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Teologia Fundamental
Teologia bíblica
Cristologia
Antropologia teológica
Eclesiologia
Organizadores
Érico João Hammes
Ludinei Marcos Vian
Rafael Martins Fernandes
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Lucas Margoni
Fotografia / Imagem de Capa: John Towner - https://www.townerphoto.com/
HAMMES, Érico João; VIAN, Ludinei Marcos; FERNANDES, Rafael Martins (Orgs.)
III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS: Teologia Fundamental, Teologia bíblica, Cristologia,
Antropologia teológica, Eclesiologia [recurso eletrônico] / Érico João Hammes; Ludinei Marcos Vian; Rafael
Martins Fernandes (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2022.
192 p.
ISBN - 978-65-5917-466-9
DOI - 10.22350/9786559174669
CDD: 200
Apresentação 9
1 11
Teologia ante os desafios atuais
Tiago de Fraga Gomes
Érico João Hammes
2 29
A encarnação de Deus a partir da cristologia de Romano Guardini
Cristian Fabiani
Carlos José Monteiro Steffen
3 47
Misericórdia e unidade na Igreja: a inspiração eclesiológica da Gaudium et Spes
diante da pluralidade ad intra
Darvan Hernandez da Rosa
4 62
A comprensão da identidade do leigo nos documentos das conferências gerais do
CELAM
Dorcelina do Carmo Alves Gomes
5 78
A relação entre ciências naturais e teologia e sua urgência para o futuro do planeta
Eliseu Lucas Alves de Oliveira
Luiz Carlos Susin
6 90
A Igreja Católica e o abolicionismo – a carta apostólica In Supremo Apostolatus
Fastigio (1839) de Gregório XVI e apontamentos sobre a sua integração no discurso
e no fazer teológicos
Fabiano Glaeser dos Santos
Roberto Hofmeister Pich
7 119
Ecologia integral como referência educativo-pastoral a partir da Laudato Si’
Luiz Carlos Selbach
Tiago de Fraga Gomes
8 133
Religião e realidade em tensão: diálogo entre Qohélet (Eclesiastes) e Dietrich
Bonhoeffer
Luiz Maria de Barros Coelho Neto
Cássio Murilo Dias da Silva
9 153
Bíblia e fundamentalismo: o discurso político
Rafael Holdefer Bohrer
Cássio Murilo Dias da Silva
10 164
O canto da “Igreja em saída”: uma releitura do Magnificat à luz da Evangelii Gaudium
Vinícius da Silva Paiva
Rafael Martins Fernandes
11 176
Marronnage: ponto de recusa da escravidão e eclosão da cultura afro-haitiana
Wilner Charles
Apresentação
Questões introdutórias
1
O texto é resultado de uma das conferências proferidas ao longo dos dias da Semana Acadêmica do programa de
graduação e pós-graduação em Teologia.
2
Doutor em Teologia pela PUCRS com estágio pela Ruhr-Universität Bochum, Alemanha. Pós-Doutorando pela
PUCRio. Professor do PPG em Teologia da PUCRS. E-mail: tiago.gomes@pucrs.br
3
Doutor em Teologia pela Pontificia Università Gregoriana, Itália. Pós-Doutor pela Eberhard Karls Universität
Tübingen, Alemanha. Professor do PPG em Teologia da PUCRS. E-mail: ehammes@pucrs.br
12 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
2012, p. 213; 2013, p. 54; 2014, p. 211; 2017, p. 241). Enquanto realidade
intransponível e crescente no panorama mundial, a dinâmica do plura-
lismo religioso convida cada experiência religiosa a reinterpretar sua
identidade e singularidade (GEFFRÉ, 2013b, p. 90; TEIXEIRA, 2008, p. 119-
122; ROLIM, 1991, p. 53-54).
Quando encarado de maneira positiva, o encontro com outras cultu-
ras e experiências religiosas, oferece ao cristianismo novas possibilidades
e horizontes inéditos de leitura e interpretação de suas tradições. Este en-
contro tem o potencial de proporcionar a emergência de cristianismos
inculturados e plurais (MIRANDA, 1994, p. 385). Nesse empreendimento,
pode-se tomar como referencial teórico os documentos promulgados pelo
Concílio Vaticano II. A teologia católica, após séculos de uma postura en-
dógena e autorreferencial, com o Concílio Vaticano II – e seu anseio por
diálogo e aggiornamento –, abriu-se para uma perspectiva mais arejada e
aberta aos “sinais dos tempos” (LIBANIO 2005, p. 145-146).
Nota-se que no mundo atual, a prática religiosa não é mais uma ati-
vidade hereditária, mas encontra-se na ordem da opção. Os sujeitos
escolhem em que acreditar e o que erigir como credo que paute o caminho
de suas ações e sinalize um horizonte vital para onde trilhar. Como conse-
quência, a fragmentação religiosa é um fenômeno crescente, diminuindo
a fidelidade às instituições religiosas tradicionais (HORTAL, 1994, p. 204-
205). Não são necessárias leituras complexas para se perceber que hoje em
dia, não se nasce religioso, mas torna-se religioso: é uma questão de esco-
lha. Doravante, a religião como espaço de exercício da autonomia da
vontade e da capacidade de decisão, caracteriza-se mais pela categoria de
experiência, que pela categoria de herança (CARVALHO, 1994, p. 22-23).
Diante da disseminação do pluralismo na esfera pública, afetando to-
das as áreas e dimensões da vida, emerge na atualidade diversas formas
de fundamentalismos, literalistas e integristas, os quais podem ser
Tiago de Fraga Gomes; Érico João Hammes | 15
4
Em referência à doutrina patrística do Logos spermatikós, a cristianidade presente nas diversas tradições culturais
e religiosas da humanidade – apesar de suas ambiguidades e contradições –, refere-se às expressões peculiares do
mistério abundante de Cristo que se manifesta na história (GOMES, 2021, p. 134).
16 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
3 Redes de “des-conexão”
Referências
AQUINO JÚNIOR, Francisco de. Diálogo inter-religioso por uma cultura de paz.
Teocomunicação, Porto Alegre, v. 42, n. 2, p. 359-375, Jul./Dez. 2012.
BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2002.
BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. Jesus Cristo e a prática da não violência. In: MIRANDA,
Mário de França (Org.). A pessoa e a mensagem de Jesus: “quem dizem os homens
que eu sou?” (Mc 8,27). São Paulo: Loyola, 2002b, p. 239-257.
FISICHELLA, Rino. Introdução à teologia fundamental. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2015.
Tiago de Fraga Gomes; Érico João Hammes | 25
GEFFRÉ, Claude. Como fazer teologia hoje: hermenêutica teológica. São Paulo: Paulinas,
1989.
GEFFRÉ, Claude. Pluralité des théologies et unité de la foi. In: LAURET, Bernard;
REFOULÉT, François (Orgs.). Initiation à la pratique de théologie. Paris: Cerf, 1982,
t. 1, p.117-142.
GIDDENS, Anthony. Para além da esquerda e da direita. Trad. Álvaro Hattnher. São Paulo:
Unesp, 1995.
HABOWSKI, Adilson Cristiano; CONTE, Elaine. Rev. Pistis Prax., Teol. Pastor., Curitiba, v.
10, n. 3, 703-721, Set./Dez. 2018.
HAMMES, Érico João; RABUSKE, Irineu J. Deus num mundo de violência e a perspectiva
do Vaticano II. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 44, n. 124, p. 429-450,
Set./Dez. 2012.
HORTAL, Jesus. As novas tendências religiosas: uma reflexão sobre as suas causas e
consequências. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. A Igreja
católica diante do pluralismo religioso no Brasil (III). São Paulo: Paulus, 1994
(Estudos da CNBB, 71), p. 203-224.
LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. São
Paulo: Loyola, 2005.
