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Autor: Moura, Edgar

Título: Camcra na mao : Som direto e i

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SOM DIRETOE INFORMAÇAO Ed ar Moura
• COLEÇÃO LUZ & REFLEXÃO

Ministra da Educação e Cultura


Esther de Figueiredo Ferraz

Secretário da Cultura
Marcos Vinícios Vilaça

Fundação Nacional de Arte

Diretora-Executiva
Maria Edméa Saldanha de Arruda Falcão CÂMERANA MÃO
Diretor do Instituto Nacional da Fotografia SOM DIRETOE INFORMAÇÃO Edgar Moura
Pedro Vasquez

Bolsa de Valores do Rio de Janeiro

Presidente
Enio Carvalho Rodrigues

DOADO PELA FUNDAÇlO


PROJETO CLARIVAL DO
PRADO VALLADAAES
INAP/FUNARTE/SEC/MEC
l..aj/1 j'

:w:
Bolsode\biores do RiodeJaneiro

FUNARTE/lnstituto Nacional da Fotografia - 1985


Instituto Nacional da Fotografia
Coordenação de Ensino e Pesquisa: Carmen Vargas

Edição, programação visual e produção:


Departamento de Editoração da Funarte

CAIXA PRETA
Foto da capa: Edgar Moura
Os fotógrafos
Por trabalharem no escuro
Nunca sabem direito
O Que estão fazendo
Vivem preocupados,
O bom e o mau fotógrafo.
O bom à toa
O mau com toda razão.

fst• e as demais edições Funarte


podem ser adqutr das pelo
REEMBOLSO POSTAL Funerte
Rua ArauJO Porto Alegre. 80 LOJA
20030 - R,o de Janeiro, RJ
Copyright © FUNARTE, 1985

ISBN 85-246-0005·5

Moura, Edgar
M929 CAmera na mão: som direto e Informação/Edgar Moura - Rio de
Janeiro; FUNARTE/lnst1tuto Nacional da Fotografia. 1985

97 p. 11(Col Luz & Reflexão, n° 2)

1. Fotografia documentána 2. Cameraman 3 Telejornahsmo.


l. Titulo. li. Série.
CDU 77.03

Ficha catalogrâflca preparada pelo Centro de Documentação da Funarte


7

APRESENTAÇÃO
r

Com esse Câmera na mão, o Instituto Nacional dia


Fotografia dá prosseguimento à coleção Luz & Reflexão e, tal
como a luz. que distribui seus raios generosamente em todas
as direções, extrapolamos o âmbito da.fotografia, para lançar
algumas luzes sobre o cinema.
Para quem estranha esta invasã 0 do campo da imagem
1

[ móvel, pelo Instituto dedicado à Imagem fixa, !lembramos que·


as fronteiras não são tão dlelimitadasquanto se pensa, e que
( a troca de informações entre. os dois campos só pode ser
benéfica para ambos. Além disso, o INFoto pre.ocupa·se com
a imagem como um todo, já tendo inclusive incursionado pelo
terreno do videg-tape ao coordenar um ciclo de mesas-
redondas no li V1deo Rio, rreali1zadono Centro Cultural Cân·
dido Mendes, em outubro de 1984. Tal postura se encontra
plenamente justificada, quando temos em mente que os
recentes progressos tecnológicos, produzi1ndo técnicas
híbridas como a holografia e a vide.o-foto, pulverizam os
limites entre as diterentes disciplinas.
Para fazer esta ponte entre a imagem fixa e a móvel,
ninguém mais indicado do que Edgar Moura, doubfé de
fotógrafo e diretor de cinema e TV. Profissional consagiradlo
em suas diversas áreas de atuação, ele al1te,rnouo trabalho
como correspondente da agência Gamma de foto/ornalisma
para a América Latina, com a direção de filmes de curta·
metragem, a direção de imagens em TV e a direção de
fotografia em cinema. Foi nesta última que se consagrou ao
assinar trabalhos como A queda de Rui Guerra e Nelson
Xavier, Se segura malandro e Bar Esperança de. Hugo
Carvana, O sonho não acabou de Sérgio Rez.ende, Gaíjín e
Parahyba mulher macho de Tiz.uka Yamasaki.
Este trabalho foi escrito originalmente em francês,
como tese de fim de cmso para o tnstitut National Suoérieur
des Arts du Spectacle. em Brnxe•las, e. a tradução foi reali·
zada com a supervisão do autor, especiallmente para a
coleção Luz & Reflexão.

Pedro Vasquez
Diretor do Instituto, Nlacional da Fotografia
9

Este livro foi originalmente escrito como tese de tim de,


estudos para o INSAS {I nstitut National SupérieurdesArts du
Spectacle - Bruxelas - 1972).

As dificuldades para traduzir o texto para o português foram


acima do normal. Eu gostaria de agradecer a Maria lnez
Caval1eri Cabral por ter embarcado na viagem de traduz.ir o
traduzível e reinventar algumas frases. Afinal, como afirma
Drummond, "lutar com palavras é a luta mais vã".

Outras coisas foram fáceis de traduz.ir e eu fi1zsozinho. Por


exemplo: o original em francês é dedicado ao meu antigo
professor de ótica, M. Rossler, que além de não ter me
ensinado nada, ainda me botou em 2ª época. Em português
dedico o livro a D. Maria da Penha que igualmente não
conseguiu me ensinar uma única reação química.

Obrigado a estudar sozinho, aprendi demais e acabei entran-


do para a Faculdade de Química. Com ótica estou metido até
hoje.

Agradeço aos dois por te.rem me ensinado, apesar deles, que·


estudando a gente aprende qualquer coisa. Até quími1ca.

Edgar Moura, 1984.


SUMÁRIO

CAMERAMAN 13

1 /24 vezes por segundo 15

O fotógrafo e sua imagem 24

Uma tese 26

A questão objetiva 30

O olho e o quadro 34

Filmar para o som 41

Dois métodos 50
1. Como observador social 51
2. O filme de entrevista 58

TELEJORNALISMO 69

Direto na TV 71

Praticamente 75

ENTREVISTA COM YANN LE MASSON 79

NOTAS 93
CAMERAMAN
15

(
1 /24 vezes por segundo

Para se fazer um trabalho eficaz em documentário, é


preciso começar pelo começo: por um (1) fotograma. É pela
prática da fotografia que tomamos consciência de como
escolher imagens num acontecimento.
Embora a única referência que os fotógrafos façam
sobre como fotografar seja "ser visual" ou "ter o sentido da
visão" ou "captar o instante mágico", quando observamos o
trabalho de um fotógrafo encontramos métodos que são
comuns a muitos.
16 17

O primeiro e o mais evidente dos métodos é a cons-


ciência que o fotógrafo tem da sua presença. Ao contrário dos
principiantes que evitam sempre que as pessoas olhem para
a lente, na intenção de fotografar objetivamente a vida, os
fotógrafos aproveitam este momento em que a pessoa nota a
sua presença para captar justamente este primeiro olhar
para a objetiva, que acaba sendo mais explícito sobre a
situação do que uma foto descritiva da ação. Consciente da
sua presença, o fotógrafo consegue captar um momento
mais importante do que aquele que registraria uma máquina
invisível (ou escondida).
Em vez de ser uma testemunha objetiva, a fotografia nos
possibilita ver a reação dos homens diante de uma tes-
temunha.

l?
,,
e:

..
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o
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ô.
o
e:
..
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"
~
18 19

A foto de um bandido que esconde o rosto ao sair de um para a objetiva, mas sabemos que haverá uma reação e que
tribunal, por exemplo, só é importante pela sua reação diante ela ocorrerá num momento muito preciso: .1 foto é feita no
da máquina fotográfica. Se este exemplo não é bem claro, momento em que nossos olhares se cruzam.
vamos tornar as coisas ainda mais confusas: levando esta Uma outra técnica, também bastante fácil de ser per·
idéia às últimas conseqüências, poderíamos dizer que uma cebida, é a espera em função de um quadro premeditado, a
máquina fotográfica quebrada pela polícia, durante uma espera de que o personagem entre no quadro e se coloque
manifestação política, é mais importante do que a foto desta no lugar escolhido.
manifestação.
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Levando em conta sua presença, o fotógrafo prevê que


haverá uma reação num dado momento: o olhar para a
câmera. Essa previsão é simples. Neste caso, o que pre-
vemos não é a ação, mas o momento. Não prevemos qual será
a reação ou qual será a expressão do olhar do personagem

....
20) 21

~
o
e
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Se a relação cenário/personagem privilegiar o cenário·


a composição da foto. suas linhas de força e bla, bla, bla -, é
porque ainda estamos muito longe de compreender o que
significa "ter um sentido da visão'', muito embora estejam
presentes os elementos principais que nos permitem essa
compreensão: prever e esperar.

É lógico que as dluas técnicas descritas acima pres.-


supõem que existe. uma diferença entre a duração da foto e o
tempo que se levou para bater essa fioto. Se a foto de
reportagem é sempre "i,rnstantânea", também é certo que
quanto mais tempo ela for pensada, maior será a impressã.o
de instantaneidade. O que· é instantâneo, na verdade, é a
mecânica da fotograha e não o fotógrafio.
Ficamos com o olho noquadro,seguindlo o personagem
que nos interessa para captar o momento que nos interessa.
Fazer o inverso será sempre muito decepcionante pois se,
para fotografar "o momento", tivermos que enquadrar
rapidamente, por mais rápido que isso ocorra, a foto nunca
será aquela desejada. Pim do que isso, essa foto só depen-
derá do imprevisível, do mecânico.
/22 23

Prever e esperar, mas esperar enquadrando como se Ser visual é prever a possível disposição dos elementos
estivéssemos filmando, este é o grande segred~ da foto- que irão compor a foto, dando-lhe também o significado
grafia. desejado, significado este. que é facilmente oblidlo quando
"congelamos" uma imagem de cinema.
A dificuldade de se fazer a transição da fotografia para o
cinema está em que o fotógrafo, agora cameraman, deve
perder o hábito de disparar unicamente em função da
composição gráfica da imagem, do quadro. Ele lem que
fotografar sem interrupção e juntar todos os momentos
fortes, o que para o fotógrafo constituiria uma folha de
contato de um mesmo acontecimento.
" ... minha transição para o cinema se deu muito
lentamente e com muita, muita perda de material
(filmar muito sem um assunto). Eu pegava urna
câmera e filmava sozinho. Há muitas coisas, muitos
erros que fazemos quando, sendo fotógrafos.
pegamos uma câmera. Por exer11plo,em fotografia,
quando queremos um personagem.com a máquina
fotográfica nós o acompanhamos permanente-
mente mantendo-o enquadrado para estarmos
prontos para disparar. Já com a câmera temos que
deixar que as pessoas se movimentem dentro do
quadro, mesmo que o enquadramento não esteja
bom, mesmo que durante algum tempo as pessoas
esteJam mal enquadradas. É preciso sobretudo não
se mexer (mudar de ângulo) ..." 1

O cameraman mão tem a_r.estri ão do fotó rafo ue é


obrigado a dar toda a infwmaçãa • ai numa unica ima em.
O processo só difere quantitativamente e com vantagem para
o cameraman que pode dispor de uma quantidade maior de
imagens interligadas pela duração de um plano e pel,os
movimentos de câmera.
24
) 25

O fotógrafo e sua imagem Cria-se assim um culto de certas qualidades que


resultam muito mais do acaso e que nada tem a ver com a
criação da foto. Dupla vantagem para os fabricantes, pois
dentro dessa ótica vemos fotógrafos amadores comprarem
máquinas fotográficas cada vez mais aperfeiçoadas, minia-
turizadas, automatizadas, se afastando, entretanto, da pos-
sibilidade de utilizar a fotografia como meio de expressão.
_A )mport_ância de uma prática fotográfica como intro-
duçao a funçao do cameraman é que esta prática destruirá
um _dos grandes mitos da reportagem: o mito de que a
realidade fornece o assunto e que basta filmar a realidade
para se ter uma reportagem.
A f~tografi~, c?mo gualquer outro meio de expressão,
pre~su~oe uma 1dé1aatras da máquina para guiá-la. Porém,
devido a sua propriedade de fornecer um produto acabado
extreman:ie_nte fáci_l d: se obter, a fotografia torna possível
uma espec1e de crtaçao espontânea - uma arte mecânica.
Esta confusão que existe entre a possibilidade real de
que qualquer um é capaz de fazer fotografia e a idéia falsa de
que~ fot? é~ imagem de qualquer cojsa, tem sido explorada
pe!õ: tndu~tria para fomentar o consumo de máquinas foto-
graf1cas, f1lmadoras etc ...
. A_instanta~eidade, específica da imagem fotográfica, é
atri~u1da ao fotografo que teria assim um dom de enquadrar
rapidamente e uma percepção imediata do movimento.

Valorizando a foto instantânea, rápida, acabam por


separar a forma do conteúdo. Em vez de tentar registrar uma
seqüência de imagens informativas sobre um assunto
escolhido, do qual se quer evidenciar um aspecto, esta busca
de instantaneidade acaba levando a performances técnicas
que têm como resultado um ''qualquer coisa" instantâneo.
Se a foto não é a imagem da realidade, ela tem, no
entanto, um ponto de contato com a realidade-é a idéia que
fazemos desta realidade. A fotografia é um meio de formalizar
esta idéia. Se o objetivo é simplesmente a forma, esta forma
vai mostrar exatamente isto: que não há idéia a ser forma-
lizada.
26 ) de 2rurt, 27

.: l JTECA 24.JANUOO4 à 7 -3

Uma tese

Este trabalho, que foi inicialmente apresentado como


tese de conclusão de curso, teve como ponto de partida a
tentativa de 1dent1ficar os métodos usados, na filmagem,
pelos cameramen de documentários. A mim parecia evidente
que os cameramen fossem objeto de interesse, pela impor-
tância do trabalho que desenvolvem num documentário. Mas
na realidade não era bem assim, não exatamente ...Aliás. não
era nada assim. Embora. ao assistir aos filmes "clássicos" do
cinema direto. estivéssemos diante de uma maneira nova de
filmar, os textos que tratavam do assunto jamais faziam
referência à imagem e sim à realização e à psicologia da
abordagem (os americanos com sua living camera, os fran·
ceses com seu verbe vecu).
As entrevistas dos americanos Leacock, Pennebaker,
Maysles me forneceram o primeiro material sobre o trabalho
com a câmera. Esses d1retores-cameramen em suas entre-
vistas faziam referência à utilização das objetivas, à ilumi-
nação etc.

