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SENA( • Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

Presidente do Conselho Nacional: Antonio Oliveira Santos


Diretor-Geral do Departamento Nacional: Sidney Cunha
Diretor de Operações: E/adio Asensi Prado

EDITORA SENAC NACIONAL

Conselho Editorial: E/adio Asensi Prado


Léa Viveiros de Castro
Márcio Medalha Trigueiros
Arth11r Bosisio Junior
Marl/ia Pessoa

Editor: Marília Pessoa (editor@senac.br)


Coordenação de Produção Editorial: Sonia Kritz (producaoeditora@senac.br)

Supervisão Editorial: Rose Zuanetti


Consultoria Técnica: Nelson Martins
Redação: Rose Zuanetti
Acompanhamento Técnico-Pedagógico: E/izabeth Real e josé Fernando B. Motta
Entrevistas: Atenéia Feijó. E/izabeth Real, Marcelo Bacei/ar e Rose Zuanetti
Ilustrações e Pesquisa Iconográfica: Nelson Ma;tins
Projeto Gráfico e Capa: Luciana Mel/o & Monika Mayer
Diagramação: Renata Mendes
Revisão: Se/ma Monteiro Correia
Produção Gráfica: Christiane Abbade

Atendimento ao Cliente: Cristiane Wesgueber (atendimentoeditora@senac.br)

SENAC. DN. Fotógrafo : o olhar, a técnica e o trabalho. /Rose Zuanetti; Elizabeth Real, Nelson Martins
et ai. Rio de Janeiro: Ed. Senac Nacional, 2004. 192 p. li. Inclui pequeno dicionário da fotografia,
bibliografia e referências iconográficas.

ISBN 85-7458-108-9

Fotografia; Arte; Tipos; Técnica; Máquina Fotográfica; História;


Revelação Fotográfica; Iluminação; Estúdio Fotográfico; Imagem Digital;
Laboratório Fotográfico; Mercado de Trabalho.

Referência Bibliográfica conforme as normas adotadas pelo Sistema de Informações


Bibliográficas do Senac.

Todos os direitos desta edição reservados à Editora Senac Nacional 2i Reimprcssão/2004


Rua Dona Mariana, 48 • Botafogo
CEP 22280-020 - Rio de Janeiro • RJ
Tel/Fax: (21) 2537-4964
e-mail: cditora@senac.br • home page: www.senac.br

© Editora Senac Nacional, 2002


O Olhar
do
Fotógrafo
A busca de uma
linguagem pessoal

12
A fotografia como
documento histórico

17
A fotografia .,
também vende

22
Em cada olhar,
um mundo diferente

24
A fotografia não é, de fato, uma simples
reprodução da cena presenciada pelo fotógrafo no
instante do clic. Há tempos ela é entendida como um
o grafia na entrevista concedida à
Editora Senac Nacional. Ele diz
que hoje existe uma abundância
testemunho, um depoimento silencioso que, assim
o de fotógrafos, "e as técnicas cada
como a pintura, a escultura ou outras linguagens, car-
rega a marca de seu autor.
A mídia impressa oferece um exemplo bem ilus-
trativo de autoria. Diariamente vários fotojornaliscas
saem às ruas para cumprir uma m esma pauta que vai
- vez mais se pasteurizam, nive-
ladas por uma demanda pouco
informada, imediatista
mercantilista. Assim, me parece
que, mais do que nunca, para se
e

resultar em focos estampadas nas diferences publi- destacar como autor ou profis-
cações; outros encontram-se dentro de estúdios acen- sional há que se dar emprego
dendo a um diretor de arre que quer dar vida a um
e. pleno aos neurônios. Seja apren-

o
produto; perto das passarelas, os fotógrafos de moda dendo o ofício e suas diferences
divulgam as coleções de esciliscas, as tendências de veias expressivas, ou empregando
estilo e até de comportamento; cantos outros fazem o tempo e esforço na compreensão
circuito da noite, buscando caras e bocas para enfeitar das especificidades de cada cerna
as colunas sociais ou para satisfazer a curiosidade dos fotografado".
fãs de arriscas famosos .
.É curioso comparar os resultados ~as publi-
cações. Cada fotógrafo privilegia e fixa um aspecto do
que vê de acordo com sua intenção - de cerca forma A busca
com mais liberdade do que um redator, no que se
refere à linha editorial do veículo de comunicação a de uma
que está ligado. Aliás, é por isso que se diz que ne-
nhuma foco é inocente ou isenta, ela sempre carrega linguagem
a intenção, a visão de mundo do fotógrafo.
Assim como é possível identificar um arrisca plás-
pessoal
tico pelo estilo de suas pinceladas sobre a cela, pelas
cores que usa, pelo perfil das peças ou material em-
pregado no trabalho artístico, também é possível que Em seu trabalho, o fotó-
um observador acento identifique a autoria de uma grafo se vê o tempo rodo diante
foco, considerando algumas características dQ imagem de alternativas múltiplas e precisa
que se apresenta diante de seus olhos: a temática, decidir com rapidez onde vai
a luz, o ponto de vista, a composição, as cores etc., focar suas lem es, que diafragma
aspectos aos quais o fotógrafo se detém para construir usar, em que velocidade, ângulo,
sua foco. Veja uma inconfundível de Vik Muniz na exposição, com que olhar vai
abertura deste capítulo (Shadow Painter, 1998). fixar seu objeto. O resultado des-
Fotografia é comunicação e não existe comunica- ~as decisões e escolhas (a foto-
ção sem conteúdo. Daí a necessidade de o fotógrafo grafia impressa em algum supor-
estar antenado com as coisas do mundo, investir em te) reflete a personalidade do
sua cultura geral e atualização profissional. Essa for- fotógrafo e, inevitavelmente, a
mação geral é decisiva para a construção de uma forma como ele vê e pensa o
linguagem pessoal. CÉSAR BARRETO , fotógrafo com mundo à sua volta. Cada fotó-
mais de vime anos de experiência, foi muito claro grafo interpreta as coisas do
quando tratou da formação do profissional da foto-

-
mundo de acordo com a sua for-

12 ca pitulo 1
- • mais ainda com a sua his-
de ,;da e as circunstâncias
como um
uo único.
quantidade infinita d e
i,..,u=cu.u:u.A•dcs que se abrem para
;-o no momento do ciic
deixar alguns iniciantes
por isso recomenda-
~ ,'OCê procure se exercitar
meio a máquina fotográfica
.ooc:::ac!.a ?'!a temas que mexam
emoções e despertem
nosidade. Assim, você fica-
a ,-onrade para trabalhar
□:c:s~em que quer passar com