MIRANDA, Mário de França. A Igreja católica diante do pluralismo religioso no Brasil. In:
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. A Igreja católica diante do
pluralismo religioso no Brasil (I). São Paulo: Paulinas, 1991 (Estudos da CNBB, 62),
p. 62-88.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007.
OLIVEIRA, Clory Trindade de. Religiões: caminho para a paz. Encontros Teológicos,
Florianópolis, ano 20, n. 40, p. 77-84, 2005.
RIBEIRO, Cláudio de Oliveira. Pluralismo e religiões: bases ecumênicas para uma teologia
das religiões. Estudos de Religião, São Paulo, v. 26, n. 42, p. 209-237, Jan./Jun. 2012.
SANTOS, Joe Marçal Gonçalves dos. Uma apologia do diálogo: Claude Geffré lendo Paul
Tillich. Horizonte, Belo Horizonte, v. 13, n. 40, p. 1870-1895, Out./Dez. 2015.
SWIDLER, Leonard. Cristãos e não cristãos em diálogo. São Paulo: Paulinas, 1988.
Cristian Fabiani 2
Carlos José Monteiro Steffen 3
1
O escrito constitui uma síntese do Trabalho de Conclusão de Curso para a obtenção do título de Bacharel em Teologia
pela mesma universidade.
2
Graduado em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul (2017) e graduando em Teologia pela PUCRS. Email:
cristian.fabiani@edu.pucrs.br
3
Graduado em Engenharia Civil pela UNISINOS (1985), graduado em Teologia pela PUCRS (1990), mestre em Direito
Canônico pela Pontificia Università Gregoriana (2012), mestre em Teologia pela PUCRS (2014), doutor em Teologia
pela PUCRS (2019). Email: carlos.steffen@pucrs.br
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4
É a compreensão da gratia gratum facis da Teologia da Graça.
Cristian Fabiani; Carlos José Monteiro Steffen | 33
1.2 Maria
Essa realeza lhe custou a vida. Não num sentido negativo, mas a par-
tir do seu fiat, Maria tomou consciência que tudo na sua vida dependeria
de seu Filho. Aparentemente parece ser uma missão não muito complexa
pois toda a mulher deveria, naquele contexto, ser mãe e ela também sabia
que poderia contar com a mão de Deus. No entanto, muitos episódios
evangélicos narram alguns sofrimentos de Maria (por exemplo: Lc 2,35.41-
52 e Jo 19,25-27). Mesmo nessas tensões, Maria permanece ao lado de Jesus
até o fim. O anjo na Anunciação, após a saudação diz: “O Senhor está con-
tigo!” (Lc 1,28). O verbo estar significa que Deus realmente estava com
Maria e essa era a sua missão, estar com Ele, no Filho. Essa missão exigiu
de Maria uma confiança cega, mas convicta, esperançosa em Deus. So-
mente assim poderia ter dado certo. Foi uma questão de fé, de acreditar
na obra de Deus pelo seu povo necessitado. Nessa confiança cega, de fé,
Maria se faz discípula do Filho Jesus.
36 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
sempre diante de ti, e o teu trono se estabelecerá para sempre” (2Sm 7,16).
Entretanto, o anjo apresenta à Maria, nesse versículo, o lamento de Israel
por não ter conseguido, ainda, uma verdadeira realeza onde não houvesse
a infidelidade do povo e, sobretudo, dos reis. Em Jesus Cristo, porém, o Pai
cumpre com a promessa do reinado sem fim, pois o envia como herdeiro
definitivo do trono de Davi, tal como a genealogia já apresentou. Explana
Ratzinger (2012, p. 34): “O anjo anuncia que Deus não esqueceu a sua pro-
messa; agora, no menino que Maria conceberá por obra do Espírito Santo,
a promessa tornar-se-á realidade: ‘o seu reinado não terá fim’ – diz Gabriel
a Maria”.
O reinado de Jesus Cristo supera o reinado de Israel pois compre-
ende-se que ele se estende por todo o mundo. É o que está descrito no final
do Evangelho de Lucas: “O Cristo deverá sofrer e ressurgir dos mortos ao
terceiro dia, e em seu nome deverá ser anunciada a todas as nações a con-
versão para o perdão dos pecados. Começando por Jerusalém, vós sereis
testemunhas disso” (Lc 24,46b-48). O reinado de Cristo também supera o
de Israel pois é o próprio Deus que é o Rei, assim, Jesus eleva a categoria
de reinado terrestre à categoria de reinado celeste ou de Reinado de Deus.
Essa elevação além de universalizar a possibilidade de participação do rei-
nado para todos os povos, apresenta o Filho como único e verdadeiro Rei
que é justo, misericordioso e que pode resgatar Israel da sua culpa de infi-
delidade. Assim, sinteticamente, pode-se concluir que para Lucas, Jesus é
o Rei, Filho do Altíssimo.
e o Verbo era Deus” (v. 1). Diferente de Mateus e Lucas onde Jesus possui
um nascimento (cf. Mt 1,18-25), pertence à descendência de Adão (cf. Lc
3,38) e de Marcos que é o Filho de Deus (cf. Mc 1,1); no Quarto Evangelho,
Jesus é o λόγος que se encontra no próprio Deus e parte de Deus para o
mundo, tal como afirma Guardini (1964, p. 12) ao iniciar a sua reflexão
cristológica: “Esta origem [do Verbo] reside em Deus”.
O termo Logos, ao se traduzir do grego quer dizer Palavra (cf.
DUFOUR, 1996, p. 48), ou na forma latinizada, Verbo. Ao buscar-se no AT
uma possível origem do termo Logos aplicado a Deus, não se encontram
referências explícitas (cf. DUFOUR, 1996, p. 49), apenas uma possível
aproximação ao conceito de “sabedoria de Deus” (RIENECKER, 1995, p.
161). Nesse sentido, pode-se dizer que o termo utilizado pelo evangelista,
embora já pertencente à tradição filosófica (cf. DUFOUR, 1996, p. 48), foi
empregado de forma excepcional a Deus, mais especificamente ao Filho de
Deus que se fez carne.
No primeiro versículo, o evangelista diz que o “Verbo estava voltado
para Deus” e no terceiro versículo que “Tudo foi feito por meio dele [do
Verbo] e nada foi feito sem ele”. Em um simples olhar exegético é possível
concluir que Deus não está sozinho na Criação pois o texto explicita que o
Verbo é eterno estando junto a Deus. Essa perspectiva parece estranha
pois ao longo da tradição, sobretudo filosófica, mas também, no senso re-
ligioso comum ocidental, Deus sempre foi considerado uma realidade
absoluta e única, especialmente com a Modernidade. Contudo, a perspec-
tiva do Quarto Evangelho permite inferir que o Deus da concepção
Moderna ocidental não se aproxima da realidade do Deus cristão porque
não compreende a possibilidade da Encarnação de Deus. Corrobora Guar-
dini (1964, p. 12): “A Revelação diz-nos que não existe o Deus puramente
único, tal como foi concebido pelo judaísmo pós-cristão, pelo Islão e em
geral, pela consciência moderna”. O Evangelho e a cristologia entendem
42 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
Deus entrou na temporalidade por uma forma especial: mercê de uma decisão
toda poderosa em pura liberdade. O Deus eterno e livre não tem qualquer des-
tino; só o homem na história tem um destino. Mas aqui quer dizer-se que Deus
entrou na história e quis tomar para si um destino.
5
Entende-se pelo conceito de esperança, para Guardini, como o próprio Deus que se apresenta na condição de Amor
incondicionado e que possui o poder de libertar, amar, redimir e transformar o seu povo. Cf. GUARDINI, 1958, p.
220-221; Cf. GUARDINI, 1964, p. 23; Cf. BENTO XVI. Spe Salvi, n. 26.
