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A revista que valoriza o fotógrafo e a fotografia

fotografemelhor.com.br
n0 306 | Ano 26

Criatividade com a
GRANDE ANGULAR
Como fugir do lugar-comum em fotografia de casamento, de
vida selvagem, de cena de rua, de moda, documental e autoral
EDITORIAL

20
Ano 26
David Yarrow

Edição 306

Foto de capa:
Marcio Sheeny

C onfesso que demorei a descobrir a lente grande angular. Como já escrevi aqui, minha
primeira câmera foi uma Topcon Unirex de segunda mão com duas objetivas fixas,
a normal 50 mm e a meia-tele 100 mm. Só passei a ter contato com a grande angular
quando fui trabalhar na revista Duas Rodas, em 1990 – época de exposição e foco no
manual. Lá pude usar uma Nikon F2 com a fixa Nikkor 28 mm f/2.8 para cobrir uma
competição de enduro de motos (fazia texto e foto nessas ocasiões). Aquele amplo ângulo
de visão foi uma descoberta: podia chegar bem perto do piloto para fazer um retrato e
pegar a imensa paisagem ao fundo; enquadrava suas mãos no guidão em corte vertical,
como se estivesse na garupa dele, e mostrava lá na frente o caminho
a percorrer... E tudo com foco, do primeiro plano ao fundo. Vi que era
bem mais fácil trabalhar com a 28 mm do que com a meia-tele de 105
mm f/2.8 que levei para imagens de ação. Depois disso, não consegui
mais viver sem a grande angular, lente muito versátil e que desafia a
criatividade – como você verá nesta edição. Boa leitura.

Juan Esteves
Sérgio Branco
Diretor de Redação
branco@europanet.com.br

EQUIPE DE REDAÇÃO PELA PAZ


Denise Camargo (revisora), Izabel Donaire
(editora de arte), Livia Capeli (colaboradora
especial), Luiz Siqueira (diretor executivo),
Roberto Araújo (diretor editorial) e
SUMÁRIO
Sérgio Branco (diretor de redação)
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Editora Europa Ltda. (ISSN 1413-7232).
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conteúdo dos anúncios de terceiros.
Uso criativo da grande angular....................... 20
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REVELE-SE

Sereia da Barra
Era um dia de sol na praia da Barra da Tijuca, no Rio de
Janeiro (RJ), em que a água estava cristalina, em condições
especiais, como percebeu o fotógrafo Nato Bigio. Com
FICHA TÉCNICA
uma câmera de ação GoPro, com caixa-estanque, ele pediu Autor: Nato Bigio
para que a filha de um amigo mergulhasse. Fez apenas uma Cidade: Rio de Janeiro (RJ)
tentativa de registrar o mergulho e diz que certamente teve Câmera: GoPro Hero 4 Silver
muita sorte por ter conseguido o que havia idealizado. Na Objetiva: 27 mm (equival.)
pós-produção, Bigio buscou passar um sentimento de conto Exposição: f/2.8, 1/1.250s e ISO 100
de fadas, alterando as tonalidades das cores.

4 FOTOGRAFE 306
Bela vista pra cachorro
Foi durante uma expedição fotográfica ao Saco do Mamanguá,
na região de Paraty (RJ), coordenada pelo fotógrafo Luciano
Candisani em época do Festival Paraty em Foco, que Carlos
Dantas viu-se diante da cena. Na subida ao Pico do Pão
FICHA TÉCNICA
de Açúcar, o cachorro da raça labrador acompanhou o Autor: Carlos Dantas
grupo durante o trajeto. Lá no topo, Dantas percebeu que o Cidade: Araraquara (SP)
cão descansava observando a beleza da vista desse "fiorde Câmera: Nikon D3100
tropical", chamado assim por ter 8 km de comprimento por Objetiva: Nikkor 18-55 mm
2 km de largura. Não perdeu a chance de fotografar um animal Exposição: f/11, 1/1.250s e ISO 200
privilegiado por viver em um lugar de vista tão contemplativa.

Como participar: envie para fotografe@europanet.com.br no máximo duas fotos em arquivo digital e
informe nome, telefone, ficha da foto (equipamento, dados técnicos...) e faça um breve relato sobre as imagens.

FOTOGRAFE 306 5
GRANDE ANGULAR

Flagrante com a
então presidenta
Dilma Rousseff
na época da
operação Lava
Jato, que valeu
a Dida o Prêmio
Esso de 2015

FOTOJORNALISMO PERDE
O GRANDE DIDA SAMPAIO
O lhar muito atento, faro apurado de
repórter, cultivador de altas fontes de
informação, querido pelos colegas e respeitado
Depois de passar pelo Jornal de Brasília e
pelo Correio Braziliense, ingressou na equipe
da sucursal de Brasília do jornal O Estado de S.
pelos políticos. Assim era Dida Sampaio, Paulo em 1994. Era conhecido também pelo
batizado Francisco de Assis Sampaio quando bom-humor, por ajudar colegas iniciantes na
nasceu no interior do Ceará. Mudou-se com profissão e por ser modesto, mesmo sendo
a família para Brasília (DF) reconhecido como um
ainda menino e na capital dos mestres na arte de
federal construiu uma fotografar a política
brilhante carreira como nacional e ter recebido
fotojornalista especializado vários prêmios ao longo
em cobertura política. No dia da carreira. Gostava
25 de fevereiro, essa jornada
de sucesso acabou: depois
de 14 dias internado, vítima Dida Sampaio, em
de um aneurisma e acidente retrato recente: ele
vascular cerebral (AVC), começou na sucursal
Dida morreu aos 53 anos. do Estadão em 1994

6 FOTOGRAFE 306
Acima, o então
presidente da
Câmara Eduardo
Cunha e, ao lado,
o então ministro
Antonio Palocci,
em imagens de
Dida Sampaio
publicadas em
uma das edições
do livro O Melhor
do Fotojornalismo
Fotos: Dida Sampaio/AE

Brasileiro

de dizer que o protagonismo é sempre da Ele é considerado por muitos o mais


fotografia, nunca do fotógrafo. importante repórter-fotográfico da sua geração
Diante de suas lentes passaram sete em Brasília e, além da cobertura política, fazia
presidentes da república: José Sarney (1985- outros tipos de matérias para o Estadão com o
-1989), Fernando Collor (1990-1992), Itamar mesmo brilhantismo, como reportagens sobre
Franco (1992-1994), Fernando Henrique conflitos sociais e ambientais na Amazônia,
Cardoso (1995-1999), Luiz Inácio Lula da Silva no Pantanal e nos sertões do Nordeste e
(2003-2010), Dilma Rousseff (2011 e 2016), Centro-Oeste. E mesmo sendo um profissional
Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro extremamente educado e carismático foi
(2019-2022). Dida Sampaio ganhou duas agredido por eleitores do presidente Jair
vezes o Esso de Fotografia e por três vezes Bolsonaro em uma manifestação de apoio a
recebeu o Vladimir Herzog de Direitos ele, em maio de 2020. Porém, a violência não
Humanos, duas premiações de maior prestígio o impediu de realizar seu trabalho. Deixou a
e destaque do jornalismo brasileiro. mulher, Ana, e os filhos Raíssa, Felipe e Gabriela.

FOTOGRAFE 306 7
CONCURSOS & PRÊMIOS

Fotos: Martin Stranka


CHECO VENCE O PRÊMIO APA Quatro
O concurso internacional Annual Photography Awards (APA) imagens da
anunciou os vencedores da sua edição de 2021, que teve um total de série Boyhood,
1.564 fotógrafos de 54 países inscritos em diversas categorias (como de Martin
Arquitetura, Paisagem, Fotojornalismo, Retrato, Rua...). O prêmio Stranka, o
Fotógrafo do Ano no cômputo geral foi para o checo Martin Stranka escolhido como
com a série Boyhood, o que lhe valeu um prêmio de US$ 1 mil. Fotógrafo do
Stranka define Boyhood como uma confissão visual narrativa que Ano de 2021
mapeia suas experiências pessoais. “Ofereço ao espectador um olhar pela APA
sobre as histórias emocionalmente inacabadas. Crio imagens que
parecem ser stills de um filme como histórias não contadas. O que
levou a essa situação e o que acontecerá a seguir é uma pergunta
para a qual estou procurando uma resposta”, diz o fotógrafo.

