha, da Sociedad Es- – se não para ressuscitar, sim ao menos para reanimar-se. A
pañola de las Religio-
nes (Madri), e é contradição, como já diziam os antigos, não apenas anima a in-
membro do Institut teligência, como também faz amadurecer os espíritos.
Internacional de Phi-
losophie (Paris) e do Faz pouco tempo, alguns teólogos decretaram a morte de
Tribunal Permanente Deus. Este, após o veredicto, segue vivo e desperto. Deus vive,
de Povos (Roma),
entre outras organi- porém a teologia morreu ou, pelo menos, está moribunda. Não
zações. Suas obras tem vida. Não apenas estatisticamente (já não se estuda); tam-
mais importantes
são: Invisible har- bém está ausente da sociedade. A teologia foi expulsa dos gran-
mony (1955), Il dai- des centros de educação, tanto no ensino médio quanto nas uni-
mon delle politica
(1955), The Vedic versidades. A teologia não interessa porque tornou-se irrelevan-
Experience (1977), te para a vida pública. Já não serve para “ganhar a vida”, expres-
The intra-religious
dialogue (1978), sando-o com dupla ironia, porque a mesma frase mudou de sen-
Myth, faith and her- tido e já não significa forjar-se a própria vida para vivê-la plena-
meneutics (1979),
La Trinidad y la ex- mente agora e sempre, senão conseguir algum dinheiro para ter
periencia religiosa uma existência cômoda.
(1989), La nueva
inocencia (1993), Esta grande civilização, a muçulmana, tão mal entendida, tão
Ecosofía (1993), caricaturada e tão profunda, que se estendeu durante séculos
Elogio de la sencil-
lez (1993), Paz y de- por 60% da Península Ibérica e que fecundou o pensamento cris-
sarme cultural tão desde o século X, está escandalizada, sem atrever-se a dizê-
(1993), El Cristo
desconocido del hin- lo assim, ao ver que o Ocidente moderno conseguiu criar uma
duismo (1994), El civilização, não digo uma cultura, que pode permitir-se o luxo
silencio del Buda
(1996), La experien- de ser tolerante, porque tanto se Deus existe quanto se não, no
cia filosófica de la fundo, resulta ser o mesmo. Converteu-se em uma hipótese su-
India (1996), Una
introducción al ate- pérflua. Os trens, a política, a economia, tudo funciona igual,
ísmo religioso com Deus ou sem Ele. Podemos nos permitir o luxo de que uma
(1996), El espíritu
de la política pessoa se confesse crente e a outra não, porque é indiferente. A
(1998), Iconos del alternativa não é, evidentemente, que nos matemos porque não
misterio (1998), In-
vitación a la sabidu- pensamos o mesmo, mas que dialoguemos – e dialogando culti-
ría (1998) e La in- vemos nosso espírito, assim como Cícero descrevia a filosofia:
tuición cosmoteán-
drica (1999). “cultura animi”. Passaram aqueles tempos nos quais os homens
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Doutor em Filoso- das vilas se apaixonavam pelos problemas fundamentais da inte-
fia pela Universidad ligência: Deus, a Trindade, a alma, a felicidade, o sentido da
Complutense de Ma-
drid. Professor de dor... Acaloravam-se por aquelas questões, discutiam-nas e acu-
Cultura Religiosa e diam àqueles que as conheciam um pouco melhor para lhes per-
Ética, e Coordenador
do Programa de Pós- guntar e gozar de uma maior plenitude de vida intelectual, espi-
graduação em Ciên- ritual e inclusive física. Não significa que naqueles tempos as
cias da Religião da
PUC Minas. pessoas fossem melhores ou piores que em nossos dias, porém é
1
O estilo falado não um fato que, atualmente, os problemas teológicos, as questões
é o estilo escrito. O sobre o destino do ser e o sentido da vida, as questões metafísi-
autor procurou con-
servar a espontanei- cas, em uma palavra, não nos preocupam muito, porque não
dade do primeiro, temos tempo para pensar nelas, e as respostas teológicas corren-
tes nos resultam como pré-fabricadas e não nos convencem. Afir- porém permitiu-se
intercalar frases que
mando isto, não idealizo aqueles tempos em que os teólogos es- esclarecem seu pen-
peculavam esplendidamente sobre a Trindade e a Encarnação, samento porque lhe
parece que o tema é
por exemplo, e se esqueciam da justiça social do mesmo Evan- suficientemente im-
gelho, porém, após vinte séculos, não parece que se tenha “pro- portante. Renunciou,
contudo, a todas as
gredido” muito. Há alguns anos escrevi uma nota na qual dizia citações que compli-
que a denominada “teologia da libertação” implicava também cariam o texto. Por
respeito às diversas
uma libertação da teologia – precisamente para que possa res- tradições, conservou
suscitar. a ortografia original
dos nomes próprios.
