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ARTIGO

Escola e Diversidade

ACESSIBILIDADE EM AMBIENTES EDUCACIONAIS: PARA ALÉM DAS


GUIDELINES

Maria Cecília Calani Baranauskas


Maria Teresa Eglér Mantoan

RESUMO
O acesso à tecnologia não pode ser confundido com o acesso ao conhecimento mediado pela
tecnologia. Este trabalho amplia o conceito de acessibilidade, ao propor que se rompam barreiras
entre pessoas e computadores de modo que o sujeito passe a ser parte integrante do ambiente de
construção do conhecimento. Portanto, argumentamos que é preciso avançar no entendimento da
acessibilidade, possibilitando a imersão do sujeito no ambiente educacional mediado pela tecnologia.

PALAVRAS-CHAVE
Interação humano-computador; Processos de ensino/aprendizagem; Acessibilidade; Design
participativo

ABSTRACT
The access to the technology cannot be confused with the access to the knowledge mediated
by the technology. This work enlarges the accessibility concept, when proposing to break up
barriers between people and computers so that the subject become integral part of the
environment of knowledge construction. Therefore,we argued that it is necessary to move
forward in the understanding of the accessibility, making possible the subject's immersion in
the educational environment mediated by the technology.

KEYWORDS
Human-computer interaction; Teaching/learning processes; Accessibility; Participative design

