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NELSON MARTINS
•••• ·,a- • ~
da analógica à digital
•
SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL
Editor Editor
Marília Pessoa Elvira Cardoso
(mpessoa@senac.br) (editora@rj.sen ac.br)
ISBN 978-85-7458-280-1
Ficha elaborada de acordo com as normas do SICS - Sistema de Informação e Conhecimento do Senac.
Todos os direitos desta ediçâo reservados ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. Vedada,
nos termos da lei, a reprodução total ou parcial deste livro.
Nunca se fotografou tanto quanto neste início de século XXI.
Celulares comuns, smartphones, palmtops, máquinas ana-
lógicas e digitais capturam milhões de imagens por minuto,
em todos os pontos do planeta. Fotografa-se tudo, a qualquer
momento, em qualquer lugar, sob qualquer pretexto. Entre
~ antos cliques, os profissionais que vivem de reproduzir o
mundo que passa diante de suas lentes esbarram numa rea-
lidade desafiadora: hoje, mais gue nunca, é preciso ter uma
..
linguagem própria, uma marca que faça a diferença em meio
à massa de fotógrafos emergentes.
Muito mais que a simples perpetuação de uma cena, a fotografia é um testemunho,
um depoimento silencioso que, assim como a pintura, a escultura ou outras lingua-
gens, carrega a identidade de seu autor. A mídia impressa oferece um exemplo bem
ilustrativo de autoria. Diariamente, vários fotojornalistas de diferentes órgãos de
imprensa saem às ruas para cumprir uma mesma pauta, mas as fotos publicadas
nunca serão idênticas. Na publicidade, dois fotógrafos jamais conseguirão resulta-
dos parecidos ao atender ao pedido de um diretor de arte. Isso acontece também
com fotógrafos especializados que cobrem desfiles de moda, ou com aqueles que
percorrem os circuitos noturnos da cidade em busca de flagrantes de celebridades
para as colunas sociais.
16 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
Dentro de sua especialidade e de seu estilo, cada fotógrafo privilegia e fixa um as-
pecto do que vê de acordo com sua intenção e com a bagagem de vida que carrega.
Assim como é possível identificar um artista plástico pelo estilo de suas pinceladas
sobre a tela, pelas cores que usa, pelo perfil do material empregado no trabalho ar-
tístico, também é possível que um observador atento identifique a autoria de uma
foto. A temática, a luz, o ponto de vista, a composição, os contrastes, as cores, entre
outras características da imagem, evidenciam o olhar do fotógrafo, mostrando os
aspectos a que se detém para construir sua foto.
No fotojornalismo, escalamos Evandro Teixeira e Leo Aversa, dois talentos com lin-
guagens bem distintas. O primeiro, com meio século de experiência em jornal e
ainda em plena atividade, é um dos grandes mestres da fotografia brasileira. Tem
registrado os principais momen tos da história recente do país e ainda consegue
tempo e inspiração para produzir ensaios que já renderam belos livros. Leo, há
duas décadas na profissão, é reconhecido por ter criado, com um olhar particular e
criativo, um novo conceito em retratos de personalidades.
- 30 anos. Ela foca o mercado de arte com imagens em p/b que desafiam os mais
avançados equipamentos digitais. Sem negar a contemporaneidade, pois também
usa even tualmente máquinas digitais e cores, Kitty se mantém fiel aos filmes e
revelações à moda antiga. "
Além desses quatro fotógrafos, outros igualm ente talentosos e experientes contri-
buem com seus depoimentos e imagens para a formação de uma nova geração de
profission ais. Um deles, Ricardo Pimentel, concilia a atividade de professor com a
rotina no estúdio, onde produz fotos para publicidade e desenvolve ensaios sobre
temas diversos. Ele resume o processo extraordinário de transformação que vive
hoje o mundo da fotografia:
Revolução igual a esta talvez só tenha acontecido na época em que surgiram as pri-
meiras máquinas de bolso, substituindo os enormes e pesados equipamentos de ou-
tros tempos. Se imaginarmos que durante cerca de 160 anos a utilização de filmes e
o processo de revelação foram dois conceitos básicos da fotografia e que em apenas
dez ou 15 anos eles praticamente deixaram de existir, especialmente no universo pro-
fissional, podemos ter uma dimensão do momento de transformação em que vivemos.
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UM MAR DE INFORMACÕES
UM CASO BEM-SUCEDIDO
Um caminho exemplar na busca de uma linguagem pessoal foi percorrido por Leo
Aversa. Ao começar no jornal O Globo, em 1988, ele percebeu que entre os fotógra-
fos havia um preconceito em relação às pautas do Caderno Cultural. Fotografar
18 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
Leo Aversa, Marisa Monte, 2008.
Os fotógrafos escalados para as fotos do Segundo Caderno [do jornal O Globo] quase
sempre iam de cara amarrada e faziam o que era para ser feito sem grande envolvi-
mento. Eu pensava diferente. Achava que havia ali uma boa possibilidade de criação
e, como já gostava de retratos, procurei seguir esse caminho, dando uma atenção es-
pecial aos personagens.
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UM OLHAR DIFERENTE
Este é um exercício que você pode fazer dentro de sua própria casa.
Fotografe uma cena corriqueira: as roupas no varal, a mesa do café da
manhã, a pia cheia de louça suja, o interior da geladeira, as plantas no
quintal, o enfeite em cima da estante, fotografe qualquer coisa sim-
ples. A proposta é que você observe tudo de um jeito diferente e des-
cubra maneiras novas de interpretar qualquer tema. Torne vassouras,
janelas, cadeiras, animais domésticos, portões ou fechaduras dignos
de serem fotografados de forma criativa. Tanto sua experiência quan-
to as fotografias desta atividade podem render um bate-papo entre
você e seus colegas.
