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"Quando o mundo estiver unido na busca do

conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e


poder, então nossa sociedade poderá enfim

evoluir a um novo nível."


MEMÓRIA
Pela primeira vez, nesta surpreendente aventura de
Brigitte “Baby” Montfort, vemos a espiã internacional, que é
grande apaixonada pelos climas tropicais, desenvolver suas
atividades no cenário hostil do frígido Alasca. Sem qualquer
prejuízo, claro está, de sua eficiência característica, pois já
identificou no falso canadense Edgar Janot o verdadeiro
chefe da estranha organização denominada “Comandantes
de Aluguel” e, entre peripécias simplesmente empolgantes
e praticamente sozinha, como sempre, deu inicio ao seu
plano audacioso de atacar e destruir, junto com seu
numeroso bando, tão formidável profissional do crime.
Escapando dos sequazes de Janot, à saída de Anchorage,
Brigitte tem que esquivar uma patrulha rodoviária, cuja
intromissão em seu trabalho secreto não pode permitir, e,
ao lançar-se em velocidade espantosa pela estrada de
Seward, seu carro precipita-se num abismo, incendiando-se
espetacularmente.
O patrulheiro que viu o desastre fez, à maneira de um
epitáfio, o comentário:
— Podia ser moça e bonita... Tanto faz. É coisa que não
se nota num montão de cinzas.
UM
“Johnny” oportuno.
Rosto não é grande coisa.
Um gato tem sete vidas... E uma gatinha?
Na tela do televisor desenrolava-se a violentíssima cena
final de um faroeste. Naturalmente, teriam que ganhar os
bons e perder os maus, de modo que “Johnny”, sabendo já
como terminaria a história e sentindo escasso interesse
pelas cenas violentas, baixou a cabeça e continuou a
examinar o conteúdo da pasta.
Um conteúdo bem interessante, sobretudo levando-se
em conta que quem estava examinando aqueles dados e
fotografias era um homem de pouco relevo em Anchorage.
Um homem modesto, que morava num apartamento de
uma velha casa de dois andares, perto da bala, e que jamais
tinha chamado atenção por qualquer motivo.
O conteúdo da pasta consistia em fotos, páginas
datilografadas que tinham sido transmitidas por telefoto e
impressões dactilares transmitidas pelo mesmo sistema.
Havia terminado o faroeste e na tela via-se agora o rosto
de um homem, comentando as noticias. “Johnny” olhou-o,
mas na realidade sem vê-lo. Seus pensamentos eram por
completo diferentes de tudo quanto pudesse dizer o tal
comentarista. Junto aos documentos e telefotos, tinha
estendido um grande mapa do Alasca e, com uma
esferográfica, percorria pormenorizadamente os arredores
do lugar onde estava situado “Fox-den Blue”. As montanhas
mais próximas distavam pelo menos duas milhas dali. Uma
distância absolutamente não excessiva para ser percorrida
a pé. E, considerando a última asseveração da agente
“Baby” de que o canadense chamado Edgar Janot era o
homem, que estavam procurando, a possibilidade de que
perto do viveiro de raposas ficasse o lugar denominado
“Fox-den Blue Cavern” não era de modo algum remota.
Claro que em qualquer daquelas montanhas poderiam
existir cavernas. Cavernas desconhecidas, sem dúvida, mas
nem por isso menos prováveis.
— ... incendiando-se então o carro perseguido.
Transpôs a mureta, em chamas, e precipitou-se no fundo
do barranco, a uma profundidade de quase duzentos
metros. O
patrulheiro que presenciou o desastre afirma que ao
volante do carro ia, uma mulher. Mas isso não é tudo:
examinada mais detidamente a zona onde se encontrou o
primeiro carro incendiado, foram encontrados outros dois
cadáveres. E estes não resultavam de um acidente
automobilístico, mas apresentavam ferimentos produzidos
por balas. Um deles... trágico acidente complicado com...
cadáver com ferimento de bala nas costas... ocorrido a
cerca de duas milhas de Anchorage...
“Johnny” prestava às palavras do homem da TV uma
vaga atenção. Não podia concentrar-se. Escapava-lhe o
sentido exato daquelas frases.
— ... tal é o sangrento balanço de uma estranha
ocorrência, que a polícia começa a investigar
imediatamente. Manteremos nossos ouvintes informados
dos detalhes que forem chegando a esta emissora...
“Johnny” desligou o televisor. Estava um pouco pálido.
Para qualquer pessoa comum, aquele acontecimento
poderia ter muito de intrigante. Para ele era simplesmente
Inquietador.
Tomou uma resolução súbita. Recorreu ao seu rádio de
bolso e fez o chamado. Ouviu que o outro rádio recebia o
sinal, mas não houve resposta.
— “Baby”... — murmurou. — Está me ouvindo, “Baby”?
Insistiu ainda, durante dois minutos, mas o resultado foi
o mesmo: como resposta, apenas O sinal de chamado
recebido pelo outro aparelho.
Recolheu rapidamente todos os papéis, fotografias,
mapas... Meteu tudo na pasta, escondeu esta, colocou um
revólver sob a axila esquerda e saiu a toda pressa do
apartamento. Escassos vinte minutos depois, estava ao
volante de um “Land Rover”, imprimindo-lhe toda a
velocidade permitida no centro de Anchorage.
*
— Que aconteceu?
Havia deixado o “Land Rover” a um lado da estrada,
acercando-se a pé de um dos muitos donos dos carros
estacionados junto aos restos carbonizados do outro.
— Não sei muito bem — explicou o curioso. Mais acima
parece que também caiu um veiculo num barranco,
incendiando-se. Estão recolhendo mais cadáveres do que
caberiam em um único carro... Algo de muito esquisito
aconteceu.
A estrada estava repleta de veículos, cio luzes. Havia já
nada menos que três carros-patrulha e viam-se quatro ou
cinco patrulheiros circulando entre eles, solicitando a seus
donos que desimpedissem o caminho. Informavam que já
não havia perigo em ponto algum da rodovia.
Um patrulheiro detivera-se junto ao “Land Rover” e
estava fazendo soar insistentemente sua buzina.
— É seu?.
— É!.
— Siga seu caminho, por favor.
— Pois não. Onde caiu a mulher?
— Mais adiante. Mas ninguém sabe ao certo se é uma
mulher. Vai para Seward?
— É... Vou, sim, claro.
— Pois então verá o lugar do acidente. Mas, por favor,
não pare na pista.
— Está bem. Seguirei em frente.
Subiu ao “Land Rover” e continuou em direção a Seward.
Com efeito, duas milhas mais além se viam mais carros
estacionados, inclusive dois grandes caminhões-pipa do
serviço florestal. No despenhadeiro brilhavam ainda
algumas chamas, que estavam sendo rapidamente extintas.
Um agente da Patrulha Rodoviária, a pé, aproximou-se.
— Por favor, siga seu caminho.
— Foi aqui que caiu a, mulher?
— Foi. Mas não se detenha...
— Há possibilidade de que se salve?
— O quê? — resmungou surdamente o patrulheiro. —
Precisava ter visto aquele carro sair voando, incendiado, e
cair como um archote barranco abaixo... Até o motor ficará
transformado em cinzas! E não...
— Mac! — chamou alguém. — Venha descongestionar
isto!
O patrulheiro levou a mão à pala do quepe.
— Siga em frente, cavalheiro.
“Johnny” seguiu em frente. Deu a volta, disposto a
retornar a Anchorage. A idéia de comunicar por meio do
rádio que a agente “Baby” morrera queimada fê-lo
estremecer. Bem... Devia comunicar, pois não tinha outro
remédio. Era uma vez a famosa “Baby”, a agente dos mil e
um recursos, a espiã de luza da CIA...
Tinha percorrido apenas duzentos metros, quando em
seu bolso interno soou um zumbido. E outro, outro... Como
sempre: bip-bip-bip-bip...
Admitiu o chamado, algo perplexo.
— Que há?
— “Johnny”, onde está você?
— Por...! É você, “Baby”! — Quase gritou ele.
— Com um osso quebrado, parece, mas sou eu. Preciso
de sua ajuda, “Johnny”.
— Minha ajuda...!
— Mas não é possível que você esteja viva depois de cair
por esse barranco...!
— Não seja emocional, “Johnny”. Pode vir ou não?
— Diga-me onde está. Irei buscar o helicóptero para
descer até ai e...
— Calma, “Johnny”. Eu não cai em barranco nenhum! E
nem pense em helicóptero. Arranje um carro e venha
buscar-me na estrada de Seward, um pouco além da milha
três. Ao aproximar-se, faça com os faróis o sinal da letra B,
em Morse, irei ao seu encontro.
— Ma-mas... Mas estou... estou quase no lugar onde caiu
o carro... Vim para ver se era, possível alguma coisa...
Estou agora de regresso a Anchorage...
— Ótimo. Chegue à milha três, faça a volta para Seward
e dê o sinal de que falei. É tudo.
— Sim, mas...
A agente “Baby” tinha cortado e. comunicação .
“Johnny” dispôs-se a, agir, cingindo-se à realidade dos
fatos. O fantástico do assunto seria explicado pela própria
protagonista, no devido tempo, sem dúvida. Percorreu
pouco mais de meia milha, fez a volta ao ultrapassar a
milha três e retornou, começando a fazer imediatamente o
sinal da letra B, em morse.
E, súbito, uma figura a um lado da estrada, levantando
um braço. Um instante apenas. Tornou a desaparecer entre
os abetos, aproximando-se perigosamente da borda do
barranco, terrivelmente profundo ali.
“Johnny” deteve o carro fora da faixa de asfalto e apeou.
Meteu-se por entre os abetos e não chegara a dar uma
dúzia de passos, quando uma silhueta feminina
inconfundível apareceu diante dele.
— Você sabe ser oportuno, “Johnny” — disse. — Venha
ajudar-me: temos que levar daqui um cadáver.
— Está bem.
Chegaram os dois junto ao cadáver, que estava
escondido entre a vegetação, numa atitude sinistramente
grotesca.
— Quem é? — perguntou “Johnny”.
— Você tem uma lanterna?
— Claro...
“Johnny” sacou a pequena lanterna e projetou sua luz
sobre o rosto do cadáver. Examinou-o detidamente, antes
de assegurar:
— Não o conheço.
— É Ernest Raysdale.
— Impossível. Tenho fotos de Raysdale e digo-lhe que
este homem não é ele.
— Fotos? — repetiu Brigitte. — Não terá também
impressões digitais?
— Lógico que tenho. Recebi todos os dados por telefoto
e...
— Venha cá, “Johnny” — interrompeu ela, sentando-se no
chão após manquejar alguns passos. Abriu a maleta
vermelha e sacou umas pequenas tiras de papel que
pareciam celofane.
— Tire as dez impressões digitais desse cadáver — pediu.
— Mas, para quê? Não estou entendendo...
— Tire as Impressões.
— Está bem.
Ele foi imprimindo nas tiras de celofane as impressões
dos dez dedos do cadáver. Depois, tornou a colar o adesivo
transparente sobre as tiras, guardou-as no bolso e voltou
para junto de “Baby”, que estava tocando cuidadosamente
num tornozelo.
— Você quebrou o pé?
— Parece que desloquei apenas. E meu aspecto não está
muito apresentável. Tirou as impressões?
— As dez. Que fazemos com o cadáver?
— Atire-o pelo barranco. Se tornarmos a precisar dele, ai
estará à nossa espera.
— Está bem.
Era na verdade uma decisão drástica, quase desumana,
mas “Johnny” havia tomado decisões mais cruéis em sua
carreira. Segurou o cadáver por um pé, levou-o até a borda
do barranco e empurrou-o. Depois, voltou para junto de
Brigitte.
— E agora?
— Ajude-me a chegar ao carro. Dispõe de algum lugar
onde possamos estar seguros?
— Disponho — sorriu “Johnny”. — Só que seu bom nome
sofrerá um rude golpe: é meu apartamento.
— Boa piada. Por favor, ajude-me. Minha maleta...
— Não se preocupe. Tudo se fará com calma.
*
Soou um estalido seco, quando “Johnny” colocou o osso no
lugar com um golpe preciso, hábil. Depois o pó foi
fortemente vendado, enquanto Brigitte melhorava de sua
palidez sorvendo lentamente alguns goles de uísque.
— Acho que poderá caminhar, embora não tio
graciosamente como costuma. Que se passou?
— Tive que atirar por uma porta o cadáver de Raysdale e
depois seguir o mesmo caminho. Parece que consegui
enganar o patrulheiro.
— E como, querida! Todo o mundo está convencido de
que no espetacular acidente pereceu a mulher que ia ao
volante. Estão intervindo a Polícia, o Serviço Florestal, os
Bombeiros, a Patrulha Rodoviária...
— Bom... — sorriu Brigitte. — Cada qual que faça, seu
trabalho, não lhe parece?
— Sim, claro... Mas você está dizendo que se atirou do
carro em marcha, com maleta e tudo, depois de ter atirado
o pobre do Raysdale...?
— Exato. Mas Raysdale já estava morto... Pode ser um
pouco de gelo?
— Está com dor de cabeça?
— É para o uísque.
“Johnny” olhou-a um instante, incredulamente. Por fim,
sorriu, movendo a cabeça num gesto de assentimento.
— Bom... É fácil compreender agora por que a agente
“Baby” tem tanto prestígio na CIA... Um “rock” ou dois?
— Dois. Estou um pouco encalorada e o frio me fará
bem... Quem haveria de dizer...
“Johnny” colocou dois cubos de gelo em seu copo de
uísque e ficou diante dela, olhando-a com amável ironia.
— Sem dúvida, seu aspecto desmelhorou bastante.
Algumas escoriações, um pé enfaixado, rosto um pouco
abatido... Imagino que não tenha graça nenhuma saltar de
um carro a noventa quilômetros por hora... Que aconteceu
exatamente?
Sentou-se diante de Brigitte, que após relancear a vista
pelo pequeno apartamento tomou outro gole de uísque e
pôs-se a contar rapidamente o ocorrido. Quando terminou,
“Johnny” tinha a testa franzida e parecia muito irritado.
— Lamentável a morte de Frost... Mas tudo está muito
sujo neste assunto. Asseguro-lhe que o homem que você
me fez atirar pelo barranco não era Ernest Raysdale. Quanto
a essa arma estranha...
— Parece que só é eficaz contra... carne humana.
— Uma arma estúpida, não acha?
— Não muito, “Johnny”. Em minha opinião, é uma arma...
perfeita. Tenha em conta que, embora possa servir para
matar um exército, o material que este estivesse utilizando
ficaria intacto: fuzis, metralhadoras, canhões, carros de
combate, até aviões... Isso significa, nem mais nem menos,
que o possuidor dessa arma não só aniquila seus inimigos
como pode apoderar-se de seu material em perfeitas
condições.
— Tem razão... é uma pena você não ter podido retirar o
fuzil de dentro do carro antes de saltar.
— Cometi a tolice de deixá-lo sobre o assento traseiro. E
com o carro correndo àquela velocidade, soltar o volante
sem pular imediatamente significaria uma queda no abismo.
— Mas a maleta vermelha...
— Minha maleta está sempre comigo. Disse que tem
fotos e impressões de Ernest Raysdale?
— Tenho.
— Vejamos. Quero comparar as impressões com as que
você tirou daquele cadáver.
— Será perder tempo. Aquele homem não era o
comandante Raysdale.
— Confrontemos as impressões. Uma fotografia não
significa muita coisa em nossa profissão, “Johnny”.
Este encolheu os ombros e pôs-se a preparar tudo para o
exame das impressões que obtivera do cadáver. Uma após
outra, juntamente com as do comandante Raysdale, as
impressões foram passando pelo visor de ampliação:
polegar direito em confronto com polegar direito, índex
direito com índex direito...
A primeira comparação, “Johnny” mostrou-se estupefato
e, dai por diante, procedeu com certo nervosismo. Quando
as dez impressões tinham sido comparadas, ele ergueu
lentamente a cabeça.
— Não compreendo... As dez são idênticas,
correspondem à mesma pessoa. Mas você sabe muito bem
que o rosto daquele homem não era o de Ernest Raysdale!
— Um rosto não é grande coisa, “Johnny”. Quer ver
minhas pernas?
— Suas...? Olhe, “Baby”, sei que suas pernas são
fenomenais, mas não percebo que relação...
— Veja-as. Olhe bem, “Johnny”. Principalmente aqui, nas
coxas... Olhe com atenção. Vê alguma coisa?
— Não... Bem, quero dizer que não vejo nada de...
especial. Que está querendo dizer-me?
— Ouviu falar do assunto que nós chamamos “Objeto
777”?
— Ouvi. Sucedeu em Hong-Kong, há pouco mais de um
ano, creio...
Foi resolvido. Passei maus pedaços, garanto-lhe. Mas,
apesar de terrivelmente queimadas com um ferro em brasa,
minhas coxas não mostram o menor sinal. Compreende?1
“Johnny” deixou-se cair no sofá, Junto de Brigitte,
passando a mão pela testa.
— Começo a compreender... Cirurgia plástica?
— Isso mesmo.
— Quer dizer que o rosto de Ernest Raysdale foi mudado?
— Exato.
— Mas...para quê? Porquê?
— Isso eu não sei, no momento. Mas é evidente que
assim aconteceu. As impressões são as mesmas, logo o
homem que marcou encontro comigo esta noite, o homem
que você atirou no fundo do barranco, era Ernest Raysdale.
Tudo o confirma. Se não o abandonei quando morreu, foi
justamente porque queria fazer esta verificação.
— Compreendo... Quer que lhe diga uma coisa, “Baby”?
Nunca tive entre as mãos um caso semelhante, tão
complicado, tão estranho... Não sei que pensar. Já são em
número demasiado as perguntas sem resposta. Qual será a
próxima?
1 (Ver Matéria Explosiva, ou Quando Surge a Morte) —
Parece-lhe um caso embrulhado, “Johnny”?
— Bem... Digamos que não é comum, nem sequer se
enquadra rigorosamente dentro de nossas atividades
profissionais. Não está de acordo?
— Mas ou menos. Que horas são?
— É... Vinte para as dez.
— Tarde demais para estar em Kenai às dez horas.
— Sem dúvida. São umas cinqüenta milhas...
Impossível.
— A entrevista era às dez, se estou bem lembrada...
— Que entrevista?
— A dos dois africanos com Martin Blyston, no “Bering
Hotel”, em Kenai.
— Pensa ir lá?
— Não há tempo... Mas talvez tenhamos tempo para
rastrear algo do que ocorrer em nossa ausência. Você disse
que ele tinha um entreposto à beira do mar... Retiro-me a
Martin Blyston...
— Eu sei. Em Kenai há alguns, de pouca importância,
construídos sobre pilares feitos de troncos, alguns de
cimento... Um deles pertence a Martin Blyston.
— Sabe sua localização exata? Saberia encontrá-lo assim
que chegasse a Kenai?
— Claro.
— Vamos, então.
— Mas seu pé...
— Meu pé agüentará o que tiver que agüentar. Vá buscar
o helicóptero, depois acompanhe a estrada de Kenai. Eu irei
no “Land Rover” até que você me alcance. Então, deixarei o
“Land Rover” e seguiremos no helicóptero.
— A isso chamo ganhar tempo. E seu amigo, o homem
que se faz passar por Ronald Carson?
— Bom... — sorriu Brigitte. — Acho que Frankie é
demasiado ardente. Umas quantas horas ao relento lhe
farão bem. E até é possível que consiga descobrir alguma
coisa por meio do receptor e o microfone que deixei em
casa de Edgar Janot... ou como se chame. Enquanto ele
refresca um pouco as idéias e o corpo, tratemos nós de
conseguir algo melhor. Por exemplo, saber o que vem a ser
isso dos comandantes que os africanos vieram alugar no
Alasca.
