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ATO I

SALA NUMA CLÍNICA PARTICULAR. MANHÃ. HÁ PORTAS


PARA AS ENFERMARIAS, PARA A FARMÁCIA E PARA HALL
DE ENTRADA. GRANDE PORTA DE VENEZIANAS, DE DOBRAR,
ABRE PARA O JARDIM AGRADÁVEL, COM ARBUSTOS. PIA.
ESCRIVANINHA. CAMA DE FERRO, PARA EXAMES MÉDICOS,
CERCADA POR CORTINAS.

ENTRA PRENTICE, COM ANDAR RÁPIDO. GERALDINE


BARCLAY SEGUE-O, CARREGANDO UMA PEQUENA CAIXA DE
PAPELÃO.

PRENTICE (VOLTANDO-SE, NA ESCRIVANINHA). Sente-se. Este é o


seu primeiro emprêgo?
GERALDINE (SENTADO). É, doutor.

PRETICE PÕE ÓCULOS, ENCARA-A UM TEMPO. ELE ABRE A


GAVETA DA ESCRIVANINHA, TIRA UM BLOCO PARA
ANOTAÇÕES.

PRENTICE (PEGANDO UM LÁPIS). Tome nota. Em inglês, por favor.


(VOLTA À ESCRIVANINHA, SENTA-SE E SORRI). Quem era o seu pai?
ponha isso no alto da página.

GERALDITE POUSA NA ESCRIVANINHA A CAIXA DE PAPELÃO


QUE TRAZIA, CRUZA AS PERNAS, POUSA O BLOCO SOBRE O
JOELHO, E FAZ AS ANOTAÇÕES.

A resposta deve ir logo abaixo da pergunta, para facilitar as consultas.

GERALDINE - Eu não tenho a menor idéia de quem era o meu pai.

PRENTICE FICA PERTURBADO COM A RESPOSTA EMBORA


NÃO DÊ MOSTRAS DISSO. ELE SORRI BONDOSAMENTE PARA
ELA.

PRENTICE- Preciso ser franco, senhorita. Não poderei empregá-la se suas


origens tiverem qualquer aspecto miraculoso. É contra o regulamento. A
senhorita teve pai?
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GERALDINE - É claro que tive. Minha mãe era muito econômica, mas
sempre dentro de limites razoáveis.
PRENTICE - Se a senhorita teve pai, por que razão não é capaz de dar
conta dele?
GERALDINE - Ele abandonou minha mãe. Há muitos anos. Ela foi vítima
de uma agressão profundamente constrangedora.
PRENTICE (PERSPICAZ).- Ela era freira?
GERALDINE - Não. Era arrumadeira no Motel da Estação.
PRENTICE FRANZE A TESTA, TIRA OS ÓCULOS, E ACERTA
COM OS DEDOS O ALTO DO NARIZ.
PRENTICE - Dê-me esse volume grande, encadernado em couro, por
favor.
Preciso verificar sua história. Para salvaguardar meus interesses,
compreende?
GERALDINE PEGA O LIVRO NA ESTANTE E LEVA-O A
PRENTICE. ÊLE CONTESTA.
O Motel da Estação?
GERALDINE - É.
PRENTICE (ABRINDO O LIVRO, CORRENDO O DEDO PELA
PÁGINA) .Ah! Aqui estamos! Trata-se de um edifício de pouco interesse
arquitetônico construído para fins desconhecidos no final do século. Foi
convertido em hotel por subscrição pública. (ACENA SABIAMENTE A
CABEÇA). Eu mesmo fiquei hospedado lá uma vez, quando jovem. Tem
uma fama de luxo e conforto incompreensível até mesmo para o menos
exigente dos hóspedes. (FECHA O LIVRO COM ESTRONDO E O
EMPURRA PARA O LADO). Sua história parece ser correta, ao menos nos
pontos principais. Esta obra admirável, é claro, entre a maioria dos detalhes.
O que é de se esperar em publicações destinadas à mais ampla divulgação,
(PÕE OS ÓCULOS). Declare aí que seu pai desapareceu. Não diga nada a
respeito das circunstâncias. Poderia influenciar a minha decisão final.
GERALDINE ESCREVE. PRENTICE RECOLOCA O VOLUME NA
ESTANTE.
PRENTICE - Sua mãe está viva? Ou será que ela também desapareceu de
maneira inexplicável? Essa é uma pergunta marota. Muito cuidado - poderá
perder pontos no escore final.
ELE VOLTA À ESCRIVANINHA E SE SERVE DE WHISKY.
GERALDINE - Há muitos anos que não vejo minha mãe. Fui criada por
uma Sra. Barclay, recentemente falecida.
PRENTICE - Qual a causa mortis?
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GERALDINE - Uma explosão - devida a um defeito no encanamento do


gás matou-a instantaneamente, arrancou o telhado da casa.
PRENTICE - A senhorita pediu indenização?
GERALDINE - Só pelo telhado.
PRENTICE - Não houve outras vítimas da catástrofe?
GERALDINE - Houve. Uma estátua recém-inaugurada de Sir Winston
Churchill foi danificada a ponto de se falar em novas condecorações por
heroísmo. Partes do grande homem foram efetivamente encontradas
entranhadas na minha madrasta.
PRENTICE - Que partes?
GERALDINE - Receio não poder ajuda-lo nessa ponto. Fiquei transtornada
demais para poder providenciar pessoalmente as pompas fúnebres.
E até mesmo para identificar o corpo?
PRENTICE - Mas a família Churchill não tomou providências?
GERALDINE - Sem dúvida. Foram de extrema bondade.
PRENTICE - A senhorita teve uma experiência rara. Não é todo mundo
que tem a madrasta assassinada pela Companhia de Gás do Norte de
Londres. (SACODE A CABEÇA, COMPARTILHANDO A DOR DA
POBRE MOÇA) Aceita uma aspirina?
GERALDINE - Não, senhor, muito obrigada. Não quero viciar-me em
tóxicos.
PRENTICE - Sua prudência é mais que louvável, minha cara. (SORRISO
AMIGÁVEL). E agora, tenho de fazer-lhe uma pergunta que poderá causar
algum constrangimento. Por favor lembre-se que seu médico. (PAUSA).
Quantas palavras a senhorita taquigrafa por minutos?
GERALDINE - Eu pego com facilidade vinte palavras por minuto, doutor.
PRENTICE - E sua velocidade na datilografia?
GERALDINE - Há muitos segredos de teclado que ainda não penetrei.
Acontece que o meu dinheiro acabou.
PRENTICE TIRA O BLOCO DA MÃO DELA E O PÕE DE LADO.
PRENTICE - Talvez a senhorita tenha outras qualidades menos aparentes
à primeira vista. Deite-se naquela cama.
GERALDINE - Por que, doutor?
PRENTICE - Não faça perguntas. Essa é a primeira regra que toda
secretária aprende. (ABRE AS CORTINAS EM TORNO DA CAMA). E
por favor tire as meias. Desejo verificar os efeitos da morte de sua madrasta
em suas pernas.
GERALDINE - Isso não é um pouco inusitado?
PRENTICE - Não tenha medo, sta. Barclay. O que eu vejo nessa cama não
é uma moça linda e desejável. É uma mente enferma necessitada de
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tratamento psiquiátrico. O corpo não interessa a um homem do meu estofo.


Certa vez uma mulher se atirou em cima de mim. Não preciso dizer que esta
revelação é estritamente confidencial. Ela estava nua em pelo. Queria que
eu esquecesse os hábitos morais de toda uma vida. Pois sabe eu só
conseguia pensar numa coisa, no fato dela ter uma deformação umbilical? É
esse o valor que eu dou nos corpos femininos.
GERALDINE - Por favor me perdoe, doutor. Não foi minha intenção
sugerir que suas solicitações tivessem o que quer que fosse de impróprio.
ELA TIRA OS SAPATOS E AS MEIAS E SE DEITA NA CAMA.
PRENTICE PASSA AS MÃOS PELAS PERNAS DELA E ACENA
COM A CABEÇA, SABIAMENTE.
PRENTICE - É o que eu pensava. A senhorita está com as canelas
ligeiramente febris. Tem toda a razão de estar querendo fazer um exame
geral. (EMPERTIGA-SE E TIRA OS ÓCULOS). Dispa-se.
ELE SE VOLTA PARA A ESCRIVANINHA E TIRA O PALETÓ.
GERALDINE SENTA-SE, ALARMADA.
GERALDINE - Eu nunca me despi na frente de um homem.
PRENTICE - Levarei em conta sua inexperiência na matéria.
ELE POUSA OS ÓCULOS NA ESCRIVANINHA E ARREGAÇA AS
MANGAS DA CAMISA.
GERALDINE - Não posso permitir que um homem me toque enquanto
estiver sem roupa.
PRENTICE - Eu usarei luvas de borracha.
GERALDINE ESTÁ PREOCUPADA E NÃO FAZ NENHUM
ESFORÇO PARA CONTAR SUAS CRESCENTES DÚVIDAS.
GERALDINE - Quanto tempo terei de permanecer despida?
PRENTICE - Se as suas reacções forem normais estará tudo acabado num
abrir e fechar de olhos.
GERALDINE - A diretora não faz nenhuma referência a isto em meu
manual de “Conselhos às Recém-Formadas”.
PRENTICE - É possível que o capítulo relativo a exame médicos tenha
sido omitido na impressão.
GERALDINE - Mas isso seria ridículo, em se tratando de um livro
didático.
PRENTICE - Compreendo muito bem suas preocupações. Nosso sistema
educacional está precisando de um inquérito rigorosíssimo. Fale com a sua
diretora no próximo “papo das veteranas”.
ELE SE VOLTA PARA A PIA E LAVA AS MÃOS
GERALDINE - Gostaria que outra mulher estivesse presente. Sua esposa
não poderia vir?
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PRENTICE - A sra. Prentice está participando de uma reunião longüíssima


com sua quadrilha. Só voltará tarde da noite.
GERALDINE - Eu posso esperar.
PRENTICE - Falta-me a paciência, minha cara. Tenho uma tendência
natural para precipitar os acontecimentos. Mas não a perturbarei com
detalhes da minha particular enquanto não estiver de novo vestida. (PEGA
UMA TOALHA E ENXUGA AS MÃOS). Coloque suas roupas na
cadeira fornecida para esse fim. (GERALDINE ABRE O FECHO
ÉCLAIR DO VESTIDO E O TIRA . PRENTICE A OBSERVA.
PAUSA. ELE POUSA A TOALHA E COLOCA OS ÓCULOS). Peço-
lhe que não mencione este exame na frente de minha mulher. Ele não está
incluído nas normas do Seguro de Saúde. E ela começaria logo a fazer
relatórios em quadruplicata, o que poderia dar lugar a inúmeras
incompreensões.
GERALDINE - Como é a sra. Prentice? Já ouvi tantas histórias a respeito
dela.
ELA PÕE DE LADO O VESTIDO, FICA DE CALCINHA E
SOUTIEN.
PRENTICE - Minha mulher é ninfomaníaca. E por isso, assim como o
Santo Graal, ela é ardentemente buscada por enxames de jovens. Eu casei
com ela por dinheiro, e ao descobri que ela era paupérrima tentei estrangula-
la. Ela escapou da minha fúria assassina, e desde então eu tenho tido de
arrastar sua incrível maldade.
GERALDINE (COM UM SUSPIRO). Pobre Dr. Prentice. Que cruz o
senhor carrega. (SUBINDO NA CAMA). Gostaria de poder fazer alguma
coisa para consola-lo.
ELA FECHA AS CORTINAS. PRENTICE VESTE UM AVENTAL
CIRÚRGICO.
PRENTICE - Bom, minha cara, se isso lhe dá algum prazer, poderá testar
meu mais recente equipamento anticoncepcional.
GERALDINE OLHA POR CIMA DA CORTINA E SORRI COM
DOÇURA.
GERALDINE (ATIRANDO AS CALCINHAS E O SOUTIEN NUMA
CADEIRA) Ficarei encantada de ajuda-lo no que me for possível, doutor.
PRENTICE (COM SORRISO SUPERIOR E INDULGENTE). Deite-se,
cruze as mãos sob a nuca, e pense nos capítulos finais de sua obra de ficção
favorita. O resto pode ser deixado por minha conta.
GERALDINE DESAPARECE ATRÁS DAS CORTINAS. PRENTICE
ABRE UMA GAVETA DA ESCRIVANINHA. A SRA. PRENTICE
ENTRA DO HALL. TRAZ UM RICO CASACO DE PELE.
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SRA. PRENTICE - Com quem você estava falando?


PRENTICE FICA SURPRESO E IRRITADO COM O
APARECIMENTO INESPERADO DA MULHER.
PRENTICE (ENFURECIDO, CULPADO) - Eu insisto em lhe pedir que
não entre em meu consultório sem aviso prévio. Você está interrompendo
os meus estudos.
SRA. PRENTICE (OLHANDO PELA SALA). Não há ninguém aqui.
Você estava falando sozinho?
PRENTICE - Estava ditando uma mensagem para a Enfermeira Chefe. Ela
está muito preocupada com um problema de controle da bexiga.
SRA. PRENTICE - E a urina pode ser controlada com a leitura de
SERVIDÃO HUMANA?
PRENTICE - Minha teoria ainda está nos estágios iniciados. Prefiro não
discuti-la.
A SRA. PRENTICE VAI ATÉ A ESCRIVANINHA E SE SERVE DE
WHISKY.
PRENTICE - Por que é que você voltou? Você sabe que eu não suporto a
tortura da sua companhia.
SRA. PRENTICE - Quando cheguei lá, a reunião estava um caos. Holem
Duncanon declarou-se apaixonada por um homem. E, como você sabe, o
clube é basicamente dedicado às lésbicas. O regulamento não me afeta
pessoalmente porque você conta como mulher. Nós expulsamos Holen e eu
passei a noite no Hotel da Estação. (BEBE WHISKY).
NICHOLAS BECKETE ENTRA. É UM BOY DE HOTEL,
DEVIDAMENTE UNIFORMIZADO. NICK (À SRA. PRENTICE).
Quer verificar sua bagagem, madame? Eu tenho de voltar ao trabalho.
SRA. PRENTICE (AO DOUTOR) - Dá uma olhada na minha bagagem,
sim? Metade já foi roubada pelo pessoal do hotel. (VOLTA À MESA E SE
SERVE DE NOVO). Como é difícil ser mulher.
PRENTICE - Ninguém melhor do que você para saber.
ELE VAI ATÉ O HALL, ATRAPALHADO. SRA. PRENTICE PÕE
GELO EM SEU WHISKY E SE VOLTA PARA NICK, COM
EXPRESSÃO FRIA NO ROSTO.
SRA. PRENTICE - Já não peço que devolva nem minha bolsa nem o
dinheiro que roubou, mas a não ser que meu vestido e minha peruca sejam
devolvidos, apresentarei queixa aos seus patrões. Você tem até a hora do
almoço.
NICK - O vestido já vendi. Precinho de liquidação. Se quiser de volta terá
de negociar por um preço muito mais alto. E além disso já tenho uma pessoa
com opção para a compra das fotografias.
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SRA. PRENTICE - (ENFRENTANDO-O) - Que fotografias?


NICK - Eu tinha uma câmera escondida no quarto.
SRA. PRENTICE - (DE BOCA ABERTA) - Quando eu me dei a você o
contrato não incluía os direitos cinematográficos.
NICK - Quero cem libras pelas fotografias. A senhora tem até a hora do
almoço.
SRA. PRENTICE - Eu vou me queixar no gerente.
NICK - Não adiante. É ÊLE que tira as fotografias.
SRA. PRENTICE - Mas isso é um escândalo! Eu sou uma mulher casada.
NICK - Pois ontem à noite ninguém diria.
SRA. PRENTICE - Eu estava pertubada. Uma lésbica minha amiga tinha
acabado de anunciar seu noivado com um Membro do Parlamento.
NICK - Pois devia escolher seus amigos com mais cuidado. Eu quero sair
dessa jogada de foto pornográfica. Faz um mal danado aos nervos. A
senhora não podia me arranjar um emprego decente? Eu sou vítima de uma
infância trágica.
SRA. PRENTICE - Que espécie de emprego você quer?
NICK - Eu sou excelente datilógrafo. Aprendi com um senhor que trabalha
numa tipografia.
SRA. PRENTICE (FIRME) - Concordo em pagar pelas fotografias. Mas
não posso me responsabilizar pela sua datilografia.
NICK - Eu quero cem libras e um lugar no escritório do seu marido.
SRA. PRENTICE - Você está me colocando numa posição insuportável.
NICK - Não há posições insuportáveis para quem é jovem e sadio.
SRA. PRENTICE VOLTA À ESCRIVANINHA, SERVE MAIS UM
WHISKY, SUA MÃO TREME. PRENTICE ENTRA DO HALL.
CARREGA UMA VALISE NA MÃO. SRA. PRENTICE PÕE DE
LADO GARRAFA VAZIA E DEIXA GELO NO COPO.
PRENTICE -(A NICK) - Não pense que é o primeiro porre dela. (POUSA
A VALISE)
NICK - O senhor tem filho?
PRENTICE - Não. Minha mulher declarou que a amamentação no peito
podia estragar suas formas. Muito embora, ao que me lembre, uma
beliscadinha aqui e ali até que podia ajudar um pouco.
SRA. PRENTICE SACODE A CABEÇA NUM TIQUE NERVOSO E
BEBE O WHISKY
PRENTICE - Ela é um caso ontológico de degeneração da espécie na faixa
dos jardineiros amadores da classe média. Um fracasso eugônico que, aliado
à sua fixação pelo álcool e pelas relações sexuais, tornem a maternidade
profundamente desaconselhável.
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SRA. PRENTICE (QUIETA) - Eu quase nunca tenho relações sexuais.


PRENTICE - Você nasceu de pernas abertas. Seu caixão vai ter de ser em
forma de Y.
SRA. PRENTICE (RISO AMARGO) - Meus problemas nasceram das
suas deficiências como amante! É constrangedor. Você deve ter aprendido a
sua técnica num curso de boas maneiras por correspondência. (A BOCA
CONTORCE-SE COM DESDÉM). Não há pílula de rejuvenescimento
que dê jeito em você.
PRENTICE (POMPOSO) - Eu nunca tomo pílulas.
SRA. PRENTICE - Não faz outra coisa o tempo todo quando nós fazemos
amor. O ruído ensurdecedor do seu mastigar é a razão de eu nunca atingir o
orgasmo.
PRENTICE É FERIDO POR TAIS COMENTÁRIOS. CHEGA MAIS
PERTO
PRENTICE - Como ousa dizer isso? O seu livro a respeito do orgasmo
feminino é em grande parte autobiográfico. (PAUSA. ELE A ENCARA).
Ou será que você tem apenas representado o papel da mulher sexualmente
realizada?
SRA. PRENTICE - Há muito tempo que minhas contrações uterinas são
vingadas.
ELA APANHA SEU COPO E FAZ UMA SAÍDA TRIUNFAL NA
DIREÇÃO DA ENFERMARIA, LEVANDO A VALISE NA MÃO.
PRENTICE (AINDA VOLTADO PARA ELA) - Quem diria! Eu, casado
com a rainha do clímax fraudulento. (SERVE-SE DE MAIS WHISKY)
NICK (DEPOIS DE PAUSA) - Meus pais eram divorciados, doutor.
Faltou-me o calor de uma atmosfera familiar feliz.
PRENTICE - Como psicanalista eu faço tudo para reconciliar casais que
estão estremecidos. (ENFIA DINHEIRO NA MÃO DE NICK). Não
hesite em me chamar quando estiver mentalmente desequilibrado.
NICK PEGA O DINHEIRO E VAI PARA O HALL. PRENTICE,
COM O COPO NA MÃO, AFASTA A CORTINA DA CAMA E OLHA
PARA DENTRO.
PRENTICE - Não adianta ficar aí deitada. Minha mulher voltou.
GERALDINE OLHA POR CIMA DA CORTINA
GERALDINE - Que bom! Assim ela pode ajudar no exame.
PRENTICE - O exame foi cancelado até segunda ordem. (ELE APANHA
A ROUPA DE BAIXO QUE ESTAVA NA CADEIRA). Vista-se!
SRA. PRENTICE VOLTA DA ENFERMARIA. ESTÁ COM UM
COPO VAZIO NA MÃO.
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SRA. PRENTICE (INDO ATÉ A ESCRIVANINHA) - Sua nova