L _J
Pedro Afonso Vasquez, fotógrafo, professor, curador e autor de vários livros sobre
Pedro Afonso Vasquez,Jardim fotografia, acredita que quanto mais técnicas o fotógrafo iniciante aprender, mais
Botânico, Rio de Janeiro, 1991. fácil será para ele construir o próprio olhar:
20 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
O começo do aprendizado é uma fase fundamental e muito rica. Para quem tem dis-
ponibilidade, é a hora de investir e experimentar. O principal desafio do fotógrafo é
fazer benfeito aquilo que se propôs, porque, na verdade, somente com o tempo - uns
dez anos - o profissional da imagem será capaz de formar sua identidade. Ela depende
de muita experiência e prática. O certo é buscar a forma pessoal de trabalhar sem
preocupações exageradas. Sem perder de vista o mercado, mas também sem esquecer
do instinto.
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PESQUISE E SE SURPREENDA
22 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
O RETRATO DE UMA LINGUAGEM PESSOAL
O COMEÇO
Até entrar na faculdade de comunicação, fotografar era apenas um hobby
para mim. Mesmo depois de fazer um curso de fotografia na Bloch Editores,
não considerava seriamente a possibilidade de aquilo virar uma profissão
para mim. Um dia surgiu a possibilidade de fazer um estágio de jornalismo
no O Globo e eu surpreendi o meu entrevistador ao apontar o departamento
de fotografia como a segunda opção entre as minhas preferências de área.
A primeira era a editoria internacional. Ele me explicou que não havia progra-
ma de estágio na fotografia, mas ligou dois dias depois para dizer que, se eu
quisesse, poderia ficar um mês acompanhando os fotógrafos da casa, infor-
malmente. Eu topei na hora. Passou um mês, dois meses, três meses, um ano,
até que me formei e acabei contratado. Isso foi em 1988 e estou lá até hoje.
LINGUAGEM PESSOAL
Na época em que entrei no jornal O Globo ainda havia a visão ultrapassada
de que fotojornalismo se resumia a entrar em favelas, fotografar polícia e
bandidos em ação. As pautas para o Segundo Caderno eram totalmente des-
prezadas. Os fotógrafos costumavam fotografar os entrevistados durante a
conversa com o repórter, usando 01,jetivas. Captavam os movimentos, as ex-
pressões, mas nada muito além disso. Eu optei por um outro olhar. Depois de
estudar previamente o universo do personagem em foco e o contexto da en-
trevista, passei a sugerir locações e até figurinos adequados para a situação.
Usando quase sempre a luz natural, deixei de fotografar os entrevistados du-
rante as entrevistas, pedindo sempre alguns minutos de exclusividade para as
fotos. Enquanto elas eram feitas, tentava deixá-los bem à vontade no cenário
escolhido. O resultado foi excelente, pois as fotos ganharam espaço e agra-
daram leitores e entrevistados. Eu optei por um olhar diferente e acho que de
alguma forma ajudei a mudar o conceito que se tinha de "foto para jornal".
CULTO ÀS CELEBRIDADES
No início da década de 1990, esse tipo de foto ganhou impulso com a onda
de culto às celebridades que invadiu o mundo editorial. Muitos personagens
que antes se mostravam arredios aos pedidos para poses passaram a posar
24 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
espontaneamente - ou pelo menos a aceitar sem problemas os apelos dos
fotógrafos. Nos Estados Unidos, a preocupação com a imagem é tão para-
noica que as grandes personalidades, especialmente astros do cinema e da
música, escolhem o fotógrafo e aprovam o material a ser publicado. Aqui no
Brasil, não se chega a tanto, mas muitas vezes os entrevistados me pedem
para mostrar na hora como ficaram as fotos e me sugerem escolher essa
ou aquela em que se julgam mais bonitos. Nessa hora, temos que ter jogo
de cintura.
REFERÊNCIAS E INFLUÊNCIAS
Tudo o que vemos ao longo da vida influencia, em maior ou menor grau,
naquilo que fazemos profissionalmente. Me impressionou muito, por exem-
plo, o filme Faça a coisa certa, do Spike Lee, pela inovação com uma estética
de imagens estouradas, vivas. Da mesma forma, a fotógrafa Anne Leibovitz,
mestre em retratos, me influenciou ao usar luz artificial em fotos bem po-
sadas. Essas tendências demoravam às vezes dez anos para chegar ao Brasil,
mas hoje a internet tornou esse processo mais rápido. Outras referências
importantes para a minha formação foram Anton Corbijn, que tem fotos
maravilhosas dos bastidores do U2; o pintor Edward Hopper, que trata da
solidão num estilo fotográfico; e Andréas Gurzky, com suas imagens de pai-
sagens urbanas e de imensidões. Entre as influências clássicas, é inevitável
citar Cartier-Bresson.
ANALÓGICO X DIGITAL
Eu uso, no meu dia a dia, uma Canon Mark III profissional de 11 megapi-
xels. Uma máquina excelente. Comparar hoje as possibilidades das máqui-
nas analógicas e seus filmes com as possibilidades das máquinas digitais é
como comparar cinema falado com cinema mudo. Logo que surgiu o cinema
falado, é claro que muita gente se revoltou contra o que considerava um total
absurdo, mas houve uma aceitação gradual e atualmente não conheço um
cineasta que pense em fazer filmes mudos. Da mesma forma, ainda há os
puristas, os que ainda usam Rolleiflex e acham que o mundo digital bana-
liza a fotografia. Eu os respeito e acho que ainda por um"bom tempo haverá
algum espaço para eles, mas acredito que hoje as pessoas estão mais preo-
cupadas com o resultado.
