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fotografemelhor.com.br
n0 306 | Ano 26
Criatividade com a
GRANDE ANGULAR
Como fugir do lugar-comum em fotografia de casamento, de
vida selvagem, de cena de rua, de moda, documental e autoral
EDITORIAL
20
Ano 26
David Yarrow
Edição 306
Foto de capa:
Marcio Sheeny
C onfesso que demorei a descobrir a lente grande angular. Como já escrevi aqui, minha
primeira câmera foi uma Topcon Unirex de segunda mão com duas objetivas fixas,
a normal 50 mm e a meia-tele 100 mm. Só passei a ter contato com a grande angular
quando fui trabalhar na revista Duas Rodas, em 1990 – época de exposição e foco no
manual. Lá pude usar uma Nikon F2 com a fixa Nikkor 28 mm f/2.8 para cobrir uma
competição de enduro de motos (fazia texto e foto nessas ocasiões). Aquele amplo ângulo
de visão foi uma descoberta: podia chegar bem perto do piloto para fazer um retrato e
pegar a imensa paisagem ao fundo; enquadrava suas mãos no guidão em corte vertical,
como se estivesse na garupa dele, e mostrava lá na frente o caminho
a percorrer... E tudo com foco, do primeiro plano ao fundo. Vi que era
bem mais fácil trabalhar com a 28 mm do que com a meia-tele de 105
mm f/2.8 que levei para imagens de ação. Depois disso, não consegui
mais viver sem a grande angular, lente muito versátil e que desafia a
criatividade – como você verá nesta edição. Boa leitura.
Juan Esteves
Sérgio Branco
Diretor de Redação
branco@europanet.com.br
Sereia da Barra
Era um dia de sol na praia da Barra da Tijuca, no Rio de
Janeiro (RJ), em que a água estava cristalina, em condições
especiais, como percebeu o fotógrafo Nato Bigio. Com
FICHA TÉCNICA
uma câmera de ação GoPro, com caixa-estanque, ele pediu Autor: Nato Bigio
para que a filha de um amigo mergulhasse. Fez apenas uma Cidade: Rio de Janeiro (RJ)
tentativa de registrar o mergulho e diz que certamente teve Câmera: GoPro Hero 4 Silver
muita sorte por ter conseguido o que havia idealizado. Na Objetiva: 27 mm (equival.)
pós-produção, Bigio buscou passar um sentimento de conto Exposição: f/2.8, 1/1.250s e ISO 100
de fadas, alterando as tonalidades das cores.
4 FOTOGRAFE 306
Bela vista pra cachorro
Foi durante uma expedição fotográfica ao Saco do Mamanguá,
na região de Paraty (RJ), coordenada pelo fotógrafo Luciano
Candisani em época do Festival Paraty em Foco, que Carlos
Dantas viu-se diante da cena. Na subida ao Pico do Pão
FICHA TÉCNICA
de Açúcar, o cachorro da raça labrador acompanhou o Autor: Carlos Dantas
grupo durante o trajeto. Lá no topo, Dantas percebeu que o Cidade: Araraquara (SP)
cão descansava observando a beleza da vista desse "fiorde Câmera: Nikon D3100
tropical", chamado assim por ter 8 km de comprimento por Objetiva: Nikkor 18-55 mm
2 km de largura. Não perdeu a chance de fotografar um animal Exposição: f/11, 1/1.250s e ISO 200
privilegiado por viver em um lugar de vista tão contemplativa.
Como participar: envie para fotografe@europanet.com.br no máximo duas fotos em arquivo digital e
informe nome, telefone, ficha da foto (equipamento, dados técnicos...) e faça um breve relato sobre as imagens.
FOTOGRAFE 306 5
GRANDE ANGULAR
Flagrante com a
então presidenta
Dilma Rousseff
na época da
operação Lava
Jato, que valeu
a Dida o Prêmio
Esso de 2015
FOTOJORNALISMO PERDE
O GRANDE DIDA SAMPAIO
O lhar muito atento, faro apurado de
repórter, cultivador de altas fontes de
informação, querido pelos colegas e respeitado
Depois de passar pelo Jornal de Brasília e
pelo Correio Braziliense, ingressou na equipe
da sucursal de Brasília do jornal O Estado de S.
