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ASPECTOS DA EVOLUÇÃO CONCEITUAL E QUESTÕES NORMATIVAS DA

TERRITORIALIDADE NEGRA NO ESPAÇO URBANO.


A TRAJETÓRIA DAS REGULAMENTAÇÕES JURÍDICAS RELATIVAS ÀS
QUESTÕES ESCRAVOCRATAS E SUA INADEQUAÇÃO TERMINOLÓGICA.
Michelle Farias Sommer
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

A compatibilização entre a evolução conceitual das terminologias empregadas para caracterização


das áreas remanescentes de quilombos à trajetória das regulamentações jurídicas relativas às
questões escravocratas contribui para o reconhecimento e regulamentação do uso da terra por
comunidades negras descendentes de afro-brasileiros conforme prevê a Constituição de 1988.
Uma questão fundamental precede a legalização da propriedade de terras de comunidades
camponesas negras nascidas antes ou após a Abolição da Escravatura: a adaptação de
terminologias e questões normativas relativas à territorialidade negra como conseqüência de
processos sócio-históricos singulares e específicos, locais e regionais, que precisam ser
considerados.
No que tange à definição e à abrangência do fenômeno no tecido urbano, há de se considerar qual a
demanda social que está sendo identificada como quilombola e trata-la como importante via para
reconhecimento da historicidade e trajetória da organização das famílias negras, pautadas no
conjunto de referências simbólicas que fazem uso do espaço. Isso inclui considerar esses territórios
como domínio da coletividade que ocupa a área, o respeito às formas de apropriação espacial que o
próprio grupo elaborou e quer ver mantido. E, ainda sob essa ótica, incluir na conceituação
quilombola os núcleos étnicos que se auto-identificam e se auto-denominam como tal em virtude de
sua trajetória histórica.
A terminologia quilombola, por exemplo, é utilizada para designar o escravo fugitivo longe do domínio
das grandes propriedades. Houve, entretanto, escravos que não fugiram e permaneceram autônomos
dentro da propriedade após o período abolicionista e não se encontram inseridos dentro da
conceituação jurídica. Os dispositivos legais utilizados desde o período colonial transcorreram no
tempo e permaneceram com as mesmas denominações até a atualidade não abrangendo
satisfatoriamente todos esses casos, não garantindo assim, o direito à terra pela utilização de
questões normativas incorretas contribuindo para a degradação e desaparecimento dessas áreas.
O estabelecimento de conceituação correta na denominação de territórios negros de acordo com seu
tempo e origem contribui para a manutenção da integridade histórica e identidade cultural desses
nucleamentos bem como sua importância na composição do espaço urbano.

mfsommer@terra.com.br 1
ASPECTOS DA EVOLUÇÃO CONCEITUAL E QUESTÕES NORMATIVAS DA
TERRITORIALIDADE NEGRA NO ESPAÇO URBANO.
A TRAJETÓRIA DAS REGULAMENTAÇÕES JURÍDICAS RELATIVAS ÀS
QUESTÕES ESCRAVOCRATAS E SUA INADEQUAÇÃO TERMINOLÓGICA.
Michelle Farias Sommer
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

INTRODUÇÃO.

O tráfico de escravos através do Atlântico foi um grande empreendimento comercial e cultural. A


participação do Brasil no sistema escravocrata foi intensa sendo que no período colonial, o Brasil
recebeu mais africanos que qualquer outro país e abriga, atualmente, a segunda maior população
negra do mundo em termos numéricos absolutos1. O regime escravocrata com utilização de mão-
de-obra negra africana juntamente com a agricultura de exportação foi, desde o final do século
XVI até o final do século XIX, durante trezentos anos, a base da sociedade e da economia
brasileira. A palavra negro é empregada no sentido tanto das pessoas de raça negra pura quanto
de mestiços de ancestralidade negra, englobando assim pardos e mestiços, sendo o significado
empregado no mesmo sentido de afro-descendentes e afro-brasileiros. Houve uma confluência de
fatores diversos que motivaram a utilização, pelo sistema colonial, de mão-de-obra africana como
escravos na América.

A escravidão não havia desaparecido na Europa, e no ocaso do período feudal, admitia-se


que algumas pessoas deviam ser consideradas propriedades (res) e, na língua erudita da
época, o latim, termos clássicos como instrumentum (uocale) e (res) eram usados,
normalmente, para designar aqueles de línguas vernáculas chamavam escravos, slaves,
esclaves, schiavi, Sklaven, esclavos. (REIS & GOMES, 1996, p. 26).

A utilização de mão-de-obra africana escrava em território brasileiro, no entanto, foi mais além:
deu-se através da permissividade da Coroa Portuguesa que classificava, tanto os africanos
quanto os índios como coisas, propriedade móvel e cuja posição social era estabelecida pela mãe
negando, também, qualquer condição humana ao escravo negro2. Acrescenta-se, ainda, o fato da
exaustiva utilização de mão-de-obra indígena na Europa e aos pré-requisitos cumpridos pela
África Ocidental: região populosa, acessível nos caminhos da navegação e estar situada fora do
eixo econômico mundial.

São do século XV os primeiros contatos europeus com as populações negras da costa africana. A
antiguidade da população do continente africano, a diversidade étnica bem como diversidade
cultural de sua população, aliado, ainda, à estrutura tribal com variações regionais constituem, até
hoje, obstáculos para o estudo das civilizações africanas. A maior importância da África em
relação ao mundo então recém-descoberto manifestou-se, principalmente, no tráfico da
escravatura atentando para o fato do regime escravocrata ser comum em muitas sociedades
africanas. A escravidão africana foi organizada e explorada primeiramente pelos mouros, e só
mais tarde pelos portugueses, sendo esses os responsáveis pela importância dada à escravidão
através de terras menos povoadas, embora de maior riqueza, na América que foram
desenvolvidas à custa de sucessivas levas de escravos negros do Oeste africano.
A introdução da cana de açúcar proporcionou o desenvolvimento econômico primeiramente do
Recôncavo da Baia de Todos os Santos, na Bahia, através do cultivo do açúcar. Sendo a cultura
da cana uma atividade econômica que exige abundante mão-de-obra e muitos índios se
recusarem a fazer esse trabalho, preferindo esconderem-se nas matas densas, recorreu-se à
importação de mão-de-obra negra. Navios carregados de escravos, vindos da costa africana ou
de entrepostos que se constituíram nas ilhas, traziam levas de negros. A importação de animais
de carga mais possantes, como o gado, por exemplo, também foi constante nesse período e
tinham a mesma origem dos escravos negros.
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Os negros chegados no Brasil eram oriundos basicamente de formações banto e sudanesa3.
Dentre essas, como grandes centros exportadores de mão-de-obra negra, foram, em ordem
crescente, os centros mais importantes de imigração para o sul do Brasil: Moçambique, Guiné e
Angola. Os dados em relação à origem étnica das diversas correntes chegadas no Brasil são
muito vulneráveis. A possibilidade do tráfico de escravos ter sido realizado seguindo os paralelos
geográficos admite certo grau de confiabilidade em virtude de ser esse o caminho mais curto entre
os dois continentes. Seguindo esse raciocínio, já efetuado por WEIMER (notas de aula, 2003)4, os
negros do norte e do nordeste seriam, majoritariamente, provenientes da costa atlântica da África
Central e os do sul, da África Meridional.
Em todos os lugares onde houve o regime escravocrata certamente houve resistência, podendo
essa ter se apresentado nas mais variadas formas. A fuga e a formação de grupos de escravos
fugidos foi uma constante nesse período e a mesma podia dar-se de maneira individual ou
coletiva, havendo, no entanto, um objetivo comum pós-fuga: diluir-se no anonimato da massa
escrava e de negros livres, acompanhados, muitas vezes, de vários outros personagens sociais
como o índio, por exemplo.