Essa foto tem um interesse especial: ela resume todas as


técnicas do cameraman do direto. Repare no seguinte: o
chassis da câmera é de 300 metros • são mais de trinta
minutos de filme sem trocar de chassis. Um fotômetro
acoplado ao visor permite ao cameraman checar a exposição
durante a filmagem. Uma bateria potente o suficiente para a
câmera e para os dois refletores montados sobre o zoom.• A
armação em volta do zoom poss1bil1ta ao cameraman segurar
a câmera e focar com o polegar ao mesmo tempo. O boom em
cima da câmera segura um outro refletor(como na foto da pg.
51 ). Assim, uma equipe de dois faz um filme como Gim me
shelter.

David e Albert Maysles filmando Gimme shelter


28 29

Esta referência à técnica refletia, mais do que as Engenheiro de som


dificuldades técnicas encontradas na realização de um filme Antoine Bonfanti Joli mai (Chris Marker)
de ficção, as descobertas e as dificuldades encontradas para Petite vil/e (Mario Ruspoli)
filmar, tendo como material a realidade. C/eaver - Black panther
Decidi, então, seguir a via jornalística e entrevistar os (William Klein)
cineastas do som direto. Os capítulos seguintes tratam dos
diferentes métodos de filmagem com som direto e são o Came,aman-jornalista
resultado dessas entrevistas com os cameramen, diretores- Willy Kurant Cing colonnes a la une - ORTF
cameramen, diretores e engenheiros de som que partici- TV francesa
param das primeiras experiências do cinema de som direto Roger Beeckmans RTB - TV belga
portátil na França.
Além disso, os artigos e os livros foram mais ou menos Fotojornalista
lidos e as obras-primas foram assistidas. Raymond Depardon Agência Gamma
O conteúdo da entrevista de Yann Le Masson que se
encontra no final deste trabalho é fundamental para os
cameramen: ele relata os métodos empregados na filmagem
e fora dela. O último capítulo trata da utilização do cinema de som
Os outros entrevistados citados ao longo deste livro direto no telejornalismo.
são: O trabalho termina pelo ponto de partida que é, ao
mesmo tempo, a conclusão desta tese: o filme /nformation
(1NSAS, Bruxelas, 1972).
Cameraman A feitura deste filme, parcialmente em som direto, me
Pierre Lhomme Operador de Chris Marker em Joli deu uma idéia dos problemas que encontramos na realização
mai de um documentário. As soluções encontradas ou os erros
Etienne Becker Assistente de Pierre Lhomme cometidos são discutidos ao longo do texto.
em Joli mai
Operador de Jean Rouch em Gare
du Nord

Diretor-Cameraman
William Klein Le business et la mode
Cassius /e Grand
Jean Rouch Chronique d'un été
Les maitres fous
La pyramide humaine

Diretor
Louis Malle Vive le tour
Calcutta
Mario Ruspoli Les inconnus de la terre
Le dernier verre
(com Etienne Becker)
Méthode n.0 1.
30 31

A questão objetiva festival pan-africano) ... quando eu queria um close, pois bem,
eu me aproximava.

Pergunta: Quando vemos o trabalho de William Klein, vemos


que ele trabalha mais ou menos desta maneira, quer dizer,
que ele está sempre fisicamente muito perto do assunto que
está filmando.
~
8ãl
3
•a.
o

" ... é um trator, ele atropela a pessoa que ele está filmando e
além disso se movimenta o tempo todo, o tempo todo ..." 1

" ... quando ele filma. é um touro, ele é incansável, e eu só


ficava correndo atrás dele para a\lanhar os objetos que ele
esquecia ou deixava cair e para recarregar os chassis, era
uma coisa de louco( ...) Ele filmava com a câmera na mão, com
uma 9 mm. ele filma muito com a 9 mm ...".1

ITS A BULDOZER! ITS A BULL! NO, ITS WILLIAM KLEIN!

Yann Le Masson: ... não gosto nem um pouco da técnica que


consiste em fazer um zoom num rosto. Eu prefiro eu mesmo
me aproximar. Acho que temos comportamentos diferentes
quando nos aproximamos de alguém e quando fazemos um
zoom sobre alguém. Eu prefiro filmar com uma lente fixa, uma
grande angular, por exemplo uma 9,5 mm. (Para filmar o
33
32

Yann Le Masson: Ah sim, estou perfeitamente de acordo. - o senhor pode vender mais barato do que
Acho que ele tem toda razão. O fato de nos aproximarmos qualquer um?
fisicamente de um personagem ou de alguma coisa que está - Sim. . b - d N
acontecendo modifica nosso comportamento. Quando - Dizem que o senhor é o maior tu arao e ova
estamos bem lá no nosso cantinho e nos aproximamos York?
artificialmente, não fazemos os mesmos enquadramentos, -Sim.
não nos comportamos da mesma maneira, e isto se sente na - Qual é o seu volume de negócios?
tela ... - 1o milhões de dólares.

Antoine Bonfanti: ... Ah sim, William Klein é duro; é muito


interessante trabalhar com ele. (...) Ele tem uma concepção
de imagem e de som que é realmente uma coisa muito forte.
Há uma imagem muito forte, um som muito forte. Ele trabalha
com os dois audaciosamente.

Filme Le business et la mode (William Klein)

IMAGEM:

SOM:

-0 senhor tem o maior volume de negócios de som


de Nova York?
-Sim.
34 35

O olho e o quadro e abeça com a câmera e seu quadro com sua capacidade de
prestar atenção.
Assim, sua escolha no enquadramento de uma imagem
e• comandada por seus sentidos e não pela necessidade de
f'SConder a realidade lora do quadro; o que é, aliás, mais
ob1etivo como escolha.
A sua visão através do quadro acaba se confundindo, na
Para o cameraman, para alguém que possui ao mesmo prática, com a sua visão a olho nu. Elas são, ambas. dotadas
tempo duas visões: o olhar, que é livre e muito amplo dP um sistema central de comando (ligadas à audição. ao
(considerando o campo observado) e a visão pelo quadro, 1.110, ao sexo etc ...) e voltadas para o mesmo centro de
que também é livre, já que é determinada por seus movi- interesse. O reenquadramento pelo zoom teri1a o mesmo
mentos de câmera, pela lente e por ele mesmo, que diferença oh1et1vo que abstração que fazemos das outras imagens
existe entre elas? quando queremos prestar atenção num rosto na multidão.
Devido à própria natureza do trabalho a ser realizado A câmera toma o lugar do olho que está na visor e
pelo cameraman durante a filmagem, é preciso distinguir o o<orrerá uma redistribuição de funç.ões no corpo do came-
trabalho num filme de ficção de um documentário. Mas r,m,an: o olho no visor comanda esta atenção mecânica que,
mesmo se esta diferenciação for feita, o resultado final, p.-1raestar em concordância com este olho. precisa zoomar
apesar desta diferença, continua sendo o mesmo. ou fazer o foco; o outro olho fica aberto e passa a funcionar
Considero que o quadro faz parte de um certo número l orno visão periférica, permitindo ao cameraman se situar no

de instrumentos que nos dão a possibilidade de realizar , spaço.


filmes de ficção, e, quando falo aqui de filmes de ficção, me Durante o espaço de tempo de um (1) plano o came-
refiro aos filmes realizados a partir de um roteiro e sobretudo raman se orienta só pelo seu sistema sensorial.
com iluminação, cenários, figurinos, maquiagem, maquiador,
técnico de som, maquinistas e todo um sistema que cria em " ...quando você faz um filme. você fica ligado numa
torno do quadro uma outra realidade. Na prática, para um coisa e pronto. Se você começar a pensar, você
operador que trabalha com filme de ficção, a visão a olho nu e está perdido. Para mim o cinema deve continuar
a visão do quadro são totalmente diferentes. Esta última se sendo sempre selvagem. Só fazendo para saber ...é
limita a comandar os movimentos de câmera, assegurando uma espécie de reflexo ... e•u comparo isso um
que a outra realidade - a dos projetores, booms, sombras - pouco com um reflexo de Pavlov, onde você mani·
fique fora do quadro. Na realidade, o quadro é uma máscara pula a câmera e o som em f.unção do que se passa
com a qual o operador mascara a realidade. na sua frente 1 onde você não sabe dizer o que está
fazendo. (...) E no momento mesmo em que estou
Isto não deve, no entanto, ser considerado como uma olhando no visor o que se· passa que eu começo um
crítica negativa, uma tomada de posição contra o cameraman certo movime·nto. que e.u mudo um enquadramento,
de ficção a favor do cameraman e do filme documental com que eu procuro outro ângulo ...'''
base na ultrapassada apologia da realidade captada ao vivo.
Ora, o resultado do trabalho do cameraman, seja nos filmes A impressão de generalização sugerida pella frase "o
de ficção ou de som direto, é o mesmo: cria imagens fora de • 111 ma deve continuar sendo sempre.selvagem'' se deve ao
seu contexto. 1.,10 de ser uma citação tirada de uma entrevista. O texto
Mas é neste ponto que o cameraman, num filme de som 1111q1nal se refere à filmagem e não ao cinema enquanto
direto, se encontra numa situação completamente diferente produto acabado (montado).
do trabalho de ficção, e esta diferença se situa no nível da sua Se compararmos o trabalho de um cameraman. filmando
visão a olho nu e da sua visão através do quadro. Pois, aqui, a 1 "" um diretor, com o de um diretor-cameraman. compre·
função de seu olho se confunde com a de sua lente, sua , 11cl,•remosmelhor em que consiste o trabalho de câmera
36 37

num documentário: a escolha das imagens é determinada nada o fato de que para o cameraman. nos documentários,é a
pela realidade. r alidade que dete•rmlna o que vai ser filmado. E não sim-
O diretor que é seu próprio cameraman usa seus pró- plesmente a realidade que ele tem diante dele, mas também
prios sentidos para ver/filmar a realidade. Um cameraman, a que está em volta dele, a que precedeu a filmagem e a que.
filmando para um diretor, se transforma numa máquina in- virá depois. A câmera depende do real exterior e ínteríor. E o
controlável, já que durante a filmagem é o próprio assunto interior se liga ao exterior através dos sentidos.
que determina a imagem a ser filmada. O diretor pode discutir
com o cameraman sobre o assunto, sobre o local, sobre o que " ... a obj1etiva nos dá urna sensação de presença e
ele gostaria, mas no momento da filmagem do plano, a na realidade, muitas vezes, o cameraman que· está
escolha na verdade é do cameraman. atrás da objetiva está compl,etamente; por fora,
Mas o que, exatamente, filma o cameraman? porque não ouve o que es,tá acontecendo ..."'
Não me refiro, aqui, à reportagem decupada: é preciso
agora levar em conta as possibilidades técnicas. Não se usa Assim como a visão do cameraman determina a imagem,
mais o plano geral, plano americano, c/ose, técnicas que os ouvidos do técnico de som determinam os sons. O micro-
certas reportagens herdaram dos filmes de ficção, que fazem fone é tão seletivo quanto o quadro. Fillmar com som diire·to
com que a reportagem seja ''montável". Refiro-me, aqui, ao implica algo mais do que duas pelícuflas que correm na
trabalho do cameraman, na medida em que este filma um mesma velocidade.
plano-seqüência que tem uma relação a mais com a reali- O exemplo do camernman que hlma uma imagem que
dade, além do som e da imagem: o tempo. Um tempo de não é a origem do som pode parecer exagerado, mas não é,
projeção que tem a mesma duração do plano. pois o técnico de som também torna suas inidativas.

" ... sei lá. Às vezes eu tenho impressão, quando " ... do mesmo modo que com a câmera deve.mos
estou com a câmera, que a coisa funciona. De sentir as coisas que vão acontecer, devemos sentir
repente nem sinto mais o peso da câmera, tudo o se alguém vai fallar ou se calar, devemos sentir
que está na minha frente se torna interessante, de também se devemos giravaro silêncio daquele• que
repente tudo funciona bem, as coisas andam bem, é se cala ou ir atrás dia voz daquele que está lá no
divertido, é formidável. .."s fundo. Na maioria da.s vezes eu opto pelo silêncio
daquele que se cala e as vozes vêm de llonge. Bom,
É uma pena que isto não possa servir para orientar os depois se for preciso, vamos atrás do resto ..." 8
alunos-cameramen sobre "o que e quando filmar". Não dá
para dizer que é preciso sentir quando "funciona", quando é " ... (Bonfanti) ia. com seu microfone captar os sons
"divertido" para começar a filmar. que eu não pe,rcebia porque estava filmando outra
E, no entanto, é exatamente isto. E não somente num coisa, depois eu alcançava o microfone e vice-
filme como Calcutta, em que o assunto é o povo e o país, e versa. Assim conseg1uíamos, às vezes, obter uma
está de tal modo em toda parte que "não há mais neste tipo de imagem que estava em perfeita harmonia com o
cinema um diretor: são filmes de cameraman e engenheiro de som, um contracampo do som ..." 9
som." (Louis Malle)
A equipe que registra o som e a imagem em sitncro tem
Malle, como Etienne Becker, se refere a essas filmagens riue encontrar um meio de iuncionar em sincronia. Que
com som direto em que "filmamos, por razões que nem reação, diante da realidade, eu teria se umcarrocomeça~se a
tentamos analisar, as coisas que nos interessam,( ...) em que buzinar bem atrás da minha cadeira, no café da manhã? E um
reagimos de maneira rápida e instintiva ..."6 problema grave para um corpo se um de seus elos com o
Mas se neste tipo de filmagem, totalmente espontânea, nxterior começar a lhe pregar peças - alucinações sonorn.s,
o efeito da realidade é fácil de ser previsto, isto não altera em por exemplo. Já que na projeção o som e a imagem se·rão
38 39

sincronizados, é preciso que na filmagem a visão no quadro som tem que ter uma cumplicidade total comigo.
continue a ser comandada pelos sentidos, mas que o som Ele tem que saber sempre o que estou filmando, e
venha do técnico de som. qual o tipo de pi.ano. Coloco marcas no zoom de
modo que ele saiba se estou em tele ou grande
.,,
o angular, de maneira que. o som seja próxirmo ou
,g geral em função da imagem ..."'º
..
ii!
3
o.
ou ainda
o
"...Ah, sim. (Ruspoli) falava do cordão umbilical na
Io. época. Eu acho que é preciso ter uma ligação com a
éi câmera, ou então uma ligação entre a câmera e o
'!t
n
o som. Mas a coisa é muito simples, nós fizemos a
...
,
~
experiência. Quando filmamos com o quartzo dei-
xamos de nos preocupar com o cabo piloto e
..
o
Q.

