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Manual de Leitura

Frühlings Erwachen (1891), de FRANK WEDEKIND

tradução JOÃO BARRENTO

encenação NUNO CARDOSO

cenografia e adereços F. RIBEIRO, PAULO MENDES


figurinos MIGUEL FLOR
música e sonoplastia SÉRGIO DELGADO
desenho de luz JOSÉ ÁLVARO CORREIA

elenco
ALBERTO MAGASSELA Saca-Logo, O Senhor Disfarçado
ANTÓNIO JÚLIO Lämmermeier, Gaston, Moca-Grossa, Pastor Barriga-Careca
CATARINA REQUEIJO Thea, Sra. Gabor
CÁTIA PINHEIRO Wendla
DANIEL PINTO Robert, Helmuth, Reitor Insolação
GILBERTO OLIVEIRA Georg, Ruprecht, Quebra-Ossos
ISABEL QUEIRÓS Martha, Ina
IVO ALEXANDRE Sr. Gabor, Dr. Pirolito
LUÍS ARAÚJO Hänschen Rilow, Reinhold, Professor Barriga-de-Fome O TNSJ é membro da

MARTA NUNES Ilse, Sra. Schmidt (parteira)


MARTINHO SILVA Otto, Diethelm, Mata-Moscas
MIGUEL ROSAS Ernst, Língua-Presa
Projecto co-financiado pela Comunidade Europeia
PATRÍCIA BRANDÃO Sra. Bergmann
SÉRGIO PRAIA Melchior
TÓNAN QUITO Moritz, Sr. Stiefel

Apoios
apoio ao movimento LOUP ABRAMOVICI
preparação vocal e elocução JOÃO HENRIQUES
assistência de encenação ANA VARGAS, JOÃO HENRIQUES
assistência de figurinos CRISTINA HORA

produção executiva LUCINDA GOMES


coordenação técnica EMANUEL PINA Apoios à divulgação
direcção de montagem TERESA GRÁCIO
direcção de cena LILIANA ABELHO
contra-regra CRISTINA GUERREIRO
montagem e operação de luz PEDRO CARVALHO, JOSÉ RODRIGUES, Agradecimentos
Câmara Municipal do Porto
ANDREIA AZEVEDO, ANTÓNIO PEDRA
Polícia de Segurança Pública
operação de som MIGUEL ÂNGELO SILVA Batalhão de Sapadores Bombeiros
maquinaria de cena ANTÓNIO QUARESMA, CARLOS BARBOSA, Alunos da ESMAE que participaram
no workshop de dramaturgia
JOEL SANTOS, ADÉLIO PÊRA, PAULO FERREIRA
Ao Cabo Teatro
electricista de cena JÚLIO CUNHA Rivoli Teatro Municipal
construção de cenário MAIA & ROCHA, LDA.
TeCA
tratamento de cenário e adereços ELISABETE LEÃO (coordenação)
Rua das Oliveiras, 43
GUILHERME MONTEIRO, DORA PEREIRA (assistentes) 4050-449 Porto
guarda-roupa CLÁUDIA RIBEIRO (coordenação) F 22 340 19 07

NAZARÉ FERNANDES, FÁTIMA RORIZ,


TNSJ
EDUARDA RODRIGUES (costureiras) Praça da Batalha
adereços de guarda-roupa ISABEL PEREIRA 4000-102 Porto
F 22 208 83 03
auxiliar de camarim MARIA DE LA SALETE
fotografia de cena JOÃO TUNA www.tnsj.pt

Informações Linha Verde


produção TEATRO NACIONAL SÃO JOÃO
800-10-8675

Edição Centro de Edições do TNSJ


Coordenação João Luís Pereira
Design gráfico João Faria
Fotografia João Tuna
Impressão LiderGraf – Artes Gráficas, S.A.

Não é permitido filmar, gravar ou fotografar durante


05 –  2 8 MARÇO 2004 o espectáculo. O uso de telemóveis, pagers ou
relógios com sinal sonoro é incómodo, tanto para os
terça-feira a sábado [21h30] domingo [16h00]
actores como para os espectadores.
duração aproximada [2h10] com intervalo


despertares

A produção deste espectáculo começou por ser um


projecto que Nuno Cardoso desenvolveria no âmbito da sua
actividade como encenador independente, com o grupo de
operadores privados com quem foi desenvolvendo trabalho
(e notoriedade) nos últimos anos.
É nossa convicção que não faz qualquer sentido dissociar
a actividade criativa da direcção de programas e muito
menos esperar que um criador em plena laboração e auto-
desenvolvimento se prive de dirigir espectáculos para gerir,
ou que encapotemos a protecção e estímulo que o TNSJ deve
aos talentos que servem a casa sob o democrático modelo
único da co-produção. Nuno Cardoso foi pois instado a fazer
aquilo em que acreditamos axialmente: encenar em casa para
aprender a casa.
A sua escolha desta perturbante, feliz e desequilibrada
obra-prima da pré-modernidade ocorreu quando os
pressupostos éticos da nossa proposta já tinham sido
enunciados.
Despertamos todos assim para uma Primavera quase
simbólica, com tudo o que arrasta de luminoso e negro.
Num momento em que dois oportuníssimos prémios vieram
distinguir alguns dos nossos colaboradores da nova geração,
continuamos a celebrar o desarranjo dos sentidos e a
inoperância dos poderes em controlá-los. É a nossa forma de
cumprir um dever – o de afirmar os que se seguem.
Ao Nuno, que foi o primeiro a confrontar-se com deveres e
ónus de gestão, e à sua juvenil equipa de criadores e actores,
desejamos boa vindima, antes que o sol se ponha.
Bem-vindos!

π Ricardo Pais


das
Regina Guimarães Porquê O Despertar da
Primavera aqui e agora, como gesto teu?
Nuno Cardoso A descoberta do Despertar da
Primavera aconteceu um pouco por acaso. Eu
andava à volta do Roberto Zucco e da Morte de
Danton. Estava a ler uns textos do Vassili Siga-
rev. De repente, o Ricardo Pais, que já tinha en-
cenado este texto do Wedekind, manifestou a
intenção de o remontar. Nessa altura eu reli a

quatro
peça. Descobri ali muito daquilo que eu tenho
trabalhado nas minhas últimas encenações, de
outra maneira. Então telefonei ao Ricardo Pais,
disse-lhe que gostava de pegar no Despertar da
Primavera, perguntei-lhe se ele iria ou não fazê-
lo. Respondeu-me que não e eu comecei a traba-
lhar no texto.
Portanto, de início estava mais fixado nou-
tra peça – A Morte de Danton que, como a Regi-
na sabe, de há muito me ocupa. Porém, subita-
mente, O Despertar da Primavera agarrou-me,

e sta-
não tanto pelo seu material programático ou
coisa que o valha, mas por ser um texto em que
os corpos estão em causa. Nos meus últimos tra-
balhos, o corpo, não cada corpo real mas sim o
corpo enquanto todo, encontra-se em causa,
seja o corpo do actor, seja o corpo da persona-
gem, seja o corpo da obra. Trata-se, acho eu, de
um dos fenómenos da contemporaneidade. O
actual processo de globalização engendra, ten-
dencialmente, uma crescente descorporaliza-
ção. A descorporalização acarreta o apagamen-

ções a
to do indivíduo que, por sua vez se traduz pela
perda do sentido da tragédia, da dor, etc. E, nes-
sa perspectiva, a peça pareceu-me bastante pre-
monitória de tais perdas.
Além disso, trata-se duma peça que permane-
ce intocada. Obviamente que contém elemen-
tos conjunturais, ligados à época em que foi
escrita. Mas permanece intocada na sua essên-
cia dramática. Fascinou-me encontrar no We-
dekind componentes que tinha achado em tex-
tos contemporâneos, sendo que esses mesmos

pri-
são, de certo modo, motores do meu pensamen-
to enquanto pessoa.
Outra razão de algum peso foi a possibilidade
de trabalhar com um elenco mais jovem, o que
me permitia abrir esta primeira produção a au-
dições. Abri-la a pessoas que andam por aí e me
são desconhecidas...

E isso leva-me a outra questão. A distribui-


ção é, no meu entender, um dos pontos mais
marcantes – mais brilhantes – desta tua en-

mei ra
cenação. Não queres comentar as escolhas
que fizeste a esse nível?
A distribuição foi um processo que demorou al-
gum tempo. Eu nunca faço type casting. Nunca
convido as pessoas para representarem papéis,
convido-as a participar num projecto. Faço um
trabalho de dramaturgia e, em cima daquilo que
os actores vão desenvolvendo, eu e eles vamos
encontrando as personagens justas para as pes-
soas certas. No início tinha uma ideia de distri-
buição, mas depois apaguei essa ideia e comecei
a trabalhar em improvisação com as pessoas.
Esse trabalho desaguou numa reflexão, quase
diária (com a Ana Vargas, o João Henriques e os
próprios actores), acerca de possíveis distribui-
ções que me inspiravam novas improvisações.
E assim sucessivamente, ao longo dos dias.

A 7 de Fevereiro, sensivelmente um mês após o início dos ensaios e um mês antes da estreia, assisti a
um ensaio corrido deste imprevisto Despertar da Primavera. Eu fiquei maravilhada com os progressos
do trabalho. O Nuno Cardoso parecia insatisfeito. Depois conversámos. À sombra da sua bela árvore
de nervos. De antenas. No palco, lugar brutal da poesia que para si escolheu, o Nuno acende o rastilho
dos nossos caminhos. Pela mão delicada de Wedekind, ele explode, em cena, a tristeza destes futuros
do passado. Explica. Sabe fazê-lo sem redundância. É de se lhe tirar o chapéu...  π Regina Guimarães


A minha pergunta tinha a ver com o facto de ça: a noção de proibição e a noção de transgres- É uma intuição... Pensando na encenação como um todo, pa-
que os mesmos actores, todos eles jovens a são. Entre essas duas polaridades forma-se um É uma intuição e é também uma forma de eu rece-te relevante que ela evidencie o parale-
despeito de algumas diferenças de idade, de- adulto. Trata-se duma forma de controlo. Tan- aprender, de eu experimentar. Esta peça pode lo, estabelecido por Wedekind, entre o des-
sempenham os papéis dos adolescentes e dos to é controlo o pecado como a transgressão, por- correr mal. Ainda não está lá... Mas eu só con- pertar da sexualidade e o conhecimento da
adultos. Essa opção, que me teria parecido al- que são duas maneiras de criar o segredo. O se- sigo construir algo se me puser em causa nesse morte?
tamente arriscada, é duma sofisticada jus- gredo afasta-nos da honestidade, da candura, da processo de criação, se com ele estiver desespe- Acho. A morte, tal como a gente fala e escreve,
teza. Melhor dizendo: essa escolha permite simplicidade. E, de repente, temos uma socieda- radamente a tentar aprender alguma coisa. E se decorre de uma percepção adulta. Lembro-me
desvendar vertentes essenciais da peça. Nun- de complexa que se desfaz em imagens da sua isso passar, acho que é o suficiente. de que eu devia ter uns cinco anos quando per-
ca chegarias a um resultado comparável se ti- própria complexidade e arranja infinitos sub- cebi que ia morrer. A única coisa que consegui
vesses optado por um naipe de actores mais terfúgios para uma coisa simples. Isto faz-se Nesta tua hipótese de trabalho, como imagi- foi imaginar-me dentro dum caixão. Mas fala-
velho a sustentar os papéis dos professores, sentir em todas as análises passíveis de serem nas poder exprimir o impacto das estações va e pensava. Só me assustava a ideia de não po-
dos pais, etc. levadas a cabo das nossas sociedades. O nosso nas personagens, em particular o alvoroço der falar com ninguém e a perspectiva de estar
Isso prende-se com o princípio que adoptei sistema económico é uma réplica, feita à me- da Primavera? frio. A morte, como a fantasiamos e como expe-
quando comecei a “desdobrar” o texto. Eu não dida e aperfeiçoada (mutatis mutandis, porque Eu ando a tentar fazer passar isso pelos corpos riência, é um dos grandes traumas da adoles-
via propriamente distinção entre os novos e os o capitalismo tem grande maleabilidade) deste dos actores, no primeiro acto especialmente. O cência porque está intimamente ligada ao sexo,
velhos. Os velhos são, a meu ver, a projecção dos dispositivo. A propriedade, por exemplo, decor- primeiro acto pode ser Primavera, mas pode ser à vivência sexual e erótica. Tudo isso cria uma
novos, como futuro no presente. Eu tenho a ní- re da proibição e da transgressão. E o nosso sis- manhã. O segundo acto pode ser fim de Verão/ ordem de ocorrências que, na sociedade oci-
tida sensação de que a adolescência e a entrada tema de regras morais assenta na mesma base. Outono, mas pode ser crepúsculo. O terceiro dental, são muito mal resolvidas. É uma coinci-
na vida adulta são dos piores momentos de tor- É um castelo de cartas que não se consegue der- acto, para mim, é Inverno. Isso deveria passar dência absurda – mas aconteceu – eu estar a tra-
tura que um ser humano vive e que o tornam rubar...! Por outro lado, aquilo que também me pelos corpos... balhar este texto e, ao chegar a casa, levar com
uma criatura mal-formada. Mal-formada não fascinou no texto foi a figura do Senhor Disfar- um debate acerca da educação sexual na As-
propriamente no sentido cívico, mas deforma- çado. Acho que se escreveu demasiado sobre o É muito bonito o momento de Inverno por- sembleia da República. Fiquei pasmado... A ver-
da. Muitas vezes, quando olho para mim e me Senhor Disfarçado. Ele é o que é. E é o que for, que traduz desolação e, ao mesmo tempo, dade é que não há, neste país, educação sexual
lembro de quem era e vejo em quem me trans- conforme as pessoas o pensarem. Nem sequer aqueles dois cadáveres do Moritz e da Wen- nenhuma. Esta peça “descola” dum plano pura-
formo, fico pasmado com determinadas atitu- estou a trabalhar muito em cima disso. Limito- dla (dois duplos dum Melchior que deve re- mente factual porque nos conta uma história. E
des que vou tomando sem disso me dar conta. me a deixar o actor dizer o texto. viver) são sementes debaixo da terra. Por- as pessoas podem ver/ler nela o que quiserem.
Acho que todos nós adultos, de algum modo, Apesar disto tudo, a maneira como We- tanto aponta-se, estranhamente, a ideia de O que importa é narrar a história, devolvendo a
somos monstros. Portanto não senti necessi- dekind soluciona as coisas faz com que não se germinar... dimensão aberta que ela tem.
dade nenhuma de ir buscar “adultos” para re- trate nem de uma peça de contraposição, nem Acho que essa dimensão poética ainda me esca-
presentar os tais papéis que são “monstruosos”. de um manifesto. É simplesmente um certo pa bastante. Tanto mais que eu venho de uma Wedekind parece ter-se dado ao trabalho de
Até porque eu acho que há uma cisão muito evi- olhar e encena o início de um percurso. E eu, encenação em que me abeirei de um realis- nos propor, com ocorrências mais ou menos
dente no texto, em termos de linguagem: se os enquanto criança pós-Abril, que não teve cons- mo pessimista. Mas tento todos os dias... e eles fugazes ou veladas, uma espécie de breve ca-
dois primeiros actos são extremamente vitais ciência do que foi a privação da liberdade, que também. tálogo das formas, ditas “desviantes”, de se-
e dinâmicos, o terceiro acto é composto de qua- tem às costas o património histórico do sécu- xualidade: o onanismo, o sado-masoquis-
dros. No terceiro acto, cada cena tem um princí- lo XX (a minha geração não o “sentiu”, porque Falando de poética: qual é, no teu entendi- mo, o fetichismo, o voyeurismo, a violação,
pio, um meio e um fim muito claros, verifican- cresceu depois de tudo, e era demasiado jovem mento, a importância das opções dramatúr- o incesto e, por fim, a homossexualidade.
do-se uma alteração da linguagem que tende para “medir” a queda do Muro), percebo que as gicas da tradução nas orientações que tens Que sentido atribuis ao facto de Wedekind
para o expressionismo. A partir dessa ruptura, vias que me apresentam para resolver isto não vindo a assumir nesta tua encenação? nos mostrar o relacionamento homossexu-
posso procurar construir outro tipo de interpre- são soluções de compromisso mas sim de or- A tradução foi encomendada especificamente al como a única experiência aparentemente
tações, completamente despsicologizadas. Eu dem individual. Eis outra questão que me pare- para este propósito e depois foi lida, revista e serena de toda a série, sendo que as persona-
pretendo justamente fazer esse exercício com ce importante: assistimos à emergência duma trabalhada na primeira semana, aqui mesmo, gens a vivem em melancólica consonância
os actores: na primeira parte da peça, trabalhar nova forma de pensar individualista que ain- com os actores. Eu pedi ao João Barrento uma com um fantasmático futuro burguês e aco-
num sentido e, na segunda parte, explorar o re- da não foi reconhecida. Não o foi por causa da tradução que me cortasse um bocado os forma- modado?
verso da medalha, a Alice do outro lado do es- herança que nos coube, entre outras coisas. Essa lismos. Que fosse, de algum modo, mais objec- Exactamente. A questão que aqui sobra é a abso-
pelho. Nunca me passou pela cabeça trabalhar forma não é pós-moderna, não é lúdica... É por tiva, mais próxima da linguagem falada do que luta consciência e a terrível frieza com que am-
com adultos naqueles papéis porque vejo essas vezes profundamente pungente e afasta-se de propriamente da linguagem poética. E foi em bos os adolescentes falam do seu futuro. Sabem
personagens duma forma diferente: os profes- todos os modelos, sejam eles expressionistas, cima dessa versão que eu comecei a trabalhar. O perfeitamente que vão ser monstros, mas tam-
sores não são seis corpos, são um corpo com seis existencialistas ou outros. É algo que eu sin- que se procurou foi torná-la mais... bém sabem que ainda têm algum tempo; di-
cabeças; os Gabor não são dois corpos, são um to como pessoa e, pelo menos no trabalho, pro- zem que dali a trinta anos hão-de poder rir-se
casal; o funeral não funciona como um desfile curo uma sinceridade para dizer isso às outras Desenferrujá-la da retórica... das emoções que presentemente estão a viver.
de pessoas, mas antes como momento em que pessoas. Exactamente. Mas houve dois momentos: pri- Estamos perante o pastor, que um deles vai ser,
se cruzam escola, igreja, pais, miúdos; o refor- Foram todas estas coordenadas que fizeram meiro, a feitura da tradução específica que po- e o milionário, que o outro vai ser, com as suas
matório – inclusive pela experiência que tive- com que O Despertar da Primavera prendes- derá servir para edição; segundo, o trabalho respectivas mulheres, ambos a rirem-se do se-
mos em comum na prisão – vejo-o como espaço se a minha atenção. E isso explica a sofregui- para chegarmos à versão cénica da peça, com a gredo que têm. Isso configura uma mensagem
de expressão da violência intrínseca à reclusão dão com que agarro este texto. Talvez por isso colaboração do João Barrento, trabalho esse que extremamente pessimista. Se a gente cria crian-
e não tanto como galeria de personagens. A pró- nunca tenha pensado em adultos e tenha ima- ainda está em curso. Ainda hoje, de manhã, eu ças assim... O pessimismo de Wedekind conju-
pria cena da morte da Wendla é uma espécie de ginado um elenco “lunar”, algo situado algures mexi num pedaço... O Melchior diz qualquer ga-se com uma denúncia dos valores burgueses.
quadro de eutanásia (ou, melhor dizendo, de entre a criança e o adulto. Mas sem qualquer in- coisa como: “Ah, não, podes crer que não exis- O pessimismo e a denúncia são tanto mais in-
morte “assistida”, visto que a eutanásia impli- tenção pedagógica, a não ser no processo... te amor”. E eu disse ao actor que tirasse o “ah” tensos quanto a dita cena é tranquila... Aquilo
ca a escolha). E, ao pensar essa cena, eu estava e enunciasse simplesmente: “Não. Não existe é-nos apresentado como “a última lição da ado-
constantemente a lembrar-me de quadros, em amor”. Porque é isso que o corpo pede, não há lá lescência”.
particular renascentistas, que representam li- “ah” nenhum. E é nesses pequenos pormenores
ções de anatomia. Entendo essas figuras como que a versão cénica vai ganhando corpo. Eu res-
tipos, como uma máquina. O terceiro acto apre- peito muito o texto. Quase não faço cortes. Ou
senta-se-me como uma “máquina de moer”... melhor, não faço mesmo. Há matéria em que
Nós temos uma capacidade infinita de arran- não faço cortes. Mas, mesmo um escritor que es-
jar razões para que uma coisa aconteça, para creve com o corpo, como é o caso do Wedekind,
a justificar. E, às vezes, não somos capazes de por vezes é levado a ênfases, exclamações, inter-
nos confrontar com isso mesmo, com a dor que jeições, dos quais por vezes não há necessidade.
isso implica e com a imagem que isso dá de nós. Porque está lá o actor, com o seu imaginário, o
Uma das grandes sevícias que se inflige a uma seu corpo, a sua voz. De facto, são essas peque-
criança, no seu percurso para adulto, é ensinar- nas arestas que eu vou limando. Esta peça tem
lhe a mentir. Porque uma pessoa ensina-lhe que uma dificuldade que se prende com a técnica da
mentir é mau, mas depois mente-lhe. Como o escrita: as personagens falam-se por parágrafos,
Hansi diz na sexta cena: ensinamos-lhe o peca- enquanto nós falamos por frases. Lidar com isso
do e ensinamos-lhe a transgredir. São esses os e, simultaneamente, manter a componente po-
dois instrumentos que o adulto fornece à crian- ética é algo de muito complicado.


