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Cena

Balada de um Palhaço
Plínio Marcos

SEGUNDO ATO
(BOBO PLIN está sentado num módulo. Está muito triste. A seu lado, uma garrafa pela metade.
Tudo indica que BOBO PLIN bebeu muito. Mas não está bêbado. Entra MENELÃO, eufórico.)

MENELÃO (Jogando dinheiro em BOBO PLIN.)— Toma ai, palhaço. Olha a taca. Você ganhou.
Você foi bem. Bem mesmo. Só que tem um porem : não vi nada de novo. Não, não, não, mil e
uma vez não...Eu não tenho intenção...Só que bussola...é isso...Mas o que conta é que você
agradou. Mas, cá pra nos, eu não sabia que isso é o que você me chamava de alma. Se
soubesse...Mas é sempre assim. Você fala, fala, fala, eu não entendo. Alma é isso? Claro com
isso eu concordo. Piada pornográfica é alma? Não sabia juro...Ta certo, de algum tempo pra cá
o público adora sacanagem. Deixa pra lá. Você está ótimo. Viu aquele gordão com aquela
mulher com a fuça de lagartixa? Quase que o filho-da-puta achou o bico de rir tanto. (Rir.)
(Pausa.) MENELÃO observa que BOBO PLIN não tem nenhuma reação.) você agradou, palhaço.
Fez sucesso. Aquele gordão com a mulher lagartixa...

BOBO PLIN (áspero)— que se dane o gordão e as putas que os pariu! Você não percebe nada,
MENELÃO. Nada, nada, nada. Eu não queria fazer o que fiz. Eu não queria entrar na pista e
ficar contando anedotas, anedotas, anedotas, para um gordão idiota e a mulher com a fuça de
lagartixa guincharem até esporrarem pela orelha.

MENELÃO— Mas entrou, contou, contou, uma atrás da outra, outra atrás de uma. Sucesso.
Tremendo sucesso. Se esses gatos pingados riram, agente já pode imaginar como o publico
vai rir,rir,rir,rir, quando tiver publico propriamente dito. Quando a casa lotar, lotar de ter
briga na porta, pipoqueiro, campista...(Ri histérico.) Mas com você não teve esse negocio.
Você foi firme. Todos riam. E o gordão e a mulher do gordão, aquela lagartixa, mais que todos.
Quá, quá, quá...(Vai parando a risada a medida em que BOBO PLIN não se anima.) Até pensei
que iam
ter um troco.

BOBO PLIN – Eles não riram, MENELÃO, foi impressão sua.


MENELÃO – Não riam? Como não riram? Faziam assim, vê:quá, quá, quá. (Ri de vários
jeitos.) Isso não é rir? (Bate na testa.) Tem razão. Não riam.Gargalhavam. Se debulharam de
rir. Se debulhar de rir é gargalhar.Se debulhara de rir. Se debulharam de rir é gargalhar.
Outro nível . Sorrir, rir, gargalhar, se esporrar.
BOBO PLIN—Essa gente que estava ai não riu,não gargalhou, nem porra nenhuma ,MENELÃO.
A pessoa tensa não ri. Faz careta. A pessoa sem controle de si mesmo, quando ri, se mija. A
pessoa condicionada num sistema sócio-politico-economico não ri. Ao receber um sinal
convencional, grunhe, guincha. A pessoa histérica, MENELÃO, ao menor desequilíbrio
provocando no sistema nervoso, urra enlouquecida como se sentisse cócegas. Ri, MENELÃO,
é uma libertação. Quem não riem como criança,rir de afrouxar a barriga , de iluminar os
olhos, quem não ri como criança, MENELÃO, não tem orgasmo. Quando fodem, tem
espasmos, agonia, convulsão, sei lá o que. E as pessoas que não tem orgasmos são doentes.
Duras. Contraídas. Se por acaso essa gente risse, arrebentando todos os músculos contraídos
e os nervos esticados. Essa gente que esta ai hoje, MENELÃO, essa gente não tem alma.
Nuca sentiram prazer. Nenhum alivio no riso, nenhum alivio nas lagrimas, nenhuma alivio no
sexo.
(Pausa)
MENELÃO (ainda espantado)— E o que devemos fazer?
BOBO PLIN— Não sei, MENELÃO.
MENELÃO (confuso)— Já sei, já sei. Quer dizer acho que sei... Você quer me deixar louco. É
isso... Você quer me enlouquecer... Para depois mandar em mim e para me conduzir.
BOBO PLIN— Não, não, não. MENELÃO, juro que não. Eu só queria que eu e você...
MENELÃO—(explodindo)— Chega! Mentiroso. Você fala, fala, fala e eu não entendo. Você
não fala e eu percebo tudo. Você veio com esse papo de alma. Não vou negar, me deixou
transtornado. Eu...bom...ai, você entrou no picadeiro e... Grande novidade. Fez tudo
direitinho. Contou piadas, piadas indecentes, pornográficas, porcas. (Pausa) E o publico riu.
(Repara nas expressões de BOBO PLIN.) Riu, riu, sim. Riu que re -riu, re-riu. E você diz que o
publico não riu. Que não fez sucesso. Que não é isso que você quer. Então o que é que você
quer, BOBO PLIN? O que é que você quer?
BOBO PLIN— Eu não sei o que eu quero.
MENELÃO (Respira fundo.)— Já é um começo. Eu sei o que quero. Então eu dirijo o
espetáculo.
BOBO PLIN— Mas eu sei o que eu não quero.
MENELÃO— Complicou tudo outra vez.
BOBO PLIN— O que fiz no espetáculo está noite...eu fiz, está feito.
MENELÃO— Puta profundidade.
BOBO PLIN—Quando soou o segundo sinal...vi aquela gente, aquela gente em volta da pista,
esperando, passiva, um palhaço com um sorriso vermelha sanguinolento...E eu...tive medo,
MENELÃO. Um terrível medo. Eu olhei pelo buraquinho da cortina...Aquele publico não tinha
cara. Era uns vinte ou trinta... assombrados figuras sem caras... sem olhos... sem... olhos
mortos...olhando mortalmente para coisas mortas. O fedor... O medo fede, MENELÃO...
Nenhuma poesia podia entrar naquela gente. Ai, eu... me encagacei. Fiquei sem o mínimo de
controle sobre mim. Eu ia repassando o repertorio infame, as velhas e gatas anedotas, como
se rezasse. O terceiro sinal... Lá fui eu... Grotesco histrião mecânico, rolando minha covardia
no meio do picadeiro. Piadas pornográficas, frases sem nexo. Repetição, repetição... Pobre
palhaço sem alma... Nenhuma criatividade. Com o espetáculo que aperta sempre o mesmo
parafuso. Como o burocrata que bate sempre o mesmo carimbo. Como o jornalista que da
sempre a mesma noticia que convém os anunciantes. Como os médicos, engenheiros,
advogados especializados. Como o mestre-escola que preparam crianças para servirem a
uma sociedade que eles abominam. Como os sacerdotes que impõem dogmas e
superstições. Eu como uma puta desgrelhada e dilacerada que fecham os olhos para não ver
o rosto do morto que a beija... eu ,BOBO PLIN, o histrião mecânico , o palhaço sem
alma...tudo muito triste...(BOBO PLIN vai beber, MENELÃO arranca a garrafa de suas mãos)

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