.
:, acabamos nos afastando. Quando filmamos com o
cabo piloto hcamos preocupados com elle e por
causa disso estamos sempre pe,rto do cameraman.
Procuramos não nos afastar. Viramos uma só
pessoa. O som e a úmagem fazem parte do mesmo
corpo. Agora basta usar o quartzo. Se: vamos no
meio da multidão, somos empurrados, nos afas-
tamos, sabemos que as pessoas podem passar
entre nós, e se a gente deixar um passar, logo vão
Pierre Lhomme e Antoine Bonfat1 filmando Petite vil/e. O engenheiro de som
com seu fone e o cameraman com retorno de escuta. aparecer dez pessoas querendo passar, e chegia
uma hora em que fazemos a imagem de um la.doe o
som do outro ..." 11

Esta fixação com o cabo piloto é comum entre os


técnicos, mas ela só é válida quando se faz câmera na mão.
Mesmo quando os avanços técnicos como o Accutron ou a
" ... acho que numa equipe, trabalhando com som regulagem por cristal tiverem seu uso difundido (dispen-
direto, o engenheiro de som tem uma função tão '>ando a ligação elétrica entre a câmera e o som),,ainda será
importante quanto o cameraman. Por isso é preciso preciso conservar este fio (que se tornou tecnicamente inútil)
conseguir formar uma equipe extremamente unida. (luando houvera formação de uma equipe nova, eliminando-o
Não sou a favor das técnicas que liberam o técnico somente quando a equipe estiver perfeitamente"amaciada e
de som do cameraman (o quartzo, por exemplo). llver adquirido o hábito de trabalhar junto" (Mario Ruspoli).
Sou muito favorável a este cordão umbilical entre
os dois, que os une. Aliás, eu não utilizo jamais o O cabo piloto permitia urna ligação fácil com a câmera.
quartzo. Utilizo sempre o cabo piloto. Em todo caso, Bastava acrescentar um outro cabo para o fone de retorno de
se eu tivesse uma câmera quartzo, eu teria ten- Pscuta do cameraman. O problema de sincronismo do mate-
dência a colocar um fio entre os dois, para eles não , 1.=il
tendo sido resolvido com o quartzo. o da equipe (a ligaç.ão
se afastarem muito um do outro. Além disso, sou a do cameraman com o som gravado) deve também ser resol-
favor do retorno de escuta. Eu filmo, geralmente, vrclo com uma ligação sem fio. Ora, atualmente a maioria dos
com um fone para poder ouvir o som. O técnico de 1 .,meramen filmam surdos. A razão disso não é porque a
40 41

noção de "filmar para o som" esteja ultrapassada. Não foi a Filmar para o som
técnica de filmar em som direto que mudou, foram os achados
de dez anos atrás que foram esquecidos. Já não se faz mais
cinema como antigamente.
Se filmamos em som direto, "filmamos para o som" e
temos que poder ouvir o que é gravado durante a filmagem.
Um fone, ligado ao gravador por um sistema de escuta sem
fio, permite ao cameraman restabelecer o sincronismo entre "Ora, o som deve dirigir a imagem, e isto nos parecerá
sua visão a olho nu e sua visão no quadro, sincronismo este ainda mais evidente se pensarmos que uma bela imagem,
que se perdeu com o desaparecimento do cordão umbilical. que ilustra um conteúdo verbal sem importância, será
Mas esta noção de "filmar para o som", que classifi· automaticamente cortada na montagem, por apresentar um
carnes como uma técnica, pressupõe uma certa abordagem, interesse meramente visual que se choca com a pobreza
um objetivo portanto. E se consideramos que esta maneira de verbal. Ao passo que, inversamente, na hora da montagem
filmar pretende dar uma impressão de realidade (esponta· procuraremos conservar, a qualquer preço, uma imagem,
neidade), como podemos defini-la como técnica? mesmo pobre, mas que capta nos lábios do homem um
Se eu dissesse agora: "bom, já que é uma questão "momento" revelador, onde o que é dito é importante e bem
técnica vamos entrevistar os técnicos utilizando o material captado pelo engenheiro de som. Assim, invertendo os dados
de som dir~to", tudo isto poderia parecer muito coerente, de Vertov, "rádio-ouvido" fica sendo mais importante do que
vemos técnicos que falam de sua especialidade através da "cinema-olho". Se a imagem pode de certo modo "mentir'', o
própria especialidade. Mas atenção! Assim estamos mergu· discurso de uma pessoa que se expressa está mais próximo
lhando nos métodos usados pelo telejornalismo. Pergunta· de seu pensamento e assim mais próximo da autenticidade"
se: "filmar para o som será uma questão técnica?" e, em vez (Marie Ruspoli).
de tentar explicar por que se levanta tal problema, utiliza-se Esta noção, sem uma prática de cameraman para
uma técnica para resolvê-lo • se entrevistamos técnicos é sustentá-la, é muito abstrata (que quer dizer: "o som deve
porque se trata de uma questão técnica! É claro, não? Desta dirigir a imagem"?). Mas mesmo sem essa prática, a razão
maneira, a escolha dos entrevistados implica a resposta. Esta evocada para a primazia do som, quando se filma em som .
resposta é apoiada numa técnica que garante as boas direto, é difícil de ser aceita. Por que o momento revelador
intenções por ser "objetiva". Mas, antes de ir fazer uma visita passa só pelo som?
à TV para conhecer a utilização do som direto na tele· Mas o relatório de Ruspoli ("Le groupe synchrone léger''
informação, será preciso definir melhor as idéias que afirmei • Unesco, 1963) já tem mais de vinte anos e
sem estar com as idéias claras: filmar em direto é filmar para o
som. Nada melhor para aclarar as idéias do que escrever " ... sem dúvida (na época) era verdade. Era, de
sobre o assunto. Se, no final, chegarmos à conclusão de que qualquer maneira, um brinquedo formidável, poder
está tudo errado, que não se deve absolutamente "filmar para fazer as pessoas falarem ..." 11
o som", voltaremos ao capítulo anterior e assim por diante,
até a primeira linha deste livro. Por que não? Des-pensar as " ... era o som que era novo, isto é, eram os sons
coisas nos parece tão difícil e válido quanto ir no outro sincronizados que constituíam a grande novidade,
sentido. enquanto que, anteriormente, na reportagem, havia
c.q.d. uma espécie de solidão da imagem, solidão do
cameraman, solidão do fotógrafo, enfim fazia-se a
imagem pela imagem e ela tinha que ser auto-
suficiente ..." 1}
42 43

" ... a maioria das pessoas que filmavam em som surpresa geral, justamente aquele que ... fala inglês!
direto era formada por jornalistas ou radialistas, Vinte anos depois, Wílly Kurant teve o seguinte pro-
mas sobretudo jornalistas que estavam muito blema com a televisão francesa (ORTF):
excitados com essa coisa nova que era poder ter
reportagens sonoras, e além disso estávamos " ... fiz uma reportagem em Burgos para o ORTF.
acostumados, há cinqüenta anos, a imagens de Fiquei muito aborrecido quando voltei, porque lá
atualidades reveladoras, formidáveis. Mas eu acho existem pessoas que se abrem com você e que se
que é realmente inseparável, é o som/imagem, um arriscam a pegar dez anos de prisão porque
nada vale sem o outro neste tipo de filmagem ..." 14 querem dizer alguma coisa que será transmitida,
que será uma mensagem pública para denunciar
determinadas condiçõe~. (...) E a coisa não passa,
A imagem já tinha se libertado do material pesado havia não querem nem ouvir. E muito simples. eu entre-
mais de vinte anos. E mesmo se, numa tomada em som direto, vistei um senhor que passou 26 anos numa prisão
o som não governasse a imagem, a imagem numa tomada em Burgos e que falava espanhol, e me disseram: "o
sonora era nova. cara fala espanhol, ah não, que saco, você não vai
No tempo do cinema mudo, ao contrário da ficção onde encher dois rolos com um cara que fala espanhol!"
mesmo as imagens mudas articulavam as palavras diante da (Portanto), a ética da reportagem, agora. consiste
câmera, na reportagem só os políticos, nas suas tribunas, em agradar o público, dar a ele o que ele quer ..." 16
falavam. Não se ouvia nada, mas era um documento ver uma
personalidade, sua gesticulação etc ... Seu discurso já tinha E Roger Beeckmans com a televisão belga (RTB):
sido ouvido pelo rádio. Uma noção que persiste é a de que a
filmagem em som direto deu a palavra ao povo. " ... (tentamos dar ao público a possibilidade) de
O som direto possibilita uma mudança quantitativa: compreender o que é a vida na Bolívia. Não através
tornou-se possível ir_a..q~alque.r ugar, filmar qualquer um dos políticos, de pessoas que ocupam cargos
(desde que o "qualquer um'' estivesse de acordo). oficiais, mas através de um camponês, um tra-
balhador de mina, um operário( ...) pessoas simples.
Algumas datas: (...) Se conseguimos encontrar alguém que pode
• em 1937 Henri Storck filmava em som direto. explicar sua situação, se conseguirmos ultrapassar
• em 1946 Georges Rouquier fazia o mesmo. o obstáculo da língua ... porque o problema, se
• em 1950 Orson Welles fazia uma série de quisermos fazer entrevistas em francês, é que
programas para a TV americana em som direto. automaticamenle teremos pessoas que ocupam
uma situação privilegiada ...'' 11
É quantitativamente insignificante, mas comparando,
por exemplo, o filme de Storck e o de Welles nos sentimos em Filmar no meio do povo, sobre problemas sociais (como
plena atualidade. Storck em 1937) ou praticar uma informação burguesa (como
Storck filma Maisons de ta misere, "imagem dos cortiços, Welles em 1950) é uma escolha do diretor. O cinema em som
da debilidade mental e da degenerescência física; uma clIreto não facilita uma filmagem mais do que a outra.
denúncia, pelo simples desnudamento da realidade, da
promiscuidade, de uma vida vegetativa e sem esperança."•~ " ... A verdade, na minha opinião, não quer dizer
Welles filma os restaurantes parisienses. as confeitarias grande coisa; é um pouco vazio como conceito.
vienenses, ele se diverte comendo doces na frente da Digamos que o filme, o espetáculo cinemato-
câmera. Para ele era assim: vamos fazer um pouco de TV! Mas gráfico, é uma maneira de se exprimir que é
ele tem realmente o senso da descoberta. Ao entrevistar os inteiramenle marcada pelo que o diretor tem a
camponeses espanhóis do país basco, ele aborda, para dizer. O diretor, se ele tem alguma coisa a dizer,
44 45

alguma coisa que pretende comunicar, bem, ele o dependente deste som. Ele vira público para este som. E
faz, independente da técnica que utiliza. Não como só ele vê a imagem, ele é o primeiro a ver esse filme.
acredito que o documentário o preserve mais do Posição ideal que deveria ser ocupada pelo diretor: saber
que a alguém que faz um filme de ficção. O filme de exatamente o que está no filme, corno o fotógrafo que só
ficção afinal, com todos os atores que dirigimos, guarda na memória o "momento mágico" em que apertou o
com os cenários que montamos, que fabricamos, disparador. A espera e a procura do ângulo não estão mais,
com uma história que escrevemos e depois nem na foto, nem na memória.
encenamos é tão cinema-verdade quanto o outro, Saber aonde vai o til me durante a fillmagem (filmar para a
exceto que na ficção a imagem denuncia que os projeção) será filmar para o som?
atores são atores, os cenários são cenários etc.( ...) Em som direto, assim como na ficção, o cameraman é
O que eu quero dizer é que o cinema direto nada praticamente alienado da projeção. Se na ficção o operador
mais é do que uma abordagem da realidade (assim como toda a equipe técnica) não pa.rticipa da reali-
igualmente marcada pela subjetividade daquele zação, mas somente da fei1lura do som e da imagem- j1áque o
que o faz, pela sua opinião, pelo que ele representa. filme, através do roteiro, dlecupagem etc., já está pronto
(...) Exceto que aqui a imagem é mais convincente, é dentro da cabeça do diretor antes de. ser rodado-. no som
mais eficaz. (...) Esta técnica provou sua eficácia, direto "o diretor é responsável ape.nas pela Idéia, pela
sua eficácia formal ..."•K orientação e integridade da filmagem. Durante a preparação,
ele dará ao assunto uma estrutura aberta e obj1etíva, de
Mesmo que o cinema de som direto não faça uma maneira a deixar a maior marg1empossível ao imprevisível de
1

utilização nova do som nem da imagem, a imagem é nova, que é feita a vida; só se pode racionalizar a técnica e· a
diferente das imagens da reportagem clássica que usava psicologia da abordag,ern'".19
comentários ou voz em off. Esta imagem é nova porque em Pelo contato com o imprevisível o cameraman se torna
relação ao som ela se refere à projeção, já na filmagem. co-autor. Foi o que aconteceu com Pierre Lhomme em Joli
Se retomamos a idéia de que a escolha da imagem mai.
depende do cameraman, daquilo que seu olho vê e do que ele
escuta; se o que ele ouve é o som deste plano, o mesmo que
nós, como público, ouvimos, ele, cameraman, torna-se " foi uma coisa que se definiu no deconer do
trabalho( ...). É evid,ente que: neste tipo de trabalho o
,, autor do filme foi quem tomou a i.nicíativa, foi ele
o
õ
que colocou as coisas em marcha.A gente se meha
e,
iil freqüentemente em situações de improvisação
..
3
o.
total. No caminho, indo encontrar alg1uém,aprove·i·
o tava para discutircom Chris Marker; ele me diz.ia as
razões pelas quais queria encontrar tal pessoa ou ir
a tal lugar, o que é que esperava daquilo, sabendo
muito bem que talvez a gente encontrasse uma
coisa que não Unha nada a ver com o esperado, uma
outra coisa completamente di,ferente. E quando a
gente começava a trabalhar naquele ambiente que
ele tinha escolhido, ele teleg,uiava as coisas, mas
era eu que faz.ia. Pela própria natureza das coisas
neste tipo de trabalho, o cameraman tem uma
participação total, ele e·stá tão envolvido que, ou ele
o"li se entende mui,to bem com o di•retor e e·xiste um
...
,,
46 47

trabalho integrado e dá certo, ou então não existe tade de saber rnairs sobre um fenômeno ou uma
integração no trabalho e aí o cameraman faz seu situação que eu conheço mal..."14
filme; um filme que não tem nada a ver com o que o
diretor faria, se ele soubesse usar uma câmera ...")º Dentro desta ótica, que•é a do som direto enquanto filme
(produto acabado), é contradi,tório que o filme seja diferente
daquilo que foi filmado. Para isso, para que o material!
No entanto, mesmo se dentro das condições ideais a sincronizado seja o füme,
linha do filme for mantida, pode acontecer o seguinte:
é preciso filmar para o som!
" ... existe, ainda, na minha cabeça uma mistura Ligar a filmagem à projeção
entre 9 que eu filmei e o que foi aproveitado no diretor· cameraman.
filme. As vezes não me lembro mais do que foi
aproveitado, não me lembro mais muito bem ..." 21 Já ouço ascríticasaestateoria: "Dá para perceber que é
um cameraman que f?Z esta análise. E o técnico de som, o
" ... depois da fase de "captação", o montador e o que sobra para ele? E todo o poder ao cameraman!? Nada
diretor trabalharão juntos, lado a lado, às vezes disso. Uma crítica desse tipo só pode vir dos estúdios
durante semanas, diante de quilômetros de copião hierarquizados onde reina uma sociredade de classes: o
sincronizado, do qual será preciso tirar partido e diretor, o diretor de fotografia, o operador de câmera e os
compor um filme ...":i outros. Por trás delles. o produtor. E ainda por cima o exi·
bidor ..."
Grifei os termos diretor, copião sincronizado e um
filme mas a relação deveria ser: " ... E como se não bastasse ser um cameraman,
cameraman • copião sincronizado ainda por cima é tovem! Um inexpe.riente ... e quer
diretor· um filme acabar com um sistema que funciona tão bem ...Ah
esses jovens!"
Desta maneira copião sincronizado é diferente de um
filme porque Também não.