— Você é fabulosa, “Baby”!
— Rumo a Kenai — sorriu ela. — Fabulosa? Não exagere,
“Johnny”; sou simplesmente uma gatinha com sete vidas...
ou mais. Creio mesmo que mais. Vamos.
CAPÍTULO SEGUNDO
Dois revolucionários africanos
Captura de Frank Minello
O fuzil Silencioso
— Já são dez horas — disse N’gumo Ondo.
— Então, Blyston não vai tardar — asseverou Jomo
Kimbango. — Fique tranqüilo. As coisas não vão se resolver
num dia, muito menos em horas. Ele virá.
— Não me agrada este lugar. Não gosto do clima.
— Eu tampouco. Mas não vamos demorar muito aqui.
Eram dois negros hercúleos, de corpo perfeito, ombros
largos, fortíssimos. Tinham os cabelos curtos e crespos,
olhos ligeiramente saltados, lábios grossos. Já estavam há
dois dias esperando no “Bering Hotel” e, pelo visto, N’gumo
Ondo começava a impacientar-se.
— Seu representante deve tê-lo avisado de nossa
chegada, portanto ele poderia já estar com tudo pronto.
— As coisas não são tão fáceis, N’gumo. Pense no que
significa isto para nós, pense bem, e verá como conseguiu
arranjar um pouco de paciência.
— Como acha você que será essa nova arma tão...
extraordinária?
— Não sei. É difícil fazer uma idéia.
— Pois eu desconfio que tudo seja mentira.
— Mentira?
— Não pode existir nenhuma arma assim.
Jomo Kimbango ergueu as sobrancelhas, surpreendido.
— Por que não? Existem armas ainda mais
surpreendentes.
— Diga-me uma.
— Os foguetes antifoguetes, por exemplo.
Agora foi N’gumo Ondo quem ergueu as sobrancelhas.
— Que vê de extraordinário nos foguetes antifoguetes?
— Puxa! — riu Kimbango. — Tudo é questão de se
acostumar, N’gumo. Agora a gente acha que uns foguetes
capazes de apanhar em pleno vôo outros foguetes lançados
de dez quilômetros de distância é coisa banal. Mas,
pensando bem, é mesmo extraordinário.
— Mmmm... Acho que você está com a razão.
— Estou. Não demora muito, essa arma será considerada
como corriqueira. Pelo menos, ninguém se assombrará
quando se explicar o que é capaz fazer...
Soou uma batida na porta. Os dois negros se
entreolharam e Jomo Kimbango tocou o peito com o polegar.
Foi abrir sem nenhuma preocupação. Já passava um pouco
das dez, portanto, tinha que ser Martin Blyston quem batia.
E era.
Blyston entrou na suíte encolhendo os ombros, num
gesto de desculpa.
— Lamento o atraso — disse. — Mas tive que fazer
alguma coisa em Anchorage.
— Foram só uns minutos — revelou Kimbango. —
Podemos concluir o assunto, Blyston?
— Podemos, sim. E conviria que tratássemos das cifras,
se vocês estão de acordo.
— Seu representante já nos informou muito bem a
respeito dos preços, e concordamos com eles. Quinhentos
mil dólares é muito dinheiro e é pouco dinheiro. Depende da
vantagem que proporcione esse gasto... Você já sabe que
não somos milionários.
— Sei. Entretanto, prepararam uma revolução por sua
conta, em seu pais. Para isso é preciso dinheiro.
— É um país pequeno e pobre. Nós achamos que não
está sendo bem governado e resolvemos explorá-lo melhor.
— Em seu próprio beneficio — sorriu Blyston.
Os dois africanos olharam carrancudos para Martin
Blyston.
— Isso não é de sua conta, amigo — resmungou N’gumo
Ondo.
— Certamente que não. Afinal, realizo meus negócios
com pessoas como vocês. Se não houvesse revolucionários,
nem nossos comandantes especializados nem nossa arma
serviriam para nada. Quanto a estas armas, vocês disporão
de dez: uma por comandante alugado. O preço de cada
arma, alugada pelo mesmo tempo que seu respectivo
comandante, será o mesmo que o de cada um destes.
— Isso significa que o custo total será de um milhão de
dólares.
— Redondo — sorriu Blyston. — E não terão que
preocupar-se por outros gastos.
Ondo e Kimbango trocaram um olhar. O último moveu
afirmativamente a cabeça.
— Está bem.
— Têm aqui o dinheiro?
— Assim foi combinado, Blyston. Nós queremos que tudo
se faça bem e depressa.
— Posso ver?
Kimbango fez um aceno a Ondo, e este se dirigiu ao
quarto. Mesmo de onde estava, Blyston viu-o apanhar uma
velha mala, retirar desta algumas coisas, depois levantar
um fundo falso e ir sacando maços de células de mil
dólares.
Um carregamento surpreendente em dois negros na
verdade modestos, quase pobres. Sua modéstia era
ratificada pelo fato de se hospedarem no “Bering Hotel”, o
mais barato de Kenai.
N’gumo Ondo regressou com os maços de cédulas e
deixou-os sobre a mesinha, ao alcance das mãos de Blyston.
Havia dez maços, cada um dos quais, matematicamente,
devia conter cem notas de mil dólares. Blyston lançou uma
olhadela geral às cédulas, detendo-se para examinar
algumas a contraluz.
— Acha que são falsas? — grunhiu Ondo.
— Não acho nada, amigo. Mas se vocês têm direito a dez
comandantes bem treinados, com suas respectivas armas,
eu tenho o direito de cobrar...
— Adiantado.
— Esta noite mesmo vocês poderão escolher os
comandantes. A partir desse momento e pelo período de
dez dias, eles obedecerão unicamente a vocês. Não foi o
que lhes explicou nosso representante na África?
— Creio que estamos um pouco tensos... — justificou-se
Kimbango. — Não é preciso falar tanto. Blyston. Já tem seu
dinheiro, não é assim? Pois vamos então ver esses
comandantes e o assunto ficará concluído.
— De acordo. Meu carro está lá embaixo. Vamos.
Os três saíram da suíte dupla ocupada pelos negros no
modestíssimo “Bering Hotel”. Perto da esquina estava o
carro de Blyston, que abriu a porta de trás. Os africanos
entraram e ele empunhou o volante.
Não tiveram que rodar muito, dada a pequenez de Kenai.
Quando o carro se deteve, Ondo e Kimbango olharam
pela mesma janela. Estavam, no porto de pescadores. Viam-
se casas de madeira com telhados em V invertido, muito
agudos. Pareciam vivendas lacustres, todas elas suspensas
sobre a água por meio de grossos pilares. Entre o piso das
casas e a água, havia pouco mais de um metro.
— Chegamos — anunciou Blyston.
Saltaram os três. A obscuridade era apenas disfarçada
por uma iluminação escassa, proveniente de pequenas
lâmpadas que brilhavam mortiças no alto de alguns postes.
A água era negra, tenebrosa.
Blyston indicou uma das construções e para lá se
encaminharam, atravessando uma passarela de madeira, O
americano abriu a porta, cedendo passagem a. seus
visitantes. Entrou atrás deles, fechou a porta e acendeu a
luz. Uma luz procedia unicamente de uma lâmpada
pendente do teto por um fio sujo.
N’gumo Ondo e Jomo Kimbango olharam expectantes ao
redor. Grandes cestos cheirando a peixe, redes, remos, um
motor de popa enferrujado, barris, caixotes, caixas planas
retangulares. Ao fundo via-se um pequeno jirau e quase se
adivinhava a forma de uma mesa, atrás da qual aparecia a
claridade incerta do exterior, por uma janela estreita.
— É meu escritório — explicou Blyston, sorrindo. — Com
vista para o mar. Não é elegante, mas serve às minhas
necessidades... oficiais. Sou um dos pequenos profissionais
da pesca em Kenai. A propósito, peço-lhes que, tão logo o
abandonem, esqueçam completamente este lugar. Do
mesmo modo, esqueçam minha pessoa.
— Compreendemos perfeitamente isso, Blyston.
— Muito bem...
— Estão aqui as armas?
— Não, não... Claro que não! As armas e os comandantes
merecem... ambiente melhor. Lá remos agora, com a
lancha.
Afastou uns caixotes e sacos vazios, impregnados de
cheiro de peixe e escamas secas, deixando a descoberto
uma argola de ferro. Puxou-a para cima e um retângulo do
assoalho se ergueu. Deixou o alçapão apoiado nos caixotes
e desapareceu pela abertura, mergulhando na escuridão. Os
dois negros aproximaram-se e olharam para baixo.
Justamente sob eles viram as formas de uma lancha, que
Blyston parecia estar inspecionando sumariamente.
Um minuto depois, soava sua voz:
— Podem descer: iremos agora mesmo ao...
Os três ouviram o motor de um carro que se detinha
muito perto do entreposto. Martin Blyston apressou-se a
subir novamente. Fechou o alçapão e foi a uma das
estreitas janelas de vidros sujos. Ao voltar-se, tinha o cenho
carregado.
— Que está acontecendo? — perguntou Kimbango?
— Não sei... Alguma coisa, sem dúvida. Mas pergunto-
me...
Não terminou a frase. Abriu a porta quando soavam as
pisadas de vários homens na passarela de madeira. Eram
três. A dois deles tinha reconhecido imediatamente olhando
pela janela. Reconheceu o terceiro quando estava
começando a falar.
— Esta não é sua zona para... Oh-oh! Não sei se devo
acreditar... Este não é o elegante capitão Carson?
Frank Minello, com as mãos amarradas nas costas,
limitou-se a olhar fixamente Blyston, que, embora a
aparente ironia de suas palavras, não pôde evitar um tom
de alarma na voz.
— Não quer responder? — Voltou-se para os outros. —
Podem explicar-me isto?
— Chegou até a caverna.
Agora o alarma estava claríssimo nos olhos de Martin
Blyston.
— Até a caverna? — murmurou.
— Mr. Janot mandou que Grom fosse à caverna para ver
se algum dos esquimós parecia capaz de dar um bom
combate e, ao que parece, este homem seguiu Grom.
Entrou na caverna atrás dele, mas Dia teve sorte... Dois dos
vigias o viram, se esconderam e, quando ele passou,
acertaram-lhe a cabeça.
— Que coisa! Não sei o que dizer... Pode explicar-me,
capitão Carson?
— Ah-ah-ah! — fêz Minello.
— Vejo que conserva seu bom humor. Muito bem. Tudo
isto dá muito o que pensar... Vocês trouxeram algum
“Silencioso”?
Um dos que tinham trazido Minello abriu o casacão e
sacou o curto fuzil de cano de alumínio, com mira
telescópica. Blyston tomou-o e voltou-se para Kimbango e
Ondo.
— Vejam... Esta é a arma de que falamos. É bastante
especial, sem dúvida. inofensiva contra objetos inanimados.
Mas, utilizada contra seres vivos, mata
instantaneamente.
Os projéteis são guardados mim estojo especial montado
na culatra. — Abriu a culatra, mostrando uma espécie de
rede metálica, presas à qual viam-se ampolas esféricas. — É
um sistema cômodo e seguro de levar a munição. Uma
munição certamente perigosa, inventada por Mr. Janot. Na
verdade, ele roubou a fórmula de um certo cientista
soviético ao qual teve que matar, e por isso... Oh, mas não
vou contar-lhes a história de Mr. Janot, claro. Estamos
falando da arma. Das ampolas, mais exatamente, já que a
arma, em si, não tem muito de interessante. As ampolas,
sim. Contêm um liquido misturado com um gás. E quando
ambos entram em contato com o ar, provocam um clarão
rosado, em tonalidades diversas... Na verdade, criam uma
rápida e intensíssima corrente elétrica, tão intensa que é
capaz de causar um colapso instantâneo numa baleia. Ao
rebentar-se a ampola contra o corpo de um ser vivo, o gás e
o líquido, em presença do ar atmosférico, produzem a
descarga, e a vítima é fulminada. Não é curioso?
— Podemos ver a ampola?
— Depois, Kimbango, depois. Primeiro temos que
convencer o senhor capitão a dizer-nos qualquer coisa. Por
exemplo, a respeito da viúva Raysdale, sobre a qual começo
a alimentar suspeitas. Que tem a dizer-nos, capitão?
Minello encolheu os ombros e pôs-se a olhar para o teto,
com absoluta indiferença. Aparente, ao menos. Blyston
sorriu com frieza.
— Por que o trouxeram a Kenai? — perguntou aos outros.
— Mr. Janot mandou. Disse que não queria movimento
perto de “Fox-den Blue” e que seria melhor trazê-lo ao
submarino para ser interrogado. Do que disser este homem,
depende que “Fox-den Blue Cavern” seja destruída e tudo
desapareça por algum tempo.
— Compreendo... Bem, capitão Carson, já está ciente.
Esperamos uma explicação de sua parte... Que é isso?
— Mr. Janot disse para você ouvir o que está gravado
aqui, antes de interrogar este homem. A coisa está tão clara
que, se o capitão Carson não der uma explicação...
tranqüilizadora, a base de “Fox-den Blue Cavern” será
eliminada ao amanhecer.
Martin Blyston passou a língua pelos lábios, lentamente,
olhar fixo no aparelho que lhe apresentava o outro. Parecia
um transistor, mas sem dúvida não era isso. Apanhou-o,
virou-o nas mãos, finalmente abriu-o. Olhou durante alguns
segundos aquelas peças reveladoras, depois para Minello,
depois novamente para as peças. A fita estava enrolada
num dos carretéis, pronta para o playback. Comprimiu o
botão que a punha em marcha e...
— Uma viúva bem interessante, não acha? — ouviu sua
própria voz.
— Creio que ela viu seu gorro — a voz de Janot.
— E dai?
— Também viu seu helicóptero... Essa mulher não me
agrada.
— Pois a mim agrada, e muito. É sensacional, fascinante,
esplêndida. Acha que ela disse a verdade?
— A respeito de quê?
— Do cartão postal.
— Naturalmente. Estou cercado de ineptos, Martin. E
sinto ter que dizer que você é o primeiro deles.
...
...
— ... quando terá que ver os dois clientes?
— Esta noite, às dez.
— Há tempo de sobra. Passe por Anchorage e avise que
vigiem e viúva e Carson. Não seria estranho que Raysdale
iniciasse uma aproximação. Que fiquem atentos.
— Está bem. Até a vista, Edgar.
— Adeus.
Depois de toda a conversa que os dois homens tinham
sustentado em casa de Edgar Janot, houve uns segundos de
silêncio. Um silêncio muito tenso porquanto, já que fora
claramente decidida a morte dos dois africanos, ordenada
por Janot, tanto Kimbango como Ondo tinham iniciado um
movimento inquieto, aparentemente de fuga. Só que então
o mortífero fuzil de cano de alumínio ficara apontado para
eles, nas mãos firmes de Blyston, que sorria cinicamente.
— Parece que a viúva Raysdale e o capitão Carson são
pessoas surpreendentes, cheias de recursos... Não acham?
— Escute, Blyston, ouvimos o suficiente para
compreender que querem nos eliminar porque as coisas não
vão bem...
— De fato... Pensava levá-los na lancha, matar os dois
com alguns balaços e atirar os cadáveres no mar. Mas a
chegada de meus amigos e do capitão Carson mudou por
completo a situação... Acho que vou mostrar a vocês como
funciona esta arma.
Brotou o primeiro clarão, subitamente, e outro idêntico
apareceu no peito de N’gumo Ondo, que caiu fulminado no
chão, sem um grito sequer.
N’gumo Kimbango ficou um instante paralisado pelo
espanto. Mas em seguida lançou-se sobre Blyston, braços
estendidos, mãos prontas para agarrá-lo numa presa feroz,
que não chegou a conseguir, pois os dois homens que
tinham chegado com Minello barraram-lhe o caminho,
tentando detê-lo.
Kimbango tirou o primeiro de sua frente com um simples
tapa que o precipitou, nariz quebrado, contra a parede, de
onde caiu de costas, não pouco dolorosamente, sobre as
bordas de alguns caixotes.
O outro conseguiu golpear o africano, mas, ao mesmo
tempo, um pé de Minello era lançado ao seu estomago, com
força tão terrível que o pobre-diabo dobrou-se pelo meio,
como um graveto que se quebrasse, com um estalido quase
audível. E como Kimbango não se alterara absolutamente
ao receber o golpe, tirou-o também da sua frente com uma
bofetada que fez sua cara rebentar como uma fruta caindo
de grande altura.
E naquele momento, Blyston, que ao mostrar as cápsulas
mortíferas tinha ficado com uma na mão, disparava pela
segunda vez. Jomo Kimbango recebeu o impacto da ampola
em pleno peito, tombando fulminado, tal como N’gumo
Ondo.
E Frank Minello, que tinha aproveitado a oportunidade
para correr até a porta, teve que se deter junto a esta ao
ouvir a voz de Blyston:
— Quieto, Carson! Para você tenho um revolver!
Minello voltou-se, furioso. Mas era verdade. Blyston
empunhava um revólver com a mão direita. E os dois que o
tinham trazido de “Fox-den Blue Cavern” estavam de novo
em pé, também empunhando revólveres, embora um deles
quase prestasse mais atenção ao próprio nariz quebrado
pelo primeiro tapa do africano, cujo sangue procurava
limpar.
— Esqueça essa possibilidade, capitão — tornou a sorrir
Blyston. — E ouçamos o que segue. Creio que há mais
alguma coisa gravada, mas não lhe pudemos prestar
atenção. Vocês desçam os negros para a lancha. É
suficiente que os deixem cair.
Enquanto os dois sujeitos levantavam o alçapão e para lá
arrastavam os negros, Martin Blyston fez recuar um trecho
da fita magnética e novamente pôs em marcha o
mecanismo que permitia ouvir a gravação:
— Grom! — ouviu-se a voz forte de Janot, decorridos
alguns segundos.
Uma breve espera, depois a voz de Grom:
— Diga, patrão.
— Você vai à, caverna... Que estava fazendo?
— Os cães descobriram uma falha na cerca de arame.
Estava consertando-a, patrão.
— Bem. Acabe com isso, depois vá à caverna. A pé, como
sempre, e pelo caminho rochoso, já sabe.
— Fazer o que lá?
— Dê uma olhada nos esquimós que chegaram esta
manhã. Não estou com vontade de ir. Veja se algum deles é
bastante forte para o treinamento dos comandantes. Estou
farto desses homenzinhos incapazes de sustentar uma luta
de dois minutos... Se houver algum que valha a pena, que o
separem para o russo. É o mais forte.
— Está bem, patrão. Mais alguma coisa?
— Nada mais. Venha logo me dizer que lhe pareceram.
E tome cuidado. Não estou tranqüilo... esse maldito
Raysdale! Pode ir.
Não se ouviu nada mais. Blyston deteve a marcha do
receptor-gravador e olhou para Minello.
— Parece que a coisa está clara, capitão Carson: você
não estava muito longe da casa e aproximou-se,
aproveitando o fato de Grom ter ainda que terminar seu
trabalho de reparar a cerca. Depois, quando ele foi à
caverna, seguiu-o. Okay?
— Okay...
— Muito bem. Oh, a viúva Raysdale é na verdade muito
astuta, não? Quando cheguei e não vi seu helicóptero, fiquei
intrigado e pus-me a esperar. Vi-a chegar a pé, falando
sobre uma avaria... É muito astuta, de fato... E muito
eficiente — indicou o aparelho. — Isto foi idéia sua ou dela,
Carson?
Os dois homens já tinham lançado pela abertura os
corpos de Kimbango e Ondo, fechado o alçapão e estavam a
ambos os lados de Minello, olhando-o torvamente; em
especial, o que tinha recebido o pontapé no estômago, do
que ainda não se tinha refeito completamente. Ainda estava
pálido e tinha as feições alteradas.