MANIPULAÇÃO EM FOTOJORNALISMO
Existem dois tipos de fotos no jornalismo: as que não podem ser retocadas
de forma alguma, sob risco de perda de credibilidade; e as que permitem
algum tipo de manipulação, por já serem sabidamente produzidas. É o caso
das fotos de gastronomia, de moda e também dos retratos, em que se esco-
lhem locação, figurinos, adereços, poses e até horários convenientes a uma
melhor captação de luz. Mas mesmo nessas fotos ainda existe muita resis-
tência à manipulação nas redações. Isso é uma discussão que só acontece
no Brasil. Eu acho que esse purismo deve ficar restrito ao fotojornalismo
clássico, em que a realidade não pode ser maquiada.
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PAIXÃO PELO QUE SE FAZ
Em qualquer profissão, o pior que pode acontecer é perder o tesão, a motiva-
ção de fazer algo diferente, de crescer, de ser reconhecido. Quando se ama o
que se faz, essa situação é mais rara. Mas é preciso cultivar essa paixão com
o máximo possível de informações sobre o que está acontecendo no mundo
e no mercado. É fundamental visitar sites como os do New York Times e Times
Magazine, ir a museus e galerias, estar com a cabeça aberta e antenada com
as novas tendências tanto estéticas quanto técnicas.
VISÃO DE FUTURO
A evolução está muito rápida. Minha primeira máquina digital tinha 1,3 me-
gapixel e hoje há câmeras de até 40 megapixels. Não sei exatamente onde
isso vai parar, mas posso tentar uma direção, voltando no tempo. Até o surgi-
mento da fotografia, era a pintura que reproduzia a realidade. Com as fotos, a
pintura se libertou, permitindo o aparecimento de vários movimentos. Com
a fotografia profissional, acho que pode acontecer o mesmo processo. Cada
vez mais ela vai se descolar da realidade e permitir visões mais abstratas e
muito particulares. Tenho a impressão de que o registro da realidade vai ser
transferido para as pessoas comuns e suas máquinas cada vez mais podero-
sas. A fotografia vai ter que rever sua função estética na sociedade.
PALAVRAS A UM INICIANTE
Se um dia um avião enorme cair na sua frente e você tiver a sorte de ser o
único a fotografar, parabéns! Deixando de lado, neste contexto, a tristeza
pela tragédia, certamente sua carreira de fotógrafo vai ganhar um impulso
incrível. Mas a chance de isso acontecer é menor do que acertar na mega
sena. Portanto, não espere pelas oportunidades. Estude, experimente, tente
desenvolver sua própria linguagem. Pouco tempo atrás, a fotografia servia
para mostrar o mundo. Hoje serve também para isso, mas muito mais para
mostrar a SUA visão do mundo. É preciso ter algo a dizer - e dizer de manei-
ra eficiente. Não existe mais novidade. Quando se mostra hoje uma foto de
guerra ou de uma criança passando fome, deve-se levar em conta que todos
" raquíticas. Tudo já foi mostrado, então
já viram mil fotos de guerra e crianças
só nos resta tentar mostrar de uma forma diferente.
26 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
[FOTOJORNALISMO E DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA]
No início da década de 1930, o francês Henri Cartier-Bresson descobriu a fotografia.
Duas décadas depois, já como repórter fotográfico das revistas Life e Vogue, tinha
se transformado no líder de uma geração de fotógrafos e num dos fundadores da
agência Magnum. Hoje, para muitos, é o pai do fotojornalismo. Em linhas gerais,
ele achava que o importante não era a técnica, mas a intuição. Para Bresson, que
correu o mundo com sua inseparável câmera Leica, era preciso estar sempre atento
para captar "o momento decisivo" - expressão que usava para se referir ao instante,
ao gesto fugaz, à situação humana que, perdida, seria irrecuperável.
A fotografia tem mesmo esse caráter memorial. Ela fixa o que nunca vai se repetir,
pode preservar a memória de um tempo e mostrar a evolução cronológica dos fatos.
Os fotojornalistas têm esse papel, mas não estão sozinhos na tarefa de ajudar a
reconstruir a História. Fotógrafos documentaristas também contribuem - e muito -
para o trabalho de historiadores.
O trabalho desses fotógrafos tem valor inestimável para a iconografia das cidades,
como documento da paisagem que as envolvia, sua arquitetura, o crescimento de-
sordenado, as ruas e estradas, seus personagens eternizados - garrafeiros, índios,
mascates, escravos, cesteiros, funileiros, aristocratas.
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O BRASIL EM IMAGENS 1 O Instituto Moreira Salles preserva atualmente um acervo fotográfico 7
de mais de 450 mil imagens sobre o Brasil do século XIX e da primeira
metade do século XX: Albert Frisch, Marc Ferrez, Augusto Malta, Militão
Augusto de Azevedo, Augusto Riedel, Felipe Augusto Fidanza, George
Leuzinger e Augusto Stahl, Claude Lévi-Strauss, Madalena Schwartz,
Marcel Gautherot, Hildegard Rosenthal, Juca Martins, entre outros.
Para abrigar essa valiosa coleção, o IMS construiu uma Reserva Técni-
ca projetada de acordo com os padrões internacionais de conservação
para acervos fotográficos históricos e contemporâneos. O Instituto
conta com centros culturais localizados em três estados - um no Rio
de Janeiro, que abriga a Reserva Técnica Fotográfica e uma Reserva
Técnica Musical; dois em Minas Gerais (Belo Horizonte e Poços de Cal-
das) e um em São Paulo. Paralelamente, o IMS desenvolve um intenso
trabalho de difusão por meio de exposições e publicações dedicadas à
fotografia brasileira. Na Internet, pesquisadores e interessados podem
acessar mais de duas mil fotografias selecionadas do acervo. Vale a
pena conhecer esses centros culturais e visitar o site www.ims.com.br.
Acervo Instituto
Moreira Salles.