"a organização do material audiovisual captado em " ... geralmente, a tendência dos americanos é de
campo pela equipe (...), é uma segunda reali· formar equipes ele apenas dois homens: came-
zação".'' raman e engenheiro de som, sendo que um dos dois
é também o diretor ..." 2~
E o que fazer para que copião sincronizado seja igual a
um filme, já que filmamos em som direto e com a intenção de "Assim corno Alber1 Maysles e Gian-Vittorio Batbi
fazer um filme que pretende mostrar o ambiente filmado? d~vemos considerar que, em som direto, pela pró~
pna naturreza das coisas, o came·raman é o verda-
" ... o interessante no cinema direto( ...) é que somos deiro autor do filme? Sim, num certo sentido.
obrigados a nos adaptar ao assunto que tratamos e quando se trata de um operador que tomou cons-
finalmente o ponto de vista que tínhamos antes é ciência de que trabalha num cinema radicalmente
automaticamente modificado no decorrer da fil- eu diria mesmo antologicamente diferente daquel~
magem. (...) O filme revela nossa descoberta e que conhecemos.( ...) Em grande parte, o filme será
nossa reflexão sobre o acontecimento que esta· aquilo que o cameraman tiver realizado durante a
mos filmando. O que me leva a fazer esse gênero de filmagem. Estamos acima das distinções entre
cinema é minha curiosidade, é que eu tenho von- cameraman e diretor.( ...) Como Leacock, temos que
48 49

admitir, além disso, que o cameraman, que não apenas fornece o material. O som e a imagem são utilizados
participa da montagem daquilo que ele filmou, se <'m sincro ou não. A entrevista é usada como tal, como
arrisca, contra sua vontade, a ver deformado o comentário, voz em off, confronto de dois entrevistados e
significado de suas imagens. E tem mais: o outros métodos que têm como objetivo ser algo mais do que
cameraman de direto (...) filma primeiramente em um simples testemunho.
função do som".i 6 Os dois casos de utilização da filmagem em som direto
fazem desta técnica uma utilização completamente dife-
rente, tão diferente quanto a própria filmagem.
Dizer que no filme americano "isso mexe" e no filme
Fora a distribuição (ou não) das funções técnicas numa francês "isso fala" pode até parecer slogan. Mas vista daqui,
~il_magem de so_mdireto, ,yoltamos novamente à noção de detrás da câmera, já que este trabalho parte da ótica do
filmar em funçao do som . Mesmo que ainda não se tenha e ameraman, a utilização que fazemos da imagem é real-
definido como trabalhar desta maneira, o fato de filmar em mente em função do som. Se eu estou descobrindo alguém
sincro colocou em contradição o cameraman e o diretor. As (ou um lugar) e eu sigo meu personagem, a imagem mostra,
responsabilidades habitualmente atribuídas ao diretor muda, se mexe. Mas se eu lhe faço uma pergunta e fico
durante a filmagem, não podem mais ser assumidas por ele' olhando-o responder, a imagem só me serve para mostrar
na medida em que o diretor.que não participa concretament~ quem está falando. A imagem pára. A utilização da imagem
da escolha das imagens e dos sons que são extraídos da termina no momento em que ela deixa de fornecer infor-
realidade, será incapaz de dar uma orientação em função mações e se torna o suporte indispensável para que o som
daquilo que foi registrado pela câmera e do objetivo do filme. ·,('Jª ouvido. A imagem está ali para que a atenção não seja
. ~~vemos_ evitar uma generalização como a que ocorreu perturbada pela visão, ela serve para hipnotizar - ela nfo
no 1rnc10das filmagens em som direto: 1crescenta nada, mas obriga a visão a se manter ocupada.
' Se levarmos esta lógica a fundo. de que para melhor ouvir é
" ... Richard Leacock assim como Michel Brault e p11:?c1so ver menos, efetivamente uma pessoa que tem uma
seus seguidores dos cinco continentes filmam 111•rnamais curta do que a outra terá infalivelmente a outra
necessariamente em função do som (shoot for 111i11s longa.'"•
sound, se diz em inglês) ...": 1 Se filmamos para o som, para o verbo (vivido, já que
, ..,tamos filmando em som direto), a imagem tem um papel
Será que eles "filmam necessariamente em função do ,Pcundário. A imagem serve para provar que é aquela pessoa
som"? Isto é, será que a filmagem em som direto tem q11l~está falando e não uma outra qualquer que estaria
realmente essa unidade que lhe atribuem os críticos (pró e d11blando seu discurso.A imagem, em vez deserusada na sua
contra) desta técnica, num momento em que se pretendia l11nção especifica, só está ali para avaliar o som. Esta neces-
que _el~.fosse algo mais do que uma técnica, ou seja a ,1dade de ser objetivo, isto é, de liberar a realização de uma
poss1b1l1dadede filmar em som direto na mão? tomada de posição, é uma herança do jornalismo liberal.
Na verdade, quando assistimos aos filmes americanos e Se temos meios para somar, subtrair seria uma técnica
os comparamos com os franceses, a noção de .shoot for •,uspe,ta. A televisão usa, em larga escala, a entrevista em
sound não tem nada a ver com filmer pour /e son. E, se nos ·,1>111direto, sobretudo no jornalismo. A razão invocada é a de
fílmes americanos shoot for sound equivale a "isso se mexe", q11P no jornalismo é preciso ser rápido e que não há tempo
onde o cameraman deve incontestavelmente ser diretor nos p,11a elaborar uma montagem.
filmes franceses tilmerpour /e son corresponderia muito ~ais Pode ser que ainda demore, mas voltaremos a falar da
a "isso fala". O objetivo do filme francês, em geral, é mais IV
complexo, por ser analítico. A montagem retoma seu papel de
-construção do filme. A filmagem não é mais o filme. ela O TELEJORNAL NÃO PASSARÁ!
50 51

Dois métodos 1 Como observador social (testemunha)

Classificar aqui os filmes em americanos e franceses


tem a ver com os dois métodos que predominavam nesses
países por ocasião das primeiras experiências em som direto
com material portátil.

Tomemos como exemplos Primary e Joli mai.

Louis Marcorelles, no relatório para a UNESCO, inti·


tu lado Une esthétique du réel, /e cinéma direct tomou outros
filmes como ponto de partida para a análise: Quint City USA e
Pour la suite du monde. "Essas obras parecem constituir os
modelos daquilo que até hoje se pode esperar do docu-
mentário em som direto."
Definitivamente o cinema se presta muito mal como
veículo cultural. Só mesmo por acaso você poderá conversar
com alguém sobre um filme que tenha sido feito há vinte anos
atrás. Talvez seja por isso que se escreva tanto sobre cinema,
que as revistas de cinema sejam tão numerosas e populares,
e que todos os movimentos cinematográficos precisem ser l\llu•rl e David Maysles filmando Gimme she/ler
colocados no papel para poder existir.
Bom, presos no meio dessa contradição, em vez de
remeter ao filme de que falamos, citaremos outras teses e
nos limitaremos às seqüências de filmes que assistimos, que
vamos descrever com a ajuda de fotos. 1 time- The chair, de Drew, Leacock e
Essas seqüências são características de dois métodos Pennebaker
diferentes, tanto para a imagem quanto para o som. ',oquênc1a - ensaio do ritual da execução na cadei-
ra elétrica.

Um único plano que começa com o


carrasco em sua sala. Acompanhado
por um guarda, ele sai, caminha pelos
corredores, pega o elevador, desce no
andar em que está a cadeira. Saímos
do elevador, fechamos a porta, dizem
duas ou três coisas sem importância.
Mais corredores, portas e uma sala
com a cadeira no meio.
52
53

.,.
o
tii intermediar uma realidade vivida por outra pessoa, mas se o
plano conservar sua duração original ele terá uma referência
..
3
a. concreta com a realidade à qual se refere • ambos têm
o
exatamente a mesma duração.
Certamente já não podemos mais dizer que filmamos
para o som ou para a imagem, muito pelo contrário. Tra-
balhamos como num sistema de dois referenciais, de duas
dimensões onde, se falta uma das duas coordenadas,
ficamos diante de uma incógnita.

"Acabo de ter esta experiência. Filmávamos num


bar( ...) e pela primeira vez me aconteceu de ter um
técnico de som ruim. Eu fazia questão de ter um
plano bem longo em que faria um travelling. O que
era interessante nesse bar era a mistura de gente
(jovens, malandros, exb/ousons-noirs. aposen-
tados, donas-de-casa, vítimas de acidentes de
trabalho etc.) e eu queria esse plano onde passaria
de uma categoria social para outra, de um tipo para
outro, com uns trechos de som reveladores. Pois
bem! Na projeção não se entendia o que as
pessoas diziam e não foi possível utilizar este
Entramos e começa o ensaio da plano."'•
execução com palavras e ação.
Se o que se pretende é uma continuidade, e se é desta
Falta o condenado. O plano em nenhum momento foi continuidade que depende a impressa.o de realidade, "é
cortado, o te~po que levaram para filmar foi o mesmo que preciso pensar no som e na imagem como se fossem duas
~l~uém levaria para percorrer o mesmo caminho, para par- câmeras que têm que resolver dois problemas muito dife·
t1c1par do mesmo ritual e para morrer. rentes." 1º Dentro dessa ótica, uma única câmera que fosse
. ~ evidente que não poderíamos fazer a experiência capaz de gravar o som e a imagem seria, na verdade, o ideal
ob1et1vamente e_q_uerer depois contar nossas impressões. para esse tipo de filmagem.
Certame~t~ se t1vessemos encenado uma seqüência como Fizemos uma experiência surpreendente utilizando
esta, se t,vessemos reforçado os momentos fortes através de uma câmera de V.T. como material de gravação (som e
enquadramentos programados ou diálogos, e se tivéssemos imagem): alunos do curso de fotografia, que regressavam de
a~~ndonado ~s momentos em que não acontecia nem se uma locação, registraram esta volta à escola. Um filmava os
dma nada, tenamos perdido o essencial: a duração real. outros subindo as escadas e discutindo entre eles; che-
. r:alvez pelo fa!o ~a montagem no cinema, hoje, estar tão gavam pelos corredores na sala onde nós estávamos. Logo
ass1m1lada.pelo pu_bl_1co, nossos deslocamentos no tempo em seguida, nesta mesma sala, visionamos o resultado. O
podem v~nar _de varias horas a vários anos sem que ísso começo não era muito interessante, mas quanto mais se
choque ninguem. O que causa espanto é justamente o que se aproximava da sala, mais estranho ia ficando. Finalmente os
refere à d...Ymçãoreal e ao presente. alunos chegavam na frente da sala e entravam - exatamente
~ certo é que a impressão de realidade é função da onde estávamos agora visionando aquelas imagens que
duraçao real do plano. O filme não tem a capacidade de tinham acabado de ser gravadas. Olhando esta chegada,
esperávamos nos ver na tela assistindo àquelas imagens,
54 55

mas, mais do que isso. estávamos prestes a nos virar para ver lentes especiais, ângulos raros ou efeitos de mon·
os alunos entrando pela porta. Estávamos prontos para viver tagem, o material ta.la por si só e nos revela uma
uma desorganização total do tempo em relação à filmagem - fantástica comédia humana ..." 11
na tela o futuro e atrás de nós o passado.
Nesse método, a filmagem se realiz.a em situações não
O exemplo do ritual de execução na cadeira elétrica é, controladas. A montagem intervém si1mplesmente na orga·
ao mesmo tempo, o melhor exemplo deste método (obser- nização do material e raramente. o som e a imagem são
vador social) e uma idéia da limitação diante da qual nos montados de maneira diferente da que foi gravada origi·
encontramos. nalmente. Manter a ducação original das seqüências é o
ideal. Aqui o copião sincronizado é o fi1lrnee, se este filme não
Na comunicação com o público. conseguimos ultra- tem na projeção a mesma duração da filmagem, pelo, menos
pass_ara ficção. Se na ficção para fazer um "plano subjetivo'' é sua organização é cronológica. O filme· constituí um pedaço
preciso escolher uma posição de câmera, arrumar os atores, da vida. Esta fatia equivale ao tempo que o cineasta passou
mud~r os travellings de posição. toda essa preparação se em contato com o assunto. Se é nessas condições que este
encaixa no resto do método ficcional. Este plano não é mais método é o mais eficaz, já que ele utiliza o som e a imagem da
"subjetivo" do que os outros- ele tem simplesmente o ponto mesma maneira que o cameraman usaria seus olhos e seus
de vista do ater.
ouvidos. é por essa mesma raz.ão que o método é l[mitado e o
O grupo Leacock- Pennebacker- Maysles era chamado filme fica longe de ating,ir seu obie·t.ivo: possibilitar ao público
de '.'câmera viva". Por trás desse nome existe uma noção usá-lo como base para um julgamento.
ra_d1~almente opost~ à d~ _ficção. Se nos filmes de ficção o
publico chega a se 1dent1f1carcom os atores. nos filmes de ''No processo de sua atividade prática. os homens
"câmera viva'' o objetivo é que esta câmera seja uma tes· não enxergam, no início, senão o fado aparente das
tem unha. que ela dê uma informação sensorial ao público, em coisas e dos fenômenos, seus aspectos isolados e
outras palavras, que o público se identifique com o sua ligação externa. (...) Este nive.l do processo de
cameraman. conhecimento é chamado grau de percepçãc
sensível, isto é, grau das sensações e das repre-
Vamos retornar à seqüência da cadeira elétrica • mas sentações" .11
num outro filme, num filme de ficção: Sacco e Vanzetti.
Execução de Sacco: câmera subjetiva, percebemos que é O cinema direto do "observador social" tem como
uma câmera na mão, ela entra na sala de execução olha objetivo dar ao espectador a possibllidade- de "formar sua
rapidamente as testemunhas e carrascos. Uns se recu;am a própria opinião. (...) A câmera penetra no cotídiano desmis.-
olhar para a objetiva, outros têm um ar de carrasco antes da tificando-o, ou. se ela mostra um mi·to,.extrai delie toda a sua
execução. Já _nosidentificamos com o condenado mas, para essência, cabendo ao espectador tirar suas próprias con·
reforçar esta impressão, temos a sensação de nos sentar e clusões.""
ve~o_s a última i_magemdo plano- um capuz preto vem tapar a
ob1et1va. Se o filme terminasse assim, seria o uso ideal da .
"câmera viva". Este objetivo formulado por Marcorelles entra em
contradição com o método usado por Leacock. Yann le
" ... Quando você tem uma boa filmagem, você pode Masson trabalha exatamente como os americanos, ele não
exibi o filme quase do jeito que ele saiu da faz entrevistas, prefere utiliz..ara técni,ca de filmagem em som
câmera ...O material tem a qualidade e o ritmo de um direto para captar as pessoas se expressando normalmente,
balé, e seqüências inteiras podem ser deixadas sem nunca entrevistá-las. Embora a técnica seja a mesma, a
intactas. É o exemplo ideal do método de Leacock abordagem é radicalmente diferente.
(...) já que, sem malabarismos de câmera, sem usar Para evitar extrair fatias da vida.é preciso usara câmera,
56 57