Rev. Online da Bibl. Prof. Joel Martins, SP,v.2, n.2, p.13-22, fev. 2001 13
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INTRODUÇÃO funcionamento de nossos sistemas perceptual,
cognitivo e motor. Fazemos uso principalmente
O surgimento de novas tecnologias trás da visão – para leitura da tela, e do sistema
consigo alto poder de inclusão ou motor – para uso do teclado e do mouse.
exclusão das pessoas no seu ambiente. Pessoas com deficiências nesses sistemas têm o
Nos últimos cinco anos, alguns acesso à informação tremendamente
fabricantes de software têm mostrado dificultado. Algumas pessoas podem não ser
preocupação em aumentar a capazes de ver, ouvir, mover-se ou processar
acessibilidade a seus produtos, certos tipos de informação; podem não ser
especialmente depois da popularização da capazes de operar o teclado ou o mouse. Graças
Internet. a alguns esforços isolados têm surgido artefatos
de software e hardware especiais para
Acessibilidade é definida como facilidade necessidades específicas dessas pessoas.
na aproximação, no trato ou na obtenção Podemos citar, por exemplo, alguns artefatos
(Ferreira, 1986). Acessibilidade no criados para pessoas com deficiências visuais
contexto de software tem sido traduzida (cegos ou com de visão sub-normal): o
em diversas formas de tratar necessidades DOSVOX1 é um sistema de software
especiais do usuário. Dispositivos comercial constituído de um conjunto de 60
especiais têm sido incorporados ao programas que “falam” ao usuário durante o
hardware ou software facilitando o acesso uso de determinadas aplicações como telnet,
de todos e têm sido criadas aplicações ftp, navegadores, editores de texto, etc.
especiais para alguns tipos de deficiências Enquanto a comunicação do usuário com o
do usuário. computador continua sendo feita via teclado, a
saída de informação do computador para o
A definição de padrões para o design de usuário é falada em língua portuguesa. O
páginas Web, por exemplo, representa ViaVoice2 é um outro exemplo desse tipo de
esforços para tornar a sociedade da sistema, com entrada por voz ou teclado e saída
informação e do conhecimento acessível através de textos falados.
também aos cidadãos com necessidades Sistemas para pessoas com deficiências visuais
especiais. Enquanto a especificação de envolvendo hardware, software e outros tipos
guidelines para o design de páginas web- de equipamento podem ser classificados em 3
acessíveis considera os requisitos básicos tipos: sistemas amplificadores de telas, sistemas
da visão, audição, motricidade, neste de saída de voz (como nos exemplos citados), e
trabalho queremos ir além das habilidades sistemas de saída em Braille – impressoras e
primárias de acesso para investigar e terminais de acesso. Outras tecnologias
discutir o significado do acesso ao despontam, envolvendo reconhecimento de voz,
conhecimento de forma mais ampla. scanners e amplificadores de imagem. A falta
de padronização entre fabricantes, herança da
O ACESSO À TECNOLOGIA tecnologia vigente, entretanto, é um problema a
COMPUTACIONAL : A INTERFACE enfrentar especialmente nesses artefatos para
COMO INTERMEDIÁRIA necessidades especiais.
Aspectos de acessibilidade em páginas Web
Entendendo a interface de software como consideram a variedade de contextos de
uma superfície de contato entre o lado do interação que podem estar relacionados a
humano e o lado do sistema diversos tipos de situações dos usuários com ou
computacional, as interfaces com
sistemas computacionais que temos hoje
são essencialmente dependentes do bom 1
UFRJ (http://nce.ufrj.br/aau/dosvox)
2
IBM (http://www.ibm.com/speech/demo)
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sem deficiência. Entre esses cidadãos encontrados na página analisada. É um serviço
encontra-se também a população de gratuito cuja missão é expandir oportunidades
idosos. Com o avanço da idade o para pessoas com necessidades especiais
cristalino do olho torna-se amarelado e através de usos inovadores da tecnologia de
opaco; como conseqüência menos luz computadores. Em vários países como EUA,
entra nos foto-receptores e a sensibilidade Austrália, Portugal, país de origem do teste,
ao contraste diminui. Guidelines simples todos os sites de órgãos públicos devem
podem contemplar as dificuldades dessa satisfazer os parâmetros de acessibilidade. Um
categoria de usuários, como por exemplo: símbolo especial é usado no site, para indicar a
aprovação dele para testes de acessibilidade.
• fazer o texto maior ou ajustável e usar
cores de muito contraste; Embora reconheçamos a importância de prover
o usuário especial com canais alternativos para
• evitar uso de fontes de linhas finas ou
acesso à informação, nossa preocupação
com muito detalhe.
envolve igualmente o acesso ao conhecimento –
Adaptações na apresentação dessas não apenas à informação; uma nova concepção
páginas quase não oneram o custo final e de interface e de processo de design são
alcançam um maior número de pessoas, necessários para captar esse entendimento.
melhorando também o desempenho de
usuários não deficientes (Rocha e O ACESSO AO CONHECIMENTO : A
Baranauskas, 2000). Já existem normas INTERFACE COMO MEDIADORA
disponíveis na Internet com
recomendações de acessibilidade que Nosso entendimento de acesso ao
atendem tanto aos usuários de conhecimento, vai além da conceituação de
computadores padrão como usuários que interface como intermediário que provê outros
estejam interagindo a partir de um canais para transmissão de informação entre
sintetizador de voz, de um mostrador sistema computacional e usuário. Para
Braille ou sem monitor de vídeo. entendimento do acesso ao conhecimento
Algumas alterações simples como pensamos a interface como um espaço de
fornecer equivalentes textuais para comunicação, a interface deve ser entendida
recursos multimídia, colocando legendas como um sistema semiótico onde signos são
nas imagens, por exemplo; ou assegurar usados para comunicação. O design de tais
que o esquema de cores utilizado não sistemas semióticos passa, portanto, pela
cause dificuldades à visualização, construção interativa de sistemas de signos
aumentando o contraste podem facilitar o criados de forma participativa pela comunidade
acesso de todos, independentemente dos de usuários, durante o processo de design.
que podem mais ou menos em função do
estado de seus sistemas perceptual, O DESIGN PARTICIPATIVO E A
cognitivo ou motor. ACESSIBILIDADE
Diretrizes para a confecção de páginas
web-acessíveis têm sido divulgadas pelo Embora guidelines de design para
W3C The World Wide Web Consortium. acessibilidade, como apresentado na seção
A avaliação de acessibilidade de páginas anterior, sejam necessárias no processo de
Web pode ser feita através da ferramenta criação de artefatos de software, elas não são
Bobby3,que fornece um relatório suficientes para esse fim. Decisões de design
indicando problemas de acessibilidade ou anteriores à aplicação das guidelines têm um
de incompatibilidade de navegadores, reflexo na categoria de acessibilidade que se
quer prover ao usuário. Argumentamos que as
3
http://cast.org/bobby/ práticas do Design Participativo podem
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promover a qualidade de acesso que não somente como sujeito de observação e
buscamos quando criamos ambientes de experimentos, mas como membro da equipe de
aprendizado baseados no computador. design. Três características específicas
resumem o DP: ele é orientado ao contexto,
Conforme o título indica, o Design envolve colaboração em vários níveis e
Participativo (DP) caracteriza-se pela apresenta uma abordagem iterativa ao design.
participação ativa dos usuários finais do Nas seções a seguir apresentamos nossa
software ao longo de todo o seu ciclo de perspectiva de acesso ao conhecimento e a
design e desenvolvimento. Mais do que ilustramos através da abordagem que vimos
serem usados como fontes de informação adotando no design de ambientes educacionais
ou serem observados em sua rotina de baseados em processos interativos e
trabalho, ou no uso do produto, os comunicativos.
usuários finais trazem contribuições
efetivas em todas as fases do ciclo de ACESSIBILIDADE E PRECEITOS
design e desenvolvimento, que refletem EDUCACIONAIS
suas perspectivas e necessidades. A
participação do usuário não é restrita aos Ter acesso ao conhecimento é o desafio de todo
estágios de testes de protótipos ou educador sintonizado com os contextos
avaliação, como ocorre nas metodologias modernos de educação. A busca de novas
tradicionais da Engenharia de Software, alternativas de ensino que transformem os
mas acontece ao longo de todo o processo ambientes educacionais em espaços que
de design e desenvolvimento. contribuam para formar pessoas, muito mais do
que instruí-las encontra ainda inúmeras
A idéia do DP foi concebida em sua
barreiras. Os obstáculos são devidos a preceitos
formulação escandinava original, no
educacionais conservadores que entendem o
contexto de um movimento em direção à
acesso ao conhecimento com base na
democracia no local de trabalho: o
transmissão de conteúdos acadêmicos,
desenvolvimento de competências e
aprendidos a partir de ferramentas obsoletas,
poder de o trabalhador exercer influência
como o livro didático, o quadro negro, e
em decisões que afetariam seu trabalho.
dissociados das experiências e práticas sociais e
Eficiência, expertise e qualidade seriam
culturais do aluno. Aprender à moda antiga está
conseqüências dessa abordagem. A
fundamentado no aprendiz como ser passivo do
efetividade do design e desenvolvimento
conhecimento, ou melhor, naquele que
de software é aumentada, pois inclui a
responde, ou mais precisamente, corresponde
expertise dos próprios usuários. A
ao que lhe é proposto nos diferentes níveis de
qualidade no design e no sistema
ensino. Daí o uso constante da expressão
resultante é aumentada através de um
“acompanhar a turma”, que tão bem exprime o
melhor entendimento da tarefa do usuário
que se espera do aluno – seguir com os demais
e melhor combinação do background dos
colegas uma destinação prevista pela escola,
diversos participantes. Finalmente a
pelo professor, pelos educadores em geral.
efetividade epistemológica é sustentada
pela premissa básica de que nenhuma
Nessa perspectiva de aprendizagem, o aluno
pessoa ou disciplina, isoladamente, tem
acumula conhecimentos, mas não consegue
todo o conhecimento necessário para o
utilizar o que aprende em situações reais, do
design do sistema.
dia-a dia e não participa de sua trajetória
escolar, como sujeito ativo e construtor do
O Design Participativo em geral acontece conhecimento. Em uma palavra, não se ensina a
no contexto do usuário, incorporando-o partir da definição de competências, ou seja, de

