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NELSON MARTINS
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da analógica à digital


SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL

Presidente do Conselho Nacional Presidente do Conselho Regional


Antonio Oliveira Santos no Rio de Janeiro
Orlando Diniz
Diretor-Geral do Departamento Nacional
Sidney Cunha Diretor do Departamento Regional
Diretora da Divisão de Administração Julio Pedro
e Recursos Humanos
Vera Espírito

Senac Nacional Editora Senac Rio


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Conselho Editorial Conselho Editorial


Luiz Carlos Santa Rosa Julio Pedro
Vera Espírito Marcos Vignal
Eladio Asensi Prado Luiz Henrique Silva
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Sidna Angela P. Silva \ (comercial.editora@rj.senac.br)
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Coordenação de produção editorial: Sonia Kritz


Supervisão editorial: Rose Zuanetti
Redação: Armando Freitas, Marcos Brandão, Rose Zuanetti
Entrevistas: Armando Freitas, Marcos Brandão
Revisão técnica: Antonio Carlos Kern
Ilustrações : Nelson Martins
Projeto gráfico, capa e diagramação: Olivia Ferreira, Pedro Garavaglia/Radiográfico
Diagramação: Bárbara Abbês
Revisão: Magda Carlos Cascardo, Sonia Cardoso, Alexandre Rodrigues Alves
Produç ão gráfica: Christiane Abbade

MARTINS, Nelson. Fotografia: da analógica à digital. Rio de Janeiro:


Senac Nacional, 2010. 280 p. 11. Publicado em parceria com a Editora Senac Rio.
Inclui bibliografia.

ISBN 978-85-7458-280-1

Fotografia; Câmera fotográfica; Imagem digital; Estação de trabalho; Mercado de trabalho.

Ficha elaborada de acordo com as normas do SICS - Sistema de Informação e Conhecimento do Senac.

© Nelson Martins, 2010

Todos os direitos desta ediçâo reservados ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. Vedada,
nos termos da lei, a reprodução total ou parcial deste livro.
Nunca se fotografou tanto quanto neste início de século XXI.
Celulares comuns, smartphones, palmtops, máquinas ana-
lógicas e digitais capturam milhões de imagens por minuto,
em todos os pontos do planeta. Fotografa-se tudo, a qualquer
momento, em qualquer lugar, sob qualquer pretexto. Entre
~ antos cliques, os profissionais que vivem de reproduzir o
mundo que passa diante de suas lentes esbarram numa rea-
lidade desafiadora: hoje, mais gue nunca, é preciso ter uma
..
linguagem própria, uma marca que faça a diferença em meio
à massa de fotógrafos emergentes.
Muito mais que a simples perpetuação de uma cena, a fotografia é um testemunho,
um depoimento silencioso que, assim como a pintura, a escultura ou outras lingua-
gens, carrega a identidade de seu autor. A mídia impressa oferece um exemplo bem
ilustrativo de autoria. Diariamente, vários fotojornalistas de diferentes órgãos de
imprensa saem às ruas para cumprir uma mesma pauta, mas as fotos publicadas
nunca serão idênticas. Na publicidade, dois fotógrafos jamais conseguirão resulta-
dos parecidos ao atender ao pedido de um diretor de arte. Isso acontece também
com fotógrafos especializados que cobrem desfiles de moda, ou com aqueles que
percorrem os circuitos noturnos da cidade em busca de flagrantes de celebridades
para as colunas sociais.

16 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
Dentro de sua especialidade e de seu estilo, cada fotógrafo privilegia e fixa um as-
pecto do que vê de acordo com sua intenção e com a bagagem de vida que carrega.
Assim como é possível identificar um artista plástico pelo estilo de suas pinceladas
sobre a tela, pelas cores que usa, pelo perfil do material empregado no trabalho ar-
tístico, também é possível que um observador atento identifique a autoria de uma
foto. A temática, a luz, o ponto de vista, a composição, os contrastes, as cores, entre
outras características da imagem, evidenciam o olhar do fotógrafo, mostrando os
aspectos a que se detém para construir sua foto.

Fotografia é comunicação e não existe comunicação sem conteúdo. Daí a neces-


sidade de o fotógrafo estar antenado com as coisas do mundo, investir em sua
cultura geral e atualização profissional. Para dez entre dez fotógrafos de destaque
no cenário brasileiro, essa formação geral é decisiva para a construção de uma
linguagem pessoal. Alguns deles foram entrevistados para a produção deste livro,
traçando um panorama do atual momento da fotografia no Brasil, em diferentes
áreas. Ganharam destaque quatro fotógrafos cujos trabalhos foram julgados repre-
sentativos deste amplo universo profissional.

No fotojornalismo, escalamos Evandro Teixeira e Leo Aversa, dois talentos com lin-
guagens bem distintas. O primeiro, com meio século de experiência em jornal e
ainda em plena atividade, é um dos grandes mestres da fotografia brasileira. Tem
registrado os principais momen tos da história recente do país e ainda consegue
tempo e inspiração para produzir ensaios que já renderam belos livros. Leo, há
duas décadas na profissão, é reconhecido por ter criado, com um olhar particular e
criativo, um novo conceito em retratos de personalidades.

Na publicidade, o representante é Alexandre Salgado, marca de qualidade na arte


de traduzir em imagens os voos de imaginação dos m ais bem pagos diretores de
arte do Brasil. O time de craques que abre o jogo sobre sua relação com a fotografia
conta ainda com o olhar feminino e atento de Kitty Paranaguá, na atividade há

- 30 anos. Ela foca o mercado de arte com imagens em p/b que desafiam os mais
avançados equipamentos digitais. Sem negar a contemporaneidade, pois também
usa even tualmente máquinas digitais e cores, Kitty se mantém fiel aos filmes e
revelações à moda antiga. "

Além desses quatro fotógrafos, outros igualm ente talentosos e experientes contri-
buem com seus depoimentos e imagens para a formação de uma nova geração de
profission ais. Um deles, Ricardo Pimentel, concilia a atividade de professor com a
rotina no estúdio, onde produz fotos para publicidade e desenvolve ensaios sobre
temas diversos. Ele resume o processo extraordinário de transformação que vive
hoje o mundo da fotografia:

Revolução igual a esta talvez só tenha acontecido na época em que surgiram as pri-
meiras máquinas de bolso, substituindo os enormes e pesados equipamentos de ou-
tros tempos. Se imaginarmos que durante cerca de 160 anos a utilização de filmes e
o processo de revelação foram dois conceitos básicos da fotografia e que em apenas
dez ou 15 anos eles praticamente deixaram de existir, especialmente no universo pro-
fissional, podemos ter uma dimensão do momento de transformação em que vivemos.

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UM MAR DE INFORMACÕES

Nosso objetivo ao longo de todo o livro é aguçar a sua curiosidade para


um assunto que não se esgota nestas páginas. Se você se interessar
por algum dos tópicos abordados, procure mais informação. Conver-
sas com professores ou profissionais mais experientes, pesquisas na
internet e leituras as mais diversas são ótimas estratégias para am-
pliar seus conhecimentos.
L _J

[A BUSCA DE UMA LINGUAGEM PESSOAL]


Em sua rotina de trabalho, o fotógrafo se vê o tempo todo diante de alternativas
múltiplas e precisa decidir com rapidez o que e como fotografar. Do ângulo ao fun-
do, da escolha da lente ao tempo de exposição, são muitas escolhas num só tempo.
O resultado dessas decisões, que é a fotografia impressa em algum suporte, vai
refletir a personalidade do fotógrafo e a forma como ele vê e pensa o mundo à sua
volta. A fotógrafa americana Sarah Moon resume essa relação entre o fotógrafo e o
objeto fotografado com uma frase de impacto: "Toda fotografia é um autorretrato".
Possivelmente ela se inspirou no filósofo Roland Barthes. Num de seus textos, Bar-
thes defendeu a tese de que, ao apontar uma câmera para algo, o fotógrafo faz sua
escolha. E, nesse ato, transforma sua fotografia num espelho dele mesmo, como o
resultado do conjunto de conhecimentos, referências e história de vida.

A quantidade infinita de possibilidades que se abrem para o fotógrafo no momento


do clique pode deixar alguns iniciantes confusos. Se você se inclui nesta categoria,
o melhor a fazer é escolher temas que mexam com suas emoções ou despertem
\ sua curiosidade. Use a intuição e experimente à vontade. Profissionalmente, isso
nem sempre é fácil, mas ainda que o trabalho imponha regras ou assuntos obri-
gatórios, é sempre possível usar um pouco da criatividade e transformar um tema,
muitas vezes corriqueiro, numa visão única e diferenciada da cena.
"
Para Ricardo Pimentel, a única forma de sobreviver no mercado é sendo extraordi-
nariamente particular, expressando coisas que sejam do seu íntimo, mas ao mes-
mo tempo universais. Para atingir esse objetivo, ele receita uma combinação de
temperos: emoção, técnica, sensibilidade, intervenções estéticas, desenho ou tudo
mais que a imaginação permitir. E analisa:

A busca de uma linguagem pessoal é, ou deveria ser, o que determina a escolha da


profissão. Fotografar é uma maneira de se expressar, de mostrar aos outros sua visão
de mundo. Não conheço quem tenha escolhido ser fotógrafo para ganhar dinheiro.