44 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
terrena de Jesus, desde a sua Encarnação, passando pela sua Páscoa até a
sua Ascensão estão dirigidos ao homem, como declarou o credo no Concí-
lio de Constantinopla: “Qui propter nos homines et propter nostram
salutem” (Denzinger-Hünermann, n. 150). Numa linguagem espiritual, em
suma, pode-se resumir que o destino de Jesus se configura, então, como a
salvação e a redenção de todo o gênero humano pela sua Paixão e Morte,
por causa do seu “amor por nós”. Numa só palavra, a finalidade da Encar-
nação, é “Seu Amor por nós”.
Conclusão
Referências
BÍBLIA, Português. TEB: Bíblia Tradução Ecumênica. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2015.
DUFOUR, Xavier Léon. Leitura do Evangelho segundo João: Palavra de Deus. São Paulo:
Loyola, 1996. 1. v.
______. O Senhor: meditações sobre a pessoa e a vida de Jesus Cristo. Lisboa: Editora Li-
vraria Agir, 1964.
HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. Jesus Cristo, nosso Redentor: iniciação à cristologia
como soteriologia. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.
IRINEU. Contra as Heresias: denuncia e refutação da falsa gnose. V. 18,3. São Paulo: Paulus,
2014. (Col. Patrística)
JERONIMO, São. Novo Comentário Bíblico São Jerônimo: Novo testamento e artigos siste-
máticos. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2011.
46 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
KONINGS, Johan. O Evangelho do discípulo amado: um olhar inicial. São Paulo: Loyola,
2016.
MAZZAROLO, Isidoro. Evangelho de Marcos: estar ou não com Jesus. 3. ed. Rio de Janeiro:
Mazzarolo Editor, 2016a.
______. Evangelho de Mateus: ouvistes o que foi dito...? Eu, porém, vos digo...! Coisas ve-
lhas e coisas novas. 2. ed. Rio de Janeiro: Mazzarolo Editor, 2016b.
______. Lucas: a antropologia da salvação. 3. ed. Rio de Janeiro: Mazzarolo Editor, 2013.
RIENECKER, Fritz. Chave linguística do Novo Testamento grego. São Paulo: Vida Nova,
1995.
SESBOÜÉ, Bernard. História dos dogmas: o Deus da salvação: séculos I-VIII. Vol. I. São
Paulo: Loyola, 2005.
3
Introdução
1
Mestrando no PPG em Teologia PUCRS. Bolsista da CAPES. darvanrosa@gmail.com ou darvan.rosa@edu.pucrs.br.
48 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
É evidente que o que moveu o coração dos Padre conciliares foi a mi-
sericórdia divina que se aproxima da ovelha desgarrada com amor e
diligência para encontrá-la (Lc 15,1-7). A Igreja não pode ficar indiferente
ao afastamento das ovelhas, ao seu fechamento, mas deve ir ao seu encon-
tro e ajudá-las a voltar para o rebanho onde terão vida em abundância.
Segundo Fernando Camacho os misericordiosos são “aqueles que habitu-
almente vão ao encontro das necessidades do próximo, seja ele quem for,
tentando remediá-las” (CAMACHO, 2009, p. 49).
A Igreja até o Vaticano II demonstrava um cuidado maternal para
com seus filhos, distanciando-lhes daquilo que era considerado o perigo
da modernidade. Representam este pensamento documentos como a Syl-
labus de Pio IX e Pascendi Dominici Gregis de Pio X. Ao mesmo tempo
alertava o mundo que não podia construir-se de costa para Deus, como
parecia enveredar. A partir do Concílio o olhar maternal da Igreja mudou
e voltou-se com misericórdia para tantos homens e mulheres que
52 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
não pensar nas relações católica-luterana, por exemplo, que enquanto es-
tavam na acusação recíproca e no indiferentismo apenas se mantinham
distantes? Quando pararam – movidas pelo espírito conciliar – e começou
um escutar mútuo e respeitoso, as barreiras caíram e houve um aprendi-
zado de parte a parte, num grande enriquecimento eclesial.
Concretamente, no entanto, como poderá ser feita tal aproximação
com estes grupos? O Papa Francisco pensando numa outra circunstância,
mas com o mesmo espírito de misericórdia, parece dar resposta a esta
questão também dolorosa.
3.1. Acompanhar
razão, por melhor que fossem, tinham até então fracassado e os afastado
mutuamente (HAHN, 2003, p. 159).
Mas o acompanhamento sem mais não é suficiente, é necessário dar
o segundo passo, aprofundar no conhecimento do interlocutor, daquilo
que pensa, confrontando com a verdade para, assim, ajudá-lo na sua ade-
quada integração.
3.2. Discernir
da Igreja é integrar na comunhão com Deus, e por isso nunca se deve fazer
juízos que não se levam em conta a real situação de cada pessoa
(FRANCISCO, 2016, p. 245-246). “Trata-se de integrar a todos, deve-se
ajudar cada um a encontrar a sua própria maneira de participar na comu-
nidade eclesial, para que se sinta objeto de uma misericórdia ‘imerecida,
incondicional e gratuita’” (FRANCISCO, 2016, p. 246).
Neste sentido Francisco não só ensina com a fala. Reveste-se de par-
ticular significado o gesto do Papa Francisco no Ano da Misericórdia de
estender indefinidamente no tempo a faculdade de todos os sacerdotes le-
vantarem a excomunhão daqueles que fizeram ou contribuíram de alguma
forma com o aborto. Isto não para diminuir a gravidade de tal ato, mas
para ressaltar ao mundo a misericórdia de Deus diante do mundo fragili-
zado no mau (FRANCISCO, 2016b, n. 12) e o seu desejo de que todos
estejam integrados na comunhão divina. Este gesto de abertura, concreta-
mente, ajudará muitas mães que se sentindo culpadas não se animavam a
voltar para a comunhão eclesial e assim se endureciam na maldade. A
abertura e a compreensão animam para experiência da misericórdia e
para integração que leva à caridade. Este gesto de Francisco, sem dúvida é
paradigmático na relação que a Igreja deve ter com estes grupos que esta-
mos tratando.
Outro ponto que deve ser considerado na integração destes irmãos é
que a unidade da Igreja no pós-concílio cada vez mais é vista como uma
grande diversidade. Portanto a integração não deve ser identificada com o
tornar-se igual. O que faz pertencer à unidade da Igreja é a profissão da
mesma fé, a celebração dos mesmos sacramentos e estar sob a orientação
dos mesmos pastores (CATECISMO, 2002, n. 815); as mais diversas ma-
neiras de testemunhar esta pertença não empobrece a unidade, antes pelo
contrário, a enriquecem. As mais diversas opiniões sobre assuntos opiná-
veis, igualmente fazem com na comunhão eclesial se perceba o limite em
Darvan Hernandez da Rosa | 59
Conclusão
A unidade da Igreja, tão quista por Cristo sempre teve que enfrentar
grandes desafios nestes 2000 anos. Os destes tempos são caracterizados
pelo imediatismo das vozes dissonantes e sua grande e rápida difusão. O
pecado divide a Igreja, o Espírito a une. Ter consciência de seus próprios
limites na aproximação daqueles considerados dissonantes é fundamental
para que os cristãos consigam cumprir sua missão de Igreja em saída, na
busca dos marginalizados na periferia eclesial. Esta humildade abre o co-
ração às razões profundas que levam estes irmãos a uma postura
heterodoxa ou de agressividade. E como diz Jesus, os mansos possuirão a
terra (cf. Mt 5,4), ou seja, esta atitude de humildade na escuta, fará com os
bons corações se abram para a verdade, que tem muito mais força e beleza
que o erro. Ajudará também os cristãos já engajados a perceberem suas
limitações, muitas vezes evidenciadas no diálogo franco e fraterno.
