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FAZER FILMES

Everaldo Vasconcelos

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Fazer filmes

EVERALDO VASCONCELOS

FAZER FILMES

1º edição

João Pessoa

Edição do autor

2011

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Everaldo Vasconcelos

Capa: Eva

Este livro foi impresso pela Bookess, Florianópolis, SC, em


formato 14X21, em 2011.

Contato com o autor: everaldovasconcelos@hotmail.com

CDD 791.43

Vasconcelos, Everaldo

Cineviver. Florianópolis, SC: Bookess, 2011

170 p.

1. Cinema experimental. I. Título

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Fazer filmes

AGRADECIMENTOS

A Kaline pela leitura do manuscrito,


revisão dos primeiros capítulos e sugestão de formatação.

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Everaldo Vasconcelos

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Fazer filmes

INDICE

1 – Manifesto do Cineviver, 9

2 – Do protoplano ao plano, 14

3 – O plano geral, 19

4 – Planos médios, 24

5 – Planos de detalhes, 29

6 – Altura da câmera, 35

7 – Movimento no ponto fixo, 40

8 – Movimento com deslocamento, 44

9 – Exercícios com a câmera, 49

10 – Filme-repente, 53

11 – O roteiro, 58

12 – Roteiros incomuns, 62

13 – Realidade e imaginação, 67

14 – Visão geral de roteiros, 73

15 – O fio da meada, 77

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Everaldo Vasconcelos

16 – O argumento, 82

17 – Salve o gato, 88

18- Primeiro tratamento, 99

19 – Roteiro de documentário, 103

20 – Roteiro técnico, 107

21 – A análise técnica, 114

22 – Formando uma equipe, 119

23 – Orçamento-zero, 123

24 - Stripboard, 127

25 – Departamento de arte, 134

26 – Luz e sombra, 138

27 – Som, 142

28 – Seleção de elenco,146

29 – Ensaio com RPG, 152

30 – Emoções, 158

31 – 48 horas, 163

32 – Finalizando, 167

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Fazer filmes

1 Manifesto do Cineviver

O
lema de Glauber Rocha – "uma câmera
na mão e uma idéia na cabeça" – serve de
pedra fundamental para o Cineviver.
Literalmente, a câmera que propomos
como instrumento de nosso trabalho cabe na palma de
nossa mão, é um objeto pequeno, muito leve e com
recursos tecnológicos que nos permitem a captura de
imagens de excelente qualidade.

Esta portabilidade do equipamento audiovisual


nos traz a liberdade de produzir o nosso discurso
imagético em qualquer lugar, com as condições
mínimas de luz. Este equipamento é menor do que uma
lata de tinta em spray, ele é a nossa carta de alforria
das grandes equipes de produção e a possibilidade de
colocar o cinema na linha de combate por um mundo
mais justo. Esta é a idéia: ter uma câmera na mão
como uma arma, como já falou Godard na década de
sessenta do século passado. Agora, a nossa arma tem
parentesco com as espadas de luz dos Jedi da saga de
Guerra nas Estrelas.

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Everaldo Vasconcelos

Temos a câmera na mão: os nossos telefones


celulares, as nossas câmeras digitais com os seus
megapixels, e dentro destes maravilhosos
equipamentos toda a equipe técnica controlada pelo
software residente na máquina. Não é a câmera quem
faz a revolução. A nova revolução do humanismo
digital, a formulação de valores para os novos desafios
e a luta pelo respeito à vida em todos os seus aspectos,
do microcosmo ao macrocosmo. As idéias é que
precisam vir em busca desta nova tecnologia para se
materializarem em filmes e participarem deste diálogo
global.

Vivemos neste ano de 2010, que passou, a


experiência cinematográfica produzida pelo diretor
Ridley Scott e pelo site Youtube. Um filme sobre um
dia na vida do planeta Terra. Em 29 de julho de 2010,
por 24 horas, pessoas de todo o mundo fizeram
pequenos clipes de suas vidas em todos os seus
aspectos e o enviaram para os produtores de Life in a
Day. O filme que teve a direção de Kevin MacDonald
foi exibido no Sundance Festival em 27 de janeiro de
2011. Esta é uma demonstração, entre outras, de que
se devem assumir estas novas tecnologias como
parceiras da invenção audiovisual.

Cineviver é um nome que evoca a resistência da


expressão artística aos paredões de concreto das
grandes cidades e expressa o pensamento de uma
humanidade excluída dos veículos de comunicação.

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Fazer filmes

Cineviver pela rebeldia de escrever e, como diz


o poeta, cineasta e professor pernambucano Jomard
Muniz de Brito, escreviver, e jomardiando dizemos
cinescreviver, cinegritando as nossas idéias, para
irmos além do encantamento que estes equipamentos
nos causam.

Cineviver porque estaremos colorindo


audiovisualmente as telas de cada recanto e os muros
da rede digital de computadores com as nossas idéias.

Cineviver o belo e o feio e não ter medo dos


borrões nem dos improvisos necessários.

O cineviver que surge da marginalia abandonada


é uma estratégia de demarcação de território das
tribos urbanas e guarda um parentesco com as
pixações de muros e sanitários públicos, únicos lugares
onde a liberdade é exercida sem qualquer pudor.
Essas falas "sujam" o território bem comportado das
classes opressoras, sejam quais forem.

Cineviver é libertário.

Eisenstein conta, no início de seu livro A Forma


do Filme, que, no início do cinema, os artistas se
aproximavam da cinematografia como um bando de
guerreiros aventureiros que entravam numa planície
desconhecida.

Assim estamos nós com as nossas câmeras


ultraleves e totalmente automáticas: olhando para o

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mundo e procurando descobri-lo através da linguagem


audiovisual, linguagem esta que estamos, como no
início do cinema, ajudando a redescobrir. São as novas
possibilidades que a tecnologia nos dá. Quando
empunharmos as nossas câmeras, deveremos ter a
audácia dos guerreiros de que falou Eisenstein,
deveremos ter a naturalidade dos mestres Jedi diante
do perigo. Isto é o Cineviver, a afirmação audiovisual
de nossas vidas.

Não podemos, no entanto, esquecer a linguagem


audiovisual e o século de cinema que já temos como
base fundamental, acrescentando a isso as décadas de
televisão e agora os anos de globalização da
comunicação através da internet. Tudo isto é base para
o trabalho do Cineviver. Não se trata de reinventar a
roda, mas de usá-la bem em nossas propostas de
artistas do audiovisual.

Cineviver é um modo de encarar a produção de


filmes, curtas, médias e longas metragens, qualquer
assunto, qualquer estilo de abordagem.

O Cineviver é o modo de olhar e a coragem de


falar para a multidão invisível da rede de
computadores.

Cineviver é para ser algo que nos realize como


criaturas humanas, que nos deixe felizes e que nos
permita fazer o bem a todas as pessoas. Os
instrumentos são os mesmos que já usamos para fazer

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Fazer filmes

os nossos registros familiares, e agora estamos nos


assumindo como a grande família humana.

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Everaldo Vasconcelos

2 Do protoplano ao plano

A
linguagem é o ponto de partida de
qualquer aventura humana. Mesmo nas
viagens ao reino interior, como por
exemplo, a imaginação ativa, descrita
pelo psicólogo Roberto Johnson em seu livro As chaves
para o reino interior, precisamos da mediação de uma
linguagem para conseguir o nosso intento. Assim, sem
muita delonga sobre este assunto, a respeito do qual já
existem toneladas de livros, aceitemos o fato de que,
para partir para a aventura cinematográfica,
precisamos ter em conta a sua linguagem específica,
para obedecê-la e transgredi-la quando necessário aos
nossos propósitos criativos.

O ponto de partida da linguagem


cinematográfica é o plano, o foto-fragmento que
registra algo, aquele momento sublime no qual a
câmera captura uma seqüência de fotografias numa
determinada velocidade, aquele instante entre o ligar e
o desligar da câmera, aquele tempo da natureza, um
tempo real e imponderável. Este momento é aquilo que
fica registrado na película, na fita, no disco rígido ou

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Fazer filmes

no cartão de memória. É o que chamamos de plano.


Ele é o nosso tijolo da construção audiovisual.

EXERCÍCIO 1 - Façamos um pequeno exercício


com o tempo e o nosso olho para sentirmos aquilo do
qual estamos falando. Por um breve instante, feche os
olhos, depois os abra novamente e conte mentalmente
até 10, tentando dar a cada número a duração de 1
segundo. Depois, feche os olhos, e repasse na mente o
que viu. Esta imagem que ficou guardada na memória
nós chamaremos protoplano, um plano audiovisual
construído dentro de nossa mente. Usaremos esta
denominação de protoplano, porque ele contém a
semente daquilo que poderá se tornar um plano
cinematográfico, pois contém a sua alma.

EXERCÍCIO 2 - Façamos outro exercício. Antes


de capturarmos um protoplano do ambiente que nos
cerca, demarque um objetivo visual que você queira
capturar, então, capture o novo protoplano e examine-
o na memória. Este exercício nos ensina que um plano
é capturado com um determinado objetivo audiovisual.
A primeira coisa que devemos fazer ao posicionar a
câmera é revisar mentalmente, através de um
protoplano, o plano que iremos capturar. O que
transforma esta captura entre o ligar e o desligar da
câmera em um plano é o objetivo para o qual ele foi
capturado. Este é o primeiro elemento de um plano: o
objetivo.

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Everaldo Vasconcelos

Neste objetivo está implícita a presença do


sujeito da ação, aquilo que move o plano. Quando
falamos de ação, estamos nos referindo a algo que
acontece no tempo, e não necessariamente algo que se
desloca num espaço. Por exemplo, o plano de um
objeto parado, um jarro sobre uma mesa, pode ser uma
ação do ponto de vista do plano cinematográfico. O
objetivo do plano contém o seu sujeito e o seu entorno.
Sujeito do plano é aquilo que justifica e move o plano
no tempo. Entorno é aquilo que cerca e contextualiza
o sujeito.

As relações entre o sujeito e o entorno de um


plano dão origem a três grandes famílias de planos:
Planos Gerais, Planos Médios e Planos de Detalhe.
Para estas famílias de planos há várias nomenclaturas,
que discutiremos detalhadamente em seções
separadas. Quando, no balanço entre o sujeito e o seu
entorno, o entorno tem a maior proporção, temos a
família dos Planos Gerais. Quando há um equilíbrio,
temos os Planos Médios, e quando a proporção do
sujeito é muito maior, temos os Planos de Detalhes.

Façamos alguns exercícios.

EXERCÍCIO 3. Localize num ambiente um sujeito para


ação do plano, e faça um protoplano deste sujeito,
dando mais espaço para o seu entorno. Isto é, capture
com a sua mente um protoplano Geral. Reveja na
memória o sujeito contido no seu entorno amplo.

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Fazer filmes

EXERCÍCIO 4 - Agora, aproxime-se do sujeito no


mesmo ambiente e faça um protoplano equilibrando o
sujeito e o seu entorno, isto é, capture com a sua
mente um Protoplano Médio. Reveja na memória o
sujeito e o seu entorno imediato.

EXERCÍCIO 5 - Agora, aproxime-se mais ainda do


sujeito, de tal forma que o entorno fique quase ou
totalmente excluído do plano. Isto é, capture com a
mente um Protoplano de Detalhe. Reveja na memória o
sujeito em sua ação.

Estes exercícios nos ajudam a pensar com


imagens, principalmente quando formos planejar os
filmes, escrevendo os roteiros e preparando as
gravações. Um filme começa na mente do cineasta e
depois percorre a estrada necessária para se tornar um
produto audiovisual.

Nesta nossa apresentação preliminar dos planos


vamos acrescentar um terceiro elemento: a moldura do
enquadramento. A transição de um protoplano para um
plano real, que será capturado pela câmera, acontece
quando determinamos quais são os seus limites,
quando o enquadramos em uma moldura. A este ato
chamamos enquadrar, e é o momento em que
precisamos recortar o ambiente, fazer escolhas de
como será o plano capturado.

EXERCÍCIO 6 - Façamos um exercício. Repita


os exercícios de captura de protoplano acrescentando

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uma moldura com as mãos, a clássica figura do


cineasta emoldurando o assunto que lhe interessa.

Este é o primeiro ato do diretor: colocar a


melhor moldura no plano que está capturando. David
Mamet, em seu livro Sobre Direção de Cinema, afirma
que esta é a tarefa primordial da direção de um filme.

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Fazer filmes

3 O plano geral

N
os planos gerais, o entorno é muito
maior que o sujeito da ação. Esta
forma de pensar a imagem nos ajuda a
obter um enquadramento significativo.
No plano geral, a visão do espectador é tomada por
uma multiplicidade de informações sobre o que ocorre
no ambiente do enquadramento. O espectador irá
formar uma teia de vetores de atenção entre o sujeito e
as outras coisas que surgem no quadro. Isto é, entre o
sujeito daquele quadro e seus coadjuvantes, formando
o seu caminho de sentido.

Chamamos de vetor de atenção a linha que


liga o olho do espectador aos pontos da tela na qual ele
caminha para construir o seu sentido e chamamos de
caminho de sentido a trajetória formada
seqüencialmente por estes pontos. Cada espectador
constrói um caminho de sentido pessoal. Cabe ao
diretor antecipar ao máximo este caminho de sentido.

Gostamos de fazer uma distinção entre o sujeito


do plano e o protagonista, pois o segundo se refere a

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Everaldo Vasconcelos

uma função dramatúrgica da cena. Num plano, eu


posso ter um sujeito que não seja o protagonista. Esta
diferença implica que pensamos o entorno não apenas
como o cenário onde está a personagem. Muitas coisas
são possíveis de serem pensadas audiovisualmente
construindo-se poemas visuais.

Todo plano existe no tempo e possui um tempo


de vida. Esta duração é determinada por fatores
internos quando o que ocorre dentro do ambiente é o
que determina o início e o fim. Neste caso, a duração
de um plano geral varia de acordo com a necessidade
interna do sujeito e sua relação com o entorno.

De outra forma, o plano geral que não está preso


a este condicionante tem a duração da saturação
perceptiva do espectador. Chamamos de saturação
perceptiva ao fenômeno psicológico de perda de
atenção por saturação de um espectador exposto a
uma determinada imagem. Quando o espectador perde
o interesse, ele desvia o olhar para outra coisa. Este
tempo de saturação para um plano geral é de 10
segundos, conforme aprendemos com o professor e
Maestro Pedro Santos, fundador do Núcleo de
Documentação Cinematográfica da Universidade
Federal da Paraíba.

EXERCÍCIO 7 - Façamos um exercício. Escolha


um ambiente. Determine o sujeito da ação e programe
mentalmente um plano geral fazendo a moldura do
enquadramento com as mãos. Componha o quadro

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Fazer filmes

escolhendo três pontos significativos que podem


chamar a atenção dos espectadores. Lembre-se de que
num plano geral, o caminho de sentido é feito pelo
espectador com ampla liberdade e, portanto, é de bom
alvitre que o diretor tire proveito disto evitando coisas
no quadro que possam desfavorecer o objetivo do
plano. Agora reveja mentalmente o plano. As coisas
que você vai lembrar do plano serão o seu caminho de
sentido do mesmo.

EXERCÍCIO 8 - Um bom exercício é ver as


grandes obras clássicas de pintores, disponíveis em
galerias virtuais ou em livros específicos.

Pensar um plano geral é algo difícil, pois não se


trata apenas de localizar uma personagem em um
cenário, ou mostrar como o ambiente é lindo, como o
céu está maravilhoso. Do ponto de vista de nossa
classificação, uma imagem de nuvens carregadas de
chuva no céu não é necessariamente um plano geral,
pois se a nuvem for o sujeito daquele plano, o que eu
terei, de fato será um Plano Médio ou até mesmo um
Plano de Detalhe. O que determina o Plano Geral é
esta relação entre o sujeito da ação e o seu entorno.

No Plano Geral temos três tipos de entorno:


imediato, próximo e distante, que dão origem aos
três membros da família do plano geral.