UM CASO BEM-SUCEDIDO
Um caminho exemplar na busca de uma linguagem pessoal foi percorrido por Leo
Aversa. Ao começar no jornal O Globo, em 1988, ele percebeu que entre os fotógra-
fos havia um preconceito em relação às pautas do Caderno Cultural. Fotografar

18 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
Leo Aversa, Marisa Monte, 2008.

personalidades do mundo cultural era considerado tarefa banal. Valorizavam-se


principalmente os profissionais destemidos que flagravam confrontos entre poli-
ciais e bandidos. Mas Leo achou que poderia mudar aquela realidade - e conseguiu:

Os fotógrafos escalados para as fotos do Segundo Caderno [do jornal O Globo] quase
sempre iam de cara amarrada e faziam o que era para ser feito sem grande envolvi-
mento. Eu pensava diferente. Achava que havia ali uma boa possibilidade de criação
e, como já gostava de retratos, procurei seguir esse caminho, dando uma atenção es-
pecial aos personagens.

O resultado veio logo. As fotos ganharam em qualidade e conquistaram espaços


maiores, atraindo também a simpatia dos entrevistados e dos leitores.

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UM OLHAR DIFERENTE

Este é um exercício que você pode fazer dentro de sua própria casa.
Fotografe uma cena corriqueira: as roupas no varal, a mesa do café da
manhã, a pia cheia de louça suja, o interior da geladeira, as plantas no
quintal, o enfeite em cima da estante, fotografe qualquer coisa sim-
ples. A proposta é que você observe tudo de um jeito diferente e des-
cubra maneiras novas de interpretar qualquer tema. Torne vassouras,
janelas, cadeiras, animais domésticos, portões ou fechaduras dignos
de serem fotografados de forma criativa. Tanto sua experiência quan-
to as fotografias desta atividade podem render um bate-papo entre
você e seus colegas.
L _J

A experiência de Leo Aversa em retratos de personalidades pode ser transferida


para várias outras áreas. Um fotógrafo que queira se especializar em futebol ou
gastronomia, por exemplo, também deve exercitar a construção de uma linguagem
pessoal. O caminho não é fácil, mas atingir o objetivo é sempre gratificante.

Pedro Afonso Vasquez, fotógrafo, professor, curador e autor de vários livros sobre
Pedro Afonso Vasquez,Jardim fotografia, acredita que quanto mais técnicas o fotógrafo iniciante aprender, mais
Botânico, Rio de Janeiro, 1991. fácil será para ele construir o próprio olhar:

20 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
O começo do aprendizado é uma fase fundamental e muito rica. Para quem tem dis-
ponibilidade, é a hora de investir e experimentar. O principal desafio do fotógrafo é
fazer benfeito aquilo que se propôs, porque, na verdade, somente com o tempo - uns
dez anos - o profissional da imagem será capaz de formar sua identidade. Ela depende
de muita experiência e prática. O certo é buscar a forma pessoal de trabalhar sem
preocupações exageradas. Sem perder de vista o mercado, mas também sem esquecer
do instinto.

PESQUISAR, OUSAR E SE ATUALIZAR


É senso comum entre os fotógrafos mais experientes que ousar, pesquisar, estudar
e atualizar-se em novas técnicas são atitudes que ampliam as possibilidades de
atuação do fotógrafo e estimulam a criatividade. Mas não há uma regra que dê
conta do desenvolvimento da linguagem pessoal. Os caminhos são tantos quantos
forem a personalidade e a história de vida do fotógrafo.

Um bom exemplo das múltiplas possibilidades na construção de uma linguagem


pessoal é o caminho percorrido pelo brasileiro, radicado em Nova York, Vik Muniz,
que está longe de ser um fotógrafo no sentido a que estamos acostumados. Apre-
senta-se como um artista plástico que utiliza a fotografia como suporte de suas es-
culturas, desenhos e pinturas. Suas obras são montadas, esculpidas ou desenhadas
com materiais inusitados, como chocolate, açúcar, ketchup, poeira, geleia, sucata,
Vik Muniz, Public Park, Ann
brinquedos de plástico, caviar, temperos, diamantes, papel... E depois são fotogra- Arbor, Michigan, after Robert
fadas. O resultado das fotos -esculturas é surpreendente. Frank, 2008 [Pictures of Paper].

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PESQUISE E SE SURPREENDA

Você já ouviu falar de Brassai:, Josef Koudelka, Robert Capa, Robert


Doisneau, Ansel Adams, Eugene Smith ou Weegee? E os brasileiros
Mario Cravo Neto, Miguel Rio Branco, Cristiano Mascaro, Walter Firmo,
Claudia Jaguaribe, César Barreto, Nair Benedicto, Rosa Gauditano? Ex-
perimente digitar esses nomes no Google e acredite: um mundo novo
se abrirá diante de seus olhos. Descobrir as histórias de vida e admirar
as fotografias desses fotógrafos consagrados vai ajudar você a perce-
ber como eles construíram uma identidade com o decorrer do tempo.
A P:;quisa pode ser feita pelos nomes dos fotógrafos ou a partir dos
sites que concentram o melhor da produção fotográfica no Brasil e no
mundo. Eles são muitos, mas podemos citar alguns:
www.fotografosbrasileiros.com.br
www.masters-of-photography.com
www.masters-of-fine-art-photography.com
www.sfgate.com/ gallery
www.photography.nationalgeographic.com/ photography
www.time.com/ time/ photoessays
www.magnumphotos.com
L _J

22 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
O RETRATO DE UMA LINGUAGEM PESSOAL

Praticamente todos os personagens que movimentaram a vida cultural brasileira já


estiveram diante das lentes de Leo Aversa. Em se tratando de um repórter fotográfi-
co que trabalhou nas últimas duas décadas no Segundo Caderno do jornal O Globo,
não há nada de anormal nisso. A diferença está no resultadoélÕtrabalho publicado.
Ao estudar previamente as pautas e os entrevistados e inseri-los criativamente em
cenários ou situações que expressem sua personalidade e tenham relação com o
que estava sendo dito, Leo criou uma linguagem pessoal que deu nova vida aos
retratos de personalidades. Com muitas exposições individuais e alguns prêmios
importantes no currículo, ele é um exemplo vivo de que sempre há espaço no mer-
cado para os que criam novas maneiras de ver o mundo. "É preciso ter algo a dizer
- e dizer de maneira eficiente", ensina Leo.

O COMEÇO
Até entrar na faculdade de comunicação, fotografar era apenas um hobby
para mim. Mesmo depois de fazer um curso de fotografia na Bloch Editores,
não considerava seriamente a possibilidade de aquilo virar uma profissão
para mim. Um dia surgiu a possibilidade de fazer um estágio de jornalismo
no O Globo e eu surpreendi o meu entrevistador ao apontar o departamento
de fotografia como a segunda opção entre as minhas preferências de área.
A primeira era a editoria internacional. Ele me explicou que não havia progra-
ma de estágio na fotografia, mas ligou dois dias depois para dizer que, se eu
quisesse, poderia ficar um mês acompanhando os fotógrafos da casa, infor-
malmente. Eu topei na hora. Passou um mês, dois meses, três meses, um ano,
até que me formei e acabei contratado. Isso foi em 1988 e estou lá até hoje.

LINGUAGEM PESSOAL
Na época em que entrei no jornal O Globo ainda havia a visão ultrapassada
de que fotojornalismo se resumia a entrar em favelas, fotografar polícia e
bandidos em ação. As pautas para o Segundo Caderno eram totalmente des-
prezadas. Os fotógrafos costumavam fotografar os entrevistados durante a
conversa com o repórter, usando 01,jetivas. Captavam os movimentos, as ex-
pressões, mas nada muito além disso. Eu optei por um outro olhar. Depois de
estudar previamente o universo do personagem em foco e o contexto da en-
trevista, passei a sugerir locações e até figurinos adequados para a situação.
Usando quase sempre a luz natural, deixei de fotografar os entrevistados du-
rante as entrevistas, pedindo sempre alguns minutos de exclusividade para as
fotos. Enquanto elas eram feitas, tentava deixá-los bem à vontade no cenário
escolhido. O resultado foi excelente, pois as fotos ganharam espaço e agra-
daram leitores e entrevistados. Eu optei por um olhar diferente e acho que de
alguma forma ajudei a mudar o conceito que se tinha de "foto para jornal".

