Você está na página 1de 3

O FALSO DOUTOR

Por Miguel Petereit

CENA II

O Doutor acaba de sair da farmácia acompanhando o capitão. Deixou o estabelecimento aos


cuidados de Pantaleão, que está junto de seu filho Lisandro.

Lisandro e Pantaleão olham ao mesmo tempo para o jaleco deixado pelo Doutor em cima da
bancada. Se olham.

LISANDRO - Não… Você não vai…

Ambos avançam em direção ao jaleco e começam um “cabo de guerra” pelo mesmo.

PANTALEÃO - Solta!!!

LISANDRO - O Doutor confiou em você! Não pode fazer isso!

PANTALEÃO - Me deixe! (pisa no pé de Lisandro, que solta o jaleco). Eu já estou muito velho…
Posso fazer o que quiser.

LISANDRO - Mas pai, você não entende nada de medicina, farmacologia ou qualquer coisa que o
valha! Isso é perigoso.

PANTALEÃO - Eu entendo as pessoas, meu filho, as pessoas… Isso basta!

LISANDRO - Você pode ser preso por isso, sabia?

PANTALEÃO - (Dramalhão) Só por me dar um pequeno prazer antes da minha morte? (Lisandro se
comove. Pantaleão volta a naturalidade) Venha, me ajude a fechar esses botões.

Lisandro começa a ajudar o pai a abotoar os botões do jaleco, quando a sineta da porta da farmácia
toca e entra Penélope, por quem Lisandro é secretamente apaixonado. Lisandro paralisa.

PENÉLOPE - Com licença… boa tarde.

PANTALEÃO - (Assumindo a postura de doutor) Boa tarde, minha cara. Em que posso lhe ser útil?

Lisandro sacode a cabeça percebendo o risco que seu pai representa

PENÉLOPE - (Melodramática) Ah… eu estou com uma dor no peito que não sei de onde vem! Dói
quando como, quando respiro, quando durmo…
LISANDRO - Que coisa terrível!

PANTALEÃO - (Fala enquanto mistura aleatoriamente o conteúdo dos diversos frascos do Doutor)
Ora, então você veio ao lugar certo! Hoje em dia não há nada que a medicina não possa resolver,
ainda mais considerando que não sou apenas um médico, sou doutor em herbologia, homeopatia,
astrologia, feng shui e massoterapia. De forma que, pelas minhas mãos não existe doença que não
possa ser curada, extirpada e espalhada. Mas é necessário examinar, claro. Porque as enfermidades
desse mundo são muito variadas e deveras diversas. Um diagnóstico errado pode ser
fatal…(Voluptuoso) Bem, creio que examinando o seu busto poderei aferir os males que lhe
acometem.

PENÉLOPE - Os males? São muitos?

PANTALEÃO - (Já se aproximando com as mãos erguidas em direção aos seios de Penélope) Sim!
Muitos e fartos! Estas moléstias nunca aparecem sozinhas

LISANDRO - Acho que um bom xarope já resolve o seu caso.

PENÉLOPE - (Desviando suavemente dos avanços de Pantaleão) Sim, talvez um bom xarope já seja
o suficiente.

PANTALEÃO - (Dramalhão) Ah, a juventude… Tão negacionista em relação aos saberes dos mais
velhos… De que vale uma vida inteira dedicada a ciência, se um bom xarope resolver a mais grave
das enfermidades? De que valeram todos esses anos? Perdão Hipócrates,,, Não sou sou digno de sua
arte… Não sou digno de ser um hipócrita…

PENÉLOPE - (Comovida) Eu não quis ofender, sinto muitíssimo. É claro que você pode me
examinar… Eu só estava um pouco nervosa.

LISANDRO - Mas…

PANTALEÃO - Sem mas! Se você quer negar o conhecimento, esse é um direito seu. Porém não
venha encher a cabeça dessa jovem com o seu negacionismo nessa casa da ciência. (Lisandro se cala
incrédulo com a canalhice do pai. Pantaleão volta sua atenção ao busto de Penélope) Bem… agora
vamos ao exame…

Leva suas mãos lentamente em direção aos seios de Penélope, mas antes de conseguir tocá-los, é
interrompido pela súbita e escandalosa entrada de Colombina, que não reconhece seu patrão

COLOMBINA - (Choramingando) Ahhhhhhh… Eu procurei o patrãozinho em tudo quanto é esquina


e não achei ele… ahhhhhhhhhhh! E agora ele também não está mais aqui…Cadê meu patrãozinho?
Como é que eu vou comer? Ahhhhhhhhh!

PANTALEÃO - Ora sua… (Respira fundo) Minha cara, você poderia se retirar? Está acontecendo um
exame aqui.

COLOMBINA - Não! Eu só obedeço o meu patrãozinho… E você não é meu patrãozinho… e nem
você… e nem você… Ahhhhhhhhhh! Cadê meu patrãozinho?
Pantaleão tenta, em vão, acalmar Colombina. Aproveitando a confusão, Lisandro puxa Penélope pelo
braço para fora da farmácia.

FIM DA CENA II

Você também pode gostar