(...)A fuga que levava à formação de grupos de escravos fugidos, aos quais freqüentemente
se associavam outras personagens sociais, aconteceu nas Américas onde vicejou a
escravidão. Tinha nomes diferentes: na América espanhola, palenques, cumbes (...) No
Brasil esses grupos eram chamados principalmente quilombos e mocambos e seus
membros quilombolas, calhambolas ou mocamboeiros. (REIS & GOMES, 1996, p. 9-10,
grifo nosso).

A forma mais característica de resistência ao escravismo foi a fuga e a posterior constituição de


“quilombos”. E são essas duas denominações que designarão, sucessivamente, antes e depois do
século XVIII, as concentrações habitacionais dos escravos fugidos que procuravam assim
constituir uma sociedade paralela à sociedade oficial segundo as regulamentações jurídicas a
cerca da regulamentação fundiária dessas áreas. A terminologia quilombola, por exemplo, foi
utilizada para designar o escravo fugitivo longe do domínio das grandes propriedades. Houve,
entretanto, escravos que não fugiram e permaneceram autônomos dentro da propriedade após o
período abolicionista e não se encontram inseridos dentro da conceituação jurídica. Os
dispositivos legais utilizados desde o período colonial transcorreram no tempo e permaneceram
com as mesmas denominações até a atualidade não abrangendo satisfatoriamente todos esses
casos, não garantindo assim, o direito à terra pela utilização de questões normativas incorretas
contribuindo para a degradação e desaparecimento dessas áreas.

Apesar da clara contribuição dessa etnia, a utilização de instrumentos legais e práticas coercitivas
foram instrumentos comuns utilizados para isolar e/ou controlar as chamadas “classes perigosas”
de acordo com SHWARCZ (1993)5, sendo a população negra um grupo particularmente visado.
Essa visão adentra o imaginário racista da sociedade brasileira principalmente nos aspectos que
ligam o negro à criminalidade e à ociosidade e delega, conseqüentemente, seu espaço social
urbano excluído da cidade formal. Houve um nítido processo de invisibilidade cultural sofrida pela
população negra e, indubitavelmente, a participação desse grupo étnico foi fundamental para a
consolidação do tecido urbano e identidade cultural. Processos sócio-históricos locais e regionais
produziram, também, singularidades que precisam ser consideradas. Na Região Sul, por exemplo,
é importante levar em conta a especificidade e a complexidade do fenômeno da territorialidade
negra em virtude da maciça imigração européia acentuadamente italiana e alemã como será
discutido no item “O Quilombismo no Rio Grande do Sul”.

1. A TERMINOLOGIA “QUILOMBOS”

A primeira definição de quilombo “toda a habitação de negros fugidos que passem de cinco, em
parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”, surgiu
em resposta ao Rei de Portugal à consulta do Conselho Ultramarino Português6, em dezembro de
1740. Em relação ao emprego da terminologia quilombos, todos os autores tomam como base o

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marco das Ordenações Manuelinas e Filipinas7 bem como dispositivos legais do período colonial8
que transcorreu no tempo com a mesma denominação que continua até atualmente.
Quilombo, do kimbundo9 Kilombo = cidade, capital, povoação, aldeia, acampamento, que no Brasil
adquiriu o conceito de aldeia habitada por negros ditos quilombolas = escravos ou escravas
refugiados em quilombo. A terminologia mocambo é utilizada para designar o esconderijo onde o
escravo recolhia-se quando fugia para o mato. Os escravos refugiados e longe do domínio das
grandes propriedades eram ditos quilombolas.

Quilombos, no período colonial, por extensão, podia servir de designação de uma região
administrada por negros fugitivos. Tornaram-se comuns na vida colonial americana sendo o mais
efetivo meio de opor-se à escravidão, e o Quilombo de Palmares, uma federação de quilombos,
datado do século XVII e provavelmente o mais estudado e famoso, foi considerado o maior, mais
importante e duradouro mocambo da América. Os quilombos apresentavam-se como uma
contradição estrutural na sociedade escravista.10

LOPES (1988) afirma que quilombo é um conceito próprio dos africanos bantos que vem sendo
modificado através dos séculos significando um acampamento guerreiro na floresta, entendido
ainda em Angola como divisão administrativa. A vinculação terminológica com a África também é
objeto de estudos de MUNANGA (1995) demonstrando que o quilombo brasileiro era uma “cópia”
do quilombo africano reconstituído pelos escravizados opondo-se, no entanto, a estrutura
escravista brasileira e substituída pela implantação de uma outra estrutura sócio-político
característica; sendo que a matriz de inspiração adveio de um longo processo de amadurecimento
ocorrido na área cultural banto nos séculos XVI e XVII, de instituições políticas e militares trans-
étnicas, centralizadas, formadas por homens guerreiros cujos rituais de iniciação tinham a função
de unificar diferentes linhagens.

Apesar da indisponibilidade de documentos fidedignos a respeito dos quilombos bem como sua
ocorrência no território nacional e abrangência temporal, os mesmos apresentam alguns padrões
recorrentes, conforme CARNEIRO (1966). Os motivos que impeliram os negros para o recesso
das matas ligavam-se diretamente a uma situação de angústia econômica local de que resultava
menos rigidez na disciplina da escravidão. É consenso, também, que a maior incidência de
formações quilombolas deu-se nos períodos de maior intensidade do tráfico de negros e em locais
de maiores concentrações escravistas. O quilombismo - movimento social quilombola que
apresentavam alguns padrões recorrentes - apresentou-se como um movimento coletivo sendo
que a primeira grande concentração de escravos ocorreu nos canaviais do Nordeste,
especificamente em Pernambuco, onde a conquista holandesa impulsionou o seu acontecimento
em virtude da desorganização social ocasionada pela guerra que, conseqüentemente, minimizava
a vigilância dos senhores de escravos. Ainda segundo CARNEIRO (1944, p.27):

O movimento de fuga era, em si mesmo, uma negação da sociedade oficial, que oprimia os
negros escravos, eliminando a sua língua, a sua religião, os seus estilos de vida. O
quilombo, por sua vez, era uma reafirmação da cultura e do estilo de vida dos africanos. O
tipo de organização social criado pelos quilombolas estava tão próximo do tipo de
organização então dominante nos Estados africanos que, ainda que não houvesse outras
razões, se pode dizer, com certa dose de segurança, que os negros por ele responsáveis
eram em grande parte recém-vindos da África, e não negros crioulos, nascidos e criados no
Brasil. Os quilombos, deste modo, foram – para usar a expressão agora corrente em
etnologia – um fenômeno contra-aculturativo, de rebeldia contra os padrões de vida impostos
pela sociedade oficial e de restauração dos valores antigos.