CULTO ÀS CELEBRIDADES
No início da década de 1990, esse tipo de foto ganhou impulso com a onda
de culto às celebridades que invadiu o mundo editorial. Muitos personagens
que antes se mostravam arredios aos pedidos para poses passaram a posar

24 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
espontaneamente - ou pelo menos a aceitar sem problemas os apelos dos
fotógrafos. Nos Estados Unidos, a preocupação com a imagem é tão para-
noica que as grandes personalidades, especialmente astros do cinema e da
música, escolhem o fotógrafo e aprovam o material a ser publicado. Aqui no
Brasil, não se chega a tanto, mas muitas vezes os entrevistados me pedem
para mostrar na hora como ficaram as fotos e me sugerem escolher essa
ou aquela em que se julgam mais bonitos. Nessa hora, temos que ter jogo
de cintura.

REFERÊNCIAS E INFLUÊNCIAS
Tudo o que vemos ao longo da vida influencia, em maior ou menor grau,
naquilo que fazemos profissionalmente. Me impressionou muito, por exem-
plo, o filme Faça a coisa certa, do Spike Lee, pela inovação com uma estética
de imagens estouradas, vivas. Da mesma forma, a fotógrafa Anne Leibovitz,
mestre em retratos, me influenciou ao usar luz artificial em fotos bem po-
sadas. Essas tendências demoravam às vezes dez anos para chegar ao Brasil,
mas hoje a internet tornou esse processo mais rápido. Outras referências
importantes para a minha formação foram Anton Corbijn, que tem fotos
maravilhosas dos bastidores do U2; o pintor Edward Hopper, que trata da
solidão num estilo fotográfico; e Andréas Gurzky, com suas imagens de pai-
sagens urbanas e de imensidões. Entre as influências clássicas, é inevitável
citar Cartier-Bresson.

ANALÓGICO X DIGITAL
Eu uso, no meu dia a dia, uma Canon Mark III profissional de 11 megapi-
xels. Uma máquina excelente. Comparar hoje as possibilidades das máqui-
nas analógicas e seus filmes com as possibilidades das máquinas digitais é
como comparar cinema falado com cinema mudo. Logo que surgiu o cinema
falado, é claro que muita gente se revoltou contra o que considerava um total
absurdo, mas houve uma aceitação gradual e atualmente não conheço um
cineasta que pense em fazer filmes mudos. Da mesma forma, ainda há os
puristas, os que ainda usam Rolleiflex e acham que o mundo digital bana-
liza a fotografia. Eu os respeito e acho que ainda por um"bom tempo haverá
algum espaço para eles, mas acredito que hoje as pessoas estão mais preo-
cupadas com o resultado.

MANIPULAÇÃO EM FOTOJORNALISMO
Existem dois tipos de fotos no jornalismo: as que não podem ser retocadas
de forma alguma, sob risco de perda de credibilidade; e as que permitem
algum tipo de manipulação, por já serem sabidamente produzidas. É o caso
das fotos de gastronomia, de moda e também dos retratos, em que se esco-
lhem locação, figurinos, adereços, poses e até horários convenientes a uma
melhor captação de luz. Mas mesmo nessas fotos ainda existe muita resis-
tência à manipulação nas redações. Isso é uma discussão que só acontece
no Brasil. Eu acho que esse purismo deve ficar restrito ao fotojornalismo
clássico, em que a realidade não pode ser maquiada.

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PAIXÃO PELO QUE SE FAZ
Em qualquer profissão, o pior que pode acontecer é perder o tesão, a motiva-
ção de fazer algo diferente, de crescer, de ser reconhecido. Quando se ama o
que se faz, essa situação é mais rara. Mas é preciso cultivar essa paixão com
o máximo possível de informações sobre o que está acontecendo no mundo
e no mercado. É fundamental visitar sites como os do New York Times e Times
Magazine, ir a museus e galerias, estar com a cabeça aberta e antenada com
as novas tendências tanto estéticas quanto técnicas.

VISÃO DE FUTURO
A evolução está muito rápida. Minha primeira máquina digital tinha 1,3 me-
gapixel e hoje há câmeras de até 40 megapixels. Não sei exatamente onde
isso vai parar, mas posso tentar uma direção, voltando no tempo. Até o surgi-
mento da fotografia, era a pintura que reproduzia a realidade. Com as fotos, a
pintura se libertou, permitindo o aparecimento de vários movimentos. Com
a fotografia profissional, acho que pode acontecer o mesmo processo. Cada
vez mais ela vai se descolar da realidade e permitir visões mais abstratas e
muito particulares. Tenho a impressão de que o registro da realidade vai ser
transferido para as pessoas comuns e suas máquinas cada vez mais podero-
sas. A fotografia vai ter que rever sua função estética na sociedade.

PALAVRAS A UM INICIANTE
Se um dia um avião enorme cair na sua frente e você tiver a sorte de ser o
único a fotografar, parabéns! Deixando de lado, neste contexto, a tristeza
pela tragédia, certamente sua carreira de fotógrafo vai ganhar um impulso
incrível. Mas a chance de isso acontecer é menor do que acertar na mega
sena. Portanto, não espere pelas oportunidades. Estude, experimente, tente
desenvolver sua própria linguagem. Pouco tempo atrás, a fotografia servia
para mostrar o mundo. Hoje serve também para isso, mas muito mais para
mostrar a SUA visão do mundo. É preciso ter algo a dizer - e dizer de manei-
ra eficiente. Não existe mais novidade. Quando se mostra hoje uma foto de
guerra ou de uma criança passando fome, deve-se levar em conta que todos
" raquíticas. Tudo já foi mostrado, então
já viram mil fotos de guerra e crianças
só nos resta tentar mostrar de uma forma diferente.

26 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
[FOTOJORNALISMO E DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA]
No início da década de 1930, o francês Henri Cartier-Bresson descobriu a fotografia.
Duas décadas depois, já como repórter fotográfico das revistas Life e Vogue, tinha
se transformado no líder de uma geração de fotógrafos e num dos fundadores da
agência Magnum. Hoje, para muitos, é o pai do fotojornalismo. Em linhas gerais,
ele achava que o importante não era a técnica, mas a intuição. Para Bresson, que
correu o mundo com sua inseparável câmera Leica, era preciso estar sempre atento
para captar "o momento decisivo" - expressão que usava para se referir ao instante,
ao gesto fugaz, à situação humana que, perdida, seria irrecuperável.

A fotografia tem mesmo esse caráter memorial. Ela fixa o que nunca vai se repetir,
pode preservar a memória de um tempo e mostrar a evolução cronológica dos fatos.
Os fotojornalistas têm esse papel, mas não estão sozinhos na tarefa de ajudar a
reconstruir a História. Fotógrafos documentaristas também contribuem - e muito -
para o trabalho de historiadores.

No Brasil, por exemplo, as paisagens e as cenas da vida cotidiana registradas pelos


fotógrafos do século XIX e início do século XX são valiosas para a reconstituição da
época nas diferentes cidades brasileiras. Marc Ferrez, August Stahl, Juan Gutierrez,
George Leuzinger e Augusto Malta, entre outros, ajudam a contar a história do Rio
de Janeiro; Albert Frisch e Franz Keller, a da Amazônia; Maurício Lamberg e Guilher-
me Gaensly, a de Pernambuco; Benjamin Mulock e Rodolfo Lindemann, a da Bahia;
Ferrari e John King, a do Rio Grande do Sul; Militão Augusto de Azevedo e Carlos
Hoenen, a de São Paulo. A realidade brasileira de outros tempos se completa nas ima-
gens de retratistas como Emil Goeldi, João Goston, Christiano Junior e ].]. de Barros.

O trabalho desses fotógrafos tem valor inestimável para a iconografia das cidades,
como documento da paisagem que as envolvia, sua arquitetura, o crescimento de-
sordenado, as ruas e estradas, seus personagens eternizados - garrafeiros, índios,
mascates, escravos, cesteiros, funileiros, aristocratas.

Marc Ferrez, Entrada da Barra


do Rio de Janei ro, vista de fora,

.. c.1875, Albúmen, 15,7 x 22,3 cm.


Coleção Gilberto Ferrez, Acervo
Instituto Moreira Salles.

• •• 27
O BRASIL EM IMAGENS 1 O Instituto Moreira Salles preserva atualmente um acervo fotográfico 7
de mais de 450 mil imagens sobre o Brasil do século XIX e da primeira
metade do século XX: Albert Frisch, Marc Ferrez, Augusto Malta, Militão
Augusto de Azevedo, Augusto Riedel, Felipe Augusto Fidanza, George
Leuzinger e Augusto Stahl, Claude Lévi-Strauss, Madalena Schwartz,
Marcel Gautherot, Hildegard Rosenthal, Juca Martins, entre outros.
Para abrigar essa valiosa coleção, o IMS construiu uma Reserva Técni-
ca projetada de acordo com os padrões internacionais de conservação
para acervos fotográficos históricos e contemporâneos. O Instituto
conta com centros culturais localizados em três estados - um no Rio
de Janeiro, que abriga a Reserva Técnica Fotográfica e uma Reserva
Técnica Musical; dois em Minas Gerais (Belo Horizonte e Poços de Cal-
das) e um em São Paulo. Paralelamente, o IMS desenvolve um intenso
trabalho de difusão por meio de exposições e publicações dedicadas à
fotografia brasileira. Na Internet, pesquisadores e interessados podem
acessar mais de duas mil fotografias selecionadas do acervo. Vale a
pena conhecer esses centros culturais e visitar o site www.ims.com.br.