A Igreja que se aproxima com misericórdia deste marginalizados
eclesiais, traz a calma para os corações de todos. A repercussão da vivência
da misericórdia eclesial repercute de alguma forma no mundo inteiro. Ma-
ria Clara Bingemer, nesta mesma linha afirma que “uma Igreja que não
seja fiel à vocação de irradiar essa misericórdia estaria traindo seriamente
sua vocação e sua identidade. E falharia gravemente em sua missão de
ajudar a humanidade a ser cada vez mais humana e, portanto, cada vez
mais conforme ao sonho do Criador” (BINGEMER, 2016, p. 157)
A Igreja que caminha num mundo secularizado e plural parece per-
ceber a importância da unidade nos pontos essenciais e a importância
igualmente de uma grande diversidade naquilo que não é essencial. Só
60 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
Referências
BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 1993.
BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. Exigências Éticas da Misericórdia. In: MILLEN, Maria
Inês; ZACHARIAS, Ronaldo. O Imperativo Ético da Misericórdia. Aparecida:
Santuário, 2016.
CATECISMO da Igreja Católica. São Paulo: Ave-Maria; Salesiana; Paulinas; Paulus; Loyola;
Petrópolis: Vozes, 2002.
FRANCISCO. Amoris Laetitia: sobre o amor na família. São Paulo: Paulinas, 2016.
HAHN, Scott; HAHN, Kimberly. Todos os caminhos levam a Roma. 3. ed. Lisboa: Diel, 2003.
IGREJA CATÓLICA. Código de Direito Canônico. Promulgado por João Paulo II, Papa. São
Paulo: Loyola, 1983.
Darvan Hernandez da Rosa | 61
JOÃO PAULO II. Familiaris consortio: a função da família cristã no mundo de hoje. 12. ed.
São Paulo: Paulinas, 1998.
KAISER, Robert Blair. Não deixe ninguém lhe dizer que o Concílio não mudou nada. Revista
IHU online. São Leopoldo, 6 de nov. de 2012.
Introdução
1
GOMES, Dorcelina do Carmo Alves. Graduada em Jornalismo e Letras/Português pela Universidade do Vale do Rio
dos Sinos (UNISINOS). Mestra em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) RS. Contato:
dorce.dorce@yahoo.com.br. O presente artigo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) – Brasil – Código de Financiamento 001.
2
PHILIPS, Gérard. La Iglesia y su mistério en el Concilio Vaticano II: historia, texto e comentario de la constitución
Lumen Gentium. Vol. II. Barcelona: Herder, 1969, p. 18.
Dorcelina do Carmo Alves Gomes | 63
3
“El termino viene de saeculum, que el latín litúrgico significa, poco más o menos, el tiempo que abarca la vida
terrena desde la creación hasta la consumación del mundo. Hoc saeculum, éste siglo que passa, en otros términos:
la duración que vafluyendo en el mundo con sus preocupaciones, se opone al porvenir, futurum saeculum, eso será
definitivo en la presencia de Dios. El carácter secular encarna el valor de las cosas creadas, particularmente para el
laicato. Reconocerlo es sumamente importante. Sin éstere conocimiento del mundo como lugar en que el hombre
tiene de cumprir su misión temporal, o de la materia com la que actualmente tiene que trabajar, nunca logrará el
seglar descobrir su vocación cristiana”. (PHILIPS, Gérard. La Iglesia y su misterio en el Concilio Vaticano II: historia,
texto y comentario de la constitución Lumen Gentium. Vol. II. Barcelona: Herder, 1969, p.31).
64 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
4
Casiano Floristán endossa que o secular é o caráter próprio e particular dos leigos. Conforme Floristán, o leigo
procura o Reino de Deus e este elemento distintivo incorpora-se na definição tipológica do leigo cristão. Dessa
maneira, a secularidade dos leigos é o que os caracteriza (FLORISTÁN, Casiano. Teología Práctica: teoría y práxis de
la acción pastoral. Salamanca: Sígueme, 2002, p. 340-341).
Dorcelina do Carmo Alves Gomes | 65
2 Medellín
5
O teólogo chileno Galileia afirma que os leigos e as leigas na 2ª Conferência do CELAM são compreendidos como
sujeitos ativos de uma ação transformadora social e eclesial, cuja inspiração são as constituições Lumen Gentium e
Gaudium et Spes. É preciso realçar a importância teológico-pastoral desta Conferência para o futuro da Igreja no
continente latino-americano e, em especial, compreender a identidade do leigo.
Dorcelina do Carmo Alves Gomes | 67
3 Puebla
Conferência. Foi confirmada por João Paulo II, sendo um dos primeiros
atos de seu pontificado (1978-2005).
Ao se debruçar sobre o modo como o Documento de Puebla concebe
os leigos, torna-se necessário antes percorrer o caminho do “ser ao agir”,
“da identidade à missão”. Afinal, a finalidade fundamental da conferência
é a evangelização. O ponto de partida é o quarto capítulo da Constituição
Dogmática Lumen Gentium. Nesta seção, descrevem-se, inicialmente, os
elementos constitutivos dos cristãos designados como leigos na Igreja,
para após explanar a missão no mundo e na Igreja.
4 Santo Domingo
6
Tanto o tema como o lema tornam evidente como razão da conferência a celebração dos 500 anos de evangelização
na América Latina e transmite ao Povo de Deus uma palavra de esperança, um instrumento eficaz para uma
evangelização. Em Santo Domingo, os leigos são chamados por Cristo como Igreja para serem os agentes e
destinatários da evangelização.
70 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
7
Segundo Boff, o protagonismo dos leigos na Conferência de Santo Domingo é necessariamente no mundo, no
compromisso com a realidade social, familiar, política e cultural (BOFF, Clodovis. “Evangelho” de Santo Domingo.
Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 53, fasc. 212, dez. 1993, p. 791-800). Ver KLOPPENBURG, Boaventura.
O protagonismo dos fiéis leigos. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 35, n. 148, jun. 2005, p. 264-274; HACKMANN,
Geraldo Luiz Borges. A amada Igreja de Jesus Cristo: manual de eclesiologia como comunhão orgânica. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2003, p. 242-246.
8
Santo Domingo está de acordo com o decreto Apostolicam Actuositatem, que alude ao fato de que os leigos
“compartilham a missão de todo o Povo de Deus na Igreja e no mundo”, e, desse modo, é característico do estado
leigo viver em meio ao mundo – sua índole secular (cf. LG 31) – e a partir disso é chamado ao exercício de seu
apostolado (cf. AA 2).
Dorcelina do Carmo Alves Gomes | 71
5 Aparecida
Sua missão própria e específica se realiza no mundo, de tal modo que, com seu
testemunho e sua atividade, contribuam para a transformação das realidades
e para a criação de estruturas justas segundo os critérios do Evangelho. “O
espaço próprio de sua atividade evangelizadora é o mundo vasto e complexo
da política, da realidade social e econômica, como também da cultura, das ci-
ências e das artes, da vida internacional, de os „mas media‟ e outras realidades
abertas à evangelização, como o amor, a família, a educação das crianças e
adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento” (DA 210).
Os fiéis leigos são “os cristãos que estão incorporados a Cristo pelo batismo,
que formam o povo de Deus e participam das funções de Cristo: sacerdote,
profeta e rei” (cf. LG 31). Realizam, segundo sua condição, a missão de todo o
povo cristão na Igreja e no mundo. São “homens da Igreja no coração do
mundo, e homens do mundo no coração da Igreja” (DA 209).
Considerações finais
Referências
ALMEIDA, Antônio José de. Apostolicam Actuositatem: texto e comentário. São Paulo:
Paulinas, 2012.
BRIGHENTI, Agenor; PASSOS, João Décio (Orgs.). Compêndio das Conferências dos bispos
da América Latina e do Caribe. São Paulo: Paulinas e Paulus; 2018.
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Medellín é ainda atual? 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2010.
COMBLIN, José. Medellín: Vinte anos depois – balanço temático. Revista Eclesiástica
Brasileira, Petrópolis, v. 48, n. 192, 1988, p. 813.