Em todo o caso é uma perigosa forma de me- As tuas opções de direcção, no que diz res- Agrada-me essa ideia de figura que mora no Noutra ordem de considerações, há neste
lancolia. Melancolia duma antecipada re- peito aos adultos, enquanto instrumentos coração da contradição e aparece para pertur- texto uma espécie de “discussão filosófica” –
núncia que postula a efemeridade do que do poder e da opressão, são muito precisas e bar. De ser vibrante. Kant versus Nietzsche – que sustenta as gran-
é belo, bom ou justo. É como se tu vivesses radicais. No texto há coisas muito vagas – o Mudando de assunto: de certa maneira, já des interrogações da peça, ajudando a cons-
uma revolução de maneira participativa, sa- erotismo, a despeito da sua figuração – e coi- começaste a responder a esta questão, mas truir a sua dinâmica interna e também a
bendo e aceitando de antemão a derrota dos sas muito precisas – exercício da repressão, a ainda assim formulo a pergunta. O adoles- desenhar a evolução da personagem do Mel-
sonhos revolucionários... Isto vai acabar e eu maneira como se corta as asas a uma pessoa, cente é uma invenção da sociedade burgue- chior (que no fundo poderia ser personagem
sei, aqui e agora, que ainda me vou rir disto etc. Como geres essa ambivalência? sa. Nas sociedades ditas primitivas há crian- única e todos os outros figuras do seu teatro
que fez de mim quem sou... Que cinismo!!! Acho que isso tudo é suportado pelas escolhas ças e há adultos. Em tua opinião, o que é que mental...). O Melchior é levado (ou obrigado)
Uma frase que, desde pequenino, sempre me de encenação, pela direcção de actores e pela di- mudou, em termos de descoberta da sexuali- a tornar-se “senhor de si próprio”. Que leitu-
marcou e impressionou é aquela em que o Tal- ferença de tom e estilo que se assume entre os dade pelos adolescentes, desde o Wedekind? ras, no sentido muito lato, tens proposto aos
leyrand diz que “quanto mais muda mais fica primeiros actos e o último. Embora se mante- Eu, para ser franco, devo ser um dos adultos teus actores e colaboradores?
na mesma”, que é a máxima do absoluto cinis- nha um mínimo de continuidade, começa-se mais grotescos que a adolescência engendrou, A única leitura que eu lhes proponho, de fac-
mo – de braço dado com a absoluta convivia- a trabalhar com arquétipos e com situações porque me acho um tanto obtuso em relação to, é a do texto. Claro que lhes proponho tam-
lidade. Um sujeito que pense assim é aquilo a muito condensadas e altamente perceptíveis. aos adolescentes de agora. Mas parece-me que bém que falemos. Falemos do que estes proble-
que se chama um “gajo porreiro”. É a tal pessoa Aqueles professores jogados daquela maneira nada mudou. Quer dizer, mudam-se os brinque- mas são para eles como pessoas. Evidentemente
que não se importa com ninguém mas é simpá- tornam muito evidente o mecanismo das suas dos, que já não são de lata, são Playstations, a se- que isso cria uma dimensão de alto risco para a
tica com toda a gente. No meu entender, esta atitudes. Através das próprias poses. Há, no pri- xualidade “acontece” mais cedo, mas o essen- feitura do espectáculo, porque entramos num
peça do Wedekind tem dois fins: antes do fim meiro e segundo acto, um movimento que vai cial continua. E, por exemplo, o fenómeno do domínio quase pseudo-pedagógico ou pseudo-
efectivo, “acaba” com a cena Hansi/Ernst, com abrandando até ao tiro. No terceiro acto, esta- HIV ainda veio reforçar mais a repressão... filosófico, em que tudo se discute... E, por vezes,
esse remate do rito de passagem, que significa mos perante uma espécie de still images, ima- acabamos por esquecer a objectividade do que é
a apreensão do segredo, do pecado e do prazer, gens duma diabólica precisão: primeira con- Foi um revelador...? fazer teatro. Acho que qualquer actor na socie-
a assimilação da ordem dos valores burgueses e denação (da escola, para o Melchior), segunda É uma tragédia. Mas é uma tragédia com essa dade em que vivemos, qualquer pessoa que es-
a relativização de tudo. No “outro” fim reencon- condenação (da família, para o Melchior), ter- componente bem grega de parecer uma “pra- colha ser actor (nomeadamente tendo em conta
tramos o Melchior, uma personagem que parti- ceira condenação (de Moritz, no seu próprio ga dos deuses”. Por outro lado, quando se aten- o modo como o nosso ensino está estruturado)
ra dum pressuposto arrogante e é descarnado funeral, pela família, pela escola, pela igreja e ta nas discussões que há em Portugal, seja sobre transporta em si um grãozinho de experiên-
ao longo da peça. Também ele chega a um pon- pela própria displicência dos colegas), o pur- o aborto, seja sobre a sexualidade, seja sobre os cia que lhe advém da altura em que foi obriga-
to em que precisa de relativizar tudo para ence- gatório (do Melchior, no reformatório), um gangs, seja sobre o trabalho infantil, a verdade é do a tornar-se senhor de si próprio. Gostaria de
tar um novo caminho. Lembra-me outra peça assassínio (o sufocar da Wendla) e os dois per- que se sente que pouco ou nada mudou. Se ca- ir por aí... Até porque a peça começou a ser fei-
que eu fiz, As Aventuras de João Sem Medo, na cursos apontados no fim. Ao cabo de todos es- lhar, as coisas são mais “mediadas”. Se calhar, ta no dia 5 de Janeiro, data em que todos nos co-
qual há dois caminhos: um relvado, outro pe- tes gestos, duma violência extrema, a situação há mais três ou quatro institutos que estão pre- nhecemos, e vamos estreá-la no dia 5 de Março.
dregoso. O que o Wedekind faz – e é fantástico está contida. O futuro daquela sociedade “con- ocupados com a questão. Mas, a meu ver, este Portanto não temos tempo para respirar outra
– é mostrar-nos que uns vão pelas ervas, outros tida” é o Hansi e o Ernst. E há alguém que sobra. tipo de ritual de passagem é necessário para a coisa que não a nossa experiência do momento,
pelas pedras. A peça acaba aí e nós que pense- O Melchior é alguém que “se faz sobrar”, ou- sustentabilidade do sistema que foi criado. Por- aqui e agora, em cima deste texto. Obviamente
mos no assunto. Isso também me fascina, a sa- tro caminho o espera. O que se pretende apre- tanto, nunca vai desaparecer. Porque o siste- que algumas coisas foram lidas, outras faladas,
ber: a natureza não-judiciosa da peça. Entretan- sentar no terceiro acto é, justamente, essa ti- ma vigente apoia-se nestes tabus, neste corpo mas houve sobretudo um grande cruzamento
to convém sublinhar que o humor, a passagem pificação, de cortar à faca, assumindo que a que surge da adolescência. Melhorar este esta- de experiência entre os actores.
das estações e outros elementos de distanciação encenação possa ser, ela mesma, um pouco do de coisas, ainda que de forma muito media-
tornam este texto muito difícil de montar. So- monstruosa, e permitir-se certos excessos. Nes- da, é fomentar a destruição do próprio corpo so- Mas os actores não temem essa exponen-
bretudo quando se tomam opções como esta de te momento, isso já está bastante presente na cial tal como se encontra organizado. Ora isso cial duplicidade que tu desenvolves a partir
trabalhar com um elenco entre... cena do casal Gabor, que funciona como uma não acontece, como é óbvio. E, assim sendo, as da peça?
fotografia falante. coisas são muito semelhantes àquilo que o We- Temem, temem.
Entre-entre... dekind problematiza.
Entre uma coisa e outra. Procura-se mas não se A personagem da Ilse, avatar feminino do Se- Convém, no entanto, sublinhar que a dimen- Isso não os deixa completamente indefesos?
sabe se, no fim, se chega lá. Mas morre-se a ten- nhor Disfarçado, vai dar, em linha e linha- são quase paranóica deste meu discurso não im- Deixa. E esse é o principal risco e o principal
tar... Por exemplo, o ensaio a que a Regina assis- gem directa à figura mítica da Lulu. Como pede que eu faça parte do corpo social e do siste- problema que atinge o trabalho neste momen-
tiu não correu bem, a meu ver, porque esse tal vais dosear esse estado embrionário de Lulu ma vigente e, quando me ponho em causa, uso, to. Eu temo isso. Mas, se lá chegarmos, será a
fio da navalha estava ausente. Isso incita-nos a em Ilse, sem tirar frescura e vitalidade à per- de facto, as mesmas armas para me preservar. A principal virtude do espectáculo.
continuar a trabalhar. sonagem? Ou antes, virando os termos ao consciência deste estado das coisas e da sua ine-
avesso: confias na consciência trágica de que vitabilidade é lancinante. Devo dizer que fiquei com imensa confiança
ela é, por defeito, portadora? naquilo que vi. E confio no dispositivo. Mais
Acho que há um único momento em que eu uma vez surpreendeste-me.
exploro isso: uma pausa, após a qual a Ilse diz A ver vamos... Nesta próxima semana, quero
“Quando chegar a vossa vez já eu estou no lixo”. descolar deste trabalho diário, de minúcia, de
Eu procuro concentrar toda a valência “Lulu” corporalidade, para voltar a olhar para a peça
nesse instante e trabalho mais o lado “avatar como um todo e sentir as grandes forças que a
feminino” do Senhor Disfarçado. No entanto, trabalham. Agora estou preocupado com o rit-
essa frase é fundamental e terá de ser dita com mo, com o ataque. Às vezes, é uma tarefa quase
muito rigor. estéril. Mas não. Porque o ritmo é a própria defi-
nição da existência.
É verdade que ela tem, como o Senhor Disfar-
çado, um lado “bigger than life”. É a respiração da peça, enquanto corpo vivo.
Ela representa, de certa forma, o lugar de con- Eu falei da questão da duplicidade porque
vivência das contradições: da inocência com a tu, de alguma forma, afirmaste que queres
prostituição. jogar todas as duplicidades, inclusivamen-
te a tua. E isso significa que é como se tu, en-
Sim, mas com um esboço de consciência de quanto figura de autoridade, também te des-
tudo isso e com a força duma escolha: a “per- dobrasses.
dição”, apesar de tudo, parece-lhe preferível É um bocadinho. Um bocadinho não, um boca-
à vida regrada. Ou “contida”, se quiseres. dão. O Despertar da Primavera oferece-se como
E é isso que está na tal frase. Nessa vertigem que um universo muito vasto. O que a gente faz, no
a habita. Se calhar, é mesmo pela vertigem que teatro, é lançar algo parecido com sementes, to-
procuramos trabalhar a Ilse. Pela prolixidade dos os dias. Espero que, daqui até à estreia, nas-
dos gestos. Quase como uma bailarina empo- çam três ou quatro girassóis. Se lançarmos cem
leirada num fio. Tudo treme: o discurso, a voz, sementes e nascerem uns três ou quatro, dou-
o corpo... Aprofundar esse misto de fragilidade me por satisfeito. ≠
e de força.



a geometria dos sonhos


π João Barrento

“…o seu capital educativo só pode é – diz ainda Carlos Amaral Dias – o de “acei- dade a despertar estilhaça as convicções adqui- mática do Senhor Disfarçado é tanto essa abs-
resultar do seu conteúdo poético.” tar um novo corpo, partilhar o segredo sexual”. ridas, “esburaca” o seu real. Mas também as per- tracção como também o “demónio da vida”, o
(Ricardo Pais sobre O Despertar Esta aquisição de um novo saber de si enquan- sonagens adolescentes se não “salvam” – nem inconsciente freudiano). O que acontece ao lon-
da Primavera, 1983) to corpo implica igualmente, na adolescência, isso tem necessariamente de acontecer, já que go da acção no laboratório do palco é um esti-
um trabalho de luto sobre o corpo infantil: “Vi- para elas o momento é de busca, não de saída de- lhaçamento da “vida” em experiências e desti-
“A carne tem o seu próprio espírito.” ver é sobreviver a uma criança morta. Para que finitiva. A busca e os conflitos de personagens nos particulares: cada caso é um caminho, com
(Frank Wedekind, “Sobre o erotismo”, Melchior viva, é preciso que Moritz morra” (C. em devir, que a princípio se desenvolvem no alguns a juntarem-se numa certa tipologia da
1910) A. Dias). Como sempre acontece quando se des- plano do corpo próprio, transpõem-se depois, inevitável integração social, que tem sido o des-
pe uma pele, a orientação e a partilha são essen- inexoravelmente, para o corpo social, que des- tino mesmo dos mais rebeldes. Talvez a linha de
“…a sexualidade esburaca o real.” ciais ao gesto de vestir a nova. Se isso não acon- de logo nos é dado pela socialização. “A questão leitura mais plausível hoje seja a da peça como
(Jacques Lacan, 1974) tecer, algum dos “buracos do real” acabará por sexual é apenas um precursor canhestro da so- espaço de um circo (tema dilecto de Wedekind)
engolir a vítima. cial”, escreve Walter Benjamin na crítica à en- em que uma matilha de cães jovens faz as suas
Capital educativo, conteúdo poético, força da Ora, isso não acontece na época que viu nas- cenação d’ O Despertar da Primavera na “Volks- tropelias e exterioriza a sua energia, para a cer-
sexualidade nascente. São várias as portas de cer a peça de Wedekind, a “época da seguran- bühne” de Berlim em 1929. Reconhecendo as ta altura ter de se decidir entre os dois caminhos
entrada numa peça que, nos últimos cem anos, ça” burguesa e de um liberalismo pretensamen- potencialidades de actualização de uma peça que se abrem ao ímpeto “naturalmente” revo-
se transformou num clássico da formação li- te “esclarecido”, exemplarmente retratada na aparentemente datada como esta, e aplaudin- lucionário da juventude na sociedade, onde to-
terária e teatral. O autor recusava a sua leitu- autobiografia de Stefan Zweig O Mundo de On- do a decisão do encenador de transpor o cenário das as revoluções fracassam (incluindo a do or-
ra como “peça de tese” ou “manifesto a favor tem, tal como não acontece hoje, num tempo da acção para a grande cidade (como inevitavel- gasmo, como acabou por reconhecer o próprio
da educação sexual” (o que fecha, ou pelo me- pós-burguês que mantém vivos todos os pre- mente acontecerá na montagem do TeCA, feita Wilhelm Reich, seu grande paladino nos herói-
nos estreita, a entrada pela porta da didáctica), conceitos burgueses, numa época que gerou so- para hoje e para o Porto), Benjamin conclui que, cos anos sessenta): os caminhos do suicídio ou
insistia no “humor imparcial” que colocou em ciedades que instauraram a “emancipação” por com isso, a peça “cresceu”, ficou “mais provoca- da integração. Não há mais saídas. A intensi-
quase todas as cenas, contrariando uma esco- decreto, liberalizaram o sexo (mas não liberta- tória e mais sonhadora”, e que nela “um poder dade da experiência (a revolucionária ou a do
la literária e teatral como o Naturalismo, de ram a sexualidade), e na qual as taxas de suicí- cego vai com o outro: o nascer da sexualidade e despertar do sexo) provoca, ou desfechos rápi-
que definitivamente se distanciou (e permitin- dio juvenil são mais altas do que nunca, o abor- a miséria da grande cidade”. dos e intensos, ou o abrandamento do ímpeto
do com isso um acesso “poético”, através da lin- to é crime e a toxicodependência (outra forma No ambiente moderno e emancipado da fre- e a acomodação. O sistema sabe sempre espe-
guagem, das situações e até das parcas didas- da “tranquilidade gélida do narcisismo” da ju- nética Berlim dos anos vinte, O Despertar da Pri- rar, nunca tem pressa. E sabe também que há as
cálias, sem passar pelo trágico nem ainda pelo ventude) cresce a olhos vistos. Como há mais mavera continuava a sustentar um sentido de excepções, destino dos génios e dos marginais
patético expressionista), e acabou por definir de cem anos, quando O Despertar da Primavera actualidade que ainda não perdeu. Benjamin consequentes que, do ponto de vista do sistema,
lapidarmente a peça, muito ao gosto da “filo- foi proibido por ser considerado “pura porno- anotava, num tom que hoje nos serve menos, pertencem, naturalmente, à facção dos suicidas
sofia vitalista” da época, como “uma pintura grafia”, muitos professores continuam a ser uns que “Wedekind não escreveu o fadinho dos ino- (a decisão final de Melchior, levado pela mão de
luminosa da vida”. Seguindo por este último “pobres diabos que não sabem nada de nós”, “o centes rapazinhos e mocinhas na verdura dos uma figura de adulto sensato que representa
atalho, vamos facilmente dar aos terrenos da mundo à nossa frente, ou acima de nós (…), des- anos, mas o drama trágico do despertar dos ca- uma abstracção, é um esboço contraditório de
psicanálise, que cedo haveria de pronunciar- confia sempre da juventude”, a família e a esco- prichos da força da natureza na criatura”. No provável suicídio social). Mas é a excepção que
se, pela boca de Freud e dos membros do gru- la fogem ao problema da sexualidade porque entanto, o texto e a problemática de fundo su- importa. Já há cem anos que a “razão céptica e
po que viria a ser a Sociedade Psicanalítica de são presas de um “sentimento de insegurança portam ainda, parece mesmo que pedem, toda vital” de Wedekind se manteve mais fresca e ac-
Viena, sobre O Despertar da Primavera como um interior” e a dupla moral burguesa continua a espécie de investidas, mas precisam de ser tuante do que a seriedade compenetrada de um
“documento” interessante para a história da ci- a imperar, particularmente numa sociedade depurados e potenciados, elevados à potência Thomas Mann. Hoje, como diz o protagonista
vilização e dos costumes, e como manifestação como a portuguesa de hoje, em franca regres- mais certa para o momento e o lugar. Hoje, o no final da peça de Wedekind O Marquês de Kei-
dramática conseguida do processo de perda da são, que na praça pública, dominada pelos me- sexo está certamente mais na epiderme das ob- th, a vida continua a ser um “escorrega”: vai sem-
inocência, numa trama psíquica e social que dia, se vê obrigada a mostrar-se tolerante, mas sessões colectivas do que as questões social ou pre dar a algum pântano onde, ou nos afunda-
envolve a recusa do Pai a vários níveis – recu- que portas adentro continua a ser beatamen- geracional, pretensamente resolvidas pela libe- mos logo, ou nos mantemos a boiar à superfície.
sa de Deus pelo ateísmo, recusa da autoridade te conservadora, pequeno-burguesa e violenta. ralização política, económica e dos costumes. Poucos conseguem, como o barão de Münch-
de pais e professores, numa emancipação sem- Tudo isto são sintomas de um estado de coisas Mas a questão de fundo continua aí: é a do lu- hausen, agarrar a própria trança e sair do lama-
pre difícil, conseguida ou fracassada na tensão já escalpelizado por Freud e por Stefan Zweig, gar do sexo num momento em que a sexualida- çal pelo seu próprio pé, para continuar a viagem
ambivalente em relação à família e à escola, em contemporâneos de Wedekind, mas também de é activada muito cedo e está muito mais des- voando, a cavalo numa bala de canhão. Alguns
última análise recusa também da figura do Se- indícios de convenções, normas e tabus de que tabuizada e desdramatizada. Talvez por isso as geómetras do sonho conseguem-no: arriscando
nhor Disfarçado, suspeita encarnação alegórica não nos libertámos completamente. A peça de cenas mais “actuais” da peça sejam as do celei- o voo, sem deixar de antes lhe calcular a órbita.
de uma Vida que, afinal, fala ainda pela boca de Wedekind continua viva porque está longe de ro (cena laboratorial, do sexo pelo sexo, do cep- Um desses geómetras parece ser – mas também
mais um dos adultos da peça. Todas estas rejei- transmitir a mensagem ingénua de uma “moral ticismo desromantizado de Melchior, que hoje disso não temos a certeza – a personagem Mel-
ções são resultado da descoberta da sexualidade natural” – o que poderia até acontecer no con- poderia ter como cenário o banco de trás de um chior, a mais densa figura e o verdadeiro prota-
nascente que, como mais tarde dirá Lacan, “es- texto ideológico do Fim-de-século, em que se vi- qualquer carro nos subúrbios de uma cidade) e gonista d’ O Despertar da Primavera. ≠
buraca o real”. Ninguém sai totalmente incólu- via um tempo de hedonismo e de um culto do a da vinha (pela exploração que permite do he-
me da passagem por esses buracos, alguns caem corpo diversamente cultivados –, antes se assu- donismo homoerótico dos rapazes). Mas não é
mesmo neles para não voltarem a sair, atraídos mindo como expressão consciente da incompa- menos actual, se pensarmos no naipe dos adul-
que são por uma das duas vias que se abrem du- tibilidade e do conflito entre pulsão e norma, tos, pais e professores, o reverso perverso des-
rante o processo complexo de separação-indivi- entre sexualidade e sociedade. E nem um deus sas manifestações mais “elementares” da se-
duação da adolescência, a da regressão narcísi- ex machina como aquele Senhor Disfarçado re- xualidade – a pèr(e)-version (versão do Pai, diria
ca (que, na peça, culmina no suicídio de Moritz) solve tal tensão constitutiva de todas as socieda- Lacan) dessa elementaridade em visões conser-
e a da escolha exogâmica e heterossexual do ob- des: se é certo que a figura – uma aparição artifi- vadoras e falsamente “românticas” que conti-
jecto (na peça, o caminho de Melchior). Entre as cial, não o esqueçamos – propõe uma saída que nuam a aceitar exclusivamente as variantes
duas, O Despertar da Primavera mostra, no pai- aponta para o futuro, não é menos certo que ela socialmente sancionadas, não tanto da sexua-
nel muito diversificado das personagens ado- (até pela linguagem sentenciosa que usa) só a lidade, mas mais das convenções do sexo e da
lescentes, quase toda a paleta de possibilidades nível abstracto poderá “resolver” as contradi- sua moral contraditória – convenções “estra-
deste difícil processo de dupla “perda de rela- ções sociais que a peça coloca. O Senhor Disfar- nhamente desonestas”, anota já Stefan Zweig
ção” (dos laços com os pais e com a infância) a çado não é, assim, mais do que a negação abs- na autobiografia.
caminho da aquisição definitiva de uma ima- tracta da ordem vigente, permanentemente O Despertar da Primavera é uma peça que con-
gem do próprio. Em todas elas, das mais aco- posta em causa pelas turbulências do eros ma- tém em si, nas duas personagens paradigmáti-
modatícias às momentaneamente desviantes, tutinus que desperta. De facto, nesta peça de des- cas (Melchior e Moritz), a matéria de que se faz
da marginalidade assumida à rebeldia friamen- mistificação de uma moral e de desconstrução a vida e a matéria de que se fazem os sonhos. É
te calculada, é sempre da aquisição de um saber de um status quo que parece ser eterno (o de uma uma peça que pede para ser vista com um duplo
que se trata. Numa excelente leitura da peça, forma de sociedade que no século XIX ganhou olhar, o do geómetra (agrimensor da existência,
feita por ocasião da montagem de Ricardo Pais estatuto de segunda natureza), nenhum repre- que é a personagem Melchior, até ao momento
para o TEUC em 1983 (e publicada no número sentante do mundo sólido da burguesia é pou- em que sai com o Senhor Disfarçado) e o do so-
9 da revista Teatruniversitário), Carlos Amaral pado a uma crítica radical (de inspiração nietzs- nhador (esse campeão trágico do wishful thinking
Dias resumia a questão nos seguintes termos: chiana), ninguém se salva do naufrágio que no que é o indeciso Moritz). Wedekind sugere já,
“O saber sexual é então o domínio da sexualida- final da peça parece ter dois espectadores privi- ele mesmo, a necessidade de ler (e encenar) a
de, a possibilidade da aceitação mútua de uma legiados (Melchior e o Senhor Disfarçado). Até peça a partir deste olhar cruzado, ao poetizar e
partilha do prazer sem culpabilidade e sem an- a mais “emancipada” das personagens adul- matematizar o despertar do sexo, recusando as
gústia”. Os conflitos dramáticos d’ O Despertar tas, a senhora Gabor, formada na pedagogia li- versões trágica ou vitalista, e rejeitando tam-
da Primavera, os de ordem psicológica, interior beral de Rousseau e Pestalozzi (que enfeitam bém qualquer “síntese”, que, face a uma maté-
e individual, e os de ordem social, exterior e ge- também – ironia das ironias – a sala de reuni- ria como esta, só podia ser ilusória. O Senhor
racional, gravitam em torno desta questão. Tra- ões dos professores), cede ao imperativo cate- Disfarçado (que é um dos “nomes-do-Pai” nes-
ta-se sempre de tensões que derivam de formas górico dessa ordem vigente, uma vez chegado ta peça) não representa essa síntese, desde logo
particulares de aquisição de um novo saber, que o momento da verdade: a evidência da sexuali- porque a vida é uma abstracção (a figura enig-


5  cm / pri mavera
Quatro cartas para o Nuno Cardoso  π Pedro Eiras

Teatro Carlos Alberto adultos? Wendla violada tem escassos segundos ainda na vertigem que nasce o apelo da vida:
3 de Fevereiro de 2004 para se demorar na crisálida. Não pode viajar da Moritz mal se sustém nas pernas depois de sa-
inocência ao cansaço: a queda é fulminante. ber que deverá passar de ano.
Caro Nuno, Estranha criança de 14 anos, Wendla. Estra- Que então o actor se agarre à vida e se perca
nha adulta de 14 anos, dias depois. no abismo. Ao mesmo tempo. Não uma coisa de
Assisto ao ensaio quase às escuras na plateia. Os Mudando de vestido, ela sabe que veste uma cada vez, mas uma e outra, uma dentro da ou-
meus apontamentos seguem-se num caderno mortalha. Sente o cheiro a morte e nada faz por tra, sempre. Que seja animado, não pela mera
que mal vejo. Escrevo na quase cegueira, escre- esconder o namoro com o abismo, que ao mes- coragem, mas pelo próprio medo. A coragem é
vo uma penumbra, o que vejo vem de uma luz mo tempo receia. As convenções de certo tea- prudente, fecha as portas, calafeta as janelas e
que algures alguém desenha, ou dita, para mim. tro dito naturalista não permitiriam esta desa- estanca o sangue; só o medo empurra a persona-
Escrever torna-se irreal: se mal vejo o que escre- forada previsão de um fim. Wendla abre o jogo gem em diante. É preciso que haja muito medo
vo e apenas devo crer na realidade das minhas tão cedo: nesta peça. E pouca coragem.
mãos a traçarem letras, sinto que desapareço, Não desistir do medo. Agarrar algo – Mel-
em favor de uma ronda de adolescentes sobre senhora bergmann chior agarrando um ateísmo fáustico, Moritz
um palco. Gostava de perceber como é possí- Não sei o que te dizer. Quem me dera que agarrando a sua curiosidade, Wendla agarran-
vel esse sortilégio do teatro em que o público se tu ficasses assim como és agora! Na tua do uma santidade escandalosa. Agarrar uma
desvanece, e só existe o que nos mostras. O meu idade, outras raparigas são desengonçadas, pequena peça do mundo, uma lente, uma assi-
mundo suspende-se, outro advém. gordas. Tu és o contrário. Quem sabe como natura, um fio de cabelo, e esperar com medo
É bom que haja penumbra. Brecht acendia as serás quando as outras crescerem? o tsunami.
luzes sobre a plateia, para lembrar aos especta- wendla O calço é muito mais pequeno do que o car-
dores a necessidade de questionarem. Sim. Mas Quem sabe... talvez até já cá não esteja. ro, mas conserva-o perante um abismo. O cal-
a verdade é que nenhuma luz se acende real- ço é irrisório, absurdo, quase ridículo. Mas, sem
mente sobre uma plateia: a plateia é um lugar Este displicente não-guardar do suspense é tão ele, qualquer um desliza sem atrito no plano in-
no mundo onde toda a claridade se torna artifí- doloroso! Wendla sabe-se escolhida pela mor- clinado. A personagem, mesmo o niilista Mel-
cio. Mesmo debaixo de uma luz cegante, a pla- te porque deve resgatar a dor dos outros. Figu- chior, tem de escolher um corpo-calço, uma pe-
teia estará sempre obscura. ra crística por excelência, ela obedece à morte quena fé, dizer: disto, desta coisa-de-nada, eu
E quem tiver passado à frente a sua adoles- como a um programa. Desde os primeiros ges- não duvido. Isto é a minha resistência ao mun-
cência, quem a tiver renegado ou vendido por tos a arrepanhar o vestido que sente grande e do. Isto não vem do início dos tempos nem fica
trinta dinheiros – que poderá ver de O Despertar carceral, Wendla desenha um túmulo no ar que para a eternidade, mas pelo menos finca aqui e
da Primavera? Talvez coisa nenhuma. É difícil a cerca. Os seus passos são mais curtos do que agora. Aquilo a que chamo “aqui”, aquilo a que
compreender a volúpia selvagem que aqueles os passos das outras personagens, o seu fôlego chamo “agora”.
adolescentes fantasiam, se tivermos recalcado mais breve. No teatro, o escolhido para a mor- A palavra-calço perante a morte, que nos adia.
mortalmente a nossa própria fantasia. Os com- te, o escolhido pela morte anda pelo palco a re- Tudo o que nos calça no declive infinito.
promissos com o princípio de realidade pagam- colher tudo o que o pode matar, tudo o que seja Mas a personagem não tem apenas um cor-
se caro, chegam a tornar ilegível o desejo dos ou- afiado, pontiagudo, feroz, pestilento, venenoso. po, suspenso no nada por apenas um calço. Uma
tros. Para ver esta peça, é preciso que o público Com o afinco do masoquista. Os Édipos não são personagem fala e de repente ouve dentro da sua
de adultos recue a estádios pré-diluvianos, a vítimas do destino, mas carrascos de si mesmos; paralisia um movimento que lhe chega daqueles
uma escandalosa virgindade. E é claro que nin- se a sorte os poupa, podem sempre colocar mais que o cercam. A personagem diz para si mesma:
guém volta a ser adolescente durante duas horas uma pergunta, até chegarem ao insanável. Em- este não é o meu pensamento. Moritz começa a
de teatro. Não é à adolescência vivida que se re- purrar o destino até um não-retorno. Ou recu- sentir Melchior a pensar dentro de si, mesmo se
gressa; é a uma adolescência mesma-outra, vivi- ar um passo mais, um passo atrás ainda, para o acaba por calá-lo com um tiro de pistola.
da e imaginária, possível e impossível que se – abismo. E é tão fácil abrir um abismo: basta um Como se mostra numa personagem que a sua
Que digo? E se O Despertar da Primavera mos- só pecado para a danação eterna. voz e o seu corpo começam a ser habitados por
trar que pelo contrário ninguém, nem nós, nem Os adolescentes abrem abismos. Às vezes, outras vozes e corpos? Melchior habitado pela
esses rapazes e raparigas, é, foi ou será adoles- cada passo que dão é um abismo escancarado. vida, depois pela morte, depois pelo Senhor Dis-
cente? Se esta tragédia descrever a impossibili- O chão foge-lhes debaixo dos pés, mesmo se é farçado. Como se mostra que, dentro de uma
dade da adolescência? Se nos roubar? Como se também no chão que a intimidade, por exem- voz, outra voz se vai infiltrando? Talvez isso seja
o mundo nos adormecesse crianças e acordasse plo entre Melchior e Moritz, se estrutura. E é a adolescência, o instante da mudança de voz,
10