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MARC FERREZ 1 Filho de franceses e nascido no Rio de Janeiro em 1843, Marc Ferrez 7
UMA VIDA DEDICADA é um nome de peso na história da fotografia brasileira. Discípulo do
À FOTOGRAFIA suíço George Leuzinger, dono do mais renomado estúdio fotográfico
do Rio em meados do século XIX, Ferrez inaugurou seu próprio ne-
gócio em 1867, aos 24 anos. Registrando por todos os ângulos a bela
cidade em que nasceu, seus personagens célebres e anônimos, e epi-
sódios marcantes como os festejos públicos ao término da Guerra do
Paraguai, o fotógrafo logo se tornou um dos preferidos da Família Real.
Em 1877, Ferrez foi convidado por Dom Pedro II a integrar a Comissão
Geológica do Império e partiu numa expedição pelo Nordeste, onde
fotografou pela primeira vez os índios da tribo Botocudo na Bahia. As
fotos foram exibidas em diversas exposições no Brasil, França e EUA.
28 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
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De lá pra cá, o fotojornalismo foi ganhando espaço na mídia impressa, graças aos
avanços tecnológicos que garantem qualidade de reprodução. Isso pode ser com-
provado se compararmos os jornais de hoje e os editados há 50 anos. A possibili-
dade de imprimir fotos coloridas foi outra revolução. E atualmente a maioria dos
jornais e revistas usa processos digitais sofisticados na produção, reprodução e ar-
mazenamento de imagens.
Sonia Firmo, Ponte Rio-Niterói,
Rio de Janeiro, 2009.
O PAPEL DO FOTOJORNALISTA
Não há fato que dispense a cobertura fotojornalística. Imagem e texto se comple-
mentam no jornalismo moderno: a primeira, mais emocional e sintética, atinge
logo e diretamente o leitor; o segundo, mais racional e analítico, leva mais tempo
para ser assimilado. Mas a contribuição do fotojornalismo vai além da documenta-
ção iconográfica. Ele também criou uma linguagem peculiar, com códigos próprios
e formas características de trabalhar os elementos da fotografia. Cabe aos fotojor-
nalistas a importante missão de nos levar ao local da ação, no instante exato em
que ela acontece.
30 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
Evandro Teixeira, Queda do
motociclista da FA8, Aterro do
Flamengo, Rio de Janeiro, 1965.
Um exemplo clássico de sucesso nessa missão é a fotografia que deu fama ao bra-
sileiro Sebastião Salgado, em 1989. Ele foi o único a registrar o atentado contra o
então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan. Rompendo as fronteiras do
fotojornalismo, foi bem mais longe ao construir um trabalho em que combina do-
cumentação histórica e arte. Entre seus muitos ensaios que retratam a condição
humana, podemos destacar as séries fxodos, Outras Américas, Serra Pelada e O berço
da desigualdade. Nelas, Sebastião Salgado retrata os efeitos da guerra, da fome, de
catástrofes naturais ou do enorme abismo que separa os ricos dos pobres. Visite o
site: www.terra.com. br/sebastiaosalgado.
Uma bagagem de meio século, carregada de imagens que permanecerão vivas para
sempre na memória de milhões de pessoas, faz de Evandro Teixeira um dos gran-
des mestres do fotojornalismo brasileiro. Aos 72 anos, 46 deles dedicados ao Jornal
do Brasil, esse baiano de Jequié mostra o entusiasmo de um iniciante ao falar de seu
último trabalho, o belíssimo ensaio que ilustra a edição comemorativa dos 70 anos
de Vidas secas, obra de Graciliano Ramos. É o sétimo livro que lança, entre muitos
outros em que aparece como colaborador. De desfiles de escolas de samba a jogos
de Copa do Mundo, passando por exibições de atletas olímpicos, cenas cotidianas
do Rio e flagrantes da ditadura, muitos eventos e personagens já passaram diante
das lentes de Evandro. Aposentadoria? Nem pensar. "Enquanto eu estiver vivo, vou
ter uma câmera à mão".
O COMEÇO
Comecei a fotografar na década de 1950, ainda na Bahia. Cheguei a conside-
rar a ideia de ser escultor, mas ao ver uma série de fotografias de José Mon-
teiro em uma edição da revista O Cruzeiro, descobri que queria ser fotógrafo.
Aquilo mudou a minha vida. Cheguei ao Rio em 1957 e no ano seguinte já
era fotógrafo do Diário da Noite. Em 1962 fui contratado pelo Jornal do Brasil
e estou lá até hoje. Naquela época, depois de uma mudança gráfica radical,
o Jornal do Brasil era o que havia de mais moderno no jornalismo brasilei-
ro, abrindo grandes espaços para a fotografia. Nós ganhávamos muito bem,
mais que os repórteres. Eram outros tempos, em que quase não se usava o
flash e se valorizava muito a luz disponível.
MÁQUINAS
Nos primeiros tempos como fotógrafo usei os melhores equipamentos da
época, como Rolleiflex, Leica, Speed Graphic. Guardo com carinho várias des-
sas máquinas antigas que me acompanharam. Hoje sou fiel à Canon. Tenho
duas digitais profissionais T-2000, com 20 megapixels, mas ainda uso às ve-
zes uma das três Leicas analógicas que guardo há décadas. Uma delas é de
1957 e funciona perfeitamente. Não descarto também a praticidade de uma
câmera digital de bolso, de 10 megapixels. No dia a dia, nem sempre é con-
fortável ir para a rua com um equipamento pesado.