~ionalmence, isso nem Custódio Coimbra/ Agência O Globo, 1997

~--~ C'\"i.ável, mas, ainda que o


~...>L.~ lmponha algumas regras (veja a foco!). Rendeu a CUSTÓ DIO COIM BRA o prêmio
ros obrigatórios, é sem- Foco do Ano do jornal O Globo.
pos:m-el usar um pouco da Depois de tanta experiência profissional, o fotó-
.idade e transformar um te- grafo ainda descobre coisas novas: "Hoje eu percebo
uira.s vezes banal e corri- que belas focos como essa do Cristo ou de paisagens
~-'"'""''"' numa visão única e dife- do Rio de Janeiro podem ter uma carga emocional
~ de uma cena. tão forte quanto as focos de denúncia em que me
Qw.mas fotografias da está- especializei há alguns anos", admira-se CUSTÓDIO
o Cristo Redentor do Rio C OIMBRA.
,. Janeiro já foram vistas por aí?
umeras, não é? Pois CUSTÓDIO ■ •
ATIVIDADE
C 1.'SRA , com mais de vinte
anos dedicados à fotografia e Observe as coisas de um jeito diferente
Este é um exercíci o que você pode fazer dent ro
que desde os 17 trabalha na im-
de sua própria casa. Fotografe uma cena corri-
prensa, em 1998 foi incumbido queira: a água saindo da torneira, a mesa do café
de fotografar (de novo!) o ponto da manhã, a pia cheia de louça suja, o int erior da
turístico mais conhecido do geladeira, sua planta preferida, os vasos no quintal,
o enfeit e em ci ma da estante, fot ografe qualquer
Brasil. ão poupou esforços
coisa simples. A proposta é que você observe tudo
para conseguir a melhor foco. de um jeito diferente e descubra maneiras novas
Passou madrugadas acordado de interpretar qualquer temática. Torne uma vas-
esperando o momento exaro em soura, um portão, uma fechadura dignos de serem
fotografados de forma criativa!
que captaria a imagem precisa,
O resultado dessa atividade pode render um
aquela que havia idealizado: a bat e-papo entre você e seus colegas. Tanto a expe-
lua cheia pousando sobre a riência quanto as fotografias podem ser comen-
palma da m ão direita do Cristo. tadas pelo grupo.

O resultado é lindo e inusitado

Fotóg r afo 13
Um fotógrafo iniciante pode ter a idéia fixa de mente à fotografia. Trabalhou
que na sua vida profissional vai fotografar apenas para as m aio res agências do
fu tebol, por exem plo. No caso de uma pessoa assim mundo desde 1973 acé criar, em
determinad a, a construção de uma linguagem pes- 1994, a Amazonas Images, agên-
soal pode até ficar mais fácil, mas o caminho não cia que representa seu nome e
será mais curro. É o que pensa PEDRO VASQUEZ, seu trabalho, hoje reconhecidos
fotógrafo desde 1979, professor e auto r de vários internacionalmente.
livros sobre fotografia. Em entrevista à Editora Em inúmeras viagens pelo
Senac Nacional, VASQUEZ frisa que quanto mais téc- mundo, acompanhado sempre
nicas o fotógrafo iniciante aprender, mais fácil será de suas câmeras Leica de 28, 35
para ele construir o próprio olhar. Nessa primeira e 60 mm, SEBASTIÃO SALGADO
fase de escudos, o mais importante é a variedade das captura imagens que mostram a
experiências: "O começo do ap rendizado é uma condição social do homem no
fase fundamental e muito rica. Para quem cem planeta, usando sempre filmes
disponibilidade, é a hora de investir e experimentar preto-e-branco. Fotografou era-
mesmo ( ... ) O principal desafio do fotó-
grafo é fazer bem-feiro aquilo a que se
propôs, porque, na verdade, som ente com
o tempo - uns dez anos - o profissional d a
imagem será capaz de fo rmar sua identi-
dade. Ela d epende de muita experiência e
prática. O cerco é experimentar, buscar a
forma pessoal de trabalhar sem preocu-
pações exageradas. Sem perder de vista o
m ercado, mas também sem esquecer do
instinto".
É senso comum entre os fotógrafos
mais experientes que ousar, pesquisar, escu-
dar e atualizar-se em novas técnicas são
atitudes libertadoras que, em geral, pro-
duzem bons frutos, ampliando as possibili- Sebast ião Salgado/ Amazonas lmages, Serra Pelada, Pará

dades de atuação do fotógrafo e estimulan-


do a criatividad e. Mas não há uma regra que d ê balhadores rurais, carvoeiros,
conta do desenvolvimento d a linguagem pessoal. crianças, migrantes, refugiados
Os caminhos são tantos quantos forem _a personali- de guerra; rodos os projetos reve-
dade e a história de vida do fotógrafo. lando "a luta do homem pela
dignidade e por uma vida me-
O mineiro S EBASTIÃO SALGA DO , por exemplo, é lhor" - palavras do fotógrafo.
doutor em Economia pela Universidade de Paris. Suas exposições mais famosas,
Aos 27 anos, empolgado com o resultado de sua que se tornaram livros - Outras
primeira foco, com eçou a se inte ressar pela Américas, Terra, Êxodos, Trabalha-
fotografia. A transição de amador a profissional foi dores, Crianças - , já percorreram
rápida. Três anos depois resolveu deixar de lado a vá rios países e, sem dúvida,
carreira de economista na Organização Inter- estimularam discussões e refle-
nacional do Café e passou a se dedicar exclusiva- xões sobre os fenômenos sociais

ca pitulo 1
'
14
contemporâneos: o êxodo, a miséria, o trabalho desu- natureza e o impacto da destruição do que via casavam
m ano, a desigualdade social. Aliás, objetivo a que com suas propostas estéticas e políticas, como militante
Salgado mesmo se propôs: "Minhas fotografias são das causas ecológicas. Acabou se instalando em Nova
um vetor entre o que acontece no mundo e as pessoas Viçosa, no sul da Bahia, cercado pela vegetação nativa,
que não têm como presenciar o que acontece. Espero numa casinha que construiu sobre um tronco de árvore.
que a pessoa que entrar numa exposição minha não Artista plástico e fotógrafo, KRAJCBERG é um de-
saia a mesma" Cwww.terra.eom.br/sebastiaosalgadol. fensor do meio ambiente. Em seu trabalho, mostra
Outros fotógrafos têm a natureza como tema. que a natureza é "infinitamente mais prodigiosa que
Entre nós, ARAQU ÉM ALCÂ NTARA, JO SÉ CALDAS, a imaginação humana", como ele mesmo diz. Ases-
MONIQUE CABRAL, BRUNO SELLMER, DENISE GRECO, culturas desconcertantes que cria com raízes mortas,
LENA TR INDADE e tantos outros. Mas fRA N S sementes, troncos de árvores queimados denunciam a
KRAJCBERG, um polonês radicado no Brasil, é uma destruição do planeta. Suas fotografias ensinam a ver
personalidade que merece destaque pelo uso que faz o que nunca seria visto por um homem comum.
de sua linguagem. Qualquer um se curva perplexo diante da beleza das
fotografias de KRAJCBERG: as nervurinhas de uma
KRAJCBERG se iniciou nas artes plástjcas em Paris, folha ou o desenho de um caule em espiral, o tom
no pós-guerra. Não demorou muito e, em 1948, dourado das águas, a árvore que emerge do rio cor
mudou-se para o Brasil, graças à ajuda do pintor de carmim, a terra seca e a areia transformadas em
Marc Chagall. Como imigrante, a vida não foi fácil. obra-prima.
De pedreiro a assistente do pintor Alfredo Volpi, pe- O olhar de fRANS KRAJCBERG é denúncia e arte.
rambulou por muitas regiões brasileiras procurando Antonio Houaiss, que prefaciou o livro Natura, foi
ficar sempre perto da natureza, de onde retirava a preciso em suas palavras: "Nosso amor à natureza se
matéria-prima para suas esculturas. enriquece com o amor da natureza que KRAJCBERG tem
A depuração de seu olhar se deu nas viagens que dentro de si e sabe externar". Observe a força do olhar.
fez à Amazônia e à Bahia, onde a exuberância da desse fotógrafo!