pelos políticos. Assim era Dida Sampaio, Paulo em 1994. Era conhecido também pelo
batizado Francisco de Assis Sampaio quando bom-humor, por ajudar colegas iniciantes na
nasceu no interior do Ceará. Mudou-se com profissão e por ser modesto, mesmo sendo
a família para Brasília (DF) reconhecido como um
ainda menino e na capital dos mestres na arte de
federal construiu uma fotografar a política
brilhante carreira como nacional e ter recebido
fotojornalista especializado vários prêmios ao longo
em cobertura política. No dia da carreira. Gostava
25 de fevereiro, essa jornada
de sucesso acabou: depois
de 14 dias internado, vítima Dida Sampaio, em
de um aneurisma e acidente retrato recente: ele
vascular cerebral (AVC), começou na sucursal
Dida morreu aos 53 anos. do Estadão em 1994
6 FOTOGRAFE 306
Acima, o então
presidente da
Câmara Eduardo
Cunha e, ao lado,
o então ministro
Antonio Palocci,
em imagens de
Dida Sampaio
publicadas em
uma das edições
do livro O Melhor
do Fotojornalismo
Fotos: Dida Sampaio/AE
Brasileiro
FOTOGRAFE 306 7
CONCURSOS & PRÊMIOS
8 FOTOGRAFE 306
ARTE & CULTURA
A AMAZÔNIA EM P&B DE
SEBASTIÃO SALGADO
S ebastião Salgado iniciou o projeto
Amazônia em 2013, quando ainda
finalizava Gênesis, e o concluiu em 2020.
2017, quando o periódico paulista passou a
publicar cadernos especiais com imagens do
fotógrafo mineiro e textos do jornalista Leão
Uma parte desse trabalho documental de Serva, que passou a acompanhá-lo nas suas
longa duração pode ser vista em uma grande expedições aos rincões da Amazônia naquele
exposição que leva o mesmo nome, em cartaz ano – até 2020, foram dez publicações na Folha,
até 10 de julho de 2022 no Sesc Pompeia, zona sempre com grandes imagens de Salgado, tanto
oeste de São Paulo (SP). Depois, ela segue para no tamanho quanto na qualidade.
o Rio de Janeiro (RJ), no Museu do Amanhã, de A mostra chegou ao Brasil depois de
19 de julho de 2022 a 29 de janeiro de 2023. passar por Londres, Paris e Nova York. Com
Amazônia também será apresentada em Belém curadoria da esposa do fotógrafo, Lélia Wanick
(PA), ainda sem data informada, e deve seguir Salgado, reúne uma seleção de 205 imagens
para outras capitais brasileiras. em P&B produzidas durante os sete anos da
Quem é leitor do jornal Folha de S.Paulo teve série documental (boa parte delas mostrada ao
a oportunidade de acompanhar essa jornada público pela primeira vez). Além da exuberante
de Sebastião Salgado a partir de dezembro de paisagem da região e de fenômenos climáticos
10 FOTOGRAFE 306
Fotos: Sebastião Salgado
Salgado
iniciou suas
andanças pela
Amazônia
em 2013 e
visitou 12
comunidades
indígenas nos
sete anos do
projeto
FOTOGRAFE 306 11
A Olympus Pen F
inovou por ser uma
SLR de meio quadro
O CROP INOVADOR DA
Olympus Pen F
DA REDAÇÃO
antecipou ao mundo
o intrigante efeito do
fator de corte (crop)
– hoje comum em
câmeras DSLR.
A Pen F tinha
semelhanças físicas
com as câmeras de visor
direto: era compacta,
com quase o mesmo
12
Fotos: Arquivo Fotografe
As versões prata
e preta equipadas
com teleobjetivas
refletiam a imagem pela lateral (interna) do para SLR de 35 mm, o que viabilizou as lentes
corpo até o visor, posicionado na vertical, como luminosas de preço bem acessível.
o espelho principal. Isso favorecia fazer retratos No entanto, as distâncias focais seguiam
e fotografar desfiles de moda, pois não era o padrão do negativo de 35 mm, e não ao
preciso girar a câmera para o enquadramento tamanho meio quadro, que incorria num fator
com a câmera na vertical. de corte de 1,43x, ou seja, a meia-tele de
Na parte superior, rigorosamente plana, 100 mm tinha ângulo de visão de uma 143 mm.
não havia sapata para flash nem botão de Com o crop, a Pen F não dispunha de uma
velocidade, deslocado para a parte frontal da grande angular ampla: a 20 mm tinha ângulo
câmera. O botão de rebobinar era embutido, de uma 29 mm e a 28 mm de uma 35 mm.