a perda da identidade. E não o ganho da identi- Há muitas palavras em O Despertar da Prima- so jardim. Ninguém quer saber delas, e elas es- morta. A Primavera é interdita. Literalmente: in-
dade, como tantas vezes se diz; a adolescência é vera que soam necessariamente ao século XIX. tão tão altas e tão fortes...”. Onde se dá a traição ter-dita, dita entre as falas da criança e as falas do
a cisão, a pequena dobra que instaura o múlti- Melchior é belo como Alexandre a receber li- em que todos sucumbiram, ou vão sucumbir? adulto, empacotada, espremida, amassada en-
plo para sempre. E todavia, o múltiplo já esta- ções de Aristóteles – é algo que dificilmente Por um lado, a tragédia cai sobre a cabeça das tre. Dita baixo demais. Depressa demais. Só tem
va no corpo, desde sempre. Como escreve Jean- diríamos. Há também coincidências espanto- personagens como uma lei física sobre os cor- antes ou depois, não durante. E todavia os pró-
Luc Nancy, sas: a permanente recusa de gestos de ternura pos. Logo no início: prios gatos sabem o que ninguém lhes disse.
nos recintos das escolas secundárias. Há deslo- Se o desejo é a palavra indizível, não é por lhe
“O sexo nada faz, precisamente, senão cações de temas; a gravidez indesejada tornou- senhora bergmann: faltar algo, por ser feito do incompleto, por vi-
perturbar o um-em-si: mas este ‘um’ se prevenível com os contraceptivos, enquanto Mas o vestido não está assim tão ver da lacuna. Quem deseja não tem um espaço
não pré-existe ao sexo. Não há nada a transmissão de doenças venéreas, que a peça comprido, Wendla. O que é que tu queres? em branco a preencher: o desejo não é um vazio,
nem ninguém que subsista antes da esquece, se torna a realidade mais cruel. A pí- Que culpa tenho eu se a minha filha cresce mas um cheio palpitante. Não há adolescentes
sexualidade ou fora dela, e esta é um lula banalizou-se, mas o lugar-comum român- cinco centímetros cada primavera? Agora esvaziados, mas transbordantes. O desejo nun-
colocar de parte e em relação que atravessa tico insiste em que a primeira relação sexual és uma rapariga crescida, não podes andar ca pede: dá sempre. “Tenho vontade” não quer
cada ‘um’, desde a origem (que divide não pode incluir preservativos. Muito em We- por aí com um vestidinho de menina. dizer “falta-me algo” mas “estou repleto com a
a origem), tanto quanto passa entre os dekind perdeu premência. Mas a pergunta não minha vontade, ela é maior do que o meu cor-
indivíduos e partilha ou estrutura os é: o que permanece actual em O Despertar da Pri- Tudo o que há de trágico em O Despertar da Pri- po, atravessa o espaço à minha volta como uma
grupos.” (2001: 28-29, trad. minha) mavera? A pergunta deve antes ser: como com- mavera cabe nesta proporção matemática infa- electricidade”. Por isso os adolescentes de We-
preender o que neste texto ainda está por vir? lível: 5 cm / Primavera. Do mesmo modo que as dekind, antes da penúria a que os adultos obri-
A sexualidade, o sex-ionar das secções do corpo e Como lidar com o “datado” desta tragédia? ervas do jardim crescem livre e saudavelmente, gam a traduzir os desejos, têm tanta energia em
dos corpos, os jogos de infância, o alto e o baixo, o Como conduzir essa estranheza sem sucum- segundo Martha, sem que ninguém cuide delas, torno. Abrem as mãos, o desejo jorra.
perto e o longe, o polícia e o ladrão, a culpa e a as- bir a uma recusa do que se tornou inverosímil? também a Primavera tem efeitos mágicos sobre O desejo não é indizível por ser negativo, mas
cese – tudo isso impossibilita a unidade. Por isso Mas o inverosímil acaso não será a melhor fuga Wendla. Mas onde uma adolescente sugere um precisamente pela sua afirmação. Não nasce
a personagem de teatro não pode ser una, nem a um Aristóteles demasiado estrito? Pois o Es- gesto da Providência, a mãe de Wendla adivi- nem surge nem se esgota: transforma-se e tro-
ter uma voz, nem contar uma história; ela está tagirita opina firmemente: “De preferir às coi- nha a perdição. Há portanto uma aritmética do ca-se. Ninguém pode dizer: “o meu desejo come-
cindida e diferente de si mesma desde um início sas possíveis mas incríveis são as impossíveis destino, tão certa como a resolução de qualquer ça aqui” ou “o meu desejo é de –” ou ainda “per-
que também não é a unidade de um início. Mel- mas críveis” (s/d: 1460a). Prefiramos, pelo con- equação no quadro de uma aula de matemática. di todo o meu desejo”, porque ninguém é dono
chior à beira do suicídio é ainda Melchior agar- trário, a um impossível verosímil, uma verdade 5 cm / Primavera: o terror. do seu desejo. Apenas o desejo pode falar, dizer:
rado à vida, Moritz-rapaz incapaz de falar com impossível: a cabeça de Moritz chamando Me- Wedekind di-lo em termos inevitavelmente “este adolescente é o corpo que eu crio”, “esta
as raparigas é também Moritz a quem Melchior lchior para as trevas é impossível. Mas é tam- oitocentistas. Darwin subjaz à escolha da morte paixão sou eu”, “eu sou o decote de todas as da-
chama menina, Wendla condenando-se ao mar- bém a mais verdadeira das verdades. e da vida em Moritz e em Melchior. O Despertar mas de copas”.
tírio é também Wendla excitada. O Despertar da Aristóteles continua, afirmando que “não de- da Primavera refere, imita, reescreve o Fausto de Dito de outro modo:
Primavera transforma assim os opostos em sinó- veriam os argumentos poéticos ser constituí- Goethe. Schopenhauer contamina todas as con- Wedekind, consta, queria que o papel de Lulu
nimos: rapaz = rapariga, punição = prazer, mas dos de partes irracionais; preferível seria que siderações sobre a reprodução. A discussão so- fosse desempenhado por uma actriz inexpe-
para cavar diferenças dentro de cada elemento. nada houvesse de irracional, ou, pelo menos, bre os instintos, entre Melchior e Moritz, quase riente. Não (apenas) para evitar os automatis-
É preciso ler dor na alegria de Moritz, desespero que o irracional apenas tivesse lugar fora da re- decalca O Mundo como Vontade e Representação: mos das actrizes experimentadas. Wedekind
na convicção de Melchior, tentação na santidade presentação” (ibidem). O Despertar da Primave- queria uma actriz que não pensasse. Digamos:
de Wendla. É preciso que também o espectador ra desobedece inteiramente. Acaso há alguma melchior: uma actriz-desejo. Nada lhe falta, sobretudo
se cinda-pulverize, reconheça-estranhe, compre- frase dos adolescentes da peça onde a razão não (...) se fecharmos um gato e uma gata desde não lhe falta o pensamento: ela apenas não se
enda-condene. Porque a unidade é um mito que ande de mãos dadas com a loucura e o sonho? pequenos e os mantivermos afastados de move por ideias, move-se por desejo, move-a o
apenas serve a família, a escola, a igreja e a casa qualquer relação com o mundo exterior, desejo. Ela nem sequer transporta o desejo: ela é
de correcção. O espectador devém. ou seja, se os deixarmos completamente o desejo transformado em corpo de actriz.
E eu, quem sou eu, enquanto estas persona- Rivoli Teatro Municipal, sala de ensaios entregues aos seus instintos, acho que a Podemos acreditar em Wedekind quando
gens se desagregam à minha frente? 10 de Fevereiro de 2004 gata mais tarde ou mais cedo acaba por afirma que esse projecto falhou?
Outros modos de preservar a multiplicida- ficar prenha, apesar de nem ela nem o gato
de: o caminhar progressivo da nudez, da desor- Caro Nuno, terem ninguém que lhes desse o exemplo e “Autenticidade, espontaneidade,
dem e das ruínas. O cunhar do palco pela desar- lhes abrisse os olhos. ingenuidade tinham estado na minha
rumação. Feridas abertas que ficam por sarar. Lembras-te dos Exilados do Joyce? Brigid diz mente como conceitos determinantes
Um sangue transbordante de glóbulos verme- a Bertha: “Está a chorar? Por favor, não chore. Mas se aqui é óbvia a descrição de uma Vontade durante a composição da figura feminina
lhos e brancos, de nutrientes e de oxigénio, mas Ainda virão bons tempos.”, e Bertha responde: que se manifesta no mundo, autónoma e ines- principal. Elaborei um homem mundano,
sem plaquetas. Um jorrar infinito que nunca “Não, Brigid, isso só acontece uma vez. O resto capável, Wedekind escolhe fundir a linguagem cheio de força anímica, de inquebrantável
faz pontes. da vida só serve para recordar aqueles tempos.” de Schopenhauer com a da tragédia, transfor- energia e brutalidade, que fracassa ao
E ainda: as mudanças de vozes. Todos os rapa- (1918: 251). Bertha refere-se aos tempos de na- mar o desejo em culpa, conciliar o inevitável e longo de lutas aventurosas, face a um tipo
zes da peça estão a mudar de voz, ou vão mudar, moro e início do casamento com Richard. Di- o responsável, obrigar as personagens a respon- de mulher primitivo, de aptidões naturais
ou acabaram de mudar. Nem sequer a voz é una. gamos, para todos os efeitos: uma adolescência. derem por aquilo que não podem dominar. Mel­ fora do comum. (...) E que via eu? Lulu era
Uma voz mais grave vai entrando dentro da N’O Despertar da Primavera, Hänschen prediz chior e Moritz não se condenam: são condena- artificial; o Dr. Schön, decadente.” (apud
voz mais fina. E se os castrati, como sugere Pas- singelamente, mas ainda sem sofrimento, uma dos. Pelos adultos, é claro, mas antes de mais Costa 1984: 142)
cal Quignard, em A Lição de Música, preservam ideia semelhante: “Quando pensarmos numa por um desejo que se manifesta neles, que faz
uma voz anterior à sexualidade, a voz feminina tarde como esta daqui a trinta anos, provavel- deles não sujeitos mas objectos. Autenticidade, não estratégia. Espontaneida-
da origem, não restam dúvidas de que essa voz é mente vamos achá-la de uma beleza incrível!”. A matéria trágica é a condenação ao desejo, e de, não projecto. Ingenuidade, não cosmovisão.
um artifício, uma nova fantasia. Mesmo na voz E Martha promete, dentro de uma lógica que não a condenação do desejo. Nestes termos, Melchior dificilmente poderia
dos castrati é ainda a sexualidade que fala. quase parafraseia o Evangelho, “Se eu um dia ti- O Despertar da Primavera. Qual? O que não ser o herói de Wedekind. Talvez Ernst e Häns-
Ainda. Hoje. ver filhos deixo-os crescer como as ervas no nos- desperta nesta peça é a Primavera. Ou desperta chen? Talvez Ilse? Mas durante quanto tempo?
11

E por que não consegue Ilse seduzir Moritz? Antes de Freud, é já uma narrativa sobre o medo mus, chegam a acolher parentes pobres, tiram a preciso copiar. Por exemplo, todo o Livro II de A
Os segundo e terceiro actos terminam no mes- da castração, sobre o falo da Mãe que o Pai am- comida da boca para dar a uma sobrinha aban- Cidade de Deus de Santo Agostinho. Ou Os Espec-
mo dilema, mas com diferentes resoluções. Mo- putou. Claro. Parece ser também uma histó- donada, são rectos, claros, económicos, justos, táculos de Tertuliano. São dois textos impensá-
ritz mata-se apesar de Ilse, Melchior salva-se ria sem pés nem cabeça, quer dizer, que não se limpos, seguros, pontuais, assíduos, mas no ins- veis hoje. E ambos dolorosamente certos. Copio
graças ao Senhor Disfarçado. Quando Moritz constitui como um organismo. Ora, o próprio tante da morte há sempre um avejão que os visi- apenas um excerto do segundo. Depois de cha-
afirma a sua pressa, Ilse convida-o para “Beber Moritz comenta: “Raio de história mais absur- ta para lhes apontar a ridícula inutilidade do de- mar ao teatro “santuário de Vénus” (s/d: 99), Ter-
leitinho de cabra quente! Vou-te frisar o cabe- da! Desde as férias que a rainha sem cabeça não ver cumprido. tuliano acrescenta:
lo e ponho-te um guiso ao pescoço. E ainda te- me sai da cabeça. Quando vejo uma rapariga bo- A Senhora Bergmann não tem tempo nem
mos o cavalinho de pau, para tu brincares”. Ao nita, vejo-a sem cabeça – e imagino-me a mim mudança nem adolescência. Só tem grelhas: o “Toda a assistência a um espectáculo
mesmo tempo, o convite parece estar certo, de- próprio como a rainha sem cabeça... Pode ser que se pode dizer versus o que não se pode dizer. provoca emoções. Onde estoira o prazer
volvendo a Moritz a infância, a animalidade que um dia alguém me dê uma”. Já se sabe que Organiza o mundo de acordo com regras mara- lavra por igual a paixão, que é o sabor do
de bicho-com-guizo, o leite de cabra em vez de ninguém dará uma cabeça a Moritz; pelo con- vilhosas: oposições, ilações. Que nada deixam prazer; e onde surge a paixão aí aparece
uma irrecuperável mãe-de-leite, e parece desas- trário, Moritz perderá a que tem. É importante de fora. É como o Senhor Gabor: quando Mel- a emulação, que é o sabor da paixão.
trosamente errado. Moritz não poderá recupe- que se suicide com um tiro; o Senhor Disfarça- chior deixa de se enquadrar na grelha da timi- (...) Ninguém fica de ferro frio perante a
rar mãe alguma, porque sabe que traiu os pais. do não tem razão ao supor que Moritz também dez e da ignorância, coloca-o noutra grelha: a solicitação do prazer, e o afecto desregrado
Traiu-os ao não conseguir as notas que a esco- se poderia ter enforcado. De resto, já se sabe que da casa de correcção. Existe também uma casa provoca alguma ruína. Os abalos que se
la exige, como alega; mas traiu-os sobretudo ao o Destino não descura os detalhes, tendo inven- de correcção em Lulu: a última fala de O Espírito sentem excitam o afecto.” (ibidem: 105-106)
compreender a sexualidade (aquilo que Wendla tado, meio milénio antes, um certo Berthold da Terra pertence ao estudante Hugenberg, que
quer fazer, mas não pode, Moritz pode fazer, mas Schwarz para descobrir a pólvora. Martha e Ilse, se queixa: “Lá me vão expulsar da escola.” (We- Uns dezoito séculos antes de Bataille, e salva-
não quer...). Moritz mata-se por ter dito o inter- por seu turno, insistem em lembrar que Moritz dekind 1903: 116); e A Caixa de Pandora inicia- guardadas diferenças de axiologia, este texto
dito; a questão escolar é uma falsa pista. Mata-se está enterrado sem cabeça; e todavia é uma ca- se com o mesmo Hugenberg, agora “pupilo de diz, com fulminante certeza, que o teatro é de-
para não avançar no conhecimento da sexuali- beça que fala com Melchior no fim da peça. uma instituição correccional” (Idem 1904: 127). A sejo. E tão violentamente sensual que Tertulia-
dade. Ilse oferece-lhe um reflexo da mãe e a ante- Daí a entender Moritz como o “herói” de O casa de correcção é um sítio colocado no dentro no nem sequer se atreve a um compromisso, in-
visão de uma possível amada, que só pode enca- Despertar da Primavera vai um grande passo. do fora do mundo social. Pertence ao grande en- ventando, por exemplo, um teatro cristão. Sem
minhá-lo para uma traição e um conhecimento Que Jacques Lacan propõe: cerramento, de que fala Foucault em História da imaginar tudo o que a Idade Média faria em ter-
cada vez mais profundos. Moritz recusará o re- Loucura. Ninguém escapa às grelhas. mos de mistérios e autos, Tertuliano sugere ape-
flexo e a antevisão, com um só tiro. Já (se) perdeu “Moritz, no nosso drama, consegue no Tudo o que há de obsceno nesta tragédia está nas que a Paixão e o Juízo Final são os únicos
(d)os pais, mas continua incapaz de completar o entanto ser uma excepção, razão pela qual exactamente do lado das grelhas. O Senhor Ga- espectáculos a que um cristão deve aspirar. E
trabalho de luto. Morre para não o completar. Melchior o qualifica de rapariga. (...) bor diz que Melchior é obsceno, até à medula, aqui, já é em Artaud que penso...
E na última cena da tragédia, quando Moritz O que resta é que um homem faz-se mas aqui só o Senhor Gabor me parece obsceno. Queria só insistir no seguinte: O Despertar da
critica o Senhor Disfarçado por não o ter socor- Homem situando-se como Um-entre- São obscenos a Senhora Bergmann, o Senhor Primavera não é um poema, não é um romance,
rido na noite do suicídio, este responde: “Não outros, por entre (à s’entrer) os seus Stiefel, o Reitor Insolação, os Professores, o Pas- é uma peça de teatro. O desejo das personagens
se lembra de mim? De facto, até ao último mo- semelhantes. tor Barriga-Careca e o Doutor Pirolito. Aqueles não pode deixar de nos rebentar nos olhos, nos
mento, o senhor estava verdadeiramente entre Moritz, exceptuando-se, exclui-se no que instauram grelhas de obsceno versus não- ouvidos. Aquilo que a peça diz e aquilo que a peça
a morte e a vida”. Estas frases dizem, natural- para-além. É só aí que se conta: não por obsceno. faz é o mesmo: o desejo. Nesse sentido, O Desper-
mente, que Ilse não era senão o Senhor Disfar- acaso entre os mortos, enquanto que A Senhora Gabor, respondendo à carta de Mo- tar da Primavera é uma peça sobre o teatro.
çado. Mas a questão passa a ser: por que razão excluídos do real. Que o drama o faça aí ritz, é obscena. Nós, público, acabámos de assis- Não há qualquer mensagem de Wedekind
o Senhor Disfarçado surge como Senhor Disfar- sobreviver, porque não?, se o herói está tir a uma violação, mas o obsceno não está aí; para nós. Não há vitalismo, pré-expressionis-
çado a Melchior (salvando-o) e como Ilse a Mo- antecipadamente morto.” (1974: 132) é na carta ponderada e inteiramente legítima, mo, crítica da sociedade burguesa. Tudo isso é
ritz (perdendo-o)? O Destino nunca foi impar- legitimada, que o obsceno rói. O obsceno tem, secundário. Não há representação, nada se ex-
cial e, se o Senhor Disfarçado sugere que resta A leitura de Lacan é ortodoxamente freudiana: portanto, muitos nomes: o preconceituoso, o prime, nada se comunica. Se uma história de-
aos adolescentes livre arbítrio suficiente para “a rainha poderia bem não ser descabeçada se o inútil, o escandaloso. Eu acrescentaria: o paleio. corre sobre nós, se nos apanha no côncavo da
escolherem a vida ou a morte, a verdade é que rei não lhe tivesse tirado o par normal, de cabe- A carta da Senhora Gabor: paleio, paleio, paleio. onda, isso sente-se nos abdominais, nas artérias.
escolhe criteriosamente o modo como se lhes ças, a que teria direito” (ibidem: 133), episódio Obs-cena: aquilo que, ainda dentro da cena, está Nada é partilhado pelo público, muito menos
apresenta. Dir-se-ia que o surgimento como Ilse invisível na narrativa de Moritz, mas necessá- insuportavelmente a mais. Estar a mais: aquilo um qualquer mundo que tenha existido. Só sen-
serve apenas, afinal, para acelerar o suicídio de rio para a tese da castração da mãe. que fere mais profundamente. timos a rebentação, que nos disputa.
Moritz. Não para o impedir. Ora, disparar um tiro contra a própria cabe- Ainda obsceno: Luís XV. Toda a unidade de um público é uma ilusão
Há, portanto, um certo Senhor Disfarçado que ça permitirá devolver uma cabeça à mãe, ou Obsceno: sessenta versos de Homero. metafísica. Na verdade, só há corpos, e os corpos
se disfarça de Ilse perante Moritz, para o precipi- não confirmará, pelo contrário, a imposição do Obsceno: sete equações. são a separação. Nunca houve união ou fusão,
tar. Quando surge a Melchior, de que se disfarça? Pai? Excluir-se assim do real porque se é inca- A maquinaria dos trabalhos de casa, que faz e apenas isso nos permite o movimento e a di-
Bem, de Senhor Disfarçado. Primeira pergunta: paz de terminar um trabalho de luto – significa do adolescente um adulto. Otto e Moritz recor- ferença. Se uma adolescência deve vir a nós, se
podemos tirar-lhe a máscara? Talvez haja outra heroísmo? rem ao verbo “marrar” para descrever os traba- o desejo pede para nos surgir, nada virá como
máscara por baixo, e mais outra, e nada no fim. lhos de casa. Ora, marrar é bater com a cabeça. ideia, tudo virá como incêndio, dor, prazer.
Segunda pergunta: por que é que o Senhor Dis- Eu diria: o adolescente marra até que a dor de Reinventando a cada instante, no corpo do teu
farçado se disfarça apenas de Senhor Disfarçado, 20 de Fevereiro de 2004 cabeça alienada cubra outro tipo de dor. Como público, uma nova anatomia do desejo.
ao surgir a Melchior? Talvez não haja outra más- aqueles que se mutilam para que o ardor dos Pergunta então ao teu público: e agora, onde
cara possível, perante um adolescente tão niilis- Caro Nuno, cortes faça esquecer e regenerar um sofrimento sentiste?
ta e fáustico. A Melchior não interessa o regresso interior mais forte. Senti o quê?
de um pai nem de uma mãe. Mesmo de Wendla, Nada prova que os adultos já tenham sido ado- Marrando, aprende-se, quer dizer, imita- Não interessa. Onde sentiste? Aponta para o lu-
talvez Melchior se afastasse “com uma indife- lescentes. Um dos adolescentes de Rebel Without se. Aristóteles, de novo: “O imitar é congénito gar no teu corpo.
rença de arrepiar”, como Fausto de Margarida. a Cause di-lo peremptoriamente: “Eles nunca fo- no homem (e nisso difere dos outros viventes, Aqui. ≠
Ao intelectual Melchior interessa somente pes- ram da nossa idade”. Cito de memória e talvez as pois, de todos, é ele o mais imitador e, por imi-
quisar um novo disfarce da vida. palavras não sejam bem estas, mas o certo é que tação, apreende as primeiras noções), e os ho- Textos referidos:
Penso nos restos de uma peça. No que não a “idade” pouco tem a ver com isto. Razão tem mens se comprazem no imitado.” (s/d: 1448b). Aristóteles
s/d ed. ut.: Poética, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da
pede a palavra seguinte nem o gesto seguinte. a Senhora Bergmann, ao dizer a Wendla: “Dizer Certamente, mas os gatos de Moritz sabem o Moeda, 1992.
No que só pode ser interrompido ou abandona- uma coisa destas a uma menina de catorze anos! que nenhuma escola lhes ensinou. Costa, Fernanda Gil
do, no que termina sem terminar. Um exemplo: Estava mais preparada para ver o sol apagar- (E todavia, quando Martha descreve Mel- 1984 “Pandora e os infortúnios do mito. A ‘Lulu’ de
a história da rainha sem cabeça. Nada pede essa se. Eu limitei-me a fazer contigo o que a minha chior dizendo “Imagino assim o jovem Ale- Wedekind, uma viagem entre o corpo e a arte”, in Frank
Wedekind, Lulu. A monstruosa alegoria de Pandora, Lisboa,
narrativa, e nada parece ser precipitado por ela. querida mãe fez comigo”. Perante a filha, que se xandre quando recebia lições de Aristóteles”, Apáginastantas – Teatro Nacional D. Maria II: 137-153.
É um luxo da peça; e todavia é esse carácter de- transforma, a Senhora Bergmann diz uma frase não é verdade que o tal ensino obsceno, tan- Joyce, James
sinteressado que torna tal resto um núcleo duro que é a síntese da permanência e da paralisia: “li- tas vezes inútil, é capaz de pelo menos abrir 1918 Exiles; ed. ut.: Exilados, Lisboa, Livros do Brasil, 1987.
do texto. Releio: mitei-me a fazer contigo o que a minha querida imaginários?...) Lacan, Jacques
1974 ed. ut.: “O Despertar da Primavera”, in Shakespeare.
mãe fez comigo”, como se, entre ser filha e ser Duras. Wedekind. Joyce, Lisboa, Assírio & Alvim, 1989:
“Era uma vez uma bela rainha, linda como mãe, adolescente e adulta, não houvesse qual- 131-133.
o Sol, mais linda que todas as raparigas do quer diferença. A Senhora Bergmann encarna o 5 de Março de 2004 Nancy, Jean-Luc
reino. Só tinha um defeito: tinha vindo ao papel de adulta a ponto de suprimir o tempo. 2001 L’ “il y a ” du Rapport Sexuel, Paris, Galilée.
Quignard, Pascal
mundo sem cabeça. (...) Um belo dia foi A Senhora Bergmann tem razão. Todas as Caro Nuno, 1987 La Leçon de Musique, Paris, Gallimard.
vencida por um rei que, por acaso, tinha suas frases são sustentadas pela dialéctica, pela Tertuliano
duas cabeças que passavam o ano a brigar metafísica e pelo direito. Não dá erros ortográfi- Nesta minha quarta e última carta, gostaria de s/d De Spectaculis; ed. ut.: Os Espectáculos, Lisboa, Verbo,
e discutiam tanto que nenhuma delas cos nem de sintaxe. Quando fala, quase se pode escrever pouco e copiar muito. 1974.
Wedekind, Frank
deixava a outra falar. O feiticeiro-mor apalpar a caligrafia muito redonda a fluir no Gostaria de conversar contigo apenas sobre 1903 Erdgeist; ed. ut.: Espírito da Terra, Porto-Lisboa,
da corte pegou então na mais pequena e ar. É como aquelas personagens de Raul Bran- o seguinte: Dramat-Cotovia, 2001.
assentou-a sobre os ombros da rainha. E, dão que fizeram tudo certo na vida, com um pe- O Despertar da Primavera é uma peça sobre o 1904 Die Büchse der Pandora; ed. ut.: A Caixa de Pandora,
quem diria, ficava-lhe a matar. (...)” queno senão: esqueceram-se de amar. Em Hú- desejo, mas todo o teatro é desejo. E aqui seria Porto-Lisboa, Dramat-Cotovia, 2001.
12

uma
educa-
ção se-
xual
i lus-
trada
Notas sobre os ensaios corridos d’O Despertar da Primavera  π Jorge Louraço Figueira

