ISSN 1980-3540

Volume 17 • No 2 • 2022

Conceitos em Genética
Genética e Sociedade
Na Sala de Aula
Materiais Didáticos
Resenhas
Um Gene
Índice
Editorial
A Genética na Escola completa uma nova etapa de sua jornada
Eliana Dessen

Conceitos em Genética
Ancestralidade e a estrutura genética da população brasileira.............................................139
Maria Luisa de Barros Rodrigues, Juliet Figueiredo Gonçalves Maciel, Cláudia Emília Vieira Wiezel,
Igor Caetano Dias Alcarás, Ana Maria Barbosa Pessotti, Aguinaldo Luiz Simões

Genética e Sociedade
Metilação do DNA e predição de idade para fins forenses...................................................150
Matheus de Sousa Ferrari, Thássia Mayra Telles Carratto, Silviene Fabiana de Oliveira, Celso Teixeira Mendes Junior
Como a genética contribuiu para compreender os efeitos biológicos
da exposição humana à radiação ionizante de Césio-137?..................................................158
Lorraynne Guimarães Oliveira, Samara Socorro Silva Pereira, Elza Maria Gonçalves Santos Uchoa, Daniela de Melo e Silva,
Emília Oliveira Alves Costa, Thaís Cidália Vieira Gigonzac, Cláudio Carlos da Silva, Aparecido Divino da Cruz

Na Sala de Aula
Que bacalhau é esse? – Uma abordagem lúdica introdutória
para a aplicação prática de sequências de DNA em sala de aula..........................................168
Carine Belau de Castro Martins, Ieda Zanotti, Antonio Mateo Solé-Cava

Materiais Didáticos
Identificando variantes de DNA utilizando conceitos
do pensamento computacional no ensino médio.................................................................180
Renato Augusto Corrêa dos Santos, Thayana Vieira Tavares, Matheus Scaketti, Jayme Sakae dos Reis Furuyama,
Guilherme Henrique Gomes, Alexandre Colato, Carlos Norberto Fischer
AmEG – Ambientes e Expressão Gênica..............................................................................191
Shenia Pedro Bom da Silva, Iris Hass
Como determinar a herdabilidade para um caráter quantitativo?........................................215
Kaliana Ferreira, Luísa Bertolini, Maria Imaculada Zucchi, Enéas Ricardo Konzen

Resenhas
Portal GenomaUSP: materiais didáticos para o ensino de Genética.....................................237
Andréa Grieco Nascimento, Maricí Leite, Bruna Trench, Mirelly Soares, Eliana Dessen

Um Gene
O gene MFN2 e sua associação com a Lipomatose Simétrica Múltipla................................239
Matheus Oliveira de Sena, Josivan Gomes Lima, Julliane Tamara Araújo de Melo Campos
Síndrome de Dunnigan: uma rara doença relacionada ao gene LMNA.................................246
Monique Alvares da Silva, Josivan Gomes Lima, Julliane Tamara Araújo de Melo Campos
Editorial A Genética na Escola completa uma nova etapa de sua jornada. Este editorial discute o perfil da revista,
sinaliza o depósito da revista no Periódicos em Nuvens e o término do processo artesanal de submissão de manuscri-
tos e também agradece o patrocínio da Mendelics para o ano de 2022.
Ao longo dos anos, verificou-se que a seção Investigações em Ensino de Genética, a única que trazia con-
tribuições originais sobre a pesquisa em ensino, foi recebendo um número de submissões gradualmente menos ex-
pressivo e com níveis muito altos de recusa, próximos a 90%. Para o corpo editorial, essa foi uma indicação de que a
“vocação” da GE não era a de apresentar resultados inéditos de pesquisa em ensino e, por isso, a seção acabou sendo
extinta em janeiro de 2022. Assim, o perfil da Genética na Escola consolidou-se por conter abordagens pedagógicas
criativas e inovadoras para o ensino aprendizagem da Genética e da Biologia evolutiva, atualizações conceituais da
Genética Moderna, e também por propiciar reflexões e discussões sobre os desdobramentos de novas tecnologias
na vida cotidiana e a fornecer material didático facilitadores da aprendizagem em sala de aula. Em outras palavras,
a GE afirmou-se como uma revista de apoio ao ensino. Procurou-se enfatizar cada vez mais conteúdo e linguagem
que atendesse a comunidade de professores dos ensinos médio e superior. A linguagem de divulgação científica foi
priorizada, sem perder a qualidade e precisão da informação veiculada.
O perfil da Genética na Escola como uma revista que “dá vontade de mostrar” deve muito à dedicação, cria-
tividade e eficiência do Pérsio Marcondes, que formatou uma revista com um padrão visual maravilhoso e que torna
a leitura mais fácil e convidativa. Por isso, o corpo editorial propõe que o Pérsio passe a ser o Diretor de Arte da GE.
A chegada da pandemia de Covid-19, impossibilitando a realização de congressos presenciais durante 2
anos, colocou a SBG em situação financeira crítica. Para não alterar o padrão de qualidade gráfica da Genética na
Escola e permitir a implantação da revista no sistema de Periódicos em Nuvens, um plano de longa data, buscou-se
o apoio da iniciativa privada. O patrocínio integral da Mendelics/Meu DNA permitiu, não apenas a manutenção da
revista em 2022, como também a modernização de sua infraestrutura. À Mendelics, os nossos agradecimentos.
O atual número da Genética na Escola foi o último a ser editado por meio de um processo artesanal de sub-
missão e análise de manuscritos. Este mesmo número inaugura a submissão eletrônica dos manuscritos e a inserção
de toda a coleção de artigos da GE no Periódicos em Nuvens, no sistema OJS, Open Jornal System. Além disso, o nú-
mero DOI passou a ser atribuído para todos os artigos, um requisito há muito almejado por todos os autores da GE.
A partir de setembro de 2022, as submissões passam a ser eletrônicas e os autores deverão acessar https://
geneticanaescola.emnuvens.com.br/revista para enviar suas contribuições. O antigo site da Genética na Escola https://
www.geneticanaescola.com/ foi desativado para uso e contém apenas o redirecionamento para o novo site.
Durante a trabalhosa fase de implantação da GE no sistema OJS destaca-se a contribuição de Pérsio Mar-
condes do Amaral, responsável pela edição de arte da GE, pela adaptação do tamanho e da rediagramação parcial das
primeiras páginas dos artigos, que podiam ser lidas em página aberta. Outro destaque na fase de implantação foi a
Eveli Alexandre, que juntamente com a Lepidus e a editora, ajudou a configurar o sistema OJS para a publicação da
GE.
A revista Genética na Escola permanece com vontade de crescer ainda mais. Temos desafios e ambições pela
frente, como melhorar a divulgação dos números e participar das redes sociais. Nos ajude a formar uma comunidade
de apoio e trocas para professores que precisem de materiais didáticos e ideias inovadoras para o ensino de Genética
e Biologia Evolutiva na sala de aula. Imagine quão ricas e criativas poderiam ser as interações e como poderíamos
contribuir ainda mais para promover a alfabetização em Genética e, no final das contas, a alfabetização científica das
próximas gerações de jovens brasileiros.

Eliana Dessen
 CONCEITOS EM GENÉTICA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Ancestralidade e a estrutura
genética da população brasileira

Maria Luisa de Barros Rodrigues1, Juliet Figueiredo Gonçalves Maciel1,

Cláudia Emília Vieira Wiezel2, Igor Caetano Dias Alcarás1,
Ana Maria Barbosa Pessotti1, Aguinaldo Luiz Simões2
1
Programa de Pós-Graduação em Genética, FMRP, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP
2
Departamento de Genética, FMRP, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP
Autor para correspondência - m.rodrigues91@gmail.com

Palavras-chave: ancestralidade, estrutura genética, população brasileira, estudos de associação,

genética médica, diferenciação populacional

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 139

 CONCEITOS EM GENÉTICA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Ancestralidade é um termo que atrai a atenção da maioria das pessoas, pois remete à história
de cada um de nós e nossas famílias. Em decorrência desse interesse, surgem empresas ofere-
cendo exames com propagandas como “Quais são as suas origens?”. Então, as pessoas buscam
por esses exames motivadas pela curiosidade ou necessidade de criar vínculos ancestrais, uma
vez que a maioria sabe muito pouco ou nada sobre seus antepassados. O que geralmente as
pessoas não sabem é que a ancestralidade nos diz muito mais do que nossas origens, nos conta
sobre a história de todas as populações e contribui para a genética médica.

Ao longo do texto, serão abordados concei-
tos de ancestralidade genética, formas de
estimá-la, sua importância na genética médi-
ca, a formação de subpopulações humanas e
estrutura genética da população brasileira. É
importante ressaltar que esse artigo se atém à
conotação biológica de ancestralidade, o que
não deve ser confundido com o conceito de
raça, que é de cunho sociopolítico. A diferen-
ciação genética entre grupos populacionais
humanos é muito baixa, não havendo, por-
tanto, razão biológica para separar a espécie
humana em raças.
Esse primeiro conceito está atrelado a ma-
nifestações culturais e políticas dos nossos
antepassados, às tradições familiares e re-
lações afetivas e não se relaciona direta ou
exclusivamente à composição genética dos
indivíduos. Nesse caso, precisamos conhecer
os antepassados e suas histórias para saber
qual seria a origem de cada um deles, isto é,
de que país vieram e a qual grupo cultural
pertencem.

Conceitos de
ancestralidade
A ancestralidade é um conceito amplo que
aparece em contextos socioculturais, em que
se refere à ancestralidade genealógica, e bio-
lógicos, em que geralmente se refere à ances-
tralidade genética.
O termo ancestralidade genealógica é um
conceito mais subjetivo, que envolve a linha-
gem familiar e se refere à árvore genealógica
de uma família. Por exemplo, como ilustrado
na Figura 1, costumamos dizer que um in-
divíduo cujos pais são espanhóis também é
espanhol. Ou então que um indivíduo com
pais vindos da Itália e Nigéria é meio italiano
e meio nigeriano. Por extensão, um indiví-
duo que seja descendente de um espanhol e
de um meio italiano e meio nigeriano, será
metade espanhol, um quarto italiano e um Figura 1.
Árvore genealógica. É a
quarto nigeriano. Apesar de muitas vezes a representação de uma história
ancestralidade genealógica ser mencionada familiar, a partir da qual
em proporções, geralmente há um ramo da conseguimos observar as
árvore cujas tradições se sobressaem. conexões entre os indivíduos,
sejam descendentes ou
antepassados.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 140

 CONCEITOS EM GENÉTICA
A ancestralidade genética é um conceito
de caráter científico que se refere à relação
genética entre um indivíduo e seus ances-
trais, indivíduos dos quais se descende bio-
logicamente. Diferentemente da genealógi-
ca em que se herda a genealogia completa,
somente parte dos ancestrais genealógicos
estarão presentes na ancestralidade gené-
tica, pois esta diz respeito exclusivamente
aos segmentos de DNA que é herdado dos
progenitores. Em outras palavras, enquan-
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
to a ancestralidade genealógica refere-se às
raízes geográficas e tradições familiares, a
ancestralidade genética resulta de eventos
de recombinação cromossômica, divisão
meiótica e fusão de gametas ao longo das ge-
rações, como se observa na Figura 2. Após
múltiplas gerações e novos eventos de mis-
cigenação e recombinação (Gn), o material
genético será semelhante a um mosaico, em
que cada trecho de DNA será originário de
uma região geográfica específica.
Figura 2.
Formação de populações
miscigenadas. Consideramos
duas populações ancestrais A
e B como geração inicial (G0).
Após miscigenação dessas
populações, origina-se a
primeira geração de população
miscigenada A. A partir de G1,
quando ocorre um evento de
recombinação cromossômica,
um mesmo cromossomo passa a
apresentar trechos referentes a
ancestralidades diferentes.
Sociedade Brasileira de Genética 141
 CONCEITOS EM GENÉTICA
Estimando a
ancestralidade
genética
A ancestralidade de uma população é esti-
mada pela comparação de suas frequências
alélicas com as de amostras de populações
consideradas representativas das ancestrais,
as chamadas populações de referência. Tra-
ta-se, portanto, de uma inferência a partir
da similaridade genética entres elas. Ao
considerar que populações de referência
descendem das populações ancestrais, po-
demos inferir que essa relação de similari-
dade é, por extensão, uma relação de ances-
tralidade.
Para inferir a ancestralidade genética, po-
dem ser utilizadas duas abordagens – an-
cestralidade global e local, isoladamente ou
combinadas – escolhidas de acordo com o
objetivo da análise e da disponibilidade de
marcadores genéticos. Para ambas as abor-
dagens, existem softwares específicos que
utilizam testes probabilísticos cujos resul-
tados devem ser criteriosamente interpre-
tados.
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
A ancestralidade global é uma estimativa
da proporção da contribuição de cada po-
pulação ancestral para todo o genoma de
um indivíduo, ou seja, é a porcentagem do
genoma que se originou de cada população
ancestral. No gráfico de barras da Figura 3,
cada barra vertical é formada por diferentes
componentes ancestrais, cujos tamanhos
representam as proporções de ancestralida-
de de um indivíduo. Nessa imagem, é pos-
sível identificar a existência de populações
distintas, ou até mesmo subpopulações, ao
observar agrupamentos de indivíduos que
apresentam as mesmas ancestralidades em
proporções aproximadas. Notam-se também
os diferentes graus de miscigenação das po-
pulações, sendo as populações mais miscige-
nadas as que apresentam grandes proporções
de DNA de múltiplas origens.
Outra forma de representar a ancestralidade
global é através do gráfico de triângulo (Fi-
gura 3), onde os indivíduos são distribuídos
na área do gráfico de acordo com suas por-
centagens de ancestralidade. Os indivíduos
Marcador genético - Os mar-
que se agrupam nos vértices do triângulo são cadores genéticos são trechos
aqueles de populações representantes das cromossômicos que apresentam
ancestrais e os indivíduos miscigenados en- alguma variação na sequência
contram-se dispersos. de nucleotídeos e, portanto,
são utilizados para estudar
as diferenças genéticas entre
indivíduos.
Figura 3.
Representações da estimativa
de ancestralidade global. Na
forma de gráfico de barras,
visualizamos as proporções
de ancestralidade de cada
indivíduo (cada barra) e
agrupamentos populacionais de
indivíduos com ancestralidades
semelhantes. Na forma
de gráfico de triângulo,
visualizamos os indivíduos
(pontos) das populações
representantes das ancestrais
(população 2, 3 e 4) fixados nos
vértices, enquanto indivíduos
da população miscigenada
(população 1) encontram-se
dispersos pela área do triângulo
de acordo com suas proporções
de ancestralidade.
Sociedade Brasileira de Genética 142
 CONCEITOS EM GENÉTICA
A estimativa do número correto de popula-
ções ancestrais nem sempre é fácil. O pes-
quisador deve conhecer bem a história da
população que está sendo analisada e então
definir o melhor número. Sabe-se que a po-
pulação brasileira é majoritariamente tri-hí-
brida, sendo assim, na maioria das análises
tem-se três ancestrais (europeu, africano e
ameríndio), o que permite a representação
das proporções de ancestralidade na for-
ma de gráfico de triângulo. Entretanto, esse
número pode variar dependendo da amos-
tra populacional que está sendo estudada,
podendo ser acrescentado na análise um
outro componente ancestral se a população
em questão tiver imigrantes de outros gru-
pos populacionais em sua formação, como os
asiáticos, por exemplo. Nesses casos em que
há mais populações ancestrais, a representa-
ção das proporções de ancestralidade é mais
acurada através do gráfico de barras.
A estimativa de ancestralidade global pode
ser feita tanto em nível individual quanto
populacional e geralmente são utilizados de
dezenas a centenas de marcadores genéti-
cos informativos de ancestralidade (AIMs
– Ancestry Informative Markers) espalhados
pelo genoma (cromossomos autossômicos,
X, Y e mitocondrial). Atualmente, com o
avanço da bioinformática, é possível a análise
de dados em larga escala, fazendo com que
um painel bem mais denso de AIMs seja con-
siderado para a inferência de ancestralidade.
Os cromossomos autossômicos, os mais uti-
lizados, por sofrerem recombinação, apresen-
tam haplótipos que são excelentes marca-
dores de individualidade, mas são um pouco
menos informativos em termos de ancestrali-
dade. Os cromossomos X, Y e mitocondrial
apresentam padrões particulares de herança
que diferem dos autossômicos, o que deve ser
considerado antes de iniciar as estimativas
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
de ancestralidade. Isso ocorre porque os cro-
mossomos Y e mitocondrial são haploides,
portanto não sofrem recombinação como os
cromossomos autossômicos e assim perma-
necem com a sequência de nucleotídeos mui-
to mais conservada ao longo das gerações.
Dessa forma, os marcadores dos cromosso-
mos Y e mitocondrial fornecem informações
que podem remontar há várias gerações e per-
mitem a reconstituição da história inicial de
uma nação através das migrações de homens
e mulheres respectivamente. Já o cromosso-
mo X deve ser utilizado lembrando que esse
apresenta um padrão diploide em indivíduos
de sexo biológico feminino, mas haploide no
sexo biológico masculino.
Sabendo que o genoma de um indivíduo
miscigenado é como um mosaico, em que
cada segmento do DNA pode ser oriundo
de uma população ancestral diferente, a esti-
mativa de ancestralidade local é justamente
a atribuição de cada segmento cromossômi-
co às respectivas populações ancestrais. Na
Figura 4 vemos uma representação de cro-
mossomos em diversos graus de miscigena-
ção, apresentando segmentos de colorações
distintas. Quanto mais miscigenado é um
indivíduo, mais trechos de origens distintas
serão observados em seu cromossomo.
Essa estimativa de ancestralidade local é
realizada a partir de centenas de milhares
de marcadores genéticos, portanto, confere
ainda mais acurácia aos estudos de associa-
ção, uma vez que permite estimar a ancestra-
lidade especificamente da região de genes e
variantes alvos, enquanto a global apresenta
uma média para todo o genoma. Além disso,
mesmo entre indivíduos que apresentam os
mesmos valores globais, a distribuição de an-
cestralidade local ao longo do genoma pode
ser bem diferente, trazendo informações
muito relevantes a nível individual.
Haploides - Células haploides
são aquelas que apresentam
uma única cópia de cada
cromossomo. Os humanos são
seres diploides, apresentam
duas cópias de cada
cromossomo autossômico em
suas células somáticas, mas
apresentam somente uma cópia
do cromossomo sexual Y (em
indivíduos do sexo biológico
masculino) e do mitocondrial.
Marcadores informativos
de ancestralidade - são
marcadores genéticos que
apresentam uma diferença
de frequência alélica (δ)
de ao menos 30% entre as
populações. Quanto maior δ,
mais informativo é o marcador.
Adicionalmente ao δ, os AIMs
mais interessantes para serem
aplicados nas análises de
ancestralidade são aqueles
que apresentam baixa taxa de
mutação e amplicons pequenos
para facilitar a análise de DNA
degradado.
Estudos de associação -
buscam associar características
fenotípicas a variantes
genéticas.
Haplótipos - são combinações
de alelos de marcadores
genéticos localizados em um
mesmo cromossomo.
Figura 4.
A ancestralidade local é a
ancestralidade atribuída a cada
trecho do DNA, conferindo
um aspecto de mosaico ao
cromossomo.
Sociedade Brasileira de Genética 143
 CONCEITOS EM GENÉTICA
A diferenciação da
espécie humana
Os eventos evolutivos provocam alterações
na composição genética de uma população
ao longo das gerações, o que pode ocasionar
o aparecimento de subpopulações diferencia-
das. Portanto, para entendermos um pouco a
história da população humana e o surgimen-
to de subpopulações de ancestralidades dis-
tintas, é necessário revermos os eventos evo-
lutivos aos quais os seres vivos estão sujeitos.
Mutação altera o pool gênico de uma po-
pulação, pois é a única fonte primária de va-
riabilidade genética desde a origem da vida,
ou seja, é assim que surgem novas variantes.
Nos seres humanos, a mutação poderá ser
passada aos descendentes e perpetuar na po-
pulação se ocorrer em células germinativas.
A seleção natural, por sua vez, é o evento
evolutivo responsável pela perpetuação ou
desaparecimento de variantes, resultando
na adaptação ou extinção de uma espécie ou
população. No caso da população humana,
a conquista de novos ambientes submeteu
os indivíduos migrantes a diferentes pres-
sões seletivas devido às diferenças climáticas
(altitude/latitude, temperatura, sazonalida-
des), diferença na disponibilidade de água
e alimentos, alterações do estilo de vida (ca-
çadores/coletores ou agricultores/pastores),
exposição a diferentes patógenos etc. Assim,
em cada região do planeta, houve um pool gê-
nico diferente selecionado.
A migração, ou fluxo gênico, afeta a compo-
sição genética populacional de duas formas:
(1) pelo aumento de variabilidade genética,
quando uma população recebe um pool gê-
nico diferente do preexistente, ou (2) pela
redução da variabilidade genética, quando
o grupo emigrante carrega alelos que ficarão
com baixa frequência ou ausentes na popu-
lação de origem após a migração. Conforme
ocorria o crescimento demográfico da espé-
cie humana, entre 70 mil e 120 mil anos atrás
ocorreram várias ondas migratórias levando
a espécie a habitar todos os continentes.
Entretanto, houve um período de isolamen-
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
to geográfico das subpopulações durante a
primeira fase da história humana devido ao
processo de dispersão e fragmentação dos
grupos de Homo sapiens. Como resultado do
isolamento, aliado aos outros fatores evoluti-
vos, houve um acúmulo de variações genéti-
cas diferenciando gradualmente essas subpo-
pulações em ancestralidades distintas.
O padrão de cruzamentos também altera
a composição genética de uma população.
Em populações grandes e panmíticas, isto
é, em que os cruzamentos ocorrem ao aca-
so, provavelmente haverá uma manutenção
da composição genética de uma geração para
a outra. Em populações muito pequenas ou
quando ocorrem cruzamentos preferenciais,
haverá uma redução na variabilidade genéti-
ca entre as gerações devido à endogamia, que
é o acasalamento entre indivíduos genetica-
mente semelhantes.
Pool gênico - é o conjunto de
Por último, deriva genética é a alteração da alelos de uma população ou
composição genética de uma população ao grupo de indivíduos.
acaso de uma geração para outra, seja por
eventos de sobrevivência, reprodução ou he-
rança genética. É nas populações pequenas
que os efeitos da deriva genética são mais
acentuados, pois cada indivíduo representa
uma proporção grande da população. Em po-
pulações grandes, a deriva genética também
ocorre, porém provoca alterações tênues.
Como explicado acima, os eventos evolutivos
contribuíram para o estabelecimento de sub-
populações da espécie humana apresentando
divergências genéticas suficientes para serem
classificadas em ancestralidades distintas.
Como consequência, estimando a composi-
ção ancestral das populações, conseguimos
inferir sobre os eventos evolutivos, princi-
palmente migração e miscigenação.
Ao estimarmos as proporções de ancestra-
lidade de uma população, inferimos que de-
terminadas populações ancestrais se misci-
genaram, portanto coexistiram. Por extensão
dessa ideia, grupos de algumas das popula-
ções ancestrais precisaram migrar até esses
locais de coexistência, então a ancestralidade
dos diferentes povos indica possíveis rotas
migratórias de seus ancestrais.
Sociedade Brasileira de Genética 144
 CONCEITOS EM GENÉTICA
Quando esses povos se encontram, aconte-
cem eventos de miscigenação e há recombi-
nação cromossômica, então o cromossomo
passa a apresentar traços de origens geográ-
ficas diferentes, como pode ser visto na Figu-
ra 2. Com o passar do tempo e novos even-
tos de recombinação acontecendo a cada
geração, esses traços ancestrais tornam-se
cada vez menores. Portanto, o tamanho dos
traços ancestrais permite estimar uma da-
tação para os eventos de miscigenação, pois
essa redução é proporcional a quantas gera-
ções atrás ocorreu a miscigenação. Quanto
maiores os traços ancestrais, mais recente é o
evento de miscigenação e, quanto menores,
mais antigo.
Breve histórico
da população
brasileira
A população brasileira apresenta uma estru-
tura tri-híbrida resultante de mais de 500
anos de cruzamento entre os povos princi-
palmente nativos americanos, europeus e
africanos. Como resultado da miscigenação
desses povos ao longo desse período, a estru-
tura genética da população brasileira tornou-
-se complexa, portanto, para entendê-la me-
lhor, precisamos saber um pouco da história
do país.
Durante o início da colonização, entre os sé-
culos XVI e XVIII, chegaram em torno de
700 mil portugueses ao Brasil, onde, na épo-
ca, havia nativos americanos cujas estimati-
vas da população são bem variáveis, desde 1
milhão até 6,8 milhões de habitantes. Inicial-
mente, a miscigenação no Brasil resultou da
relação de homens europeus com mulheres
nativas americanas, entretanto, a população
nativa americana foi bruscamente reduzida
por conflitos com os portugueses e doenças
trazidas por eles.
Logo no primeiro século de colonização até
o século XIX, aproximadamente 4 milhões
de africanos oriundos principalmente da
Guiné, Congo, Angola, Moçambique e Nigé-
ria foram trazidos para o Brasil para serem
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
escravizados em fazendas de cana-de-açúcar
e depois em minas de ouro, diamantes e em
fazendas de café.
Posteriormente à abolição do tráfico ne-
greiro, durante o século XIX, cerca de 4,5
milhões de imigrantes europeus vieram ao
Brasil para trabalhar em lavouras de café
ou como camponeses nos núcleos coloniais
que se formavam. A partir daí, o Brasil re-
cebeu, e ainda recebe, imigrantes de várias
nacionalidades, incluindo imigrantes vindo
do Oriente Médio e Ásia, entretanto, em
porcentagem muito pequena, raramente
ultrapassando 1% da população existente.
Portanto, a população brasileira é formada
principalmente por portugueses, africanos e
ameríndios, pois são esses os povos que esta-
vam em grande quantidade no país desde o
início da colonização.
Como resultado desses processos históricos,
a estrutura genética da população brasileira
tornou-se complexa, pois além da miscigena-
ção entre imigrantes de múltiplas origens, há
também a presença de bolsões de indivíduos
de mesma ascendência. Como visto anterior-
mente, esses fatores sempre devem ser consi-
derados nos estudos de genética populacio-
nal e médica.
Ancestralidade na
genética médica
e em estudos
de associação
Dada a complexidade da estrutura genética
das populações humanas, as diferentes ori-
gens podem implicar em diferenças na pre-
valência de doenças e outros traços genéticos
como, por exemplo, a resposta a medicamen-
tos. Como consequência, a estimativa da an-
cestralidade tem aplicabilidade também na
genética médica e em estudos de associação.
Os estudos de associação são aqueles que
correlacionam características dos indivíduos,
por exemplo, o desenvolvimento de doen-
ças, a variantes genéticas. Nesses estudos,
Sociedade Brasileira de Genética 145
 CONCEITOS EM GENÉTICA
são comparadas as frequências alélicas das
variantes entre indivíduos portadores (gru-
po-caso) e não portadores (grupo-controle)
de determinada característica. Como essas
características podem ser influenciadas pela
ancestralidade, esta torna-se um fator de
confusão nesses estudos, levando a associa-
ções espúrias principalmente nas populações
miscigenadas.
Os efeitos de confusão surgem quando a
característica em questão é mais prevalente
em indivíduos de uma origem específica e,
portanto, o grupo-caso pode apresentar pro-
porções de ancestralidade distintas das apre-
sentadas pelo grupo-controle. Essa diferença
na representatividade da ancestralidade ge-
nética entre os grupos é o que pode levar a
associar erroneamente uma característica a
determinadas variantes quando, na verdade,
a característica pode estar associada à maior
representatividade, no grupo-caso, de indiví-
duos cujo DNA apresenta grandes propor-
ções de uma determinada origem.
Nesse contexto, em populações que apresen-
tam mistura, como a brasileira, é protocolo
de excelência a utilização de um conjunto de
AIMs para inferir a ancestralidade genética e
corrigir estatisticamente os efeitos da estra-
tificação populacional em estudos de caso-
-controle para realizar análises de associação
genômica de doenças complexas.
Como exemplo, o Lupus Eritematoso Sis-
têmico (LES) é uma doença autoimune que
apresenta diferentes taxas de incidência de
acordo com o grupo ancestral. Em um es-
tudo com pacientes brasileiros com LES,
os grupos de caso e controle apresentaram
diferenças significativas nas proporções an-
cestrais europeias e africanas, embora ambos
tenham mostrado maior contribuição euro-
peia, seguida de africana e ameríndia. Outra
informação importante desse estudo é que a
comparação entre a ancestralidade genética e
a autodeclarada desses pacientes brasileiros
com LES apresentou pelo menos 30% de
contribuição ancestral não declarada, incluin-
do africano/ameríndio em indivíduos auto-
declarados brancos e europeu/ameríndio em
autodeclarados pretos. Tal divergência entre
a ancestralidade autodeclarada e a estimada
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
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está de acordo com os relatos encontrados na
literatura que descrevem a estrutura genética
da população brasileira, o que enfatiza a ne-
cessidade de avaliar a ancestralidade baseada
em marcadores genéticos ao invés incluir nos
estudos a autodeclaração dos indivíduos so-
bre suas características fenotípicas.
Fator de confusão - é uma
Em um outro estudo, também com popu- terceira variável, muitas vezes
desconhecida, que pode estar
lação brasileira, incluindo amostra de dife-
presente em um experimento e
rentes regiões do país, identificaram uma leva a associar de forma espúria
associação da ancestralidade africana com as variáveis que se deseja
obesidade em mulheres. Nesse estudo, ob- estudar.
servaram que um alelo que é muito raro em
europeus, porém mais frequente em africa-
nos ocidentais, é muito mais frequente tam-
bém no grupo de mulheres com obesidade
mórbida. Isso mostra, além da influência da
ancestralidade em determinados fenótipos,
como populações miscigenadas são úteis
para permitir novas associações entre varian-
tes genéticas e fenótipos.
Outros exemplos de ancestralidade influen-
ciando a incidência de doenças são a maior
prevalência de esclerose múltipla entre euro-
peus, de diabetes em regiões da América do
Norte e Caribe e de hipertensão em popu-
lações africanas e asiáticas. Também existem
variações metabólicas resultantes de diferen-
tes ancestralidades, o que implica em dife-
renças na resposta a tratamentos médicos.
Como exemplo, podemos mencionar que
caucasianos requerem doses maiores do anti-
coagulante varfarina comparado aos asiáticos
e há uma maior resposta ao broncodilatador
albuterol em latinos comparados a afro-ame-
ricanos.
Estrutura genética
da população
brasileira
Ao inferirmos a ancestralidade global da po-
pulação brasileira, de modo geral, observa-
mos predominância de material genético de
origem europeia e menor ascendência ame-
ríndia, entretanto notamos que cada região
do país apresenta proporções de ancestrali-
dade distintas (Figura 5). As regiões Sul e
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 CONCEITOS EM GENÉTICA
Sudeste apresentam maiores proporções de
DNA de origem europeia e o Nordeste e
Norte apresentam respectivamente maiores
proporções de origem africana e ameríndia
se comparadas às demais regiões. Essa dife-
rença está ligada a questões históricas, pois
as imigrações ocorreram de forma diferencial
em cada região.
Esses dados ilustrados na Figura 5 são váli-
dos para as populações urbanas em geral, que
apresentam proporções de ancestralidade
bem diferentes em relação às populações iso-
ladas que existem no Brasil. Os grupos qui-
lombolas e indígenas apresentam DNA de
origem majoritariamente africana e amerín-
dia, respectivamente, ainda que haja outras
ancestralidades, como a europeia, em menor
proporção.
Na Figura 5, observamos também uma baixa
porcentagem de outras ancestralidades além
de ameríndia, europeia e africana devido
à baixa porcentagem desses imigrantes no
país. Entretanto, mesmo em baixas propor-
ções, o conjunto de marcadores genéticos e as
populações de referência a serem utilizados
nas estimativas de ancestralidade, devem ser
selecionados para serem capazes de identifi-
car essas origens minoritárias.
Com relação às particularidades dos cromos-
somos Y e mitocondrial, há um padrão de
diversidade genética brasileira cujo cromos-
somo Y (marcador de patrilinhagem) é de
origem majoritariamente europeia e o DNA
mitocondrial (marcador de matrilinhagem)
é de origem africana ou ameríndia (Figura 5).
Esse fato é resultante do momento histórico
logo após a colonização europeia, quando
houve uma frequência alta de relações entre
homens europeus e mulheres africanas ou
ameríndias, em parte porque poucas mulhe-
res europeias imigraram para a América nos
séculos XVI e XVII. Esses dados mostram
que os genomas da maioria dos brasileiros
são mosaicos compostos por cromossomos Y
e DNA mitocondrial de diferentes origens
filogeográficas.
As análises de ancestralidade local também
têm contribuído para entendermos como
a imigração diferencial em cada região do
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Brasil afetou a estrutura genética brasileira.
Um estudo verificou que, nas diferentes re-
giões do Brasil, há componentes ancestrais
originários de regiões diferentes da Europa
e África. Por exemplo, na região Sul e Su-
deste, há material genético originário de
uma região europeia ampla, incluindo cen-
tro-norte da Europa e Oriente Médio, e
originário de regiões africanas referente às
populações Bantu do Centro-Leste africa-
no. No Nordeste foi encontrado DNA de
origem europeia mais restrita à Península
Ibérica e africana não Bantu associadas às
populações Iorubá e Mandenka da África
Ocidental.
Patrilinhagem - refere-se
Vista a complexidade e diversidade da es- à descendência paterna.
trutura genética brasileira, para inferência Geneticamente, refere-se ao
cromossomo Y, que é passado
de ancestralidade genética com boa acurá- do pai a todos os filhos do sexo
cia, são necessários representatividade nas biológico masculino. Portanto,
populações de referência e um conjunto de o cromossomo Y indica a
marcadores genéticos capaz de diferenciar linhagem paterna.
múltiplas origens. Caso contrário, as esti-
mativas podem não representar adequada-
mente a realidade e informações de traços
ancestrais menos frequentes podem ser
perdidas. Para direcionar a escolha desses
marcadores e populações de referência, é
necessário, portanto, conhecimento histó-
rico detalhado sobre a formação da popu-
lação em estudo. Muitos desses dados, por
exemplo, momento e quantidade de imi-
grantes e as regiões onde se fixaram, foram
pouco ou nada registrados. Entretanto, o
constante aprimoramento de técnicas de
Matrilinhagem - refere-se
sequenciamento do DNA, resultando em à descendência materna.
maior disponibilidade de variantes genéti- Geneticamente, refere-se ao
cas, e softwares cada vez mais robustos para cromossomo mitocondrial, que,
inferir ancestralidade ajudam a preencher pelo mecanismo de formação
do zigoto, é passado somente
essas lacunas históricas. das mães para todos os
filhos, independente do sexo
Considerações biológico. Portanto, o DNA
mitocondrial indica a linhagem
materna.
finais
Outras populações miscigenadas são, por Origens fitogeográficas -
exemplo, as demais populações da América, Filogeografia é a ciência que
principalmente América Latina, países da estuda processos históricos
que possam ser responsáveis
África que também passaram por coloniza- pela distribuição geográfica
ção europeia, populações da Ásia Central de indivíduos. No caso da
onde há contribuição parental asiática oci- espécie humana, a filogeografia
busca compreender a origem e
dental e oriental, entre outras.
padrões de dispersão dos seres
humanos.
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 CONCEITOS EM GENÉTICA
Na América Latina, em regiões de países
como Chile, Colômbia, Costa Rica, El Sal-
vador, Equador e Peru que apresentavam
florestas fechadas e regiões montanhosas de
difícil acesso e/ou inóspitas na época da co-
lonização, há maior contribuição ameríndia,
pois consequentemente houve menos imi-
gração para essas regiões. Em oposição, Bra-
sil, Argentina, Colômbia, Venezuela e Porto
Rico eram regiões mais acessíveis, portanto,
houve um grande fluxo migratório vindo dos
países europeus e a contribuição genética dos
ameríndios se tornou bem menor.
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Figura 5.
Proporções de ancestralidade
no Brasil em geral e por região
geográfica para marcadores
genéticos em cromossomos
autossômicos, no cromossomo
Y (Y-chr) e no cromossomo
mitocondrial (mtDNA). As
proporções ilustradas foram
estimadas através da média
entre valores encontrados na
literatura científica.
Houve também uma grande contribuição
africana na América Latina, mas essa in-
fluência ocorreu majoritariamente em re-
giões onde havia uma grande exploração
econômica por parte dos europeus, na costa
do Atlântico, rota de navegação na época da
colonização. Desse modo, países do Cari-
be, Brasil, e Venezuela apresentam grande
composição ancestral africana enquanto
países da costa do Pacífico como Chile,
Equador e Peru apresentam uma baixa
composição.
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 CONCEITOS EM GENÉTICA
Isso posto, cada população apresentará par-
ticularidades e uma história demográfica di-
ferente a ser considerada e, portanto, dados
de ancestralidade genética não podem ser
extrapolados para outras populações e indi-
víduos mesmo que haja alguma semelhança
na história geral dos países. Como ilustrado
na Figura 5, se até mesmo entre as regiões do
Brasil podemos verificar diferentes ancestra-
lidades e proporções, a diferença será ainda
maior ao considerar outros países.
Essas considerações evidenciam a importân-
cia de estudar a ancestralidade de cada po-
pulação e de unir os dados históricos aos ge-
néticos para guiar a escolha das populações
de referência e aumentar a confiabilidade dos
resultados, seja em estudos populacionais ou
em estudos de associação e genética médica.
Por fim, a ancestralidade genética tem uma
grande importância populacional e indivi-
dual, mas devemos lembrar que há diferença
desses dados comparados às informações que
geralmente conhecemos sobre nossa história
e de nossa família. Apesar da ancestralidade
genealógica ou autodeclarada dar indícios
da ancestralidade genética, muitos estudos
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já mostraram que há divergência entre am-
bas, o que pode gerar surpresas e confusão
para as pessoas que buscam por exames de
ancestralidade motivadas pela curiosidade.
Portanto, é preciso cautela e orientação de
um profissional da área ao interpretar esses
resultados e seu significado.
Para saber mais
MATHIESON, I.; A. SCALLY. What is ancestry?
PLoS Genetics v.16: e1008624, 2000.
PENA, S. D. J., F. R. SANTOS; E. TARAZONA-
SANTOS. Genetic admixture in Brazil. Ameri-
can Journal of Medical Genetics Part C: Seminars
in Medical Genetics v.184, p. 928-938, 2020
PEREIRA, F. D. S. C. F.; R. M. GUIMARÃES; A.
R. LUCIDI; D. G. BRUM, C. L. A. PAIVA et al.
A systematic literature review on the European,
African and Amerindian genetic ancestry com-
ponents on Brazilian health outcomes. Scientific
Reports v.9, p. 8874, 2019.
SUAREZ-PAJES, E., A.; DÍAZ-DE USERA, I.;
MARCELINO-RODRÍGUEZ, B.; GUIL-
LEN-GUIO; C. FLORES. Genetic ancestry
inference and its application for the genetic map-
ping of human diseases. International Journal of
Molecular Sciences v.22, p. 6962, 2021.
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 GENÉTICA E SOCIEDADE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Metilação do DNA e
predição de idade
para fins forenses