CONCURSO BELEZA NEGRA


Paschoal Garcia
O fotógrafo Paschoal Garcia ancestralidade afro-brasileira
foi o vencedor do Concurso e uma postura de assumir a
Beleza Negra Dandara própria negritude através dos
dos Palmares, promovido cabelos. Ele fotografou Iara
pelo Conselho Municipal Cristina Sales Costa com sua
da Igualdade Racial de filha Naia.
Presidente Prudente (SP). A Fotografe foi um dos
foto ganhadora, intitulada apoiadores do concurso
“Herança Cultural”, faz dando uma assinatura anual
alusão à prática de pentear da revista ao vencedor ao
e trançar os cabelos, hábito lado do Laboratório Quality
milenar da cultura africana Fotografias, que imprimiu as
que foi trazido para o Brasil. imagens inscritas.
Para Garcia, que mora
em Presidente Prudente, a A foto vencedora mostra
imagem é uma representação como se mantém a tradição
da consciência da africana de trançar o cabelo

8 FOTOGRAFE 306
ARTE & CULTURA

Indígena da etnia Yawanawá, fotografada no Acre, em 2016, para o projeto Amazônia

A AMAZÔNIA EM P&B DE
SEBASTIÃO SALGADO
S ebastião Salgado iniciou o projeto
Amazônia em 2013, quando ainda
finalizava Gênesis, e o concluiu em 2020.
2017, quando o periódico paulista passou a
publicar cadernos especiais com imagens do
fotógrafo mineiro e textos do jornalista Leão
Uma parte desse trabalho documental de Serva, que passou a acompanhá-lo nas suas
longa duração pode ser vista em uma grande expedições aos rincões da Amazônia naquele
exposição que leva o mesmo nome, em cartaz ano – até 2020, foram dez publicações na Folha,
até 10 de julho de 2022 no Sesc Pompeia, zona sempre com grandes imagens de Salgado, tanto
oeste de São Paulo (SP). Depois, ela segue para no tamanho quanto na qualidade.
o Rio de Janeiro (RJ), no Museu do Amanhã, de A mostra chegou ao Brasil depois de
19 de julho de 2022 a 29 de janeiro de 2023. passar por Londres, Paris e Nova York. Com
Amazônia também será apresentada em Belém curadoria da esposa do fotógrafo, Lélia Wanick
(PA), ainda sem data informada, e deve seguir Salgado, reúne uma seleção de 205 imagens
para outras capitais brasileiras. em P&B produzidas durante os sete anos da
Quem é leitor do jornal Folha de S.Paulo teve série documental (boa parte delas mostrada ao
a oportunidade de acompanhar essa jornada público pela primeira vez). Além da exuberante
de Sebastião Salgado a partir de dezembro de paisagem da região e de fenômenos climáticos

10 FOTOGRAFE 306
Fotos: Sebastião Salgado

Salgado
iniciou suas
andanças pela
Amazônia
em 2013 e
visitou 12
comunidades
indígenas nos
sete anos do
projeto

Acima, Salgado, que


completou 78 anos
em fevereiro de 2022;
ao lado, imagem de
queda-d'água no
Monte Roraima,
captada em 2018

como os “rios voadores”, o público pode ecossistema imprescindível para o planeta.


contemplar retratos dos povos indígenas que Além das fotos, podem ser vistos sete vídeos
vivem na Amazônia de várias etnias – Salgado com testemunhos de lideranças indígenas
fotografou por terra, água e ar e visitou 12 sobre a importância da Amazônia e dois
comunidades indígenas, a maioria isolada. espaços com projeções de imagens.
A ideia de Lélia foi a de produzir uma
exposição imersiva, para o visitante se sentir
dentro da floresta, ver, ouvir (há até uma
SERVIÇO
trilha sonora composta pelo músico francês
Jean-Michel Jarre a partir dos sons da Sebastião Salgado – Amazônia: Sesc Pompeia
floresta) e, ao mesmo tempo, refletir sobre o (Rua Clélia, 93); até 10 de julho de 2022; de
futuro da biodiversidade e a necessidade de terça a sábado, das 10h às 21h, domingos e
proteger os povos indígenas e preservar um feriados, das 10h às 18h; entrada gratuita.

FOTOGRAFE 306 11
A Olympus Pen F
inovou por ser uma
SLR de meio quadro

O CROP INOVADOR DA

Olympus Pen F
DA REDAÇÃO

A Olympus lançou em 1963 uma reflex


inusitada para competir com as
câmeras de visor direto e foco por telêmetro
Para ter força no mercado, recebeu recursos
criados ou aperfeiçoados pela Olympus: espelho
de movimento horizontal, um curioso obturador
(rangefinder), muito populares na época: a rotativo (com sincronismo de flash em todas as
Pen F, primeira (e única) SLR “meio quadro” velocidades) e um visor Porroflex de espelhos,
(metade do fotograma de 35 mm), que dobrava substituto do prisma tradicional. Sem ele,
o número de fotos por filme. Pequena, fácil de perdeu o típico “chapéu” da SLR e ganhou um

antecipou ao mundo
o intrigante efeito do
fator de corte (crop)
– hoje comum em
câmeras DSLR.
A Pen F tinha
semelhanças físicas
com as câmeras de visor
direto: era compacta,
com quase o mesmo

12
Fotos: Arquivo Fotografe
As versões prata
e preta equipadas
com teleobjetivas

refletiam a imagem pela lateral (interna) do para SLR de 35 mm, o que viabilizou as lentes
corpo até o visor, posicionado na vertical, como luminosas de preço bem acessível.
o espelho principal. Isso favorecia fazer retratos No entanto, as distâncias focais seguiam
e fotografar desfiles de moda, pois não era o padrão do negativo de 35 mm, e não ao
preciso girar a câmera para o enquadramento tamanho meio quadro, que incorria num fator
com a câmera na vertical. de corte de 1,43x, ou seja, a meia-tele de
Na parte superior, rigorosamente plana, 100 mm tinha ângulo de visão de uma 143 mm.
não havia sapata para flash nem botão de Com o crop, a Pen F não dispunha de uma
velocidade, deslocado para a parte frontal da grande angular ampla: a 20 mm tinha ângulo
câmera. O botão de rebobinar era embutido, de uma 29 mm e a 28 mm de uma 35 mm.
o disparador (retangular) ficava na borda, Em compensação, com as teles a história era
com encaixe para cabo propulsor, e a delicada outra: a 150 mm se transformava em 210
alavanca do disparador automático ficava mm e a 400 mm em 580 mm, sem perda de
quase acima da objetiva, único local vago. Era qualidade e de luminosidade.
bem leve: 560 gramas, com a lente normal, Para convencer o consumidor sobre o
mesmo feita em metal. formato de meio quadro, a Olympus informava
Para se destacar diante das câmeras de que ele exigia somente 25% a mais de ampliação
telêmetro, a Pen F contava com 15 objetivas do que o negativo 35 mm; era proporcional ao
Zuiko, da grande angular de 20 mm f/3.5 às formato 9 x 12 cm, 20 x 25 cm e 40 x 50 cm.
poderosas teleobjetivas de 400 mm f/6.3 e Comparava também o meio quadro com o
800 mm (espelhada) f/5, além das lentes zoom fotograma de 35 mm usado nas melhores
de 50-90 mm f/3.5 produções de
e 100-200 mm cinema da época.
f/5. Proporcionais Com isso, apesar
ao formato meio da aparência
quadro, eram inusitada, sem o
menores e mais visor tradicional,
leves do que as a Pen F foi um
lentes comuns sucesso e gerou
mais duas versões:
A Pen F tinha a FT (1966) com
espelho de fotômetro TTL e
movimento a FV (1967), mais
horizontal, outra barata, sem esse
grande novidade tipo de leitura de luz.

FOTOGRAFE 306 13
Shutterstock

GALERIA DO ASSINANTE

Fotógrafos profissionais
estão entrando na era
da criptofotografia

FOTOGRAFIA COMPUTACIONAL
E A NOVA REALIDADE DO NFT
POR RAPHAEL VIEIRA

C resci em um mundo no qual as fotografias


eram produzidas em filmes e consumidas
no formato impresso. A tecnologia digital
O advento da revolução digital trouxe
mudanças marcantes para a fotografia.
Mas foi especificamente a ascensão das
estava sendo desenvolvida e progredindo redes sociais que transformou de maneira
nos bastidores, mas aquele ainda era um completa a antiga dinâmica centralizada
mundo analógico para a maioria das pessoas. da mídia fotográfica. As oportunidades de
Jornais, revistas e televisão eram os principais compartilhamento e a descoberta de imagens
meios para acessar notícias, entretenimento e de conteúdo cresceram dramaticamente
e publicidade – em vez abrir o Google ou o e modificaram todo o cenário, abrindo um
Instagram no celular, você ia até a banca de novo espaço para fotógrafos independentes
revistas. Hoje, com a era digital consolidada, e pequenos negócios. Houve uma explosão
esse comportamento quase não existe mais e a de influenciadores digitais, de criadores de
grande novidade para os fotógrafos são os NFTs conteúdo e de canais de notícia independentes.
(ou tokens não fungíveis, traduzindo do inglês), Nesse contexto, os smartphones tiveram
ainda uma aposta e um mistério para a maioria. uma influência monumental sobre a fotografia