a imagem e o som para gravar as coisas das quais temos que o fato de saber se o assunto é interessante e se
conhecimento. a concepção que você tem do assunto é inte-
ressante. Você não mostra o assunto integral-
" ... eu acho que um filme documentário em som mente, você seleciona e é a seleção que você faz
direto (...) só poderá alcançar uma certa profun- que decide ..." 16
didade, uma certa verdade, se nos dispusermos a
conviver durante um tempo com as pessoas que É claro que, se estamos diante de alguém que nos conta
filmamos ..." 1~ o que viu, é porque não estamos diante do que ele viu. Mas
mesmo não estando diante do fato propriamente dito, temos
"A continuidade da prática social leva à repetição diante de nós uma matéria; esta matéria é o olhar do
múltipla de fenômenos que suscitam nos homens cameraman, nem mais nem menos. Nos filmes corno Quint
as sensações e as representações. Produz-se City USA vemos o que Leacock viu e ouviu e não podemos ir
então no seu cérebro uma súbita mudança (um além disso, porque nem ele próprio tentou. O filme se limitou
salto) no processo de conhecimento e surge o à percepção sensível e nós ficamos no nível do conheci-
conceito. O conceito não reflete apenas a apa- mento sensível.
rência das coisas, dos fenômenos, seus aspectos
isolados, sua ligação externa, mas capta as coisas e "Repetimos: o conhecimento lógico difere do
os fenômenos em sua essência, no seu conjunto, conhecimento sensível, pois este último envolve
na sua ligação interna."B aspectos isolados das coisas, dos fenômenos, suas
facetas aparentes, sua ligação externa, enquanto
Nos dois métodos o espectador se acha diante da que o conhecimento lógico, dando um grande
prática social de um terceiro. Mas é exatamente nos filmes passo à frente, envolve as coisas e os fenômenos
que registram apenas as primeiras impressões do integralmente, sua essência e sua ligação interna,
cameraman diante da realidade, nos filmes que mais pre- se eleva ao ponto de colocar em evidência as
tendem dar ao espectador condições de formar sua própria contradições internas do mundo que nos cerca,
opinião, que este ficará mais afastado da realidade, da prática tornando-se assim capaz de captar o desenvol-
social. O espectador estará diante de uma matéria que é a vimento desse mundo na sua integridade, na
transformação da realidade pelo sistema sensorial do ligação interna de todos os seus aspectos." 37
cameraman e não terá acesso à realidade que, atuando sobre
o cameraman, proporcionou a ele um conhecimento. Se na Usando outros métodos de filmagem, dissociando o
filmagem o filme foi determinado pelas imagens e sons que som da imagem ou privilegiando um dos dois, voltaremos à
se apresentavam ao cameraman, na projeção ele não pode concepção de documentário que existia antes da possibi-
mais servir como prática social para o público pois as lidade de filmar em som direto portátil. A montagem retoma
imagens e os sons foram extraídos de seu contexto; os outros um papel de direção, e isto mesmo num filme baseado em
sons e imagens deixam de existir, tendo sido abandonados entrevistas.
na escolha que o cameraman teve que fazer.
O papel desempenhado pelo som, quando ele era
" ... você já tem que ir montando o filme ao mesmo utilizado como comentário para as imagens - relacionar a
tempo que o acontecimento se produz realmente. imagem ~ um determinado lugar - será retomado pela
Você tem que decidir: é isto, isto que eu quero ver e imagem. E a imagem que vai mostrar quem fala e onde. Se o
não isso, aquilo e aquilo outro. Nada de ficar lá comentário servia para dizer que tal grupo de políticos era
sentado esperando ordens. Você mesmo é que tem desse ou daquele país, a imagem que se refere a uma
que tomar a decisão, depois é impossível mudar. determinada entrevista serve para mostrar que determinada
Sua habilidade torna-se bem menos importante do voz pertence a um motorista de táxi e não de caminhão.
58 59

2. O filme de entrevista (o verbo vivido) Comparada com a foto de uma equipe americana (pág. 27),
esta foto de uma equipe francesa já é suficiente para vermos
que se trata de dois tipos de filmes diferenles. Aqui todos os
personagens, substituídos por gadgets, reaparecem: o
assistente toca. o diretor dirige etc.

Pierre Lhomme, cameraman de Joli mai, faz nas


entrevistas o uso da imagem mais criativo de que se te.m
notícia. Esta criatividade se deve, em grande parte. à sua
técnica de filmar usando sempre um fone que o liga com o
gravador. Voltaremos ao assunto quando tratarmos de uma
outra seqüência do filme.
A que escolhemos para começar é o caso típico de uma
entrevista em que o som é o mais importante. Mesmo sendo o
som que comanda, a imagem não permanece fixa: ela ch~a.
A câmera é muito móvel, pois a informação visual é dada de
maneira muito rápida, imediata.
Em contrapartida, o som encontra sua melhor aplicação
quando temos tempo suficiente para ouvir bem o perso-
nagem, quando o personage.m tem tempo de nos mostrar
como ele associa suas idéias. Este, mais do que a resposta
dada, é o interesse do som. Isolar da entrevista frases e
respostas faz com que se perca o mais importante do som: a
maneira como se associam as idéias do entrevistado.
Etienne Becker, Pierre Lhomme e Mario Ruspoli Portanto, para o som também. mas por uma razão outra
que a usada por Leacock quando mantém o som e a imagem
na sua duração original, teriamas interesse em conservar
toda a gravação integral, com s.eus altos e baixos, pois seria a
Filme- Joli mai, de Chris Marker única maneira de ver a reação do personagem, de poder ir
Seqüência- entrevista com um vendedor do além da primeira impressão e captar algumas ligações
Boulevard Sébastopol. internas.
Esta teoria foi formulada depois de vários fracassos,
Personagem em c/ose diante de sua tentando fazer entrevistas a partir de perguntas bem pre-
loja de roupas. À esquerda, os ternos cisas sobre o assunto que me interessava. O erro estava em
de tergal, à direita (fora de campo), a que dessa maneira, organizando um questionário, tentava
caixa registradora. Também fora de fazer com que as pessoas raciocinassem segundo o meu
campo, o entrevistador. A imagem vai raciocínio, em outras palavras segundo a minha associação
do plano fixo inicial a contra-plongées, de idéias. Era preciso, ao contrário, conseguir saber o que
a zooms no cartaz "tergal'', ao plano pensava o entrevistado sobre o assunito que me interessava.
fixo do início. No som, o personagem Os textos de Freud que se seguem tratam da técnica de
dá informações que fazem com que a interpretação do sonho. A primeira citação se refere a um
entrevista se torne interessante. recurso técnico para se obter a matéria para esta inter-
61
60

" ... enfim, a entrevista pode suscitar apenas indi·


pretação e se presta muito bem à formulação de uma técnica ferença ou vir acompanhada de• emoções das mais
de entrevista. alegres às mais tristes. Não pensem que menos-
prezamos esta diversidade iniinita de reações;.
"Podemos ainda dizer ao analísando que fale delas podemos, ao contrário, pescar um grande
primeiro dos elementos de seu sonho que lhe número de elementos capazes de nos facilitar a
parecem mais importantes em virtude de sua interpretação ..."•0
grande clareza, de sua acuidade sensorial. Sa-
bemos, aliás, que é desta maneira que será mais Se. na psicanálise, pode ser i1mportante observar esta
fácil para ele encontrar associações, e o importante "diversidade infinita" e se é por esta razão que a imagem
é justamente obtê-las ..."'ª contínua de uma entrevista pode ser interessante de se ver, a
função da imagem é outra. Se a câmera é livre e o cameraman
Se, para fazer uma entrevista, nos propusermos a pode reagir diante da situação, no momento em que as
discutir um assunto e, em vez de preparar uma série de reações do entrevistado começam a não mais apresentar um
perguntas, estudarmos o trabalho do entrevistado e formos grande interesse, a câmera se torna móvel.
capazes de manter seu interesse por meio de referências ao
seu trabalho, sairemos da entrevista com uma massa de " ... geralmente a mobili.dade da câmera significa ou
elementos seguramente interessantes. uma necessidade de descrever o universo no quar
Voltando à técnica de interpretação de sonhos de se desenvolve a entrevista ou que o entrevistado
Freud, para facilitar a compreensão vamos substituir sonho sente necessidade de agir durante a entrevi•sta ...""
por entrevista e analisando por entrevistado.
Essas duas razõe·s se assemelham um pouco à utili-
"Se voltarmos agora nossa atenção para essa zação que faz Leacock da filmagem em som dire.to, onde a
massa de idéias, não tardaremos a perceber que imagem é em grande parte informativa. Mas no caso da
elas têm, com o conteúdo da entrevista, outros entrevista em que a imagem se limita ao plano próximo do
pontos comuns além do ponto de partida. Elas entrevistado, há um outro fator que intervém.
aclaram de maneira surpreendente todos os
fragmentos da entrevista, preenchem as lacunas " ... muitas vez:es, também,. não dá para agüentar em
que subsistem entre eles e .tornam compreensível plano fixo, com a câmera na mão, durante uma horn
essa estranha associação. E preciso compreender e meia, chega um momento em que· meu meca-
a relação que existe entre elas e o conteúdo da nismo desmonta e para me reequilibrar fisicamente
entrevista ..."'Q eu preciso me mexer ..."•:

Um exemplo concreto e simples desta técnica é uma Assim, o cansaço do cameraman também desempenha
entrevista com um cameraman sobre, por exemplo, o cinema um papel na mobilidade da câmera. Em função da imagem
direto. Se chegarmos e fizermos a pergunta: "Como é que muito repetitiva que se apresenta diante da câmera, pode-
você trabalha em som direto"?, com certeza ele nos diria: mos concluir que a falta de interesse da imagem também
"Não sei, não tenho um método definido". Mas se chegarmos influi neste cansaço.
com uma porção de filmes na cabeça, a simples menção
desses filmes, dos quais o cameraman participou, fará com
que ele se lembre de histórias e casos que são caracte- O plano do vendedor do Boulevard Sébastopol
rísticos de sua maneira de trabalhar. parece ser um bom exemplo desle tipo de situação.
Para que serve a imagem numa entrevista, se o som é de A imagem vai...
maneira tão indiscutível a fonte primordial de informação?
62
63

"TI
o
~
;
•..
3

Q
o

... do plano fixo do inicio ... ...a zooms sobre o cartaz "tergal",

... a contra-plongées ... ao plano fixo do início .


64 65

Neste caso, o cameraman reage, mas sempre de esta máscara não seria um dispositivo insta fado pelo governo
maneira limitada, pois, se ele precisa se mexer, já o som não para espionar a opinião dos entrevistados.
pode fazer o mesmo. O mesmo efeito poderia ter sido obtido na montagem,
Na maioria das vezes, o entrevistado se refere a lugares através de outras imagens, mas esta imagem captada em
e situações que não são aqueles que se apresentam à sincro com o som tira seu signiiicado da situação. Es,tes
câmera. A utilização do som da entrevista, em voz off sobre as movimentos de câme.ra, quando abandonam o personagem
imagens às quais o discurso se refere, é um recurso muito que fala para ir em busca de uma imagem, um objeto, que.
comum. Essas imagens, em geral, são filmadas depois que a tenha relação com o discurso, nos levam para o terreno da
entrevista foi feita e são escolhidas pelo diretor. paranóia. Será que esta imagem já existia ou ela acabou de
se materializar, antes de entrar em campo, atendendo às
As imagens off de uma entrevista, filmadas em sir,cro necessidades do filme, como se um diabo se encarregasse
com esta mesma entrevista, fazem parte de um caso muito de organizar a realidade assim como um diretor organiza a
diferente, pois podem mudar o centro de interesse. Passando ficção?
do personagem a um outro centro de interesse, a imagem A palavra é pois, no nível da filmagem, a lógica do
acrescenta um novo elemento que pode ser, por exemplo, entrevistado. Esta lógica, na verdade o único elemento que
contraditório em relação ao discurso. Desta contradição pode fugir do controle da direção, não será nunca usada
entre a imagem e o som surge um nova idéia que, mesmo como matéria de um filme. O filme de entrevisla não se
tendo relação com o que é dito no discurso do entrevistado, é propõe a fazer um retrato do entrevistado, mas sim reunir
independente deste discurso. passagens reveladoras de diferentes entrevistas e diteren-
Talvez seja pelo fato de ter tomado freqüentemente tes entrevistados de maneira a conseguir tocar num pro-
iniciativas deste tipo que Pierre Lhomme tenha se tornado blema mais vasto. Em vez de utilizar a "massa de idéias" de
co-autor de Jo/i mai. uma pessoa para compreender sua lógica, o objetivo do filme
de entrevista é partir de uma massa de personagens reve-
Seqüência- entrevista com dois jovens do OAS ladores (parisienses no caso de Joli mai) para evidenciar a
(Organização do Exército Secreto lógica de uma situação (Paris no período que sucedeu a
Francês). independência da Argélia, maio de 1962). Para chegar a essa
No som - a certa altura fala-se do lógica, a direção parte de sua prática - a filmagem - para
governo e um dos entrevistados se re- chegar à teoria - a montagem.
fere aos políticos como "os que estão
por cima". " ... a montagem de Joli mai foi uma dura provação;
Neste momento, a imagem se foi duro porque, depois de te·r elIiminado o que não
afasta dos dois jovens que se encon- achava interessante, Chris Marker ainda ficou com
tram diante da porta de um edifício, 25 horas de material a partir do qual compôs esta
segue a direção indicada "por cima", e imagem de Paris. Ele queria transmitir momentos
vai encontrar, no umbral da porta.uma do personagem e da situação da manei1ra mais fiel
escultura com cara de diabo. possível ..."''

