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I PARTE ESBOCO HISTORICO . DAS EPOCAS MAIORES DA CULTURA ROMANA Kg 54 ea 323 EPOCA REPUBLICANA A HELENIZACAO DA CULTURA ROMANA Desde muito cedo a helenizacao se verifica. e com tal profundidade que 0 que entendemos por Cultura Romana nao mais se pode desligar daquele fenémeno — embora tenha de se reconhecer que, mais do que de imitagao, se deve falar de assimilag4o criadora, como veremos no decorrer do nosso estudo'. E curioso notar que o processo se verifica também no campo religioso. Efectivamente, se ha organizagGes sacerdo- tais (como os flamines e os pontifices) e divindades (como Jano, os Penates, os Lares) estritamente romanos, desde cedo os deuses itdlicos se identificam, na maioria, aos gregos*, € as teses de ALTHEIM e de BAYET sobre a antiguidade da Esta complexa questao encontra-se delineada com excepcional clareza no artigo de EDUARD FRAENKEL, “Rome and Greek Culture” in: Kleine Beitrége cur Klassischen Philologie (Roma, 1964), Vol. II, pp. 583-598. Sobre o mesmo assunto, veja-se ainda GERHARD PERL, “Zur Rezeption der griechischen Kultur durch die Rémer”, Philologus 118 (1974), 175-182 Sobre o conceito de helenizagio, veja-se E. Curt, E. Duck and J. R Parrerson, “Survey Article: The Archaeology of Central and Southern Roman Italy: Recent Trends and Approaches”, Journal of Roman Studies 86 (1996), 170-189, especialmente pp, 181-185. * J, Le GALL, La Religion Romaine de |’ Epoque de Caton |'Ancien au Regne de |'Empereur Commode (Paris, 1975), p. 35, pode em evidéncia 0 significado do grande lectistérnio de 217 a.C., em que figuravam nos leitos: sagrados do banquete as efigies dos doze grandes deuses, claramente asst- milados aos gregos. helenizagao encontram ©. Arqueoldgicas’, Efectivamente, também nesta Area, comega a ser Posta de parte a teoria de que teriam sido og Etruscos que ens; naram os Romanos a Personificar og Seus deuses, dando-jhes UM caracter antropomoérfico, © a erguer-Ihes templos. certo que Vesta nunca teve aquele tipo de representacao, e que um erudito como Varro escreveu que, até Cerca de 583 aC, os Romanos nao tinham imagens da divindade', Tudo indica, Porém, que esta Caracterfstica primitiva €fa comum aos dois Povos, e que foi Por influéncia 8rega que, quer num quer noutro, essa fase foi ultrapassada. Exemplos muito conheci- ada vez mais APOIO nas descobertay Pontos*: “primeiro, as Tepresentacdes etruscas e Tomanas destas divindades baseavam-se invariavelmente na icono- grafia e na mitologia gregas; segundo, as Provas deste Processo de sincretismo (por vezes denominado interpretatio Graeca) ascendem mesmo aos Primérdios do oo arcaico; e, terceiro, a influéncia grega na visdo romana dos * Cf. P. Boyancé, Etudes sur la Religion Romaine (Paris, 1972), *P ; eae, de Varrao é conhecida através ne eae. A Cidade de Deus 4.31, e outros. Mas a propria exist ies ei anic6nica é actualmente posta em diivida, sobretudo depois aan como os de FiLipeo COARELLI no santudrio de Niger is Ackaglo é * The Beginnings of Rome (London, 1995), pp. teh oxen da p. 162. CuristopHer Smit, Early Rome and me un oe 1996), pp. 226 227, mantém as antigas teorias da mediag: 45 deuses foi o resultado de contactos directos entre Roma e 0 mundo grego”. E porém, noutros dominios que vamos fixar a nossa atengdo. Para tanto, principiaremos por recordar as condigdes hist6ricas que propiciaram este encontro de culturas. CONDICIONALISMO HISTORICG O contacto dos Romanos com os Gregos comegarg Taig cedo do que habitualmente se julga. A existéncia de Tehagf—e comerciais est4 documentada pela presenga de Vasos gr, desde a €poca arcaica. Assim, perto da Igreja de Sant’ Omobong, proximo do Capitélio, tém aparecido fragmentos Ceramicgs provenientes da Eubeia, de Pitecusas, de Corinto ¢ das Ciclades, dataveis do séc. Vim a.C. S6 de entre 530 a 500 ae ja se conhecem actualmente mais de duzentos vasos, No Proprio Forum Romanum ja apareceu um krater Atico de figuras negras de 570-560 a.C. Por outro lado, encontrou-se em Lavinium (actual Pratica di Mare), em 1959, uma dedicat6ria em ®o aos Dioscuros, de um dos treze altares hoje conhecidos nesse local (FAG. 3), a qual € da segunda metade do séc. VI a.C.’ O santudrio em questao data do periodo arcaico €, quer sob o ponto de vista arquitect6nico, quer sob o religioso, acusa uma forte influéncia helénica, Escavagées da década de 70 confir- —_—____ ; Também do séc, vl aC. € a inscrigao com a dedicat6ria a Castor ¢ Pélux, deuses de cujo Primitivo templo se descobriram os alicerces em 1982. no Forum Romanum, por baixo do actualmente conhecido. Mas mais antiga ainda sera a da colonia grega de Pitecusas (a Owens ennai de Nestor") € a de um vaso achado num timulo em * Que seré anterior a c. 770 ac. Fic. 3 — ALTARES DE PEDRA NA CIDADE LATINA DE LAVINIUM. maram o papel daquela cidade do Lacio (que os Antigos tinham como fundada por Eneias e era um grande centro religioso para os povos latinos, incluindo os Romanos, que af prestavam anualmente culto aos Penates) na recepgao da civilizaco grega, e talvez mesmo uma certa assimilacao cultural’. Um facto cultural de extrema importancia é a adap- taco do alfabeto grego, a partir do modelo da ilha de 2 Cf. G. PUGLIESE CARRATELLI, “Lazio Arcaico e Mondo Greco”, La Parola del Passato 196-198 (1981), 9-20. Veja-se ainda, na mesma revista, 0 artigo de R. SCHILLING, “Les Découvertes de Lavinium”, depois incluido na colecténea do mesmo autor Dans le sillage de Rome (Paris, 1988), pp. 3-5. 48 Eubeia, ou seja, precisamente do lugar de origem dog primeiros helenos que se fixaram permanentemente na Itdlia. Se essa adaptagio foi directa ou indirecta (neste caso, pela via etrusca), é uma das questdes mais debatidas na historia da escrita. As duas teses principais s40 precisa. mente essas: proveniéncia directa do alfabeto grego (0 que 0 uso das letras latinas B, D, O comprovaria) ou existéncig de um intermedidrio etrusco (pelo facto de a ordenagao das letras C, K, Q ser comum ao etrusco meridional e ao latim)’. As dificuldades da questo, no estado actual dos nossos conhecimentos, e tendo em conta o que pode haver de casual na recuperagao de dados arqueolégicos, poderao sumariar-se assim: a lingua etrusca ainda no est4 decifrada, e nada indica que a sua origem seja indo-europeia; no entanto, os carac- teres usados sio gregos, e h4 um pequeno numero de inscrig6es bilingues que permitem reconstituir mais de cem palavras; encontraram-se j4 umas cento e vinte inscricdes > Estes argumentos foram expostos por R. WACHTER (Bern, 1987) € em parte retomados por CLAUDE SANDOZ, “Le nom de la ‘lettre’ et les origines de l’écriture 4 Rome”, Museum Helveticum 48 (1991), 216- -219, que reexamina, de forma nao muito convincente, a relagdo da propria designagao de ‘letra’ (Jittera) com 0 grego diphthera, 0 que favoreceria a tese etrusca, Mas um dos indicios principais é a primitiva falta de sinal proprio para a velar sonora (som que os Etruscos nio tinham), falta essa que 86 mais tarde sera remediada com a criagio, 4 partir do C, e mediante uma pequena alteragdio, do novo simbolo G. Ct M. Leseune, “Notes de Linguistique Italique”, Revue des Etudes Latines 3° (1957), 96-98. 49 etruscas de c. 700 a.C.; as duas mais antigas em lingua latina nao séo muito posteriores', No meio destes dados, escassos e por vezes inseguros, a actual tendéncia dos especialistas é para utilizar a nogao, hoje corrente, de “interacg&o”. CORNELL resume assim a situagéo: “A adop¢do do alfabeto na It4lia Central nao dever4 ser vista como uma simples transmissdo linear do Etrusco para o Latim ou vice-versa, mas como um processo interactivo mais complexo, que envolveu falantes de ambas 3 as linguas*. * Deste grupo foi exclufda, como uma falsificagdo, aquela que era tida como a mais antiga de todas, a da fibula de ouro de Preneste. Dada a conhecer em 1887, esté gravada em caracteres gregos, que se supunham dataveis de 600 a.C., escritos da direita para a esquerda. As diividas sobre a autenticidade comegaram a surgir em 1975 (vide ARTHUR E. GorDon, The inscribed Fibula Praenestina (Berkeley, 1975); DAvID RIDGWAY, “Manios Faked?”, Bulletin of the Institute of Classical Studies (London) 24 (1977), 17-30; Eric R. Hamp, “Is the Fibula a Fake?”, American Journal of Philology 102 (1981), 151-153, e terminaram na completa rejei¢io, em 1980, por MARGHERITA GuaRDUCCI, La cosidetta fibula prenestina. Antiquari, eruditi e falsani nella Roma dell’ ottocento (Roma, Accademia Nazionale dei Lincei, 1980). Autores como TIM CorNELL, “The tyranny of the evidence: a discus- sion of the possible uses of literacy in Etruria and Latium in the archaic age” in Literacy in the Roman World (Journal of Roman Archaeology, Supplement (Ann Arbor, 1991), p. 16, nota 33, continuam a aceitar a autenticidade. * The Beginnings of Rome, p. 164. Na p. 103 da mesma obra, o autor fora ainda mais claro: “O processo de transmissao foi mais complexo, ¢ tanto os Etruscos como os Latinos aprenderam directamente com os Gregos, mas também se influenciaram uns aos outros”. Por outro lado, CurustorHer Smith, Early Rome and Latium, pp. 226-227, mantém reser- vas sobre toda esta questao e chega a afirmar: “Todos os dados apontam para uma penetragdo protunda no Lacio da cultura etrusea” (p, 227). 