Havia, nos quilombos, uma população heterogênea, de que participavam em maioria os negros,
mas que contava também com mulatos e índios sendo atividades predominantes agricultura, caça
e pesca. O uso coletivo da terra tinha limites definidos e a propriedade era de uso comum, porém,
a regra era a pequena propriedade em torno dos vários mocambos, ou como escreveu RAMOS
(1958, p. 3-4), a “posse útil” da terra.

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(...) a apropriação do excedente era feita pela coletividade, não por grupos ou indivíduos.
Como em todas economias de baixo nível técnico, não podia haver produção de mais valia.
Produzindo-se apenas valor de uso, não havia mercadoria e tampouco dinheiro.
(ALFONSIN, 1988, p. 159).

Embora o movimento quilombola constituísse uma sociedade à parte da sociedade escravista,


havia diversos tipos de ligações existentes entre ambos. Essas ligações podiam ser comerciais
clandestinas com contrabandistas e fazendeiros, ataques a viajantes, rede de informações que
começava dentro das senzalas e terminava dentro dos quilombos e, ainda, relações afetivas entre
escravos e quilombolas, visto que esses comumente freqüentavam as periferias dos centros
urbanos ou as fazendas do meio rural. Segundo MAESTRI FILHO (1979, p.86): “quilombo era
mais que uma simples tática de luta: era uma sociedade econômica, social e política organizada, à
margem da sociedade escravista. Exercia domínio sobre um determinado território e possuía uma
economia bastante complexa – policultura, artesanato, trocas comerciais, etc”.

Quilombos, na África, são de origem kimbundo, língua de cultura banto, significando


aldeia/acampamento guerreiro na floresta, composto de vários kraals. Kraal, por sua vez, pode ser
entendido como formação espacial que constitui unidades isoladas – sendo que cada uma
correspondia a uma categoria social específica na unidade doméstica básica mantendo,
invariavelmente, a mesma estrutura espacial básica com claros atributos de isolamento físico e
especialização categórica. Percebe-se, implicitamente, a noção de resistência no emprego
terminológico da palavra. No Brasil, quilombo designou concentrações habitacionais de escravos
fugitivos no período escravocrata sendo núcleos de caráter coletivo exercendo domínio sob um
determinado território opondo-se ao sistema em vigência.

2. OS QUILOMBOS NO RIO GRANDE DO SUL

Processos sócio-históricos locais e regionais produziram singularidades na Região Sul,


fenômenos de reflexo da estrutura escravista específicos e complexos permeados de misticismos
acerca de questões relativas à construção no imaginário da sociedade de um Estado “claro” e até
mesmo “menos brasileiro” como resultante da maciça imigração européia acentuadamente italiana
e alemã. Destaca-se dois importantes pontos contribuintes à construção dessa concepção: os
maiores índices de entradas de imigrantes no Estado ocorreram durantes os anos de 1885 e
1889, coincidentes com importantes períodos do movimento abolicionista rio-grandense de 1884 e
1888. Relacionar esses processos – escassez de mão-de-obra no Sul com o aumento da
imigração e formação de atitudes antiescravistas, segundo CARDOSO (1962), como uma relação
de causa e efeito apresenta-se como um raciocínio simplista: elas não são suficientes para
explicar tais fenômenos.

Conforme BAKOS (1983, p. 455-461), o escravo foi utilizado de forma variável no Brasil Meridional
conforme a área considerada se inserisse, num dado momento histórico, no plano da economia
mercantil organizada para atender os estímulos das áreas mais desenvolvidas do País ou da
região do Prata, isto é, para atender o mercado que se formava graças à atividade da economia
de exportação, ou se organizasse nos moldes da economia de subsistência. No primeiro caso
havia a utilização regular do braço escravo, no segundo caso a utilização do escravo tendia a ser
insignificante. A análise da participação do negro na formação do Rio Grande do Sul depende da
compreensão do processo histórico de desenvolvimento econômico.

Juridicamente, o Decreto-lei nº 7.967/1945, em relação à política migratória, dispôs que o ingresso


de imigrantes seria necessário tendo em vista “a necessidade de preservar e desenvolver, na
composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência
européia”. Nota-se uma nítida predileção pelos imigrantes europeus e isso se dá de maneira
institucionalizada, ao que leva a crer que a ideologia do branqueamento foi a forma que a elite
branca “inventou” diante da presença do negro e da questão do racismo como forma de manter a
“comunidade negra” ainda sob seus domínios, sendo essa mesma elite que utilizou maciçamente

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mão-de-obra escrava negra e era adepta de teorias racistas vigentes na Europa do início do
século.

A ideologia do branqueamento baseava-se na presunção da superioridade branca, às vezes,


pelo uso dos eufemismos raças ‘mais adiantadas’ e ‘menos adiantadas’ e pelo fato de ficar
em aberto a questão de ser a inferioridade inata. (...) a população negra diminuía
progressivamente em relação à branca por motivos que incluíam a suposta taxa de
natalidade mais baixa, a maior incidência de doenças e a desorganização social.
(SKIDMORE, 1976, p. 21, grifo nosso).

Levantamento do tenente Córdoba, de 1780 e publicado em LAITANO (1957, p. 35) é uma das
estatísticas mais antigas a cerca da quantificação de negros no período colonial no Rio Grande do
Sul. Esse levantamento mostra uma população dividida em, aproximadamente, metade de
brancos e metade constituída por duas partes de índios e três partes de negros. A maior
concentração numérica de escravos estava em Viamão e Triunfo, que também continham o maior
percentual de pretos ao lado de Vacaria. Nesta ocasião, segundo WEIMER (1991, p. 10), Porto
Alegre, recentemente promovida a capital da Província, ocupava o 4° lugar em tamanho e o 5° em
número absoluto e relativo de escravos11. Há, ainda, algumas considerações importantes: em
Pelotas e Piratini, por exemplo, a população escrava superava a branca sendo que em Pelotas o
número de negros foi mais que o dobro de indivíduos brancos e em Triunfo, Santo Amaro (atual
General Câmara), Porto Alegre e Conceição do Arroio (Osório) a população negra virtualmente
igualava-se à branca. Existiram, no estado, arroios, localidades, ilhas com a denominação
quilombo, em regiões com tradição escravistas, entre elas: Porto Alegre, Pelotas, Rio Pardo,
Jaguarão, Osório, Viamão, Santa Maria, Santo Antônio.

O trabalhador negro escravizado contribuiu significativamente em todos os momentos da


fundação e do desenvolvimento da sociedade sulina. Os cativos eram um dos principais
produtos contrabandeados em Sacramento. (...). A seguir, a exploração charqueadora
ensejou a importação de quantidades significativas de cativos. (MAESTRI, 1996, p. 295).

Uma das primeiras referências conhecidas de um quilombo no Rio Grande do Sul refere-se à sua
destruição em 1813, em uma área com dez quilombolas no “sertão da Serra Geral”. A incidência
de quilombos cresceu nos últimos anos da escravidão com o fortalecimento da resistência servil e
a desagregação da ordem escravista. No estado, chegou a fazer parte da luta dos abolicionistas
radicais, associados à população cativa e, em 1884, o estado conheceu um amplo movimento de
emancipação de cativos, sob a obrigação de trabalharem por sete ou menos anos, sem ônus,
para seus senhores, sendo que essa lei apresentou-se como forma de aliviar a pressão
abolicionista.