Matheus de Sousa Ferrari1, Thássia Mayra Telles Carratto1,

Silviene Fabiana de Oliveira2, Celso Teixeira Mendes Junior1
1
Departamento de Química, Laboratório de Pesquisas Forenses e Genômicas, Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP
2
Departamento de Genética e Morfologia, Laboratório de Genética, Instituto de Ciências
Biológicas, Universidade de Brasília, Brasília, DF

Autor para correspondência – ctmendes@ffclrp.usp.br

Palavras-chave: genética forense, epigenética, fenotipagem forense por DNA

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Em um cenário de investigações policiais, a possibilidade de extrair o maior número de infor-

mações da cena do crime se faz necessária, sendo de extrema importância a existência de me-
todologias forenses alternativas para a análise das amostras biológicas encontradas, visando a
identificação das vítimas e dos agressores. Para isso, a metilação do DNA vem se destacando
como um potencial marcador de idade cronológica, permitindo realizar a predição de idade
de um indivíduo com alta precisão e acurácia dependendo do método utilizado, das regiões
genômicas consideradas e da amostra analisada.

Biologia molecular que chamamos de mecanismos epigenéticos

nas ciências
forenses
O DNA é um dos mais importantes objetos
de análise das ciências forenses. No âmbito
pericial, é comumente utilizado para fins de
identificação individual, sendo que a princi-
pal análise realizada é a obtenção do perfil
genético de um possível criminoso a partir
de vestígios biológicos, como sangue, saliva,
sêmen, dentre outros, encontrados na cena
do crime. Este perfil pode ser comparado
com amostras da(s) vítima(s), de suspeitos,
de outros vestígios ou, ainda, ser pesquisa-
do na Rede Integrada de Bancos de Perfis
Genéticos. O DNA pode ainda ser usado
para estimar ancestralidade e para predizer
características físicas, como cor dos olhos,
cabelos e pele. A predição de características
físicas, que é a fenotipagem forense, pode po-
tencialmente auxiliar no reconhecimento dos
atores de um crime, assim como na busca de
pessoas desaparecidas. Outra área que vem
ganhando destaque é o uso da epigenética no
desenvolvimento de possíveis biomarcadores
forenses.
O significado do termo “epigenética” vem
sendo discutido na comunidade científi-
ca, sendo que uma das definições é: área de
estudo das alterações no funcionamento
dos genes que ocorrem sem que haja altera-
ções na sequência de bases nitrogenadas do
DNA. Dentro dessa área, pesquisas sobre o
vêm sendo realizadas, como modificação de
histonas, metilação do DNA e RNAs não
codificantes, e suas relações com a expressão
gênica, a diferenciação e a função celular den-
tre outros.
Metilação do DNA
No ano de 1948, o bioquímico Rollin Hot-
chkiss, analisando moléculas de DNA via
cromatografia em papel, observou citosinas
modificadas que, posteriormente, na década
de 1960, foram identificadas como citosinas
metiladas. Porém, somente no ano de 1980
foi descrito que a metilação do DNA é um
processo que consiste na adição de um grupo
metila (CH3) na posição cinco de uma cito-
sina, convertendo-a em 5-metilcitosina. Hoje,
utiliza-se o termo “sítios CpG” para designar
sítios no DNA onde uma citosina ocorre vizi-
nha a uma guanina, sendo separadas por um
fosfato, do esqueleto açúcar-fosfato do DNA.
Essa expressão foi cunhada para descrever
um nucleotídeo com citosina vizinho a um
nucleotídeo com G na mesma fita do DNA e
para distinguir da situação na qual a citosina
ocorre emparelhada com uma guanina na fita
complementar. Estão distribuídos por todo
o genoma sendo classificados conforme a lo-
calização. Os sítios CpG mais estudados são
aqueles que ocorrem em ilhas CpG, que são
definidas como trechos de DNA com tama-
nho variando de 500 a 1.500 bp , com alta fre-
quência de sítios CpG e com uma razão CG:-
GC maior que 0,6. Diversos genes têm uma
ilha CpG localizada na sua região promotora.

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 GENÉTICA E SOCIEDADE
A adição do radical metil é realizada por en-
zimas DNA metiltransferases (DNMTs) e
sua remoção, por enzimas da família TET
(ten-eleven translocations).
Para avaliar o status de metilação de uma
região genômica de interesse, o método
mais utilizado consiste no tratamento da
amostra investigada com bissulfito de sódio
(NaHSO3), que converte as citosinas não
metiladas em uracila, enquanto que as cito-
sinas metiladas permanecem como citosinas.
A metilação tem papel importante em di-
versas atividades biológicas, dentre elas está
a regulação da expressão gênica sendo que a
metilação contribui para silenciar um gene e,
a desmetilação, para estimular sua expressão.
Dessa forma, a metilação atua na diferencia-
ção celular de forma que, ao regular a expres-
são de genes específicos, pode influenciar na
especialização da célula para determinada
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Após essa etapa, é realizada uma amplifica-
ção da região de interesse por uma reação
em cadeia da polimerase (PCR). Este proce-
dimento faz com que as citosinas metiladas
estejam presentes no produto amplificado
como citosinas, enquanto que as citosinas
não metiladas, que foram convertidas em
uracilas, aparecem no produto amplificado
como timinas. Dessa forma, utilizando dife-
rentes métodos de sequenciamento de DNA
é possível diferenciar facilmente as citosinas
metiladas daquelas não metiladas (Figura 1).
Figura 1.
Modelo ilustrativo da conversão
com bissulfito de moléculas de
função. Por ser fortemente influenciada pelo citosina não metiladas.
ambiente e estilo de vida, a metilação media
o impacto destes agentes externos em diver-
sos processos fisiológicos como, por exem-
plo, no envelhecimento. Uma vertente nos
estudos de metilação e envelhecimento é a
possibilidade de predição de idade biológica
a partir da avaliação de algumas regiões do
genoma (Figura 2).
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Relógios dos dados. De acordo com um estudo realiza-

epigenéticos
De acordo com estudos, a idade cronológica
tem uma relação direta com os níveis de me-
tilação em sítios CpG específicos, o que vem
tornando possível desenvolver estimadores de
idade chamados de “relógios epigenéticos”. Um
dos maiores desafios em se estabelecer um re-
lógio epigenético está no fato de que os níveis
de metilação podem ser fortemente influencia-
dos por inúmeros fatores. Em um dado lócus,
a metilação pode ocorrer em três condições: 0,
1 ou 2 alelos metilados. Ainda, pode haver a
heterogeneidade nos padrões entre as células,
o que dificulta as análises e as interpretações
do em 2020, alterações aleatórias na metilação
do DNA de humanos são comuns e muitas
dessas têm sido associadas a doenças rela-
cionadas à idade, incluindo diabetes do tipo
2, doenças cardiovasculares, doenças neuro-
degenerativas e alguns tipos de câncer. Além
disso, determinados fatores externos podem
influenciar a precisão dos modelos de predi-
ção de idade como, por exemplo, consumo
de álcool, consumo de cigarros, dieta, prática
de exercícios físicos, ou até mesmo exposição
solar. Portanto, é de fundamental importância
a identificação de regiões genômicas cujo pa-
drão de metilação apresente forte correlação
com a idade e que não seja influenciada por
tais fatores exógenos (Figura 2).

Segundo esse raciocínio, buscou-se identi-
ficar sítios CpG com padrões de metilação
fortemente correlacionados com a idade e
tentar caracterizar tais “relógios epigenéticos”
baseados no nível de metilação de sítios de
CpG. Foi constatado que o número de sítios
CpG utilizados influencia a eficácia do reló-
gio, sendo que os resultados mais precisos
são obtidos quando um maior número de sí-
tios CpG é utilizado. Além disso, há relógios
que são eficazes somente em alguns tecidos e
outros, em vários tipos de tecidos.
Figura 2.
Alteração do padrão de
metilação (representada por
estrelas vermelhas) do DNA de
acordo com o avanço da idade
cronológica. Enquanto existem
genes que tendem a ser mais
metilados conforme a idade
avança (A), como os genes
ELOVL2, FHL2 e KLF14, outros
tendem a se desmetilarem com
o passar do tempo (B), como
é o caso dos genes HOXC10 e
HOXC-AS2.

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Variabilidade
populacional e
a predição da
idade a partir da
metilação do DNA
A partir do melhor conhecimento acerca
dos padrões de metilação em indivíduos de
diferentes idades, foi possível desenvolver
diferentes modelos para a predição de ida-
de com alta precisão. Os modelos desen-
volvidos utilizam diferentes amostras bio-
lógicas coletadas de cenas de crime. Nesse
contexto é necessária a preocupação com
a degradação e contaminação do material
coletado que, por estar exposto a insultos
ambientais, pode resultar em danos nos sí-
tios CpG, e dificultar a interpretação dos
dados.
A amostra biológica mais comumente en-
contrada em cenas de crimes é o sangue.
Por isso, muitos modelos preditivos desen-
volvidos no contexto forense são específi-
cos para sangue.
Uma das ferramentas mais conhecidas
para predição de idade foi desenvolvida e
vem sendo aprimorada por um grupo de
pesquisadores da Universidade de Santia-
go de Compostela. O primeiro modelo foi
publicado em 2016, para predição da ida-
de em amostras de sangue utilizando sete
sítios CpG, localizados nos genes ELO-
VL2, ASPA, PDE4C, FHL2, CCDC102B,
C1orf132 e no lócus chr16:85395429. O
sítio CpG, localizado no gene ELOVL2
mostrou-se o principal preditor, apresen-
tando um desvio médio de três anos com
uma taxa de acerto de aproximadamente
80%. Posteriormente, novos modelos fo-
ram criados e a ferramenta passou a incluir
modelos preditivos independentes para
predição da idade a partir de amostras de
sangue, sêmen e saliva. A ferramenta está
disponível online gratuitamente no site Sni-
pper app suite 3.
No ano de 2013, Steve Horvath desen-
volveu o primeiro relógio epigenético
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“multitecido”, denominado de relógio epi-
genético de Horvath (Horvath’s epigenetic
clock). Sabendo que cada tecido apresenta
padrões distintos de metilação, Horvath e
seu grupo analisaram 7.844 amostras para
avaliar os padrões e os níveis de metilação
de mais de 450 mil sítios CpGs em 51 ti-
pos de tecidos e células. Com isso, desen-
volveram uma ferramenta capaz de predi-
zer a idade a partir dos níveis de metilação
de 353 sítios CpG. Esta ferramenta ficou
conhecida pela sua capacidade de predi-
ção com alta precisão (erro médio de cerca
de quatro anos), independente do tipo de
tecido analisado. O modelo preditivo de
Horvath está disponível para uso de forma
online e gratuita no site DNA Methylation
Age Calculator.
Em 2019, utilizando sequenciamento
após conversão por bissulfito, foram iden-
tificados e analisados sete sítios CpG nos
genes ASPA, EDARADD, CCDC102B,
ZNF423, ITGA2B, KLF14 e FHL2 em
amostras de sangue de chineses. Os genes
que apresentaram maior correlação com a
idade foram o CCDC102B, o KLF14 e o
FHL2. Com esse estudo foi possível identi-
ficar que genes fortemente correlacionados
com a idade em populações europeias, tais
como ELOVL2 e TRIM59, podem não
apresentar a mesma correlação em outras
populações. Em 2020, amostras de sangue
post-mortem provenientes de indivíduos
estadunidenses foram analisadas. Após o
sequenciamento foram identificados cinco
sítios CpG nos genes ELOVL2, C1orf132,
TRIM59, KLF14 e FHL2, previamente
associados à idade. Os genes que apresen-
taram maior correlação com a idade foram
o TRIM59, seguido do ELOVL2. O mo-
delo preditivo proposto alcançou uma taxa
de acerto de 73,1%, associado a uma va-
riação na idade predita em relação à idade
cronológica de cerca de 10,57 anos, devido
à dificuldade do modelo em predizer ida-
des de indivíduos mais velhos, o que não
é desejável.
Posteriormente, em 2021, foi realizado
um experimento em duas fases, utilizan-
do amostras japonesas. Após a conversão
com bissulfito, foi realizado NGS para
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 GENÉTICA E SOCIEDADE
determinar os níveis de metilação. Na
primeira fase, sete sítios CpG nos genes
ASPA, CCDC102B, C1orf132, ELOVL2,
ITGA2B, KLF14 e PDE4C foram anali-
sadas em amostras de sangue post-mortem
de adultos. Metilação no gene ELOVL2
mostrou-se novamente altamente correla-
cionada com a idade. Na segunda fase, fo-
ram utilizadas amostras de sangue de indi-
víduos com idades variando de dois meses
até 91 anos. Quatro sítios CpG nos genes
ASPA, ELOVL2, ITGA2B e PDE4C fo-
ram analisados. A partir dos modelos cria-
dos foi possível obter um desvio médio
em torno de seis anos e uma acurácia de
aproximadamente 94%. Não foram obser-
vadas diferenças significativas nas idades
estimadas para o sexo masculino e para o
sexo feminino. Ainda no ano de 2021, fo-
ram analisadas amostras de sangue de in-
divíduos chineses de Singapura, Malásia e
Índia, utilizando quatro sítios CpG nos ge-
nes ELOVL2, TRIM59, KLF14 e FHL2.
O melhor modelo proposto apresentou um
desvio médio de 3,7 anos e taxa de acerto
de 75,5%.
De acordo com os estudos realizados com
amostras de sangue em indivíduos de dife-
rentes populações, é possível observar que
determinados genes são constantemente
apontados como correlacionados à idade,
tendo o gene ELOVL2 um papel de des-
taque na maior parte das vezes. De modo
geral, os desvios são baixos e as taxas de
acertos dentro do intervalo estabelecido
pelo desvio médio são elevadas, o que evi-
dencia o potencial de tais ferramentas para
a predição de idade. Entretanto, é impor-
tante ressaltar que as pesquisas são ainda
recentes, e também evidenciam a possibili-
dade de se aumentar a acurácia dos resulta-
dos de modo a se aproximar a um patamar
ideal para que contribua de maneira mais
eficiente nas investigações forenses.
Além do sangue, outros fluídos destacam-
-se por serem frequentemente encontrados
em cenas de crimes. Amostras de sêmen
são comumente encontradas em casos de
violência sexual. Por ser um fluido biológi-
co, pode ocorrer grandes perdas de amostra
até que ocorra a coleta, além da facilidade
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de contaminação. Um estudo conduzido
em 2015 com amostras de sêmen de co-
reanos selecionou, a partir do resultado de
NGS, dois sítios CpG nos genes TTC7B
e NOX4, além do sítio CpG cg12837463,
para predição da idade. O gene que me-
lhor apresentou correlação com a idade foi
o TTC7B, com um desvio médio de 4,7
anos e uma taxa de acerto de 90%. Ou-
tro fluido biológico bastante encontrado
é a saliva que, por se encontrar na região
bucal, recebe uma maior proteção em rela-
ção aos agentes externos e se torna menos
passível de contaminação. Uma pesquisa
realizada em 2017, utilizando amostras de
indivíduos coreanos, selecionou para in-
vestigação sete sítios CpG nos genes SST,
CNGA3, KLF14, TSSK6, TBR1, SL-
C12A5 e PTPN7. O modelo apresentou
uma alta precisão, com um desvio médio
de 3,1 anos e uma taxa de acerto de 94,5%.
Outro tipo de amostra que é facilmente en-
contrada em cenas de crime são os ossos.
Devido à resistência, eles conseguem man-
ter o DNA preservado, e por isso podem
ser considerados valiosos para se estudar
marcadores de predição de idade, princi-
palmente em ossos fragmentados que não
se mostram úteis para se estimar a idade
por métodos antropométricos. Em 2019,
foram analisados cinco sítios CpG, locali-
zados nos genes ELOVL2, FHL2, KLF14,
Clorf132/MIR29BC e TRIM59, em es-
queletos de identidades desconhecidas. Os
pesquisadores observaram que, quando os
indivíduos possuem 30 ou mais anos de
idade, os marcadores predizem uma idade
consideravelmente menor do que a idade
estimada por métodos antropométricos.
Comparando com dados da literatura ba-
seados em sangue, saliva e swabs bucais
obtidos com os mesmos marcadores, os re-
sultados das análises em ossos apresenta-
ram uma grande variação no nível absoluto
de metilação de DNA em três sítios CpG
(ELOVL2, FHL2 e TRIM59), produzin-
do um grande erro na predição da idade. A
partir dessas primeiras análises, foi realiza-
da uma busca para encontrar novos mar-
cadores que tivessem boa correlação com a
idade em ossos, o que culminou em 14 pos-
Sociedade Brasileira de Genética 155
 GENÉTICA E SOCIEDADE
síveis marcadores CpG adjacentes ou pre-
sentes nos genes C5orf66, ARHGAP20,
TCF21, SMPD3, BCL11A, ANKH,
TMEM51, MIR764-2/CDH1, EPHA6,
LCMT1, SPIDR/KIAA0146, C14orf72/
LINC00239, MYO18A e LINC00968.
Entretanto, não foram propostos modelos
preditivos baseados neste conjunto.
Além dos ossos, os dentes são as estruturas
que mais resistem a mortes violentas, como
em desastres de massa, por exemplo, por se
situarem em regiões extremamente prote-
gidas, além de terem o suporte da mandí-
bula. Embora a arcada dentária possa ser
empregada diretamente para a determi-
nação de idade, os métodos odontológicos
apresentam baixa acurácia para estimativas
em adultos. Assim, os métodos molecu-
lares tornam-se importantes alternativas
para casos como esses. Um estudo de 2021
utilizou amostras de molares para analisar
os níveis de metilação, a partir de ensaios
por sequenciamento, em 46 sítios CpG
localizadas nos genes ELOVL2, KLF14,
SCGN, NPTX2 e FHL2. Valores significa-
tivos de correlação entre metilação e idade
foram obtidos para apenas sete desses sí-
tios CpG localizados nos genes ELOVL2,
KLF14 e NPTX2. Foi construído um mo-
delo preditivo utilizando a maior parte dos
sítios CpG nos genes ELOVL2, NPTX2,
KLF14, SCGN e alguns CpGs individuais
do gene FHL2, levando a um erro médio
absoluto de apenas 1,55 anos entre a idade
estimada e a idade cronológica e uma in-
crível taxa de acerto de 98%, ainda mais se
considerado o menor erro absoluto já des-
crito.
Por fim, amostras de cabelo também po-
dem ser utilizadas para identificação de
vítimas ou agressores e são de fácil coleta,
uma vez que os fios desprendem-se facil-
mente mas, ao mesmo tempo, podem ser
contaminados com facilidade, dependendo
do ambiente. Embora os estudos sejam es-
cassos, um estudo na Alemanha demons-
trou, por NGS, níveis de metilação em
sítios CpG nos genes ELOVL2, KLF14,
RPA2, TRIM59 e ZYG11A, que apresen-
tam alta correlação com a idade.
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Direções futuras
Os padrões de metilação no DNA, na for-
ma de preditores de idade para a compo-
sição de perfis fenotípicos em casos crimi-
nais, vêm se mostrando como promissores
aliados às ciências forenses. Os estudos
realizados realçam como sítios CpG espe-
cíficos podem se mostrar bons preditores
de idade para diferentes tipos de tecido e
com boa acurácia na predição. Apesar de se
ter um erro muito pequeno entre a idade
real e a prevista das amostras, observa-se
em alguns casos uma variação maior decor-
rente de influências externas. Por se tratar
de uma metodologia recente, os modelos
ainda não permitem lidar adequadamente
com tais influências externas, o que requer
estudos adicionais para aprimorá-los. Para
obtenção de modelos mais consistentes, é
imprescindível que a comunidade científi-
ca continue os esforços para identificar os
sítios CpG com melhor precisão, buscan-
do encontrar aqueles que sejam menos in-
fluenciados pelo meio externo, ou mesmo
identificando os padrões gerados por essas
interferências para incorporação em mode-
los preditivos.
Enquanto estudos desta natureza são pra-
ticamente inexistentes no Brasil, existem
na Europa muitos grupos de pesquisa
que estudam a predição da idade a partir
do DNA. Em 2017, várias instituições de
oito países europeus uniram-se no consór-
cio VISAGE (Atributos visíveis a partir
da genômica, do inglês, Visible Attributes
Through Genomics), cujo objetivo central é
o desenvolvimento de painéis forenses para
predição de ancestralidade, características
físicas e idade. Para determinação da idade,
dois tipos de ferramenta estão sendo ava-
liados, a básica e a avançada, sendo a pri-
meira para predição de idade em amostras
de sangue a partir de marcadores presentes
em cinco genes, e a segunda para predição
em amostras de células somáticas (sangue,
células bucais e ossos) ou de sêmen, a par-
tir de oito e treze genes, respectivamente.
Tais ferramentas ainda estão sendo valida-
das sendo que, de maneira geral, os estudos
Sociedade Brasileira de Genética 156
 GENÉTICA E SOCIEDADE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

preliminares apresentam erros médios em

torno de três a cinco anos.
Os estudos demonstraram que a metila-
ção de alguns genes manteve-se eficaz na
predição de idade mesmo em populações
diferentes. Assim, é possível observar que
os métodos desenvolvidos podem ser uti-
lizados em qualquer população com uma
certa acurácia. Porém, é essencial que es-
tudos desta natureza também sejam con-
duzidos no Brasil, um país de dimensões
continentais caracterizado por uma grande
variedade populacional, de ambientes e es-
tilos de vida.
Com o aprimoramento dos modelos pre-
ditivos de idade, abre-se a possibilidade de
uma nova contribuição da genética para
a elucidação de crimes. Ao se predizer a
idade de uma vítima ou de um agressor a
partir de um vestígio biológico, novas pis-
tas são geradas, o que pode ser essencial
para trazer um novo foco às investigações,
aumentando, portanto, as chances de se so-
lucionar casos criminais complexos e apa-
rentemente insolucionáveis, tão frequentes
no Brasil.

Para saber mais

Calculadora online do modelo preditivo do relógio
de Horvath: https://dnamage.genetics.ucla.
edu

Calculadora online do modelo preditivo desenvolvi-

do por pesquisadores da Universidade de San-
tiago de Compostela: http://mathgene.usc.es/
snipper/age_models.php

HORVATH, S.; RAJ, K. DNA methylation-based

biomarkers and the epigenetic clock theory of
ageing. Nature Reviews Genetics, v. 19, p. 371-
384, 2018.

KOOP, B. E. et al. Epigenetic clocks may come out

of rhythm—implications for the estimation
of chronological age in forensic casework. In-
ternational Journal of Legal Medicine, v. 134, p.
2215–2228, 2020.

SIMPSON, D. J.; CHANDRA T. Epigenetic age

prediction. Aging Cell, v. 20, p. e13452.

ZHENG, S. C. et al. Epigenetic drift, epigenetic

clocks and cancer risk. Epigenomics, v. 8, p.
705-719, 2016

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 157

 GENÉTICA E SOCIEDADE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Como a genética contribuiu

para compreender os efeitos
biológicos da exposição
humana à radiação ionizante
de Césio-137?

Lorraynne Guimarães Oliveira3, Samara Socorro Silva Pereira3,

Elza Maria Gonçalves Santos Uchoa3, Daniela de Melo e Silva3,
Emília Oliveira Alves Costa1, Thaís Cidália Vieira Gigonzac2,3,
Cláudio Carlos da Silva1,2,4, Aparecido Divino da Cruz1,2,3
1
Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Escola de Ciências Médicas e da Vida, Programa de
Mestrado em Genética, Grupo de Pesquisa Replicon, Goiânia, GO
2
Laboratório de Citogenética Humana e Genética Molecular, Secretaria Estadual de Saúde de Goiás
3
Universidade Federal de Goiás, Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular,
Instituto de Ciências Biológicas, Campus Samambaia, Goiânia, GO
4
Universidade Estadual de Goiás, Unidade de Goiânia, Goiânia, GO
Autor para correspondência - acruz@pucgoias.edu.br

Palavras-chave: césio-137, radiação, mutação

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 158

 GENÉTICA E SOCIEDADE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Há 34 anos ocorreu em Goiânia, Goiás (Brasil), o maior acidente radiológico em área ur-
bana, tendo como consequência a exposição humana, animal, vegetal e ambiental pelo Cé-
sio-137. As vítimas do acidente manifestaram contaminação externa e/ou interna a radiações
ionizantes para doses que variaram até 7 Gy e se viu a necessidade do acompanhamento da
saúde genética dessas pessoas. Tecidos biológicos são extremamente vulneráveis à radiação
ionizante que pode causar acúmulo gradual de danos no DNA, por exemplo. As exposições
a baixas doses, por sua vez, causam uma instabilidade genômica progressiva. Melhorias nas
tecnologias de análise genômica proporcionaram a chance de investigar, com alto nível de pre-
cisão, diversos tipos de biomarcadores, possibilitando uma estimativa real do risco genético
de populações exposta à RI.