No entorno imediato, o sujeito é contido pelas


suas imediações mais próximas. Veja a figura.

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Chamamos este Plano Geral de completo ou


básico. Ele nos informa com muita precisão o entorno
e os vetores de atenção são mínimos, pois a presença
do sujeito ainda é dominante.

No entorno próximo, temos uma camada que


contém o entorno imediato. Veja a figura.

Chamamos este plano Geral de Longo ou


Aberto. Ele amplia o número de vetores de atenção
para o espectador.

No entorno distante, temos uma terceira camada


que contém os entorno próximos e imediatos ao
sujeito. Veja a figura.

Chamamos este plano geral de Extremamente


longo ou Extremamente Aberto. Ele acrescenta o
máximo de vetores de atenção para o espectador, que

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Fazer filmes

irá procurar na extensão daquela imagem muito mais


coisas.

A quantidade de vetores de atenção nem sempre


tem a ver com a quantidade de informação oferecida
ao espectador. Um minúsculo sujeito colocado num
ambiente branco fará com que o espectador, na sua
ânsia por sentido, termine por notar até as
imperfeições da tela.

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Everaldo Vasconcelos

4 Planos médios

Q
uando há um equilíbrio entre o sujeito da
ação e o seu entorno, temos a família dos
planos médios. Note que, apesar de
alguma semelhança com as classificações
comumente usadas, aqui nós damos ênfase à esta
relação entre o sujeito e o seu entorno. Este modo de
fazer nos facilita raciocinar com imagens e não apenas
determinar tipos de imagens preconcebidas. No dia-a-
dia com a câmera descobrimos que os limites entre as
classificações são muito tênues e dependem da
intuição do diretor e de sua equipe de fotografia.
Assim, partindo do conceito de protoplano, que é a
captura mental de um fragmento do ambiente,
podemos pensar com este recurso metodológico a
realização de filmes.

Na família dos planos médios temos: o plano


médio aberto, o plano médio completo, o plano médio
aproximado. São terminologias que podem equivaler às

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Fazer filmes

várias classificações de planos existentes, que são


igualmente válidas em outro contexto.

O plano médio está mais próximo do sujeito da


ação e por isso é o plano onde o filme vai caminhar.
Numa imagem do budismo, podemos dizer que um
filme é o caminho do meio. Ele reside em sua maior
parte nos planos médios com as suas variações, tendo
os planos gerais e planos de detalhe como satélites
necessários ao fluxo vital do filme.

O plano médio longo faz fronteira com o plano


geral básico e diferencia-se deste porque contém todo
o sujeito da ação, dos pés à cabeça,deste modo
perfeitamente ajustados ao quadro. Lembrando que o
sujeito da ação pode ser qualquer coisa e não somente
uma pessoa. Veja a figura.

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Everaldo Vasconcelos

Neste plano a presença do entorno ainda é muito


grande e possui uma força visual muito significativa.

Há um plano médio longo famoso, conhecido


como plano americano, que foi popularizado pelos
filmes de faroeste, que mostra o sujeito da ação, no
caso o mocinho, da altura do joelho para cima,
mostrando o coldre com o revolver.

No plano médio completo temos um perfeito


equilíbrio entre o sujeito e o seu entorno. Um exemplo
é o enquadramento de uma pessoa da cintura para
cima.

Neste plano há um equilíbrio entre a vida


interior e a vida exterior expressada pelo sujeito.
Chamamos de vida interior à subjetividade do sujeito
da ação, pois seja o que for ele, um homem, um gato,
um rato ou um relógio, tem uma alma. Chamamos de
vida exterior, aquilo que seguindo o principio de
Mukarosvki, adquire o caráter de signo ao ultrapassar
os limites da consciência individual e se torna
perceptível aos outros. A vida interior do sujeito é
expressa através de sinais externos. Na maioria dos
casos as reações da face são o espelho desta vida
interior. Mais voltaremos a este assunto abordando o
problema da interpretação de papéis para a câmera.

No plano médio aproximado nos avizinhamos dos


planos de detalhe. A presença do sujeito é bem maior
do que o entorno e favorece a expressão da vida
interior do sujeito.

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Fazer filmes

Há também um plano médio aproximado famoso,


o plano italiano, que enquadra o ator da linha dos
ombros para cima. Ele é muito utilizado para o diálogo
entre duas personagens.

Os planos médios aproximados são muito úteis


em produções de baixos orçamentos (low budget) ou
de orçamento zero (zero budget) porque ajudam a
minimizar os gastos com a cenografia concentrando a
atenção dos espectadores na vida interior das
personagens.

Num filme, usando uma metáfora


cinematográfica, os planos médios se constituem na
estrada de tijolos amarelos que a Dorothy precisava
percorrer para chegar ao castelo do mágico de OZ.

EXERCÍCIO 9 - Pegue um filme. Pode ser O


Mágico de OZ, que já é parte de nossa alma coletiva e
verifique a presença dominante dos planos médios
para alavancar o filme adiante.

EXERCÍCIO 10 - Escolha um ambiente.


Determine o sujeito da ação. Agora vamos fazer um
protofilme, isto é vamos imaginar o filme ainda sem a
ajuda de uma moldura. Estabeleça em várias camadas
a seqüencia de protoplanos: 1- Plano geral
extremamente aberto; 2- plano geral aberto; 3- plano
geral básico; 4- plano médio aberto; 5- plano médio
completo; 6- plano médio aproximado. Agora reveja
esta sucessão de planos com a mente. Este é o
protofilme.

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Everaldo Vasconcelos

EXERCÍCIO 11 - Vamos transformar o nosso


protofilme em um filme estabelecendo a moldura de
cada plano. Repita a mesma seqüência emoldurando os
planos com as mãos como fazem os grandes diretores:
1- Plano geral extremamente aberto; 2- plano geral
aberto; 3- plano geral básico; 4- plano médio aberto; 5-
plano médio completo; 6- plano médio aproximado.
Agora reveja mentalmente o filme.

EXERCÍCIO 12 - Vamos acrescentar agora a


técnica do filme-palito, isto é, vamos desenhar os
enquadramentos do filme usando figuras e bonecos
com traços básicos. O filme palito é um storyboard
muito rudimentar. Chamamos de storyboard ao
desenho detalhado de cada plano do filme.

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Fazer filmes

5 Planos de detalhes

O nosso olho vê com nitidez apenas uma


pequena área da imagem que está na nossa frente.
Temos a ilusão de um quadro panorâmico
tridimensional como uma esfera visual que nos
abarcasse, de fato tudo isto é uma construção de nossa
mente, nem mesmo a imagem de uma linha reta é
construída assim na retina, pois os receptores
sensíveis a luz são irregulares. Uma reta, pois, é uma
construção mental.

Construímos a imagem do mundo ao nosso redor


montando fragmentos e associando-os com os tesouros
guardados nas prateleiras da memória. O mundo real
que vemos é algo construído pela nossa mente. Esta
informação nos leva a penetrar no reino da família dos
planos de detalhe.

Esta é uma família muito especial, pois é


possível construir qualquer idéia a partir de
fragmentos. Eisenstein no seu livro a Forma do Filme
fala da importância dos ideogramas para a linguagem

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Everaldo Vasconcelos

cinematográfica e aqui vejamos a figura abaixo, que


chamaremos de árvore de Eisenstein, para sempre
lembrarmos ele quando nos referirmos aos planos de
detalhe.

A nossa classificação de planos difere um pouco


quanto à nomenclatura usual.

Os planos de detalhe contêm o sujeito da ação


como predominante e o desconstrói em suas partes.

A família dos planos de detalhe tem três


elementos básicos: o plano de detalhe aberto; o plano
de detalhe fechado e o plano de detalhe extremamente
fechado.

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Fazer filmes

EXERCÍCIO 13 - Escolha um ambiente e um


sujeito da ação neste ambiente. Aproxime-se do sujeito
até que você tenha retirado todo o entorno. Isto é o
que chamamos de Plano de detalhe, é o primeiro
membro da família, que chamaremos de Plano de
Detalhe longo. Veja a ilustração.

EXERCÍCIO 14 - Façamos outro exercício, que


chamaremos de imagem quebrada. Escolha um
ambiente, um sujeito, monte um quadro de um plano
de detalhe longo. Agora, mentalmente, quebre esta
imagem em três partes numerando-as de um a três.
Dirija o olhar para estas três partes. Depois reveja com
a memória estas partes em diversas ordens: um-dois-
três; três-dois-um; dois-um-três. Para o nosso
pensamento visual um plano de detalhe será sempre
um fragmento de algo maior e não somente uma
ilustração para outro plano.

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Everaldo Vasconcelos

O plano de detalhe fechado adentra para o


interior do corpo do sujeito, supera-lhe completamente
as bordas de sua figura.

EXERCÍCIO 15 - Escolha um sujeito. Construa


três protoplanos de detalhe fechado, isto é escolha três
pontos dentro do corpo do sujeito e foque a sua
atenção neles.Depois reveja mentalmente a seqüencia
destas imagens.

No plano de detalhe extremamente fechado a


região focada é ainda menor como se tentássemos
capturar algo que ultrapassasse a superfície do sujeito.

EXERCÍCIO 16 - A árvore de Eisenstein.


Escolha uma árvore em um ambiente. Faça um
protoplano médio longo da árvore. Divida a árvore em
três fragmentos. Agora pegue um dos fragmentos e
concentre a sua atenção nele. Divida estes fragmentos
em outros três fragmentos menores. Agora reveja o
protofilme em sua mente.

EXERCÍCIO 17 - A mesma arvore de Eisenstein


do exercício anterior. Faça um plano médio longo
emoldurando-o com as duas mãos. Divida a arvore em
três fragmentos fazendo três enquadramentos dos
mesmos. Escolha um deles. Produza três

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Fazer filmes

enquadramentos ainda mais fechados. Para finalizar


desenhe um filme palito.

Esta nossa classificação da amplitude dos planos


é útil para o nosso modo de fazer os filmes e poderá
ser utilizada também em outras formas de pensar a
prática da criação audiovisual. O nosso foco é câmera
antes mesmo da estória. Muitos livros focam o
processo de criação do audiovisual na elaboração do
roteiro. No cineviver, o lema é uma câmera na mão e
uma idéia na cabeça simultaneamente. O cineviver
enfatiza o uso da câmera na mão.

Como na música, vamos estudar a escala visual


de um ambiente. Começando pelo plano geral
extremamente aberto e indo até o plano de detalhe
extremamente fechado. Por analogia com a escala
musical diremos que a nossa escala visual tem nove
notas ou tons fundamentais. Também seguindo a
mesma analogia admitiremos que existam semitons,
que correspondem aos planos intermediários criados
por cada artista do audiovisual.

EXERCÍCIO 18 - Escolha um ambiente.


Escolha um sujeito neste ambiente. Vamos fazer um
protofilme com a escala visual. Faça os protoplanos
nesta ordem: 1- protoplano geral extremamente longo;
2- protoplano geral longo; 3- protoplano geral básico;
4- protoplano médio longo; 5- protoplano médio
completo; 6- protoplano médio aproximado; 7-
protoplano de detalhe longo; 8- protoplano de detalhe

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Everaldo Vasconcelos

fechado; 9- protoplano de detalhe extremamente


fechado. Agora reveja mentalmente a seqüência de
protoplanos de modo ascendente e de modo
descendente.

Lembre-se que chamamos de protofilme ao filme


mental que construímos sem os enquadramentos feito
com as mãos. O filme passa a existir quando
recortamos o ambiente com a moldura das mãos.

EXERCÍCIO 19 - Escolha um ambiente.


Escolha um sujeito neste ambiente. Vamos fazer um
filme com a escala visual. Faça os planos enquadrando-
os com as mãos nesta ordem: 1- plano geral
extremamente longo; 2- plano geral longo; 3- plano
geral básico; 4- plano médio longo; 5- plano médio
completo; 6- plano médio aproximado; 7- plano de
detalhe longo; 8- plano de detalhe fechado; 9- plano de
detalhe extremamente fechado. Agora desenhe o filme
palito desta seqüencia.

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Fazer filmes

6 Altura da câmera

A imagem que um plano captura depende da


altura do olho em relação ao sujeito da ação.
Chamaremos de olho a lente da câmera. Seguindo
a mesma lógica a lente da câmera é o nosso olho.
Chamaremos de altura normal da câmera àquela
na qual a linha que liga o olho ao ponto mais alto
do sujeito é paralela ao chão. Esta é uma posição
na qual a imagem não é deformada pela
perspectiva. Esta é uma definição que nos ajudará
a imaginar as possibilidades da poesia visual.

Temos então três posições básicas: Normal,


Câmera Baixa ou Contra-Plongée; Câmera Alta ou
Plongée.

O olho na posição normal significa que a câmera


está com o sujeito da ação numa posição de
igualdade. A posição normal dominante em um
filme revela sob que perspectiva o diretor está

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Everaldo Vasconcelos

colocando um grupo de personagens no filme. No


filme ET, por exemplo, Steven Spielberg, narra
algumas seqüências sob a perspectiva das
crianças, então vemos os adultos aparecerem no
quadro com o corpo cortado na altura das pernas,
revelando que o mundo estava ali sob a ótica das
crianças. Lembrem das imagens de entrevistas
para a televisão feitas em lugares públicos onde a
altura normal da câmera enquadra os adultos e
vemos algumas crianças saltarem na frente da
câmera para aparecerem na imagem. A altura que
estabelecemos como normal para câmera revela
muito sobre quem consideramos ser o dono
daquela imagem-narrativa.

Chamamos de imagem-narrativa a imagem


audiovisual que provoca no espectador a criação
mental de uma estória. O espectador nunca é
passivo. A sua mente é como um lago tranqüilo
que cada imagem perturba provocando ondas
narrativas.

A câmera alta ou Plongée é quando colocamos o


olho acima da linha normal. O sujeito da ação será
visto acima de sua altura, cujo limite é noventa
graus com a câmera colocada a pino sobre a
cabeça do sujeito. Esta é uma posição que tem
sido utilizada para inferiorizar o sujeito, reduzir a

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Fazer filmes

sua força. Esta não é uma regra infalível, por


exemplo, no filme de combate aéreo, quando a
aeronave está vulnerável ao fogo de artilharia
antiaérea, a câmera alta do ponto de vista dos
ocupantes da aeronave com relação à terra revela
a fragilidade dos aeronautas sob o fogo intenso. A
câmera alta lembra a figura de um triângulo cuja
base é o chão e revela primeiramente a relação do
sujeito com este chão, seja de superioridade ou de
inferioridade.

A câmera baixa ou contra-plongée é quando


colocamos o olho abaixo da linha normal. O sujeito
da ação será visto abaixo de sua altura, cujo limite
é posição de câmera no chão. É comum associar
este tipo de posição a um reforço na força do
sujeito, mas do mesmo modo que foi dito com
relação ao Plongée, isto depende da situação.
Sempre será possível construir uma imagem que
contrarie a regra. O que é certo é que trata-se de
uma figura que lembra um triangulo cuja base
está no alto e que sugere que o sujeito da ação
está por cima. Se isto o torna mais poderoso ou
não dependerá das circunstâncias.

O estudo das alturas da câmera é útil porque no


cineviver usaremos sempre a câmera na mão e
poderemos rapidamente passar de uma altura a

37
Everaldo Vasconcelos

outra fazendo com que o cineasta altere a sua


altura com relação ao sujeito, ora se agachando
ora subindo em alguma coisa. Cada filme
necessitará de seu próprio movimento.

EXERCÍCIO 20 - Protofilme com as alturas de


câmera. Escolham uma pessoa. Posicione-se em
frente dessa pessoa e alinhe o teu olho com o alto
da cabeça dela. Tome consciência desta imagem.
Agora se coloque na linha abaixo da linha normal.
Tome consciência desta segunda imagem. Agora
se coloque acima da linha normal. Tome
consciência acima da linha normal. Tome
consciência desta terceira imagem. Agora feche os
olhos e reveja a seqüência de imagens.