Buvelot & Prat, Imperatriz


Thereza Christ ina, e. 1855,
Daguerreóti po 15 x 12 cm .

Acervo Instituto
Moreira Salles.

_J
L
MARC FERREZ 1 Filho de franceses e nascido no Rio de Janeiro em 1843, Marc Ferrez 7
UMA VIDA DEDICADA é um nome de peso na história da fotografia brasileira. Discípulo do
À FOTOGRAFIA suíço George Leuzinger, dono do mais renomado estúdio fotográfico
do Rio em meados do século XIX, Ferrez inaugurou seu próprio ne-
gócio em 1867, aos 24 anos. Registrando por todos os ângulos a bela
cidade em que nasceu, seus personagens célebres e anônimos, e epi-
sódios marcantes como os festejos públicos ao término da Guerra do
Paraguai, o fotógrafo logo se tornou um dos preferidos da Família Real.
Em 1877, Ferrez foi convidado por Dom Pedro II a integrar a Comissão
Geológica do Império e partiu numa expedição pelo Nordeste, onde
fotografou pela primeira vez os índios da tribo Botocudo na Bahia. As
fotos foram exibidas em diversas exposições no Brasil, França e EUA.

28 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
~ *
57/aw .~me;, M a rc Ferrez, Índios Botocudos,
~ fl"' ria .t,,,;,.;.,, tfw..,,J
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Cópia a partir do negat ivo
original gelatina/ prata, Bahia,

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Ul'J.

U .IJ.
e. 1876, 12 x 8 cm.

Papel timbrado do fotógrafo


.._,,.,,,#1# ✓,,s More Ferrez, e. 1890 .

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PABZ:8 1889
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Coleção Gilberto Ferrez, Acervo
Instituto Moreira Salles.

D A L LEM EYER

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...,,,...,MH/4

88, Rua. de S . J oeé


R IO DE J AN&lft O,

A viagem rendeu também muitos registros para a coleção "Paisagens


do Brasil", presenteada à Societé Française de Photographie. Já espe-
cialista em fotos panorâmicas, Ferrez passou a registrar também gran-
des obras de engenharia da época. Em Minas Gerais, produziu pela pri-
meira vez no Brasil fotos utilizando flash de magnésio. Impulsionado
por prêmios, exposições e palestras, seu trabalho se tornou conhecido
dentro e fora do país.
Entre as milhares de fotografias produzidas por Marc Ferrez no Brasil,
merecem destaque as que registram a construção da Estr~da de Ferro
Santos-Jundiaí, em 1882; a série "Costumes de chefes indígenas"; as
panorâmicas do Rio de Janeiro, de Santos, Petrópolis e outros lugares
do interior do Brasil; o registro, em 1894, durante o governo do ma-
rechal Floriano Peixoto, da Revolta Armada no Rio de Janeiro; e o ál-
bum "Avenida Central: 8 de março de 1903 a 15 de novembro de 1906".
Paralelamente, Ferrez cresceu também como empresário. No início do
século XX, o seu estabelecimento comercial, na rua São José, era o
único do ramo no Rio de Janeiro, e suas fotos de tipos urbanos ilustra-
ram os primeiros cartões-postais da cidade. Em 1905, já em novo en-
dereço, a Casa Marc Ferrez oferecia todos os equipamentos e apetre-
chos necessários a profissionais e amadores da fotografia. O negócio
continuaria crescendo, ampliando instalações e serviços, até se tor-
nar, em 1912, represen tante das chapas dos irmãos Lumiere no Brasil.
Em 1914, já viúvo e tendo ensinado seu ofício aos filhos Júlio e Luciano,
Ferrez embarcou para uma longa temporada em Paris, onde reencon-
trou velhos amigos e estudou a fotografia das cores naturais. Retornou
ao Brasil doente e morreu alguns dias depois, em 12 de janeiro de 1923.
L _J
• • • 29
JORNAIS E REVISTAS
O jornal New York Tribune inaugurou o processo que transformaria a fotografia num
produto de massa. A primeira foto impressa fotomecanicamente saiu na primeira
página do Tribune em janeiro de 1897. A partir de então, a reprodução de jornais e
revistas em grande escala passou a incorporar a fotografia à vida de milhares de
leitores de modo definitivo.

Na década de 1930, as revistas ilustradas ganharam forte impulso, e, consequen-


temente, o fotojornalismo. Tendências de comportamento, moda, roteiros de via-
gens e notícias do mundo chegavam aos leitores através de fotos. Começava-se a
falar de ensaio fotográfico: uma sequência de imagens capaz de substituir mais de
mil palavras.

De lá pra cá, o fotojornalismo foi ganhando espaço na mídia impressa, graças aos
avanços tecnológicos que garantem qualidade de reprodução. Isso pode ser com-
provado se compararmos os jornais de hoje e os editados há 50 anos. A possibili-
dade de imprimir fotos coloridas foi outra revolução. E atualmente a maioria dos
jornais e revistas usa processos digitais sofisticados na produção, reprodução e ar-
mazenamento de imagens.
Sonia Firmo, Ponte Rio-Niterói,
Rio de Janeiro, 2009.

O PAPEL DO FOTOJORNALISTA
Não há fato que dispense a cobertura fotojornalística. Imagem e texto se comple-
mentam no jornalismo moderno: a primeira, mais emocional e sintética, atinge
logo e diretamente o leitor; o segundo, mais racional e analítico, leva mais tempo
para ser assimilado. Mas a contribuição do fotojornalismo vai além da documenta-
ção iconográfica. Ele também criou uma linguagem peculiar, com códigos próprios
e formas características de trabalhar os elementos da fotografia. Cabe aos fotojor-
nalistas a importante missão de nos levar ao local da ação, no instante exato em
que ela acontece.

30 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
Evandro Teixeira, Queda do
motociclista da FA8, Aterro do
Flamengo, Rio de Janeiro, 1965.

Um exemplo clássico de sucesso nessa missão é a fotografia que deu fama ao bra-
sileiro Sebastião Salgado, em 1989. Ele foi o único a registrar o atentado contra o
então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan. Rompendo as fronteiras do
fotojornalismo, foi bem mais longe ao construir um trabalho em que combina do-
cumentação histórica e arte. Entre seus muitos ensaios que retratam a condição
humana, podemos destacar as séries fxodos, Outras Américas, Serra Pelada e O berço
da desigualdade. Nelas, Sebastião Salgado retrata os efeitos da guerra, da fome, de
catástrofes naturais ou do enorme abismo que separa os ricos dos pobres. Visite o
site: www.terra.com. br/sebastiaosalgado.

Outros fotógrafos brasileiros trilharam caminhos semelhantes. Para citar dois


exemplos: Evandro Teixeira, em Canudos 100 anos, resgata c.'t>m grande beleza plás-
tica a história de Antônio Conselheiro, o líder religioso que defendia no interior da
Bahia a continuação do regime monárquico no início do período republicano no
Brasil. Pedro Martinelli, em seu Gente x Mato, desvenda a Amazônia real. O livro,
com 168 imagens, mostra a difícil e devastadora ocupação da Amazônia desde 1970,
ano em que teve início o grande projeto de ocupação da floresta, sob o comando
dos militares. Foi também o ano em que Martinelli conheceu a região, como inte-
grante de uma expedição para contatar os índios Panará. Desde então, o fotógrafo
não parou de percorrer e documentar a vida da maior floresta do mundo.

Imagens como as de Sebastião Salgado, Evandro Teixeira e Pedro Martinelli se trans-


formam em documentos fundamentais para a criação da memória de uma civilização.
UM MESTRE DO FOTOJORNALISMO

Uma bagagem de meio século, carregada de imagens que permanecerão vivas para
sempre na memória de milhões de pessoas, faz de Evandro Teixeira um dos gran-
des mestres do fotojornalismo brasileiro. Aos 72 anos, 46 deles dedicados ao Jornal
do Brasil, esse baiano de Jequié mostra o entusiasmo de um iniciante ao falar de seu
último trabalho, o belíssimo ensaio que ilustra a edição comemorativa dos 70 anos
de Vidas secas, obra de Graciliano Ramos. É o sétimo livro que lança, entre muitos
outros em que aparece como colaborador. De desfiles de escolas de samba a jogos
de Copa do Mundo, passando por exibições de atletas olímpicos, cenas cotidianas
do Rio e flagrantes da ditadura, muitos eventos e personagens já passaram diante
das lentes de Evandro. Aposentadoria? Nem pensar. "Enquanto eu estiver vivo, vou
ter uma câmera à mão".