Houve, portanto, presença de quilombos no litoral, na serra e na campanha sendo mais


freqüentes nas cercanias dos principais centros urbanos como Rio Pardo, Porto Alegre e Rio
Grande. Temporalmente, o sul conheceu seus primeiros quilombos no final do século XVIII e
esses nunca foram grupamentos de porte, o que se justifica por inúmeros fatores: a não
ocorrência de acidentes geográficos que protegessem territorialmente os quilombolas na maior
parte da área sulina, sendo que a região serrana era um núcleo à parte em virtude da defesa
árdua de seus espaços pelas comunidades cativas e da presença também de imigrantes
europeus.

Seguindo o raciocínio no qual onde havia escravos havia resistência, em Porto Alegre, nos morros
que cercavam a vila e nas ilhas próximas do Guaíba, deve ter havido pequenas concentrações de
escravos fugidos da capital. A esses quilombos, segundo MAESTRI (1996), referia-se Câmara,
sendo comum o refúgio de cativos nas ilhas fluviais e lacustres bem como cercanias de centros
urbanos. Não há documentação, no entanto, de quilombos nos arrabaldes da capital no século
XVIII, porém, no início do século XX, há registros de uma ilha denominada Quilombo sendo que
uma parte da ilha das Flores, próxima a Porto alegre, é ainda conhecida como Ilha do Quilombo.

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A Colônia Africana em Porto Alegre, área habitada essencialmente por negros nas últimas
décadas do século XIX e as primeiras do século XX e que corresponde a uma parte do atual
bairro Rio Branco; mais precisamente delimitada entre as atuais ruas Cabral e Castro Alves e
entre a avenida Mariante no seu centro e na direção oeste a atual rua Ramiro Barcelos, constituiu
um reduto territorial tradicional de escravos no período pós-abolicionista. O bairro negro
estabeleceu-se por volta dos anos da abolição com o povoamento de escravos libertos em 1884
que, inicialmente, abrigaram-se no então chamado Campo da Redenção e nos barrancos situados
nos fundos das chácaras de famílias ricas, assim como na Rua Mostardeiros e outras áreas da
Avenida Independência e Rua 24 de Outubro, abrangendo os atuais bairros Mont'Serrat, Rio
Branco e Bom Fim, até aproximadamente o início da década de 1920 sendo que, em um período
incerto entre as décadas de 1940 e 1960 a sua descaracterização foi completa. A extinta Colônia
Africana na capital gaúcha é um exemplo de segregação urbana.

Em 1916, o padre alemão Matias Wagner recebeu como uma missão da Igreja promover o
branqueamento religioso da Colônia Africana combatendo os cultos afros da comunidade. Os
africanos e seus descendentes vão, assim, cedendo o lugar a novos moradores e são empurrados
para mais longe. A Colônia trocou de nome (Bairro Barão de Rio Branco) e o lugar se transformou
numa das áreas nobres da elite branca de Porto Alegre, vizinho ao tradicional bairro judeu Bom
Fim. A partir da década de 40, empurrados pela especulação imobiliária e por um processo
higienizador, essa população foi transferida para a periferia, em áreas muitas vezes ainda rurais,
em locais destinados àqueles que não se enquadravam numa idéia “moderna” de cidade.

3. A CARACTERIZAÇÃO DE ÁREAS REMANESCENTES DE QUILOMBOS.

A utilização da terminologia remanescente de quilombos passa a ser empregada quando a


comunidade afro-descendente passou a ocupar, então, áreas que não eram suas de origem. A
expressão remanescente das comunidades de quilombos emerge primeiramente na Assembléia
Constituinte de 1988.

A noção de remanescente, como algo que já não existe ou em processo de


desaparecimento, e também a de quilombo, como unidade fechada, igualitária e coesa,
tornou-se extremamente polêmica. Mas foi principalmente porque a expressão não
correspondia à auto-denominação destes mesmos grupos, e por trata-se de uma identidade
ainda a ser politicamente construída, é que suscitou tantos questionamentos. De saída,
exigiu-se nada mais do que um esforço interpretativo do processo como um todo por parte
dos intelectuais e militantes, bem como das próprias comunidades envolventes, e sem o qual
seria impossível a aplicabilidade jurídica do artigo. O impasse estava formado, sobretudo
porque o significado de quilombo que predominou foi a versão do Quilombo de Palmares
como unidade guerreira construído a partir de um suposto isolamento e auto-suficiência.
Parecia difícil compreender uma demanda por regularização fundiária a partir de tal conceito.
Foi necessário relativizar a própria noção de quilombo para depois resgatá-lo em seu papel
modelar, como inspiração política para os movimentos sociais contemporâneos.12

Demonstrando a distância entre o planejamento aplicado às áreas remanescentes de quilombos


em relação, principalmente, à regulamentação fundiária, tem-se, como exemplo, a Família Silva,
estabelecida no Bairro Três Figueiras, atual zona nobre residencial de Porto Alegre, na rua João
Caetano, ocupando atualmente uma área de 5,6 hectares, onde residem quinze famílias do Silva
há mais de 60 anos e desde 1964 travando uma disputa judicial pela posse da terra, sendo que
esse quilombo urbano está sob ação de despejo e reintegração de posse para os "proprietários".13
Algumas terras em que residem os afro-descendentes situam-se atualmente, em virtude da
expansão da malha urbana, próximas ou no interior de centros urbanos. Através da expansão
citadina, algumas áreas passam, então, a inserir-se se na cidade constituindo verdadeiros
territórios negros urbanos. A resistência territorializante ao “escravismo contemporâneo” que
ocorre veladamente e vinculado à condição sócio-econômica na qual se insere a parcela negra da
sociedade, em sua maioria, assumiu uma multiplicidade de estratégias e desdobramentos e o que
cabe resgatar é o esforço organizativo dos grupos através de redes comunitárias de auto-
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proteção. Sendo assim, na reconstrução do espírito da lei, pelos procedimentos administrativos de
sua implementação, é necessário que se vise a uma extensão da cidadania a todas as
comunidades negras cuja resistência remonta a uma memória da escravidão passível de ser
reconstituída pelas redes de parentesco e afinidades que conformam a malha do grupo segundo
sua própria memória.

O Projeto Quilombos14, que efetua laudos antropológicos, propõe alguns elementos para a
definição operacional de quilombo no intuito de servir de guia para estudos que objetivem a
formação de processos administrativos para o reconhecimento e identificação das comunidades
negras de acordo com o preceito institucional. São eles: processos de produção autônomos – livre
acesso à terra, capacidade de organização política-administrativa, critério ecológico de
preservação de recursos, auto-definição dos agentes e da coletividade, grau de conflito e
antagonismo, formas de uso comum – combinação de domínios privados (familiares e
domésticos) e público.