EXERCÍCIO 21 - Imaginação com a câmera da


mente. Escolha um sujeito no ambiente que seja
muito mais alto que você, por exemplo, uma
árvore, um poste, um edifício. Então com a
imaginação posicione-se na linha normal. Tome
consciência de como poderia ser esta imagem.
Então com a imaginação desloque-se para cima da
linha normal Tome consciência de como esta
imagem poderia ser. Agora se desloque para a
posição real abaixo da linha normal e tome
consciência desta imagem. Agora reveja a
seqüência em um filme mental.

38
Fazer filmes

EXERCÍCIO 22 - Escolha um objeto muito mais


baixo que você. Repita a mesma seqüência do
exercício anterior.

Estes exercícios nos ajudam a desenvolver a nossa


capacidade de construir filmes mentais e depois
usar uma câmera para gravá-los.

39
Everaldo Vasconcelos

7 Movimento no ponto fixo

A câmera move-se em busca do espírito do sujeito da


ação. Ele tem dois modos básicos: 1- move-se
permanecendo num ponto fixo ou move-se se
deslocando simultaneamente. Cada um destes modos
implica em construções visuais diferentes.

Os movimentos de câmera ampliam os limites dos


planos, criam corredores de energia visual e conferem
dinamismo a partir de si mesmos tomando certa
independência do sujeito da ação. É como se câmera
avisasse que está ali. Ao mover-se ela quebra a ilusão
da moldura do plano em sua fixidez. O plano é algo que
emoldura o sujeito e o seu entorno. O movimento pode
fazer com que um plano se transforme em outro.

Estudaremos agora os movimentos de um ponto fixo.


Definiremos quatro movimentos: 1- Horizontais; 2-
Verticais e 3- Diagonais e 4- Circulares.

Os movimentos horizontais são conhecidos como


Panorâmicas. A câmera gira em torno de seu eixo
vertical fazendo uma varredura no sentido horizontal.

40
Fazer filmes

As Panorâmicas podem ser:

Sentido horário - Panorâmica para a direita,

Sentido anti-horário - Panorâmica para a esquerda.

O olho gira sem deslocar-se para construir uma


determinada imagem. As panorâmicas podem ser feitas
em três alturas: normal, baixa e alta.

EXERCÍCIO 23 - Escolham um ambiente. Façam um


protoplano geral longo. Executem uma panorâmica
completa de 360 graus na altura normal. Revejam
mentalmente o protofilme.

EXERCÍCIO 24 - Escolham um ambiente. Façam um


protoplano geral longo. Executem uma panorâmica
completa de 360 graus na altura contra-plongée ou
baixa. Revejam mentalmente o protofilme.

EXERCÍCIO 25 - Escolham um ambiente. Façam um


protoplano geral longo. Executem uma panorâmica
completa de 360 graus na altura plongée ou alta.
Revejam mentalmente o protofilme.

EXERCÍCIO 26 - Escolham um ambiente. Façam um


protoplano geral longo. Executem uma panorâmica
completa de 360 graus em onda começando na altura
plongée ou alta, passando pela altura normal e indo
para a altura contra-plongée ou baixa. Revejam
mentalmente o protofilme.

41
Everaldo Vasconcelos

Observem que o mundo ao redor da câmera é como um


cilindro que é construído pelo movimento circular. Ao
varrer este mundo você está recortando uma tira dele.
É importante demarcar quais são os pontos de atenção
que são recortados pelo movimento da câmera.

Utilizaremos o recurso de orientarmos o nosso


movimento como se estivéssemos em cima de um
grande relógio. Na nossa frente fica o lugar das doze
horas. No nosso ombro direito fica o lugar das três
horas. Nas nossas costas fica o lugar das seis horas.
No nosso ombro esquerdo fica o lugar das nove horas.

EXERCÍCIO 27 - Escolham um ambiente. Na posição


das doze horas marquem um ponto de atenção. Façam
um protoplano geral longo. Na posição das três horas
marquem um ponto de atenção. Façam um protoplano
geral longo. Na posição das seis horas marquem um
ponto de atenção. Façam um protoplano geral longo.
Na posição das nove horas marquem um ponto de
atenção. Façam um protoplano geral longo. Executem
uma panorâmica completa de 360 graus indo de um
plano a outro. Revejam mentalmente o protofilme.

As possibilidades deste movimento são imensas,


permitindo inúmeras situações visuais. O básico dele
todos conhecemos nos filmes, que é revelar uma
determinada parte do cenário ou seguir uma
personagem.

O movimento vertical é conhecido como TILT e


aplicamos a ele a mesma lógica da Panorâmica. No Tilt

42
Fazer filmes

pensamos que o cilindro está deitado. O Tilt pode ser


para cima se o movimento inicia em direção ao alto. O
Tilt pode ser para baixo se o movimento inicia em
direção do chão. Aplicaremos o mesmo recurso do
relógio. Em cima está o lugar das 12 horas. Na nossa
frente à altura do peito está o lugar das três horas. Em
nossos pés está o lugar das seis horas. Nas nossas
costas à altura dos ombros está o lugar das nove horas.

EXERCÍCIO 28 - Escolham um ambiente. Façam um


protoplano geral longo. Executem um Tilt completo de
360 graus. Revejam mentalmente o protofilme.

EXERCÍCIO 29 - Escolham um ambiente. Na posição


das doze horas marquem um ponto de atenção. Façam
um protoplano geral longo. Na posição das três horas
marquem um ponto de atenção. Façam um protoplano
geral longo. Na posição das seis horas marquem um
ponto de atenção. Façam um protoplano geral longo.
Na posição das nove horas marquem um ponto de
atenção. Façam um protoplano geral longo. Executem
um tilt completo de 360 graus indo de um plano a
outro. Revejam mentalmente o protofilme.

O outro movimento importante é a diagonal no qual a


câmera sai de um ponto alto na extrema esquerda para
um ponto baixo na extrema direita dentro do ambiente
à sua frente, ou vice-versa.

O movimento circular também é muito útil ao trabalho


criativo e consiste em girar a câmera formando o
desenho de um círculo no ambiente à sua frente.

43
Everaldo Vasconcelos

8 Movimento com deslocamento

As imagens também se aproximam ou se afastam de


seus sujeitos, deslocando-se em busca dos mesmos.
Nestes movimentos a câmera traça uma trajetória
entre ela e o sujeito.

Podemos classificar estes movimentos em: Retos,


Curvos e irregulares. Na construção do grafismo do
filme o resultado audiovisual depende diretamente da
natureza destes movimentos. Será preciso também
aprender a caminhar com a câmera para obter
estabilidade na imagem. Não utilizaremos gruas, ou
trilhos e nem carrinhos. Faremos tudo com o nosso
próprio corpo.

EXERCÍCIO 30 - Estabilizar o olho. Escolha um


ambiente e trace uma linha mental na imagem. Faça
um canudo com a mão de tal modo que possa visualizar
a linha mental através dela. Então siga esta linha com
rigor. Reveja esta imagem mentalmente.

Nestes movimentos a câmera anda com o sujeito da


ação, em busca dele ou afastando-se do mesmo.

44
Fazer filmes

Quando a imagem anda com o sujeito da ação dizemos


que este movimento são Travellings ou Passeios. Aqui
a câmera vai junto com o sujeito

- ao seu lado;

- à sua frente,

- ou por trás,

- subindo verticalmente ou

- descendo.

Lembrando que este movimento pode ser reto, curvo


ou irregular dependendo do contexto.

EXERCÍCIO 31 - Determine dois sujeitos distantes


um do outro num ambiente. Faça uma linha mental
entre estes sujeitos. Faça um protoplano médio
completo do primeiro sujeito e agora caminhe
mantendo a linha mental sempre no centro até o
sujeito dois. Reveja mentalmente o protofilme.

EXERCÍCIO 32 - Refaça o exercício anterior


acrescentando uma moldura com as mãos.

EXERCÍCIO 33 - Seguir a personagem AO LADO.


Em duplas. Determine quem é a personagem e quem é
a câmera. A personagem irá fazer uma caminhada em
linha reta. A câmera o enquadrará emoldurando-o com
as duas mãos em um plano médiocompleto. Cuide da
composição de seu entorno. Então a personagem

45
Everaldo Vasconcelos

caminhará enquanto a câmera o acompanha AO LADO


mantendo o enquadramento. Reveja o filme na
memória.

EXERCÍCIO 34 - Seguir a personagem À FRENTE.


Em duplas. Determine quem é a personagem e quem é
a câmera. A personagem irá fazer uma caminhada em
linha reta. A câmera o enquadrará emoldurando-o com
as duas mãos em um plano médio completo. Cuide da
composição de seu entorno. Então a personagem
caminhará enquanto a câmera o acompanha à sua
frente mantendo o enquadramento. Reveja o filme na
memória.

EXERCÍCIO 35 - Seguir a personagem POR TRÁS.


Em duplas. Determine quem é a personagem e quem é
a câmera. A personagem irá fazer uma caminhada em
linha reta. A câmera o enquadrará emoldurando-o com
as duas mãos em um plano médio. Cuide da
composição de seu entorno. Então a personagem
caminhará enquanto a câmera o acompanha por trás
mantendo o enquadramento. Reveja o filme na
memória.

Quando o sujeito permanece fixo e a câmera se


aproxima do mesmo dizemos que este movimento é um
Dolly IN. A câmera vai à busca do sujeito da ação
trazendo-o de uma posição menor para uma posição
maior no campo de visão. Isto implica numa ampliação
de sua importância no contexto visual.

46
Fazer filmes

EXERCÍCIO 36 - Escolha um sujeito em um


ambiente. Enquadre-o num plano geral longo. Agora
caminhe em sua direção até enquadrá-lo num plano de
detalhe longo. Reveja o filme na memória.

Quando o sujeito permanece fixo e a câmera se afasta


dizemos que este é um Dolly OUT. O sujeito que tinha
para si um grande campo visual agora vai perdendo-o à
medida que o entorno toma uma posição de
proeminência. Relembrando o que discutimos nos
capítulos anteriores da importância de incluir o
entorno em nosso raciocínio visual.

EXERCÍCIO 37 - Escolha um sujeito em um


ambiente. Enquadre-o num plano de detalhe longo.
Agora caminhe afastando-se até enquadrá-lo num
plano geral longo. Reveja o filme na memória.

Seguindo com os nossos exercícios de raciocínio visual,


estudaremos dois movimentos especiais que são: 1 - O
círculo centrípeto e 2 - o círculo centrifugo.

O circulo centrípeto é um movimento circular ao redor


do sujeito da ação que está colocado no centro deste
circulo. A câmera circula-o levando para ele todas as
atenções. Daí o seu nome, centrípeto, porque o mesmo
tende ao centro.

EXERCÍCIO 38 - Determine um sujeito num


ambiente. Coloque-se a certa distância do mesmo.
Enquadre um plano médio completo do sujeito. Fixe
com precisão na memória o quadro inicial. Faça um

47
Everaldo Vasconcelos

movimento circular ao redor do sujeito terminando


com precisão no mesmo quadro inicial. Reveja o filme
na memória.

O circulo centrifugo também é um movimento circular


ao redor do sujeito da ação que está colocado no
centro deste circulo. Mas câmera circula-o afastando
dele todas as atenções, pois fica voltada para o
exterior. Daí o seu nome, centrifugo, porque o mesmo
tende ao exterior afastando-se do centro. É um
movimento no qual pretendemos revelar o sujeito que
está oculto por trás da câmera pelo que é exterior.

EXERCÍCIO 39 - Determine um sujeito num


ambiente. Coloque-se a certa distância do mesmo.
Enquadre um plano médio completo do sujeito. Volte-
se na direção oposta. Fixe com precisão na memória
um quadro inicial. Faça um movimento circular ao
redor do sujeito terminando com precisão no mesmo
quadro inicial. Reveja o filme na memória.

48
Fazer filmes

9 Exercícios com a câmera

A câmera é o nosso instrumento de criação.


Precisamos dela da mesma forma que necessitamos de
um esqueleto para andar. Sem ela todas as nossas
aventuras pelo reino da linguagem cinematográfica são
somente um músculo flácido sem condições de estar no
mundo. A câmera é o que nos coloca na vida, que torna
possível existir com os outros seres humanos.

A vida é um processo de compartilhamentos de nossas


experiências e energias vitais. Assim para que nos
façamos artistas do cineviver precisamos ter a câmera
como aquilo que nos torna possíveis.

Escolham o esqueleto de vocês. Qual a câmera que


vocês trazem? Ela precisa ser leve e nos ajudar a agir
com a rapidez de nosso pensamento. Em alguns
momentos transferiremos a própria razão de
existirmos para ela, ela conterá o nosso coração e os
segredos mais íntimos de nossa alma, ela saberá de
tudo ao nosso respeito. Ela é como um bisturi capaz de
cortar os véus de nosso espírito e nos revelar para um
olhar atento. Sabendo disso vamos conscientemente
dizer através delas todos os nossos mistérios. Não se

49
Everaldo Vasconcelos

assustem com isso, nem todos os espectadores irão


conseguir ler as filigranas secretas que movem a
imagem.

Até o momento trabalhamos exercícios sobre a


linguagem criativa audiovisual procurando educar a
nossa mente para este processo criativo. Agora vamos
incorporar a câmera a estes procedimentos.

O primeiro momento é imaginar uma câmera fora de


nosso controle e para isso vamos fazer o jogo da
câmera cega.

EXERCÍCIO 40 - PROCURA CEGA. Escolhemos a


câmera de alguém que será o operador da mesma.
Colocaremos uma venda nos olhos do operador. Então
o colocaremos no centro da sala. Alguém ao redor lhe
dará instruções do tipo: "Estou aqui". O operador da
câmera então procurará enquadrá-la. Depois outra
pessoa em outro ponto da sala fará o mesmo e o
procurador procurará encontrá-la. Depois de três
minutos. Revemos o filme sem qualquer edição numa
televisão através de cabo de ligação direta.

EXERCÍCIO 41 - CAMINHADA CEGA. Escolhemos


alguém para ser o operador da câmera. Colaremos
uma venda nos olhos do mesmo. Escolhemos uma
pessoa que será o guia. Então faremos uma caminhada
saindo da sala de aula indo até algum outro ambiente.
O guia irá conduzindo o operador tocando-o no ombro
e dando-lhe instruções para que lado voltar a
câmera.Depois de cinco minutos. Revemos o filme sem

50
Fazer filmes

qualquer edição numa televisão através de cabo de


ligação direta.

Este primeiro exercício nos coloca diante da


necessidade de direção da imagem. No primeiro,
vemos que a câmera cega procura algo a partir de um
estímulo externo a ela, que lhe dirige o movimento.
Isso pode acontecer inúmeras vezes numa situação de
criação audiovisual, são fatores externos que guiam a
imagem e o operador tem que possuir a sensibilidade
de segui-las.

No segundo exercício, temos também um estímulo


externo representado pela voz do guia, esta voz guia
da câmera é a sua consciência, que no futuro será o
diretor do filme, aquela voz que determina como a
imagem está sendo construída como pensamento
audiovisual.

EXERCÍCIO 42 - RESPIRAÇAO DA CAMERA. Agora


todos devem sentar-se em circulo devem pegar as suas
câmeras. Fazer um enquadramento da pessoa a sua
frente. Inspirar profundamente, reter alguns segundos
e expirar lentamente. Na próxima inspiração mudar a
câmera para outra pessoa e repetir o processo. Fazer
isso com mais uma pessoa. Depois rever os filmes em
pequenos grupos.

Todo ser vivo precisa respirar para existir. Por


analogia, vamos admitir que a câmera é um ser vivo
que necessita de nossa respiração, de nossa emoção,
de nossa razão audiovisual.

51
Everaldo Vasconcelos

Cada equipamento possui as suas especificidades que


devem ser muito bem conhecidas de cada operador. A
diferença entre um artista e um usuário que faz
registros caseiros é que o artista conhece o seu
instrumento e sabe exatamente o que quer, seja como
experimentação seja como construção formal.

