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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

AN532 Anais do evento “Territórios, cidades e migrações: diálogos


interdisciplinares”. Anais...Florianópolis(SC) UDESC, 2019

Disponível em <www.even3.com.br/anais/territorioscidadesemigracoes>

ISBN: 978-65-86090-01-7

1. Planejamento urbano e paisagismo 2. Geociências; ciências da terra 3.


Geografia e história

UDESC CDD - 370

Ficha catalográfica elaborada por Even3 – Sistema de Gestão de Eventos


O “PLANO DE VIDA” DAS COMUNIDADES INDÍGENAS DA AMAZÔNIA
COLOMBIANA. UMA FERRAMENTA DE PLANEJAMENTO TERRITORIAL
PARTICIPATIVO QUE VAI ALÉM DA DEMARCAÇÃO GEOGRÁFICA NO
DISTRITO DE TARAPACÁ

Juan Carlos Aguirre-Neira (UFSC)


Ivón Natalia Cuervo-Fernández (UFSC)
Milena Suárez-Mojica (UFSC)

RESUMO
Perante os problemas socioambientais que ameaçam a vida e a permanência dos
povos indígenas na região Amazônica, salienta-se a existência do “Plano de Vida”
na Amazônia colombiana, como um documento com validade administrativa que
facilita a comunicação entre os povos indígenas e as instituições do Estado. Neste
trabalho, são analisados os casos dos resguardos indígenas UITIBOC, e Cotuhé-
Putumayo no distrito departamental de Tarapacá (Amazonas, Colômbia). a pesquisa
foi feita por meio de documentação bibliográfica e trabalho de campo realizado no
primeiro semestre de 2018. Entre os resultados, destaca-se que o desenho e
implementação do Plano de Vida contribui com o registro histórico dos
conhecimentos tradicionais em relação com o território, assim como o
desenvolvimento de processos organizativos e a valorização dos recursos
ambientais acorde com sua disponibilidade e uso.

INTRODUÇÃO
A floresta amazônica é um cenário de múltiplos conflitos em questões
territoriais e socioambientais, muitos deles sem resolver e a maioria em detrimento
dos povos indígenas.
Na Colômbia, os “resguardos indígenas” funcionam de forma semelhante à
“Terra Indígena” no Brasil. Dentro desse esquema, o documento “Plano de Vida”
(Plan de Vida em língua castelhana) é a ferramenta prática para que os povos
indígenas exerçam sua autonomia e velem pelos seus direitos territoriais perante as
instituições administrativas do Estado. Neste trabalho, analisamos como essas
projeções próprias das comunidades são levadas na prática pelos resguardos
indígenas UITIBOC, e Cotuhé-Putumayo, localizados na Amazônia.
OBJETIVO
Analisar a formulação e implementação do Plano de Vida dos resguardos
indígenas UITIBOC, e Cotuhé-Putumayo no que respeita ao ordenamento territorial
no distrito departamental de Tarapacá, na Amazônia colombiana.

MÉTODOS

Área de estudo
O distrito departamental de Tarapacá está localizado ao norte da cidade de
Letícia, capital do departamento colombiano de Amazonas (coordenadas da área
urbana: 2°53'31.61"S, 69°44'30.48"O, altitude 54m). Possui, aproximadamente,
3.950 habitantes, distribuídos na área urbana (53%) e em pequenos vilarejos
chamados de cabildos (47%), todos eles dispersos nas margens dos rios mais
próximos (DANE, 2005).
Todo o território de Tarapacá ocupa uma área aproximada de 14.000 km2 e
limita ao norte com o distrito de La Pedrera, ao Sul com o Município de Letícia, ao
Oeste com o distrito de Puerto Arica e com o Peru, e ao Leste com o Brasil. No
distrito departamental convergem diferentes figuras de ordenamento territorial de
acordo com as políticas do estado colombiano: Distrito departamental (área não
municipalizada), resguardos indígenas (equivalente a Terras indígenas), Reservas
florestais (áreas para uso florestal) e Parques Nacionais Naturais (Unidades de
Conservação).