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) foi convocada pelo Ministério Público (outubro de
1994) para dar o seu parecer em relação às situações já conhecidas e enfocadas nas pesquisas e
reuniu-se, então, com o Grupo de Trabalho sobre Comunicações Negras Rurais para elaborar um
conceito de remanescente de quilombo, desmistificando, assim, a visão de quilombo como
resíduo antropológico de ocupação temporal e de comprovação arqueológica, desfazendo a idéia
de isolamento e de população homogênea e eminentemente negra. O documento, portanto,
posicionava-se criticamente em relação à visão estática do quilombo, evidenciando seu aspecto
contemporâneo, organizacional, relacional e dinâmico, bem como a variabilidade das experiências
capazes de serem amplamente abarcadas pela ressemantização do quilombo na atualidade.

A terminologia adequada relacionada a quilombos, portanto, é muito mais complexa e abrangente.


A designação quilombos não se limita somente a negros fugitivos visto que muitas terras foram
obtidas sob a forma de doação, usucapião e, ainda, casos em que as terras que serviram de base
para a formação do grupo foram perdidas por intimidação, venda sob coação e violência. O
quilombo pode ser visto a partir da dimensão global atribuída ao fenômeno, ou seja, a todas as
coletividades descendentes de afro-brasileiros identificadas através da constatação da existência
de vínculos sócio-históricos e cuja historicidade traduz-se na demanda social por reconhecimento
e regularização fundiária. Muitas vezes a incorporação da identidade coletiva das lutas é maior
que a abrangência de um critério racial, não sendo raro encontrar pessoas com descendência
indígenas15 e brancos vivendo em quilombos e se autodefinindo como pretos. Em diversas
situações, índios e negros, por vezes aliados, lutaram - desde o início da ocupação e exploração
do continente - contra os vários procedimentos de expropriação de seus corpos, bens e direitos.
Os negros, diferentemente dos índios desde muito inseridos territorialmente, enfrentaram muitos
questionamentos sobre a legitimidade de apropriarem-se de um lugar, cujo espaço pudesse ser
organizado conforme suas condições, valores e práticas culturais.

Em diferentes partes do Brasil, sobretudo após a Abolição (1888), os negros foram


desqualificados e os lugares em que habitam foram abandonados pelo poder público ou mesmo
questionados por outros grupos recém-chegados, exemplo do ocorrido com a Colônia Africana em
Porto Alegre, com maior poder econômico e legitimidade junto ao Estado. A questão da identidade
cultural do quilombo contemporâneo bem como a inclusão de áreas remanescentes na essência
dessa terminologia relaciona-se a compreensão de sua trajetória histórica, estratégias de
sobrevivência e autodeterminação.

O resgate do termo quilombo como um conceito sócio-antropológico, não exclusivamente


histórico, proporciona o aparecimento de novos atores sociais ampliando e renovando os
modos de ver e viver a identidade negra; ao mesmo tempo permite o diálogo com outras
etnicidades e lutas sociais, como a dos diversos povos indígenas no Brasil. 16

Tem-se, atualmente, a relativização do conceito quilombo através da terminologia “áreas


remanescentes de quilombos” sendo a aplicabilidade do direito constitucional dependente do
7
correto emprego do conceito implícito na terminologia. Áreas remanescentes de quilombos são
territórios negros de comunidades afro-descendentes que apresentam alguns padrões recorrentes
como população heterogênea (assemelhando-se aos quilombos africanos que eram trans-étnicos)
e manutenção da unidade familiar. O conceito não se liga, em momento algum, como também já
explicado no Projeto Quilombos, a resquícios arqueológicos ou antropológicos de ocupação
espacial, mas sim, à coletividade e redes comunitárias de auto-proteção territorial.

4. REGULAMENTAÇÕES JURÍDICAS NA QUESTÃO ESCRAVOCRATA E PÓS-ABOLIÇÃO.

Os contrapontos existentes entre os atuais impasses do artigo 68 da Constituição Federal de 1988


e o processo de regulamentação em curso é dificultado por artimanhas e estratégias, dentre as
quais os equívocos gerados pela errônea utilização terminológica que se refere às áreas
remanescentes de quilombos, distanciando essa comunidade do direito reivindicado à
permanência e o reconhecimento legal das terras ocupadas e cultivadas para a moradia e
sustento além do livre exercício de suas práticas, crenças e valores considerados em sua
especificidade.

Historicamente, desde o Brasil Colônia, o ordenamento jurídico vigente esteve distante de ter o
povo como principal alvo de interesse. Segundo SHIRLEY (1987): “Portugal não tencionava trazer
justiça ao povo ou mesmo prestar os serviços mais elementares à sua colônia. Essa
desvinculação entre o Estado e a população é um tema constante na história brasileira. O direito
que existia era o dos coronéis, as leis da elite agrária, que eram basicamente uma forma do direito
consuetudinário português do século XVI.” A estrutura do Estado era historicamente neofeudal e
patrimonial com o poder nas mãos dos grandes fazendeiros, sendo que a maior parte da
população não tinha voz, nem vez, no governo e os escravos, objetos de comércio, eram o
expoente dessa população:

(...) o que realmente ocorreu foi uma fuga constante de escravos das fazendas para o interior,
onde criaram pequenas comunidades africanas, os quilombos, ou se misturaram aos indígenas,
ou mesmo aos mulatos, descendentes de portugueses e escravos africanos. Ao longo dos séculos
grandes áreas do Brasil central foram povoadas com estas pequenas comunidades rurais, em
grande parte excluídas das leis das cidades e da economia nacional e internacional. (SHIRLEY,
1987, p. 80-81).

Observação deve ser dada, também, para como se dão as relações raciais no Brasil,
representando um desafio ideológico à efetividade do princípio jurídico da igualdade e
reconhecimento da realidade social discriminatória entre negros e brancos18. O filósofo Norberto
Bobbio, no artigo “Presente e Futuro dos Direitos do Homem”, afirmava quanto à efetividade
prática dos princípios constitucionais: “... o problema grave do nosso tempo, com relação aos
direitos dos homens, não era mais o de fundamenta-los, e sim protege-los”. Atentando já para a
não importância da natureza ou fundamento jurídico, direitos naturais ou históricos, absolutos ou
relativos, mas qual é a forma de garanti-los. O que significa, em última instância, enxergar além
das aparências de condutas e falas “normais, corriqueiras e inocentes” a prática concepção
discriminatória e racista, seja ela motivada por ingenuidade, cinismo, hipocrisia, ou mesmo
ignorância e má-fé. O Brasil é classificado, consensualmente, como uma sociedade multirracial,
sob chavões de “maior democracia racial do mundo”:

O meio milhão de escravos libertos em 1888 ingressou, assim, numa estrutura complexa,
que já incluía homens livres de cor (de todas as tonalidades). (...) A reação do observador
podia ser também influenciada pela aparente riqueza ou provável status social da pessoa
julgada, então pelas suas roupas e pelos seus amigos. (...) A soma total das características
físicas (o fenótipo) era o fator determinante, embora sua aplicação pudesse varias de região
para região, conforme a área e o observador. O Brasil não teve nunca, pelo menos desde o
fim da Colônia, um sistema birracial rígido. Havia sempre uma categoria intermediária (os
chamados mulatos ou mestiços. (SKIDMORE, 1976, p. 55-56).

