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Curso: Bases Metabólicas da Nutrição

Versão 1.0

Texto Base 2 – Metabolismo hepático, processos de síntese e regulação integrada


do metabolismo

Fernando Catanho

O organismo humano, quando submetido a condições estressoras, mostra uma capacidade


de resposta bastante diversificada. Dentre estas respostas podemos destacar a gliconeogênese e a
cetogênese, em condições estressoras como o jejum, o exercício físico extenuante, o diabetes
descontrolado, a sepse, etc. Entre a gliconeogênese e a cetogênese existe uma elevada
concomitância, uma vez que o tecido altamente responsável por ambos é o fígado.
A gliconeogênese é um processo que, como o próprio nome diz, representa a formação
“nova” de glicose. Na bioquímica básica é entendida como o processo em que é possível haver
síntese de glicose a partir de compostos que não são carboidratos. As matérias-primas para que
este evento aconteça são: os aminoácidos, o lactato e o glicerol. Dentre estas, os de maior
destaque são os aminoácidos, por uma questão de quantidade disponível para serem
transformados em glicose em nosso organismo. Dentre os hormônios que sinalizam a ativação
deste processo no fígado, podemos destacar o cortisol.
O evento determinante para que a gliconeogênese ocorra é a retirada de um intermediário
do ciclo de Krebs, de dentro da mitocôndria, para o citosol. Este intermediário é o Oxaloacetato,
um dos precursores para que o ciclo de Krebs possa ser iniciado, junto do Acetil-CoA. Ao ser
enviado ao citosol, o Oxaloacetato é transformado em Fosfoenolpiruvato, que é um precursor
para que a via da gliconeogênese possa ocorrer. É importante salientar que esse processo tem um
custo energético para o organismo, que é de 6 moléculas de ATP por glicose refeita por esta via.
Tecnicamente, a via da gliconeogênese segue o sentido inverso da via glicolítica, utilizando
algumas enzimas diferentes desta, de forma a reverter os passos irreversíveis da própria via
glicolítica. A equação geral da via gliconeogênica aparece abaixo:

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© Ao aluno é permitido fazer uma cópia do material didático disponibilizado para uso próprio. De acordo com a Lei n o.
9.610 de 19/02/1998, que trata de direitos autorais, todo aluno fica proibido de propagar, distribuir e vender o
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intelectual.
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Aminoácidos/lactato/glicerol + NADH + ATP  Glicose + ADP + Pi + NAD+