14 FOTOGRAFE 306
Imagem autoral de
Raphael Vieira mostra a
busca da autopromoção
nas redes sociais
Raphael Vieira

na sociedade. A empresa de consultoria Rise


Above Research, especializada no mercado
fotográfico, estima que aproximadamente O mundo fez cerca de
1,13 trilhão de imagens foi feito em 2020 1,13 trilhão de imagens
– e esse número chega a incluir uma queda
de 15% causada pela pandemia de covid-19. em 2020 e estima-se que
Entre 2010 e 2019, houve um crescimento de
sete vezes no número de fotos produzidas em
existam 6,4 bilhões de
comparação à década anterior. pessoas com smartphone
Não é apenas um número impressionante,
é o resultado direto do aumento do uso de
no planeta atualmente
smartphones – o cálculo é que 6,4 bilhões de
pessoas tinham smartphones em 2021, o que graças aos avanços tecnológicos, que usam
é quase 81% da população global. Assim, de inteligência artificial para combinar várias
maneira silenciosa, o aparelho transformou imagens, mesmo que você tenha clicado apenas
o ato de fotografar em uma parte integral da uma vez, em uma foto final de alta resolução,
vida diária das pessoas. Além disso, as câmeras com luz correta e foco perfeito. Os aparelhos
dos smartphones estão começando a liderar os mais modernos entregam uma qualidade de
avanços em pesquisa e tecnologia na área de imagem tão alta que só pode ser ultrapassada
fotografia computacional, baseada em algoritmos pelas fotos feitas com câmeras profissionais
e em softwares de inteligência artificial. de sensor full frame após um tratamento dos
No início, as câmeras dos smartphones arquivos RAW em programas de pós-produção.
tinham sérias dificuldades para competir com as
câmeras dedicadas, como as DSLRs ou mesmo NFTS E O FUTURO DA FOTOGRAFIA
as compactas, devido às limitações do sensor e Parte dessas fotos saídas dos smartphones
das lentes. Mas, com o passar dos anos, essas segue a direção do próximo passo nessa
limitações foram superadas em grande parte evolução do consumo de imagens: os NFTs,

FOTOGRAFE 306 15
Raphael Vieira

um ativo digital que permite Raphael Vieira em da venda de NFTs – e isso é apenas
que fotografias (e outras obras, um autorretrato: uma das várias possibilidades dos
como músicas) sejam vendidas o fotógrafo ainda NFTs e dos contratos inteligentes.
e colecionadas como se fossem tem dúvidas sobre o Muitos criadores de conteúdo e
edições limitadas das tradicionais mundo dos NFTs influenciadores digitais procuram
tiragens impressas em alta usar os contratos inteligentes
qualidade. Por trás dos NFTs está a tecnologia de maneira mais criativas dentro de suas
do blockchain, que permite o uso de um contrato comunidades de seguidores. Apenas como
inteligente (ou smart contract) toda vez que um exemplo, você pode criar um projeto em que
token não fungível é vendido (veja box). cada NFT vendido confere ao comprador acesso
Esse contrato deve garantir que um NFT a conteúdos exclusivos, cursos ou tutoriais
específico se torne uma edição limitada com privados, convites a eventos presenciais ou
um número de cópias a ser determinado pelo até mesmo videoconferências ou encontros
artista. Uma vez que a venda desse número pessoais com o artista.
de cópias é alcançada, elas não podem mais O tema ainda é polêmico e tem havido
ser comercializadas – apenas as já existentes muitas críticas aos NFTs por causa de um
poderão ser revendidas pelos donos. Tem número crescente de fraudes, golpes e plágios
mais: o fotógrafo pode especificar uma taxa de pela falta de fiscalização das plataformas e
porcentagem sobre os direitos autorais do NFT, pelo impacto danoso que eles causam ao meio
ou seja, cada vez que ele for revendido, o artista ambiente devido ao número de computadores
automaticamente recebe uma parte do lucro. ao redor do mundo que são necessários para
Alguns fotógrafos já estão lucrando e até manter o blockchain funcionando. Mesmo
mesmo tirando uma boa parte de seu sustento sendo uma questão controversa e complexa, os

16 FOTOGRAFE 306
A CRIPTOFOTOGRAFIA
O NFT (do inglês, non-fungible token) é um

Fotos: Shutterstock
tipo especial de token criptográfico que
representa algo único. Ao contrário das
criptomoedas (como o Bitcoin), os NFTs não
são mutuamente intercambiáveis. Um item
fungível, como o dinheiro, pode ser trocado
por outro, já os infungíveis são como veracidade delas. Para Os tokens não
as obras de arte e objetos muito raros. o fotógrafo ou qualquer fungíveis, ou
Representam algo específico e individual, e artista, pode ser uma NFT, recebe
não podem ser substituídos. forma de assegurar os uma espécie de
No caso da fotografia, a ideia é não direitos autorais sobre carimbo virtual
depender dos mercados típicos de arte a obra e provar que ela de autenticidade
porque não há necessidade de um marchand é original.
ou galerista na maioria dos casos. Em Mas correntes contrárias ao uso
teoria, o fotógrafo pode negociar seu NFT do NFT acusam o ativo digital de não
diretamente com a parte interessada. cumprir sua principal promessa, que é a
Existem plataformas para a negociação de garantir a autenticidade da obra pela
de NFT, mas elas não têm controle sobre facilidade encontrada para a falsificação
o conteúdo. O artista é, eventualmente, o ou o plágio. Alguns artistas argumentam
único que controla, já que é o proprietário. que a ideia de criar escassez para algo
Embora os NFTs pareçam consumir infinitamente replicável é uma fraude.
menos energia elétrica do que grandes Além disso, dizem que o mercado de NFTs
mineradoras de criptomoedas, também ainda é extremamente fechado e que
exigem muito poder de computação para encontram dificuldade de ingressar nele.
lidar com criptografia e validação no Portanto, a ideia de ganhar dinheiro no
blockchain – a base de dados que guarda setor é para pouquíssimos "privilegiados".
um registro de transações permanente Assim como as criptomoedas, muitos
e à prova de violação. O blockchain, ou enxergam os NFTs como ativos apenas
protocolo de confiança, é uma tecnologia para especulação financeira e que, na
que revolucionou o setor financeiro por realidade, ainda não há uma visão clara do
ser uma maneira mais transparente que se vende e do que se compra, o que
de proteger informações e checar a torna o tema ainda muito polêmico.

Surgiram muitas
críticas aos
NFTs por causa
da facilidade
para plagiar
ou fraudar
trabalhos de
arte e pela falta
de fiscalização
O AUTOR
Leitor de Fotografe desde 2010, Raphael
Vieira, 40 anos, é fotógrafo, educador e
psicólogo. Estudou no Instituto de Fotografia
de Nova York e atua profissionalmente
desde 2008. Antes, ele havia se dedicado à
Psicologia, formando-se Mestre em Análise do
Comportamento pela Columbia University.
Criador do e-book O olhar do fotógrafo
(2020), ele busca democratizar e desmistificar
os conhecimentos sobre como fotografar bem.

números não mentem: US$ 41 bilhões foram

Fotos: Raphael Vieira


gastos com NFTs em 2021, algo incrível se
comparado com os US$ 50 bilhões captados
no mercado de arte tradicional em 2020. São
números impressionantes e diversas empresas
globais gigantescas estão aderindo a essa “onda”,
caso de Coca-Cola, Nike e Disney.
O futuro parece apontar para os NFTs, já que e conhecidos, para informar, documentar,
a maneira como se produz e consome fotografias promover valores e ideologias, para inspirar e
tem mudado gradualmente desde a época expressar emoções, ideias e arte. E, para atingir
analógica até a presente era digital. O que não todos esses objetivos, a melhor maneira continua
mudou nas últimas décadas, no sendo o uso cuidadoso e criativo
entanto, foi a função da fotografia. Acima e abaixo, das várias técnicas de composição e
As fotos são feitas pelo seu valor imagens autorais de de iluminação, independentemente
sentimental, como a recordação Vieira que tratam da de qual câmera você usa – seja uma
de eventos importantes, para reprodução de obras e antiga SLR analógica, o último modelo
compartilhar a vida com amigos da mudança das mídias de mirrorless ou de smartphone.