8
O direito constitucional deveria contemplar a participação na vida coletiva e o esforço de
consolidação do grupo. No entanto, como veremos a seguir, a partir da trajetória das
regulamentações jurídicas a cerca do direito negro, no que concerne à utilização de terminologias
adequadas na descrição do fenômeno de ocupação espacial pela comunidade negra tradicional, e
entrando na questão dos dispositivos legais que regulamentam o uso do solo principalmente após
a Constituição de 1988, torna-se mais compreensível quão relegada e difícil foi a conquista de
direitos por uma população historicamente segregada.

4.1. AS ORDENAÇÕES MANUELINAS (1521) E FILIPINAS (1603).

Foram as primeiras a empregar a terminologia quilombos em 1740. As Ordenações Manuelinas e


Filipinas constituíram peças fundamentais da história do Direito em Portugal, e apresentam-se
como compilações de leis sem caráter sistemático, embora, nas quais estão oficialmente
registradas as normas jurídicas fixadas nos diversos reinados, constituindo, de uma forma geral, o
reflexo da luta do Estado pela centralização e pelo estabelecimento de um ponto de equilíbrio
entre as várias forças sociais e políticas19. Quanto às Ordenações Filipinas (prontas em 1595 e
entrando em vigor somente em 1603) surgiriam no seguimento da necessidade da reforma das
Ordenações Manuelinas e de outras produções legislativas, e mantiveram sua vigência até o
Código Civil de 1867, em Portugal e até o Código Civil de 1917, no Brasil. Em ambas as
ordenações, para os que ocultavam escravos fugidos a pena era o degredo. Em 1671, por meio
das leis extraordinárias das Ordenações Filipinas, negros e mulatos são referidos de modo
discriminado.

4.2. 1811 À 1850: A PRESSÃO INGLESA SOB A ESCRAVIDÃO E A CONSTITUIÇÃO DE 1824.

Em 1811 a Inglaterra proibiu o tráfico de escravos para suas colônias, o que refletiu, de certa
maneira, na Abolição da Escravidão na Argentina. Esse processo representou o “início do cerco”
para o processo que posteriormente culminou na Lei Áurea, porém, somente em 1888. Foi D.
Pedro I quem outorgou a Constituição Política do Império do Brasil em 25 de março de 1824. Esta
Constituição estabelecia um Governo monárquico, hereditário, constitucional, representativo e
afirmava que "o Império é a associação política a todos os cidadãos brasileiros". Também
estabelecia que "cidadãos brasileiros" eram aqueles que, nascidos no Brasil, fossem "ingênuos"
(filhos escravos nascidos livres) ou libertos, além daqueles que, apesar de nascidos em Portugal
ou em suas possessões residissem no Brasil (...) "na época em que se proclamou a
independência", e que tivessem aderido a ela. A constituição de 1824 foi a primeira da história do
Brasil e a única do período imperial.”20

Os princípios liberais para justificar a independência brasileira criavam algumas tensões para o
regime escravocrata. As garantias liberais de liberdade, igualdade jurídica e regra da lei eram
inexistentes, porém, para cerca de 40% da população nacional, os escravos, não eram vistos
como cidadãos. A Inglaterra, quinze anos após abolir a escravidão em suas colônias, obrigou o
Brasil, como condição de reconhecimento de sua independência, ocorrida em 1822, a assinar
tratado de extinção do tráfico de escravos. Obtém, parcialmente, sua resposta somente em 1831
com o Tratado antiescravidão que “afirmava o fim efetivo do tráfico escravo atlântico para o
Brasil”. O Tratado nunca foi cumprido pelo governo e entre 1845 e 1850 atingiu seu ápice
importando, em média, 55 mil africanos21.

Em 1845, foi imposto o “Bill Aberdeen” entre a Inglaterra e o Brasil, podendo, assim, a Inglaterra
inspecionar todos os barcos brasileiros para reprimir o tráfico negreiro. A Consolidação das Leis
Civis, de Teixeira de Freitas, de 1857, torna-se por sua vez, exemplo também da nítida separação
entre o “direito de Estado” e o “direito do povo”, negando-se a tratar juridicamente da questão
escravista.

9
4.3. DA LEI DE TERRAS (1850) À LEI ÁUREA (1888).

A primeira Lei de Terras escrita e lavrada no Brasil é de 1850, juntamente com a Lei Euzébio de
Queiroz que proíbe o tráfico de escravos por navios de qualquer bandeira. A Lei de Terras excluía
os africanos e seus descendentes da categoria de brasileiros, situando-os numa categoria
separada, denominada “libertos”22. Somente em 1857/1858 deu-se, efetivamente, o fim da entrada
de escravos no Brasil, exatos vinte e dois anos após o Tratado anti-escravidão.

A Lei do Ventre Livre (1871) foi considerada a primeira lei abolicionista, embora com pouquíssimos
efeitos práticos: libertava os filhos de escravos nascidos a partir dessa data, mantendo-os, porém,
sob a tutela de seus senhores até atingirem a idade de 21 anos. Em defesa da lei, o Visconde do
Rio Branco apresenta a escravidão como uma "instituição injuriosa", que prejudica, sobretudo, a
imagem externa do país.

O império perde sua última sustentação política com a Lei Áurea (nº 3.353, de 13.05.1988)
quando abandona o regime escravocrata e os senhores de escravos, o governo imperial rende-se
às pressões, e a Princesa Isabel assina a Lei Áurea, extinguindo a escravidão no Brasil,
desagradando proprietários de escravos que exigiam indenizações pela perda de “bens”. Como
não há resposta favorável pelo governo, os mesmos aderem ao movimento republicano como
forma de pressão. (...) começaram os defensores da branquidade, da europeidade de nossa
gente, a opor-se à entrada de negros e amarelos. Foi a república que iniciou a discriminação. Já o
decreto nº 528, de 28 de junho de 1890, sujeitava à autorização especial do Congresso a entrada
de indígenas da Ásia e da África, que não tinham assim a mesma liberdade de imigração que os
outros. (TORRES, 1973, p. 91-91).

Dois anos após a Lei Áurea percebe-se, ainda, a persistência da “discriminação velada” presente
no controle da entrada, por livre e espontânea vontade, de indígenas, vide negros oriundos da
África. É redundante, portanto, afirmar que, na prática, não ocorre melhora na condição social e
econômica dos ex-escravos: sem formação escolar nem profissão definida, para a maioria deles a
simples emancipação jurídica não há mudanças na condição subalterna não promovendo,
igualmente, cidadania e ascensão social.

4.5. A CONSTITUIÇÃO DE 1988.

A Constituição de 1988 reconheceu, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais


Transitórias: “Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos
respectivos”. Segue, no art.215, a garantia de proteção das manifestações culturais populares
afro-brasileiras bem como tombamento de todas as documentações e os sítios detentores de
reminiscências históricas dos antigos quilombos.