50 Mas 0 contacto regular com a cultura grega exerce.. quando Roma anexa a Campania, com as cidades de Cépug e Napoles (c. 340 a.C.). Estas beneficiaram de umas condi¢des de alianga excepcionais. Até os trajes se mantinham. Mais ainda: havia nobres adolescentes e¢ até senadores de alta estirpe, entre eles o préprio Sila, que, a0 chegar a Napoles, deixavam a toga romana, Para envergar a clamide grega’. No Século de Augusto, Virgilio foi Para essa mesma cidade estudar com o filésofo epicurista Siron’. Em 272 a.C., os Romanos chegam ao Sul, e tomam a cidade de Tarento. Dai vem, como prisioneiro de guerra, e, segundo a tradi¢éo, com doze anos apenas‘, Livio Andronico, futuro mestre-escola em Roma, e autor de uma versao latina da Odisseia que ainda no tempo de Horacio era aprendida pelas criancas®. E que, por ordem do Senado, traduziu do grego uma pega de teatro, para ser “Cicero, Defesa de Rabirio Péstumo 10. 26-27. ’ Pela mesma altura, declarou o gedgrafo grego Estrabio que trés cidades nao tinham perdido o cardcter Tego No seu tempo: Tarento, Régio e Napoles (VI.2.1). Recordemos as Principais colénias helénicas: Pithecoussai (a mais antiga), a qual se segue Cumas, também fundada no séc, vill a.C., bem como Sfbaris; Pesto, Tarento e Turios. "A tradigao € frouxa e Contradit6ria. Talvez seja de aceitar a hipotese deG.E. Duckwortu, The Nature of Roman Comedy (Princeton University Press, 1971), p. 40, de que ele fosse um actor e dramaturgo experiente, que os Romanos fossem buscar a Tarento, em 240 a.C., para escrever e encenar tradugées latinas de Pegas gregas. Parece, no entanto, mais verosimil que fosse a fama granjeada pela traducdo da Odisseia que chamasse sobre ele a atengao do Senado, * Eptstolas U1, 69-72, 51 representada nos Ludi Romani de 240 a.C., comemora- tivos do final da Primeira Guerra Pinica”. Ora precisamente, ao terminar dessa mesma Guerra, os Romanos tinham tomado a Sicflia, que se tornou a sua primeira provincia. A riqueza desta ilha em obras de arte foi uma ligdo para os Latinos'' — e também uma tentacéo para alguns. Cerca de dois séculos depois, ficou célebre o exemplo do propretor Verres (73-71 a.C.), cujos latrocinios, que nada deixavam escapar, Cicero verberou asperamente no discurso Das estdtuas”. " “Ora este Livio foi o primeiro que montou uma pega em Roma, no consulado de Gaio Claudio, filho de Ceco, e de Marco Tuditano, exacta- mente no ano anterior ao nascimento de Enio, aos 514 anos da fundagio de Roma” — diz Cicero, Brutus 18.72. O mesmo Cicero, na sequéncia do texto, revela as divergéncias ja entdo existentes sobre a data. Tito Livio XXVII.37 refere-o como autor, em 207 a.C., de um hino ou hinos expiatérios a Jupiter e Juno. Sabemos ainda que lhe foi concedido fundar, em atengao aos resul- tados obtidos, um Collegium no templo de Minerva no Aventino, ou seja, de dispor de um local privilegiado para 0 encontro de poetas (Festo, p. 446, 29 sqq. L.). Sobre esta obscura questao, vide NicHOLAS HorsFaLL, “The Collegium Poetarum”, Bulletin of the Institute of Classical Studies (London) 23 (1976), 79-95, € PIETRO MaGNo, La posizione giuridica dei primi poeti romani e altri studi (' Puglia, 1979). Quanto aos Ludi Romani, eram um festival que se dizia vir do tempo dos reis, embora s6 esteja provada a sua celebragio anual a partir de 366 aC. Cf. J, P. V. D. BALSDON, Life and Leisure in Ancient Rome (Toronto, 1969), p. 246. » Bspecialmente a tomada de Siracusa, que s6 veio a efectuar-se em 212 a.C.; a cidade abundava em preciosidades (cf. Tito Livio XV, 40. 1-3) ” As famosas Verrinas compreendem uma primeira acgdo contra Verres, continuada por uma segunda acgao, constituida por cinco discursos, de que o Das Estdtuas € 0 pentiltimo. i 4 Este foi o caminho da arte. O da lite - Tatura do tempo “depois das Guerras Pénicas eta-0 Hoes separadamente. e va “ 52 BIBLIOGRAFIA F. CASTAGNOLI, “Roma arcaica € i recente scavi di Lavinio™. La Par, Passato 176 (1977), 340-355. “1 T.J. Cornett. The Beginnings of Rome (London. 1995), pp 31- -104, 159-172. E. T. SALMON, The Making of Roman Italy (London. 1982) CupristopHer SmiTH, Early Rome and the Latium. Econom: and Sccie c. 1000 to 500 BC (Oxford, 1996, reimpr. 1999). » Epistolas U1.1.156-157 (Romana, pp. 204-205). A LELDAS DOZE TABUAS Na primeira fase do contacto com o saber helénico, entre os primordios da Urbe e a tomada de Tarento, insere-se um facto cultural de primeira ordem, que, como quase todos os grandes acontecimentos ¢ conquistas do homem, surge de repente a luz da Histéria, deixando na sombra as suas origens. Referimo-nos & promulgagéo da Lei das Doze Tabuas, a “carta de fundagao do Direito Civil”, como escreveu WIEACKER'. Os Antigos tinham uma tradigdo a este respeito, segundo a qual, num periodo conturbado das relacg6es entre patricios e plebeus, as duas classes tinham concordado em nomear uma comissao que redigisse leis “que fossem Uteis a ambas e capazes de criar a igualdade e a liberdade”?. Para isso, foi mandada a Atenas uma comissio para “copiar as inclitas leis de S6lon e tomar conhecimento das instituigdes, costumes ¢ leis de outras cidades gregas”. Os trés enviados a Atenas vém a constituir com os decén- viros um colégio que administra a justiga, com poderes abso- lutos, ¢ se prepara para estabelecer um cédigo. Este, gravado em dey t4buas, é dado a conhecer ao povo, © por ele discutido, Os comicios por centirias adoptam entao a Lei das ‘Die XII Tafeln in ihrem Jahrhundert” in: Les Origines de la République Komaine, Enuetiens Hardt, Tome XI (Geneve, 1967), p. 393 Tito Livio HI3) Idem, ibidem 54 Dez. Tabuas. “E ainda hoje — continua Tito Lfvio‘ Neste acervo imenso de leis acumuladas umas sobre as outras, Clay sio a fonte de todo o direito ptiblico e privado”. Entretanto, nota-se a falta de duas tabuas, que s6 Vieran, a set expostas em ptiblico, depois de gravadas em bronze, Nas vésperas da partida dos cOnsules em campanha, um contra 05 Sabinos, outro contra os Equos’. Esta é a versdo algo incongruente de Tito Livio, no sey Livro III. Dionfsio de Halicarnasso fala de duas embaixa. das, uma a Atenas e outra 4 Magna Grécia’, Cicero, das cidades gregas’. Pomp6nio junta as duas*. Por outro lado Plinio-o-Antigo e Estrabao’ dizem que Hermodoro de Efeso, que estava em Itdlia, ajudou os Romanos na elabo- ta¢ao das leis. De todas estas afirmagées a critica moderna duvidou ja embora a fase hipercritica esteja hoje superada. Aceita-se actualmente como provavel a data de c. 451-450 a.C. para a elaboracdo, e bem assim o papel hist6rico dos Decénviros’’. Considera-se, ainda, que o vocabulério e as. condigGes epocais sao suficientemente marcados para nao haver duvidas. O problema das origens permanece, no entanto, dificil de resolver. Para WIEACKER, a ida a Magna Grécia seria facil, ¢ “TIL.34, * Tito Livio IIL.57. Cicero, A Repiiblica 11.37.63, também refere adjungo posterior de duas tébuas as primeiras dez. °X.S15, " Verrinas V.72.18, Em Passo célebre da Defesa de Flaco (25.62) atribui aos Atenienses os fundamentos de toda a legislagao. * Digesto 1.2.2.4, ’ Plinio-o-Antigo XXXIV,1 | 21; Estrabao XIV, 1.25, “ Outros oscilam entre 0 sée. 1V & onac. 55 © material nao taltava, Mas j4 a inspiragiao ateniense é mais duvidosa, pois 0 espirito das XII Tébuas, nota o mesmo espe- cialista, nao € o das leis de Sélon'". Considera, nao obstante, que € grega, e nao etrusca ou itdlica, a ideia de uma inte- gracdo da cidade mediante uma legislacdo de conjunto”. Eo mais importante € a prova da influéncia grega sobre o espfrito, a maneira de pensar e os motivos dos Decénviros"’. A lenda demonstraria que o helenismo era antigo em Roma. " Cf., no entanto, Cicero, As Leis 11.23.59 ¢ 25.64, a contrapor, alids, a Do Orador 1.44.197 (Romana, p. 27), onde proclama a superioridade romana. E no primeiro destes passos que Cicero lembra que “em pequenos, todos nés aprendemos as XII Taébuas como um canto necessdrio”. No livro de L. HARMAND, Société et Economie de la République Romaine, pode ver-se uma tradugao francesa da reconstitui¢do do texto feita por GoDEFROY e DIRKSEN, com base nas citagdes de antigos jurisconsultos, gramaticos, lexicégrafos e tratadistas de filosofia politica (como Cicero). O autor tenta reconstituir 0 estado social e econémico de Roma a partir desses testemunhos. MICHELE Ducos, L’ Influence Grecque sur la Loi des Douze Tables, considera que “a historia das XIU Tébuas, tal como os analistas a transmitiram, est4 sem diivida na fronteira da lenda e da hist6ria” (p. 49); mas, por outro lado, a escolha de uma magistratura extraordinaria, a decisio de elaborar um cédigo de leis, sfio de inspiragio grega (p. 52). ” Op. cit., p. 332. "Na discussdio que se segue A exposigdo de WIEACKER, mencionada na nota 1, GJERSTAD considera que a influéncia helénica directa, Magna Grécia, est4 muito documentada, quer pelas dese rigdes do Ceres, decorado por artistas gregos, quer pelo achado de terracotas (p. 357). Por sua vez, M. GABBA lembra que a