Esta entrevista, com esta nova imagem, torna-se cer- As grandes discussões em torno de filmes de repor-
tamente algo diferente. O movimento foi inteiramente diri- tagem (com som direto ou não) são sempre sobre a obje-
gido pelo som, pelo verbo vivido e portanto determinado tividade. Mesmo que atualmente não se evoque mais a
apenas pela realidade. Mas, a partir do momento em que a obfetividade mas a honestidade (com relação às palavras do
panorâmica começou, esperamos encontrar alguma coisa entrevistado), essas discussões têm o mesmo ponto de
relacionada com o som. A escultura é uma caricatura dos partidijl - o material de origem é real. Esta referência ao real é
políticos. O efeito é tão seguro que chegamos até a pensar se dada, tanto nos filmes de "observador social" como nos, de
66 67

entrevista, pela imagem. É por esta razão que os filmes de opinião política. Na França, o noticiário sempre foi marcado
testemunho são considerados mais objetivos, porque uti- pela presença de um jornalista-entrevistador.
lizam a imagem de maneira mais informativa, dão mais a Estas duas características são encontradas nos filmes
impressão de ser, não um produto acabado teórico, mas a em som direto destes países como se as origens do cinema
própria prática. direto estivessem mais ligadas ao emprego do direto na TV do
Se, quando utilizamos nossos próprios sentidos, es- que às origens comumente citadas: Vertov, escola docu-
tamos acostumados a acreditar no que nossos olhos vêem, mental inglesa, neo-realismo italiano etc.
sabendo que nossos ouvidos crêem no que os outros viram, Existe ainda um outro interesse em relacionar os filmes
quando nos defrontamos com uma imagem que se parece m direto (e seus diferentes métodos) com o telejornalismo,
com o que estamos acostumados a ver temos dificuldade em pois mesmo que os cineastas do direto não considerem seus
aceitar que nossos olhos agora estão acreditando no que os filmes como jornalismo, todo telejornalismo é feito em direto.
outros viram.

" ...sinto, em certo sentido, uma sensação de alarme


crescente diante da evolução do cinema e da
televisão. Estamos todos cercados de imagens de
coisas que não conhecemos diretamente. O que eu
quero dizer é o seguinte: eu tenho, por exemplo,
dentro de mim, a firme convicção de saber o que se
passa dentro de um tribunal. Ora, pensando bem,
nunca na minha vida estive em um tribunal, por-
tanto não posso saber realmente o que se passa lá.
(...) De maneira que construímos uma imagem de
nossa sociedade que é uma ficção ..."u

O filme de "câmera viva" é tão teórico (subjetivo) quanto


o de entrevista. Imaginar o contrário - que um filme de
Leacock é mais a prática do que um filme de Rouch - é
acreditar que uma percepção sensorial pode ser mais lógica
do que uma outra.
A prática (de um cineasta) leva à teoria (filme).
Quando assistimos a um documentário, devemos
encará-lo como a experiência de um cameraman (ou da
equipe) e não como se a própria experiência tivesse sido
televisada (vista de longe).
Se chegamos à televisão, não como meio de difusão,
mas como palavra, é porque, em grande parte, o cinema
direto, tanto nos Estados Unidos como na França, seguiu
inconscientemente os métodos que a televisão adotou em
cada um desses países.
Desde o começo do telejornalismo, a noção de news,
nos Estados Unidos, equivale a fazer uma ponte entre o fato e
os espectadores, de modo que o espectador possa utilizar a
informação como matéria bruta para formar sua própria
TELEJORNALISMO
71

Direto na TV

O jornalismo pela imagem sofreu uma evolução igual à


do olhar, e não há nenhuma razão para pensar que as coisas
teriam sido diferentes, me,smo se desde o início tivéssemos
contado com o recurso do som direto. Podemos imagrinar que
para um bebê a possibilidade de ver já é o bastante. Tudo é
interessante: a saída dos operários d'a fábrica Lumiere assim
como a chegada do trem. O interesse seguinte consiste em
utilizar a possibilidade dle mudar de llugar para compensar a
limitação da percepçã.o visual, Ir atrás dos obstácutos para
ver mais long~ e procurar nas viag.ens o espetáculo - os
africanos na Africa, a rainha na Inglaterra. Sem nossas
limitações de deslocamento no espaço, ainda estariamas
procurando marcianos em Marte e quasares no Quasar.

Limitada no espaço, a visão, em vez de di1spersar a


atenção, nos ajuda a reconhecer repetições e semelhanças
entre diferentes acontecimentos. Aos poucos, a informação
pela imagem seguiu o caminho da informação política pra-
ticada nos jornais. Para além das questões de honestidade
com relação ao acontecimento original. as fotos e os textos
se completavam. A loto se reintegrava ao acontecimento
graças à legenda e representava para o texto o elo concreto
com a realidade. Este mesmo tipo de relação ocorria, no f illme
de reportagem, com os comentários.

Nos documentários ingl1eses, onde o comentário era


muito utilizado, os diretores reivi ndícavam o direito de
1

expressar suas opin.iões através da reportagem, talvez não


como uma tomada de posição, mas condicionadas pela
impossibilidade de conciliar a "objetividade'' da imagem com
a inevitável subjetividade do texto. Em outras palavras, havia
uma contradição evidente com a nossa manei1rade percebe.r
as coisas: imagem e som eram de naturezas dife·rentes - a
imagem se parecia com as image.ns que vemos normalmente
(a olho nu), mas o som, por não ser direto, era sentido corno
uma coisa inteiramente criada, como as imagens de um filme
<ie ficção.
72 73

"Gostaria de falar particularmente desse filme que plesmente a possibilidade de ver sem estar presente. Para
rodamos em 1934 e que é considerado como o poder ser considerada objetiva, era preciso, além de boas
precursor, não somente das entrevistas de tele- intenções, encontrar a técnica que desse essa impressão.
visão, mas do cinema verdade ..."•
Nos Estados Unidos a solução encontrada foi uma
Housing problems foi filmado em som direto, as combinação entre o jornalista e uma técnica de som direto
entrevistas e discussões foram feitas com câmera fixa na que não permitia nem mesmo a dissociação do som e da
altura do olho. O método de Housing problems consistia "na imagem - as câmeras Auricon constituíam o material básico
intenção de reduzir a direção e mesmo a interpretação ao da TV americana. Essas câmeras gravam a imagem e o som
mínimo e assim deixar que o próprio assunto se encarre- numa mesma película.
gasse da criação do filme ...'' (Edgar Anstey). O jornalista (que aparecia na tela) tinha duplo papel: o
primeiro, identificar o canal de TV (papel autopublicitário) e o
Desde o·começo, a televisão utilizou este método para o lugar onde a equipe se encontrava; o segundo, fazer uma
telejornalismo. Dois fatores são importantes para se com- introdução ao acontecimento que seria filmado em som
preender o porquê deste emprego. O primeiro é a televisão direto. Esta técnica de gravação do som e da imagem, onde
comercial, o segundo é a maneira como o telejornalismo tem os dois elementos não podem nem mesmo ser dissociados,
que ser feito para uma televisão comercial. deu origem a um estilo de reportagem que pretende ser uma
A televisão comercial tem uma característica paradoxal: transposição da realidade.
para o consumidor ela é gratuita. Torna-se necessário Os cineastas americanos do som direto continuaram,
encontrar recursos financeiros e só a publicidade pode em grande parte, a trabalhar exatamente da mesma maneira:
fornecê-los. Neste caso, o programa não é pensado em não se separa o som da imagem, o som só é utilizado em
função do seu valor informativo, mas para atingir o máximo sincro com a imagem com a qual ele foi gravado. Com essa
possível de espectadores. Torna-se mais importante para a tomada de posição, contra as entrevistas, eles têm como
TV vender os espectadores aos anunciantes do que informá- finalidade serem ainda mais objetivos (ou espontâneos caso
los. a palavra "objetivo" não agrade).
O verdadeiro problema é mais sutil pois, para ter o maior
número de espectadores, a TV tem que tentar agradar a " ... quero descobrir alguma coisa sobre as pessoas.
todos, ou pelo menos tentar evitar os assuntos que possam Quando você as entrevista elas dizem sempre
provocar divisões ou descontentamento. aquilo que elas querem que você saiba a respeito
delas ..."ªº
Mas a TV não inventou o jornalismo, pelo contrário, ela
começou a praticá-lo tendo que enfrentar a imprensa - um " ...ou as coisas que elas imaginam que você quer
sistema informativo bastante eficaz e que tem. sobretudo, a ouvir como resposta ..."•
propriedade de oferecer opções bem mais variadas para o
leitor. Obrigada a abordar todos os assuntos, incômodos ou Não tendo problemas de limitação de tempo, nem de
não, para podercompetircom a imprensa, e ao mesmo tempo filmagem nem de montagem, os filmes proé::!uzidospela Drew
tendo que atingir um vasto público, a TV teve que encontrar Associates puderam ter uma construção mais elaborada e
um meio de informar, sem que a emissora pudesse ser desta forma se libertar do comentário de introdução.
responsabilizada pela escolha do assunto. Mas, sobretudo,
era preciso que a TV não tivesse opinião própria. Nos Estados Unidos, portanto, a herança do news é que
o cameraman e toda a TV funcionam como uma ponte entre o
Dar à TV a possibilidade de ser uma janela para o mundo acontecimento e o público. Reencontramos esta idéia como
a liberava de ser responsável pela escolha dos assuntos: o característica principal nos filmes de som direto da escola de
acontecimento é real, a TV não intervém, ela nos dá sim- Leacock, Pennebacker e Maysles.
74 75,

Na Europa as emissoras de TV são estatais. O fato disso Praticamente


as liberar das imposições econômicas do tipo de publicidade
muda muito pouco a Questão de ter Que agradar ao público.
Na verdade, se a tele-informação não fosse praticada de
maneira anódina e massificante, o público abandonaria o
patrocinador do mesmo modo Que em publicidade, e no caso
de o patrocinador ser o governo, seria a revolução em Quinze
dias. Dez anos depois de escreve,r e.sta te.se, a maioría das
idéias se confirmaram na prática. Fílmar em grande angular
colado nos personagIens para ouvir e viver junto com quem
está sendo filmado eu fiz e deu certo em Pint'o vem aí(melhor
filme, Festival JB de 1977). Grande angulare·câmera na mão
também possibilitaram fazer A queda (Urso de Prata, Festival
de Berlim de 1978), uma tiicção-reportage.m em som direto.
Mas a recomendação mais entusiasmada do livro, que é viver
longamente com o assunto para "entender" e não "captar"
apenas as imagens, é outra coisa.
Cabra marcado para morrer começou em 1!96,2.Em 82
concluímos o filme. As técnicas e métodos.usados.para filmar
são descritos abaixo pelo diretor, Eduardo Coutinho.
Imagine um filme, para um cameraman, onde se filma
como se vê. Tudo. O assunto e o silêncio. A entre.vista e a
recusa de falar. O passado e o presente. Sim, pois fomos a
Pernambuco continuar um filme iniciado há vinte anosatrá.s.
Começamos projetando o copião do Ulme ínterrompido em
março de 1964. Na platéia, os campone·ses que em 64 eram
os atores. Na te linha, improvisada num terreiro, o passado. Na
minha tela, no visor, o presente se vendo vinte anos mais
moço. Minha lente, o olho del1es,o microfone, a entrevista, o
assistente de câmera e os pe.rsonagens, tudo uma mesma
coisa. Mas sobretudoodiretore seu tilrne misturados há vinte,
anos. Inseparáveis.
Com a palavra, Eduardo Coutinho:.
"Partindo do particular, do concreto, e não de idéias
gerais, pode-se fazer filmes, anti pre;fáci,ose até prefácios. Por
isso, falo de minha experiência na tillmagem de Cabra mar·
cado para morrer - vinte, anos depois, uma experiência
compartilhada com Edgar Moura (cameraman), Jorge Sal-
danha (técnico de som) e Nonato EstreIIa (assistente de
câmera).
"Nunca tín-hamios trabalhado juntos e eu mal os
conhecia, a não ser o Sal,danha, que não via há muilo tempo.
Além da competência profissi,onall deles, contava Que
podíamos nos entender ideologicamente, o que significa
76 77