secretária já chegou?
PRENTICE ESCONDE ROUPAS DE BAIXO ATRÁS DE SI.
GERALDINE ESTÁ OCULTA PELA CORTINA DA CAMA.
PRENTICE - Já. Os dados estão por aí em algum lugar.
INCAPAZ DE CONTINUAR A ESCONDER AS ROUPAS, DEIXA-AS
CAIR NUMA CESTA DE PAPEIS. A SRA. PRENTICE ABRE
OUTRA GARRAFA.
SRA. PRENTICE - Algum dia você já pensou em ter um secretário?
PRENTICE - Um homem jamais se adaptaria ao meu tipo de trabalho.
SRA. PRENTICE - Meu pai teve um secretário. Minha mãe sempre achou
que ele era muito melhor do que as mulheres.
PRENTICE - Não se pode pedir a um rapaz que trabalhe horas extras só na
base de um baton aqui, uma água de colônia ali.
SRA. PRENTICE - Experimente um rapaz para variar. Você é rico. Pode
se dar aos luxos desta vida.
PRENTICE - E a senhorita Barclay? Eu já fiz a entrevista preliminar.
SRA. PRENTICE - É só explicar que as circunstâncias mudaram.
GERALDINE OLHA POR CIMA DA CORTINA. PRENTICE
GESTICULA PARA QUE ELA DESAPAREÇA. ELA DESAPARECE.
ELE PEGA O BLOCO DE TAQUIGRAFIA, RABISCA UMA NOTA
NO MESMO, ATIRA-A SOBRE A CORTINA. SRA. PRENTICE
SERVE-SE DE MAIS UM WHISKY. PRENTICE VÊ O VESTIDO DE
GERALDINE PENDURADO NA CADEIRA E PEGA-O. ESTÁ A
PONTO DE JOGÁ-LO NA CESTA COM AS OUTRAS ROUPAS
QUANDO NA SRA. PRENTICE SE VIRA DE COPO NA MÃO.
PRENTICE TENTA ESCONDER O VESTIDO ATRÁS DE SI. A
PONTA APARECE POR BAIXO.
SRA. PRENTICE ( SURPREENDIDA ) - O que é que você está fazendo
com esse vestido?
PRENTICE ( PAUSA ) - É um vestido seu, velho.
SRA. PRENTICE - Você agora é travesti? Não sabia que nesse casamento
tinha de se submeter a todos os caprichos da moda.
PRENTICE - Nosso casamento é como a paz de Deus - fica além de
qualquer compreensão.
SRA. PRENTICE ENGOLE O WHISKY E ESTICA A MÃO.
SRA. PRENTICE - Dá aqui o vestido. Vou usá-lo.
PRENTICE (RELUTANTE) - Então quer me dar o que você está usando
agora?
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SRA. PRENTICE (POUSANDO COPO) - Acontece que eu estou sem


vestido.
ELA TIRA O CASACO DE PELES. POR BAIXO ESTÁ DE
COMBINAÇÃO.
PRENTICE NÃO PODE ESCONDER SEU ESPANTO.
PRENTICE - Por que é que você está sem vestido? O culto do pra frentex
já chegou a esse ponto ?
SRA. PRENTICE (VESTINDO O VESTIDO DE GERALDINE) - Vou
contar a verdade, quase nua e totalmente crua. Faça o favor de ouvir com
atenção, reservando quaisquer comentários para mais tarde. (FECHA O
FECHO DO VESTIDO). Meu quarto no hotel era pequeno, abafado e
inconfortável. Enfim, um modelo no gênero. Quando eu estava me vestindo
para jantar, notei que a roupa de cama não estava lá muito limpa. Fui então
até a rouparia, que eu sabia que ficava no segundo andar, procurar a
arrumadeira. Em lugar dela encontrei um boy que me atraiu até o armário de
roupa e depois me fez propostas indecorosas. Quando o repeli ele tentou
estuprar-me. Eu lutei para me livrar, porém não o consegui antes dele roubar
minha bolsa e vários outros artigos do vestuário.
PRENTICE - Não me parece o tipo de comportamento que um hóspede
deva esperar de um hotel de quatro estrelas.
SRA. PRENTICE - O boy prometeu devolver meu vestido. Ele o tinha
vendido a um amigo, provavelmente para uso em orgias sexuais.
PRENTICE (REUNINDO-SE A ELA JUNTO À ESCRIVANINHA) -
Você compreende o que aconteceria se suas aventuras se tornassem
públicas? Eu ficaria desmoralizado. As portas da sociedade londrina
bateriam na minha cara. (SERVE-SE DE WHISKY). Você informou as
autoridades sobre essa sua pequena diversão noturna?
SRA. PRENTICE - Não.
PRENTICE - Por que?
SRA. PRENTICE - Eu ví naquela pobre criança vestígios de uma bondade
inata quase destruída pelas pressões da sociedade. Procurei encontrar um
emprego decente para ele
PRENTICE - Há mercado para esse tipo de atividade?
SRA. PRENTICE - Ele precisa de um campo de fácil penetração.
PRENTICE - Que outras qualificações tem ele?
SR. PRENTICE - Sabe datilografia.
PRENTICE - Não há muitos empregos para datilógrafos homens.
SRA. PRENTICE - Eu sei. Foi uma série de desapontamentos com esse
mercado de emprego que o levou a dedicar-se ao estupro.
PRENTICE - E onde pretende emprega-lo?
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SRA. PRENTICE - Como seu secretário. Ele voltará dentro de uma hora.
Você poderá verificar cuidadosamente as referências do rapaz. Onde está a
sta. Barclay?
PRENTICE - Lá em cima.
SRA. PRENTICE - Vou informa-la do que o pôsto não está mais vago.
PRENTICE ENGOLE WHISKY E POUSA O COPO.
PRENTICE - Você podia me emprestar um dos seus vestidos por uns
momentos, querida?
SRA. PRENTICE - Devo dizer que essa sua obsessão por roupas
femininas me parece um assunto desinteressante e, de modo geral, de
bastante mau gosto.
ELA POUSA SEU COPO E VAI PARA O HALL. PRENTICE PASSA
A MÃO NA TESTA.
PRENTICE - Ela não descansa enquanto não me ver na cova. ( VAI ATÉ
A CAMA, ABRE A CORTINA, OLHA PARA DENTRO). Sta. Barclay,
nossa situação é de maior perigo. Minha mulher está com a impressão de
que o seu vestido é dela.
GERALDINE OLHA POR CIMA DA CORTINA.
GERALDINE - Nós precisamos explicar, com o maior tato, naturalmente,
que ela cometeu um engano.
PRENTICE - Receio que seja impossível. A senhorita precisa ter um
pouquinho mais de paciência.
GERALDINE - Doutor - eu estou nua! O senhor já percebeu, não
percebeu?
PRENTICE (UM TREMOR LHE PERCORRE O ROSTO). Muito mais
do que possa pensar. Tenho a certeza de que isso me causa um profundo
embaraço. Eu vou procurar roupas adequadas.
ELE SE VOLTA PARA A CESTA DE PAPÉIS E ESTÁ A PONTO DE
RETIRAR DELA A ROUPA DE BAIXO QUANDO RANCE ENTRE,
VINDO DO JARDIM. PRENTICE DEIXA AS ROUPAS CAIR DE
NOVO NA CESTA E POUSA ESTA NO CHÃO. GERALDINE
ABAIXA-SE PARA FICAR INVISÍVEL.
RANCE (SORRISO PEDIDO). Bom dia. (TIRA O CHAPÉU) - O
Senhor é o Dr. Prentice?
PRENTICE - O senhor tem hora marcada?
RANCE - Não. Eu nunca marco hora. ( POUSA O CHAPÉU E A
PASTA, APERTOU-SE AS MÃOS). Eu gostaria de obter detalhes
pormenorizados a respeito da sua clínica. Suponha que ela funciona com
pleno conhecimento e permissão das autoridades hospitalares locais?
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PRENTICE - Claro. Mas tudo dentro do maior sigilo. Nenhum estranho


pode ter acesso aos nossos arquivos.
RANCE - Pode falar livremente na minha presença. Eu represento o
Governo de Sua Majestade. Seus superiores imediatos em questão de
loucura. Vim da parte da Superintendência.
PRENTICE (PREOCUPADO, TIRANDO OS ÓCULOS) - De qual
deles?
RANCE - Da moral.
PRENTICE - O Senhor se ocupa do hospícios propriamente ditos? Ou só
de instituições de loucura experimental?
RANCE - Meu âmbito é ilimitado. Eu poderia intervir numa toca de
coelhos se algum deles estivesse mentalmente perturbado.
ABRE A PASTA E TIRA UM BLOCO PARA ANOTAÇÕES.
PRENTICE, UM POUCO CAMBALEANTE. SERVE-SE DE
WHISKY.
PRENTICE - Pelo visto o senhor é uma potência.
RANCE - Espero que nosso relacionamento seja dos mais agradáveis. Este
aqui é o seu consultório?
PRENTICE (ENGULINDO WHISKY) É.
RANCE - Por que é que há tantas portas? A casa foi desenhada por algum
lunático?
PRENTICE - Foi (SERVE-SE DE MAIS WHISKY). Ele é nosso
paciente de tempos em tempos.
RANCE - (OLHANDO PARA O AUTO) - Tem até clarabóia? Funciona?
PRENTICE - Não. Ela não tem a menor utilidade - a não ser deixar entrar a
luz.
RANCE SACODE A CABEÇA, GRAVEMENTE. ANDA PELA SALA
EXAMINANDO TUDO, OBSERVADO POR PRENTICE.
RANCE (PERTO DA CAMA) - Essa comoda é do tamanho regulamentar?
A mim parece suficiente para duas pessoas.
PRENTICE - Eu dou consultar duplas. As crianças pequenas têm pavor
dos médicos, de modo que comecei a examinar as mães ao mesmo tempo.
RANCE - Sua teoria tem sido muito divulgada?
PRENTICE - Eu não vejo com bons olhos o cientista que fica fazendo
alarde de suas teorias.
RANCE - De acordo, de perfeito acordo! Quem dera que um número maior
de cientistas jamais divulgasse suas idéias.
UM PEDAÇO DE PAPEL ENTRA FLUTUANDO POR DEBAIXO DA
CORTINA.
RANCE (PEGANDO O PAPEL) - Isto aqui é com você, Prentice?
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PRENTICE - É uma receita doutor.


RANCE (LENDO) - “Fique com a cabeça abaixada e não faça o menor
ruído”. (PAUSA) - E os seus pacientes têm reagido bem a esse tipo de
tratamento?
PRENTICE - Posso dizer que já tive algum sucesso com esse.
RANCE (SECO) - Suas idéias me parecem muito avançadas para nossos
dias.
ELE ABRE A CORTINA E A FECHA DE NOVO,
IMEDIATAMENTE. VIRA-SE PARA PRENTICE,
DESCONCERTADO.
RANCE - Há uma mulher nua ali atrás.
PRENTICE - É uma cliente, doutor. Eu mal havia conseguido acalma-la
quando o senhor entrou.
RANCE - O senhor foi atacado por uma mulher nua?
PRENTICE - Fui.
RANCE - Bom, Prentice, não sei se devo aplaudir sua coragem ou invejar
sua sorte. Vamos dar uma olhada nela.
PRENTICE VAI ATÉ AS CORTINAS.
PRENTICE - Sta. Barclay, um cavalheiro deseja falar-lhe.
GERALDINE (OLHANDO POR CIMA DA CORTINA) - Recuso-me a
ter qualquer tipo de convívio social enquanto continuar sem roupa.
PRENTICE (FRIAMENTE, A RANCE) - Observe com que obstinação
ela se agarra à sua formação moral suburbana.
RANCE - O senhor já experimentou tratamento de choque?
PRENTICE - Não.
RANCE - Há quanto tempo ela está em tratamento?
PRENTICE - A ordem de internamento ainda não foi assinada.
RANCE - Traga aqui. Eu assino.
PRENTICE VAI À ESCRIVANINHA. RANCE VOLTA-SE PARA
GERALDINE E DIRIGE-SE A ELA COM MANEIRAS BRUSCAS.
RANCE - Por que razão tirou suas roupas? Não lhe ocorreu que o seu
psiquiatra poderia ficar embaraçado com o seu comportamento?
GERALDINE - Eu não sou cliente. Sou da Agência de Empregos Sorriso
Amigo.
RANCE ( POR SOBRE O OMBRO, A PRENTICE ) - Quando foram as
primeiras manifestações alucinatórias ?
PRENTICE ( VOLTANDO COM UM DOCUMENTO ) - Há já algum
tempo que venho tendo consciência delas, doutor.
RANCE ( À GERALDINE ) - E você acha que algum homem de negócio
admitiria uma datilógrafa pelada em seu escritório ?
14

GERALDINE ( SORRINDO, E TENTANDO EXPLICAR, EM TOM


RAZOÁVEL ) - O Doutor Prentice pediu que eu me despisse afim dele
poder determinar minha adequação às tarefas futuras. Nunca foi sugerido
que eu trabalhasse permanentemente sem roupas.
RANCE ( À PRENTICE ) - Ficarei encarregado deste caso. Ele parece ter
uma bizarraria preciosa para a elaboração de teses fascinantes. ( ASSINA
OS DOCUMENTOS ) - Registre a admissão da paciente e ponha a
farmácia de alerta para tudo o que eu possa precisar.
PRENTICE SAI PARA A FARMÁCIA COM O DOCUMENTO.
RANCE ( PARA GERALDINE ) - Há outros casos de doença mental em
sua família ?
GERALDINE ( PURITANA ) - Suas perguntas são irrelevantes. Recuso-
me a respondê-las.
RANCE - Eu acabo de atestar a sua loucura. Não sabia ?
GERALDINE, COM SUSTO VIOLENTO, AFASTA-SE DE RANCE.
GERALDINE - E que direito tem o senhor de tomar uma decisão tão
arbitrária ?
RANCE - Todo o direito. A senhorita teve um colapso nervoso.
GERALDINE - Eu estou no gozo de mais perfeito juízo.
RANCE - Controle-se. Por que então a senhorita teria sido declarada
louca ? Até para uma louca a senhorita me parece particularmente mal
educada ?
PRENTICE ENTRA DA FARMÁCIA, EMPURRANDO UMA MACA.
NELA HÁ UM COLCHÃO DE BORRACHA, UM TRAVESSEIRO E
UM COBERTOR. NO BRAÇO TRAZ UMA CAMISOLA BRANCA,
DE HOSPITAL. RANCE PEGA-A E ATIRA SOBRE A CORTINA
PARA GERALDINE.
RANCE - Vista isso !
GERALDINE - Obrigada. Que alívio ficar vestida de novo.
RANGE LEVA PRENTICE PARA UM CANTO. GERALDINE
VESTE A CAMISOLA.
RANGE - Quais são os antecedentes deste caso? A paciente tem família?
PRENTICE - Não, senhor. Sua madrasta faleceu recentemente após um
envolvimento muito íntimo com Sir Winston Churchill.
RANCE - E o pai?
PRENTICE - Parece ter sido um sujeito muito desagradável. Engravidou a
mãe no lugar de trabalho dela.
RANGE - Houve alguma razão especial para tal conduta?
PRENTICE - A paciente foi muito retissente a esse respeito.
15

RANCE - Que estranho. Mas muito revelador. (ABRE AS CORTINAS, A


GERALDINE). Deite-se na maca. (A PRENTICE). Faça o favor de
preparar um sedativo.
PRENTICE VAI À FARMÁCIA. RANCE AJUDA GERALDINE A
DESCER DA CAMA.
GERALDINE - O senhor faça o favor de chamar um taxi. Eu quero ir para
casa. Positivamente não tenho as qualificações necessárias para este
emprego.
RANCE (COLOCANDO-A NA MACA E COBRINDO-A COM O
COBERTOR) Assim a sua recuperação sera cada vez mais lenta.
PRENTICE ENTRA DA FARMÁCIA COM UMA BANDEJA TIPO
RIM, ALGODÃO, E UMA SERINGA HIPODÉRMICA. RANGE
DESCOBRE O BRAÇO DE GERALDINE E ESFREGA COM O
ALGODÃO.
GERALDINE (APELANDO PARA PRENTICE) - Diga a verdade,
doutor! Conte a ele que eu sou datilógrafa e taquígrafa diplomada!
RANCE DÁ-LHE UMA INJEÇÃO. ELA ESTREMECE E CAI EM
PRANTOS.
GERALDINE - Isto é incrível! Os senhores envergonham sua profissão.
Depois do almoço eu vou telefonar para a Associação Médica da Inglaterra.
RANCE - Aceite a realidade sem lágrimas e sem ofender as autoridades.
POUSA A SERINGA E VAI LAVAR AS MÃOS. SRA. PRENTICE
ENTRA DO HALL.
SRA. PRENTICE (PREOCUPADA) - Ninguém encontra a sta. Barclay.
RANCE - Ela tomou uma forte dose de sedativos e não pode ser perturbada.
PRENTICE (SORRINDO NERVOSO PARA RANCE) - Minha mulher
está falando de minha secretária, doutor. Ela desapareceu há algum tempo.
GERALDINE - Eu sou Geraldine Barclay. Estou procurando um emprego
de secretária de meio expediente. E fui declarada louca.
RANCE (À SRA. PRENTICE) - Por favor não dê ouvidos a essas
divagações. Não passam de sintomas do estado da paciente. (A
PRENTICE). O nome dela é o mesmo da sua secretária?
PRENTICE - Ela tomou o nome da minha secretária como seu “nom de
folie”. Apesar de moralmente condenável, receio que não se possa fazer
nada a respeito legalmente.
RANCE (ENXUGANDO AS MÃOS) - Parece-me um capricho
mesquinho, porém os loucos são famosos por seus hábitos desatinados.
SRA. PRENTICE - Vou falar para a agência de emprego. A sta. Barclay
não pode ter
sumido, assim no ar. (SAI PARA O HALL).
16

PRENTICE - Minha esposa não está familiarizada com os hábitos das


mocinhas de hoje,
doutor. Já conheci várias que desapareceram assim, no ar. E algumas que
tinham nisso um
prazer todo especial.
RANCE (VESTINDO CASACO BRANCO) - Na minha experiência as
moças só desaparecem à meia noite ou então após uma refeição pesada.
(ABOTOA O CASACO). as suas relações com sua secretária eram
normais?
PRENTICE - Eram.
RANCE - Bem, sua vida particular é problema seu. Mas nem por isso eu
deixo de ficar chocado. A paciente tinha conhecimento de sua relação com
sua secretária?
PRENTICE - É possível que sim.
RANCE - Percebo. Um claro quadro sistemático começa a se delinear.
( VOLTA À MACA E FICA DE PÉ OLHANDO GERALDINE) .Sob a
influência da droga que lhe ministrei, sta. Barclay, a senhorita está tranquila
e confiante. Vou fazer-lhe algumas perguntas que quero que responda em
estilo claro, sem termos técnicos. ( A PRENTICE). Ela vai interpretar isso
como uma sugestão para o uso de expressões grosseiras. (A
GERALDINE). Quem foi o primeiro homem na sua vida?
GERALDINE - Meu pai.
RANCE - Ele a violentou?
GERALDINE - Não.
RANCE (A PRENTICE) - Esse “não”pode querer dizer “sim”. É
psicologia feminina elementar. (A GERALDINE). A sua madrasta tinha
conhecimento de seu amor por seu pai?
GERALDINE - Minha família era inteiramente normal. Eu nunca amei
meu pai.
RANCE (A PRENTICE) - Aposto que foi vítima de uma agressão
incestuosa. Ela associa claramente a violência com o ato sexual. A tentativa
dela, quando despida, de provocar no senhor uma reação erótica pode ter
uma significação mais profunda. (A GERALDINE). Seu pai tinha
convicções religiosas?
GERALDINE - Eu acho que sim.
RANCE (A PRENTICE) - E no entanto ela ainda diz que vivia numa
família normal. A gravidade de seu estado pode ser avaliado por uma
declaração dessas. ( A GERALDINE). A religião de seu pai aprova o
estupro? (A PRENTICE). Há seitas que fecham os olhos ao que quer que
seja, desde a coisa não ultrapasse os limites do círculo familiar. (A
17

GERALDINE). Houve alguma cerimônia religiosa antes da senhorita ser


atacada?
GERALDINE - Não posso responder suas perguntas, doutor. Elas me
parecem gratuitas e repugnantes.
RANCE - O que me interessa são os estupros, e não a estética dos
interrogatórios! Faça o favor de responder! A senhorita foi violentada por
seu pai?
GERALDINE (COM UM GRITO DE MORRER) - Não, não, não!
RANCE EMPERTIGA-SE E ENCARA PRENTICE.
RANCE - A veemência dessa negativa é prova de culpa. É um caso
ontológico! um homem corrupto, uma jovem sedenta de experiências. A
beleza, a confusão e a premência de sua paixão a impeli-los. Atiram-se a um
caso amoroso insensato. Ele tem dificuldade em conciliar seu segredo
culposo com suas convicções espirituais. É uma tortura mental. Cessa a
atividade sexual. Ela, que vivia do amor dele, entra em angústia quando o
perde, e busca o conselho de seu sacerdote. A Igreja, fiel a suas antigas
tradições, opina pela castidade. Resultado: a loucura.
RANCE COLOCA O ALGODÃO E A SERINGA NO RIM.
PRENTICE - Uma teoria fascinante, doutor, e muito engenhosamente
construída. Mas será que coincide com os fatos conhecidos?
RANCE (PEGANDO O RIM) - Isso não tem a menor importância.
Civilizações inteiras têm sido fundadas e mantidas segundo teorias que se
recusam a levar os fatos em consideração. Para mim, essa criança foi
violentada pelo próprio pai. Basearei todas as minhas ações futuras nesse
pressuposto.
SAI PARA A FARMÁCIA, LEVANDO CONSIGO O RIM,
ALGODÃO E SERINGA.
GERALDINE (PAUSA) - Eu estou louca, doutor?
PRENTICE - Não.
GERALDINE - O senhor está louco?
PRENTICE - Não.
GERALDINE - Isto é parte de alguma foto-novela?
PRENTICE - Há uma explicação perfeitamente racional para tudo o que
está acontecendo. Fique calma. Tudo vai dar certo.
RANCE (VOLTANDO) - Fica claro para o mais primário dos amadores,
Dr. Prentice, que o senhor se parece com o pai da paciente. É por isso que
ela se despiu. Quando cheguei ela estava a reviver a experiência inicial com
o genitor. Desse modo fica perfeitamente esclarecida a irritante questão do
motivo. Ela tinha conhecimento do arranjo existente entre o senhor e a sua
18

secretária. O senhor representa seu pai. A identificação dela com a sta..