Convertemos a filosofia e a teologia em umas especialidades
sobre as quais os expertos talvez saibam algo, porém das quais o
povo em geral pode permitir-se o luxo de prescindir. São irrele-
vantes. Não me refiro a se as igrejas estão vazias ou não. Ou se o
povo pratica, entendendo por prática a assistência a uma série
de atos de culto. Não faço agora sociologia, mas apenas sinalizo
que os problemas fundamentais da teologia parecem irrelevantes
para nosso mundo. É um fato, uma constatação. Nem sequer,
sendo um pouco irônico, lhe organizaram um funeral de primei-
ra, nem lhe edificaram um mausoléu em um cemitério. Margi-
naram os teólogos e os poucos que restam são tolerados porque
não incidem na vida. Há alguns quantos expertos que dizem co-
nhecer a teologia, existem inclusive institutos que dizem encon-
trá-la interessante, porém, para a maioria das pessoas, a teologia
morreu.
Com isso não quero dizer que devamos sentir saudades dos
tempos passados, nem propor uma proliferação das faculdades
de teologia. Acabo de dizer que a teologia não é uma especiali-
dade e que, portanto, não pode ser encerrada em aulas elitistas.
Daí, o título desta aula inaugural contém uma copulativa e uma
disjuntiva: “morte e ressurreição”. A ressurreição segue-se à
morte. Se a vida não é uma constante ressurreição não é propri-
amente vida – como afirma São Paulo. Si “cada dia morro” (I
Cor. 15, 31) é porque cada dia ressuscito.
Gostaria de desenvolver esta idéia em três pontos bem sim-
ples:
I. A preocupação de que a “teologia”, como é comum en-
tender-se, tem uma vida vegetativa e é irrelevante para a
vida humana.
II. Aventurar uma hipótese sobre o por quê?
III. Perguntar-se sobre sua possível ressurreição.
II
III
ABSTRACT
The Aula Magna delivered by Raimon Panikkar in the Su-
perior Institute of Religious Science in Vic, in 2002, anal-
yses the problem of irrelevance to which the theology of
the present times, the marginalization of the theologian
and the faculties of theology are condemned. The text tries
to investigate the causes of this lamentable situation and
asks about the possibility of changing this state of affairs.
Organized as a reflection on these three points, the text
diagnoses the straying from the evangelical pathway as
one of the possible causes of this loss of relevance of the-
ology. Investigating the internal relationship between phi-
losophy and theology, the present text reveals the distinct
aspects of this union. On one side, it calls attention to the
confusion of the dominion of each discipline and on the
other; it reaffirms the necessity of an urgent reuniting of
the body and the soul, philosophy and theology respec-
tively. Besides abandoning the divorce from philosophy,
in order to resurrect Christian theology as an expression
of the religion of the Word, it must also become increas-
ingly the listener to the Mystery, opening itself to the sym-
bol, avoiding the conversion of faith into ideology.
Key words: Theology; Philosophy; Christianity.