antes de tudo um acordo sobre o método de filmagem, pois Esse esquema tira a onipotência de cada um e de todos. O
nele estão implicadas questões de fundo. ideal mesmo é que todos os membros da equipe, quando
"Antes de começar o trabalho, fixamos algumas regras necessário, possam tarar e aparecer na cena. E a utopia será
baseadas no fato de que um filme é um filme, e não ten- quando o personagem também puder passar para o outro
taríamos disfarçar isso. O técnico de som deveria estar tão lado da câmera. E, mesmo assim, o que se passa entre os dois
próximo do entrevistado quanto necessário, sem jamais se lados da câmera continuaria a ser importante.
preocupar em estar dentro ou fora do quadro. Ao contrário, às "Na maioria dos casos, o cameraman teve de se adaptar
vezes seria indispensável que ele aparecesse. Para o diretor, às condições e ao lugar em que se entabulava a conversa
que não deveria continuar sendo um fantasma como em geral com o personagem, e não o contrário, para servir às ne-
acontece nesse tipo de filme, essa tendência seria exacer- cessidades da luz. Nas chegadas em alguns locais, ele
bada, ainda mais porque precisava conversar com os per- caminhava filmando em direção a um ambiente que sim-
sonagens como se conversa na vida real, ou seja, muito plesmente não podia imaginar como seri1a.O tundlamental
próximo deles. Eventualmente, uma segunda câmera dupli- não é que o Edgar não tenha perdido nenhum desses planos,
caria alguns planos, incluindo no quadro, sempre que assim como o Saldanha; o fundame,ntal é que eles assumiam
possível, o cameraman e a pessoa filmada. riscos. Isto é, estavam além do que se entende por "bons
''Para reduzir o caráter artificial das entrevistas, que são profissionais".
a base do filme. aboliu-se o ritual de preparação, que esta- "Isso que eu chamei de método não foi um fria decisão
belece parâmetros e temas previamente e obriga o perso- anterior às filmagens. Muitas rdéias nasceram durante o
nagem a repetir, diante da câmera, o que contou pouco antes trabalho, com o ensinamento da prática. E assim, gastando
com a câmera desligada. muito filme - o que é indispensável - e filmando às vezes
"Já que ninguém escolhe como interlocutor uma planos de 1O minutos - um chassi - fomos premiados com o
máquina, os personagens falavam ao diretor e este, quando acaso, flor da realidade, que jogou sempre a nosso favor.
fosse o caso, perguntava a eles. Essa relação de diálogo não "O que eu disse até agora pode dar a impressão de
pode ser quebrada ou enfraquecida, e quem a segura é o contradição entre crença no ''real" e tentativa de distan-
olhar mútuo. Disso resulta que a iniciativa de enquadra- ciamento. Na verdade, penso que o filme vive dessa e de
mento, mudança de ângulo etc. cabia inteiramente ao outras tensões, plenamente assumidas entre realidade e
cameraman. Havia também outra conseqüência: como os ficção, pessoa e personagem, naturalismo e estranhamento,
interlocutores se falavam e se olhavam numa relação real de emoção e reflexão, suj,eito e objeto. Por aí.
diálogo, a câmera tendia a não aparecer como uma intrusa "Quem ler este livro vai ver que o Edgar pensava nesses,
constrangedora. problemas há muito tempo. E sua prática no Bras.ill já o
"Para trabalhar assim, é preciso confiar muito no preparava para propor novos problemas."
cameraman e desconfiar do gênio que tudo comanda num
filme. Os resultados provaram que a confiança era justa. Mais
ainda, creio que só assim é possível trabalhar bem em cinema
direto. Mas isto já é uma generalização provavelmente
indevida.
"De modo que essa divisão de trabalho sempre informal,
nunca rígida, inclui um personagem que fala e responde com
o olhar, e às vezes também pergunta, um diretor que ouve e às
vezes pergunta, olhando nos olhos do personagem, um
técnico de som que ouve e grava, colado nos interlocutores,
um cameraman que ouve, porque está sempre próximo, vê e Rio de Janeiro, outubro de 1984.
decide na hora como a conversa deve ser vista, e um
assistente que precisa saber a hora de duplicar a imagem.
ENTREVISTA COM YANN LE MASSON
"Devemos a Yann Le Masson, num contexto bem
diferente, o filme que provavelmente mais se inspira nas
pesquisas americanas nos colocando no meio da ação: Sucre
amer, espécie de Primary francês sobre as eleições legis-
lativas de maio de 1963 que levaram M. Mlchel Debré ao
poder na Ilha da Reunião. Yann Le Masson é ao mesmo
tempo um observador objetivo e pro.fundamente engaiado.
Ele sabe pegar no ar a cena rnveladora, às ve·zes cmel, que
mais do que qualquer di scurso denota um cfima. Ele sabe
1

entrar no meio da multidão, ler nos rostos o entusiasmo e o


rancor. Como queria Jean Renoir, participamos fisicamente
da ação" (Louis Marcore•lllles "Etements pour un nouveau
cináma").

Pergunta: A primeira coisa é que.,em relação ao que se fazia


na França na época, o trabalho que você realizou em Sucre
amer foi diferente. Aproximava-se mais da e·scola americana.
A diferença residia na utiliização do som. Havia menos
entrevistas, mostrava-se mals e talava-se menos.

Yann Le Masson: Sim, primeiro, na época, ainda não havi1ao


material que existe hoje. Não havia a Êdair 16. Fiz Sucre amer
com uma Arri 16, sem blimp mas com som direto. Também
ainda não tinha a experiência que tenho agora com a utili·
82 83

zação da Êclair 16 e as possibilidades que ela oferece. Mas, Pergunta: Trabalhando desta maneira podemos, no fim,
desde aquela época, já era firmemente contra as entrevistas, acabar caindo no típo de reportagem Time·Life. Isto é, iso·
contra a forma de cinema que utiliza entrevista. Penso que a lamos uma fatia de vida do contexto. Se na mo11tagem não
1

entrevista dá resultados que sempre são artificiais. A relação trabalharmos de modo a dar uma conclusão, mesmo assim
entre o entrevistador e o entrevistado, o cerimonial que a isolamos ...
relação pressupõe, a preparação ... A gente sempre se
prepara antes de uma entrevista. Dizemos: Muito bem. Yann Le Masson: Tenho plena consciência deste defeito. É
a razão por que mais tarde ... não é que seja a única razão,
Vamos lhe fazer uma pergunta assim, outra assim, vamos mas ...Sucre amer é um fillme q1.J1e
me ensinou muitas coisas e,
falar disso, daquilo ... Depois, a gente se instala, começa a particularmente, os limites daquilo que chamamos de cine.rna
rodar e alguém começa a fazer um discurso. Um personagem verdade, de filmagem em direto, que me parece ser um
que faz um discurso, por mais natural que seja, por mais método pobre cujas promessas, não toram cumpridas. Nlo
espontâneo, por muito bom que seja ... mesmo nas melhores momento atual estou voltado para outra forma de documen·
entrevistas que eu conheço, apesar de tudo, sentimos que há tá rio e acabamos de terminar um outro fllme em que agimos
um personagem que é interrogado e que responde e que, de maneira completamente diferente. Sempre utílizamos a
finalmente, escuta o que diz e se exprime. Bem, eu acho que a técnica do cinema com som direto: acho que isso é indis·
maioria das pessoas de uma maneira geral não se exprimem. pensável, uma câmera leve, se possível invislvel, mas basea·
As pessoas não se exprimem através de um discurso, não o do sobre um trabalho de longa duração. Em outras palavras,
fazem teoricamente Em geral se exprimem espontanea· não hesitamos em ficar um ano ou dois para filmar em
mente, exprimem aquilo que sentem, falam de suas neces· determinado local. Assim, evitamos extrair latias de•vida nos
sidades, do prazer, dos problemas. Mas isso nada tem a ver momentos privilegiados, mas, ao centrá.rio, nos servirmos da
com, por exemplo, a minha maneira de falar neste instante. câmera, da imagem e do som, para gravar aquillo que primeiro
foi compreendido e vivido por um periodo longo de tempo. Eu
Isto é uma entrevista. Agora eu me exprimo procurando as penso que um filme documentá1rio em som direto· aliás, estou
palavras ou então refletindo, procurando teorizar, o que persuadido disso • só poderá alcançar uma certa profun-
absolutamente não ocorre na vida real. Na vida real, nós não didade, uma certa verdade, se nos dispusermos a convi1ver
nos exprimimos assim. Bem, já que eu fazia documentários, durante muito tempo com as pessoas. que filmamos, em vez
procurava apreender a realidade, pelo menos na ótica em de simplesmente invadir suas vidas, para mais tarde·, sobre a
que a via... Lançava um olhar, o meu olhar, sobre certa mesa de montagem, tentar fazer com que digam um pouco
realidade. Fazer perguntas às pessoas sempre me pareceu daquilo que nós queremos. Assim, nã,oé porque• a técnica é a
falso. Foi por isso que filmando Sucre amer renunciei por do som direto, porque a coisa toi mimada do real, que um
completo às entrevistas. Preferi utilizar o cinema, a técnica da evento que nós captamos, uma vez. proje.tado, revando em
tomada de cena em sincro para captar ao vivo as pessoas que conta a montagem que faremos, será o reflexo da realidade.
se exprimiam sem que lhes pedisse para fazer isso. Primeiro Para que seja, penso que precisamos aprofundar o nosso
procurávamos fazer com que esquecessem que um micro· trabalho em outras áreas, na ârea da reflexão sociológica ou
fone e uma câmera estavam presentes. Procurávamos da reflexão política e que não e·x:iste o cinema verdade ou
simplesmente captar pequenas fatias de suas vidas, do cinema em som direto sem que seja exercida essa disciplina.
momento e, particularmente, do instante em que se expri·
miam, mas, sobretudo, nada de entrevista. Pergunta: Do que trata o filme que você está fazendo
atualmente?
Pergunta: Você foi o realizador deste filme?
Yann Le Masson: Acabamos de viver durante dois anos no
Yann Le Masson: Sim, diretor, operador e até mesmo pro· Japão em uma aldeia e trouxemos este filme de lá. Com todas
dutor. as restrições que es.te tipo de trabalho impli.ca, fomos obri·
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gados a filmar, filmar e filmar. Trouxemos 30 horas de mos que no plano da forma a coisa parece menos manipulada
projeção para um filme que talvez vá ter a duração de uma mas, na verdade e na minha opinião, trata-se de uma mani-
hora e quarenta e cinco minutos. Passamos muito tempo na pulação que é igualmente evidente. Na medida em que nas
casa das pessoas, gastamos o tempo necessário para entrevistas - e é fácil fazer muitas delas- fazemos perguntas
conhecê-las bem, fizemos com que se habituassem à câmera às pessoas, pedindo que nos falem de certo número de
e ao gravador e não considerassem esses aparelhos como coisas, recolhemos um material sonoro considerável sobre o
alguma coisa estranha e sim como coisas que não os inco- qual manipulamos, tomamos este ou aquele partido, e•
modassem; quando a câmera e o gravador já não os agridem, fazemos um comentário com elas. Mas que. diferença isso taz
podem se comportar de maneira normal. A essa altura nós em relação a um comentário que nós mesmos poderíamos ter
nos transformamos em simples testemunhas do que acon- escrito, exceto que a forma é mai1s convincente? Isto é
tecia. Jamais houve entrevistas, jamais interrogamos quem verdade. Quando ouvimos, as vozes das pessoas, nã.o são os
quer que fosse nem produzimos o que quer que fosse. profissionais com voz.es e.mpostadas que lêem um texto. São
Eramos simples testemunhas atentas para compreender as pessoas captadas ao vivo e iss.o dá a impre.ssão de auten-
coisas, acumulando documentos audiovisuais. ticidade, mas eu me pe.rgunto se não se trata de uma
Mas, dentro de determinados limites, era preciso que as manipulação igual a outra? Eu acho que devemos procurar
pessoas pudessem teorizar, se elevar até um pensamento escapar ... não escapamos do fato de que estamos interpre-
teórico acerca de determinados problemas. Nesses casos, o tando uma realidade: um c:amera.man com sua câmera, um
método utilizado não era as entrevistas. Era mais o fato de diretor com o olhar que ele projeta sobre a realidade, dá a sua
reunirmos as pessoas ou aproveitar uma reunião para dis- visão. Seria ridículo querer evitar Isso.
cutir com as pessoas, colocar um tema em discussão e, uma
vez iniciada a discussão entre elas, passávamos a ser a Bení Deswart (técnica de som): Não só não podemos esca-
testemunha do que acontecia e podíamos filmar. A essa par mas queremos interpretar.
altura as pessoas exprimiam os seus sentimentos e opiniões
entre elas e obtivemos resultados que tomavam o lugar da Yann Le Masson: Queremos. É o que q1ueremos faz.er.
entrevista sem conter os seus efeitos. Queremos dar ... queremos tomar partido. Mas eu acho que a
entrevista ... digamos que é mais verdadeira, nós nos apro-
Pergunta: A grande descoberta dos anos 60, no início das ximamos mais da verdade do que com um comentário, mas eu
filmagens em sincro, foi que a formulação que as pessoas não estou .convencido. Formalmente,, sim. É bem mais con-
faziam de suas idéias era mais importante do que as próprias vincente. E mais eficaz.. Mas no nível do conteúdo, já não
idéias. Como o fenômeno escapava ao controle da direção, tenho tanta certeza.
podíamos utilizá-lo para substituir um comentário usando as
entrevistas em off. Digamos que era uma coisa em que não se Pergunta: O que foi que aconteceu durante de·z anos?
podia trapacear; já não dependia de uma técnica e seria a Quando começamos a trabalhar em som direto. será que·
única coisa verdadeira no filme. começamos a abandonar e,sta maneira de considerar a
entrevista? A televisã.o se apropri1ou até certo ponto deste
Yann Le Masson: Não sei se existe uma diferença essencial método, finalmente, trabalha quas.e que exclusivamente
entre a formulação das pessoas quando tomadas ao vivo por desta maneira. Nós nos perguntamos se é uma questão de·
meio da entrevista ou por um comentário. Já que o entre- simples facilidade, de tempo para a montag,em, ou se é uma
vistado não faz outra coisa senão comentar e nós substi- questão de escolha ... de necessidade de dar a impressão de
tuímos o entrevistado pelo diretor que, em última instância, ser mais verdadeira?
utiliza as entrevistas que lhe agradam ou aquelas que são
bem sucedidas. Ele as utiliza porque reencontra nelas o seu Yann Le Masson: Acho que é isso. Esta técnica comprovou a
próprio discurso mas, na verdade, acho que é o mesmo tipo sua eficácia formal. A televisã.o é um excelente exempl'o.
de manipulação que havia nas técnicas precedentes. Diga- Podemos muito bem nos servir dle entrevistas feitas na rua e
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fazer com que os entrevistados digam exatamente o con- Um filme de ficção pode exprimir coisas muito pro-
trário do que disseram. Podemos muito bem manipular o fundas e muito verdadei1rasao passo que mui.tos filmes feitos
pensamento deles. Mas por outro lado, em relação ao em som direto ... O que eu quero dizer é que o cinema direto
espectador, há um impacto muito mais forte porque nós lhe nada mais é do que uma abordagem da realidade igualmente
dizemos: veja, essas pessoas se exprimem livremente, marcada pela subjetividade daquele que o faz, pela sua
exprimem suas opiniões e, graças à técnica da entrevista, opinião, pelo que ele representa. Exceto que aqui a imagem é
conseguimos ser convincentes, causar impacto e conseguir mais convincente, é mais eficaz. Esta técnica provou sua
um resultado ainda mais poderoso do que seria o caso de um eficácia, sua eficácia formal. ..
comentário fabricado. É preciso voltar a questionar as coisas que nos parecem
evidentes. Por exemplo, no filme que f'izemos no Japão,
Pergunta: Digamos que, no final das contas, a utilização pela falando de maneira g,eral, tentamos expor os mecanismos da
televisão é até mesmo política. ideologia que predomina naquele país. Aliás, existem coisas
que à primeira vista não parecem evide·ntes, coisas que.
parecem normais, são idéias correntes, a maneira corrente
Yann Le Masson: Sim. Certamente. Não vejo como se de se viver ... Na França há uma maneira normal e corrente de
poderia trabalhar de maneira a poder dizer: vejam, eu dou um se comportar e que, apesar de tudo, é inteiramente ou
documento a vocês e ninguém mexe nele. É objetivo. Eu não aberrante, ou reveladora, ou merecedora de uma meditação.
acredito na possibilidade de um documento objetivo. A Poder isolar este fato, não isolá-lo forçosamente do contexto
objetividade não existe. Mesmo a maneira de enquadrar, a mas si,:n apontá-lo com o dedo, torna-s.e quase revolucio-
maneira de filmar, a maneira de fazer som direto, tudo está nário. E por isso que no momento atual é este o tipo de
repleto da subjetividade do realizador e de sua equipe. Não cinema que mais me interessa,, embora ainda esteja no
existe o cinema verdade. Ele não existe. É uma utopia. estágio das perguntas formutadas e da pesquisa.