Passa muita coisa pela cabeça de quem vê um ensaio. As possibilidades estão todas em
aberto e somos empurrados para o meio das questões que a peça levanta. Na noite do
espectáculo, pelo contrário, tudo parece controlado: está-se perante uma obra que
funciona como um relógio. Pela cabeça do espectador passa a pergunta “como é que eles
chegaram até aqui?”. A transformação dos actores em personagens deu-se antes, durante
os meses anteriores à estreia. Agora, as contradições foram exploradas e resolvidas.
13

Antes dos ensaios nos. Particular dos particularismos, o debate da o encenador e, de imediato, os actores repe- por trás delas que é preciso perceber. As perso-
parlamentar sobre o aborto e a “saúde sexual e tem, numa espécie de mantra antes de iniciar o nagens têm de ter consciência dos seus objec-
A tragicomédia da mudança de idade reprodutiva” está marcado para dia 3 de Março, ensaio corrido. tivos. Os espectadores gostam de ver que, para
O Despertar da Primavera é uma peça que abor- escassas horas antes da estreia d’O Despertar da além do actor, a personagem actua com sentido
da assuntos correntes. Mas a ficção dramática e Primavera no TeCA. Portanto, actualidade têm O actor sabe, a personagem não de finalidade.
o teatro são um espaço para os “temas da actu- os temas desta peça com mais de cem anos. Os actores buscam a verdade, mas chamam-lhe
alidade”? Será que este texto não passa de um o “não pensar nisso”; querem reconstituir a ac- O III Acto e os “géneros” teatrais
argumento a favor da educação sexual nas es- Mas outra vez? ção sem perder a espontaneidade nem antecipar Tudo isto culmina no III Acto, “uma peça den-
colas? Não basta o telejornal, os partidos e as A encenação do Nuno Cardoso tem coisas que os factos; estar “desconcentrado” é “ver a cena de tro da peça”: “o III Acto é o mais difícil de en-
conferências de imprensa? Não devia ser arte? a precedem. Em Portugal, O Despertar da Prima- fora o tempo todo”. Uma das dificuldades para cenar: começa com uma cena expressionista,
O que é arte? vera foi encenado por Ricardo Pais, em 1983, no aqueles corpos e expressões faciais é interpre- e logo depois uma naturalista e...”. A dificulda-
TEUC, e por Rogério de Carvalho, em 1992, no tar as reacções e escolhas das personagens como de é dar-lhe coerência estética. Parece que a ac-
Iniciação sexual ilustrada TUM. O Tónan Quito, o F. Ribeiro e o José Álva- se tudo estivesse a acontecer pela primeira vez, ção central explode em todas as direcções. A
Até ao início dos anos setenta, os corpos de ho- ro Correia participaram numa encenação do quando na verdade os actores já têm uma ideia primeira cena é grotesca, ao ritmo da comédia,
mens e mulheres reproduzidos nos livros esco- António Fonseca para o Quarto Período – O do fechada dos protagonistas. As personagens an- uma das “coisas mais difíceis de fazer”. “São cro-
lares não tinham órgãos genitais, vem no Públi- Prazer. É uma peça que é familiar a grande parte dam em busca de resolução para os seus proble- mos. Gárgulas para nos vermos a nós mesmos.”
co de 22 de Fevereiro. A sexualidade era tabu nos das pessoas que vão ao teatro. Ela vai para a for- mas, mas ela só acontece no acto final. É crucial O Nuno Cardoso dá um exemplo de um profes-
estabelecimentos de ensino e a reprodução hu- ja no TeCA, mas foi começada antes de passar a não confundir aquilo que a personagem sabe sor da Universidade de Coimbra. Na segunda
mana não era reproduzida nos manuais. Eram Entrada dos Artistas, teve parte da origem nou- no fim da peça com aquilo que sabe antes ou cena “o registo é ibseniano”. É uma cena de fa-
proibidas e consideradas obscenas as ilustra- tros espectáculos e pode ser alinhada ora con- a meio. Na cena final, a escolha entre a vida e a mília, de jogo do casal. Será a encenação um bri-
ções do corpo, exactamente aquilo que, na cena tra, ora na esteira dessas produções. morte tem de acontecer, apesar de sabermos que colage de realismo e simbolismo?
1 do III Acto, “atenta contra a ordem universal” Melchior escolhe a vida. Ou talvez por isso mes-
defendida por pais e professores, e se torna na mo: o que se quer é reviver a dúvida e a decisão. Amigos imaginários
prova material da condenação de Melchior. Durante os ensaios As histórias de seres fantásticos e monstros
O que as personagens d’ O Despertar buscam é Notas aos actores imaginários dão-nos uma pista para compre-
precisamente a explicação, a imagem, a experi- Entrada dos Artistas Como noutra actividade profissional qualquer, ender a imagem que os protagonistas têm dos
ência, e o conhecimento da sexualidade; procu- Cruzando o palco em bicos dos pés, tropeçando a gíria do meio é algo cifrada. “Nesta cena inte- adultos e as crenças a que ainda estão sujeitos.
ra-se tudo o que lance luz sobre os actos sexuais. nos degraus da plateia, às voltas nos bastidores ressa-me a respiração, não o texto...”, diz o ence- Tudo tem proporções desmesuradas. A peça as-
Focar essa luz é interdito, sob pena de repressão – enquanto as pessoas tentam trabalhar –, an- nador; noutra ocasião fala-se na “administração senta em visões distorcidas das situações, vistas
por parte dos adultos e de provocar um senti- dam umas pessoas pelo TeCA a registar o pro- do texto” e nas “pausas”; no “tom da persona- do ponto de vista dos miúdos, um ângulo a par-
mento de culpa nos adolescentes. Mal ilumina- cesso de preparação dos espectáculos. gem” e na “pulsão interior”; em “contenção”, tir do qual se acentua a assimetria entre os adul-
da, a sexualidade é fonte de falhas e frustrações “explosão”, “entrar a abrir”; diz-se que é preciso tos e as crianças, e que é aparentado com os delí-
cujas consequências são devastadoras para as Geração X, Y, Z... mais “ritmo” numa cena, noutra deixar “fluir”. rios típicos dos adolescentes. Talvez por isso as
personagens. Deste ponto de vista, o esclareci- Salta à vista, quando se passa nos bastidores, a São categorias um pouco vagas para quem está cenas entre adultos sejam “naturalistas”?
mento ou a ocultação dos actos de natureza se- média etária desta primeira produção de raiz. É de fora. Nestes casos não adianta muito só ver
xual são os dínamos do enredo. Poder-se-ia di- feita por um elenco mancebo, ainda há pouco os ensaios, é preciso experimentar para per-
zer que a “ilustração” da sexualidade é uma das saído do universo implacável da adolescência ceber. No último a que assisti ainda faltava Depois dos ensaios
principais chaves de leitura da obra. directamente para a geração de adultos que cul- “alma”... Sugeri que talvez se resolvesse com a
tiva a eterna juventude... Será este espectáculo presença do público. Mas não, é com trabalho, Dores de crescimento
Moral da história uma confirmação, o culminar de uma inicia- disse o encenador. O Despertar da Primavera denuncia os “maus da
De um modo esquemático, quanto mais tardia- ção, como acontece com Melchior no fim d’O fita” e oferece uma saída redentora para a per-
mente são informados dos factos da vida, mais Despertar da Primavera? Mas que estão eles a fazer no palco? sonagem principal. Na peça é feito um retrato
infelizes são os nossos três protagonistas. Wen- In-yer-face theatre? da insegurança, inexperiência e perplexidade
dla, a quem a Mãe resume os mistérios da re- Encarnar personagens O método de trabalho assenta na improvisação, dos jovens perante a puberdade. A redefinição
produção dizendo apenas que para ter filhos é Quando entro na sala e olho para o palco, a pri- e na busca de um estilo de teatro de choque, se- da identidade pessoal e da relação com os ou-
preciso “amar um homem”, engravida e morre meira sensação é que os actores estão numa es- melhante ao “in-yer-face theatre” dos anos no- tros é cheia de dores de crescimento. A apren-
na sequência de um aborto. Moritz, aterroriza- pécie de recreio, a ‘brincar’: correm, caem, têm venta britânicos, do qual Sarah Kane é uma dizagem sexual é feita a custas próprias, repleta
do com os adultos e as transformações no seu cordas com que se amarram, dão porrada uns das principais figuras. O encenador diz: “Estou de crenças e meias verdades. O retrato bate cer-
corpo, não resiste à tentação suicida. Melchior, nos outros... Na verdade estão “a procurar a ‘ac- mais perto da Sarah Kane com isto do que com to com o real.
inexperiente mas conhecendo o suficiente para ção’ no texto”, diz o encenador: procuram mo- o Mayenburg”. É característico deste “género” Durante a acção dá-se o despertar da consci-
editar uma “composição” sobre “o coito” com vimentos, gestos e actos físicos que correspon- pretender confrontar o público e invadir o espa- ência de si e do outro; Melchior ganha a capa-
ilustrações “em tamanho natural”, é salvo in ex- dam às falas prescritas. A distribuição de papéis ço pessoal do espectador, através de palavras e cidade de se distanciar das próprias acções e de
tremis, depois de fugir do reformatório, por uma tinha sido feita há dias e parecia que era mesmo de imagens extremas, da franqueza de emoções, lidar com as consequências (inesperadas) dos
misteriosa personagem disfarçada. isso, uma distribuição de papéis: eles andavam de “cenas a rasgar”, e do questionamento das seus actos.
Wedekind reservou os momentos de felici- cada um com as suas folhas na mão. normas morais. Em relação à cena de sexo entre
dade erótica para Hänschen Rilow, que “já sa- Melchior e Wendla, por exemplo, o encenador Se eu morresse ias ao meu funeral?
bia de tudo pela governanta” e “não consegue A cena instável diz que seria errado encená-la com “um pendor Ao pôr em cena o suicídio, Wedekind põe em
esconder que teve uma educação esmerada”. Nos ensaios os corpos dos actores são (excepcio- ‘estetizante’” ou representá-la “metaforicamen- cena as fantasias suicidas típicas da adolescên-
Ele é o sublime masturbador iluminado que nalmente) precários e tudo é sujeito a um con- te”. Procura-se então uma interpretação realis- cia. O Despertar tem diversos relatos e menções
cita Shakespeare de cor e se excita com nus re- senso apenas provisório. Isto prende-se com o ta, é isso? Mas nesse caso onde está o estilo “in- de delírios mórbidos que são considerados uma
nascentistas; o hedonista que sabe apreciar o método escolhido: improvisar movimentações yer-face” na cena da masturbação? Só no último das marcas da adolescência. Essas fantasias de
melhor da vida; a personagem secundária que e posturas que lhes sejam “naturais”, fazer isso ensaio perceberei isso. morte talvez tenham sobretudo a ver com a
dá um ponto de fuga ao desenrolar da tragé- primeiro, ao invés de lhes impor uma coreogra- morte social e o renascimento simbólico pró-
dia. Pondo entre parêntesis os passos do enredo, fia prévia. A mesma estrutura de improvisação Dilemas prios da mudança que está a ocorrer durante a
vem ao de cima uma espécie de “moral da histó- é mantida durante vários dias. “Sejam preci- A cena de sexo entre Melchior e Wendla, no pa- ficção. Por isso a cena final é passada num cemi-
ria”, dada pela relação directa entre a ignorân- sos. Não foi isso que combinámos”, diz o ence- lheiro, é uma violação ou uma desfloração? É tério onde se faz a distinção clara entre quem
cia e o fim infeliz que cada personagem tem; e é nador. Associada à busca de acções físicas está consentida? Dá-lhes prazer? Acaba bem? Foi só passa à idade adulta e quem fica de fora.
por serem inocentes que o destino delas é trági- a memorização de estados de espírito. Os acto- daquela vez? As respostas a estas perguntas são
co. A reprodução social da repressão, do precon- res buscam situações de “crise” que possam fi- cruciais para os actores saberem os passos a dar. O despertador da primavera
ceito e da culpa devia ser interrompida aqui. xar e despoletar mais tarde; “pequenas crises, O difícil é fazer as personagens autênticas, com O desfecho da peça é alegórico, com personifi-
que se gravam, depois de um clímax”. Durante emoções e pensamentos contraditórios ao mes- cações das forças em conflito no interior do pro-
Mas era mesmo preciso fazer esta peça? essa fase, porém, tudo o que se decida fixar tem mo tempo. Para vermos a sua hipocrisia, os pro- tagonista – as figuras do companheiro morto e
Com a pornografia passando na sala de estar e de ser respeitado ao detalhe. fessores têm de ter atracção e repulsa pelos ca- de um Senhor Disfarçado. Será esta a imagem
as revistas internacionais femininas oferecen- sos de Melchior e Moritz. Os protagonistas têm do Melchior adulto? A materialização do prin-
do mapas para o ponto G, talvez custe ter sim- O corpo em branco de ter medo e coragem, pena de si próprios e or- cípio de moderação (entre o dever e o querer)?
patia pelo drama de uns adolescentes à toa, Parece que há um horror dos actores ao espaço gulho... A mãe tem de estar dilacerada entre O encenador diz: “O Senhor Disfarçado é o bom
abandonados pelos mais velhos às sortes da vazio, uma angústia do corpo em branco, que os os princípios dela e os factos que o marido lhe senso, ‘a vida continua’...”, “o mesmo e o oposto
puberdade. Mas todas as semanas o consultó- apressa a fazer coisas. O encenador diz: “A repre- apresenta. As cenas são difíceis de fazer porque da Ilse”, a rapariga que faz o elogio da vida mes-
rio sexual da popular revista Maria responde sentação tem de ser natural; não podem esticar se exige aos actores que as interpretem a uma mo quando ela nos dá para trás. ≠
às aflições postais de anónimos cuja inocência as frases...”. O que acontece por vezes é que o ac- velocidade estonteante, e com várias pistas de
sentimental e ignorância anatómica faz rir às tor “sai” da personagem e prolonga as palavras, pensamento. O problema é “como fazer as duas
gargalhadas o caro leitor. Este é o país que fica com a intenção de simular uma emoção e inten- coisas”, diz o encenador.
sempre nos lugares de topo das estatísticas da sificá-la. Acaba por tocar falsamente essa nota Como se isso não bastasse, as palavras que-
gravidez adolescente e dos abortos clandesti- emocional. “Oralidade e intensidade”, recor- rem sempre dizer outras coisas, têm sentidos
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o que é que eu
pensava acerca
disso
π Frank Wedekind

Comecei a escrever sem qualquer plano, com a intenção de escre-


ver o que me desse prazer. O plano surgiu depois da terceira cena
e baseava-se em experiências pessoais ou de colegas de escola.
Quase todas as cenas correspondem a casos autênticos. Até mes-
mo a frase “O rapaz não era meu”, que me censuraram como um
exagero crasso, era verídica.
Enquanto trabalhava, tive a preocupação de não deixar que se
perdesse o humor em nenhuma cena, por mais séria que ela fos-
se. Até à encenação de Reinhardt a peça não passava de pura por-
nografia. Agora resolveram reconhecê-la como a mais seca das
doutrinas. Continuam a não querer encontrar-lhe qualquer hu-
mor. Repugna-me terminar a peça entre os adolescentes, sem que
seja possível conhecer a vida dos adultos. Foi por isso que incluí
na última cena o Senhor Disfarçado. Como modelo para Moritz
Stiefel saído da campa – a encarnação da morte – escolhi a filoso-
fia de Nietzsche.

Frank Wedekind (1890-91) – Texto extraído de um conjunto de ensaios


reunidos sob o título genérico Was ich mir dabei dachte (O que é que eu pensava
acerca disso), in Prosa, Dramen, Verse. München: Drei Masken, 1960, pp. 942-43.
Trad. Anabela Mendes. In Teatruniversitário. Coimbra: Teatro dos Estudantes da
Universidade de Coimbra. 1983, nº9.

Permita-me ainda começar por lhe chamar a atenção para uma


coisa. Aqui em Berlim só me foi permitido assistir ao décimo en-
saio e deparei-me então com uma verdadeira e viva tragédia, nos
mais altos tons dramáticos, de que o humor estava completa-
mente ausente. Fiz então todos os possíveis para valorizar o hu-
mor, muito particularmente na figura de Wendla, em todas as ce-
nas com a mãe, incluindo a última; tentei dar relevo ao intelectual,
ao ligeiro e esbater o apaixonado, mesmo na cena final no cemi-
tério. Acho que a peça é tanto mais aliciante quanto mais indefesa,
luminosa e risonhamente for feita. Sobretudo o monólogo de Moritz
no fim do segundo acto, a quem deixei falar alegremente até ao
fim da cena. Acho que a peça entoada trágica e apaixonadamente
pode, com toda a facilidade, tornar-se repulsiva.

Frank Wedekind (1906) – Carta a Fritz Basil. Trad. Anabela Mendes. In


Teatruniversitário. Coimbra: Teatro dos Estudantes da Universidade de
Coimbra. 1983, nº9.

Será que há vinte anos atrás a crítica entendeu o meu Desper-


tar da Primavera? Infelizmente ainda hoje continua a ignorar a
mais pequena partícula de humor, que deixei conscientemente
visível em todas as cenas, salvo uma. Esta falta de compreensão
gostaria, no entanto, de a não imputar tão declaradamente a es-
tes senhores. Um velhaco fez mais do que pôde. O que é que eles
podem fazer contra a horrível falta de humor que nos deixaram
em herança os nossos escolásticos naturalistas? Dizia-me um cé-
lebre magnata do teatro berlinense, a propósito do meu teatro,
que o público só podia rir quando do polaco viessem as gargalha-
das indicadoras desse riso. E o humor com que impregnei o meu
Despertar da Primavera produziu até hoje tão pouco impacto jun-
to do público como da crítica. Durante dez anos, de 1891 até 1901
aproximadamente, a peça passou, em geral, por uma obscenida-
de inaudita, exceptuando-se uma minoria que a soube apreciar.
Mais ou menos desde 1901, sobretudo desde que Max Reinhardt
a levou à cena, ela passa a ser encarada como uma tragédia fu-
riosa, frívola, como uma peça de tendência, como um manifes-
to ao serviço do esclarecimento sexual, ou ainda não sei por que
mais baboseiras próprias da pequena burguesia pedante. Ficarei
espantado se chegar a ver o dia em que finalmente entenderão
esta obra, tal como a escrevi há vinte anos: uma imagem radian-
te da vida a que procurei fornecer em cada cena separadamente a
maior quantidade de humor possível. Como peripécia do drama,
e por causa do contraste, só apresentei uma cena donde o humor
estava ausente: a do senhor e da senhora Gabor discutindo o des-
tino do filho. Aqui, posso dizê-lo, deveria suspender-se o diver-
timento. Inspirei-me na cena da primeira parte do Fausto: “Dia
sombrio, no campo”.

Frank Wedekind (1908) – Excerto de “Oaha, a Sátira das Sátiras”, extraído


de um conjunto de ensaios reunidos sob o título genérico Was ich mir dabei
dachte (O que é que eu pensava acerca disso), in Prosa, Dramen, Verse. München:
Drei Masken, 1960, pp. 963-64. Trad. Anabela Mendes. In Teatruniversitário.
Coimbra: Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra. 1983, nº9.
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que fazer com a vida


π Vasco Tavares dos Santos*

1.  Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade 3.  A teoria do desenvolvimento psicossexu- da dispersão de identidade. No grupo, o jovem Um pouco antes, Wedekind interrogou a for-
(1905) de Freud1 foi escrito quinze anos depois al é central no freudismo e a sexualidade cons- ensaia-se nos outros e com os outros, através do ça das solidões.
de O Despertar da Primavera de Frank Wedekind. titui-se como base sobre a qual se edifica o psi- jogo de identificações projectivas cruzadas, em Adolescentes sós, pais sós. Dificuldades de
Trata-se de uma antecipação de sílex, luminosa quismo. que cada um se reconhece um outro aceitando entrada em cada um dos mundos. Fazer coisas
visão, de problemáticas angulares à criação psi- Freud, nos Três Ensaios, chegou às seguintes do outro as suas projecções. Facilitando assim a erradas por razões certas.
canalítica. conclusões: “As preocupações e actividades se- aquisição de uma identidade fluida e a maleabi- “Os montes a arder, as uvas a caírem-nos na
Nathaniel Hawthorne escreveu que o mundo xuais são um fenómeno omnipresente no iní- lidade das identificações projectivas revigora- boca e o vento da tarde a roçar-se pelos rochedos
deve todas as suas criações a homens inquietos, dado cio da infância, e alcançam um crescendo no das e flexibilizadas pela riqueza das permutas como um gatinho a enroscar-se em nós.”
que ao homem feliz bastam os antigos limites. auge do complexo de Édipo, entre os três e os grupais” (Dias, 1995).5
Wedekind foi um homem – um autor – in- cinco anos de idade. Esta sexualidade é essen- Segundo momento de separação-individu- 8.  O Despertar da Primavera, tragédia, retrata si-
quieto, como Freud, atravessados, ambos, por cialmente polimorfa e perversa com uma cres- ação, o despertar da primavera não é mais que bilinamente o mal-entendido permanente en-
uma vitalidade intensa e pelo esplendor do génio. cente concentração nos genitais. O período de um redespertar integrativo do despertar infantil, tre a confrontação do desejo do sujeito e o dis-
A peça, agora em palco, foi comentada por S. máximo conflito é seguido de um período de anunciando no seu fim a viabilidade do homem curso do Outro, ou, por outras palavras, o da
Freud e seus pares. Jacques Lacan,2 entre mui- relativa latência dos impulsos sexuais, o qual é individual e a capacidade de estar só. elaboração da castração.
tos outros psicanalistas, dedicou-lhe também interrompido na puberdade pela erupção liga- Se o neurótico teme realmente alguma coi-
uma exemplar atenção. Esta obra clássica man- da à maturação do órgão de reprodução” (Melt- 5.  Para Melanie Klein a mente humana é um sa, explica Freud, essa “coisa” diz respeito à cas-
tém uma actualidade literária, política e poéti- zer, 1973).4 teatro interno, com personagens em relação e tração do Outro, ou seja, ele teme que a falha no
ca. Permanência pura. Para além da introdução do conceito de narci- conflito entre elas, do qual deriva um signifi- Outro implique a sua não sustentação como su-
Há um sentimento de beleza neste drama, sismo, as ideias gerais de Freud sobre a sexualida- cado que é levado ao mundo externo e às rela- jeito (Alberti, 2002).7
algo catastrófico, como uma ferida próxima do sol, de infantil permaneceram coerentes e constan- ções externas.
que nos torna cúmplices do pudor fundamen- tes em toda a sua obra. O mundo interno é um lugar real de vida. 9.  Noite clara. Ouve-se o sussurro da folhagem seca.
tal de todo o ser. A sexualidade infantil, o bi-fasismo sexual, a Wendla a crescer cinco centímetros cada prima-
Deve ser por isso que é tão representada. Tão instauração de uma diferença entre sexualida- 6.  Em O Despertar vemos, com claridade, as vera. Um vestido de menina, mãe! E Moritz, ex-
representada. de biológica e psicossexualidade são descober- problemáticas nucleares da adolescência: cluído, na sua ingenuidade angelical. Que dizer
tas capitais com impacto decisivo na lei, na mo- · Construção, conflito e experiência da identi- da demência moral de Melchior? Ah, o coração a
2.  Pensar a juventude é pensar antigo. Platão ralidade, na religião, na educação e na arte. Tão dade; martelar. As raparigas.
devotou o livro III da República à educação da importantes que, por vezes, nos esquecemos da · Problemática dos lutos; Um vento morno a varrer os montes.
mocidade. Aristóteles, na Retórica, descreve a na- sua importância na banalidade espectacular · Tendência grupal; De todos o fenos, o fogo!
tureza do jovem como sendo impulsiva, impre- contemporânea. · Necessidade de intelectualizar e fantasiar; A Senhora Gabor diz: “Está ardendo”. ≠
visível, apaixonada e intolerante à crítica. E tam- · Crises religiosas;
bém Shakespeare e Rousseau e também Goethe 4.  Quando falamos de adolescência não fala- · Deslocamento temporal, onde o pensamen- * Membro da Sociedade Portuguesa de Psicanálise
e Gide todos se preocuparam com a juventude mos de um grupo de idade, mas sim da descri- to adquire características de pensamento Bibliografia:
nas suas obras. ção metapsicológica da organização da personali- primário; 1 Freud, S. (1905). Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade.
A adolescência, porém, apenas foi reconheci- dade típica desse grupo de idade. · Evolução sexual manifesta; Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas
da como um estádio da vida no final do século Como afirma Donald Meltzer, o retorno na · Atitude social reivindicadora; Completas de Sigmund Freud, CD-ROM (1969-80). Rio
de Janeiro: Imago.
XIX e foi só, nesta altura, que este grupo se con- adolescência dos processos de divisão inter- · Contradição nas manifestações da conduta, 2 Lacan, J. (2001). “Préface à L’éveil du printemps”.
substanciou claramente separado do resto da na características do bebé e da criança peque- dominadas pela acção; In Autres écrits (pp. 561-562). Paris: Seuil. Original
população dentro da sociedade industrial. na (incerteza em relação às diferenças entre in- · Separação progressiva dos pais e constantes publicado em 1974.
Uma outra razão para que as ideias de está- terno e externo, adulto e infantil, bom e mau, flutuações de humor e de estados anímicos. 3 Chudacoff, H. P. (1989). How old are you? Age
Consciousness in America Culture. New Jersey, Princeton.
dios de vida e tempo no desenvolvimento hu- masculino e feminino) requerem uma externa- 4 Meltzer, Donald (1973). Sexual States of Mind. Clunie
mano progredissem tão devagarosamente ra- lização na vida grupal para que o sujeito possa 7.  O primeiro livro que tratou directamente Press, Londres.
dica na dificuldade de se atender ao conceito de lidar com as ondas de desejo genital em todas as a adolescência foi o de Stanley Hall, em 1904.6 5 Dias, Amaral (1995). (A)-Re-pensar. Porto: Afrontamento.
tempo, o que foi facilitado pela era industrial, suas formas infantis, polimorfas e perversas, pou- A adolescência é vista, pelo autor, como um 6 Hall, G. S. (1904). Adolescence. Psychology and its relations
with physiology, antropology, sociology, sex, crime, religion
quando os relógios começaram a entrar nas ca- co modificáveis pelo Eu adulto e pela identifica- período marcado por um turbilhão emocio- and education. New York.
sas (Chudacoff, 1989).3 Os médicos e educado- ção projectiva. nal talvez por causa da maturidade sexual que 7 Alberti, Sonia. (2002). O Adolescente e seu pathos. Psicol.
res passaram então a interessarem-se mais pe- “O grupo permite ao jovem não só uma apro- se afirmava e se confrontava com proibições USP vol. 13, nº 2, São Paulo.
los estádios da vida. priação da crise de identidade, como o protege sociais.
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uma nota sobre a peça*