Instabilidade genômica -
Nome dado à ocorrência de
efeitos numa célula irradiada
e em suas descendentes.

Histórico do fato era aquilo, notou que, no escuro, o pó

que saía da cápsula emitia uma luz azul re-
Mesmo após várias gerações
da célula parental irradiada,
a instabilidade pode ser
acidente em luzente (Figura 1B). Fascinado com aquela
descoberta, mostrou o material radioativo
observada.

Goiânia com para amigos, vizinhos e familiares (Figura

Césio-137
Em 13 de setembro de 1987, em Goiânia,
capital do Estado de Goiás, foi encontrada
uma cápsula de chumbo de um equipamen-
to de teleterapia descartada pelo Instituto
Goiano de Radioterapia (IGR), num local
abandonado e parcialmente demolido sem
qualquer advertência ou avisos sobre os ris-
cos associados ao equipamento.
Dois sucateiros, que passavam pelo local
abandonado e vendo aquele monte de ferro e
chumbo desprezados, presumiram que o ma-
terial poderia ter algum valor como sucata.
Removeram os destroços do local, levaram
para casa e, posteriormente, para um ferro
velho para serem comercializados (Figura 1).
O cabeçote de chumbo era a blindagem para
19,26 g de cloreto de césio-137, um sal ra-
dioativo comumente usado para o tratamen-
to do câncer. A blindagem foi rompida e a
fonte radioativa do equipamento liberada.
Subsequentemente, as partes foram levadas
ao ferro velho. A ruptura da fonte permitiu
acesso ao cloreto de césio que era altamente
solúvel e prontamente dispersável no meio
ambiente. Ao se deparar com aquele sal, o
dono do ferro velho, sem entender o que de
1C).
Com isso, o césio-137 radioativo, liberado da
cápsula, passou a circular na região central de
Goiânia, contaminando pessoas e ambientes
por onde espalhou. O irmão do dono do
ferro-velho, ao visitá-lo levou um pouco da
substância para casa, pois também ficou in-
trigado com aquele fenômeno. Chegando em
casa, mostrou para os filhos, incluindo a filha
de 7 anos, que ficou deslumbrada com aque-
le pó e brincou durante horas com ele. Du-
rante o jantar, ela ingeriu os alimentos com
as mãos contaminadas com o sal radioativo
(Figura 1D).
Radioterapia - especialidade
Após alguns dias, diversas pessoas exibiram médica na qual se utilizam
sintomas gastrointestinais resultantes da ex- radiações ionizantes para
tratamento oncológico. A
posição à radiação, como náuseas, vômitos e radiação é emitida por um
diarreia. Uma das vítimas pressupôs que os aparelho, que fica distante do
sintomas eram em virtude do pó e, com a aju- paciente, apontado para o local
da de um funcionário do ferro velho, levou a a ser tratado.
cápsula de Césio-137 de ônibus à Vigilância
Sanitária de Goiânia que, em menos de 24
horas, identificou a substância como radioa-
tiva (Figura 1E).
A Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN), policiais e bombeiros militares
foram acionados no dia 29 de setembro,
dando início à descontaminação da região

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 159

 GENÉTICA E SOCIEDADE
e a mitigação dos riscos para a população
local. Mais de 112,8 mil pessoas foram mo-
nitoradas, 249 pessoas estavam contami-
nadas, entre estas, 120 possuíam roupas e
sapatos contaminados e 129 manifestaram
contaminação externa e /ou interna com
o radionuclídeo (Figura 1F). Dezenas de
pessoas apresentaram a síndrome aguda
da radiação e, dentre elas, uma passou por
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
cirurgia de amputação do antebraço e 4
pessoas foram a óbito na fase aguda do aci-
dente. Atualmente, os rejeitos radioativos
provenientes do acidente radiológico com
césio-137 estão depositados em um reposi-
tório permanente em Abadia de Goiás, em
uma Unidade de Conservação Ambiental
de 160 hectares, sob vigilância e monitora-
mento constante da CNEN.
Figura 1.
Linha do tempo dos eventos
do acidente com Césio-137 em
Goiânia (Goiás – Brasil). A: Dois
sucateiros tiraram a cápsula
dos escombros para vendê-la.
B: O dono do ferro velho, que
comprou a cápsula, percebeu
que, no escuro, o pó possuía
um brilho azul. C: O dono do
ferro velho mostrou a cápsula
aos vizinhos e amigos. D: A
sobrinha do dono do ferro velho
ingeriu um ovo com as mãos
sujas de Césio-137. E: Duas
vítimas levaram a cápsula para
a Vigilância Sanitária de ônibus.
F: Monitoramento da exposição
da população à radiação
ionizante.
Sociedade Brasileira de Genética 160
 GENÉTICA E SOCIEDADE
Em 1988, a partir da necessidade de acom-
panhamento da população exposta ao Cé-
sio-137, o governo de Goiás instituiu a Fun-
dação Leide das Neves Ferreira, nome de uma
das vítimas fatais do acidente. As competên-
cias dessa fundação foram transferidas em
1999 para a Secretaria Estadual da Saúde de
Goiás que, atualmente, conta com o Centro de
Assistência aos Radioacidentados (C.A.RA).
O C.A.RA possui atribuições de atendimen-
to médico, odontológico, psicológico, assis-
tência farmacêutica e social e monitoramento
biológico mediante pesquisas científicas para
a avaliação da saúde genética da população ex-
posta e seus familiares.
Neste artigo, reunimos dados sobre o moni-
toramento da saúde genética dos indivíduos
expostos acidentalmente e ocupacionalmente
à radiação ionizante de césio-137, realizado
pelo Núcleo de Pesquisa Replicon da PUC
Goiás, em parceria do Laboratório de Cito-
genética Humana e Genética Molecular que
faz parte do Laboratório Central da Secreta-
ria de Saúde do Estado de Goiás (LaGene/
LACEN/SES-GO), durante as três décadas
de acompanhamento da saúde genética da po-
pulação goiana exposta à radiação ionizante.
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Afinal, por que
o Césio-137 é
radioativo?
O Césio-137 foi descoberto em 1860 por
Robert Wilhelm Bunsen e Gustave Robert
Kirchhoff na água mineral de Durkheim, na
Alemanha, por espectroscopia de emissão da
luz azul, de onde deriva seu nome em latim,
caesium, céu azul. O césio possui 31 isótopos,
dentre eles, apenas o isótopo 133 é estável e
naturalmente presente em dois minérios, po-
lucita e rodozita. Todos os outros isótopos são
radioativos e denominados radionuclídeos ou
radioisótopos.
Um radionuclídeo é um átomo energetica-
mente instável, que possui núcleos atômicos
com o mesmo número de prótons, mas di-
ferentes números de nêutrons. Portanto, ao
estabilizar o núcleo, emite radiação ionizante.
Este fenômeno é conhecido com decaimento.
No caso do Césio-137, o decaimento ocorre
pela liberação de partículas β, que são elé- Braquiterapia - Tratamento
trons de alta energia (pósitrons), e fica com oncológico através do qual a
excesso de prótons, transformando-se em bá- radiação será emitida de uma
fonte de dentro do corpo do
rio radioativo e que, por emissão de radiação
paciente, em contato com o
gama, é uma onda eletromagnética formada local a ser tratado.
por fótons altamente energéticos. Assim, o
Césio-137 decai para o um estado estável de
bário (Ba-137) (Figura 2). A radiação ioni-
zante emitida pelo césio-137 é utilizada para
fins médicos em radioterapia e braquiterapia
para o tratamento de tumores malignos res- Tumores malignos - São
células replicadas de maneira
ponsivos à radioterapia.
desordenada e descontrolada,
formando os tumores que,
geralmente, desenvolvem-se
rapidamente e podem proliferar
pelo corpo, invadindo tecidos
vizinhos.
Figura 2.
Decaimento radioativo do
Césio-137. A meia vida deste
radioisótopo é de 30,2, que é o
intervalo de tempo necessário
para que o número inicial
de nuclídeos seja reduzido
à metade do valor inicial.
O decaimento radioativo
do césio-137 ocorre pela
diminuição gradual de massa
e atividade e se torna um
elemento estável quando decai
para Ba-137.
Sociedade Brasileira de Genética 161
 GENÉTICA E SOCIEDADE
Ejeção de elétrons - Evento
que acontece quando a
ionização expulsa o elétron de
um átomo ou de uma molécula,
ao qual ele está ligado por força
elétrica.
Síndrome de
mielossupressão - É uma
condição na qual a atividade
da medula óssea é diminuída,
resultando em menor número
de glóbulos vermelhos,
glóbulos brancos e plaquetas.
A ocorrência da síndrome de
mielossupressão é resultante da
exposição a doses agudas de
radiação ionizante.
Radiolesões - Denominação
dada a qualquer tipo de lesão
causada por exposição à
radiação.
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
O que é radiação e quais
as consequências no
organismo exposto?
As radiações ionizantes existem no planeta Terra desde a sua Ondas eletromagnéticas
origem, sendo, portanto, um fenômeno natural. No final do e/ou partículas - A forma
como a radiação se propaga,
século XIX, com a aplicação das radiações ionizantes em be-
seja em forma de onda, seja
nefício da humanidade, os efeitos para a saúde humana torna- em forma de partícula, está
ram-se evidentes. A radiação tem aplicação ampla na medicina relacionada à forma como
do diagnóstico para o tratamento de doenças, na indústria e ela é observada. As ondas
para fins bélicos. Diversos equipamentos médicos empregam de radiação eletromagnética
são uma oscilação de campo
radionuclídeos para variadas utilidades como radiografia, ma- magnético com campo
mografia, tomografia computadorizada, entre outras. Devido elétrico que se propagam no
às diversas aplicabilidades da radiação, a população fica sujeita vácuo transportando energia
a riscos de exposição acidental, ambiental e ocupacional. como acontece com as ondas
eletromagnéticas, raios-x e
A radiação é uma forma de energia que se propaga em on- gama. As partículas são uma
estrutura diminuta e atingem
das eletromagnéticas e/ou partículas. Quando a energia ra-
somente um local em um dado
dioativa atinge as células ou os tecidos, inicia-se uma série de instante como as partículas α,
processos que ocorrem em nanossegundos. O primeiro evento β, prótons, nêutrons.
é a interação entre radiação e células. Quando há colisão da
energia radioativa sobre átomos nas células viáveis, ocorre a
ejeção dos elétrons. Este fenômeno é chamado de ionização
e, a radiação que o provoca, de radiação ionizante.
Nos seres humanos, a exposição aguda ao césio-137 conduz,
na maioria dos casos, à aplasia da medula óssea caracterizada Aplasia - A aplasia é uma
por uma diminuição de células brancas do sangue e deficiência doença caracterizada pela
imune, como foi relatado no acidente em Goiânia. A exposição alteração no funcionamento da
a doses elevadas de césio-137 é caracterizada pela indução da medula óssea. A medula óssea
é responsável pela produção
síndrome de mielossupressão observada após irradiação agu-
das células do sangue e a
da com radiação ionizante. aplasia é caracterizada como a
substituição do tecido medular
A exposição à radiação ionizante pode causar reações teciduais normal por tecido gorduroso e,
que resultam em morte ou dano celular, conhecido como efeito portanto, leva a concentrações
determinístico. Nesse contexto, quanto maior a dose, mais se- baixas de hemácias, plaquetas
e leucócitos pela circulação
vero o efeito (Figura 2). Um exemplo de efeito determinístico
sanguínea.
é a radiolesão da pele, que podem variar de um leve averme-
lhamento no local irradiado até a formação de grandes bolhas
e necrose. Outros efeitos determinísticos observáveis incluem
o aparecimento de catarata, doenças vasculares cardíacas e ce-
rebrais. Por outro lado, existem efeitos que podem surgir sem
que uma dose limite de radiação tenha sido ultrapassada, sen-
do conhecidos como efeitos estocásticos (Figura 3). Os efeitos
estocásticos são tardios e sua ocorrência é probabilística. Den-
tre os diversos efeitos estocásticos decorrentes de exposição à
radiação, encontram-se o desenvolvimento de células tumo-
rais, o envelhecimento precoce, a diminuição da longevidade,
as mutações gênicas e as alterações cromossômicas.
Sociedade Brasileira de Genética 162
 GENÉTICA E SOCIEDADE
Um evento mutacional pode ocorrer em
qualquer célula do organismo. Em células so-
máticas ocorre durante a replicação do DNA
que precede uma divisão mitótica, sendo o
câncer o efeito estocástico mais comumente
associado à exposição individual à energia
Como a energia
radiativa pode
causar dano
ao DNA?
A integridade da informação genética é es-
sencial para a manutenção da vida, por isso,
algumas pessoas presumem que o DNA está
isolado do ambiente celular de modo que o
torna inalcançável por agentes endógenos e
exógenos. Mas, o que não se deve esquecer,
é que a maior biomolécula do nosso organis-
mo, o DNA, evoluiu de modo que é possível
haver interações com agentes físicos, quími-
cos e biológicos, podendo contribuir posi-
tivamente ou negativamente para a seleção
natural.
Os esforços científicos para compreender as
interações que ocorrem entre a molécula de
DNA e os agentes ambientais resultaram em
um importante campo de estudo, denomi-
nado mutagênese. O foco da mutagênese é
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
radioativa. Na linhagem germinativa as mu-
Evento mutacional - Processo
tações podem ocorrer durante a replicação do mecanismo molecular pelo
do DNA que precede a meiose. As mutações qual uma molécula de DNA
fixadas no genoma das células germinativas sofre alterações sequenciais de
podem ser transmitidas ao longo das gera- nucleotídeos.
ções.
Figura 3.
Dose e resposta dos efeitos
determinísticos e estocásticos.
A: Uma das características
dos efeitos determinísticos é
a existência da dose limite. A
exposição à radiação acima
desse nível é danosa para o
organismo e, quanto mais alta
a dose, mais severo o efeito.
B: Não existe dose limiar para
efeitos estocásticos. Nesse
tipo de efeito, mesmo em
doses extremamente baixas,
a exposição à radiação pode
causar alguns efeitos.
compreender quais são os mecanismos mo-
leculares envolvidos nos processos pré e pós
mutacionais, sejam eles espontâneos ou in-
duzidos e quais as biomoléculas envolvidas
Biomoléculas - As
nos sistemas de reparo do DNA. biomoléculas são compostos
químicos que, em geral, são
As mutações espontâneas são alterações oca-
sionais na sequência na molécula de DNA
compostas por carbono, além
de hidrogênio, oxigênio e
produzidas sem estímulo de algum agente nitrogênio. Biomoléculas
mutagênico, indutor de mutações. As muta- organizam-se, interagem e
configuram as características
ções espontâneas geralmente ocorrem devido fundamentais dos seres vivos.
a erros durante a replicação do DNA, como
erro na incorporação de base e pareamento
incorreto durante a replicação. As mutações
induzidas são alterações na sequência do
DNA que ocorrem devido à exposição do
DNA a agentes mutagênicos, podendo ser
físicos, químicos ou biológicos (Figura 4).
A radiação ionizante é um exemplo de
agente físico com capacidade de induzir
mutações no DNA. Os danos provocados
pela radiação ionizante podem ser diretos,
quando há depósito da energia radioativa
diretamente na molécula de DNA, e/ou in-
diretos, quando moléculas irradiadas pro-
Sociedade Brasileira de Genética 163
 GENÉTICA E SOCIEDADE
duzem íons que atacam o DNA. O princi-
pal processo indireto de dano ao DNA pela
radiação ionizante é causado pela radiólise,
sendo a radiohidrólise o mais eficiente dos
ataques nucleofísicos ao DNA. Na radiohi-
drólise, a energia radioativa depositada
sobre moléculas de água produz espécies
O monitoramento de exposição do sistema
biológico a agentes genotóxicos e mutagêni-
cos consiste em avaliar e interpretar parâme-
tros biológicos e/ou ambientais com a fina-
lidade de detectar possíveis riscos à saúde.
Biomarcadores são parâmetros biológicos
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
reativas de oxigênio que interagem com o
DNA causando lesões potencialmente mu-
tagênicas. Os danos na molécula de DNA,
induzidas pelas radiações ionizantes, po-
dem ser lesões em um ou poucos nucleotí-
deos, quebras de fita simples do DNA ou de
dupla fita do DNA (Figura 5).
quantificáveis que podem estar alterados
devido à interação do sistema biológico com
um agente estressor. A quantificação dos
biomarcadores gera informações úteis para
os estudos de biomonitoramento, proteção e
mitigação de riscos.
Radiólise - É a quebra de uma
ou várias ligações químicas,
resultante da exposição à
radiação ionizante.
Figura 4.
A natureza dos agentes
mutagênicos. Os agentes
mutagênicos são capazes de
induzir mutação no genoma das
células expostas.
Figura 5.
Representação esquemática
dos efeitos diretos e indiretos
da radiação no DNA e os tipos
de danos que essas interações
podem causar na molécula. Na
ação direta, a radiação danifica
o DNA sem intermediários;
na ação indireta, a radiação
interage com a molécula de
água produzindo radiólises da
água e assim danificando o
DNA.
Sociedade Brasileira de Genética 164
 GENÉTICA E SOCIEDADE
Em meados de 1970, a natureza das mutações
induzidas por radiação foi amplamente infe-
rida de relações dose-efeito com diversos bio-
marcadores. Os danos na molécula de DNA
podem ser quantificados, sendo, portanto, um
parâmetro de análise usado como biomarca-
dores de exposição e/ou de efeito. As lesões
provocadas na molécula de DNA são usadas
para investigar a genotoxicidade e a mutageni-
cidade da exposição. Para quantificar os danos
genotóxicos, são empregadas metodologias
que têm como princípio separar e observar
fragmentos da molécula de DNA.
Uma metodologia frequentemente usada
para a investigação da genotoxidade é o teste
cometa. O princípio do teste é a visualização
direta de danos no DNA em células indivi-
duais por meio de uma corrida eletroforéti-
ca. Esta técnica apresenta alta sensibilidade
para a detecção de danos genotóxicos e pos-
sui a reprodutibilidade simples e rápida. Em
Os números de quebras envolvidas e a forma
como os segmentos interagirão entre as extre-
midades quebradas determinam os tipos de
rearranjos que serão formados. As aberrações
cromossômicas podem ser classificadas como
instáveis e estáveis. As aberrações cromossô-
micas instáveis caracterizam-se por alterações
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
função do tratamento aplicado, durante a
eletroforese, o DNA íntegro permanecerá no
nucleoide, enquanto o DNA fragmentado
migrará por força de um campo elétrico uni-
forme durante a eletroforese, gerando uma
imagem que lembra um cometa com uma
cabeça e uma cauda, daí o nome do ensaio
(Figura 6).
Os biomarcadores mais frequentemente
usados para investigar o dano mutagênico
induzido pela exposição do DNA à radia-
ção são as aberrações cromossômicas e os
micronúcleos. A frequência de aberrações
cromossômicas é o marcador de exposição
de preferência desde a década de 1960. A
metodologia é sensível, permitindo estimar
doses absorvidas tão baixas quanto 0,1 Gray.
Este ensaio é visto como o método mais efi-
caz para a dosimetria biológica na faixa de
doses de radiação que ocorre em acidentes
em massa.
na estrutura dos cromossomos, sendo mais
amplamente quantificadas em casos de expo-
sições recentes à radiação ionizante. As aber-
rações cromossômicas estáveis tendem a per-
manecer nas células ao longo dos processos de
divisão celular. A figura 7 retrata os tipos mais
comuns de aberrações cromossômicas.
Corrida eletroforética - É
uma técnica que separa
moléculas biológicas com base
em seu tamanho, quando
submetidas a um campo
elétrico. Como o DNA possui
carga negativa, ele migrará
quando sujeito ao dipolo de um
campo elétrico uniforme.
Nucleoide - O DNA
geralmente é acondicionado
em suborganelas chamadas
nucleoides, que tornam-se
visíveis quando corados com um
corante que se liga ao DNA.
Gray - Grandeza física usada
para avaliar a quantidade de
radiação absorvida pelo tecido.
Dosimetria biológica
- Técnica utilizada para
determinar a dose de radiação
recebida por um indivíduo
através de efeitos biológicos
induzidos.
Figura 6.
Nucleoide submetido ao teste
cometa. A imagem mostra uma
nucleoide celular com quebras
de diversos tamanhos de DNA
causada por radiação ionizante
que possui efeito estocástico.
A célula foi submetida à corrida
eletroforética em um campo
elétrico uniforme, que permite
a separação dos fragmentos,
fazendo com que os menores
migrem com uma velocidade
maior formando um arraste.
O sentido de migração é para
o polo negativo, na imagem
caracterizado pelo arraste, que
lembra um cometa.
Sociedade Brasileira de Genética 165
 GENÉTICA E SOCIEDADE
Os micronúcleos são um subproduto das
aberrações cromossômicas instáveis ou de
perdas de cromossomos inteiros. A quanti-
dade de micronúcleos presentes nas células é
proporcional à dose de RI absorvida. Os mi-
cronúcleos consistem de pequena massa nu-
clear revestida por membrana com aparência
de um pequeno núcleo, porém separada do
núcleo celular. O diâmetro do micronúcleo é
menor que 1/3 do núcleo principal, e, por-
tanto, pode ser facilmente diferenciado em
uma célula binucleada. Os micronúcleos são
originados durante a divisão celular decor-
rente da não disjunção cromossômica, geral-
mente ocasionada por lesões no DNA, que
não foram reparadas pelo sistema de reparo
(figura 7).
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Mais recentemente, diversos estudos têm in-
vestigado o papel da variação estrutural do
genoma que possui tamanho intermediário,
conhecida como Variação do Número de
Cópias (do inglês, Copy Number Variants -
CNV), que envolve rearranjos variáveis de
ganhos e/ou perdas do conteúdo de DNA
como biomarcadores de efeito de agentes
mutagênicos. Evidências demonstram que a
exposição à radiação ionizante resulta em um
aumento significativo na formação de CNV
de novo em células irradiadas. As CNVs,
contendo perdas genômicas, parecem ser
mais comumente induzidas por radiações
que causam deleções no DNA. Elas surgem
como resultado de reparo ou erro de reparo
de DSBs e SSBs na molécula de DNA.
Figura 7.
Representação esquemática
dos tipos de aberrações
cromossômicas instáveis
e estáveis e da formação
de micronúcleo. A. Os
cromossomos dicêntricos são
originados a partir de quebras
das extremidades teloméricas
de dois cromossomos distintos,
que se reúnem de forma errada,
formando uma estrutura com
2 centrômeros e fragmentos
acêntricos. B. O cromossomo
em anel surge de duas quebras,
ambas no mesmo cromossomo,
flanqueando o centrômero.
As extremidades quebradas
são ligadas, formando-se um
anel que inclui o centrômero
e um fragmento acêntrico.
C. Nas deleções terminais há
rompimento de um segmento
terminal e um fragmento
acêntrico é originado. (*Os
fragmentos acêntricos
produzidos pelas quebras
são instáveis, ou seja, são
perdidos durante o processo
de divisão celular.) D. As
radiações ionizantes podem
causar diferentes tipos de
ganhos e perdas de fragmentos
cromossômicos.
E. A translocação é a
transferência de um segmento
de um cromossomo para outro
não-homólogo. F. As inversões
surgem a partir de duas quebras
nos cromossomos e cada
fragmento reorganiza-se de
forma invertida, podendo ou
não envolver o centrômero.
G. Os micronúcleos (indicados
pelas setas) são originados
durante a divisão celular
derivados da não disjunção
cromossômica geralmente
ocasionadas por lesões no DNA.
Formação de micronúcleos a
partir de fragmentos acêntricos
e cromossomos inteiros
atrasados. H. Formação de
micronúcleos a partir de
fragmentos acêntricos e pontes
citoplasmáticas a partir de
cromossomos dicêntricos.
I. Células submetidas ao teste
de micronúcleo. A seta indica,
na imagem, uma célula com
um micronúcleo ao lado de um
núcleo principal.
Sociedade Brasileira de Genética 166
 GENÉTICA E SOCIEDADE
Nos últimos anos, o rápido desenvolvimento
de tecnologias de análise genômica tem pro-
porcionado a chance de investigar, com alto
nível de precisão, diversos tipos de variantes
genéticas. Consequentemente, estimativas
mais precisas sobre o risco genético da popu-
lação exposta à radiação ionizante podem ser
obtidas. Inovações nas técnicas de sequencia-
mento do genoma humano vêm sendo refi-
nadas em um ritmo rápido e está permitindo
um progresso fascinante e valioso na com-
preensão de variantes de DNA induzidos
por radiação ionizante em toda a extensão
do genoma. Recentemente, a tecnologia do
Sequenciamento de Nova Geração anali-
sou o genoma dos liquidators e seus filhos,
confirmando a capacidade revolucionária das
metodologias genômicas aplicadas à mutagê-
nese ambiental.
Em Goiás, diversas metodologias de biomo-
nitoramento foram empregadas no acom-
panhamento do efeito genético da RI nas
pessoas expostas e seus familiares durante o
acidente com césio-137 (figura 8). O avanço
das tecnologias de análise genômica foi pro-
porcionando chances de investigar, com alto
nível de precisão, diversos tipos de variantes
genômicas. Os resultados destes estudos ve-
rificaram danos gênicos e cromossômicos,
além de um aumento na incidência de mu-
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
tações no genoma dos filhos dos indivíduos
expostos. Esta população apresenta doenças
comuns como diabetes, osteoporose, alergias,
gastrites, entre outros, porém são inquestio-
náveis os inúmeros agravos de cunho psicos-
social que as pessoas envolvidas enfrentam.
Portanto, é importante a continuidade do
monitoramento da saúde dessas pessoas,
pois é uma das maneiras de mitigação dos
efeitos deletérios da RI.
Sequenciamento de Nova
Para saber mais
Geração (NGS) - Método de
sequenciamento do todo ou de
algumas partes do DNA em um
NOUAILHETAS, Y. Radiações Ionizantes e a vida. curto período. É de fácil acesso
Rio de Janeiro: Comissão Nacional de Energia a diversos bancos de dados
Nuclear. 2005. que disponibilizam centenas
de mutações genéticas, e tem
OKUNO, E. Efeitos biológicos das radiações ioni- baixo custo.
zantes: acidente radiológico de Goiânia. Estudos
Avançados v.27, n. 77, p. 185-200, 2013.
ROZENTAL, J. J.; CUNHA, P.; OLIVEIRA, C. A.
1989. Aspects of the initial and recovery phases of
the radiological accident in Goiania. In Proc. Int.
Symp. Recovery Operations in the Event of a
Nuclear Accident or Radiological Emergency,
IAEA, Vienna (p. 593-597).
UCHOA, Elza Maria Gonçalves Santos. Cesium
137: Integrative Review of the genetic biomonitor-
ing of individuals exposed to ionizing radiation
in the Goiânia radiological accident in Goiânia,
from 1988 to 2021. Dissertação (Mestrado em
Genética) – Pontifícia Universidade Católica de
Goiás, 2021.
Liquidators - Bombeiros,
militares, operários e voluntários
que ajudaram a reduzir as
consequências do acidente
nuclear de Chernobyl, foram
assim denominados.
Figura 8.
Linha do tempo do
biomonitoramento genético
da população exposta ao
Césio-137 de 1987 até o
momento atual.
Sociedade Brasileira de Genética 167
 NA SALA DE AULA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

QUE BACALHAU É ESSE?

– Uma abordagem lúdica
introdutória para a aplicação
prática de sequências de DNA
em sala de aula

Carine Belau de Castro Martins1, Ieda Zanotti2, Antonio Mateo Solé-Cava1

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro Nacional para Identificação Molecular do Pescado,
1

Instituto de Biologia. Rio de Janeiro, RJ

Pajelança Conteúdos, Rua Almirante Alexandrino, 2603, CEP 20241-263, Rio de Janeiro, RJ
2

Autor para correspondência - carine.belau@gmail.com

Palavras-chave: sequências de DNA, identificação, filogenia, forênsica

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 168

 NA SALA DE AULA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

A atividade prática “Que bacalhau é esse?” constrói um diálogo de saberes entre ensino de
biologia e mundo real para facilitar o aprendizado de conteúdos que vão desde o DNA como
base hereditária até o seu uso para identificação de espécies. A atividade envolve uma parte
lúdica, através de uma história em quadrinhos sobre “o mistério da ceia de Natal”, e segue
um roteiro que instiga a redescoberta e investigação. Motivados a atuarem como cientistas,
tentando esclarecer o mistério, estudantes comparam sequências de DNA dos bolinhos com
aquelas de uma biblioteca, auxiliados por uma chave dicotômica. A atividade foi aplicada em 5
escolas públicas com sucesso, e manteve a maior parte dos estudantes engajados nas atividades
propostas.