O COMEÇO
Comecei a fotografar na década de 1950, ainda na Bahia. Cheguei a conside-
rar a ideia de ser escultor, mas ao ver uma série de fotografias de José Mon-
teiro em uma edição da revista O Cruzeiro, descobri que queria ser fotógrafo.
Aquilo mudou a minha vida. Cheguei ao Rio em 1957 e no ano seguinte já
era fotógrafo do Diário da Noite. Em 1962 fui contratado pelo Jornal do Brasil
e estou lá até hoje. Naquela época, depois de uma mudança gráfica radical,
o Jornal do Brasil era o que havia de mais moderno no jornalismo brasilei-
ro, abrindo grandes espaços para a fotografia. Nós ganhávamos muito bem,
mais que os repórteres. Eram outros tempos, em que quase não se usava o
flash e se valorizava muito a luz disponível.

MÁQUINAS
Nos primeiros tempos como fotógrafo usei os melhores equipamentos da
época, como Rolleiflex, Leica, Speed Graphic. Guardo com carinho várias des-
sas máquinas antigas que me acompanharam. Hoje sou fiel à Canon. Tenho
duas digitais profissionais T-2000, com 20 megapixels, mas ainda uso às ve-
zes uma das três Leicas analógicas que guardo há décadas. Uma delas é de
1957 e funciona perfeitamente. Não descarto também a praticidade de uma
câmera digital de bolso, de 10 megapixels. No dia a dia, nem sempre é con-
fortável ir para a rua com um equipamento pesado.

O MUNDO DIGITAL
Como fotojornalista, foi impossível não me render aos avanços da tecnolo-
gia, pois rapidez é fundamental em nosso ofício e a foto digital garante essa
velocidade. Atualmente, os equipamentos são bem mais leves e têm uma
qualidade excepcional, com câmeras que chegam a 22 megapixels de defini-
ção. Para se ter uma ideia desta evolução nos últimos anos, posso dizer que
nos Jogos de Sydney, em 2000, havia apenas um fotógrafo brasileiro usando
equipamento digital. Em 2004, nos Jogos de Atenas, todos já usavam, inclu-
sive eu. Mas minha máquina era de apenas 4,2 mega. Hoje uso uma com 20
mega, mas já existem câmeras com definição ainda maior. Numa outra com-
paração, posso dizer que em 2000, com mais de 1.500 fotógrafos cobrindo as
Olimpíadas, eu perdia de cinco a seis horas para conseguir revelar os filmes.

• • • 33
Depois ainda tinha que editar o que mandaria para o Brasil. Em 2004, eu co-
bri o ouro do Torben Grael na vela e, dois minutos depois de chegar em terra
firme, as imagens da conquista já estavam no Brasil. É fundamental lembrar
que os custos da fotografia digital são bem mais baixos do que os da fotogra-
fia analógica. O preço das câmeras vem caindo muito, também.

O FUTURO DA FOTOGRAFIA ANALÓGICA


Sempre haverá espaço para as fotos não digitais, especialmente em p/b. Mas
imagino que aos poucos a fotografia analógica vai acabar restrita a uma elite,
como um hobby. Mesmo em fotos mais trabalhadas, as máquinas digitais já
vão tirando espaço dos filmes. Até o Sebastião Salgado, consagrado interna-
cionalmente, se rendeu. Em meu último trabalho, o ensaio que ilustra o livro
Vidas secas, de Graciliano Ramos, comecei trabalhando com negativos, mas
fiz a maior parte das fotos com máquina digital, pela praticidade. Passei dois
meses no agreste nordestino e editava o material todas as noites em meu
laptop, numa pensãozinha qualquer que tivesse uma tomada. Isso facilitou
muito o meu trabalho. Mas é importante frisar que não descarto totalmente
os negativos, que de fato dão uma noção de relevo e trazem nuances impos-
síveis de se obter com equipamentos digitais.

A FOTOGRAFIA BRASILEIRA
Não há dúvida de que os fotógrafos brasileiros estão entre os melhores do
mundo. Existe atualmente um grande intercâmbio no meio e o nosso tra-
balho é reconhecido no exterior. Novas galerias vão surgindo e há mais es-
paço para mostrar fotografias. Não só nos grandes centros, como o Rio de
Janeiro, mas até em estados mais isolados como Pará e Acre. Pude constatar
isso mais uma vez na última edição do Parati em Foco, um evento que atrai
grandes fotógrafos estrangeiros e também profissionais de todo o Brasil. Foi
muito gratificante ver trabalhos de alta qualidade o interesse que eles des-
pertavam no público.

REFERÊNCIAS

Minha primeira referência como fotógrafo foi José Medeiros, que marcou
época na revista O Cruzeiro nos anos 50. Antes de vir para o Rio, fiz um curso
por correspondência com ele. Naquela época, eram muito comuns os cur-
sos por correspondência. Fora do Brasil, meus mestres foram os americanos
Eugene Smith e Arthur Fellig, conhecido como Weegee, o peruano Martin
Chambi e o húngaro Robert Capa, entre outros. É claro que nessa lista entra
também o Cartier-Bresson, que é um papa da fotografia, mas há vários fotó-
grafos tão importantes quanto ele e que não tiveram a mesma mídia.

QUALIDADES DE UM BOM FOTÓGRAFO


Fotografia é bom gosto, é sensibilidade. Um bom fotojomalista deve ter faro.
Isso passa por um olhar especial, experiência e alguma sorte. Mas é impor-
tante dar uma mãozinha para a sorte, mantendo sempre a câmera perto do
olho. Quando estou trabalhando num jogo, por exemplo, não gosto de con-
versar com os colegas. Fico totalmente concentrado na partida, atento aos
lances e detalhes. Acho fundamental amar o que se faz e estar sempre atua-

34 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
lizado com o que está acontecendo. Eu leio muito sobre fotografia, assino
revistas especializadas, compro livros com ensaios, tento saber as novidades
das feiras internacionais.

A BANALIZAÇÃO DA FOTO
Hoje todo mundo se acha fotógrafo. As câmeras fazem quase tudo sozinhas
e estimulam essa ideia. Mas acredito que a tecnologia não substitui o talen-
to. Ajuda, mas não substitui. Vai ter sempre espaço para o bom profissional,
aquele que tem um olhar diferente sobre as coisas. Acho também que o ex-
Evandro Teixeira, Tomada do
cesso de fotos tiradas em máquinas digitais dificulta muito a edição. Não é Forte de Copacabana, Rio de
fácil escolher dez fotos entre mil. Janeiro, 1964.

• • • 35
[A FOTOGRAFIA NA PUBLICIDADE]
Vender. Não há como negar: a fotografia publicitária trabalha essencialmente com
o verbo que move o sistema capitalista. Para isso, precisa criar objetos de desejo,
sempre efêmeros. Nossos olhos comprovam diariamente, em outdoors ou na lei-
tura de jornais e revistas, que a fotografia refresca, abre o apetite, deixa um aro-
ma no ar, muda comportamentos. Ela induz, seduz e cria necessidades que antes
não existiam.
Num mercado competitivo como o de hoje, é fundamental fisgar o consumidor
antes que o concorrente o faça. Para atingir esse objetivo, a regra número um é
estabelecer uma boa comunicação com seu público-alvo. Em outras palavras, é pre-
ciso anunciar com qualidade, o que exige profissionais especialistas em fotos pu-
blicitárias. Como vendedores, os fotógrafos que atuam nesta área precisam ter os
olhos voltados para a construção de uma imagem que atraia o olhar do comprador,
mesmo que isso signifique fugir da realidade - e quase sempre significa.

Pecado mortal em fotojornalismo, a manipulação da imagem é uma condição ine-


rente à fotografia publicitária. No mundo de faz de conta que pretende despertar
desejos e instintos ocultos no consumidor, todos os sonhos são possíveis. Mesmo
os mais improváveis, como prova um anúncio de carro esportivo em que um ani-
mal de estimação, metade cão metade peixe, é o companheiro de aventuras de um
surfista sonhador.

Sergio Chvaicer, Profiteroles.

36 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
Em truques bem mais simples, o molho ao sugo pode ser uma mistura feita com
tinta vermelha. E o brilho de frutas suculentas surge num piscar de olhos após uma
pincelada de óleo de soja. Hoje, com softwares de manipulação cada vez mais so-
fisticados, essa maquiagem pode ser feita diretamente na tela do computador, com
resultados de fazer cair o queixo.

Não é exagero afirmar que a publicidade, no fundo, vende a felicidade. A venda


de um produto está sempre associada a uma emoção ou a um sentimento, como
amor, desejo, alegria, beleza, aventura, proteção etc. Mas num sentido mais amplo,
considerando a passagem do tempo, a fotografia publicitária também pode ser um
documento histórico, uma vez que retrata o comportamento da sociedade numa
determinada época.
Ricardo Pimentel, Laranja,
Projeto Monocromias,
expressões e contradições,
2007.

Alexandre Salgado, Peugeot.