π Edward Bond (1974)

O Despertar da Primavera é em parte sobre o professores envolvem-se em contendas triviais; cer como ratos de laboratório se sentam peran- de Wordsworth) que deus criou os pobres para
abuso de autoridade. Todos os homens adul- têm medo de questionar algo de mais impor- te botões que podem desencadear a destruição a educação moral da humanidade, assim como
tos na peça têm profissões liberais (à excepção tante. Encontram a satisfação no sofrimento nuclear. criou os leprosos para que os santos tivessem
do serralheiro e de Saca-Logo). São membros próprio ou no dos outros. Este conflito é inter- Este tipo de disciplina é sinónimo de estupi- chagas para beijar.
de instituições que fazem parte do Estado, ba- minável porque eles estão em guerra consigo dez. Ocultamos o facto falando de “autodisci-
seiam o seu trabalho no etos estatal e ensinam mesmos. Têm de se autodestruir, ou de criar no- plina” e da liberdade como “o conhecimento da A peça não está ultrapassada. Assume maior
as suas doutrinas. O juiz é um sádico verbal, o vos inimigos. São homens autoritários típicos: necessidade”, o que, numa sociedade mais des- relevância à medida que os nossos exércitos se
médico um charlatão, o director do reformató- dissimulados, aduladores, autómatos servis pe- trutiva que criativa, é certamente falso. Nesta tornam mais poderosos, as nossas escolas, pri-
rio um partidário da filosofia oitocentista de rante os seus superiores e tiranos mesquinhos, sociedade, autodisciplina significa que a coer- sões e bombas adquirem maiores dimensões e
“brutalidade e cristianismo” e os professores vingativos e tacanhos para aqueles que estão ção é exercida pelo indivíduo sobre si mesmo, os nossos meios de impor disciplina se tornam
máquinas de factos que promovem intrigas sujeitos à sua autoridade. Na verdade, estes nem ao invés de se pagar a um funcionário para de- eles próprios mais disciplinados e mais dissi-
mas não sabem pensar. A sua ineficiência en- chegam sequer a “existir” para os autómatos, sempenhar esse papel. Não se trata de auto- mulados, sem que o nosso autoconhecimento
quanto seres humanos envolve a sua ineficiên- que são incapazes de os ver com imaginação. E responsabilidade. A auto-responsabilidade se desenvolva na mesma medida. O objectivo do
cia enquanto funcionários e vice-versa – razão se os superiores decidem que os mais pequenos assenta sobretudo no entendimento moral, de- sistema de educação retratado na peça é impe-
pela qual os Estados autoritários são ruinosos e devem ser ainda mais explorados, ou extermi- finindo até as suas certezas por meio de interro- dir as pessoas de fazerem perguntas. É também
acabam por desmoronar-se. nados, os autómatos cumprem as ordens. Con- gações. Nenhum ser humano pode abdicar des- essa a base da sociedade de consumo. Consome
A nossa sociedade é altamente ineficiente; o centram toda a sua imaginação naqueles que es- ta responsabilidade em benefício da disciplina. mais e não perguntes o quê ou onde ou porquê.
Estado moderno, científico, industrial é prova- tão acima de si, e vivem num mundo mental O que não significa que não possa cooperar. De É possível que pareça existir uma grande dife-
velmente a cultura mais ineficiente que jamais rico e intrincado, no qual ou glorificam os seus facto, só assim a cooperação pode ser eficiente. rença entre a sociedade de Wedekind e a nossa.
existiu. Qualquer pessoa que tenha trabalhado superiores ou os acusam secretamente de uma Por muito subtil que seja, a disciplina imposta Existe, de facto, uma diferença ao nível da técni-
numa repartição pública sabe que os funcio- extravagante e contínua malícia e tortuosidade. pela autoridade é sempre ineficiente. Desperdi- ca. A nossa sociedade é mais eficiente e substi-
nários passam tanto tempo quanto o possível É este o carácter dos servidores do fascismo. O ça energia e impede a iniciativa. tuiu a força bruta pelas compensações do con-
a evitar o trabalho e a devanear. E os operários mal é tornado metafísico para que não seja ne- As pessoas disciplinadas baseiam sempre os sumismo. Porém, mesmo estas são sustentadas
fabris que cumprem as suas minuciosas opera- cessário combatê-lo. O louvor e a censura tor- seus juízos nas aparências e são instruídas não pela força. O conforto é apenas aparente, o futu-
ções mecânicas fazem-no não por um acto de nam-se a mesma coisa, já que o medo paralisou apenas para fazerem o que lhes mandam, mas ro permanece incerto. As pessoas são apoiadas
vontade ou prazer, mas apenas porque a cor- a acção. Os simples e brutais factos da explora- também para acreditarem que querem fazê-lo. e encorajadas, mas, quando isto fracassa, con-
reia transportadora os força à actividade. Tra- ção e da coerção são ignorados. Algumas crianças tentam escapar a esta disci- tinuam a ser coagidas. A indústria tecnológica
ta-se obviamente de um uso ineficiente dos se- São estes homens que tornam as guerras pos- plina. As crianças mais vivas e inteligentes são moderna proporciona muito pouca seguran-
res humanos e conduz a uma ineficiência ainda síveis. São os meios da guerra, se não mesmo a frequentemente consideradas as menos capa- ça. O Estado e o comércio tornaram-se uma má-
maior – ao colapso da vida pessoal e social. Nes- causa. O assassínio e o suicídio dos jovens de zes pelos professores. Moritz não é tolo; conse- quina interligada que deve ser mantida em fun-
te tipo de trabalho não existe recompensa hu- O Despertar da Primavera chocam-nos. Mas e gue ver além da superfície – já de si, uma qua- cionamento a todo o custo. Os indivíduos não
mana, apenas salários – o que não constitui quanto àqueles que sobrevivem? Se situarmos lidade socialmente indesejável. Porém, não é podem regressar ao ambiente natural quando
uma compensação aceitável para uma vida de a peça no virar do século XX, podemos imagi- forte. Refugia-se em fantasias e sonhos. A es- a sociedade se lhes torna inaceitável, como fa-
cativeiro industrial. A fábrica moderna escravi- nar que esses morreram na I Guerra Mundial tes chama-se poesia, e seria desumano negá- ziam os inadaptados das sociedades feudais ou
za os trabalhadores. É concebida para utilizar a – ao que se chamava heroísmo. Uma sociedade los a um prisioneiro. O perigo é que, ao invés de primitivas, pelo menos durante algum tempo.
maquinaria com a máxima eficiência possível com heróis militares pode sobreviver? Quando os utilizar como conforto privado para as suas A máquina-total é o ambiente. Na nossa socie-
– no mais estrito sentido mecânico –, mas usa Kennedy saiu do confronto com Cuba sem utili- angústias, Moritz cria uma realidade de fanta- dade, a autonomia dos inadaptados é na verda-
os seres humanos com uma ineficiência qua- zar armas nucleares, alguns dos militares ame- sia. No Acto I, cena 4, não é verdade que ele te- de a autonomia dos parasitas, e o sistema está
se total. Os seres humanos não foram mental- ricanos lamentaram o facto. Este é apenas um nha passado no exame – ainda. Mas é verdade organizado de modo a que os parasitas subsis-
mente, fisicamente ou emocionalmente conce- exemplo extremo da presente crise na relação que podia ter fugido – pelo menos tanto quan- tam à custa dos pobres e não dos ricos.
bidos para vigiarem máquinas, muito menos entre a força e a política. No passado, a segu- to Robert ou qualquer outro aluno. De modo si- O único propósito da nossa sociedade é man-
quando essas máquinas pertencem a outros. É rança de um Estado dependia da sua capacida- milar, a autoridade corrompe a arte e afasta-a da ter a máquina-total em funcionamento. As as-
certo que podem adaptar-se a muitas situações; de de controlar o exército do inimigo; actual- realidade. O pessimismo ineficaz que Moritz pirações humanas são sacrificadas a este impe-
porém, se forem extremas e não compensado- mente depende da sua capacidade de controlar descreve na última cena – sonoro, desencanta- rativo mecânico. Encontramos exemplos disto
ras, as adaptações necessárias conduzem à irra- o seu próprio exército. E que dizer do herói ci- do, sorrindo serenamente perante as tragédias em toda a parte. Por que razão um pai de famí-
cionalidade, ao nervosismo, à doença. Assim, as vil? Numa sociedade tecnológica tudo depen- e absurdos do mundo – possui grande respei- lia trabalha numa fábrica de bombas que des-
fábricas são constantemente encerradas devido de da conformidade à rotina, tanto no trabalho tabilidade académica. É o lugar-comum de que troem outros pais de família como ele? Não
a greves e embaraçadas pelo abrandamento vo- como no lazer. A glorificação do herói de TV pu- os poetas escrevem para a posteridade – algo de tem sequer o incentivo de aumentar os seus di-
luntário do ritmo de produção e por disputas de ritano, religioso, patriótico e respeitador da lei tão possível como fazer a barba perante um es- videndos. Será que não possui sentido moral? A
demarcação. Não existe sequer uma boa razão – o modelo ideal das comissões de vigilância e pelho que ainda não existe. É Auden afirman- questão é bem mais complicada. Na realidade,
para tentar cooperar, já que tanto os luxos como dos que fazem campanha em favor da censura do que toda a poesia esquerdista dos anos 30 que mais pode ele fazer? Ou aceita o trabalho
as seguranças mais elementares são açambar- – é um incitamento ao banditismo, à violência não salvou um único judeu das câmaras de gás. disponível ou a sua família viverá na pobreza
cados pelos exploradores. Verifica-se por toda e à desordem civil. De que outra forma podem Uma atitude que pode ser imediatamente de- – talvez não com fome e frio, mas numa po-
a sociedade o mesmo tipo de irracionalidade e os culturalmente destituídos imitar a iniciativa nunciada como falsa. breza mais profunda, a pobreza cultural que dá
doença que dá origem ao crime e à violência. Es- do herói público, de que outra forma podem su- Melchior é ainda pior que Moritz: é um rapaz origem ao crime, aos maus-tratos infligidos às
tes constituem sinais de alarme. Quando o alto primir pela acção a sua desorientação intelectu- normal. Só os anormais têm lugar na sociedade crianças, à violência doméstica, ao alcoolismo,
nível de organização produz uma cultura irra- al e criar assim a ilusão de uma solução heróica, educada. Melchior constitui uma ameaça a essa à falta de instrução, à estagnação intelectual, ao
cional e superficial, formas de entretenimen- se não através do ataque a alguém tão inocente sociedade. É ainda um outro exemplo da justi- desperdício do tempo e à perseguição e rejeição
to fáceis e sentimentais, políticas xenófobas e quanto eles próprios? Numa “não cultura” não ça fundamental nos assuntos humanos: o pai, social. O indivíduo é forçado a agir imoralmen-
racistas, e um tipo de moralidade caracteriza- é a pornografia que corrompe e produz violên- o juiz, defensor da lei e da ordem ou da injusti- te – e é recompensado por isso – porque não tem
do por um respeito servil pela lei e a ordem de cia – conduz apenas, na pior das hipóteses, ao ça social, tem um filho criminoso – ou seja, um responsabilidade democrática pela sua própria
elites que se auto-perpetuam, os homens não quietismo hedonístico –, mas sim a glorificação filho normal que deseja viver no conhecimen- vida. Não pode fazer perguntas porque nunca
são já seres humanos. Um tigre não tem de esco- da virtude moral das public schools. Uma tecno- to daquilo que é e aceitar a responsabilidade por lhe é permitido escolher respostas. Estas per-
lher ser tigre, mas um homem tem de escolher a logia não democrática cria este paradoxo: para isso. Mas até Melchior foi contaminado pelo tencem àqueles que gerem a máquina-total, os
sua humanidade, caso contrário não passará de a maioria dos membros dessa sociedade, a úni- melodrama nietzschiano. Defende uma filoso- quais não fornecem respostas morais porque es-
um animal super-eficiente. E isto significa que ca forma de recriar a pose e a dinâmica da for- fia de egoísmo que nega a discriminação mo- tão apenas preocupados em manter a máquina-
será um ser humano ineficiente, perigoso para ça policial glorificada é infringindo a lei. Estes ral. Porém, trata-se apenas de uma afectação de total em funcionamento. Assim, ironicamente,
si próprio e para os outros. A nossa sociedade di- paradoxos estão no âmago da nossa decadên- adolescente, plausível a seus olhos porque Mel- os trabalhadores aos quais se nega responsabili-
ficulta-nos esta escolha, já que não possuímos cia cultural. chior consegue ver a hipocrisia da moralidade dade democrática são, com frequência, aqueles
uma cultura (no sentido que descreverei mais à pública. Na última cena do Acto I, quando inter- que insistem que a máquina-total seja mantida
frente), mas apenas uma organização. Muitos dos jovens em O Despertar da Primave- roga Wendla a propósito da caridade, Melchior em funcionamento a todo o custo – é a única
Os adultos de O Despertar da Primavera são pe- ra são já iguais aos mais velhos. Possuem o mes- não ataca as diferenças morais. Os pobres e de- segurança que possuem. Os políticos de direi-
rigosos. É evidente que destroem ou brutalizam mo egoísmo rude e uma brutalidade que só não sempregados teriam razões para odiar os pais ta vêem nisto a prova de que a classe trabalha-
as crianças. Mas e quanto a eles próprios e aos é a mesma por ser ainda simplesmente zombe- de Wendla. Seria uma atitude racional. (Deixo dora não está interessada em questões morais.
seus prazeres? Uma triste espécie de sexo entre teira e isenta de falsa moralidade. Esses rapazes de fora a questão do perdão, por ser inútil num Não compreendem que a pseudo-democracia é
mulheres infelizes e homens insatisfeitos; álco- morrerão nas trincheiras com a mesma obedi- bairro de lata.) Melchior opõe-se apenas aos ju- a organização política que impossibilita a ini-
ol e melancolia nos funerais; orgulho, arrogân- ência que aprenderam na escola e lhes valeu a ízos morais do Deus Público, que condena os ciativa moral – pelo menos enquanto parte in-
cia e isolamento. O juiz declara “Já vejo o futuro aprovação nos exames. Nesse tipo de sociedade, indivíduos por fazerem aquilo que não conse- tegrante do funcionamento do Estado. E isso é
tão cinzento, tão carregado de nuvens”, e o pa- a educação é uma preparação não para a vida, guem evitar fazer. E há uma sinuosidade: Wen- apenas mais um aspecto dessa verdade extraor-
dre considera a vida uma cruz. São homens pe- mas, literalmente, para a morte. E o mesmo se dla gostaria de visitar os pobres porque isso a fa- dinária e optimista: as emoções e a mente hu-
rigosos, não apenas para si mesmos, mas para pode dizer a propósito da nossa sociedade – se ria infeliz. A disciplina é a alegria na angústia. O manas, a racionalidade e o funcionamento físi-
toda a gente. Existem apenas através do con- de facto não nos permite a sanidade e liberda- que constitui outro dos paradoxos pelos quais co estão de tal modo interligados que apenas as
flito, e este conflito não resulta de uma paixão de suficientes para nos perguntarmos por que vive a nossa sociedade. A ironia desta cena é que pessoas moralmente activas podem sustentar
analítica, é antes um desejo de destruição. Os razão animais humanos treinados para obede- os autoritários devem defender (à semelhança uma sociedade eficiente, uma sociedade cuja
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actividade não seja meramente o frenesim de ção humana, os homens trabalharão mal e se- indivíduos não devem defecar nas ruas; contu- vidida em classes não consegue resolver este
uma explosão. Sem liberdade, qualquer organi- rão incapazes de cooperar numa comunidade do, os cientistas continuam a defecar conheci- problema. Teremos de permanecer tão insatis-
zação se torna estéril, já que não existe escolha sempre que forem forçados a viver e a traba- mento nos tapetes da Casa Branca e indignam- feitos como mendigos até conseguirmos agir
moral, compromisso emocional e estabilidade lhar de uma forma desadequada à sua natureza, se quando lhes chamam irracionais. Quando o para com os outros do mesmo modo que agi-
física. Uma coisa leva à outra. sempre que o trabalho e o lazer não apelem às uso da ciência não é submetido a um controlo mos connosco próprios – antes disso não pode-
suas capacidades criativas. Por que morreram político equilibrado, como justificar a decisão remos ter uma cultura, mas apenas uma organi-
Vivemos numa idade científica. Devíamos sa- tão obedientemente nas trincheiras da Primei- da sociedade de colocar a verdade científica aci- zação. As organizações baseiam-se na divisão de
ber educar as nossas crianças. Na maioria dos ra Guerra Mundial? Uma das razões é que vi- ma da verdade moral? classes. Podem acolher máquinas, mas não rea-
casos ensinam-se mentiras às crianças. Diz-se- viam já uma espécie de morte prolongada. Em todo o caso, estou convencido de que um lizar seres humanos, nem mesmo satisfazê-los.
lhes que a vida tem sentido e propósito, que as Assistiremos em breve a um agravamento da equilíbrio político criado pela tecnologia fra- São, por isso, ineficientes e autodestrutivas. Os
suas acções contam pelo que devem ser caute- crise tecnológica e da instabilidade política. A cassaria. Não acredito em robôs humanos ou seres humanos necessitam de uma cultura ple-
losas naquilo que fazem, que devem entender a máquina-total deixará de funcionar por diver- formigas tecnológicas. A única solução viável é na no sentido que descrevi porque só suporta-
vida como uma aventura, e que vivem numa de- sas razões. Os seres humanos não são peças de recriar a possibilidade de um verdadeiro direi- rão viver consigo próprios se estabelecerem
mocracia. Porém, as crianças que frequentam as maquinaria mecânica, pelo que não encaixam to de escolha entre uma democracia real e uma relações de cooperação, respeito e afabilidade
escolas-quartéis das nossas cidades sabem que facilmente na máquina-total. Isto provoca reac- pseudo-democracia. O Despertar da Primavera mútuas com a sua comunidade. O descontenta-
terão vidas enfadonhas em cidades cinzentas e ções defensivas de agressão. E a tecnologia co- não aborda este problema. Talvez o Senhor Dis- mento humano só encontrará alívio neste tipo
descaracterizadas, que têm na greve a sua úni- mercial não se limita a destruir os seus recur- farçado conduza Melchior a um reino íntimo de de cultura, ou, pelo menos, na convicção de que
ca hipótese de mostrar iniciativa e que não te- sos materiais, estimula também o consumismo devaneio hedonístico. Contudo, é possível que estamos a trabalhar para o alcançar. A crise que
rão responsabilidade democrática pelo futuro feroz, destruindo desse modo a sua base social. a sua “dúvida de ter tudo” seja mais do que uma atravessamos não se prende apenas com a tec-
e bem-estar das suas próprias famílias. Assim, Nada pode fazer além de prometer mais e mais afectação de fin de siècle. Pode ser a consciência nologia. É uma crise da espécie. Já não sabemos
não podem acolher a cultura que lhes é propos- recompensas – promessas que a crise não deixa- da inter-conexão dos seres vivos e dos aconteci- como viver ou sobreviver. A única forma de co-
ta. É como se lhes oferecessem os costumes mo- rá cumprir, pelo que haverá mais medo e agres- mentos, a compreensão de que o lugar onde se meçar a resolver a crise é olhar para o espelho e
rais da Roma antiga. Na realidade, a nossa atitu- são. De todas as formas, e ainda que a prosperi- encontra, e a sociedade a que pertence, são tam- ver os outros. O Senhor Disfarçado terá condu-
de é tão absurda como se tentássemos ensinar dade continuasse, a máquina-total só poderia bém a humanidade. zido Melchior à morte na I Guerra Mundial, le-
Latim a crianças que passarão as suas vidas em ser mantida mediante promessas de mais re- Antigamente as pessoas acreditavam possuir vando-o directamente da Primavera para o In-
bairros de lata industriais. De facto, continua- compensas – que se tornam cada vez menos gra- uma alma secreta, um centro de introspecção verno? O nosso futuro é tão incerto quanto isso.
mos a ensinar-lhes uma cultura morta, uma re- tificantes, e até um aborrecimento! A prosperi- no qual deus se instalara. O mundo podia pa- Temos de compreender os perigos, as oportuni-
ligião morta e mitos sociais mortos. dade é tão corrosiva como a crise, o sucesso tão recer absurdo e de uma imoralidade triunfante, dades e a escassez do tempo de que dispomos.
O que é a cultura? Os seres humanos preci- destrutivo como o fracasso – outro dos parado- mas todos os homens transportavam a ordem O tempo já não é um velho benévolo de barbas
sam de uma cultura, é uma necessidade biológi- xos que nos ameaçam. O nosso sistema utiliza divina na alma e aí se decidiria a justiça no fi- brancas, com um bordão e uma lanterna. É uma
ca. Possuímos capacidades mecânicas, mentais os seres humanos de modo tão ineficiente que nal dos tempos. A alma era deus. No século XIX, criança chorosa que nos puxa pela manga e nos
e emocionais. Vemos, ouvimos, recordamos, te- está condenado à autodestruição, seja através deus morreu e a alma converteu-se num tú- pede que a levemos ao colo. ≠
mos mãos preênseis e uma postura subtil, pode- do sucesso ou do fracasso. A resposta habitual mulo vazio, um buraco no qual podíamos cair
mos sentir esperança, amor, etc. Tudo isto gera a tudo isto é a força. As greves são ilegalizadas, e perder-nos. Não havia justiça infinita, ape- * Esta nota surge na sequência de uma histórica tradução
que o dramaturgo inglês Edward Bond fez da peça
uma torrente de experiências que devem ser or- as arruaças são punidas com maior severidade. nas o terror do vazio; não havia qualquer sen- de Wedekind, estreada numa produção do National
ganizadas de modo a que a criança possa lidar Mas o crescente despique entre a lei e a ordem e tido, tudo era possível. Agora, a alma era qua- Theatre, Londres, 1974. Trad. Rui Pires Cabral.
com o mundo – ou seja, que possa ter uma tec- a agitação e a violência não logrará restaurar o se o demónio. Não temos préstimo para estas
nologia – e viver em harmonia com os outros; a equilíbrio. É, em si mesmo, uma parte da crise imagens da alma porque não podemos esperar “A Note on the Play”. In Frank Wedekind – Spring
Awakening. London: Methuen Drama, 2001.
cultura é a junção de ambas as coisas. É da cul- que vivemos. Estamos encurralados numa in- pela justiça do outro mundo. Não podemos to-
tura que vivemos; é a cultura que torna possí- flação cultural de ameaças e contra-ameaças, e lerar a injustiça deste. Mas precisamos de uma
vel a vida humana. Mas, para que tal aconteça, a este conflito não poderá criar a sua própria so- imagem de nós próprios que não nos condene
cultura deve ser testada contra a realidade. (Eis lução. A solução, boa ou má, deve ser impos- ao egoísmo ou ao absurdo. Quando falamos de
uma característica das crianças que os adultos ta do exterior. E, se for boa, não será sanciona- autoconhecimento e de autoconsciência, quan-
podem perder quando enlouquecem secreta- da pela nossa actual moralidade social. De uma do consideramos os padrões pelos quais nos jul-
mente ou quando enlouquecem politicamente maneira ou de outra, o nosso actual sistema so- gamos a nós próprios e aos outros e através dos
e adoptam culturas políticas fantasistas como cial tem de ser substituído. quais damos sentido à nossa vida, quando olha-
o fascismo. E isto, assim como todas as tentati- Os políticos tentarão talvez estabilizar a so- mos para o espelho oculto – o que vemos? Ou-
vas de viver fora da realidade, redunda em de- ciedade usando a tecnologia directamente con- tros rostos. A parte mais íntima do homem é
sastre.) A cultura que é oferecida às crianças tra os cidadãos (uma vez que as recompensas já a mais pública. É quando estamos mais próxi-
nas nossas escolas-quartéis – pelo menos àque- não estão disponíveis, nem surtem o efeito pre- mos de nós próprios que encontramos os ou-
las que são demasiado timoratas para fazer ga- tendido). O agravamento da crise justificá-los-á, tros. Para usar a linguagem do passado: a alma
zeta – não sobrevive ao teste. Seria pois irracio- e a moralidade convencional estará do lado de- são os outros. A minha alma vive nos outros –
nal que as crianças a aceitassem. E uma vez que les. Ao invés de criarem uma sociedade na qual mas permanece minha. Isto não deveria surpre-
necessitam de uma cultura, de atitudes e cren- as pessoas possam viver felizes (até ao momen- ender-nos, já que somos animais sociais. Mas se
ças fundadas na experiência que lhes permitam to, a justificação da força utilizada na política), agirmos para com os outros com base num pa-
formar uma comunidade com aqueles que os tentarão criar pessoas que possam ser integra- drão inferior ao do nosso auto-respeito – de tal
rodeiam, os jovens, entregues a si próprios, de- das na sua sociedade – pessoas que sejam como forma que a nossa consciência dos outros seja
senvolvem a sua própria cultura. Assim, o que pequenas máquinas-totais. Acredita-se geral- inferior à nossa autoconsciência – então temos
observamos nas nossas grandes cidades tec- mente que isto será feito mediante a genética, a de compreender que esse padrão inferior é tam-
nológicas, nesta nossa idade de florescimento selecção e a doutrinação aberta. Estas ideias tal- bém uma forma de acção ou existência que ex-
científico? As crianças aprendem a cultura da vez sejam demasiado cruas. Implicariam legis- perimentamos como parte de nós, e que deve
marginalidade. É a única cultura que lhes está lação que denunciaria publicamente tais polí- exercer o sentido crítico pelo próprio acto de ser
acessível. Trata-se frequentemente de uma cul- ticas. Na realidade, há formas mais simples de autoconsciente. A autoconsciência não é mera-
tura brutal, e, evidentemente, provoca nos que esventrar a democracia, mesmo que não exista mente intelectual, é também uma consciência
respeitam a lei apelos a uma maior violência uma intenção explícita ou consciente para o fa- emocional do nosso direito à justiça e à auto-
para a reprimir. A sociedade é deste modo du- zer. Bastaria provavelmente controlar as ideias, nomia. É o padrão que estabelecemos para nós
plamente brutalizada pela sua negligência. A a informação, os ambientes de trabalho e vida próprios, o juízo que fazemos de nós próprios.
cultura da marginalidade floresce nas nossas ci- social, o entretenimento, limitar o direito à li- Isto é inalienável da autoconsciência. Se tiver-
dades, e – se a tecnologia não tivesse tornado a berdade de organização e instituir sanções pe- mos dois padrões – um para nós e um segun-
situação perigosa e a verdadeira democracia es- nais mais severas. Os membros da máquina- do para os outros – tornar-nos-emos autocríti-
sencial – isso seria até um bom sinal, já que de- total não necessitam de ser tranquilizados ou cos, viveremos em conflito connosco próprios.
monstra que os jovens, no que toca a julgar a re- apaziguados; a obediência e o consentimento E, nesse caso, por muito que consumamos, es-
alidade e a rejeitar a falsidade, continuam a ser podem ser obtidos por meio da violência e do taremos sempre a alimentar, a vestir e a entre-
mais competentes do que os adultos. medo. Em todo o caso, a tecnologia e a ciência ter alguém com quem não suportamos viver.
seriam usadas para produzirem a lealdade ser- Este conflito é particularmente agudo no ho-
A tecnologia é um gigante que deve ser obri- vil, o jingoísmo agressivo e a conformidade so- mem autoritário. A sua mente e emoções fo-
gado a funcionar à escala humana. As fábricas cial beligerante. O que constitui, evidentemen- ram de tal modo instruídas no ódio que o único
não são ainda concebidas dessa forma. Nem se- te, uma utilização irracional da ciência. Mas a modo de suportar o ódio a si mesmo que daí re-
quer contribuem para o desenvolvimento da le- ciência só é racional nos seus métodos, e não na sulta é sacrificar-se ao herói da destruição: o lí-
aldade entre as comunidades mineiras, já que sua aplicação social. O uso da verdade científi- der fascista.
o trabalho que oferecem não alimenta o orgu- ca deve ser vigiado tão cautelosamente como o A nossa educação, mitos sociais e activida-
lho humano nem requer capacidades físicas ou tratamento dos esgotos. A primeira responsabi- de económica têm desenvolvido este espírito.
mentais, apenas algumas habilidades mecâni- lidade cabe aos criadores da ciência. Sabemos A nossa cultura suja o espelho e amontoa de-
cas. Não obstante toda a capacidade de adapta- que para o bom funcionamento da sociedade os tritos sobre ele. A sociedade de consumo di-
19