tradigdo da embaixada a Atena: lardia, s6 do séc. 1, quando muito do t.a.C. (p. 358), 0 mente pOe em diivida (p. 360). WASZINK refere a tese Romische Religionsgeschichte, de que ha nas Doze Tébuas uma influéncia dorica, a par de uma i6nico-ati ra, 0 que pressupde uma unidade cultural que de facto existia no Sul da Itilia (pp. 361-362). Também T. J. Cornett, The Beginnings of Rome, p. 275, considera convo mais provavel a ida 2s cidades eregas do Sul. templo de e que HANELL seguida- de Kurt Larte, na sua Sh Eos clogios que cone ede as Doze Tabuas, na actualidade om historiador do Direito Romano como WIPACKER Milo andagy Jonge dos Antigos nao 66 de Tito Livio, ao reconhecer, comp, ié virnos, que sho “a fonte de todo o diteito ptblicn , privado™”, mas também de Cfeero" Direi o que sinto: as bibliotecas, por Hércules, de todos 08 fildgr fos, parece-me superd-las sozinho 0 livro das Doze Tabuas, para quem, olhar as fontes ¢ bases da lei, ¢ isso quer pelo peso da sua autoridade quer pela exuberancia da sua utilidade. Sem entrar em pormenores técnicos que excederiam 9 ambito do nosso estudo, notaremos ainda, com WIEACKER, que se trata, como no direito grego, de leis profanas, e nao de meras proibigées culturais; que dizem respeito a acco: ¢ que “influenciario e ordenarao prospectivamente esse comporta- mento humano e suas consequéncias sociais, segundo um plano racional”"’. E acrescentaremos, com MICHELE Ducos, J11.34 (vide supra, p. 54 € nota 4). * Do Orador 1.44.195 (Romana, p. 26). Nos paragrafos seguintes da mesma obra, Cicero faz 0 elogio do Direito Romano, base de to grande império, ¢ poe em evidéncia a sua superioridade sobre 0 dos outros povos. Também o jurista Pompénio, que viveu no tempo de Adriano, as di como base do direito civil (Digesto 1.2.2.6), Nas Noites Aticas, XX.1, Aulo Gélio imagina uma curiosa discussao na qual o jurista Sexto Cecilio detente, perante 0 fildsofo Favorino, 0 valor daquele cédigo. Sobre o assunto, vide Mucutie Ducos, “Favorinus et la Loi des XII Tables”, Revue des Enules Latines 62 (1984), 288-300, « Op. cit, pp. 329-330, ANDREW Linrort, The Constitution of is Roman Republic (Oxtord, 1992), p. 34, sublinha que esta ¢ “na verdade, Unica codificaydo de leis jamais produzida na Roma classica”. 57 que é também grega a ideia de codificar as leis (os Romanos s6 concebiam, a principio, a lei como resposta a um caso concreto) e de as afixar, bem como o uso de certas formulas muito precisas”. BIBLIOGRAFIA J. Bayt, Tite Live: Histoire Romainne. Tome III (Paris, 1962), Appendice TH, pp. 129-133. T. J. CorNELL, The Beginnings of Rome (London, 1995), cap. 11. G. Crird, “La legge delle Dodici Tavole. Osservazioni e problemi” in: Aufstieg und Niedergang der rémischen Welt, 1.2. (Berlin, 1972), pp. 115-133. MicuéLe Ducos, L’Influence Grecque sur la Loi des Douze Tables (Paris, 1978). MicuéLe Ducos, Les Romans et la Loi (Paris, 1984). L. HaRMAND, Société et Economie de la République Romaine (Paris, 1976), pp. 10-11, 43-49, 168-185. J. HEuRGON, Rome et la Méditerranée Occidentale jusqu’aux Guerres Puniques (Paris, 1969), pp. 279-285. Franz Wieacker, “Die Zwolf Tafeln in ihrem Jahrhundert” in: Les Origines de la République Romaine. Entretiens Hardt. Tome XII (Geneve, 1966), pp. 291-362. ” L'Influence Grecque sur la Loi des Douze Tables, pp. 50-S1. Cf. também o que ficou dito na nota II os O CIRCULO DOS CIPIOES F no longo e decisivo perfodo das Guerras Panicas: Yue se evidenciam, na arte militar, na politica e na culturs, sucessivas geragdes de uma familia cujo cognome ter, servido modernamente para dar 0 nome a um século: 4 dos Ciproes Recorde-se, como muito significativa, a inscrig4o tumy. lar de Lucio Cornélio Cipiéo Barbado (Fic. 4), triunfador dy Lucania na Terceira Guerra Samnita e consul em 298 ac Lucio Cornélio Cipiao Barbado, filho do pai Gneu, vardo forte e sdbio, cuja beleza igualou o valor; cOnsul, censor, edil, ele foi entre vés; tomou Taurdsia e Cisauna no Samnio, submeteu toda a Lucania, de 14 trouxe reféns. Em vez do elogio antigo, vir fortis ac strenuus (‘varao forte e indefesso’), temos agora o fortis vir sapiensque (‘varao forte e s4bio’), acrescido de quoius forma virtutei parisuma fuit (verso 3). E provavel que a inscrigdo, tal como acabamos de a ver, tenha sido completada nos meados do século. Mas, mesmo nessa data, continu a ser surpreendente 4 versao latina do ideal grego de kalokagathia. Kecordemos as datas: de 264 a 241 aC., a Primeira Guerra Punica: de 218 4 201 a.C., a Segunda; de 149 4 146 a.C., a Terceira. BUCHELER, Carmina Epigraphica 7 (Romana, p. 13). Fic. 4 - TOMULO pos CiPpiogs. Museus do Vaticano. Em 168 a.C., Paulo Emilio triunfava de Perseu, na Maced6nia. Para si, quis apenas, de um imenso espélio, a biblioteca do paldcio de Pela, para servir 4 educacao dos filhos. Um desses havia de ser adoptado por Ptiblio Cornélio Cipiao’, filho daquele Cipiao-o-Africano que derrotara Anibal em Zama. Por tal motivo, tomou o nome de Piiblio Cipiao Emiliano, a que viria a adicionar-se 0 cognome de Africanus Minor, pois a este foi dado pér termo a Terceira Guerra Panica, com a destruigaéo de Cartago. Com este facto, passamos dos comec¢os do séc. II para a sua segunda metade. E precisamente o tempo histérico-cultural decisivo * Este Pdblio Cornélio Cipiao escreveu histéria em grego — uma das Muitas provas de que, 40 mais alto n{vel, a cultura romana ja era bilingue. A irmé, a célebre Cornélia, mae dos Gracos, arranjou mestres gregos para 06 filhos. } 60 4o mesmo ano de 146 aC. foi o da queda de Cartago e tomada de Corinto) on Ora, em 168 a.C., depois da batalha de Pidna, figur, entre os reféns aqueus deportados da Grécia Para pt uma pessoa notavel, e que viria a ser um dos maiores histe, Nadores da Antiguidade. Foi a essa pessoa que o ove Cipiao Emiliano solicitou que tomasse conta da cn educagao, “pois sé assim se consideraria digno da famili, que tinha e dos seus antepassados”. O grego a quem 0 joven, se dirigia era Polfbio, que havia de contar as glorias de Roma. incluindo as do seu ilustre discipulo*. Junto deste Romano, que j4 nao achava suficiente o conhecimento da tradi¢ao (0 mos maiorum), e queria enobrecé-la com a Sophia grega*, vemos também 0 fil6sofo grego que havia de difundir a filosofia est6ica — Panécio® —, os poetas Lucilio’ e Teréncio®. * Sobre a admiragiio de Polibio pelos feitos romanos, vide supra, p. 15. “Cf. Kari Meister, “Die Tugenden der Rémer” in: Romische Wertbegriffe Darmstadt, 1967), p. 8. Segundo Técito, Anais IL.59.2, a helenizagio também se manifestava nos hdbitos externos, pois, em plena Guerra Piinica, Cipiao vestia 4 grega quando estava na Sicflia; e, segundo Plutarco, Catdo- -o-Antigo 3.6, frequentava af palestras e teatros. “ Panécio, por sua vez, teria por discfpulo Posidénio, amigo de Pompeu. G. W. BOWERSOCK, Augustus and the Greek World (Oxford, 1965), pp. 2-3, conta estes trés homens — Polibio, Panécio e Posidénio — entre os Principais respons4veis pela fusdo cultural que nos ocupa. Note-se ainda que Cicero, A Repiblica 1.21.34, pde na boca de Lélio referéncia a discussdes de teoria politica entre o Africano, Panécio e Polibio. Sobre a cordialidade de relagdes entre Cipiao, Lélio e Lucflio, veja-se © testemunho de Hordcio, Sdtiras 11.1.71.74. Sobre as de Cipiao e Lélio. cf. Cicero, A Republica 1.12.18. “Cf. 0 que a este propésito referimos infra, p. 92 e nota 31. 6l Numa Carta ao Irmdo Quinto, Cicero precisa que o ilus tre gucrreiro nao largava de mao a Ciropedia de Xenofonte’, esse manual do principe perfeito da Antiguidade. E noutra obra refere-se Q sua requintada cultura, bem como a dos seus amigos Lélio ¢ Lticio Fuirio, atribuindo-a ao seu aprego pela filosofia grega, pois “sempre tiveram junto de si, bem as claras, os mais eruditos vardes da Grécia’”, A boa maneira grega, Polibio faz verter ligrimas ao grande conquistador, quando destrdi Cartago"... E a este grupo, de influéncia sem diivida decisiva no porvir da cultura romana, que é costume chamar 0 “Circulo dos Cipides”. A propriedade e rigor da designagao tem sido posta em diivida, e no deverd mesmo aceitar-se como sind- nimo de tertilia ou academia, de cuja existéncia ndo ha provas. Mas. entendida como referente a um grupo de pessoas com gostos e interesses afins, que frequentavam a casa de Cipiao e se impunham como corifeus de um novo tipo de mentalidade que unia a tradig&io romana a paideia grega", € vitil manter a designagdo, que corresponde a um momento fulcral neste longo e fundamental processo de helenizagao da cultura, que temos estado a tentar surpreender. * Cartas ao Irméo Quinto 1.1.8.23 (Romana, p. 67). ° Do Orador 1.137.154 (Romana, p. 29). “ Sobre este discutido episddio, leia-se A. MOMIGLIANO, Alien Wisdom: The Limits of Hellenization (Cambridge, 1975), pp. 22-23. “Cf, E, Astin, Scipio Aemilianus, ainda H, STRASBURGER, “Der Scipionenkreis”, que chega ao extremo de considerar que o papel que se atribui a esse circulo é uma fieglo de Cicero no Da Amizade ¢ em A Repiiblica, porquanto Polibio ndo faz menglo alguma dele ¢ di a entender que 0 interesse de Cipido pela filosotia era de ‘ordem moral, Tais