Barclay completa o quadro. (ELE SOLTA O FREIO DA MACA)
PRENTICE - Talvez haja uma explicação mais simples para as aparentes
complexidades do caso, doutor.
RANCE - As explicações simples são para os pobres de espírito. Umas e
outros me irritam. (EMPURRA A MACA NA DIREÇÃO DA
ENFERMARIA). Abra a porta, doutor. Vou supervisionar o corte do
cabelo da paciente.
PRENTICE ABRE A PORTA DA ENFERMARIA, RANCE
EMPURRA PARA A MESMA A MACA DE GERALDINE.
PRENTICE VAI ATÉ A ESCRIVANINHA, SERVE-SE DE WHISKY
E ENGOLE RÁPIDO. SEU OLHAR CAI NA CESTA DE PAPÉIS.
SACODE-A,
ENCONTRA AS ROUPAS DE BAIXO, SAPATOS E MEIAS E
GERALDINE E ELE OS APANHA. SRA. PRENTICE ENTRA NO
HALL. PRENTICE DÁ AS COSTAS E ELA COMEÇA A SE
AFASTAR, CURVANDO NA TENTATIVA DE ESCONDER AS
ROUPAS.
SRA. PRENTICE (ALARMADA COM SUA CONDUTA) O que é que
houve? (APROXIMA -SE) Está sentido alguma dor?
PRENTICE (DE COSTAS PARA ELA, ESTRANGULADO) Estou. Vá
buscar um copo d’água.
SRA. PRENTICE CORRE PARA A FARMÁCIA. PRENTICE OLHA
DE VOLTA EM DESESPERO. VÊ UM VASO COMPRIDO COM
ROSAS. TIRA AS ROSAS E ENFIA AS ROUPAS DEBAIXO E UM
SAPATO NO VASO. O OUTRO SAPATO NÃO ENTRA. PAUSA,
PERPLEXO. ESTÁ A PONTO DE RECOLOCAR AS ROSAS NO
VASO QUANDO SRA. PRENTICE O ENCARA. ELE ESTÁ
SEGURANDO AS ROSAS. SORRI FRACAMENTE E OFERECE AS
ROSAS A ELA COM REVERÊNCIA. ELA FICA SURPREENDIDA E
ZANGADA.
SRA. PRENTICE - Ponha-as de volta no lugar imediatamente! (O
SAPATO ESCORREGA E PRENTICE, NUM ESFORÇO PARA NÃO
DEIXÁ-LO CAIR, DOBRA-SE EM DOIS). Quer que eu chame um
médico?
PRENTICE - Não. Eu estou bem.
SRA. PRENTICE - Toma aqui, bebe logo.
PRENTICE (RECUANDO, AINDA SEGURANDO ROSAS E
SAPATO). Você não podia mudar de copo? A forma desse aí é
inteiramente desaconselhável.
19

SRA. PRENTICE - Forma desaconselhável?


PRENTICE - É.
ELA O OLHA FIRMEMENTE, DEPOIS VAI PARA A FARMÁCIA.
PRENTICE TENTA REPOR AS ROSAS NO VASO. MAS ELAS NÃO
ENTRAM. ELE PEGA UMA TESOURA NA ESCRIVANINHA E
CORTA OS CABOS A UNS 3CM. DA FLOR. PÕE AS ROSAS NO
VASO EMBRULHA OS CABOS EM SEU LENÇO. ENFIA NO
BOLSO. PROCURA UM LUGAR PARA ESCONDER O SAPATO.
FICA DE GATINHAS E EMPURRA O SAPATO PARA O ESPAÇO
ATRÁS DOS LIVROS NA PRATELEIRA DA ESTANTE. SRA.
PRENTICE TRAZENDO OUTRO COPO. ELA PARA E FICA
OLHANDO ATÔNITA.
SRA. PRENTICE - E agora o que é que você está fazendo?
PRENTICE (LEVANTANDO AS MÃOS) - Rezando.
SRA. PRENTICE - Essa infantilidade não combina de todo com as suas
altíssimas qualificações acadêmicas. (POUSA O COPO. SACODE A
CABEÇA). O jovem que eu desejo que você contrate para seu secretário já
chegou.
PRENTICE (BEBENDO A ÁGUA) - Talvez ele pudesse voltar mais
tarde. Eu ainda estou meio esquisito.
SRA. PRENTICE - Vou ver. Trata-se de um jovem extremamente
impaciente.
PRENTICE - É por isso que ele se dedicou ao estupro?
SRA. PRENTICE - Exatamente. Não pode esperar por nada.
E SAI CORRENDO PARA O HALL. PRENTICE ENXUGA A
TESTA.
PRENTICE - Vinte anos lutando contra ela e a queda dos cabelos! Acho
que já me enchi das duas.
RANCE (ENTRANDO DA ENFERMARIA) - O senhor não terá
dificuldade em reconhecer sua paciente. Cortei seus cabelos rente ao crânio.
PRENTICE (CHOCADO) - Terá sido sensato, doutor? Esse gosto está de
acordo com a atitude esclarecida de hoje em dia com relação aos doente
mentais?
RANCE - Acordo perfeito. Já publiquei uma monografia a respeito.
Escrevi-a ainda na Universidade. A conselho de meu orientador. Tendo
fracassado em sua tentativa pessoal de atingir a loucura, ele passou a
dedicar-se a ensina-la aos outros.
PRENTICE - E o senhor foi o primeiro da classe?
RANCE - Havia outros ainda mais bem dotados.
PRENTICE - E onde se encontram agora?
20

RANCE - Em manicômios.
PRENTICE - Como diretores?
RANCE - Em grande parte.
SRA. PRENTICE (ENTRANDO, DO HALL, A PRENTICE) Ele insiste
na pontualidade. Deu cinco minutos.
PRENTICE (A RANCE) - Um candidato a emprego, doutor. Não adiante
querermos nos iludir que o socialismo não tem tido repercusão.(A SRA.
PRENTICE) - Nada da secretária?
SRA. PRENTICE - Nada. Já falei com a Agência de Empregos. Seus
clientes têm ordens severas de telefonar imediatamente após cada entrevista.
A sta. Barclay não telefonou.
RANCE - É preciso organizar uma busca. (A PRENTICE). O que há por
aqui em matéria de cães?
PRENTICE - Um pequinês e um poodle miniatura.
RANCE - Pois que sejam soltos! Geraldine Barclay precisa ser encontrada
e as autoridades informadas.
SRA. PRENTICE - Vou falar com o chefe da guarda. Ele controla o portão
e há de saber se ela deixou a clínica. (VIRA-SE PARA SAIR).
PRENTICE - Não. não faça isso. A sta. Barclay está inteiramente a salvo.
Está lá em baixo. Acabo de me lembrar.
RANCE (PAUSA. SURPRESO) - Por que ocultou o fato por tanto tempo?
PRENTICE - Eu tinha esquecido.
RANCE - O senhor já teve esses lapsos de memória outras vezes?
PRENTICE - Não que eu me lembre.
RANCE - A sua memória o engana até mesmo a respeito de sua própria
insuficiência?
PRENTICE - Eu posso ter tido uma curta amnésia. Não me lembro de ter
tido amnésia em qualquer outra ocasião.
RANCE - O senhor pode ter esquecido. Acabou de confessar que sua
memória não merece confiança.
PRENTICE - Só posso afirmar o que sei, doutor. Ninguém pode esperar
que eu me lembre de coisas que esqueci.
SRA. PRENTICE - E o que é que sua secretária está fazendo lá em baixo?
PRENTICE - Bruxinhas de pano para piorar a imagem dos bonecos em
áreas de atrito por preconceito de cor.
RANCE E SRA. PRENTICE TROCAM OLHARES ASSUSTADOS.
RANCE - E o senhor tem coragem de nos dizer, Dr. Prentice, que havia
esquecido que sua secretária estava fabricando esses monstrinhos?
PRENTICE - Tenho.
21

RANCE - É difícil de acreditar. Uma vez vista, uma bruxa dessas


dificilmente é esquecida. Qual é o objetivo da fabricação desses pesadelos?
PRENTICE - Eu esperava que promovessem maior harmonia racial.
RANCE - Esses monstros infernais precisam ser liquidados. Eu lhe ordeno
que os destrua antes que seus flúidos maléficos comecem a surtir efeito.
PRENTICE (CANSADO) - Eu direi à sta. Barclay para executar suas
ordens doutor.
SAI PELA PORTA DA ENFERMARIA. RANCE VOLTA-SE PARA A
SRA. PRENTICE E ENXUGA A TESTA.
RANCE - Esse homem é um segundo Frankenstein.
SRA. PRENTICE VAI ATÉ A ESCRIVANINHA E SE SERVE DE
MAIS WHISKY.
SRA. PRENTICE - Meu marido é uma pessoa estranha, doutor. Será que é
génio, ou apenas um idiota nervoso?
RANCE - Eu gostaria de conhece-lo um pouco melhor antes de arriscar
uma resposta. Ele tem tido outras idéias brilhantes além dessa das bruxas?
SRA. PRENTICE (BEBENDO) - Ele escreve toneladas de cartas aos
jornais.
PEGA O SEU COPO E VAI ATÉ A ESTANTE. PEGA, NA
PRATELEIRA DE BAIXO, UM ÁLBUM DE RECORTES
ENCADERNADO EM COURO. ABRE-O E MOSTRA) Aqui estão,
desde a primeira carta, escrita aos doze anos, queixando-se das informações
erradas que lhe foram fornecidas por uma criança alemã enquanto
brincavam de “mamãe e papai”- o que o levou a uma série de especulações
a respeito da natureza e eficácia da propaganda nazista...-RANCE OLHA
ATENTAMENTE O ÁLBUM. A SRA PRENTICE VIRA AS
PÁGINAS. - Até a mais recente, publicada há um mês, na qual ele chama
os lavatórios para cavalheiros de “último reduto do privilégio masculino”...
RANCE (DEVOLVENDO O ÁLBUM, DEPOIS DE LER) - O
comportamento de seu marido me provoca a mais profunda inquietação. A
senhora está pessoalmente convencida de que esses métodos podem
resultar na diminuição das tensões entre loucos e não-loucos?
SRA. PRENTICE - O objetivo da clínica do meu marido não é o de curar,
e sim o de liberar e explorar a loucura.
RANCE - No que parece ser extremamente bem sucedida. (ENCARA A
FRANCAMENTE). Eu nunca vi nada que se parecesse com o métodos
usados nesta casa. (TIRA UM PEDAÇO DE PAPEL DO BOLSO E
ENTREGA A ELA). Leia isso.
SRA. PRENTICE - (LENDO) - “Fique com a cabeça abaixada e não faça
o menor ruído”. (DEVOLVENDO). - O que quer dizer isso?
22

RANCE - Seu marido está usando métodos perigosamente anti-


convencionais no tratamento dos loucos. (VAI ATÉ SUA PASTA E
GUARDA O PAPEL)
SRA. PRENTICE - Não sei se devia dizer isto, doutor - Minha lealdade de
esposa ficou em jogo, mas ainda hoje pela manhã meu marido comunicou
sua intenção de usar Somerset Maugham para curar uma perturbação da
bexiga.
RANCE (SOMBRIO) - Como psiquiatra, seu marido me parece não só
ineficiente como também indesejável.
SRA. PRENTICE LEVA O ÁLBUM DE RECORTES DE VOLTA
PARA A ESTANTE E TENTA GUARDA-LO. NÃO CONSEGUE.
INVESTIGA. DESCOBRE O SAPATO DE GERALDINE.
SRA. PRENTICE (OLHANDO COM ESPANTO) - Que coisa esquisita
para se encontrar numa instante!
RANCE - É seu?
SRA. PRENTICE - Não.
RANCE - Deixe-me ver.
ELA LHE ENTREGA O SAPATO E ELE EXAMINA?
SEGURANDO-O
RANCE (LEVANTANDO OS OLHOS APÓS UMA PAUSA) - Tenho de
lhe pedir que seja muito franca. A algum momento o Dr. Prentice lhe deu
causas para que duvidasse de sua sanidade mental?
SRA. PRENTICE - Ele é um membro respeitado de sua profissão. Seu
trabalho em todos os campos tem sido altamente elogiado por inúmeros
colegas.
RANCE - O pensamento radical é sempre fácil para o lunático.
SRA. PRENTICE (PAUSA) - O senhor tem toda a razão. (ENXUGA O
NARIZ COM UM LENCINHO). Há muito tempo que eu sei que as coisas
não andam bem. Mas tentei me convencer de que meus temores eram
infundados. Sempre soube que estava querendo enganar a mim mesma.
RANCE LEVA-A PARA UMA CADEIRA. ELA SE SENTA,
ARRASADA PELO CHOQUE.
RANCE (BAIXO) - Como nasceram suas primeiras suspeitas?
SRA. PRENTICE - Acho que foi com sua atitude pouco cortês para com
minha mãe. Ele costumava telefonar para ela sugerindo métodos dolorosos
de suicídio. Afinal, desgastada por aquela perseguição, ela acabou aceitando
os conselhos dele.
RANCE - E mais recentemente, digamos... a partir desta manhã, o estado
dele parece ter-se agravado?
23

SRA. PRENTICE - Ah, sem dúvida, doutor. Ele não mostrou a menor
compreensão quando eu lhe contei que havia sido atacada por um boy do
Hotel da Estação.
RANCE - De que natureza foi o ataque?
SRA. PRENTICE - O jovem queria me violar.
RANCE - E foi bem sucedido?
SRA. PRENTICE - Não.
RANCE (SACUDINDO A CABEÇA)- O serviço nos hotéis está cada vez
pior.
SRA. PRENTICE - E pouco depois da minha volta meu marido começou
a ter umas idéias esquisitíssimas, que teria tido o maior prazer em satisfazer,
se não tivessem ultrapassado de muito os limites do bom gosto.
RANCE - Exemplifique.
SRA. PRENTICE - Começou a demonstrar um desejo incontrolável por
peças de vestiário feminino.
RANCE (TOMANDO O SAPATO DE GERALDINE) Isto confirma a
minha história.
SRA. PRENTICE - Eu me recusei a lhe emprestar minhas roupas, e saí à
procura da sta. Barclay. Um pouco mais tarde, na minha presença, meu
marido numa espécie de ataque pediu para buscar água. Quando voltei, ele
me ofereceu um buque de flores.
RANCE - Na certa para congratular-se pela senhora ter voltado sã e salva.
SRA. PRENTICE - Mas eu só tinha ido até a farmácia. E ele havia tirado
as flores daquele vaso. (PAUSA). Eu fiquei furiosa, e bastante amedrontada.
Nessa altura um espasmo de agonia cruzou seu rosto normalmente
tranquilo. Eu lhe ofereci a água, que ele recusou de forma violenta,
alegando que a forma do copo era desaconselhável.
RANCE - Que frase reveladora!
SRA. PRENTICE - Eu fui buscar outro. Quando voltei ele estava de
joelhos, rezando.
RANCE - Que coisa chocante! Sua anormalidade o levou a buscar consolo
na religião. Essa é sempre a última trincheira do homem no limiar da
catástrofe. (DÁ UNS TAPINHAS NO OMBRO DA SRA. PRENTICE).
Não há dúvida de que tudo o que me contou tem a maior significação. E
precisamos também levar em conta os lapsos de memória confessados, e a
tentativa de criação de formas estranhas de vida. ( PÕE O SAPATO EM
SUA PASTA). Nem uma palavra sobre nossas suspeitas. As fantasmagorias
crescem como mato no solo doentio de uma mente insana.
24

SRA. PRENTICE ( ENXUGANDO OS OLHOS COM LENÇO) - Ah,


doutor, nem pode imaginar que alívio é falar com uma pessoa assim como
senhor.
RANCE - Por que não o fez antes?
SRA. PRENTICE - Não há mulher que goste de encarar o fato do homem a
quem ama ser louco. Faz ela parecer tamanha idiota.
GUARDA O LENÇO, SERVE UM WHISKY, PÕE GELO.
PRENTICE ENTRA DA ENFERMARIA.
RANCE (VOLTANDO-SE PARA ELE) - Cumpriu minhas
determinações?
PRENTICE - Cumpri.
RANCE - Vocês, cientistas do pecado, ainda vão destruir o mundo com
seus segredos nefandos. (PEGA NA PASTA O SAPATO DE
GERALDINE) - Isto pertenceu à sua secretária?
PRENTICE - Não. (PAUSA). É meu.
RANCE E A SRA. PRENTICE TROCAM OLHARES. RANCE
LEVANTA UMA SOBRANCELHA.
RANCE (COM PESADA IRONIA) - E o senhor tem o hábito de usar
calçado feminino?
PRENTICE (RÁPIDO, DESESPERADO) - Minha vida particular não é
pública. A sociedade não deve ser tão precipitada em seus julgamentos.
RANCE (PONDO O SAPATO DE LADO) - Onde está essa sua
secretária? Eu tenho algumas perguntas a fazer a ela.
PRENTICE - Não posso permitir que a perturbe. Tem muito trabalho.
RANCE DÁ-LHE UM SORRISO GÉLIDO.
RANCE - Acho que não está compreendendo bem a situação, Prentice. Os
poderes a mim concedidos pela Superintendência me dão o direito de
entrevistar qualquer membro da sua equipe, se necessário. Onde está
Geraldine Barclay?
PRENTICE - No jardim.
RANCE - Que pedir que ela venha aqui?
PRENTICE - Ela está preparando a pira funerária para as bruxinhas. Não
seria aconselhável perturba-la.
RANCE - Está bem. (ENTRE DENTES) - Vou procura-la eu mesmo. Mas
pode ficar certo de que sua conduta não será esquecida no meu relatório.
SAI PARA O JARDIM, PRENTICE VIRA-SE PARA A MULHER
COM FÚRIA GÉLIDA.
PRENTICE - O que foi que você disse a ele?
SRA. PRENTICE - A verdade.
25

PRENTICE (SERVINDO-SE DE WHISKY) - Você andou ou não andou


por aí espalhando que eu sou um travesti?
SRA. PRENTICE - Havia um sapato de mulher escondido na sua estante.
O que é que ele estava fazendo lá?
PRENTICE - E por que é que você estava xereteando os meus livros?
SRA. PRENTICE - Estava procurando o álbum de recortes. Para mostrar
ao Dr. Rance.
PRENTICE - Você não tinha direito de mostrá-lo.
SRA. PRENTICE - Você se envergonha de saberem que você escreve
cartas a homens desconhecidos?
PRENTICE - Não há nada de suspeito nas minhas relações com vários
redatores-chefes.
SRA. PRENTICE (SERVINDO-SE DE MAIS WHISKY) - O Dr. Rance
e eu estamos procurando ajuda-lo. Para nós, seu estado não é satisfatório.
PRENTICE - Nem para mim. É insustentável. E a culpa é sua. Eu deveria
ter te abandonado à ignomínia há muitos anos.
SRA. PRENTICE AFASTA A GARRAFA VAZIA DE WHISKY E
VIRA-SE PARA PRENTICE COM RESSENTIMENTO.
SRA. PRENTICE - E de quem é a culpa do fracasso do nosso casamento?
Você é um egoísta e sem consideração. Não abuse da minha paciência.
(TIQUE DE CABEÇA). Eu podia dormir com mais alguém.
PRENTICE - Com quem?
SRA. PRENTICE - Um estudante indiano.
PRENTICE - Você não conhece nenhum.
SRA. PRENTICE - Nova Delhi está “assim”deles.
PRENTICE (ATÔNITO, APAVORADO) - Você não pode começar a
arranjar amantes na Ásia. As passagens aéreas estão extorsivas.
SRA. PRENTICE PÕE GELO NO SEU COPO E IGNORA
PRENTICE, SEMPRE DE NARIZ PARA O ALTO. PRENTICE VAI
ATÉ BEM JUNTO A ELA E GRITA-LHE AO OUVIDO - O seu
comportamento irresponsável me causa angústia indizíveis. Eu não esqueci
aquele homem que não parava de se exibir para você, no ano passado.
SRA. PRENTICE (SEM OLHAR PARA ELE) - Eu não vi coisa
nenhuma.
PRENTICE - E ficou tão desapontada que estragou nossas férias.
SRA. PRENTICE - Você não entende a psicologia dos problemas que eu
tenho de enfrentar. (BEBE)
PRENTICE (FAZENDO-A VOLTAR-SE, FURIOSO) - Se você tomar
muito cuidado ainda vai acordar aos pedaços numa mala esquecida num
depósito de bagagens.
26

SRA. PRENTICE (COM RISO AGUDO) - Essas ameaças veladas


confirmam as dúvidas que eu já tinha a respeito da sua sanidade.
ELA BEBE WHISKY E SE AFASTA DE PRENTICE, QUE AMARRA
A CARA PARA ELA. NICK ENTRA, VINDO DO HALL. CARREGA
UMA CAIXA DE PAPELÃO ONDE ESTÃO IMPRESSAS AS
PALAVRAS “HOTEL DA ESTAÇÃO”.
NICK (À SRA. PRENTICE) - Se a senhora me der o dinheiro eu lhe
entrego as fotografias, madame. Mas só entrego os negativos com o
emprego garantido.
PRENTICE, INTRIGADO, VOLTANDO-SE PARA A MULHER.
PRENTICE - Do que é que ele está falando?
SRA. PRENTICE - Ele tem consigo uma série de estudos fotográficos da
minha pessoa. tirados ontem à noite sem o meu conhecimento.
PRENTICE (DÁ-LHE AS COSTAS, CANSADO, QUASE EM
LÁGRIMAS) - Nunca vi mulher mais desfrutável! Vou ter de virar
pederasta para livra-la dessa encrenca. (PASSA A MÃO NA TESTA).
NICK ENTREGA A CAIXA À SRA. PRENTICE.
SRA. PRENTICE (ENCANTADA) - Meu vestido e minha peruca!
PRENTICE (APERTANDO OS OLHOS E SOLTANDO BREVE
EXCLAMAÇÃO) - Um vestido?Esse vai ficar comigo. (TIRA-LHE A
CAIXA).
SRA. PRENTICE (COSPE AS PALAVRAS NO ROSTO ATÔNITO
DO MARIDO) - Vou dar parte ao Dr. Rance de seu roubo de um dos meus
vestidos.
PRENTICE - Não ouse levantar a voz. Pegue o pão, a laranja, e vá para o
seu quarto.
SRA. PRENTICE SACODE A CABEÇA, PEGA GARRAFA CHEIA
DE WHISKY, SAI TRIUNFANTE PARA O HALL.
NICK - Peço desculpas se o meu comportamento de ontem à noite causou
alguma preocupação à sua esposa, mas acontece que eu tenho um desejo
incontrolável de dormir com todas as mulheres que encontro.
PRENTICE - Isso é um hábito repugnante e, na minha opinião, péssimo
para a saúde.
NICK - Eu sei, doutor. Minha saúde não é mais a mesma depois que eu
deixei de colecionar selos.
PRENTICE PÕE A CAIXA SOBRE A MESA E SE SERVE DE
WHISKY.
PRENTICE - Esta clínica tem uma política para questões morais da qual
nem eu fico isento. Enquanto trabalhar aqui terei de pedir que não se
interesse pelos órgãos sexuais de ninguém, a não ser os seus próprios.
27

NICK - Mas assim a gente não se diverte nada.