o disparador (retangular) ficava na borda, Em compensação, com as teles a história era
com encaixe para cabo propulsor, e a delicada outra: a 150 mm se transformava em 210
alavanca do disparador automático ficava mm e a 400 mm em 580 mm, sem perda de
quase acima da objetiva, único local vago. Era qualidade e de luminosidade.
bem leve: 560 gramas, com a lente normal, Para convencer o consumidor sobre o
mesmo feita em metal. formato de meio quadro, a Olympus informava
Para se destacar diante das câmeras de que ele exigia somente 25% a mais de ampliação
telêmetro, a Pen F contava com 15 objetivas do que o negativo 35 mm; era proporcional ao
Zuiko, da grande angular de 20 mm f/3.5 às formato 9 x 12 cm, 20 x 25 cm e 40 x 50 cm.
poderosas teleobjetivas de 400 mm f/6.3 e Comparava também o meio quadro com o
800 mm (espelhada) f/5, além das lentes zoom fotograma de 35 mm usado nas melhores
de 50-90 mm f/3.5 produções de
e 100-200 mm cinema da época.
f/5. Proporcionais Com isso, apesar
ao formato meio da aparência
quadro, eram inusitada, sem o
menores e mais visor tradicional,
leves do que as a Pen F foi um
lentes comuns sucesso e gerou
mais duas versões:
A Pen F tinha a FT (1966) com
espelho de fotômetro TTL e
movimento a FV (1967), mais
horizontal, outra barata, sem esse
grande novidade tipo de leitura de luz.
FOTOGRAFE 306 13
Shutterstock
GALERIA DO ASSINANTE
Fotógrafos profissionais
estão entrando na era
da criptofotografia
FOTOGRAFIA COMPUTACIONAL
E A NOVA REALIDADE DO NFT
POR RAPHAEL VIEIRA
14 FOTOGRAFE 306
Imagem autoral de
Raphael Vieira mostra a
busca da autopromoção
nas redes sociais
Raphael Vieira
FOTOGRAFE 306 15
Raphael Vieira
um ativo digital que permite Raphael Vieira em da venda de NFTs – e isso é apenas
que fotografias (e outras obras, um autorretrato: uma das várias possibilidades dos
como músicas) sejam vendidas o fotógrafo ainda NFTs e dos contratos inteligentes.
e colecionadas como se fossem tem dúvidas sobre o Muitos criadores de conteúdo e
edições limitadas das tradicionais mundo dos NFTs influenciadores digitais procuram
tiragens impressas em alta usar os contratos inteligentes
qualidade. Por trás dos NFTs está a tecnologia de maneira mais criativas dentro de suas
do blockchain, que permite o uso de um contrato comunidades de seguidores. Apenas como
inteligente (ou smart contract) toda vez que um exemplo, você pode criar um projeto em que
token não fungível é vendido (veja box). cada NFT vendido confere ao comprador acesso
Esse contrato deve garantir que um NFT a conteúdos exclusivos, cursos ou tutoriais
específico se torne uma edição limitada com privados, convites a eventos presenciais ou
um número de cópias a ser determinado pelo até mesmo videoconferências ou encontros
artista. Uma vez que a venda desse número pessoais com o artista.
de cópias é alcançada, elas não podem mais O tema ainda é polêmico e tem havido
ser comercializadas – apenas as já existentes muitas críticas aos NFTs por causa de um
poderão ser revendidas pelos donos. Tem número crescente de fraudes, golpes e plágios
mais: o fotógrafo pode especificar uma taxa de pela falta de fiscalização das plataformas e
porcentagem sobre os direitos autorais do NFT, pelo impacto danoso que eles causam ao meio
ou seja, cada vez que ele for revendido, o artista ambiente devido ao número de computadores
automaticamente recebe uma parte do lucro. ao redor do mundo que são necessários para
Alguns fotógrafos já estão lucrando e até manter o blockchain funcionando. Mesmo
mesmo tirando uma boa parte de seu sustento sendo uma questão controversa e complexa, os
16 FOTOGRAFE 306
A CRIPTOFOTOGRAFIA
O NFT (do inglês, non-fungible token) é um
Fotos: Shutterstock
tipo especial de token criptográfico que
representa algo único. Ao contrário das
criptomoedas (como o Bitcoin), os NFTs não
são mutuamente intercambiáveis. Um item
fungível, como o dinheiro, pode ser trocado
por outro, já os infungíveis são como veracidade delas. Para Os tokens não
as obras de arte e objetos muito raros. o fotógrafo ou qualquer fungíveis, ou
Representam algo específico e individual, e artista, pode ser uma NFT, recebe
não podem ser substituídos. forma de assegurar os uma espécie de
No caso da fotografia, a ideia é não direitos autorais sobre carimbo virtual
depender dos mercados típicos de arte a obra e provar que ela de autenticidade
porque não há necessidade de um marchand é original.