argumentos nao invalidam, a nosso ver, as conclusdes que acl tirdmos, 62 BIBLIOGRAPIA EF. Astin, Scipio Aemilianus (Oxford, 1967) Prerre GRIM at, Le Siécle des Scipions (Paris, y975 . ) H.H. Scutt ard, Scipio Africanus. Soldier and Polini cian (London pp. 237-243 H. STRASBURGER, “Der Scipionenkreis”, Hermes 94 (1966 5. ), 0.77 A EPOPEIA A helenizagao faz-se também, e sobretudo, pela via literaria. Como jd vimos, a literatura nasce sob o signo da tradugo, e sob o impulso de um grego de Tarento, Livio Andronico, que traduz a Odisseia e ainda tragédias e comé- dias gregas. Outros se seguem, oriundos de um dominio cultural afim: Névio é da Campinia, Enio de Rudias, na Calabria (e de ascendéncia Messépia). Voltando a Livio Andronico, muito se tem discutido e especulado sobre os magros restos daquilo que se tem chamado “a mais antiga tradugao literaria” conhecida. Uma tradi¢gao antiga dava-a como uma obra de finalidade didac- tica, feita para ser usada na escola do Tarentino. Quer a intengdo fosse essa ou outra, em nada lhe diminui 0 valor’. nem impediu que Cicero o tenha referido como o mais antigo autor latino’. O tradutor s6 dispunha, para verter a riqueza vocabular e ritmica do poema homérico, de uma lingua ainda sem tradicdo literéria a que se arrimasse, e de um verso muito alheio a cadéncia do hexdmetro dactilico do original: o satdrnio. Tudo isto explica a impressao de rigidez, de falta ' A lenda da finalidade escolar foi impugnada por H. De LA Vite DE Mirmonr, em 1903. Cf. PIERRE GRIMAL, Le Siécle des Scipions, p. 52 e nota 12 * Tusculanas 3.1.3, ™“ 64 de ductilidade dos curtos trechos chegados até ng, i i $i x S, entanto, logo 0 primeiro verso da proposigao e invocacs ” aga i) Virwm mihi, Camena, insece versutum ¢ Livio procura com cuidado as equivaléncias |, a Musa grega faz Serenity Camena, divindade ristica latina’. E, na discutida interpre tagdo do epiteto que no texto homérico € dado a Ulisses, de polytropon, segue a linha exegética tradicional de Platao usando versutum (‘artificioso’) € nao versatum (‘muito viajado’ ou ‘muito baldeado pela sorte’)*. O leitor habituado a Homero reconhece, a cada passo, a ir de perto 0 original. Alguns exemplos, preocupacao de segui porém, demonstram que © sentido da lingua levava 0 tradu- mostra qui nas a dar ao original: » A etimologia do grego Mousa € ponto muito controverso e ainda nao completamente dilucidado. A derivagio de *mont-ya, proposta por WACKERNAGEL e satisfat6ria sob o ponto de vista fonético, comporta a difi- culdade de a suposta palavra indo-europeia (da mesma raiz do latim mons) nao ter outra representa¢a0 conhecida em grego. Mas far-nos-ia compreender melhor que os antigos poetas Jatinos encontrassem equivaléncia nas Camenas para divindades que parecem ter sido originariamente silvestres (note-se que Hordcio continuard a empregar Camenas com frequéncia, €.8- Epistolas 1.1.1: 18.47; 19.5; Arte Poética 275). Enwre as etimologias com maior aceitaga0 figuram as que ligam a palavra ‘a. menos (‘impeto’), memona (‘recordo-me’), manthano (‘compreendo’). Para estas palavras gregas, Vejam-se Os Diciondrios Etimolégicos dessa lingua. nomeadamente o de H. FRISK (Heidelberg, 1970) € 0 de CHANTRAINE (Paris. 1980), " platio, Hipuas Menor 364 e. Sobre a posi da enitca modem vide R PraatteR, History of Classical Scholarship. Vol 1 (Oxford, 1968), pp. 73°74 65 tor, por vezes, a introduzir a perffrase ou a reduzir as formu- las, conforme The parecia mais adequado’. Tem-se perguntado se a escolha da Odisseia nao repre- sentara a pteocupagao de avivar lendas de Ulisses que o ligavam de perto ao territério itélico, quer etrusco, quer romano, nobilitando assim 0 passado da Urbe’. A hipotese nao ¢ improvavel, embora se possa objectar que tais lendas encontravam expressio muito mais préxima em alguns poemas do Ciclo Epico, designadamente a Telegonia’. De qualquer modo, a Odisseia suscitou sempre um grande entu- siasmo em todos os tempos, e, ao preferi-la, Livio Andronico dava provas, quer do seu gosto pessoal, quer da sua intengao diddctica de transmitir 0 melhor. Névio d4 um importante passo em frente: escreve uma epopeia, sim, mas vai buscar o tema a gesta recente da Urbe: €a Guerra Piinica. + Exemplos e bibliografia em BRUNO GENTILI, Lo spettacolo nel mondo antico (Bari, 1977), pp. 100-107. Para outros pormenores vide MARIA Verrusio, Livio Andronico e la sua traduzione dell'Odisseia Omerica (Roma, reimpr. 1977), e, sobretudo, S. Mariotti, Livio Andronico ¢ la traduzione artistica; saggio critico ed adizione dei frammenti dell’Odissea (Urbino, 1986). “Fa tese, por exemplo, de PIERRE GRIMAL, Le Sidcle des Scipions, pp. 54-56. " Nao deverd esquecer-se, no entanto, que no tempo de Livio Andronico (séc. 1 a.C,) j4 ndio se conservavam todos os poemas do Ciclo pico. Cf. A. Lesky, Geschichte der griechischen Literatur (Bem, 1971). p. 10) (wad, port.: Lisboa, 1995) e R, PruirFER, History of Classical Scholarship (Oxford, Vol. 1, 1968), pp. 73-74. 66 y Aquit Mos, pore . exemplo, dois vers todo 0 valor romano*: “nese a *Prime Antes querem per recer ali mes, ma do que tornar de: sonny S para ‘ados para JUNO do seu povo, Névio tinha consciéncia q aperteigoamento da lingua. O achavam que estava cheio de “ mava-o sem rodeios’: 0 mérito da sua obra Para ; ; . ) Seu epitafio, que jd os Antigo, Orgulho campaniense”, procs. Se fosse lici i i ose licito aos imortais prantear os mortais, as divinas Camenas chorariam o poeta Névio. Depois que foi entregue ao tesouro do Orco, J4 nao sabem em Roma falar a lingua latina. O poeta fala de Camenas, as mesmas rusticas divindades que, como ja vimos, Livio Andronico usara, na vez da Musa homeérica, ao traduzir a proposigao e invocagao da Odisseia. Mas jd Enio faz um apelo directo 4 mitologia grega, logo 10. ao principiar a sua grande epopeia, os Anais": Musas, que pisais aos pés 0 magno Olimpo. * Fr, 46 Strzelecki (Romana, p.1). ° Romana, p. 2. 1.1 (Romana, p. 7). Segundo a hipdtese de E, BADIAN, “Ennius and his Friends” in: Ennius, Entretiens Hardt, vol. Xvi, pp. 193-195, as Musas explicariam a seguir que tal como o patrono do poeta, Marcus edicula que Numa havia consagrado as ido. Cf. fr. 2 Vahlen = 487 Skutsch. se identificavam com as Camenas, Fulvius Nobilior, fizera, ao trazer a Camenas para 0 Mouseion por ele construl 67 E nao 86 isso: 6 ritmo também é importado do grego. Em ver do sattimio, enigmatico metro primitive, cuja escansao tem desafiado a argticia dos especialistas'', ouvimos a onda sonora do hexémetro dactflico a exaltar os feitos dos Romanos. O poeta dé a novidade 0 devido relevo'’: corse OUultos escreveram os factos eM Versos, que outrora cantavam Faunos e vates Quando nem os rochedos das Musas... ..nem havia antes de nés quem cuidasse da linguagem. Nés ousdmos abrir-lhe as portas, Mas, por outro lado, considera-se um descendente espiri- tual, melhor ainda, uma reincarnacio de Homero”’: Pareceu-me ter a viséo do poeta Homero. A sombra do épico grego aparecera-lhe a revelar as suas metempsicoses sucessivas: em pavao, Euforbo, Homero, Pitégoras. " Discute-se ainda se a sua origem é itdlica (como o nome parece indicar), se grega, Para Hordcio, no havia dividas que © “Aspero” saturnio era itdlico (Epfstolas 11,1,157-160 — Romana, p. 204). Os modernos divi- dem-se. Por exemplo, GoRDON WILLIAMS in: The Cambridge History of Classical Literature, ed. J. KEN (Cambridge, 1982), p. 57, inclina-se Para a tese da origem grega; GERBERT KL. Zum Problem des rémischen Saturniers”, Glotta (1993), 81-107, supde que era um metro quantitative € ligado & acentuagao ao mesmo tempo, e tem como mais do que provavel que, sendo uma medida nativa, tenha recebido das maos de Livio Andronico uma certa helenizagdo (pp. 96-97) " VIL125-129 (Romana, p. 8). * Anais, fr. 6 Vablen = 3 Skutsch (Romana p. 7). Os Anais, a que Ovidio havia de chamar “hirsutog enchem-se por vezes de emog4o, quando narram 08 prime, dros augustos de Roma. Embora usando 08 processos liter4ri,, homénoos (epitetos, similes, formulas para descrever 0 anoite. cer ow o rasar da aurora), a coloragao romana nao sty ausente Assim. o simile destinado a sugerir a expectativa trade de um momento dos jogos, presidido pelo consul. — [-speram. tal como quando 0 consul est4 para dar © sanal. ¢ todos olham, 4vidos, para a entrada do cércere, a ver se sai depressa 0 carro das fauces pintadas, assim 0 Povo esperava, € a sua Expresso Mostrava 9 temor. 