Contexto e objetivo construída em torno da pergunta – “que ba-

calhau é esse?” – como uma ferramenta de
aprendizagem que incorpora perspectivas
A aprendizagem significativa se estabelece
históricas, culturais e científicas, tornando
quando ocorre a relação entre o novo, concei-
o processo de aprendizagem significativo,
tos, conteúdos, e aquilo que os participantes
dinâmico e prazeroso, articulando e pro-
do processo de aprendizagem trazem, conhe-
movendo a interação entre o saber existente
cimento tácito, percepções. Assim, a constru-
e o saber construído. A atividade pode ser
ção do conhecimento deve extrapolar os pro-
realizada em vários pontos do currículo de
cessos mecânicos associados, por exemplo,
Biologia, podendo servir de motivação para a
à memorização de conceitos e à repetição, e
descoberta do DNA como material genético,
incorporar uma práxis sócio crítica. As ba-
sobre como ele pode ser analisado/sequen-
ses para esse processo são o aprender a ser,
ciado, e como pode ser usado para resolução
aprender a conviver, aprender a conhecer e
de problemas práticos.
aprender a fazer.
A seguir oferecemos um pouco do back-
O ensino de ciências se apresenta como uma
ground sobre o bacalhau, que pode ser usa-
oportunidade de relacionar teoria e prática,
do em um projeto transversal articulando o
e se torna ainda mais significativo quando os
aprendizado de história, sociologia e de cul-
estudantes são expostos a problemas desafia-
tura. Na nossa experiência, essa introdução
dores que estimulem a pesquisa e descoberta
ajuda a estimular a curiosidade de estudan-
de soluções aplicáveis à realidade. Entretan-
tes, e possibilita a inserção do assunto da ati-
to, apesar de ser potencialmente integrador,
vidade da aula no mundo real.
ele é frequentemente realizado a partir de
abordagens que o desvinculam da realidade
e do cotidiano dos alunos, sem que haja uma O bacalhau e suas
conexão entre as vivências e os conhecimen-
tos estruturados em sala de aula. A experi- nuances histórica,
mentação em sala de aula contribui para o
aprendizado do paradigma científico, desde a cultural e científica
formulação e o teste de hipóteses e a solução O bacalhau (Gadus morhua), abundante no
de problemas até o exercício da curiosidade e oceano Atlântico Norte, foi usado na sua
do prazer da descoberta. Ela amplia os hori- forma salgada como principal mantimen-
zontes educacionais e favorece a aprendiza- to durante a época das grandes navegações
gem significativa e ativa. porque permitia sua conservação pelo tempo
Dentro desse arcabouço teórico, desen- das viagens e fornecia uma fonte de proteínas
volvemos uma atividade prática que busca confiável. Podemos dizer que o bacalhau foi
apresentar uma abordagem transdisciplinar, um dos responsáveis pela expansão marítima
para os mares do sul.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 169

 NA SALA DE AULA
A facilidade de conservação do bacalhau con-
tribuiu para sua incorporação à dieta em vá-
rios países da Europa e Américas e instigou
a expansão da indústria pesqueira. Trazido
para o Brasil pela família Real portuguesa no
início do século XIX, tornou-se rapidamen-
te o peixe favorito para a comemoração de
datas tradicionalmente religiosas.
O bacalhau popularizou-se no Brasil na for-
ma de bolinho, tornando-se um acompanha-
mento para refeições e lanches, podendo ser
facilmente encontrado em restaurantes, bo-
tecos populares, barraquinhas de rua e feiras.
A facilidade no preparo e a incorporação de
batata à receita contribuíram para a dissemi-
nação do bolinho de bacalhau como alimen-
to exequível nas várias classes sociais.
No Brasil, o bacalhau é comercializado sal-
gado e desidratado sob várias formas: inteiro,
desfiado ou em lascas. Sua identificação na
forma de peixe inteiro é relativamente fácil,
mas, quando há algum tipo de processamen-
to durante a comercialização, sua substitui-
ção por outros peixes secos e salgados de
menor valor comercial pode ocorrer. Para
evitar essas fraudes, foram criadas normas
pelo governo em 2015, que definiram que
apenas duas espécies poderiam ser comer-
cializadas com o nome de Bacalhau: Gadus
morhua (Bacalhau do Atlântico ou do Porto)
e Gadus macrocephalus (Bacalhau do Pacífi-
co). Outras espécies, como Polaca-do-Alasca
(Gadus chalcogrammus), Ling (Molva molva),
Saithe (Pollachius virens) e Zarbo (Brosme
brosme) devem receber a denominação ge-
nérica de “peixe seco salgado semelhante ao
bacalhau”.
Entretanto, apesar dessas espécies serem fa-
cilmente identificadas quando estão inteiras,
sua identificação morfológica é muito difícil
quando estão processadas, como por exem-
plo na forma de bolinhos. Análises molecu-
lares, especialmente o sequenciamento de
DNA, têm sido uma alternativa para a iden-
tificação de produtos pesqueiros processa-
dos. Em sala de aula, essa questão oportuni-
za a introdução de conceitos que vão desde a
importância do bacalhau para as grandes na-
vegações como a introdução do DNA como
fator hereditário e seu uso para identificação
de espécies.
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
O problema como
desencadeador
do processo de
aprendizagem
Contextualizar a Genética a partir do apro-
veitamento dos recursos existentes dentro
e fora do ambiente escolar pode facilitar a
construção do conhecimento de forma dina-
mizada, contribuindo assim para o melhor
aprendizado dos estudantes. Aplicar concei-
tos científicos vinculando-os com o dia a dia
e, dinamicamente, através de atividades prá-
ticas, pode proporcionar maior envolvimen-
to dos alunos, e concomitantemente, auxiliar
a reestruturação da prática tradicionalista de
ensino.
Nesse aspecto, o bolinho de bacalhau ga-
nha papel de mediador entre as relações de
dentro e de fora da escola, já que possui uma
representatividade histórico-social como um
alimento de tradição em várias regiões do
Brasil.
A problematização do “que bacalhau é esse?”
para indagar e atiçar a curiosidade de estu-
dantes sobre qual peixe foi usado em seu pre-
paro permite que exercitem o pensamento
crítico e investigativo.
A atividade
A atividade “Que Bacalhau é esse?” foi inicial-
mente elaborada como parte do projeto “A
UFRJ Doa uma Aula”, que tem como objeti-
vo levar às escolas públicas de Ensino Funda-
mental e Médio conteúdos como aulas teóri-
cas e práticas, palestras e debates que possam
interessar e enriquecer a comunidade escolar,
promovendo o diálogo entre a universidade
e as escolas (https://ufrjdoaumaaula.com.
br/). Este artigo é baseado na experiência
acumulada ao longo de atividades apresen-
tadas em cinco escolas públicas em bairros
de níveis socioeconômicos variados no Rio
de Janeiro. A teatralização associada à pro-
blematização estimula os estudantes a enga-
jar-se na busca de uma solução ao longo da
atividade, que tem duração de 100 minutos,
Sociedade Brasileira de Genética 170
 NA SALA DE AULA
sendo 50 minutos voltados para exposição
teórica, e 50 minutos para atividade prática
investigativa, e se organiza em 3 momentos.
I. Apresentação do tema
(diferenças entre bolinhos de bacalhau
feitos por irmãs)
O primeiro momento contextualiza a pesca
do bacalhau a partir de uma perspectiva his-
tórica e social, apresentando-a como objeto
investigativo. Resgatamos brevemente a his-
tória da pesca do bacalhau e sua importância
histórica. O conhecimento que se considera
nas aulas de ciências passa a ser também o
conhecimento social, que perpassa os muros
da escola e se conectam para construir um
discurso científico próprio da sala de aula.
Isso torna possível ao estudante definir, a
partir deste contexto, o problema a ser inves-
tigado.
Após essa apresentação inicial sobre o baca-
lhau e de sua importância história e cultural,
apresentamos à turma a história do mistério
da ceia de Natal. Como material de apoio
para esta parte da aula, empregamos uma
história em quadrinhos, em que o primeiro
ato (Fig. 1) introduz, no arco dramático, um
problema: será que a diferença nos bolinhos
de bacalhau feitos por duas irmãs, a partir
da mesma receita de família, são resultado
de diferenças na qualidade no preparo ou no
tipo de peixe usado?
Recomenda-se a realização de uma leitura
coletiva da HQ em sala de aula, permitin-
do que a turma interaja entre si e com a(o)
facilitadora(or). A leitura pode ser realizada
por voluntários ou a(o) facilitadora(or) pode
escolher estudantes para fazerem uma leitu-
ra dramatizada, em que cada um dos parti-
cipantes engajados na leitura representa um
dos personagens presentes na história.
II. Levantamento investigativo
(qual a diferença entre você e o bacalhau?)
A partir do problema apresentado, a(o) fa-
cilitadora(or) estimula os estudantes a pro-
curar uma solução para o problema. Como
saber se a diferença no gosto dos bolinhos
de bacalhau se devia ao uso de espécies di-
ferentes? Até este ponto da atividade, a sigla
“DNA” não foi usada. O objetivo da facilita-
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
dora deve ser, nesta parte da atividade, orien-
tar a discussão para chegar no DNA como
possível ferramenta para resolver o mistério.
A turma deve ser estimulada a debater e bus-
car respostas para o problema. É possível que
a turma convirja para alguma solução expe-
rimental para comparar os bolinhos de ba-
calhau. A facilitadora deve auxiliar, fazendo
perguntas que orientem, sutilmente, a dis-
cussão da turma. Esse direcionamento para
a aula poderá ser feito a partir do questiona-
mento direto aos estudantes sobre “quais as
semelhanças e diferenças entre você e um ba-
calhau?”. Em nossa experiência, essa pergun-
ta, encarada inicialmente como uma piada
pelos estudantes, provoca algumas reflexões
interessantes sobre o que é ser semelhante e
o que é ser diferente, que podem ser explo-
radas. Caso não haja uma convergência para
as células e o DNA como resposta, pode ser
feita uma outra pergunta, acompanhada da
exibição de imagens (em powerpoint ou im-
pressas; Fig. 2) de embriões de bacalhau e
humanos, mostrando como são parecidos, e
seguidos da pergunta: “por que este embrião
vai originar um bacalhau, enquanto este ou-
tro vai originar um ser humano?”.
Nesse momento da aula, o ponto-chave es-
tará nos conceitos de genética já abordados
com a turma em aulas anteriores. A trajetória
passa pela ideia de que, macroscopicamente,
existe pouca semelhança entre ambas as es-
pécies, mas a semelhança nas etapas iniciais
de seu desenvolvimento embrionário provo-
ca o pensamento para além do macroscópico,
sendo a existência do DNA trazida à tona
pelos próprios estudantes. Nesse momento,
passamos para a relativização do que é seme-
lhante e o que é diferente, explicando que os
humanos e o bacalhau têm 70% dos genes
em comum, mas que esses genes são dife-
rentes (mas também semelhantes) em suas
sequências de DNA. Esse é um ponto im-
portante na aula porque permite a discussão
sobre a diferença nos conceitos de gene e de
DNA. Em termos de DNA, a diferença, por
exemplo, no gene mitocondrial citocromo b
entre humanos e bacalhau é de cerca de 60%.
A próxima pergunta, então, pode ser: “se en-
tre você e o bacalhau têm uma diferença de
60% no DNA do citocromo b, será que entre
você e o colega do lado essa diferença é maior
Sociedade Brasileira de Genética 171
 NA SALA DE AULA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Figura 1.
Quadrinhos 1 a 6 da história
“Que bacalhau é esse?”.
Nessa parte da história, os
estudantes são introduzidos ao
problema: será que a diferença
na qualidade dos bolinhos de
“dona” Jane e de sua irmã, são
devidos a diferenças em suas
habilidades culinárias ou ao
peixe usado?

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 172

 NA SALA DE AULA
ou menor?”. Mais uma vez, pode haver uma
discussão, e espera-se que convirja, natural-
mente, para “menor’ (surpreendentemente,
essa convergência não é rápida, e precisa ser
trabalhada com cuidado). Nesse ponto, a fa-
cilitadora pode dizer algo como “muito bem!
A próxima pergunta é “E entre um bacalhau
e uma sardinha, a diferença deve ser maior
ou menor do que entre um bacalhau e um
humano?”. Nesse ponto, espera-se que já
tenha se estabelecido na turma, ainda que
não nomeado, o conceito de semelhança fi-
logenética. Após discussão, pode ser exem-
Ou seja, a facilitadora tem o papel condutor
nessa etapa, sendo o estudante o responsável
por inferir ativamente no objeto de investiga-
ção através da pergunta proposta pela histó-
ria em quadrinho (“o que pode estar diferen-
te nos bolinhos de bacalhau servidos?”). Este
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
De fato, a diferença entre o DNA do cito-
cromo b de um humano e outro humano é
de menos de 1%. E entre dois bacalhaus da
mesma espécie?”. Mais uma vez, alguma dis-
cussão na turma e a resposta “mesma coisa,
1% mais ou menos”.
Figura 2.
Embriões no estágio de
duas células de bacalhau (à
esquerda) e de humano (à
direita). Apesar de diferentes, os
dois são bastante semelhantes.
plificado que, entre o bacalhau verdadeiro
e a sardinha a diferença na sequência de
citocromo b é de 20%, e entre o bacalhau
verdadeiro e o falso do tipo Ling, ela é de
15%, ou seja, menor do que entre bacalhau
e gente, mas maior do que entre bacalhau e
bacalhau (Fig. 3).
Figura 3.
Diferenças entre sardinhas,
bacalhau verdadeiro, ling
(que é um bacalhau falso) e
humanos, nas sequências do
gene citocromo b. Notem que
os peixes são menos diferentes
entre si do que em relação a
humanos, mas que, entre eles,
também existem diferenças.
momento da aula atua como construção do
diálogo do pensamento científico, em que se
estimula a ação ativa dos estudantes nas ela-
borações de visões do mundo de forma críti-
ca, na qual o sujeito se torna a voz principal
do processo de aprendizagem.
Sociedade Brasileira de Genética 173
 NA SALA DE AULA Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Após chegar nesse ponto, os estudantes bolinhos de bacalhau. Então, podem ser
estão prontos para reconhecer que dife- mostrados e teatralizados os próximos 8
renças nas sequências de DNA podem quadrinhos, correspondentes ao segundo
ser a solução para saber a espécie dos ato (Fig. 4).

Figura 4.
Quadrinhos 7 a 14 da história
“Que bacalhau é esse?”.
Nessa parte da história, os
estudantes acompanham
como a bióloga Vanessa usa
o estudo das sequências de
DNA dos bolinhos para resolver
o mistério. Note que não
mostramos ainda a solução
do mistério, pois serão os
estudantes que irão descobrir
qual bolinho era feito com
bacalhau falso. É importante
criar um clima de suspense
nessa etapa, enfatizando que
está em jogo a capacidade
culinária da irmã de dona Jane
ou a honestidade de quem
vendeu o tal bacalhau para ela.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 174

 NA SALA DE AULA
III. Aplicação do método investigativo
(“como eu uso o DNA para descobrir a
espécie do bolinho?”)
Na terceira e última etapa da aula, os estu-
dantes já alcançaram a ideia do DNA como
conexão e diferença entre ser humano e baca-
lhau, e então passamos a estimulá-los a refle-
tir sobre as maneiras como o DNA pode ser
utilizado para responder à pergunta princi-
pal. Partindo do pressuposto de que a turma
já teve contato com os conceitos de DNA,
estudantes são orientados à reflexão, ao fazer
uma revisão breve sobre a estrutura do DNA
e suas funções nos organismos.
Novamente, a facilitadora pergunta à tur-
ma se, com os conhecimentos previamente
adquiridos, sejam eles frutos das aulas de
genética ou de seu cotidiano, podem pen-
sar em um método em que o DNA possa
ser utilizado para identificação de espécies.
Assume-se que, nesse momento, uma nova
série de respostas surgirão vinculadas ao
conceito de DNA e sua aplicação forênsica,
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Figura 4.
Cont.
seja na solução de crimes ou em testes de
paternidade. Como eles já haviam concluído
que espécies diferentes têm DNAs diferen-
tes, é natural que a discussão convirja para
a solução de comparar os DNAs das amos-
tras. Nesse momento, a pergunta passa a ser
“comparar com o quê?”, que deve evoluir para
a importância de se ter uma biblioteca de
referência, com as sequências das espécies
que podem ser vendidas como bacalhau, com
a qual os DNAs das amostras poderão ser
comparadas.
Nesse ponto, a facilitadora deve apresentar
muito brevemente a rotina de um laboratório
para o sequenciamento de DNA, explicando
que, como as espécies têm sequências muito
grandes de DNA, distribuídas em dezenas
de milhares de genes, escolhem-se apenas
um ou dois genes para este tipo de estudo.
Esses genes são, então, sequenciados, ou seja,
se aplicam metodologias para saber a ordem
dos nucleotídeos (representados pelas letras
A, T, C e G embaixo de um diagrama em
que cada pico colorido corresponde a uma
Sociedade Brasileira de Genética 175
 NA SALA DE AULA
letra). O objetivo da atividade não é ensinar
sequenciamento ou biologia molecular, mas
apenas mostrar como sequências de DNA
podem ser usadas para identificar espécies.
Se a turma estiver devidamente motivada e
curiosa sobre o assunto, ele pode ser apresen-
tado e discutido em outras aulas. Uma coisa
que deve ser esclarecida para a turma é que,
em geral, trabalha-se com sequências muito
maiores, mas que, como a diferença entre as
espécies é bastante grande, podemos esco-
lher uma parte da molécula que sirva para
diferenciá-las.
A turma, então, está pronta para a atividade
prática, na qual irá investigar, como “detetives
do DNA”, o mistério dos bolinhos. A prática
consiste na divisão da turma em cinco gru-
pos de investigadores, cujo objetivo é desco-
brir a espécie usada em bolinhos de bacalhau
imaginários. Essa aula também pode ser feita
com bolinhos de bacalhau verdadeiros! Já o
fizemos em três ocasiões, em escolas em lo-
calidades de vários níveis socioeconômicos,
e sempre funcionou muito bem. O aspecto
lúdico dos estudantes comerem bolinhos de
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Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
cinco tipos diferentes para depois descobri-
rem a espécie que comeram é maravilhoso,
mas a logística necessária é muito complexa,
o custo é alto e provavelmente não aplicável
na maioria das escolas.
O material padrão para essa parte da aula é
uma figura com a biblioteca de referência,
constituída de sequências de DNA de cito-
cromo b dos bacalhaus verdadeiros e falsos
(Fig. 5), bem como uma chave dicotômica
para a identificação de cada espécie a partir
da sequência (Fig. 6). Após a apresentação
dessas sequências, cada grupo recebe uma
sequência impressa que corresponde ao seu
bolinho. As sequências (Fig. 5) podem ser
impressas (3 por página, recortadas) em
impressora colorida e entregues para cada
grupo. As sequências devem ser identifica-
das por letras de A-E ou numeração de 1-5.
Pode ser dito para os grupos que duas das
sequências entregues são as dos bolinhos da
dona Jane e de sua irmã na HQ (marcar a
sequência de Gadus macrocephalus como a do
bolinho da dona Jane e a sequência de Pola-
chius virens como a da irmã da dona Jane).
Figura 5.
Sequências de um fragmento do
gene citocromo b diagnóstico
para espécies de peixes
salgados secos. As espécies das
sequências são: 1 - saithe;
2 - bacalhau porto imperial;
3 - zarbo; 4 - bacalhau “cod”;
5 - ling. Essas sequências
podem ser impressas em um
papel de gramatura maior
(120 g/cm) e plastificadas para
reuso, ou podem ser impressas
em papel normal e entregues
para os estudantes.
Sociedade Brasileira de Genética 176
 NA SALA DE AULA
O caminho para a identificação das espécies
correspondentes às sequências é uma chave
dicotômica (Fig. 6) junto com a imagem das
sequências (Fig. 5). A chave e a biblioteca de
sequências podem ser projetadas, coladas ou
desenhadas, para que a turma possa ver e com-
As sequências identificadas serão conferidas
conjuntamente com a(o) facilitadora(or) e
os grupos podem falar para a turma qual o
resultado que obtiveram. Nesse ponto, pode
ser passada para a turma a parte final da HQ
(Fig. 7).
Na finalização da aula, será então levanta-
da uma última discussão na qual se propõe
pensar o índice de substituição e fraudes na
cadeia comercial de pescado no Brasil, assim
como a motivação para tal, direcionando os
estudantes a questionarem como isso pode
afetar principalmente as espécies em risco e
os estoques pesqueiros utilizados como fonte
de consumo.
Experenciando
a atividade
A implementação da atividade prática du-
rante a aula permitiu que houvesse um diá-
logo entre os saberes cotidiano, científico e
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
parar com as sequências em mãos. Assim, os
estudantes colocarão em prática o que foi dis-
cutido na aula até então, identificando a espé-
cie correspondente por comparação visual da
sequência de DNA, e apontar se a espécie en-
contrada é de um bacalhau falso ou verdadeiro.
Figura 6.
Alinhamento de um fragmento
escolar, através das discussões levantadas do gene citocromo b de
durante os momentos da aula. Assim, os co- espécies vendidas como “peixe
nhecimentos dos estudantes sobre o mundo salgado seco”. Os nucleotídeos
foram o ponto de partida para a construção diferentes entre as sequências
estão coloridos. Para facilitar
do questionamento e da experimentação
a identificação, é apresentada
que caracterizam o método científico. A di- uma chave dicotômica que pode
nâmica discursiva proporcionou a constru- ser usada pelos estudantes para
ção de um diálogo entre saberes adquiridos identificar a amostra.
no ensino de biologia e no cotidiano fora
da escola o qual tornou fácil a assimilação
dos conceitos de fraude e substituição, as-
sim como suas consequências ao comércio
pesqueiro. A base filogenética apresentada
sutilmente sobre a semelhança e a diferença
entre bacalhau e humano e entre bacalhau
e sardinha funciona muito bem e serve de
base bastante rápida para que os estudantes
encontrem a maneira de resolver o mistério
dos bolinhos. Nesse sentido, os estudantes
participaram ativamente na construção do
conhecimento sobre o que é uma análise
de forênsica pesqueira, e ficaram, de uma
maneira geral, muito contentes com suas
Sociedade Brasileira de Genética 177
 NA SALA DE AULA
descobertas, particularmente ao chegarem à
resposta sobre qual seria a espécie de seus
Ao aplicar um questionário avaliativo para
a turma sobre a atividade, constatou-se que
os estudantes em geral gostam das dinâmicas
no decorrer da mesma, sendo apontado pela
maioria da turma a parte investigativa com
as sequências de DNA para descobrir se o
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Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
bolinhos (ou dos das personagens da histó-
ria em quadrinho).
Figura 7.
Quadrinhos 15 a 18 da história
“Que bacalhau é esse?”. Nessa
parte da história, Vanessa
desvenda, da mesma forma
que os estudantes fizeram,
o mistério. O bacalhau
da irmã de dona Jane era
falso! Esse fechamento da
história é importante por
permitir o compartilhamento
da experiência vivida pelos
estudantes com o desenlace da
história em quadrinhos.
bacalhau é verdadeiro ou falso como a parte
favorita da aula (Fig. 8). Ressalta-se também
a utilização do HQ dramatizada como um
complemento positivo à aula sendo este alvo
de interesse dos estudantes para interação e
reflexão no processo de aprendizado.
Sociedade Brasileira de Genética 178
 NA SALA DE AULA
Contudo, vale ressaltar que a prática do-
cente está sujeita a diferentes dificuldades,
sendo fluida para se reinventar constante-
mente, e através de tal perspectiva precave-
mos que essa aula pode não ser apropriada,
diretamente, para qualquer perfil de turma.
Faz-se necessário analisar a identidade cul-
tural dos membros da turma. Para que esta
prática possa ter reconhecimento identitá-
rio, é necessário que as facilitadoras investi-
guem e compreendam quais conhecimentos
sobre o mundo os estudantes já dispõem,
uma vez que suas principais reflexões par-
tem das concepções discentes sobre o tema.
Por exemplo, quando a aula foi apresentada
a uma turma em localidade muito precária
(uma comunidade na Pavuna, bairro pobre
do Rio de Janeiro onde, um mês antes, uma
estudante havia morrido por bala “perdida”),
um dos estudantes questionou sobre para
quê iriamos descobrir qual era a espécie de
um bolinho de bacalhau, se “aqui ninguém
come essas coisas não, professor”. Essa inter-
venção permitiu evoluir a aula, com sucesso,
para fora do bacalhau, passando por testes
de paternidade e de forênsica jurídica, áreas
muito mais familiares a muitos ali presentes.
Em outros lugares, por outro lado, houve
identificação imediata da turma com o di-
lema das personagens da HQ, e a discussão
inicial ficou limitada à questão dos direitos
do consumidor, mostrando o poder das aná-
lises de DNA para assegurar que as pessoas
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Figura 8.
Wordcloud formada a partir
das respostas dos estudantes
na folha de avaliação aplicada
ao fim da aula à pergunta “O
que você achou da aula?”.
Foram excluídos pronomes
e preposições. Note que as
palavras “incrível”, “divertida”,
“gostei”, “quadrinhos” e
“descoberta” figuram entre as
10 mais citadas.
não sejam lesadas na compra de pescado. A
partir desse ponto, e dependendo do tempo
e do interesse da turma, evoluímos a discus-
são para mostrar a importância de se garantir
que espécies ameaçadas não sejam vendidas
como se fossem outras, não ameaçadas, o que
também despertou muito interesse.
Acreditamos que esta atividade seja relativa-
mente simples de aplicar em sala de aula, logo
no início do tema da genética, servindo como
motivadora do tema “DNA” para o resto do
curso. Nossa experiência foi muito positiva,
e continuamos a oferecer esta atividade em
outras escolas e como atividade de extensão.
Para saber mais
CARRAHER, T.N. Ensino de ciências e desenvolvimen-
to cognitivo. Coletânea do II Encontro “Perspec-
tivas do Ensino de Biologia”. São Paulo, FEUSP,
1986.
GEMIGNANI, E. Y. M. Y. Formação de Professores e
Metodologias Ativas de Ensino Aprendizagem: En-
sinar Para a Compreensão. Fronteiras da Educa-
ção, v. 1, n. 2, p.1-27, 2012.
KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia. 4ª
São Paulo: Universidade de São Paulo, p. 85-87,
2004.
TEMP, D. S.; BARTHOLOMEI-SANTOS, M.
L. Genética e suas Aplicações: Identifican-
do o Conhecimento Presente entre Con-
cluintes do Ensino Médio. Ciência E Natu-
ra, v. 36, n. 3, p. 358–372, 2014. https://doi.
org/10.5902/2179460X13619
Sociedade Brasileira de Genética 179
 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Identificando variantes
de DNA utilizando
conceitos do
pensamento
computacional
no ensino médio

Renato Augusto Corrêa dos Santos1, Thayana Vieira Tavares2, Matheus Scaketti1,
Jayme Sakae dos Reis Furuyama3, Guilherme Henrique Gomes4, Alexandre Colato5,
Carlos Norberto Fischer6
Programa de pós-graduação em Genética e Biologia Molecular, Instituto de Biologia, UNICAMP, Campinas, SP
1

Departamento de Genética e Evolução (DGE), UFSCar, São Carlos, SP

2

Departamento de Computação, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP

3

Programa de pós-graduação em Ciências da Nutrição e do Esporte e Metabolismo, Faculdade de Ciências Aplicadas,

4

Universidade Estadual de Campinas, Limeira, SP

Departamento de Ciências da Natureza, Matemática e Educação, Universidade Federal de São Carlos, Araras, SP
5

Departamento de Estatística, Matemática Aplicada e Computação, Instituto de Geociências e Ciências Exatas,

6

Universidade Estadual Paulista - UNESP, Rio Claro, SP

Autor para correspondência - renatoacsantos@gmail.com
Palavras-chave: mutação, albinismo, algoritmo, raciocínio lógico, tradução, pensamento computacional

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 180

 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

O chamado pensamento computacional pode ser entendido como um conjunto de ações lógi-
cas que visam solucionar um problema ou realizar uma ação. Para que o estudante de Biologia
possa se familiarizar com conceitos do pensamento computacional, foi desenvolvido um ma-
terial didático cuja finalidade é apresentar uma atividade de Genética que pode ser realizada
em sala de aula, na qual os alunos têm a oportunidade de aplicar o pensamento computacional
de forma desplugada, o que permite seu desenvolvimento também em escolas sem recursos
tecnológicos. O material didático envolve a aplicação do conhecimento em dois contextos
diferentes: em atividades do cotidiano e em uma atividade voltada para a identificação de va-
riantes em sequências de DNA codificantes homólogas, correspondentes à enzima tirosinase,
em macacos-pregos brasileiros com fenótipos saudável e albino. A apresentação dos conceitos
em diferentes contextos favorece a aquisição gradual de competências e facilita a aplicação dos
conhecimentos na análise de sequências biológicas. A atividade apresentada é indicada para
aplicação em turmas do ensino médio e sugere-se a utilização de recursos didáticos de ensino
investigativo.

A Genética cânica, pois o aluno simplesmente executa

a tarefa sem pensar no significado deste ali-
na prática e nhamento.

incorporando As sequências de DNA codificador (trans-

competências
do pensamento
computacional
Muitos alunos chegam ao ensino médio
com problemas relacionados à abstração de
alguns conceitos que fogem do concreto, ou
seja, entendem o que conseguem observar,
tocar e escutar, mas não conseguem asso-
ciar tais características como sendo produto
do que é invisível aos sentidos. Isso aconte-
ce com relação à Genética, que acaba sendo
diretamente afetada, pois muitos estudantes
apresentam dificuldade para entender a cor-
respondência entre genótipos e fenótipos de
um determinado organismo.
O processo de análise do alinhamento de
bases de nucleotídeos permite a identificação
de genes, das proteínas que eles codificam e
de variantes com possível impacto no fenó-
tipo, ou seja, na formação e funcionamento
do organismo em questão. Vale ressaltar que
este processo é entendido pelos estudantes,
porém, na maioria das vezes, de forma me-
critas em RNA mensageiro (mRNA) e pos-
teriormente traduzidas em proteínas) apre-
sentam uma ordem de nucleotídeos que, por
si só, possuem características associadas. En-
tre elas, podemos mencionar o comprimento
e a composição de bases. De forma isolada,
uma sequência deste tipo pode ser analisada
para verificar o impacto de uma variante na
sequência da proteína correspondente.
O ensino de variantes (mutações) genéticas
é geralmente realizado como parte do curso
de Biologia ao longo dos três anos do ensino
médio. Há vários tipos de modificações em
sequências de DNA codificantes que po-
dem alterar a proteína resultante, incluindo
variantes associadas a distúrbios genéticos
relacionados a vias metabólicas. Entre estes,
o albinismo, o qual consiste em um conjunto
de distúrbios genéticos associados à ausência
ou redução do pigmento melanina; o albinis-
mo é hereditário e atinge ambos os gêneros,
sendo consequência de erros relacionados a
genes envolvidos na produção desse pigmen-
to. Os casos mais comuns envolvem muta-
ções na enzima tirosinase, que prejudicam
total ou parcialmente a produção de mela-
nina, principalmente em suas etapas iniciais.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 181