PRENTICE - É exatamente esse o nosso objetivo.
RANCE (ENTRANDO DO JARDIM) - Não encontrei nenhum vestígio
da sua secretária. E devo dizer, Dr. Prentice, que estou chegando aos limites
da minha paciência.
PRENTICE - Pode ser que ela esteja na farmácia.
RANCE - A não ser que eu descubra o paradeiro dessa moça em poucos
minutos, o senhor estará em graves dificuldades.
RANCE ENTRA NA FARMÁCIA. SRA. PRENTICE ENTRA DO
HALL.
SRA. PRENTICE - Há um polícia lá fora. Deseja falar com alguém da
casa.
PRENTICE - Peça a ele para vir até aqui.
SRA. PRENTICE VAI PARA O HALL. NICK LEVANTA-SE E FAZ
UM APELO EMOCIONAL A PRENTICE.
NICK - Doutor! Ele veio me prender!
PRENTICE - Sua paranóia é inteiramente gratuita. É muito provável que o
oficial tenha vindo pedir a mão da minha cozinheira.
NICK - O senhor está enganado. Se me pegarem, são cinco anos.
PRENTICE - Por que razão o senhor está ameaçado de prisão? Pode ser
inteiramente franco comigo.
NICK - Bom, como sua esposa já lhe disse, tentei ter conduta indecorosa
com ela ontem à noite. Não consegui.
PRENTICE - Claro que não. Apesar das aparências, é mais difícil penetrar
na sra. Prentice do que na sala de leitura do Museu Britânico.
NICK - Sem me deixar abater, tomei o elevador até o terceiro andar do
hotel, onde estava hospedado um grupo de alunas de um colégio interno.
Que vida de solidão e desperdício elas levam!
PRENTICE (FRANZINDO A TESTA) - Não estavam acompanhadas?
NICK - Uma mestra ocupava um quarto do outro lado do corredor.
PRENTICE - O senhor a molestou?
NICK - Não, e ela nunca há de me perdoar. Foi ela quem denunciou o
incidente à polícia. Por favor, doutor, não me atire nas garras da lei!
RANCE (ENTRANDO DA FARMÁCIA) - Estou lhe avisando, Prentice,
a ser que esteja disposto a cooperar na busca da sta. Barclay eu terei de
pedir que explique seu desaparecimento. Se não puder explicar, a polícia
terá de ser informada. ( SAI PARA A ENFERMARIA)
NICK - O senhor já pensou no meu problema?
PRENTICE - Não. Só consigo pensar no meu. (ENXUGA A TESTA) - Se
as coisas continuarem assim nós vamos ser companheiros de cela. (DÁ
28

COM OS OLHOS NA CAIXA. VIRA-SE PARA NICK, IDÉIA


NASCENDO) - Tire a roupa.
NICK - O senhor vai se aproveitar de mim, doutor?
PRENTICE - Claro que não! É isso que costuma acontecer quando um
homem lhe pede para tirar a roupa?
NICK - É. Eles me dão cinco shillings.
PRENTICE - Cinco shillings! Mas esse preço não muda há trinta anos!
Para o que é que serve os sindicatos? (PÕE A MÃO NO OMBRO DE
NICK) - Vamos tire a roupa.
NICK LUTA COM UM FECHO ÉCLAIR. O CASACO ABRE DO
OMBRO PARA O QUADRIL. ELE O TIRA, CHUTA OS SAPATOS E
DEIXA CAIR AS CALÇAS. PRENTICE (OBSERVA COM
ADMIRAÇÃO).
PRENTICE - Impressionante. Nem minha última secretária ganhava de
você. E olhe que ela era de circo.
NICK ENTREGA AS ROUPAS A PRENTICE. ESTÁ SÓ DE
CUECAS. ESTÁ A PONTO DE TIRÁ-LAS QUANDO PRENTICE
LEVANTA A MÃO.
A cueca não. Meus estudos médicos já me familiarizaram com o que está
por baixo.
SRA. PRENTICE (ENTRA DO HALL. PÁRA HORRORIZADA) - Em
que monstruosidade você está se metendo agora?
PRENTICE - Estou fazendo um exame médico.
SRA. PRENTICE - Mas você não é médico. Por que razão há de precisar
despir essa criança.
PRENTICE (SORRINDO COM INFINITA PACIÊNCIA) - Um exame
de seu corpo inteiramente vestido seria completamente “anti-científica”, é,
inevitavelmente, superficial. Afim de me certificar de que ele possa vir a ser
útil para mim, tenho de examiná-lo total e epidermicamente.
SRA. PRENTICE - Monstro! Nunca, em toda a minha vida, ouvi desculpa
mais mal arranjada ou mais estúpida. Esse ato de loucura vai custar-lhe seu
registro profissional. (APANHANDO O UNIFORME DE NICK) - Vem
comigo, queridinho. Você não pode ficar com esse homem.
ELA LEVA O UNIFORME PARA O HALL.
NICK - E agora? Se a lei chega, não posso nem sequer dar no pé.
PRENTICE ABRE A CAIXA DE PAPELÃO E TIRA DE DENTRO
UM VESTIDO ESTAMPADO DE LEOPARDO E UMA PERUCA.
PRENTICE - Tive uma ideia. Eu quero que você tome o lugar da minha
secretária. O nome dela é Geraldine Barclay. Se você concordar, todos os
nossos problemas estarão resolvidos. (ENTREGA O VESTIDO E A
29

PERUCA A NICK) - É particularmente importante convencer o Dr. Rance


que você é mulher. Creio que não terá dificuldade. Trata-se de um homem
idoso. Acho que já faz tempo que ele não confere com o original. (LEVA
NICK A PORTA DA FARMÁCIA)- Logo depois de ser apresentado a ele
você diz que está doente e sai da clínica. Eu espero lá fora com as suas
roupas. Terminada a operação você receberá uma soma em dinheiro e uma
passagem para qualquer lugar que escolher. (EMPURRANDO-O PARA A
FARMÁCIA) - Se você tiver dificuldade eu negarei sequer conhece-lo.
Vista-se aí dentro.
FECHA A PORTA DA FARMÁCIA, VAI AO HALL E CHAMA O
SARGENTO COM VOZ AMIGÁVEL.
PRENTICE - Quer entrar um momento, sargento? Desculpe tê-lo feito
esperar.
VAI ATÉ A ESCRIVANINHA E ABRE NOVA GARRAFA DE
WHISKY. NICK ABRE A PORTA DA FARMÁCIA E ESPIA.
NICK - Os sapatos, doutor!
PRENTICE (GIRANDO, ALARMADO) - Sapatos! (POUSA A
GARRAFA) Um momento. (TIRA O SAPATO DE GERALDINE DA
PASTA DE RANCE E ATIRA-O A NICK. VAI ATÉ O VASO E
RAPIDAMENTE LEVANTA AS ROSAS. METE A MÃO NO VASO,
PROCURANDO O OUTRO SAPATO. ENTRA SARGENTO MATON.
NICK SOBE RÁPIDO NA FARMÁCIA. PRENTICE SEGURA AS
ROSAS ATRÁS DAS CESTAS. EM TOM FRIO) - O senhor se
importaria de não entrar em meu consultório sem permissão?
MATCH (UM POUCO SEM GRAÇA) - O senhor me chamou, doutor.
PRENTICE - Eu creio que não. Faça o favor de esperar lá fora.
MATCH SAI DA SALA. PRENTICE SACODE O VASO E O
SAPATO DE GERALDINE SAI. ELE CORRE ATÉ A FARMÁCIA,
ATIRA O SAPATO PAR DENTRO E CORRE DE VOLTA PARA O
VASO. ESTÁ A PONTO DE RECOLOCAR AS ROSAS QUANDO A
SRA. PRENTICE ENTRA DO HALL. ELA VÊ PRENTICE
SEGURANDO AS FLORES E DÁ UM PASSO ATRÁS, DE SUSTO.
PRENTICE OFERECE-LHE AS ROSAS. A FACE DELA FICA COR
CINZA. ELA ESTÁ ZANGADA E UM POUCO ASSUSTADA.
SRA. PRENTICE - Por que é que você fica me dando flores?
PRENTICE - Porque gosto muito de você, minha querida.
SRA. PRENTICE - Suas ações se tornam mais desatinadas a cada
momento. Por que toda aquela grosseria com o sargento?
PRENTICE - Ele foi entrando assim, sem dizer como vai.
30

SRA. PRENTICE - Mas você mandou ele entrar. Não vai dizer que
esqueceu?
PRENTICE - Esqueci. (PAUSA) - Minha memória já não é o que era.
Pode dizer a ele que eu o verei agora. (SRA. PRENTICE VAI PARA O
HALL. PRENTICE RECOLOCA AS FLORES, VAI À
ESCRIVANINHA, SERVE-SE DE UM WHISKY DUPLO.
GERALDINE ENTRA DA ENFERMARIA. SEU CABELO FOI
CORTADO RENTE À CABEÇA. USA UMA CAMISOLA DE
HOSPITAL. PRENTICE FICA CONSIDERAVELMENTE
ALARMADO POR SUA PRESENÇA NA SALA) - Sta. Barclay! o que é
que está fazendo aqui?
GERALDINE - Nada me faria permanecer mais um momento que fosse a
seu serviço, doutor. Vim pedir demissão.
MATCH ENTRA DO HALL. GERALDINE ESTÁ OCULTA PELA
CAMA.
MATCH - Desculpe o mal-entendido, doutor.
PRENTICE (VOLTA-SE ABRUPTO) - Por favor fique lá fora. Eu pensei
que tinha falado claro.
MATCH (PAUSA) - O senhor não deseja me ver?
PRENTICE - Não. (MATCH, UM TANTO PERPLEXO ANTE A
SITUAÇÃO, SAI PARA O HALL. PRENTICE TOMA GERALDINE
PELO BRAÇO) - As suas revelações me arruinariam. Dê-me a
oportunidade de nos tirar desta confusão.
GERALDINE - O senhor precisa esclarecer as coisas, contando a verdade.
PRENTICE (FECHANDO AS CORTINAS DA CAMA) - Esconda-se ali
atrás. Nada de desagradável lhe acontecerá. Dou-lhe minha palavra de
cavalheiro.
GERALDINE - Nós precisamos contar a verdade!
PRENTICE - Isso é uma atitude inteiramente derrotista.
ELE A EMPURRA PARA TRÁS DAS CORTINAS.
GERALDINE (OLHANDO POR CIMA DA CORTINA) - Pelo menos
me dê de volta as minhas roupas. Eu me sinto nua sem elas.
PRENTICE TIRA AS ROSAS DO VASO, RETIRA AS ROUPAS DE
BAIXO E MEIAS DE GERALDINE, E ATIRA-AS PARA ELA. SRA.
PRENTICE E SARGENTO ENTRAM DO HALL. GERALDINE
AFUNDA ATRÁS DA CORTINA. PRENTICE ESTÁ COM AS
ROSAS NA MÃO. SRA. PRENTICE AGARRA O BRAÇO DE
PRENTICE.
SRA. PRENTICE - Ai, se ele me der de novo aquelas rosas eu tenho uma
coisa! (OBSERVA EM SILÊNCIO ENQUANTO PRENTICE REPÕE
31

ROSAS NO VASO, CONFIANTE. SEM AS ROUPAS POR BAIXO OS


CABOS ESTÃO CURTOS DEMAIS. AS ROSAS AFUNDAM NO
VASO, SRA. PRENTICE GRITA DE SUSTO)
SRA. PRENTICE - Ele cortou os talos! Está mais louco do que eu
pensava.
PRENTICE PEGA SEU COPO E SE VIRA, PARA O SARGENTO.
PRENTICE - Desculpe a história da minha mulher, sargento. Um homem
tentou violentá-la ontem à noite. Ainda não se recuperou.
MATCH - Pelo que compreendi a sra. Prentice lhe apresentou o jovem em
questão?
PRENTICE - Apresentou. Não pretendemos dar queixa.
MATCH - Eu creio que sua esposa está cometendo um engano em não
tornar a relatar sua experiência ante um juiz. Mas não tenho nada com esse
caso. Meu problema são os movimentos do rapaz entre meia noite e sete da
manhã. Nesse período ele está acusado de conduta dolorosa com inúmeras
alunas de um colégio interno.
SRA. PRENTICE (SERVINDO WHISKY) - Que escândalo! Mas que
vergonha!
MATCH - Após os exames de corpo de delito nossa doutora ficou em pé de
guerra. Está louca para encontrar o rapaz cara a cara.
PRENTICE - Bem, sargento, por aqui ele não está. Se aparecer, pode
deixar que eu o enformarei.
SRA. PRENTICE (CHOCADA) - Como ousa dar informações falsas à
polícia? (AO SARGENTO) - Ele estava aqui. Eu estou com as roupas dele
lá fora.
MATCH - A senhora agiu com grande sabedoria ao confiscar as roupas. Se
mais mulheres fizesse o mesmo o número de estupros baixaria de uns 50%.
PRENTICE (NA ESCRIVANINHA) - Ou dobrava.
SRA. PRENTICE - Não leve em conta o que o meu marido diz. Vou
busca-las.
ELA VAI PARA O HALL LEVANDO O COPO. SARGENTO VIRA-
SE PARA PRENTICE.
MATCH - Eu estou também interessado em localizar uma moça chamada
Barclay. O senhor pode me ajudar na investigação?
PRENTICE (UM ESPASMO DE ANGÚSTIA NO ROSTO) E por que
deseja ver a sta. Barclay?
MATCH - É uma questão de importância nacional. A madrasta da sta.
Barclay, que em tudo o mais era um carater sem jaça, faleceu recentemente.
Pouco antes de sua morte seu nome esteve ligado de forma extremamente
desagradável com o de Sir Winston Churchill. A associação da sra. Barclay
32

com o grande homem ofendeu determinados círculos. No entanto, a


administração regional, composta em grande parte de cidadãos que não
estão para aturar asneiras, resolveu que em vista de sua folha de guerra -
relevaria o lapso moral de Sir Winston. Um grupo de especialistas foi
encarregado de reintegra-lo na vida da comunidade. Mas quando se
concluiu a tarefa tornou-se evidente que o grande homem estava
incompleto. Quando os fatos vieram a público os saudosistas criaram a
maior gritaria. A imprensa pegou a história, que em breve havia adquirido
proporções absolutamente gigantesca. E finalmente - com o total apoio dos
partidos Conservador o Uni mista - a administração resolveu processar os
herdeiros da sra. Barclay, para obter a devolução das partes do Sir Winston
Churchill que o médico militar provara estar faltando. Os advogados do
conselho conseguiram uma ordem de exumação. Esta manhã o caixão foi
aberto na presença de Lord Prefeito e da Lady Prefeita desta região.
Mulheres desfalecentes eram contidas enquanto o funcionário encarregado
buscava por todos os cantos do patrimônio público. Seus esforços não foram
coroados de sucesso. A sra. Barclay não havia levado para o túmulo nada
que não lhe competisse. A polícia foi alertada ao meio-dia de hoje.
PRENTICE (SERVINDO WHISKY) - E o senhor suspeita que a minha
secretária tenha roubado certas partes de Sir Winston Churchill?
SRA. PRENTICE ENTRA COM O UNIFORME DE NICK NAS
MÃOS.
SRA. PRENTICE - Eis a prova de que o rapaz estava nesta sala.
MATCH - Bom, sem roupa ele não pode chegar muito longe.
PRENTICE - O ponto que ele atingiu ontem à noite sem roupa é de causar
inveja.
MATCH (A PRENTICE) - O senhor ainda insiste, doutor, que não tem
ideia do paradeiro do rapaz?
PRENTICE - Ainda.
MATCH - E para onde foi a sta. Barclay?
PRENTICE - Não tenho a menor ideia.
SRA. PRENTICE - Você disse ao Dr. Rance que ela estava queimando as
bruxas.
PRENTICE - É possível. Eu não me lembro.
SRA. PRENTICE (SACUDINDO IMPACIENTEMENTE A CABEÇA)
- O senhor precisa falar com o Dr. Rance, sargento. É possível que ele possa
explicar as esquisitices do comportamento do meu marido.
MATCH - E onde está o doutor?
SRA. PRENTICE - No jardim. Faça o favor de lhe dizer que seus
conhecimentos técnicos são urgentemente exigidos.
33

MATCH VAI PARA O JARDIM. SRA. PRENTICE DIRIGI-SE AO


MARIDO EM TOM DE SURPREENDENTE TRANQUILIDADE E
COMPREENSÃO.
Meu querido, está claro que você já atingiu o estágio em que perdeu a
capacidade para gravar informações recentes, resolver problemas fora da
rotina, e até mesmo para permanecer orientado. Não deixe que isso o
preocupe. Estarei a seu lado durante todo o curso da sua enfermidade. Vou
até tomar notas detalhadas da evolução de seu colapso. Não se deve perder
nada. Tente lembrar-se por que você destruiu as flores deste vaso. É
possível que seja muito importante para o caso.
ELA LHE DÁ UM SORRISO ENCANTADOR, PEGA O VASO E VAI
PARA O HALL. GERALDINE LEVANTA A CABEÇA ACIMA DA
CORTINA.
GERALDINE - Diga a verdade, doutor. Todos os seus problemas nascem
da sua falta de sinceridade.
PRENTICE - Meus problemas todos nasceram da minha insensata tentativa
de seduzi-la.
GERALDINE (REAÇÃO DE SUSTO) - O senhor não me disse que
estava me seduzindo. Disse que só estava interessado na minha mente.
PRENTICE - Mas é assim que essa coisas são feitas. Parece até que nunca
levou uma cantada na vida.
O SARGENTO APARECE NA PORTA DO JARDIM. GERALDINE
SE ABAIXA ATRÁS DA CORTINA.
MATCH - O senhor tem certeza de que o Dr. Rance está lá fora?
PRENTICE - Tenho.
MATCH - Mas onde?
PRENTICE - No meio dos arbustos. Nós temos uma fonte com um elfo nú.
Sempre há gente escondida espiando.
MATCH - Eu gostaria que o senhor me acompanhasse, doutor.
PRENTICE DÁ DE OMBROS E O SEGUE PARA O JARDIM.
GERALDINE DESCE DA CAMA. ESTÁ DE CALCINHA E
SOUTIEN. CARREGA A CAMISOLA. ELA PEGA O UNIFORME
DE NICK, POUSA A CAMISOLA NUMA CADEIRA, ENTRA NA
FARMÁCIA. RECUA RÁPIDO.
GERALDINE - Uma mulher desconhecida! (CORRE PARA A PORTA
DA ENFERMARIA, ESPIA, RECUA ATERRORIZADA) - O Dr.
Rance!, o que é que eu vou fazer?
ELA CORRE PARA O HALL, VOLTA PARA A CAMA E FECHA AS
CORTINAS. SRA. PRENTICE ENTRA TRAZENDO AS ROSAS
NUM VASO MENOR. NICK ENTRA, VINDO DA FARMÁCIA. USA
34

UM VESTIDO DE MULHER E UMA PERUCA LOURA. SRA.