2 qual dos dois seria dada a vit6ria do grande [reino. O ideal de sabedoria é exaltado, ao mesmo tempo que se prope uma palavra Jatina, sapientia, para traduzir 0 grego sophia”: A, sophia, a gue chamam sabedoria, ninguém 2 viu em sonhos, antes de comegar a aprendé-la. A, ele se contrapée a violéncia da guerra, inimiga das artes € do saber”: Do meio ve expulsa a sabedoria, actua-se pela forga, devprera-ve 0 bom orador, preza-se © hérrido soldado. Combatendo com palavras indoutas ¢ malévolas, entre si ve misturam, Jevantando animosidades: néy dewaliam segundo o dircito, mas antes pelo ferro exiyerm on bens, reclamando 0 reino, vao com forte [violéncia Tristes W259, Anni $50.54 (Romana, p. 8) pais VUAVOA3S) (Romana, p. 9) nails SW AS6A61 (Romana, p. 9) 69 Precisamente 0 elogio do bom orador — que ser4 uma constante da cultura romana — € feito poucos versos mais adiante™: Ao Tuditano juntam como colega 0 orador de fala suave, Cornélio Marco Cetego, de Marco filho ..... - Deste se disse outrora entre 0 povo, os homens que entdo viviam e passavam seus dias, que libara a medula da Persuasio... Na mesma linha ideoldgica € exaltada a prudéncia de Fabio Cunctator"’: Um s6 homem, por dilacGes, restaurou o Estado. Pois nao colocava os boatos acima da salvacao. Por isso cada vez mais brilha a gloria deste varao. Ao tragar 0 perfil do bom conselheiro, a quem Servilio se confiava nos intervalos das suas exaustivas lides guerreiras, Enio parece delinear o seu auto-retrato”: Dito isto, chama aquele com quem muita vez de bom grado partilha, afavel, a mesa e as conversas sobre as suas coisas, quando, cansado, de a mor parte do dia dirigir os altos assuntos, de dar conselhos no Forum e no Senado veneravel, com ele falava livremente de grandes e pequenas coisas, brincando e deixando correr 0 caudal do bem e do mal, quando queria, e levando-o a porto seguro; com ele falava a ocultas e as claras do que lhe aprazia; * Anais VUN.169-174, * Anais X11.200-202 (Romana, p. 10). * Anais V1I.136-153 (Romana, p. 9). - /Q) “ANACIOF, 4 c ® proceder fiel vonvencem Wem nenhumas palavras omer douto, Mal, neja ligeiro ou Braves que tem, feliz, fing, nM, facundo, contente com 0 4 de poucas fino, falande a feu tempo, benevolente, ho, sepultadas Palavras, Sabendo muitas coisas de antanl novos, Pelo tempo; ¢ Sabendo costumes velhos nado, AS leis de muitos deuses e homens do vavira visado, capaz de dizer ou calar 0 que ouvira. i A este homem Numa pausa do combate, assim se dirige 1. is [Servilio, Os caminhos do aprego pela supremacia intelectual €stig ‘ragados. Embora tenha side morosa a sua acettagdo pleng Pela sociedade romana, este valor nado mais cessard de se afir. Mar. A terceira €m data das epopeias latinas, aquela ue Vasava j4 em Moldes gregos 0 elogio repetido dos feitos dos Romanos, mostrava como esse ideal se podia fundir com Virtus nacional?', —_—_ *' Um fragmento dos Anais (X11.205 — Romana, p. 10) Pe em evidén. cia o orgulho da cidadania romana, h4 Pouco adquirida: N6s, dantes Rudinos, somos agora Romanos, De resto, a origem e o patronato do cénsul Marcus Fulvius Nobilior, que Enio acompanhou a Etélia e a quem celebrou, sao dos poucos dados aceites por um especialista como E. Bapan (na obra citada na nota 10, a Pp. 153-156), o qual rejeita, Por exemplo, a informacao de Comélio Nepos (Catdo 1.4) de que foi o Censor que encontrou Epj para Roma, e a de Cicero (Wefesa de , de tua do poeta estava no timulo dos Cipides. O Mesmo Cicero (seule re 3) refere que Catéo, num discurso, censuroy Marcus Nobiliog ter levado nio consigo para a Etdlia. Por Outros especialistas, como H. p, Joceryy, : 5 pp. 43-44) e O. SkUTSCH (The Annals of p, pees Th Ried of Ennius, uma tradi¢éo que, embora por Vezes, imprecisa, eats be » ACeitam de novo no fundo concordante, m 71 BIBLIOGRAFIA Gn 4: BrocciA, Ricerche su Livio Andronico (Padova, 1974), pp. 109-116. K. BOcuner, “Livius Andronicus und die erste kiistliche Ubersetzung der europiischen Kultur”, Symbolae Osloenses 54 (1979), 57-70. Pierre GRIMAL, Le Siecle des Scipions (Paris, 71975), cap. 2 e 4. H. D. Jocetyn, Ennius: Fragments (Cambridge, 1967). Introdugao. A. Costa RAMALHO, artigos “Névio” e “Enio” na Enciclopédia Verbo XXI. Otto Skutscn, Studia Enniana (London, 1968). Orro SkuTscu, The Annals of Quintus Ennius (Oxford, 1985), pp. 1-8. Otro ZWIERLEIN, “Der Ruhm der Dichtung bei Ennius und seinen Nachfolgern”, Hermes 110 (1982), 85-102. Ennius, Entretiens Hardt, Vol. XVII (Genéve, 1971). Especialmente 0 artigo de E. BapiAN, “Ennius and his Friends”, pp. 149-208. O TEATRO a) As origens Em qualquer povo, as origens do teatro sao sempre obscuras e confusas. Nao admira, por isso, que, quando Tito Livio' quis dar a sua versdo dos primérdios dos jogos cénicos, tenha composto um texto do qual anda arredada a clareza. Efectivamente, ao referir uns jogos cénicos realizados em 364 a.C. para afastar a peste, declara que esses jogos con- stavam de umas dangas, ao som da flauta, executadas por bailarinos mandados vir da Etriria, “sem versos nenhuns, sem ac¢do baseada num texto”. Um bailarino chamava-se em etrusco ister, de onde veio aos actores 0 nome de histrides. Entretanto, aquela prdtica tinha-se desenvolvido, com 0 acrescento de “gracejos em versos toscos, sem que os seus movimentos estivessem em desacordo com a voz”. Mais tarde, abandonam os versos semelhantes aos fesceninos; passam a representar “saturas cheias de musica, com um canto preparado ao ritmo do flautista e movimentos a condizer”, As pecas com argumento so criagdo de Livio Andronico. A elas parecem ter-se dedicado os actores de carreira. A juventude, essa, torna aos “gracejos entreteci- dos em versos, & maneira antiga”, dando assim origem a VIL.2.1-13 (Romana, pp. 227-228). 73 um tipo de versos que depois se ligaram as origem osca. ; Ha, portanto, duas espécies de divertimentos, uns espon- taneos, de amadores, outros importados e profissionais’. A mengio dos versos fesceninos (talvez de Fescennium, cidade etrusca) no anda longe da Fescennina licentia, que Horacio refere num passo célebre das suas Epistolas (11.1.139-163), ao descrever os entretenimentos dos lavra- dores, na festa das colheitas, em que proferiam, alternada- mente, “injirias rusticas”. Esses excessos acabaram por ser corrigidos por lei, de molde a que a festa voltasse a ser uma distraccao inofensiva. Depois da Segunda Guerra Ptinica — continua — os Romanos voltaram-se para a Grécia e come- garam’ atelanas, de ... a indagar que lhe trariam de titil Séfocles, Téspis, Esquilo. Experimentou, a ver se podia traduzi-los dignamente: isso Ihe aprouve, a ele que era por natureza elevado e [rigoroso. Dos jogos etruscos podemos hoje fazer uma ideia através de pinturas tumulares, nomeadamente da “Tomba delle Bighe”. De alguns termos téc- nicos do teatro, como persona (‘mascara’), se pensa que seriam uma defor- mado etrusca do grego prosopon (mesmo sentido). O mesmo teria aconte- cido com skene, auloidos e histor, que referimos acima, a Propésito da origem de ‘histrido’ (sobre estas etimologias, vide O, SZEMERENYI, “The Origins of Roman Drama and Greek “Tragedy”, Hermes 103 (1975), 300- “Uma coisa € certa: Roma conhecia o drama antes de Livio Androni introduzir pegas gregas em latin”, escreve T. P. Wiseman, “Roman Legend and Oral Tradition”, Journal of Roman Studies 19 (1989), p. 137. Horacio, Epistolas 1.1. 162-165 (Romana, p. 205), ico - ” O teatro literério, digno desse nor £ me, comeca, com as imitagdes do grego. embora continuassem - : em a formas secundarias, como a atelana e o mimo Sths;, b) Os Jogos E interessante notar que este teatro artistico apare como mais uma iguaria nos Jogos oferecidos ao pablico aa cidade ou por simples particulares, ao lado de especticyip, de circo, gladiadores, funambulistas, pugilistas — e por vez», em dificil competi¢ao com estes. Disso se queixa Teréncio 1, primeiro prdlogo de uma das suas comédias*: Heécira é 0 nome desta pega. Quando a estrearam, estreou-se com ela uma desgraca e uma calamidade, de modo que nem péde ser vista nem conhecida, de tal maneira 0 povo, embasbacado com um equilibrista, s6 dele quis saber. Esta agora € toda ela como nova. A Hécira (‘A Sogra’), segundo informa a didascdlia, fora levada a cena pela primeira vez nos Ludi Megalenses se 165 a.C., sem conseguir chegar ao fim; da segunda vez, 20 Jogos funebres de Paulo Emilio, em 160, sem éxito; ¢ 8° 4 terceira vez, nos Ludi Romani desse mesmo ano, logrou ser aplaudida. Nos Ludi Meg. o Eunuco e 0 Heautont Castiga a Si Mesmo’), do mesmo autor. alenses se estrearam também a Andria. imoroumenos ((O Homem Que Se As outras duas come ‘ Hécira, Prologo | (Romana, p. 15). 75 dias que deixou foram, uma o Formido, representada nos Ludi Romani, e outra, Os Adelfos (‘Os Irmaos’), nos jogos funebres de Paulo Emflio, Esta pequena amostragem das ocasides de representagao ja nos familiarizou com os dois tipos de Jogos acima referi- dos: ordinarios ¢ extraordindrios. Entre os primeiros, além dos citados Ludi Romani, os mais antigos, e dos Ludi Mega- jenses (em honra da Magna Mater), organizados uns e outros pelos edis curuis, contavam-se ainda os Ludi Plebei, a cargo dos edis da plebe, e os Ludi Apollinares, promovidos pelo pre- tor urbano. Ficavam distribuidos ao longo do ano, sendo os primeiros em Setembro, os segundos em Abril, os terceiros em Novembro e os quartos em Julho. No segundo grupo, contavam-se 0s jogos votivos (em execucao de um voto feito por um magistrado em nome da cidade); triunfais (a acom- panhar uma cerimé6nia de triunfo); ftinebres (como os realiza- dos nos funerais de Paulo Emilio, ha pouco referidos): e dedicatérios (para consagragao de um edificio publico)*. c) Os edificios Levou tempo a que 0 austero povo romano admitsse a ideia de que o teatro é uma actividade civilizada. Em 155 a.C., uma primeira tentativa de lhe dar continuidade, a * Cicero contava os jogos cénicos entre as ocasides onde o povo se manitestava, e refere o que sucedeu @ seu Tespeilo com o aproveita mento, pelos actores, de tiradas de Accio, Enio e Afranio para ¢ defender, com grande aprazimento da assisténcia (Defesa de Séstio L. 100 © LV. 148 ~ LVI. 123) 7 > edificagdo de um teatro de pedra, recebe logo das autor. dades ordem de demoligaéo. S6 em 55 ac. foi Mandady executar, por Pompeu, o primeiro edificio permanente. No tempo de Augusto erigiram-se 0 de Marcelo (Fics. 5 © 6) (de que se conserva grande parte) e o de Balbo. o funcionaments simultaneo dos trés est4 documentado em Séneca’. 