 MATERIAIS DIDÁTICOS
Além de seres humanos, o albinismo também
pode ocorrer em outros primatas, aves, pei-
xes, camundongos e coelhos. Todavia, não é
comum encontrar animais selvagens com esse
distúrbio, principalmente porque a falta de
pigmentação na pele pode ser crucial para a
sobrevivência dos mesmos, já que pode torná-
-los alvos mais fáceis de serem identificados
por predadores. O macaco-prego (Sapajus
apella), um primata encontrado em todo o
território brasileiro (principalmente na região
amazônica), pode apresentar fenótipo albino
que, nestes animais, é caracterizado pela pre-
sença de pelos muito claros e de olhos rosados.
Um estudo brasileiro (DE VASCONCE-
LOS, et al. 2017) identificou uma mutação na
posição 64 do gene que codifica a tirosinase
neste primata, no primeiro dos cinco éxons
que compõem a região codificadora, mutação
(C → T) que acarreta a inserção de um códon
de parada (mutação sem sentido), gerando
uma proteína com apenas 22 aminoácidos em
vez dos 530 normalmente codificados.
A chamada mutação sem sentido, como no
exemplo acima, faz parte do grupo de muta-
ções não sinônimas, caracterizadas pela alte-
ração de aminoácido e que podem ocasionar
um grande efeito para o indivíduo, podendo
até ser letal. Além das sem sentido, mutações
não sinônimas que acarretam a troca de ami-
noácido sem que ocorra o término da tra-
dução são denominadas de sentido trocado.
Diferentemente das anteriores, as mutações
sinônimas não resultam em alteração da se-
quência de proteínas e tendem a ocasionar
menos efeito direto no indivíduo.
Pensando particularmente na detecção de
mutações em uma sequência de DNA, o
processo de comparação entre sequências
homólogas (que compartilham um ancestral
comum) pode ser realizado utilizando-se
princípios da área de Computação, o que
possibilita posterior avaliação se entre estas
sequências há diferenças com relevância bio-
lógica.
Na Computação, um problema específico é
tratado e resolvido a partir da proposição de
um “algoritmo”, uma sequência de ações ló-
gicas que deve ser executada para a solução
daquele problema. Para a criação do algorit-
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Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
mo, torna-se necessário o entendimento de
alguns conceitos, dentre eles, de particular
interesse neste trabalho, os referentes às cha-
madas “estruturas de repetição” e “estruturas
de decisão”. No primeiro caso, as estruturas
permitem que um conjunto finito de ações
seja executado de forma repetida, até que
uma dada condição de parada do processo
seja encontrada. No caso das estruturas de
decisão, a ideia é representar uma situação na
qual deve-se tomar um caminho ou outro, ou
seja, executar um certo conjunto de ações ou
outro, dependendo da condição de momen-
to que está sendo testada. Exemplos de uso
destes dois conceitos são apresentados neste
material didático.
Vários destes princípios da área de Compu-
tação fazem parte do que tem sido tratado
como “pensamento computacional”. Não
há uma definição única e conclusiva para o
termo pensamento computacional, dadas as
diferentes demandas no aprendizado de cada
área, mas podemos caracterizá-lo como es-
tratégias a serem usadas para tratar proble-
mas, sejam eles simples ou complexos, uma
tentativa de organizar logicamente as ações
que devem ser realizadas para solucioná-los.
Deve-se observar, ainda, que não necessaria-
mente o pensamento computacional envolve
a consequente criação e execução de um pro-
grama de computador, podendo ser realiza-
do pelo ser humano.
Em um mundo cada vez mais digital, ha-
bilidades e atividades envolvendo o pensa-
mento computacional são relevantes para a
resolução de problemas do dia a dia, como o
simples ato de se dirigir a um caixa eletrôni-
co e seguir os passos necessários para sacar
dinheiro. Neste sentido, a forma de pensar-
mos em resolução de problemas e execução
ou elaboração de processos não está restrita
ao cientista da computação, mas também
está presente no cotidiano dos cidadãos em
geral. Também na Biologia, diferentes princí-
pios computacionais podem ser aplicados, o
que traz novas perspectivas para a resolução
de problemas em áreas como a Genética e a
Ecologia, além de também proporcionar um
ambiente para aquisição de competências
que podem ser utilizadas em outros aspectos
da vida das pessoas.
Sociedade Brasileira de Genética 182
 MATERIAIS DIDÁTICOS
Neste contexto, e considerando o foco prin-
cipal deste trabalho, apresentamos uma al-
ternativa para auxiliar estudantes do ensino
médio para um melhor entendimento da
Genética, mais especificamente, consideran-
do a detecção de variantes em sequências de
DNA e a relação com o fenótipo do indiví-
duo. Para isso, este material didático traz,
inicialmente, dois exemplos de atividades
práticas que envolvem o pensamento compu-
tacional, a fim de apresentar alguns de seus
conceitos, particularmente direcionados para
mostrar como usar as estruturas de repetição
e as estruturas de decisão, para, em seguida,
aplicá-los para tratar o problema específico
em Genética (detecção de variantes). Nele,
os alunos são envolvidos em um contexto
que tem como mote a mutação em uma re-
gião específica do gene que codifica a tirosi-
nase em macacos-pregos.
Sugere-se que o professor em sala de aula
utilize recursos didáticos alinhados com o
ensino investigativo, de forma a instigar, des-
de o início, a aplicação de princípios compu-
tacionais pelos alunos, visto que facilitará o
processo de busca do nucleotídeo alterado e a
investigação se esta mudança pode ser a cau-
sa da variação fenotípica no indivíduo. Esta
atividade foi proposta para ser desenvolvida
tanto utilizando recursos tecnológicos como
também no formato desplugado, ou seja, que
não envolve o uso de tais recursos, tendo
como premissa o uso de papel, atividades im-
pressas e recortes.
Como executar
as atividades
envolvendo o
pensamento
computacional
São apresentados nesta seção os materiais
didáticos envolvendo o pensamento compu-
tacional nos dois contextos citados acima. As
atividades são propostas para realização em
sala de aula e de forma desplugada (sem o
uso de recursos digitais).
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
• CONTEXTO 1:
Situação do dia a dia
🌕 Limpeza de pratos
🌕 Escolha de séries para assistir
• CONTEXTO 2:
Genética
🌕 Atividade de identificação de variante
em sequências de DNA
Situação do dia a dia: limpando pratos
Inicialmente, propomos que seja realizada
uma atividade prática que visa entender uma
situação do cotidiano para que, em seguida,
possa ser criado o algoritmo correspondente.
Para facilitar a conexão entre os conceitos do
pensamento computacional e atividades do
cotidiano, o professor pode discutir o tema
com os alunos em uma conversa colocando
questões a serem tratadas para impulsionar
o processo investigativo, o qual poderia en-
volver uma apresentação de atividades do
cotidiano, pelos próprios alunos, em discus-
são e construção lógica em conjunto com o
professor.
Para ajudar e facilitar esta discussão, pro-
pomos uma primeira atividade do cotidiano
que consiste na tarefa de lavar pratos, com a
finalidade de introduzir e aplicar os concei-
tos de algoritmos, estruturas de decisão e
estruturas de repetição. Para tanto, serão uti-
lizados dois conjuntos de pratos: um inicial,
com todos os pratos (limpos e sujos), e outro
apenas contendo pratos limpos. Além disso,
entre estes conjuntos, supõe-se a existência
de uma área designada para o ato de lavar o
prato, em que deve ser colocado apenas um
prato por vez. Os alunos devem verificar se
cada prato do conjunto inicial está sujo ou
não e, em seguida, realizar o processo de “la-
vagem” daquele que estiver sujo; os pratos
lavados ou identificados como limpos devem
ser colocados no conjunto de pratos limpos
(Figura 1). O professor deve orientar os alu-
nos de que pratos sujos não contaminam
pratos limpos, esclarecimento que dá maior
fluidez à atividade e permite o exercício da
abstração.
Sociedade Brasileira de Genética 183
 MATERIAIS DIDÁTICOS
Para a execução da atividade, o professor
deve colocar o conjunto inicial em uma mesa
(Figura 1) e conduzir os alunos na resposta,
ou seja, ele pega um prato e mostra para a
sala, deixando que os alunos apontem o pas-
so a passo a ser realizado. Caso aconteça de
algum aluno sugerir um passo a passo dife-
rente, é função do professor conduzi-lo para
a resposta desejada. Alguns questionamen-
tos podem ser levantados pelo professor:
• Se o prato está sujo na sua casa, você o co-
loca junto com os limpos?
• Se o prato está limpo, por que lavá-lo no-
vamente?
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Figura 1.
Representação da atividade de
lavagem de pratos. Na parte
superior, estão representados
os pratos sujos e limpos que
devem ser recortados pelos
alunos. Na parte inferior,
apresenta-se um exemplo de
organização da “bancada” de
atividade.
Como cada aluno pode sugerir um passo a
passo diferente e que não aborde necessaria-
mente estes conceitos (algoritmos, estruturas
de decisão e estruturas de repetição), ao final
da atividade, deve ser explicado para os alu-
nos quais conceitos foram utilizados e quais
poderiam ser utilizados, apresentando um
algoritmo, como exemplificado na Figura 2.
O algoritmo da Figura 2 é apresentado na
forma de fluxograma, que utiliza formas
geométricas como o retângulo, o losango
e círculos. No caso do retângulo, ele serve
para mostrar a execução de uma ação direta
(neste exemplo do cotidiano, “a seleção de um
Sociedade Brasileira de Genética 184
 MATERIAIS DIDÁTICOS
prato”, “a lavagem de um prato” e “a colocação
do prato limpo no conjunto de limpos”). Já
o losango é usado para indicar uma tomada
de decisão, a chamada “estrutura de decisão”
(na Figura 2, para verificar “se o prato sele-
cionado está sujo” ou “se ainda há pratos a se-
rem verificados”). Os círculos no fluxograma
servem para especificar o “Início” e o “Fim”
da sequência de passos a serem executados.
Situação do dia a dia:
escolha de uma série de televisão
Para reforçar o aprendizado dos conceitos
apresentados na primeira atividade do coti-
diano, propomos uma segunda que envolve
a escolha de séries em uma plataforma strea-
ming. Sugerimos que o professor conduza a
atividade de forma semelhante ao exemplo
anterior, tendo em mente que a complexida-
de da escolha de séries é maior (Figura 3).
Além disso, caso a escola tenha salas de aula
com televisão ou laboratórios de informática
ou vídeo com acesso à Internet, o professor
pode entrar em algum serviço de streaming
desejado e realizar o processo de escolha de
um filme ou série.
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Além disso, as setas indicam a ordem em que
as ações são executadas. Por fim, nota-se no
algoritmo a indicação de uma “estrutura de
repetição” (o tracejado vermelho mais amplo
na figura), que indica que todo o conjunto de
ações (as três ações diretas e as duas estrutu-
ras de decisão) deve ser executado repetida-
mente até que não haja mais pratos a serem
verificados.
Figura 2.
Exemplo de sequência de
passos para realizar uma
atividade do cotidiano,
considerando a lavagem de
pratos.
Identificação de variantes
de único nucleotídeo em
sequências de tirosinase
Para o ensino de Genética, propomos uma
atividade envolvendo a identificação de mu-
tações em uma sequência de DNA codifican-
te, na qual os alunos devem colocar em práti-
ca os conceitos computacionais introduzidos
anteriormente. O objetivo é encontrar nesta
sequência a posição homóloga que tenha so-
frido mutação, ou seja, o nucleotídeo diferen-
te da correspondente posição da sequência
de referência.
Para facilitar a comparação de sequências em
uma atividade desplugada, são considerados
os trechos homólogos do primeiro éxon do
Sociedade Brasileira de Genética 185
 MATERIAIS DIDÁTICOS
gene que codifica a tirosinase (da posição
55 a 75) em indivíduos diferentes de maca-
cos-pregos, destacando os códons do código
genético, apresentadas na Figura 4. A pri-
meira sequência de cada par a ser comparado
representa a de um indivíduo saudável (“re-
ferência”) e deve ser considerada “sem muta-
Para iniciar a atividade, o professor deve-
rá imprimir e recortar o conjunto de ima-
gens da Figura 4, que ajudará os alunos a
consolidarem o aprendizado dos conceitos
computacionais introduzidos anteriormen-
te. As imagens na figura correspondem a
sequências de DNA de quatro indivíduos
diferentes, mostrando posições numeradas
de acordo com a sequência de referência.
Esta numeração indica que as posições são
homólogas, ou seja, compartilham um an-
cestral comum e, portanto, podem ser com-
paradas.
O professor deverá distribuir as sequências
(numeradas de 1 a 4) aos alunos, informan-
do o fenótipo do organismo portador, mas
sem dizer quais delas apresentam mutação.
Em seguida, ele deverá orientar os alunos a
colocar cada uma destas sequências em uma
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Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
ções”. Tal sequência deverá ser usada pelos
alunos para fazer as comparações de bases
homólogas com o trecho de sequência de
outros quatro indivíduos, a fim de responder
se há alteração. Se houver, deve-se anotar o
tipo de mutação e qual o possível impacto no
fenótipo.
Figura 3.
Exemplo de algoritmo para
régua. As linhas tracejadas na parte de cima realizar uma atividade do
da Figura 4 deverão ser cortadas com estile- cotidiano de professores e
te, para criar uma “janela” de visualização. As- alunos, considerando a escolha
sim, os alunos poderão passar cada conjunto de uma série para assistir. Neste
caso, o algoritmo é apresentado
de sequências através dela e comparar as ba- em dois formatos: à esquerda,
ses, uma a uma. O professor deverá instigar de forma descritiva e, à direita,
os alunos a desenvolverem uma estratégia (o como um fluxograma.
algoritmo) para comparar sequências com
este material de recorte em mãos. O objetivo
é que os alunos analisem cada uma das po-
sições utilizando o conceito de estrutura de
repetição, de forma análoga ao exemplo do
conjunto de pratos, mas desta vez percor-
rendo cada nucleotídeo, em uma ordem de-
terminada pela posição, em uma sequência
de DNA. A fim de responder se há ou não
mutação, nesta parte da atividade, os alunos
estarão colocando em prática o conceito de
estrutura de decisão.
Sociedade Brasileira de Genética 186
 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Figura 4.
Material para ser utilizado em
sala de aula que representa
trechos de uma sequência de
bases para quatro indivíduos
diferentes. Para cada recorte, a
sequência superior (numerada)
corresponde à referência, ou
seja, do organismo tido como
saudável com a qual as demais
devem ser comparadas.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 187

 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Relacionando o DNA com a proteína gura 4) com a sequência de aminoácidos cor-

Após a detecção da sequência mutada, a
atividade objetiva relacionar a sequência do
RNA mensageiro transcrito a partir da se-
quência de DNA do primeiro material (Fi-
respondente. Para isso, é fornecido na Figura
5 o código genético relacionando cada códon
de mRNA com o aminoácido resultante.
Observar que, para o uso da tabela citada, a
base T tem que ser trocada por U.

2a
U C A G

UUU UAU UGU U

Fenilalanina UCU Tirosina Cisteína
UUC UCC UAC UGC C
U UUA UCA
Serina
UAA UGA PARADA A
Leucina UCG PARADA
UUG UAG UGG Triptofano G
CUU CCU CAU CGU U
Histidina
CUC CCC CAC CGC C
C CUA
Leucina
CCA
Prolina
CAA CGA
Arginina
A
CUG CCG Glutamina CGG
CAG G
1a AAU AGU
3a
AUU ACU Asparagina Serina U
AUC Isoleucina ACC AAC AGC C
A AUA ACA
Treonina
AAA AGA A
ACG Lisina Arginina
AUG Metionina AAG AGG G
GUU GCU GAU Ácido GGU U
GUC GCC GAC Aspártico GGC C
G GUA
Valina
GCA
Alanina
GAA Ácido GGA
Glicina
A
GUG GCG GAG Glutâmico GGG G
Quando encontrado um códon de parada, deve-se parar a tradução e colocar um *
Figura 5.
Tabela para ser utilizada em sala
de aula que representa o códon
do mRNA e o aminoácido
Os alunos precisarão identificar os códons analisando. É importante destacar que, a correspondente. Os códons
nas sequências da Figura 4 e relacionar cada códon de parada encontrado, a criação apresentam uma trinca de
cada um com as que estão na Figura 5; a da sequência proteica deve ser interrompi- nucleotídeos que determina o
cada relação feita, o aminoácido deverá da. Desta forma, os alunos podem relacio- aminoácido; para cada códon,
os números ordinais (1º, 2º e
ser anotado no espaço indicado na Figura nar a mutação na sequência de DNA com
3º) correspondem às posições
6 abaixo da imagem do macaco albino ou o fenótipo albino ou saudável do macaco- de seus nucleotídeos.
não, de acordo com a sequência que se está -prego.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 188

 MATERIAIS DIDÁTICOS
O professor pode interagir com os alunos nes-
ta parte da atividade, para instigar a formação
do raciocínio lógico em relação à construção
do algoritmo de comparação de sequências:
• É possível comparar todas as sequências,
uma a uma, com a referência?
• Há alguma semelhança entre elas?
• Há alguma diferença? Qual?
• Como as proteínas são sintetizadas e qual
a importância delas para o organismo?
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
• Há diferença no produto da tradução?
Qual a consequência?
• Como cada um fez a comparação?
Como os alunos podem seguir um racio-
cínio lógico diferente e que não aborda os
conceitos tratados neste material didáti-
co, ao final da atividade deve ser explica-
do para os alunos quais conceitos foram e
quais poderiam ser utilizados, apresentan-
do um algoritmo, como exemplificado na
Figura 7.
Figura 6.
Na parte superior, são
apresentados os fenótipos
albino (esquerda) e saudável
(direita). Na parte inferior, é
apresentado o material para
ser utilizado em sala de aula,
que inclui os macacos-pregos
e um retângulo abaixo de cada
imagem, no qual devem ser
colocadas as sequências de
aminoácidos de cada indivíduo.
Ela foi intencionalmente
criada em preto e branco,
pois possibilita a distinção
de fenótipos e permite que o
professor a use em sala de aula
sem necessidade de impressão
colorida. Fonte da imagem
colorida: DE VASCONCELOS, et
al. (2017).
Sociedade Brasileira de Genética 189
 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Figura 7.
Exemplo de algoritmo
para realizar a comparação

Propostas de Para saber mais entre nucleotídeos de duas

sequências.

questionários DE VASCONCELOS, et al. “A novel nonsense mu-

tation in the tyrosinase gene is related to the al-
pós-atividade binism in a capuchin monkey (Sapajus apella).”
BMC genetics 18.1 (2017): 1-6.

Aplicação dos conceitos

de pensamento computacional
no cotidiano, em Genética e
em Biologia geral
1) Em que situações o pensamento compu-
tacional pode ser útil? Como aplicá-lo na
solução de problemas do dia a dia? E de
problemas na escola?
2) Se quiséssemos comparar a sequência de
aminoácidos da tirosinase mutada com a
da tirosinase normal ao invés da sequência
de DNA, como esse exercício deveria ser
alterado?
3) Você consegue enxergar conceitos do pen-
samento computacional em outro assunto
da biologia? Qual?
Dica: as possibilidades são infinitas.
4) Descrever em etapas lógicas como uma
árvore surge: iniciando pela semente até a
frutificação.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 190

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AmEG –
Ambientes e
Expressão
Gênica

Shenia Pedro Bom da Silva1, Iris Hass1

1
Universidade Federal do Paraná, Departamento de Genética,
Laboratório de Educação Científica, Curitiba, PR
Autor para correspondência - shenia.silva@yahoo.com.br
Palavras-chave: regulação gênica procariotos,
Escherichia coli, material didático, ensino-aprendizagem

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 191

 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Compreender a regulação gênica é indispensável para o estudo de como a informação genética

flui do DNA ao fenótipo através da síntese proteica. A fim de diminuir a abstração do tema,
o material didático AmEG é uma alternativa metodológica para o processo de ensino-apren-
dizagem, que pode ser usado por professores do ensino superior.

O material didático Ambientes e Expressão • Anexo 7: setas;

Gênica (AmEG) foi concebido para estu-
dantes de graduação de cursos das áreas de • Anexo 8: operon;
Biológicas e da Saúde e tem por objetivo • Anexo 9: legenda;
auxiliar na compreensão da regulação gênica
em procariotos. O desafio que os estudantes • Anexo 10.1: cartilha introdutória sobre a
enfrentarão ao manusear o material didáti- bactéria Escherichia coli (E. coli)
co é desvendar a regulação gênica de alguns
• Anexo 10.2: descrição de seis ambientes
operons da bactéria Escherichia coli, quando
que apresentam cenários com modifica-
submetida a diferentes situações ambientais.
ções ambientais, permitindo empregar a

Materiais efetividade de eventos de expressão gê-

O material conta com:
• Anexo 1 e 3: diversas peças coloridas que
representam proteínas reguladoras;
• Anexo 2 e 4: substratos;
• Anexo 5: enzima polimerase;
• Anexo 6: metabólitos específicos de regu-
lação dos operons;
nica.
Para tornar o material visualmente atrati-
vo é recomendado usar papel color plus A4
em 10 cores diferentes, conforme escolha do
professor. Os números organizados na tabela
abaixo permitem a montagem de oito kits,
onde os componentes de cada kit após recor-
tados e separados, podem ser armazenados
em envelopes de papel.
Operon - Unidade
transcricional de genomas
bacterianos, na qual genes com
funções relacionadas estão
agrupados sob o controle de um
único promotor.
Enzima - Molécula proteica
que ativa e/ou regula uma
reação química no organismo -
catalisadores biológicos.

Papel Quantidade Número Quantidade

Componentes
color plus de folhas do Anexo por Kit
Cor 1 1 Proteína reguladora ativadora 1 1
Cor 2 1 Proteína reguladora repressora 1 1
Cor 3 1 Substrato ativador 2 4
Cor 4 1 Substrato correpressor 2 4
Cor 5 1 Proteína ativadora CAP 3 2
Cor 6 1 Substrato cAMP 4 4
Cor 7 1 RNA polimerase 5 1
Cor 8 3 Metabólitos 6 1
Cor 9 4 Setas 7 1
8 Estrutura do operons 8 1
Cor 10 4 Legenda 9 1
1 Cartilha e Ambientes 10 1

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 192

 MATERIAIS DIDÁTICOS
Instruções
Para entender a tabela, ver, por exemplo, que
o anexo 1, será impresso duas vezes, porém
em dois papeis de cores diferentes, tornando
possível a presença dos dois tipos de proteí-
nas reguladoras: uma cor para proteína regu-
ladora ativadora e a outra cor para proteína
reguladora repressora. Seguindo esta expli-
cação, o mesmo deve ser feito para o anexo
2, pois há substratos indutores e correpres-
sores.
É preciso imprimir todos os anexos neces-
sários, sendo 10 no total (coluna número do
anexo), com quantidade de cópias precisas
(coluna quantidade de folhas), e reconhecen-
do a identificação de cada peça (coluna com-
ponentes).
Após todo material ser impresso, o próximo
passo é fazer o recorte das peças para a mon-
tagem de oito kits (coluna quantidade por
kit). Um passo importante é identificar os
componentes e as cores na legenda (Anexo
9), pois o professor deve usar as sobras dos
recortes e colar, frente a cada linha, a cor es-
colhida por componente, permitindo a iden-
tificação correta das peças pelos estudantes.
O anexo 6 traz os metabólitos específicos
(lactose, glicose e triptofano) que são res-
ponsáveis pelo ligar e desligar dos genes
dos operons Lac e Trp. Eles servem para
demonstrar a condição do ambiente (ver fi-
gura 5 e 6), porém a peça a ser manuseada
na representação dos mesmos correspondem
ao “substrato” (Anexo 2). Por exemplo, se há
triptofano no meio, o aluno coloca o metabó-
lito triptofano (composição química – Anexo
6) sobre a mesa, e tem que utilizar, conforme
as cores da legenda, o substrato correpressor.
Essa dinâmica é uma maneira do aluno com-
preender qual dos operons é induzível e qual
é repressível.
O molde das setas (Anexo 7) tem a função
de representar a situação atual do operon, se
os genes estiverem sendo transcritos é utili-
zado a seta sem o “X” e se os genes estiverem
silenciados, a seta a ser usada é a que possui
o “X” (Ver figuras 1 a 6).
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
A cartilha introdutória (Anexo 10.1) traz
informações sobre a bactéria Escherichia coli,
bem como sua simbiose com a espécie huma-
na. Na cartilha há também as orientações de
como os estudantes devem proceder a dinâ-
mica, que envolve o lançamento de um dado.
Cada aluno pode lançar o dado mais de uma
vez e deve participar ativamente da rodada
em que os outros membros da equipe esta-
rão jogando.
Orientações para
os professores
O conteúdo sobre regulação da expressão gê-
nica em procariontes deve ser abordado pre-
viamente, conforme preferência do professor,
por meio de aula expositiva ou aplicação de
alguma metodologia ativa, pois o contato
prévio dos estudantes com conceitos, meca-
nismos e nomenclaturas específicas são fun-
damentais para a dinâmica de trabalho com
o material.
É importante que tenha sido abordado: 1. A
estrutura dos genes estruturais; 2. a classifi-
cação dos operons, se positivo ou negativo,
se indutível ou repressível; 3. os sítios regu-
ladores; 4. a localização e o produto dos ge-
nes reguladores; 5. as proteínas reguladoras
(ativadora e repressora); e 6. os substratos
(indutores e correpressores).
Lactose - Carboidrato
Os estudantes devem ser divididos em oito composto presente no leite.
equipes (ou menos) de 3 (no mínimo) a 5 Glicose - Carboidrato do grupo
integrantes, podendo variar este número dos monossacarídeos, a glicose
conforme a quantidade de alunos matricula- é utilizada pelas células no
processo de respiração celular;
dos na turma. Ao entregar um kit para cada
a principal função da glicose é
equipe, o professor deve orientá-los sobre a fornecer energia aos organismos
importância da autonomia na familiarização vivos.
das peças coloridas, da legenda, da estrutura Triptofano - Um tipo de
do operon, da cartilha introdutória e dos am- aminoácido essencial.
bientes propostos.
Após o lançamento do dado, o aluno deve
reproduzir a situação do ambiente confor-
me o número obtido (ex. número 5 obtido
no dado, ambiente 5 deve ser reproduzido)
e usar as peças coloridas para expor a si-
tuação para os colegas, testando seus co-
nhecimentos através da interpretação do
Sociedade Brasileira de Genética 193
 MATERIAIS DIDÁTICOS
cenário descrito e o correto funcionamento
do operon.
Em cada ambiente, duas condições ambien-
tais são propostas para que seja possível a
movimentação das peças, demonstrando o
“ligar e/ou desligar” dos genes estruturais,
que devem se encontrar em situação diferen-
tes no início e no fim, representando assim
as modificações do meio e a influência desse
meio sobre a expressão dos genes (ver res-
postas).
O professor pode sugerir aos estudantes
que façam uso do recurso de filmagem da
câmera do celular, permitindo o registro da
condição ambiental, da movimentação das
peças e da explicação do colega de equipe
que está sendo desafiado a testar seus co-
nhecimentos. Os vídeos produzidos po-
dem ser compartilhados entre eles servindo
como material complementar no processo
de aprendizagem.
Os estudantes devem ficar atentos:
1. aos metabólitos específicos (Anexo 6)
que precisam ser inseridos ou removidos
da dinâmica, demonstrando as condições
específicas do meio em diferentes momen-
tos;
2. as condições específicas do meio influen-
ciam na correta ligação da proteína regu-
ladora aos sítios reguladores, bem como a
correta associação e dissociação da enzima
RNA polimerase ao promotor;
3. as setas com as representações corretas de
genes ligados ou desligados;
4. o encaixe do substrato na proteína regu-
ladora, levando à mudança conformacio-
nal.
Sugere-se que sejam utilizadas no mínimo
2h/aula para execução desta atividade práti-
ca que, apesar de envolver a participação ati-
va e estimular a autonomia dos estudantes,
deve também ter a participação do professor
durante a dinâmica, caminhando entre os
grupos, mediando a aprendizagem e confe-
rindo a interpretação dos dados.
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Protocolo de ação
1. Dividir a turma em oito equipes.
2. Entregar um kit/envelope do material
didático para cada equipe.
3. Recordar quais são os tipos possíveis de
regulação dos operons da bactéria Esche-
richia coli, analisando as figuras 1, 2, 3 e 4.
4. Ler a cartilha introdutória sobre Escheri-
chia coli.
5. Abrir o envelope e se familiarizar com as
peças representativas dos elementos que
participam da regulação gênica (proteína
reguladora repressora, proteína regula-
dora ativadora, substrato ativador, subs-
trato correpressor, polimerase, etc...)
6. Lançar o dado para obtenção de um nú-
mero aleatório, que será utilizado para
selecionar a carta ambiente (1 a 6) que
constará de informações sobre as condi-
ções ambientais que deverão ser repre-
sentadas.
7. Fazer a interpretação do cenário descrito
na carta ambiente.
8. Construir a correta representação do
operon na condição ambiental inicial.
9. Movimentar, acrescentar e/ou remover
peças do material didático AmEG, de-
monstrando para os colegas os passos
necessários para representar as novas
condição do operon, conforme a mudança
ambiental proposta na carta ambiente.
RNA Polimerase - Enzima
10. Usar o recurso de filmagem da câmera do responsável pela síntese de
celular, para registrar a condição do ope- RNA a partir de sequências de
DNA.
ron conforme a mudança ambiental, atra-
vés da movimentação das peças e da expli-
cação do colega de equipe que está sendo
desafiado a testar seus conhecimentos.
11. Selecionar um novo participante e reto-
mar ao passo 6 deste protocolo.
Repetir o passo 11, até que todos os estudan-
tes da equipe participem da dinâmica.
Sociedade Brasileira de Genética 194
 MATERIAIS DIDÁTICOS
Respostas e auxílio
ao professor
O material didático explora, através de seis
descrições ambientais, os diferentes controles
de expressão gênica de um organismo proca-
rioto, a bactéria Escherichia coli. Em procario-
tos o nível mais importante da regulação gê-
nica é transcricional e pode ocorrer por dois
tipos de controle: positivo e negativo.
Na regulação de controle positivo a proteína
reguladora (Anexo 1) atua como ativado-
ra, pois quando ligada ao DNA ativa a ex-
pressão dos genes. Na regulação de controle
negativo, a proteína reguladora (Anexo 1)
atua como repressora, pois quando ligada ao
DNA bloqueia o acesso da RNA polimerase
ao promotor e impede a transcrição dos ge-
nes em RNA mensageiro.
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
A expressão dos genes não depende ape-
nas da capacidade de ligação da proteína
reguladora ao promotor, mas também de
substratos presentes no meio (Anexo 6). Os
substratos que estimulam a expressão de ge-
nes que estão habitualmente desligados são
chamados de indutores (Anexo 2), e estão
envolvidos na indução da expressão gênica.
Por outro lado, os substratos que desligam a
expressão de genes que estão habitualmen-
te ligados são chamados de correpresores
(Anexo 2), e estão envolvidos no silencia-
mento gênico.
No organismo procarionte a regulação gê-
nica pode ser classificada como: controle
negativo induzível (Figura 1); controle nega-
tivo repressível (Figura 2); controle positivo
induzível (Figura 3); e controle positivo re-
pressível (Figura 4).
Transcrição - É a primeira
etapa da expressão do gene.
Envolve a síntese de uma
molécula de RNA a partir da
leitura de um gene presente no
DNA.
RNA mensageiro -
Responsável pela transferência
de informações do DNA até
os ribossomos. Ele contêm a
mensagem escrita na sequência
de nucleotídeos para que
ocorra a montagem correta da
sequência de aminoácidos da
proteína.
Figura 1.
A transcrição está normalmente
desligada. A proteína
reguladora repressora livre
de seu substrato específico
liga-se ao operador (A) e
assim bloqueia a ligação da
RNA polimerase no promotor,
impedindo a transcrição.
Quando um substrato indutor
está presente (B), este se liga
à proteína reguladora (C), a
qual modifica sua estrutura
e perde a capacidade de se
ligar ao DNA. O operador
livre permite a ligação da
RNA polimerase ao promotor,
iniciando a transcrição dos
genes estruturais (D).
Sociedade Brasileira de Genética 195
 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Figura 2.
A transcrição está normalmente
ligada. A proteína reguladora
repressora livre de seu substrato
não tem capacidade de se ligar
ao operador, o que permite
a ligação da RNA polimerase
no promotor e ativação da
transcrição (A). Quando o
substrato correpressor está
presente no meio (B), este
se liga à proteína repressora
e induz sua alteração
conformacional (C). Como
resultado, a proteína repressora
passa a ter afinidade pelo
operador, ao qual ela se liga
impossibilitando o acesso da
RNA polimerase no promotor,
desligando a transcrição (D).

Figura 3.
A transcrição está normalmente
desligada. A proteína reguladora
ativadora livre do seu substrato
não se liga ao sítio ativador
(A) e consequentemente inibe
a transcrição. Na presença
do substrato indutor (B), a
proteína reguladora ativadora
tem sua conformação alterada
e ganha a capacidade de
ligação ao sitio regulador (C). A
proteína auxilia no deslizamento
da RNA polimerase pelo
promotor, permitindo a
transcrição dos genes
estruturais (D).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 196

 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Figura 4.
A transcrição está normalmente
ligada. A proteína reguladora
ativadora livre se liga ao
sitio ativador (A) e auxilia
no deslizamento da RNA
polimerase e sua saída do
promotor, promovendo a
transcrição. Na presença do
substrato correpressor no meio
(B), este se liga à proteína
reguladora (C), que muda
sua conformação tornando-a
incapaz de se ligar ao sítio
ativador (D), de modo que
a transcrição não é mais
estimulada.

Representando o controle positivo induzível, tes. A movimentação das peças e a resposta

temos no material didático o ambiente 2, que para cada um destes cenários possuem expli-
apresenta no cenário duas condições diferen- cação na tabela abaixo.

Cenário
(O que o aluno vai ler)
Um operon qualquer de E.coli que possui
controle de regulação do tipo positivo
induzível tem a presença do substrato
no meio representado no gráfico. Como
se encontra a expressão dos genes no
tempo de 15 min e de 1 h?
AMBIENTE 2
Condição 1
(Resposta esperada)
15 minutos = Substrato induzível
ausente.
Na ausência do substrato indutor, a
proteína reguladora repressora não
possui afinidade pelo sítio ativador e não
estimula a transcrição.
Genes do operon encontram-se
desligados.
Condição 2
(Resposta esperada)
1 hora = Substrato induzível presente em
abundância.
Na presença do substrato indutor, este
se associa com a proteína reguladora
repressora, muda sua conformação e
então o complexo passa a ter afinidade
pelo sítio ativador, auxiliando no
deslizamento da RNA polimerase pelo
operon e estimula a transcrição.
Genes do operon encontram-se ligados.

Movimentação das peças: - Controle Positivo induzível (Ver Figura 3).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 197

 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Representando o controle positivo e negati- condições diferentes. A movimentação das

vo repressível, temos no material didático o peças e a resposta para cada um destes ce-
ambiente 3, que apresenta no cenário duas nários possuem explicação na tabela abaixo.