CONGAR, Yves M. J. La recepción como realidade eclesiologica. In: Concilim 8, 1972, p. 57-
85.
HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. A amada Igreja de Jesus Cristo: manual de eclesiologia
como comunhão orgânica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, p. 242-246.
JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Christifidelis Laici sobre vocação e missão dos leigos
na Igreja e no mundo. 16. ed. São Paulo: Paulinas, 2011.
Introdução
1
Bacharel em Filosofia pela PUCRS. Bacharel em Teologia pela FAPAS. Mestrando em Teologia PUCRS com bolsa
parcial da CAPES desde março de 2021.
2
Doutor em Teologia pela PUG. Licenciado em Filosofia pela Unijuí. Professor Permanente e Pesquisador no
Programa de Pós-graduação de Teologia da PUCRS.
Eliseu Lucas Alves de Oliveira; Luiz Carlos Susin | 79
Conclusão
Referências
BARBOUR, Ian. Quando a ciência encontra a religião. Tradução de Paulo Salles. Editora
Cultrix: São Paulo, 2004.
BOFF, Leonardo; BOFF, Clodovis. Como fazer teologia da libertação. Petrópolis: Vozes,
1986. (Coleção Fazer – Vozes/IBASE).
EUVÉ, François. Pensar a Criação como jogo. Tradução Jonas Pereira dos Santos. São Paulo:
Paulinas, 2006. (Coleção repensar).
LIBÂNIO, João Batista; MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas.
5ed. São Paulo: Loyola. Disponível em < https://docero.com.br/doc/nv8cen0>.
Acesso em 15 de out. 2021.
Introdução
1
Doutorando em Teologia pelo programa de Pós-Graduação em Teologia da PUCRS. Bolsista da CAPES. E-mail para
contato: fabiano.glaeser@gmail.com.
2
Doutor em Filosofia pela Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn, Alemanha. Professor do Programa de
Pós-Graduação em Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUCRS. Bolsista de Produtividade do
CNPq, Nível 1B. Pesquisador Afiliado do “Bonn Center for Dependency and Slavery Studies” da Universidade de Bonn.
E-mails para contato: roberto.pich@pucrs.br; roberto.pich@pq.cnpq.br.
Fabiano Glaeser dos Santos; Roberto Hofmeister Pich | 91
3
Na literatura, há divergência sobre as datas de emissão desses dois documentos, que, em si, são de conteúdo
semelhante.
94 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
4
Em referências à Carta Apostólica, será utilizada a abreviatura “ISA”. A divisão em cinco parágrafos numerados
segue a tradução encontrada in: Papa GREGÓRIO XVI, Carta Apostólica In supremo [1839], MONTFORT Associação
Cultural. http://www.montfort.org.br/bra/documentos/decretos/in_supremo/. Acesso em 11.01.2022. O texto
original em latim foi cotejado com essa e com a seguinte tradução para o inglês: Pope GREGORY XVI, In supremo
apostolatus, Papal Encyclicals Online. https://www.papalencyclicals.net/Greg16/g16sup.htm. Acesso em 10.01.2022.
Fabiano Glaeser dos Santos; Roberto Hofmeister Pich | 97
A premissa básica que levou os missionários jesuítas à longa luta pela liber-
dade do índio é que seu projeto missionário pecaria pela base, se junto com a
evangelização viesse a escravidão do índio pelo colono branco. Esta premissa
vai faltar à Igreja do Brasil no seu contato com o negro (BEOZZO, 2008, p.
264).
5
Isto é, habitações e pontos de refúgio dos escravos que fugiam, localizados sobretudo nas matas e menores em
dimensão que os “quilombos”, que em regra compreendiam diversos mocambos.
Fabiano Glaeser dos Santos; Roberto Hofmeister Pich | 99
6
Data que consta ao final de seu manuscrito original, guardado no Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira ou
Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana / MG, e que foi identificado e editado por João Paulo Rodrigues
Pereira. Cf. os dados da publicação nas Referências Bibliográficas.
Fabiano Glaeser dos Santos; Roberto Hofmeister Pich | 103
7
Os pontos a seguir, a saber, “(i), (ii), (iii)..., etc.”, não são divisões da In supremo apostolatus, mas dos autores deste
estudo. Eles pretendem ser auxílios de leitura e interpretação da Carta Apostólica e indicam ênfases ou marcas
daquilo que é entendido como central no texto, segundo os autores.
Fabiano Glaeser dos Santos; Roberto Hofmeister Pich | 105
8
A Carta Apostólica de Gregório XVI, de 03.12.1839, interrompeu um longo silêncio, pela Sé Romana, sobre o tema
da escravidão, que durava, pois, desde a Carta Apostólica de Bento XIV, de 20.12.1741.
108 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
negros provoca também revoltas e contínuas guerras nas suas regiões (ISA, n.
4).
Considerações finais
Cabe destacar que, por mais impactante e prescritivo que seja, o texto
de In supremo apostolatus deixa o leitor diante de uma ambiguidade de
importância não pequena – a saber, se afinal é orientação ou ao menos
permissão normativa sua a manutenção da condição de escravos na qual
milhões de indivíduos já se encontravam ou se esse não é o caso. Justa-
mente esse flanco aberto para interpretações pertence à história da
9
Evidentemente, essa novidade é contemplada também pela “interpretação estreita”.
112 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
Referências
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114 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
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Fabiano Glaeser dos Santos; Roberto Hofmeister Pich | 115
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116 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
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Fabiano Glaeser dos Santos; Roberto Hofmeister Pich | 117
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ZEUSKE, Michael. Sklaverei. Eine Menschheitsgeschichte von der Steinzeit bis heute.
Stuttgart: Philipp Reclam, 2018.
7
Questões introdutórias
1
Mestrando em Teologia pela PUCRS. Supervisor de Pastoral na Rede de Colégios e Unidades Sociais da Rede Marista.
E-mail: luiz.selbach@maristas.org.br
2
Doutor em Teologia pela PUCRS com estágio pela Ruhr-Universität Bochum, Alemanha. Pós-Doutorando pela
PUCRio. Professor do PPG em Teologia da PUCRS. E-mail: tiago.gomes@pucrs.br
120 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
c) Uma pedagogia integral: que promova uma antropologia integral, humana e so-
lidária; que busque o desenvolvimento pleno do ser humano e da sociedade; que
eduque para a elaboração de projetos de vida; que insista em uma pastoral pro-
fética e evangelizadora; que parte da formação da interioridade e cuide de todas
as dimensões do humano; que desenvolva competências socioemocionais e pro-
mova a integralidade da vida humana e do planeta;
d) Uma pedagogia da proximidade e do encontro: que promove o “ir ao encontro”
do povo, das pessoas; Francisco indica que para educar é preciso, em primeiro
lugar, chegar perto, ir ao encontro; é fundamental denunciar toda e qualquer
estrutura que fragmenta e divide para dominar; por isso, é importante privile-
giar o encontro educador e evangelizador, e não uma simples doutrinação;
e) Uma pedagogia da escuta e do diálogo: as recorrentes denúncias do autorita-
rismo e, da mesma forma, a escolha da escuta e do diálogo como caminhos,
acenam a profecia e a esperança de uma educação que se faz “com” e não “para”;
é importante promover uma pedagogia da escuta e do diálogo; após a escuta
vem o diálogo, que sob a ótica cristã pressupõe respeito e a superação de diver-
gências ideológicas;
f) Uma pedagogia da alegria e da esperança: que promova o processo educativo e
evangelizador com um sorriso frequentemente estampado na face, como faz e
adverte Francisco, a fim de não se promover um cristianismo cinzento, conforme
propõe a exortação apostólica Evangelii Gaudium; uma pedagogia da alegria do
Evangelho; mesmo que haja tantos obstáculos, e que não seja fácil viver na es-
perança, é preciso ter presente, à luz da fé, que a esperança é o ar que o cristão
respira, sem esperança perde-se o fôlego para fazer a diferença;
g) Uma pedagogia do “nós”: que tenha em vista a Casa Comum, um futuro com-
partilhado, a fraternidade universal e um humanismo solidário; que promova a
consciência do “nós” como superação do egoísmo; que supere o isolacionismo e
a idolatria do egocentrismo; que promova a sinodalidade eclesial; que eduque
para edificação de projetos de vida em favor da vida plena para todos; que fo-
mente projetos de vida não “ensimesmados”, mas conectados com um projeto
de sociedade – a civilização do amor – como “nós cada vez maior” que implica o
cultivo de uma espiritualidade conectada com a Criação; que incentive a solida-
riedade, atitude base e pré-requisito para a vida em sociedade; que alimente
atitudes de voluntariado que façam ver o outro como um semelhante e a vida do
planeta como uma responsabilidade comum.