76 Fic. 5 — TEATRO DE MARCELO, Roma. Estado actual. Pode dizer-se, no entanto, que a lentid’o em acolher esta forma de arte foi compensada pela difusao que dela se fez, uma vez aceite. Quase pode afirmar-se que nado ha cidade ° Da Cleméncia 1.9.1 77 romana, por mais longinqua que seja, que nao tenha o seu teatro’ (FIG. 7). E nao deve esquecer-se que a gran- diosa construgao, formada pelo anfiteatro (cavea) e 0 palco (scaena) apresenta uma grande novidade em relagd4o ao FiG. 6 — TEATRO DE MARCELO. Roma. Reconstituigao. Na antiga Lusitdnia, conservam-se as imponentes ruinas do de Ménda. Sobre o da antiga Olisipo, vide JoRGE DE ALARCAO, “O teatro romano de Lisboa”, Actas del Simposio El Teatro en la Hispania Romana (Badajoz, 1982), pp. 287-302. Deve observar-se, contudo, que estes editicios podiam ser utihzados Para espectaculos nao-dramaticos. 78 modelo grego: a edificagdo deixa de estar encostada a uma colina, para se tornar um monumento independente. Tecnj. camente, a novidade é propiciada pelo desenvolvimento da ab6boda, que permite a formagado de longos corredores semi-circulares sob as bancadas. Continua, porém, a ser des- coberto. Um enorme toldo (velum) protegia os espectadores da ardéncia do Sol*. Se mesmo antes destas construgGes permanentes, mais concretamente, no tempo de Plauto, os espectadores tinham Fic, 7 — Teatro DE OsTIA. Edificado em 12 a.C. e ampliado em 196 d.C “ O nosso mais antigo informador & Lucrécio IV.75-83, que refere as cores usadas: amarelo, vermelho e ptirpura (segundo a interpretagdo de Munro apud C. Batey, T. Lucreti Cari De Rerum Natura Libri Se* (Oxford, 1947), vol. II, p. 1189). 719 ou nao lugares para se sentarem, foi durante muito tempo motivo de acesa controvérsia. Tao longe foi ela que RITSCHL, por exemplo, se fundava em tal impossibilidade para dar como apscrifos os prdlogos plautinos, por se referirem a lugares’. Actualmente, porém, aceita-se a hip6tese, tanto mais que ha nove referéncias em diversas comédias de Plauto, todas fora do prdlogo, que mencionam a existéncia de sitios para a assisténcia. d) As representacdes Dissemos h4 pouco que era novidade romana 0 edificio teatral isolado. Devemos acrescentar que nao foi a Unica, pois hd outra, que € o pano de cena (aulaeum), cuja existéncia se encontra documentada a partir de 56 a.C., num texto de Cicero”. Por esse € por outros autores, ficamos a saber que 0 pano de cena funcionava ao contrario do nosso, isto é, era subido a partir do chao". Assim, baixava-se no come¢o do espectéculo e subia-se no final. O cen4rio era geralmente formado por um altar e trés portas, que seguiam uma rigida convencao herdada do teatro * Cf. Anfitrido 66; Os Cativos 10-14; O Cartaginés 19-24 (Romana, pp. 3-4). " Defesa de Célio 27.65. Donato (De Com, 12.3) diz que este metho- ramento foi inaugurado em 133 a.C. O método moderno de levantar 0 pano para mostrar a cena parece datar do séc. II da nossa era (cf. F, H. SANDBACH, The Comic Theatre of Greece and Rome, p. 115). . " Sobre o aulaeum, vide W. Beare, The Roman Stage, appendix EB, The Roman Stage Curtain’, pp. 257-264. — oy 80 grego: a da esquerda conduzia ao porto Ou ao Campo, a rn direita A cidade ea do centro ao interior da casa, Uma série de funciondrios velava pelo espectaculo, Assim, © empresario (dominus gregis) tinha actores thistriones, can fores), que constituiam a caferva OU a grex, 0 Choragus, responsavel pelo guarda-roupa ¢ pelos ornamenta. Um pre. goeiro (praeco) tinha a missao de impor siléncio par, comegar 0 espectéculo”’, um dissignator fazia as vezes dy pens r=) Museu Nacional de Napoles. " Tarefa nada facil, a avaliar pelo adeste cum silentio de O Homer day Trés Moedas, de Plauto, v, 23, & pelo prologo de O Cartaginés, 4° mesmo autor | Estampa I ~ Actores e flautistas, Mosaico de Pompeia. Sée. 1 | t | | i 81 moderno arrumador € os conquistores mantinham a ordem Nem a “claque™ faltava, a avaliar pelas jocosas alusoes de Plauto no prologo do Anfitrido (67-68). Um rigido convencionalismo, também herdado do teatro grego, regulava 0 uso de trajes e mascaras, denunciando pela cor e forma a idade e condigio social da figura em cena. Assim, a cabeleira branca distinguia os velhos, a preta os jovens, ao passo que os escravos a tinham ruiva'’. O adoles- cente trazia um manto de cor brilhante (como a purpura), as cortesas vestiam tunica comprida, cor de agafrao, 0 alcoviteiro um traje multicor. Um soldado trazia naturalmente como atributo a espada, e também um manto curto e um chapéu (petasus) na cabega. Com estes exemplos, deslizdmos insensivelmente para a comédia, que conhecemos muito melhor do que a tragédia, embora tanto um género dramético como o outro derivem essencialmente de modelos gregos. " G. E. Duckworth, The Nature of Roman Comedy, p. 89, cita dois passos de Plauto que apoiam esta ultima afirmacdo: Comédia dos Burros 400 e Pséudolo 1218, além de um de Teréncio (Formido 51), considerando-os, no entanto, insuficientes para documentar esta pratica. Quanto as m4scaras, h4 duas teses principais: a que coloca 0 seu uso 86 depois de Teréncio e a que o admite desde os primérdios. Argumentos validos a favor da segunda hipétese sto a existéncia de uma Personata de Névio ¢ a referéncia de Sésia & imago nos versos 458 3q. do Anfitrido de Plauto, DuckwortH, que analisa exaustivamente a questo, conclui com prudéncia: “o problema pode no ser nunca resolvido, mas as probabili- dades favorecem o seu uso desde 0 perfodo mais remoto do drama romano” (op. cit., p. 94), Veja-se ainda o artigo de J. C. Dumonr, “Cogi in scaena Ponere personam”, Revue des Etudes Latines 60 (1982), 123- aceita 4 antiguidade desta pritica. 127, que Daf resulta que os trajes usados tamhéy; origem, donde a designagao de fabula Pallia que as personagens, por serem gregas, vestiam helénica, o pallium. Nos dominios da tragédia, a 1 nacionalizagao de Névio reflecte-se no traje, aa na a toga bordada (praetexta) dos magistrados oad resulta a denominagado de fabula praetexta', Tenta : tica veio a ser feita, ao que parece, por Titinio (que idép. gam contempordaneo de Plauto, outros sucessor de Tea ju em relagdo 4 comédia. Utilizando temas e figuras onion ter-se-ia assim criado a fabula togata. Ambas as ae deixaram fracos vestigios. Quando falamos em teatro lt as € a palliata que nos referimos geralmente. mo, M tinh, ta, on «, ia aM 9. a * ey aneipg ativa de ASSa ay ¢ S. de o, e) A Comédia A afirmagao anteriormente feita podia ainda precisar-se do seguinte modo: quando falamos em teatro latino da época republicana, é 4 comédia de Plauto e de Teréncio que nos referimos; quando aludimos ao da época imperial, pensamos nas tragédias de Séneca. De toda a restante produgao, em qualquer das épocas, apenas se conservam fragmentos. “O primeiro exemplo, 0 Clastidium, € de 208 a.C. Talvez tenha havido mais quatro ou cinco. A fabula praetexta punha em cena episodios histéned Haguert L. Flower, “Fabulae praetextae in context when were ng on contemporary subjects performed in republican Rome ie ae Quarterly 45 (1995), 170-190, conclui que “as practextae sobre eS temporaneos seriam escritas para um determinado patrono Aum T especifica, provavelmente /udi especiais, quer fossem ludi mage quer jogos para celebrar a dedicagdo de um templo 83 Ora, no caso de Plauto e de Teréncio (0 segundo nascido pouco mais de meio século depois do primeiro), embora este- jamos longe de ter as obras completas, conhecemos um certo mimero de comédias inteiras (vinte, e restos de mais uma, quanto a Plauto"; seis de Teréncio), muitas das quais expres- samente declaram no prélogo serem versdes de originais gregos. Assim, a Comédia dos Burros afirma provir de Dem6- filo; a Cdsina, de Dffilo; O Mercador e O Homem das Trés Moedas, de Filémon'"’. Das seis pegas de Teréncio, s6 uma, o Formido, nao é imitada de Menandro, mas sim de Apo- lodoro. Os dois exemplos mais nitidos de Plauto falam de tradugao: Philemo scripsit, Plautus vortit barbare. (Filémon escreveu, Plauto traduziu em lingua barbara.) (O Homem das Trés Moedas 19) Demophilus scripsit, Maccus vortit barbare. (Deméfilo escreveu, Maco traduziu em lingua barbara.) (Comédia dos Burros \1) * & Antiguidade chegou a atribuir-Ihe cento e trinta pegas. Porem, Varrao distinguiu vinte e uma auténticas e dezanove duvidosas, das noventa restantes, que considerou apécrifas. Chegou até nés © primeiro grupo (embora falte o final da Comédia da Panela e s6 haja fragmentos da Comédia