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comportamentos que levam em desafios educacionais de nossos tempos: o
consideração o que o aluno já sabe, pela acesso de todos ao saber e o saber como porta
própria experiência e o que ele deve saber de entrada para um mundo plural,
para ser capaz de viver como pessoa interconectado, pós-moderno.
crítica, que pensa, decide, traça e faz seu
próprio caminho de vida. A comunicação entre quem ensina e quem
aprende, entre o que se ensina e o sujeito do
O acesso a conhecimentos que possam ser conhecimento não pode descartar o que cada
úteis aos alunos, hoje, amanhã, enfim, uma dessas partes carrega do seu próprio
que possam, de fato, representar meios sistema de origem. Essa diferenciação não pode
pelos quais essas pessoas tenham acesso a ser um entrave à comunicação, mas um motivo
outros bens sociais e materiais, para que esses sistemas encontrem áreas
transformando-se a si mesmas e o seu comuns de trânsito, sem descaracterizações,
entorno não se dá isoladamente, mas é sem que a identidade de cada sistema se anule
fruto de um processo cooperativo, diante do outro, ou seja colocado à margem. A
contínuo, transgressor. Trata-se de um essa rede que se pretende formar para que todos
esforço coletivo de um grupo de possam se entender e ampliar os contatos
articuladores do saber, que compartilham interfaciais dos sistemas, denominamos área de
e complementam suas idéias e ideais e convergência e de integração, que são as
constroem os planos educativos. Assim, grandes metas dos que, hoje, pretendem abrir
ensinar não é mais deter e expor novos caminhos nas relações entre os humanos
conhecimentos, mas estender as fronteiras e os humanos e suas máquinas e descobertas
do saber pela interação entre sistemas de tecnológicas. Estamos em um momento crucial
significação dos alunos, dos professores, na educação em que precisamos seriamente
do contexto escolar. Essa recriação deixar de “maquiar”as soluções para os graves
modifica os objetivos, os planos problemas que nos afligem, na formação das
escolares, e esse processo não é mais do novas gerações e, sem dúvida, um dos mais
que um verdadeiro design educacional, relevantes é o de colocá-las desde já em
uma redescoberta dos sentidos de ensinar, comunicação com a máquina e através das
aprender e produzir conhecimento. máquinas mas em situações e concepções como
as que ora discutimos neste trabalho.
Assim sendo, a convergência entre novas
tecnologias e a educação passam Para ilustrar esse entendimento de acesso ao
necessariamente, ao nosso ver, pela conhecimento mediado pela interface,
revisão do conceito de acessibilidade ao apresentamos a seguir 3 ambientes
conhecimento escolar em todos os seus educacionais desenvolvidos segundo a
níveis e toca em questões que afetam hoje abordagem participativa ao design de sistemas
toda a revisão dos pressupostos computacionais, tendo tais preceitos
educacionais de um ensino de qualidade e educacionais como base.
de uma aprendizagem significativa. Essas
questões têm a ver com o que se propõe
hoje ao se estabelecerem interfaces entre
o homem e a máquina, como um novo
encontro educacional, uma nova
interlocução, que promete muitas
mudanças. Referimo-nos a outras
abordagens e a maneiras diferentes de
intervenção, para encontrar respostas aos