130 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
Considerações finais
Referências
ACIDIGITAL. O manuscrito que o Papa Francisco leu antes de sua eleição no conclave. 2017.
Disponível em: <https://www.acidigital.com/noticias/o-manuscrito-que-o-papa-
francisco-leu-antes-de-sua-eleicao-no-conclave-90716>. Acesso em: 30 nov. 2021.
BERGOGLIO, Jorge Mario. Educar para uma esperança ativa. São Paulo: Paulinas, 2015.
BERGOGLIO, Jorge Mario. Educar: escolher a vida e testemunhar a verdade. São Paulo:
Ave Maria, 2014.
DOSSE, F. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo: USP, 2015.
FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Fratelli Tutti: sobre a fraternidade e a amizade social.
São Paulo: Paulinas, 2020.
132 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo:
Paulus; Loyola, 2015.
Introdução
1
Mestre em Teologia com ênfase em Teologia Sistemática pela PUCRS com bolsa CAPES, Licenciado em filosofia pela
PUCRS, bacharel em teologia com dupla titulação pela PUCRS e pela Pontifícia Universidade Lateranense, de Roma.
E-mail para contato: barroslui@gmail.com.
2
Doutor e Mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma). Professor na Escola de Humanidades
(PUCRS) nos programas de Graduação e Pós-graduação. Editor do periódico científico “Revista Brasileira de
Interpretação Bíblica – ReBiblica”. E-mail para contato: cassio.silva@pucrs.br.
3
O nome hebraico é grafado de diferentes modos, dependendo dos autores e dos idiomas das traduções: Qoheleth,
Qohélet, Coélet, etc. No texto deste artigo adota-se a grafia utilizada por Vílchez Líndez, contudo mantém-se a grafia
adotada pelos autores nas citações.
134 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
1 Religião e realidade
O que a religião deve fazer para não se tornar uma alienação da rea-
lidade? A religião de hoje faz sentido para sua respectiva realidade? O
discurso religioso atual tem algo a dizer para o ser humano deste tempo?
Quando a realidade questiona a religião e esta se dispõe a responder,
ocorre um amadurecimento mútuo. A discussão aqui proposta é uma ten-
são dialética entre religião e realidade, com o objetivo de propor uma
síntese, na qual a teoria e a prática da religião se caracterizam por uma
compreensão esclarecida e encarnada na realidade, de modo a contribuir
efetivamente para o bem do ser humano.
Qohélet é um autor sapiencial do século III a.C. Ele apresenta uma
crítica à religião institucionalizada de sua época e embasa suas opiniões na
observação da realidade. Na Jerusalém helenizada em que viveu Qohélet,
a religião judaica era bastante marcada pela doutrina da retribuição. Qohé-
let assume a tarefa de passar pelo crivo da sua experiência pessoal as
afirmações e crenças de tal doutrina. As observações daquele autor eviden-
ciavam que, no cotidiano, não há retribuição. Em outras palavras: o justo
sofre enquanto o ímpio prospera; o sábio não encontra o sucesso e a rea-
lização como previa a sabedoria tradicional de Israel; todas as alegrias do
ser humano são vazias, sem sentido, inconsistentes, névoa de nada, sopro,
efemeridade, em suma, hébel. Esta palavra hebraica é, sem dúvida, a chave
interpretativa para a obra de Qohélet. Por sua vez, Dietrich Bonhoeffer
experimenta, na Alemanha do século XX, um cristianismo pouco atuante
e distante da realidade. Este teólogo alemão critica a forma de expressar o
cristianismo por meio de uma linguagem que ele chama de “religiosa”,
Luiz Maria de Barros Coelho Neto; Cássio Murilo Dias da Silva | 135
mas que não é eloquente para um mundo adulto. Da mesma forma que
Qohélet, Bonhoeffer baseia-se na tensão entre a religião e a realidade para
realizar uma crítica à religião institucionalizada de sua época.
Ambos os autores, com suas reflexões, contribuíram para um ama-
durecimento das compreensões religiosas de suas respectivas épocas e
podem igualmente iluminar a experiência religiosa de hoje, ainda mais se
as opiniões por eles emitidas forem colocadas lado a lado. Este é o objetivo
do presente texto: estabelecer um diálogo entre esses dois teólogos de re-
ligiões, épocas e circunstâncias diferentes, mas, ao mesmo tempo,
semelhantes, procurando mostrar alguns pontos convergentes no pensa-
mento de ambos e apresentando os parâmetros que encontraram para
uma vivência religiosa mais eloquente para as suas respectivas realidades.
De modo análogo, tal diálogo permite descobrir parâmetros para uma vi-
vência religiosa eloquente para a realidade atual.
2.1.1 Qohélet
2.1.2 Bonhoeffer
4
A tradução da língua latina é “vanitas vanitatum” e permite conservar o aspecto a-moral do termo. No português,
porém, o termo foi traduzido por “vaidade”, o que conduziu a uma interpretação de cunho moral que não está
presente no termo hebraico.
Luiz Maria de Barros Coelho Neto; Cássio Murilo Dias da Silva | 139
chão por um louco que dirige desvairadamente um carro por uma estrada
abarrotada, mas também fazer de tudo para impedi-lo de dirigir”. (MONDIN,
1980, p.169).
2.2.1 Qohélet
2.2.2 Bonhoeffer
2.2.2.3 Ser-para-os-outros
Ser para os outros tem uma base ontológica para Bonhoeffer. É a essência de
ser Cristo. Conceber Cristo de qualquer outra forma é literalmente “ímpio”. A
antropologia de Bonhoeffer é baseada em sua cristologia. Porque a essência de
Cristo é o seu Dasein pro-andere, estar-aí-para-os-outros. A estrutura ontoló-
gica do homem está localizada no ser de Cristo para o homem, a natureza e a
história. O homem é apenas homem na relação Tu-eu, eu-Tu, assim como
Cristo é apenas Cristo em seu pro nobis Sein. (RAMUSSEN, 2005, p. 19).
2.3.1 Qohélet
é limitada aos poucos dias de vida dado por Deus; obtém-se uma “parte”,
quando se desejaria que fosse sem fim. Mas precisamente devemos alegrar-
nos com a felicidade que se obtém no dia a dia, sem olhar muito longe para
frente: “No dia do bem-estar, goze da felicidade” (7,14). Ela é bastante consis-
tente para que não se pense muito na brevidade da vida (5,19); tem suficiente
fundamento para que seja “louvada” e celebrada (8,15). Confere à existência
um sentido imediato e livra o homem da angústia. (GLASSER, 1975, p.265-
266).
Pergunte ao Eclesiastes “o que é a vida”, e ele dirá que é sentar-se à mesa com
os filhos e apreciar uma bela taça de vinho. Vida é terminar um trabalho e se
largar exausto na poltrona, cheio de satisfação com o que acabou de fazer. É
ver um pôr do sol e ficar extasiado com aquela visão sublime. É receber o
abraço de um amigo, um abraço repleto de afeto e de amor. É saber-se amado.