ou galerista na maioria dos casos. Em Mas correntes contrárias ao uso
teoria, o fotógrafo pode negociar seu NFT do NFT acusam o ativo digital de não
diretamente com a parte interessada. cumprir sua principal promessa, que é a
Existem plataformas para a negociação de garantir a autenticidade da obra pela
de NFT, mas elas não têm controle sobre facilidade encontrada para a falsificação
o conteúdo. O artista é, eventualmente, o ou o plágio. Alguns artistas argumentam
único que controla, já que é o proprietário. que a ideia de criar escassez para algo
Embora os NFTs pareçam consumir infinitamente replicável é uma fraude.
menos energia elétrica do que grandes Além disso, dizem que o mercado de NFTs
mineradoras de criptomoedas, também ainda é extremamente fechado e que
exigem muito poder de computação para encontram dificuldade de ingressar nele.
lidar com criptografia e validação no Portanto, a ideia de ganhar dinheiro no
blockchain – a base de dados que guarda setor é para pouquíssimos "privilegiados".
um registro de transações permanente Assim como as criptomoedas, muitos
e à prova de violação. O blockchain, ou enxergam os NFTs como ativos apenas
protocolo de confiança, é uma tecnologia para especulação financeira e que, na
que revolucionou o setor financeiro por realidade, ainda não há uma visão clara do
ser uma maneira mais transparente que se vende e do que se compra, o que
de proteger informações e checar a torna o tema ainda muito polêmico.
Surgiram muitas
críticas aos
NFTs por causa
da facilidade
para plagiar
ou fraudar
trabalhos de
arte e pela falta
de fiscalização
O AUTOR
Leitor de Fotografe desde 2010, Raphael
Vieira, 40 anos, é fotógrafo, educador e
psicólogo. Estudou no Instituto de Fotografia
de Nova York e atua profissionalmente
desde 2008. Antes, ele havia se dedicado à
Psicologia, formando-se Mestre em Análise do
Comportamento pela Columbia University.
Criador do e-book O olhar do fotógrafo
(2020), ele busca democratizar e desmistificar
os conhecimentos sobre como fotografar bem.
18 FOTOGRAFE 306
Valdemir Cunha
MATÉRIA DE CAPA
Foto do livro Vaqueiro das Águas, de Valdemir Cunha, feita com a distância focal de 20 mm
CRIATIVIDADE COM A
GRANDE ANGULAR
Grandes fotógrafos, como o escocês David Yarrow, além
de brasileiros, como Márcio Vasconcelos, Valdemir Cunha,
Alexandre Urch, Márcio Shenny e João Araújo, mostram
como essa classe de lente pode ter um uso diferenciado
POR SÉRGIO BRANCO
20 FOTOGRAFE 306
David Yarrow
FOTOGRAFE 306 21
Fotos: David Yarrow
Rinoceronte escolher a lente certa faz parte da que deseja fazer a foto. Faz um pré-
negro no Parque forma como a história será contada. -foco e aciona o disparo remoto sem
Mkomazi, na “Prefiro a lente grande angular fio – usa o sistema PocketWizard,
Tanzânia: aqui ele a uma teleobjetiva. A 28 mm é a adotado por fotógrafos esportivos.
usou uma grande favorita, mas, se estou fotografando Conta que fotografou bisões
angular de 35 mm uma pessoa, minha lente inicial em 2017, no Parque Nacional de
provavelmente será uma 35 mm, Yellowstone, que tem sua maior
ótima lente de retrato. O mesmo área no Estado de Wyoming, EUA,
vale para os animais: vou me acionando o disparador de longe
esforçar para fotografar um tigre quando os animais estavam a cerca
como faria com uma supermodelo: de 1 metro da câmera. Na ocasião,
de uma forma sensível e de maneira usou grande angular de 24 mm e
convincente”, argumenta. de 28 mm. “Acho que causa muito
Em fotos de vida selvagem, mais impacto do que estar a 100
David Yarrow alega que em 90% das metros de distância usando uma
vezes a posiciona tão baixo quanto teleobjetiva de 400 mm”, afirma.
possível. Com animais, sua posição Em Dinokeng, na África do Sul,
padrão é deitar-se no chão e tentar em 2014, colocou a câmera remota
ficar o mais próximo que der do equipada com a grande angular
assunto. Quando isso não é razoável de 28 mm dentro de um córrego
por razões de segurança ou porque onde leões iam beber água. Atento,
pode perturbar o animal, ele coloca conseguiu disparar no momento que
a câmera perto de onde acha que o um deles dava um salto sobre a água
bicho possa passar e no ponto em – batizou a imagem de Lion King.