PRENTICE DÁ UM SUSPIRO DE SURPRESA E POUSA O VASO.
SRA. PRENTICE - Você é Geraldine Barclay?
NICK - Sou. (FALA EM TONS GRAVES, REQUINTADOS).
SRA. PRENTICE - Onde é que você andou?
NICK (PUDOROSO) - Realizando as mil e uma tarefas que ocupam toda
secretária em seu horário de trabalho.
SRA. PRENTICE - Mas lixar as unhas não leva a manhã inteira, leva?
NICK - Eu tive de ir me deitar um pouco. Estava indisposta.
SRA. PRENTICE - Você está grávida?
NICK (SACUDINDO PARA TRÁS UM CACHO LOURO) - Não posso
discutir assuntos particulares de meu patrão com a senhora.
SRA. PRENTICE - Qual foi o seu último emprego?
NICK - Recepcionista numa excelente casa noturna.
SRA. PRENTICE (APERTANDO OS LÁBIOS EM
DESAPROVAÇÃO) - Fica perfeitamente claro que o trabalho não é de seu
gênero. Eu não a recomendarei para o emprêgo. ( PRENTICE E O
SARGENTO ENTRAM DO JARDIM, AO SARGENTO)- Esta é a
secretária do meu marido, sargento. Ela terá o maior prazer em ajudá-lo em
suas investigações.
MATCH (A NICK) - Sta. Barclay, tenho de lhe pedir que devolva, ou que
faça com que devolvam, as partes de Sir Winston Churchill que
desapareceram.
NICK - E que aspecto tem elas?
MATCH - A senhorita afirma desconhecer a forma e a estrutura dos
objetos que buscamos?
NICK - Só estou garantindo que nunca vi coisa nenhuma.
MATCH - Quer dizer que só os manuseou à noite? Nós tiraremos nossas
próprias conclusões.
NICK - Não sou do tipo de moça que se envolve em coisas desse gênero.
Eu fui bandeirante.
MATCH - A senhorita está escondendo algum objeto roubado na sua
pessoa?
NICK - Não.
MATCH - Sua história só poderá ser comprovada por testemunho médico.
a senhorita terá de ser cuidadosamente examinada.
PRENTICE - Eu sou médico formado.
MATCH - Só mulheres podem examinar suspeitas do sexo feminino.
PRENTICE - E isso não causa descontentamento nas fileiras?
35

MATCH - Há certo ressentimento entre os solteiros. Os casados, já


familiarizados com o terreno, ficam até aliviados de não ter de fazer novos
levantamentos topográficos.
SRA. PRENTICE - Eu examinarei a sta. Barclay. Isso resolve o assunto.
MATCH - Obrigado, madame. Aceito o seu oferecimento. Leve a moça
para a farmácia e submeta-a ao exame.
SRA. PRENTICE LEVA NICK PARA A FARMÁCIA. RANCE
APARECE, DA ENFERMARIA, SEU ROSTO UMA MÁSCARA DE
TERROR.
RANCE - Prentice! A paciente fugiu! Dê o alarme.
MATCH - Há quanto tempo ela fugiu, doutor?
RANCE - A apenas alguns minutos.
MATCH - Tudo o que o senhor achar necessário para a recaptura da sua
paciente será feito, doutor.
RANCE CRUZA, ACIONA A MANIVELA DO ALARME, E CORRE
PARA O HALL - Ela deve ter passado por aqui. O senhor e eu estávamos
no jardim, a sra. Prentice estava no hall. A fuga é impossível. Ela ainda
deve estar nesta sala. (VOLTANDO-SE TRIUNFANTE PARA
PRENTICE ) Só há um esconderijo possível. (ELE ABRE A AS
CORTINAS DA CAMA. APARECE GERALDINE, ELA ESTÁ
VESTIDA COM O UNIFORME DE NICK, INCLUSIVE BONÉ E
SAPATOS, E BOTOU OS ÓCULOS DE PRENTICE) MATCH,
AVALIANDO O QUADRO QUE VÊ) - O senhor é do Hotel da Estação?
GERALDINE (COM A VOZ ASSUSTADA) - Sou.
MATCH - Eu quero ter uma conversinha com você, meu rapaz. (TIRA DO
BOLSO SEU BLOCO DE NOTAS)
A SIRENE COMEÇA A SOAR.

CORTINA

ATO II

UM MINUTO MAIS TARDE. A SIRENE PÁRA. PRENTICE ABRE


OUTRA GARRAFA DE WHISKY. GERALDINE DESCE DA CAMA
ALIVIADA.
GERALDINE (AO SARGENTO) - O senhor não imagina o meu alívio em
ir para a prisão.
MATCH - Por que?
36

GERALDINE - Porque aqui estou correndo grave perigo.


MATCH - Perigo?
GERALDINE - O Dr. Prentice. Sua conduta é um escândalo. Leve-me até
a delegacia. Eu quero dar queixa.
MATCH (A PRENTICE ) - `O senhor tem alguma coisa a dizer, doutor?
PRENTICE - Tenho. Tudo o que essa moça diz é sempre mentira.
MATCH (COÇANDO A CABEÇA. PAUSA) - Isto aqui é um rapaz,
doutor, não é uma moça. Se a diferença o deixa perplexo, seria aconselhável
que se aproximasse de um e outra com bastante cuidado. (A GERALDINE)
Vejamos o que tem a dizer.
GERALDINE - Eu vim aqui procurar emprego. Usando não sei que
desculpa, o doutor me fez tirar a roupa. E depois disso comportou-se de
maneira estranhíssima.
MATCH - O que é que ele fez?
GERALDINE - Me disse para deitar naquela cama.
SARGENTO OLHA PRENTICE COM REPREENSÃO. PRENTICE
BEBE WHISKY.
MATCH (PARA GERALDINE, BAIXO) - A algum momento ele tentou
molestá-lo?
PRENTICE (POUSANDO O COPO) - Se o senhor está pensando que
esse rapaz perdeu a virgindade, sargento, vai ficar muito desapontado.
MATCH - Eu só espero que ele tenha muito mais experiência antes de uma
perda como essa, doutor. Que razoes tinha o senhor para manda-lo tirar a
roupa?
PRENTICE - Queria certificar-me de sua obediência cega. Eu dou um
prêmio anual. Algum dia ainda hei de conseguir inclui-lo no esquema do
Troféu de Duque de Edimburgo.
MATCH - Prefiro que a realeza não seja mencionada neste caso, doutor. -
O senhor já tinha se metido em encrencas deste gênero antes?
PRENTICE - Eu não estou metido em nenhuma encrenca.
MATCH- O senhor não compreende que este rapaz vai dar uma queixa
muito séria contra o senhor?
PRENTICE - Compreendo. E é ridículo. Eu sou casado.
MATCH - E desde quando casamento é prova de normalidade?
PRENTICE - Eu sou um homem respeitado na minha profissão. Sua
acusação é absurda.
MATCH- Eu não faço acusações alguma antes de compreender muito bem
o caso em questão.
PRENTICE - Esse rapaz tem péssima reputação. A noite de ontem precisa
ser investigada antes da manhã de hoje.
37

GERALDINE - Eu não tive nada a ver com aquela pouca vergonha no


Hotel da Estação.
MATCH - O senhor nega que na noite de quarta feira atentou contra a
moral com um grupo de alunas de um internato muito respeitável?
GERALDINE - Nego.
MATCH- Nicholas Beckett, devo avisá-lo que qualquer coisa que disser
poderá ser anotada e usada no testemunho contra o senhor.
GERALDINE - Meu nome não é Nicholas Beckett.
MATCH (FRANZINDO A TESTA) - Então por que é que eu haveria de
querer prendê-lo?
GERALDINE - Para proteger a minha integridade.
PRENTICE (NA ESCRIVANINHA, SERVINDO-SE DE WHISKY) - E
você acha que na delegacia ficará a salvo dos atentados contra a moral?
GERALDINE - Claro.
PRENTICE - Gostaria de compartilhar do seu otimismo.
RANCE (ENTRANDO DO HALL) - Todo o esquema de segurança ja
está armado. Ninguém pode deixar a clínica sem permissão por escrito.
Prentice, faça sua secretária redigir ordens para todos os integrantes da sua
equipe.
PRENTICE - Eu o farei assim que ela estiver em condições de reassumir
seus deveres rotineiros.
MATCH (A RANCE) - Doutor, será que o senhor poderia nos ajudar a
esclarecer um problema? É um pouco urgente. Ontem à noite esse rapaz
atacou certo número de crianças, esta manhã ele foi, por sua vez, atacado.
RANCE (DÁ DE OMBROS) - Como direi? Trata-se um exemplo perfeito
de que “quem com ferro fere com ferro será ferido”.
MATCH - O rapaz fez um acusação séria ao Dr. Prentice. Afirmou que foi
obrigado a despir-se e a deitar naquela cama.
RANCE (A PRENTICE) - Uma relação completa das suas pequenas
escorregadelas iria sem dúvida para a lista de “best-sellers”.
PRENTICE - Todos aqui estão redondamente enganados.
RANCE - Ouça, Prentice, neste momento só posso aconselhar uma coisa,
franqueza total. O senhor se comportou de maneira escusa?
PRENTICE - Não.
MATCH - O doutor disse que estava querendo fazer o rapaz entrar para
uma espécie de clube.
RANCE - Mas que bobagem. Meninos não podem pertencer ao clube.
Nisso é que reside metade do seu encanto.
PRENTICE PASSA A MÃO PELA TESTA. SEU ROSTO TEM
EXPRESSÃO DE DESERTAR DA ANGÚSTIA.
38

PRENTICE - Peço desculpas se minha declaração levou o sargento a uma


pista errada. Meus nervos estão em frangalhos.
RANCE - O senhor deveria consultar um psiquiatra competente.
PRENTICE - Eu sou um psiquiatra competente.
RANCE - Você é um idiota. O que não é exatamente a mesma coisa, muito
embora no seu caso os dois tenham muito em comum. (AO SARGENTO)
O rapaz já era conhecido da polícia?
MATCH - Não em casos deste tipo. É por isso que temos de ter cuidado.
Como diz muito bom o doutor, a reputação dele é péssima. Ele pode ter lá
um ressentimento qualquer contra o Dr. Prentice.
RANCE (A PRENTICE) - Talvez a acusação nasça do desapontamento.
Se o senhor tivesse concretizado o ato talvez não estivesse sendo acusado.
PRENTICE - Eu não poderia concretiza-lo. Sou heterossexual.
RANCE - Quer deixar de falar difícil? Tudo fica muito mais confuso. (AO
SARGENTO). Como é que o senhor pretende esclarecer isso?
MATCH - Uma pessoa acima de qualquer suspeita tem de examinar o
rapaz.
GERALDINE - Ninguém põe a mão em mim para me examinar.
MATCH - Sua opinião não interessa. Você está preso.
GERALDINE - Eu não sou Nicholas Beckett. E exigo que me levem para a
cadeia.
MATCH - Se você não é Nicholas Beckett não pode ir para a cadeia porque
não está preso.
GERALDINE (PAUSA. MORDENDO OS LÁBIOS) - Eu sou Nicholas
Beckett.
MATCH - Nessa caso está preso e vai ser examinado.
RANCE - Por mim. A mente da vítima desse tipo de ataque tem de ser
examinada junto com o corpo.
GERALDINE - Eu não fui vítima de nenhum ataque.
RANCE - Então por que fez aquelas acusações monstruosas?
GERALDINE - Eu não acusei ninguém. Quem acusou foi o sargento.
RANCE (AO SARGENTO) - O Dr. Prentice o atacou? (A PRENTICE).
O senhor anda atrás de policiais ou de rapazinhos? Na sua idade já deveria
ter se decidido há muito tempo. (AO SARGENTO). Espere lá fora.
Examinarei o rapaz e farei um relatório. Depois darei uma olhada no senhor.
MATCH (APAVORADO) - Em mim?
RANCE - É. Todo cuidado é pouco.
MATCH - Isso me parece um pouco desapropriado.
RANCE (COM UM RELINCHE DE RISO) - O senhor está num
hospício. Os comportamentos despropositados aqui são a norma.
39

MATCH - Só para os pacientes.


RANCE - Nós aqui não temos classes privilegiadas. A nossa loucura é
inteiramente democrática. (O SARGENTO VAI PAR O HALL,
PERPLEXO. RANCE VAI A PIA, DOBRA AS MANGAS, LAVA AS
MÃOS. )- Tire a roupa, meu filho. Deite-se ali na cama. (VOLTA À PIA).
GERALDINE (AGARRANDO O BRAÇO DE PRENTICE,
SUSSURRO FRENÉTICO) -E agora? Eu não posso tirar a roupa. Ele ia
perceber o engano.
PRENTICE - Calma! A situação, embora desesperadora, não está perdida
de modo algum.
RANCE PEGA UMA TOALHA E ENXUGA AS MÃOS
GERALDINE - Eu não devia ter dito nada, doutor. Ninguém me fez mal.
RANCE - Você gostou da experiência? ( POUSA A TOALHA E
COMEÇA A COLOCAR AS LUVAS DE BORRACHA) - Você gostaria
de ter uma relação normal?
GERALDINE - Não. Podia ficar grávida... (NOTA SEU ERRO E
TENTA ENCOBRI-LO)... Ou seria causa da gravidez em outra pessoa.
RANCE, RÁPIDO EM PERCEBER O ERRO, VOLTA-SE PARA
PRENTICE.
RANCE - Ela acaba de fazer uma revelação vital. (AVANÇA PARA
GERALDINE) - Você pensa em você mesma como sendo uma moça?
GERALDINE - Não.
RANCE - Por que não?
GERALDINE - Porque sou rapaz.
RANCE (BONDOSO) - Pode prová-lo pessoalmente?
GERALDINE (SEUS OLHOS MANDA MENSAGEM DE APELO A
PRENTICE) - Eu devo ser rapaz. Eu gosto de moças.
RANCE PÁRA E FRANZE A TESTA ATÔNITO.
RANCE (À PARTE PARA PRENTICE) - Não consigo perceber a lógica
desse raciocínio.
PRENTICE - Há muitos homens que julgam que uma preferência por
mulheres constitui ipso facto prova de virilidade.
RANCE (ACENANDO A CABEÇA SABIAMENTE) - Alguém devia
escrever um livro desmistificando essas crendices populares. (A
PRENDICE) - Abaixe as calças. Eu lhe direi a que sexo pertence.
GERALDINE (RECUANDO) - Eu prefiro não saber!
RANCE - Quer dizer que prefere continuar nessa dúvida atroz?
GERALDINE - Prefiro.
RANCE - Desculpe mas eu não estou aqui para apaparicar tarados. Você
tem de encarar os fatos tanto quanto qualquer um de nós.
40

FORÇA GERALDINE DE VOLTA PARA A CAMA.


PRENTICE - O senhor está forçando o rapaz a passar por uma repetição da
experiência traumatizando, doutor. Ele poderia enlouquecer.
RANCE - Isto aqui é uma clínica para distúrbios mentais. Ele não poderia
escolher local mais apropriado. (A GERALDINE). Dispa-se, eu tenho mais
o que fazer.
GERALDINE, INCAPAZ DE AGUENTAR A SITUAÇÃO POR UM
MINUTO MAIS, GRITA ANGUSTIADA PARA PRENTICE.
GERALDINE - Não posso continuar doutor! Tenho de dizer a verdade. (A
RANCE) - Eu não sou menino, sou menina!
RANCE (A PRENTICE) - Ótimo. Finalmente uma confissão. Ele deseja
acreditar que é uma moça afim de minimizar seus sentimentos de culpa após
a relação homossexual.
GERALDINE (DE OLHOS ESBUGALHADOS, DESATRADA - Eu só
fingi que era rapaz para ajudar o Dr. Prentice.
RANCE - E como é que uma moça ajuda um homem fingindo que é rapaz?
GERALDINE - É que as esposas em feral ficam muito zangadas quando os
maridos pegam uma moça para despir, e seduzir....
RANCE - Mas rapaz não faz mal, não é? Pois eu pessoalmente duvido
muito que essa sua visão muito pessoal da sociedade não seja alvo de
ataques.
PROVOCADA ALÉM DE SEUS LIMITES DE RESISTÊNCIA,
GERALDINE SE ATIRA NOS BRAÇOS DE RANCE E CHORA
HISTERICAMENTE.
GERALDINE - Então me despe, doutor! Faz o que quiser, desde que prove
que eu sou uma moça.
RANCE (AFASTANDO-SE E VOLTANDO-SE, RÍGIDO, PARA
PRENTICE) - Se ele continuar a se comportar assim vai ser preciso
amarra-lo.
SRA. PRENTICE ( A RANCE, ENTRANDO DA FARMÁCIA) - O
senhor poderia dar uma olhada na sta. Barclay, doutor? Ela se recusa
terminantemente a se despir na frente de uma mulher.
RANCE -E de um homem?
SRA. PRENTICE - Ainda não sondei a possibilidade.
RANCE - Vejamos se consigo tentá-la. (MORDE O LÁBIO) - Vou
experimentar. Ela pode ser ninfomaníaca. (A PRENTICE). Se ele começar
a usar linguagem obscena, mantenha-o conversando até eu voltar.
VAI PARA A FARMÁCIA SEGUIDO PELA SRA. PRENTICE.
GERALDINE (CONTROLANDO-SE) - Vou sair pelo jardim, doutor.
Posso tomar um táxi até em casa.
41

PRENTICE - Impossível. Medidas severíssimas de segurança foram


tomadas até que a paciente seja recapturada.
GERALDINE - E quando ela for recapturada, posso ir?
PRENTICE - Não.
GERALDINE - Mas por que?
PRENTICE - Porque você é a paciente.
GERALDINE DÁ UM GRITINHO DE DESESPERO. RANCE
VOLTA DA FARMÁCIA RETIRANDO AS LUVAS DE BORRACHA.
RANCE - Sua secretária está em pé em cima da mesa lutando com unhas e
dentes contra qualquer tentativa de ser despida. Ela me parece
completamente incapaz de qualquer comportamento normal e correto.
PRENTICE - A mim ela nunca deu qualquer motivo de queixa.
RANCE - Mas todos esperam que uma secretária tenha moral duvidosa. É
parte do contrato de trabalho. (ENCARA PRENTICE COM
VIOLÊNCIA)- O senhor já reparou que ela usa gilete?
PRENTICE - Nada de mais. A sra. Prentice ocasionalmente também
remove pelos endesejáveis.
RANCE - No queixo? (ATIRA LONGE AS LUVAS DE BORRACHA) -
Há dois sexos. Essa verdade desagradável tem de ser enfrentada. Suas
tentativas para obter estágios intermediários só lhe trarão sofrimento.
DA FARMÁCIA ENTRA A SRA. PRENTICE E UM NICK MAIS
OBEDIENTES.
SRA. PRENTICE - A sta. Barclay está mais calma agora, doutor. Eu lhe
dei um sedativo.
RANCE (VOLTANDO-SE PARA NICK E SACUDINDO A CABEÇA)
- Que quadro fascinante de uma mente em decomposição.
PRENTICE - A sta. Barclay não está nem um pouco mais doente do que
eu.
RANCE - O seu caso ainda é pior do que o dela.
PRENTICE - Isso eu não admito.
RANCE - Não há louco que admita sua loucura. Só os sãos é que o fazem.
(A NICK BRUSCO) - Por que não permito que a sra. Prentice a dispa?
SRA. PRENTICE - As objeções dela parecem ser de natureza religiosa.
Afirma que se uniu a Deus.
RANCE (A NICK) - A que momento a senhorita tomou consciência desse
relacionamento especial com o Todo Poderoso?
NICK - Quando me presentearam com uma edição da Bíblia encadernada
em pelica.
RANCE - Cópia autografada?
NICK - Não creio que tenha sido assinada por Deus pessoalmente.
42

RANCE - Claro que não. Que distração. Havia alguma inscrição?


NICK - Havia.
RANCE - Qual?
NICK - O nome da editora.
RANCE - Ah, são os representantes de Deus. Fica claro que a senhorita
viveu uma experiência religiosa de natureza mística. (APONTA PARA
GERALDINE) - A senhorita estava presente quando o Dr. Prentice usou
esse rapaz para fins anti-naturais?
NICK - O que é anti-natural.
RANCE (À SRA PRENTICE) - Pergunta de louco é sempre indiscreta. (A
NICK)- Suponhamos que eu lhe fizesse uma proposta indecorosa... Se a
senhorita concordasse poderia ocorrer alguma coisa que, via de regra, seria
considerada como natural. Se, por outro lado (ELE SORRI PARA
GERALDINE), eu fizesse o mesmo com esta criança, minha ação
resultaria numa grave violação da ordem geral das coisas.
SRA. PRENTICE (INDICANDO GERALDINE) - Meu marido andou se
desmunhecando com esse rapaz?
RANCE - Impossível responder com um mínimo de precisão. Ele se recusa
a passar pelo exame médico.
SRA. PRENTICE (A PRENTICE) - O que é que aconteceu com ele?
PRENTICE - Ele quem?
SRA. PRENTICE - O rapaz que você despiu.
RANCE - É esse o rapaz que ele despiu.
SRA. PRENTICE - Não. Ele despiu o rapaz que se engraçou comigo.
RANCE (PAUSA) - E não é este?
SRA. PRENTICE - Não.
RANCE (OLHOS ESBUGALHADOS, PERPLEXO) - Hú um outro
rapaz?
SRA. PRENTICE - Ele estava sendo entrevistado para o posto de
secretário. Meu marido mandou que ele se despisse.
RANCE (FRIAMENTE A PRENTICE) - Há quanto tempo o senhor é
pervertido?
PRENTICE - Eu não sou pervertido.
RANCE - Do que é que o senhor chamaria um homem que manuseia
rapazes adolescentes, importuna policiais, e coabita com uma mulher que se
barbeia duas vezes por dia?
PRENTICE - De pervertido.
RANCE - Ainda bem que o senhor está concordando a encarar a realidade
dos fatos. ( A GERALDINE) - Se você não é Nicholas Beckett, então
quem é?
43

GERALDINE OLHA PRENTICE E MORDE O LÁBIO.