— Não quer responder, Carson? — perguntou Blyston.
— Não.
— Hã!... Estou pensando que Edgar tinha razão: a
senhora Raysdale é mesmo muito inteligente. A mim,
pareceu-me apenas bonita e fascinante, enquanto estive
espiando vocês por certo orifício... Mas é inteligente, não há
dúvida. Será que nem sequer é Mrs. Raysdale, hem? Será
que você tampouco é o capitão Carson?
Houve um cintilar brevíssimo nos olhos de Frank Minello.
Brevíssimo, mas que foi captado pelo atento Martin Blyston,
que tornou a sorrir, de um modo nada tranqüilizador.
— Seria melhor que respondesse, capitão — aconselhou.
O homem que tinha recebido o pontapé no estômago
pareceu irritar-se com o silêncio de Minello e lançou-lhe uma
patada vingativa, em lugar idêntico, que o derrubou e
deixou tão pálido como ele mesmo estivera momentos
antes.
— Deixe-o, Hoper. Também você, Tolman. Nada de matá-
lo, por enquanto. Custou-nos dois anos organizar nosso
negócio e não vamos precipitar-nos agora, pondo tudo a
perder por um tipo qualquer... Se estamos em perigo, ele
nos dirá.
— Não dirá nada se não lhe quebrarmos a cabeça —
afirmou Hoper.
— Se lhe quebrarmos a cabeça, então não falará mesmo.
Tenho uma idéia muito melhor. Vamos levá-lo para o
submarino, e você verá como os doutores o convencem a
falar. Atirem com ele na lancha.
Tolman e Hoper agarraram Minello pelos braços e
puseram-no de pé, rudemente. Arrastaram-no até o
alçapão, que Blyston estava novamente abrindo.
Mas, como sabia muito bem Brigitte, Frank Minello era
teimoso. Não muito esperto, talvez, mas de uma obstinação
a toda prova em matéria de sair-se com a sua. E como se
tinha proposto escapar, voltou-se com rapidez fulminante
para Tolman, aplicando-lhe uma joelhada no ventre.
Tolman emitiu um gemido e encolheu-se, cambaleando.
Mas, pelo visto, Hoper sabia muito bem que espécie de
sujeito era aquele capitão da Marinha, de modo que não lhe
deu tempo para mais, desferindo-lhe uma violenta
coronhada atrás da orelha. Minello caiu de joelhos, quase
completamente aturdido, mas, ainda assim, lançou a
cabeça contra o ventre de Hoper. Com pouca sorte e
reduzidas possibilidades físicas naquele momento. O outro
teve apenas que levantar um joelho, e o jornalista foi
atingido na boca. Tombou para trás e rolou pelo chão, os
lábios sangrando, e Tolman insistiu com uma patada que lhe
fez uma brecha sobre o supercílio esquerdo. Minello agitou-
se ainda, agora estendido de bruços no chão, as mãos
sempre amarradas nas costas. Dois pontapés deixaram-no
definitivamente imóvel. Depois foi atirado como um fardo
no interior da lancha, onde ficou desacordado, sangrando.
— Duro na queda... — comentou Blyston, sorrindo. —
Quanto à viúva Raysdale... Bom, vamos primeiro ao
submarino. Depois saberemos o que fizeram nossos
companheiros em Anchorage, e veremos como convém agir.
Mas tenho o pressentimento de que Mrs. Raysdale viverá
pouco tempo.
— Quem acha você que ela possa ser?
— Não sei... Uma agente do G-2, com toda a
probabilidade. Tal como o capitão Carson, se é que se
chama assim.
— Mas talvez ela seja a verdadeira Mrs. Raysdale.
— Duvido. Não seria natural que Ernest Raysdale tivesse
uma esposa tão... competente. Sabe pilotar um helicóptero,
colocar microfones, é muito astuta... Não, não, Tolman. Ela
tem que ser uma agente secreta.
— Pior para ela.
— Não sei. Claro que poderia matá-la, mas não se trata
disso: trata-se de saber se temos que fechar
temporariamente o negócio e fugir. Sim, é melhor que
vamos ao submarino. Lá convenceremos o capitão Carson
de que deve ajudar-nos a resolver isso, Conforme o que ele
e Mrs. Raysdale saibam, podemos agir com segurança. É o
que Edgar esta esperando, não?
— Sim, claro.
— Pois vamos ao submarino. Traga o equipamento,
Hoper. E será melhor que você fique aqui. Com esse nariz
transformado num tomate, não poderá mergulhar. Você fica
aqui vigiando. Espero não demorar muito.
Hoper retirou dois trajos de borracha de dentro de um
barril que parecia abandonado. De outro, nas mesmas
condições, retirou dois tubos de ar.
— Fica ai um tubo para você, que poderá usar em caso
de ter que vir ao submarino. Já sabe o sinal. Vamos, Tolman.
Convenceremos o capitão Carson de que está em grave
apuro.
— E os trajos...
— Vestiremos na lancha.
— Está bem.
Desapareceram pelo alçapão. Hoper fechou-o e ficou à
escuta. Não ouviu o motor, salvo cinco minutos depois,
abafado, afastando-se. Como sempre, a lancha tinha sido
deslocada a remo até chegar a uma razoável distância do
entreposto.
Acendeu um cigarro e sentou-se, sorrindo
perversamente.
Esplêndido, o capitão Carson estava em grave apuro. Era
uma pena que ele não pudesse ver sua expressão de
terror...
CAPÍTULO TERCEIRO
Modo eficiente de persuasão
Fazer um trato
Será melhor que ela volte...
Estava fumando o terceiro cigarro quando arregalou os
olhos, Incrédulo. Ou estava sonhando, ou tinha visto a
sombra de um homem por uma das janelas, deslizando pela
passarela em direção à casa.
Quase em seguida, ouviu ranger uma das tábuas.
Levantou-se de salto, atirou no chão o cigarro e
esmagou-o com o pé. Por um momento, esteve tentado a
acender a luz, mas compreendeu que isso seria delatar-se.
Esgueirou-se até a porta que dava para o embarcadouro.
Abriu-a apenas umas polegadas e primeiramente o
assombro depois a cautela deixaram-no alguns segundos
imobilizado.
Não estava sonhando.
Um homem inclinava-se sobre o embarcadouro, como se
procurasse algo sob as tábuas. Metade de seu corpo pendia
sobre a água e ele dava as costas a Hoper, que sorriu
sinistramente e sacou o revólver. Para ele, de súbito, tudo
pareceu claro: era verdade que tinham sido descobertos.
Iriam cercando-os cada vez mais, até acabar com eles,
se antes não fosse dissolvida a organização. Mas quem quer
que estivesse procedendo ao cerco, teria um elevado preço
a pagar em vidas humanas.
Saiu sigilosamente para o embarcadouro, O homem
continuava na mesma posição, Investigando por baixo da
casa, segurando-se precariamente a um dos pilares.
Hoper apontou-lhe o revólver e falou:
— Amigo, esta é sua sentença de...
Cloc!
O golpe ressoou em sua cabeça como o estampido de
uma bomba. Ainda pôde ver, como uma, imagem
cinematográfica confusa, o brusco desaparecimento do
homem tombando para a água.
Cloc!
Já não viu mais nada. Caiu de joelhos, soltando o
revólver. Depois, como se o decidisse de pronto, caiu de
bruços, ficando imóvel.
Então, o homem que parecia ter caído na água, apareceu
no embarcadouro, com uma simples e ágil flexão de braços.
Subiu à passarela sem ter molhado um fio de cabelo,
aproximando-se do desacordado Hoper. Apanhou o revólver
e olhou para a mulher que ainda tinha a pequena pistola na
mão.
— Bom golpe, “Baby”.
*
O jorro de água despertou Hoper, que se incorporou e ficou
sentado, sentindo na boca um gosto de sal.
— Os banhos de mar fazem bem a todos. Não lhe dizia
eu, “Johnny”?
— Continuamos banhando-o?
— Não, não. Nosso amigo logo estará em condições.
Não é verdade, cavalheiro?
A primeira coisa que Hoper conseguiu ver com nitidez foi
um par de pernas femininas, as mais perfeitas em que
jamais pusera os olhos, uma sobre a outra, a de cima
balançando, ambas mostrando-se muito generosamente.
Depois, uma delicada mão, que empunhava uma pistola
diminuta, descansando sobre o joelho da perna de cima. Por
fim, o rosto sorridente e meigo da mulher, adornado pelos
mais belos olhos azuis que pudesse haver no mundo.
— Olá — moveu-se a mão que sustinha a pistola: — sou
Mrs. Raysdale. Já ouviu falar de mim?
Hoper desviou a vista para o homem que pressentia a
seu lado. Um tipo alto, de ombros largos, olhar sardônico,
lábios finos que sorriam friamente.
— Eu sou “Johnny”, apenas. E você?
O homem nada disse. Doía-lhe terrivelmente a cabeça e
dentro dela havia um zunido estranho, estridente.
— Parece que não quer falar — sorriu encantadoramente
a lindíssima jovem. — “Johnny”; por favor, convença-o de
que deve responder todas as nossas perguntas, uma a uma,
sem hesitação e sem perda de tempo. Precisa compreender
logo que somos pessoas exigentes.
— E já.
Em menos de dez segundos, Hoper passou na verdade
por transes penosos: recebeu um pontapé no estômago,
outro em plena boca, foi atirado contra a parede, recebeu
um duplo soco nos rins e sua cabeça foi submersa durante
quase outros dez segundos num barril cheio de água
salgada. Foi retirado violentamente deste, levou um terrível
bofetão que quase lhe desarticulou a mandíbula e,
finalmente, encontrou-se estendido no assoalho, de bruços,
quase sem fôlego, a cara ardendo, a cabeça a ponto de
estourar e sentindo no dorso uma angustiosa pressão.
— Deixe-o por enquanto, “Johnny”. Desça de suas
costas... Vamos conceder-lhe dez segundos para que se
recupere um pouco.
Hoper deixou de sentir a pressão nas costas. Respirou
profundamente, fechou os olhos. Assim estava melhor...
— Já se passaram os dez segundos. Continue, “Johnny”.
Desta vez, quebre-lhe algum osso. Mmm... Um braço.
Será melhor poupar-lhe as pernas, para que possamos levá-
lo sem excessivo incômodo.
— Boa idéia.
Aterrado, incapaz de conseguir articular uma palavra,
Hoper sentiu-se levantado de um puxão, os braços
agarrados por manoplas fortíssimas, que pareciam capazes
de triturar-lhe os ossos.
— Não! — pôde gritar, debatendo-se. — Não... Chega!
Chega...
— Deixe-me continuar com ele — disse o chamado
“Johnny”: — ainda não está falando de todo. Com um osso
quebrado e sem as orelhas...
— Não, não “Johnny”! Talvez o nosso amigo esteja
dizendo a verdade e tenha resolvido responder nossas
perguntas... Que diz, cavalheiro?
— Bem! Respondo, sim!
— Ótimo. Dê-lhe um cigarro, “Johnny”. Ele o ganhou, por
boa vontade em colaborar conosco.
— Eu não lhe daria, mas enfim...
Cada vez com mais clareza, Hoper viu “Johnny”
acendendo um cigarro, que depois lhe estendeu. Ele
avançou a mão para recebê-lo. Mas o cigarro passou por
cima de sua mão e a brasa foi chiar em seu queixo. Lançou
um pequeno grito ao mesmo tempo em que saltava para
trás, caindo de costas e protegendo o rosto com os braços.
— Vamos, “Johnny”, não seja bárbaro. Ajude-o.
— Mas foi só uma brincadeira. Este é meu modo de ser
amável, Mrs. Raysdale.
— É verdade... — suspirou ela. — Ainda estremeço
quando recordo o que você fez com aquele mexicano, em
Nogales... Brrr! Ainda bem que depois lhe cortou o pescoço.
Não é agradável andar pelo mundo sem as pálpebras...
Ajude o nosso amigo, “Johnny”, não seja descortês.
“Johnny” inclinou-se sobre Hoper, mas este lançou um
grito e arrastou-se, aproximando-se de Brigitte, como à
procura de proteção.
— É um mal-agradecido — queixou-se “Johnny”, com
enfado.
— Talvez não tenha senso de humor... Qual é seu nome,
amigo?
— Melvin Hoper.
— Muito bem, amigo Melvin. Você trabalha para Edgar
Janot?
— Trabalho.
— Então me conte onde se encontram os dois africanos e
Mr. Martin Blyston.
— Os negros morreram. Blyston está no submarino.
— No submarino? A organização de Janot dispõe de um
submarino, amigo Melvin?
— Claro.
— E onde está o submarino agora?
— Na baía, a duas milhas daqui, ou menos... Está com os
pesqueiros.
— Mas os pesqueiros não estavam perto das Ilhas do
Comandante?
— Isso foi há dias. Já voltaram.
— E o submarino está com ele? Por quê?
— Sempre está. Fica entre os dois, de modo que seu sinal
não é captado pelo radar dos barcos militares, pois se
confunde com o dos pesqueiros.
— Engenhoso, de fato. Mr. Blyston matou os dois
africanos?
— Matou. Com o “Silencioso”.
— Ah. Imagino que se refira a tal arma... Não há nenhum
“Silencioso” por aqui, Hoper?
— Não.
— Quando Mr. Blyston voltará?
— Quando tiver feito o capitão Carson abrir o bico.
— Como? — os olhos de “Baby” pareceram congelar-se.
— Em “Fox-den Blue Cavern” capturamos o capitão
Carson. Ele descobriu a caverna, mas foi apanhado. Agora
está no submarino porque lá existem meios para obrigá-lo a
falar... e porque Mr. Janot não quer nenhuma atividade perto
do viveiro.
— Compreendo. Onde fica “Fox-den Blue Cavern”,
querido Melvin?
— Nas montanhas, cerca de dois quilômetros ao norte do
viveiro.
— Muito bem. Você está-se portando admiravelmente, na
verdade. Há algum modo especial de chegar ao submarino?
Pergunto se há alguma senha, ou coisa assim.
Está submerso, não é?
— Claro. Entre os dois pesqueiros. É preciso ir de lancha
e saltar na água, com trajo de homem-rã. O
submarino tem uma saída para escafandros, uma
cabina...
— Sei como funciona isso: há um tubo e depois um
compartimento, que se fecha quando o homem-rã está
dentro. Se o mergulhador vai entrar, a água é expelida,
abre-se a comporta interna, e pronto. Se vai sair, coloca-se
na cabina, sem água, e esta começa a entrar pouco a
pouco; quando está cheia a cabina, abre-se a comporta
externa e o homem-rã sai tranqüilamente. Não é este o
sistema?
— Mas deve haver um modo de avisar o pessoal do
submarino que um homem-rã quer entrar, não?
— Há, sim. É preciso...
— “Baby”, não seja louca! — exclamou “Johnny”. — Que
está pensando fazer?
— O de sempre, “Johnny”: nunca deixei um companheiro
meu em dificuldades. A menos que meu risco pessoal
implique desvantagem para a CIA. Mas no caso presente, se
eu não voltar, você possui todos os elementos...
— Entendo, entendo... Mas haverá outro meio de...
— Duvido. Esse submarino jamais tocará a costa. E se
partir, não poderei mais encontrar Frankie. Solução que não
me agrada absolutamente.
— Bem. Deixe que eu vá. Posso conseguir um trajo de
borracha e um tubo de ar em menos de uma hora. Vou já
tratar disso...
— Não acho que seja necessário, O amigo Melvin deve
ter um por aqui... Correto, Melvin?
— Ficou um... Está nesse tonel velho.
— Muito bem. Qual é a senha para entrar no submarino?
Que devo fazer para que abram as comportas?
— Deve bater com um objeto de metal no casco, à direita
do tubo de entrada, formando em morse a palavra
“Sibéria”.
— Está mentindo — disse friamente “Johnny”. — Você vai
cair numa armadilha, “Baby”!
— Não creio. Parece que o amigo Melvin compreendeu
perfeitamente que sua única salvação é estar bem com a
CIA. Não é verdade, Melvin?
— Pode confiar em mim.
— Meu companheiro ficará com você — explicou Brigitte.
— Espero voltar logo, se meu plano der resultado.
Se não voltar, “Johnny” ficará muito aborrecido, mas
acabará por compreender que deve levá-lo vivo aonde
possa ser submetido a um Interrogatório mais completo.
Portanto, amigo Melvin, esteja bem certo de que, pelo
menos, conservará a vida.
Melvin Hoper dirigiu um olhar aterrado para “Johnny”,
que estava examinando o trajo de homem-rã.
— Vai ficar grande em você — advertiu.
— Não faz mal. Preciso é de uma lancha, “Johnny”.
— Bem. Roubarei a primeira que encontrar. Volto já.
Saiu do entreposto. Hoper olhou para Brigitte, mas o frio
sorriso desta fê-lo compreender a verdade: não devia
confiar no aspecto benigno daquela boneca. A firme certeza
de que, se o quisesse, aquela garota tão meiga poderia
revelar-se muito pior que o atlético “Johnny” deixou Hoper
completamente resignado com sua sorte. Mais valia não
pretender complicar as coisas...
— Uma decisão muito sensata, Melvin.
— Quê...? — sobressaltou-se ele.
— A de ficar quietinho e não fazer travessuras.
Melvin Hoper mordeu os lábios, quase assustado. Os
olhos azuis permaneciam fixos nele, risonhos, mas no fundo,
parecia haver um pontinho congelado ao máximo, duro
como diamante.
“Johnny” regressou dez minutos mais tarde,
tranqüilamente.
— Arranjei a lancha — disse. Não é muito boa, mas
poderá navegar duas milhas. Sabe já a situação exata dos
dois pesqueiros?
— Não. Amigo Melvin...
— Como eu disse, estão cerca de duas milhas daqui. Os
nomes dos barcos pesqueiros são “Alaska Sky” e ‘‘Fisher”.
— Perfeito. Ajude-me a entrar nisto, “Johnny”. Despiu-se,
sem dar a menor importância ao fato e, ajudada por
“Johnny”, meteu-se no trajo de borracha. Antes de fechá-lo
sobre o peito, colocou entre os selos a diminuta pistola de
coronha de madrepérola. Fechou o trajo, ajustou o capuz,
prendeu às costas o tubo de ar. Enquanto apertava o
cinturão de chumbo, do qual pendia uma faca, plantou-se
diante do Hoper.
— Pense bem, Melvin. Se me enganou e eu não puder
voltar, como é de meu costume, você lamentará
profundamente.
— Eu disse a verdade. Juro!
— Melhor, então. Até logo, “Johnny”.
— Não voltará — murmurou sombriamente o
companheiro.
— Sempre volto. Mas — sorriu docemente —, por via das
dúvidas, recomendo-lhe que só me espere até a hora do
amanhecer. Isso, supondo que tudo continue em calma por
aqui. Se acontecer alguma coisa, parta. E acabe com Edgar
Janot.
“Johnny” encolheu os ombros. Brigitte olhou-o
ternamente.
— Não faça essa cara, homem. Na verdade, não vou
lutar: apenas fazer um negócio.
— Um... negócio? Com quem?
— Um trato. Se não der certo... Oh, mas estou certa de
que dará. Conheço as pessoas.
— Com quem pensa fazer esse trato, e que espécie de
trato...?
— Contarei quando voltar. Ciao.
Brigitte Montfort desapareceu. Os dois homens ficaram
sozinhos, silenciosos. “Johnny” aproximou-se de uma janela,
olhando para o mar. Viu a lancha que tinha roubado afastar-
se lentamente, em silêncio, movida a remo por sua
companheira da CIA.