- -- - · -• 37
TRANSFORMANDO IDEIAS EM (QUASE) REALIDADE

O sobrenome Salgado é sinônimo de qualidade no mundo da fotografia, mas o sal


que tempera as raízes genealógicas de Sebastião e Alexandre tem origens diferen-
tes. De qualquer forma, não deixa de ser curioso o fato de que foi ao sair de uma
exposição do primeiro que o segundo teve a certeza de que queria ganhar a vida
fotografando. Alexandre Salgado não demorou a conquistar seu espaço. Hoje, aos
49 anos, é um dos mais premiados e requisitados fotógrafos publicitários do país,
trabalhando para as principais agências do Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre
e Curitiba. Para satisfazer clientes exigentes como Coca-Cola, Shell, Petrobras e
muitos outros, está sempre atualizado em relação a equipamentos, técnicas e
softwares que atendam - e surpreendam - a criatividade dos diretores de arte.
"Como sempre me chamam para novos trabalhos, acho que estou no caminho
certo", comemora.

O COMEÇO
Comecei a me interessar por fotografia aos 19 anos, na faculdade. Um profes-
sor, especialmente, teve importância muito grande na descoberta desta voca-
ção: Hugo Denizart. Era um cara conhecido, que já tinha exposto na Europa e
em outras partes do mundo. Sua cultura fotográfica e a paixão pelo que fazia
me seduziram. Comecei então a tirar muitas fotos com uma velha Leica que
meu pai comprou no dia exato em que eu nasci, e uma delas impressionou o
Denizart, que a usou numa aula como exemplo de sensibilidade fotográfica.
Ele gostou tanto que botou uma cópia na parede do laboratório da faculda-
de e me elegeu "o cara", gerando até alguma ciumeira na turma. Aquilo foi
um estímulo e tanto. Na mesma época, fiz uma viagem de férias ao Peru e à
Bolívia. Com a inseparável Leica, não parei de clicar tudo o que via. Na volta,
tive a ajuda do Denizart para editar o material, que acabou se transformando
na minha primeira exposição: "O mundo Quéchua". Me lembro que vendi
várias fotos. A partir dali, as coisas começaram a acontecer naturalmente.
Meu primeiro trabalho profissional foi como still (o fotógrafo das cenas para
divulgação) do filme Garota dourada. Depois tive a mesma função em dois fil-
mes do Ivan Cardoso e, simultaneamente, comecei a dar.ps meus primeiros
passos na publicidade. Nessa mudança de rota, tiveram grande importância
dois cursos que fiz enquanto estava na faculdade, com o americano Richard
Welton e o belga Michel Aertsens, dois mestres da fotografia publicitária. O
caminho natural foi alugar um estúdio e sair em busca de novos clientes. Ao
me formar, eu já vivia da fotografia, alternando trabalhos como still e cam-
panh as publicitárias. Quando fiz o primeiro grande trabalho para agências,
um catálogo da Vulcan, decidi que era aquele o melhor caminho.

AS PRIMEIRAS REFERÊNCIAS

Entre as minhas primeiras referências profissionais destaco Miguel Rio Bran-


co e Sebastião Salgado. As fotos sensacionais do Miguel, um dos melhores
fotógrafos de todos os tempos, me deram um impulso muito grande na es-
colha de minha profissão. E as do Sebastião Salgado, numa exposição que
vi em 1982, me deram a certeza: era aquilo mesmo que eu queria para mi-
nha vida. Outros nomes importantes na minha formação são Ansel Adams,
Cartier-Bresson, Robert Doisneau e Handam, este último na área em que
me especializei.

• •• 39
CRESCIMENTO PROFISSIONAL
Depois da Vulcan, novos convites de trabalho foram surgindo e o crescimen-
to foi natural. Me mudei, em 1983, para o estúdio onde trabalho até hoje e me
especializei inicialmente em fotos de produtos. Com o dinheiro que ganhava,
investia em novos equipamentos e me mantinha atualizado sobre tudo o
que acontecia lá fora e o que o mercado publicitário exigia. Entre 1992 e 1996,
dei aulas de fotografia na Faculdade da Cidade. Mas, com o crescimento da
oferta de trabalho, optei por abandonar a carreira de professor. Os pedidos
de orçamento aumentaram, mas aumentava também a cobrança de qua-
lidade por parte das agências. Eu decidi acompanhar esse processo como
ponta de lança, brigando sempre pelos melhores clientes. Num determinado
momento, percebendo o potencial do mercado paulista, tentei me manter
em duas frentes, abrindo um estúdio em São Paulo, mas percebi em pouco
tempo que o esquema ponte-aérea não funcionaria, por conta principalmente
da minha vida pessoal, da importância de estar perto do meu filho, dos meus
amigos. Dirigi então meu foco para o Rio e não me arrependo. Criei uma mar-
ca de qualidade e tenho colhido bons frutos do que plantei.

A GRANDE VIRADA DIGITAL


Em 2000, dei uma grande guinada profissional. Soube que pelo menos dois
fotógrafos de ponta da publicidade carioca, Handam e Mauro Risch, começa-
vam a migrar para as máquinas digitais, e senti que estava ficando desatuali-
zado. Decidi então seguir na mesma direção e comprei o meu primeiro equi-
pamento digital. Aos poucos, investi também no processo de manipulação
das imagens, com computadores de primeira linha e contratação de gente
especializada. A manipulação das fotos era um trabalho feito ainda pelos fo-
tolitos, e inevitavelmente o controle sobre o produto final saía das mãos dos
fotógrafos. E eu dei então uma cartada certeira ao criar condições para que
o meu estúdio entregasse o produto final às agências, com absoluto domínio
sobre qualquer tipo de manipulação. Inicialmente, quando ainda usavam os
cromos, eu os escaneava para que fossem manipulados. Hoje os programas
de manipulação são cada vez mais sofisticados. Esse controle total sobre o
produto me fez evoluir muito no me•rcado e criar uma marca pessoal de alta
qualidade. Me orgulho de dizer que na maioria absoluta dos casos consegui-
mos reproduzir com perfeição a ideia do criador do leiaute e em algumas
situações até fazemos com que a ideia cresça. Esse é o desejo de qualquer
criador e a razão do sucesso do meu estúdio.

ANALÓGICO X DIGITAL
Cada vez mais a fotografia avança na direção da arte. Em publicidade, não é
mais possível imaginar uma fotografia sem Photoshop. E a cada momento
surgem novas possibilidades, como o 3D, a integração com a ilustração. O
mundo moderno pede isso, o que se quer é ver uma coisa bonita, uma ima-
gem interessante. Por conta dessa realidade, não digo mais que tenho um es-
túdio fotográfico. Tenho um estúdio de imagem. Não existe mais lugar para
o purismo. Todos se renderam ao mundo digital. Quer dizer, quase todos. É
claro que ainda há espaço para os filmes - especialmente em fotos p/b, eles
ainda fazem a diferença. Mas, sinceramente, acho que com uma boa mani-

40 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
pulação e algum tempo disponível até isso é possível reproduzir. Mas essa
não é uma demanda do mercado publicitário.

O BOM FOTÓGRAFO
Olho é tudo. Em publicidade, é preciso ter sensibilidade para conseguir bons
enquadramentos e ser detalhista, perfeccionista. É claro que uma boa baga-
gem profissional ajuda a desenvolver esses talentos e a impor nossas pró-
prias ideias quando há possibilidade. Mas esse mercado exige algo mais -
uma certa vocação para o negócio, uma cabeça de empresário. É importante
saber se vender. E para isso uma rede de relacionamentos e um bom portfó-
lio são fundamentais. Vale até produzir fotos especialmente para o portfólio.
Estar atualizado em termos de tendências e equipamentos também é uma
marca dos fotógrafos que querem se manter atuantes. O mercado está com-
petitivo demais e quem não evolui perde espaço em pouco tempo. Finalmen-
te, acho que a capacidade de engolir sapos de vez em quando e uma dose
de sorte completam o leque de características dos fotógrafos publicitários
bem-sucedidos.

DICAS PARA OS INICIANTES


Mantenham o foco no objetivo desejado e tenham determinação para chegar lá.
Isso exige dedicação e muitas horas de estudo. Não desanimem diante dos ine-
vitáveis obstáculos, evitem a tentação de se envolverem quatro ou cinco coisas
diferentes ao mesmo tempo. Façam quantos cursos e estágios puderem, ten-
tem estar sempre perto dos bons profissionais, procurem o mercado, mostrem
seus trabalhos.

- -- ·-• · · 41
[FOTOGRAFIA COMO OBRA DE ARTE]
Até o surgimento da fotografia, cabia principalmente aos pintores a missão de
reproduzir a realidade. Diante dos surpreendentes resultados conseguidos pelas
novas tecnologias na captação de imagens (e também de outras inovações que
aceleraram o olhar do homem, como o cinema, o automóvel, o avião), a pintura se
libertou e tomou outras direções, dando origem a vários movimentos e correntes
de vanguarda que desaguaram no modernismo.