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ÁREAS DE CONVERGÊNCIA E PAPO-MANIA: ACESSO À


INTEGRAÇÃO COMUNICAÇÃO

A tecnologia criada com os avanços na O Papo-Mania (Barcellos e Baranauskas, 1999;


área da informática e das Mantoan et al, 1999 a e b) é um ambiente de
telecomunicações amplia o conceito de chat desenvolvido a partir da abordagem
troca de informação auxiliada por participativa ao design. Alunos da Fundação
computador e os modos de comunicação. Síndrome de Down de Campinas participaram
Essas possibilidades de comunicação do uso de um protótipo inicial da ferramenta,
viabilizadas pelas novas tecnologias em contexto escolar. Mudanças foram
podem ser apropriadas também no gradualmente introduzidas na interface, visando
domínio do ensino e da aprendizagem. A uma melhor adaptação ao público das escolas
intenção de apresentarmos os ambientes a de ensino fundamental. Como resultado, a
seguir é mostrar a necessidade de o interface gráfica do chat foi adquirindo suas
processo de design desses ambientes estar características facilitadoras atuais, conforme
afinado aos preceitos educacionais que podemos observar na FIGURA 1.
promovem o acesso ao conhecimento.

FIGURA 1
Instantâneo de tela do Papo-Mania

Como resultado, a interface gráfica do digitação de algumas sentenças que, pelas


chat contém características facilitadoras observações realizadas ocorriam com maior
da comunicação entre os usuários freqüência. Um espaço na parte de baixo da
referidos. Existem alguns modos de interface é destinado a digitação de frases ou
expressão de fala que estão associados a edição das frases semi-prontas, que são
ícones que representam fisionomias (sorri enviadas - através do botão Enviar - para os
para, fica triste com, fica bravo com) ou outros participantes. As mensagens enviadas
expressões da linguagem (fala para – aparecem no quadro superior à esquerda na
balão, pergunta para – interrogação). interface. Quando os alunos estão conversando,
Frases semi-prontas, também associadas a existe a opção de selecionar o nome de um
ícones, ajudam na introdução de temas, outro colega da lista de pessoas na sala. Neste
na composição de respostas e facilitam a caso, os outros alunos não receberão o que foi