Pouco depois, deixava de olhar pela janela. Encontrou
umas cordas e amarrou solidamente Melvin Hoper,
deixando-o transformado num fardo. Depois apagou a luz e
foi sentar-se sob uma janela. Hoper recebia em cheio a
claridade que por ela entrava, mas, por seu lado, não podia
ver “Johnny”.
O que viu, subitamente, foi a chama de um isqueiro.
Depois, a brasa de um cigarro. E então chegou até ele,
como um vento gelado, mortal, a voz do fumante: — Será
melhor que ela volte, Hoper... Muito melhor para todos...
CAPÍTULO QUARTO
“Persona non grata”
Por que morrer com escândalo?
Todos os animais têm vida
Palavra de rainha
Não teve dificuldade alguma em localizar os dois barcos
pesqueiros. Deviam medir cerca de cem pés, cada um, o
que não era muito, mas o suficiente para que suas
representações nas telas de radar ocultassem, ou pelo
menos confundissem, a representação do submarino, que
sempre estava entre eles. Um truque que podia falhar a
qualquer momento, mas que até agora tinha dado bons
resultados.
Sem a menor hesitação, Brigitte meteu a lancha entre os
dois barcos. E apenas tinha parado o motor quando das
bordas de ambos partiram delgados jatos de luz,
diretamente sobre ela. Havia uma outra lancha ali,
flutuando em suaves balanços. Viu a corda que a unia a um
dos pesqueiros, evitando que a maré a levasse para longe.
Um golpe de vista à amarra de sua lancha convenceu-a de
que não era bastante longa para chegar à borda daqueles
barcos. De modo que, simplesmente, atou-lhe a ponta à
mesma corda que mantinha presa a outra lancha.
Depois, e antes que lhe pudessem pedir alguma
explicação, deslizou para a água, empunhando a pequena
lanterna que fazia parte de equipamento de mergulhador.
Não havia muito fundo ali. Foi-lhe mais fácil localizar o
submarino que os barcos pesqueiros. Afinal, sua situação
estava perfeitamente definida: abaixo dos dois barcos e
entre eles.
O tubo de saída para mergulhadores ficava na proa.
Havia dois que, logicamente, destinavam-se ao
lançamento de torpedos. Mas tal arma parecia ter caído em
desuso entre os tripulantes do ‘‘Sibéria’’.
Deteve-se junto ao tubo de saída e, com a lâmina da
grossa faca, aplicou em sua borda as batidas
correspondentes à palavra “Sibéria”, em morse. Depois
dirigiu a luz da lanterna para o interior do tubo. Penetrou
neste, nadando lentamente, até chegar ao ponto em que
ele se alargava, formando como uma bolsa. Projetou a luz
para onde supôs que ficava a comporta interna, enxergando
claramente os fortes rebites. Tornou a bater contra a porta,
em morse, as letras da palavra “Sibéria”.
Houve um leve rumor atrás dela. Voltou-se a tempo de
ver fechar-Se a comporta externa. Durante três ou quatro
segundos, ficou encerrada na cabina metálica e
completamente envolta em água. A idéia de que alguém
quisesse pregar-lhe uma peça. Não tinha graça nenhuma.
Se não se abrisse a comporta interna, uma hora mais tarde
ela morreria ali, afogada, pois o tubo de ar não duraria mais
que isto...
Mas tal não aconteceu. Agitou-se a água ao começar a
ser expelida. Rapidamente, a cabina foi-se esvaziando, até
não existir mais água nenhuma. Então, a comporta interna
se abriu, para dentro. Brigitte, que já tinha tirado os pés-de-
pato e expelido o bocal do tubo de ar, apressou-se a
abandonar a cabina, penetrando no submarino.
Três homens estavam diante dela. Três homens altos,
louros, de olhos claros, observando-a com franca
curiosidade. O mal era que sublinhavam sua curiosidade
empunhando firmemente grandes revólveres. Todos
estavam de calças pretas e camisas de malha, amarelas.
— Quem é você?
— Quero ver o Martin — disse calmamente Brigitte.
Dispôs-se a desprender das costas o tubo de ar e um
daqueles homens ajudou-a. Os outros dois continuavam
olhando-a fixamente, sem deixar de apontar-lhe seus
revólveres.
— Você não pertence à Organização — disse um. —
Como conseguiu chegar aqui?
— Com uma lancha, um trajo de borracha e o
conhecimento do sinal para ser recebido a bordo — sorriu
Brigitte, empurrando para a testa a máscara de vidro. — E
se têm tempo para escutar-me, lhes contarei minha vida.
Onde está o Martin?
— Ocupado.
— Não dispõe de tempo para isso. Levem-me à sua
presença. Agora.
Os três homens se entreolharam, indecisos. Brigitte
contraiu as sobrancelhas e deu claras mostras de
impaciência.
— Precisarão chamar o Ermak pelo rádio?
— Ermak?
— Edgar Janot para vocês. — Tornou a sorrir.
— É que às vezes esqueço seu novo nome. Bem: que
resolvem?
Uma nova troca de olhares. Por fim, um dos bem
parecidos homens louros encolheu os ombros.
— Adiante — indicou um corredor. — Afinal, não sei por
que devemos perder tanto tempo. Se não é persona grata
aqui, logo saberemos. E então...
Brigitte dirigiu-se para o corredor metálico que lhe fora
indicado. O que tomara a decisão foi atrás dela,
acompanhado por outro. O terceiro ficou onde estava.
O interior do submarino era todo pintado de amarelo e
negro. Não havia outras cores ali. Só amarelo e negro; um
amarelo brilhante, um negro intenso. Parecia um submarino
velho, mas bem cuidado e em perfeitas condições. Através
dos diversos corredores que percorreram, foram vendo
alguns homens, todos eles com calças pretas e jérseis
amarelos. Nem um só deixou de olhá-la com curiosidade,
mas nenhum fez o menor comentário. Descalça, um pé
enfaixado, um trajo de borracha e urna diminuta pistola
entre os seios, e espiã internacional não tardou a
compreender que se tinha metido deliberadamente na boca
do lobo. Se assim fosse resolvido, ela jamais poderia sair
dali.
A sorte estava lançada.
Finalmente, detiveram-se num pequeno recinto que
parecia uma ante-sala. Havia uma porta ao fundo, na qual
via-se um letreiro: Terminantemente proibida a entrada.
Cirurgia.
E acima da porta, uma luz vermelha.
— Temos que esperar — disse o homem.
— Por causa da luz vermelha?
— Sem dúvida.
— Não posso perder nem um segundo. Quero que avisem
imediatamente o Martin, seja como for. Pouco me importam
o letreiro e a luz vermelha. Quero vê-lo. E agora mesmo.
— Pois terá que esperar. Se não respeita as normas do
“Sibéria”, nós respeitamos. Queira sentar-se.
“Baby” assentiu com a cabeça. Sentou-se numa poltrona
preta e ficou olhando fixamente para a porta. Tinha uma
idéia não pouco exata do que estava ocorrendo lá dentro.
Cirurgia. Numa sala de operações pode-se salvar uma
vida... mas também pode-se matar. Até fazer coisas piores.
Não existem armas mais afiadas que os instrumentos de
um cirurgião. Capazes de cortar longitudinalmente um fio
de cabelo. Mas tinha certeza de que ali dentro não estavam
brincando tão inocentemente.
— Faz calor aqui — disse.
Os dois homens a olharam, mas não disseram nada.
Brigitte dedicou-se durante alguns minutos e examinar
detidamente aquela espécie de sala de espera. Tudo
metálico, tudo pintado de negro e amarelo... Menos a luz
vermelha.
A um lado da porta via-se um painel com botões pretos.
No painel, apenas a palavra “Emergência”. Sobre a
porta, justamente no centro, a letra Z. E um dos botões, se
sua vista não falhava àquela distância, tinha também a letra
Z.
Baixou o fecho do trajo de borracha. Houve um fino ruído
e os dois homens a olharam. Compreendendo que, com
efeito, ela sentia calor, tornaram à sua indiferença. Um
estava junto à porta de entrada à ante-sala, o outro diante
da porta do fundo.
“Baby” introduziu a mão pela abertura do trajo de
borracha, entre os seios. Tateou a pistola, respirou
profundamente, como quem se sente mais à fresca e,
súbito, pareceu lembrar-se de que ainda tinha na cabeça o
ajustado capuz. Baixou-o para as costas e sorriu olhando um
dos homens, que a contemplava atento, expectante.
— Tem um cigarro? — perguntou-lhe.
O que a estivera contemplando aproximou-se, com a
mão direita no bolso da calça. Retirou-a com uma cigarreira
de cor amarela, que abriu diante de Brigitte. Quando ela
tirou o cigarro, fechou-a, roçou o polegar numa de suas
arestas e, por um ângulo da cigarreira, brotou uma pequena
chama.
— Obrigada... Uf, que calor!
Tornou a meter a mão entre os seios. O que lhe dera o
cigarro não se moveu, olhando fixamente para seu peito. A
abertura parecia bastante prometedora, de modo que não
era caso de desviar a vista.
“Baby” sacou a mão e, quando o homem viu a pistola,
abriu muito os olhos, quis mover a arma que continuava
empunhando, quis...
Plop.
A pequena bala foi direta ao seu coração e ele caiu para
frente, já morto, com uma diminuta mancha vermelha sobre
o jérsei amarelo. O outro voltou-se velozmente, viu aquele
final de cena, ergueu o revólver e disparou.
Plop.
O que estava caindo estremeceu ao receber o balaço nas
costas, salvando assim a vida de Brigitte, o que certamente
havia sido calculado por ela. E enquanto o morto recebia o
segundo balaço também abafado por silenciador, sua mão
armada apareceu por um lado, apontando para o outro.
Plop.
E assim, sem ruído, sem escândalo, muito discretamente,
dois homens passaram desta para melhor, O primeiro, caído
sobre Brigitte, foi elegantemente afastado, rolando pelo
chão. O outro, diante da porta do fundo, tinha tombado de
joelhos, com aquela manchinha vermelha sobre o jérsei
amarelo, justamente no centro do peito. Parecia negar-se a
morrer, de modo que “Baby” apertou novamente o gatilho
de sua pistola. Um novo “plop” e agora a mancha vermelha,
quase preta, talvez violácea, apareceu na testa do homem,
que caiu de bruços após um grotesco balanço para trás.
Tudo muito discreto, muito silencioso, muito correto.
Nada de escandalizar pelo simples fato de morrer.
Brigitte dirigiu-se para a porta, comprimiu o botão
marcado com a letra Z e ergueu a pistola com a mão direita,
enquanto com a esquerda empunhava o revólver de um
daqueles homens, maior, mais possante.
Houve um leve estalido e a porta correu para a direita,
desaparecendo.
Ali dentro, efetivamente, fora instalada uma sala de
operação. Três homens estavam inclinados sobre a mesa e
outros dois, um pouco afastados, um pouco pálidos,
assistiam à intervenção cirúrgica. Foram estes que olharam
para a porta. Ficaram petrificados de assombro, um
instante.
Imediatamente, Tolman, ainda com o trajo de borracha
de homem-rã, levou a mão à faca pendente de sua cintura.
Plop.
Ele foi um pouco mais escandaloso. Lançou um pequeno
grito, deu dois passos para trás, girou e caiu de bruços
sobre uma maca auxiliar, que se deslocou sobre suas rodas,
como esquivando o contato com o cadáver, o qual terminou
por cair no chão.
Então, sim, os três personagens metidos em aventais
brancos, mas sem a clássica máscara dos cirurgiões,
voltaram-se para a porta. Assim como Martin Blyston,
ficaram olhando incredulamente para aquela mulher cujo
trajo de borracha estava muito aberto no peito.
— Senhores: alguns passos para trás, por favor.
Retrocederam todos, O mais assombrado era, sem
dúvida, Blyston, que mal conseguiu articular: — Mrs.
Raysdale! Como conseguiu... chegar aqui?
— Depois falarei com você, Martin. Agora, coloque-se
naquele canto, com os “doutores”... Ou prefere levar
imediatamente um tiro no olho?
— Brigitte... — soou uma débil voz na mesa de operação.
— Brigitte, é você?
— Sou eu, Frankie.
— Venha, Brigitte... e mate-me... Eu lhe suplico: mate-
me...
Os olhos azuis de “Baby” Montfort pareceram agitar-se,
como se dentro deles um lago transparente entrasse em
turbulência. Sem perder de vista os quatro homens,
aproximou-se da mesa de operação e baixou o olhar um
instante.
Empalideceu intensamente e sentiu náuseas tão
violentas que temeu desmaiar.
— Brigitte... Brigitte...
— Frankie, Frankie querido, que fizeram com você?
— Não sei... Não sei, Brigitte... Queriam que lhes dissesse
o que...
— Não fale. Esqueça tudo, Frankie. Já passou. Agora eu
estou aqui.
— Puseram um espelho diante de meus olhos... Eu vi...
Quero que você me mate... Perdoe-me por ter sido tão
errado, como sempre... como sempre... Mas não trai você,
Brigitte... não trai...
“Baby” tornou a olhar aquele rosto ensangüentado, mas
agora se dominou melhor, teve mais controle sobre si
mesma. Era uma pura mancha de sangue. Simplesmente
isso.
— A caverna... fica a uns dois quilômetros... ao norte
de...
— Cale-se, Frankie. Já sei tudo isso. Fique quieto.
— Você vai me matar...? Vai, Brigitte?
— Não. Mas descanse. Peço-lhe, por Deus, Frankie, feche
os olhos. Não posso...! Feche os olhos, querido!
— Quero morrer... Quero morrer depressa...
Brigitte passou a língua pelos lábios. Seu olhar fixava-se
agora, alternadamente, nos três homens de avental branco.
— Vou dizer-lhes uma coisa — sussurrou — Algo que lhes
convém escutar com atenção... Os senhores são cirurgiões
plásticos?
Um deles moveu afirmativamente a cabeça, e ela fez o
mesmo, continuando:
— Está bem. Parece que sabem manejar seus
instrumentos. Agora, vão fazer completamente o oposto do
que fizeram. Têm uma hora. Uma hora apenas para...
recompor o rosto deste homem. Uma hora, nada mais. E
ficam prevenidos de que não é a primeira vez que assisto
a uma sessão de cirurgia plástica. Não poderão enganar-me.
Tomem seus instrumentos e comecem. Se o resultado
não me agradar ao término dessa hora, lhes darei uma
mostra da mais terrível e humilhante amputação que pode
sofrer um homem. E a farei nos senhores mesmos.
Compreendem?
Compreendem bem o que estou explicando? Devem
também ter em conta que meu sistema de cortar orelhas,
mãos, pés e arrancar olhos com um bisturi não é
exatamente... regulamentar. Bem entendido, senhores?
Os três acenaram afirmativamente.
— Pois comecem. Sessenta minutos.
— Não... não é possível em tão pouco tempo conseguir
que...
— Noventa minutos. Suficiente
— Podemos tentar...
— Será melhor que consigam. Mãos à obra. Você,
Blyston, vire-se de costas para mim.
— Mrs. Raysdale, creio que poderíamos...
— Chegar a um acordo? Também pensei nisso. Mas fica
para depois. Vire-se.
— Se me matar agora, não sairá viva daqui.
— Nunca me impressionou matar de frente, Blyston. Por
que lhe pedir que se vire, então? Quanto ao mais, talvez lhe
sirva de alguma coisa saber que não sou Nora Raysdale.
— Quem é, então?
— Pode chamar-me “Baby”. Será atendido.
— Não!
— Não... quê?
— Você não pode ser “Baby”!
— Parece que ouviu meu nome antes, Blyston. Pois sou
“Baby”, da CIA. E está bem informado a meu respeito,
saberá que sou capaz de qualquer coisa: desde a mais
nobre atitude, ao mais abjeto assassinato... Só depende dos
outros, vire-se. Por favor.
Martin Blyston virou-se e Brigitte, cautelosamente,
aproximou-se dele. Súbito, golpeou-o na nuca com a pistola
e, enquanto ele ainda estava caindo, tornou a fazê-lo, no
mesmo lugar. Tudo isto tão velozmente, que os cirurgiões
nem tiveram tempo de pensar em alguma oportunidade
para eles.
— Esqueçam-se de mim, senhores. Têm muito trabalho
pela frente.
Os três se apressaram a iniciar a tarefa de “recompor” o
rosto de Frank Minello, enquanto Brigitte, sem os perder de
vista um só segundo, arrastava para a sala de operação os
cadáveres dos dois homens que a tinham acompanhado até
ali. Fechou a porta, após certificar-se de que a luz vermelha
continuava acesa, e sentou-se num tamborete metálico.
Permaneceu imóvel durante quinze minutos. Decorridos
estes, tirou a cigarreira do que a tinha obsequiado e
acendeu um cigarro. Estava terminando-o quando Martin
Blyston começou a mover-se.
Devagar, dirigiu-se a ele e tornou a golpeá-lo com fria
indiferença, fazendo estremecer um dos cirurgiões, que
desviara momentaneamente o olhar.
— Vinte e dois minutos — anunciou: — prossigam com
seu trabalho.
Tornou a sentar-se e acendeu outro cigarro, olhando para
o relógio existente numa das paredes.
*
Martin Blyston tornou a abrir os olhos e começou a
recuperar-se. Estava olhando turbidamente ao seu redor
quando viu Brigitte, sentada, imóvel, com um cigarro na
mão esquerda, sua pistola na direita, olhos fixos nele.
— Fique onde está, Blyston. Estendido no chão.
Senhores: já se passaram quarenta e três minutos.
Dispõem tão somente de quarenta e sete.
Blyston olhou para os cirurgiões. Todos eles tinham a
fronte molhada de suor.
— Mrs... ‘‘Baby”, se me...
— Cale-se.
— Oitenta e cinco minutos.
— Já... já estamos terminando...
— Excelente.
Pôs-se de pé, foi à mesa de operação e olhou o rosto de
Minello.
— Parece que está bem... Quanto falta?
— Uns... uns dez minutos. Temos que venda-lo agora...
— Terminem.
*
— Está pronto... Terminamos.
— Dirijam-se àquele canto. Algum perigo para o
paciente?
— Nenhum. Tudo foi bem. Uma intervenção apressada...
mas tudo foi muito bem. Éramos três, assim...
— Para o canto. De joelhos e voltados para mim. As mãos
na nuca, a cabeça baixa, olhos fixos no chão. Não olhem
para mim, nem para ninguém. Olhem para o chão, como
fazem os porcos.
Os três cirurgiões obedeceram mansamente. Parecia que
não eram homens de briga.
— Primeiro, o da direita. Nome.
— Uriah Fatterman.
— O seguinte.
— Benvenuto Spicolini.
— O ultimo.
— Ivan Zenikov.
— Um americano, um Italiano, um russo... Bonito
conjunto. Qual é seu trabalho neste submarino? Fale você,
Zenikov. Poucas palavras, mas bem esclarecedoras. Não me
obrigue a fazer pergunta após pergunta.
— Estamos encarregados de mudar os rostos dos
comandantes que aceitam trabalhar para “Sibéria”. Em
qualquer lugar do mundo pode Surgir esse comandante.
Então, prepara-se sua morte. Procura-se um homem com
características físicas parecidas. Um homem qualquer. Se o
comandante que aceita o emprego tem próteses dentárias,
sinais cirúrgicos, ou ossos soldados, põe-se esse homem...
em condições. Um de seus braços é quebrado e depois
engessado, ou seus dentes são extraídos para que lhe
sejam feitas próteses idênticas às do comandante em
questão, ou ele recebe uma cicatriz indicadora de
apendicectomia, por exemplo. Quando esse homem está
preparado, leva-se ao lugar do acidente, em substituição ao
comandante que interessa a “Sibéria”. Então, esse homem
é o que realmente morre no acidente, com todos os
documentos e objetos pessoais que, junto com as próteses
ou marcas de intervenções cirúrgicas, ajudem a identificá-
lo.