O que os artistas do passado dificilmente imaginariam é que um dia fotografias


disputariam espaço com pinturas nas paredes. Ainda é uma disputa desigual, pois
só de alguns anos para cá o mercado abriu seus olhos e portas para a novidade,
mas é cada vez maior a quantidade de galerias que expõem e vendem fotos. Para
fotógrafos como Evandro Teixeira, que tem trabalhos à venda nos Estados Unidos,
Suíça e França, a fotografia está hoje totalmente inserida no contexto da arte. "An-
tigamente, não se vendia fotografia. Hoje, centenas de galerias em todo o mundo
expõem e negociam os trabalhos de fotógrafos de todo o mundo, inclusive o meu."
Leonardo Aversa, também com trabalhos expostos em galerias, concorda e vai além.
Acredita que a fotografia ocupa o lugar da gravura no mercado de arte. "Hoje o pre-
conceito é muito menor e já se veem fotografias que não são de família decorando
as salas", afirma o fotógrafo, que confirma a tese em seu apartamento, recheado de
imagens clicadas por ele.

VikMuniz,
At las (Carlão), 2009
[Pictures of Garbage].

42 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
1 1 • , .,,,,,, ,

Kitty Paranaguá, Série


"Copacabana, céu
aberto", 2005.

Outro fotógrafo que faria bonito em qualquer parede é Vik Muniz, que mistura em
seu processo de criação fotografia, escultura, gravura e pintura. A câmera fotográ-
fica está sempre presente nas diferentes etapas do trabalho, mas geralmente é
usada para o registro dos resultados: Mona Lisa com pasta de amendoim, a série
"Crianças de Açúcar", as montagens com lixo, a "Última Ceia" desenhada com calda
de chocolate, um autorretrato com brinquedos de plástico, entre outros.

Em entrevista publicada no Globo Online, em 20 de janeiro de 2009, Vik Muniz define


seu trabalho:

Busco referências dentro do banco de imagens da humanidade. Uso a história da arte


para banalizá-la, da mesma forma que busco materiais que já estão carregados cul-
turalmente.As pessoas querem ser seduzidas por imagens. Não dá para criar algo que
não tenha uma espécie de apelo para competir com a mídia de nosso tempo. Você tem
que seduzir, se utilizar de truques.
Começou a fotografar suas próprias esculturas porque não gostava do trabalho da
divulgação. Ficou tão fascinado com as fotos que passou a fazer esculturas só para
fotografá-las. Hoje seus trabalhos fazem parte do acervo dos conhecidos museus
novaiorquinos Metropolitan Museum of Art, Museu de Arte Moderna (Morna) e
Guggenheim. Sobre o mercado, ele diz: "Muita gente me critica por fazer obras
sob encomenda, mas Michelangelo e Raphael trabalhavam para a Igreja, que era a
maior corporação que existia na época. Se eles acreditavam em Deus, eu acredito
em free market".

Noutra direção, se há ainda um reduto em que a fotografia digital não tenha atro-
pelado a analógica, esse é o do mercado de arte. Nele, há espaço para o experimen-
talismo de Vik Muniz e também para a essência das lições de grandes mestres do
passado. Nos trabalhos de Kitty Paranaguá, por exemplo, novos olhares sobre a
cidade e seus personagens convivem em harmonia com velhas técnicas - como a
da revelação em p/b. Kitty faz parte de um grupo que cultua filmes de 35 mm e a
imersão de papel fotográfico em misturas químicas, em busca de tons, sombras e
texturas ainda não igualadas pela tecnologia digital.

• • • 43
ARTE MODERNA À MODA ANTIGA

Jornalista, ex-fotógrafa do Jornal do Brasil e de publicidade, Kitty Paranaguá se espe-


cializou no mercado de arquitetura e interiores, mas jamais deixou de exercitar por
conta própria, em ensaios p/b, sua marca pessoal - que ganhou reconhecimento e
espaço no mercado de arte. Com uma Nikon da década de 1970, ela fotografa há
quase uma década as mil facetas de Copacabana, o bairro onde nasceu, e assina
fotos de torcedores apaixonados num livro recém-lançado, entre muitos outros tra-
balhos. A paixão pela fotografia rendeu ainda centenas de belas imagens para ex-
posições individuais e coletivas e pelo menos uma certeza: "O mercado de arte para
fotógrafos apenas engatinha no Brasil e vai se abrir para quem tem sensibilidade,
criatividade e, principalmente, uma linguagem própria".

O COMEÇO
Sempre gostei de fotografar. Não por acaso, fiz na adolescência alguns ami-
gos que tinham a mesma paixão. Estávamos sempre juntos, fotografando
nosso grupo e nossas viagens. Como um deles tinha um laboratório em
casa, nos reuníamos também para revelar as fotos e fazer cópias. Eu ado-
rava aquilo. Na hora de escolher uma profissão, optei por comunicação, que
na época juntava jornalismo e publicidade e era o que mais próximo havia
da fotografia. Logo no primeiro estágio, numa agência, tive a sorte de en -
centrar um grande mestre - o que me deu a certeza de estar no caminho
certo. Richard {Dick) Welton, um fotógrafo que trabalhava como freelancer
para aquela agência, adorava ensinar o que sabia. E eu adorava aprender. Era
muito curiosa em relação àquele novo mundo que se abria e conversávamos
horas sobre fotografia. Senti que não queria fazer outra coisa da vida.

O PRIMEIRO EMPREGO
Eu ainda estagiava na agência de publicidade quando um grande amigo con-
seguiu um emprego no departamento de fotografia do Jornal do Brasil. Ele
percebeu que aquele era o meu mundo e insistiu muito para que eu fosse
tentar um estágio lá. Consegui. Comecei estagiando, sugando tudo o que
podia dos dois primeiros grandes chefes que eu tive: Alberto Ferreira e Cam-
panella Neto. Havia uma seleção de craques que faziam • do JB da época uma
referência nacional em termos de fotografia. Era um timaço, Evandro Teixei-
ra, Carlos Mesquita, Rogério Reis, Cinthia Brito e AlmirVeiga, entre outros. Ao
todo, foram quatro anos de Jornal do Brasil.

MUDANÇA DE ROTA
Um dia percebi que precisava crescer em outras direções e saí do JB. Me tor-
nei sócia de dois outros fotógrafos e passei a me especializar em publicidade.
Um deles se afastou e ficamos eu e o Ricardo Pimentel, também ex-discípulo
de Dick Welton, tocando a Artefoto. Fazíamos catálogos de indústrias e aqui-
lo me ensinou muito também. Tínhamos que criar uma luz adequada e cui-
dar de todos os outros detalhes de produção. Fazer belas fotos daqueles am-
bientes áridos, daquelas estruturas imensas (... ). Era um desafio. Aos poucos,
foram surgindo convites de trabalho relacionados a interiores e arquitetura.
Com a experiência que fui ganhando em centenas de fotos para revistas,
anúncios e catálogos, acabei me especializando nessa área.

• • • 45
LINGUAGEM PRÓPRIA
Desde os primeiros tempos, nunca deixei de fotografar para mim. O olhar
precisa ser exercitado com ou sem câmera, acho que o fotógrafo está sempre
recortando a sua realidade. A cidade é uma constante nos meus trabalhos
e arquitetura sempre foi uma referência muito forte. Sou particularmente
interessada por Copacabana, bairro onde nasci. Tenho uma ligaçâo afetiva
com o bairro que fotografo há alguns anos e já foi tema de uma exposição.
Sempre trabalhei com a fotografia p/b, mas depois das máquinas digitais
passei a incorporar a cor ao meu trabalho e a usar as dificuldades que ain-
da sinto de lidar com esta nova tecnologia para expandir a minha maneira
de ver.

FOTÓGRAFA À MODA ANTIGA


Obviamente, não posso estar fechada ao mundo digital, mas adoro trabalhar
com filmes e fotos impressas em papel. Gosto de fotos em p/b. A tecnologia,
com todo seu avanço, ainda não consegue reproduzir as nuances de sombras
e tons entre o preto e o branco que um filme p/b possibilita. Experimente
fotografar com uma câmera digital um cantinho em que bate um raio de sol.
A luz solar vai ficar estourada, pois as câmeras digitais não conseguem im-
primir o branco. Uso em minhas fotos p/b uma máquina que tem 30 anos.
Nem os ladrões de Copacabana, especialistas em arrancar das mãos de turis-
tas mínimas e poderosas câmeras digitais, se interessam por ela.

MERCADO DE ARTE
No Brasil, a fotografia apenas engatinha no mercado de arte. Mas é inegável
a conquista de espaço nos últimos tempos. Iniciativas como as do Instituto
Moreira Salles e de festivais como o FotoRio, FotoArte e Paraty em Foco, entre
outros que divulgam e valorizam a arte fotográfica, têm um papel impor-
tante nisso. O Instituto, além de recuperar e preservar um acervo fantástico,
organiza seguidas exposições no Rio. O FotoRio, promovido a cada dois anos
por Milton Guran, possibilita um valioso intercâmbio ao trazer fotógrafos
do exterior para que mostrem seus trabalhos e conheçam o que é feito aqui.

Outra iniciativa é o Circuito de Fotografia - primeira feira de arte voltada
exclusivamente para a fotografia, realizada em São Paulo.