Isso sim é vida. (KIVITZ, 2009, p.143).
2.3.2 Bonhoeffer
Por penúltimo, Bonhoeffer explica que é “o caminho que tem que ser andado
até ali onde Deus lhe põe o termo”. O penúltimo é tudo aquilo que conduz à
realidade última, é, na verdade, um novo modo de indicar a situação já men-
cionada em Discipulado, da realidade do mundo, dos valores da humanidade,
da vida terena; se refere às coisas do mundo, ao cotidiano humano que, apesar
de não garantir o alcance do último, deve ser assumido responsavelmente
como preparação para o recebimento do que é último, ou seja, é a relação do
ser humano, especialmente o cristão, com o mundo do qual faz parte.
(PERUZZO, 2010, p. 57).
O cristão maduro no mundo moderno não vira as costas para a vida que Deus
deu a ele, mas aceita-a completa e responsavelmente da mão de Deus. O autor
do Eclesiastes, acredita Bonhoeffer, testemunha tal vida na qual “Deus fez tudo
belo a seu tempo” (3,11). Para Qoheleth e o cristão “secular” há um tempo para
tudo nesta vida terrena, porque todos os tempos estão nas mãos de Deus.
(WOELFEL, 1970, p. 233).
148 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
Para Bonhoeffer, a vida natural e o gozo dos prazeres que lhe são
inerentes são direitos do ser humano. Em sua obra Ethik (Ética), ele asse-
vera: “a destruição do natural significa destruição da vida. [...] O não
natural é inimigo da vida” (BONHOEFFER, 2000, p. 141). E prossegue
nessa direção:
Conclusão
presente. Bonhoeffer, por sua vez, chamaria a atenção dos cristãos para
uma vivência encarnada do cristianismo comprometido com o socorro da-
queles que sofrem com os males decorrentes do contexto atual. Também
denunciaria uma visão mágica da fé que esperasse passivamente uma in-
tervenção divina miraculosa própria daqueles que desejam a graça barata.
O problema da tensão entre religião e realidade não se esgota nesse
diálogo. Há tantas dialéticas possíveis quantas forem as realidades diver-
sas nas quais as religiões estiverem inseridas. O presente texto procurou
provocar um questionamento oportuno para que a religião permaneça
sendo uma contribuição para a vida e o bem integral do ser humano.
Referências
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9
Introdução
1
Graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS (2018) e cursando
Teologia na mesma universidade. E-mail: rafael.holdefer@edu.pucrs.br
2
Doutor em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Antigo Testamento da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. E-mail: cassio.silva@pucrs.br.
154 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
Fundamentalismos
Qualquer pessoa que objetifique algo como princípio sui generis e in-
defectível dos valores e das verdades incorre em tal atitude. Com isso, é
possível perceber a mútua relação parasítica do discurso político quando
traz citações bíblicas. Por isso, interessa, nesse artigo, responder ao pro-
blema de pesquisa: com qual equivalência hermenêutica-exegética trechos
são retirados da Sagrada Escritura, e amarrados na prática discursiva po-
lítica-ideológica? Para tal, restringir-se-á, o texto, ao chamado
fundamentalismo bíblico que surge como reação contra o liberalismo.
Por mais que o termo tenha surgido na primavera do século XX, suas
raízes se estendem ao século XVIII com a exploração científica do universo
advinda com o iluminismo. Quando alguns dados, apresentados como ver-
dade absoluta pela Igreja, começam a ser questionados pela ciência um
clima de tensão emerge: identidades estão em risco. Diversas reações di-
vergentes à literalidade, tornam-se recorrentes e, consequentemente,
defesas como reações pessoais e que com o tempo passam a ser assumidas
pela instituição.
156 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
Mas, como a Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada com o mesmo es-
pírito com que foi escrita, não menos atenção se deve dar, na investigação do
reto sentido dos textos sagrados, ao contexto e à unidade de toda a Escritura,
tendo em conta a Tradição viva de toda a Igreja e a analogia da fé. Cabe aos
exegetas trabalhar, de harmonia com estas regras, por entender e expor mais
profundamente o sentido da Escritura, para que, mercê deste estudo de algum
modo preparatório, amadureça o juízo da Igreja. Com efeito, tudo quanto diz
respeito à interpretação da Escritura, está sujeito ao juízo último da Igreja, que
tem o divino mandato e o ministério de guardar e interpretar a palavra de
Deus. (DV 12)
Rafael Holdefer Bohrer; Cássio Murilo Dias da Silva | 157
3
Segundo uma ferramenta de pesquisa da internet.
160 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
Conclusão
Com isso, não se quer afirmar que toda linguagem política esteja em
desarranjo com teologias específicas, mas apenas que é uma prática muito
frequente apresentar interpretações ou mesmo trechos sagrados empre-
gando-os de forma literal com as mais variadas finalidades: legitimar o
assalto ao poder, justificar desmandos e autoritarismos etc. A isso, dá-se o
nome de leitura fundamentalista da Bíblia, uma prática que corrompe o
texto fonte e o público-alvo. Um texto só pode ser adequadamente aplicado
se observado o contexto sócio-histórico em que surgiu, bem como respei-
tado os efeitos que o autor queria produzir em seu tempo. Soma-se a essa
prática a Teologia da Retribuição, pois carrega em si elementos próprios
de um fundamentalismo religioso. Espera-se com isso, ampliar e valorizar
mais o texto Sagrado não o reduzindo a um argumento descontextuali-
zado. Pois acreditar de forma completa, literal, inflexível; praticar de forma
cega, inegociável, intolerante; legitimar abusos, imposições, silenciamen-
tos, violências em nome da fé é uma ação diabólica. É mister estar atento
e alerta frente ao fundamentalismo religioso que afeta a grande política,
quanto, por outro, à tentação mais sutil do fundamentalismo econômico e
162 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
Referências
BÍBLIA, Português. TEB: Bíblia Tradução Ecumênica. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2015.
BOFF, L. Fundamentalismo. 1ª. ed. São Paulo: Sextante, 2002. Disponivel em:
<https://bityli.com/HzHidB>. Acesso em: 19 Novembro 2021.
PASSOS, J. D.; SANCHEZ, W. L. Dicionário do Concíio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 2015.
SILVA, C. M. D. D. Aquele que manda a chuva sobre a face da terra. São Paulo: Edições
Loyola, 2006.
______. C. M. D. D. A bíblia não serve só para rezar. São Paulo: Edições Loyola, 2011
10
Introdução
1
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS). Bolsista CAPES. E-mail: teologodemaria@gmail.com
2
Professor colaborador no Programa de Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS) e Bolsista do Programa Nacional de Pós-doutoramento (CAPES). Porto Alegre, RS, Brasil. E-
mail: rafael.martins@pucrs.br
Vinícius da Silva Paiva; Rafael Martins Fernandes | 165
Uma das definições mais belas sobre o Magnificat foi dada por Mar-
tim Lutero, comparando-o com a água quente que ferve e se derrama por
causa do calor, “assim também são todas as palavras da bem-aventurada
virgem neste cântico. São poucas e, mesmo assim, profundas e grandes
(LUTERO, [2016], p. 63). Essa experiência de transbordamento marcou a
vida da menina de Nazaré. Quando a Igreja reconhece nos lábios de Maria
a afirmação “O Senhor fez grandes coisas em meu favor” (Lc 1,49), está
cantando não só o inaudito acontecimento da Encarnação, mas também o
166 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
Do mesmo modo como a nuvem pairou sobre a tenda da Arca, o Espírito cobre
Maria com sua sombra, consagrando seu seio virginal com a presença daquele
que outrora era reconhecido como o habitante do Santo dos Santos. Ele
mesmo faz do seio de Maria uma shekiná, uma tenda para sua morada. Não
mais um templo feito por mãos humanas, mas a carne da virgem filha de Sião
torna-se o santuário mais excelso para o Filho da Santíssima Trindade parti-
cipar da experiência humana em sua forma mais profunda: a encarnação
(BRUSTOLIN, 2017, p.26).