+ NH4

Quando a gliconeogênese ocorre a partir dos aminoácidos, vale a ressaltar que a estrutura
carbônica dos mesmos é útil para a formação de glicose, enquanto que o resíduo nitrogenado
(NH4) deve ser metabolizado para ser excretado do organismo. Esse metabolismo hepático cuida
de transformar a amônia (NH4) em uréia, através do ciclo da Uréia. Esse ciclo guarda uma
semelhança com o ciclo de Krebs, uma vez que conta com a participação de 2 precursores para o
seu início (Carbamoil-P e Ornitina) e, ao seu final, regenera um destes, que é a Ornitina. Outro
detalhe que conecta o ciclo da Uréia ao ciclo de Krebs é a reação de transaminação entre
Glutamato e Oxaloacetato, que acaba gerando Alfa-cetoglutarato e Aspartato. O Aspartato é mais
um precursor do ciclo da Uréia, junto da NH4 e do bicarbonato (HCO3-).
De maneira concomitante à ocorrência da via gliconeogênica, temos a presença da
cetogênese. Esse processo é extremamente estimulado pois, com a saída de Oxaloacetato de
dentro das mitocôndrias hepáticas, há uma “sobra” de moléculas de Acetil-CoA. Essas moléculas
são “empacotadas” para serem, posteriormente, exportadas do fígado. Tecnicamente, o
empacotamento de moléculas de Acetil-CoA gera os chamados corpos cetônicos, que dão origem
ao processo de cetogênese aqui discutido.
Nosso organismo produz 3 tipos diferentes de corpos cetônicos: Acetona, Acetoacetato e
Beta-hidroxibutirato. Com exceção da acetona, que é volátil e pode ser expirada, os outros 2
corpos cetônicos podem ser aproveitados por tecidos extra-hepáticos como fonte de energia, uma
vez que o “desempacotamento” dos mesmos gera novamente moléculas de Acetil-CoA, que é
inserida no ciclo de Krebs destes tecidos e acaba por viabilizar a produção de energia pelo
metabolismo aeróbico/oxidativo. Um dos problemas desta via é que, o aumento da contração
plasmática de corpos cetônicos, pode levar à cetose, que ocasiona um abaixamento do pH no
sangue, condição esta que pode atrapalhar o funcionamento sistêmico celular. O aumento da
concentração de corpos cetônicos pode ser medido no sangue (cetonemia) e na urina (cetonúria),
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sendo essa situação muito comum no jejum, exercício físico extenuante, déficit de carboidratos na
dieta e no diabetes descontrolado.
Contrário ao ambiente catabólico discutido até então, os processos de síntese/anabólicos
dependem de uma sinalização hormonal diferente: a insulina. Além desta sinalização, a oferta de
macro e micronutrientes também é pressuposto fundamental para que as sínteses ocorram com
qualidade.
Primeiramente, a síntese de lipídios depende, especialmente, de uma oferta bastante
virtuosa dos macronutrientes na dieta, quaisquer que sejam estes. O excedente de carboidratos,
lipídios e aminoácidos pode levar à síntese de lipídios. Um elemento fundamental para que a
síntese seja iniciada é o acúmulo de citrato nas mitocôndrias das células adiposas e hepáticas. Esse
acúmulo de citrato é possível quando muitos substratos estão sendo oferecidos ao ciclo de Krebs e
o mesmo apresenta uma baixa velocidade de funcionamento, ou seja, a cadeia respiratória não
oxida grandes quantidades de coenzimas, o que gera uma regulação alostérica negativa de
algumas enzimas do ciclo de Krebs, regulação esta feita pela coenzima NADH e pela elevada razão
ATP/ADP, especialmente.
O citrato é conduzido da mitocôndria para o citosol das células adiposas e hepáticas, onde
é quebrado novamente em Acetil-CoA e Oxaloacetato. O Acetil-CoA é transformado em Malonil-
CoA, um dos precursores da lipogênese, junto do próprio Acetil-CoA. O metabolismo do
Oxaloacetato irá gerar NADPH, uma coenzima fundamental para as sínteses redutoras, ou seja,
síntese de macromoléculas altamente reduzidas como os lipídios. Importante salientar que o
NADPH também é formado pela via das pentoses-fosfato, via esta que também é estimulada a
partir do acúmulo de citrato dentro das mitocôndrias e sua posterior condução ao citosol. Ainda
importante salientar que o transporte de lipídios pela corrente sanguínea pode ser feito pelas
proteínas plasmáticas como a albumina ou mesmo pelas lipoproteínas plasmáticas, como os
quilomícrons, a VLDL (lipoproteína de muito baixa densidade), IDL (lipoproteína de densidade
intermediária) e LDL (lipoproteína de baixa densidade). Por fim, importante salientar que o Acetil-

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CoA é a molécula precursora de outro lipídio bastante importante em nosso organismo: o


colesterol.
Já a síntese de glicogênio, para ocorrer no fígado e nos músculos, depende basicamente de
uma virtuosa oferta de carboidratos na dieta. Para cada molécula de glicose incorporada na forma
de glicogênio, há um gasto de 2ATPs. Importante para que este processo ocorra é a ativação das
enzimas que fosforilam a molécula de glicose, sendo que no fígado a enzima é a glicoquinase e no
músculo a hexoquinase. A glicose 6-fosfato é molécula precursora para a síntese de glicogênio.
Para que esta síntese seja possível, é fundamental que a concentração intracelular de AMPc esteja
baixa, de forma a ativar a enzima glicogênio sintase, enzima-chave na síntese de glicogênio.
Por fim, outra macromolécula sintetizada a partir da sinalização da insulina é a proteína. A
necessidade de energia para a síntese desta é muito vultuosa, uma vez que um simples peptídio
de 10 aminoácidos, para ser sintetizado, consome aproximadamente 90ATPs. Vale salientar que
temos proteínas que variam muito com relação à sua quantidade de aminoácidos em sequência,
encontrando algumas com 580 e outras com 25.000 aminoácidos. Importante salientar que deste
processo de síntese que deriva da união de vários aminoácidos em ligações peptídicas, além das
proteínas, é fundamental a síntese de hormônios, enzimas e ainda de nucleotídeos.
Todos os processos de síntese, de forma geral, dependem de um grande aporte de macro e
micronutrientes, além da sinalização de hormônios anabólicos como a insulina, o IGF-1 (fator de
crescimento semelhante à insulina) e a testosterona. Todo excedente de esqueletos carbônicos
não-oxidados acaba por gerar o estoque de TAG (triacilglicerol) nos tecidos, especialmente o
adiposo e o fígado. Os grupos NH4 devem ser excretados nas formas de uréia, ácido úrico,
creatinina e até na forma de NH4 uma vez que o excesso de grupos nitrogenados apresenta
toxicidade ao organismo.

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Referências Bibliográficas

Marzzocco, A.; Torres, B.B. Bioquímica Básica. 3ª ed: Guanabara Koogan, 2007.
Nelson, D.L.; Cox, M.M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6ª ed: Artmed, 2014.
Voet, D.; Voet, J.G. Bioquímica. 4ª ed: Artmed, 2013.

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