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Silêncios ao entardecer

Quinta-feira, 13h. 19 de março de 2020. Cheguei ao colégio com o coração apertado. No dia
anterior, todos nós, professores e funcionários, estávamos ali presentes para uma reunião tensa e
perturbadora. Olhos nervosos, presos a uma tela de onde, brevemente, ouviríamos o
pronunciamento tão aguardado da nossa coordenação e direção. Há menos de duas semanas
estávamos vivendo a nossa rotina de ensinar com excelência, mas sempre afetuosos, qualidades
que sempre nos definiram e das quais tanto nos orgulhamos.

Naquela quarta-feira, não havia alunos, não havia risos, trocas de materiais, conversas rápidas e
abraços carinhosos de bom-dia entre uma aula e outra. Estávamos ali, no corredor da cantina,
preocupados em mantermos distância uns dos outros, agendas na mão, corações
sobressaltados, inseguros. Nada fazia sentido. Aulas pelo computador? Plataforma? Como seria
possível? Silêncio. Naquele instante, éramos personagens de um filme de ficção científica.
Desses com roteiro estranho. Mas era real e não menos assustador.

Quinta-feira. Voltei ao colégio para buscar apostilas e livros. Na entrada, alguns rostos
conhecidos: os rapazes da segurança. Sempre um sorriso educado. Àquela hora, num dia
normal, ouvir-se-iam vozes e risos, passos apressados, haveria cumprimentos, jovens à espera
de seus pais, conversas com amigos, crianças entrando para o turno da tarde. Vida pulsando
naquele prédio tão aconchegante e seguro. Agora silencioso e frio.

Caminhei por escadas e corredores, meus passos ecoavam. Ninguém. Era quinta-feira. Parei por
uns instantes no alto da escada que levava à sala dos professores. Olhei para baixo onde ficam
as mesinhas brancas próximas à cantina. Ouvi, por alguns instantes, os risos soltos dos alunos.
Vi alguns jovens estudando, outros ouvindo música, um grupo contando piadas, sempre
comendo. Parecia tão real. Não sei por quanto tempo fiquei ali. Coração apertado, pensando...

Segui meu caminho. Salas de aulas escuras, sala da coordenação. Fechada. Sala dos
professores, deserta. Ouvia-se apenas o som da porta se abrindo, passos. Os meus passos.
Juntei, roboticamente, tudo o que precisava. Ainda me sentei à mesa, olhando tudo em volta
como se fosse pela última vez. Sentimentos confusos. Uma saudade profunda invadiu minha
alma. Naquele momento, eu era Eva expulsa do Paraíso.

Armário vazio. Passos pesados de volta. Senti-me um delinquente em fuga carregando objetos
furtados. Aquilo não estava certo. Tantos anos dedicados à profissão e às pessoas a mim
confiadas. Como seria minha vida, em frente a um computador, privada do carinho dos alunos e
dos amigos verdadeiros com os quais aquele lugar me presenteara?
Já próxima ao portão da saída, um último olhar em torno: as plantinhas tão bem cuidadas, a horta
hidropônica, orgulho da 2ª série. Bem à minha frente, a secretaria. Portas fechadas como todas
as outras. Sentei-me, então, no banco ali em frente e chorei minhas dores, minhas perdas, meus
medos, minha solidão, as inseguranças, o futuro incerto...

Edna B. Santos

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