PRENTICE - O nome dele é Gerald Barclay.
RANCE (INDICANDO NICK) - Ele é irmão dessa jovem?
PRENTICE - Não.
RANCE - E então o que foi que aconteceu com Nicholas Beckett?
PRENTICE - Saiu daqui há uma hora para retornar suas obrigações no
Hotel da Estação.
SRA. PRENTICE - Não é possível. Eu tirei o uniforme dele. Está nú.
PRENTICE - Pelo que ouvi dizer do Hotel da Estação, ele raramente
trabalha de uniforme.
RANCE (SACUDINDO A CABEÇA, PREOCUPADO) - Espero que não
tenhamos deixado escapar mais um. Daqui a pouco só vamos sobrar nós e
as nossas drogas miraculosas. (À SRA. PRENTICE) - Faça o favor de
descobrir se o rapaz voltou para o hotel.
SRA. PRENTICE VAI PARA O HALL. RANCE VOLTA-SE PARA
PRENTICE. - Prepare os papéis necessários. Vou atestar a loucura destes
dois.
GRITOS DE ALARME DE NICK E GERALDINE. NICK FALA A
PRENTICE.
NICK - O senhor não pode fazer alguma coisa com ele, doutor? Ele está
ruim da cabeça.
RANCE (SEVERO) - Eu represento a ordem, e vocês o cáos. A não ser
que reconheçam essa verdade fundamental, não posso esperar curá-los. (A
PRENTICE) - Preencha os formulários de internação para eu assinar.
PRENTICE (AGITADO E RAIVOSO) - Não posso concordar com
providências tão drásticas. Não há nenhuma prova de insanidade.
RANCE - Vou afasta-lo de posto de chefe da clínica. De agora em diante o
senhor fará apenas o que eu disser.
PRENTICE - Protesto contra o seu enfoque deste caso, doutor.
Apresentarei meu ponto de vista à Superintendência Mental.
RANCE - Acho muito difícil que as autoridades em questão se deixe
impressionar muito pelos pontos de vista de um louco.
PRENTICE - Eu não estou louco. Só pareço.
RANCE - Suas ações no dia de hoje seriam suficientes para que se atestasse
a demência do Arcebispo de Canterbury.
PRENTICE - Mas eu não sou Arcebispo de Canterbury.
RANCE - Realmente essa fase só vem um pouco mais tarde.
PRENTICE - Sua interpretação do meu comportamento é mal dirigida e
completamente errada. Se há aqui alguém no limiar da loucura é o senhor.
44

RANCE - Levando em conta a sua anormalidade, essa reação é


perfeitamente normal. As pessoas de mente sã parecem tão loucas para os
malucos quanto estes se parecem para os lúcidos. Fique onde está. Vou dar-
lhe um comprimido. (CORRE PARA A FARMÁCIA).
GERALDINE (SOLUÇANDO) - Ser declarada louca duas vezes no
mesmo dia. E tinham me dito que eu ia trabalhar num ambiente alegre e
saudável! (ASSOA O NARIZ).
NICK - Por que é que ele está usando o meu uniforme?
PRENTICE - Ele não é ele, é ela.
GERALDINE - Por que é que ela está usando os meus sapatos?
PRENTICE - Ela não é ela, é ele. (SERVINDO WHISKY) - Eu nunca
mais tentarei uma relação sexual, nem que viva até os noventa anos.
NICK - Doutor, se nós dois trocássemos de roupa, talvez pudessemos fazer
as coisas voltarem ao normal.
PRENTICE - Mas nesse caso nós teríamos de explicar o desaparecimento
da minha secretária e do boy do hotel.
GERALDINE - Mas eles não existem.
PRENTICE - Quando uma pessoa que não existe desaparece, a sua partida
precisa ser muito convincente.
NICK (PAUSA) - O sargento pode ser conversado?
PRENTICE - Não.
NICK - Eu preciso do uniforme dele.
PRENTICE - Para que?
NICK - Para me prender.
PRENTICE (PASSANDO A MÃO NA TESTA, TONTO E
CANSADO). Já passei tempo demais entre loucos para ainda saber quem
não é
NICK - Uma vez preso, todos podem me esquecer.
GERALDINE - Você quer enrolar as coisas ainda mais, em vez de
simplificar.
NICK (A PRENTICE) -É só inventar uma desculpa qualquer para tirar ela
daqui. E aí nós podemos trocar as roupas.
PRENTICE (PAUSA, DESCONFIADO) - Pode sair pior a emenda que o
soneto.
RANCE ENTRA DA FARMÁCIA. ENTREGA UMA CAIXA
VERMELHA DE PAPÉIS A PRENTICE.
RANCE - Tome duas.
PRENTICE (OLHANDO A CAIXA) - O que é isso?
RANCE - Uma droga perigosíssima indicada para o alívio da euforia
patológica. Cuidado para não exagerar na dose. (A NICK) - Controle-se,
45

mocinha, e entregue logo os tais pedaços que estão botando a polícia do país
inteiro em polvorosa. (TOMA GERALDINE PELO BRAÇO). Este aqui
vai para o isclamento. Não se pode deixar o hermafroditismo aguso andar à
solta.
GERALDINE - Que bom que meus pais estão mortos. Se não, iam morrer
com isso tudo. (RANCE LEVA-A PARA A ENFERMARIA).
PRENTICE (A NICK). Vou conseguir que o sargento se dispa. Se já estou
acusado de um crime, o melhor é comete-lo de uma vez.
NICK - Será que o senhor não pode dar uma injeção nele? Só para ele ficar
mais cordato.
PRENTICE - Um calmantezinho não faz mal a ninguém. Tem uns anti-
depressivos aí na escrivaninha. (NICK VAI À ESCRIVANINHA E
PEGA UMA CAIXA BRANCA DE PÍLULAS NA GAVETA.
PRENTICE ABRE A PORTA PARA O O HALL E CHAMA COM
VOZ AMÁVEL) - Quer dar um pulinho aqui, sargento?
NICK ENTREGA A CAIXA BRANCA A PRENTICE E ENTRA NA
FARMÁCIA.
MATCH (ENTRANDO VINDO DO HALL) - Deseja falar comigo,
doutor?
PRENTICE - Desejo. Eu queria que o senhor se despisse e se deitasse
naquela cama.
MATCH (PAUSA) - Mas ninguém me molestou.
PRENTICE - Não tem a menor importância. Fique só com a roupa de
baixo.
MATCH (SENTANDO NA CAMA E DESAMARRANDO AS BOTAS)
- Se o senhor fizer qualquer tentativa para me excitar, doutor, eu grito por
socorro.
PRENTICE - Vê-se logo que não foi molestado. Cria muita dificuldade.
O SARGENTO TIRA AS BOTAS. NICK APARECE NA PORTA DA
FARMÁCIA. PRENTICE DÁ-LHE AS BOTAS. NICK LEVA-AS
PARA A FARMÁCIA. SARGENTO TIRA A TÚNICA E ENTREGA-
A A PRENTICE. NICK, SEM SAPATOS, APARECE NA PORTA DA
FARMÁCIA. PRENTICE ENTREGA-LHE A TÚNICA, NICK VIRA
DE COSTAS. PRENTICE ABRE O FECHO DO VESTIDO. NICK
LEVA A TÚNICA PARA A FARMÁCIA. SARGENTO TIRA
GRAVATA E CAMISA. NICK, SÓ DE CUECAS, APARCE NA
PORTA DA FARMÁCIA. PRENTICE ENTREGA-LHE GRAVATA E
CAMISA. NICK ENTRA NA FARMÁCIA. O SARGENTO DEIXA
CAIR AS CALÇAS, SRA. PRENTICE ENTRA DO HALL E VENDO
O SARGENTO SEM CALÇAS, DÁ GRITO AGUDO. CHOCADO E
46

EMBARAÇADO O SARGENTO TORNA A LEVANTAR AS


CALÇAS.
SRA. PRENTICE (GÉLIDA) - O que é que o senhor estava fazendo com
as calças abaixadas, sargento?
MATCH - O doutr ia me examinar.
SRA. PRENTICE - Por que?
MATCH - Há razões para supor que eu passei por uma experiência
desagradável há pouco tempo.
SRA. PRENTICE - Que tipo de experiência?
PRENTICE - Ele foi molestado.
SRA. PRENTICE - Por quem?
PRENTICE - Por mim.
SRA. PRENTICE - Então para que o exame?
PRENTICE - Para saber se ele está dizendo a verdade.
SRA. PRENTICE - Você não sabe?
PRENTICE - Não. Eu não senti nada.
SRA. PRENTICE (TIQUE DA CABEÇA) - Onde está o Dr. Rance?
PRENTICE - Ele acaba de ordenar a internação do boy do hotel. No
momento está pondo o rapaz no isolamento.
SRA. PRENTICE - Eu preciso falar com ele. As coisas já estão indo longe
demais.
ELA CORRE PARA A ENFERMARIA. PRENTICE VOLTA-SE
PARA O SARGENTO.
PRENTICE - Tire as calças, sargento, para podermos continuar.
(SARGENTO TIRA AS CALÇAS E AS ENTREGA A PRENTICE.
FICA SÓ DE CUECAS E MEIAS. COM UMA MESURA PRENTICE
TOCA A CAIXA VERMELHA DO BOLSO E A ENTEGA AO
SARGENTO. SORRI) - Gostaria que tomasse estas cápsulas. Tome
quantas quizer. São inteiramente inócuas. (SARGENTO ACEITA A
CAIXA) - Agora eu gostaria que o senhor se deitasse naquela cama e se
concentrasse nos últimos capítulos de sua obra de ficção favorita. ( O
SARGENTO DEITA-SE NA CAMA. PRENTICE FECHA AS
CORTINAS EM TORNO E CORRE PARA A FARMÁCIA COM AS
CAIXAS, ENCONTRA NICK NA PORTA. NICK CARREGA O
UNIFORME DO SARGENTO. PRENTICE DÁ-LHE AS CALÇAS) -
No jardim há um caramanchão. Lá estará tranquilo.
NICK - O capacete, doutor.
PRENTICE (CORENDO ATÉ A CAMA) - O capacete, urgente!
MATCH (ATRÁ DA CORTINA) No hall doutor!
PRENTICE (A NICK) - Onde estão as roupas da sta. Barclay?
47

NICK - Na farmácia.
NICK CORRE PARA O HALL. PRENTICE CORRE PARA A
FARMÁCIA. SRA. PRENTICE ENTRA DA ENFERMARIA, NICK
VOLTA DO HALL USANDO CUECAS E CAPACETE. AO VÊ-LO
SRA. PRENTICE GRITA E RECUA. NICK CORRE PARA O
JARDIM.
SRA. PRENTICE (FRACA, NA ESCRIVANINHA) - Meu Deus, isto
parece um hospício! (RANCE ENTRA DA ENFERMARIA. SRA.
PRENTICE ATIRA-SE SOBRE ELE, DESVAIRADA) - O senhor tem
de me ajudar, doutor. eu só vejo homem nu.
RANCE (PAUSA) - E quando começaram essas alucinações?
SRA. PRENTICE - Alucinação o que, é de verdade.
RANCE (RELINCHO DE RISO) - Todo mundo que sofre de alucinação
acha que elas são de verdades. Qual foi a última vez que a senhora viu um
homem nu?
SRA. PRENTICE - Agora mesmo. Nu, com um capacete de polícia.
RANCE (SECO) - Não é muito difícil deduzir o que é que a senhora tem
na cabeça, minha cara. A senhora está com problemas conjugais?
SRA. PRENTICE - Bom, eu tenho nofrite. Mas o meu marido se recusa a
receitar para mim.
RANCE - Narcotizar a mulher não é o melhor meio de um homem alcançar
uma união feliz.
SRA. PRENTICE - Eu não quero narcóticos. Quero que seja levada em
conta a minha natureza sexual. (VAI À ESCRIVANINHA E SE SERVE
WHISKY)
RANCE- Contribuindo para o colapso de seu marido, no menos em parte,
onde está o Dr. Prentice?
SRA. PRENTICE (PONDO GELO NO COPO) - Não sei. Quando voltei
depois de ter telefonado para o Hotel da Estação ele estava despindo o
sargento.
RANCE - Como a senhora descreveria as relações dele com o sargento?
SRA. PRENTICE - Como estranhas e, sob muitos aspectos, pertubadores.
Ele o havia chamado várias vezes a esta sala, mandando-o embora de modo
muito grosseiro logo depois.
RANCE - Se fazendo de regado, einh? Bom, isso sempre dá um sabor todo
especial a qualquer caso. Alguma novidade sobre a paciente?
SRA. PRENTICE - Nenhuma. A não ser pelo fato disto aqui parecer a
camisola que ela estava usado. (MOSTRA A CAMISOLA DE
GERALDINE) -
RANCE - Então ela deve está nua?
48

SRA. PRENTICE - Deve.


RANCE - E o que nos informa o Hotel da Estação?
SRA. PRENTICE - Que não têm nenhum boy chamado Gerald Barclay lá .
O rapaz declarado louco deve ser impostor.
RANCE - E sobre o Nicholas, o boy verdadeiro?
SRA. PRENTICE - Não voltou ao hotel. E no entanto quando desapareceu
o seu uniforme estava sob minha custódia.
RANCE (MUITO PREOCUPADO) - Dois jovens. ele louco, ela
sexualmente insaciável - e ambos desnudos - estão perambulando pela casa.
Temos de evitar a qualquer preço que haja uma colisão.
SRA. PRENTICE - Doutor, alguma coisa nisto tudo faz sentido para o
senhor?
RANCE - Claro. É uma história de profundo interesse humano. Um
membro respeitável da classe médica é casado com uma mulher
deslumbrante. Desesperadamente apaixonados, porém - por desconfiança
mútua recusando-se a admiti-lo, há muito pouco que possam fazer para
evitar que uma relação outrora preciosa se deteriore. O doutor tem uma
paciente encantadora porém mentalmente desequilibrada. Ela é a chave do
nosso mistério. Em tenra idade ela foi vítima de um ataque sexual. O
atacante foi seu próprio pai. Um ato de transferência, comum na experiência
de todo psiquiatra, permite que ela identifique o doutor com seu pai. As
exigências de uma esposa e uma paciente ninfomaníacas, aliadas às de sua
tórrida secretária, são demais para sua saúde mental. Em sua angústia, ele
passa a atacar rapazinhos. Retendo, no entanto, alguns vestígios de seus
sentimentos normais., ele persuade seus amiguinhos a se vestirem com
roupas femininas. Com isso já expliquei por que ele andava atrás de roupas
femininas. E a medida que sua neurose for evoluindo poderemos decidir
mais facilmente se ele quer que os seus menininhos tomem o lugar da
mulher, da paciente, ou da secretária.
SRA. PRENTICE - E por que foi que ele atacou o polícia?
RANCE - Pura loucura. Nada mais.
SRA. PRENTICE - Há quanto tempo o senhor acha que meu marido está
louco?
RANCE - Eu localizo as origens da doença nos idos da primeira carta
escrita a um jornal. Das surpreendentes idéias do Dr. Goobberls sobre o
funcionamento do órgão sexual masculino não há mais que um passo
pequeno e lógico até a fabricação de bruxinhas de pano. Trata-se de na
verdade uma tentativa de se alterar a ordem da criação - e o
homossexualismo se enquadra aqui. - por meio de experiências com magia
negra. A denúncia de roubo das partes pudendas de uma figura pública
49

muito conhecida se adapta muito bem a esta teoria. Macacos me mordam se


não estamos diante de um caso de culto fálico (RELINÇÃO DE RISO).
Com a publicação de tudo isto eu ficarei rico. Minha pequena novela de
gênero “gênero documentário”terá doze edições consecutivas, quebrando
recordes a cada passo. Poderei deixar a Superintendência para tornar-me o
centro das atenções de todos aqueles que, como eu mesmo, descobrem que a
iniquidade alheia é uma nina de ouro.
SRA. PRENTICE (BEBENDO WHISKY COM UM ARREPIO) - Que
história horrenda. Se fosse ficção, eu a condenaria em termos
excpencionalmente fortes.
RANCE - Não poderei mais convidar o Dr. Prentice para inaugurar nossa
Feira da Saúde Mental. (APERTANDO OS LÁBIOS) - Terei de apelar
para um dos membros do Gabinete menos desequilibrados. ( A SRA.
PRENTICE PEGA UMA CAIXA VERMELHA NO CHÃO PERTO
DA MESA. RANCE NOTA IMEDIATAMENTE). O que é isso?
SRA. PRENTICE - Uma caixa de pílulas. Está vazia.
RANCE AGARRA-A.
RANCE - Ele tomou uma dose excessiva. Temos aqui uma prova terrível
de conflito. Sua mente torturada, buscando alívio, levou-o a uma tentativa
de auto-destruição.
SRA. PRENTICE (VIOLENTO CHOQUE E SURPRESA) - Suicídio?
Mas que coisa inesperada.

RANCE - O inesperado sempre acontece quando menos se espera.


Precisamos encontrá-lo antes que seja tarde.

SEPARAM-SE RAPIDAMENTE EM DIREÇÕES OPOSTAS: SRA


PRENTICE PARA O HALL, RANCE PARA A ENFERMARIA.
PRENTICE E NICK ENTRAM SIMULTANEAMENTE DA
FARMÁCIA E DO JARDIM. PRENTICE CARREGA OS SAPATOS
E A PERUCA EMBRULHADOS NO VESTIDO. NICK ESTÁ COM O
UNIFORME DO SARGENTO.

NICK (URGENTE) - Doutor, a sta. Barclay está pendurada na janela da


cela de isolamento.

PRENTICE (CHEGANDO A SALA) - Onde será que se pode esconder


um vestido de mulher num consultório médico?
50

( ELE PEGA O VASO. É PEQUENO DEMAIS PARA CONTER O


VESTIDO. OLHA EM VOLTA RÁPIDO, DESESPERADO. AS
CORTINAS DA CAMA SE ABREM E O SARGENTO CAI DE
FRENTE PARA O CHÃO, NARCOTIZADO E INCONSCIENTE.
PRENTICE E NICK REAGEM À CONDIÇÃO DO SARGENTO.
PRENTICE APALPA O BOLSO E TIRA A CAIXA BRANCA DE
PÍLULAS, SEUS OLHOS SE ARREGALAM. AGARRA A
GARGANTA. UM GRITO ESTRANGULADO) Meu Deus! Eu o
envenenei.

NICK CORRE ATÉ A PIA, OLHA UMA TOALHA E SALPICA O


ROSTO DO SARGENTO. PRENTICE POUSA O VESTIDO E
TENTA FAZER O SARGENTO FICAR DE PÉ. ESTA GELADO.
OLHA EM VOLTA NUM ESTUPOR E CALAFRIOS
INCONTROLÁVEIS.

NICK (SEGURANDO O PULSO DO SARGENTO) - Ele está gelado,


doutor.
PRENTICE - É o efeito da droga. A mesma coisa acontece aos cadáveres.
NICK - Vamos enfiar uma roupa nele e jogar ele no jardim para dormir até
isso passar. (PEGA O VESTIDO)
PRENTICE (TORCENDO AS MÃOS) - Como poderei explicar a
presença, no meu jardim, do corpo narcotizado de um sargento de polícia?
NICK (VESTINDO O VESTIDO NO SARGENTO) - O senhor é
culpado, não precisa explicar nada. Só inocente é que explica.
FECHA O VESTIDO. PRENTICE TENTA FICAR DE PÉ.
PRENTICE (NUM GEMIDO) - Se os jornais sabem disso, vou acabar
meus dias vendendo esticador de colarinho.
OS DOIS ARRASTAM O SARGENTO SEMI-CONSCIENTE PARA
O JARDIM. SRA. PRENTICE ENTRA DO HALL, RANCE ENTRA
DA ENFERMARIA.
SRA. PRENTICE - Alguém roubou o capacete do sargento da mesa do
hall. O senhor acha que pode ter sido o meu marido?
RANCE - É possível. O comportamento dele é tão ridículo que quase dá
para desconfiar que esteja em seu juízo perfeito. (A SRA. PRENTICE, NA
PORTA PARA O JARDIM, REPETINAMENTE GRITA
ASSUSTADA) - O que foi? A senhora parece expressar mais emoção do
que é necessário para se falar de um capacete de polícia.
51

SRA. PRENTICE - Eu acabo de ver meu marido carregando uma mulher


para o meio dos arbustos.

RANCE - Ela estava se debatendo?


SRA. PRENTICE - Não.

RANCE - Então uma nova e terrível possibilidade se apresenta. As drogas


desta caixa (LEVANTA A CAIXA VERMELHA) podem não ter sido
usadas para suicídio e sem para assassinato. Seu marido liquidou a
secretária.
SRA. PRENTICE SE SERVE DE WHISKY COM UM RISO
NERVOSO.
SRA. PRENTICE - Isso não é um pouco melodramático, doutor?