Frans Krajcberg, Natura, 1987

F o t 6 g r a f o 15
Em geral, as histórias de como os fotógrafos m as geralmente é usada para o
constroem sua linguagem são cão diversas quanto registro dos resultados: Jacqueline
interessantes. O brasileiro radicado em Nova York, Kennedy desenhada com ketchup,
VIK MUNIZ, não é exatamente um fotógrafo no senti- a série Crianças de Açúcar, as mon-
do a que estamos acostumados. Formado em publici- tagens com fotos de crianças de
dade, ele é um arrisca plástico que utiliza a fotografia rua contornadas com lixo do
como suporte de suas esculturas, desenhos e pinturas. Carnaval, a Última Ceia monta-
Suas obras são esculpidas ou desenhadas com mate- d a com calda de chocolate.
riais inusitados, como chocolate, açúcar, ketchup, Poderíamos dizer que suas obras
poeira, geléia, algodão, lixo, massinha, temperos. seriam descartáveis se não fosse a
Depois, são fotografadas. O resultado das focos-escul- fotografia.
turas é surpreendente. V1K MUNIZ se define como
As técnicas que VIK MUNIZ utiliza em seu proces- "alguém que pesquisa o poder da
so de criação tornam tênue a distinção entre foto- imagem e da memória na nossa
grafia, gravura e pintura. A câm era fotográfica está sociedade" (HIRSZMAN, 2001).
sempre presente nas diferentes etapas do trabalho, Começou a fotografar suas pró-
prias esculturas, porque não gos-
tava do trabalho da divulgação.
Vik Muniz, Aftermath (Angélica), 1998
Ficou tão fascinado com as pró-
prias focos, que passou a fazer es-
culcuras só para fotografá-las.


ATIVIDADE

Pesquise e se surpreenda
Este livro traz algumas
histórias de como os fotó-
grafos ingressaram na pro-
fissão e como construíram
uma identidade com o de-
correr do tempo.
Sugerimos que você faça
outras pesquisas na internet,
ou mesmo em revistas e
jornais, sobre os fotógrafos
que mais lhe agradam. Isso
poderá ajudá-lo a entender a
questão da linguagem pessoal
na fotografia, além de ser
bem divertido. E, afinal, há
tantos fotógrafos sobre os
quais não falamos: WALTER
FIRMO, MARIO CRAVO Nero,
MIGUEL RIO BRANCO, CLAUDIA
JAGUARIBE, ELZA LIMA, THOMAZ
fARKAS ...

16 ea p í t u I o 1
De todos os meios de expressão, a fotografia é o
único que fixa para sempre o instante preciso e tran-
A fotografia sitório. Nós, fotógrafos, lidamos com coisas que estão
continuamente desaparecendo e, uma vez desaparecidas,
como não hd mecanismo no mundo capaz de fazê-las voltar.
Não p odemos revelar ou copiar a memória.
documento
histórico A fotografia, sim, tem esse caráter memorial. Ela
fixa o que nunca vai repetir-se, pode guardar a me-
mória de um tempo e mostrar a evolução cronológica
No início dos anos 30, o dos faros. Hoje não se tem mais dúvidas de que a refe-
repórter fotográfico francês HENRI rência forográfica, aliada a outros documentos, desem-
( A RTIER-BRESSON rornou-se o lí-
penha papel decisivo na reconstrução da História.
der de uma geração de fotógrafos. No Brasil, por exemplo, as paisagens e as cenas da
Em linhas gerais, achava que o vida cotidiana registradas pelos fotógrafos do século
importante não era a técnica, mas XIX são valiosas para a reconstituição da época nas
a intuição. Era preciso estar sempre diferentes cidades brasileiras. MARC FERREZ, AUGUST
STAHL, JUAN GUTIERREZ, GEORGE LEUZINGER, AUGUSTO
atento para "captar o momento
decisivo", o instante, o gesro fu- MALTA contam a história do Rio de Janeiro por longos
gaz, a situação humana que per- anos, acravés de suas paisagens, retratos e cenas do coti-
dida seria irrecuperável. Nas pa- diano carioca. E houve tantos outros pelo país no
lavras de HENRI CARTIER-BRESSON: mesmo período, dentre eles: ALBERT FRISCH e FRANZ
KELLER na Amazônia; MAURICIO lAMBERG e GUILHERME

GAENSLY em Pernambuco; BENJAMIN MULOCK e RODOL-


Henri Cartier-Bresson, Rue M ouffetard, Paris, França, 1954
FO LINDEMANN na Bahia; FERRARI e JOHN KING 110 Rio

Grande do Sul; MILITÃO AUGUSTO DE AZEVEDO e CARLOS


HOENEN em São Paulo; e ainda os retratistas EMIL GOEL·

OI , JOÃO GOSTON, (HRISTIANO JUNIOR, J.J. DE BARROS.

As imagens deixadas por esses fotógrafos são


inestimáveis para a iconografia das cidades, como
documento da paisagem que as envolvia, sua arquite-
tura, o crescimento desordenado, as ruas e estradas,
seus personagens eternizados - garrafeiros, índios,
mascates, escravos, cesteiros, funileiros, aristocratas.
Como diz o professor e pesquisador Rubens
Fernandes Júnior, no livro O século XIX na fotografia
brasileira:

Percorrer com os olhos uma fotografia do século pas-


sado [século· XIX, grifo nosso] e confrontd-la com a
imagem dos dias de hoje é uma sensação fascinante.
Uma experiência instigante para quem gosta de recu-
perar o passado, dinâmica, comparativa e dialogica-
mente. ( ..) Uma aventura silenciosa, uma viagem no
túnel do tempo. [Veja a foto da p. 18]