22 FOTOGRAFE 306
O fotógrafo busca o
ângulo baixo em suas
imagens e para isso
a grande angular é
fundamental
O salto do leão em Dinokeng, África do Sul, captado com câmera remota e lente 28 mm
FOTOGRAFE 306 23
Fotos: David Yarrow
andar em linha reta. A dica, diz ele, é Babuíno-gelada mineira abandonada em Montana,
não começar a disparar muito cedo. fotografado EUA. O lobo encara o fotógrafo e
“Os elefantes têm boa audição e na Montanha parece estar vindo direto na direção
ouvirão o clique. Isso pode alterar o Semien, na dele. Yarrow se diverte contando
caminho deles e significar que você Etiópia, com a a história e revela que alguém teve
perderá a chance”, ensina. lente 28 mm a ideia maluca de colocar coxas de
Quanto ao tripé, Yarrow diz frango em volta do pescoço dele,
que não usa pela simples razão de que pode o que chamou a atenção do lobo domesticado
se virar sem ele. Também quer ser capaz de que vive no local. “Os olhos do lobo estão
reagir rapidamente ao que está ocorrendo. claramente focados nas coxas de frango, não em
“O tripé pode reduzir a trepidação da câmera, mim”, comenta o escocês.
mas quando você está fotografando a vida Além dos olhos do lobo em foco, ele tentou
selvagem na África, por exemplo, as coisas deixar o maior número possível de pessoas
acontecem muito rapidamente, às vezes em nítidas em um plano bem apertado. “Eu estava
poucos segundos, e não há tempo suficiente usando uma lente grande angular de 24 mm e
para montar um tripé”, justifica. trabalhando em f/1.8, 1/125s e ISO 1.600, que
é uma combinação difícil. Não havia margem
UM LOBO NO BAR de erro no foco. Acredito que a fotografia
Além de vida selvagem, Yarrow – que já é uma aposta, e eu estava ali, jogando os
foi fotojornalista especializado em esportes dados, tentando obter algo especial, em vez
no início da carreira – também faz ensaios de tentar uma imagem conservadora. Muitas
autorais. Uma de suas fotos mais famosas das imagens não ficaram nítidas, como eu
nesse segmento é The Wolf of Main Street, feita suspeitava, mas uma estava no ponto. Era tudo
dentro de um bar em Virginia City, cidade de que eu precisava”, conta.
24 FOTOGRAFE 306
Yarrow nasceu em Glasgow, e conservação. Em 2020, tornou-se Dois trabalhos
Escócia, em 1966, e aos 20 anos embaixador da African Community autorais de
começou a trabalhar como and Conservation Foundation. É Yarrow: no alto,
fotógrafo para o The London reconhecido como um dos fotógrafos em um bar de
Times cobrindo esportes. Com o de fine art mais bem-sucedidos Virginia City,
tempo, tornou-se um fotógrafo de do mundo e suas obras de edição Montana, com
natureza e vida selvagem voltado limitada são vendidas regularmente 24 mm; acima,
para o mercado de arte. Ligado à a preços elevados na Sotheby's e em em barbearia
filantropia, em 2018 arrecadou outras casas de leilões – a imagem de Los Angeles,
cerca de US$ 11 milhões para The Wolf of Main Street foi vendida Califórnia,
organizações de ajuda humanitária por US$ 100 mil em 2018. com 20 mm
FOTOGRAFE 306 25
Márcio Shenny
26 FOTOGRAFE 306
MAIS ÂNGULO QUE O OLHO HUMANO
Tecnicamente, a grande angular é perto do tema, que pode ser um desafio
qualquer lente que tenha um campo de para alguns e para certos temas. O objetivo
visão mais amplo do que o olho humano vê. é trabalhar profundidade e perspectiva:
Na era analógica, com base no filme colocar um assunto bem perto da lente, outro
35 mm, a objetiva de 50 mm era elemento a uma distância média e o fundo
considerada “normal” por oferecer um ainda mais distante – com isso, a imagem terá
ângulo de enquadramento mais próximo camadas de profundidade e fará com que o
ao do que olho humano enxerga. Com a observador seja atraído e queira vê-la mais
era digital, a 50 mm é considerada normal de perto. Ao chegar mais perto para ampliar o
para sensor full frame; já para sensor APS-C, tema, ele vai começar a se destacar. Portanto,
que é menor, a 35 mm (grande angular por é preciso encontrar o ângulo ideal para o
excelência) passou a ser a “normal”. primeiro plano ampliado e ir encaixando as
Assim, qualquer lente abaixo da 50 mm camadas seguintes.