RANCE - Os loucos são melodramáticos. As sutilezas do drama são


despediçadas neles. A horrenda sombra do anti-critos ronda esta casa.
Tendo descoberto seu pai/amante no Dr. Prentice, a paciente o subustitui,
numa reoganização psicológica, pela grande figura paterna arquetípica - o
próprio Diabo. Tudo está claro agora. Os últimos capítulos de meu livro
estão tomando forma: incosto, formicação, mulheres perdidas e estranhos
cultos do amor a serviço de noites depravados. Enfim todas as taras da
moda. Uma moça linda mas neurótica levou o doutor a sacrificar uma
virgem branca afim de propiciar os deuses da insensatez. “Quando
arrombaram o antro nauseabundo encontraram seu pobre corpo
ensanguentado aos pés do falo obsceno e semi-erecto”. (À SRA.
PRENTICE) - O meu relato “totalmente objetivo”de caso do infame
assassino sexual Prentice sem dúvida acrescentará muito à nossa
compreensão de tais criaturas. A sociedade tem de tomar consciência da
crescente ameaça da pornografia. Todo o solapador movimento
vanguardista será denunciado desmascarado o visto pelo que realmente é
um instrumento para incitar cidadãos respeitáveis a cometer crimes bizarros
contra a humanidade e o estado. (PARA, UM POUCO ASSOMBRADO,
E LIMPA A TESTA. - A senhora tem, sob o seu teto, um dos lunáticos
mais notáveis de todos os tempos. Precisamos começar a procurar o corpo.
Como travesti, fetichista e assassino bi-sexual o Dr. Prentice demonstrou
considerável justaposição de anomalias. Talvez possamos incluir a
necrofilia. Como uma espécie de brinde extra. (PRENTICE ENTRA DO
JARDIM. RANCE DÁ-LHE UM OLHAR DESDENHOSO) - O senhor
confirma, doutor, que sua esposa o viu arrastando um corpo para o meio dos
arbustos?
52

PRENTICE - Confirmo. E posso explicar minha conduta.


RANCE - Suas explicações não me interessa. Darei as minhas próprias.
Onde está a sua secretária?
PRENTICE - Eu a despedi.
RANCE - Sua resposta está de acordo com a complexa estrutura da sua
neurose.
PRENTICE - A pessoa que a minha mulher viu não estava morta. Eles
estavam dormindo
RANCE (À SRA. PRENTICE ) - Ele espera uma ressurreição. Mais uma
ligação com as religiões primitivas. ( A PRENTICE) - O senhor repudiou
o Deus de seus pais?
PRENTICE - Eu sou racionalista.
RANCE - Não é racional ser racionalista num mundo irracional.
(PEGANDO A PERUCA E OS SAPATOS) - Era sua intenção usar isto
para excitação auto-erótica?
PRENTICE - Não. Eu sou um homem inteiramente normal.
RANCE - (A SRA. PRENTICE) - Sua crença na normalidade é
inteiramente anormal. (A PRENTICE) - A moça foi morta antes ou depois
do senhor tirar a roupa dela?
PRENTICE - Ele não era uma moça. Era um homem.
SRA. PRENTICE - Ele estava usando um vestido.
PRENTICE - Mas mesmo assim era homem.
RANCE - Quem usa vestido é mulher, Prentice, não é homem. Não desejo
compactuar com a destruição de uma esplêndida e antiga tradição. O senhor
trocou de roupa com a vítima antes que morresse?
PRENTICE - Ninguém morreu! A pessoa que o senhor viu comigo era um
polícia que tomou uma dose excessiva de narcóticos.
SRA. PRENTICE - Mas por que vestido de mulher?
PRENTICE - Ele estava nú quando eu o encontrei. O vestido estava por
perto.
SRA. PRENTICE - Onde estavam as roupas dele?
PRENTICE - Um rapaz as tinha jogado.

RANCE LEVA SRA. PRENTICE À PARTE, SEU ROSTO UMA


MÁSCARA DE CONDENAÇÃO.

RANCE - É chegada a hora de dar cobre a esta alucinação greco-romana.


Há alguma camisa de força nesta casa?
SRA. PRENTICE - Os métodos modernos de tratamento tornaram a
camisa de força obsoleta.
53

RANCE - Eu sei. Mas nem por isso ela deixou de ser usada. Pode me
arranjar uma?
SRA. PRENTICE - Acho que o porteiro tem alguma.

RANCE - Não podemos nos arriscar com o seu estado em que está.

RANCE SAI PARA O HALL. PRENTICE, NA ESCRIVANINHA, SE


SERVE DE WHISKY E COSPE VENENOSAMENTE AS PALAVRAS
À SUA MULHER.

PRENTICE - Este é mais um de seus planos para solapar minha reputação


do critério e responsabilidade, sua harpia traidora?

SRA. PRENTICE NEM TENTA RESPONDER. ELA SORRI E ELE


PÕE UMA DAS MÃOS NO OMBRO DE PRENTICE.

SRA. PRENTICE (DELICADA) - Você causou a morte de uma pobre


moça, meu querido. Acho que vamos pedir-lhe que aceite um período de
confinamento.

PRENTICE (BEBENDO) - A sta. Barclay não está morta.

SRA. PRENTICE - É só traze-la aqui que seus problemas estarão todos


solucionados.

PRENTICE - Não posso.

SRA. PRENTICE - Por que não?


PRENTICE - Você está usando o vestido dela. ( SACODE OS OMBROS
COM DESIGNAÇÃO)- Hoje de manhã você me surpreendeu tentando
seduzi-la num momento contra-indicado.

SRA. PRENTICE (COM SORRISO DE TRANQUILA


DESCONFIANÇA) - Para que possamos salvar nosso casamento, querido,
você precisa confessar que gosta mais de rapazes que de moças. O Dr.
Rance já explicou os motivos de sua aborração. Eu sou muito tolerante.
Falar a verdade eu conheço vários rapazinhos. Posso passar alguns dos mais
jovens para você. Isso levantaria consideravelmente o nivel de nosso
casamento.
54

PRENTICE ESTÁ ESTUPEFACTO PELA SUGESTÃO DELA.


VOLTA-SE CONTRA ELA COM FÚRIA.

PRENTICE - Não admito que faça alegações escandalosas a respeito de


assuntos dos quais não sabe coisa nenhuma.

SRA. PRENTICE ( COM TIQUE DE CABEÇA) - O boy do hotel te


acusou de comportamento indecoroso.
PRENTICE - Aquilo não era o homem. Era mulher.

SRA. PRENTICE - Confesse que prefere o seu sexo ao meu. Eu não hesito
em dizer que eu prefiro.

PRENTICE - Sua degenerada imunda! Tire a roupa já.


SRA. PRENTICE ( ABRINDO O FECHO DO VESTIDO. SEQUIOSA)
- Você vai me bater? Não faça cerimônia. Suas experiências psicóticas tem
enorme valor para você e devem ser encorajadas, e não cerceadas ou
reprimidas.

PRENTICE AGARRA-A, ESBOFETANDO-LHE O ROSTO E


ARRANCA-LHE O VESTIDO. ELA LUTA.

SRA. PRENTICE (ARFANDO COM O TAPA) -Oh, meu querido! Este é


que é o caminho para o ajuste sexual no casamento.

PRENTICE ATIRA-A PARA LONGE DE SI. ELA ESBARRA NO


VASO QUE CAI NO CHÃO. RANCE ENTRA CORRENDO DO
HALL COM DUAS CAMISAS DE FORÇA. PRENTICE CORRE
PARA O JARDIM. COM O VESTIDO DA MULHER. SRA.
PRENTICE ESTÁ SENTADA ENTRE AS FLORES DERPANADAS,
O CABELO DESPENTIADO, USANDO APENAS SUA ROUPA DE
BAIXO.

RANCE - Houve uma tentativa de destruição dessas flores?


SRA. PRENTICE - Elas cairam na luta.
RANCE - A senhora conhece a legoria floral? A rosa é frequentemente o
código para a mulher. Ele tencionava fazer mal à senhora.
SRA. PRENTICE - Eu sei. Ele me espancou até eu perder os sentidos,
quase .
55

RANCE - Ora, isso foi um mero ato físico sem qualquer significação
psicológica especial. Temos de confinar o Dr. Prentice imediatamente. E
precisamos de ajuda. A senhora não tem nenhum jovem musculoso para o
qual apelar em momentos de necessidade?

SRA. PRENTICE - Eu sou uma mulher casada, doutor. Sua sugestão é de


pior gosto.

NICK (ENTRANDO DO JARDIM, COM O UNIFORME DO


SARGENTO) - Eu gostaria de ter uma palavra com o senhor, doutor, a
respeito de meu irmão Nicholas Beckett. Eu acabo de prendê-lo.

RANCE - Essa comovente demonstração de amor fraterno está em plena


sintonia com o espírito de nossa época. Por que o prendeu?
NICK - Ele infringiu a lei.
RANCE - E só por isso deve ser tratado como um criminoso? Que fim
levou o espírito esportivo ing inglês? Onde está seu irmão agora?
NICK - Na cadeia.

RANCE (À SRA. PRENTICE) - Ao menos o seu sono não será pertubado


esta noite.
SRA. PRENTICE - A vida só nos traz desapontamentos.
RANCE (A NICK) - Onde está o sargento Match?
NICK - Fazendo companhia ao meu irmão.
RANCE - Ele foi indiciado?
NICK - Ele não cometeu nenhum crime.

RANCE (À SRA. PRENTICE) - Quando a punição para a culpa e a


inocência se tornam idênticas, cometer um crime torna-se o triunfo da
lógica. (A NICK) - O Dr. Prentice estava no jardim?

NICK - Não.

RANCE - O senhor talvez tivesse dificuldade em reconhece-lo. É provável


que estivesse vestido de mulher.
SRA. PRENTICE - Ele matou a secretária.
NICK (HORORISADO) - Não é possível. Ele foi condecorado no ano
passado.
56

RANCE - Aquelas letrinhas todas depois de nome tem tanta capacidade de


evitar o mal quanto as luas e estrelas dos chapéus dos mágicos. Nós vamos
precisar da sua colaboração na perseguição do irresponsável assassino de
Geraldine Barclay.
NICK OLHA DE OLHOS ESBUGALHADOS PARA O DR. RANCE.

NICK (GEMENDO) - Doutor, meu sentimento de culpa está me


sufocando, tenho de lhe fazer uma confissão.

RANCE - Faça o favor de marcar hora. Eu não ouço confisões assim, sem
mais aquela.

NICK - Eu sou Nicholas Beckett. Não tenho o menor direito de usar este
uniforme. (TIRA O CAPACETE) - Eu vesti porque o doutor pediu, mas eu
não tinha a menor idéia de que estava auxiliando um psicopata.
RANCE - O senhor não tem irmão? E o sargento Match não está sob
custódia?
NICK - Não. Eu sou um boy que trabalha no Hotel da Estação. Conheci o
Dr. Prentice inteiramente por acaso. Gostei dele de estalo. Após uma breve
conversa durante a qual discutimos questões sexuais de modo aberto e
desabrido, ele me perguntou se eu me importava de me vestir de mulher. Eu
concordei em servi-lo porque já fui informado de que ser travesti não é mais
considerado como um vício debilitante. O doutor me apresentou a seus
colegas como “senhorita Barclay”. Eu deveria receber determinada soma
em dinheiro. (À SRA. PRENTICE) - É por isso que fiz objeções a ser
despido. Teria sido muito embaraçoso.

SRA. PRENTICE (A RANCE) - O senhor compreende o que isto


significa?

RANCE- Claro. A sta. Barclay está desaparecida desde hoje de manhã. (A


NICK) - Quando o Dr. Prentice lhe pediu para fingir de mulher ele deu
alguma razão para o pedido?

NICK - Não.

RANCE - Você já colaborou com outros homens em suas loucuras


pervertidas?
57

NICK - No meu último semestre na escola eu era escravo de um cabo dos


Fusileiros Galeses.

RANCE - Ninguém nunca o esclareceu a respeito dos perigos inerentes a


esse tipo de relação?

NICK - Quando ele foi transferido para o estrangeiro ele me deu um livro
chamado “A chave da Masculinidade Saudável”.

RANCE (SECO, À SRA. PRENTICE) - Um caso típico de se fechar a


porteira depois do gado já ter entrado. (A NICK) - Sua vida, ao que vejo, se
tem passado nas camadas mais brutais e irresponsáveis da sociedade. É
melhor você me deixar corrigir os seus erros.

NICK - Corrigir como, doutor? O senhor há de compreender que depois das


minhas experiências mais recentes eu me tornei muito desconfiado.

RANCE - Você verá que as exigências da medicina são bem mais suaves
que as de algumas outras armas. (PEGA UMA CAMISA DE FORÇA) -
Isto é uma camisa de força. Vou pedir-lhe que me ajude a persuadir o Dr.
Prentice a vesti-la. Talvez haja violência. O corpo dele tem personalidade
própria. (À SRA. PRENTICE) - A senhora tem um revolver?

SRA. PRENTICE ABRE UMA GAVETA E TIRA DOIS


REVOLVERES.

SRA. PRENTICE (DANDO UM A RANCE) - Faça o favor de não atirar


se o meu marido sacudir seu raminho de oliveira...

RANCE - Um ramo de oliveira pode ser usado como arma de ataque. Se


houver qualquer dificuldade ele será desintegrado no local.

NICK (A RANCE) - O senhor vai usar fumigação para arranca-lo de seu


esconderijo, doutor?

RANCE - Vou. Deveríamos usar batedores, mas com transporte, casa e


comida, risco de vida, e horas extras, ia ficar muito caro. (VAI À PORTA
DO JARDIM. SACUDINDO A
58

CABEÇA) - Não gosto de presenciar a loucura de um companheiro de


profissão. Cria um profundo mal-estar no mundo da psiquiatria. (VAI
PARA O JARDIM)

SRA. PRENTICE (A NICK) - Não se arrisque. Peça socorro assim que vir
o Dr. Prentice. (SAI PARA O HALL, BRANDINDO O REVOLVER) -
Procure não quebrar nem os braços nem as pernas dele. Fica muito difícil
vestir a camisa de força.

ELA SAI PARA HALL. NICK ABRE A CAMISA DE FORÇA.


PRENTICE ENTRA DA ENFERMARIA CARREGANDO O
VESTIDO QUE TIROU DA MULHER. PARECE ARRAZADO.

PRENTICE - A sta. Barclay caiu da janela da cela de isolamento. Quando


eu lhe pedi que se despisse, teve um acesso histérico.

NICK ACENA A CABEÇA, COMPREENSIVO. CRUZA ATÉ


PRENTICE E O TOMA COM FIRMEZA PELO OMBRO.

NICK - Vamos, doutor. Eu quero que o senhor vista isto. (MOSTRA A


CAMISA)

PRENTICE (MAL OUVE) - Preciso da sua colaboração para botar as


coisas de volta ao normal nesta casa.

NICK (CALMAMENTE) - Pode contar comigo, doutor.

PRENTICE - Já me ajudaria bastante se você tirasse a roupa.

NICK (PAUSA) - Se eu tirar, doutor, o senhor veste isto? (MOSTRA A


CAMISA DE FORÇA A PRENTICE)

PRENTICE (COM RAIVA, PERDENDO A PACIÊNCIA) - Claro que


não. Isto é uma camisa de força. Eu não tomo parte em brincadeiras de
anormais. Pelo visto a vida que leva no Hotel da Estação não deixa que se
lembre mais o que é decência! Agora trate de tirar a roupa.

MATCH (USANDO VESTIDO DE LEOPARDO, APARECE NA


PORTA DO JARDIM. CAMBALEANDO, TONTO)- Estou pronto para
o exame quando o senhor quizer, doutor.
59

ELE VAI AOS TRAMBOLHÕES PARA A FARMÁCIA,


AGARRANDO-SE AOS MÓVEIS, O ROSTO PÁLIDO, OS OLHOS
ESGAZEADOS. GERALDINE, COM UNIFORME DE NICK, ENTRA
DO JARDIM, AOS TRAMBOLHÕES, SEU ROSTO ESTÁ
MACHUCADO E SUJO DE TERRA. ESTÁ BRANCA DE CHOQUE.

GERALDINE - Estão nos procurando por toda parte, doutor. Com


revólveres! O que é que nós vamos fazer?
PRENTICE - A senhora não tem um minuto a perder. Dispa-se. (ELE A
AGARRA E TENTA DESABOTOAR O UNIFORME).

GERALDINE (EM PRANTOS, BATENDO NELE PARA AFASTA-


LO) - O senhor está se comportando como um tarado.

NICK - Ele é um tarado. Ele assassinou uma mulher e escondeu o corpo


não sei aonde.

PRENTICE - Quem inventou essas calúnias infames?

NICK - O Dr. Rance vai atestar sua loucura. (SACUDINDO A CAMISA


DE FORÇA) - Eu tenho de mete-lo nisto aqui.

ELE SALTA SOBRE PRENTICE E TENTA METE-LO NA CAMISA


DE FORÇA. PRENTICE PUXA PARA BAIXO AS CALÇAS DE
GERALDINE. ELA BATE NELE, CHORANDO
PROFUNDAMENTE. ELA LEVANTA AS CALÇAS. O SARGENTO
ENTRA TONTO, DA FARMÁCIA, TROPEÇANDO PELA SALA,
ABAIRROANDO E DERRUBANDO A MOBÍLIA.

MATCH - Estou pronto, doutor. Quando quizer!

SAI CANBALEANDO PARA A ENFERMARIA, PRENTICE LIVRA-


SE DE NICK, AOS SAFANÕES.

PRENTICE (A GERALDINE) - Dê as roupas que está usando a esse


rapaz. (LEVANTA O VESTIDO) - E vista isto. -(A NICK) - Entregue o
uniforme de volta ao sargento. Quando ele passar aqui de novo nós
confiscamos o vestido de minha mulher e nossos problemas ficam todos
resolvidos.
60

NICK TIRA O UNIFORME. GERALDINE ABAIXA AS CALÇAS.


OUVE-SE UM TIRO NA ENFERMARIA. O SARGENTO ENTRA.
CORRE SANGUE DE SUA PERNA.

MATCH - Eu estava no banheiro, doutor, quando apareceu um homem e


me deu um tiro com um revolver. Gostaria de ter a sua opinião a respeito da
extensão do dano.

ELE CAMBALEIA PARA A ENFERMARIA, OUVE-SE UM RUIDO


DE QUEDA. NICK ESTÁ SÓ DE CUECAS. SRA. PRENTICE
ENTRA DO HALL. NICK ESCONDE-SE ATRÁS DA
ESCRIVANINHA, GERALDINE ESTÁ OCULTA PELA CAMA DE
EXAME. SRA. PRENTICE AVANÇA SOBRE PRENTICE.

SRA. PRENTICE (BRANDINDO O REVOLVER) - Venha comigo e


deite-se.

PRENTICE - Mas essa mulher é insaciável.

SRA. PRENTICE - Ou você faz amor comigo ou eu atiro.

PRENTICE - Não há marido que dê a mulher de si servindo de alvo.

PRENTICE VAI RECUANDO. SRA. PRENTICE ATIRA.


PRENTICE SALTA PARA UM LADO E CORRE PARA O JARDIM.
SRA. PRENTICE O SEGUE E TORNA A ATIRAR. SARGENTO
ENTRA CORRENDO DA FARMÁCIA, ATERRORIZADO. AO VÊ-
LO SRA. PRENTICE GRITA. SARGENTO DÁ UM URRO DE
SUSTO E CORRE PARA O HALL. NICK CORRE DE DETRÁS DA
ESCRIVANINHA PARA O HALL. SRA. PRENTICE DÁ UM
GRITINHO DE SURPRESA. GERALDINE, COM TÚNICA DO
UNIFORME DE NICK POREM SEM AS CALÇAS, CORRE PARA A
FARMÁCIA. SRA. PRENTICE CORRE PARA A PORTA DA
ENFERMARIA. QUANDO CHEGA NA PORTA OUVE-SE UM TIRO
E NICK TORNA A ENTRAR, GEMENDO E AGARRANDO O
OMBRO. GRITANDO O DE HORROR A SRA. PRENTICE ATIRA
COMO LOUCA EM NICK, QUE DÁ UM GEMIDO DE DOR E
CORRE PARA O JARDIM. RANCE ENTRA DA ENFERMARIA
61

SEGURANDO UM REVOLVER FUMEGANTE. SRA. PRENTICE


ATIRA-SE SOBRE ELE.

SRA. PRENTICE - Doutor! Doutor! Todos os homens do mundo estão nús


correndo de um lado para outro.

RANCE AGARRA O BRAÇO DELA.

RANCE - Onde é que a senhora guarda os seus tranquilizantes?

SRA. PRENTICE CORRE PARA A FARMÁCIA. UM GRITO E UMA


COLISÃO SÃO OUVIDOS E GERALDINE APARECE CORRENDO.
TIROU O UNIFORME E ESTÁ SÓ DE SUTIEN E CALCINHAS.

RANCE (RELINCHE DE SATISFAÇÃO) - Finalmente pegamos a


paciente.

APONTA O REVOLVER PARA GERALDINE. A SRA. PRENTICE


ENTRA CORRENDO DA FARMÁCIA COM A CAMISA DE FORÇA
E A ATIRA SOBRE GERALDINE.

GERALDINE - Eu não sou paciente. Estou dizendo a verdade.

RANCE - Agora é tarde demais para a verdade. (OS DOIS ARRASTAM


A MOÇA QUE CHORA, PARA A CAMA DE EXAMES, E A
AMARRA NA CAMISA DE FORÇA).