F o t ó g r a f o 17
Foi o jornal New York Tri-
bune que inaugurou o processo
que transformaria a fotografia
num produto de massa. A pri-
meira foto impressa fotomecani-
camente saiu na primeira página
do Tribune em janeiro de 1897.
A partir de então, a reprodução
de jornais e revistas em grande
escala iria incorporar a fotografia
à vida de milhares de leitores de
modo definitivo.
Nos idos de 1930, as revistas
ilustradas tomaram grande im-
pulso e, conseqüentemente, o
fotojornalismo. Comportam en-
to, moda, viagens, notícias do
mundo chegavam aos olhos dos
leitores através de fotos. f na
mesma época que se começa a
falar em ensaio fotográfico: uma
seqüência de imagens capaz de
Carneiro e Gaspar, Rapaz com bicicleta, 1880
substituir mais de mil palavras.
De lá pra cá o fotojornalis-
mo foi ganhando espaço nas
LAMBE-LAMBE: FOTÓGRAFO ANÔNIMO,
páginas da mídia impressa, espe-
POPULAR E EM EXTINÇÃO cialmente nos jornais, onde o
texto reinava quase absoluto -
O nome lambe-lambe tem origem controver- compare os jornais de hoje com
tida. O mais provável é que tenha nascido do gesto
os editados cinqüenta anos atrás
do fotógrafo - lamber os dedos para identificar a
emulsão de uma chapa, filme ou papel sensível. no que se refere à quantidade e à
Os lambe-lambes construíram uma parte da qualidade das imagens. É verdade
memória dos brasileiros com suas câmeras de fole. que o progresso tecnológico ga-
Dos anos 20 aos 40, época de ouro desses fotó-
rantiu cada vez mais agilidade e
grafos de parques e jardins públicos, eles registra-
ram as mais variadas cenas e tipos humanos. qualidade na reprodução das
Atendiam as pessoas em geral, motivadas pela fotos, inclusive d as coloridas.
novidade técnica que ajudava a guardar lembran- H oje a maioria dos jornais e revis- ..
ças da família, de amigos queridos, de viagens etc.
tas usa processos digitais sofistica-
A partir dos anos 50, passaram a produzir
apenas retratos para documentos, uma vez que os dos na produção, reprodução e
estúdios fotográficos já garantiam mais qualidade armazenamento de imagens.
técnica. Segundo o historiador Boris Kossoy, entre Atualmente não há fato que
1915 e 1955, cinqüenta lambe-lambes trabalharam
dispense a cobertura fotojornalís-
no Parque D. Pedro li, em São Paulo (SP), e outros
cinqüenta nas praças da cidade. Em 1974, esse tica. Hoje as imagens dividem
número baixou para quinze! importância com os textos em
revistas e jornais. H á até quem

18 capít u lo 1
diga que imagem e cexco se complementam no jor- fotógrafos talentosos que se
nalismo: a primeira, mais emocional e sintética, propõem a isso. E isso não é
atinge primeiro e diretamente o leitor; o segundo, pouco.
mais racional e analítico, leva mais tempo para ser Unir num mesmo projeto
assimilado. fotógrafico documento histórico e
D e qualquer forma, a contribuição do foco- arre pode ser grande desafio para o
jornalismo vai além da documentação iconográfica. profissional. Geralmente, um fotó-
Ele também criou uma linguagem peculiar, com grafo se dispõe a cal projeto quan-
códigos próprios e for mas características de trabalhar do percebe o amadurecimento da
os elementos da fotografia. É o que diz o professor sua linguagem, após alguns anos
IVAN LIMA: de experiência, ou mesmo quando
se apaixona por um cerna.
A fotografia de imprensa se transformou num meio D entre tantos profissionais
de informação independente, consciente, agitador e brasileiros renomados que desen-
emocionante. O repórter fotográfico se desvencilha de volvem projetos documentais e,
tudo o que é artificial, de tudo o que é vistoso. Eles são por que não dizer, artísticos,
os únicos que podem captar a verdade no momento exato podemos citar SEBASTIÃO S ALGA-

do acontecimento. São verdadeiramente os que melhor DO com seus Trabalhadores e


podem nos transportar ao Local da ação, mesmo numa Êxodos, sobre lavradores sem-
composição aparentemente acidental e sob iluminação cerra e a migração; E VANDRO

inadequada. Captam também o estado da alma e as T EIXEIRA, que resgatou a história


relações mútuas dos protagonistas de suas imagens. de Canudos; PEDRO M ARTINELLI

em seu livro Amazônia: o povo


das águas, realizado em visitas
feiras à região durante trima anos.

SEBASTIÃO SALGADO é o fotó-


grafo mais conhecido do país. Já
falamos sobre ele anteriormente,
mas leia o que o crítico Marcos
Augusto Gonçalves escreveu na
edição de 1O de março de 1997
do jornal Folha de S. Paulo:

Salgado coloca sua objetiva a


serviço da revelação de dramas gera-
dos por desequilíbrios econômicos e
sociais. Seu trabalho, no entanto,
Ivan Lima, Aracaju, Sergipe, 1998
transcende a mera instrumentali-
zação militante da fotografia, o
Retratar o local onde se deu algum aconteci- plano corriqueiro da denúncia,
mento importante para a história, reavivar as lem- para atingir um grau de excelência
branças de seus antigos habitantes, registrar eventos técnica e estética que convoca mais
sociais e manifestações da cultura popular podem à reflexão do que ao choque. (..) O
significar a construção da memória de um povo. Há olho de Salgado não tem fronteiras.

Fotógrafo 19
Evandro Teixeira, Ruínas da igreja de Canudos no meio do Açude de Cocorobó, 1997

O baiano EVANDRO TEIXEIRA dois resgatam a Guerra de Ca- Canudos destruída pela guerra,
tem uma vida dedicada ao foto- nudos (ocorrida de 2 1 de novem- da atual Canudos, das velhas e
jornalismo. Iniciou-se na _profis- bro de 1896 a 5 de outubro de novas gerações, da religiosidade,
são em 1958, no Diário da Noite, 1897) e a história de Antônio da seca, do abandono. Um ver-
e em 1963 entrou para o Jornal Conselheiro (líder religioso que dadeiro documento histórico (e
do Brasil, onde permanece até defendia a continuação do regime belíssimo!).
hoje. Suas fotos fazem parte dos monárquico no início do períJ do
ace rvos dos Museus de Belas republicano no Brasil). PEDRO é outro
MARTINELLI

Artes de Zurique (Suíça), de Arte O livro desenterra as his- fotojornalista que acabou envere-
Moderna La Tertulia, em Cali tórias dos "herdeiros" de Canu- dando para a fotografia docu-
(Colômbia), de Arte Moderna dos (que chegou a ser a maior mental. Apaixonou-se pela Ama-
do Rio de Janeiro e de São Paulo cidade da Bahia naquela época) e zônia logo no início de sua
e do Museu de Arte Contempo- mostra o que restou dos locais carreira, quando, em 1970, foi
rânea de São Paulo. históricos o nde se deram as escalado pelo jornal O Globo
Além do livro Fotojornalismo, batalhas. São 106 impressionan- para acompanhar os sertanistas
de 1983, que registra aconteci- tes imagens em preto-e-branco, Orlando e C láudio Villas- Bôas
mentos nacionais e internacionais numa reportagem que reúne no primeiro contato com os
cobertos desde a década de sessen- fotografia, · história e arte. Em índios Kranhacãrore, na rota da
ta, outro trabalho documental de suas viagens pelo sertão baiano, abertura da rodovia C uiabá-
EVANDRO TEIXEIRA é Canudos 100 EVANDRO TEIXEIRA produziu Santarém . Lá ficou por três
anos. Feito em parceria com lvana cerca de 7 mil fotogramas. São anos, o tempo que durou a
Bentes, responsável pelo texto, os registros preciosos de ruínas da expedição.