no divã (1)
π Sigmund Freud

Intervenção de Freud sobre O Despertar da Pri- sam constantemente subentendidos de carácter isto é apenas infantilidade e absurdo. Pode-se pos estejam amadurecidos. O trabalho de We-
mavera na Sociedade Psicológica das Quartas- sexual. Mas daí a pensar que esta obra responde certamente – como Reitler – ver nas duas perso- dekind desempenha sem dúvida um papel po-
Feiras.* de ponta a ponta a uma intenção consciente… nagens (Moritz e o Senhor Disfarçado) as duas sitivo na cura dos tormentos que a sexualidade
não se justifica mais que no caso de Jensen. Pode correntes que partilham o espírito de Melchior, inflige ao mundo.
13 de Fevereiro de 1907. A sessão tem lugar em produzir-se o acto sintomático mais bem suce- que é ao mesmo tempo tentado a morrer e a vi-
casa de Freud, IX Berggasse 19. São nove da noi- dido sem nada conhecer do conceito ou da na- ver. É também verdade que o suicídio constitui Adler Nunca considerei Wedekind um poeta. É,
te. Estão presentes, além de Freud que preside: tureza dos sintomas. o limite do auto-erotismo negativo. E a este respei- antes de mais, alguém extremamente astucio-
Adler, Federn, Heller, Hitschmann, Kahane, Para voltar a O Despertar da Primavera, direi, to a interpretação de Reitler é exacta: negar o so. Na época em que escrevia O Despertar da Pri-
Rank, Reitler, Sadger. Otto Rank, na qualidade e insisto, que as teorias infantis da sexualida- amor de si próprio é suicidar-se. mavera, vivia em Zurique no deboche e era tido
de secretário da Sociedade, toma notas que lhe de constituem por certo um assunto que me- Ainda relativamente a esta cena, não há ape- por um depravado. Quando se lhe perguntava o
permitirão redigir as Minutas. Rudolf Reitler rece ser estudado; a saber: como descobrem as nas humor no interrogatório a que o Senhor que fazia, respondia: “Ocupo-me a morrer”. É o
tem a palavra para fazer uma exposição sobre o crianças a sexualidade normal? No fundo de to- Disfarçado é submetido. Por detrás encontram- estado de espírito que lhe permitiu dar uma so-
tema O Despertar da Primavera de Wedekind. das as concepções erróneas que se podem cons- se pensamentos mais profundos. O demónio da lução aos problemas da peça. No seu caso, não
truir há sempre um núcleo de verdade. Agora, vida é ao mesmo tempo o diabo, isto é, o incons- se pode dizer que seja o material reprimido que
Exposição algumas observações que enuncio como se me ciente. Tudo se passa, de facto, como se a vida encontra uma expressão poética… ele sabe, a
Reitler começa por definir as três personagens apresentaram. estivesse em questão. Esta espécie de exame é bem dizer, tudo o que existe para saber. Veja-se,
principais: Moritz Stiefel, que não ultrapassa o Quando se toma o sonho em que o rapaz vê um traço característico que se encontra regular- por exemplo, como ele faz da masoquista Wen-
estádio da sexualidade infantil (auto-erotismo); “pernas com meias azul-celeste, que iam a su- mente nos estados ansiosos. Num acesso de an- dla ao mesmo tempo uma sádica que satisfaz
Melchior Gabor, o amigo, que prossegue o seu bir por cima da secretária do professor”, não gústia, por exemplo, o sujeito começa por se in- os seus instintos de crueldade ocupando-se de
desenvolvimento para além disso e até à sexu- se pode esquecer que a escola aparece aos seus terrogar a si mesmo para verificar se mantém o obras de caridade. Acrescento que, contraria-
alidade normal (relações sexuais com Wendla); olhos, ao menos em parte, para o manter afasta- bom senso. Do mesmo modo, a pergunta dirigi- mente ao que Rank diz, Wedekind não é um
e Wendla que apresenta nítidas tendências ma- do da vida sexual. Assim, por detrás da vida es- da a Édipo está ligada à angústia. Por trás da Es- exemplo típico da minha teoria.
soquistas. Desde a primeira cena vemo-la trair colar, o que ele vê é a mulher. finge ronda a angústia (“Esfinge” quer dizer “es-
o medo que experimenta perante o despertar da No que diz respeito aos diários íntimos, pode- trangulador”). A questão que está na base de Hitschmann É de facto muito forte mostrar
sua sexualidade (pensamentos de morte, etc.). mos também considerá-los como um meio de todas estas interrogações é sem dúvida a que Melchior a troçar das actividades caritativas de
Reitler disseca então a peça cena por cena, repressão. Tenho actualmente um paciente que nasce da curiosidade infantil pela sexualidade; Wendla. Porque – é a minha verdade – num pro-
dando ao mesmo tempo as suas interpretações. tinha o hábito de fazer cuidadosamente o seu a saber: de onde vêm as crianças? A Esfinge põe cesso de sedução é importante para o homem
Mostra, por exemplo, que o ateísmo nascente e diário. Agora que tais escritos podem ser ana- apenas a questão ao contrário: o que é que vem? combater os valores morais da mulher. Quan-
a concomitante emancipação face à autorida- lisados à luz da psicanálise, apercebemo-nos de Resposta: o ser humano. Um grande número de to à educação escolar, se bem me recordo da mi-
de paterna são relacionados pelo próprio We- que o sujeito omite regularmente o essencial, neuroses começam aliás por esta pergunta. nha, devo dizer que um rapaz que tivesse uma
dekind com a descoberta da actividade sexual dos que é o inconsciente dos primeiros tempos. sexualidade normal seria expulso da escola,
pais. Anota que a redacção de um diário íntimo Acerca do ateísmo, é um facto que a fé em Freud lê depois uma carta escrita por uma crian- como acontece em Wedekind.
pode ser considerada como uma espécie de des- Deus coincide regularmente com a fé no pai. ça de onze anos à tia. A rapariga pede-lhe que a
carga psíquica. Segundo ele, a história de Maria, Um dos meus pacientes, uma mulher, perdeu esclareça sobre a origem das crianças. Esta rapa- Reitler Penso que nada na discussão invalida a
a rainha sem cabeça, e do rei com duas cabeças a fé em Deus quando perdeu a confiança que ti- riga, aos vinte e três anos, foi atingida por uma minha interpretação da última cena. Trata-se,
que dá uma à rainha, constitui uma representa- nha no pai. grave neurose obsessiva. de facto, do debate entre o auto-erotismo e a se-
ção simbólica da bissexualidade. Na última cena, Os maus tratamentos que as crianças sofrem xualidade normal.
interpreta o fantasma de Moritz como uma re- no saco lembram-me o castigo que pune habi- Rank Em minha opinião, Wedekind é um
presentação do desejo de Melchior de regres- tualmente a masturbação. exemplo flagrante da teoria de Adler sobre a in- Freud Gostaria de acrescentar, pelo que toca ao
so à sexualidade infantil, enquanto o Senhor Considero uma notação muito fina de We- ferioridade e a sobre-compensação. Tinha por conceito de auto-erotismo, que Havelock Ellis
Disfarçado representa a sexualidade do adul- dekind o facto de mostrar em Melchior e em certo um sistema genital inferior. emprega o termo quando há uma só pessoa em
to. Estas duas personagens são simples projec- Wendla uma aspiração ao amor objectal sem jogo (assim, por exemplo, utiliza-o igualmente
ções do combate que se desenrola no espírito de escolha de objecto, porque não estão de manei- Kahane Quero sublinhar que se deve defen- a propósito dos sintomas histéricos) enquanto
Melchior. Do ponto de vista da teoria da sexu- ra nenhuma apaixonados um pelo outro. O fac- der a sociedade contra as análises que contra ela que, pelo meu lado, o emprego quando não há
alidade, não há qualquer censura a fazer a We- to de Wendla, que é masoquista, não ser batida são dirigidas. E a obra de Wedekind é, na sua es- objecto. Assim, masturbar-se com produção de
dekind. Poder-se-ia apenas considerar como pelos pais prova também que Wedekind não sência, uma crítica da sociedade. Todas as civi- imagens (Bilderonanisten) não é em minha opi-
uma omissão o facto de não sublinhar suficien- é vítima dos clichés habituais – de contrário, lizações se fundam, como Freud bem mostrou, nião auto-erotismo.
temente a importância das zonas erógenas na apresentá-la-ia como tendo sido maltratada na sobre a repressão sexual. A educação deve ne-
vida pré-sexual. infância. Queixa-se pelo contrário de o não ter cessariamente seguir este caminho e tanto pior Depois desta última intervenção de Freud ter-
Por fim, Reitler faz algumas observações so- sido bastante. E é verdade: de um modo geral, se alguns nele perecem. É, poder-se-ia dizer, a minou a sessão. ≠
bre o processo da criação em Wedekind, refe- quem foi severamente espancado em criança pedra de toque que a sociedade apresenta ao in-
rindo-se à observação do professor Freud segun- não é mais tarde masoquista. divíduo. * Esta Sociedade tornar-se-á em Abril de 1908 a Sociedade
Psicanalítica de Viena. É das suas Minutas que provêm
do a qual Jensen dá na Gradiva uma descrição Em minha opinião, a interpretação que Rei- a intervenção de Freud e as que a acompanham. Estas
do desenvolvimento de uma ideia delirante que tler dá do fantasma da rainha sem cabeça não Sadger Notemos que Wendla não tem pai. Co- Minutas, redigidas por O. Rank, foram confiadas por
é, do ponto de vista clínico, absolutamente cor- é correcta. Chamaria a atenção apenas para al- nheceu apenas o amor homossexual pela mãe Freud em 1938 a P. Federn, e legadas por este a H.
recta. Ora, em resposta a uma questão, Jensen guns elementos. Do ponto de vista poético, a ra- e tem inveja da amiga a quem o pai bate. Que- Nunberg. Só foram editadas em inglês (três volumes,
1962-1974, International Universities Press, New
pôde afirmar que só tinha sido guiado pela in- zão de ser desse fantasma é anunciar o destino rer ser batida é, para ela, querer uma relação he- York). Esta minuta, a décima terceira do conjunto,
tuição e que nada conhecia do quadro clínico subsequente de Moritz; é o próprio Moritz que terossexual. O próprio chicote é um símbolo do figura no primeiro volume, pp. 111-118. Das diferentes
das ideias delirantes e menos ainda do seu me- mais tarde aparece “sem cabeça” e o seu suicídio pénis, pontiagudo e flexível. Quer isso dizer que intervenções na discussão transcrevem-se apenas as
canismo. Que se passa no que respeita a We- corresponde por aí a um velho fantasma, o que deseja ser acariciada por um pai. Na etiologia do passagens mais importantes; só a intervenção de Freud
foi integralmente transcrita.
dekind? Não se pode crer que seja tão profano acontece com todos os suicídios, a crer no que masoquismo a carícia vem em primeiro lugar.
nestas matérias. Adler uma vez dizia. Do ponto de vista orgâni- In Teatruniversitário. Coimbra: Teatro dos Estudantes da
co, a sua razão de ser é que a mulher fantasma Heller Não estou de acordo com a afirmação de Universidade de Coimbra. 1983, nº9.
Discussão sem cabeça também não tem nome, é anónima; Kahane de que o struggle sexual seja um meio
Os nomes dos presentes são colocados numa Moritz é ainda, se assim se pode dizer, muito tí- de selecção social. Pode-se perecer por causa
urna destinada a esse efeito. Cada um intervém mido para amar uma mulher precisa. As mu- de uma coisa qualquer ou conseguir dominá-
por sua vez, segundo a ordem determinada pela lheres, aliás, deixam-se muitas vezes criar fan- la, mas entre os dois extremos existem mui-
tiragem à sorte. tasmas de homens sem cabeça ou mascarados. tos graus. Não há quase ninguém que saia des-
E, finalmente, alguém “que não tem cabeça” é ta provação sem cicatrizes e não são sempre os
Freud A peça de Wedekind está cheia de mé- alguém que é incapaz de estudar, e é precisa- piores que lá deixam a pele.
ritos. Não é uma grande obra de arte mas fica- mente essa incapacidade que tortura Moritz.
rá como um documento que interessa à histó- Quanto ao fantasma do rei com duas cabeças, Federn De todos os grandes psicólogos entre
ria da civilização e dos costumes. Não podemos lembra os fantasmas sexuais de Platão. os escritores modernos, Dostoievski, Musset,
deixar de pensar que Wedekind tem uma com- O acento que Wedekind dá à última cena, esse Jacobsen, etc., Wedekind foi o único que reco-
preensão profunda do que é a sexualidade. Bas- humor ácido, está perfeitamente justificado do nheceu a importância da sexualidade infantil:
ta ver como no texto explícito dos diálogos pas- ponto de vista poético. O que significa é: tudo talvez seja um sinal dos tempos, talvez os tem-
20

no divã (2)
π Jacques Lacan

O Despertar da Primavera* É no entanto uma experiência ao alcance de to- Não será para lhas restituir (supondo a face
dos. O pudor designa-a privada. Privada de quê?, escondida) que serve aqui o Homem dito mas-
Assim um dramaturgo aborda em 1891 o pro- do facto que o púbis não chega ao público, pois carado. É este que põe termo ao drama, não so-
blema que é para os rapazes fazer amor com as afixa-se como um objecto de desvelamento. mente pelo papel que Wedekind lhe reserva, o
raparigas, anotando que estes não pensariam Que o véu levantado não mostre nada, eis o de salvar Melchior dos ataques de Moritz, mas
nisso sem o despertar dos seus sonhos. princípio da iniciação (às boas maneiras da so- porque Wedekind lhe dedica a sua ficção, tida
Notável que o tenha encenado como tal: de- ciedade pelo menos). por nome próprio.
monstrando não ser satisfatório para todos, Indiquei a ligação disto tudo com o mistério Para mim leio aí o que recusei expressamen-
confessando mesmo que, se isso falha, falha da linguagem e com o facto que é propondo o te àqueles que apenas se autorizam a falar entre
para cada um. enigma que se encontra o sentido do sentido. os mortos: ou seja de lhes dizer que entre os No-
Antes dizer que é do nunca visto. O sentido do sentido é que se liga ao gozo do mes-do-pai há o do Homem mascarado.
Mas permanece ortodoxo no que diz respeito rapaz como interdito. Não para interditar a dita Mas se o Pai tem tantos e tantos que não há
a Freud – entendo: ao que Freud disse. relação sexual, mas para a coagular na não-rela- Um que lhe convenha, senão o Nome do Nome
É a prova de que mesmo um hanovriano ção em que vale no real. do Nome. Não há Nome que seja o seu Nome-
(pois inferi primeiramente, é necessário que o Assim é o que se produz efectivamente que Próprio, senão o Nome como ex-sistência.
confesse, que Wedekind era judeu), que mesmo faz função de real: o fantasma da realidade ordi- Isto é, o simulacro por excelência. E “O Ho-
um hanovriano, digo e não é dizer demais?, é ca- nária. Através do qual escorrega na linguagem mem mascarado” diz isto relativamente bem.
paz de achar isso. De achar que há uma relação o que este veicula: a ideia de tudo, à qual todavia Pois como saber o que ele é se está mascarado,
do sentido com o gozo. faz objecção o menor encontro com o real. e o actor não usa uma máscara de mulher?
Que este gozo seja fálico é a experiência que Não há língua que não se force, lamuriando Só a máscara ex-sistiria no lugar vazio onde
responde. de fazer o que pode, para dizer “sem excepção”, coloco A mulher. O que não quer dizer que não
Mas Wedekind é uma dramaturgia. Que lu- ou avolumar-se de um numeral. Mas é só nas haja mulheres.
gar atribuir-lhe? O facto é que os nossos judeus nossas línguas que se vai direito a isso, ao tudo – A mulher como versão do Pai só se figuraria
(freudianos) que se interessam por ela, encon- a tudo e a ti, se ouso dizer. na perversão-do-Pai (Père-version).
trarão a prova neste programa. Moritz, no nosso drama, consegue no entan- Como saber, segundo a fórmula Robert Gra-
É preciso dizer que a família Wedekind tinha to ser uma excepção, razão pela qual Melchior o ves, se o próprio Pai, o nosso pai eterno, não é
errado pelo mundo, participando numa diáspo- qualifica de rapariga. E tem razão, pois a rapari- um Nome entre outros da Deusa branca a que,
ra, idealista esta: tiveram que deixar a terra-mãe ga é apenas uma e quer continuar a sê-lo, o que no seu dizer, se perde na noite dos tempos a ser
devido ao revés de uma actividade “revolucio- no drama se torna um ás. a Diferente, a Outra, para sempre no seu gozo
nária”. Terá sido isto que levou Wedekind, falo O que resta é que um homem faz-se Homem – como as formas do infinito das quais apenas
do nosso dramaturgo, a imaginar que era de situando-se como Um-entre-outros, por entre (à podemos começar a enumeração sabendo que é
sangue judeu? Pelo menos é o que testemunha s’entrer) os seus semelhantes. ela que nos suspenderá. ≠
o seu melhor amigo. Moritz, exceptuando-se, exclui-se no para-
Ou é uma questão da época, visto que o dra- além. É só aí que se conta: não por acaso entre os * Texto escrito para o programa de L’Éveil du Printemps, de
Wedekind, encenado por Brigitte Jacques, retomado na
maturgo, na data que anotei, antecipa Freud e mortos, enquanto que excluídos do real. Que o edição do texto da peça (Gallimard, 1974) e republicado
largamente? drama o faça aí sobreviver, porque não?, se o he- por J.-A. Miller em Ornicar? Nº 39 (Navarin, 1986).
Já que podemos dizer que, na dita data, Freud rói está antecipadamente morto.
cogita ainda o inconsciente e no que diz res- É no reino dos mortos que “os não-enganados 1 Título do Seminário de 1973-74.
peito à experiência que instaura o seu regime, pelo pai erram” (les non-dupes-errent), dizia num Jacques Lacan – “O Despertar da Primavera”. In
nem mesmo na altura da sua morte a terá pos- título que ilustrei.1 Shakespeare, Duras, Wedekind, Joyce. Lisboa: Assírio
to de pé. E é por isso que não errarei mais seguindo & Alvim, 1989.
Coube-me a mim o dever de o fazer, antes que em Viena, no grupo de Freud, as pessoas que
alguém me substitua (não mais judeu, talvez, decifram do avesso os signos traçados por We-
do que eu). dekind na sua dramaturgia. Salvo, talvez, reto-
O que Freud reparou no que se chama a se- mando-os no sentido em que a rainha poderia
xualidade que cava um buraco no real é que, bem não ser descabeçada se o rei não lhe tives-
mesmo se ninguém se safa dela, ninguém se se tirado o par normal, de cabeças, a que teria
preocupa. direito.
21

Frank Wedekind
(1864-1918)