18 FOTOGRAFE 306
Valdemir Cunha
MATÉRIA DE CAPA

Foto do livro Vaqueiro das Águas, de Valdemir Cunha, feita com a distância focal de 20 mm

CRIATIVIDADE COM A
GRANDE ANGULAR
Grandes fotógrafos, como o escocês David Yarrow, além
de brasileiros, como Márcio Vasconcelos, Valdemir Cunha,
Alexandre Urch, Márcio Shenny e João Araújo, mostram
como essa classe de lente pode ter um uso diferenciado
POR SÉRGIO BRANCO

A grande angular é a lente mais usada na


fotografia, disso não há dúvida. Por
isso, ela parece não ter o mesmo charme
(ou filme) quem nunca se encantou com uma
grande angular. Fundamental para uma série
de segmentos da fotografia, conhecida por
que outras lentes, como a mítica 50 mm (a ser a lente típica para quem se dedica a captar
"normal"), o glamour das valorizadas meia-tele paisagens e astrofotografia, a grande angular
e teleobjetiva ou o mundo de descobertas das pode ir além dos desígnios que normalmente
macros. Mas atire o primeiro cartão de memória dão a ela e desafiar a criatividade de muitos

20 FOTOGRAFE 306
David Yarrow

profissionais, caso do escocês David Yarrow, Elefante fotografado por Yarrow no


um popstar da fotografia de vida selvagem Parque Nacional Amboseli, no Quênia,
voltada para a arte, que quase nunca usa uma
teleobjetiva para registrar leões, elefantes,
com uma grande angular de 20 mm
rinocerontes e ursos. Vale-se na maioria das
vezes de uma grande angular de 28 mm,
colocando a câmera abaixo e próximo do animal. documentários e o mineiro-capixaba João
Essa classe de lentes, assim conhecida Araújo com seus ensaios de moda, todos
por estar abaixo do ângulo de visão da buscando ser criativos ao olhar através do
50 mm (veja box), também é companheira visor pelo amplo enquadramento desenhado
fiel de grandes fotógrafos brasileiros, como o por uma grande angular.
carioca Márcio Shenny, inovador ao usar uma
fisheye para ensaios de noivos. Ou o paulista PERTINHO DO BICHO
Alexandre Urch, que prefere uma zoom grande No livro que lançou em março de
angular 17-40 mm para caçar imagens nas ruas, 2022, How I Make Photographs (Como Faço
contrariando a máxima de que lentes fixas, como Fotografias, em tradução livre), David Yarrow
a 35 mm e a 50 mm são as melhores para isso. conta que sempre pensa primeiro na paisagem
A eles se unem o maranhense Márcio quando vai fotografar para ter certeza de que
Vasconcelos com seus trabalhos autorais, o a localização é a melhor e a hora do dia está
também paulista Valdemir Cunha com seus certa. Nesse processo, o fotógrafo afirma que

FOTOGRAFE 306 21
Fotos: David Yarrow

Rinoceronte escolher a lente certa faz parte da que deseja fazer a foto. Faz um pré-
negro no Parque forma como a história será contada. -foco e aciona o disparo remoto sem
Mkomazi, na “Prefiro a lente grande angular fio – usa o sistema PocketWizard,
Tanzânia: aqui ele a uma teleobjetiva. A 28 mm é a adotado por fotógrafos esportivos.
usou uma grande favorita, mas, se estou fotografando Conta que fotografou bisões
angular de 35 mm uma pessoa, minha lente inicial em 2017, no Parque Nacional de
provavelmente será uma 35 mm, Yellowstone, que tem sua maior
ótima lente de retrato. O mesmo área no Estado de Wyoming, EUA,
vale para os animais: vou me acionando o disparador de longe
esforçar para fotografar um tigre quando os animais estavam a cerca
como faria com uma supermodelo: de 1 metro da câmera. Na ocasião,
de uma forma sensível e de maneira usou grande angular de 24 mm e
convincente”, argumenta. de 28 mm. “Acho que causa muito
Em fotos de vida selvagem, mais impacto do que estar a 100
David Yarrow alega que em 90% das metros de distância usando uma
vezes a posiciona tão baixo quanto teleobjetiva de 400 mm”, afirma.
possível. Com animais, sua posição Em Dinokeng, na África do Sul,
padrão é deitar-se no chão e tentar em 2014, colocou a câmera remota
ficar o mais próximo que der do equipada com a grande angular
assunto. Quando isso não é razoável de 28 mm dentro de um córrego
por razões de segurança ou porque onde leões iam beber água. Atento,
pode perturbar o animal, ele coloca conseguiu disparar no momento que
a câmera perto de onde acha que o um deles dava um salto sobre a água
bicho possa passar e no ponto em – batizou a imagem de Lion King.

22 FOTOGRAFE 306
O fotógrafo busca o
ângulo baixo em suas
imagens e para isso
a grande angular é
fundamental

O salto do leão em Dinokeng, África do Sul, captado com câmera remota e lente 28 mm

PERSISTÊNCIA E PACIÊNCIA ter paciência para muita espera. Mas não dá


Na imagem The Departed, retratou um dos para trabalhar dessa maneira com tigres na
últimos rinocerontes negros remanescentes da natureza, pois você não consegue nem sair do
Tanzânia, no Parque Nacional Mkomazi, usando veículo. Se tentar colocar uma câmera para
o mesmo ângulo baixo com a câmera controlada disparo remoto sem fio em uma área próxima a
remotamente. Segundo Yarrow, fotografar um tigre, o risco de ser morto em um piscar de
dessa maneira é sempre na base de erro e olhos é enorme”, comenta.
acerto, sendo que a taxa de sucesso é bastante Ele explica que com elefantes é possível,
baixa. Às vezes o animal não se aproxima da desde que você escolha o local certo. Se eles
câmera. “Os leões tendem a se aproximar, estiverem a 100 metros de distância e o
os elefantes às vezes, mas você não pode fotógrafo levar 20 segundos para colocar a
forçar a natureza. É preciso ser persistente e câmera, dá tudo certo porque eles tendem a

FOTOGRAFE 306 23
Fotos: David Yarrow

andar em linha reta. A dica, diz ele, é Babuíno-gelada mineira abandonada em Montana,
não começar a disparar muito cedo. fotografado EUA. O lobo encara o fotógrafo e
“Os elefantes têm boa audição e na Montanha parece estar vindo direto na direção
ouvirão o clique. Isso pode alterar o Semien, na dele. Yarrow se diverte contando
caminho deles e significar que você Etiópia, com a a história e revela que alguém teve
perderá a chance”, ensina. lente 28 mm a ideia maluca de colocar coxas de
Quanto ao tripé, Yarrow diz frango em volta do pescoço dele,
que não usa pela simples razão de que pode o que chamou a atenção do lobo domesticado
se virar sem ele. Também quer ser capaz de que vive no local. “Os olhos do lobo estão
reagir rapidamente ao que está ocorrendo. claramente focados nas coxas de frango, não em
“O tripé pode reduzir a trepidação da câmera, mim”, comenta o escocês.
mas quando você está fotografando a vida Além dos olhos do lobo em foco, ele tentou
selvagem na África, por exemplo, as coisas deixar o maior número possível de pessoas
acontecem muito rapidamente, às vezes em nítidas em um plano bem apertado. “Eu estava
poucos segundos, e não há tempo suficiente usando uma lente grande angular de 24 mm e
para montar um tripé”, justifica. trabalhando em f/1.8, 1/125s e ISO 1.600, que
é uma combinação difícil. Não havia margem
UM LOBO NO BAR de erro no foco. Acredito que a fotografia
Além de vida selvagem, Yarrow – que já é uma aposta, e eu estava ali, jogando os
foi fotojornalista especializado em esportes dados, tentando obter algo especial, em vez
no início da carreira – também faz ensaios de tentar uma imagem conservadora. Muitas
autorais. Uma de suas fotos mais famosas das imagens não ficaram nítidas, como eu
nesse segmento é The Wolf of Main Street, feita suspeitava, mas uma estava no ponto. Era tudo
dentro de um bar em Virginia City, cidade de que eu precisava”, conta.

24 FOTOGRAFE 306
Yarrow nasceu em Glasgow, e conservação. Em 2020, tornou-se Dois trabalhos
Escócia, em 1966, e aos 20 anos embaixador da African Community autorais de
começou a trabalhar como and Conservation Foundation. É Yarrow: no alto,
fotógrafo para o The London reconhecido como um dos fotógrafos em um bar de
Times cobrindo esportes. Com o de fine art mais bem-sucedidos Virginia City,
tempo, tornou-se um fotógrafo de do mundo e suas obras de edição Montana, com
natureza e vida selvagem voltado limitada são vendidas regularmente 24 mm; acima,
para o mercado de arte. Ligado à a preços elevados na Sotheby's e em em barbearia
filantropia, em 2018 arrecadou outras casas de leilões – a imagem de Los Angeles,
cerca de US$ 11 milhões para The Wolf of Main Street foi vendida Califórnia,
organizações de ajuda humanitária por US$ 100 mil em 2018. com 20 mm

FOTOGRAFE 306 25
Márcio Shenny

Noivos em Cancún, México,


com lente 20 mm e na água
câmera com capa protetora

O macete para DOMADOR DA DISTORÇÃO que fotografava, Shenny criou uma


escapar da O fotógrafo carioca Márcio espécie de assinatura do seu trabalho
Shenny, com larga experiência em – que passou a ser imitado por outros
distorção com fotografia social e hoje à frente do fotógrafos brasileiros.
grande angular evento Photo in Rio Conference, A preferida dele sempre foi a
mais ampla é dedicado ao segmento, trouxe para fisheye de 16 mm para sensor full
colocar o casal o Brasil uma tendência que era frame, mas também tinha na bolsa
bem no centro muito usada em fotos de noivos e a zoom grande angular 17-35 mm
de cerimônias de casamento nos f/2.8, já que essa lente permite uso
do quadro"
Estados Unidos, onde ele morava, de filtros, como o polarizador. Shenny
Márcio Shenny no início dos anos 2000: o uso defende que o uso da objetiva grande
de lente ultra grande angular, angular é uma maneira interessante
inclusive a fisheye. Ao trabalhar de contar uma história mais
com criatividade e cuidado técnico completa, principalmente quando
para evitar distorções nos casais se fotografa em belas locações