para full frame e da 35 mm para
APS-C é considerada grande
É considerada grande
angular. Quanto menor o
angular toda lente
número de distância focal,
com distância focal
mais amplo é o ângulo de visão.
abaixo de 50 mm para
Uma 15 mm que é ultra grande
sensor full frame
angular para câmeras full frame.
Para uma sensor APS-C, a
mesma referência passa a ser a
lente de 10 mm, especialmente
feita para esse formato. Indo
ao extremo da grande angular,
uma lente olho-de-peixe
(fisheye) é aquela que faz com
que a imagem se torne quase
redonda (ou até mesmo um
círculo completo).
Graças ao amplo ângulo de
visão – que vai dos 1800 de um
fisheye a 630 de uma 35 mm –,
o efeito de distorção da grande
angular faz com que os objetos
mais próximos da câmera
pareçam maiores do que os
mais distantes, mesmo que
sejam do mesmo tamanho na
realidade. Em temas com linhas
retas, elas parecerão convergir,
ficando “inclinadas” – no caso
da fisheye, o extremo da grande
angular, as linhas retas se
tornam arredondadas.
De maneira geral, para
usar uma grande angular
criativamente, o fotógrafo
precisa ter algo próximo à lente.
Portanto, é preciso chegar
Shutterstock
FOTOGRAFE 306 27
Fotos: Márcio Shenny
escolhidas pelos clientes – e que desejam que o ou mesmo depois, na lua de mel: colocar sempre
lugar fique evidente nas fotos. “Quando se coloca os fotografados no centro do enquadramento
os fotografados no primeiro plano próximos e depois aproximar a câmera deles para que
à lente, eles se mantêm como protagonistas, se destaquem e não fiquem como detalhes
mesmo com todo o cenário exuberante incluído pequenos no quadro. Assim, o fotógrafo consegue
na composição”, explica. protegê-los dos efeitos da distorção que os
Apesar de criar um notável efeito nas cercará. “A inclusão de detalhes no primeiro
imagens, é essencial tomar alguns cuidados plano cria um grande impacto no resultado, como
para fugir das armadilhas da distorção, trazer o véu da noiva para perto da lente, criando
principalmente com a fisheye. Ele ensina o pulo camadas sobrepostas que fazem a composição
do gato para ensaios de noivos pré-casamento ficar mais atraente”, ensina.
Ensaios de lua de
mel com noivos
em Paris, no
alto, e no Caribe
mexicano, ao
lado, feitos com
uma ultra grande
angular de 16 mm
Fotos: Alexandre Urch
FOTOGRAFE 306 29
Tenho uma
relação de
paixão com a
17-40 mm pelas
possibilidades
que ela me
oferece e por ser
leve e fácil de
ser usada"
Alexandre Urch
Imagem captada
com a lente zoom
Alexandre Urch
17-40 mm em
ângulo de mergulho
em feira livre na
cidade de São Paulo
FOTOGRAFE 306 31
Fotos: Márcio Vasconcelos
minha forma de olhar. Uso a 35 mm algo que fotografo bastante, nunca
sempre em todos os meus trabalhos devemos esquecer dos cuidados
autorais. Gosto de estar sempre necessários para não interferir
A lente 35 mm
dentro das cenas, aproximando- na ação, visto que são momentos
praticamente -me ao máximo dos personagens sagrados, na sua maioria, e que
virou parte do em rituais afro-religiosos, em existe certa linha imaginária
meu corpo e da manifestações de cultura popular que não deve ser ultrapassada”,
minha forma e no cotidiano de comunidades”, comenta. Vasconcelos ensina
de olhar. Faço explica. Ele prefere fotografar que em casos assim o fotógrafo
somente com a luz ambiente e deve ser “invisível” e discreto para
quase tudo nunca usa flash. Por isso, a lente não atrapalhar nem quem faz o
apenas com ela" precisa ser bem luminosa. evento nem quem assiste a ele. É
Márcio Vasconcelos O fotógrafo diz que é importante importante chegar antes ao local,
ressaltar que a 35 mm é uma lente conversar com os responsáveis pelas
invasiva e requer aproximação. “Em manifestações, explicar a intenção e
casos de rituais religiosos, que é solicitar autorização, ensina.