O MUNDO DIGITAL
Como fotojornalista, foi impossível não me render aos avanços da tecnolo-
gia, pois rapidez é fundamental em nosso ofício e a foto digital garante essa
velocidade. Atualmente, os equipamentos são bem mais leves e têm uma
qualidade excepcional, com câmeras que chegam a 22 megapixels de defini-
ção. Para se ter uma ideia desta evolução nos últimos anos, posso dizer que
nos Jogos de Sydney, em 2000, havia apenas um fotógrafo brasileiro usando
equipamento digital. Em 2004, nos Jogos de Atenas, todos já usavam, inclu-
sive eu. Mas minha máquina era de apenas 4,2 mega. Hoje uso uma com 20
mega, mas já existem câmeras com definição ainda maior. Numa outra com-
paração, posso dizer que em 2000, com mais de 1.500 fotógrafos cobrindo as
Olimpíadas, eu perdia de cinco a seis horas para conseguir revelar os filmes.
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Depois ainda tinha que editar o que mandaria para o Brasil. Em 2004, eu co-
bri o ouro do Torben Grael na vela e, dois minutos depois de chegar em terra
firme, as imagens da conquista já estavam no Brasil. É fundamental lembrar
que os custos da fotografia digital são bem mais baixos do que os da fotogra-
fia analógica. O preço das câmeras vem caindo muito, também.
A FOTOGRAFIA BRASILEIRA
Não há dúvida de que os fotógrafos brasileiros estão entre os melhores do
mundo. Existe atualmente um grande intercâmbio no meio e o nosso tra-
balho é reconhecido no exterior. Novas galerias vão surgindo e há mais es-
paço para mostrar fotografias. Não só nos grandes centros, como o Rio de
Janeiro, mas até em estados mais isolados como Pará e Acre. Pude constatar
isso mais uma vez na última edição do Parati em Foco, um evento que atrai
grandes fotógrafos estrangeiros e também profissionais de todo o Brasil. Foi
muito gratificante ver trabalhos de alta qualidade o interesse que eles des-
pertavam no público.
REFERÊNCIAS
•
Minha primeira referência como fotógrafo foi José Medeiros, que marcou
época na revista O Cruzeiro nos anos 50. Antes de vir para o Rio, fiz um curso
por correspondência com ele. Naquela época, eram muito comuns os cur-
sos por correspondência. Fora do Brasil, meus mestres foram os americanos
Eugene Smith e Arthur Fellig, conhecido como Weegee, o peruano Martin
Chambi e o húngaro Robert Capa, entre outros. É claro que nessa lista entra
também o Cartier-Bresson, que é um papa da fotografia, mas há vários fotó-
grafos tão importantes quanto ele e que não tiveram a mesma mídia.
34 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
lizado com o que está acontecendo. Eu leio muito sobre fotografia, assino
revistas especializadas, compro livros com ensaios, tento saber as novidades
das feiras internacionais.
A BANALIZAÇÃO DA FOTO
Hoje todo mundo se acha fotógrafo. As câmeras fazem quase tudo sozinhas
e estimulam essa ideia. Mas acredito que a tecnologia não substitui o talen-
to. Ajuda, mas não substitui. Vai ter sempre espaço para o bom profissional,
aquele que tem um olhar diferente sobre as coisas. Acho também que o ex-
Evandro Teixeira, Tomada do
cesso de fotos tiradas em máquinas digitais dificulta muito a edição. Não é Forte de Copacabana, Rio de
fácil escolher dez fotos entre mil. Janeiro, 1964.
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[A FOTOGRAFIA NA PUBLICIDADE]
Vender. Não há como negar: a fotografia publicitária trabalha essencialmente com
o verbo que move o sistema capitalista. Para isso, precisa criar objetos de desejo,
sempre efêmeros. Nossos olhos comprovam diariamente, em outdoors ou na lei-
tura de jornais e revistas, que a fotografia refresca, abre o apetite, deixa um aro-
ma no ar, muda comportamentos. Ela induz, seduz e cria necessidades que antes
não existiam.
Num mercado competitivo como o de hoje, é fundamental fisgar o consumidor
antes que o concorrente o faça. Para atingir esse objetivo, a regra número um é
estabelecer uma boa comunicação com seu público-alvo. Em outras palavras, é pre-
ciso anunciar com qualidade, o que exige profissionais especialistas em fotos pu-
blicitárias. Como vendedores, os fotógrafos que atuam nesta área precisam ter os
olhos voltados para a construção de uma imagem que atraia o olhar do comprador,
mesmo que isso signifique fugir da realidade - e quase sempre significa.
36 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
Em truques bem mais simples, o molho ao sugo pode ser uma mistura feita com
tinta vermelha. E o brilho de frutas suculentas surge num piscar de olhos após uma
pincelada de óleo de soja. Hoje, com softwares de manipulação cada vez mais so-
fisticados, essa maquiagem pode ser feita diretamente na tela do computador, com
resultados de fazer cair o queixo.
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TRANSFORMANDO IDEIAS EM (QUASE) REALIDADE
O COMEÇO
Comecei a me interessar por fotografia aos 19 anos, na faculdade. Um profes-
sor, especialmente, teve importância muito grande na descoberta desta voca-
ção: Hugo Denizart. Era um cara conhecido, que já tinha exposto na Europa e
em outras partes do mundo. Sua cultura fotográfica e a paixão pelo que fazia
me seduziram. Comecei então a tirar muitas fotos com uma velha Leica que
meu pai comprou no dia exato em que eu nasci, e uma delas impressionou o
Denizart, que a usou numa aula como exemplo de sensibilidade fotográfica.
Ele gostou tanto que botou uma cópia na parede do laboratório da faculda-
de e me elegeu "o cara", gerando até alguma ciumeira na turma. Aquilo foi
um estímulo e tanto. Na mesma época, fiz uma viagem de férias ao Peru e à
Bolívia. Com a inseparável Leica, não parei de clicar tudo o que via. Na volta,
tive a ajuda do Denizart para editar o material, que acabou se transformando
na minha primeira exposição: "O mundo Quéchua". Me lembro que vendi
várias fotos. A partir dali, as coisas começaram a acontecer naturalmente.