26 FOTOGRAFE 306
MAIS ÂNGULO QUE O OLHO HUMANO
Tecnicamente, a grande angular é perto do tema, que pode ser um desafio
qualquer lente que tenha um campo de para alguns e para certos temas. O objetivo
visão mais amplo do que o olho humano vê. é trabalhar profundidade e perspectiva:
Na era analógica, com base no filme colocar um assunto bem perto da lente, outro
35 mm, a objetiva de 50 mm era elemento a uma distância média e o fundo
considerada “normal” por oferecer um ainda mais distante – com isso, a imagem terá
ângulo de enquadramento mais próximo camadas de profundidade e fará com que o
ao do que olho humano enxerga. Com a observador seja atraído e queira vê-la mais
era digital, a 50 mm é considerada normal de perto. Ao chegar mais perto para ampliar o
para sensor full frame; já para sensor APS-C, tema, ele vai começar a se destacar. Portanto,
que é menor, a 35 mm (grande angular por é preciso encontrar o ângulo ideal para o
excelência) passou a ser a “normal”. primeiro plano ampliado e ir encaixando as
Assim, qualquer lente abaixo da 50 mm camadas seguintes.
para full frame e da 35 mm para
APS-C é considerada grande
É considerada grande
angular. Quanto menor o
angular toda lente
número de distância focal,
com distância focal
mais amplo é o ângulo de visão.
abaixo de 50 mm para
Uma 15 mm que é ultra grande
sensor full frame
angular para câmeras full frame.
Para uma sensor APS-C, a
mesma referência passa a ser a
lente de 10 mm, especialmente
feita para esse formato. Indo
ao extremo da grande angular,
uma lente olho-de-peixe
(fisheye) é aquela que faz com
que a imagem se torne quase
redonda (ou até mesmo um
círculo completo).
Graças ao amplo ângulo de
visão – que vai dos 1800 de um
fisheye a 630 de uma 35 mm –,
o efeito de distorção da grande
angular faz com que os objetos
mais próximos da câmera
pareçam maiores do que os
mais distantes, mesmo que
sejam do mesmo tamanho na
realidade. Em temas com linhas
retas, elas parecerão convergir,
ficando “inclinadas” – no caso
da fisheye, o extremo da grande
angular, as linhas retas se
tornam arredondadas.
De maneira geral, para
usar uma grande angular
criativamente, o fotógrafo
precisa ter algo próximo à lente.
Portanto, é preciso chegar
Shutterstock

FOTOGRAFE 306 27
Fotos: Márcio Shenny
escolhidas pelos clientes – e que desejam que o ou mesmo depois, na lua de mel: colocar sempre
lugar fique evidente nas fotos. “Quando se coloca os fotografados no centro do enquadramento
os fotografados no primeiro plano próximos e depois aproximar a câmera deles para que
à lente, eles se mantêm como protagonistas, se destaquem e não fiquem como detalhes
mesmo com todo o cenário exuberante incluído pequenos no quadro. Assim, o fotógrafo consegue
na composição”, explica. protegê-los dos efeitos da distorção que os
Apesar de criar um notável efeito nas cercará. “A inclusão de detalhes no primeiro
imagens, é essencial tomar alguns cuidados plano cria um grande impacto no resultado, como
para fugir das armadilhas da distorção, trazer o véu da noiva para perto da lente, criando
principalmente com a fisheye. Ele ensina o pulo camadas sobrepostas que fazem a composição
do gato para ensaios de noivos pré-casamento ficar mais atraente”, ensina.

Ensaios de lua de
mel com noivos
em Paris, no
alto, e no Caribe
mexicano, ao
lado, feitos com
uma ultra grande
angular de 16 mm
Fotos: Alexandre Urch

RELAÇÃO DE PAIXÃO e a ambientação da rua, e no outro A maior parte


Conhecido por ser um “caçador extremo, em 40 mm, vê uma ótima das imagens de
de imagens” nas ruas de São Paulo alternativa para retratos e/ou cena de rua de
(SP), ou de qualquer cidade onde detalhes mais fechados do cenário. Urch é feita com
esteja, o paulista Alexandre Urch O fotógrafo também adota um a lente zoom
foge da moda das lentes fixas para corte incomum para uso de grande 17-40 mm e com
a prática de street photography, algo angular: boa parte de suas imagens o corte vertical
adotado por muitos com inspiração é vertical.
no maior mestre do gênero, o Por ser uma única lente
francês Henri Cartier-Bresson com várias distâncias focais, ele
(1908-2004). Urch prefere usar não perde tempo trocando de
uma zoom grande angular Canon lente nem carregando peso em
17-40 mm f/4. “Tenho uma relação mochila grande, o que chama
de pura paixão com essa lente muita a atenção na rua. Nessa
A versatilidade
porque ela me permite andar pelas especialidade, lembra ele, a
ruas com as distâncias focais de “invisibilidade” do fotógrafo é da lente zoom
17 mm, 24 mm, 28 mm, 35 mm fundamental para flagrantes com com todas as
e 40 mm. Tudo em um corpo só”, a maior espontaneidade possível. distâncias focais
argumenta o fotógrafo. Já a criatividade surge, segundo em grande
A versatilidade é a maior ele, quando o fotógrafo usa a maior angular é o que
razão pela escolha de Alexandre amplitude de ângulo de visão,
Urch para usá-la em fotografia no caso os 17 mm, para fazer,
atrai Urch na
de cena de rua. Com 17 mm, ele por exemplo, um retrato em que sua "caçada"
pode pensar em composições mais mostre não apenas o personagem, pelas ruas
abertas, agregando a arquitetura mas também o ambiente onde ele

FOTOGRAFE 306 29
Tenho uma
relação de
paixão com a
17-40 mm pelas
possibilidades
que ela me
oferece e por ser
leve e fácil de
ser usada"
Alexandre Urch

Imagem captada
com a lente zoom
Alexandre Urch

17-40 mm em
ângulo de mergulho
em feira livre na
cidade de São Paulo

está inserido. Enquadrar cenas em ruas bem EFEITO E DEFEITO


estreitas, compor utilizando sombras, poças Mineiro radicado no Espírito Santo, João
d'água, reflexos de vidros e detalhes mais Araújo começou na fotografia na década de
próximos (até dupla exposição) são outros 1980 e se tornou um expert no mercado fashion
recursos que ele usa com a zoom grande e de publicidade. Para ganhar amplitude em
angular nas suas “caçadas”. espaços pequenos (fotografar dentro de um
carro, por exemplo) e deixar os
modelos mais esguios, Araújo
tomou a lente grande angular
como aliada na fotografia de moda,
o que não é nada comum.
Ele explica que usar a grande
angular em ensaio fashion
tem sido uma novidade nos
últimos anos, mas lembra que as
distorções causadas pelo amplo
ângulo de visão desse tipo de
lente pode gerar composições
desagradáveis. “Alguns fotógrafos
Ensaio de moda na Barra
do Jucu, em Vila Velha (ES),
feito com lente 24 mm
Fotos: João Araújo

O maior cuidado em usar uma lente


grande angular em ensaio de moda
é com a distorção, pois ela pode criar
um efeito desagradável"
João Araújo

e ainda destacar melhor uma expressão do


modelo. Ele cita como exemplo uma foto feita
na Barra do Jucu, em Vila Velha (ES), dentro
de um carro. A imagem faz parte de uma
campanha de moda, e a maior parte do ensaio
foi realizada com a 24 mm. Ele explica que com
ela conseguiu incluir na cena o painel do carro
antigo e os dois modelos ao mesmo tempo,
o que seria inviável com uma lente normal.
“Tenho cuidado para não causar distorções
exageradas. Em vez de efeito pode ser visto
como um defeito. Outro cuidado é com closes,
pois nem todo modelo fica bem em retrato com
grande angular”, recomenda.

chamam isso de efeitos. Eu, no meu trabalho PARTE DO CORPO


com moda, evito esse exagero, pois busco Com um trabalho voltado para a fotografia
enquadramentos mais harmônicos”, comenta. documental e autoral, o maranhense Márcio
Araújo usa bastante a objetiva fixa 24 mm Vasconcelos dispensa conjuntos de objetivas,
f/2.8 nos ensaios que faz e gosta de aplicar o pois para ele basta a zoom grande angular 17-
recurso para criar justamente perspectivas -35 mm e a fixa 35 mm f/1.4, que ele adora. “Ela
diferentes em uma cena, valorizar uma locação praticamente virou parte do meu corpo e da

FOTOGRAFE 306 31
Fotos: Márcio Vasconcelos
minha forma de olhar. Uso a 35 mm algo que fotografo bastante, nunca
sempre em todos os meus trabalhos devemos esquecer dos cuidados
autorais. Gosto de estar sempre necessários para não interferir
A lente 35 mm
dentro das cenas, aproximando- na ação, visto que são momentos
praticamente -me ao máximo dos personagens sagrados, na sua maioria, e que
virou parte do em rituais afro-religiosos, em existe certa linha imaginária
meu corpo e da manifestações de cultura popular que não deve ser ultrapassada”,
minha forma e no cotidiano de comunidades”, comenta. Vasconcelos ensina
de olhar. Faço explica. Ele prefere fotografar que em casos assim o fotógrafo
somente com a luz ambiente e deve ser “invisível” e discreto para
quase tudo nunca usa flash. Por isso, a lente não atrapalhar nem quem faz o
apenas com ela" precisa ser bem luminosa. evento nem quem assiste a ele. É
Márcio Vasconcelos O fotógrafo diz que é importante importante chegar antes ao local,
ressaltar que a 35 mm é uma lente conversar com os responsáveis pelas
invasiva e requer aproximação. “Em manifestações, explicar a intenção e
casos de rituais religiosos, que é solicitar autorização, ensina.