Acima e ao lado
imagens feitas
com a lente fixa
de 35 mm, a
que o fotógrafo
maranhense
mais usa no seu
trabalho autoral
DICAS PARA O USO DA
GRANDE ANGULAR
A lente grande angular é muito versátil,
principalmente as que oferecem zoom, por
causa das várias distâncias focais, como os
requisitados modelos 8-15 mm, 11-24 mm,
16-35 mm e 17-40 mm para o sensor full
frame. Veja a seguir dicas para usá-las.
Shutterstock
frente. Qualquer pequeno ângulo para baixo
ou para cima origina linhas convergentes,
distorcidas, principalmente ao longo das
bordas. Manter a câmera nivelada com o
horizonte, perpendicular ao tema, resultará pode haver um exagero na sensação de
em linhas retas que pedirão pouca ou escala. Assim, é preciso aprender a usar linhas
nenhuma correção na pós-produção. como condutoras do olhar do observador
FOTOGRAFE 306 33
Márcio Vasconcelos
34
Fotos: Valdemir Cunha
Duas imagens do novo livro de
Valdemir Cunha feitas com a
zoom grande angular 14-24 mm
FOTOGRAFE 306 35
AULA COM BRASILIO QUATRO IDEIAS DE
ESQUEMA DE LUZ
O mestre da iluminação Brasilio Wille
criou quatro esquemas de luz
descomplicados para mostrar que é possível
resultados muito interessantes. Os esquemas
foram planejados com o uso de um ou no
máximo dois flashes e seus modificadores de
produzir fotos de modelos usando recursos luz (os mais comuns para fotografar pessoas).
simples, mas com capacidade de gerar Inspire-se nas ideias do especialista.
36 FOTOGRAFE 306
Uma fonte de
luz apontada
para o fundo
é uma das
formas de
assegurar que
ele saia branco
FOTOGRAFE 306 37
Refletor barndoor com
gelatina azul voltado
para o fundo criou o tom
que o fotógrafo planejava
38 FOTOGRAFE 306
Um octosoft grande
acima da modelo
criou um efeito de
relevo e contraluz
FICHA TÉCNICA
Câmera: Canon EOS 5D Mark III
Objetiva: Canon 70-300 mm
Exposição: f/14, 1/125s e ISO 100
Modelo: Ellen Sousa
Fotógrafo e professor de fotografia há 41 anos, cursos online e siga nas redes sociais
Brasilio Wille é especializado em uma wille.com.br wille.com.br
variedade de assuntos. Mestre em iluminação
de estúdio e direção de modelos, ele quer
brasilio.wille
ensinar você a melhorar suas fotos por meio
Inscreva-se no canal prowilleoficial
de técnicas simples e práticas em cursos e do YouTube (41) 99943-0607
workshops presenciais ou online. www.youtube.com/user/Brasiliow (informações sobre cursos)
VIDA DE FOTÓGRAFO Imagem que faz alusão
à escravidão moderna
com ator como modelo
e manipulação digital
INSPIRAÇÃO PORTENHA
Com uma fotografia criativa e postagens nas redes
sociais com dicas didáticas, o fotógrafo argentino Demian
Arbelo mostra os segredos de suas imagens artísticas
40 FOTOGRAFE 306
Autodidata, o
argentino passou a se
dedicar a trabalhos
autorais apenas
seis anos atrás
Fotos: Demian Arbelo
Bailarina retratada em ação no centro de Buenos Aires, cidade que serve de cenário para Arbelo
FOTOGRAFE 306 41
Fotos: Demian Arbelo
de 2022, é possível conferir as imagens de bonitas e ruins para traduzi-las em histórias.