Verifiquem o manual de seus respectivos


equipamentos, examine-o, veja o que é possível fazer
com ele, qual a sua capacidade de memória, qual o
formato de gravação. Aqui estamos chamando de
câmera tudo aquilo que possa registrar a imagem em
movimento, um celular, uma câmera digital, uma
câmera VHS, uma câmera 35 mm, qualquer
instrumento, desde que permita toda a experimentação
que queremos fazer. Claro, que o nosso foco são as
tecnologias portáteis, mas não imponhamos censura
em algo que precisa estar livre. Se alguém pode usar
um equipamento mais pesado, inclusive
financeiramente, sinta-se à vontade para participar do
cineviver.

A câmera é a nossa rainha-mãe. Os nossos filmes tem a


sua benção e cada mãe tem filhos diferentes cada qual
com a sua marca. Assim nos créditos dos filmes sempre
registraremos quem é a sua mãe.

52
Fazer filmes

10 Filme - repente

Um filme é o que ocorre enquanto acontece diante dos


espectadores. Ele está sempre no presente diante de
seus olhos. Ele sempre se atualiza diante de cada
olhar. O filme é uma janela de produção de sentidos
através do tempo, como os buracos de minhoca do qual
falam os físicos quânticos que unem dois lugares do
universo distantes no espaço-tempo. Algo que produz
sentidos para cada pessoa de modo pessoal e
intransferível através de eras. Assim quando fazemos
um filme devemos ter em mente que estamos
produzindo estes canais de ligação entre as pessoas.

Um filme tem a capacidade de tornar uniforme uma


determinada idéia em um grupo, mas também provoca
o intimo de cada individualidade. Um filme tem
poderes mágicos se soubermos encontrar como
despertar essa magia.

O que ocorre num filme é o seu caminho. Para


descobrir este caminho há muitos modos de proceder.

Tanto se pode conceber o filme na mente e ir para o


campo construí-lo, como também se pode ir para o

53
Everaldo Vasconcelos

campo e raciocinar junto com o momento em que o


filme nasce.

Temos estudado a realização de filmes com um


enfoque no primeiro modo de proceder: primeiro
planejamos o filme, escrevemo-lo, gravamo-lo e o
finalizamos na ilha de edição. O cineviver faz uso deste
procedimento que está amplamente desenvolvido em
muitos livros disponíveis para os interessados.
Dedicaremos depois um tempo para esta abordagem.

Neste capítulo, iremos explorar as técnicas do


improviso na produção de filmes. Esta será a nossa
primeira incursão na produção. Estudaremos o
segundo procedimento que é pensar o filme enquanto
fazemo-lo. O nosso ponto de partida será o desejo de
vivermos esta experiência sem preconceitos. É preciso
estar desarmado para conseguir tirar proveito desta
experiência.

EXERCÍCIO 43 - Munidos com a câmera. Escolham


um ambiente. Comecem a gravar usando o seguinte
mote entre uma imagem e outra: "Isto vem depois
disto". Construam a seqüência de imagens sem
retoques nem repetições. Usem a variação de planos
que já estudamos. Não tenham medo de errar um
enquadramento, apenas vá seguindo a sua intuição.
Depois em grupo reveja o filme de cada participante.

EXERCÍCIO 44 - Filme-repente com esquema de


sextilhas.

54
Fazer filmes

Vamos usar agora o conceito de sextilha da poética


popular do nordeste brasileiro. Vamos usar uma
seqüência fixa para as imagens. Serão seis clipes
arrumados da seguinte forma. ABCBEB, nos quais as
letras A, C, e E são planos de diferentes amplitudes e a
letra B é um plano de determinada amplitude que é
repetido.

Por exemplo:

1 - plano médio aproximado

2- plano de detalhe extremamente fechado

3- plano geral extremamente longo

4- plano de detalhe extremamente fechado

5- Plano geral longo

6 - plano de detalhe extremamente fechado

Apenas os planos 2,4 e 6, obedecem à mesma


amplitude, mantendo a analogia com o esquema de
rimas da sextilha da poesia popular nordestina.

Grave um filme-repente com o esquema descrito


acima. Depois em grupo reveja o filme de cada
participante.

Podemos também improvisar a partir de um tema


dado, na poesia popular seria mote.

55
Everaldo Vasconcelos

EXERCÍCIO 45 - Dado um mote comum a todos. Fazer


um filme-repente e compartilhá-lo com o grupo.

Os filmes-repentes nos ensinam a lidar com o inusitado


e a aproveitarmos bem o grande tesouro imagético que
se descortina diante de nós. Este é um exercício de
liberação da escrita audiovisual e funciona também
como um descongestionante de nossos canais criativos
que estão entupidos de modelos aceitos e carimbados
pela indústria do audiovisual.

Quando empunhar a sua câmera pense que é um


violeiro com a tarefa de encontrar poesia no caos.
Sinta a imagem com todos os seus sentidos e não
apenas com a visão. Sinta-se livre para capturar a
imagem que vier à sua câmera, controle-a com o
conhecimento que dispõe, mas não tente forjá-la com
os seus preconceitos cinematográficos. Experimente de
forma livre.

EXERCÍCIO 46 - Filme-repente de arte. Capture


imagens de formas, volumes e luz. Faça-os dialogar
imageticamente. Reveja o filme junto com os outros
participantes.

EXERCÍCIO 47 - Filme-repente de exploração do


próprio corpo. Faça um filme de apresentação de seu
corpo. Reveja o filme com os outros participantes.

EXERCÍCIO 48 - Capture imagens de pessoas em


movimento. Faça cada plano dialogar com o anterior
por semelhança ou diferença.

56
Fazer filmes

EXERCÍCIO 49 - Ilustrar uma música. Faça imagens


que ilustrem uma música dada.

A técnica do filme-repente é muito produtiva, mas


possui os seus limites. Mesmo no improviso há que
existir algum pensamento norteador. O filme-repente
não é algo feito meramente ao acaso. Antes, é uma
leitura de nossa disposição interior de nossas emoções
internas diante do mundo. O filme-repente não
substitui o cuidado na realização de um filme.

57
Everaldo Vasconcelos

11 O roteiro

Para se fazer um filme é necessário ter em conta de


que muitas de nossas experimentações no filme-
repente não serão possíveis.

O improviso tem a sua utilidade e nunca deixará de


estar presente em nossas atividades criativas, mas
esteja certo de que não podemos viver apenas dele.
Mesmo a arte do improviso mais reconhecida, como é
a Comédia dell’ arte, baseia-se em estruturas bem
fundamentadas. Os jogadores das competições de
improviso teatrais também se baseiam em estruturas
que são ensaiadas previamente. Também na música a
improvisação obedece ao conhecimento de certos
padrões.

Assim, fazer um filme, principalmente, requer muito


planejamento, pois por ser uma arte de equipe, se faz
necessário criar uma mente coletiva com objetivos
comuns e isto demanda preparação. Este conceito de
mente coletiva do empreendimento que queremos
realizar vem do trabalho de Napoleon Hill, A Lei do
Triunfo, que criou o conceito de Master Mind, que é

58
Fazer filmes

quando um grupo de pessoas tem um claro objetivo em


comum.

No cinema este claro objetivo em comum precisa ser


construído com delicadeza desde a fase de preparação.
Esta primeira fase exige que se pense o filme, que se
escreva ele. Muitos dizem, que na verdade fazemos
sempre três filmes: um que escrevemos, outro que
filmamos e outro que finalizamos na montagem final.
De fato, são três momentos que não se podem separar,
pois estão intimamente interligados.

A primeira fase. Escrever o filme. Sair da idéia para


um roteiro que permita se pensar uma produção. O
roteiro é o documento que permite calcular o filme,
estabelecer um orçamento para o mesmo, estabelecer
uma agenda de produção. É o documento fundamental.

Um roteiro não é para ser uma peça literária para ser


lida por numeroso público de aficionados, mas um
documento escrito, que é o inicio de um processo de
criação audiovisual, que orientará aquela equipe que
se envolverá com a produção do mesmo. Assim, se faz
um roteiro para atender às nossas necessidades
daquele momento de produção. É tanto que é livre a
criação de roteiros e suas formas desde que atenda as
necessidades daquela equipe especifica.

Fazer um roteiro é fundamentalmente isto, colocar no


papel algo que servirá para calcular o filme, note bem,
estamos dizendo CALCULAR; algo bem material.

59
Everaldo Vasconcelos

Um filme terá gastos de algum tipo. Como se diz no


mundo dos negócios, não existe almoço grátis. Assim
também é um filme, alguém vai pagar os custos dele,
seja quem for, no nosso caso, o próprio diretor irá
arcar com as despesas. Mas lembre-se, não é gratuíto.
Um filme de orçamento zero sai do bolso dos
participantes.

Fazer um filme envolve custos e ter um roteiro nos


ajuda a calculá-lo. É necessário também saber que os
custos de um filme são traduzíveis em dinheiro, e este
dinheiro tem uma vida no tempo, portanto dinheiro e
tempo no processo de fazer um filme andam de mãos
dadas. Não há como fugir desta realidade.

Todo custo que é minimizado através de trabalho


voluntário, por exemplo, depende da agenda destes
voluntários. É uma tarefa árdua conciliar todas as
agendas para que tudo dê certo. Num filme com
orçamento, os aluguéis de equipamentos e os
pagamentos dos profissionais envolvidos são medidos
pelo tempo de envolvimento com a produção.

Fazer o roteiro é preparar o caminho para este


universo. Outro fator que confere ao roteiro a
importância de ponto de partida é porque através dele
é possível vislumbrar se o filme terá um futuro ou não.
Pelo roteiro é possível prever um pouco como será o
filme final. Um bom roteiro pode resultar num bom
filme, mas um mau roteiro dificilmente dará um bom
filme.

60
Fazer filmes

É claro que alguns diretores conseguiam trabalhar


com apenas poucas indicações escritas em um papel,
mas não se enganem este roteiro estava lá na mente de
seu criador. Goddard é um bom exemplo de um diretor
que realizou filmes com roteiros que estavam mais
dentro de sua cabeça do que no papel. Ele conseguia
realizar o filme com a equipe, porque conseguia
transmitir-lhes com precisão aquilo que já havia
pensado. É possível trabalhar com roteiros não-
convencionais. Leon Hirzman, cineasta brasileiro,
quando filmou São Bernardo, usou o próprio romance
como roteiro, fazendo anotações na margem do livro.
Cada realizador irá encontrar o seu modo de trabalhar,
mas nada custa aprender a usar o formato consagrado
pela indústria cinematográfica durante este último
século de existência.

É uma demonstração de tola rebeldia querer negar a


experiência acumulada. O trabalho experimental não
exclui o conhecimento. Para Picasso inventar o
cubismo ele estudou e praticou muito bem a pintura
clássica. A invenção não surge do nada.

61
Everaldo Vasconcelos

12 Roteiros incomuns

Vamos experimentar os roteiros não-convencionais: a


lista, o mapa mental, a borda do texto e os círculos na
imagem. São exercícios de criação que podem servir
de base para uma produção audiovisual.

A LISTA

Trata-se de fazer uma lista dos planos que iremos


gravar. Para fazer isto, no entanto é necessária uma
preparação. Defina um tema e então liste uma série de
planos que expressem o mesmo. Na preparação da
listagem temos que observar a amplitude dos planos
que queremos gravar, por exemplo, se ele é um plano
geral ou um plano médio e assim por diante.

Este exercício nos ajuda a tomar consciência da


narrativa audiovisual. Se faço a escolha de um
determinado plano para iniciar a lista, devo me
perguntar qual deveria ser o segundo plano para
produzir sentido quando antecedido pelo primeiro e
assim por diante. Não há regras fixas. Tudo pode ser
tentado, mas é útil perceber que informações são

62
Fazer filmes

necessárias em cada plano para construir uma


seqüência com certa lógica.

Quando falamos de lógica não estamos querendo nos


referir a uma lógica dominante externa ao artista. Este
deve agir com a sua própria lógica interior, mas
procurando na medida do possível estabelecer pontes
de sentido para o espectador. No video-arte, por
exemplo, a seqüência de imagens obedece ao
sentimento do artista e as imagens irão se suceder
obedecendo a este propósito.

EXERCÍCIO 50. Escolha um tema. Faça uma lista de


imagens que ilustrem e contem este tema. Dê a cada
uma dessas imagens uma amplitude, se são plano
geral, médio ou de detalhe. Imagine cada quadro com
detalhes e faça o filme-palito deste roteiro. Apresente o
filme aos colegas de grupo.

A lista de imagens poderá servir para obter sugestões


de decupagens de qualquer roteiro, é como um
brainstorming, técnica de levantamento de idéias
muito usada em processos de criação.

MAPA MENTAL

Esta é uma técnica que pode ser útil em muitas


situações. O mapa mental é um recurso criativo criado
por Tony Buzan. Consiste em desenhar numa folha de
papel uma rede de conexões entre várias idéias. Veja a
figura seguinte.

63
Everaldo Vasconcelos

64
Fazer filmes

EXERCÍCIO 51. Pegue uma folha de papel e desenhe


no centro um círculo, dentro do mesmo escreva o nome
do tema de seu filme. Então desenhe três outros
círculos ao redor do circulo central. Divida o seu tema
em três subtemas e escreva o nome de cada uma delas
dentro destes círculos. Agora ao redor de cada um
destes círculos de subtemas desenhe nove círculos um
para cada tipo de plano: Planos gerais, planos médios e
planos de detalhe. Então de cada circulo de planos
puxe uma seta com a descrição de uma imagem
daquela amplitude que pretende gravar.

Depois de ter preenchido o mapa numere os planos na


seqüência que deseja gravá-los.

A técnica do mapa mental pode ser adaptada a sua


necessidade, e ser utilizada em qualquer fase da
produção para estudar um determinado problema.
Você pode aprender mais sobre esta ferramenta na
internet onde existem programas freeware para
confecção deles.

BORDAS DE UM TEXTO

As bordas de um texto principal, literário ou não.


Consiste em aproveitar as margens do texto para
anotar os tipos de planos que você gostaria de usar
para contar aquele trecho de texto ao lado.

EXERCÍCIO 52. Pegue um conto ou um poema. Faça


uma cópia. Sublinhe no texto tudo o que evoca uma ou
necessita de uma imagem para ser contada. Ao lado

65
Everaldo Vasconcelos

dos sublinhados anote os planos que usará para contar


este texto. Veja que não estamos fazendo restrição aos
tipos de textos. Tudo depende do bom senso do artista
audiovisual e de sua capacidade criativa.

CÍRCULOS NA IMAGEM

Outro recurso não convencional é usar uma estampa


ou uma colagem de imagens retiradas de revistas,
livros, fotografias familiares, desenhos.

EXERCÍCIO 53. Consiste em produzir uma colagem


com uma coleção de imagens que se assemelham por
analogia com o filme que queremos realizar. Depois
passeie pela imagem fazendo círculos e numerando-os
numa seqüência de como você gostaria que ficasse o
filme final. Note que as imagens não são exatamente o
que você quer, elas são parecidas apenas, pois se fosse
a imagem desejada então você já estaria indo para o
campo fazer o trabalho a câmera.

Estes exercícios são livres e podem ser combinados


entre si. Não há limite para os recursos que você
mesmo possa criar. Sinta-se a vontade para inventar.
Lembre-se somente que isto serve para você e caso
haja uma equipe junto, você deve explicar tudo
minuciosamente e estar disposto a tirar qualquer
dúvida a qualquer momento.

66
Fazer filmes

13 Realidade e imaginação

Quando pensamos em um roteiro, estamos pensando


em um caminho para realizar algo, no nosso caso é
uma produção audiovisual, isto é uma construção
imagética a partir do que uma câmera captura e sob a
direção do olhar das pessoas que comandam esta
câmera.