Metodologia
Foi feito um estudo de caso, de caráter qualitativo das organizações
indígenas ASOAINTAM (Asociación de Autoridades Tradicionales de Tarapacá
Amazonas) que administra o resguardo indígena UITIBOC, que corresponde às
etnias Uitoto, Inga, Ticuna, Bora e Cocama (ASOAINTAM; FRANCO ANGULO,
2007) e CIMTAR (Cabildo Indígena Mayor de Tarapacá) que administra o resguardo
Cotuhé-Putumayo.
Em um primeiro momento foi feita uma pesquisa bibliográfica de fontes
primárias e secundárias, com o intuito de compreender o contexto histórico, cultural
e socioeconômico da região. Posteriormente, foi realizado o trabalho de campo em
Tarapacá, no período compreendido entre janeiro e maio de 2018. Para a recoleção
de dados foram utilizadas técnicas como a observação participante, diário de campo
e entrevistas com informantes chave (BOEF, DE; THIJSSEN, 2007) dos resguardos
indígenas e das instituições públicas presentes nesse território.

RESULTADOS

Formação socioespacial do distrito de Tarapacá


Segundo Rincón (2005), a história recente do povoamento da área urbana de
Tarapacá está ligada com três acontecimentos: 1) No início do século XX, indígenas
uitoto chegaram a esse território, fugindo da escravidão da exploração da borracha;
2) Tarapacá virou ponto importante de aprovisionamento de matérias primas e
principal porto da região para a saída dos produtos pelo rio Içá-Putumayo, atraindo
assim mais pessoas, não somente indígenas, mas também mestiços colombianos,
peruanos e brasileiros; e 3) O conflito com o Peru entre 1.932 e 1.934 produz que
Tarapacá virasse ponto estratégico do exército colombiano. Como resultado desses
processos históricos, Tarapacá é hoje um cenário multicultural, onde interagem
comerciantes colombianos, peruanos e brasileiros, assim como a população mestiça
e indígena que habita a área urbana, bem como ao longo dos rios em pequenos
vilarejos denominados comunidades e que politicamente são definidos como
Cabildos.
Atualmente, o Distrito de Tarapacá está ligado às economias de extração
indiscriminada dos recursos biológicos e o avanço da cultura ocidental ou dos
‘brancos’ em um território com uma baixa presença dos organismos de estado e
ausência dos benefícios das políticas públicas para as comunidades rurais. Apesar
disso, as famílias mantêm muitas tradições próprias do manejo do ambiente para a
manutenção do sustento das famílias.
O sistema agrícola principal é conhecido como “chagra” e consiste em
espaços destinados para a horticultura de roça, derrubada e queima, constituindo
sistemas altamente diversos (policultivos) e complexos, pois implicam manejo do
tempo e o espaço a partir da identidade cultural (CABRERA T, 2004; TRIANA-
MORENO; RODRÍGUEZ; GARCÍA, 2006).
Em Tarapacá, nas chagras são plantadas geralmente sementes e mudas de
espécies como banana, mandioca, tabaco, coca, inhame, milho, arroz, cana,
pimenta, limão, abacate, tangerina, manga, amendoim, tomate, araçá, entre outras
(ASOAINTAM; FRANCO-ANGULO, 2007)⁠. Nos quintais das casas, os habitantes
também costumam plantar espécies para o seu consumo, principalmente frutas e
legumes (DE LA CRUZ NASSAR et al., 2016)⁠, assim como também criam espaços
para plantar espécies condimentares e medicinais, junto com a cria de animais
pequenos como galinhas, patos e perus.