família feitas até dentro do banheiro de casa, A música também me inspira muito. Muitas
revelando um cotidiano comum e bem- letras de músicas têm sido um bom gatilho para
-humorado da rotina do fotógrafo. ideias”, explica o fotógrafo – que fez questão
O argentino explica que não procura de traduzir as respostas para o português no
jamais se limitar quando se trata de imaginar Google Tradutor antes enviar para a redação.
uma história e realizá-la. Comenta ainda que Para realizar os ensaios, o primeiro passo
não gosta de seguir referências de outros é procurar o lugar certo para a história que
fotógrafos para não ser influenciado por deseja contar. O processo se dá por meio
nenhum estilo. Poder gerar a própria linha de de um passeio minucioso por Buenos Aires,
trabalho e ter a sua maneira de idealizar uma explorando e analisando lugares antes de
fotografia é o que ele persegue.
RECEITA CRIATIVA
Demian Arbelo explica que
se inspira no dia a dia para criar
as imagens. “Na vida cotidiana,
nas coisas que acontecem
comigo diariamente. Olho
para dentro de mim, procuro
e encontro muitos humores,
bons e ruins. Aproveito meus
estados emocionais, as coisas
que vejo na rua, as coisas
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Demian Arbelo explora as ruas da
capital argentina para encontrar o
lugar que combine com suas ideias
No alto, autorretrato
noturno nas ruas de Buenos
Aires; ao lado, sua mulher é
a modelo na produção
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Gosto muito
do Brasil, em
especial do Rio
de Janeiro, e
estou estudando
português. Um
dia talvez more
por lá, algo que
me agradaria"
Demian Arbelo
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NU & SENSUAL Tudo começou
com uma amiga
cadeirante que topou
posar para o primeiro
ensaio do projeto
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Quero mostrar
que nós, os
deficientes,
não somos
coitadinhos.
Enxergo esse
projeto como
um trabalho de
cunho social"
Marcelo Martins
O fotógrafo já
fez 12 ensaios
e a seleção das
pessoas ocorre via
redes sociais
PARA SE CANDIDATAR
Martins esclarece que não existe critério para
a seleção de quem quer se candidatar ao projeto.
Qualquer pessoa, não importa o gênero (embora
nenhum homem ainda tenha se oferecido para
participar), com algum tipo de deficiência está
apta a integrar o trabalho. As únicas exigências
são: ser maior de idade e ter um acompanhante
para auxiliar na locomoção – tanto para o
deslocamento até o local quanto para ajudar no
posicionamento do modelo durante o ensaio.
A seleção ocorre pelas redes sociais do
fotógrafo (@marcelomartinsfotografia) e uma
pessoa por mês é selecionada para participar.
Depois da escolha, há a etapa de conversar com
o especialista, que irá analisar as limitações
físicas da pessoa e planejar o ensaio de acordo
com essa avaliação, selecionando locações
conforme as restrições de cada um. “Muitas
que se tornou, após a pandemia, algo inviável modelos sentem vergonha por sua condição.
de ser mantido somente pelo bolso dele. Creio que, por ser deficiente também, já dá uma
Para continuar com o projeto sem custo aos quebrada nas possíveis objeções que a modelo
interessados em posar para as fotos, Martins tenha em relação a fazer um ensaio sensual,
está em busca de patrocinadores que tenham pois sempre conduzo as negociações anteriores
políticas voltadas para inclusão e acessibilidade. ao ensaio de forma leve e descontraída,
Caso não consiga patrocínio após o fim da procurando quebrar o gelo. Assim, ela chega ao
pandemia, momento em que poderá voltar a ensaio geralmente mais tranquila, como se já
fotografar em segurança, especialmente por se nos conhecêssemos há anos”, explica.
48 FOTOGRAFE 306
A modelo deve ter acompanhante e
o fotógrafo conta com uma maquiadora,
para ajudá-lo; ele nunca toca nas pessoas
Com duração média entre três e quatro com o que cada uma pode fazer. Dessa forma,
horas, o ensaio é feito quase sempre em quartos procuro sempre fazer com que a modelo se sinta
de hotéis em São Paulo (SP) por serem locais mais à vontade. Isso deixa o ambiente descontraído e o
acessíveis e confortáveis. O especialista explica ensaio flui de forma mais natural, garantindo um
que, quanto ao posicionamento das modelos, resultado único e gratificante para cada trabalho
depende muito do grau de limitação de cada uma. que realizo”, comenta.
Há as que conseguem se posicionar sozinhas,
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Fotos: Marcelo Martins
As poses são
estudadas para
valorizar a
sensualidade
das modelos
com deficiência
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