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enviado, somente o aluno selecionado. O Outras ferramentas têm sido desenvolvidas a
menu na barra superior possui funções partir dessa perspectiva de acessibilidade,
que não são diretamente acessadas pelos derivados de projetos de mestrados, doutorados
alunos, mas pelo professor ou facilitador, e iniciação científica, tais como o Desenho-
como por exemplo, as opções de conexão. Mania(Barcellos, 2000 ) e o Teatro no
Computador (Oliveira, 2000; Oliveira e
Os elementos de expressão da interface Baranauskas, 2000 ).
foram criados com base nas dificuldades
que eram observadas. Como exemplo O DESENHO-MANIA: CRIAÇÃO
podemos citar: o tamanho da letra fonte COLABORATIVA
teve que ser aumentado devido a
problemas relacionados à visão de alguns Este trabalho envolve o estudo e o design de
alunos e para facilitar a leitura; funções ambientes fundamentados em princípios de
que antes eram apresentadas em botões interação humano-computador, aprendizado
tiveram que ser transferidas para o menu, colaborativo apoiado por computador e
pois os alunos acabavam clicando em abordagens construtivistas em educação, para
tudo. possibilitar a colaboração síncrona à distância
entre estudantes através da Internet. O
Acesso ao conhecimento é entendido Desenho-Mania (Figura 2) é um sistema de
neste ambiente como a possibilidade do software proposto para contemplar e valorizar
software mediar a comunicação entre os aspectos pedagógicos construtivistas,
usuários propiciando aos alunos situações possibilitando o desenvolvimento de trabalho
que ampliam os recursos necessários ao cooperativo à distância, o compartilhamento de
uso da linguagem escrita. A metas, a interação em grupo e a colaboração
convergência entre o design participativo entre crianças. Além da criação conjunta do
e os preceitos educacionais que grupo de crianças, ele possibilita análises
fundamentam o ambiente está na direção significativas do desempenho das crianças em
para a qual tendem os objetivos de atividades cooperativas e colaborativas. O
ambos: acessibilidade em sua perspectiva ambiente criado fundamenta-se em observações
mais ampla, que extrapola os canais de uso do Papo-Mania em contexto escolar.
primários e subentende ajustes de
naturezas tanto tecnológicas quanto
epistemológicas.
FIGURA 2
Instantâneo de tela do Desenho-Mania, na fase 3

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Existem três etapas no processo de código escrito, podem ser usadas pela criança
criação através do ambiente. Na primeira para expressar seu pensamento, além do que a
etapa, ocorre a discussão inicial em grupo criação conjunta possibilita, através de
onde os participantes podem contribuir desenvolvimento da memória visual, seqüência
nas decisões referentes à atividade a ser lógico-temporal, organização do trabalho,
desenvolvida e escolher qual parte da colocar-se na perspectiva do outro para discutir
atividade cada um construirá. Na segunda o resultado do trabalho, etc.
etapa, cada participante, individualmente,
constrói sua parte, desenhando e TEATRO NO COMPUTADOR: TROCA
descrevendo em forma de texto sua DE PAPÉIS
contribuição. Na terceira etapa, as
contribuições de todos são visualizadas e A Semiótica está nos permitindo compreender
os participantes podem, então, trabalhar melhor a relação das pessoas com outras
no processo de construção final do entidades dentro de um espaço virtual e tem
trabalho do grupo. Finalmente, é gerada suportado o desenvolvimento de uma
uma página Web com todas as metodologia de design de interfaces, que
informações do processo interativo, compreende as pessoas não como meros
representando a criação coletiva e a usuários, mas como habitantes dos espaços
“memória do grupo”. virtuais criados pelo designer. Essa
metodologia esta sendo experimentada no
Da mesma forma, neste ambiente a desenvolvimento de um protótipo de software
convergência entre acesso à tecnologia e para criação de peças de teatro, dirigido
ao conhecimento está presente na especialmente a crianças: o TC –Teatro no
ampliação das possibilidades de criação Computador (Oliveira, 2000; Oliveira e
pela colaboração entre pares. Ademais, Baranauskas, 2000), ilustrado na FIGURA 3.
outras linguagens que não apenas o

FIGURA 3
Instantâneo de tela do TC – Teatro no Computador

Cena:
Palco, bastidores, os atores e o (i)
script vazio. (g)
Usuário imerso na entidade: (f)
diretor: a pessoa responsável
pelos aspectos de interpretação
da peça. A pessoa que (h) (b)
supervisiona a integração de (e) (a) (c)
todos os elementos da peça:
itens de cenário, luzes, música,
a atuação dos atores etc.. (d)

Personagens: (a) Popeye, (b) Brutus, (c) Olívia, (d) Pingüim; (e) Script: texto dos diálogos e das indicações
cênicas da peça de teatro; (f) Palco: local no qual a peça é exibida, (g): Bastidores: espaço lateral ao palco,
encoberto durante as apresentações, que permite que os atores entrem e saiam de cena, (h) Cortina: peça
que resguarda o palco da platéia; (i) Botões: “Selecionar tudo”, permite selecionar todas as linhas do
script; “Ensair seleção”, permite ensaiar o trecho correspondente às linhas selecionadas; “Excluir”,
exclui do script as linhas selecionadas.