Oficialmente, o comandante morre. E então, vem para
cá.
Aqui, é submetido a uma operação facial que transforma
seu rosto, de modo que pode aparecer livremente diante de
qualquer pessoa que o tenha conhecido antes.
— Entendo que matam um inocente e transformam o
rosto do comandante que aceite trabalhar para “Sibéria”.
— Exatamente.
— Que mais? Você, Fatterman.
— É-lhe proporcionada documentação falsa, e assim
pode circular livremente por todo o mundo. Uma vez
conseguido o novo rosto, já em perfeitas condições físicas,
ingressa na escola de comandantes. Alguns destes têm...
tinham antes graduação maior. Há generais, coronéis...
Mas todos saem desta sala com o posto de comandante.
Passam então na escola de bordo. Nesta, recapitulam e
atualizam seus conhecimentos militares. Alguns, devido à
sua idade e experiência, são aproveitados como
professores. Dedicam-se a instruir jovens sem formação
militar, que são recrutados em diversas partes do mundo.
Os que antes da operação facial já eram militares são
denominados “veteranos”; os outros, “novatos”. Entre uns e
outros, nos últimos cinco anos, conseguimos pôr em
circulação uns vinte comandantes de aluguel. Os
“veteranos” custam dez mil dólares diários; os “novatos”,
cinco mil.
— Compreendo. Comandantes de aluguel... A quem os
alugam?
— A quem pague o preço. Temos vários representantes
de “Sibéria”, que viajam por todo o mundo oferecendo os
serviços dos comandantes de aluguel. Procuram, é claro,
países mais propensos às revoluções. Na maioria dos casos,
os revolucionários carecem de armas e de chefes
conhecedores das táticas militares. Nós alugamos os
comandantes aos revolucionários.
— Sem se importar que tenham razão ou deixem de ter?
— Isso não é de nossa conta.
Brigitte olhou para Martin Blyston.
— Falemos dos africanos. Onde estão?
— Mortos e no fundo do mar.
— Tinham motivo justo para preparar sua revolução?
— Nenhum. Queriam apenas servir-se de nossos
comandantes e nossas armas para usurpar o poder e utilizá-
lo em beneficio próprio.
— Bem mortos então. Falemos agora dos comandantes
que são... operados. Sabem eles o que estão fazendo?
— Sem a menor dúvida. É-lhes oferecido um soldo
mensal que oscila entre cinco e dez mil dólares. Tudo lhes é
explicado e, geralmente, aceitam. Isso depois de terem sido
selecionados.
— E os que não aceitam?
— Bem, esses... morrem de fato num acidente.
Brigitte endureceu mais ainda sua expressão.
— E os que aceitam?
— São operados, freqüentam a escola militar de bordo,
que é dirigida por um veterano general russo, depois
passam à escola prática de “Fox-den Blue Cavern”, e já
estão em condições de trabalhar. Durante cinco anos,
sabem que trabalharão para “Sibéria”. Cumpridos esses
cinco anos, podem aposentar-se, caso o desejem, com sua
nova personalidade e nunca com menos de trezentos mil
dólares limpos. Quase sempre ultrapassam os quinhentos
mil.
Limpos, entenda-o bem. Jamais conseguiriam tanto
prosseguindo em suas primitivas carreiras.
— Evidentemente não... Abandonam tudo, permitem que
outros homens morram em seu lugar, mudam de rosto, de
nacionalidade, de identidade... Eu diria que não são pessoas
decentes, Blyston.
— Não são.
— Nesse caso, seria uma boa idéia eliminar todos eles,
não? Há muitos atualmente neste submarino?
— Entre professores e operados que assistem às aulas
até que seus rostos cicatrizem, uns vinte e cinco. Os
restantes estão em “Fox-den Blue Cavem”.
— Bem. Temos neste submarino uma sala de operação,
uma enfermaria, uma escola militar de readaptação... Que
há em “Fox-den Blue Cavem?
— Já lhe foi dito: a escola prática.
— Em que consiste?
— Os comandantes egressos do “Sibéria” vão para lã
praticar. Travam lutas mortais com esquimós que são
trazidos do norte, da Groelândia, dos confins do Canadá...
— Creio que não entendo bem isso, Blyston.
— Aprendem a matar. Os esquimós são postos diante
deles, desarmados, e os comandantes têm que matá-los o
mais rapidamente possível, sempre calculando a provável
reação do inimigo... Ou seja, dos esquimós. Mas,
primordialmente, aprendem, em situação real, quais os
pontos vulneráveis do corpo humano. Quando são alugados
têm que estar prontos para a luta.
— E para que aprendam bem a matar, treinam com
esquimós? Matam-nos de verdade, simplesmente para
aprender?
— Exato.
— Isso é monstruoso! É a coisa mais repugnante de que
tenho notícia! De quem foi a idéia?
— De Edgar Janot. Ele é o chefe absoluto, foi quem
organizou tudo. A história teve início quando matou um
cientista soviético para roubar-lhe a fórmula das cápsulas do
“Silencioso”. Um gás, misturado com um liquido, dentro de
uma ampola; quando essa ampola rebenta, seu contendo
entra em contato com o ar e produz uma descarga elétrica
mortal. Entretanto, não afeta absolutamente os objetos sem
vida.
— Eu sei.
— Sabe?
— Esta noite fui alvejada com um “Silencioso”. Mas agora
recordo, Blyston, você não está ao corrente da pouca sorte
que tiveram os homens encarregados de vigiar-me e a
Ernest Raysdale quando este se pusesse em contato
comigo.
— Estando você viva, Quase se pode adivinhar o resto.
— Foi espetacular. Por que você chamou Janot de Ermak?
Martin Blyston olhou rapidamente os três cirurgiões e fez
um gesto negativo com a cabeça.
— Não lhe direi.
— Não? Bem... talvez fosse conveniente falarmos a sós,
Blyston. Que lhe parece a idéia?
— Boa.
— Acha que poderíamos chegar a um acordo?
— É o que desejo, sinceramente — asseverou.
— Faríamos este acordo numa base que não discutirei,
Blyston — indicou o anestesiado Frank Minello: — ele tem
que sair do submarino. E vivo.
— Posso arranjar isso.
— Está fazendo muitas facilidades, Blyston.
— Digamos que acabei por me convencer de que você é
a agente “Baby” da CIA. Nossos representantes em todo o
mundo ouviram falar muito a seu respeito. De um modo
geral, têm-lhe medo, mas ao mesmo tempo dizem-na capaz
de estranhos rasgos de humor... Oxalá seja esta uma de tais
ocasiões.
— O que conviria bastante a você.
— Sim. É evidente que, se você está aqui, é porque a CIA
a apóia com toda a sua força. Isso significa que nossa
organização está liquidada. Embora você morra, todo nosso
esforço terá sido em vão. E a culpa é exclusivamente de
Ernest Raysdale. Horrorizou-se um pouco quando o fizeram
treinar matando esquimós. Não gostou.
— E por isso fugiu. Quer dizer que, no fundo, Ernest
Raysdale ainda tinha algo de bom. Mas agora está morto, e
parece-me que era o menos que merecia. Deixemos isso e
falemos de meu amigo: como o tiraremos daqui?
— Esclareçamos antes urna coisa: que me oferece em
troca?
— Sua vida é um bom preço, Blyston?
— É bom — admitiu astutamente Martin Blyston. — Mas
não suficiente. Todos os animais têm vida. E as plantas. E se
me forçar um pouco, direi que talvez até as pedras tenham
vida própria. Mas eu não sou um animal, nem uma planta,
nem uma, pedra...
— Entendo. Que pede?
— O mesmo que teria conseguido se a organização
tivesse continuado em marcha: Dois milhões de dólares,
liberdade e uma documentação novinha em folha,
legalizada nos Estados Unidos.
— De acordo.
Martin Blyston franziu a testa.
— Cedeu muito rapidamente, “Baby”.
— Não cedi. Apenas aceitei. A vida de meus amigos vale
mais que isso, Blyston. Bem entendido que nesse preço está
incluida a entrega completa da organização.
— Lógico. A mim só interessa minha vida. E sei muito
bem que se você não sair viva deste submarino, tampouco
eu sairei.
— Isso é mais verdadeiro que a luz do sol. Não o
esqueça, Blyston. Se o trato for levado em termo, será
porque eu estarei viva, para exigir da CIA que cumpra
minha palavra. Se eu não continuar viva, temo que você
não durará muito, vá aonde vá. Devo dizer-lhe, também,
que dispomos de pouco tempo. Se ao amanhecer eu não
tiver regressado, este submarino e os barcos pesqueiros
serão torpedeados. Não estou brincando, Blyston.
— Pois mãos à obra. Tirarei daqui você e seu amigo,
entregarei o submarino numa bandeja a quem você quiser e
a levarei às montanhas, a “Fox-den Blue Cavem”. É o
suficiente?
— É. E não hesite, Blyston: a agente “Baby” só tem uma
palavra. Palavra de rainha.
— Eu sei. Posso mover-me agora com inteira liberdade?
— Não. Até que meu amigo esteja a salvo, não.
— Ocupemo-nos dele, então: trato é trato.
CAPÍTULO QUINTO.
Tudo bem com dose rosas vermelhas
Escola de comandantes
O anfitrião
A primeira coisa que Martin Blyston fez foi esconder
dentro de um armário metálico os cadáveres dos dois
homens que tinham levado Brigitte até ali, bem como o de
Tolman, junto ao qual estava o fuzil denominado
“Silencioso”, desdenhado por ela até aquele momento. Ou
talvez estivesse demasiado preocupada com Frank Minello
para pensar em Outras coisas.
Apanhou-o, então, enquanto Blyston escondia os
cadáveres. Ele se deu conta da manobra, pareceu a ponto
de dizer alguma coisa, mas terminou por encolher os
ombros, como se repetisse para si mesmo que um trato era
um trato.
Escondidos os cadáveres, ordenou aos sombrios
cirurgiões que se colocassem perto da mesa, como se
estivessem recolhendo os instrumentos, recomendando-lhes
que não se afastassem dali.
Dirigiu-se em seguida a um lado da parede, abriu nesta
um retângulo de quarenta por trinta centímetros, ficando
visível uma tela de televisão junto à qual havia diversos
botões amarelos e o bocal de um microfone.
— Naturalmente — comentou, indicando a tela —, é
circuito fechado, para uso exclusivo do submarino. Tem um
alcance não inferior a meia milha, durante o dia. De noite,
temo que bem menor. Mas suficiente para você ver como
seu amigo fica a salvo no...
— Não, não, não, Blyston. Nada disso. Eu direi como o
meu amigo ficará a salvo.
— Como?
— Será retirado do submarino com equipamento de
escafandrista. Não de homem-rã, mas de escafandrista,
para trabalhos longos de imersão como soldaduras, rebites
etc.
Têm esse trajo de escafandrista, não?
— Temos, claro...
— Mande que o tragam, que o coloquem em meu amigo
e que este seja cuidadosamente transportado à superfície.
O
trabalho será feito por dois de seus homens-rãs e,
quando estejam na superfície, nós poderemos vê-los nesta
tela. Será necessário emergir o submarino?
— Bem... Pelo menos até que apareça na superfície a
câmara acoplada ao periscópio.
— Melhor. Assim Frankie não terá que permanecer muito
tempo submerso. Depois será colocado numa das lanchas
que estão lá em cima. Um dos homens-rãs voltará e o outro
conduzirá a lancha até o entreposto. Quando lá chegar, será
detido por um homem ao qual dirá que Mrs.
Raysdale o envia. Entregará o meu amigo a esse homem
e lhe dirá exatamente isto: “Tudo vai bem com doze rosas
vermelhas. Diga-me seu nome como contra-senha para
“Baby”. Está bem claro, Blyston?
— É um pouco elaborado, mas claríssimo. Você cuida
demais de seus amigos.
— Ou assim, ou nada feito.
— Será como diz. Só um de seus amigos está esperando
no entreposto?
“Baby” sorriu ironicamente.
— Exatamente lá, um apenas.
— Compreendo. Vejamos se meu comportamento a
convence, “Baby”.
Ele começou a dar ordens pelo microfone. A primeira
delas foi de imersão até a altura do periscópio. Depois
passou às outras, calmo, com segurança. Recebeu a
resposta de que emergiam e, logo em seguida,
apresentaram-se dois homens trazendo o trajo
escafandrista. Em obediência às instruções de Martin
Blyston, sem estranhar nada nem fazer comentário algum,
ambos colocaram aquela pesada indumentária em Frank
Minello. Levaram-no depois, suspenso entre ambos, e a
porta da “Cirurgia” fechou-se às suas costas.
— Estou pensando, Blyston... Como trouxeram o meu
amigo ao submarino, sem trajo de borracha, nem nada...
— Bem, deve ter passado mal quando o descemos,
Tolman e eu, sem equipamento. Felizmente para ele, é um
camarada forte.
— Não compreende que isto lhe podia ter custado a
vida?
— Tivemos que correr esse risco.
Era um trato, e parecia que ambos tinham interesse em
cumpri-lo. Mas Brigitte olhou tão duramente para Blyston
que este, paradoxalmente, quase riu. O trato estava feito e
o resto, o que o precedera, não tinha importância. A vida de
um dependia da do outro.
— Não demorarão muito a aparecer na tela.
Mas decorreram quase dez minutos até que os dois
homens-rãs, levando entre eles o inanimado escafandro,
aparecessem à superfície negra do mar, no meio dos dois
barcos de pesca.
— Está vendo bem, “Baby”?
— Muito bem.
Minello foi içado a uma das lanchas. Depois um dos
homens-rãs voltou ao submarino e o outro se afastou,
tripulando a lancha, até perder-se de vista.
— Bom — disse Blyston: — agora só nos resta esperar.
*
Apenas soou a batida na porta, Martin Blyston abriu-a,
defrontando-se com o homem-rã que voltava com a contra-
senha dada pelo homem que se encarregara de Minello no
entreposto.
— “Johnny” — disse ele.
Blyston voltou-se para Brigitte, que assentiu com a
cabeça. O homem foi despedido e novamente fechada a
porta. Blyston encarou “Baby”.
— Mais alguma coisa? — indagou sorrindo.
— Antes de sair daqui, quero conhecer bem o submarino.
— Será uma perda de tempo que...
— Quero conhecê-lo. Depois, ambos partiremos, Blyston.
— Como queira — ele encolheu os ombros. — já posso
recuperar meu revólver?
— Pode. Suas roupas estão na lancha?
— Claro. Vou mostrar-lhe o submarino. Ninguém se
oporá, sobretudo vendo que você leva um “Silencioso”.
Quem utiliza essas armas goza da mais absoluta
confiança.
— Ótimo. E estes homens?
— Pois precisamos fazer alguma coisa a respeito deles,
claro... Creio que tenho a solução mais adequada.
Plop... Plop... Plop...
Assim. Com absoluta indiferença, Blyston atirou três
vezes, tão rapidamente que para tentar detê-lo só caberia a
Brigitte o recurso de matá-lo. Como não o fez, as três balas
chegaram a seus alvos respectivos, isto é, à testa de cada
um dos cirurgiões que até então se haviam dedicado à
fabricação de rostos novos para os comandantes de aluguel.
Caíram formando um monte, como se tivessem sido
empurrados ao mesmo tempo, chocando-se una contra os
outros, grotescamente.
Blyston olhou de revés para Brigitte, malignamente, com
um sorriso perverso nos lábios.
— Tenho a impressão que você não gostou disto, “Baby”.
— Detestei: foram três assassinatos desnecessários.
— Bom... Minha segurança antes de tudo. Não seria
prudente deixá-los trancados aqui, vivos. Agora, entretanto,
podemos fazê-lo com a maior tranqüilidade. Vamos?
Saíram da “Cirurgia”. Blyston deixou acesa a luz
vermelha, fechou a porta e estalou dois dedos.
— Ninguém os importunará enquanto esta luz estiver
acesa — declarou, rindo.
*
Estiveram percorrendo o submarino, tranqüilamente,
durante quase uma hora. Toda a tripulação usava calças
pretas e jérsei amarelo. Somente os três oficiais de bordo é
que acrescentavam a isto um quepe, também amarelo e
preto, com a indicação de seu cargo.
O interior do “Sibéria” era assombroso. Tudo sempre em
amarelo e preto, e raiando pelo luxo. Havia sala de recreio,
com televisão de canais públicos, rádio, biblioteca,
discoteca. Tudo reduzido às possíveis dimensões do
submarino, é claro, mas confortável, silencioso, ameno.
Ampla cozinha, dormitório, banhos turcos, radar, sonar,
televisão em circuito fechado, cabina de tiro ao alvo a curta
distância, sala de “testes” para adestrar a mente,
desenvolver a astúcia, a capacidade de improvisação e
solução, e uma sala de aula com capacidade para trinta
alunos, com as paredes cobertas de gráficos que a Brigitte
pareceram referentes a táticas de combate.
Porém o mais assombroso de tudo eram os alunos do
“Sibéria”. Vinte e cinco ao todo, no momento. Todos de
calça preta, jérsei amarelo e sobre o peito, à esquerda, a
palavra “Comandante”. E, sem exceção, todos tinham o
rosto coberto de ataduras, pois vinham de submeter-se à
operação plástica que se constituía em requisito inicial de
sua nova carreira. Decorreria pelo menos uma semana até
que aquelas bandagens pudessem ser removidas. E
possivelmente outras duas antes que fossem transferidos
a “Fox-den Blue Cavem”, a fim de matar esquimós e
aprender o melhor sistema de eliminar rapidamente um ser
humano.
Com exceção de uns poucos que permaneciam no
dormitório, sentados em seus beliches, fumando,
conversando ou lendo, eles se reuniam na sala de recreio,
ouvindo música ou disputando partidas de xadrez, damas,
pôquer...
Que espécie de homens havia sob aquelas bandagens,
sob aqueles uniformes amarelos e pretos? Brigitte notou o
frio impacto de todos os olhares. Ninguém fez o menor
comentário, ninguém disse nada. Nem sequer os três ou
quatro homens, todos eles com mais de quarenta anos, que
tinham o rosto descoberto e, sobre a camisa amarela, a
indicação “Comandante-Chefe”. Ou seja, os instrutores, os
que tinham demonstrado mais aptidão para o ensino que
para o serviço ativo. Só um deles, o de meia idade, com um
espesso bigode grisalho, ostentava no peito as estrelas de
general. Alguns, bastante jovens, tinham o rosto
descoberto.
Eram os admitidos diretamente para servir à
organização.
Também estes, se revelassem capacidade, seriam
denominados “Comandantes” e alugados como tais, após
um curso muito mais extenso que o seguido pelos outros.
No caso de não se revelarem capazes, seriam utilizados
em “Fox-den Blue”, ou passariam aos serviços auxiliares de
“Fox-den Blue Cavern”. Ou, em último caso, seriam
eliminados.
Ninguém disse nada, ninguém fez qualquer comentário,
não lhes foi dirigida nenhuma pergunta.
— Está satisfeita?
— Mas... que espécie de homens são esses, Blyston.?
— Ambiciosos, divergentes, ressentidos, preteridos,
oportunistas... Todos os exércitos do mundo têm elementos
assim. É só procurá-los.
— Limitemo-nos a considerar a personalidade de Ernest
Raysdale. Por que um militar abandona uma brilhante
carreira, a esposa, tudo, inclusive sua própria identidade,
para ingressar em “Sibéria”?
— Era ambicioso e inconformado. E inteligente demais
para satisfazer-se com o destino que o esperava: duros anos
de regimento para chegar, no máximo, a coronel. Guerras,
diferentes destinos, separações familiares. Parece que não
estava de acordo. Ofereceram-me creio que setenta e cinco
mil dólares anuais, depois a aposentadoria, cumpridos cinco
anos de serviço. Aceitou.