da Mala), por isso mesmo chamado o das pegas varronianas. De Teréncio, temos as seis que compés antes da viagem A Grécia, onde fot aperfeigoar-se, e teria efectuado tradugdes de mais de cem pegas, que se perderam num naufragio. “ Outras dizem apenas 0 nome em grego, como O Soldado Funjurrc: © O Cartaginés &4 Cicero, referindo-se as comédias latinas arcaicas, qualj. fica-as de versio literal” e, mais adiante, diz que nao se propée fazer uma simples tradugao de Platao e de Aristoteles, “como OS NOssos poetas verteram as pegas’ O prélogo de Os Adelfos de Teréncio em pouco melhorg a questiio, ao esclarecer que Plauto havia tirado uma pega sua de outra de Dffilo, mas deixara intacto um passo do qual ele, Teréncio, extraira uma cena da sua comédia, que, portanto, era nova. O de O Homem Que Se Castiga a Si Mesmo con- firma que 0 autor contaminou muitas pe¢as gregas para fazer uma latina, e continuard usar 0 processo”’. Os modelos sio, como vimos, todos extraidos da chamada Comédia Nova grega, sobretudo dos seus trés maiores repre- sentantes: Menandro, Filémon, Difilo. No entanto, nao tem escapado aos criticos que a diferenga bem marcada entre os " Fabellas Latinas ad verbum e Graecis expressas (‘pegas latinas, tiradas das gregas palavra a palavra’) — Dos Limites Extremos 1.2.4 (Romana, p. 51). Cf. Teréncio, Os Adelfos 11: verbum de verbo expressum extulit (‘tirou cada palavra uma da outra’). No entanto, pelo menos no que toca as tragédias, o mesmo Cicero aponta diferengas entre o modelo grego e a imitagao latina, quanto a um trecho de Séfocles traduzido por Pactivio (Tusculanas 11.21.49) ow esclarece que Enio, Pactivio, Accio e muitos outros transmitiram nao as palavras, mas 0 sentido (vis) dos poetas gregos (Académicas 1.3). '* Dos Limites Extremos 1.3.7. ‘’ A extensao do uso da contaminatio, ja praticada por Névio, Plauto e Enio, segundo escreveu Teréncio no prélogo da Andria (v. 18). € outra das quest6es mais discutidas da histéria do teatro latino. Para alguns, como BRUNO GeNnTILI, Lo spettacolo nel mondo antico, a coP- taminagao, bem como os canticos, que muitos tém como novidade romana, derivariam do drama helenistico. A hipétese nao é, por oF comprovavel, as dois comedidgrafos latinos. apesar de partirem de modelos eemelhantes, abre certo crédito a originalidade Se dispuséssemos desses modelos, a solugdo seria sim ples. Mas, embora se tenham recuperado nos tltimos decénios uma pega completa e partes muito extensas de mais duas”’ de Menandro, 0 certo é que nao tlivemos ainda a sorte de encon trar uma das que serviram de original aos Latinos, a nao ser umas cscassas dezenas de versos das Baquides de Plauto que correspondem a parte do Duas Vezes Ludibriado, de Menandro. recuperada em 1968”. © Trata-se, respectivamente, de O Discolo, A Muther de Samos © Excudo a que poderiam juntar-se fragmentos considerdveis de outras. Sobre as possiveis ilagdes a tirar deste confronto, veja-se FH. Sanppack, The Comic Theatre of Greece and Rome, pp. 128-134, que con- lui por supor uma grande liberdade de adaptagio por parte de Plauto, © nda EW. Hanptey, Menander and Plautus. A Study in Comparison (London. 1968) (traduzido para alemio e incluido na colectnea Die romische Komédie: Plautus und Terenz (Darmstadt, 1973), pp 249-276. © artigo, mais recente, de E. LEFEVRE, “Plautus-Studien. Hl. Die Brief intrige in Menanders Dis Exapaton und ihre Verdoppelung in den Bacchides”, Hermes 106 (1978), 518-583, encontra uma reduplicayio de énitos. por parte do escravo Siro, que nao estaria no original. © mesmo F. Lurevre ¢ discfpulos (entre outros) tém experimentado diversos caminhos no sentido de descobrir a chamada “autonomia dramatic de Plauio. Assim, E. SYARK publicou o livro Die Menaechmi des Plautus und kein yriechisches Original (Tubingen, 1989) ¢ 0 mesmo estudioso, jun- tamente com F Lerevke e G. Vout-Seira, editou Plautus Barbarus: Sechs Kupueln cur Originalitat des Plautus Tubrogen, 1991). As seis pegas analisadas (A Comédia do Fantasma, Persa, A Comédia dos Burros, Estico, U Gorgullio © O Traculento) sao submetidas & analogia com a conunedia dell'arte Quusv grande especialista, J.C. B. Lowe, ao tecensear esta ultima obra no Journal of Roman Studies 89 (1993), 196-197, Comeluis “Nao podemos ter a certeza de que técnicas semelhanies ndo tossem usadas por wnjussuoy 7 ‘eiuoidwas wnaq snowod poqiseg eiA CAON SeA sep opeuBes enbsog sieison sebhuy selo7 sep eseg CInTIrItn PISO A. ap oidwo1) vitan & Mayo OD LId VD aipigguo} 4 ep ojdwa ay 4, wa Bonseg BPURAW Ul 0duesn07 '§ Planta do Forum Romanum. Mapa IV w/ Sendy aati. temo de noe Tinie a pieunit tie beleren clas 2 COSTER OU TRSTTUT Hee regia OH Hani 4 pier manéneia do modelo ote o retoqie do ndiapiider Por exemplo, quando se fal nie Panateneiis (O Men adi) ou no casaMmento entre eserAvoN (Oddi) Gn quand oe apresenta a danga cone un predicndo (O Saldade banfarda) nao duvidamos de que tudo isso estava no original Calis, « Casina acentua a estranheza do costume, pata nig escan dalizar a assisténcia), Mas quando se alude ao mode de liber tagao dos escravos (O Soldado lanfarrdo), so Caplio (O Rustico, O Gorgulho) ou wo Senado (Comédia da Caicinha) ou ainda a planta da casa romana (O Soldado banfarraa, Comédia do Fantasma), nio pode deixar de ter havide adap tagdo. O caso mais nflido é 0 de uma parte de O Gorgulha, no comego do quarto acto, onde se encontra uma longa tirada dita pelo Choragus, que, se formalmente nao é uma para base”, & moda da Comédia Antiga grega, nao deixa de o ser pelo contetido. Efectivamente, a ilusio dramatica € que brada, ¢ uma figura estranha ao entrecho, 0 Guarda-Roupa, dramaturgos da Comédia Nova, na sequéncia da dramaturgia variavel da Comédia Antiga. Além disso, surge muitas vezes a questio se Plauto criou tanto a acg4o como o didlogo de uma cena ou simplesmente transformou um nicleo de acg%o herdado, Na falta de um nove papiro, a andlise extru tural é a nossa Gnica esperanga” (p. 197), Acrescentemos que as alirmagoes de Cicero, citadas na p. 84, dificilmente podem ser contraditadas ” A investigagio mais notével neste dominio ainda continua a yer 0 livro de Epvarp FRAENKEL, Plautinisches im Plautus (Berlin, 1922; trad. it aumentada: Elementi Plautini in Plauto, Firenze, 1960) ” A tradugio deste passo encontra-se em Romana, pp. 5-6 A pardbase revestia uma forma metricamente muito definida Cf Volume I destes Estudos (Lisboa, 1998), pp. 467-468 © nota | 88 fala da actualidade citadina. descrevendo os frequentadorey do Forum Romanum, e isto numa pega que decorria em Epidauro... A marca de origem encontrou-a brilhantemente 9 mprego do verbo commostrabo, nO verse PROF. FRAENKEL no €| 467, equivalente do epideixo grego que aparece eM Situacées que Plauto substituiu aquj semelhantes™. O que leva a supor uma revista de actualidades localizada na Grécia por outra de sabor romano. E 14 aparecem os varios sitios do centro de Roma: 0 comitium (470) € 0 templo de Vénus Cloacina (471): a Basflica® (472), 0 forum piscarium (474), 0 forum > De Media et Nova Comoedia Quaestiones Selectae (' Gottingen, 1912), pp. 98 sqq. Este trabalho pés termo a discussao sobre a antiguidade do passo. Para uma interpretacdo diferente da insergdo desta cena. vide F. H. SANDBACH, The Comic Theatre of Greece and Rome, p. 114. A questo tornou a ser reformulada em dois artigos de ERIc Csapo, um intitulado “Is the Threat-monologue of the ‘servus currens’ an Index of Roman Authorship?”. Phoenix 41 (1987), 399-419, e outro “Plautine Elements in the Running Slave Entrance Monologues”, Classical Quarterly 39 (1989). 148-163. Neste dltimo, trata com certo desenvolvimento o passo de O Gorgulho e, embora reconhecendo que 0 livro de FRAENKEL. Plautinisches im Plautus, permanece a obra de investigag4o mais autorizada no campo da comédia latina, pde em causa a maioria das provas aduzidas como nov" dade do texto romano. Sobre a possivel originalidade de outros passos desta comédia, veja-s ainda LUCIENNE DESCHAMPS, “Epidaure ou Rome? A propos du Curculio de Plaute”, Platon (1980-1981), 144-177. “As dificuldades de identificagio desta Basilica sdo grandes. pols # primeira foi 4 Pércia, inaugurada no ano da morte de Plauto [ct. ETTORE Pakarore, Plauto: Curculio (II Gorgoglione) (Firenze, 1958). pp 18-19} Sobre todo este passo, vejam-se também os comentarios de JEAN CoLLarT na sua edigao de O Gorgutho na colecgao “Erasme” (Paris, 1962) € &S de WaLtek DE MEDEIROS na sua tradugdo anotada da mesma pega (Centre Fstudos Clasicos ¢ Humanisticos da Universidade de Coimbra, ‘1986)- 89 infimum (475), 0 Lago Ctircio (477), as antigas lojas (480), 0 templo de Castor (481), 0 Vicus Tuscus (482), que ligava 0 Forum Boarium ao Tibre, 0 Velabrum (483). No verso 476 fala-se de um canal, que se sabe veio mais tarde a ser coberto. transformado no tempo de Augusto, até dar a Cloaca Maxima. Afastadas as dificuldades que de inicio levantou uma atitude hipercritica, esta “pardbase” de O Gorgulho € hoje um texto de referéncia indispensdvel para a arqueo- logia do Forum Romanum (Fic. 8) na segunda metade do séc. Hac. Ainda nesta comédia, merece especial referéncia a cena III do Acto II, em que o parasita, numa imitagao burlesca do motivo do “escravo acodado” (servus currens), tao frequente na comédia antiga, faz uma diatribe contra isti Graeculi palliati, que andam de cabega tapada, com livros e cabazes, a discutir e a impedir 0 caminho, com as suas sentengas, € a gastar o dinheiro alheio nas tabernas — numa caricatura dos Gregos decadentes e mal vistos (mas cultos), que enxameavam as ruas de Roma. No séc. I a.C., a visio dos Graeculi nao tinha melhorado, a avaliar pelas palavras de Cicero numa carta ao irmao**. O Soldado Fanfarrao, partindo de um modelo declarada- mente grego, como € 0 da figura que lhe da o titulo — figura que, alias, é frequente em Plauto” — refere factos da actuali- dade, como era a prisdo de Névio (vv. 211 sqq.), e parece aludir 4 supressdo das Bacanais no v. 1016. O impluvium da * Cartas ao Irmdo Quinto 1.15.16 (Romana, p. 67). ” Em nada menos de cinco outras pegas ela surge, sempre com nomes que sio compostos gregos (excepto na terceira, onde permanece inomi- mado): Baquides, O Cartaginés, Epidico, O Gergulho, O Ristico. 