Acima e ao lado
imagens feitas
com a lente fixa
de 35 mm, a
que o fotógrafo
maranhense
mais usa no seu
trabalho autoral
DICAS PARA O USO DA
GRANDE ANGULAR
A lente grande angular é muito versátil,
principalmente as que oferecem zoom, por
causa das várias distâncias focais, como os
requisitados modelos 8-15 mm, 11-24 mm,
16-35 mm e 17-40 mm para o sensor full
frame. Veja a seguir dicas para usá-las.

√ A grande angular pode ser eficiente


para manter linhas verticais e
horizontais retas, mas apenas quando a
câmera está apontada diretamente para

Shutterstock
frente. Qualquer pequeno ângulo para baixo
ou para cima origina linhas convergentes,
distorcidas, principalmente ao longo das
bordas. Manter a câmera nivelada com o
horizonte, perpendicular ao tema, resultará pode haver um exagero na sensação de
em linhas retas que pedirão pouca ou escala. Assim, é preciso aprender a usar linhas
nenhuma correção na pós-produção. como condutoras do olhar do observador

√ Há uma tendência de usar grande


angular na horizontal, mas isso não
quer dizer que o corte vertical não seja
para o tema principal do enquadramento.
As diagonais são as mais eficientes nesse
sentido, mas horizontais e verticais também
interessante. Edifícios altos podem ser podem ser utilizadas para a finalidade.
fotografados em sua totalidade e gerar uma
imagem de impacto, mesmo com fortes linhas
convergentes. Vai depender da composição
√ Deitado ou agachado, é possível incluir
grande parte da superfície à frente para
guiar o olhar do observador até o assunto
que o fotógrafo escolher e, assim, o que principal – caso de uma estrada ou trilhos
é errado para fotografia de arquitetura é e um trem. E, assim, é preciso equilibrar a
criativo para um trabalho autoral. largura extrema na parte de baixo do quadro

√ A grande angular cria mais distorção nos


cantos, principalmente com distâncias
focais mais curtas (15 mm distorce mais de
com os elementos seguintes, como o tema
principal (que pode estar centralizado ou
não), o horizonte e até o céu como fundo.
24 mm). Por isso, o ideal é sempre manter
as pessoas próximas ao centro do quadro
ao fotografar com grande angular. Caso
√ Portas, janelas ou qualquer abertura
que lembre uma moldura podem ser
exploradas com a grande angular, que pode
contrário, elas podem parecer cabeçudas ou enquadrar esse primeiro plano e gerar uma
com uma aparência estranha. ótima profundidade de campo para os demais

√ Há casos, porém, que a distorção pode


gerar um feito criativo. Para isso, o
fotógrafo deve se movimentar e ver como
elementos. A dica é avaliar o que o campo de
visão da lente abrange diante de uma janela,
por exemplo, e se movimentar para frente ou
isso afeta as linhas ao longo das bordas ou para trás para achar o ângulo ideal.
distorce os objetos em primeiro plano, pois
é algo subjetivo. Retratos engraçados de
pessoas e animais é uma das alternativas
√ É preciso ficar de olho em algumas
armadilhas: o sol atrás do fotógrafo
pode projetar a sombra dele à frente
para o uso da distorção. Mas nem todos vão quando se fotografa com grande angular;
gostar do resultado, que fique claro. O ideal um carro, um poste ou outro elemento que
é trabalhar a distorção de forma muito sutil. está fora da cena pelos olhos do fotógrafo

√ Como a grande angular captura grande


parte da cena, muitas vezes é fácil
perder a noção do que se está vendo, pois
pode entrar na cena no enquadramento
feito com uma grande angular se ele não
prestar atenção ao seu redor.

FOTOGRAFE 306 33
Márcio Vasconcelos

Acima, ritual Ele lembra que a 35 mm é GRANDE COMPANHEIRA


afro-religioso uma grande angular que não Fotógrafo documentarista,
fotografado por distorce o assunto quando usada especializado em geografia humana,
Vasconcelos adequadamente, podendo fazer povos tradicionais e meio ambiente, o
com a 35 mm; retratos e enquadrar cenas em paulista Valdemir Cunha começou a
abaixo, vaqueiro ambientes fechados com pouco carreira nos anos 1990 fotografando
do Pantanal em espaço, além de ser boa também para cavalos para revistas especializadas
clique de Cunha paisagens. “Ela é muito versátil para e criadores. Na época, alternava
com a 14 mm diversos usos e perfeita para o estilo entre as lentes grande angular
dos meus projetos”, diz. e teleobjetiva para conseguir as

34
Fotos: Valdemir Cunha
Duas imagens do novo livro de
Valdemir Cunha feitas com a
zoom grande angular 14-24 mm

melhores imagens. Hoje,


passados 30 anos, não tem
dúvida de que a grande angular
foi sua grande companheira
durante todo esse tempo.
“Tive a minha fase de
adorar a distância focal de
14 mm, mesmo com toda a
distorção que ela proporciona.
Na realidade, era isso que
mais me incentivava a usá-la,
mas tomando o cuidado de em grande angular é a 24 mm, mas
não ir longe demais e criar imagens elege a 35 mm como a mais versátil.
estranhas”, comenta o agora Publisher “Nesses dois ângulos de visão, dá Já tive a fase
da Editora Origem que prepara o para fazer praticamente 90% das
lançamento de mais um livro autoral, fotos que idealizo atualmente, como
de adorar a
Vaqueiro das Águas, que foca no paisagens, imagens aéreas, retratos distância focal
homem do Pantanal, a maior planície de personagens no seu ambiente, de 14 mm. Hoje
inundável do mundo. “A maioria das até mesmo vida selvagem, em alguns prefiro usar
fotos do livro eu fiz com a grande casos”, avalia. A dica do experiente mais a 24 mm e
angular. Lá tem várias fotos feitas fotógrafo é ficar sempre atento para
com zoom 14-24 mm, que acredito
acredito que
que a distorção provocada pela grande
ser uma das lentes mais versáteis da angular, principalmente as de ângulo a 35 mm é a
categoria”, informa o fotógrafo. de visão mais amplos (como a 14 mm), mais versátil"
Ex-editor de fotografia das não deixe muita evidência nas bordas Valdemir Cunha
revistas Os Caminhos da Terra e do quadro, que para alguns assuntos
Viagem & Turismo, Cunha diz que pode ser um erro grave.
hoje sua distância focal preferida Com colaboração de Livia Capeli

FOTOGRAFE 306 35
AULA COM BRASILIO QUATRO IDEIAS DE
ESQUEMA DE LUZ
O mestre da iluminação Brasilio Wille
criou quatro esquemas de luz
descomplicados para mostrar que é possível
resultados muito interessantes. Os esquemas
foram planejados com o uso de um ou no
máximo dois flashes e seus modificadores de
produzir fotos de modelos usando recursos luz (os mais comuns para fotografar pessoas).
simples, mas com capacidade de gerar Inspire-se nas ideias do especialista.

Fotos: Brasilio Wille


FICHA TÉCNICA
Câmera: Canon EOS 6D
Objetiva: Canon 70-200 mm
Exposição: f/11, 1/125s e ISO 100 (variando
velocidade e abertura conforme a cena)
Modelo: Nayara Le
Dois filtros de
gelatina colorida
diante da luz foi o
truque usado Uma luz, muitas cores
nas imagens
Produzir uma foto criativa muitas vezes não requer uma série de
parafernália ou equipamentos sofisticados. Brasilio Wille mostra nesse
exemplo como uma única fonte de luz e um kit de filtros coloridos podem
gerar um trabalho de destaque. Para criar o jogo de cores impresso na
imagem, o fotógrafo usou um refletor beauty dish acoplado a um flash
e, na frente do acessório, colocou folhas de filtro de gelatina colorida,
presas com fita-crepe. O truque foi usar metade de uma cor e metade
de outra para variar os efeitos. “O macete dessa ideia é trabalhar com
a aproximação e o afastamento da fonte de luz em relação à modelo.
Quanto mais longe a iluminação do fotografado, mais misturadas as
cores ficam; quanto mais perto, mais marcada a luz”, ensina.