20 ea p it u Io 1
Vinte e cinco anos depois, flora comum em cartões-postais, mostrar a pluralidade cultural de
retornou à região e pôde ver com mas a destruição da natureza e a nosso país, a contar a história dos
os próprios olhos a aculturação dura vida do caboclo que vive no índios do Brasil e a divulgar fes-
dos índios e a destruição da meio da mata - antes vigorosa, tas populares pouco conhecidas
natureza pelas madeireiras, usi- mas que hoje se mostra fragilizada dos brasileiros.
nas e garimpos. MARTINELLI tinha pela ação depredatória do ser Formada em Comunicação,
acabado de encontrar seu grande humano. Nas palavras de MAR· NAIR BENEDICTO foi uma das

projeto e não saiu m ais da TINELLI, "esse livro não deve ser primeiras fotógrafas a abri r uma
Amazônia. Comprou um barco e tratado apenas como um livro de agência. Com mais três colegas,
o ancorou em M anaus. A partir fotografia, mas como um livro que criou a F4 e é sócia fundadora da
de 1994, passou a se dedicar à mostra o modo de vida do brasi- N-lmagens, agência de fotojorna-
documentação da vida das pes- leiro que está no Amazonas". Seu lismo e documentação. A jornalista
soas da região. Para ele, "a fo- trabalho é antes de tudo uma de- ROSA GAUDITANO fez escola de

tografia virou um instrumento núncia documentada por imagens. fotografia, trabalhou como free-
para falar do Brasil". lancer para revistas e jornais e hoje
Todos esses anos de vivência O interesse pela cultura in- também possui sua própria agên-
na região amazônica resultararn no dígena e por festas religiosas e cia, StudioR, onde trabalha com
livro Amazônia: o povo das dguas, populares aproxima uma fase dos documentação, arquivo e estúdio.
lançado em junho de 2000. As trabalhos de NAIR BENEDICTO e Currículos e interesses pa-
fotos selecionadas para a edição de RosA GAUD ITAN O. Através da recidos, NAIR e RosA abraçaram a
não revelam a beleza da fauna e da fotografia, as duas têm ajudado a causa indígena - por caminhos

Pedro M artinelli, Parintins, Amazonas, 1995

F o t ó g r a f o 21
diferentes - retratando como os índios se relacionam
com a natureza, os ritos de iniciação, a pintura cor-
poral, suas festas, sua cultura. A
Rosa Galditano, por exemplo, documentou os
povos indígenas em seu livro Índios, os primeiros fotografia
habitantes. Nele figuram os Carajás (ilha do Bananal),
os Araras e Caiapós (Pará), os Tucanos (no rte d o
também
Am azo nas), os l an o m âmis (Roraima), os Xavantes
(Mato Grosso do Sul), os Guaranis (São Paulo), os
vende
Pancararus (Pernambuco).
Seu portfólio também ganhou cores novas com
as festas brasileiras: Bumba-meu-boi de Pindaré Longe do glamour da
(Maranhão) e Parintins (Amazonas); a Cavalhada e fotografia entend ida com o
a Festa do Divino de Pirinópolis (Goiás) e São Luís expressão artística e da fotografia
.do Paraitinga (São Paulo); Folia de Reis e Congada documental, de cujo caráter
(Minas Gerais); Missa d os Vaqueiros em Serrita preservacionista tratamos ante-
(Pernambuco); Corpus Christi em São M anuel (São riormente, existe a fotografia que
Paulo). Como bem diz ROSA GAUDITANO, em sua transforma coisas comuns em
entrevista no livro de Simonetta Perscichetti Imagens da objeto de desejo - desejos, aliás,
fotografia brasileira-. "... durante as festas, toda a popu- quase sempre efêmeros.
lação se mobiliza e participa. (...) Essas manifestações Nossos olhos comprovam
cumprem uma função social muito importante, além diariamente pelas ruas da cidade e
de preservarem a tradição local". Preservação que se pela leitura em jornais e revistas
tornou objeto do trabalho documental da fotógrafa. que a fotografia refresca, abre o
Leia os depoimentos e veja as focos d e NAIR apetite, deixa um aroma no ar,
BENEDICTO e ROSA GAUDITANO nas P· 26, 27 e 29. muda comportamentos. Ela induz,
seduz, cria necessidades que antes
Os documentos fotográficos citados até aqui são não existiam. Em suma, a foto-
exemplares para mostrar que é possível criar uma cul- grafia vende e vende sem parar.
tura de preservação da memória brasileira através do
.. Num mercado competitivo
olhar do fotógrafo. Afinal, resgatar a nossa história sig- como o nosso, tudo que .é comer-
nifica conhecer mais profundamente quem somos. E cializado precisa ser anunciado
se, no Brasil, ainda persiste certa inércia em relação a (e bem anunciado!) para fisgar o
isso, o fotógrafo tem um papel importantíssimo na consumidor antes que o concor-
reversão de tal quadro. Você não acha? rente o faça. Sinal dos tempos, o
mercado de trabalho acabou exi-
gindo especialistas para focos pu-
blicitárias. H oje existem fotógra-
fos de moda, de produto, de ali-
mentos, de capas de revistas etc.
Os fotógrafos publicitários
não chegam a se tornar vende-
dores, mas precisam _ter os olhos
voltados para a construção de

-
uma imagem que atraia o olhar

22 capítu l o 1
do comprador. Imagens muitas
vezes falseadas! O molho ao sugo
pode ser uma mistura feita com
tinta vemelha, por sugestão do
produtor da foto; o brilho de fru-
tas suculentas surge do óleo de
soja providencialmente besun-
tado sobre elas.
Mas será que o objetivo da
imagem publicitária é apenas
vender um produto?, pergunta e
responde o professor Eduardo
Neiva Jr., em seu livro A imagem:

(..) a publicidade ilustra


algo mais do que o produto; torna
visíveis idéias tidas como consen-
suais p ela coletividade; sua eficd-
cia dependerd do reconhecimento
que receber ( ..) A imagem publi-
..
citdria constr6i, com requinte de
artificialidade, a figuração da
cena que serd apresentada sedu-
toramente ao consumidor como
condição de felicidade.

A responsabilidade da foto-
grafia publicitária é ainda maior.
Ela precisa vender um produto
aliado a emoções e a sentimentos
- felicidade, amor, desejo, ale-
gria, beleza, aventura, ação...
Faça um exercício e pense
no que as fotos publicitárias
desta página vendem além dos
produtos que promovem.