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A criança pode habitar de diversas conceito de acesso propõe a imersão do sujeito


maneiras o espaço virtual criado pelo TC. no ambiente e não apenas uma ponte para
Cada uma destas maneiras é função da acesso a ele. Essa concepção é fruto da
relação semiótica que a criança contrai convergência do design participativo e
com as demais entidades que habitam a preceitos educacionais que caminham na
interface. Do ponto de vista educacional, direção do acesso ao conhecimento de forma
cada uma das maneiras da criança habitar ativa, ampla e cooperativa.
o TC cria diferentes oportunidades de
aprendizagem. Habitando o TC como um REFERÊNCIAS
autor, a criança pode libertar a sua
imaginação, exercitar o poder de inventar, BARCELLOS, G.C. Estudo e
tirar do nada e desenvolver peças que desenvolvimento de ambientes de
expressam a sua visão do mundo. aprendizado colaborativo a distância para o
Habitando o TC como um diretor, a contexto da educação inclusiva. 2000. 123f.
criança aprende a usar os recursos Dissertação (Mestrado) - Instituto de
disponíveis para expressar uma idéia ou Computação, Universidade Estadual de
um sentimento, improvisando sons, Campinas, Campinas.
ritmos, cenários etc. a partir dos recursos
existentes. Habitando como um ator, a BARCELLOS,G. C., BARANAUSKAS,
criança pode desenvolver os seus M. C. C. Uma ferramenta de comunicação
sentidos, para melhor percepção de si síncrona para o usuário especial. In:
mesma, do outro e do mundo. Habitando QUEVEDO, A.A.F. ; OLIVEIRA, J.R. ;
como um espectador, que pode se MANTOAN, M.T.E. (Org.). Mobilidade e
posicionar em algum dos diversos locais comunicação alternativas aumentativas.
dentro do teatro virtual, a criança aprende Campinas : [s.n.], 1999. p.153-158, v.1.
a ver e interpretar o mundo sob diferentes
perspectivas. FERREIRA, AB.H. Novo dicionário da língua
portuguesa. Rio de Janeiro : Nova Fronteira,
CONCLUSÃO 1986.

Ao propormos uma compreensão da MANTOAN, M. T. E. et al. Caleidoscópio :


acessibilidade para além das guidelines, um espaço virtual de comunicação/educação
estamos mostrando que a comunicação, a alternativas. In: QUEVEDO, A.A.F. ;
criação colaborativa e a imersão no OLIVEIRA, J.R. ; MANTOAN, M.T.E. (Org.).
ambiente são mediadoras do processo de Mobilidade e comunicação alternativas
construção e expansão do conhecimento. aumentativas. Campinas : [s.n.], 1999. p.177-
Cada um desses níveis acrescenta mais 188, v.1.
proximidade do sujeito com o objeto de
conhecimento, a tal ponto que no terceiro MANTOAN, M. T. E. O processo
nível, o usuário se confunde com a comunicativo em ambientes virtuais de
própria interface. aprendizagem : uma proposta um estudo
exploratório. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE
Importante atentar para esses níveis INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO, 10., 1999.
quando se pretende criar tecnologias não Anais... [S.l.] : [s.n.], 1999. p.271-278., v.1.
apenas web-acessíveis, mas de acesso ao
conhecimento. Em outras palavras, nosso

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OLIVEIRA, O.L. ; BARANAUSKAS,
M.C.C. The theatre through the computer.
Computers & Education, v.34, n.3/4,
p.321-325, 2000.

OLIVEIRA, O L. Design da interação em


ambientes virtuais : uma abordagem
semiótica. 2000. 190f. Tese (Doutorado)
- Instituto de Computação, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas.

ROCHA, H.V. , BARANAUSKAS,


M.C.C. Design e avaliação de interfaces
humano-computador. São Paulo : USP-
IME-Escola de Computação, 2000. 242p.

MARIA CECÍLIA C. BARANAUSKAS


Profa. Dra. do Instituto de Computação/UNICAMP
cecilia@dcc.unicamp.br

MARIA TERESA EGLÉR MANTOAN


Profa. Dra. da Faculdade de Educação/UNICAMP
Coordenadora do Grupo de Pesquisa LEPED da
Faculdade de Educação/UNICAMP
tmantoan@unicamp.br

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