O mundo é imenso e está ao nosso redor, desde


sempre, bem antes de termos nascido, e vai continuar
por aqui até o sol explodir e se tornar um buraco
negro. Assim não dá para ter ilusão de que estamos
construindo um tipo de realidade quando voltamos a
nossa câmera para algum assunto.

Nossa luta com o real é de caráter ainda mais delicado,


pois em qualquer momento estamos construindo-o,
mas de formas diferentes e com pequenas nuances que
fazem a diferença nos estilos de filmes que fazemos.
Há aquela velha discussão se é documentário ou
ficção.

De certo modo tudo pode ser encarado como uma


ficção, dependendo do ponto de vista. E do outro lado

67
Everaldo Vasconcelos

da moeda também é verdadeiro, todo filme é também


um documentário daquele momento diante da câmera.
Esta é uma discussão conceitual muito delicada que
mais atrapalha do que ajuda.

Veremos que não dá para ir para o campo gravar um


documentário com o mesmo tipo de detalhe que temos
num roteiro de ficção. No documentário vale mais o
diálogo com o ambiente. Acontece neste embate algo
que Sergio Santeiro chamou de dramaturgia natural e
caberia ao cineasta encontrar o modo de compor esta
narrativa.

Na discussão de
como sair para
o campo com o
nosso filme
temos que ter
muita clareza
do que
queremos. No
documentário,
por exemplo,
em Louisiana
Story e Nanook
de Robert
Flaherty, dois
clássicos do documentário que estudamos na escola;
são de fato uma narrativa muito bem ensaiada , se bem
que sobre a vida de pessoas comuns em seu ambiente

68
Fazer filmes

natural. A foto acima é de Robert Flaherty em


1949/Haywood Magee.

Também as Brasilianas do gênio do cinema brasileiro


Humberto Mauro, mostram claramente esta ação do
cineasta construindo a realidade que ele está
documentando.

Não existe olho inocente atrás de uma câmera, todos


são culpados. No documentário a dose de invenção é
muito grande, veja o cineasta Manfredo Caldas com o
seu filme O Vaqueiro Voador, é um documentário que
adentra para os reinos interiores da mente coletiva.
Não é um olho externo, mas uma lupa em cima da alma
brasileira a contemplar a construção de Brasília.

Manfredo Caldas

Assim também veja Vladimir de Carvalho e o seu


Homem de Areia, só para citar um exemplo. E Silvio
Tendler este grande inventor do Brasil com os seus
filmes sobre aspectos fundamentais da nacionalidade.

69
Everaldo Vasconcelos

Lembre igualmente de Michael Moore redefinindo a


América do Norte com os Tiros em Columbine(Bowling
for Columbine) e Fahrenheit 11 de Setembro. São
releituras das leituras que se fazem sobre o real.

Michael Moore

Imaginação é algo que fundamenta o trabalho do


documentarista. É uma grande besteira fazer esta
dicotomia entre documentário e ficção, dando ao
primeiro um lugar de menos importância no trabalho
criador. Esta atitude faz parte dos preconceitos que
são passados de mão a mão entre as gerações.

A realidade é também obra de nossa imaginação. O


mesmo grau de liberdade existe entre um e outro, o
mesmo grau de interferência. Mas é claro que há

70
Fazer filmes

algumas diferenças no modo de usar esta relação entre


realidade e imaginação.

No documentário, há uma atitude dialógica mais


positiva, menos agressiva, é um diálogo entre o
imprevisível e o planejado.

Na ficção, esta margem de diálogo com o inesperado é


rigorosamente mantido no mínimo. Independente do
tamanho da produção e de seus recursos financeiros,
fazer uma ficção implica em controlar ao máximo o que
vai estar diante das câmeras, a começar pela própria
estória que irá ser contada até a finalização.

Uma coisa que mereceria uma reflexão é o aspecto


teleológico do documentário e da ficção. Os
documentários parecem se dirigir ao eterno, ao tempo
dos que virão depois, em qualquer tempo. Um
documentário nunca perde a sua aura Bejaminiana.
Um filme de ficção é datado e dirige-se para um
público de sua época, daí existirem as refilmagens de
antigos roteiros.

No documentário é impossível pensar em refilmagens;


já serão outro mundo outros personagens, outra
dramaturgia natural. Assim ao pensarmos sobre estes
aspectos em nosso desejo de fazer filmes tenhamos
antes algo que nos toque a alma, que se faça
necessário ao nosso estar no mundo. Todo artista deve
sempre estar pronto para ir de um ponto a outro e
fazer também estes modos dialogarem entre si.

71
Everaldo Vasconcelos

A realidade do filme é a nossa atitude concreta com


uma câmera diante do insólito, seja qual for a sua
origem.

72
Fazer filmes

14 Visão geral de roteiros

Um roteiro é um mapa detalhado de produção de tudo


o que vamos fazer. Para começar temos que ter em
mente que há uma série de etapas que devem ser
seguidas para conseguirmos levar a cabo a realização
de algo assim. Estas receitas variam de autor para
autor e há muitas opções disponíveis no mercado.
Todas elas oferecendo uma solução metodológica.
Todas possuem as suas qualidades e dependem muito
do roteirista.

Entre estas abordagens a mais famosa, é a do


roteirista norte-americano Syd Field, amplamente
divulgado pela internet e publicado em livros no Brasil.
Usaremos, no entanto a perspectivava metodológica de
Doc Comparato que está no seu livro Da criação ao
roteiro. Claro que faremos algumas visitas ao Syd e
também ao método Save the cat que faz muito sucesso
entre os roteiristas americanos e é pouco divulgado no
Brasil.

A primeira coisa com a qual devemos nos preocupar


para começar um filme é com o tema. É dele que
surgirão todas as outras coisas. Um tema pode surgir

73
Everaldo Vasconcelos

de um dialogo, de uma estória que escutamos, de um


conto que gostamos ou até mesmo de um filme com
uma cena que nos desperta algo para explorar de
forma audiovisual.

O tema dá origem ao que queremos. É a primeira


delimitação de território e responde aquela pergunta:

O seu filme é sobre o que mesmo?

As pessoas nos interrogam querendo classificar o


nosso trabalho em alguma prateleira. Isto pode
parecer chato e até uma coisa desnecessária, mas
fazer um filme demanda encontrar apoio de pessoas
que estão distantes deste meio e você precisa traduzir
isso na linguagem vulgar o mais simples possível. De
nada adianta tecer qualquer bela tese sobre a
linguagem cinematográfica. Se o patrocinador não
traduzir o seu filme no mundo dele, o cineasta arrisca-
se a ficara sem patrocínio. Portanto, delimitar o tema é
algo muito precioso para um filme. É quase a porta de
entrada de todos os que poderão se engajar no projeto
direta ou indiretamente.

Depois precisamos contar brevemente a estória do


filme, um breve resumo que chamamos de story-line. É
um resumo preciso do filme. Nela nós conquistamos as
pessoas para aquilo que queremos contar. Ela é o
primeiro passo na construção do argumento.

A sinopse é uma ampliação da story-line e tem uma


grande importância mercadológica, pois muitos

74
Fazer filmes

financiadores de nosso projeto, não irão ler o roteiro,


mas tão somente ver qual é a sinopse.

O argumento é uma descrição detalhada do filme,


incluindo personagens, perfis psicológicos, locações,
possibilidades de uso de efeitos especiais. Ao ler um
argumento devemos ter uma noção exata das
condições para fazer o filme. Depois disso vem a
estruturação deste filme para que se possa partir para
a escrita de um primeiro tratamento. Aqui é que vamos
citar as abordagens mais tradicionais, mas usaremos o
método do save the cat, que além de ser muito
divertido, é muito funcional.

Então partiremos para a construção do roteiro


propriamente dito. Há que se fazer uma diferença
entre roteiro literário e roteiro técnico.

Chamamos de roteiro literário a um documento escrito


que possui todas as indicações de personagens, perfis
psicológicos, locações, ações, mas não faz ainda
qualquer menção a uma decupagem, isto é, a uma
definição de quais planos serão necessários para
gravar este filme. Um mesmo roteiro pode dar origem
a filmes diferentes na mão de diretores diferentes. O
roteiro literário é um documento do primado do
roteirista.

O Roteiro técnico é algo do diretor no processo de


realização do filme. Assim quando um diretor pega um
roteiro ele faz a sua abordagem imagética do mesmo.
Estas fases de criação de um roteiro possuem

75
Everaldo Vasconcelos

variações de acordo com cada criador, que pode


inventar o seu próprio caminho. Do ponto de vista
metodológico é útil utilizar um caminho conhecido
para não desperdiçar energia tendo que explicar cada
coisa a todo instante.

Nos próximos capitulo veremos detalhadamente cada


uma destas fases com exercícios de fixação.

O roteiro é uma peça fundamental em um filme. Alfred


Hitchcook respondendo a qual seriam as três coisas
mais importantes para um filme dizia: um bom roteiro,
um bom roteiro, um bom roteiro.

Como vimos em capitulo anterior este roteiro pode ter


uma forma não convencional, mas ele deve ter
qualidade, deve conter a semente do filme, indicar
quais os caminhos para que o mesmo se realize. Conter
as fundações da projeção econômica e ser atraente
para os patrocinadores, que são todos os que se
engajarem no projeto, os atores, as técnicos, alguém
que aparece apara ajudar a carregar uma caixa. Um
bom roteiro é meio filme realizado.

76
Fazer filmes

15 O fio da meada

Uma estória é algo imprevisível na mente dos


espectadores. Se você colocar uma série de imagens
sem qualquer conexão e apresentá-las a um grupo de
pessoas e pedir que encontrem uma justificativa para
aquela seqüencia, elas contarão a estória daquilo que
fará sentido para elas. Todas as pessoas procuram dar
sentido ao mundo inventando as estórias que servem
de sustentação. O mundo é construído com estórias.

Quando estamos preparando um filme, devemos ter em


mente que o público irá dar a sua contribuição ao
mesmo, mas queremos que esta contribuição caminhe
dentro de certa rota. Nenhuma obra é tão fechada que
não permita a participação do espectador, pois este
sempre partirá de sua própria experiência para
usufruir do filme.

Assim é muito importante definir uma estrada por onde


devem caminhar todas as contribuições. Já vimos a
importância de delimitar um tema, mas é preciso
avançar e afunilar ainda mais criando um caminho
para a estória. Fazendo um fio condutor que responde

77
Everaldo Vasconcelos

basicamente a três questões, conforme ensina Doc


Comparato em seu livro Da criação ao roteiro:

1 - Que coisa acontece?

2- Que coisa precisa ser feita?

3- Que coisa foi feita?

Estas três perguntas correspondem a apresentação,


desenvolvimento e solução do conflito.

Chamamos a este fio da meada de Story-Line.

Doc Comparato chama a nossa atenção para três


definições negativas de Story-Line, isto é coisas que
ela não é:

1- " Uma Story-line não é somente uma declaração


sobre a vida"

2 - " Uma story-line não é somente uma questão sobre


a vida"

3 - "Uma story-line não é somente a moral da estória".

Uma declaração sobre a vida pode ser algo muito vago,


pode até ter muita poesia. Mas uma simples declaração
não coloca o filme em movimento. É necessário que
algo aconteça que se estabeleça um tipo qualquer de
conflito.

78
Fazer filmes

Uma questão sobre a vida ou sobre qualquer coisa,


pode até servir como mote para um tema, mas não tem
o poder de dizer para onde vai a nossa estória.

A moral da estória pode até fazer parte da conclusão


de um filme, mas não contem os elementos básicos da
ação dramática. Em muitos filmes sempre vemos
alguma moral, mesmo que subentendida, em sua
maioria dizendo que o crime não compensa e o bem
sempre vencerá o mal. Estas três definições negativas
não contêm o DNA do filme.

EXERCÍCIO 54. Formam-se dois grupos sentados em


circulo, um deles formando um círculo interno. Este
grupo interno será o grupo verbalizador, enquanto que
o grupo externo será o observador. O grupo interno
definirá um tema e criará uma story-line em três
etapas:

1- definindo algo que acontece, correspondendo a


apresentação do conflito;

2 - definindo algo que precisa ser feito ou acontecer


após isso, correspondendo ao desenvolvimento do
conflito;

3 - Definindo algo que foi feito, correspondendo a


solução do conflito.

Num segundo momento as posições são trocadas. O


grupo externo fez anotações e irá discutir e refazer a
story-line do primeiro grupo.

79
Everaldo Vasconcelos

Em seguida forma-se um único grande grupo e discute-


se qual a melhor opção para a story-line que está
sendo criada.

A story-line é um parágrafo curto. Na etapa seguinte,


que é a elaboração do argumento, é que vamos nos
preocupar em definir cuidadosamente toda a estória.

EXERCÍCIO 55. Cachoeira de story-lines. O grupo


formando um grande círculo. Alguém inicia cumprindo
a etapa 1, que é a apresentação de algum conflito; a
pessoa seguinte irá para a etapa 2 e dizer como este
conflito se desenvolveu; a próxima pessoa fará a etapa
3 e dirá qual foi a solução do conflito. A quarta pessoa
na seqüencia fará um resumo de tudo. O exercício
reinicia com a quinta pessoa e segue circulando até
todos terem participado.

A story-line é como uma bússola que manterá o filme


no seu rumo. É aquele primeiro momento no qual
dizemos a um amigo que estamos escrevendo um
roteiro e respondemos a inevitável questão sobre como
é a estória, o que acontece, com quem, onde e qual é o
final. Todas estas informações precisam vir arrumadas
de tal maneira, que o nosso interlocutor diga que
compreendeu qual é a nossa intenção, senão ele dirá
que está um pouco confuso. Se isto acontecer,
precisamos reformular o nosso projeto.

EXERCÍCIO 56. Raciocino rápido. Uma pessoa é


escolhida para inventar uma story-line. É dado a ela
um tema e ela precisa criar algo imediatamente,

80
Fazer filmes

delineando com precisão as três etapas. Depois o


grande grupo faz sugestões que poderão ser acatadas
ou não pelo criador da story-line.

81
Everaldo Vasconcelos

16 O argumento

O argumento de um filme é o documento escrito que o


descreve em detalhes. É como a sua certidão de
nascimento. Se a story-line é a semente, a partícula
mínima do DNA, o argumento é a primeira visão do
filme, a criança que irá se desenvolver e se tornar
madura.

Um argumento, conforme Doc Comparato contém as


seguintes informações:

1 - Temporalidade;

2 - Localização;

3 - Percurso da ação;

4 - Perfil das personagens.

A temporalidade se refere a categoria do tempo, do


fluxo temporal da estória e sua localização numa linha
do tempo exterior à estória. Um filme é algo que
ocorre no momento presente, mas dentro de um
contexto temporal que o justifique. Um filme pode
retratar uma estória que dure toda uma vida, como O

82
Fazer filmes

Curioso caso de Benjamim Button em apenas 120


minutos. O tempo no filme é de fato uma duração que
existirá na consciência do espectador, expandindo ou
contraindo a experiência real do tempo na sala de
exibição. O argumento deve localizar o filme numa
linha de tempo. Não há a necessidade de se ter um
calendário real, pode-se inventar um se for o caso. Em
alguns filmes de ficção científica não há uma
calendário terráqueo.

A localização se refere aos lugares onde a ação ocorre,


sejam no planeta terra, nos confins das galáxias,
dentro do corpo humano ou em lugares imaginários.
Mas um filme ocorre em lugares concretos. Uma
personagem não pode existir boiando no nada; em
cenas desse tipo, como se sucede em alguns filmes, o
nada é um lugar, seja todo branco, ou todo escuro, mas
é um lugar. Um filme é como o universo, que conforme
a concepção de alguns filósofos, odeia o vazio. Sempre
há um lugar onde habita a alma que o filme apresenta.