F otó gr a f o 23
Em cada olhar,

um mundo diferente

Fotógrafos contam um pouco de sua história


e como construíram o próprio olhar

PEDRO KARP VASQUEZ, FOTOGRAFO, PROFESSOR E PESQUISA DOR

Pedro Karp Vasquez, O Pão de Açúcar e a Praia Vermelha, Rio de Janeiro

Esta fotografia faz parte de uma série que fiz, no mente aquele considerado como o 'mais banal cartão-
final da década de 1980, sobre o Pão de Açúcar, inspi- postal carioca; o Pão de Açúcar.
rada na célebre série de gravuras de Hokusai: Trinta e Para mim, nesta série, o mais importante não era
seis vistas do Monte Fuji. mostrar o 'nunca visto; ou mostrar o conhecido de forma
Como uma das características distintivas da arte inusitada, mas, simplesmente, oferecer minha visão pes-
contemporânea é a busca extrema da originalidade pela soal - forçosamente modesta e parcial, porém verdadeira
escolha do tema - o que levou, inclusive, alguns artistas e íntima - do ícone maior da paisagem carioca. Para
ao paroxismo da escatologia e da necrofilia -, pensei em tanto, renunciei de imediato a artifícios, tais como vis-
partir na direção oposta, escolhendo como tema justa- tas aéreas ou imagens tomadas em escaladas, pois o

24 c a p ít u l o 1
importante para mim era ver o Pão de Açúcar dos mes- Brasil havia apenas traduções que não correspondiam à
mos ângulos acessíveis ao mais comum dos mortais e com nossa realidade. Depois publiquei Fotografia: reflexos e
os mesmos olhos (sem filtros ou objetivas especiais). reflexões (1 986); em seguida, outro manual para o
Minha idéia era a de trabalhar o banal de forma reno- profissional iniciante: Como fazer fotografia (1987). E
vada, mas contida, com o mesmo discreto deslumbra- fui assim procurando preencher algumas das lacunas
mento encontrado num poema de M drio Quintana, de q ue eu percebia em nosso mercado editorial.
Manoel de Barros ou de Cora Coralina. Eu nunca tive a intenção de me tornar um his-
coriad or d a fotografia ou a pretensão de desenvolver
"Eu gostava muito de desenhar e desde cedo me uma carreira acadêmica, muico embora tenha obti-
interessei pela gravura, estudando xilogravura com d o mais tarde o mestrado em C iência da Arte na
Newton Cavalcanti. Logo em seguida, também no Universidade Federal Fluminense, em 1999. Minha
Centro Educacional de Niterói, comecei a aprender única intenção era a de chamar a atenção das pes-
fotografia. Eu tinha apenas 13 anos, de modo que en- soas para a importância de nossa focografia e a de
. .
carava isso como um passatempo, sem maior compro- colocar ao alcance do grande público imagens
misso, até que, em janeiro de 1971, tive um estalo e conhecidas apenas de pesquisadores.
resolvi me dedicar seriamente à fotografia com o meio Trabalhar na Funarte (Fundação Nacional de Arte,
de expressão pessoal. Aos 18 anos de idade, participei ligada ao M inistério da Cultura), entre 1982 e 1986,
de minha primeira grande exposição coletiva, o Salão de onde implantei o Insticuco Nacional da Fotografia, em
\térão do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 5 de maio de 1984, me permitiu fazer as coisas de um
com trabalhos que misturavam desenho e fotografia. modo mais sistemático. Nesse período, nós criamos
Mais tarde, vivi em Paris duran(e cinco anos duas coleções. Uma chamava-se Hist6ria da Fotografia
(1974/1 979) para estudar cinema. Como eu não dis- no Brasil, que foi inaugurada em março de 1985 com
punha de bolsa de escudos e tampouco de dinheiro de o lançamento de A Fotografia no Brasil 1840-1900, de
família, era obrigado a sobreviver de pequenos serviços Gilberto Ferrez. A outra coleção era dedicada aos
como faxina e coisas do gênero, morando sempre em ensaios mais conceituais e chamava-se Luz & Reflexão,
apartamentos pouco espaçosos para montar um atelier tendo sido inaugurada em 1983 com o lançamento do
de pintura. De forma que com o passar do tempo fui livro Fotografia: universos e arrabaldes, de Luis Hum-
me concentrando exclusivamente na fotografia, mais berto. Felizmente, essa coleção persiste até hoje.
fácil de fazer nas circunstâncias em que eu vivia. Saí da Funarte direto para o MAM (M useu de
Meu interesse pela fotografia foi aumentando à Àrte Moderna do Rio de Janeiro), onde criei o De-
medida que percebi que, dentro do universo da arre partamento de Focografia, Vídeo & Novas Tec-
contemporânea, a fotografia era a disciplina que sen- nologias e constituí uma coleção que tem hoje mais de
sibilizava mais diretamente as pessoas. Todavia, só 4 mil peças, desde os primeiros daguerreótipos até
depois de meu retorno da França é que comecei a tra- imagens de aurores contemporâneos. Fui a primeira
balhar com a história da focografia. Lá a perspectiva pessoa a ter oficialmente o título de curador nessa
histórica era muito valorizada, ao passo que aqui no área, o que era motivo de muita gozação, pois as pes-
Brasil ainda não dávamos a devida importância à soas confundiam o termo - ainda não de uso corrente
história de nossa focografia, que é muico rica e inte- por aqui naqueles idos de 1986 - com curandeiro e
ressante. Foi então que, a partir de 1980, comecei a brincavam me pedindo para curar dores nas costas ...
fazer por minha conta um esforço no sentido de res- Fiquei no MAM q uase dois anos, mas também
gatar e valorizar a história de nossa focografia, que nunca ambicionei ser curador ou museólogo, fazendo
resulcou, em dezembro de 1985, na publicação do apenas esse tipo de trabalho por dever cívico. Eu acho
livro Dom Pedro II e a fotografia no Brasil. que rodos nós temos a obrigação de fazer algo pelo
Antes disso, publiquei um manual técnico para país. É com esse pensam ento q ue eu tenho traba-
iniciantes, A fotografia sem mistérios (1980), porque no lhado desde 1979, quando comecei na fotografia."

Fot ó gr a fo :zs
-
NAIR BENEDICTO, FOTÓGRAFA

A câmera é apenas um pretexto


para me aproximar mais das pes-
soas... Tentar entender melhor tudo
o que me rodeia... Deixar um teste-
munho meu daquilo que vivi...
Quando fui fotografar os Araras
pela primeira vez, em 1983, havia
apenas seis meses que eles tinham
sido contatados. Eu já havia feito
diversas matérias sobre aldeias in-
dígenas brasileiras, especialmente
com os Kaiapós. Mas, com os Araras,
eu reaprendi o significado das pa-
lavras polidez, cortesia, educação e
cumplicidade.