— E sua esposa?
— Quando se entra aqui, “Baby”, a família já não existe.
Mais ainda: quase sempre escolhemos comandantes,
coronéis ou generais que não tenham família alguma. E,
positivamente, não se admitem militares que tenham filhos.
A esposa, em geral, pode ser esquecida. Os filhos,
sabemos por experiência que são mais difíceis de esquecer.
Mulheres há muitas em todo o mundo; filhos, não.
— Compreendo. Todos esses homens sabem exatamente
o que aceitam ao serem recrutados por “Sibéria”?
— Sem dúvida. Se o que quer saber é se têm escrúpulos,
ou algo parecido, digo-lhe que absolutamente. São, na
realidade, carne para canhão. Todos inteligentes, audazes,
muito tenazes, insensíveis... Só de quando em quando pode
surgir um como Raysdale, que se negue ao treinamento
final. Como ele, foram três. Mas os outros dois... não se
afastaram muito da caverna.
— Ah... Eu diria que neste submarino não existe um só
homem que valha alguma coisa.
— No sentido em que você o diz, não existe mesmo.
Todos eles são ressentidos, amorais, ambiciosos,
frustrados.
Não resta neles, saiba-o bem, um só sentimento bom.
Foram escolhidos exatamente por isso. Não queremos
homens de outra classe.
— É natural. Quantos agentes de... recrutamento têm
vocês em todo o mundo?
— Uns vinte. Viajam, obtêm informações... Finalmente,
consultam Edgar Janot, oferecendo a ficha do selecionado.
Se Janot diz que sim, as negociações são iniciadas.
— E ele? Quem é Edgar Janot?
— Um homem astuto, com boa cabeça para organizar as
coisas. Tem um fichário completo desses vinte agentes que
viajam pelo mundo em busca de comandantes. Tem, é claro,
as fichas de todos nós, as de todos os militares propostos,
tanto aceitos como recusados, as dos que já saíram do
“Sibéria” e de “Fox-den Blue Cavern”, as dos que estão
agora aqui no submarino. É um homem metódico, de forte
personalidade, que sabe fazer cumprir sua vontade.
— Onde guarda ele este arquivo?
— Nem eu mesmo sei. Mas deve estar em sua casa, é
lógico. Debaixo do assoalho, entre as telhas, enterrado... É
só procurar bem, que será encontrado, principalmente se
a procura for feita, por agentes da CIA.
— Não tenha dúvida de que o encontraremos. Mas Edgar
Janot... Quem é? O que é? O que foi? Seu nome verdadeiro é
Ermak, não?
— Ermak Kolitia. Um siberiano que servia no exército
russo como sargento. Pode imaginar?
— Um sargento russo!
— Bom... Digamos que Ermak Kolitia é um dos que
poderíamos chamar ressentidos ou frustrados. Em certa
ocasião, descobriu que um cientista soviético estava
terminando um novo projétil mortal...
— As cápsulas do “Silencioso”?
— Exato. Esteve rondando o cientista, à espera de sua
oportunidade. E encontrou-a. Matou o cientista, apoderou-se
da fórmula e desapareceu, Durante três anos, a MVD
esteve à sua procura por todo o mundo, sem resultado.
Enquanto isso, ele se dedicava a viver, após cortar os
cabelos e alterar o rosto com algumas cicatrizes.
— Mas não tem nenhuma!
— Os doutores do “Sibéria” tiveram seu primeiro trabalho
com o rosto de Ermak Kolitia. Agora, ele não seria
reconhecido nem pela própria mãe.
— E antes, enquanto era caçado pela MVD?
— É muito esperto. Enquanto o procuravam por toda a
face da terra, ele soube esperar seu momento, vivendo
como um simples pastor nas altas planuras da Mongólia.
Hoje, na organização por ele criada, é o generalíssimo
“Sibéria”...
Não deixa de ser divertido.
— Pelo menos, é interessante. Mas tudo isso deve ter
requerido muito dinheiro. Como o conseguiu?
— Se lhe disser, não vai acreditar.
— Por que não?
— Pois, durante uma de suas escapadas ao Alasca, que
diria você que ele descobriu?
— Não sei... Ouro?
— Platina. Durante seis meses, esteve extraindo platina,
com suas próprias mãos, em estado de quase absoluta
pureza. Depois veio um terrível inverno e Kolitia abandonou
a busca até a próxima temporada. Quando chegou a
primavera seguinte, tudo tinha ficado oculto sob uma
imensa avalancha. Mas como ele já tinha platina suficiente
para o que queria empreender, ficou tranqüilo.
Mais tarde... Quer dizer: pensava tentar redescobrir
aquela platina mais tarde. Mas enquanto isso, conseguiu ser
“generalíssimo”.
— Está louco?
— Absolutamente. De sargento a general, de pobre
soldado a generalíssimo milionário, a diferença é notável.
Ele jogou suas cartas, eis tudo.
— Mais tarde ou mais cedo, a MVD o encontrará.
— Demasiado tarde — observou Blyston, sorrindo. — Ele
já foi encontrado pela CIA, não é?
— De fato — sorriu também Brigitte. — Você parece
conhecê-lo muito bem, Blyston.
— Fui seu primeiro colaborador. Procurou-me em Kenai,
falou de meus barcos pesqueiros. Quando dei pela coisa,
era algo assim como seu sócio, seu braço direito. E
esta é a situação atual. Sou o segundo “generalíssimo”
de toda a organização.
— E vai realmente trair a todos?
— Está querendo dizer-me algo especial? — intrigou-se
Blyston.
— Não... Suponho que, como sempre, cada um luta em
seu próprio favor.
— Essa é a questão. E agora, se está de acordo, podemos
sair do ‘‘Sibéria”.
— De acordo.
— Vamos colocar os tubos... Preciso afastar-me um
momento. Não demorarei.
— Aonde vai?
—Quero chamar Ermak para dizer-lhe que tudo está bem,
que amanhã irei visitá-lo e explicar-lhe como tudo ficou
resolvido. Não está bem assim?
— Se jogar sujo, sairá perdendo, Blyston — advertiu
“Baby”.
— Já sei. Vou jogar sujo... mas com Ermak. Sinto muito,
na verdade, mas eu venho antes de todos. Comece a
colocar o tubo e o resto. Não demoro mais que cinco
minutos.
Assim foi. Brigitte já estava pronta para dirigir-se à
cabina de expulsão, e Blyston preparou-se rapidamente.
Olhou para, o fuzil “Silencioso” que ela conservava e
tirou-o das mãos com um sorriso cortês, astutamente, sob o
olhar dos tripulantes que os ajudariam a sair.
— Será melhor que deixe isto aqui, Mrs. Raysdale. Se se
molhar, não servirá de nada. Podemos ir. Foi um prazer
mostrar-lhe o submarino, ser seu anfitrião no “Sibéria”.
CAPÍTULO SEXTO
Uma idéia como outra qualquer.
Carga explosiva com mecanismo de tempo.
Os canalhas sempre perdem, no fim.
Não houve dificuldade alguma durante a saída.
Apareceram os dois, entre os barcos de pesca, e Brigitte
tomou a iniciativa, nadando para a lancha em que tinha
chegado três horas antes. Pelo menos, o proprietário a
encontraria no porto, embora não no lugar onde tinha por
costume deixá-la.
— Trocamos de roupa agora? — perguntou Blyston.
— Não. Faremos isso no entreposto. Minhas roupas estão
lá.
— Se alguém nos vir chegar...
— Ninguém nos verá. Ainda faltam umas três horas para
que amanheça nesta latitude. Eu guiarei a lancha. Já a
conheço.
— Como queira.
A principio, tinham partido alguns fachos de luz dos
pesqueiros, mas logo se extinguiram, possivelmente ao ser
reconhecido Blyston. Deixaram ali a lancha deste e “Baby”
conduziu a outra para o porto de edificações suspensas
sobre a água. Não hesitou quanto à direção que devia
seguir, uma vez no pequeno porto, apesar da semelhança
da maior parte dos entrepostos. A lancha deteve-se, por
fim, junto ao embarcadouro.
Mas quando Brigitte dispunha-se a amarrá-la, Blyston
fez-lhe sinais negativos, empunhou novamente o remo, já
que a última parte do trajeto tinha sido efetuada por tão
silencioso processo, e impeliu a pequena lancha até colocá-
la sob o alçapão. Ergueu o remo, empurrou com força e
sentiu que o retângulo de madeira cedia, terminando por
abrir-se com toda a facilidade, completamente.
E uma voz veio de cima:
— “Baby”, você está bem? Tudo vai bem?
— Tudo bem, “Johnny”. Trouxeram o capitão Carson?
— Está aqui... Pelo menos suponho que seja ele. Dê-me
suas mãos.
Pela negra abertura surgiram as grandes mãos do agente
e Brigitte agarrou-se a elas. Foi içada com um simples
puxão.
O interior da casa estava às escuras, mas via-se bem a
silhueta de “Johnny”.
— Nenhuma novidade aqui? - perguntou-lhe Brigitte.
— Nenhuma. Tudo perfeito.
— E o amigo Melvin?
— Muito bem amarrado, aguardando seu triste destino.
— Vejamos onde deixou o Frankie... Acenda a luz, por
favor.
— Não me parece prudente.
— A estas horas, ninguém notará. Além disso, será
apenas por alguns segundos. Quero ver o Frankie.
— Está bem. Que aconteceu no submarino?
— Depois lhe contarei.
“Johnny” acendeu a luz, justamente no momento em que
Blyston estava baixando o alçapão.
Frank Minello apareceu deitado sobre uns sacos que
cheiravam a peixe, sujos de areia e de escamas. Mas,
certamente, não se poderia arranjar ali nada melhor.
Brigitte colocou dois dedos sobre sua artéria regular. Ele
vestia o pesado trajo de escafandro, sem o capacete, a
cabeça completamente enfaixada. Parecia um morto. Mas
não estava morto. Seu sangue circulava. Um pouco
lentamente, mas sem dar motivo a inquietação.
— Seu amigo como está?
Ela ergueu a cabeça e olhou para Blyston, que se tinha
posto a seu lado. “Johnny”, a uns passos de distância, não
perdia de vista o lugar-tenente de Ermak Kolitia, fixando-o
com seus olhos claros, implacáveis, de expressão quase
maligna.
— Bem assentiu Brigitte. — Bem demais para os maus
momentos que lhe fizeram passar. Tão bem, que me
pergunto se este homem é realmente o meu amigo.
— Pode retirar-lhe as ataduras e verificar — sorriu
Blyston, quase divertido.
— Não será necessário tanto. Ajude-me a descobrir uma
de suas mãos... Com multo cuidado. “Johnny”, veja, se pode
arranjar-me um pedaço de vidro.
Ela e Blyston sacaram um braço de Minello do trajo de
escafandrista, um trajo inteiriço, luva impermeável incluída.
Quando viu a larga espádua, a textura da pele, os pêlos
do peito, ela quase resolveu não insistir, convencida.
Conhecia muito bem seu amigo Frankie: tinham nadado
juntos multas vezes, tomado banhos de sol... aquele era seu
peito, amplo, forte. Mas...
“Johnny” tinha quebrado o vidro de uma janela,
protegendo as mãos com um pedaço de saco e quase sem
fazer ruído. E como compreendera o que ela pensava fazer,
entregou-me o pedaço de vidro após limpá-lo
cuidadosamente.
Brigitte bafejou-o e comprimiu contra ele o polegar
direito de Minello, obtendo assim uma nítida impressão
digital. Examinou-a rapidamente e atirou para um lado o
pedaço de vidro.
— De acordo, Blyston.
Este contemplava-a sinceramente assombrado.
— Você é bastante engenhosa e astuta, “Baby”.
— Já me disseram isso muitas vezes. Temos amigos em
Kenai, “Johnny”?
— Claro. Embora sejam apenas dois.
— Chegam. Chame-os pelo rádio e...
“Johnny” estava movendo negativamente a cabeça.
— Já os chamei. E não responderam. Sinto muito, mas
teremos que arranjar-nos sozinhos.
— Justamente quando mais precisamos de colaboração...
Não poderemos ir muito depressa com Frankie neste
estado.
Tampouco dispomos de um helicóptero?
— Isso sim. Mas é muito pequeno. Não agüentaria o peso
dos cinco.
— Podemos deixar o Hoper aqui — sugeriu Blyston.
— Deixá-lo aqui?
— Bem... Atendido certo requisito de segurança,
entende-se, amigo “Johnny”.
— Não sou seu amigo. Está insinuando que matemos
Hoper?
— É uma idéia como outra qualquer, não lhe parece? O
importante é escapar daqui sem demora.
— Por que tanta pressa, Blyston? — indagou “Baby”. —
Somos nós, da CIA, e não você, que devemos ter pressa em
chegar a “Fox-den Blue Cavern”. Entretanto já que você
tranqüilizou Ermak Kolitia, podemos proceder sem essa
precipitação que às vezes estraga tudo.
— Era só uma idéia — resmungou Blyston.
Estendido no chão, solidamente atado, Hoper olhava-o
com clara expressão de ódio, ainda pálido pelo susto que
lhe causara a “sugestão” de Blyston no sentido de aliviar o
helicóptero.
— Pois a idéia não é aceita. Eu mesma eliminaria Hoper
se fosse necessário, mas de certo modo estou-lhe
reconhecida, além de sempre ser muito imparcial no que se
refere a recompensas e castigos, Blyston.
— Está bem, está bem! Seja como for, partamos já, se
não têm inconveniente.
Brigitte olhou-o multo atenta. Que se passava ali? Algo
sujo, sem dúvida. Qualquer coisa não ia bem; de um ou de
outro modo, uma armadilha estava preparada em algum
lugar. Ou seria imaginação sua? Olhou para “Johnny” e viu-o
imperturbável, quase indiferente, parecendo não fazer
agora o menor caso de Blyston. Era como se o tivesse
esquecido, apesar de saber muito bem que ele estava
armado.
— Nenhum inconveniente — declarou “Baby”. -
Ajudarei Hoper a sair daqui, até seu carro, Blyston. Você
e “Johnny” levarão meu amigo, com cuidado, por favor.
— Perfeito... Oh, tenho de apanhar alguma coisa lá em
cima, em meu escritório.
Indicou o jirau. Brigitte olhou para lá e contraiu as
sobrancelhas.
— Tem que apanhar o quê?
— Uma coisa.
— Blyston, estou notando algo de suspeito em sua
atitude: se não me disser do que se trata, não subirá lá.
Martin Blyston fez uma cara azeda.
— De acordo. Tenho lá em cima um milhão de dólares,
escondido. É o dinheiro que me deram os dois africanos, em
pagamento adiantado pelo aluguel de dez comandantes e
dez “Silenciosos”. Satisfeita?
— Em parte. Suba com ele, “Johnny".
— Para quê? — protestou o agente. — É claro que Blyston
não está mentindo, “Baby”. Que suba ele sozinho a essa
espécie de gaiola. E que se apresse.
— Assim farei — sorriu Blyston.
Dirigiu-se à escada de madeira que levava ao jirau onde
estava montado seu escritório, enquanto Brigitte, não pouco
surpresa, estudava atentamente o rosto de “Johnny”, que se
limitou a sorrir-lhe de um modo vago. E sem saber por que,
“Baby” Montfort abriu um pouco seu trajo de borracha,
tocando com os dedos a culatra da pistola; tinha a
impressão de que ia necessitar dela. E súbito,
compreendeu: “Johnny”
estava mentindo. Mas qual era a mentira?
Em cima, Martin Blyston retirou de entre as tábuas da
parede o pacote que continha o milhão de dólares, com
efeito. Mas, depois disto, introduziu a mão mais
profundamente na parede, até encontrar o que buscava.
Quando a retirou, nela estava uma granada.
Com quem pensavam aqueles estúpidos agentes da CIA
que estavam lidando? Com algum pobre-diabo?
Naturalmente, tudo estava perdido para a organização, e
ele o sabia multo bem. Mas se matasse aquela gente lá
embaixo, teria o caminho livre para escapar. E não ficaria
ninguém atrás dele para persegui-lo, já que também o
dariam por morto... Trato com a CIA? Possível, mas perigoso
e incerto. Por outro lado, jogando à sua maneira, tinha
certeza de que poderia escapar, levando um milhão de
dólares, sem mais complicações. E assim havia ele tudo
planejado. Ninguém ao seu encalço... E os demais
acreditariam que o personagem Martin Blyston tinha
morrido, de modo que jamais seria procurado por ninguém.
Com semelhantes perspectivas e um milhão de dólares,
a vida ainda poderia ser bastante agradável.
Sorrindo sinistramente, arrancou o gancho que
sobressaia da parte superior da granada. Deu dois passos,
atirou-a por cima da balaustrada e lançou-se a um canto,
encolhendo-se quanto podia e protegendo a cabeça com os
braços.
Embaixo, ouviu-se claramente o baque surdo da granada
nas tábuas do assoalho.
E foi tudo.
Após alguns segundos de estupefata imobilidade, Blyston
começou a tirar os braços de sobre a cabeça.
Acabou por sentar-se... e teve um sobressalto de espanto
ao ver “Johnny” no fim da escada, com a mão esquerda
erguida, segurando entre os dedos algo multo pequeno.
— Esperava que jogasse sujo, quem quer que você fosse.
E sem isto, Blyston, a granada não podia funcionar.
Vamos?
Ah: eu me encarreguei do milhão de dólares que já tinha
encontrado antes. Quer ter a bondade?
Martin Blyston começou a levantar-se. Mas subitamente
emitiu um grito de raiva, soltou o pacote de dinheiro e levou
a mão ao revólver.
Plop.
Plop.
Recebeu os dois balaços em pleno coração. Caiu
novamente sentado, apoiando-se no canto da parede, olhos
abertos, rosto crispado numa última expressão de terrível
ódio. “Johnny” aproximou-se, apanhou o pacote e tornou a
descer como se nada tivesse acontecido. Deteve-se diante
de Brigitte, sorrindo mordazmente.
— Ajudo-a a mudar de roupa, ou pensa sair daqui assim?
— Mudarei — disse Brigitte, sorrindo também.
— Importa-se que enquanto isso eu chame nossos
companheiros?
— Em absoluto, “Johnny”.
— Você é uma mulher de corpo inteiro, “Baby” — disse
ele. — É... evidente.
Enquanto Brigitte tomava a vestir suas roupas, “Johnny”
sacou o rádio de bolso e fez o chamado. E disse apenas:
— Tudo em marcha.
Brigitte não terminara ainda de vestir-se quando
apareceram quatro homens, que após olhá-la e sorrir
maldosamente, dedicaram-se a tirar Minello e Hoper do
entreposto. “Johnny”, aproximou-se dela e fechou o zipper
de seu vestido, nas costas.
— Há dois helicópteros esperando — explicou.
— Deixaremos o capitão Carson em Anchorage, de onde
será levado a Nova Iorque em vôo direto e particular. Lá
será recebido pelo chefe daquele setor, esse a quem você
chama de “tio Charlie”, segundo fui informado quando me
designaram para ajudá-la. Hoper irá junto com ele e, de
Nova Iorque, suponho que o levarão diretamente para
Washington, onde, a menos que colabore, passará por maus
bocados. Quanto a nós, seis ao todo, suponho que
deveremos viajar nos dois helicópteros para “Fox-den Blue
Cavern”, depois de deixarmos Carson em Anchorage.
Embora, pensando bem, talvez fosse melhor que Hoper
viesse conosco, para levar-nos diretamente a essa caverna
sobre a qual estivemos conversando. Dispomos de pouco
mais de duas horas antes que amanheça. Alguma sugestão,
“Baby”?