REFERÊNCIAS
Os mestres Josef Koudelka e Brassai: são duas referências importantes na mi-
nha formação. Koudelka nasceu na antiga Tchecoslováquia e ficou famoso
ao fotografar (e publicar num jornal americano) imagens da violenta invasão
soviética à Romênia em 1968. É autor de 12 livros, com ensaios maravilho-
sos, e colecionador de prêmios. Brassai: é húngaro e se destacou na primeira
metade do século XIX com fotografias em p/b de Paris e seus habitantes, em
belíssimas composições de luz e sombras. Entre os modernos, o inglês Mar-
tin Parr tem um trabalho que adoro, com muito humor.

46 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
MOMENTO ATUAL
A fotografia, de forma geral, vive um momento bastante rico, com o surgi-
mento de novos caminhos e os milhões de possibilidades que a fotografia
digital permite. Ficou muito fácil fotografar: depois do custo da máquina, o
clique passa a ter custo zero. Antes, as imagens eram pensadas, esperadas,
visualizadas. Agora, a ordem é registrar tudo. O mundo está sendo tomado
por imagens. Pessoas se fotografam o tempo todo. Parece que, para vivermos
"o momento", temos que registrá-lo. É como se, sem imagem, não houves-
se realidade. A fotografia digital trouxe muitas questões novas que ainda
não foram nem dimensionadas nem digeridas. Tudo é muito etéreo. As fotos
ficam armazenadas nos computadores e podem desaparecer pela ação de
um vírus mais poderoso. As pessoas perderam o hábito de copiar e mostrar
suas fotos. O excesso de imagens também dificulta a edição, que vai sendo
sempre adiada. É claro que existem outras formas de divulgação, por meio
de blogs, Orkut, e-mails etc. Mas estas fotos vão ser guardadas? Como fica
a questão da fotografia como memória? Estamos vivendo um momento de
transformação, observação e discussão.

MAN IPULAÇÃO DA REALIDADE


A fotografia hoje é extremamente democrática, todos têm acesso a ela. Mas
ao mesmo tempo que a realidade digital banaliza a fotografia, torna a foto-
grafia uma linguagem poderosa. E também balança alicerces. Cartier-Bres-
son falou uma vez em "apanhar o laço da vida, captar toda a essência no
quadro de uma única fotografia". Isso quase não existe mais. Nesses tempos
em que a manipulação das imagens faz milagres, a fotografia como a ima-
gem do referente está deixando de ser uma realidade.

MENSAGEM A UM INICIANTE
Um fotógrafo se destaca dos outros por ter sensibilidade, criatividade e, prin-
cipalmente, uma linguagem própria. Para isso, é fundamental pesquisar so-
bre tudo o que já foi feito e ver o máximo de fotos possível, até garantir
uma bagagem de conhecimentos. Técnica, todos podem aprender. Por isso,
• vai fazer a diferença
um olhar individual sobre o objeto fotografado é o que
nestes tempos em que as máquinas têm cada vez mais recursos e tudo é
dado de bandeja ao fotógrafo. Hoje a preocupação com o aspecto técnico da
fotografia é menos importante do que a sua forma de expressão. No meio de
tanta gente, tanta foto, sai na frente quem consegue imprimir uma marca
própria. Para isso, tem que experimentar muito, ter o olhar atento e criar o
seu caminho.

• • • • 47
UMA HISTÓRIA DE
MUITOS INVENTORES
1 Registros históricos mostram que, mais ou menos ao mesmo tempo 7
e em diferentes lugares, estudiosos trabalharam isoladamente conce-
bendo soluções para juntar numa só máquina os conhecimentos de
duas áreas do saber: a óptica e a química. Todos procuravam criar um
mecanismo que reproduzisse a realidade e registrasse a sua imagem .

CÂMARA ESCURA
No século X, um árabe chamado Aihazen descreveu em manuscritos
como observar um eclipse solar no interior de uma câmara escura.
Esta era formada originalmente por um quarto sem nenhuma luz,
com um orifício numa das paredes que permitia projetar, na parede
oposta, uma determinada imagem na posição invertida. O quarto foi
substituído por uma caixa portátil, e o orifício, por lentes simples, num
esquema que serviu de modelo para as primeiras câmeras fotográfi-
cas. Costuma-se denominar os laboratórios atuais de "câmara escura".
No Renascimento (séculos XV e XVI), a câmara escura passou a ser uti-
lizada por grandes artistas - Leonardo da Vinci, por exemplo - como
recurso para melhor reproduzirem a realidade em seus desenhos e na
pintura. Nessa época só era possível ver as imagens através da câmara
escura, pois ainda não se conseguia fixá-las em nenhum suporte - pa-
pel, vidro etc. O pensador Aristóteles já havia demonstrado o princípio
da câmara escura três séculos antes de Cristo.

A DAGUERREOTIPIA
Em 1839, o pintor de paisagens e cenógrafo Louis-Jacques Mandé Da-
guerre criou um equipamento que se mostraria uma inestimável con-
tribuição para o desenvolvimento da fotografia: o daguerreótipo. Ele
descobriu, alguns dizem que acidentalmente, um processo químico
na revelação da imagem que diminuía radicalmente o tempo de ex-
posição, tornando o processo fotográfico mais simples. O daguerreó-
tipo - vendido ao governo francês por uma pensão vitalícia de 6 mil
francos - padronizava os processos químicos de revelação e fixação da
imagem. Também na década de 1830, o matemático húngaro Josef Pet-
zval fabricou um novo tipo de lente, conhecida como Chevalier, que
diminuía ainda mais o tempo de exposição à luz. Mas, oficialmente,
a invenção da fotografia foi comunicada pela Academia Francesa de
Ciências em 1839.

A FOTOGRAFIA NO BRASIL
A notícia da invenção do daguerreótipo chegou ao Brasil pelo jornal
Diário do Commercio, em 1º de maio de 1839. Mas o nosso país aparece
na história da fotografia como palco de experiências, seis anos antes.
O francês Hércules Florence, que morava no Rio de Janeiro, dedicou-se
a uma série de inventos, entre eles métodos de reprodução de ima-
gens, como a poligrafia e a impressão pela luz solar. Chegou a repro-
duzir rótulos de farmácias e diplomas de maçonaria, mas quando sou-
be da nova invenção vinda da Europa resolveu abandonar os estudos
nesta área.

48 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
DOM PEDRO II, FOTÓGRAFO
Em 1840, três imagens produzidas com um daguerreótipo nas proxi-
midades do Paço Imperial, de autoria do abade francês Louis Compte,
foram mostradas ao imperador Dom Pedro II, então com 14 anos. Ele
ficou fascinado com a novidade e mandou que comprassem na Eu-
ropa um equipamento idêntico ao usado pelo abade. Dom Pedro II se
tornou, assim, o primeiro fotógrafo brasileiro. E foi mais longe: como
uma espécie de patrono da fotografia, passou a atribuir títulos e hon-
rarias aos seus daguerreotipistas preferidos. Buvelot & Prat, os primei-
ros condecorados, tiveram o privilégio de usar as Armas Imperiais na
fachada de seu estúdio fotográfico.

FILME FLEXÍVEL, UMA REVOLUÇÃO


O americano George Eastman foi o principal responsável pela popu-
larização da fotografia no fim do século XIX. Em 1877, com a criação
do filme flexível, que tinha o nome de american .film, ele fez com que
a fotografia deixasse de ser domínio exclusivo de profissionais. A in-
trodução da máquina de filme de rolo flexível barateou os custos e fez
surgir muitos novos fotógrafos. Em 1888, Eastman criou a Kodak (um
nome escolhido para que fosse pronunciado facilmente em qualquer
país do mundo) e o histórico slogan: "Aperte o botão, nós faremos o
resto". Seu primeiro produto tratava-se de uma câmera pequena
(9,2 cm x 7,9 cm x 16,5 cm), em que o chassi completo comportava um
rolo de filme com 6,35 cm de largura, com base de papel e coberto com
emulsão fotossensível, com o qual se obtinham cem exposições.

BROWNIES A US$ 1
Lançada pela Kodak em 1900, a Brownie se tornaria a mais popular
máquina fotográfica da história. Vendida por apenas um dólar, ela
conquistou milhões de pessoas de baixo poder aquisitivo, que até en-
tão não tinham acesso às máquinas fotográficas. O nome veio de um
personagem de histórias em quadrinhos famoso na ~poca. E a arte de
fotografar se tornou tão popular quanto ele. "Agora, qualquer moleque
tem uma Brownie", lamentou o fotógrafo Alvin Coburn.

O SALTO PARA A COR


A tentativa de reproduzir o mundo real em fotografias, adicionando
cores, é tão antiga quanto a própria invenção da fotografia. O pesqui-
sador pioneiro nesta inovação foi o sobrinho do inventor da helio-
grafia: Niépce de Saint-Victor, que obteve os primeiros daguerreóti-
pos com leve coloração. Em 1869, os franceses Louis Ducos du Haron
e Charles Cros chegaram simultaneamente a resultados idênticos
na produção de imagens coloridas, e sem conhecimento prévio das
pesquisas um do outro. Trinta e oito anos depois, em 1907, surgiu o
primeiro processo industrial de produção de fotografias coloridas, o
Autochrome Lumiere.
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