Você está na página 1de 3

Dois dogmas do empirismo

Neste artigo, Quine expõe uma bela dissertação acerca do positivismo ou


empirismo lógico, surgido no círculo de Viena, do qual Quine sofre influência, em
especial sofre influência de Carnap, que fora seu amigo e professor, contudo, acaba por
atacar e criticar alguns pontos vistos por ele como errôneos ou inconsistentes, e a
criticar grande parte do pensamento de seu preceptor, Carnap. Uma das teses defendidas
pelos teóricos integrantes do positivismo lógico era a de levar o empirismo rumo aos
avanços recentes da física, e assim criar uma posição anti-metafisica.

No entanto, Quine era um epistemólogo entusiasta da s descobertas da física,


todavia, ele não perseguia o fim da metafisica, mas acreditava que a metafisica poderia
ser vinculada a ciência e assim criar uma metafisica naturalizada. Outra critica dirigida
pelo autor acima supracitado àqueles seus predecessores que o influenciaram está
intimamente ligada a primeira, é a crítica feita a separação realizada por eles entre
ciência e filosofia, já para Quine a epistemologia, bem como a filosofia como um todo
poderia ser reduzida a ciência, e assim, seria criada uma filosofia e especialmente uma
epistemologia naturalizada.

Para além disso, o autor usa deste artigo para fazer uma critica a dois dogmas do
empirismo moderno, a saber, a crença em uma distinção fundamental entre
verdades analíticas e sintéticas e o reducionismo, o reducionismo aqui compreendido
como a crença de que todo enunciado com sentido, tomado isoladamente, seria uma
construção lógica sobre termos que fazem referência à experiência imediata e direta. Ao
abandonar tais dogmas, Quine espera que seja obscurecida a fronteira existente entre
metafisica especulativa e ciência natural, além de dar passos rumo ao pragmatismo.

O primeiro dogma que o autor trata em seu artigo, é justamente o da distinção


entre verdades analíticas e verdades sintéticas, para ele tanto as verdades analicas como
as sintéticas podem ser alteradas pela experiencia que continuamente temos, e assim
podem ser reformuladas e a fronteira entre as duas verdades se mostra falha. A
diferenciação entre verdades analíticas e sintéticas que ele faz é se referindo a distinção
feita por Kant de juízos sintéticos e analíticos, no entanto tal distinção já havia de certa
forma sido preconizada, na distinção feita por Leibniz entre verdades da razão e
verdades de fato, e também por Hume, além de ser uma divisão presente quase desde os
primórdios da filosofia, na distinção entre relações de ideias e questões de fato. Para a
definição de analítico, Quine utiliza como sendo, as verdades cujo o significado
depende unicamente de seus termos, e não se é necessário recorrer a experiencia para
assegurar estas verdades.

Ele reconhece a existência das verdades analíticas, e as divide em dois tipos,


aqueles que são analíticos por questões de lógica, exemplo “nenhum homem não casado
é casado”, é uma tautologia logica, e assim é analítico. Já a segunda forma é analítico
por significado, justamente por que podem ser trocados alguns termos por sinônimos e
assim transformar-se em uma tautologia logica, exemplo, “nenhum solteiro é casado”
que pode ser substituído solteiro por não casado, e se transforma em “nenhum não
casado é casado”.

Para garantir as trocas por sinônimos é preciso ter aquilo que garante a
sinonímia, e assim ele tenta primeiro pelo dicionário, ou seja, fundamentar a sinonímia
pelo lexicografo, mas isso cai em uma explicação vista por ele como frágil, pois o
lexicografo só registra casos antecedentes e assim ele não a explica, todavia somente a
registra. Uma segunda possibilidade esboçada e investigada por ele, é relacionada a
definição feita por filósofos e cientistas, onde estes buscam definir algo, e para tal
partem de sinonímias já existentes, como no caso do dicionário, não sendo uma total
analiticidade. Aqui ele define a intersubstitutibilidade, ou melhor a insuficiência desta,
pois não se pode se trocar um termo por um sinônimo sem levar em consideração o
contexto.

Avançando na investigação, Quine percebe uma forma mais transparente de


sinonímia, que é a convenção explicita, contudo, também esta não pode ser seguida,
exatamente porque se tudo fosse sustentado a analiticidade e a sinonímia pela
convenção, assim tão logo, tudo poderia ser considerado uma verdade analítica. Desta
forma, ele conclui que como não se pode sustentar a diferença entre verdades analíticas
e sintéticas só pela sinonímia, e assim precisa recorrer a intersubstitutibilidade e como
esta também não dá conta, se recorre as regras semânticas e as convenções, e assim
também recorre a própria analiticidade para sustentar ela própria, e assim torna-se um
argumento circular e insustentável aos olhos de Quine.

Vale a pena ressaltar que ele não queria que fosse eliminado o termo analítico,
mas queria demonstrar que tais argumentos, distintamente do que se tinha em mente não
tem um caráter epistemológico superior em relação as verdades sintéticas. E quer
demonstrar que as verdades podem ser decompostas m dois componentes distintos, o
componente linguístico e componente factual.

O segundo dogma criticado pelo autor em questão, se refere ao reducionismo,


que consiste em supor que cada enunciado, tomado isoladamente de seus companheiros,
pode admitir confirmação ou negação por si só. No entanto, tal reducionismo só pode
ser aplicado a verdades analíticas, pois as sintéticas necessitam necessariamente da
relação com a experiência, mas como ele afirma a incapacidade de distinguir as
verdades analíticas e sintéticas, logo, este reducionismo é um dogma e é insustentável.

Como o reducionismo para ele se mostra incapaz de se sustentar ele propõe um


holismo, pois os enunciados não deveriam enfrentar a experiencia sensível
individualmente, mas tão somente como corpo organizado, pois como já ressaltado é
necessário para um componente linguístico e um factual, assim a saída para os dogmas é
proposta numa abordagem holística, ou seja, integral da verdade avaliada.

Sendo assim, Quine propõe no final de seu artigo um empirismo sem dogmas,
onde a distinção entre as margens da ciência e da metafisica e epistemologia, fica de
certa maneira encoberta, e assim a filosofia pode ser reduzido a ciência e ser definida
como naturalizada. Assim, a conclusão por ele alcançada é a de que sem essa distinção
entre analítico e sintético o pragmatismo é ampliado por completo, e o homem fica com
uma herança cientifica de tudo aquilo já teorizado, e para além disso, sofre um
bombardeio continuo de incitações sensoriais, formando o pragmatismo.

Desta forma não há verdades analíticas que não possam ser modificadas, pois a
seu ver todas as verdades podem ser reavaliadas e modificadas pela novidade trazida
por novas experiencias, e assim nenhuma verdade tem um caráter de universalidade e
necessidade extrema, mas podem ser revistas e alteradas, e desta formas mesmo as
verdades matemáticas e logicas estão sujeitas as mudanças.

Você também pode gostar