A Portaria INCRA 307 de 22 de novembro de 1995 determinou que as comunidades


remanescentes de quilombos, como tais caracterizadas, inseridas em áreas públicas federais,
arrecadadas ou obtidas por processo de desapropriação, sob a jurisdição do INCRA, tivessem
suas áreas medidas e demarcadas, bem como tituladas. Já a Portaria FCP (Fundação Cultural
Palmares)23, de 13 de julho de 2000, estabeleceram normas que regerão os trabalhos para a
identificação, reconhecimento, delimitação e demarcação, levantamento cartorial e titulação das
terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, de modo geral, também
autodenominadas "Terras de Pretos", "Comunidades Negras", "Mocambos", "Quilombo", dentre
outras denominações congêneres. O decreto nº 3.91224, de 10 de setembro de 2001,
regulamentou as disposições relativas ao processo administrativo para identificação dos
remanescentes das comunidades dos quilombos e para o reconhecimento, a delimitação, a
demarcação, a titulação e o registro imobiliário das terras por eles ocupadas.

O texto final do Artigo 68 da Constituição Federal, ao falar em remanescentes das comunidades


dos quilombos já dificultava, de início, a compreensão do processo criando vários impasses
10
conceituais. Aquilo que advinha como demanda social, com o principal intuito de descrever um
processo de cidadania incompleto e, portanto, abranger uma grande diversidade de situações
envolvendo os afrodescendentes, tornou-se restritivo, por remeter à idéia de cultura como fixa. A
noção de remanescente, como algo que já não existe ou em processo de desaparecimento, e
também a de quilombo, como unidade fechada, igualitária e coesa, tornou-se, também,
extremamente polêmica.

Solidarizando-se ao esforço de ALMEIDA (1998) que já conduziu à demonstração de que a


questão das chamadas terras de quilombos deve ser remetida à formalização jurídica das terras
de uso comum, ou seja, domínios doados, entregues ou adquiridos, concessões feitas pelo
Estado, áreas de apossamento ou doadas em retribuição aos serviços prestados. As chamadas
terras de preto compreendem, portanto, as diversas situações decorrentes da reorganização da
economia brasileira no período pós-escravista, onde, inclusive, não apenas os afrodescendentes
estão envolvidos, diferentemente do que prega a nossa legislação. Pode-se, portanto, estabelecer
as seguintes relações entre as conceituações:

Quilombos - África. Origem Kimbundo – língua dos povos de cultura banto.


Entendido na Angola como divisão administrativa,
aldeia/acampamento guerreiro na floresta, trans-étnico,
composto de vários kraals. Kraal: Formação espacial que
constitui unidades isoladas – sendo que cada uma correspondia
a uma categoria social específica na unidade doméstica básica
mantendo, invariavelmente, a mesma estrutura espacial básica
com atributos de isolamento físico e especialização
categórica25.
Quilombos - Brasil. Terminologia empregada no período escravocrata para
designar concentrações habitacionais de escravos fugitivos.
Núcleo de caráter coletivo constituindo uma sociedade
econômica, social e política organizada paralela à sociedade
escravista. Exercia domínio sobre um determinado território,
possuindo uma economia complexa e apresentando
propriedade de uso comum.
Quilombola No sistema escravista, escravo fugitivo habitante de quilombos.
Atualmente, por extensão conceitual: habitante de comunidades
negras afro-descendentes exercendo domínio sobre o território.
Quilombismo Movimento social quilombola. Apresenta padrões recorrentes
como o esforço pela manutenção das unidades multifamiliares,
por exemplo.
Áreas Territorialidade negra, terra de pretos, comunidade negra.
remanescentes de Comunidades afro-descendentes que não ocupam áreas que
quilombos. eram suas de origem independentemente de laços escravistas.
Ocupações de caráter coletivo, população heterogênea que se
auto-identifica como quilombola, apresentando, geralmente,
propriedade de uso comum e familiar organizadas em redes
comunitárias de auto-proteção.

5. CONCLUSÃO.

O conceito “área remanescente de quilombo”, empregado de maneira restritiva na Constituição de


1988, na realidade, resgata o conceito de quilombos no que concerne à resistência territorializante
de forma não exclusivamente histórica, mas sócio-antropológica ampliando e renovando a visão
sobre a identidade negra. O espírito da lei provavelmente era estender a cidadania às
comunidades negras abrangendo a diversidade de situações envolvendo os afro-descendentes
inserindo-os em um conceito subjetivo pelo direito à posse de terra. No entanto, gera impasses
conceituais pela inadequação terminológica e normativa restringindo uma visão abrangente da
questão. Em relação à regularização fundiária dessas áreas, haverá sempre fortes discordâncias
11
entre os setores envolvidos e grupos interessados, principalmente quando esse interesse tem
como pano de fundo a especulação imobiliária em áreas nobres, como ocorre com a Família Silva,
em Porto Alegre, por exemplo. A realidade é multifacetada, e somente com simplificações deixa-
se explicar unilateralmente.
É a questão interpretativa da terminologia “quilombos” que determina a aplicabilidade jurídica do
artigo constitucional. Áreas remanescentes de quilombos, em uma relativização do conceito, são
uma bandeira do movimento negro, pautada na resistência territorializante nessa espécie de
“escravismo contemporâneo” que é a condição social-econômica-cultural apresentada pela
comunidade negra historicamente segregada. O que configura a demanda social identificada
como quilombola não é a existência de vínculos escravistas ou resíduos antropológicos de
ocupação territorial e comprovação arqueológica, mas o espírito coletivo da comunidade negra
tradicional, as redes de parentesco, o esforço pela manutenção das unidades multifamiliares
centradas em um território – independentemente da área – as redes comunitárias de auto-
proteção refletidas, geralmente, na no uso comum das terras.
Desafia-se ideologicamente a efetividade do princípio jurídico da igualdade e reconhecimento da
realidade social – bem como da histórica discriminação negra – ao utilizar o conceito “quilombos”
de maneira tão restritiva perpetuando, assim, as já arraigadas pré-compreensões a respeito da
natureza de todas as relações sociais ocorridas no País.

