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MIGALHAS DE PESO

Função punitiva da responsabilidade civil


Renato Azevedo Sette da Silveira

A função punitiva é paralela à função compensatória e, em algumas situações, a


aplicação efetiva daquela resulta no alcance desta.
quarta-feira, 30 de novembro de 2016

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A responsabilidade civil tem como objetivo garantir a reparação ou compensação
dos danos decorrentes de uma ofensa a direito alheio, proporcionando à vítima o
retorno à situação que se encontrava antes da ocorrência do dano, conforme
estabelecem os artigos 927 e 944 do CC.
Ocorre que a indenização de cunho apenas reparatório, há muito, não tem
atendido a todas as situações da vida. Muitas vezes, o simples ressarcimento do
indivíduo lesado, preconizado na teoria tradicional da responsabilidade civil, se
mostra insuficiente para responder aos problemas de uma sociedade multicultural,
pluralista e democrática, cabendo ao direito, estabelecer novos limites, além de
prevenir e solucionar os conflitos apresentados pela sociedade contemporânea.
É nesse contexto de tensão entre os elementos clássicos da responsabilidade civil
e os novos desafios apresentados pela contemporaneidade que surge a função
punitiva da responsabilidade civil (punitive damages), relevante ferramenta, a
nosso ver, para a manutenção, credibilidade e eficácia do sistema jurídico
nacional.
A partir da função punitiva da responsabilidade civil (pena civil), é possível rever-
se o critério de mensuração das indenizações arbitradas no âmbito da
responsabilidade civil, a fim de que ao ofensor caiba não apenas a obrigação de
reparar ou compensar a vítima, mas a de pagar uma quantia extra, a título de
punição.
A função punitiva tem o objetivo de reforçar as sanções sob o escopo da
responsabilidade civil, a fim de funcionar de maneira hábil a mitigar a
possibilidade de se efetivar a hipótese na qual o agente perceba que as
consequências da sua conduta serão inferiores ao proveito auferido pela conduta
ilícita, inibindo, por exemplo, delitos em massa envolvendo as relações de
consumo e os danos de âmbito ambiental.
A importância da função punitiva da responsabilidade civil pode ser notada, ainda,
na medida em que, ao contrário da reparação, a pena civil não foca no dano
percebido pela pessoa da vítima e nem possui o objetivo de recompor o seu
patrimônio. Seu fundamento é pedagógico, ou seja, cuida-se de desestimular o
ofensor à pratica de condutas socialmente intoleráveis (prevenção especial) e,
reflexamente, estaria a inibir atuações semelhantes por parte de todos os
potenciais ofensores que se encontram em idêntica situação (prevenção geral).
Quanto à admissibilidade da pena civil pelo Direito Brasileiro, é possível perceber
que os tribunais demonstram grande timidez na aplicação da função punitiva,
enquanto a doutrina ainda resiste na aceitação desta, o que decorre, em grande
parte, do fato de o sistema jurídico da responsabilidade civil no Brasil não permitir
a adoção da função punitiva ao lado da compensatória, em razão da separação
entre o direito civil e o direito penal.
Nesse contexto, o princípio da legalidade, que orienta o direito penal, seria motivo
suficiente para afastar qualquer pretensão punitiva no âmbito da responsabilidade
civil, uma vez que não há previsão legal para punição dos agentes causadores do
dano extrapatrimonial.
Entretanto, falta solidez ao referido entendimento. Isso porque, no âmbito penal,
a taxatividade é necessária, pois o Estado tomou para si a possibilidade de tolher
a liberdade de seus cidadãos diante de determinadas infrações aos comandos
previamente estabelecidos em lei, ou seja, a atuação do Estado é imperativa na
repressão dos ilícitos penais. Já no Direito Civil, a responsabilização dos agentes
causadores de dano diz respeito, na sua grande maioria, às relações estabelecidas
entre particulares. A iniciativa em buscar a tutela jurisdicional deve partir
daqueles que foram lesados ou necessitam de algum provimento do Estado para
satisfação do seu direito.
Assim, a divergência existente na doutrina parece residir na afirmação de que
pena existe tão somente na esfera penal, sendo inviável sua aplicação no âmbito
civil, ante a ausência de uma cláusula geral autorizadora.
O STJ vem admitindo, com ressalvas, a aplicação da pena civil, o que serve de
importante sinalização para os demais órgãos jurisdicionais pátrios. Apesar de
ainda se afigurarem escassos os precedentes que enfrentam a temática, já é
possível vislumbrar os critérios adotados pela Corte Superior para a aplicação
do punitive damages  e, portanto, a inconteste inclinação à própria aplicação do
instituto. Como exemplo, citamos o REsp 839.923/MG, no qual atou como relator
o ministro Raul Araujo, da Quarta Turma, e o REsp 210.101/PR, no qual funcionou
como relator o ministro Carlos Fernando Mathias, da mesma Quarta Turma.
No primeiro caso (REsp 839.923/MG), entendeu o ministro Raul Araújo que, ante
a absoluta reprovabilidade da conduta dolosa dos Recorridos, o valor da
indenização deveria atender também ao seu caráter punitivo-pedagógico:
(...) "considerando o comportamento doloso altamente reprovável dos ofensores,
deve o valor do dano moral ser arbitrado, em atendimento ao caráter
punitivopedagógico e compensatório da reparação, no montante de R$ 50.000,00,
para cada um dos réus, com a devida incidência de juros moratórios e correção
monetária". (...)
No mesmo sentido, o ministro Carlos Fernando (REsp 210.101/PR), argumenta
que:
(...) "Ainda que não muito farta a doutrina pátria no particular, têm-se designado
as "punitive damages" como a "teoria do valor do desestímulo" posto que, repita-
se, com outras palavras, a informar a indenização, está a intenção punitiva ao
causador do dano e de modo que ninguém queira se expor a receber idêntica
sanção. (...) "O critério que vem sendo utilizado por essa Corte Superior na
fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições
pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com
moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada
caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como
que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito. " (...)
Portanto, a nosso ver, a função punitiva é paralela à função compensatória e, em
algumas situações, a aplicação efetiva daquela resulta no alcance desta. Assim,
apesar das divergências doutrinárias apontadas, entendemos que a função
punitiva tem o condão de impedir que a indenização seja meramente simbólica,
ou seja, num patamar tão insignificante que não represente agravo ao agente
causador do dano. Admitindose essa linha, o dano extrapatrimonial teria por
objetivo o alcance de não apenas duas, mas de três finalidades: compensar, punir
e dissuadir.
__________
*Renato Azevedo Sette da Silveira é advogado do escritório Pinheiro,
Mourão, Raso e Araújo Filho Advogados. 

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