Nair Benedicto, fndios Araras do Sul, Pará, 1983

Nair Benedicto, lndios Araras do Sul, Pará, dez anos depois

:Z& ea p ít uI o 1
"Sempre quis trabalhar com imagem. Na ver- Em 1980, fizemos dois livros divisores de
dade, com imagem de televisão. Entrei na Escola de águas: Greve do ABC e A questão do menor. No
Comunicação, na USP, para fazer TV. Queria fazer segundo, Juca Martins fez os menores internados
programas independentes e depois procurar veicu- em clínicas e eu fiz as FEBEMs. Sabia-se do drama
lação. Nada era fácil. Além de enfrentar as limitações das crianças, de suas histórias nas FEBEMs, mas
técnicas, havia outras questões. Vivíamos no Brasil não exisriam imagens disso. Nós fomos lá e fize-
sob o regime da ditadura militar e minha idéia de tra- mos. Fui acompanhada de uma psicóloga e con-
balhar de forma independente para a televisão era, no venci os diretores das instituições que eu também
mínimo, um pouco precoce. era uma psicóloga e fazia meu trabalho usando as
No final dos anos 60 e início dos 70, tudo pas- lentes, porque precisava das foros para escudar o
sava pela censura. Principalmente documentários. comportamento dos menores e tal e cal. Imagina
E mais ainda: as empresas de comunicação exigiam isso num regime em que tudo era proibido ? A
ilegalmente um arestado de idoneidade moral dos gente tinha que se virar!
profissionais, como prova de que eles não tinham Como profissionais independentes de uma
nenhum ripo de problema político. Ora. Fui presa agê ncia, não podemos fazer o mesmo trabalho de
política, em 1968, quando estudava na USP. um fotógrafo contratado e pago por um jornal ou
Fichada no SNI (Serviço Nacional de Informa- revista, que sai com tempo marcado e pautado
ção) ... Não, eu não tinha a menor chance de traba- pelo seu editor. Nós saímos pautados pelos nossos
lhar com televisão! ideais, com o nosso próprio tempo e olhar. E o
Em compensação, na fotografia rive uma olhar do fotógrafo faz parte dele como um todo.
baita sorte. Em 1975 e 1976 fiz um trabalho por Que muda na medida em que o fotógrafo vai
minha conta e risco sobre o forró , em cima da mudando como pessoa. O meu olhar faz parte de
população nordestina de São Paulo. Fotografava e minha história. De como levei e levo esta minha
fazia as exposições d as foros no próprio forró. Aí, vida de mulher. No profissional e no afetivo. De
o diretor do Morna (Museu de Arte Moderna de como tive meus filhos e de como me tornei avó!
Nova York), John Szarkowski, viu essas foros e Esse olhar é o que me roca, o que mexe comigo.
comprou várias de uma série. Um empurrão desse Bem, voltando... Com a abertura política, a F4
facilita o caminho! chegou numa fase em que cada um de seus fundadores
Havia muita discussão no meio profissional quis seguir seu próprio caminho. Nada mais natural,
sobre a questão de se fundar uma agência. O pes- depois de onze anos os interesses já não eram os mes-
soal achava difícil e complicado, porque ninguém mos. Eu, por exemplo, sou muito mais ligada às
no mercado nacional reconhecia direito auroral, questões sociais e culturais. Na verdade, a F4 não
não pagava preço justo, nem havia tabela. Mas a acabou. Transformou-se em filhotes: Tyba, Pulsar... Da
gente tinha como referencial os modelos europeus, minha parte, fundei a N-lmagens em 1991.
as agências bem-sucedidas que haviam surgido Mulher, criança, índios, festas populares e ecolo-
durante as grandes ebulições políticas. Daí resolve- gia continuam meus assuntos favoritos. Faço matérias
mos. Eu, Juca Martins e Ricardo Malta fundamos a fotográficas para revistas e organismos internacionais,
agência F4, em 1979. mas meu maior interesse é por projetos especiais.
Nós nos preparamos para uma longa cami- Estou terminando de fazer um livro com a jornalista
nhada e percebemos que, fazendo um material de Andréia Perez sobre as melhores experiências de erra-
boa qualidade, acabaríamos nos destacando. Foi o dicação do trabalho infantil. Tudo vai se apurando."
que aconteceu. Encaramos as greves do ABC
paulista (em 1979 e 1980) como um conjunto de
acontecimentos: organização operária, surgimento

-
de novas lideranças, organização das mulheres.

Fo t ó g r a f o 27
Jost REINALDO LUTTI, FOTÓGRAFO

José Reinaldo l utti, Detalhe de letreiro, Rio de Ja neiro, 1975

Faço minhas as palavras do fotógrafo autodidata minha compulsividade de viajante, foram funda-
francês Robert Doisneau (1912-1994): 'Se tu fazes ima- mentais para que eu pudesse desenvolver m eus
gens, não foles, não escrevas, não analises nem respondas projetos pessoais de documentação, envolve ndo
a qualquer pergunta'. gente, cenário e acessórios urbanos. A fotografia
que ilustra m eu depoimento, creio eu , caracteriza
"Meu interesse pela fotografia surgiu como forma bem o caçador de imagen s - perfil próprio ao
de expressão. Veio junto com o gosto pelo cinema e por fotógrafo, resultante da percepção, d a imaginação
publicações difíceis de serem encontradas no Brasil, lá e, impres1:indivelmente, d a emoção, todas reve-
pela metade dos anos 60, época em que, felizmente, ladoras da expressão subjetiva.
havia no Rio de Janeiro um surto de criatividade nas De 1980 a 1982, fui aluno do Art Center College
artes a despeito da asfixia política vigente. A fotografia of D esign, em Los Angeles, onde permaneci por algum
ganhava então mais evidência. Difundia-se. Marcava pre- tempo. Graças a essa experiência, pude trabalhar num sis-
sença como base e apoio de alguns movimentos artísti- tema respeitoso, regulamentado, sem limitações qualitaà-
cos: pop art, hiper-realismo e algumas opções conceituais. vas de material (filmes, papéis, equipamentos etc.), coisas
Meu primeiro contato profissional foi com a que, por força do improviso e de condições adversas, não
imprensa, a pauta variada, a convivência com outros eram e continuam não sendo muito comuns por aqui.
fotógrafos. Passei então a conhecer o ritmo e a políti- Sem dúvida, a revolução digital e as ilimitadas
ca do meu ofício. Nessa época cursei Psicologia na conquistas da computação gráfica transformam o uso
Universidade Santa Úrsula, o que cercamente acres- da imagem nos dias de hoje. Entretanto, o fo tógrafo
centou muito à minha formação de fotógrafo. não pode prescindir da emoção e dos conhecimentos
D ep ois disso, trabalhei em dife rentes áreas: de composição e de luz, porque eles são requisitos
publicidade, cinema e arquitetura. M as a dis- essenciais para a construção do olhar e para a conso-
posição para conhecer lugares e tipos, aliada à lidação do status estético da fotografia. "