91 casa romana tem grande Papel na conducgao d. libertagao do escravo também se efectua a maneir: y A Comédia da Panela passa-se em Atenas Maz pee a é dito pelo Lar Familiar. E, a certa altura (v. 107) 50 Prologo que € 0 protagonista da pega, declara que vai a distribuicao de dinheiro prometida pelo magister a intrigae a igdo de heir : curiae”, nao va a sua auséncia levantar suspeitas de que tenha encontrado algum tesouro. E ameaga, em dada ocasiaio (v. 416), apresentar queixa aos trisviros, Os fresviri capitales que estavam as ordens do pretor urbano para prender os acusados. A prodigiosa riqueza verbal e variedade de ritmos eram, sem duvida, os grandes atractivos de Plauto, a juntar a sua veia cémica. Todos eles faltam em Teréncio, que nem sequer se deu ao trabalho de traduzir os tftulos, mas, no entanto, era capaz de exprimir num latim elegante as complexas e variadas reacgGes psicolégicas das figuras da comédia de costumes. Lembremos novamente que Teréncio era uma das pessoas que gravitavam no Circulo dos Cipides, e, segundo as mas linguas da época, Cipiao Emiliano seria mesmo 0 verdadeiro autor das suas pegas. O simples facto de esta * V. 961. O senhor tocava com a vara no escravo, na presenga do pretor. Também no v. 648 Periplectémeno diz que nasceu em Efeso, ¢ ndo em Anjmula, na Apulia, terra considerada de gente pouco inteligente. Sobre ambos os passos, veja-se a tradugiio comentada de CARLOS ALBERTO LOURO Fonsica de O Soldado Fanfarrdo (Coimbra, *1987). / »” Otitulo de magister (curiae) aparece numa inscrigho encontrada perto de Ténis (CIL VIL. 14683), segundo retere BE. J. THomas, £ Macc! Plauti Aulularia, Oxford University Press, reimpr. 1933, ad lecwn, O mesmo trata de uma adaptagao do grego demarchos, & Deveres Ul. 18.64, waduziu por curiales comentador supde que se mesma palavra que Cicero, Dos 9? Je rebate NO prologo de O Homem Que Se ser possivel tem ja um grande Signif; ra suficientemente cult, suposigao — que ¢ Castiga a Si Mesmo » de Cartago © © conquistador de Cartage perfeito, ¢ a ocupagao Nao pare. chefe militar — 0 que nao seri, cado: : para se exprimir num latim cia indigna de um grande c aceitavel no século anterior”. Note-se, porém, que a tend sentido de atribuir a Teréncio um pal ad a Lingua latina a Attica elegantia™. {éncia actual da critica vai no pel fundamental na apro. ximagio di f) A tragédia As tentativas de aclimatagdo da tragédia grega tinham prosseguido quase paralelamente. Um pouco anterior a Terén- cio é Pactivio, sobrinho de Enio, a quem Horacio qualifica de doctus*; ao passo que Accio ja se situa na segunda metade do séc. a.C. Este ultimo compés, ao lado de pegas de entrecho grego. pelo menos duas praetextae, uma intitulada Brutus, que punha em cena 0 antigo fundador da Reptblica, e outra A tradigdo era conhecida de Camées, que escreveu no final de Canto V de Os Lustadas (96,4-8): O que de Cipiao se sabe e alcanga F nas comédias grande experiéncia, Lia Alexandro a Homero de maneira que sempre se lhe sabe A cabeceira. Ch 7 “7 isi : , 1 GusctipRo Canout, “Zur Helenisierung Roms: Cato und Teren2”> Wiener Studien 105 (1998), 69-83 - Epistolas WAS6 93 Decius. FE dele a famosa réplica tantas vezes lembrada, para definir um tirano: Que me odeiem, conquanto me temam, (Atreu) E estoutra sentenga: Nao € 0 nascimento que dé lustre ao homem; € 0 valor que [dele faz as vezes. (Diomedes) Mas 0 género, embora langado, como ja vimos atras”’, ao mesmo tempo da comédia, por Livio Andronico, Névio e Enio, nao cria raizes. Em todo 0 tempo que se seguiu, apenas ouvimos falar, com grande admiragiio, da perdida Medeia de Ovidio. Do seu contemporaneo Vario, amigo de Virgilio e de Horacio, e de outros menores, nada temos. E é preciso chegar a Séneca para voltarmos a ter tragédias, das quais se duvida se se destinavam, sequer, a representaco no teatro. BIBLIOGRAFIA Ricard C. BeacHaM, The Roman Theatre and its Audience (London, 1991). W. Brake, The Roman Stage. A Short History of Latin Drama in the Time of the Republic (London, 1955). Gtorce EB. . DuckwortH, The Nature of Roman Comedy, A Study in Popular Entertainment (Princeton, 1971). ” Vide supra, pp. 63, 82 ¢ nota 14 os 94 EDUARD FRAENKEL. Plautinisches im Plautus (Berlin, 1922 “+ Tim, Hildesheim, 2000; trad. it, aument.: Elementi Plautin; in Pia itd 1 e ' Firenze, 1960). Prerre GRiMat, Le Thédtre Antique (Paris, 1978), cap. VI. Vile VU tras port.: O Teatro Antigo, Lisboa. 1986). Bruno Gent, Lo Spettacolo nel Mondo Antico (Bari, 1977), FRANCISCO DE OLIVEIRA, “Teatro e Poder em Roma”, Actas do Congress, As Linguas Classicas. Investigacdo e Ensino (Coimbra, 1993), 121 h4y FRANCISCO DE OLIVEIRA, “Aculturagdo do Teatro em Roma”, Mathe sis) (1993), 69-90. Errore Paratore, Storia del Teatro Latino (Milano, 1957). ErToRE Paratore, Plauto (Firenze, 1961). FH. Sanppacn, The Comic Theatre of Greece and Rome (London, 1977 trad. it: 1! Teatro Comico in Grecia e a Roma, Bari, 1979), E. STARK, Die Menaechm ni des Plautus und kein griechisches Origins (Tubingen, 1989), A POESIA LIRICA: CATULO Da adaptagao, ou melhor, da assimilagao de formas e modelos literdrios gregos, pudemos fazer uma ideia até aqui, através dos primeiros cultores do género épico e do dramatico, Um outro género literario em que o paradigma helénico tinha muito que ensinar, a Ifrica, fez a sua entrada mais tarde, e novamente pela via da tradugao. Com efeito, é de Lutacio CAtulo, cénsul em 102 a.C., a mais antiga versao de um poeta alexandrino — Calimaco'. Antes de prosseguirmos, teremos de nos deter um pouco, a fim de recordar que, tal como, no teatro cémico, se tinham ido buscar modelos, nao a época classica, mas ao periodo mais recente, como Menandro, Difilo, Filémon, também na lirica sAo os poetas helenisticos os que primeiramente se impdem a admiragio e imitagao dos Romanos. E, se € certo que dois dos maiores poetas desse periodo, Apolonio de Rodes, autor de uma epopeia erudita, Os Argonautas, ¢ Tedcrito, que elevou a poesia bucélica a género literario, terio de esperar por Virgilio para encontrar ressondncia Alguns apontam, nes e campo também, a primazia de Enio. Assim EpUARD PRAENKEL [Gnomon 34 (1962), 225], que remete para F Leo, Geschichte der rémischen Literaur, 202-211, © S. Mariorti, Lezioni su Ennio, 1951, pp. 104 sqq. 96 para os requintes da sua arte, 0 terceiro grande Tome Calimaco, desde cedo é aclimatado ao génio latino, e durante séculos continuard a ser imitado pelos Maiorey E nao sé Calfmaco, mas também outros poetas de Menor realce, como Euférion (também do séc. It a.C., oy do 4, como sustentam outros) e Meleagro (séc. II-1 a.C.), que : tornou célebre, quer como cultor, quer como Compilador de epigramas’. Ora 0 epigrama (e a palavra € um composto STEZO que literalmente significa ‘inscrigéo’) era uma forma muite cultivada na Grécia desde a mais alta antiguidade, adquirira valor literario a partir de Sim6nides, e, depois dele, quase ndo houve poeta que nao se exercitasse ocasionalmente na arte de exprimir em poucas linhas um pensamento, profundo, novo, ou simplesmente original e inesperado, ou ainda uma invectiva’. Estas caracteristicas tornaram-no 0 modo de expressdo favorito da época helenistica, com Cujo gosto quadrava perfeitamente. Brevidade, concisio, agudeza, serio A sua influéncia na época de Augusto dedicou W. WIMMEL um extensa tese, Kallimachos in Rom, Die Nachfolge seines apologetischet Dichtens in der Augusteerzeit (Wiesbaden, 1960). ‘A primeira grande colecgao de epigramas, por ele publicada, tinha 0 nome de Grinalda, por nela comparar cada poeta a uma flor, Juntamen'e com outras, viria a servir de base 4 monumental colectinea do s : conhecida pelo nome de Antologia Palatina (assim chamada por 0 19° {Wo manuscrito ter sido achado na biblioteca do Conde Palatine. & Heidelberg), “Sobre 0 epigrama antigo, veja-se o artigo respectivo na Encic Jopedia . ea lund Verbo XX1, no qual a parte grega & da nossa responsabilidade ¢ # li da de A, Costa RAMALHO,

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