O percurso da ação se refere aos acontecimentos, aos


fatos da estória tal como se sucedem em sua vida
própria. No universo da estória a vida deve existir
inteira. Para contar o percurso da ação devemos
imaginar as cenas todas, uma após a outra. Esta
narração preliminar da estória poderá ser alterada
quando se decidir qual deve ser a melhor estrutura
para contá-la, mas neste momento inicial não devemos
fazer qualquer censura baseando-se no filme que será
projetado numa tela depois de finalizado. Aqui é o

83
Everaldo Vasconcelos

reinado da estória em si, de seu universo próprio com


todos os detalhes, descrições dos ambientes, a vida das
personagens principais e secundárias através de suas
ações, das coisas que fazem exteriormente, de suas
ações físicas. O mundo interior das personagens
somente poderá ser visto através das suas ações físicas
e de suas falas.

O perfil das personagens se refere à descrição


detalhada de cada personagem, não somente do
protagonista, mas também dos secundários, de todos
os que intervêm na estória.

Chamamos de protagonista a personagem que conduz


o filme. É é aquela figura que responde à pergunta
sobre o que é o filme, e respondemos: “é a estória de
um cara queria algo e consegue, ou não, realizar o seu
objetivo”.

EXERCICIO 57.Responda ao questionário abaixo.

1- Qual o tema do seu filme.

2- Escreva a Story-line definindo as três etapas:


apresentação do conflito, desenvolvimento e solução.

3- Enumere os fatos que acontecem na apresentação


do conflito, cite as personagens e os lugares sem
aprofundá-los ainda.

4 - Enumere os fatos que acontecem no


desenvolvimento do conflito, cite as personagens e os
lugares sem aprofundá-los ainda.

84
Fazer filmes

5 - Enumere os fatos que acontecem na solução do


conflito, cite as personagens e os lugares sem
aprofundá-los ainda.

6 - Liste todas as personagens que aparecem nos itens


3, 4 e 5.

7 - Liste todos os lugares que aparecem nos itens 3,4 e


5.

8 - Façam a ficha de cada personagem seguindo a


ordem abaixo

Nome

Apelido

Sexo

Idade

Altura

Peso

Aparência( Cor dos cabelos, dos olhos, formato do


nariz...)

Postura

Aspecto visual

Vestuário habitual

Acessórios que usa

85
Everaldo Vasconcelos

Classe social

Profissão

Educação

Religião

Estado civil

Nacionalidade ou etnia

Vida social

Participação política

Atividades de lazer

Vida sexual( se tiver)

Crenças

Ambições

Frustrações

Temperamento

Qualidades

Vícios

9 - Faça a ficha dos lugares descrevendo-os


detalhadamente.

86
Fazer filmes

10 - Faça uma linha do tempo com o percurso de toda


a estória.

Exercicio 58. Escreva o argumento baseado nos dados


coletados no questionário acima.

Um bom argumento nos permite ver a viabilidade de


realização de um filme. É possível antever os custos e
também simular a inserção deste filme no mercado a
que se destina. No argumento vemos que tipo de
atores com determinadas habilidades serão
necessários, e também se será possível produzir os
lugares do filme.

87
Everaldo Vasconcelos

17 Salve o gato

O título deste capítulo é um pouco engraçado. Ele é


uma tradução literal do título do livro de Blake Snyder
Save the Cat, que descreve um método para a
construção de um roteiro. Aqui trabalharemos com
uma adaptação deste método seguindo o livro e o
software de mesmo nome.

Save the cat é um conceito. A cena Save the cat é


aquela na qual o herói faz algo que o define e que pode
ser salvar um gato, por exemplo. As personagens
devem sempre fazer coisas que os definam e os
revelem.

O primeiro passo é a definição de uma Logline, que é


parecido com a story-line que já vimos em um capítulo
atrás. Por uma questão de não perdermos a
oportunidade de conhecermos o método de Blake
Synder vamos manter a sua terminologia.

Logline é um parágrafo com uma ou duas frases que


dizem tudo a respeito da estória e contem quatro
elementos chaves:

88
Fazer filmes

1 - um tipo de protagonista, que será o herói de sua


estória.

2 – Um tipo de antagonista( Um vilão ou obstáculo que


se opõe ao herói)

3 – Um conflito que responde a questão do que está


impedindo o herói de realizar o seu objetivo.

4 – Uma questão em aberto. O que acontecerá?

EXERCICIO 59. Descreva o seu protagonista e o


antagonista adjetivando-o. Por exemplo, o protagonista
é um homem de bem e o antagonista é um oportunista
safado.

Blake Synder diz que uma boa Logline deve ser ter um
senso de ironia e aquela coisa que nos deixa intrigados
e desperta a nossa curiosidade, fazendo com que
escrevamos toda a estória.

A logline deve ter um sentido de custo e de uma


platéia. Ela não é a descrição fiel do filme, mas algo
que suscita a imaginação a agir e seguir em frente.
Uma logline deve ter um título chamativo, que seja
também um conceito do filme.

EXERCICIO 60. Escreva uma Logline para o seu


filme.

O método STC (Save The Cat) se organiza em torno de


dois princípios: gênero e estrutura.

89
Everaldo Vasconcelos

GÊNERO

Gênero no STC é o grupo do qual o filme faz parte.


Blake Snyder definiu dez grupos de filmes que
possuem um tipo de estória. Estes grupos é o que ele
chama de gênero. São dez:

1- Monstro dentro de casa(monster in the house)


Tem três características:

- Um monstro, uma criatura, uma força sobrenatural


chega a uma casa.

- Esta casa pode ser uma residência, uma nave, o


mundo, um espaço circunscrito ao qual o monstro
chega.

- Um pecado, um erro cometido por alguém que é o


responsável pelo aparecimento do monstro.

Filmes emblemáticos: Alien, Tubarão.

2- Tosão de ouro(Golden Fleece). Este gênero evoca a


lenda de Jasão e dos Argonautas. Tem três elementos:

- Um caminho a ser percorrido.

- Uma equipe que vai com o herói.

90
Fazer filmes

- Um prêmio a ser conquistado.

Filmes emblemáticos: O resgate do soldado Ryan, Onze


homens e um segredo.

3 – Fora da garrafa (Out of the bottle).Este gênero


fala de magia. Tem três características:

- O desejo ou necessidade do herói de romper com o


mundo ordinário.

- A presença de magia.

- A lição recebida pelo herói.

Filmes emblemáticos: Alladin, Cocoon

4 – Pessoas comuns em circunstâncias


extraordinárias (Dude with a Problem).Tem três
características:

- Um herói inocente ou comum.

- Um evento que coloca o herói no centro da ação.

- Uma batalha de vida ou morte.

Filmes emblemáticos: Dormindo com o inimigo,


Impacto profundo.

5 – Ritos de Passagem (Rites of Passage). Tem três


características:

91
Everaldo Vasconcelos

- Os ciclos da vida

- uma maneira errada

- uma solução.

Filmes emblemáticos: 28 dias, Gente como a gente.

6 – Estória de amor (Buddy Love) Tem três


características:

- Um herói que busca alguém para completar-se.

- Aparecimento de uma cara-metade

- Complicações

Filmes emblemáticos: Titanic, Brokeback Mountain

7 – Mistérios(Whydunit). Este gênero faz referência às


estórias de detetive. Tem três características:

- O detetive é profissional ou amador.

- Um segredo altera a vida das pessoas

- A viagem pelo lado escuro da vida das pessoas.

Filmes emblemáticos: Blade Runner, Fargo.

8 – Loucos triunfantes(Fool Triumphan). Tem três


características:

- Um louco cuja inocência é a sua força.

92
Fazer filmes

- Algo contra o qual o louco entra em conflito.

- A transformação do louco.

Filmes emblemáticos: Forrest Gump, Tootsie

9 – Institucionalizado(Institutionalized). Tem três


características:

- É uma estória sobre um grupo, uma família, uma


organização.

- É a estória de um conflito entre pessoas e o grupo.

- O sacrifício de alguém.

10 – Super-heroi (Superhero). Tem três


características:

- Um herói que tem poderes especiais. Não


necessariamente super poderes.

- O herói tem a oposição de um vilão com poderes


especiais.

- O herói vence ou morre.

Filmes emblemáticos: Gladiador. Matrix.

Antes de começar a escrever você deve enquadrar o


seu filme dentro de um desses gêneros e raciocinar
com a sua estória sendo fiéis as suas regras,
aproveitando-se da imensa filmografia acumulada em
um século de cinema. Esta classificação de gêneros de

93
Everaldo Vasconcelos

Blake Synder parte da percepção do espectador


comum. Não tem a pretensão de dialogar com a teoria
literária.

Aqui nós usaremos o STC como exercício criativo e


aceitaremos as suas propostas. Em outro contexto cada
qual é livre para criar de acordo com o método que lhe
convenha.

EXERCÍCIO 61. Reelabore a sua Logline adaptando-a


a um dos gêneros STC. Compare com os filmes de sua
categoria.

ESTRUTURA

A estrutura é o segundo principio do método STC. Ela


divide-se em três atos e 15 beats:

Primeiro ato – da página 1 a 25.

1 – A imagem de abertura - corresponde a página 1,


contém um instantâneo do mundo no qual a estória
começa.

2 – Declaração do tema – corresponde à pagina 5 e


contém a explicitação do assunto do filme antecipando
a moral da estória.

94
Fazer filmes

3 – Set-Up – Corresponde às páginas de 1 a 10 e


contém a primeira aparição do herói e mostra o seu
mundo.

4 – Catalisador – Corresponde à página 12 e contém o


golpe que empurra o herói para adiante na estória.

5 – Debate – Corresponde às paginas de 12 a 25 e


contém a hesitação do herói diante do chamado a
aventura.

Segundo Ato

6 – Divida em dois – corresponde à página 25 e contém


a partida do herói para a aventura.

7- Estória B – corresponde à página 30 e contém o


encontro do herói com alguém que o ajuda a
compreender a sua nova condição.

8 – Diversão e jogos – corresponde às paginas de 30 a


55, e contém o coração do filme, a diversão do
espectador que assistirá a exploração deste novo
mundo pelo herói.

9 – Ponto médio – corresponde à pagina 55, é o ponto


sem retorno da estória, um falsa vitória ou derrota, um
novo problema. Deste ponto até o final tudo acontece
com muita rapidez.

10 – Os maus garotos – Corresponde às paginas 55 a


75, e contém o aumento de pressão sobre o herói

95
Everaldo Vasconcelos

11 – Tudo está perdido – corresponde à página 75. Algo


morre neste ponto da estória criando a sensação de
que tudo está perdido.

12 – A noite escura da alma – Corresponde às paginas


75 a 85 e contém as cenas onde o herói perdeu toda a
esperança.

Terceiro ato

13 – Divida em três – corresponde a pagina 85. O herói


retoma o ânimo para a ação.

14 – Finale – corresponde às paginas 85 a 110 e


contem as cenas nas quais o herói enfrenta a prova
final e vence.

15 – Imagem final – corresponde à pagina 110. É a


imagem que fecha o filme e é o reverso da imagem de
abertura.

Esta é a estrutura do STC com a numeração que


corresponderiam a um roteiro de 110 páginas. Para
escrever qualquer outro tamanho é importante
verificar a proporcionalidade entre os beats que
definem o ritmo da estória.

No método STC antes de começar a escrever o roteiro


é necessário confeccionar um quadro geral com todas
as cenas.

96
Fazer filmes

Este quadro tem quatro linhas que conterão 10 cartões


cada uma.

A primeira linha corresponde ao primeiro ato, começa


com o cartão da imagem de abertura, seguido pelos
cartões de declaração do tema, Set-Up, catalisador,
finalizando com o debate . Corresponde às páginas de
1 a 25.

A segunda linha corresponde ao inicio do segundo ato


até o ponto médio. Começa com os cartões divida em
dois, seguido pela estória B, Diversão e Jogos e
finalizando com o cartão do ponto médio. Corresponde
às páginas de 25 a 55.

A terceira linha corresponde à segunda parte do


segundo ato, inicia depois do ponto médio com os
cartões das cenas dos maus garotos, seguido por tudo
está perdido e finalizando com a noite escura da
alma.Vai da página 55 até a 85.

97
Everaldo Vasconcelos

A quarta linha corresponde ao terceiro ato. Inicia com


o cartão divida em três, seguido pelo finale e
concluindo com a imagem final. Vai da página 85 até a
110.

Cada cartão deve indicar:

1- a cabeça de cena com as informações


mações se é interior
ou exterior, local, se é dia ou noite.

2- Sentença declarativa da ação das personagens.

3- Depois do símbolo +/- indicar as variações


emocionais das personagens.

4 – Depois do símbolo >< indicar o conflito

98
Fazer filmes

18 Primeiro tratamento

Uma vez definida uma estrutura de cenas, uma


listagem de todas as cenas em seu fluxo temporal,
podemos partir para a escrita do roteiro. Esta primeira
versão é o que chamamos de primeiro tratamento e
servirá de base para as futuras e necessárias revisões.
A idéia é que neste primeiro momento o roteirista
deixe fluir as idéias sem fazer muita restrição ao que
vier à tona da imaginação. Depois nas revisões se fará
os ajustes necessários. É preciso parir o roteiro através
deste primeiro tratamento.

A unidade de trabalho de um roteiro é a cena, e tudo o


que faremos será executar sem desvios aquilo que
definimos na estrutura, que pode ser uma simples
escaleta com a indicação geral das ações de cada cena.

Parece óbvio repetir que se deve começar pelo


começo, avançar pelo desenvolvimento e concluir com
a cena final. Mas é isso mesmo que deve ser feito,
como se fôssemos um projetor cinematográfico e
fôssemos projetando o filme tal qual é na tela do papel

99
Everaldo Vasconcelos

em branco enquanto vamos escrevendo, sem saltos e


sem pausas para reflexões. Neste momento deve-se
pensar com as mãos enquanto se escreve. Lembre-se
de que haverá o obrigatório momento de revisão.

A cena deve conter a sua cabeça, que informa o tipo de


locação, o lugar, e o tipo de luz.

A informação do tipo de locação diz se a locação é


externa ou interna. Esta breve informação delineia
uma série de problemas de produção, que necessitam
estarem previstos com bastante antecedência. Ao dizer
que uma cena ocorre no interior estamos dizendo que
ela depende de certa condição de luz e também de
produção do cenário. Diferentemente se digo que a
cena é externa, deverei contar com fatores ambientais
que merecerão os cuidados de toda a equipe.

A descrição brevíssima do lugar indica onde a cena


ocorre materialmente. Isto ajuda a prever o
planejamento de cenografia e dos planos de filmagem.

A indicação da hora, se dia ou noite, é na verdade uma


indicação para o tipo de luz que estará envolvida no
processo.

Essas três informações na cabeça de cena atuam de


forma interdependente e são cruciais para o
planejamento do filme. No caso de um diretor que está
escrevendo um roteiro para a sua produção de baixo
orçamento, será nesta cabeça de cena que ele
começará a lidar com os problemas orçamentários de

100
Fazer filmes

seu filme. Ao fazer estas escolhas ele estará


determinando do que precisará efetivamente para
produzi-lo.

Logo abaixo da cabeça de cena vêm as informações


gerais. Neste cabeçalho devem-se descrever os
aspectos externos de uma personagem, qual a idade,
sua aparência, como está vestida e que acessórios usa.
Estas indicações servirão para planejar os figurinos e
todo o trabalho de arte com relação a esta
personagem. Quando houver alguma mudança física na
personagem, o cabeçalho da cena deve trazer esta
informação.

Também no cabeçalho se informa sobre o lugar


descrevendo-o cuidadosamente para que o pessoal do
planejamento de cenários possa produzir o set de
gravação. Qualquer mudança no tempo deve ser
indicada neste espaço. Lembre-se que o roteiro é um
documento de informação para toda a equipe. Ele diz
como é a estória e quais os seus elementos básicos em
termos observáveis.

Logo abaixo do cabeçalho vêm as linhas de ação. Como


o nome indica deve-se descrever a ação física, externa
e não os estados interiores psicológicos de uma
personagem, pois é impossível gravar algo como "ele
está sentindo uma profunda alegria". Tudo precisa ser
demonstrado com ações físicas.