36 FOTOGRAFE 306
Uma fonte de
luz apontada
para o fundo
é uma das
formas de
assegurar que
ele saia branco

Fundo branco prático


Existem várias maneiras de criar uma foto com
fundo branco 100%. Uma dessas possibilidades é usar FICHA TÉCNICA
uma fonte de luz apontada para o fundo e outra para o
assunto principal, como no exemplo apresentado aqui Câmera: Canon EOS 6D
por Brasilio Wille. Ele usou dois softboxes para compor Objetiva: Canon 28-200 mm
a cena: um de 120 x 90 cm, colocado na lateral esquerda Exposição: f/13, 1/125s e ISO 100
da modelo, em ângulo de 45 graus, tendo um rebatedor Modelo: Carol Miranda
do lado oposto para controlar o contraste da sombra
e desenhar volume no corpo dela. O outro softbox foi
apontado diretamente para o fundo infinito: o grande
segredo foi usar o softbox sem o difusor dianteiro,
provocando uma iluminação mais intensa para o fundo.

FOTOGRAFE 306 37
Refletor barndoor com
gelatina azul voltado
para o fundo criou o tom
que o fotógrafo planejava

Fotos: Brasilio Wille

Tudo azul FICHA TÉCNICA


Câmera: Canon EOS 5D Mark III
O desafio de Brasilio Wille aqui era colorir o fundo com luz. Objetiva: Canon 70-300 mm
Para isso, ele usou no flash colocado em uma grua um refletor Exposição: f/14, 1/125s e ISO 100
barndoor com filtro de gelatina azul acoplado a ele. Apontou a Modelo: Mayara Cavalcante Ribeiro
iluminação azul para o fundo infinito branco do estúdio e, com o
flash no alto, de cima para baixo, conseguiu um efeito degradê
suave e interessante. Para iluminar a modelo, Wille usou um
flash com softbox tamanho 60 x 90 cm em uma girafa, acima
dela. Note como a posição estratégica dos flashes foi pensada
para que a luz azul, atrás da cena, não interferisse na modelo,
gerando um atraente contraste na imagem.

38 FOTOGRAFE 306
Um octosoft grande
acima da modelo
criou um efeito de
relevo e contraluz

FICHA TÉCNICA
Câmera: Canon EOS 5D Mark III
Objetiva: Canon 70-300 mm
Exposição: f/14, 1/125s e ISO 100
Modelo: Ellen Sousa

A amplitude da luz difusa


O desafio aqui foi usar uma única fonte de luz
para produzir uma imagem que chamasse a atenção
pela estética sóbria e melancólica. Um octosoft com
diâmetro de 1,50 m foi colocado acima da modelo, com
ajuda de uma girafa, e inclinado levemente para a frente
para criar um efeito de relevo e contraluz na cena.
Note como a luz é uniforme e abrangente: isso ocorre
porque quanto maior a fonte de luz, mais difusa ela é.
Para complementar o trabalho, o cenário minimalista
foi montado apenas com um fundo infinito branco e um
bloco de MDF, contrastando com o corpo nu da modelo.

Quem é Brasilio Wille Aprenda mais nos Conheça mais o trabalho


Amanda Müller

Fotógrafo e professor de fotografia há 41 anos, cursos online e siga nas redes sociais
Brasilio Wille é especializado em uma wille.com.br wille.com.br
variedade de assuntos. Mestre em iluminação
de estúdio e direção de modelos, ele quer
brasilio.wille
ensinar você a melhorar suas fotos por meio
Inscreva-se no canal prowilleoficial
de técnicas simples e práticas em cursos e do YouTube (41) 99943-0607
workshops presenciais ou online. www.youtube.com/user/Brasiliow (informações sobre cursos)
VIDA DE FOTÓGRAFO Imagem que faz alusão
à escravidão moderna
com ator como modelo
e manipulação digital

INSPIRAÇÃO PORTENHA
Com uma fotografia criativa e postagens nas redes
sociais com dicas didáticas, o fotógrafo argentino Demian
Arbelo mostra os segredos de suas imagens artísticas

POR LIVIA CAPELI

O s seguidores do fotógrafo argentino


Demian Arbelo, 45 anos, são atraídos
por postagens de trabalhos irreverentes,
de Fotografe por intermédio de um grupo de
estudos de fotografia no Facebook. Como sonha
em morar no Rio de Janeiro (RJ), Arbelo tem
policromáticos e muitas vezes acompanhados treinado o português com afinco.
de making of. Morando atualmente em Buenos Para produzir seus trabalhos, ele usa tanto
Aires, cidade que serve de cenário para diversas pessoas comuns quanto atores (quando tem
produções, Arbelo começou na fotografia há verba para isso). Quando não há modelos
apenas oito anos, especificamente trabalhando disponíveis, coloca a câmera no tripé e aciona
com imagens em 360 graus. Contudo, passados o disparo remoto por timer para produzir
dois anos, ele perdeu o interesse por essa autorretratos – a esposa e os filhos de Arbelo
área e voltou sua atenção para o segmento também entram na onda dos registros
de produções autorais artísticas, no qual está inusitados. No Instagram (@demianarbelo),
desde então. Autodidata, chamou a atenção onde tinha 16,5 mil seguidores em março

40 FOTOGRAFE 306
Autodidata, o
argentino passou a se
dedicar a trabalhos
autorais apenas
seis anos atrás
Fotos: Demian Arbelo

Bailarina retratada em ação no centro de Buenos Aires, cidade que serve de cenário para Arbelo

FOTOGRAFE 306 41
Fotos: Demian Arbelo
de 2022, é possível conferir as imagens de bonitas e ruins para traduzi-las em histórias.
família feitas até dentro do banheiro de casa, A música também me inspira muito. Muitas
revelando um cotidiano comum e bem- letras de músicas têm sido um bom gatilho para
-humorado da rotina do fotógrafo. ideias”, explica o fotógrafo – que fez questão
O argentino explica que não procura de traduzir as respostas para o português no
jamais se limitar quando se trata de imaginar Google Tradutor antes enviar para a redação.
uma história e realizá-la. Comenta ainda que Para realizar os ensaios, o primeiro passo
não gosta de seguir referências de outros é procurar o lugar certo para a história que
fotógrafos para não ser influenciado por deseja contar. O processo se dá por meio
nenhum estilo. Poder gerar a própria linha de de um passeio minucioso por Buenos Aires,
trabalho e ter a sua maneira de idealizar uma explorando e analisando lugares antes de
fotografia é o que ele persegue.

RECEITA CRIATIVA
Demian Arbelo explica que
se inspira no dia a dia para criar
as imagens. “Na vida cotidiana,
nas coisas que acontecem
comigo diariamente. Olho
para dentro de mim, procuro
e encontro muitos humores,
bons e ruins. Aproveito meus
estados emocionais, as coisas
que vejo na rua, as coisas

No alto, Arbelo com a esposa


e os filhos em produção
caseira no banheiro; ao lado,
um dos seus autorretratos

42 FOTOGRAFE 306
Demian Arbelo explora as ruas da
capital argentina para encontrar o
lugar que combine com suas ideias

colocar em prática a produção. A locação tem


muita importância no contexto da história que
a foto quer contar, alega Arbelo. Portanto,
na hora de escolhê-la, ele procura saber
primeiro o que deseja transmitir e com quais
sentimentos para então encontrar o cenário
mais adequado na capital argentina para
construir e realizar suas ideias.
Em ambiente interno, ele costuma usar
luz natural ou flash, sem apego a uma ou outra
solução. Nesse caso, a produção pode ocorrer
na própria casa dele ou em estúdio – ele diz que
fica muito confortável com qualquer condição
de iluminação que tiver disponível. Para
produções externas ele conta com a a ajuda do
flash – nessa situação, os esquemas de luz e os
tipos de iluminação variam de acordo com a
história que ele idealizou.