π Nota biográfica π Obra π Auto-retrato π Bertolt Brecht

Frank Wedekind (nome literário de Benjamin 1887 – Escreve O Despertar de Elin, peça nunca (No “Livro das Confissões”, em casa de Maximi- Sábado à noite, ao descermos em grupo ao longo
Franklin Wedekind) nasceu em Hanover, filho representada. lian Harden, actor e jornalista, grande admira- do Lech sob o céu estrelado, calhou cantarmos à
de um médico que esteve dez anos ao serviço do 1889 – Escreve a primeira peça, Arte e Mamon, só dor de Wedekind) viola algumas das suas canções: a “Franziska”,
sultão turco, em 1848 foi deputado da primeira representada em 1916 em Munique. a “criança cega”, uma canção para dançar. E já
Assembleia liberal alemã, emigrou e casou em 1890 – Escreve O Despertar da Primavera, publi- A qualidade preferida nos homens: temperamen- a alta noite, sentados no pontão, com os pés à
S. Francisco com uma actriz alemã. Wedekind cada no ano seguinte. to e energia tona de água, a canção dos caprichos da fortu-
teve uma educação liberal e democrática, e pas- 1895 – Publica O Espírito da Terra, primeira par- A qualidade preferida nas mulheres: inteligência na “tão bizarros” onde diz que o melhor a fazer
sou a infância no castelo de Lenzburg, no can- te da trilogia Lulu. A minha ideia de felicidade: deixar-se consumir é pôr os pés à parede todos os dias. No domin-
tão suíço de Aargau. Frequentou o liceu entre 1896 – Começa a escrever regularmente na re- pelos talentos próprios go de manhã lemos espantados que Frank We-
1879 e 1884, iniciou neste ano os estudos de vista satírica e erótica Simplicissimus. O que sei fazer melhor: mentir dekind tinha morrido na véspera.
Germanística em Lausanne, e depois de Direito 1897 – O Espírito da Terra é representado em Lei- O que sei fazer pior: dizer a verdade É difícil acreditar. O que ele tinha de mais ad-
em Munique e Zurique. Interrompeu ambos os pzig pelo Ibsen Theater. Wedekind estreia-se A minha ciência preferida: a ciência das religiões mirável era a vitalidade. Quer entrasse num re-
cursos. Começou a escrever em revistas dos cír- como actor, no papel do Dr. Schön. A minha escola artística preferida: Miguel Ângelo, cinto com centenas de estudantes a fazerem
culos naturalistas e em jornais suíços e alemães, 1899 – Escreve, na prisão, o romance Mine- Ticiano, Rubens, Makart algazarra, quer entrasse numa sala ou num pal-
trabalhou como chefe de publicidade e secretá- Haha, ou Sobre a Educação Corporal das Rapari- A minha companhia preferida: gente inofensiva e co, com aquele andar característico um pou-
rio de uma companhia de circo. Em 1888 fixa- gas. São também deste ano as peças O Elixir do bem disposta co curvado, a cabeça enérgica de linhas duras
se em Berlim e aproxima-se do grupo naturalis- Amor e O Cantor de Câmara. A minha mais funda aversão: às marteladas no levemente inclinada para a frente, ar tenso e
ta dos irmãos Hart, e nos anos que se seguem é 1901 – O Marquês de Keith é representado em piano angustiante, fazia-se silêncio. Talvez não re-
dramaturgista, actor e encenador em Leipzig e Berlim. Escreve O Rei Nicolau ou Assim é a O meu escritor preferido: Schiller presentasse particularmente bem o marquês
Munique, viaja por Londres e Paris e é secretá- Vida. O meu compositor preferido: Beethoven de Keith – muitas vezes se esquecia do coxear
rio do pintor, escultor, falsário e aventureiro di- 1902 – Representação, sem êxito, d’ O Marquês O meu livro preferido: Casanova que ele próprio marcara e nunca tinha o tex-
namarquês Willy Grétor. Colabora desde 1896 de Keith em Munique. O Espírito da Terra é O meu instrumento preferido: quarteto de cordas to bem presente na memória –, mas eclipsava
na revista satírica Simplicissimus, o que o leva a apresentado por Max Reinhardt no seu Klei- O meu herói preferido da literatura: Ricardo III mesmo assim os actores profissionais. Enchia
cumprir uma pena de prisão por crime de lesa nes Theater. O Rei Nicolau é também encena- O meu herói preferido da história: Alexandre o o espaço inteiro com a sua pessoa. Com as mãos
majestade em 1899-1900. A partir de 1901 co- do na Associação Académica e Dramática de Grande nos bolsos das calças, ali estava plantado, feio,
meça a cantar as suas próprias canções em ca- Munique. A minha cor preferida: vermelho brutal, perigoso, com os cabelos ruivos corta-
barés literários de Munique e Berlim, primeiro 1904 – Escreve Hidalla ou Ser e Ter e A Caixa de A minha flor preferida: jarros dos rentes, e sentia-se que àquele não havia dia-
no célebre “Die elf Scharfrichter” (Os Onze Car- Pandora (segunda parte da trilogia Lulu). O meu prato preferido: peixe, aves, salada bo que o levasse. Com o fraque vermelho de di-
rascos), depois no “Überbrettl” de Ernst Wol- 1905 – Várias peças de Wedekind sobem à cena A minha bebida preferida: vinho corrente leve rector de circo, aparecia à frente da cortina, de
zogen em Berlim, entre outros. A notoriedade neste ano em vários palcos (Nuremberga, Es- O meu nome preferido: Tilly chicote e pistola em punho, e ninguém mais
surge em 1904, com a encenação de O Desper- tugarda, Viena, Berlim e Munique), nomea- O meu desporto favorito: representar podia esquecer a voz seca, dura e metálica, o ros-
tar da Primavera por Max Reinhardt, embora a damente Hidalla e Lulu (na versão original, O meu jogo preferido: o jogo com o mundo to enérgico de fauno, os “olhos melancólicos
peça tivesse sido proibida, depois desta estreia, em cinco actos), a Caixa de Pandora e O Mar- Como vives? Sofrivelmente de coruja” por entre os traços rígidos. Há pou-
até 1912. Wedekind entra em 1905 para o elen- quês de Keith. Escreve A Dança da Morte. Três O teu temperamento: melancólico cas semanas, acompanhando-se à viola, canta-
co de actores de Max Reinhardt, e representa em Cenas (mais tarde publicada sob o título A O teu traço de carácter mais marcante: a teimo- va as suas canções na Bonbonnière, com a sua
vários palcos papéis de peças suas, juntamente Morte e o Diabo, epílogo da trilogia Lulu). sia, espero! voz áspera, um pouco monótona e totalmente
com a mulher, Tilly Wedekind. Durante a Pri- 1906 – Escreve a peça Música, representada em O teu lema: 2 x 2 = 4 deseducada: nunca nenhum cantor me entu-
meira Grande Guerra a censura proibiu quase 1908 em Nuremberga. siasmou nem me comoveu tanto. A formidável
todas as suas peças. 1907 – Escreve a peça A Censura, apresenta- vitalidade deste homem, a energia que o torna-
da em 1909 no Schauspielhaus de Munique, va capaz, sob os risos e os chicotes, de produzir
com Wedekind e Tilly nos principais papéis. o seu canto de bronze à glória da humanidade,
1908 – A peça O Mundo Novo (segunda versão de conferiam-lhe também um encanto que só a ele
Crianças e Loucos, de 1891) vai à cena em Mu- pertencia. Dir-se-ia que não era mortal.
nique. Escreve Oaha, a Sátira da Sátira, peça No Outono passado quando nos leu num pe-
que nunca chegou a ser representada. queno círculo a sua última peça, Hércules, es-
1909 – Escreve A Pedra Filosofal, representada pantou-me a sua energia de aço. Durante duas
em 1911 em Viena. horas e meia leu sem interrupções e sem baixar
1910 – Fritz Schwiggerling, peça de 1892, vai à a voz uma única vez (e que forte voz de bronze
cena em Kassel, com Wedekind no protago- ele tinha!), sem respirar um segundo entre cada
nista. Escreve a peça O Castelo de Wetterstein, acto. Apoiado à mesa, imóvel, dizia meio de me-
representada em Zurique em 1917. mória aqueles versos fundidos em bronze, mer-
1911 – Escreve a comédia Francisca, representa- gulhando o olhar nos olhos de cada um de nós,
da em 1912 em Munique. seus ouvintes.
1913 – Escreve o poema dramático Sansão ou Vi-o e ouvi-o pela última vez há mês e meio
Vergonha e Ciúme, representado pelo Lessing- atrás, na festa de encerramento do seminário
theater de Berlim no ano seguinte. de Kutscher. Parecia de perfeita saúde, discu-
1915 – Escreve Bismarck. tiu animadamente e, a nosso pedido, já tarde de-
1917 – Escreve a peça Hércules, apresentada pos- pois da meia-noite, cantou à viola três das suas
tumamente em Munique em 1919. Igual- mais belas canções. Enquanto o não vir enterra-
mente póstumas são as obras de ficção Ma- do, não posso acreditar que tenha morrido. Fa-
rianne (1920) e Rabbi Esra (1924). zia parte com Tolstoi e Strindberg dos grandes
educadores da Europa moderna. A sua maior
obra foi a sua própria personalidade. ≠

Bertolt Brecht (15MAR1918) – “Critiques dramatiques


d’Augsbourg (1918-1922)”. In Teatruniversitário.
Coimbra: Teatro dos Estudantes da Universidade de
Coimbra. 1983, nº9.
22

João Barrento
tradução
Nasceu em Alter do Chão, Alentejo, em 1940.
Foi Leitor de Português na Universidade de
Hamburgo e professor de Literatura Alemã
e Comparada, na Faculdade de Letras de Lis-
boa e na Universidade Nova de Lisboa. Presi-
dente da Assembleia Geral do PEN Clube Por-
tuguês. Colaborador regular do jornal Público
e da maior parte das revistas literárias portu-
guesas. Ensaísta e tradutor, publicou treze li-
vros de ensaio e crónica, crítica e teoria da tra-
dução, e traduziu dezenas de autores de língua
alemã, desde o Barroco, em particular poesia do
século XX, e ainda Goethe (Fausto, Ifigénia, Tas-
so, Viagem a Itália, prosa narrativa e científica,
poesia), Hölderlin, Kleist, Grabbe, Hugo von
Hofmannsthal, Kafka, Peter Handke, Thomas
Bernhard, Christa Wolf, Heiner Müller, Marius
von Mayenburg; e ainda os filósofos Max Stir-
Nuno Cardoso ner e Walter Benjamin. Recebeu vários prémios
encenação e distinções, entre outros os prémios de ensaio
Nasceu em 1970, em Canas de Senhorim. É ac- da Associação Portuguesa de Escritores e da As-
tor, encenador e director artístico do Teatro Car- sociação Internacional de Críticos Literários, o
los Alberto. Inicia o seu percurso no teatro no Grande Prémio de Tradução do PEN Clube e da
início da década de 1990, no contexto do teatro Associação Portuguesa de Tradutores, a Cruz de
universitário, integrando o CITAC – Círculo de Mérito da República Federal da Alemanha e a
Iniciação Teatral da Academia de Coimbra. Os Medalha Goethe. ≠
primeiros trabalhos como actor acontecem em
espectáculos encenados por Paulo Lisboa (Os
Olhos do Gato, de Moebius e Jodorowski/1993; O
Processo, a partir de Franz Kafka/1994; As Cria-
das, de Jean Genet/1995). Em 1994, foi um dos
fundadores da Visões Úteis, companhia em que
foi responsável pelas encenações de As Aventu-
ras de João Sem Medo, a partir da obra homóni-
ma de José Gomes Ferreira, Casa de Mulheres,
de Dacia Maraini, e Porto Monocromático, cria-
ção colectiva. Ainda neste período dirigiu, para
o TAUP – Teatro Académico da Universidade
Portucalense, Crimes Exemplares, de Max Aub.
Em 1997, inicia uma colaboração regular com o
TNSJ, tendo encenado, com Fernando Mora Ra-
mos, Sexto Sentido (1999), de Regina Guimarães, F. Ribeiro
Abel Neves, António Cabrita e Francisco Man- cenografia e adereços
gas; Antes dos Lagartos (2001), de Pedro Eiras, Nasceu em Lisboa, em 1976. Iniciou a sua for-
ambos projectos Dramat – Centro de Dramatur- mação artística na área da Pintura com o pin-
gias Contemporâneas do TNSJ, e os espectáculos tor Alexandre Gomes, em 1992, tendo comple-
músico-cénicos Pas-de-Cinq+1 (1999), de Mauri- tado, em 1999, o curso de Realização Plástica
cio Kagel, e Coiso (2001), revisitação das músicas do Espectáculo, na Escola Superior de Teatro e
para cena de Albrecht Loops. Encenou também Cinema de Lisboa. Tem igualmente o curso de
Paysage Choisi (1999), a partir de textos de Fede- Pintura da Sociedade Nacional de Belas Artes de
rico García Lorca, De Miragem em Miragem Se Lisboa e o curso de Ilustração da Fundação Ca-
Fez a Viagem (2000), de Carlos J. Pessoa, e Antígo- louste Gulbenkian. Nos últimos anos, a sua ac-
na (2001), a partir de Sófocles. Como actor, des- tividade nas artes plásticas desenvolve-se em
tacam-se as participações em O Subterrâneo, de vertentes distintas: cenografia, pintura, instala-
F. Dostoievski (enc. Paulo Castro, Visões Úteis), ção, ilustração, desenho e animação. No teatro,
Projecto X.2 – A Mordaça, a partir de Eric-Emma- concebeu cenários e/ou adereços para espectá-
nuel Schmitt (dir. Francisco Alves, Teatro Plás- culos encenados por Andrzej Sadowski, Antó-
tico), Gato e Rato, de Gregory Motton (enc. João nio Fonseca, Denis Bernard, Fernando Moreira,
Paulo Seara Cardoso, Visões Úteis), e Na Solidão José Ananias, José Carretas, José Miguel Braga,
dos Campos de Algodão, de Bernard-Marie Koltès Luís Assis, Nuno Cardoso, Nuno M Cardoso,
(enc. Nuno M Cardoso, Teatro Só). Nos seus úl- Pierre Voltz e Rogério Nuno Costa, para estrutu-
timos trabalhos contam-se, como actor, a parti- ras como o Teatro da Cornucópia, Teatro Nacio-
cipação em Gretchen (2003), a partir de Urfaust, nal de São Carlos, Teatro Nacional São João, Tea-
de Goethe, encenação Nuno M Cardoso, e as en- tro Circo, Teatro Universitário do Minho, Reino
cenações de Purificados (2002), de Sarah Kane, Verde, Núcleo de Criação Teatral, Teatro da Co-
Valparaíso (2002), de Don DeLillo, e Parasitas muna, Rivoli Teatro Municipal, Quarto Período
(2003), de Marius von Mayenburg, que mar- – O do Prazer, entre outros. É autor de diversos
cam o início da sua colaboração com o Ao Cabo cartazes para espectáculos de teatro como Er-
Teatro. ≠ rata: Onde Se Lê Sonho Deve Ler-se Mata, Cyrano
de Bergerac, Anti-natura, O Beijo no Asfalto, O La-
mento por Arthur Cleary e Gimme 5. Expôs indi-
vidualmente o seu trabalho em Pintura em es-
paços como Galeria-Bar Imprevisto e Joke Bar,
tendo trabalhado igualmente na área da insta-
lação, nomeadamente no Auditório do Teatro
Universitário do Minho. Em televisão, fez ma-
nipulação, ilustração e assistência de realiza-
ção para programas infantis da RTP. Realizou
diversas acções de formação: Iniciação à Reali-
zação Plástica do Espectáculo, Expressão Plásti-
ca, Confecção de Fantoches, Confecção de Más-
caras e Confecção de Moldes Faciais. ≠
23

Paulo Mendes
cenografia e adereços
Artista plástico de formação, comissário de
exposições e produtor de projectos culturais.
Apresenta o seu trabalho individualmente e Sérgio Delgado
em colectivo desde o início da década de 1990, música e sonoplastia
destacando-se as exposições: Imagens para os Nasceu em Moçambique, em 1972. A sua forma-
anos 90 (1993/Fundação de Serralves e Cultur- ção inclui órgão e teoria musical na Escola Ma-
gest), Do it yourself/Faça você mesmo (1993/ tos Ferreira, e bateria e piano na Escola do Hot Loup Abramovici
Galeria Quadrum), Made in Portugal – Visite Clube de Portugal. Como músico/compositor, apoio ao movimento
o Ambiente Modelo (1993/Galeria Graça Fon- a sua carreira iniciou-se em 1996 no Teatro da Nasceu em 1979, em Aix-en-Provence, França.
seca), Espectáculo, Exílio, Deriva, Dissemi- Garagem, tendo colaborado em diversos espec- Tem formação em dança clássica pela Escola
nação: Um Projecto em Torno de Guy Debord táculos dirigidos por Carlos J. Pessoa. Em 2002, Superior de Dança (Lisboa), Conservatoire Ma-
(1995/Metalúrgica Alentejana), Lisboa Fora de compôs as bandas sonoras dos espectáculos Val- rius Petipa (Paris) e Conservatoire National de
Horas (1995/Instalações numa casa particular, paraíso, de Don DeLillo, enc. Nuno Cardoso; Région de Boulogne-Billancourt, e em dança
Lisboa), Peninsulares (1995/Galeria Antoni Es- Frankenstein, a partir de Mary Shelley, enc. Bru- contemporânea pelo Centre National de Dan- Ana Vargas
trany, Barcelona), Greenhouse Display (1996/ no Bravo, e Amok, de Jacinto Lucas Pires, a partir se Contemporaine – Angers e Centre Choré- assistência de encenação
Estufa Fria), Mais do que ver (1996/III Jorna- de Stefan Zweig, enc. Luís Gaspar. Em 2003, foi graphique National de Montpellier Languedoc- Nasceu no Porto, em 1980. Em 1998 ingressa na
das de Arte Contemporânea do Porto/Moagens responsável pelas bandas sonoras de Parasitas, Roussillon. Participou nos seguintes projectos: Escola Superior de Música e Artes do Espectácu-
Harmonia), X-Rated (1997/Galeria ZDB), Index de Marius von Mayenburg, enc. Nuno Cardo- Come out et Haftling, coreografia Alban Richard lo, no curso de Interpretação, no âmbito do qual
3 (1998/Galeria João Graça), Sensibilidade Apo- so; Loucos por Amor, de Sam Shepard, enc. Ana para o Ensemble Abrupt, Morceau e Masse, co- desenvolve trabalho em diferentes áreas tea-
calíptica (1999/Festival Atlântico/Galeria ZDB) Nave; O Homem do Pé Direito, de Miguel Castro reografias de Loïc Touzé para a Compagnie 391, trais. Trabalhou com vários encenadores, no-
e Karaoke Life Project/#2 Kaleidoscope Frenzy Caldas, enc. Bruno Bravo; Coimbra B, de Jacin- Les fables à La Fontaine, nas coreografias de Ber- meadamente José Topa, António Capelo, Polina
(1999/Galeria João Graça). Comissariou, entre to Lucas Pires, enc. Marcos Barbosa, e Nevoeiro, trand Davy (Le Corbeau et le Renard) e Salia Sa- Klimovitskaya, Denis Bernard, Carlos J. Pessoa,
outros projectos, Anatomias Contemporâneas concepção e direcção de Sandra Faleiro e Pau- nou (La Grenouille qui veut se faire aussi grosse que Alan Richardson, Richard Stourac, António Du-
(1997/Fundição de Oeiras), (A)Casos (&)Mate- la Castro. Colaborou em televisão no programa le Boeuf) e Objets trouvés, coreografia de Germa- rães e Álvaro Correia. Em 2001, inicia a activi-
riais (1998/Círculo de Artes Plásticas de Coim- Triunfo dos Porcos (2001), compondo dez temas na Civera para a companhia Inesperada. Actu- dade profissional integrando o elenco do espec-
bra – CAPC), WC Container e In.transit (1999 a na rubrica “Crónica”, da autoria de José Maria almente, participa em Visitors Only, coreogra- táculo Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett,
2004/Edifício Artes em Partes), Plano XXI – Por- Vieira Mendes, e compôs a banda sonora para a fia de Meg Stuart para a companhia Damaged encenação de José Wallenstein (TNSJ/2001), a
tuguese Contemporary Art (2000/Glasgow) e curta-metragem Conto de Natal (2001), de Jacin- Goods, estreada em 2003 e em digressão ao lon- que se seguiram as participações nos espectá-
Urbanlab.bienal maia_2001. Na sequência do to Lucas Pires, realizada por Gil Ferreira. Reali- go deste ano. ≠ culos A Viagem de Pedro, O Afortunado, de Au-
desenvolvimento do carácter performativo do zou trabalhos na área da publicidade e integra a gust Strindberg, encenado por Fernanda Lapa
seu trabalho apresentou, no âmbito da progra- banda pop/rock Clark. ≠ (TNDMII/2002), e Quando Eu Era Pequenina Que-
mação da Porto 2001, a instalação/performan- ria Ser Talhante, Hoje Sou Vegetariana, dirigido
ce Copy.Paste (concepção conjunta com João Ga- por Cristiana Rocha. Em 2003, completa a licen-
lante), integrada no projecto Elogio da Loucura ciatura em Estudos Teatrais na Escola Superior
(2001/Hospital Conde Ferreira). Projecto con- de Música e Artes do Espectáculo, cujo projec-
junto com António Olaio, a performance ON/ to final de curso foi o espectáculo Quatro em Be-
OFF foi apresentada em 2002 nos Encontros ckett, encenado por Álvaro Correia. ≠
Imediatos no âmbito da programação das Dan-
ças na Cidade (Lisboa), no A8 Artes em Curso
(Torres Vedras), no Fiar – Festival Internacional
de Artes de Rua (Palmela) e, em 2003, no TNSJ,
no âmbito da programação do brrr – Festival
de Live Art. O vídeo Only real life is better é um
dos vários trabalhos que realizou recentemen-
te com o coreógrafo e intérprete Miguel Pereira João Henriques
para a sua exposição Schizolife Systems. O seu assistência de encenação,
trabalho encontra-se representado em diversas Miguel Flor preparação vocal e elocução
colecções privadas e públicas, nomeadamente figurinos É licenciado em Ciência Política – Relações In-
da Fundação de Serralves ou do Museo Extre- A sua formação inclui o curso técnico-profis- ternacionais. A sua formação artística inclui o
meño e Iberoamericano de Arte Contemporá- sional de Artes e Técnicas de Tecidos da Escola Curso Superior de Canto na Escola Superior de
neo (MEIAC) em Badajoz, Espanha. ≠ António Arroio (Lisboa), o curso técnico-profis- Música de Lisboa, na classe do Prof. Luís Madu-
sional de Design de Moda da Escola Secundária reira, e a pós-graduação com Distinção em Tea-
Aurélia de Sousa (Porto) e o curso de Design de tro Musical na Royal Academy of Music (Lon- Cristina Hora
Moda da Academia de Moda (Porto). Estagiou dres), onde também obteve o diploma LRAM assistência de figurinos
na Maison Martin Margiela, em Paris, tendo tra- para o ensino do Canto. Com Hamlet (enc. Ricar- Nasceu em 1976, no Porto. É licenciada em Ar-
balhado na produção de Book’s das linhas de do Pais/co-produção Ensemble/TNDMII/TNSJ/ tes Plásticas/Escultura. Coordenou o workshop
Homem e Senhora Primavera/Verão’99. Parti- Teatro Viriato – CRAEB/IPAE/ANCA/2002), re- de Máscaras de Carnaval na Fundação para o
cipou em diversas exposições, de entre as quais aliza o seu primeiro trabalho enquanto assis- Desenvolvimento do Vale de Campanhã (1999),
se destacam Mode Portugaise, La Révélation tente de encenação no âmbito de um estágio e um atelier promovido pelo CRAT – Centro Re-
(Paris/1999); Bienal da Maia’99; Meeting Point, de formação patrocinado pela Casa da Músi- gional de Artes Tradicionais (2000). Em 2001,
no âmbito da Experimenta Design’99 (Lisboa); ca. Seguiram-se Três Extravagâncias (enc. Pau- participou na montagem da exposição do Ar-
Re(f)use – Cultural Connections (Holanda/ lo Ribeiro/co-produção Casa da Música/Estúdio quitecto Fernando Lanhas, no Museu de Arte
2000), na qual continuará a participar, até de Ópera do Porto/Rivoli Teatro Municipal/ Contemporânea de Serralves, da exposição iti-
2005, em diversos países; Arkhétypon: Artefac- 2002) e Duas Óperas de Câmara (enc. Corne- nerante Squatters, coordenada pela mesma ins-
tos de Design de Moda para Reflexão, organi- lia Geiser/produção Casa da Música/2002). Em tituição, e do Salão Internacional de Banda De-
zada pelo Centro Português de Design (Lisboa 2003 encenou o espectáculo Ma Mère l’Oye, senhada do Porto, no Mercado Ferreira Borges.
José Álvaro Correia e Matosinhos/2000; Barcelona/2001); Voyager, com os pianistas Fausto Neves e Pedro Burmes- No mesmo ano, participou no workshop Ma-
desenho de luz no âmbito da Experimenta Design, em parceria ter, para o Serviço Educativo da Casa da Músi- nifestações de Luz, orientado por Caty Olive e
Nasceu em Lisboa, em 1976. Concluiu o bacha- com o designer de mobiliário Henrique Ralheta ca, e comissariou o concerto músico-cénico Inez­ promovido pela Fundação Ciência e Desenvol-
relato em Design de Luz e Som na Escola Supe- (Milão, Londres, Lisboa/2001; Barcelona/2002); Eléctrica, apresentado no Salão Nobre do TNSJ. vimento. Em 2002, integrou uma exposição
rior de Música e Artes do Espectáculo, em 1999. A Cidade Vestida, no âmbito da programação da Seguiram-se as assistências de encenação de colectiva nos Maus Hábitos – Espaço de Inter-
Iniciou o seu percurso teatral no projecto Quar- Porto 2001, e +Portugal, promovida pela Moda Castro, um Hamlet a mais (encenações Ricar- venção Cultural, e deu apoio a Miguel Flor na
to Período – O do Prazer, orientado por Antó- Lisboa (Barcelona/2002). Concebeu os figurinos do Pais/produção TNSJ/2003) e do espectáculo concepção de figurinos para os espectáculos da
nio Fonseca. Foi responsável pelo desenho de para os espectáculos da compositora Marian- músico-cénico Rua! Cenas de Música para Teatro, compositora Marianne Amacher apresentados
luz de diversos espectáculos produzidos pelo ne Amacher apresentados no Museu de Arte tendo neste último participado também como no Museu de Arte Contemporânea de Serral-
Teatro Bruto, Teatro Plástico, Teatro Universi- Contemporânea de Serralves. Recebeu vários cantor. Em Novembro, encenou, para o Servi- ves. Entre 2001 e 2003, leccionou a disciplina de
tário do Minho, Ao Cabo Teatro, .lilástico, En- prémios: Melhor Jovem Criador, no Concurso ço Educativo da Casa da Música, o espectácu- Educação Visual e Tecnológica. ≠
semble – Sociedade de Actores, Teatro Aberto Sangue Novo (Moda Lisboa/1996), Melhor Co- lo A Menina do Mar, a partir do conto de Sophia
e As Boas Raparigas... . Trabalhou com os ence- lecção Masculina Outono/Inverno 1999/2000 de Mello Breyner Andresen, com música de Fer-
nadores António Fonseca, Rogério de Carvalho, (Moda Lisboa), Prémio Criador Revelação 1998 nando Lopes-Graça. Actualmente exerce, no Te-
Mário Barradas, Luís Assis, José Carretas, Mar- (Look Elite Portugal), Prémio Workshop (Paris/ atro Nacional S. João, as funções de assistente
cos Barbosa, Pierre Voltz, Andrzej Sadowski, 1999), Melhor Colecção Masculina Primavera/ de direcção artística, colaborador nas activida-
Afonso Fonseca, João Lourenço, entre outros. Verão 2000 (Moda Lisboa), Casabo – Univers des do Salão Nobre e professor residente de voz
Desde 2001, trabalha regularmente com Nuno Homme (Paris/2000) e Melhor Criador – Opti- e elocução. ≠
Cardoso: Antígona, a partir de Sófocles, Antes mus da Moda 2000. É professor da disciplina de
dos Lagartos, de Pedro Eiras, Purificados, de Sa- Informação de Moda na Academia de Moda e,
rah Kane, Valparaíso, de Don DeLillo e Parasi- desde 2003, director artístico da marca Torre. ≠
tas, de Marius von Mayenburg. Orientou vários
workshops e acções de formação na área de Ilu-
minação para espectáculos. ≠
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Alberto Magassela Isabel Queirós