Meu primeiro trabalho profissional foi como still (o fotógrafo das cenas para
divulgação) do filme Garota dourada. Depois tive a mesma função em dois fil-
mes do Ivan Cardoso e, simultaneamente, comecei a dar.ps meus primeiros
passos na publicidade. Nessa mudança de rota, tiveram grande importância
dois cursos que fiz enquanto estava na faculdade, com o americano Richard
Welton e o belga Michel Aertsens, dois mestres da fotografia publicitária. O
caminho natural foi alugar um estúdio e sair em busca de novos clientes. Ao
me formar, eu já vivia da fotografia, alternando trabalhos como still e cam-
panh as publicitárias. Quando fiz o primeiro grande trabalho para agências,
um catálogo da Vulcan, decidi que era aquele o melhor caminho.
AS PRIMEIRAS REFERÊNCIAS
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CRESCIMENTO PROFISSIONAL
Depois da Vulcan, novos convites de trabalho foram surgindo e o crescimen-
to foi natural. Me mudei, em 1983, para o estúdio onde trabalho até hoje e me
especializei inicialmente em fotos de produtos. Com o dinheiro que ganhava,
investia em novos equipamentos e me mantinha atualizado sobre tudo o
que acontecia lá fora e o que o mercado publicitário exigia. Entre 1992 e 1996,
dei aulas de fotografia na Faculdade da Cidade. Mas, com o crescimento da
oferta de trabalho, optei por abandonar a carreira de professor. Os pedidos
de orçamento aumentaram, mas aumentava também a cobrança de qua-
lidade por parte das agências. Eu decidi acompanhar esse processo como
ponta de lança, brigando sempre pelos melhores clientes. Num determinado
momento, percebendo o potencial do mercado paulista, tentei me manter
em duas frentes, abrindo um estúdio em São Paulo, mas percebi em pouco
tempo que o esquema ponte-aérea não funcionaria, por conta principalmente
da minha vida pessoal, da importância de estar perto do meu filho, dos meus
amigos. Dirigi então meu foco para o Rio e não me arrependo. Criei uma mar-
ca de qualidade e tenho colhido bons frutos do que plantei.
ANALÓGICO X DIGITAL
Cada vez mais a fotografia avança na direção da arte. Em publicidade, não é
mais possível imaginar uma fotografia sem Photoshop. E a cada momento
surgem novas possibilidades, como o 3D, a integração com a ilustração. O
mundo moderno pede isso, o que se quer é ver uma coisa bonita, uma ima-
gem interessante. Por conta dessa realidade, não digo mais que tenho um es-
túdio fotográfico. Tenho um estúdio de imagem. Não existe mais lugar para
o purismo. Todos se renderam ao mundo digital. Quer dizer, quase todos. É
claro que ainda há espaço para os filmes - especialmente em fotos p/b, eles
ainda fazem a diferença. Mas, sinceramente, acho que com uma boa mani-
40 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
pulação e algum tempo disponível até isso é possível reproduzir. Mas essa
não é uma demanda do mercado publicitário.
O BOM FOTÓGRAFO
Olho é tudo. Em publicidade, é preciso ter sensibilidade para conseguir bons
enquadramentos e ser detalhista, perfeccionista. É claro que uma boa baga-
gem profissional ajuda a desenvolver esses talentos e a impor nossas pró-
prias ideias quando há possibilidade. Mas esse mercado exige algo mais -
uma certa vocação para o negócio, uma cabeça de empresário. É importante
saber se vender. E para isso uma rede de relacionamentos e um bom portfó-
lio são fundamentais. Vale até produzir fotos especialmente para o portfólio.
Estar atualizado em termos de tendências e equipamentos também é uma
marca dos fotógrafos que querem se manter atuantes. O mercado está com-
petitivo demais e quem não evolui perde espaço em pouco tempo. Finalmen-
te, acho que a capacidade de engolir sapos de vez em quando e uma dose
de sorte completam o leque de características dos fotógrafos publicitários
bem-sucedidos.
- -- ·-• · · 41
[FOTOGRAFIA COMO OBRA DE ARTE]
Até o surgimento da fotografia, cabia principalmente aos pintores a missão de
reproduzir a realidade. Diante dos surpreendentes resultados conseguidos pelas
novas tecnologias na captação de imagens (e também de outras inovações que
aceleraram o olhar do homem, como o cinema, o automóvel, o avião), a pintura se
libertou e tomou outras direções, dando origem a vários movimentos e correntes
de vanguarda que desaguaram no modernismo.
VikMuniz,
At las (Carlão), 2009
[Pictures of Garbage].
42 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
1 1 • , .,,,,,, ,
Outro fotógrafo que faria bonito em qualquer parede é Vik Muniz, que mistura em
seu processo de criação fotografia, escultura, gravura e pintura. A câmera fotográ-
fica está sempre presente nas diferentes etapas do trabalho, mas geralmente é
usada para o registro dos resultados: Mona Lisa com pasta de amendoim, a série
"Crianças de Açúcar", as montagens com lixo, a "Última Ceia" desenhada com calda
de chocolate, um autorretrato com brinquedos de plástico, entre outros.
Noutra direção, se há ainda um reduto em que a fotografia digital não tenha atro-
pelado a analógica, esse é o do mercado de arte. Nele, há espaço para o experimen-
talismo de Vik Muniz e também para a essência das lições de grandes mestres do
passado. Nos trabalhos de Kitty Paranaguá, por exemplo, novos olhares sobre a
cidade e seus personagens convivem em harmonia com velhas técnicas - como a
da revelação em p/b. Kitty faz parte de um grupo que cultua filmes de 35 mm e a
imersão de papel fotográfico em misturas químicas, em busca de tons, sombras e
texturas ainda não igualadas pela tecnologia digital.