Cenário
(O que o aluno vai ler)
Pesquisadores buscando compreender
melhor o funcionamento das vias
metabólicas que influenciam na
respiração da bactéria E.coli em condição
anaeróbica, descobriram a atuação de
enzimas de dois operons, ambos de
regulação repressível, porém o operon I
possui controle negativo e, o operon II,
controle positivo.
Represente o controle genético dos
operons I e II em condições normais
e com a presença do substrato
evidenciando as diferenças e
semelhanças entre eles.
Movimentação das peças: - Controle negativo repressível (Ver Figura 2).
- Controle positivo repressível (Ver Figura 4).
AMBIENTE 3
Condição 1
(Resposta esperada)
Operon I
A transcrição está normalmente ligada. A
proteína reguladora atua como repressora
e, na ausência do substrato repressor,
não possui afinidade com o DNA (sítio
operador), possibilitando a ligação da
RNA polimerase ao promotor.
O substrato repressor presente no meio
auxilia na ligação da proteína ao DNA,
impedindo a ligação da RNA polimerase
ao promotor, desligando a expressão dos
genes.
Condição 2
(Resposta esperada)
Operon II
Semelhança com o operon I: a transcrição
está normalmente ligada.
Diferença com o operon I: a proteína
reguladora atua como ativadora e precisa
estar ligada ao DNA (sítio ativador) para
que os genes sejam expressos.
Semelhança com o operon I: o substrato
presente no meio silencia a expressão
dos genes.
Diferença com o operon I: o substrato
repressor auxilia na separação da
proteína reguladora do DNA e não
estimula o deslizamento da RNA
polimerase pelo operon, silenciando a
expressão dos genes.

Entre os principais sistemas de operon bac-
teriano, o Operon Lac refere-se ao controle
genético do metabolismo da lactose em E.
coli. Considerado um operon negativo indu-
zível, os genes estruturais estão geralmente
desligados, devido à associação da proteína
reguladora repressora ao operador. Quando
no meio há presença de lactose e ausência de
glicose, a expressão dos genes aumenta cerca
de mil vezes.
A transcrição eficiente do Operon Lac ocor-
re apenas se houver lactose e se a glicose
estiver ausente (Figura 5). Por ser um mo-
nossacarídeo e não precisar ser previamen-
te hidrolisada, a glicose é a fonte de energia
primária de muitas bactérias que, quando
está presente no meio, reprime a expressão
de genes que participam do metabolismo de
outros açúcares.
A repressão catabólica é um segundo con-
trole do operon Lac, que surge em resposta
à presença de glicose através de um controle
positivo, sendo obtido por meio da ligação
de uma proteína reguladora chamada pro-
teína catabólica ativadora (CAP) (Anexo
Metabolismo - Conjunto
3) ao sítio ativador do DNA, aumentando de transformações que as
a eficiência de ligação da RNA polimerase substâncias químicas sofrem no
aos promotores. O regulador CAP só con- interior dos organismos vivos.
segue se ligar ao sítio ativador ao formar um
complexo com uma molécula sinalizadora -
um nucleotídio modificado adenosina-3',5'-
monofosfato cíclico (AMP cíclico ou cAMP)
(Anexo 4), que tem sua concentração regula-
da de maneira inversa proporcional ao nível
de glicose disponível no meio.
O operon Lac possui três genes estruturais:
lacZ, lacY, e lacA. Esses genes são transcri-
tos como um único RNAm, regulados sob o
controle de um único promotor e traduzidos
para proteínas específicas que ajudam a cé-
lula a utilizar a lactose. A enzima β-galac-
tosidase, codificada pelo gene lacZ, possui
duas funções importantes: converte lactose
em alolactose e também quebra a lactose em
glicose e galactose. A enzima permease, pro-

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 198

 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

duto do gene LacY, é necessária para que seja galactosídio transacetilase, produto do gene
possível o transporte da lactose para dentro LacA, não possui uma função clara no meta-
da célula. E ainda, uma terceira enzima, tio- bolismo da lactose.

Figura 5.
Em (A) é possível visualizar
como o gene está inicialmente
organizado quanto à sua
expressão - desligado e a
representação dos substratos,
lactose, alolactose e glicose,
necessários para ativar o
operon. Em (B) temos a
representação da associação/
dissociação das proteínas
reguladoras e da ligação da
RNA polimerase ao DNA,
levando a nova organização do
gene quanto a sua expressão
– ligado. Fonte: As autoras
(2021).

No material didático, representando o con- estão representados pelos números 1 e 6. O

trole negativo/positivo induzível, temos que deve ser esperado do aluno em cada um
os ambientes que envolvem o operon Lac e dos cenários, encontra-se organizado abaixo.

AMBIENTE 1
Cenário Condição 1 Condição 2
(O que o aluno vai ler) (Resposta esperada) (Resposta esperada)
Na rotina nutricional de uma pessoa, às 7:00 h da manhã = Presença de glicose e 11:00 h da manhã = Ausência de glicose
6:00 h (a.m) a glicose está sendo usada ausência de lactose. e presença de lactose.
como principal fonte energética e não há
Sítio ativador sem ligação do complexo Sem glicose a quantidade de cAMP
no meio nenhum outro carboidrato. Após
CAP-cAMP, pois na presença de glicose aumenta e forma o complexo CAP-
uma série intensa de atividade física e
há baixo cAMP na célula e o complexo cAMP, capaz de se ligar ao sítio ativador,
alto gasto energético, a primeira refeição
com a proteína reguladora CAP não é auxiliará no deslizamento da RNA
do dia, feita as 9:30 h (a.m.), contou com
formando. polimerase pelo operon.
o consumo de produtos ricos em lactose.
Proteína reguladora repressora Lac I O substrato indutor presente no meio
Pensando na obtenção de energia das
ligada ao sítio operador, impedindo o se liga à proteína reguladora repressora,
bactérias E.coli presentes no intestino
acesso da RNA polimerase. Ausência de que perde a afinidade com o operador.
desta pessoa, demonstre a expressão dos
substrato indutor no meio (lactose). Operador livre permite a ligação da RNA
genes do operon Lac às 7 h da manhã e
polimerase ao promotor.
as 11 h da manhã. Genes do operon Lac desligados.
Genes do operon Lac ligados.
Movimentação das peças: - Controle da glicose (CAP-cAMP) = Positivo induzível (Ver Figura 3).
- Controle da lactose = Negativo induzível (Ver Figura 1).
- Funcionamento do operon Lac = Positivo/Negativo Induzível (Figura 5).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 199

 MATERIAIS DIDÁTICOS
Cenário
(O que o aluno vai ler)
Ao ingerir glicose para um exame de
curva glicêmica, e se alimentar com
produtos ricos em lactose 1 h e 6 h após
a análise laboratorial, a atividade das
enzimas que participam do metabolismo
de lactose variaram e estão representadas
nos gráficos. Demonstre a situação
da regulação do operon Lac nos dois
momentos de acréscimo da lactose.
Movimentação das peças: - Controle da glicose (CAP-cAMP) = Positivo induzível (Ver Figura 3).
- Controle da lactose = Negativo induzível (Ver Figura 1).
- Funcionamento do operon Lac = Positivo/Negativo Inzudível (Figura 5).
Repressão catabólica: por mais que tenha lactose no meio, a glicose será consumida primeiro, como fonte preferencial de
energia.
Outro operon bacteriano bem estudado e
descrito é o Operon Trp, que possui contro-
le negativo repressível e é responsável pela
conversão do corismato em triptofano. A
presença do aminoácido triptofano nas cé-
lulas é importante, pois compõe parte das
moléculas proteicas tão fundamentais à vida.
A proteína reguladora do Operon Trp atua
como repressora e apenas consegue se ligar
ao operador quando há presença de tripto-
fano extra no meio. A presença de triptofano
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
AMBIENTE 6
Condição 1 Condição 2
(Resposta esperada) (Resposta esperada)
Acréscimo 1 h após o exame. Acréscimo 6 h após o exame.
A presença do substrato indutor lactose A situação da proteína reguladora
no meio se liga à proteína reguladora repressora Lac I em associação com a
repressora Lac I e esta se desliga do lactose permanece a mesma.
operador permitindo a ligação da RNA
O que muda é que na ausência de
polimerase ao promotor. Porém, na
glicose há um aumento de cAMP na
presença de glicose há baixo cAMP na
célula e o complexo com a proteína
célula e o complexo com a proteína
reguladora CAP é formado, permitindo
reguladora CAP não é formado e o sitio
a ligação ao sítio ativador e favorecendo
ativador permanece vazio, não havendo
o deslizamento da polimerase pelo
estímulo do deslizamento da polimerase
operon.
pelo operon.
Genes do operon Lac ligados.
Genes do operon Lac desligados.
leva a uma mudança conformacional na pro-
teína repressora, tornado-a capaz de se ligar
ao operador que, ocupado, impede a ligação
da RNA polimerase ao promotor e desliga a Corismato - Principal precursor
transcrição dos genes estruturais (Figura 6). bacteriano para a biossíntese
Quando os níveis celulares de triptofano es- de aminoácidos aromáticos
tão baixos, a proteína reguladora repressora essenciais, como o triptofano.
se desliga do operador, liberando o promo-
tor, quando então a RNA polimerase se liga
e inicia a transcrição dos genes estruturais,
sintetizando, assim, mais triptofano.
Figura 6.
Em (A) é possível visualizar
como o gene está inicialmente
organizado quanto a sua
expressão – ligado e os
substratos triptofano presentes
no meio necessários para
reprimir o operon. Em (B)
temos a representação da
associação da proteína
reguladora e da dissociação
da RNA polimerase do DNA,
levando à nova organização do
gene quanto à sua expressão
– desligado. Fonte: As autoras
(2021).
Sociedade Brasileira de Genética 200
 MATERIAIS DIDÁTICOS
Para converter o corismato em triptofano, o
operon Trp possui cinco genes estruturais
(trpE, trpD, trpC, trpB e trpA) que codifi-
cam para três enzimas distintas, sendo que
duas das enzimas são compostas por dupla
cadeia polipeptídica. O primeiro gene estru-
tural, trpE, tem uma região 5' não traduzida
(5' UTR) longa que é transcrita, mas não co-
difica para nenhuma dessas enzimas, apenas
Cenário
(O que o aluno vai ler)
A E. coli é capaz de sintetizar todos os
vinte aminoácidos de maneira natural
para a síntese proteica. Na espécie
humana o triptofano é um aminoácido
essencial e deve ser adquirido pela
alimentação. Uma amostra de intestino
retirado de dois pacientes mostrou
que o paciente “A” apresentava uma
alimentação rica em alimentos que
continham triptofano, enquanto que
no paciente “B” não foram encontrados
sinais deste aminoácido. Como encontra-
se e expressão do operon Trp das
bactérias intestinais que residem nos
paciente “A” e “B”, considerando a
eficiência energética do microrganismo?
Movimentação das peças:
peças: - Controle do operon triptofano = Negativo repressível (Ver Figura 2)
- Funcionamento do operon Trp = Ver Figura 6.
Professor, observe que nos kits que serão
entregues aos alunos, haverá apenas as
descrições sobre o cenário. As condições
1 e 2 apresentadas são informações refe-
rentes às respostas. O gabarito de resposta
pode ser usado conforme sua preferência,
e aqui sugerimos três maneiras: 1. para si
próprio, optando por auxiliar presencial-
mente os estudantes, estimulando para o
pensamento correto e a participação ativa
de todos os membros da equipe. 2. pós
aula, optando por passar o gabarito para
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
participa de outro mecanismo regulatório do
operon Trp, que consiste no término prema-
turo da transcrição e é conhecido como ate-
nuação.
No material didático, apenas o ambiente 4
envolve a ação do operon Trp; as condições
esperadas no cenário proposto encontram-se
organizadas na tabela abaixo.
AMBIENTE 4
Condição 1 Condição 2
(Resposta esperada) (Resposta esperada)
Paciente A: favorece a presença de Paciente B: não dispõe de triptofano no
triptofano no meio e a E.coli não precisa meio e a E.coli mantendo o operon Trp
gastar energia, mantendo o operon Trp ligado.
ligado.
Na ausência do substrato correpressor
Quando o substrato correpressor triptofano no meio, a proteína repressora
triptofano está presente no meio, ele não se liga ao sítio operador e favorece a
liga-se à proteína repressora e induz a ligação da RNA polimerase ao promotor.
alteração conformacional. A proteína
Genes do operon Trp ligados.
repressora se liga ao operador e impede a
ligação da RNA polimerase no promotor.
Genes do operon Trp desligados.
as equipes após a dinâmica, para que elas
confiram através da gravação dos vídeos,
seus erros e acertos, e descobrindo a cor-
reta proposta do ambiente; 3. anexo extra
ao kit, optando por entregar o gabarito de
respostas concomitantemente à aplicação
da dinâmica, permitindo que os colegas da
equipe que estão aguardando sua jogada,
possam auxiliar o estudante que está sen-
do desafiado.
Bom trabalho!
Sociedade Brasileira de Genética 201
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ANEXO 1
Molde para proteína reguladora.
Duas impressões, uma em cada cor de papel A4, onde: Cor 1 à proteína reguladora ativadora e Cor 2 à proteína reguladora
repressora.

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ANEXO 2
Molde para substrato.
Duas impressões, uma em cada cor de papel A4, onde: Cor 1 ao substrato ativador e Cor 2 ao substrato correpressor.

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ANEXO 3
Molde para proteína catabólica ativadora (CAP).

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ANEXO 4
Molde para monofosfato de adenosina-3' 5'-cíclico ao AMP cíclico ou cAMP.

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ANEXO 5
Molde para RNA polimerase.

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ANEXO 6
Molde para catabólitos.
6.1 Molde para Glicose

6.2 Modelo para Lactose

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6.3 Modelo para Triptofano

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ANEXO 7
Modelo para as setas.

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ANEXO 8
Molde para operon.

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ANEXO 9
Molde das legendas.
Aqui, monta-se a legenda conforme as cores de papel escolhido pelo professor. Com as sobras dos recortes, identificar as
cores com seus respectivos componentes do material.
LEGENDA LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor Substrato indutor
Substrato correpressor Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase RNA polimerase

LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor
Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase
LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor
Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase

LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor
Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase
LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor
Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase

LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor
Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase
LEGENDA
Proteína Reguladora Ativadora
Proteína Reguladora Repressora
Substrato indutor
Substrato correpressor
CAP – proteína reguladora
cAMP – molécula sinalizadora
RNA polimerase

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ANEXO 10
10.1 Cartilha introdutória

Cartilha Introdutória: Entrando no universo do lúdico...

A Escherichia coli é uma bactéria que vive em plena harmonia com os humanos e essa con-
vivência pacífica é conhecida como simbiose (ambos os organismos saem beneficiados).
Em nosso corpo, o habitat natural destas bactérias é o intestino grosso e para sua sobrevi-
vência são nossos hábitos alimentares que determinam os nutrientes que estarão disponí-
veis no meio. A adaptação de E. coli às mudanças ambientais deve-se à alta capacidade de
alterarem rapidamente sua bioquímica. Apesar de possuírem informações genéticas para sintetizar diversas
proteínas, apenas os genes responsáveis pela síntese das proteínas necessárias para aquele momento se-
rão expressos. Sairia energeticamente muito caro manter todo o genoma ativo. Os genes bacterianos são
organizados em operons, transcritos em um único RNA mensageiro e regulados por um único promotor.
As sequências reguladoras atuam como sítios de ligação de proteínas reguladoras, podendo
promover ou inibir a transcrição, conforme o substrato presente no meio. Jogue o dado e
busque pela carta ambiente com o número sorteado no dado. Você está sendo desafiado a
representar as duas condições do meio propostas na sua carta ambiente. Divirta-se, aprenda
e boa sorte.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 213

 MATERIAIS DIDÁTICOS
10.2 Ambientes
AMBIENTE 1
Na rotina nutricional de uma pessoa, às 6:00 h (a.m) a glicose
está sendo usada como principal fonte energética e não há no
meio nenhum outro carboidrato. Após uma série intensa de
atividade física e alto gasto energético, a primeira refeição do
dia, feita as 9:30 h (a.m.), contou com o consumo de produtos
ricos em lactose.
Pensando na obtenção de energia das bactérias E.coli
presentes no intestino desta pessoa, demonstre a expressão
dos genes do operon Lac às 7 h da manhã e às 11 h da
manhã.
AMBIENTE 3
Pesquisadores, buscando compreender melhor o
funcionamento das vias metabólicas que influenciam
na respiração da bactéria E.coli em condições aeróbias,
descobriram a atuação de enzimas de dois operons, ambos
de regulação repressível, porém o operon I possui controle
negativo e o operon II controle positivo.
Represente o controle genético dos operons I e II em
condições normais e com a presença do substrato, focando
nas diferenças e semelhanças entre eles.
AMBIENTE 5
Um operon que possui controle de regulação do tipo
positivo repressível é capaz de mudar a expressão conforme
a disponibilidade e quantidade de um substrato específico
presente no meio. Este substrato quando em abundância
é capaz de interagir com a proteína reguladora alterando
todo comportamento gênico e a síntese enzimática da via
metabólica. Demonstre a condição inicial e final desde
operon, tendo como intermédio a presença do substrato
específico em abundância no meio.
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
AMBIENTE 2
Um operon qualquer de E.coli, que possui controle de
regulação do tipo positivo induzível, tem a presença do
substrato no meio representado no gráfico. Como se encontra
a expressão dos genes no tempo de 15 min e 1 h?
AMBIENTE 4
A síntese de proteínas requer uma grande quantidade de
aminoácidos e a E. coli consegue sintetizar todos os vinte
aminoácidos de maneira natural. Para a espécie humana o
triptofano é um aminoácido essencial e deve ser adquirido
pela alimentação. Uma amostra de intestino retirado de dois
pacientes mostrou que o paciente "A" apresentava uma
alimentação rica em alimentos que continham triptofano,
enquanto no paciente "B" não foram encontrados sinais deste
aminoácido. Como encontra-se e expressão do operon Trp
das bactérias intestinais que residem nos paciente "A" e "B",
considerando a eficiência energética do microrganismo?
AMBIENTE 6
Ao ingerir glicose para um exame de curva glicêmica, e se
alimentar com produtos ricos em lactose 1 h e 6 h após a
análise laboratorial, a atividade das enzimas que participam
do metabolismo de lactose variaram e estão representadas nos
gráficos. Demonstre a situação da regulação do operon Lac
nos dois momentos de acréscimo da lactose.
Sociedade Brasileira de Genética 214
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Como determinar a
herdabilidade para um
caráter quantitativo?

Kaliana Ferreira1, Luísa Bertolini1,

Maria Imaculada Zucchi2, Enéas Ricardo Konzen2
Graduanda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Campus Litoral Norte,
1

Centro de Estudos Costeiros Limnológicos e Marinhos, Imbé, RS

Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio, Piracicaba, SP
2

Autor para correspondência - erkonzen@gmail.com; eneas.konzen@ufrgs.br

Palavras-chave: variabilidade fenotípica, variância genética, variância
ambiental, SmartGrain, ANOVA

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 215

 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Características quantitativas são controladas por vários genes, portanto, apresentam heran-
ça poligênica. A determinação da herdabilidade de uma característica quantitativa permite
identificar a proporção da variação fenotípica que é explicada pela variação genética em uma
população. Dentre vários métodos, este material didático apresenta a aplicação da análise de
variância (ANOVA) para o cálculo de herdabilidade, decompondo-se os componentes da
variância fenotípica em suas variâncias genética e ambiental. Alia-se essa metodologia a um
exemplo prático que envolve mensurar caracteres biométricos de frutos que podem ser cole-
tados no seu jardim e medidos no seu computador através do programa SmartGrain. Assim,
este material didático visa fornecer um guia para estudantes de graduação e/ou ensino médio
para determinar a herdabilidade para variáveis biométricas, incentivando o uso de materiais
genéticos do cotidiano do estudante, e o aprendizado de conceitos básicos em genética esta-
tística.

Herdabilidade - A
herdabilidade é um coeficiente
genético que expressa a razão
entre a variação genética e
a variação fenotípica total
de um dado atributo em
uma população. Veremos,
efetivamente, que se trata de
um quociente entre variâncias
genética e fenotípica, conforme
descrições mais a frente neste
material.
Os estudantes de Ensino Médio apropriam-se de conceitos Variação fenotípica e
genotípica - A variação de um
básicos em genética, geralmente trabalhando com as duas leis
traço quantitativo conforme
de Mendel e suas consequências para diversas características. foram tomadas suas medidas
Para cursos do Ensino Superior, como de Ciências Biológicas, na população é referida como
Agronomia, Engenharia Florestal e afins, alunos geralmente variação fenotípica, enquanto
apresentam bases sobre as leis da hereditariedade, mas tam- a variação genética associada
a esse traço é referida como
bém já apresentam alguma noção sobre o estudo e análise de variação genotípica.
características quantitativas.
Características ou caracteres ou traços dizem respeito a quali-
dades, categorias ou medidas que se desejam analisar em um
indivíduo ou em populações e espécies. Quando um caráter
pode ser descrito por categorias bem definidas, por exemplo,
a cor de sementes de ervilha (amarela ou verde), diz-se que
esse caráter é qualitativo. Em contrapartida, quando o cará-
ter apresenta diversas medidas numéricas possíveis, como a
estatura de uma pessoa, a produtividade de uma cultivar de
feijoeiro em um hectare, a quantidade de leite produzida por
determinada raça de vaca leiteira, dentre outros, o caráter é
quantitativo. É fato que a maioria das características são quan-
titativas, o que torna o seu estudo mais complexo quanto à sua
dissecção genética.
O estudo dos caracteres qualitativos é relativamente mais
simples, dado o menor número de genes envolvidos. Gregor
Mendel trabalhou com características de ervilha tais como a
forma e a cor das sementes, a cor das pétalas de flores, o porte
de plantas, dentre outras. Com os seus estudos, mostrou que

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 216

 MATERIAIS DIDÁTICOS
cada uma dessas características poderia ser
explicada pela segregação dos alelos de um
gene. Estas terminologias ainda não eram
utilizadas na época dele, mas cabe aqui uma
descrição objetiva e precisa com os termos
atuais. Adicionalmente, mostrou que duas
características combinadas segregavam de
forma independente, através de sua segunda
lei.
Para caracteres quantitativos, no entanto,
cientistas do século XIX e primeiros anos do
século XX não conseguiam aplicar as duas
leis de Mendel. Francis Galton, considerado
o pai da biometria, foi quem primeiramen-
te descreveu características quantitativas
segundo histogramas de distribuição de
frequências para a estatura humana, dentre
outras características que avaliou. Cientistas
que seguiram a linha de Galton declararam
que não era possível explicar características
quantitativas através das leis mendelianas.
Foi Ronald Fisher, com uma publicação iné-
dita em 1918, que propôs um modelo esta-
tístico que conseguiu explicar características
quantitativas segundo uma combinação de
vários genes e seus alelos, demostrando que
as leis Mendelianas também se aplicavam
a estas características. Foi o primeiro passo
para uma série de descobertas que mostra-
ram o papel dos genes e de suas interações
para a definição de características quanti-
tativas. Além disso, ao longo das décadas,
os geneticistas mostraram e desenvolveram
modelos que permitiram identificar que não
somente os genes, mas também o ambiente,
modulam a expressão de uma característica,
ou seja, moldam o fenótipo.
Caracteres quantitativos são efetivamente
controlados por mais um de gene. Geral-
mente, muitos genes estão envolvidos na
determinação de uma característica como a
estatura humana, o peso corporal de um bo-
vino, a produção de leite e a área foliar total
de uma planta. E, muitas vezes, o ambiente
modula fortemente a expressão do genóti-
po, influenciando no valor final do fenótipo.
Por exemplo, se cultivarmos uma espécie de
planta em um local ensolarado e plantas da
mesma espécie em local sombreado, prova-
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
velmente a área foliar após um certo perío-
do será diferente entre os dois locais. Vários
genes condicionam o desenvolvimento das
folhas, mas o ambiente certamente contribui
com maior ou menor expansão da área foliar,
considerando a disponibilidade de lumino-
sidade, a temperatura, o status nutricional e
umidade relativa do ar. Nessa linha de racio-
cínio, nota-se que a área foliar é o resultado
de genes mais o efeito do ambiente. Além
disso, dependendo do ambiente, pode ocor-
rer um efeito adicional de interferência no
comportamento dos genes que se expressam
para aquela característica, o que é chamado
de efeito de interação. Ao analisar uma carac-
terística quantitativa e discriminar os efeitos
dos genes, que chamamos de genotípicos, e
do ambiente, assim como a interação (quan-
do condicionados a diferentes ambientes),
podemos calcular o quanto de uma caracte-
rística é atribuído a efeitos genéticos. Utili-
zando uma expressão matemática, podemos
dizer que o fenótipo é igual a genótipo, mais
ambiente, mais interação genótipo versus
ambiente. Se considerarmos somente um
ambiente, podemos desconsiderar o efeito
de interação, para facilitar nosso raciocínio.
Assim, fenótipo é igual a genótipo mais am-
biente. Quando estendemos essa análise ao
nível de população, a relação pode ser escri-
ta da seguinte maneira: variância fenotípica
é igual a variância genética mais variância
ambiental. Nessa última relação, o quociente
entre a variância genética e a variância fenotí-
pica é chamado de herdabilidade.
As pesquisas realizadas já na segunda déca-
da do século XXI mostram que a modula-
ção ambiental sobre a expressão do genótipo
se dá via mecanismos que ocorrem também
no nível intracelular, até mesmo ao redor
do DNA. As influências ambientais con-
dicionam certas modificações químicas do
DNA, tais como a adição de grupos metil
(metilação), que podem se tornar estáveis e
herdáveis. Essa é uma nova fronteira do co-
nhecimento, a epigenética, que certamente
contribuirá para melhor entendimento de
variações fenotípicas que ocorrem até mesmo
para dois indivíduos com genótipos iguais,
Sociedade Brasileira de Genética 217
 MATERIAIS DIDÁTICOS
tais como gêmeos, ou mesmo duas mudas
produzidas a partir de estacas coletadas de
uma mesma roseira. Essa abordagem não é
a base deste material, mas não poderíamos
deixar de citá-la, considerando sua impor-
tância na elucidação de traços quantitativos.
Neste artigo, busca-se demonstrar, de ma-
neira simplificada, como características
quantitativas podem ser analisadas geneti-
camente com materiais vegetais que podem
ser encontrados até mesmo na cozinha de
nossa casa. As análises foram realizadas com
o uso de variáveis biométricas para frutos de
palmeiras tropicais e subtropicais que vêm
sendo objeto de pesquisas em genética de
populações e da conservação. Outros exem-
plos são também mostrados com o propósito
de demonstrar os procedimentos para deter-
minar o quanto uma característica é herdá-
vel, ou seja, sua herdabilidade. Este material
pode ser utilizado, principalmente, em uma
aula introdutória sobre genética quantitativa.
Biometria de
frutos de espécies
comestíveis
Vamos demonstrar como podem ser deter-
minadas dimensões de frutos e sementes,
utilizando exemplos do nosso cotidiano. Po-
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Biometria de
frutos e sementes
Ao ir à feira encontramos diversos frutos
com cores e tamanhos diferentes; o mesmo
acontece em um passeio em um parque ou
campo, em que encontramos árvores com
frutos e sementes de diversos tamanhos
(Figura 1). Nesse caso, já estamos traba-
lhando com variáveis quantitativas, com de-
terminação genética mais complexa, confor-
me relatamos anteriormente. Sabe-se que
através da análise biométrica desses frutos
e sementes podemos obter informações im-
portantes sobre a variabilidade genética
em populações e determinar a herdabilida-
de das variáveis que estão sendo estudadas.
Cabe explicar brevemente do que se trata
uma análise biométrica de frutos, assim
como reforçar os conceitos de variabilidade
genética e herdabilidade.
de-se pensar em frutos como tomateiro, pi-
mentinha e vários outros. Aqui vamos trazer
exemplos de espécies nativas de palmeiras
que têm sido objeto de estudos científicos. As
espécies consideradas são o butiazeiro (Butia
odorata, B. catarinensis e outras do mesmo
gênero) e jerivá (Syagrus romanzoffiana). B.
odorata (Figura 2, duas fotos superiores) é
uma espécie que ocorre tipicamente entre o
Biometria de frutos e
sementes - Conjunto de
procedimentos que determinam
as dimensões de frutos e
sementes. A biometria dos
frutos é um instrumento com
potencial para ser utilizado
em análises da variabilidade
genética dentro de populações
de uma mesma espécie e as
relações desta variabilidade com
os fatores ambientais, conforme
relatam Macedo e colaboradores
em estudo publicado em 2009.
Variabilidade genética - A
variabilidade genética diz
respeito à diversidade de alelos
de um ou mais lócus avaliados
em nível de população ou
espécie.
Figura 1.
Frutos e sementes com cores e
tamanhos diferentes.
Sociedade Brasileira de Genética 218
 MATERIAIS DIDÁTICOS
litoral do Rio Grande do Sul e o Uruguai,
sendo popularmente conhecida como butiá.
B. catarinensis é uma espécie com caracterís-
ticas semelhantes, ocorrendo entre o Litoral
Norte do RS e Santa Catarina. As duas pal-
meiras produzem muitos frutos, vistosos e
saborosos, frequentemente utilizados em ge-
leias, sucos, licores e até mesmo tortas e bo-
los. No entanto, são palmeiras ameaçadas de
extinção, o que requer o desenvolvimento de
estratégias para conservação de seus recursos
genéticos.
Essas palmeiras também possuem valor or-
namental, dividindo a paisagem urbana com
Através de biometria de frutos e sementes
podemos identificar a variabilidade gené-
tica em populações da mesma espécie e as
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Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
outra palmeira nativa mais conhecida e de
ampla distribuição pelo Brasil, o jerivá (Fi-
gura 2, duas fotos inferiores). Seus frutos
também são consumidos por animais como
gado, antas e pássaros. Quanto à S. roman-
zoffiana, embora não esteja na lista de espé-
cies ameaçadas, alguns estudos já sinalizam a
importância de ações de conservação, consi-
derando os efeitos que exploração antrópica
pode ter para a espécie ao longo das gerações.
A expansão do conhecimento acerca dessas
espécies e seus recursos genéticos são essen-
ciais para sua conservação, passando pelo es-
tudo da produtividade de seus frutos, o que
inclui variáveis biométricas.
Figura 2.
Indivíduo reprodutivo de Butia
odorata (duas fotos superiores)
e de Syagrus romanzoffiana
(duas fotos inferiores).
relações entre variabilidade e fatores am-
bientais, informações importantes para
conservação e seleção de materiais genéti-
Sociedade Brasileira de Genética 219
 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

cos para fins de melhoramento genético. plantas diferentes (genótipos diferentes)

Por exemplo, com butiás ou pimentas co-
letadas de plantas diferentes, poderemos
identificar se há variabilidade entre os fru-
tos coletados de uma mesma planta ou ge-
nótipos e/ou variabilidade entre frutos de
(Figura 3). Verificando quais frutos são
mais produtivos dentro e entre genótipos,
poderemos selecionar os mais produtivos
para produzir mudas dos genótipos mais
promissores.
Melhoramento genético
- O melhoramento genético
é um conjunto de técnicas
que envolve cruzamentos
e seleção de genótipos de
interesse (por exemplo, mais
produtivos, com frutos maiores,
maior rendimento de polpa)
para aprimorar características
importantes que podem
favorecer a comercialização de
frutos dessas espécies.

Figura 3.
Frutos de Butia odorata
com diferentes tamanhos e
cores (superior), assim como
pimentas (inferior).