Aspectos gerais referentes à implementação dos Planos de Vida


A Constituição Política da República de Colombia (1991) deu continuidade à
organização política y administrativa centralista. É na capital nacional (Bogotá) onde
se concentram as sedes principais dos Ministérios Públicos. A distribuição dos
recursos públicos se realiza por meio das Governações departamentais que, por sua
vez, decidem sobre os orçamentos municipais contemplados nos Planos
Departamentais de Desenvolvimento.
Pese à sua importância para o departamento de Amazonas, Tarapacá não
conseguiu o status de município, ficando relegado dos investimentos em serviços
domésticos e infraestructura. Essa situação precariza a vida e permanência das
comunidades que coabitam nesse distrito. Dado que a Carta Magna contempla o
direito de autonomia dos povos indígenas, o Plano de Vida constitui a ferramenta
administrativa que eles têm para legitimar seus direitos sobre as terras coletivas e
para ter acesso aos orçamentos departamentais. Consequentemente, a realização
do Plano requer que se faça um levantamento topográfico do território e uma
demarcação de terras.
Para o desenho de um Plano de Vida, os povos indígenas dialogam sobre
estas e outras questões: Qual é a nossa história?, Qual é a nossa cosmogonia?, O
que nós queremos como comunidade?, Como podemos conseguir aquilo que
propomos?. Deste modo, esses documentos servem como relatos escritos da
história das comunidades nesse território e constitui um fundamento para a tomada
de decisões sobre os usos do território.
A coerência do Plano de Vida com a realidade local é a principal vantagem
salientada por um grupo de voceros indígenas citados em outra pesquisa: “El Plan
de Vida nos ayuda a ponernos de acuerdo en lo que queremos como comunidades,
haciéndolo conocer a las entidades, para que los dineros de la nación que nos
corresponden nos lleguen a tiempo y completos. Esto es importante porque siempre
han decidido por nosotros personas que no son indígenas” (MONJE-CARVAJAL,
2015, p. 15).

Planos de Vida como dinamizadores na construção de território


Para os dois resguardos, a formulação e efetivação dos Planos de Vida, tem
dinamizado outros processos ligados a pensar o território e a efetivar su uso. Para o
primeiro aspecto, foram definidos regulamentos de uso dos recursos naturais,
calendários ecológico e zonificação ambiental dos resguardos. No caso do segundo,
foram desenvolvidas iniciativas produtivas para fins comerciais e atividades para o
fortalecimento de sistemas produtivos tradicionais (chagras), visando a soberanía
alimentaria e a consolidação de espaços de participação efetiva das mulheres. A
construção deste tipo de ferramentas de organização também permite que abordem
a questão multiétnica, avançando no reconhecimento e valoração de cada uma
como parte fundamental do resguardo.
Por outro lado, a vinculação das escolas rurais na discussão sobre o Plano de
Vida tem sido importante para a construção coletiva do território, dado que, mediante
uma disciplina denominada “ordenando o nosso território”, novas gerações têm se
vinculado ativamente ao processo.

CONCLUSÕES
A formulação participativa dos Planos de vida nos resguardos indígenas
UITIBOC e Cotuhé-Putumayo, tem se convertido em uma ferramenta que propicia
espaços para se repensar como indígenas, para discutir sobre o significado de
território, entre eles mesmos e com as entidades regionais e nacionais, assim como
dinamizador de processos de autogestão do território.

REFERÊNCIAS
ASOAINTAM; FRANCO ANGULO, M. Plan de vida de los Cabildos Uitoto,
Tikuna, Bora, Cocama e Inga de la Asociación de Autoridades Tradicionales de
Tarapaca Amazonas ASOAINTAM. Tarapacá, Amazonas: CODEBA, 2007.
BOEF, W. S. DE; THIJSSEN, M. H. Ferramentas participativas no trabalho com
cultivos, variedades e sementes. Wageningen: Wageningen International, 2007.
CABRERA T, M. E. El agrosistema “chagra” entre los indígenas de la Amazonía.
Revista Luna Azul, v. 18, n. 10, p. 10-18, 2004.
DANE – Departamento Administrativo Nacional de Estadística. Censo General
2005. Colombia: Departamento Administrativo Nacional de Estadística-DANE, 2005.
MONJE-CARVAJAL, J.J. El Plan de Vida de los pueblos indígenas de Colombia, una
construcción de etnoecodesarrollo. Revista Luna Azul. n. 41, p. 29-56, jul.-dez.
2015.
REPÚBLICA DE COLOMBIA, Constitución Política. Constitución política de
Colombia. Bogotá, Colombia: Leyer, 1991.
RINCÓN, H. Tarapacá: Un asentamiento producto de la presencia peruana en la
Amazonía Colombiana. Maguaré. Revista del Departamento de Antropología.
Facultad de Ciencias Humanas. Universidad Nacional de Colombia, v. 19, p. 132-
145, 2005.
TRIANA-MORENO, L. A.; RODRÍGUEZ, N. C.; GARCÍA, J. Dinámica del sistema
agroforestal de chagras como eje de la producción indígena en el Trapecio
Amazónico (Colombia). Agronomía Colombiana, v. 24, n. 1, p. 158-169, 2006.

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