• • • 43
ARTE MODERNA À MODA ANTIGA
O COMEÇO
Sempre gostei de fotografar. Não por acaso, fiz na adolescência alguns ami-
gos que tinham a mesma paixão. Estávamos sempre juntos, fotografando
nosso grupo e nossas viagens. Como um deles tinha um laboratório em
casa, nos reuníamos também para revelar as fotos e fazer cópias. Eu ado-
rava aquilo. Na hora de escolher uma profissão, optei por comunicação, que
na época juntava jornalismo e publicidade e era o que mais próximo havia
da fotografia. Logo no primeiro estágio, numa agência, tive a sorte de en -
centrar um grande mestre - o que me deu a certeza de estar no caminho
certo. Richard {Dick) Welton, um fotógrafo que trabalhava como freelancer
para aquela agência, adorava ensinar o que sabia. E eu adorava aprender. Era
muito curiosa em relação àquele novo mundo que se abria e conversávamos
horas sobre fotografia. Senti que não queria fazer outra coisa da vida.
O PRIMEIRO EMPREGO
Eu ainda estagiava na agência de publicidade quando um grande amigo con-
seguiu um emprego no departamento de fotografia do Jornal do Brasil. Ele
percebeu que aquele era o meu mundo e insistiu muito para que eu fosse
tentar um estágio lá. Consegui. Comecei estagiando, sugando tudo o que
podia dos dois primeiros grandes chefes que eu tive: Alberto Ferreira e Cam-
panella Neto. Havia uma seleção de craques que faziam • do JB da época uma
referência nacional em termos de fotografia. Era um timaço, Evandro Teixei-
ra, Carlos Mesquita, Rogério Reis, Cinthia Brito e AlmirVeiga, entre outros. Ao
todo, foram quatro anos de Jornal do Brasil.
MUDANÇA DE ROTA
Um dia percebi que precisava crescer em outras direções e saí do JB. Me tor-
nei sócia de dois outros fotógrafos e passei a me especializar em publicidade.
Um deles se afastou e ficamos eu e o Ricardo Pimentel, também ex-discípulo
de Dick Welton, tocando a Artefoto. Fazíamos catálogos de indústrias e aqui-
lo me ensinou muito também. Tínhamos que criar uma luz adequada e cui-
dar de todos os outros detalhes de produção. Fazer belas fotos daqueles am-
bientes áridos, daquelas estruturas imensas (... ). Era um desafio. Aos poucos,
foram surgindo convites de trabalho relacionados a interiores e arquitetura.
Com a experiência que fui ganhando em centenas de fotos para revistas,
anúncios e catálogos, acabei me especializando nessa área.
• • • 45
LINGUAGEM PRÓPRIA
Desde os primeiros tempos, nunca deixei de fotografar para mim. O olhar
precisa ser exercitado com ou sem câmera, acho que o fotógrafo está sempre
recortando a sua realidade. A cidade é uma constante nos meus trabalhos
e arquitetura sempre foi uma referência muito forte. Sou particularmente
interessada por Copacabana, bairro onde nasci. Tenho uma ligaçâo afetiva
com o bairro que fotografo há alguns anos e já foi tema de uma exposição.
Sempre trabalhei com a fotografia p/b, mas depois das máquinas digitais
passei a incorporar a cor ao meu trabalho e a usar as dificuldades que ain-
da sinto de lidar com esta nova tecnologia para expandir a minha maneira
de ver.
MERCADO DE ARTE
No Brasil, a fotografia apenas engatinha no mercado de arte. Mas é inegável
a conquista de espaço nos últimos tempos. Iniciativas como as do Instituto
Moreira Salles e de festivais como o FotoRio, FotoArte e Paraty em Foco, entre
outros que divulgam e valorizam a arte fotográfica, têm um papel impor-
tante nisso. O Instituto, além de recuperar e preservar um acervo fantástico,
organiza seguidas exposições no Rio. O FotoRio, promovido a cada dois anos
por Milton Guran, possibilita um valioso intercâmbio ao trazer fotógrafos
do exterior para que mostrem seus trabalhos e conheçam o que é feito aqui.
•
Outra iniciativa é o Circuito de Fotografia - primeira feira de arte voltada
exclusivamente para a fotografia, realizada em São Paulo.
REFERÊNCIAS
Os mestres Josef Koudelka e Brassai: são duas referências importantes na mi-
nha formação. Koudelka nasceu na antiga Tchecoslováquia e ficou famoso
ao fotografar (e publicar num jornal americano) imagens da violenta invasão
soviética à Romênia em 1968. É autor de 12 livros, com ensaios maravilho-
sos, e colecionador de prêmios. Brassai: é húngaro e se destacou na primeira
metade do século XIX com fotografias em p/b de Paris e seus habitantes, em
belíssimas composições de luz e sombras. Entre os modernos, o inglês Mar-
tin Parr tem um trabalho que adoro, com muito humor.
46 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
MOMENTO ATUAL
A fotografia, de forma geral, vive um momento bastante rico, com o surgi-
mento de novos caminhos e os milhões de possibilidades que a fotografia
digital permite. Ficou muito fácil fotografar: depois do custo da máquina, o
clique passa a ter custo zero. Antes, as imagens eram pensadas, esperadas,
visualizadas. Agora, a ordem é registrar tudo. O mundo está sendo tomado
por imagens. Pessoas se fotografam o tempo todo. Parece que, para vivermos
"o momento", temos que registrá-lo. É como se, sem imagem, não houves-
se realidade. A fotografia digital trouxe muitas questões novas que ainda
não foram nem dimensionadas nem digeridas. Tudo é muito etéreo. As fotos
ficam armazenadas nos computadores e podem desaparecer pela ação de
um vírus mais poderoso. As pessoas perderam o hábito de copiar e mostrar
suas fotos. O excesso de imagens também dificulta a edição, que vai sendo
sempre adiada. É claro que existem outras formas de divulgação, por meio
de blogs, Orkut, e-mails etc. Mas estas fotos vão ser guardadas? Como fica
a questão da fotografia como memória? Estamos vivendo um momento de
transformação, observação e discussão.