Como determinar www.kazusa.or.jp/kazusalab/smartgrain.

medidas
biométricas de
frutos e sementes?
Uma opção para obter medidas biométricas
de frutos e sementes é a utilização de um
paquímetro analógico ou digital. No entan-
to, essas mesmas medidas também podem
ser obtidas através de um programa que
dimensiona frutos e sementes por imagens.
O programa SmartGRAIN (desenvolvi-
do e lançado por Tanabata e colaboradores
em 2012, disponível através do link: http://
html), é um exemplo de aplicativo compu-
tacional que calcula dimensões de frutos
através do seu reconhecimento em imagens.
As variáveis calculadas através do programa
incluem, dentre outras, a área, o perímetro,
o comprimento, a largura e a circularidade
dos frutos.
Os frutos e sementes no programa Smart-
GRAIN são medidos através de uma ima-
gem simples. É recomendado um fundo de
cor que não transmita sombra para diminuir
os ajustes do tamanho do fruto no programa
(Figura 4), e que se determine uma escala de
acordo com o tamanho dos frutos em milí-
metros.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 220

 MATERIAIS DIDÁTICOS
Obtendo medidas de frutos através
de fotos e determinando variabilidade
genética e herdabilidade
O tutorial a seguir é uma adaptação para medir
frutos e sementes de butiá (B. odorata) e jerivá
(S. romanzoffiana), espécies que temos estuda-
do. Criamos um passo a passo para a medição
de frutos e sementes que se queira, mas para
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Figura 4.
Captura de tela ilustrando
fotografia com tomates que
foram analisados no programa
SmartGrain.
mais informações, consulte o tutorial e o artigo
específico dos autores do programa (Tanabata
e colaboradores). O programa SmartGRAIN
é um aplicativo executável (não requer instala-
ção) e os passos que seguem são baseados no
Sociedade Brasileira de Genética 221
 MATERIAIS DIDÁTICOS
manual disponibilizado pelo programa, onde
também podem ser encontradas mais informa-
ções sobre a barra de tarefas e suas outras fun-
cionalidades. A partir dos dados mostrados,
será possível calcular a variabilidade genética
(que efetivamente será expressa como uma va-
riância) para as variáveis de dimensões de fru-
tos e estimar a sua herdabilidade.
Mãos à obra!
Depois de baixar o programa pelo link, de-
ve-se executá-lo para abrir e utilizar. A aná-
lise pode ser realizada com uma imagem que
contenha frutos ou sementes de espécie de
sua preferência. Primeiramente, vamos nos
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
deter apenas aos passos necessários para de-
terminar as medidas no programa. Depois,
vamos apresentar um exemplo de dados sim-
plificado que permitirá fazer o cálculo da va-
riabilidade genética e da herdabilidade.
Antes de mais nada, deve-se coletar ou sepa-
rar frutos de alguma espécie e organizá-los
sobre uma superfície preferencialmente escu-
ra e com uma régua à mostra. Neste tutorial,
mostramos um exemplo de frutos de jerivá,
espécie de palmeira que descrevemos ante-
riormente (Figura 5). Fotografia deve ser ti-
rada; pode ser com o celular. Posteriormente,
a imagem deve ser aberta no programa, con-
forme os passos 1, 2 e 3, a seguir (Figura 6).
Figura 5.
Imagem utilizada no exemplo.
Sociedade Brasileira de Genética 222
 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Posteriormente, é necessário informar ao pro-
grama quais cores da imagem são associadas a
frutos (pode-se informar até cinco cores clican-
Figura 6.
Abertura da imagem no
do sobre os frutos) e também cores que serão programa SmartGrain.
entendidas pelo programa como plano de fun-
do (até cinco cores também) (Figuras 7 e 8).

Figura 7.
Selecionar cores para frutos/
sementes.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 223

 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Figura 8.
Selecionar cores para o fundo.

Depois de ter indicado ao programa quais fundo e como cores de frutos, pode ser efe-
cores devem ser reconhecidas como plano de tuada a análise da imagem (Figura 9).

Figura 9.
Como analisar a imagem?

O programa fará o processamento da niu para o fundo e para os frutos (Figura

imagem conforme as cores que você defi- 10).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 224

 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Figura 10.
Figura analisada.

#FICA A DICA - Se caso após analisar a parte do fruto ou da semente que desejar.
imagem o programa não contemplar toda Esses ajustes são recomendados para melhor
a área do fruto pode-se excluir e/ou incluir precisão dos dados (Figura 11).

Figura 11.
Inclusão e exclusão de área.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 225

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Após esses ajustes é necessário ajustar uma lizar o botão mostrado na imagem a seguir
escala para a imagem. Para tanto, deve-se uti- (Figura 12).

Figura 12.
O botão de escala.

Na imagem que está sendo utilizada aqui programa conseguirá calcular as dimensões
foi desenhada uma escala de 30 mm à ca- dos frutos, de maneira proporcional (Figu-
neta e régua. É a partir dessa escala que o ra 13).

Figura 13.
Definição da escala para
medidas dos frutos.
Após colocar a escala e fazer a correção, falta salvar os dados em uma planilha (Fi-
se for necessário, a análise está pronta! Só gura 14).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 226

 MATERIAIS DIDÁTICOS
Os próximos passos mostram como abrir
tabela no Excel. Esse processo deverá levar
em consideração um aspecto particular: o
fato de que o programa utiliza decimais re-
presentados por ponto. No Brasil, utiliza-
mos os decimais representados por vírgula.
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Figura 14.
Exportando os dados para uma
planilha.
Assim, o Excel geralmente está configurado
para decimais em vírgula. Desse modo, para
abrir a planilha com os números corretamen-
te representados, deverá ser utilizado um ar-
tifício conforme demonstrado na sequência
(sequência de figuras 15 a 19).
Figura 15.
Abrindo arquivo .csv e
realizando os ajustes
necessários.
Sociedade Brasileira de Genética 227
 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Figura 16.
Ajuste necessário devido à
vírgula e ponto em números da
língua portuguesa e inglesa,
respectivamente (início).

Figura 17.
Ajuste necessário devido à
vírgula e ponto em números da
língua portuguesa e inglesa,
respectivamente (continuação).

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 228

 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Figura 18.
Ajuste necessário devido à
vírgula e ponto em números da
língua portuguesa e inglesa,
respectivamente (continuação).

Figura 19.
Tabela finalizada com os dados
para análises.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 229

 MATERIAIS DIDÁTICOS
Como determinar a variância genética
para variáveis biométricas de frutos?
Posteriormente, como determinar a
herdabilidade?
Já descrevemos antes, mas cabe ressaltar e
agora detalhar um pouco mais sobre herda-
bilidade. A herdabilidade é determinada a
partir da divisão entre a variância genética e
a variância fenotípica. A variância fenotípica
inclui o efeito ambiental, ou seja, é a variância
genética mais variância ambiental (aqui esta-
mos desconsiderando efeitos de interação).
var genética
H² = __________
var fenotípica
Para fazermos esses cálculos, vamos utilizar
uma análise estatística chamada análise de
variância (ANOVA). Essa análise permitirá
determinar a variância devida ao genótipo
(variância genotípica), ao fenótipo (variância
fenotípica) e ao ambiente (variância ambien-
tal). A variância genotípica pode ser entendi-
da como a variabilidade devida aos genótipos
que vamos analisar, assim é uma maneira de
verificar que há variabilidade genética em
uma população que está sendo estudada.
A variância fenotípica é usada para medir a
variabilidade fenotípica. O mesmo é válido
para a variância ambiental, como medida da
variabilidade ambiental. Basicamente, de-
monstra-se uma análise que permite identi-
ficar uma variação total (fenotípica), quanto
dessa variação é genética e quanto é ambien-
tal, chegando-se à herdabilidade.
Genericamente, a variância é uma medida de
dispersão na estatística. É uma forma de me-
dir o desvio que um conjunto de dados apre-
senta em relação à média do conjunto. Vamos
supor que medimos cinco frutos, que tenham
os comprimentos: 1 cm, 2 cm, 3 cm, 4 cm e 5
cm. O comprimento médio é dado por:
1+2+3+4+5
X = ______________ = 3 cm
5 para uma amostra de n = 5, o número de
A variância será calculada como a soma dos
quadrados do desvio de cada valor em relação
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à média (3 cm), o que corresponde à soma de
quadrados. Esta é então dividida pelo núme-
ro de frutos. O desvio de cada valor anterior
em relação à média é:
Fruto 1 = 1 - 3 = -2
Fruto 2 = 2 - 3 = -1
Fruto 3 = 3 - 3 = 0
Fruto 4 = 4 - 3 = 1
Fruto 5 = 5 - 3 = 2
Para evitar desvios negativos e maximizar as
diferenças entre cada fruto, elevam-se os des-
vios ao quadrado.
Fruto 1 = (-2)2 = 4
Fruto 2 = (-1)2 = 1
Fruto 3 = (0)2 = 0
Fruto 4 = (1)2 = 1
Fruto 5 = (2)2 = 4
Os valores dos quadrados dos desvios são
somados: 4 + 1 + 0 + 1 + 4 = 10. A soma
é dividida pelo número de elementos (5). A
variância será igual a 2.
Mas há um detalhe importante. No exem-
plo, consideramos como se fossem os únicos
frutos que podíamos medir, ou seja, uma
população de cinco frutos. Geralmente tra-
balhamos com amostras e, então, calculamos
os graus de liberdade. Os graus de liberdade
são utilizados em estatística para designar
o número de observações que podem variar
quando se estimam parâmetros estatísticos,
de maneira simplificada, expressos por n - 1,
em que n é o número de observações. Assim,
graus de liberdade será GL = 5 - 1 = 4. A
variância, portanto, será 10/4 = 2,5.
Sociedade Brasileira de Genética 230
 MATERIAIS DIDÁTICOS
Resumindo esta explicação, a variância é cal-
culada como:
∑(xi - X)2
Var = _______
n-1
Lê-se: somatório dos quadrados da diferença
de cada observação (xi) pela média dividido
pelo número de graus de liberdade (n - 1).
Utilizando essa expressão para representar o
cálculo realizado anteriormente, temos:
(1- 3)2+(2- 3)2+(3- 3)2+(4- 3)2+(5- 3)2
Var = ___________________________
5-1
A partir da compreensão do significado de
variância, a análise de variância é uma forma
de dividir a variância total em suas partes:
a parte da variância que é genética e a parte
que é ambiental. Com isso, pode-se estimar
a herdabilidade.
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
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Os passos a seguir vão conduzir ao cálculo
das variâncias fenotípica, genética e ambien-
tal, assim como a herdabilidade. Os dados
do exemplo são medidas do comprimento
de frutos, uma das variáveis que o programa
SmartGrain fornece. As medidas foram to-
madas seguindo os mesmos passos descritos
anteriormente, mas com uma amostra peque-
na, desta vez frutos de butiazeiro, os butiás, da
espécie Butia catarinensis (Figura 20).
Vamos supor que estamos avaliando quatro
genótipos (plantas diferentes geneticamente).
Coletamos butiás de cada uma dessas plantas.
Para cada planta, avaliamos quatro repetições
(quatro frutos). É importante ressaltar que
esta é uma amostra muito pequena, apenas
para fins didáticos. Em um experimento real,
vários genótipos e repetições seriam necessá-
rios para obter estimativas precisas de variân-
cia genética e de herdabilidade.
Figura 20.
Imagem que foi utilizada
para demonstrações dos
procedimentos de cálculo de
variâncias fenotípica, genética
e herdabilidade. Corresponde
a frutos de butiazeiro (Butia
catarinensis).
Sociedade Brasileira de Genética 231
 MATERIAIS DIDÁTICOS
Primeira etapa: organização
dos dados e operações iniciais
O primeiro passo, ao obter as medidas, é
organizá-las (PASSO 1) de modo que se
identifiquem os indivíduos dos quais os fru-
tos foram coletados (Figura 21). A variável
que será estudada será o comprimento dos
frutos. Os indivíduos serão os genótipos, no
exemplo, quatro plantas diferentes de que fo-
ram coletados os frutos. De cada genótipo,
foram coletados quatro frutos. Depois disso,
deve-se somar as quatro medidas de compri-
Segunda etapa: cálculo dos graus
de liberdade
A próxima etapa consiste em calcular os graus
de liberdade para cada um dos fatores que
estão envolvidos no conjunto de dados: genó-
tipo (quatro genótipos), ambiente (ambiente
em que os genótipos cresceram) e o fenótipo
(total que representa a soma do genótipo e
do ambiente, desconsiderando o efeito de in-
teração por estarmos tratando de apenas um
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
mento de cada genótipo (PASSO 2). Desse
modo, se obterá um total para genótipos.
Além disso, pode-se calcular a média (PAS-
SO 3) usando a função conforme mostra a
figura seguinte (Figura 21). Ao analisar os
dados, note que os valores dos comprimen-
tos dos frutos são mais semelhantes entre os
frutos dentro de cada genótipo. Isso é refleti-
do na soma para cada genótipo. Note que as
somas são diferentes, em princípio, numeri-
camente. Isso já sinaliza diferenças entre os
genótipos, que serão verificadas adequada-
mente pela ANOVA.
Figura 21.
Preparando os dados para
análise.
ambiente hipotético e uniforme). Para o caso
de genótipos, o número de graus de liberdade
(GL) será: 4 - 1 = 3. No total, há 16 frutos
médios. O número de graus de liberdade para
o total é: 16 - 1 = 15. Ainda precisamos deter-
minar o número de graus de liberdade para o
ambiente, que será o que falta em relação ao
genótipo para completar o GL total. Portan-
to, será a diferença 15 - 3 = 12. Verifique a
sequência de passos para cálculos de GL na
figura 22 (PASSOS 4, 5 e 6).
Sociedade Brasileira de Genética 232
 MATERIAIS DIDÁTICOS
Terceira etapa: cálculo da
variabilidade genotípica,
ambiental e total
Nesta etapa, calculam-se as somas de qua-
drados. No Excel, a soma de quadrados é
calculada usando a fórmula SOMAQUAD,
selecionando-se os dados envolvidos, e mais
alguns procedimentos. A soma de quadra-
dos dos genótipos será calculada utilizando
os quatro valores do PASSO 2 (soma dos
efeitos de cada genótipo) e dividindo-se
pelo número de genótipos, conforme indi-
ca o PASSO 7 na Figura 23. Além disso,
será necessário aplicar um fator de correção,
considerando que a análise de variância, ao
dividir em fatores (genótipo, total e ambien-
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Figura 22.
Calculando os graus de
liberdade.
te), implica em perda de graus de liberdade.
Esse fator de correção, representado por C
no PASSO 8, é calculado através do soma-
tório dos quadrados de cada indivíduo (da
variável examinada) dividido pelo número
total de amostras (n = 16 no nosso caso).
Assim, o valor final da soma de quadrados de
genótipos será obtido mediante a subtração
do fator de correção da soma de quadrados
executada no PASSO 7.
A soma de quadrados total será obtida com
a fórmula SOMAQUAD aplicada a todos os
valores individuais selecionados (os 16 fru-
tos), descontada do fator C, para capturar a
variabilidade total entre eles, conforme PAS-
SO 9 da Figura 23.
Figura 23.
Calculando as somas de
quadrados da ANOVA.
Sociedade Brasileira de Genética 233
 MATERIAIS DIDÁTICOS
A partir da diferença entre a soma de
quadrados total e a soma de quadrados
dos genótipos, determina-se a soma de
quadrado do erro ou resíduo, que enten-
demos como a soma de quadrados devida
ao erro experimental. O erro ou resíduo
compreende a variabilidade que não pode-
mos controlar, podendo ser simplesmente
algum erro na medida feito pelo usuário
e, no contexto dos frutos, do ambiente em
que os materiais se desenvolveram. Assim,
podemos chamar de soma de quadrados
do ambiente, conforme PASSO 10 da Fi-
gura 23.
Agora, é possível finalizar os cálculos consi-
derando as seguintes definições:
- Variância genética: é uma parte da
variância fenotípica atribuída a compo-
nentes genéticos.
- Variância fenotípica: é a soma da variân-
cia genética com a variância ambiental
(modelo simples que estamos aqui consi-
derando).
Portanto, para calcular a variância genética,
é necessário descontar a variância ambien-
tal e dividir pelo número de repetições do
experimento (quatro), conforme o PAS-
SO 13 a seguir (Figura 25). Para calcular
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
A partir das somas de quadrados, será possí-
vel determinar as variâncias. A variância para
genótipos será calculada pela divisão entre a
soma de quadrados de genótipos (o valor fi-
nal, descontado do fator C) pelo número de
graus de liberdade para genótipos. Mas aten-
ção, essa ‘variância para o fator genótipo’ não
é a variância genética. É ainda uma variância
que contém os efeitos ambientais.
Dividindo-se a soma de quadrados do erro
pelo número de graus de liberdade, obtém-
-se a variância devida ao erro e/ou ambiente
(Figura 24).
Figura 24.
Os efeitos do ambiente.
a variância fenotípica, basta dividir a va-
riância do fator genótipos pelo número de
repetições (PASSO 14). A estimativa da
variância ambiental é o erro experimental
(PASSO 15). Finalmente, dividindo-se a
variância genotípica pela variância fenotí-
pica, obtém-se a herdabilidade. No exem-
plo fornecido, o valor de herdabilidade foi
de 0,71 ou 71%. Isso significa que 71% da
variância fenotípica dessa amostra é devi-
da à variância genética. Desse modo, há
uma proporção considerável de influência
ambiental. Lembrando, é meramente um
exemplo. Para um estudo real, muitos as-
pectos mais e muitas amostras a mais pre-
cisariam ser incluídas.
Sociedade Brasileira de Genética 234
 MATERIAIS DIDÁTICOS
Para realizar estas análises de forma automá-
tica, pode-se obter uma planilha pré-preen-
chida com os mesmos dados demonstrados
neste material. A planilha pode ser baixada
pelo link https://www.ufrgs.br/geneticave-
getal/?page_id=94.
Considerações
sobre estudos
visando
determinação de
herdabilidade
Vários estudos mostraram herdabilidades
variando de valores próximos a zero até va-
lores próximos a 1, sendo estes últimos bem
mais raros para caracteres quantitativos. Va-
lores de herdabilidade dependerão muito
do caráter quantitativo avaliado, do quan-
to ele varia na população e no ambiente ou
ambientes em que está sendo avaliado, tudo
repercutindo na proporção da variância que
será devida a fatores genéticos e ambientais
nessa população. Além disso, é preponde-
rante considerarmos a espécie que está sen-
do avaliada, a sua forma de reprodução e o
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Figura 25.
Parte final: cálculo da
herdabilidade.
nível de controle experimental que podemos
ter pela própria natureza da espécie. Esses
fatores tornam análises de herdabilidade
substancialmente complexas, pois torna-se
um desafio de ordem prática a separação da
variância fenotípica em componentes gené-
ticos (a variância genética) e ambientais (a
variância ambiental). Alguns casos valem a
pena ser apreciados, ponderando-se o nível
de dificuldade:
a) para humanos, análises de herdabilidade
são feitas baseadas em gêmeos idênti-
cos. As diferenças entre eles serão pre-
dominantemente ambientais, afinal os
genótipos são os mesmos, salvo algumas
mutações ou modificações de natureza
epigenética. Desse modo, geralmente é
mais fácil distinguir a variância genéti-
ca da ambiental e determinar a herdabi-
lidade. Mesmo assim, todos os fatores
anteriormente considerados não tornam
essa análise simples assim. Vários gêmeos
precisam ser estudados para se obter esti-
mativas precisas de herdabilidade para o
caráter desejado;
b) Para plantas que se propagam natural-
mente ou são artificialmente propagadas
de forma vegetativa, portanto, clonal, a
Sociedade Brasileira de Genética 235
 MATERIAIS DIDÁTICOS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

análise de herdabilidade pode ser relati-
vamente mais simples. Ao tomar medidas
de repetições dos mesmos clones, pode-se
calcular a variância ambiental e genética
(devido aos diferentes clones) e calcular a
herdabilidade;
c) Para plantas que são estudadas por linha-
gens, diferenças entre plantas dentro da
mesma variedade ou cultivar fornecem
estimativas de variância ambiental. Assim,
é relativamente fácil estimar a variância
genética e, consequentemente, a herdabi-
lidade.
d) Quando se trata de espécies pouco estu-
dadas, relativamente selvagens, e especial-
mente as de ciclo longo, a estimativa de
herdabilidade começa a ser influenciada
por muitos fatores difíceis de isolar.
Resumidamente, estudar caracteres quanti-
tativos não é uma tarefa fácil. Às vezes, até
mesmo medi-los é um desafio. Um geneti-
cista ou melhorista precisam ter bastante
conhecimento da espécie que estão avalian-
do, lançando mão de vários experimentos
com o maior controle possível, de modo que
possam ser isoladas as variâncias genéticas e
ambientais, para então proceder com a deter-
minação de herdabilidades.
obviamente não será utilizado o programa
SmartGrain, mas cabe a estas aplicar todos
os procedimentos que foram demonstrados
para análise de variância e o isolamento dos
componentes necessários para chegar à esti-
mativa de herdabilidade.
Para saber mais
FRANKHAM, R.; BALLOU, S. E. J. D.; BRISCOE,
D. A.; BALLOU, J. D. Introduction to conservation
genetics. Cambridge University Press, 2009.
MACEDO, M. C. D.; SCALON, S. D. P. Q.; SARI,
A. P.; SCALON FILHO, H.; ROSA, Y. B. C. J.;
ROBAINA, A. D. Biometria de frutos e semen-
tes e germinação de Magonia pubescens ST. Plant
Physiology, v. 160, n. 4, p. 1871-1880, 2012.
TANABATA, T.; SHIBAYA, T.; HORI, K.; EBA-
NA, K.; YANO, M. SmartGrain: high-through-
put phenotyping software for measuring seed
shape through image analysis. Plant Physiology,
v.160, n.4, p.1871-1880

Considerações
finais
Neste material, o intuito de utilizar variá-
veis biométricas foi mostrar uma maneira
prática de se entender princípios básicos
de genética quantitativa a partir da toma-
da de medidas para variáveis quantitati-
vas, e com materiais de fácil obtenção, que
frequentemente podem ser obtidos na sua
cozinha, quintal ou jardim. Como se vê,
pode-se explorar essas análises com frutos
e sementes de uma casa. Não esquecer de
que é necessário separar os frutos e semen-
tes por planta (o genótipo), de modo que se
possa calcular a variância genética e fenotí-
pica, assim como a herdabilidade. Se forem
avaliadas outras características em plantas,
como do caule, das folhas, do crescimento
(altura, diâmetro, circunferência do caule),

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 236

 RESENHAS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Portal GenomaUSP:
materiais didáticos para
o ensino de Genética
Andréa Grieco Nascimento1, Maricí Leite2, Bruna Trench1, Mirelly Soares1, Eliana Dessen3
Graduada, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, SP
1

Graduanda, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, SP

2

Departamento de Genética e Biologia Evolutiva, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, SP

3

Autor para correspondência - deagrieco0@gmail.com

Palavras-chave: ensino de Genética, Materiais Didáticos, vídeos educacionais, podcasts, kits educacionais

O site do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco, conhecido como geno-

maUSP <https://genoma.ib.usp.br/>, tem uma seção exclusiva para educação e difusão do
conhecimento. Além de apresentar os projetos da instituição na área, o menu “O Genoma e
as Escolas Públicas” disponibiliza na página “Materiais Didáticos” recursos educativos faci-
litadores do aprendizado em diversos formatos, como jogos (10), atividades interativas (8),
folhetos (13), programas de rádio, protocolos de aulas práticas (8) e vídeos de YouTube. Além
disso, o menu “Outras Ações” deixa acessíveis as produções das mídias sociais do centro de
pesquisa, como posts educativos em pdf, o podcast Segredos de Família, as séries de vídeos
ABC e o CINEgenoma.

Os materiais didáticos foram produzidos
majoritariamente por um grupo de docen-
tes e pós-graduandos do Departamento de
Genética e Biologia Evolutiva do Instituto
de Biociências da USP, principalmente entre
os anos 2014 e 2015. Muitos dos materiais
foram apresentados na Genética na Praça,
evento voltado para o ensino de Genética e
que ocorre anualmente durante os congres-
sos Sociedade Brasileira de Genética. Alguns
dos materiais instrucionais foram produzi-
dos em disciplinas de pós-graduação como,
por exemplo, os quatro referentes à Diferen-
ciação Celular e o Baralho Celular.
Todos os materiais estão disponibilizados
para download direto do site. Além dis-
so, boa parte dos materiais está organiza-
da na forma de kits, que podem ser usados
em salas de aula com até 45 alunos. Todos
eles possuem um manual explicativo para o
professor da escola básica e alguns possuem
anexos que podem ser impressos, recortados,
montados e utilizados diretamente em sala
de aula. A maioria dos manuais tem conteú-
do teórico referente ao tema do kit, sugestões
de utilização do material em sala de aula,
perguntas para serem discutidas em grupo
pelos estudantes, assim como as respostas
das mesmas. Os kits ficam disponíveis para
empréstimo nas Diretorias de Ensino par-
ceiras do G­ enomaUSP (DE da região de
Osasco e DE Centro Oeste) e também no
Departamento de Genética e Biologia Evo-
lutiva do Instituto de Biociências da USP.
O público-alvo é diverso: há recursos para
o ensino fundamental, passando por ensino
médio e até mesmo graduação.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 237

 RESENHAS Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Boa parte dos materiais didáticos dispo- 6 episódios da série, as conversas são sobre
nibilizados no site auxiliam na construção aspectos genéticos, humanos e éticos, entre
dos conceitos como, por exemplo, Filho de a geneticista Regina Mingroni Netto, o pro-
Scoiso, scoisinho é!, A família Silva e seus fessor de Biologia Rodrigo Mendes e a jor-
Genes e Diferenciação Muscular. Há ma- nalista Mônica Teixeira. O podcast pode ser
teriais que permitem um maior envolvimen- um excelente ponto de partida ou de síntese
to dos alunos com procedimentos atrelados para tratar os conceitos básicos da genética
à natureza da ciência como, por exemplo a em sala de aula de modo instigante, a partir
atividade Classificando Periquitos. To- dos segredos que o DNA pode nos contar.
dos os materiais colocam o estudante como
protagonista de seu próprio aprendizado,
motivando-o e engajando-o no processo de
aprendizagem dos conceitos. Alguns mate-
riais são excelentes para concretizarem pro-
cessos invisíveis a olho nu, como a redução
do número de cromossomos na formação dos
gametas (no material Filho de Scosio, scoi-
sinho é!) ou uma via de ativação gênica (no
material Diferenciação Celular) ou ainda a
simulação de um processo, como o de esca-
vação feito por arqueólogos (em Escavando
Identidades: muito além do RG). Existem
materiais lúdicos por excelência como o Mi-
cromonte, capaz de envolver o aluno em uma
divertida aventura, ao mesmo tempo que ele
entra em contato com os diferentes tipos de
células microbianas. Os baralhos, Baralho
Celular, Baralho Embriológico e Baralho
Animal propiciam o desenvolvimento de um
pensamento estratégico de seleção de infor-
mações, reunindo aquelas que são relevantes
para o agrupamento de um conjunto de car-
tas e descartando outras não relacionadas. Figura 1.
Outra vertente de materiais é virtual, como O formato CINEgenoma apresenta transmis-
os vídeos depositados no canal GenomaUSP sões ao vivo de mesas redondas, com partici-
do Youtube <https://www.youtube.com/c/ pação de convidados de diferentes áreas, que
GenomaUSP/playlists>. A série ABC apre- discutem sobre diferentes temas da Genética
senta em vídeos, com cerca de 5 minutos cada, tendo um filme como ponto de partida. Ge-
temas diversos que fazem parte do currículo ralmente participam um professor de ensino
da escola básica como: Câncer, Dogma Cen- médio, um profissional da área do cinema e
tral da Biologia Molecular, Ancestralidade e um geneticista. Discute-se sobre conceitos bá-
Testes Genéticos. São 52 vídeos organizados sicos e sobre as mais variadas implicações da
em playlists temáticas, que abordam diferen- genética na sociedade moderna. A discussão
tes aspectos de um mesmo tema, como é o sempre é rica e serve de embasamento para o
caso de Ancestralidade, ou então que tratam professor trabalhar algum dos filmes em sala
de um tema num crescente de complexidade, de aula. Além de genética, temas como ciên-
como Câncer, por exemplo. Todos os vídeos cia, medicina, sociedade, ética, educação e ci-
foram gravados por pesquisadores e pós-gra- nematografia também são abordados. Todo o
duandos do GenomaUSP. material online está disponível em <https://
www.youtube.com/c/GenomaUSP>.
Segredos de Família, é uma série de 6 pod-
casts que revela a dinâmica, as reviravoltas e Vale a pena conferir os recursos didáticos
os dilemas do aconselhamento genético. Nos disponíveis no portal do GenomaUSP.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 238

 UM GENE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

O gene MFN2 e
sua associação com a
Lipomatose Simétrica
Múltipla

Matheus Oliveira de Sena1, Josivan Gomes Lima2,

Julliane Tamara Araújo de Melo Campos1
1
Laboratório de Biologia Molecular e Genômica, Departamento de Biologia Celular e Genética,
Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
2
Departamento de Medicina Clínica, Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL)/UFRN,
Natal, RN, Brasil
Autor para correspondência - tamara_bio@yahoo.com.br
Palavras-chave: lipomatose simétrica múltipla, lipomas, tecido adiposo,
mitofusina 2, mitocôndria