— É uma observação — sorriu ela: — você é muito
eficiente, “Johnny”.
— Com você, não há mais remédio que navegar a toda a
vela, querida. Além do que, eu não ia ficar três horas aqui
sem fazer nada, de modo que tomei uma série de
providências.
Um dos agentes da CIA solicitados por “Johnny”
apareceu na porta.
— Tudo pronto. Disposto?
— Disposto — riu Brigitte.
Tomou o braço de “Johnny” e saíram os dois da casa.
Poucos segundos após, estavam dentro de um dos
carros, com Frank Minello entre ambos. Hoper lá no outro
carro, com os outros três agentes, bem guardado,
certamente.
Os veículos puseram-se em marcha, afastando-se do
porto, para onde estavam à espera os helicópteros.
E já saiam de Kenai quando, sobre o mar, houve um
vivíssimo resplendor. Um resplendor de várias cores, com
abundantes zonas brancas de espuma, erguendo-se na
noite estrelada. Foi uma gigantesca tromba d’água, surgida
entre os dois barcos de pesca por efeito da terrível explosão
submarina. Todo aquele trecho da costa iluminou-se um
instante ao clarão branco e vermelho daquela explosão
ocorrida a duas milhas de distância.
Um tanto alterado, “Johnny" recorreu novamente ao
rádio de bolso.
— Mike, ainda está me ouvindo?
— Vai contar-me da explosão?
— Você viu?
— Lógico.
— Bem... Torne a chamar, avisando do fato. Que forcem
as máquinas, os submarinos da Marinha. Talvez... tenha
ficado algum sobrevivente.
— Duvido. Uma carga explosiva com mecanismo de
tempo é coisa séria. Tenha em conta que pudemos vê-la
funcionar à distância de mais de duas milhas como se a
tivéssemos diante de nossos narizes. Passo o aviso à
Marinha com o rádio central. De qualquer modo, se vão pela
superfície ou à altura de periscópio, possivelmente também
viram. Mais alguma coisa?
— Nada mais.
— Bem, parece que o submarino e os barcos pesqueiros
não puderam escapar. Vejamos o que você terá a dizer a
respeito dessa “Fox-den Blue Cavern”.
— Até logo, Mike.
— Boa sorte.
“Johnny” guardou o rádio e olhou para o mar, onde agora
se via um resplendor maior e uniforme, mais estático.
— Parece que Martin Blyston tinha seus próprios projetos,
não é verdade? Queria explodir o submarino, matar-nos...
Seria também ele dado por morto e, com um milhão de
dólares, não lhe teria sido difícil fazer a grande vida em
qualquer parte do mundo. Um homem muito prevenido.
— Realmente — murmurou Brigitte. — Muito prevenido.
Mas nunca soube que os canalhas de sua espécie tivessem
sorte até o fim. Vemos a “Fox-den Blue Cavern”, "Johnny”.
— Você manda.
CAPÍTULO SÉTIMO
A traição está ao alcance de todos
Caçado em pleno ar
Nova Cinderela
Conversando com as raposas
Num rincão profundo das montanhas, dentro de uma das
cavernas desconhecidas do Alasca, Ermak Kolitia, o falso
canadense Edgar Janot, deteve-se novamente junto ao rádio
de possante bateria, com o qual seu homem de confiança,
Grom, tentava conseguir alguma comunicação.
— Nada, Grom?
— Nada, patrão. Ninguém responde.
O siberiano Kolitia consultou seu relógio e carregou o
cenho.
— Falta ainda uma hora para que amanheça —
murmurou. — Mas creio que não vamos esperar até então,
Grom. Devemos partir.
— O senhor é quem sabe.
Grom pôs-se de pé e saiu do pequeno recinto atrás de
Kolitia, que parecia ainda mais gigantesco naquele lugar
fechado, cruzado de corredores naturais tão estreitos e
baixos que, em certas ocasiões, ele tinha que se inclinar, ou
passar de lado devido à amplitude de seus ombros. Em
menos de um minuto, chegaram ao fim do corredor
interceptado por uma porta ultra-sólida. Kolitia abriu-a com
sua chave, entrou e fez um gesto circular.
— Destrua tudo. Eu me ocuparei da fórmula das cápsulas
e de todas as que temos prontas. Você tem certeza de que
confiscou todas as cápsulas e fuzis em poder dos
comandantes e subalternos?
— Tenho, sim senhor. Coloquei tudo no forno, como o
patrão determinou. Bem, menos o meu fuzil...
— Conserve-o, por enquanto. Mas tenha cuidado. Se
apanharem você, abra a culatra e destrua as ampolas.
Ninguém pode conhecer essa fórmula. Destrua também
todos os instrumentos e frascos, O que não puder ser
quebrado, ao forno onde fabricamos o gás.
— Está bem, patrão.
Grom começou a quebrar os aparelhos e recipientes de
vidro, e a atirar dentro do forno o que não podia ser
destruído a mão. Em poucos segundos, o laboratório ficou
completamente destroçado, arrasado. Enquanto isso, Ermak
Kolitia tinha tirado várias bandejas de um estreito
compartimento aberto na rocha. Bandejas que continham
nada menos que três dúzias de cápsulas cada uma. E todas
foram parar no forno, cuidadosamente transportadas pelo
sargento siberiano traidor e desertor do exército russo, A
última coisa atirada ao forno foi um simples pedaço de
papel: a complicada fórmula do líquido e do gás que
continham as cápsulas.
— Talvez fosse melhor levar essas cápsulas, patrão. Se
sairmos desta, poderemos começar de novo, em outro lugar.
— Sim, não tenha dúvida. Onde quer que eu vá,
continuarei sendo o “generalíssimo”, com centenas de
comandantes às minhas ordens... Sim, começaremos tudo
novamente, disso você pode estar seguro. Quanto à
fórmula, devia tê-la já destruído há multo tempo, pois a
guardo de memória.
— Sabe tudo isso de cor? — assombrou-se Grom.
— Tive cinco anos para estudá-la. Acabei decorando-a.
Mas sempre quis um máximo de garantia... Agora, já não
preciso dela para nada. Acenda o forno e vamos.
Minutos mais tarde saiam do laboratório, Ermak Kolitia já
um pouco impaciente, mas firme em seu posto até
certificar-se de que tudo estava sendo feito de acordo com
seus desejos.
Num minuto, deixaram atrás aquelas estreitas galerias e
surgiram num grande recinto abobadado; o teto tinha ali
não menos de quinze metros de altura, e o diâmetro da
caverna não era inferior a cento e cinqüenta metros.
Apoiadas às paredes, viam-se metralhadoras, alvos
montados sobre suportes munidos de rodas, panóplias onde
se viam facas, sabres, baionetas, lanças. Um pedaço da
parede, alisado e pintado, servia de quadro-negro e nele
viam-se as peças de um moderno canhão, desmontado,
desenhadas a giz amarelo. Havia pequenas barragens feitas
de estacas, de sacos de areia, tábuas e paralelepípedos.
Pequenas fortificações protegidas por cercas de arame
farpado, pontes pênseis, simples cordas que iam de um a
outro lado do amplo recinto, presas às paredes por ganchos
de ferro fincados na rocha. Viam-se armações de troncos,
das quais pendiam bonecos que tinham sido perfurados mil
vezes por balas e por baionetas, lanhados a sabre,
estripados a faca.
Havia muito pouca luz naquele momento, pois não
entrava por nenhuma das fendas do teto a claridade do dia
e as lâmpadas eram escassas, para não forçar os geradores
subterrâneos a um consumo excessivo de energia.
Ao passar, Grom golpeou um dos bonecos pendentes.
— Que fazemos com os esquimós? — perguntou.
— Deixe-os. Deixe ficar a todos. Não nos podemos dar o
trabalho de acomodar todos eles, um por um. Pena...
Havia desta vez um esquimó que talvez pudesse dar
combate ao comandante russo. É verdade que mede quase
um metro e oitenta?
— Sim senhor. E parece bastante forte.
— Bom. Passaremos para vê-lo, de saída.
Abandonaram o grande pátio de armas e treinamento,
saindo num corredor de largura desigual e teto de diversas
alturas, ondulante. Trinta metros mais além, uma outra
porta ultra-sólida, fixada à rocha por grandes gonzos. Grom
acionou um interruptor, depois correu o ferrolho que
trancava o postigo de vigilância, à altura dos olhos de um
homem normal. Ermak Kolitia teve que se inclinar um pouco
para poder olhar.
Dentro, doze esquimós tinham levantado a cabeça e
seus olhos enigmáticos fixaram-se naquele rosto agressivo,
torvo, que os olhava do outro lado, através dos três
barrotes.
O olhar frio do siberiano caiu sobre aquele esquimó de
estatura surpreendente.
— Pena... — murmurou.
Estavam todos presos à parede por meio de grilhetas que
se fechavam em seus tornozelos. Pareciam muito
assustados, mas não disseram nada. Já haviam perdido toda
a esperança, desde que capturados pela patrulha especial
de Kolitia. E, certamente, não tinham idéia exata do que os
esperava.
Kolitia fechou violentamente o postigo.
— São mansos como pingüins — grunhiu
desdenhosamente. — Quase me dão vontade de atirá-los
aos cães, vivos, já que os comandantes não poderão mais
treinar com eles.
Seguiram adiante. Uns cem metros além, lia-via outra
porta idêntica, diante da qual estava um homem de calça
preta e camisa de malha amarela. Portava um enorme
revólver, num coldre pendente do ombro esquerdo.
— Tudo bem, Surlaville? — perguntou Kolitia.
— Tudo, general.
— Os comandantes descansam?
— Sim, general.
— Excelente. Até amanha, Surlaville.
— Às suas ordens, general.
Kolitia e Grom afastaram-se, o primeiro sorrindo
capciosamente.
Havia mais cavernas em ambos os lados do tortuoso
corredor. Nelas viam-se bilhares, mesas de pingue-pongue,
canchas de boliche... Nenhum jogo ou passatempo estático,
ou seja, o oposto do que existira no submarino. Tudo era de
ação, em “Fox-den Blue Cavern”. Havia um almoxarifado,
depósitos de mantimentos e munições, ginásio, duchas,
uma pequena piscina cuja água brotava da rocha e que
devia ser de uma frialdade arrepiante.
— É uma lástima destruir tudo isto, Grom.
— Sei disso, patrão. Mas seria pior querer conservar
qualquer coisa nestas circunstâncias.
Não havia mais multo corredor a percorrer. Dois minutos
após, saíram ao ar livre por uma estreitíssima fenda que,
como sempre, obrigou Ermak Kolitia a mover o enorme
penhasco que a ocultava quase completamente.
— Escaparemos no helicóptero?
— É mais rápido e oferece mais caminhos. Temos que
recorrer a ele, claro. Agora, o detonador. É lamentável, mas
quando a viúva Raysdale e seus companheiros, sejam eles
quais sejam, chegarem aqui, só encontrarão uma montanha
desmoronada e, dentro, algumas dezenas de cadáveres.
Estavam deslizando por um lado da montanha quando
começaram a ouvir, ao longe, o zumbido dos motores.
Durante quatro ou cinco segundos, os dois ficaram
imóveis, até que Grom murmurou:
— Motores... São helicópteros! E estão se aproximando!
Olharam ambos para cima, porém só podiam enxergar as
estrelas e a noite negra, que começava a adquirir um leve
tom cinzento, prenunciador do amanhecer. Um vento frio e
trazendo gotas de chuva açoitava a montanha, vindo das
culminâncias dos Montes Chugash.
— Talvez sejam dos nossos...
— Não, Grom. Teriam avisado da chegada, ou respondido
aos nossos chamados. Continuemos.
Os dois helicópteros não tardaram a aparecer, como
brilhantes silhuetas suspensas à luz das estrelas. Sua
manobra de descida, diretamente para entrada de “Fox-den
Blue Cavern”, foi claríssima, ao ponto de Kolitia comentar
friamente:
— Algum dos nossos está colaborando com eles. Mas a
traição está ao alcance de todos. Ele também morrerá... E
quantos entrarem na caverna.
Os helicópteros baixaram tanto que desapareceram de
sua vista. Estavam ao pé da montanha, logo abaixo da
fenda de entrada. E já quase do outro lado da montanha,
Ermak Kolitia afastou uma pesada pedra e indicou o oco, no
qual via-se uma grande alavanca de conexão.
— Vão morrer todos, Grom. Você esperará até que...
— Eu? — atalhou Grom, com voz trêmula. — Eu sozinho?
— Sabe muito bem coma funciona isto — grunhiu Kolitia.
— Quando você baixar a alavanca, disporá ainda de um
minuto para escapar...
— Mas não haverá tempo! — gritou Grom.
— Haverá sim! E lhe direi porquê. Eu vou descer para
buscar o helicóptero. Voltarei a fim de recolher você. Já
estarão todos dentro da casa... Quando você me vir
exatamente sobre sua cabeça, acione a alavanca. Baixarei,
com uma corda pendente. Você terá apenas que se agarrar
a ela, e iremos para longe daqui. Que dificuldade vê em
tudo isto?
— Não sei... Não me agrada! É muito perigoso!
— Grom, você tem que entender: se nos afastarmos
daqui os dois juntos, não poderemos acionar a alavanca.
Então, todos continuarão vivos, os nossos serão
capturados e contarão tudo, tudo... Faça como eu digo!
— Está bem. Farei... Mas quando estiver com a corda
atada na cintura.
— De acordo.
O siberiano pôs-se a descer rapidamente a encosta, para
o esconderijo do helicóptero. E foi nesse momento que se
deu conta de que já não ouvia os motores dos dois
aparelhos recém-chegados. Já tinham parado. A qualquer
instante, seus passageiros escalariam facilmente a
montanha, chegariam à fenda, entrariam na caverna... E
então, Grom baixaria a alavanca.
Um sorriso sinistro contorceu as feições violentas de
Ermak Kolitia, enquanto ele continuava a descer, a toda
pressa, arrancando arbustos, fazendo escorregar pedras,
tropeçando, oscilando, mas aprumando-se sempre, como
um daqueles gigantescos abetos.
Quanto a Grom... Oh, sim, ele baixaria a corda, deixaria
que a atasse bem à cintura, e que acionasse a alavanca.
Depois o levaria, alto, muito alto... e cortaria a corda.
*
Em cima, muito perto da alavanca de conexão, Grom
escutava atentamente, procurando um ruído no silêncio da
noite, absoluto desde que não mais se ouviam os dois
helicópteros.
Mas não escutou ruído algum, nada. O silêncio... Até um
minuto depois, quando ouviu, com força, a chegada de um
helicóptero. Afastou-se da rocha, olhando para cima. Com
efeito. O helicóptero estava descendo rapidamente, na
vertical. E pela abertura da portinhola pendia uma grossa
corda.
Excitado, inquieto, Grom voltou-se para a alavanca. O
rumor produzido pelo helicóptero impedia-o de ouvir
outra coisa, mas alguma coisa ele viu, à sua direita e um
pouco abaixo, que o obrigou a lançar um grito abafado.
Estava certo de que tinha entrevisto, entre as moitas, a
cabeça de um homem...
Sem pensar duas vezes, levantou o fuzil e disparou para
lá. Brotou o clarão rosado, alaranjado talvez... E entre os
arbustos brotou outro, acompanhado de um curto grito de
espanto.
Grom ergueu a cabeça para o helicóptero e lançou uma
imprecação quando o viu afastando-se. Não podia
compreender que, vendo os dois clarões, Kolitia concluíra
que era perigoso aproximar-se... Só podia compreender que
ele o abandonava ali.
— Patrão! — gritou, erguendo o fuzil de cano de alumínio.
— Seja três vezes maldito! Volte...
Plop.
Recebeu o pequeno impacto no peito e caiu sentado na
encosta, como atordoado. Torceu o corpo, Voltando-se para
a alavanca. Agora compreendia tudo, subitamente: iam
matá-lo. Ia morrer. Mas não morreria sozinho, não...
Plop.
Agora recebeu o impacto nas costas, quando se
incorporava tentando alcançar a alavanca. Pareceu a ponto
de cair, mas agarrou-se freneticamente à rocha com uma
das mãos, erguendo novamente a outra...
Plop.
Esta vez, a pequena bala penetrou-me no crânio. E foi
tudo.
Brigitte apareceu, agarrando-se precariamente a umas
moitas, olhando para o helicóptero que se distanciava.
Deixou-se resvalar até o ponto onde jazia Melvin Hoper,
com “Johnny”, que tinha já deixado de auscultá-lo.
— Morto, é lógico — murmurou ela. — Quase o lamento,
“Johnny”. Portou-se muito bem, à última hora.
— Portou-se bem? — grunhiu “Johnny”. — Fez-nos uma
proposta e a aceitamos: nossas vidas em troca de sua
liberdade. Ele sabia que tentariam destruir a caverna e
utilizou isso a seu favor. Se não o tivessem morto, ficaria em
liberdade. Jogou sua cartada... e perdeu. Apenas isto.
Viu o dispositivo?
— Vagamente. É melhor que você se encarregue de
desligá-lo, “Johnny”. Por via das dúvidas...
— Bem.
— Vou descer.
— Descer? Para quê?
— Naquele helicóptero vai Ermak Kolitia. Eu o alcançarei.
E vou dar-lhe o remédio que ele mesmo preparou.
Ergueu o fuzil que tinha escapado das mãos de Grom.
Abriu a culatra e franziu a testa.
— Resta apenas uma cápsula... Mas é suficiente.
— Irei com você.
— Não. Desligue O dispositivo. Depois se reúna aos
outros e espere a chegada das forças militares que estão a
caminho. Eu me ocuparei de Ermak Kolitia.
— Isso... é muito perigoso, “Baby”.
Na obscuridade já com aquele tom acinzentado, “Johnny”
viu o sorriso brejeiro da espiã internacional.
— Para quem, “Johnny”? Para Kolitia ou para mim?
E sem esperar a resposta, deixou-se praticamente
escorregar montanha abaixo.
Dois minutos após, voava para “Fox-den Blue”.
*
E por via das dúvidas, depois de ver o helicóptero de Ermak
Kolitia pousado na esplanada, aterrissou fora da cerca do
arame, de modo que se os cães estivessem soltos contaria
com a defesa da própria cerca. Aproximou-se desta, olhando
para a, casa, que estava completamente às escuras.
Mas claro que o siberiano tinha que estar lá. Precisaria
apanhar qualquer coisa; dinheiro, principalmente.
E como os brancos cães selvagens estavam em sua
gaiola, Brigitte atirou seu fuzil por cima e depois,
introduzindo os dedos entre as malhas da cerca, Iniciou a
ascensão firmando-se também com a ponta dos sapatos.
Deixou-se cair do outro lado, entre duas gaiolas de
raposas.
Apanhou o fuzil e olhou uns segundos os olhos
fosforescentes de alguns daqueles animais, que deviam
estar fixando-a expectantes, curiosos, atentos.
— Sssttt — fez ela, sorrindo e levando um dedo aos
lábios. — Nada de escândalos agora, queridas.
Mas os cães começaram a ladrar furiosamente,
lançando-se contra o aramado fortíssimo de sua gaiola. Os
doze cães selvagens que ficariam sem sua ração infame de
esquimó. E também sem sua ração de espiã, por pouco que
ela pudesse...
Estremeceu ao pensar nisto e prosseguiu para a casa,
inclinando-se. Os cães a estavam delatando, claro. Mas uma
coisa era que Kolitia soubesse ter chegado alguém, e outra
que soubesse onde estava este alguém. Portanto, naquele
momento, devia estar escondido dentro da casa, esperando
localizá-la para atirar talvez com um rifle, ou com um
daqueles fuzis que disparavam ampolas.