RANCE - (ENQUANTO A SRA. PRENTICE ACABA DE AMARRA-


LA) Estas últimas e aterrorizantes cenas serão amplamente ilustradas com
gráficos demonstrando os efeitos da perdição sobre essa pobre mente
torturada. E nosso meio tempo, em seu templo de amor, o o hediondo Dr.
Prentice e seus acólitos estão orando a seus ídolos falsos, sem saber que as
forças da razão já os alcançaram. (SRA. PRENTICE RECUA). - Traga
uma seringa. (SRA. PRENTICE VAI PARA A FARMÁCIA)

GERALDINE (ATADA, SEM PODER SE MOVER) - O que é que eu fiz


para merecer isto? Eu sempre levei uma vida tão respeitável.
62

RANCE - Sua mente entrou em decomposição. É uma experiência preciosa


para sua tentativa de adaptação à vida no século XX. Por que é que você
convenceu seu pai de matar Geraldino Barclay?

GERALDINE - Eu sou Geraldine Barclay.

RANCE - Ah, você pensa que é uma secretária. Na verdade você é a


principal protagonista dos casos mais notáveis e sinistros da história
contemporânea. Ainda não nos foi possível avaliar a medida em que você
influenciou o seu patrão e contribuiu para o seu calapso.

GERALDINE (EM PRANTOS) - Isto é horrível. É horrível.

RANCE - Ainda bem que você está tomando uma atitude mais responsável.
É muito encorajador. Onde está o corpo?

GERALDINE - Não sei.

RANCE - Não pode revelar um segredo de confissão? Em que repugnantes


ritos obscuros você foi iniciada por aquele objeto sacerdote do
desconhecido? (GERALDINE SOLUÇA, INCAPAZ DE FALAR.
RANCE REPENTINAMENTE ATIRA-SE SOBRE ELA E TOMA-A
NOS BRAÇOS) - Deixe que eu cure a sua neorose. É o meu único desejo
na vida.

SRA. PRENTICE ENTRA DA FARMÁCIA COM A SERINGA


NUMA BANDEJA DE RIM.

SRA. PRENTICE - O que significa esse espetáculo?

RANCE (AFASTANDO-SE DE GERALDINE) É um tipo novo, ainda


não testado, de terapeutica. Creio que é viável, nas circunstâncias.

SRA. PRENTICE - Esse tratamento tem mais probabilidades de afundar a


paciente na loucura total do que de curar quem quer que seja.

RANCE (VOLTANDO-SE PARA ELA COM DIGNIDADE GÉLIDA) -


Ninguém com um sub-consciente tão conturbado quanto o seu pode
compreender meus métodos.
63

SRA. PRENTICE - O que é que o senhor quer dizer com isso?

RANCE - Estou falando dessas aparações do penis que a senhora encontra


com frequência cada vez maior.

SRA. PRENTICE - Mas o senhor também viu.

RANCE - E daí? Isso só prova que a senhora me contagiou com sua deonça
desgraçada. (TOMA-LHE A SERINGA)

SRA. PRENTICE - Quer que eu desinfete o braço da paciente?

RANCE - E a senhora está pensando que eu vou desperdiçar isto aqui com
ela? (ENTREGA SUA PRÓPRIA MANGA) - Com a grama a mais de
cinco libras, seria um crime. (INJETA-SE A SI MESMO) - Vá chamar a
polícia.

SRA. PRENTICE VAI PARA O HALL. RANCE POUSA A SERINGA.


SRA. PRENTICE VOLTA, COM OLHAR ESGAZEADO, AS MÃOS
MANCHADAS DE SANGUE.

SRA. PRENTICE - Há um polícia lá fora. Está nú e coberto de sangue.

RANCE - Os limites da decência já foram ultrapassados há muito tempo


nesta casa. (ELE A ESBOFETEIA) -O seu subconsciente não pode ser
encorajado em suas tramóias.

SRA. PRENTICE (DESESPERADA, DESTRANDO AS MÃOS) - Este


sangue é de verdade?

RANCE - Não.

SRA. PRENTICE - Mas o senhor está vendo?

RANCE - Estou.

SRA. PRENTICE - Então qual é a explicação?


64

RANCE - Eu sou um cientista. Eu anuncio os fatos, não se pode esperar


que forneça explicações. Rejeito todos os fenômenos para normais. É a
única maneira de se permanecer lúcido.

SRA. PRENTICE - Mas parece verdade.

RANCE - E quem lhe dá o direito de decidir o que é a verdade? Fique onde


está. Eu chamo a polícia.

ELE VAI PARA O HALL. SRA. PRENTICE SE SERVE DE


WHISKY. NICK APARECE NA PORTA DO JARDIM, PÁLIDO,
CAMBALEANDO, SEGURANDO FERIDA NO OMBRO
SANGRANDO. O SANGUE JORRA ENTRE SEUS DEDOS.

NICK (ANGUSTIADO, DESMAIANDO) - Está doendo muito. Atiraram


em mim. Chamem um médico.

SRA. PRENTICE (DEIXANDO CAIR O COPO, ESCONDENDO O


ROSTO NAS MÃOS) Eu estou ficando louca. (COMEÇA A SOLUÇAR)

GERALDINE (CHAMANDO NICK) - Socorro! Eu não aguento mais.


Por favor me desamarre.

NICK - Por que é que você foi amarrada?

GERALDINE - Foi o Dr. Rance. Ele diz que eu estou louca.

NICK - Ele é psiquiatra. Deve saber. Ele não ia te meter numa camisa de
força se não estivesse louca. Só se fosse louco.

GERALDINE - Ele é louco.

NICK SE APOIA NA ESCRIVANINHA OBSERVANDO A


SOLUÇANTE SRA. PRENTICE.

NICK ( A GERALDINE) - Ela está louca?

GERALDINE - Ela acha que sim. Ela acha que você é produto da
imaginação.
65

NICK (À SRA. PRENTICE, APONTANDO PARA GERALDINE) - Ela


está me vendo. Isto não prova que eu existo?

SRA. PRENTICE - Não. Ela está maluca.

NICK - Se a senhora acha que eu sou imaginação de seu subconsciente,


deve está maluca.

SRA. PRENTICE (NUM GUINCHO HISTÉRICO) - Eu estou maluca.

GERALDINE DESMANCHA-SE EM LÁGRIMAS. NICK


DESBRUÇA-SE SOBRE A ESCRIVANINHA, O SANGUE
JORRANDO DE SEU FERIMENTO. PRENTICE ENTRA
CORRENDO, DO JARDIM.

PRENTICE - Minha mulher atirou em mim. Ela pensa que eu estou louco.

NICK - O senhor está louco. Tive ordens de metê-lo numa camisa de força.

ELE APANHA O REVOLVER DA SRA. PRENTICE NA


ESCRIVANINHA, LEVANTA A CAMISA DE FORÇA E AVANÇA
PARA PRENTICE. SRA. PRENTICE COBRE O ROSTO COM AS
MÃOS. RANCE ENTRA CORRENDO DO HALL, TRAZENDO
OUTRA CAMISA DE FORÇA. ATIRA-A SOBRE SRA. PRENTICE.
DESABAM NO CHÃO LUTANDO E GRITANDO.

PRENTICE (À NICK) - Largue esse revolver. (A RANCE) Deve-se


permitir ao marido enfiar a mulher num camisa de força. É um dos poucos
prazeres que restam ao casamento moderno.

ELE SE MOVE. NICK OFERECE-LHE A CAMISA DE FORÇA


COM UMA DAS MÃOS E SACODE O REVOLVER COM A OUTRA.

PRENTICE - É preciso cuidar desse ferimento. Você tem um lenço?

NICK - Não.

PRENTICE - Use o meu.


66

ELE TIRA O LENÇO DO BOLSO. ESTÁ CHEIO DE CABOS DE


ROSAS. ELE ATIRA NO ROSTO DE NICK, QUE É APANHADO DE
SURPRESA. PRENTICE ATIRA-SE SOBRE ELE. ELES SE
JUNTAM A RANCE E A SRA. PRENTICE NUMA PILHA DE
GENTE LUTANDO E GRUNINDO NO CHÃO, OBSERVADOS
PELA LACRIMOSA GERALDINE QUE ESTÁ NA CAMA DE
EXAMES. PRENTICE ARRANCA O REVOLVER DE NICK E FICA
DE PÉ. RANCE LEVANTA APÓS TER AMARRADO A SRA.
PRENTICE NA CAMISA DE FORÇA.

PRENTICE (BRANDNDO O REVOLVER) - Fique onde está, doutor.


Seu comportamento hoje é um exemplo de irresponsabilidade oficial e de
sanguinolência. Vou declara-lo louco.

RANCE (QUIETO, COM DIGNIDADE) - Não, eu é que vou declara-lo


louco.

PRENTICE - Eu é que estou armado. Pode escolher. Como é que é?


Loucura ou morte?

RANCE - Nenhuma das duas alternativas lhe permitiria continuar a serviço


do Governo de sua Magestade.

PRENTICE - Não é verdade. Os mais altos escalões de serviço público são


inteiramente constituidos por loucos e defuntos. Sôa o alarme.

RANCE VAI ATÉ A PAREDE ACIONAR O ALARME. A SIRENE


GUINCHA. GRADES DE TÁLICAS CAEM SOBRE TODAS AS
PORTAS. A SALA SÓ FICA ILUMINADA PELOS REFLEXOS DE
UM POR DE SOL SANGRENTO, BRILHANDO ATRAVÉS DAS
ÁRVORES DO JARDIM.

PRENTICE - O circuito foi sobrecarregado. Caimos numa armadilha.

RANCE (SECO) - Eu só espero que as medidas de segurança para as


enfermarias sejam tão eficientes quanto as do consultório. Nós podemos
morrer de inanição trancados aqui.

PRENTICE - Um tributo perfeito à eficiência de nosso alarme de


emergência.
67

RANCE - Já que nenhum de nós pode fugir, sua arma é inútil. Largue-a
PRENTICE POUSA O REVOLVER. RANCE PUXA O SEU E O
APONTA PARA O ATÔNITO PRENTICE.

RANCE (MANTENDO PRENTICE À DISTÂNCIA COM UM


REVÓLVER E APANHANDO O OUTRO) - Num minuto o veremos
numa camisa de força. Foi um golpe.

PRENTICE - Isto é um novo recorde para o senhor?

RANCE (PONDO NO BOLSO O REVOLVER DE PRENTICE) - De


modo algum. Certa vez enfiei uma família inteira numa camisa de força
comunitária.

PRENTICE - Sua mãe deve ter ficado orgulhosíssima.

RANCE - Receio que não. Acontece que era a minha própria família. Eu
tenho um retrato da cena lá em casa. Com meu pé bem em cima da cabeça
do meu pai. Mandei uma cópia para Sigmund Freud e ele me mandou um
cartãozinho muito amável.

NICK ARRASTA-SE QUASE DESMAIANDO PARA UMA


CADEIRA.

NICK - E eu, doutor? Eu não sou louco.

RANCE (COM UM SORRISO) - Você não é humano.

NICK - Eu não posso ser uma alucinação. (MOSTRA O OMBRO


SANGRANDO). - Veja esta ferida. É de verdade.

RANCE - Parece.

NICK - Se a dor é real eu também devo ser.

RANCE - Eu não gosto de me envolver em especulações metafísicas.

PRENTICE - Este rapaz é o boy do Hotel da Estação. Ele desrespeitou


minha mulher. E não tinha nada de alucinação naquele momento.
68

RANCE - Sua mulher é vítima de um distúrbio nervoso que a leva a


imaginar que está sendo perseguida por figuras masculinas despidas. Esse
rapaz é uma delas. Se foi ele quem a atacou podemos deduzir que o ataque
foi produto imaginário de sua mente doentia.

PRENTICE - Mas o sargento quer prender o rapaz.

RANCE - É possível que o sargento também não exista. Segundo sua


esposa ele lhe apareceu despido. Pode ser que se trate de algum espírito a
serviço da Scotland Yard. Ele confessou que seu irmão não passava de um
produto de sua imaginação, o que confirma a minha lei de que os aparentes
de aparições também são aparições. (COM VOZ FIRME) - O que é que o
senhor fez com Geraldine Barclay?

GERALDINE (FRACAMENTE) - Eu estou aqui.

PRENTICE (SERVE-SE. À ESCRIVANINHA, DE UM WHISKY


DUPLO. A RANCE) - A história que o senhor está a ponto de ouvir só
trata do coração, a mente e seus mistérios não podiam estar mais longe de
meus pensamentos do que quando, hoje de manhã cedo, eu persuadi aquela
moça a tirar sua roupa. (BEBE).

GERALDINE (A RANCE) - A sra. Prentice pensou que o meu vestido era


dela, e, num momento de descuido, o senhor pensou que eu era uma
paciente. O dr. Prentice pediu-me que ficasse quieta para proteger seu bom
nome. O que é que eu podia fazer? Estava morrendo de medo de um
escândalo.

RANCE - A senhorita estava nua naquele momento?

GERALDINE - Estava. Sob pressão eu concordei em anxiliar o doutor.


Desde então não canso de me arrepender. Eu passei o dia inteiro numa luta
inglória para manter a minha respeitabilidade.

RANCE MORDE O LÁBIO E VOLTA-SE ABRUPTAMENTE PARA


PRENTICE.

RANCE - Solte-a. E sua mulher também. (ENQUANTO PRENTICE O


FAZ ELE OLHA EM VOLTA, PERPLEXO). Eu estava pronto a arriscar
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minha reputação no fato desta moça ter sido vítima de uma agressão
incestuosa. Não abro mão desse diagnóstico. Meus editores me
processariam por cessação de lucros nos direitos autorais.

GERALDINE (DESCENDO DA CAMA) - Tenho certeza de que a minha


velocidade na máquina foi afetada por tudo o que eu passei hoje.
(CHOROSA PARA PRENTICE) - E também quero dar parte do
desaparecimento de meu elefante de boa sorte.

RANCE (TIRANDO BROCHE DO BOLSO) - É esta a jóia a que se


refere?

GERALDINE - É. Tem grande valor estimativo.

RANCE ENTREGA-A A ELA. NICK PEGA AS CALÇAS DE SEU


UNIFORME.

NICK - Eu tenho um broche igual a esse. (MOSTRA A GERALDINE)


Viu? É um par.

SRA. PRENTICE, JÁ LIVRE DA CAMISA DE FORÇA, DÁ UM


GRITO DE SURPRESA.

SRA. PRENTICE -Deixem eu ver essas jóias. (OS DOIS BROCHES


LHE SÃO MOSTRADOS) - Pode-se fazer um único broche com esses
dois pedaços. (ELA OS ENGATA) Ai! Meu coração bate como um louco.

RANCE (EXAMINANDO O BROCHE) - Dois elefantes carregando um


palanquim ricamente trabalhado no qual estão sentados um rapaz e um linda
moça - talvez uma princesa de sangue real. Trata-se de um magnífico
exemplo de ouriversaria oriental. (À SRA. PRENTICE) - Como é que a
senhora sabia que se tratava de uma única jóia?

SRA. PRENTICE - Outrora ela me pertenceu. Há muitos anos, quando eu


era jovem, fui estuprada na rouparia do segundo andar do Hotel da Estação.
Quando o homem saiu deixou-me esse broche nas mãos à guisa do
pagamento.

RANCE - E como é que essas crianças ficaram na posse das duas metades?
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SRA. PRENTICE - Eu paguei por meu mau passo concebendo gêmeos.


Não me era possível guarda-los comigo - a essa altura eu estava noiva de
um jovem psiquiatra de futuro. Resolvi abandoná-los à própria sorte. Abri o
broche em dois e prendi metade em cada um dos bebês. E depois depositei
cada um deles num extremo da pequena aldeia na qual residia então.
Pessoas bondosas devem tê-las criado como seus. (CHORANDO,
ABRAÇANDO NICK E GERALDINE). Crianças. Eu sou sua mãe. Será
que vocês podem me perdoar pelo que fiz?

NICK - Que espécie de mãe você devia ser, para se hospedar sozinha no
Hotel da Estação.

SRA. PRENTICE - Eu trabalhava como camareira. Fou uma espécie de


brincadeira, logo depois da guerra. As consequências do Governo
Trabalhista sobre a classe média beiraram o grotesco.

GERALDINE - Nosso pai também trabalhava no Hotel da Estação?

SRA. PRENTICE - Eu nunca vi seu pai. O incidente ocorreu durante um


corte de energia elétrica. Eu engravidei enquanto esperava que o
fornecimento fosse restabelecido.

PRENTICE, LÍVIDO DE CHOQUE, ADIANTA-SE.

PRENTICE (FRACO, A RANCE) - O senhor encotrará uma inscrição na


parte posterior do broche, doutor... (RANCE VIRA O BROCHE) - “De
Lílian para Avis. Natal de 1939”. Eu encontrei esse broche há muitos anos.
Estava na calçada em frente a um grande magazin.

RANCE - Quem eram Lílian e Avis?

PRENTICE - Não tenho a menor idéia. Ele caiu da coleira de um pequinês.


É possível que Lílian e Avis fossem os donos do animalzinho. (ELE OLHA
EM TORNO TOCADO DE VERGONHA). Não o vejo desde que enfiei
na mão de uma camareira que eu violei pouco antes do meu casamento.

SRA. PRENTICE (NUM GRITO DE RECONHECIMENTO) - Agora é


que compreendo por que razão você quiz que nós passássemos nossa noite
de núpcias numa rouparia.
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PRENTICE - Eu desejava reviver um momento que me era precioso. Se


você tivesse cedido aos meus desejos, nosso casamento não teria
fracassado.

SRA. PRENTICE - De hoje em diante nós só faremos amor em rouparias.


É o mínimo que eu posso fazer depois de todos os anos de sofrimento que te
causei.

PRENTICE A ABRAÇA E TAMBÉM A NICK E GERALDINE.

RANCE (A PRENTICE, DELIRANTE DE PRAZER) Se você é pai


desta criança, meu livro pode ser escrito de boa fé - ela foi vítima de uma
agressão encestuosa.

SRA. PRENTICE - E eu também, doutor. Meu filho tem uma coleção de


fotografias obscenas que provas sem sombra de dúvida que ele tomou
liberdades comigo no mesmo hotel - na verdade na mesma rouparia na qual
foi concebido.

RANCE - Ah, que alegria essas revelações me trazem. (ABRAÇANDO A


SRA. PRENTICE, GERALDINE E NICK) - Um incesto duplo deve
vender ainda mais do que um assassinato - o que é muito certo porque o
amor deve trazer maiores alegrias do que a violência.

TODOS SE ABRAÇAM. A CLARABÓIA ABRE, UMA ESCADA DE


CORDA É BAIXADA, E ENVOLTO NUMA GLORIOSA NÚVEM DE
LUZ, O SARGENTO, COM O VESTIDO DE LEOPARDO
RASGADO NO OMBRO, E PINGANDO SANGUE, DESCE)

Estamos nos aproximando daquilo que todo romancista barato chama “o


climax”.

CHEGANDO AO CHÃO O SARGENTO OLHA EM TORNO,


ATÔNITO)

MATCH - Será que alguém poderá apresentar, ou fazer com que sejam
apresentadas, as partes desaparecidas de Sir Winston Churchill?

RANCE - Nós não sabemos nada a esse respeito.


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MATCH - Estou pedindo a cooperação de todos numa questão de vital


importância para o país. (ELE CAMBALEIA, MAS SE AGARRA NA
ESCADA DE CORDA) - Quem foi a última pessoa a ver a sra. Barclay
morta?

GERALDINE - O agente funerário.

MATCH - E ele não teve uma palavra de conforto para com a senhorita,
como única descendente da mulher violada pelo heroi de 1940?

GERALDINE - Ele me deu uma caixa.

MATCH - O que havia nela?

GERALDINE - Eu supuz que contivesse as roupas que minha madrasta


estava usando no dia de sua morte. Ia doa-las a alguma pessoa necessitada.

MATCH- Onde está a caixa?

GERALDINE PEGA A CAIXA QUE TINHA NAS MÃOS QUANDO


ENTROU NA SALA. A MESMA FICOU SOBRE A ESCRIVANINHA
DESDE ENTÃO. O SARGENTO ABRE A CAIXA, OLHA E SEU
CONTEÚDO, E DÁ UM SUSPIRO.

MATCH - O Grande Homem pode agora tomar de novo seu lugar na


praça como um exemplo para todos nós de espírito que triunfou na Batalha
da Inglaterra.

RANCE (OLHANDO NO INTERIOR DA CAIXA, COM


ADMIRAÇÃO) - Como teria sido mais inspirador se, naqueles dias
sombrios, nós pudessemos ter visto o que estamos vendo agora. Ao invés
tínhamos de nos contentar com um charuto - o símbolo ficando muito
aquém - como todos nós bem sabíamos - do objeto em si.

GERALDINE (OLHANDO TAMBÉM DENTRO DA CAIXA) - Mas é


um charuto.

RANCE - Ah, as ilusões da juventude.


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O SARGENTO FECHA A CAIXA COM ESTRONDO E COLOCA-A


DEBAIXO DO BRAÇO.

PRENTICE - Bem, sargento, nós fomos instrumento da descoberta de uma


série de pequenos mas memoráveis pecadinhos, hoje. Acho que podemos
contar com o senhor para mantê-los fora da imprensa, não podemos?

MATCH - Claro, doutor.

RANCE - Alegro-me que o senhor saiba respeitar as tradições. Vistamos


nossas roupas e enfrentemos o mundo.

ELES APANHAM SUAS ROUPAS E CANSADOS, SANGRANDO,


NARCOTIZADOS, E BÊBADOS, SOBEM A ESCADA DE CORDA
EM DIREÇÃO DA LUZ FLANENJANTE.

FIM

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