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 239


O gene MFN2 codifica a proteína mitofusina 2. Uma variante patogênica pontual na sequên-
cia nucleotídica deste gene resulta na rara doença mitocondrial conhecida como Lipomatose
Simétrica Múltipla (LSM). A LSM caracteriza-se fenotipicamente pelo desenvolvimento de
lipomas benignos principalmente nas regiões supraclavicular, interescapular e pescoço.
Tecido adiposo - Tipo
de tecido conjuntivo
que apresenta diferentes
funções fisiológicas, como
armazenamento de gordura
(lipídeos), termogênese,
proteção contra choques
mecânicos e função endócrina
(secretando hormônios). É
dividido funcionalmente em
tecido adiposo multilocular
(ou marrom) e tecido adiposo
unilocular (ou branco).
Síndrome metabólica -
Condição caracterizada por
altos níveis de colesterol e
glicose no sangue, alto índice
de gordura em torno da
cintura e hipertensão arterial.
Esses fatores aumentam
consideravelmente os riscos de
ocorrer um acidente vascular
cerebral ou um ataque cardíaco.
Atividade termogênica -
Produção de calor a partir do
desacoplamento da cadeia
-transportadora de elétrons
durante a cadeia respiratória,
a qual ocorre na membrana
interna da mitocôndria, gerando
calor ao invés de ATP.
Lipólise - Quebra de moléculas
de triacilglicerol em moléculas
de ácidos graxos e glicerol. Este
processo ocorre por meio das
enzimas denominadas lipases.
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
UM GENE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Diabetes tipo 2 - Doença
crônica caracterizada pela
resistência do organismo à
O tecido adiposo marrom, insulina, resultando em altos
níveis de glicose na corrente
a termogênese e a
sanguínea. Alguns sintomas
como sensação de boca seca,
vontade frequente de urinar
mitofusina 2 e grande perda de peso sem
motivo aparente são marcantes
O tecido adiposo tem sido extensivamente estudado nos na doença.
últimos anos devido à sua associação com o desenvolvimen-
to da obesidade, síndrome metabólica, diabetes tipo 2 e
­resistência à insulina. Classicamente, existem dois tipos de
Resistência à insulina -
tecido adiposo: o branco (WAT, do inglês ‘’White Adipose Tis- Condição na qual o corpo
sue’’) e o marrom (BAT, do inglês, “Brown Adipose Tissue”). do indivíduo não responde
Enquanto o WAT é o local primário de deposição de triacil- ao hormônio da insulina,
resultando no acúmulo
gliceróis (gordura) proveniente da dieta, o BAT desempenha
de glicose na corrente
atividade termogênica por meio do aumento de gasto ener- sanguínea, o que pode levar ao
gético através do desacoplamento da cadeia respiratória. Além desenvolvimento de diabetes
do aumento do gasto energético, a ativação do BAT também tipo 2.
resulta no aumento da tolerância à glicose.
Os primeiros estudos sobre a localização e fisiologia do BAT
reforçaram que este tecido teria função mais significativa nos
recém-nascidos, auxiliando na manutenção da temperatura
corporal após o nascimento. Contudo, o BAT continua pre-
Sinalização adrenérgica -
sente em adultos, principalmente ao redor dos vasos e das vér- Sensibilização dos receptores
tebras, entre as escápulas, abaixo das clavículas e axilas, além adrenérgicos, resultando
de estar associado a pâncreas, baço e rins. Atualmente, sabe-se em respostas fisiológicas e
que o BAT possui importantes funções na regulação do meta- metabólicas como, por exemplo,
alteração da frequência
bolismo e no balanço energético, sendo considerado um tecido
cardíaca, tensão muscular,
alvo para intervenções terapêuticas para o tratamento da obe- lipólise e atividade termogênica.
sidade e do diabetes tipo 2 devido às suas funções benéficas
para o metabolismo. Em condições de exposição ao frio ou de
exercício físico, ocorre sinalização adrenérgica, a qual ativa o
processo de lipólise no BAT, que promoverá a hidrólise de Hidrólise - Processo químico
triglicerídeos em glicerol e ácidos graxos. Com isso, os ácidos no qual ocorre quebra de uma
graxos resultantes entram na mitocôndria para oxidação lipí- molécula em meio aquoso.
dica, onde serão utilizados na cadeia transportadora de elé-
trons para produzir calor (termogênese).
Sociedade Brasileira de Genética 240
 UM GENE
A Lipomatose
Simétrica Múltipla
(LSM) e sua
associação com o
gene MFN2
A LSM é uma doença genética de caráter au-
tossômico recessivo, também conhecida como
doença de Madelung ou doença de Lanois-
-Bensaude. Foi mencionada na literatura pela
primeira vez em 1846 por Benjamin Brodie,
no St. George Hospital de Londres e, poste-
O gene nuclear MFN2, localizado no cro-
mossomo 1, no braço curto, região 3, banda
6 (1p36.22) (Figura 2), apresenta um total
de 17 éxons, sendo responsável por codificar
a proteína mitofusina 2 (Figura 3A), a qual
tem 757 aminoácidos em sua estrutura (Fi-
gura 3B). Embora o gene MFN2 seja onipre-
sente nos tecidos dos mamíferos, ele apre-
senta maiores níveis de expressão em tecidos
com alta concentração mitocondrial, como
no coração, músculo estriado esquelético e
no BAT. Inúmeras variantes patogênicas já
foram encontradas e descritas ao longo do
gene MFN2. A maioria delas é responsável
pela manifestação de uma neuropatia axo-
nal denominada Charcot-Marie Tooth do
tipo 2A (CMT2A). Porém, até o momento,
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
riormente, relatada como uma doença especí-
fica por Otto Madelung, a partir da observação
de 33 pacientes, em 1888. Dez anos depois,
foi caracterizada por Lanois e Bensaude em Característica fenotípica
uma série de 65 casos de pacientes com uma
entidade clínica bem definida, denominada
- Característica observável,
determinada pela interação
entre a genética do indivíduo
Lipomatose Simétrica Benigna. A principal e o ambiente no qual ele se
manifestação fenotípica dessa doença é o de- encontra.
pósito de tecido adiposo de caráter benigno, os
chamados lipomas. Estes podem ser de rápido
crescimento, principalmente na região cervical, Neuropatia axonal -
dorso e, mais raramente nos membros (supe- Degeneração do axônio dos
riores e inferiores), face e genitália (Figura 1). neurônios, causando perda
Geralmente o aparecimento dos lipomas está sensorial e motora no paciente
afetado.
associado com complicações metabólicas, po-
dendo ou não apresentar neuropatia axonal.
Figura 1.
Regiões do corpo nas quais
os lipomas benignos podem
se desenvolver. A região do
pescoço, supraescapular e
interescapular são as mais
comumente afetadas pela
doença. Fonte: Autoria própria
utilizando alicerces fornecidos
pelo SMART - Servier Medical
ART (Les Laboratoires Servier).
apenas a variante patogênica c.2.119 C>T
Variante patogênica -
neste gene está relacionada ao desenvolvi- Alteração permanente na
mento da LSM quando presente em homo- sequência do DNA que leva
zigose. Esta variante ocorre no éxon 17, na ao desenvolvimento de uma
posição 2119 da região codificadora do gene doença.
MFN2, resultando na substituição de uma
citosina por timina no DNA, e do aminoáci-
do arginina, localizado na posição 707, pelo Éxon - Sequência do
triptofano (p.Arg707Trp) na proteína (Fi- gene (conjunto de bases
gura 3). Nesses casos, o indivíduo pode ou nitrogenadas) que são
não desenvolver neuropatia axonal. Por sua transcritas e posteriormente
traduzidas em uma sequência
vez, quando a variante c.2.119 C>T está pre-
de aminoácidos, diferentemente
sente em heterozigose com outras variantes dos íntrons, os quais não são
patogênicas em MFN2 (heterozigoto com- traduzidos.
posto), o indivíduo desenvolve neuropatia
axonal com pouco ou nenhum acometimen-
to do tecido adiposo.
Sociedade Brasileira de Genética 241

GTPase - Família de enzimas
hidrolases (necessitam da
água para promover a quebra
de ligação) responsáveis por
hidrolisar a molécula de GTP.
Interações homotípicas -
Interações entre moléculas
idênticas (exemplo: interação
entre mitofusina 2 com outra
mitofusina 2).
Interações heterotípicas
- Interações entre moléculas
diferentes (exemplo: interação
da mitofusina 2 com a
mitofusina 1).
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
UM GENE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
Figura 2.
Representação esquemática
da localização nuclear do
gene MFN2 em um adipócito
marrom (BAT), o qual possui
inúmeras gotículas lipídicas
e mitocôndrias em seu
citoplasma. O gene mitocondrial
MFN2 está presente no genoma
nuclear. Porém, a proteína
mitofusina 2, codificada por
este gene, é direcionada para
a mitocôndria, onde exercerá
suas funções termogênicas e
metabólicas. Fonte: Autoria
própria utilizando alicerces
fornecidos pelo SMART -
Servier Medical ART (Les
Laboratoires Servier).
Figura 3.
A) Sequência codificante
do gene MFN2, na qual os
retângulos intercalados pretos
e azuis representam éxons,
resultando num total de 2274
pares de bases de nucleotídeos.
B) Estrutura primária (ou
linear) da proteína mitofusina
2, evidenciando seus principais
domínios: GTPase, HR1
(repetição hepta 1), PR (rico em
prolina), TM1 (transmembrana
1), TM2 (transmembrana 2)
e HR2 (repetição hepta 2). A
variante patogênica na posição
A proteína mitofusina 2 2119 da região codificadora do
gene MFN2 é responsável por
alterar o aminoácido arginina,
As mitocôndrias se encontram, na maioria das células, dispos- localizado na posição 707,
tas em redes tubulares extremamente dinâmicas e se caracte- pelo triptofano (p.Arg707Trp),
rizam como uma organela citoplasmática de extrema impor- afetando o domínio HR2 na
sequência linear (estrutura
tância para a fisiologia celular, indo muito além da produção primária) da proteína mitofusina
de adenosina trifosfato (ATP). A mitofusina 2 é uma proteína 2. A sequência referência
localizada na membrana externa da mitocôndria, pertencen- utilizada para a criação da
te à família das GTPases, que atua em importantes eventos imagem do gene MFN2 foi a
NM_014874.4. Fonte: Autoria
celulares relacionados à fisiologia mitocondrial. Essa proteína
própria utilizando alicerces
atua promovendo interações entre a mitocôndria e o retículo fornecidos pelo SMART -
endoplasmático (RE), sendo uma proteína chave na justapo- Servier Medical ART (Les
sição entre essas organelas (Figura 4). A comunicação entre o Laboratoires Servier).
RE e a mitocôndria ocorre através de interações homotípicas
de mitofusina 2 (ou heterotípicas com mitofusina 1), numa
região específica da membrana do RE que se encontra associa-
da à mitocôndria. Nessa região, importantes funções celulares
são desempenhadas, tais como: síntese e troca de lipídios, ho-
meostase do cálcio e apoptose.
Sociedade Brasileira de Genética 242
 UM GENE
É importante compreender que as mitocôn-
drias não são organelas estáticas. Elas parti-
cipam de processos dinâmicos intracelulares
de fusão e fissão mitocondrial. Ambos os
processos devem estar em equilíbrio para
manter a funções da célula, incluindo o con-
trole da função mitocondrial e do ciclo celu-
lar. A fusão mitocondrial promove a união
de mitocôndrias através da membrana ex-
terna, formando uma rede mitocondrial que
permite a troca de substâncias e o aumento
da produção energética, tanto em relação à
proteína mitofusina 2 quanto à proteína mi-
tofusina 1, codificada pelo gene MFN1. Já
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
a fissão mitocondrial é o processo reverso,
causando a separação de mitocôndrias e per-
mitindo a eliminação de seu conteúdo ou de
mitocôndrias danificadas.
Em mitocôndrias opostas, a mitofusina 1 e
2 interagem fisicamente através da formação
de dímeros antiparalelos (trans) entre seus
respectivos domínios HR2 (repetição hepta
2) (do inglês, heptad-repeat domain) (Figura
3B). Esta interação é responsável por unir
fisicamente mitocôndrias diferentes; porém,
não é suficiente para completar a fusão mi-
tocondrial (Figura 5). Células possuindo
Figura 4.
Localização e estrutura da
mitofusina 2. A) Localização
mitocondrial da proteína
mitofusina 2. B) Abaixo é
possível ver a estrutura de
forma ampliada da proteína,
ancorada na membrana externa
da mitocôndria através de seus
domínios transmembranas
(TM). Além disso, são
observados outros domínios
dessa proteína, como o rico em
prolina (PR), os de repetição
hepta (HR1 e HR2) dispostos
na forma de espiral em bobina
e o GTPase. Fonte: Autoria
própria utilizando alicerces
fornecidos pelo SMART -
Servier Medical ART (Les
Laboratoires Servier).
Fusão mitocondrial - Processo
de união física em que se forma
uma rede de mitocôndrias
para a troca de conteúdos
mitocondriais, sendo altamente
vantajoso no contexto de
uma célula sob alta demanda
energética.
Fissão mitocondrial -
Processo inverso da fusão
mitocondrial, promovendo
a separação física entre
mitocôndrias. Estes dois
mecanismos devem estar em
equilíbrio na célula.
Sociedade Brasileira de Genética 243
 UM GENE
variantes patogênicas nos genes MFN1 e
MFN2 demonstraram morfologia mito-
condrial aberrante, bem como fragmentação
de suas redes. A deficiência de MFN2, mas
A mitofusina 2 possui alta expressão no BAT,
desempenhando papel fundamental na fun-
ção termogênica desse tecido por meio do
acoplamento da mitocôndria com a gotícula
lipídica (situada no interior do adipócito). A
mitofusina 2 auxiliará nesse processo através
de sua interação com a perilipina 1, proteína
expressa nos adipócitos. A perilipina 1 esta-
biliza as gotículas lipídicas, as quais contêm
as gorduras provenientes da dieta, através da
inibição da enzima lipase de triglicerídeos do
tecido adiposo (ATGL), uma das enzimas
responsáveis pela liberação de ácidos graxos
livres para a corrente sanguínea (lipólise). Essa
inibição facilita a interação da mitocôndria e
a gotícula lipídica dos adipócitos em resposta
à estímulos adrenérgicos e protege as células e
tecidos da lipotoxicidade, resistência à insulina
e do estresse de RE. Dessa forma, a perilipina
1 regula a hidrólise dos gorduras armazenadas
nas gotículas lipídicas, evitando a lipólise, pro-
cesso através do qual ocorre a liberação de áci-
dos graxos para serem utilizados na produção
energética e de calor (termogênica). Por sua
vez, a mitofusina 2 contribui para o metabolis-
mo do BAT através do acoplamento das mito-
côndrias com as gotículas lipídicas e da manu-
tenção da capacidade oxidativa mitocondrial.
A mitofusina 2 também está relacionada à
resposta às proteínas mal dobradas (UPR, do
inglês ‘’Unfolded Protein Response’’) e ao estres-
se de RE, mecanismo de resposta ao mau do-
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
não de MFN1, leva à profunda disfunção do
BAT, prejudicando a capacidade respiratória
celular e as respostas ao estímulo adrenérgi-
co que ocorrem nesse tecido.
Figura 5.
Demonstração simplificada
do papel da mitofusina 2,
evidenciando a interação entre
os domínios HR2 (verde claro)
de diferentes mitocôndrias,
no processo de justaposição
durante a fusão mitocondrial.
Fonte: Autoria própria
utilizando alicerces fornecidos
pelo SMART - Servier Medical
ART (Les Laboratoires Servier).
bramento de proteínas. Isso ocorre porque a
UPR está relacionada a uma maior tensão em
regiões onde a membrana do RE se encontra
associada à mitocôndria. Essas regiões ten-
sionadas apresentam a proteína mitofusina
2 como um intermediador entre a mitocôn-
dria e o RE. Estudos com roedores e moscas
do gênero drosophila sp. demonstraram que a
ablação do gene MFN2 induz estresse de RE, Ablação - Silenciamento
ratificando a importância da mitofusina 2 na genético.
manutenção das funções do RE.
Lipase de triglicerídeos
Manifestações do tecido adiposo (ATGL)
- Enzima transportada do
Clínicas da LSM
retículo endoplasmático para
as gotículas lipídicas dos
adipócitos brancos (WAT), onde
Dentre as características fenotípicas e clíni- atua na etapa inicial de hidrólise
dos triglicerídeos armazenados
cas manifestadas por pacientes que apresen-
dentro da gotícula lipídica.
tam a LSM, causada pela variante patogênica
no gene MFN2, destacam-se: o desenvolvi-
mento de lipomas benignos não encapsula-
dos distribuídos simetricamente nas regiões
de pescoço (chamado também de ‘’colar de
cavalo’’), interescapular e supraclavicular.
Essas duas últimas localizações constituem
evidências claras de que a origem dos lipo-
Hepatoesplenomegalia -
mas ocorre no BAT. Indivíduos com LSM Aumento anormal do volume do
também podem apresentar hepatoespleno- fígado e baço.
megalia, esteatose hepática, resistência à
Esteatose hepática - Acúmulo
insulina e hipertrigliceridemia. Ademais, os de gordura nos hepatócitos
pacientes podem apresentar manifestações (células do fígado).
neurológicas pé cavo ou pé plano valgo, dor
Hipertrigliceridemia - Elevada
nos membros inferiores, ausência de reflexos concentração de triacilgliceróis
na corrente sanguínea.
Sociedade Brasileira de Genética 244
 UM GENE
patelares e fraqueza distal dos membros su-
periores ou inferiores. Alguns podem ainda
apresentar sintomas observados em pacien-
A LSM apresenta heterogeneidade na cro-
nologia do aparecimento de suas manifesta-
ções, características clínicas e até na gravida-
de das mesmas. Embora massas lipomatosas
tenham sido facilmente diagnosticadas em
todos os pacientes, os sinais neurológicos
podem passar despercebidos por vários anos.
Em pacientes com LSM, também se obser-
vam defeitos na lipólise estimulada por si-
nalização adrenérgica no BAT. Além disso,
ensaios clínicos realizados com Salbutamol,
um agonista de receptores β-2 adrenégicos,
demonstraram significante efeito terapêu-
tico, com progressão reduzida dos lipomas
associada com aumento da taxa metabólica
de repouso.
No Brasil, a LSM é uma doença subdiag-
nosticada. Seu tratamento tem sido realiza-
do com foco principalmente estético, através
da remoção dos lipomas. Contudo, o risco
de recorrência dos lipomas é alto tendo
em vista a origem genética da LSM. Mais
estudos são necessários para melhor com-
preender as funções da proteína mitofusi-
na 2 e sua relação com o desenvolvimento
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
tes com doenças mitocondriais, tais como
surdez, puberdade precoce e hipotireoidismo
(Figura 6).
Figura 6.
Representação esquemática das
principais manifestações clínicas
da LSM. Fonte: Autoria própria
utilizando alicerces fornecidos
pelo SMART - Servier Medical
ART (Les Laboratoires Servier).
da LSM. Esses estudos contribuirão para
a compreensão das funções metabólicas do
BAT nos adultos bem como para o desen-
volvimento de novas estratégias terapêuticas
voltadas para amenizar tanto o aparecimen-
to de mais lipomas bem como as comorbi-
dades metabólicas e neurológicas associadas
a essa doença.
Receptor β-2 adrenégico
- Receptor celular capaz
Para saber mais: de desencadear alterações
intracelulares, estimulando a
BOUTANT M., KULKARNI S.S., JOFFRAUD atividade do sistema nervoso
M., RATAJCZAK J., VALERA-ALBERNI M., autônomo, a partir da ligação
com um agonista, molécula
COMBE R., ZORZANO A. and CANTÓ C.
(2017) Mfn2 is critical for brown adipose tissue capaz de ativar um receptor
thermogenic function. EMBO J 36:1543–1558. celular.
CAPEL E., VATIER C., CERVERA P., STO-
JKOVIC T., DISSE E., COTTEREAU A.S.,
AUCLAIR M., VERPONT M.C., MOSBAH
H., GOURDY P. et al. (2018) MFN2-associated
lipomatosis: Clinical spectrum and impact on
adipose tissue. J Clin Lipidol 12:1420–1435.
FILADI R., PENDIN D. and PIZZO P. (2018) Mi-
tofusin 2: from functions to disease. Cell Death
Dis 9:330.
Les Laboratoires Servier SMART. In: Servier Med.
ART. https://smart.servier.com/.
Sociedade Brasileira de Genética 245
 UM GENE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

Síndrome de Dunnigan:
uma rara doença
relacionada ao gene LMNA

Monique Alvares da Silva1, Josivan Gomes Lima2,

Julliane Tamara Araújo de Melo Campos1*
1
Laboratório de Biologia Molecular e Genômica, Departamento de Biologia Celular e Genética,
Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
2
Departamento de Medicina Clínica, Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL)/UFRN,
Natal, RN, Brasil
Autor para correspondência - julliane.campos@ufrn.br
Palavras-chave: tecido adiposo, genética humana, lipodistrofia

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 246

 UM GENE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

A síndrome de Dunnigan, também conhecida como Lipodistrofia Parcial Familiar do tipo 2

– LPF2 (do inglês Familial Partial Lipodystrophy type 2 - FPLD2) é uma doença autossômica
dominante rara em heterozigose, no gene LMNA, resultante de mutações do tipo sentido
trocado (do inglês missense). O gene LMNA é responsável pela codificação da proteína nu-
clear denominada lamina. As principais funções celulares das laminas incluem a regulação da
expressão gênica pela ligação a fatores de transcrição e a manutenção da integridade celular
pela sua rede de filamentos nucleares. As principais características do LPF2 são notadas no
desaparecimento progressivo do tecido adiposo subcutâneo nos membros, na região glútea,
no abdome e tronco, acompanhado do acúmulo de gordura em outras áreas, como a face, o
queixo e a região intra-abdominal. Essas alterações conferem aos afetados um aspecto de hi-
pertrofia muscular e simulam o fenótipo da síndrome de Cushing. Assim como a Lipodistro-
fia Congênita Generalizada - LCG, que possui uma prevalência elevada no Nordeste do Brasil
em relação ao resto do mundo, a LPF2 faz parte do grupo de doenças raras subnotificadas.
Esta revisão propõe a elucidação do papel das laminas e sua relação com a LPF2.

Mutação missense - alteração

de uma das bases do DNA
que, de tal forma, muda o trio
de nucleotídeos, passando
a codificar um aminoácido
incorreto e diferente do que
seria esperado na posição
correspondente da proteína.
Telômero - são estruturas
compostas por sequências
repetidas de DNA associadas
a proteínas características
existentes na extremidade
de todos os cromossomos
humanos, e exercem a função
de proteger o material genético
de degradação e alterações
cromossômicas.
O gene LMNA e seus Splicing alternativo - é um
produtos proteicos processo pelo qual, a partir
de um mesmo gene, os éxons
O gene LMNA está localizado na região 22 do braço longo do de um gene são conectados
entre si de diferentes maneiras
cromossomo 1 e contém 12 éxons (Figura 1). Ele é responsá- durante o processamento do
vel por codificar proteínas denominadas de laminas do tipo-A. pré-RNA mensageiro (RNAm),
Através do splicing alternativo no gene LMNA, são produzidas levando à síntese de diferentes
duas isoformas de lamina do tipo-A: a lamina A e a lamina C. RNA mensageiros (RNAm) e
isoformas de proteínas.
As laminas do tipo-A são proteínas longas e filamentosas que
compõem a lamina nuclear, as quais envolvem internamente o
núcleo e interagem com a cromatina, regulando a replicação e Célula-tronco - Células
o reparo do DNA, a transcrição e a organização da cromatina. precursoras que geram
diferentes tipos de células
Além disso, desempenham um papel importante na dinâmica da diferenciadas e possuem
montagem nuclear, e na organização dos telômeros. As laminas
a capacidade de se
A e C estão presentes no núcleo de células dos mamíferos que já autorrenovarem.
tiveram iniciado o seu processo de diferenciação (Figura 2) em
células que estão em estágios de diferenciação celular mais avan-
çados, e não são expressas em células-tronco.
Figura 1.
Localização cromossômica
do gene LMNA: 1q.22. O
primeiro número corresponde
ao cromossomo no qual o gene
pode ser encontrado. A letra
“q” se refere ao braço longo do
cromossomo. O número 2 diz
respeito à posição do gene nesse
braço. Logo, o gene LMNA se
encontra no cromossomo 1,
braço longo, posição 22. O gene
LMNA possui 12 éxons. Fonte:
Compilação do autor. Imagem
produzida utilizando a Genome
Decoration Page: https://www.
ncbi.nlm.nih.gov/genome/
tools/gdp/.

Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022 Sociedade Brasileira de Genética 247

 UM GENE
O tecido adiposo
Já é bem conhecido que o tecido adiposo é
um importante tecido relacionado à reserva
energética, atuando como isolante térmico,
protegendo e sustentando os órgãos internos
contra pressões externas. O conhecimento
em relação à sua composição e suas intera-
ções metabólicas tem sido muito estudado
e, atualmente, sabe-se que ele é formado
por adipócitos e que, nos mamíferos, divide-
-se em dois principais tipos: tecido adiposo
branco e marrom.
No que diz respeito ao tecido adiposo bran-
co, a principal função explorada tem sido o
controle da homeostase energética por meio
do armazenamento e liberação de lipídios
em resposta às necessidades nutricionais e
metabólicas sistêmicas, significando que o
corpo libera energia pela quebra dos lipídios
para atender às necessidades metabólicas,
mantendo o corpo em equilíbrio mesmo em
situações de escassez nutricional. Ele está
presente em diversos depósitos corporais,
tais como abaixo da pele (subcutâneo) e na
região visceral, e suas células (adipócitos) são
compostas por uma única gotícula lipídica e
um núcleo excêntrico. O depósito subcutâ-
neo tem sido um importante alvo de estudos
e algumas evidências sugerem que ele contri-
bui de forma benéfica para o metabolismo.
Além disso, a função endócrina do tecido
adiposo branco também tem sido bastan-
te estudada, tendo em vista que esse tecido
produz diferentes tipos de hormônios que
reguladores do metabolismo.
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
O tecido adiposo marrom é desenvolvido a
partir de células precursoras que expressam
Myf5 e Pax7 (fatores de transcrição) no
mesoderma e também dão origem às células
do músculo esquelético e a uma porção de
adipócitos brancos. Os adipócitos caracteri-
zam-se por apresentarem múltiplas gotículas
lipídicas e um núcleo central. Esse tecido tem
como principal função dissipar a energia ar-
mazenada na forma de calor e pode ser en-
contrado na região interescapular em bebês e
adultos cronicamente expostos ao frio extre-
mo. Além disso, também está presente nas
regiões intercostal, periaórtica, perirrenal,
axilares, cervicais e ventrais. Recentemente,
estudos indicam que o tecido adiposo mar-
rom possui uma presença maior no corpo
humano, diferentemente do que se conhecia
anteriormente, bem como ações importantes
relacionadas à melhora da sensibilidade à in-
sulina e à redução do ganho de peso.
A síndrome de
Dunnigan
A síndrome de Dunnigan faz parte de um
grupo de doenças raras que acometem o teci-
do adiposo branco subcutâneo: as lipodistro-
fias. Algumas formas de lipodistrofias pos-
suem um padrão de herança autossômico
dominante e se caracterizam pela perda par-
cial do tecido adiposo corporal. A síndrome
de Dunnigan, também conhecida como Li-
podistrofia Familiar Parcial do tipo 2 - LPF2
(do inglês Familial Partial Lipodystrophy type
2 - FPLD2), ocorre devido a variantes pato-
Figura 2.
Representação esquemática da
célula eucariótica (à esquerda)
evidenciando a localização dos
filamentos de laminas nucleares
(à direita). As laminas A/C
formam filamentos proteicos
(representados na cor cinza)
dentro do núcleo celular;
estabilizam e fortalecem a
membrana nuclear, e regulam
numerosos processos celulares,
incluindo replicação do DNA,
transcrição e organização da
cromatina. Fonte: Autoria
própria utilizando arcabouços
fornecidos pelo SMART (SMART
- servier medical ART).
Fatores de transcrição -
proteínas que se ligam ao
DNA de células eucarióticas
permitindo ou acentuando a
ligação entre a enzima RNA
polimerase e o DNA, iniciando a
transcrição.
Mesoderma - folheto
germinativo, do qual derivam
os tecidos conjuntivos,
os músculos, os sistemas
urogenital e vascular e o
revestimento da cavidade do
corpo.
Autossômico - termo que
se refere à localização de um
gene em cromossomos do tipo
autossomos, ou seja, aqueles
que não determinam o sexo.
Herança dominante - tipo
de herança na qual a presença
somente de um alelo no par
de cromossomos é suficiente
para manifestar a característica
correspondente a ele.
Sociedade Brasileira de Genética 248
 UM GENE
gênicas do tipo sentido trocado (do inglês
missense) heterozigóticas no gene LMNA,
responsável por codificar as laminas. Exis-
tem mais de 10 variantes patogênicas relacio-
nadas à LPF2 que alteraram o gene LMNA.
Uma das mais prevalentes afeta o referido
gene no nucleotídeo 1.445 e afeta também a
proteína no aminoácido 482. Especificamen-
te, essa variante patogênica é a substituição
de uma guanina (G) por uma adenina (A)
no nucleotídeo 1.445 do gene LMNA (va-
riante referida como c.1445 G>A; sequência
As laminas possuem diversas características
e funções, dentre elas, fazer parte do citoes-
queleto, núcleo e nucleossomo, além de atuar
como reguladora gênica da expressão de fa-
tores de transcrição. Portanto, além de rea-
lizar papéis estruturais, elas também atuam
como “proteínas ajudantes” para o início da
produção de novas proteínas. No tecido adi-
poso, as laminas do tipo-A (laminas A e C)
são dois produtos resultantes da tradução de
dois transcritos alternativos do gene LMNA.
Elas são membros da família do filamento
intermediário (FI) de proteínas que formam
componentes da lamina nuclear, rede fibrosa
e proteica próximas à membrana nuclear in-
terna. Assim, as laminas são importantes na
manutenção da integridade celular, incluin-
do os adipócitos.
Os portadores da lipodistrofia parcial fami-
liar do tipo 2 (LPF2) apresentam caracte-
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
referência: NM_001282625.1), resultando
na substituição do aminoácido arginina (R)
Mutação heterozigótica -
para glutamina (Q) na posição 482 (variante situação na qual uma mutação
referida como p.R482Q; sequência referên- relacionada a uma síndrome
cia: NP_733821.1). A troca de aminoácidos está presente em apenas um
altera a estrutura proteica da lamina bem alelo.
como sua função (Figura 3). Uma vez que as
laminas são proteínas estruturais do núcleo,
variantes patogênicas que afetam a estrutura
dessas proteínas podem impactar a prolifera-
ção, diferenciação celular e organização dos
telômeros.
Figura 3.
Representação da mutação
c.1445G>A, p.R482Q, no gene
LMNA. A substituição de bases
de guanina por adenina resulta
na substituição de uma arginina
por uma glutamina na posição
482. A lamina produzida
é diferente da original,
afetando tanto sua estrutura
como, consequentemente,
suas funções celulares.
Fonte: Autoria própria
utilizando arcabouços
fornecidos pelo SMART (SMART
– servier medical ART).
rísticas clínicas específicas (Figura 4), como
perda variável de gordura nas extremidades
e no tronco, além de um excesso de gordu-
ra subcutânea no queixo e na área superior à
Regulação gênica - processo
clavícula. Contudo, ainda não está claro por que determina a ativação,
que existe essa variação na quantidade de inativação ou intensidade da
tecido adiposo nos indivíduos com lipodis- transcrição de um gene.
trofias parciais familiares, ratificando a hete-
rogeneidade da doença e a complexa biologia
do tecido adiposo.
Portadores da LPF2 também apresentam
diversas alterações metabólicas, entre elas,
resistência à insulina, diabetes, dislipidemia
Dislipidemia - é a elevação
e baixos níveis de adipocinas, incluindo lep- de colesterol e triglicerídeos
tina e adiponectina (Figura 4). A leptina é no plasma ou a diminuição dos
uma proteína produzida principalmente no níveis de HDL que contribuem
tecido adiposo, composta por 167 aminoá- para a aterosclerose
cidos. Sua liberação ocorre durante a noite
e às primeiras horas da manhã. Esse hor-
mônio produzido pelo tecido adiposo tem
Sociedade Brasileira de Genética 249
 UM GENE
como principal função o controle da ingestão
alimentar, atuando em células neuronais do
hipotálamo no sistema nervoso central, o que
resulta na redução da ingestão alimentar e no
aumento do gasto energético. A leptina tam-
bém participa da regulação do metabolismo
da glicose e de gorduras. O principal trata-
mento para pacientes com lipodistrofia gene-
Por fim, é importante salientar que mais de
450 variantes patogênicas já foram descritas
no gene LMNA, as quais têm sido relacio-
nadas ao desenvolvimento de, pelo menos,
15 tipos diferentes de doenças, conhecidas
como laminopatias. Além da LPF2, estão
incluídas, como variantes patogênicas, as
desordens musculares cardíacas e esquelé-
ticas, cardiomiopatias, neuropatias como
Charcot-Marie-Tooth, distrofia muscular
de Emery-Dreifuss, e a síndrome progeroide
de Hutchinson-Gilford. É possível relacio-
ná-los porque tais variantes patogênicas no
gene LMNA podem interferir na estrutu-
ra secundária das proteínas laminas A/C,
resultando no comprometimento das suas
funções celulares, além de afetar a sua intera-
ção com outras proteínas e impedir que pro-
cessos como replicação e reparo do DNA,
Genética na Escola | Vol. 17 | Nº 2 | 2022
Genética na Escola – ISSN: 1980-3540
ralizada congênita tem sido a administração
com o análogo da leptina, a metreleptina, a
qual passou a ser utilizada no Brasil a partir
de 2016. Estudos mostraram que esse trata-
mento também promove efeitos metabólicos
positivos em pacientes portadores da LPF2,
porém, este medicamento ainda não tem sido
utilizado em pacientes com LPF2 no Brasil.
Figura 4.
Representação das principais
alterações clínicas em
portadores da síndrome
de Dunnigan ou LPF2. As
áreas sinalizadas com perda
ou aumento de tecido
adiposo referem-se ao tipo
subcutâneo. Fonte: Autoria
própria utilizando arcabouços
fornecidos pelo SMART (SMART
- servier medical ART).
transcrição e organização da cromatina ocor-
ram corretamente.
Para saber mais
DE MELO CAMPOS, J. T. A. et al. Endoplasmic re-
ticulum stress and muscle dysfunction in congen-
ital lipodystrophies. Biochimica et Biophysica Acta
(BBA) - Molecular Basis of Disease, p. 166120,
2021.
HEGELE, R. A. et al. Heterogeneity of nuclear lamin
A mutations in dunnigan-type familial partial li-
podystrophy. Journal of Clinical Endocrinology and
Metabolism, v. 85, n. 9, p. 3431–3435, 2000.
ZAMMOURI, J. et al. Molecular and Cellular Bases
of Lipodystrophy Syndromes. Frontiers in Endo-
crinology, v. 0, p. 1830, 2022.
SMART - Servier Medical ART. Disponível em:
<https://smart.servier.com/>. Acesso em: 22
mai. 2020.
Sociedade Brasileira de Genética 250