Os cães ladravam cada vez com maior excitação. E
como Brigitte ia-se aproximando mais e mais de sua
gaiola, os ladridos pareciam perfurar-lhe a cabeça,
atravessando-a de unia a outra orelha. Via brilhar os
brancos caninos, os olhos que pareciam carvões acesos. Os
lombos arqueados, a áspera pelagem eriçada ao longo da
espinha... Em sua opinião, Kolitia havia cometido um erro
deixando de soltar aquelas feras. Tivesse-o feito, que
ninguém jamais entraria ali e ele poderia chegar
tranqüilamente ao helicóptero que esperava multo perto da
casa. Um erro que o siberiano ia pagar muito caro.
Mas Ermak Kolitia havia realmente cometido um erro?
Não era ela quem o estava cometendo?
Deixou de ouvir tudo: os latidos dos cães, os uivos
excitados das raposas... Tudo. Naquele momento, Brigitte
Montfort só estava capacitada para ver. Para ver aquela
corda presa ao ferrolho da gaiola dos cães. Corda que
rodeava a gaiola e afastava-se, em direção à casa. Depois,
parecia que terminava, mas... Não. Outra, mais fina, estava
ligada à primeira e...
Subitamente, “Baby” sentiu um calafrio tão intenso que
toda ela estremeceu. O medo mais total e absoluto que
jamais conhecera. E quando estava assim, completamente
paralisada, a corda grossa começou a esticar-se, ficou por
fim completamente reta, ouviu-se um estalido metálico...
Soltou um grito trêmulo, fez meia volta e correu
desabaladamente em direção oposta à gaiola dos cães
selvagens, levando atrás dela, a menos de dez metros, a
matilha ululante. Num único segundo, pensou mil coisas
diferentes: voltar-se e disparar, continuar correndo, tentar
transpor as portas de arame das gaiolas onde se agitavam
as raposas, lançar-se em pleno vôo, cair no chão e dar-se
por vencida...
E súbito, nesse mesmo segundo, a solução. Sua última
oportunidade.
Agarrou o ferrolho da gaiola que tinha à sua direita
naquele momento e puxou-o, O ferrolho correu. Abriu,
rapidamente a porta e colocou-se do outro lado. Dois dos
cães chocaram-se violentamente contra o arame, lançando
rugidos furiosos. Caíram sobre os outros que chegavam em
enraivecido tropel, formando um espantoso conglomerado
de fauces escancaradas, colmilhos reluzentes, olhos
coruscantes.
Saltou para o Interior da gaiola, puxando
desesperadamente a porta. Só precisava ajustá-la que o
trinco se fecharia automaticamente... Mas não foi assim.
Entre a porta e o caixilho ficou o espaço de uns vinte
centímetros. Quer dizer, justamente o tamanho da cabeça
de um dos cães, que ficara imprensada, quase ao rés do
chão.
O animal rugia como um autêntico demônio, forcejando
por entrar, os ardentes olhos fixos na presa que queria
escapar-lhe pela segunda vez. Brigitte puxou com toda a
força de que era capaz, tentando quebrar o pescoço do
bruto, mas evidentemente isso era muito mais difícil do que
parecia, naquelas condições. Seus dedos crispavam-se no
arame.
Ainda que fosse preciso decapitar aquele bicho, ela
fecharia a porta.
Mas os outros cães estavam saltando, numa tentativa de
abocanhar seus dedos, que sobressaiam pelo outro lado. A
qualquer momento, uma daquelas dentadas podia arrancar-
lhe algumas falanges.
Tentando uma última chance, abriu mais algumas
polegadas a porta e, quando o cão arremeteu, golpeou-o
com o pé em plena boca, atirando-o fora e deixando entre
seus brilhantes colmilhos o sapato.
A porta fechou-se e “Baby” caiu sentada, trêmula, com
as mãos no rosto, gemendo:
— Meu Deus...
Os cães continuavam latindo e investindo, loucos de
raiva. Nas gaiolas das raposas começara um tremulante
concerto de pavor. Era multo fácil compreender naquele
momento o medo das raposas por cães selvagens como
aqueles.
Afastou as mãos do rosto, por fim. E a primeira coisa que
viu à sua frente foi os olhos cintilantes da raposa-mãe da
gaiola, seus agudos dentes à mostra, sua cauda tesa.
— Oh, não... Vocês, não! — protestou. — Vocês, não!
Mas felizmente a raposa parecia ter adotado apenas uma
atitude defensiva. Obstruía o acesso à casinhola traseira,
onde estavam seus filhotes, mantendo-se imóvel, os
luminosos olhos fixos na intrusa. Só isso.
Por entre o enervante concerto de ladridos, chegou a
Brigitte o som de um motor. Pôs-se de pé e olhou para onde
estava o helicóptero de Ermak Kolitia. E distinguiu este,
tranqüilamente sentado ante os comandos, olhando em sua
direção. Avistava-se tudo como manchas cinzentas e
branco-azuladas. Estava chegando o dia.
E enquanto chegava a luz do sol, Ermak Kolitia partia.
Para onde? Em que novo lugar do mundo reencetaria
suas atividades?
Não havia sido tolo, não... Tola fora ela. Ele atara a corda
ao ferrolho da gaiola dos cães, entrara na casa, retirara de
lá o que lhe interessava e, em vez de partir levando-a à cala
de seu helicóptero, tinha-a esperado. A ela ou a quem fosse.
Depois soltara os cães e agora, calmamente, dispunha-se a
abandonar “Fox-den Blue”. Não se aproximaria a tiro de
pistola, não... Não lhe interessava o combate. Apenas, a
fuga.
— Pois não vai conseguir, Ermak...
Brigitte apanhou o fuzil, meteu-o dentro do vestido e
agarrou-se à tela de arame que separava aquela gaiola de
outra, começando a subir.
Quando chegou em cima, o helicóptero estava já a uns
sete metros do chão, elevando-se verticalmente.
Sem fazer caso de sua dolorosa posição naquela
estreitíssima barra metálica, sentou-se, esforçando-se por
conservar o equilíbrio. Ergueu o fuzil e, já a quase cem
metros dela, viu a cabeçorra de Ermak Kolitia justamente no
centro da mira telescópica... Então, apertou o gatilho.
O clarão que se produziu diante dela cegou-a
momentaneamente. Mas não a ponto de impedir que visse o
outro, que brilhou lá no helicóptero. E de imediato, o
aparelho pareceu sacudir-se. Subiu mais, inclinou-se para
um lado e começou a cair, girando loucamente, o motor
rugindo, lançando-se empós do homem que tinha saltado
por uma das portinholas, como um boneco, inerte.
O primeiro a chegar em terra foi Ermak Kolitia. E logo em
seguida o helicóptero, que rangeu estrepitosamente, rotas
as pás da hélice, partida a cauda, esmagado o ventre.
Com uma só pá inteira, a hélice ainda girou alguns
segundos, com ruído estridente, por cima de Kolitia. Por fim,
tudo ficou imóvel na esplanada de aterrissagem de “Fox-den
Blue”.
E então os cães selvagens dispararam para lá, soltando
diabólicos latidos, as agudas presas sempre prontas para
estraçalhar.
— Não... — murmurou Brigitte. — Não, não...!
Mas os cães selvagens atiraram-se sobre o cadáver de
Ermak Kolitia e puseram-se a dilacera-lo com a implacável
força da fome e da fúria. Em três segundos, os focinhos
tingiram-se de vermelho. Só três segundos, porque o
helicóptero, subitamente, explodiu como uma granada: uma
retumbante explosão vermelha, negra e violácea, que
arremessou os cães, despedaçados, em todas as direções.
A onda explosiva, ardente, chegou até Brigitte, como um
impacto abrasador, empurrando-a, lançando-a para trás. A
fim de não quebrar a cabeça ou as costas na queda, teve
que soltar o fuzil e agarrar-se com ambas as mãos à barra
que rematava o aramado. Ficou pendente da barra,
avermelhada pelo resplendor do incêndio, depois se deixou
cair. Houve outra explosão, menor, menos violenta, e
novamente tudo tomou um tom violáceo.
Por fim, a carcaça do helicóptero foi-se consumindo,
lentamente, envolta em chamas, enquanto no ar aparecia
outro, que chegava a toda a velocidade.
Aterrou junto ao de “Baby” e dele saltaram dois homens,
correndo para a alta cerca, que escalaram sem qualquer
hesitação. Um deles precipitou-se para a casa, enquanto o
outro se aproximava dó helicóptero que ardia agora
mansamente.
Olhou-o durante alguns segundos, multo atento. Parecia
procurar alguma coisa... que não encontrou. Depois, correu
também para a casa, reunindo-se ao outro. Logo tornaram a
aparecer, revólver na mão, olhando para todos os lados. O
mais alto apontou para os barracões e o outro se largou
para lá, enquanto ele avançava em direção às gaiolas da
raposa, gritando:
— “Baby”! “BABYYY”! “BABYYYYY”!
E tudo isto sem deixar de correr, até que ao passar junto
a determinada gaiola parou de chofre, depois se acercou
lentamente da porta e apoiou a testa no arame, os olhos um
tanto arregalados, fixos no assombrado rosto de Brigitte.
— Está me procurando, “Johnny”?
— Oh, não, não... Passava casualmente por aqui e
lembrei-me de parar um pouco para cumprimentá-la.
— Ah!... E por que grita tanto?
— Bem, não sei... É um feio costume que tenho.
— Deve corrigir-se, “Johnny”. E agora, se se afastar,
poderei abrir a porta e sair.
— Pois não!
Brigitte saiu, enquanto “Johnny” apanhava seu sapato
meio destroçado e inclinava-se à sua frente.
— Permite-me, Cinderela?
Calçou-lhe o sapato, incorporou-se e olhou para o outro
agente da CIA que chegava correndo e que, ao parar diante
deles, olhou para Brigitte, franziu a testa, depois olhou para
“Johnny”.
— Eu diria que ela está aqui, não?
— Mmm... Sim, está aqui.
— Mas que fazia ela? Não nos viu procurando-a como
loucos?
— Parece-me que estava de visita a uma família de
raposas, e não é de boa educação deixar a dona da casa
com a palavra na boca... Não foi isso, “Baby”?
— Mais ou menos — sorriu esta. — Chegaram as forças
militares?
— Dois minutos depois que você partiu. E como eu
terminei de desligar aquele dispositivo, vim para cá com
este rapaz que encontrei de passagem, pois talvez
pudéssemos ajudá-la em alguma coisa; preparar o chá ou
servir os bolinhos...
— Muito gentis. E como vão as coisas por lá?
— Em “Fox-den Blue Cavern”? Vejamos... — Sacou o
rádio de bolso e acionou-o. — Alô!
— Que há?
— Como vai isso por aí? “Baby” está interessada em
saber.
— Foram lançadas bombas de gás em toda a caverna e
alguns já saíram, rendendo-se. Os poucos que ainda se
negam a sair logo cairão sob o efeito das bombas. Todos no
papo. Não é negócio refugiar-se numa caverna.
— Os esquimós — lembrou Brigitte.
— E os esquimós? — perguntou “Johnny”.
— Esses estão todos bem. Completamente abobalhados
e sem saber se é de noite ou de dia, nem se estão mortos
ou vivos, mas bem. Não sabem nada de nada, os infelizes.
Que mais?
“Johnny” olhou para Brigitte, mas esta moveu
negativamente a cabeça.
— Nada mais — disse ele. — Até logo.
Guardou o rádio, olhou para os restos incendiados do
helicóptero e sacudiu os ombros, pesarosamente.
— Parece que Sua Excelência, o Generalíssimo Kolitia,
não passou bem... Como fez isso?
— Atirei com o fuzil que ele mesmo inventou, uma das
cápsulas de gás... A última, suponho.
— Puxa! É o que chamo aproveitar a munição. Que tal se
agora fizéssemos uma vistoria na casa?
— É um trabalho secundário — alegou Brigitte.
— Oh, compreendo, compreendo! E Sua Majestade não
perde tempo com essas coisas.
— Assim é, “Johnny”.
— Me parece lógico. Já vai?
— Penso que sim. Sugiro que você se encarregue dos
últimos detalhes e do relatório. De acordo, “Johnny”?
— Perfeitamente. Entendo que está desejando saber
como vai seu amigo Frankie.
— Tiro certeiro, “Johnny”.
— Mmm... Tornaremos a ver-nos?
— Quem sabe? Qualquer dia, em qualquer momento, os
caminhos dos espiões se cruzam. Até então, adeus. Adeus
aos dois... E obrigada por terem vindo em meu socorro.
Estendeu as mãos aos dois, atraiu-os para si, beijou-os
no rosto e afastou-se. Um momento depois, seu helicóptero
se elevava no ar luminoso do amanhecer.
Embaixo, os dois agentes estiveram olhando-o, até que
desapareceu.
— Bom — disse “Johnny”. — Resta ainda algum trabalho
a fazer, segundo parece.
O outro coçou a cabeça.
— Há uma coisa que me intriga: que fazia a nossa “Baby”
dentro de uma gaiola?
— Estava conversando com as raposas.
— Ora, vamos!
— É verdade — sorriu “Johnny”. — E aposto que se
demorássemos um pouco mais, ela se tornaria amiga da
família. De qualquer modo, tem algo em comum com elas.
— Algo em comum? Como é possível isso?
— Você nunca ouviu dizer: astuta como uma raposa?
EPÍLOGO
Frankie Minello desprendeu-se numa sonora gargalhada.
— De modo que viúva Raysdale ainda não sabe o que
ocorreu? E que se passou com o capitão Carson?
— Creio que o G-2 vai incumbir-se de dar-lhe algumas
explicações.
— Bem... Aconteceu mais alguma coisa durante estes
dez dias?
— Oh, sim! Lembra-se de que lhe disse que fora
descoberto o arquivo de Ermak Kolitia, meio queimado?
— Sim, sim...
— Pois se conseguiram ainda alguns nomes e endereços,
assim como o destino atual de alguns dos comandantes de
aluguel. E assim, detidos uns e outros, e interrogados...
Habilmente, pode-se dizer que o assunto está pouco
menos que encerrado.
— Ótimo! Isso me alegra bastante. Que tem você aí,
Brigitte?
— Um presente para você.
— Para mim? Deixe ver...
— Depois.
— Por quê?
— Por que quero assim — sorriu “Baby”.
Frank Minello ficou silencioso. Estava estendido no leito
do quarto que ocupava na melhor clínica de Nova Iorque, as
despesas pagas oficialmente por certa miss Brigitte
Montfort, mas, extra-oficialmente, pela CIA.
O jornalista levou as mãos às bandagens que cobriam
completamente seu rosto.
— Querida — murmurou —, sinto muito não lhe ter sido
tão útil como desejava... Um pobre idiota que se deixou
capturar e que...
— Você está dizendo tudo completamente ao contrário,
Frankie. Sua atuação foi decisiva.
— Minha atuação?
— Claro. A bola de neve começou a rolar montanha
abaixo quando o capturaram. A partir de tal momento,
todos perderam a cabeça, puseram-se a fazer tolices,
pudemos descobrir o submarino... Não sei se você é na
verdade um rapaz modesto, ou um hipócrita que gosta de
ser adulado, Frankie.
— Mas eu fiz mesmo... isso tudo?
— É esta a verdade, toda a verdade e nada mais que a
verdade.
— Diabo! Então... sou um herói?
— Mais ou menos — riu “Baby”.
— É. Mais ou menos... O mau é que, com o que vai
sobrar de minha cara, não poderei me mostrar muito por ai.
— Alguma coisa sobrará, suponho. Não desanime: há
homens feios que exercem uma atração irresistível.
Minello ficou novamente em silêncio e Brigitte,
compreendendo seu estado de ânimo, imitou-o. Logo seriam
retiradas as bandagens de seu rosto, e então...
A porta abriu-se justamente naquele momento. Um
homem de avental branco entrou, saudando afavelmente
Brigitte, seguido de uma enfermeira que trazia uma bandeja
de esmalte com tesouras, pinças etc. Brigitte olhou os olhos
de Minello, únicos pontos de seu rosto não ocultos pelas
ataduras. Viu claramente o medo naqueles olhos, mas
permaneceu em silencio. Durante cinco minutos, o cirurgião
e a enfermeira, sem pronunciar uma só palavra, dedicaram-
se a seu trabalho, enquanto ela contemplava pela janela a
paisagem de Manhattan.
— Bem, está pronto — disse subitamente o cirurgião. —
Tudo muito satisfatório, Mr. Mineilo.
— É... satisfatório? — gaguejou o jornalista.
— Deve compreender que não podemos realizar milagres
— sorriu o doutor. — De qualquer modo, não me consta que
o senhor fosse excepcionalmente bonito. E como miss
Montfort pediu-me que os deixasse sozinhos...
Parabéns e até a vista.
Saíram o cirurgião e a enfermeira. Brigitte voltou a
sentar-se junto de Frankie e sorriu luminosamente.
— Querido! Mas você está lindo!
— Mmm... Eu... eu não quero ser lindo... Oh, não! Nada
disso! Quero minha cara! Minha cara!
“Baby” entregou-me o presente, sorrindo.
— Felicidades.
— Que... que é isto... que diabo é isto...?
— Um espelho.
— Não!
— É um bonito espelho, que servirá para você fazer a
barba e para brincar com o sol, quando estiver de férias.
Vamos, Frankie, não seja covarde: uma cara sempre é
uma cara.
— Mas é que eu quero a minha!
— E qual pensa que tem? A minha?
— Você está... me enganando...
— Por que não mostra essa grande coragem olhando-se
neste espelho.
Minello pegou o espelho e olhou para o teto, assustado.
— “Espelhinho, espelhinho, diga-me: há alguém mais
belo que eu?” — declamou com inflexão cômica.
Subitamente ergueu o espelho, olhou-se um instante,
baixou-o... e tornou a erguê-lo com rapidez. Após alguns
segundos de estupefação, lançou um grito que com certeza
chegou aos últimos confins da clínica: — HEEYYY...! Mas
esse sou eu! Sou eu, Frank Minello, o sujeito mais... mais...
mais...!
— Mais escandaloso do mundo — concluiu Brigitte.
— É a minha cara! Minha cara! Enfermeira!
Enfermeiraaa...! Quero champanha e... e caviar... e
pavão ao forno, e...! Enfermeiraaa...! Quero que me...! Um
momento — deteve-se repentinamente, olhando de revés
para Brigitte: — você me deve uma coisa, querida.
— Que coisa, Frankie?
— Ouça: eu livrei você daqueles cães, sim ou não?
— A primeira vez, sim, foi você.
— E então? Ainda não recebi o prêmio: um beijinho em
cada perna. Foi o trato...
— Já pensei nisso. E acho que você tem razão.
Os olhos de Minello se arregalaram.
— Ver... verdade...? Po-pois que estamos esperando?
— Okay. Ai tem: beije minhas pernas. Entregou-lhe uma
fotografia. Minello, atônito, olhou-a e viu a agente “Baby” de
biquíni, sorrindo, atirando um beijo com os dedos.
— Ma-mas isto... isto é uma fraude!
— Bem. Pensei que você desejaria beijar minhas pernas
uma porção de vezes, e este me pareceu o melhor sistema.
Até logo, Frankie.
— Enfermeiraaa! Agarre essa mulher fraudulenta...! Não
a deixe...! EN-FER-MEIRAAA...!
Brigitte atirou-lhe um beijo e saiu a toda a pressa do
quarto. Reapareceu logo em seguida, com o jeito de ter
esquecido alguma coisa.
— Oh, Frankie, ia-me esquecendo: esta noite, às oito,
espero você em meu apartamento para jantar. Jantar,
entendeu? Nada mais que isso Ciao, herói.
(C) 1967 – LOU CARRIGAN
400616/400927

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