Depois vem o dialogo das personagens, que deve fluir


de acordo com a personalidade de cada uma. Entre

101
Everaldo Vasconcelos

parênteses se pode indicar o estado de ânimo para


servir de orientação ao trabalho de criação dos atores.

Deve-se evitar escrever a planificação do filme,


indicando se a cena é plano geral ou médio ou
qualquer outra indicação do gênero. Uma cena
geralmente necessita de uma cobertura de planos para
ser gravada que vai além da indicação dada pelo
roteirista e não é função deste fazer isto. Quem
planifica um filme é quem vai dirigi-lo e quem vai
dizer onde fica a câmera.

EXERCÍCIO 62. Escreva o seu roteiro baseado na


estrutura que você construiu. Confie na sua
sensibilidade, escreva quase que automaticamente,
não se permita ficar divagando qual seria a melhor
fala, ou, descrição da ação, simplesmente escreva,
rápido antes que a emoção se vá. Esta primeira escrita
é uma fotografia instantânea de sua emoção. Será este
sentimento original que irá dominar todo o roteiro, se
ele for verdadeiro isto irá continuar vivo até a
finalização do filme. É preciso que haja tesão para que
o trabalho flua criativamente.

102
Fazer filmes

19 Roteiro de documentário

A realização do filme documentário é geralmente


colocada no contexto da criação cinematográfica como
algo menor. Todas as atenções estão voltadas para o
filme de ficção. Os louros da grande indústria reforçam
esta concepção através das grandes premiações, entre
elas o Oscar, na qual o documentário aparece apenas
como uma das categorias. No contexto do Cineviver
iremos dar uma grande prioridade ao documentário,
pois ele é o exercício fundamental de criação do
cinema.

O roteiro do documentário pode seguir as indicações


que estudamos sobre o filme de ficção, mas é claro que
é outra praia. Aqui o cineasta deve ter domínio preciso
do uso da linguagem, pois tudo se descortina diante
dele como se fosse sempre a primeira vez. Mesmo em
documentários que investigam aspectos consagrados
pela História e que usam um grande acervo fílmico e
documental. Todos estes elementos nas mão de um
documentarista vai proporcionar o aparecimento de
novas perspectivas.

103
Everaldo Vasconcelos

O documentarista é como um arqueólogo, que parte


em busca do tesouro, mas que à medida que vai se
aprofundando, novos fatos surgem e ele termina por
descobrir coisas, que nem suspeitava antes.

Um roteiro de documentário é como o porto de onde


parte o filme. Já na ficção o roteiro é como se fosse o
porto aonde se pretende chegar. São perspectivas
diferentes.

A realização de um documentário prevê uma


participação ativa do realizador. Uma imagem
emblemática em um filme brasileiro recente é no filme
de Manfredo Caldas, O Vaqueiro Voador, no qual
vemos numa seqüência o filme sendo discutido na ilha
de edição. Esta imagem representa bem este trabalho
de interação constante que o documentário exige. É
claro que se deve ter um planejamento rigoroso com
previsões de seqüências, atores naturais e locações.
Chamamos atores naturais às pessoas que irão
participar do filme com seus depoimentos ou vivendo a
sua vida, dentro daquilo que interessa ao projeto.

O mais fascinante em um documentário é a sua


capacidade de inutilizar todo o planejamento de uma
gravação por causa de um detalhe inusitado que
demonstra ser importante, e toda a equipe necessita se
mobilizar para capturar este momento enquanto ele
ocorre. Um documentarista em ação é uma espécie de
roterista-em-ação. Seus olhos são como uma coruja que
planeia sobre a escuridão da cidade e consegue

104
Fazer filmes

enxergar no invisível a sua presa. Estes olhos afiados


do cineasta é algo que somente o documentário pode
treinar. No contexto do cineviver, o documentário é o
momento supremo do cinema.

EXERCICIO 63. Escreva um roteiro sobre um tema de


sua preferência, indicando que imagens não podem
faltar, que pessoas não podem faltar, que lugares não
podem faltar. E responda à questão porque deve-se
fazer este filme?

Ese roteiro deve indicar o que vai ser gravado e não


como deve ficar o filme depois de montado. Isto será
outro momento.

Um documentário é algo que nos obriga a pensar a


linguagem cinematográfica. Muitas das imagens que
iremos colher só tomaram sentido quando forem
reunidas no contexto final. Fazer um filme
documentário é antes de tudo dialogar com o
ambiente, com as pessoas. É sempre bom lembrar que
o filme documentário tem um certo parentesco com a
linguagem jornalística televisiva hoje hegemônica
quando se trata de imagens sobre o real. Mas o
documentário ultrapassa a característica do efêmero
que marca a reportagem. Um documentário vai além
de seu momento e se comunica com as gerações
futuras. Um bom exemplo disso é o filme Aruanda de
Linduarte Noronha, que começou como uma
reportagem mas que ao tornar-se um filme embebeu-se
de características que o fizeram varar o século. Há um

105
Everaldo Vasconcelos

filme super 8 da safra paraibana dos anos 80, realizado


por Pedro Nunes e João de Lima, chamado Gadanho,
que documentava os catadores de lixo do antigo lixão
do Bairro do Róger, em João Pessoa, que ainda hoje
causa comoção quando é exibido.

Outra questão sobre o documentário é que ele não se


volta apenas para o real como estamos acostumados a
encarar como sendo a vida cotidiana das pessoas, o
mudo natural ao nosso redor. O documentário também
pode adentrar a subjetividade e investigar aspectos da
psique humana adquirindo características quase
surreais.

O documentário também pode valer-se da ficção, do


mesmo modo que utiliza um fragmento de filme antigo
ou uma fotografia de arquivo. Sãos os docudramas,
mesmo em Aruanda sabemos que algumas de suas
partes foram ensaiadas e filmadas. A diferença está no
modo como este ensaio é feito, uma linha muito tênue
separa estes elementos. Há um cineasta brasileiro que
durante os anos duros da ditadura militar, fazendo
documentários, pintava as favelas para dar-lhes melhor
aspecto. Mas isto ficava tão evidente que os filmes
eram tidos apenas como peças publicitárias do
governo. Aliás, todo governo adora um documentarista
que corrompe sua arte.

106
Fazer filmes

20 Roteiro técnico

De posse do roteiro precisamos dar o passo que nos


transporta para o outro momento de realização, o
segundo filme. Não custa lembrar o adágio conhecido
dos cineastas de que fazemos de fato três filmes: um
primeiro que planejamos e escrevemos; um segundo
que gravamos e um terceiro que finalizamos na ilha de
edição.

Este é o momento em que começamos o segundo filme.


Trata-se de fazer o roteiro técnico, de determinar com
precisão quais os planos que iremos gravar, cena por
cena. Este roteiro técnico poderá sofrer acréscimos
durantes as gravações e veremos adiante quando
estivermos estudando isso como se deve proceder.

O roteiro técnico começa a partir do roteiro pronto.


Discutiremos aqui um modo básico para o
estabelecimento dos planos a gravar: Modo dos sete
planos.

No modo dos sete planos iremos, para cada cena, fazer


uma cobertura com pelo menos sete tipos de planos
listados a seguir:

107
Everaldo Vasconcelos

1- Plano de informação geral

2- Plano máster

3- Planos de diálogo

4- Planos de cobertura

5- planos de detalhe

6 – Planos subjetivos

7 – Planos de continuidade

Plano de Informação Geral consiste de um plano


muito aberto que serve para localizar a cena e dar
informações gerais sobre a mesma orientando os
espectadores quanto a localização e pessoas presentes.
Obrigatoriamente são planos gerais.

Plano Máster destina-se a colher a cena de modo


mais próximo, contendo todas as personagens
envolvidas e estabelecendo os diálogos entre elas.
Geralmente são planos médios.

Os planos de diálogo são destinados a capturar a fala


das personagens e suas reações à fala dos outros. São
necessariamente planos aproximados. Há cinco tipos
de planos de diálogo:

1- Plano da personagem que fala visto sobre os ombros


do ouvinte;

108
Fazer filmes

2 - Plano da Personagem que ouve visto sobre os


ombros do falante;

3 - Plano da visão subjetiva do ouvinte mostrando a


ação da personagem falante.

4 - Plano da visão subjetiva do falante mostrando a


reação da personagem ouvinte.

5 – Plano de perfil dos dois personagens no mesmo


quadro.

O Plano de cobertura é um plano alternativo para o


plano máster capturado sob outra perspectiva.

Planos de detalhe consistem em amplificar


fragmentos da personagem e apresentar objetos
pontuando-lhes a importância. Obrigatoriamente são
planos de detalhe.

Planos subjetivos correspondem à visão das


personagens acerca do ambiente em que estão agindo.

Planos de continuidade – São planos gravados para


prover o editor do filme com material extra para a
montagem de uma cena. Certa vez perguntei a
montadora de um filme sobre o que ela esperava do
trabalho do diretor e ela me disse que gostaria que os
diretores fossem além do feijão com arroz, e dessem a
ela material extra para favorecer ao seu trabalho de
criação na ilha de edição.

109
Everaldo Vasconcelos

EXERCÍCIO 64. Pegue o roteiro. Escreva na margem


lateral a lista de planos necessários para cobrir cada
cena.

EXERCICIO 65. Preencha uma tabela organizada em


colunas. Cada coluna contendo as seguintes palavras-
chaves:

NUP(número do plano)

NOP (nome do plano)

TIPO

MET (método)

AMP (amplitude do plano)

ALT (altura ou ângulo do plano)

PV (ponto de vista)

SUJ (sujeito da ação)

AC (descrição da ação)

MOV (movimento de câmera)

SET ( descrição do set de gravação)

FX ( efeitos especiais)

NUP – Refere-se ao número de ordem do plano,


começando com 1, sendo que cada cena começa da
numeração seguinte ao maior número da cena

110
Fazer filmes

anterior. Se na primeira cena tivemos 12 planos,a


segunda cena começará da cena 13. Ao final teremos a
quantidade de planos necessários para gravar o filme.

NOP – É um nome significativo que deve ser dado ao


cena para facilitar a sua manipulação.

TIPO – Refere-se a um dos sete tipos de planos de


cobertura citados anteriormente.

MET – refere-se ao método de gravação:

AO VIVO, se a cena é gravada com os atores ou as


situações em situação real.

COMPUTAÇÃO GRÁFICA, se a cena for construída com


computação gráfica.

AMP – Refere-se a amplitude dos planos, se gerais,


médios ou de detalhes conforme estudamos:

PGEL – Plano geral extremamente longo ou aberto

PGL – Plano geral longo ou aberto

PGB – Plano geral básico

PML – Plano médio longo ou aberto

PMC – Plano médio completo

PMA – Plano médio aproximado

PDL – Plano de detalhe longo ou aberto

111
Everaldo Vasconcelos

PDF – Plano de detalhe fechado

PDEF – Plano de detalhe extremamente fechado

ALT – Refere-se a altura da câmera, se alta, baixa ou


normal.

PV – Refere-se as ponto de vista:

Frontal, se a câmera está de frente para a personagem.

Primeira pessoa se é a câmera subjetiva da visão da


personagem.

Terceira pessoas, se a câmera mostra uma visão


externa à personagem que age na cena

Sobre o ombro, se a câmera registra o diálogo sobre o


ombro do interlocutor.

Perfil, se a câmera captura a imagem das personagens


em perfil.

SUJ - Refere-se ao sujeito da ação, pode ser um objeto


ou o personagem.

AC – É uma breve descrição da ação realizada pelo


sujeito.

MOV – Refere-se aos movimentos de câmera.

SET – Descrição do local exato desta imagem.

112
Fazer filmes

FX – Informa se esta cena depende de efeitos


especiais, sejam materiais ou de computação Gráfica.

Esta tabela que acabamos de preencher contém todos


os planos necessários a finalização do filme.

113
Everaldo Vasconcelos

21 A análise técnica

Este é o momento em que precisamos detalhar tudo o


que é necessário para gravar uma cena. Chamamos
esta fase de Análise técnica. Ela contém as seguintes
informações: Nome da produção, página do roteiro,
tempo em oitavos,ambiente,locação,luz, Seqüência,
planos, elenco, descrição, figurinos, adereços,
figuração, cenografia, maquiagem, fotografia, som,
maquinaria, eletricidade, animais, veículos, comida de
cena, produção observações gerais. Isto se organiza
num formulário como ilustra a figura abaixo e pode ser
facilmente desenhado numa folha de papel oficio
tamanho A4.

Cada cena terá um formulário preenchido.

Nome da produção - é o nome do filme

Página do roteiro - é a página do roteiro onde


começa a cena. É muito importante que depois de
finalizado o roteiro tenha uma numeração fixa. Se
forem acrescentar páginas usa-se o recurso de
adicionar letras aos números. Por exemplo, se eu
colocar uma página depois da página 15, eu colocarei a

114
Fazer filmes

sua numeração como sendo 15-A, e assim por diante.


Se alguma página for anulada, simplesmente
passaremos uma letra X em toda a página e
deixaremos ela onde está. O roteiro que vamos gravar
é um documento imprescindível para a organização do
trabalho e a numeração de suas páginas serve como
guia.

Tempo em oitavos - consiste numa forma de


quantificar o tamanho de uma cena em oitavos de
página. Consiste em dividir a folha do roteiro em
formato padrão em oito partes. Cada cena ocupará
certa quantidade de oitavos. Por exemplo, uma cena
que está em duas páginas e meia tem 2 e 4/8, ou
simplificando a fração temos um total de 2 e 1/2. Isto é
uma medida que aponta para o tempo da cena. Como
cada página padrão tem um minuto, então a cena terá
no mínimo 2 minutos e meio. Este é um modo prático
de calcular aproximadamente o tempo de uma cena.

Ambiente - refere-se ao ambiente geral, se a cena é no


interior ou no exterior.

Locação - refere-se a indicação geral de luz, se é dia


ou noite.

Seqüência - Refere-se a numeração da sequencia a


qual pertence a cena.

Planos - Listagem resumida dos planos necessários


para gravar a cena.

115
Everaldo Vasconcelos

Elenco - Listagem do elenco com numeração e a


indicação de sua respectiva personagem na cena.

Descrição - É uma descrição detalhada da ação da


cena.

Figurinos - Listagem de todos os figurinos usados na


cena com indicação dos números dos atores, incluindo
a figuração.

Adereços das personagens - Listagem dos objetos


usados pelos atores correspondentes as suas
personagens.

Figuração - Listagem dos grupos de figuração


necessários a cena com a indicação de quantidade.

Cenografia - Descrição do cenário e de todos os


elementos necessários para compô-lo.

Maquiagem - Indicação dos tipos de maquiagem


necessários a cena

Fotografia - Indicação dos equipamentos necessários


ao trabalho do Departamento de imagem.

Som - Indicação dos equipamentos necessários ao


Departamento de som.

Maquinaria - Indicação dos equipamentos de suporte


para a câmera, tripés, grua, trilhos. Ou equipamentos
para a suspensão dos atores, Ou equipamentos
especiais que complementam a cenografia.

116
Fazer filmes

Eletricidade - Indicação das condições elétricas


necessárias. Se for ser utilizada energia da rede
elétrica, ou usar geradores, ou baterias.

Animais - Indicação se vai ser usado algum animal em


cena. Este é um setor muito delicado que precisa ser
planejado com atenção redobrada pelos cuidados com
a legislação e também com a segurança da equipe.

Veículos – Refere-se aos veículos que aparecem na


cena.

Comida de cena - Refere-se a comida que aparece na


cena.

Efeitos especiais - Indicação se a cena depende de


efeitos especiais.

Observações gerais - Indicar quaisquer detalhes que


influam diretamente na produção da cena.

O ideal é fazer uma planilha de dados, para que as


informações possam ser rapidamente filtradas,
facilitando o uso das informações.

Exercício 66 - Análise técnica - Pegue o roteiro.