No alto, autorretrato
noturno nas ruas de Buenos
Aires; ao lado, sua mulher é
a modelo na produção

FOTOGRAFE 306 43
Gosto muito
do Brasil, em
especial do Rio
de Janeiro, e
estou estudando
português. Um
dia talvez more
por lá, algo que
me agradaria"
Demian Arbelo

Com bom-humor O EQUIPAMENTO softbox – colocados em monopé


e criatividade, Arbelo não gosta de ficar preso para gerar a luz que dá o tom na
Demian Arbelo a nenhum esquema de luz em linguagem que ele usa.
tem ganhado particular, mas é comum ver em Outro recurso bastante
destaque nas suas produções externas o uso de explorado por ele são os ângulos
redes sociais, flashes Godox AD 600, AD 250 ou rasantes ao chão, muitas vezes
o que o levou a V850 e três tipos de modificadores recorrentes em fotos externas,
dar workshops de luz: octobox, sombrinha ou aproveitando reflexos de uma poça
d’água. Já a pós-produção é outra
parte criativa das imagens de Arbelo,
Fotos: Demian Arbelo

embora ele afirme que as fotos


quase saem prontas da câmera. Essa
intervenção na edição é que reforça
seu estilo pessoal. O equipamento
dele é composto de câmeras Nikon:
as SLRs D7100 e D800 e a mirrorless
Z5 equipadas com as objetivas
Nikkor 10,5 mm (fisheye), 28 mm
f/2.8, 85 mm f/1.8, 70-200 mm f/2.8,
além da Sigma 18-35 mm f/1.8 e da
Tokina 16-28 mm f/2.8.
Demian Arbelo também ministra
vários workshops pela Argentina e
países de língua espanhola. Quando
questionado se daria um workshop
para os brasileiros, diz que no
momento ainda não aprendeu bem
o português, mas que o Brasil é um
país de que ele gosta muito – viajou
muitas vezes para passar férias
no Rio de Janeiro. “Este ano meu
objetivo é aprender bem a língua
de vocês e começar a ministrar
em 2023 um workshop para os
brasileiros”, afirma.

44
NU & SENSUAL Tudo começou
com uma amiga
cadeirante que topou
posar para o primeiro
ensaio do projeto

Fotos: Marcelo Martins

OLHAR SEM LIMITES


Com projeto para melhorar a autoestima, o
fotógrafo paulistano Marcelo Martins produz
ensaios sensuais para pessoas com deficiência física
46 FOTOGRAFE 306
O ensaio mostra a modelo em poses sensuais; a última foto da série é que indica a deficiência

POR LIVIA CAPELI

A fotografia entrou na vida do paulistano


Marcelo Martins a cerca de 13 anos atrás,
quando ele precisou somar renda ao trabalho de
O principal objetivo com o projeto é poder
proporcionar a experiência de massagem
no ego dessas pessoas, que muitas vezes
desenhista publicitário depois de perder metade não têm oportunidade de mostrar seu lado
de uma das pernas em um grave acidente de atraente e sensual, além, é claro, de quebrar
moto. O que era um “extra” foi ganhando espaço paradigmas sobre padrões de beleza impostos
até Martins decidir trilhar o caminho definitivo pela sociedade, entre outros preconceitos.
do mercado de ensaios femininos em 2015. “Quero mostrar que nós, deficientes, não somos
Mas, além dos trabalhos comerciais, a vida como coitadinhos. Enxergo esse projeto como um
deficiente físico despertou nele a ideia de realizar trabalho social. As minorias são sempre vistas
um projeto inclusivo para mostrar ao mundo que pela sociedade como pessoas mais fracas, o que
uma pessoa com deficiência pode ser sensual, não exatamente corresponde à verdade. Somos
independentemente das limitações. mais fortes do que parecemos”, defende.
Apesar de o assunto ser visto como Marcelo Martins, 50 anos de idade, já
um tabu entre as pessoas portadoras de fotografou 12 pessoas para o projeto e todo o
limitações físicas, ele seguiu em frente e trabalho até o momento foi feito de maneira
criou o Projeto Sensualidade na d'Eficiência. gratuita com custos bancados pelo próprio
Martins explica que o primeiro passo foi fotógrafo. Porém, as despesas para produção
convidar uma amiga cadeirante para criar o do ensaio, como maquiagem, locações e até
ensaio piloto, que serviria para divulgação. figurino, têm gerado gastos muito altos, o

FOTOGRAFE 306 47
Quero mostrar
que nós, os
deficientes,
não somos
coitadinhos.
Enxergo esse
projeto como
um trabalho de
cunho social"
Marcelo Martins

O fotógrafo já
fez 12 ensaios
e a seleção das
pessoas ocorre via
redes sociais

tratar de um grupo de risco, ele terá de realizar


os ensaios por um valor baixo, mas que ajude a
cobrir os custos de produção.

PARA SE CANDIDATAR
Martins esclarece que não existe critério para
a seleção de quem quer se candidatar ao projeto.
Qualquer pessoa, não importa o gênero (embora
nenhum homem ainda tenha se oferecido para
participar), com algum tipo de deficiência está
apta a integrar o trabalho. As únicas exigências
são: ser maior de idade e ter um acompanhante
para auxiliar na locomoção – tanto para o
deslocamento até o local quanto para ajudar no
posicionamento do modelo durante o ensaio.
A seleção ocorre pelas redes sociais do
fotógrafo (@marcelomartinsfotografia) e uma
pessoa por mês é selecionada para participar.
Depois da escolha, há a etapa de conversar com
o especialista, que irá analisar as limitações
físicas da pessoa e planejar o ensaio de acordo
com essa avaliação, selecionando locações
conforme as restrições de cada um. “Muitas
que se tornou, após a pandemia, algo inviável modelos sentem vergonha por sua condição.
de ser mantido somente pelo bolso dele. Creio que, por ser deficiente também, já dá uma
Para continuar com o projeto sem custo aos quebrada nas possíveis objeções que a modelo
interessados em posar para as fotos, Martins tenha em relação a fazer um ensaio sensual,
está em busca de patrocinadores que tenham pois sempre conduzo as negociações anteriores
políticas voltadas para inclusão e acessibilidade. ao ensaio de forma leve e descontraída,
Caso não consiga patrocínio após o fim da procurando quebrar o gelo. Assim, ela chega ao
pandemia, momento em que poderá voltar a ensaio geralmente mais tranquila, como se já
fotografar em segurança, especialmente por se nos conhecêssemos há anos”, explica.

48 FOTOGRAFE 306
A modelo deve ter acompanhante e
o fotógrafo conta com uma maquiadora,
para ajudá-lo; ele nunca toca nas pessoas

Com duração média entre três e quatro com o que cada uma pode fazer. Dessa forma,
horas, o ensaio é feito quase sempre em quartos procuro sempre fazer com que a modelo se sinta
de hotéis em São Paulo (SP) por serem locais mais à vontade. Isso deixa o ambiente descontraído e o
acessíveis e confortáveis. O especialista explica ensaio flui de forma mais natural, garantindo um
que, quanto ao posicionamento das modelos, resultado único e gratificante para cada trabalho
depende muito do grau de limitação de cada uma. que realizo”, comenta.
Há as que conseguem se posicionar sozinhas,

Fotos: Marcelo Martins


enquanto outras precisam de auxílio. É nessa
hora que entra a ajuda do acompanhante ou da
maquiadora da equipe do fotógrafo, Bárbara
Fraga. Assim como no ensaio de uma pessoa
sem deficiência, ele tem por regra nunca estar
sozinho com a pessoa e jamais tocar nela. “Indico
o que fazer e montamos as poses de acordo

O posicionamento das modelos para as fotos


depende do grau de limitação de cada uma

FOTOGRAFE 306 49
Fotos: Marcelo Martins

As poses são
estudadas para
valorizar a
sensualidade
das modelos
com deficiência

COMO É FEITO A produção de figurino fica por


O fotógrafo não Com relação a ângulos e poses, conta da modelo, porém, alguns
Martins diz que não existe diferença ensaios do projeto receberam
divulga as
entre uma deficiente ou não. O o patrocínio da marca D’lyrio
imagens em objetivo é sempre valorizar as curvas Lingeries, empresa de Guarulhos
redes sociais da modelo e para compor com o (SP). Martins explica que participa
para proteger cenário para obter um resultado que de forma remota na escolha dos
as modelos de seja harmonioso, tudo é pensado looks, sempre dando dicas de peças
comentários de forma a extrair o melhor de cada que funcionam ou não para o ensaio,
pessoa fotografada, não importando bem como quais são adequadas
preconceituosos biotipo, idade, peso e altura. “Também para o tipo de corpo e limitação
ou maldosos não costumo deixar a deficiência das modelos. Assim ganha tempo
aparente em todo o ensaio. Se você na melhor estética para o trabalho,
observar bem as fotos, dificilmente bem como na identidade das peças
consegue distinguir a deficiência. corretas para cada biotipo.
Sempre mostro a deficiência na Para os ensaios, o fotógrafo usa
O fotógrafo está à última foto da série, e isso é o que uma Nikon D750 com objetivas
procura de apoio mais causa surpresa nas pessoas 35 mm f/1.8 e 85 mm f/1.8. Para
para que seu que conferem o trabalho quando iluminar, dois flashes V1 e um AD200
projeto continue publicado”, comenta. Pro, ambos da marca Godox, com
octobox de 65 cm e softbox 60 x 60
cm. Ele também gosta de mesclar
luz ambiente com artificial. Feito
o trabalho, ele entrega imagens
digitais às modelos e parte delas é
publicada no site do projeto. Martins
não costuma divulgar as imagens
em redes sociais, pois acredita que o
mundo está repleto de pessoas com
todo tipo de intenção e o intuito do
projeto é emponderar pessoas com
deficiência, não expô-las a julgamentos
maliciosos, o que tem ocorrido
muito. Para saber mais, acesse:
sensualidadenadeficiencia.com.br.

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