- 28 capít ul o 1
ROSA GAUDITANO, FOTÓGRAFA

Quando você tem liberdade de criar suas pautas e


usar a composição e contrastes no P&B e na cor, ou
seja, quando você faz o que d á na cabeça, aí o seu
olhar começa a aparecer. A liberdade, sentir o que
se está fazendo, influir na p rópria foto, é isso que
faz a diferença do olhar do fotógrafo. Quando
comecei a escolher os temas e a trabalhar em cima
deles, aí sim desenvolvi mais o meu olhar no tra-
balho. É como se você colocasse a sua impressão
digital, o seu gosto, as suas idéias do mundo, suas
críticas, as coisas de que gosta e acredita tudo ali
junco numa fotografia.
Em 1976, eu queria que o mundo fosse diferente.
Não gostava como ele se apresentava para mim, com
tancas injustiças, falsidades, gente pobre, sofrimento.
Eu queria ver isso mudar. O jeito foi sair por aí
fotografando a vida das prostitutas, dos favelados, das
pessoas que viviam do lixo, dos menores abandonados,
dos operários do ABC. Eu achava que, mostrando isso
para a sociedade, do meu jeito, eu estava passando o
meu recado.
Quando comecei a me sustentar, descobri que
mudar o mundo não era tão fácil. Tem a política, as
regras sociais, o poder que rege tudo. Fiquei um
Rosa Gauditano, Caiapó e macaquinho, sul do Pará, 1989 tempo só sobrevivendo, mas com uma grande
angústia: a de querer sair pelo mundo e registrar as
Esta foto é plasticamente interessante por causa das coisas que tinham sentido para mim. Por isso saí da
cores e da composição. Ela demonstra uma sintonia do Veja," em 1986, e fui correr atrás do meu sonho,
ser humano com a natureza.. Acho que é isso que encan- fazer o meu trabalho individual. A partir daí, tive
ta as pessoas. mais liberdade para traçar o meu caminho. E per-
correndo esse caminho fui descobrindo a minha
"Sou jornalista e comecei a fotografar profis- linguagem, descobrindo que o meu instrumento -
sionalmente em 1976, num jornal de oposição ao que é a fotografia - podia influenciar as pessoas
governo, o Versus. A partir daí fui freelancer em com muito mais força do que eu pensava. "
vá rios jornais e revistas, até ser contratada pelo
Folha de S.Paulo, em 1984, e m ais carde pela
revista Veja . Enquanto escava na Veja, fundei a
agência Fotograma com mais dois fotógrafos, pois
já tinha muito clara a idéia de desenvolver meu
projeto pessoal. E isso só é possível quando você
tem tempo para elaborar e trabalhar um assunto
ou um tema. Como contratada, eu não conseguia
ter tempo nenhum.

Fo t ó g r a f o 29
(ÉSAR BARRETO, FOTÓGRAFO

César Barreto, Ilha de Boa Viagem, Rio de Janeiro, 1995

Assim como no passado a ilha de Boa Viagem


serviu de porta de entrada para aqueles que
chegavam ao Rio, também em meu histórico pessoal
representou uma nova perspectiva, pois com ela
inaugurei minha primeira câmera de m,adeira, uma
Tachihara de 4x5 pol., permitindo uma efetivação
técnica e estética de tudo o que eu vinha cultivando
desde os meus primeiros dias em fotografia. Esta foto,
apesar de pioneira, serve bem para ilustrar métodos
de trabalho e intuitos expressivos. Como muitas outras
que se seguiram, ela nasceu bem antes do clic, pois a
ilha não só me atraía, como também jd vinha grava-
da na memória, em belíssimas imagens de pintores e
fotógrafos desde o século XIX A espera da melhor
condição de luz, associada a um trabalho cuidadoso
de laboratório, permitiu que o conteúdo documental
ganhasse uma apresentação plasticamente rica e
atraente, sem, no entanto, denunciar excessiva inter-
venção autoral. Uma documentação emotiva, eu diria.

30 ea p ít u Io 1
"Vindo de uma família que abrigou vários me concentrando em trabalhos de reprodução de
artistas plásticos e não tendo eu m esmo herdado arte e documentos. O que certamente não deixa
nenhum cromossomo mais talentoso ou criativo, de ser uma d erivação, algo mais 'colorida', do uni-
creio que acabei absorvido pela fotografia por verso tecnicista do laboratório fotográfico.
alguma engenhosa forma de compensação. Atualmente, começo a vislumbrar a chance d e
Primeiro caí na rede do Curso Bloch de dar um fim útil a tanto tempo dedicado ao P&B,
Fotografia, no início da década de 70. Na ve rdade, encontrando boa aceitação para um projeto pes-
num processo seletivo de novos estagiários. Tentei soal de documentação paisagística do Rio de
ser repórter fotográfico. Agüentei um mês. Janeiro, inteiramente realizado com câmeras de
Desisti. Nem tanto pelas idiossincrasias da casa, grande formato, seguindo os passos inspirados da
mas muito d evido à minha própria incapacidade fotografia do século XIX.
de lidar com redação, fumaça d e cigarro e gente Nesse meu percurso, não houve nem sombra
estressada na frente e atrás das câmeras. de predeterminação ou planejamento de minha
Meu grande envolvimento com a fotografia parte. Mas, curiosamente, há dez anos, tendo de
revelou-se no laboratório em preto-e-branco. revirar arquivos em busca de imagens perdidas,
Assim que terminei o curso básico, em 1975, na acabei por descobrir que, desde minhas primeiras
Sociedade Fluminense de Fotografia, tratei logo chapas, fotografei sempre os mesmos temas e com
de comprar um ampliador e reciclar o quarto de a mesma perspectiva. Minha técnica evoluiu bas-
empregada. Equipado com um bom sistema, tante, mas que falta de imaginação, hein!"
então me tornei uma espécie de caramujo, levan-
do essa 'casa' para onde quer que me instalasse
profissionalmente. Dava conta dos trabalhos do
estúdio, dos m eus e, com o tempo, também de
terceiros.
Não foi nada difícil m e acomodar nessa nova
posição de laboratorista. Ao contrário de meus
colegas, eu não precisava ter portfólio, ir aos
clientes ... Enfim, fi cava quieto no m eu canto, tra-
balhando nos horários que bem me aprouvessem,
tendo ainda o conforto adicional de ser fotógrafo
..
nas horas vagas.
Essa temporada em laboratório certam ente fo i
decisiva em minha carreira, pois a experiência acu-
mulada em lidar com milhares de filmes e imagens
de outros fotógrafos, tentando no trabalho d e
amplia~ão entender e traduzir com clareza a con-
cepção do autor, contribuiu muito para a minha Depois dessas considerações a respeito

produção pessoal. Além de comprovar minha tese da construção do olhar do fotógrafo,

de que é muito melhor (e mais econômico) apren- trataremos agora da parte mais prática da

der com os erros alheios. fotografia, ou seja, como fotografar. Você vai

Em anos recentes, já saturado das limitações perceber que os conhecimentos técnicos

da falta de expectativas na atividade laboratorial, contribuirão muito para a construção do seu

optei por voltar às câmeras profissionalmente. olhar e para torná-lo capaz de tomar as

Fora do m ercado e, confesso, sem qualquer estru- decisões mais acertadas na hora do c/ic.

tura física ou emocional para outros ramos, acabei

Fot óg rafo 31

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