1
A Nigéria é o único país do mundo com uma população negra maior que a do Brasil. Em 1980 o país contava com 119 milhões de
habitantes, sendo desses 53.3 milhões de negros. ANDREWS, George Reid. Negros e Brancos em São Paulo (1888-1998). Bauru:
EDUSC, 1998, p. 21, apud Recenseamento Geral do Brasil – 1980. Censo demográfico – dados gerais, migração, instrução,
fecundidade, mortalidade. Rio de Janeiro, 1993. Segundo o Recenseamento Geral do Brasil – 2000, “População residente, por cor,
raça, segundo a situação do domicílio e grupos de idade”, somando-se habitantes pardos e pretos, tem-se 75.872.428, de um total de
169.877.856 de habitantes no País. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatística/população/censo2000/população/cor_raça_censo2000.pfd>. Acesso em: 20 jun. 2004.
2
Veja-se como exemplo desse tipo de abordagem nos estudos de FERNANDES, Florestan. Significado do Protesto Negro. São
Paulo: Editora Cortez, 1972.
3
Ver figura 1: mapa político do continente africano e subdivisões entre a “África bantu” e “África sudanesa”.
4
WEIMER, Günter. Notas de aula: Urbanismo no Rio Grande do Sul, no polígrafo: Aldeamentos Africanos. Disciplina ministrada no
Curso de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no
segundo semestre letivo de 2003, p. 2.
5
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870 – 1930. São Paulo:
Companhia das Letras, 1993.
6
O Conselho Ultramarino é posterior ao Conselho da Índia sendo organizado em 1642 pelo rei D. João VI e apresentou-se como a
mais importante instituição portuguesa de administração colonial e responsável por todas as matérias e negócios referentes à vida
financeira das colônias da Índia, Brasil, Guiné, São Tomé, Cabo Verde e África.
7
As Ordenações Manuelinas e Filipinas são oriundas do Direito Português. Questões referentes serão abordadas no item
“Regulamentações Jurídicas”.
8
A Consolidação das Leis Civis, elaborada por Teixeira de Freitas no ano de 1857. Teixeira de Freitas esteve familiarizado com todas
as correntes doutrinárias modernas de sua época, e estas influíram sua obra principal, Esboço do Código Civil do Império do Brasil,
publicado entre os anos de 1860 e 1865. Esta obra sucedeu àquela da Consolidação das Leis Civis, publicada em 1857, e é
considerado o primeiro projeto orgânico, elaborado com base científica, de legislação de direito internacional privado do Brasil e das
Américas.
9
Kimbundo: língua do povo banto, chegada ao Brasil com os escravos procedentes de Angola, Congo e Zaire (ex-Congo Belga),
principalmente. O kimbundo pertence ao grande grupo de família das línguas africanas designada por "banto".Todas a línguas do
grupo banto, possuem o mesmo parentesco que, analogicamente nota-se, por exemplo, entre as línguas neo-latinas, tendo sido por
isso mesmo enquadradas neste grupo. O povo banto faz referência aos indivíduos pertencentes a este grupo linguistico, não
constituindo, entretanto, um grupo isolado, mas, a união de vários povos ao qual pertencem segundo uma classificação feita pela
semelhança da linguagem. Não se deve falar, portanto, em língua banto e sim em línguas banto, ou civilizações banto porque inúmeras
são as línguas e as civilizações ou povos que estão enquadrados neste grupo, tendo em comum somente o elo do parentesco da
linguagem que sugere pela grande semelhança, um tronco comum de origem, mas que apresentam, no entanto, diversidades sociais,
culturais e políticas, mudanças essas ocorridas provavelmente ao longo do tempo. Chama-se de kimbundo, ou língua de Angola, por
ser a língua geral do antigo reino de Ngola e ser a primeira a ser estudada e traduzida pelos europeus, sendo utilizada ainda
atualmente. Disponível em: <http://www.geocities.com/kimbundohp/index.html> Acesso em: 25 abril 2004.
10
Ver abordagem acerca dos quilombos como contradições estruturais na sociedade escravista em GUIMARÃES, Carlos Magno.
Mineração, Quilombos e Palmares. Minas Gerais no Século XVIII, in REIS, João José & SANTOS, Flávio dos Gomes. (Org.)
Liberdade por um fio. História dos Quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 141.
11
Ver figura 2: a presença negra no Rio Grande do Sul.
12
LEITE, Ilka Boaventura. Quilombos no Brasil. Disponível em: <http://www.nead.br> Acesso em: 25 abril 2004>.
13
Ver figuras 3, 4: imagens da Família Silva, no Bairro Três Figueiras, em Porto Alegre. Área remanescente de quilombo no sistema
urbano.
14
Projetos Quilombos: Laudos Antropológicos, Consolidação de Fontes de Consulta e Canais Permanentes de Comunicação,
disponível em: <http://www.unicamp.br/aba/boletins/b30/07.html> Acesso em: 20 abril 2004.
15
Embora pareça pertinente igualar a questão das terras de quilombos às terras indígenas, ambas são semelhantes apenas quanto
aos desafios e embates visíveis, no plano conceitual (quanto à identificação do fenômeno referido) e no plano normativo (quanto à
definição do sujeito do direito, os critérios, etapas e competências jurídico-políticas). Não por acaso, há freqüentemente, esta relação
emblemática entre as lutas indígenas pela demarcação de terras e a dos afrodescendentes pela titulação das áreas que ocupam
(ARRUTI, 1977), em alguns casos há mais de um século. Quanto ao reconhecimento das terras indígenas, o Estado Brasileiro tem
12
procedido da seguinte forma: decretação de áreas reservadas (embora grande parte das solicitações estejam ainda sem resposta),
legislação protetora e instituições e projetos assistencialistas. In: ARRUTI, José M. A. A emergência dos "remanescentes": notas
para um diálogo entre indígenas e quilombolas. Anpocs: Caxambú, 1977.
16
LEITE, Ilka Boaventura. Quilombos no Brasil. Disponível em: <http://www.nead.br> Acesso em: 25 abril 2004.
18
Ver debate referente à questão em: RAUPP, Roger Rios. Juiz Federal. Doutorando em Direito/UFRGS, em artigo Relações Raciais
no Brasil. Revista AJURIS, n. 92, p. 65-80, dezembro/2003, Porto Alegre, 2003.
19
Disponível em: <http://historiaaberta.com.sapo.pt/lib/lnk_ordena.htm> Acesso em: 20 abril 2004.
20
Disponível em: <http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/const_1824.html>Acesso em: 26 maio 2004.
21
Andrews, George Reid. Negros e Brancos em São Paulo (1888-1998). Bauru: EDUSC, 1998, p. 63.
22
Há uma sistematização dessa “expulsão” e remoção dos locais em que permaneciam os negros: mesmo quando a terra foi
comprada ou herdada de antigos senhores através de testamento lavrado em cartório. A apropriação do espaço, desde cedo, passou a
ser então uma atitude de luta e guerra.
23
Art. 3º O procedimento administrativo de que trata o artigo anterior compreenderá a elaboração de relatório técnico e de parecer
conclusivo pela Fundação Cultural Palmares, a outorga do título de propriedade e seu respectivo registro.
§ - 1º O Relatório Técnico de que trata este artigo conterá: I - a identificação dos aspectos étnicos, históricos, culturais e sócio-
econômicos do grupo; II - a delimitação e medição e a demarcação topográfica do território ocupado;
III - o levantamento dos títulos e registros incidentes sobre as terras ocupadas e a respectiva cadeia dominial, perante o registro de
imóveis competente; IV - parecer jurídico.
24
Art. 1º - ... Para efeito do disposto no caput, somente pode ser reconhecida a propriedade sobre terras que: I - eram
ocupadas por quilombos em 1888; e II - estavam ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos em 5 de
outubro de 1988. Art. 3º - Do processo administrativo constará relatório técnico e parecer conclusivo elaborados pela Fundação
Cultural Palmares - FCP.§ 1º O relatório técnico conterá: I - Identificação dos aspectos étnicos, histórico, cultural e sócio-econômico do
grupo; II - estudos complementares de natureza cartográfica e ambiental; III - levantamento dos títulos e registros incidentes sobre as
terras ocupadas e a respectiva cadeia dominial, perante o cartório de registro de imóveis competente; IV - delimitação das terras
consideradas suscetíveis de reconhecimento e demarcação; V - parecer jurídico.
25
Ver figura 5 e 6 relativas aos kraals na África.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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Editora da Universidade do Sagrado Coração, 1998.
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de definições arqueológicas. Vitória: Reunião da Aba (Associação Brasileira de Antropologia),
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13
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