Pergunta: Afinal de contas, poderíamos considerar o cinema Pergunta: O seu trabal1ho, elle se inscreve em um trabalho
em geral como uma espécie de competição ideológica. Se político que você faz fora do cinema, ou você faz cinema
realizamos um trabalho como se faz na televisão, ou se político?
fazemos um trabalho militante no cinema, não há como um
ser mais verdadeiro do que o outro? Yann Le Masson: Digamos que o cinema faz parte das
minhas atividades militantes. Nãotaço cinema político: o meu
cinema é político porque eu sou pofitizado. Mas não procuro
Yann Le Masson: A verdade, na minha opinião, não quer fazer cinema político, procuro fozer cinema, ponto ti na li.Acho
dizer grande coisa; é um pouco vazio como conceito. Diga- que um filme sempre é político, é uma maneira como qual-
mos que o filme, o espetáculo cinematográfico, é uma ma- quer outra de militar a favor de alguém que· não pode se
neira de se exprimir que é inteiramente marcada pelo que o exprimir assim.
diretor tem a dizer. O diretor, se ele tem alguma coisa a dizer,
alguma coisa que pretende comunicar, bem, ele o faz, in- Pergunta: As suas reflexões são colocadas ao nível do
dependente da técnica que utiliza. Não acredito que o trabalho de filmagem, em relação ao som, imagem etc.?
documentário o preserve mais do que a alguém que faz um
filme de ficção. O filme de ficção afinal, com todos os atores
Yann Le Masson: Sim, certamente. A reflexão ocorre à
que dirigimos, com os cenários que montamos, que fabri-
medida que o trabalho s.e faz; eu constato coisas, faço
camos, com uma história que escrevemos e depois ence-
experiências com certo número de coisas, lentamente chego
namos, é tão cinema verdade quanto o outro, exceto que na
a compreender, a possuir mais ou menos bem um rnPio dP
ficção a imagem denuncia que os atores são atores, os
expressão e passo a fazer experiências com co,sas nov.1•,
cenários são cenários etc.
88 89

Mas dizer que atualmente disponho de uma teoria do cinema Não gosto nem um pouco da técnica que consiste em
em som direto que esteja claramente formulada, não abso- fazer um zoom num ros1o. Eu prefiro eu mesmo me aproximar.
lutamente. É muito experimental. Acho que temos comportamentos diferentes quando nos
aproximamos de alguém e quando fazermos um zoom sobre
Pergunta·: Quais são os problemas que você encontra alguém. Eu prefiro filmar com uma lente fixa, uma grande
trabalhando como cameraman, você que em geral trabalha angular, por exemplo uma 9,5 mm. (Para filmar o testivaJ pan-
como o seu próprio diretor; você trabalha como cameraman? africano) ... quando eu queria um close,, pois bem, eu me
aproximava.
Yann Le Masson: Sim, naturalmente. E muitas vezes. Aliás, é
assim que eu ganho o meu pão de cada dia. Ganho meu pão Pergunta: Quando vemos o trabalho de Willliam Klein, vemos
unicamente trabalhando como técnico nos longas-metra- que ele trabalha mais ou menos desta maneira, que;r dizer,
gens, nos curtas-metragens, na publicidade, coisas assim; é que ele está sempre fisicamente muito perto dlo assunto que
inteiramente diferente. Eu exerço uma técnica. Na maioria está filmando.
das vezes trabalho com 35 mm, salvo quando estou traba-
lhando para a televisão, por exemplo. Atualmente utilizo Yann Le Masson: Ah sim, estou perfoi1tamente de acordo.
técnicas do cinema direto, técnicas que aperfeiçoei para o Acho que ele tem toda razão. O fato de nos aproximarmos
trabalho com o técnico de som etc. Tenho urna maneira fisicamente de um personagem, ou de alguma coisa que está
específica de filmar. Do ponto de vista técnico tenho algumas acontecendo, modifica nosso comportamento. Quando
idéias que são pessoais e que eu aplico, não necessaria- estamos bem lá no nosso cantinho e nos aproximamos
mente nos filmes que faço, mas nos filmes que me pedem artificialmente, não faz.e.mos os mesmos enquadramentos,
para fazer. não nos comportamos da mesma maneira, e, ís,to se sente na
tela ...
Pergunta: Você pode precisar este pensamento?

Yann Le Masson: Acho que numa equipe, trabalhando com


som direto, o engenheiro de som tem uma função tão ...
2
importante quanto o cameraman. Por isso. é preciso con- ,8
seguir formar uma equipe extremamente unida. Não sou a ~

favor das técnicas que liberam o técnico de som do came- ..


:1
Q
o
raman (o quartzo, por exemplo). Sou muito favorável a este
cordão umbilical entre os dois, que os une. Aliás, eu não
utilizo jamais o quartzo. Utilizo sempre o cabo piloto. Em todo
caso, se eu tivesse uma câmera quartzo, eu teria tendência a
colocar um fio entre os dois, para eles não se afastarem muito
um do outro. Além disso, sou a favor do retorno de escuta. Eu
filmo, geralmente, COM um fone para poder ouvir o som. O
técnico de som tem que ter urna cumplicidade total comigo.
Ele tem que saber sempre o que estou filmando, e qual o tipo
de plano. Coloco marcas no zoom de modo que ele saiba se
estou em tele ou grande angular, de maneira que o som seja
próximo ou geral em função da imagem que torno. Acho que é
muito importante que o técnico de som saiba exatamente o "'
a,
e.,

que é que estamos fazendo. Evidentemente, também sou a


favor da supressão do zoom.
90 91

Pergunta: ... e nos tornamos um voyeur. imagens ... Imagens desfocadas, tremidas, tudo isso é c~n-
siderado como proibido. Eu acho isso uma aberraçao.
Yann Le Masson: Sim, nos tornamos mais um voyeurdo que Embora nos últimos 1O anos tenha havido um grande pro-
outra coisa. Ao passo que, da maneira que eu faço, acabo gresso. Vemos no circuito comercial film~s 9uE: fo~am rea-
participando da ação, entro nos acontecimentos e isto se lizados com grande liberdade em relaçao a tecnica mas,
sente muito na tela ... apesar de tudo, a maioria das pessoas ficam paralisadas co~
isso. Eu olho para os jovens realizadores com os quais
trabalho e vejo que têm medo de arriscar. Se fizessem cinema
amador, são coisas que fariam: mas a partir do instante em
que o trabalho é uma produção, que a câmera é de 35 mm ou
mesmo quando é um filme que será distribuído, e assim por
diante, há coisas que não ousamos fazer. Bolas, seria preciso
ultrapassar tudo isso.

Pergunta: Existem pessoas que filmam com som direto


procurando trabalhar em volta de um personagem?

Yann Le Masson: Sim, sou a favor. É o que tentamos fazer no


Japão, por exemplo. Vivemos com as pessoas e finalmente
contamos a história de alguém. de um sujeito com quem
convivemos e que aceitou a nossa presença, aliás, depois de
muito tempo. Levamos quase 6 meses para conquistá-lo,
fazer com que aceitasse a presença da câmera sem que isso
o incomodasse e foi a partir deste instante que deixou de ser
um personagem que nós dirigíamos; era ele quem nos dirigia.
Eram exatamente as coisas que ele fazia, a vida dele, as
coisas que aconteciam com ele que faziam o filme. Está-
Se eu pudesse, jamais colocaria um zoom na minha vamos lá apenas para olhar e compreender e procurar
câmera. Às vezes isso não é possível. É mais prático zoomar perceber o que havia de essencial naquilo que ele dizia, que
porque não podemos fazer outra coisa. Assim que posso, tiro fazia na sua maneira de viver; para tentar compreender ao
o zoom e uso uma lente fixa. mes~o tempo que ele. aliás. Era neste instante que filmá-
O Super-a com som direto é um excelente caminho. O vamos. Foi realmente ele quem nos dirigiu, não éramos nós
problema é sempre o problema da difusão. Um filme é feito que o dirigíamos. Apesar disso é um personagem que vai
para que seja visto e o sistema de distribuição comercial faz aparecer na tela como um personagem.
com que sejamos obrigados a passar por formatos e técnicas
profissionais. Pessoalmente eu detesto o cinema profis- Pergunta: Você pode nos falar dos recursos que !~ram
sional. Sou um profissional, mas detesto o cinema profis- utilizados para uma produção como essa. que permItIram
sional. Gosto do cinema amador. Gostaria de poder filmar em um trabalho de 2 anos?
8 mm e sobretudo não precisar me preocupar com os
critérios técnicos. Por exemplo, a famosa qualidade profis- Yann Le Masson: Bem. trabalhávamos no local. Isto é.
sional, fora da qual não temos o direito de apresentar um tomamos dinheiro emprestado para comprar uma câme-
documento, faz com que muitos operadores. muitos reali- ra e um gravador e uma passagem de avião, e depois par-
zadores, fiquem atemorizados pela técnica. Acham que são timos. Chegando lá, começamos logo a procurar trabalho ...
obrigados a iluminar, acham que são obrigados a apresentar Logo que conseguíamos algum dinheiro comprávamos o
92

filme e filmávamos. Primeiro levamos 6 meses para desco·


brir o local onde queríamos filmar. Fomos nos instalar lá;
ficava a 150 km de Tóquio. Cada vez que era preciso comprar
filme e pagar o laboratório, passávamos 8 dias trabalhando
em Tóquio para ganhar dinheiro. Depois, pagávamos o labo·
ratório, comprávamos o filme e voltávamos à aldeia onde NOTAS
ficávamos um mês, porque lá não precisávamos de dinheiro
para viver ...
Quanto ao assunto do filme, partimos com idéias bem
abertas: não havia um tema preciso. Sabíamos o que que·
ríamos fazer mas não sabíamos o que iríamos encontrar. Na
verdade, digamos que foi o dia-a-dia de uma aldeia. Por
exemplo: na aldeia estávamos ao lado de um grande com-
plexo industrial em construção. O filme foi construido em
cima dos acontecimentos. E por isso que, em termos de
produção, teria sido muito difícil conseguir o apoio de um
produtor na medida em que não poderíamos dizer a ele: bem.
é isso que vamos fazer. Para fazer era preciso partir e para
começar a trabalhar era preciso ter chegado.

Yann LP Masson e Ben1 Deswartz filmando


-~
Kash,ma paradise
95

CAMERAMAN
1 /24 vezes por segundo
1. DEPARDON, Raymond, entrevista em Paris. agosto de 1972.

A questão objetiva
2. LHOMME, Pierre, entrevista em Paris. agosto de 1972.
3. BECKER, Etienne, entrevista em Paris. JUiho de 1972.

O olho e o quadro
4. ROUCH, Jean. entrevista em Paris, maio de 1972.
5. Et1enne Becker
6. MALLE, Louis, entrevista em Rennes, Julho de 1972.
7. Pierre Lhomme
8. BONFATI, Antoine, entrevista em Paris, agosto de 1972.
9. Pierre Lhomme
1O LE MASSON, Yann, entrevista em Paris. agosto de 1972.
11. Antoine Bonfa!I

Filmar para o som


12 KLEIN William. entrevista em Paris, agosto de 1982.
13. Pierre Lhomme
14 W1ll1am Klein
15 TRINON, Hadelin, Le clnéma belge de tangue frança1se en direct
s.l., Unesco, 1963. Tese
16 KURANT, Willy, entrevista em Paris. maio de 1972.
17 BEECKMANS, Roger. entrevista em Bruxelas, maio de 1972
18 Yann Le Masson
19 RUSPOLI, Mario Le group syncnrone leger s.l., Unesco, 1963 Tese.
?O Pierre Lhomme
21. ld
22 Mano Ruspoll
23 ld
24 LOUISMalle
25 Mano Ruspoll
26 MARCORELLES, Louis. Une esthétique du réel, /e cinema dlrect s.l.,
Unesco. 1964
27. 1d.,tb.
28. FERNANDES, Millõr, Un1vers1dade do Mé1er ago 1972.

Dois métodos
29 William Klein
30 LEACOCK, Richard, entrevista concedida à revista Contrast, inverno
1964.
31. JAFFE. Patrícia Ed1tmg cméma vénté. Fílm Comment, New York, 1965,
apud MARCORELLES. Louis, Elements pour un nouveau
cinema s.l., Unesco s.d.
32. TSE-TU NG, Mao. Quatro ensaios filosóficos Pequim, Edições em línguas
estrangeiras, 1967. p.5.
96

33. MARCORELLES, Louis, op. cit.


34 Yann Le Masson
35 TSE·TUNG. Mao. op. clt, p.6.
36. MARCORELLES, Louis, op. cit., p.60.
37, TSE·TUNG, Mao, op. clt., p.6.
38 FREUD, S1gmund. Nouvelles conlerences sur la psychanalyse Paris,
Galhm?•rl 1 O'lA
39. ld., ib.
40. ld., ib.
41 Pierre Lhomme
42 1d
43 1d.
44 LEACOCK, Richard, entrevista conce-..,u Contrast, outono
1964.

TELEJORNALISMO

Direto na TV
45. ANSTEY. Edgar Some origms oi clnéma verité. s.l., Unesco. 1966 Tese.
46. LEACOCK, Richard, entrevista concedida à revista Contrast, Inverno
1964.
47. LEACOCK, Richard, entrevista concedida a G. Roy Lev,n Documentary
explorat,ons, New York, Doubleday, s.d.

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