Saca-Logo, O Senhor Disfarçado Martha, Ina
Nasceu em Maputo, Moçambique, em 1966. Aí Daniel Pinto Nasceu no Porto, em 1977. Iniciou a sua forma-
trabalhou como actor residente no Teatro Ave- Robert, Helmuth, Reitor Insolação ção na Escola de Dança Ginasiano e no Ballete-
nida com os grupos M’Beu e Mutumbela Gogo. Tem o curso de Interpretação da Academia atro Escola Profissional do Porto, tendo sido di-
Em 1995 vem viver para Portugal, tendo traba- Catarina Requeijo Contemporânea do Espectáculo, no âmbito do rigida por Né Barros, Isabel Barros, Hugo Rodas,
lhado com os encenadores Rogério de Carva- Thea, Sra. Gabor qual desenvolveu formação com António Ca- Jorge Levi e Águeda Sena. Concluiu o segundo
lho (Escapes/1996), Nuno Carinhas (O Grande Nasceu em 1973, em Angola. Tem o curso de pelo, João Paulo Costa, Joana Providência, Te- ano do curso de Filosofia da Faculdade de Letras
Teatro do Mundo/1996, O Belo Indiferente/1997, Formação de Actores da Escola Superior de Te- resa Lima, Luís Madureira, Kuniaki Ida, Rogé- da Universidade do Porto, tendo posteriormen-
A Ilusão Cómica/1999), Ricardo Pais (A Tragico- atro e Cinema. Iniciou o seu percurso de ac- rio de Carvalho, Alan Richardson, entre outros. te ingressado na Escola Superior de Música e
média de Dom Duardos/1996, Noite de Reis/1998, triz no Teatro dos Estudantes da Universida- Inicia o seu percurso profissional no espectá- Artes do Espectáculo, onde concluiu o Bachare-
Arranha Céus/1999), Giorgio Barberio Corsetti de de Coimbra (TEUC), onde trabalhou com culo Limites/Possibilidades, de Howard Barker, lato do curso de Interpretação. Enquanto aluna
(Os Gigantes da Montanha/1997, Barcas/2000), os encenadores Manuel Sardinha, Jorge Fraga, encenação de Rogério de Carvalho (As Boas da ESMAE trabalhou com encenadores como
José Caldas (A Menina de Lá/1997), Paulo Castro Rogério de Carvalho e João Grosso. Profissio- Raparigas.../1998), a que se seguiram as partici- António Durães (Esta Noite Improvisa-se, de Lui-
(Vermelhos, Negros e Ignorantes/1998, Carícias/ nalmente trabalhou, entre outros, com Kon- pações em Get off my garden, criação e encena- gi Pirandello), António Capelo (Sangue no Pesco-
2002), Fernando Mora Ramos (Combate de Ne- rad Zschiedrich (Leôncio e Lena, 1995), Luís Cas- ção de Alan Richardson (Diabo a Quatro/1999), ço do Gato, de R. W. Fassbinder), Carlos J. Pessoa
gro e de Cães/1999), Lígia Roque (Os Considera- tro (Paz 29, 1997), Tiago Rodrigues (O Menino de Um Mundo Muito Próprio, tributo a Buster Kea- (Castro, de António Ferreira), e Richard Stourac/
dos, inserido no projecto “Os Sons, Menina!… Belém, 1998) e Luís Miguel Cintra (Amor, Enga- ton com direcção de Alan Richardson (Diabo Fiona McPeake (O Dragão, de Jevgeny Schwarz).
– teatros radiofónicos”/1999), Ulysses Cruz (Pé- nos, 2000). Co-encenou e interpretou, com Joa- a Quatro/2000), A Respeitosa, de Jean-Paul Sar- Ainda durante a sua formação participou no es-
ricles – Príncipe de Tiro/2000), Fernando Morei- na Seixas, In-ter-va-lo (1999), de Jaime Salazar tre, reposição da encenação de Norberto Barro- pectáculo Édipo Rei, de Sófocles, encenação de
ra (O Espantalho Teso/2001), José Wallenstein (A Sampaio, e com Luís Gaspar, Morrer (1999), de ca estreada em 1998 (Teatro Experimental do Peter Kripps para o Teatro Universitário do Por-
Hora em Que Não Sabíamos Nada Uns dos Outros/ José Maria Vieira Mendes, a partir da novela ho- Porto/2000), A Hora em Que Não Sabíamos Nada to. Como actriz profissional participou em Al-
2001), João Grosso (Barcas/2002), Miguel Seabra mónima de Arthur Schnitzler. Dos seus mais Uns dos Outros, de Peter Handke, encenação de letsator – XPTO.Kosmos.2001 (2001), de Pedro
(Mar me Quer/2001) e Natália Luiza (Mundau/ recentes trabalhos fazem parte as participações José Wallenstein (TNSJ, Teatro Só/2001), Pon- Barbosa, enc. João Paulo Costa, dir. musical Vir-
2003). Frequentou a Oficina de Escrita dirigida em Amok (2002), de Jacinto Lucas Pires, a partir te dos Sonhos, espectáculo de rua inspirado na gílio Melo; Montras de Solidão (2001), de Marcos
por António Mercado em 1999/2000, e o semi- de Stefan Zweig, encenação de Luís Gaspar; Pa- tragédia da Ponte das Barcas (Academia Con- Barbosa e José Carretas, enc. Marcos Barbosa; Os
nário Viagem pela Dramaturgia de Expressão rasitas (2003), de Marius von Mayenburg, ence- temporânea do Espectáculo, Porto 2001), Li- Saltimbancos (2003), de Chico Buarque, encena-
Alemã das Décadas de Oitenta e Noventa, orien- nado por Nuno Cardoso, e Coimbra B (2003), de nha 18, encenação de Alan Richardson (Teatro ção de Gabriel Villela; Teatro do Futuro, de Edu-
tado por Vera San Payo de Lemos, iniciativas Jacinto Lucas Pires, encenação de Marcos Bar- Bruto/2001), Alice no Jardim das Delícias, criação ardo R. Santos e Joaquim A. Ferreira, enc. Junior
promovidas pelo Dramat – Centro de Drama- bosa. Para além do teatro, participou ainda em colectiva dos profissionais do curso de especia- Sampaio (2003), e na leitura encenada de Estrela
turgias Contemporâneas do TNSJ. Foi responsá- séries, no programa televisivo Portugalmente, e lização de Artes de Rua (2001), Alice no País de da Manhã (2002), de António Ferreira, vencedor
vel pela encenação das peças Minha Conto, a par- desenvolve um trabalho regular na área da po- Cá, criação e direcção de Elsa Aleluia (Projecto do Concurso Novas Dramaturgias promovido
tir de A Varanda do Frangipani, de Mia Couto, esia, participando e organizando recitais. Co- Buh!/2002), e A Resistível Ascensão de Arturo Ui, pelo Dramat. Faz dobragens de séries de anima-
Sonâmbulos, a partir de Mia Couto, Tarará, a par- labora regularmente com o Centro de Pedago- de Bertolt Brecht, encenado por Kuniaki Ida ção e imagem real. ≠
tir de Pirandello, Os Malefícios do Tabaco, a partir gia e Animação do Centro Cultural de Belém, (ACE/Teatro do Bolhão, TNSJ/2003). ≠
de Tchekov, e Três Peças Roubadas a Mia Couto, a no qual desenvolve um trabalho dirigido ao pú-
partir de Mia Couto. No cinema, trabalhou com blico infantil. ≠
os realizadores João Maia, Carlos Assis, Fernan-
do Vendrell, Allison Mary, Sol de Carvalho, Ca-
milo de Sousa e Jorge Marecos. ≠

Ivo Alexandre
Gilberto Oliveira Sr. Gabor, Dr. Pirolito
Georg, Ruprecht, Quebra-Ossos Nasceu no Porto, em 1977. Fez o curso de Teatro
Cátia Pinheiro Nasceu no Porto, em 1980. Tem o curso de Te- no Balleteatro Escola Profissional, Porto. Como
Wendla atro (opção de Interpretação) da Escola Supe- actor, trabalhou com os encenadores João Paulo
Nasceu no Porto, em 1980. Foi finalista do cur- rior de Música e Artes do Espectáculo, onde par- Seara Cardoso, José Wallenstein, Paulo Castro,
António Júlio so de Interpretação da Academia Contemporâ- ticipou em projectos com vários encenadores Jorge Silva Melo, João Pedro Vaz, Manuel Wi-
Lämmermeier, Gaston, Moca-Grossa, nea do Espectáculo em 2000. Como actriz par- e criativos como António Capelo, Carlos J. Pes- borg, Ricardo Pais, Giorgio Barberio Corsetti,
Pastor Barriga-Careca ticipou nos seguintes espectáculos: Num Mar soa, Alan Richardson, Richard Stourac/Fiona Nuno Cardoso, Ana Luísa Guimarães, Fernan-
Nasceu em Vila Nova de Gaia, em 1977. Em Interior, de Edward Bond, encenação de Antó- McPeake, António Durães, Denis Bernard, en- do Moreira e Carlos Avilez. Trabalhou pela pri-
2002, concluiu o curso de Interpretação da Aca- nio Fonseca (Caixa Negra/2000); No Dia em Que tre outros. No âmbito da prova final de licencia- meira vez com o Teatro Nacional S. João em Ar-
demia Contemporânea do Espectáculo. Do seu a C+S Fechou, texto e encenação de Marcanto- tura, participou no espectáculo Quando Eu Era ranha Céus (Dramat/TNSJ/Teatro Bruto/1999) e
trabalho como actor consta a participação em nio Del-Carlo (TNSJ/2001); Purificados, de Sarah Pequenina Queria Ser Talhante, Hoje Sou Vegeta- posteriormente nos espectáculos Barcas (TNSJ/
espectáculos como Falar Verdade a Mentir, de Kane, encenação de Nuno Cardoso (TNDM II, riana, dirigido por Cristiana Rocha. Integrou o 2000), A Hora em Que Não Sabíamos Nada Uns
Almeida Garrett, encenação de Roberto Me- Teatro Helena Sá e Costa, Ao Cabo Teatro/2002); elenco de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, dos Outros (TNSJ/Teatro Só/2001), O Caos é Vi-
rino (1999); Causa e Efeito, coreografia de Joa- No Fundo, No Fundo, de Jacinto Lucas Pires, ence- encenação de José Wallenstein (TNSJ/2001), Ca- zinho de Deus (Produções Paulo Castro/ANCA/
na Providência (2000); Rei Ubu, de Alfred Jarry, nação de Marcos Barbosa (.lilástico, ANCA, Ci- rícias, de Sergi Belbel, encenação de Paulo Cas- TNSJ/2001), Hamlet (Ensemble/TNDMII/TNSJ/
encenação de Roberto Merino (2001); Óculos, temor, CAPA, Casa das Artes de Vila Nova de Fa- tro (Seiva Trupe/2002), Chuva de Verão, a par- Teatro Viriato – CRAEB/IPAE/ANCA/2002),
apresentado no âmbito do Festival Fazer a Fes- malicão, TNSJ/2002); Parasitas, de Marius von tir de Marguerite Duras, encenação de Afonso Auto da Visitação (TNSJ/2002), O Triunfo do Amor
ta, encenação de Miguel Hernandez (2002), e Mayenburg, encenação de Nuno Cardoso (Ao Fonseca (Companhia de Teatro de Braga e Asso- (ASSéDIO/TNSJ/2002), Castro (TNSJ/2003) e
Beckett’s, a partir de Samuel Beckett, encena- Cabo Teatro, TNDMII/2003), e Gretchen, a partir ciação Cultural Francisco Sá de Miranda/2002). Os Dias de Hoje (.lilástico/TNSJ/2003). Mais re-
ção de João Paulo Costa (2002). Em 2003, inte- de Urfaust, de Goethe, encenação Nuno M Car- Participou ainda na ópera Punch and Judy, de centemente, participou na remontagem de
grou o elenco de Histórias com Pés e Mãos, de Re- doso (Cão Danado e Companhia, TNSJ/2003). ≠ Harrison Birtwistle, encenação de José Wallens- (A)tentados, de Martin Crimp, enc. João Pedro
gina Guimarães, direcção de Joana Providência; tein (TNSJ/Casa da Música – Estúdio de Ópe- Vaz. Encenou O Meu Caso e Mário ou Eu Próprio-
A Resistível Ascensão de Arturo Ui, de Bertolt Bre- ra do Porto/2002) e 1000 e 1 Acqua, de Tiziana O-Outro, ambos de José Régio, e O Mundo Acaba
cht, encenação de Kuniaki Ida; Os Meteoros, de Arnaboldi (Companhia de Dança de Almada/ Ontem, baseado em textos de Millôr Fernandes.
Regina Guinarães e Saguenail, encenação de Pe- 2003). No cinema, participou em Kuzz, realiza- No cinema, participou no filme Cães Raivosos,
dro Mendonça, e Pioravante Marche, de Samuel do por José Pedro Sousa, e Dispersão, realização de Paulo Castro, bem como em várias curtas-
Beckett, criação de Joana Providência. ≠ de André Martins. ≠ metragens. Na televisão, integrou o elenco de
várias séries televisivas, nomeadamente Major
Alvega e A Hora da Liberdade. ≠
25

Sérgio Praia
Melchior
Nasceu em 1977. Tem o curso de Interpretação
da Academia Contemporânea do Espectáculo.
Em 1999, estreia-se profissionalmente no espec-
Miguel Rosas táculo O Teatro é Puro Cinema, escrito e encena-
Ernst, Língua-Presa do por Álvaro Garcia de Zuñiga, e apresentado
Luís Araújo Nasceu no Porto, em 1978. Concluiu o curso de no Teatro Nacional D. Maria II, tendo posterior-
Hänschen Rilow, Reinhold, Interpretação da Academia Contemporânea do mente participado em peças como Cais Oeste,
Professor Barriga-de-Fome Espectáculo em 2000. No teatro, participou nos de Bernard-Marie Koltès, enc. Rogério de Car-
Nasceu no Porto, em 1983. Durante a formação espectáculos Encarnado e Maldizeres, produções valho (produção Ensemble – Sociedade de Ac-
no curso de Interpretação da Academia Con- do Teatro Bruto (1998); Nós Todos 3, espectáculo tores), In(sub)missão, escrito e encenado por
temporânea do Espectáculo trabalhou com An- musical da companhia Arte Pública – Artes Per- Carlos J. Pessoa (co-produção TNSJ/Teatro da
tónio Capelo, João Paulo Costa, João Pedro Vaz, formativas de Beja, autoria e encenação de Gi- Garagem), O Tio Vânia, de Howard Barker, enc.
Joana Providência, Tilike Coelho, Kuniaki Ida, sela Cañamero (1999); Caleidoscópio, de Vânia Rogério de Carvalho (produção As Boas Rapa-
Rogério de Carvalho, Sandra Mladenovich e Na- Cosme, encenado por Ana Luena e Paulo Frei- rigas...), Antes dos Lagartos, de Pedro Eiras, enc.
tália Luiza. Em 2003, no âmbito do SITE – Sema- Martinho Silva xinho (Teatro Bruto/2000); Don Juan, de Bertolt Nuno Cardoso (co-produção Ao Cabo Teatro/
na Internacional de Teatro, co-organizado por Otto, Diethelm, Mata-Moscas Brecht, encenação de Rogério de Carvalho (Te- TNSJ), Tia Dan e Limão, de Wallace Shawn, enc.
Coimbra, Capital Nacional da Cultura e TNSJ, Nasceu em Penafiel, em 1979. Iniciou os seus atro Bruto/2000). Integrou ainda os elencos de Nuno Carinhas (co-produção ASSéDIO/ANCA/
trabalhou com Raimondo Cortese e com a com- estudos teatrais em 1995 no Balleteatro Escola Azul, encenação de João Paulo Costa a partir de TNSJ), O Coração de um Pugilista, de Lutz Hüb-
panhia italiana Teatrino Clandestino. Profis- Profissional do Porto. Estagiou com a Proteus textos de Marguerite Duras; Amarelo, encena- ner, enc. José Wallenstein, (produção TNSJ),
sionalmente, integrou espectáculos encenados Theatre Company no Queen Mary’s College, do por João Meireles; Vermelho, de Vânia Cos- Zaap!, de Joana Providência, O Triunfo do Amor,
por Luís Mestre (Sickness, de Raimondo Cortese/ em Basingstoke, Inglaterra. Na sua formação me, encenação de Pedro Mendonça, e Primárias, de Marivaux, enc. João Pedro Vaz (co-produção
2002, American Buffalo, de David Mamet/2003, artística salienta-se o trabalho desenvolvido de Vânia Cosme, direcção Teatro Bruto, espectá- ASSéDIO/TNSJ) e Fédon, de Platão, enc. Rogé-
e Some Voices, de Joe Penhall), e Manuel Sardi- com Jack Souvant (técnica de andas), Claire Heg­ culos apresentados em 2001 no âmbito do pro- rio de Carvalho (produção As Boas Raparigas...).
nha (Galileu, a partir de Bertolt Brecht/2003). gen – Théâtre du Mouvement, Eugénio Roque jecto Círculo da Cor do Teatro Bruto. Em 2003, Em televisão, integra o elenco fixo da telenove-
No cinema, participou no vídeo-documentá- e William Hobbs (esgrima), Paulo Ribeiro, Né participou em A Resistível Ascensão de Arturo Ui, la Saber Amar. ≠
rio O Homem-Teatro, de Edgar Pêra. Em 2002 Barros, Peter Michael Dietz, entre outros. Par- de Bertolt Brecht, encenação de Kuniaki Ida, co-
fundou, com Miguel Bonneville e Vanda Ce- ticipou na animação cultural da Expo’98 no es- produção ACE/Teatro do Bolhão e TNSJ, e em
rejo, a associação cultural O Animal Perfeito, pectáculo permanente Peregrinação, concebido Os Meteoros, de Regina Guimarães e Saguenail,
que tem como objectivo a produção, criação e dirigido por João Brites/O Bando, e no projec- com direcção de Pedro Mendonça, produção Te-
e divulgação de espectáculos de teatro e artes to que o integrava Máquina-Homem (Clone Fi- atro Bruto. No cinema, foi protagonista de Pano
performativas. ≠ ghters), concebido e encenado por João Paulo Cru, curta-metragem de Pedro Caiano, exibida
Seara Cardoso/Teatro de Marionetas do Porto. na edição de 2002 do Fantasporto. ≠
Trabalhou como actor em espectáculos ence-
nados por João Paulo Seara Cardoso (Quedas, de
Gregory Motton), Paulo Castro (Horácio, de Hei-
ner Müller), Isabel Barros (Acidente de Automóvel
Cor de Laranja 10 Vezes, e Delete, solo pelo Bal-
leteatro Companhia), Roberto Merino (Conto
de Inverno, de William Shakespeare), José Wal-
lenstein (A Metamorfose, de Franz Kafka), Nuno
Carinhas (A Ilusão Cómica, de Pierre Corneille), Tónan Quito
Ana Luísa Guimarães (O Boticário, ópera de Jo- Moritz, Sr. Stiefel
seph Haydn, com direcção musical de Bertrand Nasceu em 1976. Fez a sua formação na Escola
Brouder), Ricardo Pais (Arranha Céus, de Jacin- Superior de Teatro e Cinema, onde concluiu o
to Lucas Pires), Giorgio Barberio Corsetti (Bar- curso de Formação de Actores. Começou o seu
cas, a partir de Gil Vicente), Nuno Cardoso (De percurso como actor com o Quarto Período – O
Marta Nunes Miragem em Miragem se Fez a Viagem, de Carlos do Prazer, tendo participado em todos os espec-
Ilse, Sra. Schmidt (parteira) J. Pessoa), Maria Emília Correia (Auto da Cana- Patrícia Brandão táculos dirigidos por António Fonseca: Romeu e
Nasceu no Porto, em 1980. Em 1998, terminou nea, de Gil Vicente; A Maçã no Escuro, de Clari- Sra. Bergmann Julieta, de W. Shakespeare, O Despertar da Pri-
o curso de Teatro do Balleteatro Escola Profis- ce Lispector; Menino ao Colo, de Armando Silva Nasceu no Porto, em 1974. É licenciada em Es- mavera, de Frank Wedekind, Dia de Marte, de
sional, onde trabalhou com Teresa Lima, João Carvalho), Marcantonio Del-Carlo (No Dia em tudos Teatrais pela Escola Superior de Música Edward Bond, Lisistrata, de Aristófanes, e Gim-
Paulo Seara Cardoso, Paulo Castro, Roberto Me- Que a C+S Fechou, de Marcantonio Del-Carlo), e Artes do Espectáculo, onde obteve também me 5. Estreou-se profissionalmente no Teatro da
rino, Marcantonio Del-Carlo e com o Théâtre Claudio Hochman (Cyrano, de Edmond Ros- o bacharelato em Interpretação. Tem o bacha- Cornucópia, onde participou nos seguintes es-
du Mouvement. A sua formação inclui ainda tand, e O Navio dos Rebeldes, de Margarida Fon- relato do curso de Comunicação Social da Esco- pectáculos encenados por Luís Miguel Cintra:
um estágio com a Proteus Theatre Company, seca Santos) e Jorge Fraga (Viriato, de Diogo Frei- la Superior de Jornalismo do Porto. Na ESMAE, O Triunfo do Inverno, de Gil Vicente (1994), Um
Londres. Em 1998, no âmbito de Olharapos, tas do Amaral). Participou ainda na coreografia trabalhou com os encenadores Alan Richar- Auto de Gil Vicente, de Almeida Garrett (1996),
projecto de animação permanente da Expo’98, 1000 e 1 Acqua, de Tiziana Arnaboldi, e em Lua!, dson, António Pires, Denis Bernard, António Os Sete Infantes de Lara, a partir da Crónica Ge-
trabalhou com Madalena Vitorino, Joana Pro- espectáculo de Novo Circo, dirigido por André Durães, Rogério de Carvalho, João Brites, João ral de Espanha de 1344 e de um auto tradicional
vidência, Cândido Ferreira, Jorge Laurentino, Gago. Criou e interpretou, com Marta Nunes, Mota, José Topa, Julio Castronuovo, Maria Villa- transmontano (1997), O Casamento de Fígaro, de
Sérgio Pelágio e Kot Kotecki. Em 1999, integra Sono’lento (1999), e com Sérgio Praia, a convite cis, entre outros. No âmbito da prova final de Beaumarchais (1999) e O Novo Menoza ou His-
o Teatro de Marionetas do Porto, participando de Cristina Grande, Carta da Flor do Sol, a partir bacharelato, integrou o elenco de As Troianas, tória do Príncipe Tandi de Cumba, de Jakob Lenz
nos seguintes espectáculos encenados por João de Al Berto. Em televisão, integrou os elencos de Jean-Paul Sartre, encenação de Nuno Cardo- (2001). Na mesma companhia, trabalhou ain-
Paulo Seara Cardoso: Nada ou o Silêncio de Beckett da telenovela Nunca Digas Adeus e da série Su- so, e no projecto final de licenciatura partici- da com Christine Laurent em D. João e Fausto, de
(1999), Óscar (1999), Os Três Porquinhos (2000), per Pai, tendo ainda colaborado em dobragens pou em Quatro em Beckett, a partir de Samuel Be- Christian Dietrich Grabbe (2001).
Macbeth (2001), O Polegarzinho (2002), O Prin- de diversas séries. ≠ ckett, encenação de Álvaro Correia. Trabalhou Trabalhou ainda com António Pires em Peter
cípio do Prazer (2003), História da Praia Grande técnicas vocais com Luís Madureira, Maria Luís Pan (Teatro Mais/1997), Luís Assis em Uma Casa
(2003), e como assistente de encenação em Pai- França, Maria Repas, Inês Vicente e João Loio, e na Árvore (Cassefaz/1999), Lúcia Sigalho em De-
sagem Azul com Automóveis (2001). Encenou e técnicas de movimento com Cristiana Rocha, dicatórias (Companhia de Teatro Sensurround/
interpretou, com Martinho Silva, o espectáculo Mariana Rocha, Joana Providência, Luca Aprea 2000), Joaquim Horta em Ruído (Artistas
Sono’lento (1999). Desde 2003 é monitora do Ser- e Claire Binyon. Como actriz profissional, inte- Unidos/2000), Paula Diogo em Diotima (Teatro
viço Educativo da Fundação de Serralves. ≠ grou espectáculos encenados por Manuel Ge- Praga/2001), e com o Teatro da Garagem em Mi-
raz, Alberto Grilli, entre outros. ≠ galhas de um Deus Intratável (2001) e Os Donos
dos Cães (2002), textos e encenações de Carlos J.
Pessoa. Recentemente, trabalhou em espectácu-
los encenados por Nuno Cardoso como Purifica-
dos, de Sarah Kane (TNDM II, Teatro Helena Sá e
Costa, Ao Cabo Teatro/2002), e Parasitas, de Ma-
rius von Mayenburg (Ao Cabo Teatro, TNDMII/
2003), e ainda com Nuno M Cardoso em Gre-
tchen, a partir de Urfaust, de Goethe (Cão Dana-
do e Companhia e TNSJ/2003). ≠
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Teatro Nacional São João
ficha técnica

director som departamento de informação


Ricardo Pais Francisco Leal e tecnologia
Assistente Miguel Ângelo Silva Vítor Oliveira
Paula Almeida António Bica Secretária
Susana de Brito
subdirectora (Administração) luz Centro de Informação
Francisca Carneiro Fernandes Rui Simão Paula Braga
Assistente Abílio Vinhas Informática
Luísa Archer Andreia Azevedo PauloVeiga
Filipe Pinheiro
subdirector (Produção) Fred Rompante responsáveis de bilheteira
Salvador Santos João Coelho de Almeida Fernando Camecelha (TNSJ)
Assistentes José Rodrigues Conceição Duarte (TeCA)
Liliana Oliveira Luís Ribeiro
Maria João Teixeira Pedro Carvalho bilheteiras
Lucinda Gomes Patrícia Oliveira
Secretariado mecânica de cena Sónia Silva
Maria do Céu Soares Filipe Silva Filipa Roque
Adélio Pêra Fátima Tavares
assessores da direcção António Quaresma Filipe Meira
José Luís Ferreira Carlos Barbosa
Vítor Oliveira Joaquim Marques frente de casa
Joel Santos Fernando Camecelha
direcção artística Jorge Silva Conceição Duarte
Teatro Nacional São João Lídio Pontes Jorge Rebelo
Ricardo Pais Nuno Ferreira
Assistente Paulo Ferreira fiscal de sala
João Henriques José Pêra
vídeo
Teatro Carlos Alberto Fernando Costa serviços administrativos
Nuno Cardoso e financeiros
Assistente departamento de comunicação Domingos Costa
Hélder Sousa José Luís Ferreira Ana Maria Dias
Promoção e Marketing Ana Roxo
direcção técnica Nicolau Pais Carlos Magalhães
Carlos Miguel Chaves José Miguel Abreu Goretti Sampaio
Adjuntos Assistente Helena Carvalho
Rui Simão Joana Guimarães Paula Simões
Emanuel Pina Centro de Edições
Secretárias João Luís Pereira manutenção geral/segurança
Idalina Silva Cristina Carvalho Joaquim Ribeiro
Manuela Cunha Susana Morais Abílio Barbosa
Gabinete de Imprensa Carlos Coelho
direcção de cena Pedro Sobrado Joaquim Rocha
Pedro Guimarães Assistente José Pêra
Cátia Esteves Carla Simão Júlio Cunha
Liliana Abelho colaboradores
Ricardo Silva João Faria (Design Gráfico ) motoristas
João Tuna (Fotografia e Vídeo ) António Ferreira
direcção de montagem Carlos Sousa
Teresa Grácio relações internacionais
Assistentes José Luís Ferreira bar
Cláudia Ribeiro (Guarda-roupa) Eunice Basto Júlia Batista
Elisabete Leão (Adereços) Rosário Romão
Teresa Batista técnicas de limpeza
relações públicas Adelaide Marques
adereços Luísa Portal Beliza Batista
Guilherme Monteiro Rosalina Babo Bernardina Costa
Dora Pereira Diná Gonçalves Delfina Cerqueira
Isabel Pereira (Guarda-roupa) Glória Martinho
Lídia Pereira
guarda-roupa
Celeste Marinho (Mestra-costureira)
Fátima Roriz
Nazaré Fernandes
Virgínia Pereira

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