3
Cita-se, entre os escritos da tradição cristã que põe em evidência a importância da interioridade, as Confissões de
Santo Agostinho. Ele diz: “Tarde te amei! Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu Te amei!
Eis que estavas dentro, e eu, fora – e fora Te buscava, e me lançava, disforme e nada belo, perante a beleza de tudo e
de todos que criaste. Estavas comigo, e eu não estava Contigo” (SANTO AGOSTINHO, [1997], p. 180).
168 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
Os primeiros cristãos não podem celebrar a Eucaristia uns com os outros, sem
antes terem realmente ordenado as suas relações sociais! O culto religioso da
Igreja primitiva não era, portanto, apenas um rezar social, para o qual cada
um contribuía com alguma coisa, senão também, simultaneamente, um exer-
cício de relacionamento social bem concreto, e isso precisamente em
consequência da experiência do Espírito, a qual fundamentava tudo (IBIDEM,
p. 50).
Considerações finais
Este breve ensaio sobre a ‘Igreja em saída’ quis recuperar a força te-
ológica do evento da Encarnação. O mistério da encarnação do Verbo traz
consigo o mistério da atuação do Espírito e recapitula a história da salva-
ção. Como já dizia Irineu de Lion, “o homem, modelado no princípio pelas
mãos de Deus, isto é, o Filho e o Espírito, vai crescendo na imagem e se-
melhança de Deus” (IRINEU DE LION, [1995], p. 323). O Cristo e o Espírito
Santo são as duas mãos abertas do Pai que acolhem maternalmente essa
humanidade criada à sua imagem e semelhança. A figura de uma Igreja-
mãe que sai à procura de seus filhos pode representar a grande guinada
eclesial do Cristianismo no século XXI. Essa pastoral em chave missioná-
ria, cujo programa foi brilhantemente delineado por Francisco na
Evangelii Gaudium, além de revelar a lógica da Encarnação, indica as qua-
lidades necessárias da “Igreja em saída”: uma igreja alegre, profética e que
vai ao encontro dos mais vulneráveis.
O canto do Magnificat, bem como a Mariologia, está a serviço dessa
reflexão na medida que, como sugere Xabier Pikaza, podemos contemplar
na vida de Maria a luz diafânica do Espírito. A relação de Maria com o
Espírito Santo sugere uma mística muito próxima daquela que Karl
Rahner previu para o cristão do futuro: “o cristão do futuro ou será mís-
tico, isto é, pessoa que ‘experimentou’ algo, ou não será cristão” (RAHNER,
1967, p. 25). O Magnificat é o transbordamento da experiência mística de
Maria, uma experiência que integra louvor e profecia, pneumatologia e li-
bertação, comunhão e missão. A dimensão social da evangelização tão
evocada por Francisco no capítulo IV da Evangelii Gaudium ganha voz e
rostos no encontro protagonizado por duas mulheres – Maria e Isabel. O
174 | III Semana Acadêmica do PPG em Teologia da PUCRS
Referências
BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl.. São Paulo: Paulus, 2012.
BOFF, Clodovis. Mariologia Social: o significado da Virgem para a sociedade. São Paulo:
Paulus, 2006.
BOFF, Lina. Mariologia: Interpelações para a vida e para a fé. Petrópolis: Vozes, 2019.
BRUSTOLIN, Leomar. Eis tua mãe: Síntese de Mariologia. São Paulo: Paulinas, 2017.
COYLE, Kathleen. Maria tão plena de Deus e tão nossa. São Paulo: Paulus, 2012.
GALLI, Carlos María. Cristo, Maria, a Igreja e os povos: A mariologia do Papa Francisco.
Col. A Teologia do Papa Francisco, Vol. 5. Brasília: CNBB, 2018.
IRINEU DE LION. Contra as Heresias: Denúncia e refutação da falsa gnose. São Paulo:
Paulus, 1995. (Coleção Patrística).
MÜHLEN, Heribert. Fé cristã renovada: carisma, Espírito, libertação. São Paulo: Loyola,
1983.
PAREDES, José Cristo Rey Garcia. Mariologia: síntese bíblica, histórica e sistemática. São
Paulo: Ave-Maria, 2011.
PIKAZA, Xabier. Maria e o Espírito Santo: Notas para uma mariologia pneumatológica. São
Paulo: Loyola, 1987.
RAHNER, Karl. Espiritualidad Antigua y Actual. In: Escritos de Teología. Vol. VII. Madrid:
Taurus, 1967.
SANTO AGOSTINHO. Confissões. Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo:
Paulus, 1997 (Coleção Patrística).
11
Wilner Charles 1
Introdução
1
Haitiano, padre da Congregação dos Oblatos de São Francisco de Sales, pároco da Paróquia de Santa Isabel, em
Viamão-RS, Brasil. Mestre e doutorando em Teologia Sistemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul. E-mails: charleswilner@yahoo.fr; oblatoosfs@gmail.com
Wilner Charles | 177
1 Contextualização
3.1 Crioulo
3.2 Vodu
este último só assume a missão dos anjos para auxiliar a vida do povo de-
samparado (BLOT, 2005, p. 13-49).
2
No outono de 1791, eclodiu a revolução. Num só mês, duzentas plantações de cana foram queimadas; os incêndios
e os combates se sucederam sem trégua, à medida que os escravos insurretos iam empurrando os exércitos franceses
na direção do oceano. As embarcações zarpavam carregando cada vez mais franceses e cada vez menos açúcar. A
guerra verteu rios de sangue e devastou as plantações. Foi longa. O país, em cinzas, ficou paralisado; no fim do século
a produção tinha caído verticalmente. “Em novembro de 1803 quase toda a colônia, antigamente florescente, era um
grande cemitério de cinzas e escombros”, diz Lepkowski. A revolução haitiana coincidira – e não só no tempo – com
a revolução francesa, e o Haiti sofreu na carne o bloqueio da coalizão internacional contra a França: a Inglaterra
dominava os mares. Porém, logo sofreu também, enquanto se tornava inevitável sua independência, o bloqueio da
França. Cedendo à pressão francesa, o Congresso dos Estados Unidos, em 1806, proibiu o comércio com o Haiti.
Somente em 1825 a França reconheceu a independência de sua antiga colônia, mas em troca de uma gigantesca
indenização em dinheiro. Em 1802, pouco depois de ter sido preso o general Toussaint-Louverture, o general Leclerc
escreveu do Haiti para seu cunhado Napoleão: “Eis aqui minha opinião sobre o país: é preciso suprimir todos os
negros das montanhas, homens e mulheres, conservando as crianças menores de 12 anos, exterminar a metade dos
negros da planície e não deixar na colônia nem um só mulato que use farda”. O trópico se vingou de Leclerc, ele
morreu “agarrado pelo vômito negro”, apesar dos esconjuros mágicos de Paulina Bonaparte, e sem poder cumprir
seu plano, mas a indenização em dinheiro foi uma pedra esmagadora nos ombros dos haitianos independentes, que
tinham sobrevivido aos banhos de sangue das sucessivas expedições militares enviadas contra eles. O país nasceu em
ruínas e não se recuperou jamais: hoje é o país mais pobre da América Latina (GALEANO, 2010, p. 65-66).
Wilner Charles | 185
coerência entre o que faz e o que pratica. É uma realidade que se reflete
no plano social, político, religioso e cultural.
Considerações finais
Referências
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National d’Etnologie, n. 1. Haiti: 2005. Pp. 13-49.
FLORENT, Françoise. Le Vaudou en Haiti: La magie d’un culte bafoué par l’histoire. Haïti:
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GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre: L&PM, 2010.
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2000. Disponível em: http://docplayer.fr/72063009-Decouvrir-haiti-a-travers-ses-
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