MENSAGEM A UM INICIANTE
Um fotógrafo se destaca dos outros por ter sensibilidade, criatividade e, prin-
cipalmente, uma linguagem própria. Para isso, é fundamental pesquisar so-
bre tudo o que já foi feito e ver o máximo de fotos possível, até garantir
uma bagagem de conhecimentos. Técnica, todos podem aprender. Por isso,
• vai fazer a diferença
um olhar individual sobre o objeto fotografado é o que
nestes tempos em que as máquinas têm cada vez mais recursos e tudo é
dado de bandeja ao fotógrafo. Hoje a preocupação com o aspecto técnico da
fotografia é menos importante do que a sua forma de expressão. No meio de
tanta gente, tanta foto, sai na frente quem consegue imprimir uma marca
própria. Para isso, tem que experimentar muito, ter o olhar atento e criar o
seu caminho.
• • • • 47
UMA HISTÓRIA DE
MUITOS INVENTORES
1 Registros históricos mostram que, mais ou menos ao mesmo tempo 7
e em diferentes lugares, estudiosos trabalharam isoladamente conce-
bendo soluções para juntar numa só máquina os conhecimentos de
duas áreas do saber: a óptica e a química. Todos procuravam criar um
mecanismo que reproduzisse a realidade e registrasse a sua imagem .
CÂMARA ESCURA
No século X, um árabe chamado Aihazen descreveu em manuscritos
como observar um eclipse solar no interior de uma câmara escura.
Esta era formada originalmente por um quarto sem nenhuma luz,
com um orifício numa das paredes que permitia projetar, na parede
oposta, uma determinada imagem na posição invertida. O quarto foi
substituído por uma caixa portátil, e o orifício, por lentes simples, num
esquema que serviu de modelo para as primeiras câmeras fotográfi-
cas. Costuma-se denominar os laboratórios atuais de "câmara escura".
No Renascimento (séculos XV e XVI), a câmara escura passou a ser uti-
lizada por grandes artistas - Leonardo da Vinci, por exemplo - como
recurso para melhor reproduzirem a realidade em seus desenhos e na
pintura. Nessa época só era possível ver as imagens através da câmara
escura, pois ainda não se conseguia fixá-las em nenhum suporte - pa-
pel, vidro etc. O pensador Aristóteles já havia demonstrado o princípio
da câmara escura três séculos antes de Cristo.
A DAGUERREOTIPIA
Em 1839, o pintor de paisagens e cenógrafo Louis-Jacques Mandé Da-
guerre criou um equipamento que se mostraria uma inestimável con-
tribuição para o desenvolvimento da fotografia: o daguerreótipo. Ele
descobriu, alguns dizem que acidentalmente, um processo químico
na revelação da imagem que diminuía radicalmente o tempo de ex-
posição, tornando o processo fotográfico mais simples. O daguerreó-
tipo - vendido ao governo francês por uma pensão vitalícia de 6 mil
francos - padronizava os processos químicos de revelação e fixação da
imagem. Também na década de 1830, o matemático húngaro Josef Pet-
zval fabricou um novo tipo de lente, conhecida como Chevalier, que
diminuía ainda mais o tempo de exposição à luz. Mas, oficialmente,
a invenção da fotografia foi comunicada pela Academia Francesa de
Ciências em 1839.
A FOTOGRAFIA NO BRASIL
A notícia da invenção do daguerreótipo chegou ao Brasil pelo jornal
Diário do Commercio, em 1º de maio de 1839. Mas o nosso país aparece
na história da fotografia como palco de experiências, seis anos antes.
O francês Hércules Florence, que morava no Rio de Janeiro, dedicou-se
a uma série de inventos, entre eles métodos de reprodução de ima-
gens, como a poligrafia e a impressão pela luz solar. Chegou a repro-
duzir rótulos de farmácias e diplomas de maçonaria, mas quando sou-
be da nova invenção vinda da Europa resolveu abandonar os estudos
nesta área.
48 O OLHAR DO FOTÓGRAFO
DOM PEDRO II, FOTÓGRAFO
Em 1840, três imagens produzidas com um daguerreótipo nas proxi-
midades do Paço Imperial, de autoria do abade francês Louis Compte,
foram mostradas ao imperador Dom Pedro II, então com 14 anos. Ele
ficou fascinado com a novidade e mandou que comprassem na Eu-
ropa um equipamento idêntico ao usado pelo abade. Dom Pedro II se
tornou, assim, o primeiro fotógrafo brasileiro. E foi mais longe: como
uma espécie de patrono da fotografia, passou a atribuir títulos e hon-
rarias aos seus daguerreotipistas preferidos. Buvelot & Prat, os primei-
ros condecorados, tiveram o privilégio de usar as Armas Imperiais na
fachada de seu estúdio fotográfico.
BROWNIES A US$ 1
Lançada pela Kodak em 1900, a Brownie se tornaria a mais popular
máquina fotográfica da história. Vendida por apenas um dólar, ela
conquistou milhões de pessoas de baixo poder aquisitivo, que até en-
tão não tinham acesso às máquinas fotográficas. O nome veio de um
personagem de histórias em quadrinhos famoso na ~poca. E a arte de
fotografar se tornou tão popular quanto ele. "Agora, qualquer moleque
tem uma Brownie", lamentou o fotógrafo Alvin Coburn.