Vamos usar um código de cores para fazer o
levantamento dos dados. Pegue uma caixa de lápis
hidrocor as categorias seguintes: Vermelho – Falas
das personagens; Verde – Participação de figurantes;
Amarelo – linhas de ação; Laranja - adereços e
figurinos; Azul – Maquiagem e efeitos. Marron –

117
Everaldo Vasconcelos

Outras coisas necessárias. Vamos ler cada página do


roteiro e marcar com as cores estas informações.

EXERCÍCIO 67 - Preencher o formulário de analise


técnica para cada cena, examinando página por página
com muito cuidado.

Na análise técnica surgirão algumas lacunas no


roteiro, uma informação de como deveria ser um
cenário, ou a descrição mais precisa de uma
personagem. Estas lacunas são inevitáveis e precisarão
ser preenchidas pelo diretor, acrescentando páginas
extras ou fazendo anotações na parte de trás da folha.
Em caso de algo muito grave, o roteirista precisa ser
necessariamente convocado para ajudar a resolver os
impasses. Lembre-se que pequenas lacunas podem ser
preenchidas levando-se em conta as informações
presentes em outras cenas. Se estas lacunas forem de
tal gênero que comprometam a visão do filme, então o
roteirista precisa estar presente, ou o diretor deve
assinar como co-roteirista e completar o que falta, ou
pegar outro roteiro.

118
Fazer filmes

22 Formando uma equipe

A análise técnica de nosso roteiro revelou-nos as


necessidades do filme. Todo projeto tem três áreas
básicas de necessidades: Recursos materiais, recursos
humanos e recursos financeiros. Vamos definir agora o
que chamamos de recursos humanos.

Vamos dividir este grupo em quatro partes: Produção;


Elenco; Equipe de gravação; Equipe de finalização;
Equipe de apoio. Esta é uma divisão adequada aos
propósitos do cineviver. Em produções mais
sofisticadas será necessário um detalhamento muito
maior.

No grupo de produção estão aquelas pessoas que vão


realizar o filme. No nosso projeto, o filme tem um
autor, que é o seu diretor que será na maioria dos
casos o roteirista. Junto ao diretor podem existir
algumas pessoas que o apóiam e vai ajudá-lo a levar o
filme até o final. O tamanho desta equipe é variável e
não obedece a uma regra de desenho de produção.
Este primeiro grupo é a semente do filme, aquele

119
Everaldo Vasconcelos

conjunto de pessoas que sonha junto com o diretor. Um


grupo que compra a idéia do filme, que estará ali em
todos os momentos e que poderá inclusive dobrar os
papeis em outros grupos de trabalho. São as pessoas
imprescindíveis. Neste grupo elas não são apenas
funções, como se costuma categorizar as pessoas para
efeito de levantamento do orçamento.

No grupo de atores estão todos os que foram


convidados para desempenhar papeis, seja no caso dos
filmes de ficção, seja nos documentários. A maioria das
pessoas deste grupo vem participar do filme como
convidadas. É claro, que compreenderão que estão em
um filme de orçamento zero, ou de orçamento muito
baixo, e deverão comprar a idéia de que é uma das
investidoras do filme com o seu trabalho; na maioria
das vezes voluntário. Fazem parte deste grupo todos os
atores, os principais, os secundários e os figurantes.
Todos devem ser tratados com igual deferência. Pode-
se ser um figurante num filme e noutro interpretar o
protagonista, estamos todos no mesmo barco. Todos
são iguais diante da câmera. No cinema comercial, ou
com orçamentos mais caros, haverá a distinção por
papéis em valor monetário e também pela capacidade
midiática e comercial do ator. Os filmes coletivos
devem sempre ter muito claro os direitos de imagem
de todos.

O grupo de gravação consiste de toda a equipe que vai


capturar as imagens. No cineviver propomos que o
próprio diretor seja o câmera. Ele precisará de um

120
Fazer filmes

assistente para anotar o boletim de gravação.


Dependendo de cada filme, entra em ação toda a
equipe de arte responsável pelos cenários, figurinos e
maquiagem. Todos os que contribuírem de alguma
forma com o processo de gravação.

O grupo de finalização consiste da equipe que fará a


edição do filme. Incentivamos no cineviver que o
próprio diretor seja o editor do filme, mas como nem
todos tem facilidade para lidar com os softwares de
edição não-linear, será prudente ter por perto alguém
que domine estas ferramentas. A edição do som é algo
que também deve ser levado em conta e deve ter a
ajuda de alguém que saiba como fazer. No cineviver
muitas coisas são automáticas e fazemos disso um
trunfo a nosso favor. Muitas vezes gravamos cenas em
condições de luz e áudio diferentes e no momento de
colocá-las numa mesma seqüência haverá a
necessidade de uma normalização.

O grupo de apoio é formado por todos os amigos do


filme, que ajudarão de forma lateral cuidando de
aspectos importantes e essenciais. Neste grupo estão
as pessoas que cuidarão de alimentação, transporte,
segurança e assessoria de imprensa, por exemplo. Um
filme é algo tão cativante que vemos surgir a cada
momento alguém disposto a fazer alguma coisa por ele.
Isto é uma característica de todas as produções, desde
as grandes de orçamentos milionários até os filmes
humildes de orçamento zero. O cinema tem o poder de
reunir as pessoas.

121
Everaldo Vasconcelos

Ao pensar em fazer o seu filme lembre-se de que o


cinema é uma arte coletiva, que por sua natureza atrai
as pessoas para participarem de sua energia. Basta
que você declare que vai fazer um filme e já aparecem
voluntários querendo participar de alguma forma.

A melhor forma de começar é autodeclarar-se diretor


de um filme, convencer um grupo de que isto é
verdade e então andar em direção a realização do
mesmo sem medo, caminhando sempre adiante. Ao
autodeclarar-se diretor de seu filme você vai assumir a
solidão de não poder confessar as dúvidas e incertezas,
pois para o grupo que lhe apóia você sabe o quer e
para onde vai. Guarde as suas inseguranças para as
suas memórias.

122
Fazer filmes

23 Orçamento-zero

O
orçamento-zero não é uma quantidade, mas um
conceito. Dizemos orçamento-zero para
significar um modo de garantir a realização de
um filme. Tudo nesta forma de pensar está relacionado
com a atitude de encontrar as melhores possibilidades
a custo zero, ou custos que possam ser bancados pelo
orçamento pessoal sem a necessidade de
financiamentos bancários.

Dentre os muitos conselhos que se dão para o diretor


que está desejando produzir o seu filme com os seus
próprios recursos, é que ele se utilize das facilidades
do seu cartão de crédito ou dos financiamentos
bancários tais como os limites dos cheques especiais e
dos CDC, crédito direto ao consumidor. Por
experiência própria, dizemos que não é de bom alvitre
fazer estas coisas.

O orçamento-zero deve se encaixar dentro de seu


planejamento financeiro sem comprometê-lo tanto.
Deve ser algo que se gastaria com as viagens de férias.
Fazer um filme demanda sacrifícios e opções. No
entanto estamos querendo aplicar esta noção ao seu

123
Everaldo Vasconcelos

extremo, isto é, minimizar de tal forma os custos que


não precise mexer na poupança das viagens de lazer.

EXERCÍCIO 68- Faça uma lista detalhada de todas as


coisas que serão necessárias ao filme usando as
informações da análise técnica e do levantamento da
equipe necessária.

Vamos organizar esta lista em quatro grandes grupos:


Preparação, Gravação, Finalização e Circulação.

Os custos de preparação se referem a todas as coisas


que iremos fazer antes da gravação. São custos
invisíveis, que tem a propriedade de se misturarem
com nossas despesas pessoais. É necessário
quantificar isto de algum modo. Estes custos podem
ser tanto em dinheiro, quanto em tempo. Tudo isto
precisa ser anotado. O tempo que iremos dispor para
dedicar ao filme é um investimento. Um filme não
surge do nada, demanda dedicação, tempo de
maturação para que a criação flua com facilidade nas
fases seguintes. No orçamento-zero o tempo é a nossa
principal moeda. Os ensaios com os atores, no caso de
um filme de ficção, precisam ser cuidadosamente
planejados, incluindo todas as condições necessárias,
como transporte, local de ensaio, água mineral.
Determinar se cada qual cuida de suas despesas ou se
a produção do filme vai oferecer isto.

Os custos de produção se referem a todas as coisas


que acontecem durante as gravações. É necessário ter
uma rotina de gravação muito rígida, pois qualquer

124
Fazer filmes

distração pode transformar um custo que era somente


tempo, em custo monetário. É nesta fase em que a
pressão financeira aumenta consideravelmente, pois
um filme não pode parar. Lembrem-se disso: um filme
não pode parar. Quando isto acontece alguém pagará
os custos desta parada. Fazer um filme é semelhante
com entrar em uma floresta escura seguindo uma
trilha iluminada apenas com a nossa lanterna,
qualquer vacilo ou mudança de rumo nos deixa presos
ali. Uma vez começado o filme, leve ele até o fim. Em
caso de sinal vermelho, avance o sinal e siga em frente.

Os custos de finalização se referem ao acabamento do


filme, incluindo a festa de lançamento numa mesa de
bar ou em uma sala de cinema convencional no
shopping mais famoso da cidade. Finalizar o filme é
fechar o ciclo de produção desta obra.

Os custos de circulação se referem a todas as despesas


de exibição, desde o táxi para carregar equipamentos
de projeção, até as taxas de correio para enviar o filme
para festivais. Pois agora ele irá descortinar outros
horizontes e conviver com mostras especificas para
este tipo de filme.

EXERCÍCIO 69. Pegue a lista que foi escrita no


exercício anterior, organize de acordo com os grupos
de custos de preparação, gravação, finalização e
circulação. Quantifique os custos em duas colunas de
tempo e dinheiro. No item dinheiro trabalhe com o
valor simbólico de número 100. Depois de saber

125
Everaldo Vasconcelos

quanto em dinheiro você dispõe para o filme distribua-


o entre os itens proporcionalmente a percentagem.

A filosofia do cineviver implica em aceitar que não


temos ilusões; esta é uma cinematografia à margem do
cinema oficial, que tem o seu próprio "gramour", como
diz uma personagem do humorismo televisivo. O
conceito de orçamento zero se aplica deste o momento
de concepção até a circulação.

Muitas vezes se pensa em orçamento-zero como uma


coisa milagrosa que poderá fazer acontecer o filme
sem muitos gastos. Não é isso o que acontece, o que
teremos é transformação destes gastos em tempo e
boa vontade dos envolvidos. Usar o orçamento-zero é
como praticar um esporte radical. Envolve coragem,
decisão e confiança em si mesmo. Não é para fazer de
conta que está fazendo um filme, mas fazê-lo tal como
se apresenta assumindo-o em sua integridade.

126
Fazer filmes

24 Stripboard

A
estrada que leva a um filme é feita de tempo.
Não é somente uma marca no calendário dando
conta de uma lista de tarefas. É algo mais
intricado, mais encaixado. Todos os eventos precisam
estar conectados. É como um caminho feito de tempo.
Já dissemos anteriormente que o tempo é a principal
moeda em filmes de orçamento-zero. Aqui vamos
delinear um modo de construir esta estrada invisível
aos olhos, mas de uma concretude real.

Vamos fazer um stripboard. É um recurso de


planejamento do filme. Consiste de um quadro onde
cada cena é representada por tiras de papel. Este
nosso stripboard é uma adaptação para o uso em
nossos filmes. O stripboard tem três elementos
básicos: A tira principal ou cabeça; as tiras de cenas e
as tiras de dias.

Veja a figura do stripboard de uma produção feita com


os alunos da disciplina Ator e Câmera do curso de
Teatro da Universidade Federal da Paraíba.

127
Everaldo Vasconcelos

A tira principal contém um cabeçalho com as


etiquetas:Page count (duração em oitavos), Page,

128
Fazer filmes

número da página no roteiro, Nome do filme,o


ambiente geral, a luz, lugar, lista numerada do elenco,
extras, que corresponde aos figurantes, outras
anotações, Scene number , que corresponde ao
número da cena.

As tiras de cena contém a duração em oitavos, a


cabeça de cena com ambiente geral, a luz, lugar,
espaços para a marcação do elenco que está na
referida cena, adereços, número da cena.

As tiras de dias são a indicação dos dias de gravação.

Esta terminologia tem a seguinte descrição:

Page count(Duração em oitavos) - se refere ao tempo


da cena em oitavos de página;

Page, número da ágina no roteiro da referida cena.

Ambiente geral indica se a cena é no Interior ou


Exterior;

Lugar indica o lugar da cena;

Luz indica se é Dia ou Noite;

Lista numerada do elenco consiste de uma lista de todo


o elenco

Extras – indica a presença de figurantes

Adereços- indicam se a cena faz uso de


adereços,comida de cena, animais.

129
Everaldo Vasconcelos

Número da cena – indica o número da cena no roteiro.

EXERCÍCIO 70- O primeiro passo é preencher a tira


principal com as suas etiquetas. Usaremos como
padrão uma folha de papel A4. Fazendo dobras divida o
papel em 16 tiras. A tira principal que conterá o
cabeçalho tem o tamanho de quatro dessas tiras.

Escreva as etiquetas de acordo a listagem dada acima.

Cole com um pequeno ponto de cola a tira principal


sobre uma cartolina de mesmo tamanho que o papel
A4.

O segundo passo é preencher as tiras de cena.


Inicialmente precisamos preparar as tiras de cena.
Coloque-as ao lado da tira principal e desenhe linhas
equiparando-as com a tira principal.

Cada tira corresponderá a uma cena. Pegue uma delas


e preencha-a com os dados levantados na análise
técnica.

Nos campo Page Count, (Duração em oitavos), escreva


a duração em oitavos da referida cena. Por exemplo, 1
e 5/8.

No campo Page escreva o número da página do roteiro


onde está a referida cena.

130
Fazer filmes

No campo da cabeça de cena escreva o ambiente, o


lugar e a luz.

Escreva INT ou EXT.

Descrição do lugar

Escreva DIA ou NOITE.

No campo elenco escreva o número do ator da linha


que está na cena.

No campo extras marque um X indicando que a cena


necessita de figurantes.

No campo Adereços indique com um código o tipo de


adereço usado na cena. No exemplo da figura observe
que há um “P” indicando a existência de um adereço.

No campo Scene Number, escreva o número da cena.

EXERCÍCIO 71- Depois de ter preenchido todas as


tiras. Coloque-as na mesma ordem do roteiro.
Contemple o filme por inteiro. Verifique se não faltou
algo. Veja o exemplo da figura.

EXERCÍCIO 72 - Com o filme organizado


seqüencialmente com o exercício anterior. Classifique
as cenas por lugar. Contemple todas as cenas que
ocorrem num mesmo lugar.

131
Everaldo Vasconcelos

EXERCÍCIO 73- Com o filme classificado por lugar


organize as tiras das cenas por Luz.

EXERCÍCIO 74 - Cole as cenas com um ponto de cola


partindo da tira principal em blocos de gravação e ao
fim de cada um deles coloque uma tira indicando
primeiro dia e assim por diante com os outros blocos.
Veja a figura no final do capítulo.

O stripboard permite planejar com cuidado o


agendamento do filme e em caso de algum
contratempo reorganizar tudo rapidamente. Esta é
uma ferramenta muito utilizada no cinema desde os
primórdios da indústria cinematográfica. Hoje já
existem excelentes softwares que fazem o trabalho
artesanal. Este nosso stripboard, que preferi não
traduzir, é uma adaptação para a nossa realidade. Não
dá para planejar o agendamento de um filme que é a
sua estrada de tempo baseando-se apenas na intuição,
é necessário ver esta estrada.

EXERCÍCIO 75 - Partindo do stripboard organize a


agenda do filme num calendário real.

Temos agora condições de começarmos o trabalho de


gravação e de comprometermos uma equipe com o
nosso projeto. O filme tomará o seu rumo. Lembre-se
que não se pode ficar eternamente fazendo e refazendo
o planejamento. Neste momento é hora de partir para

132
Fazer filmes

a vida, de sair do ninho e voar. Dirigir um filme é como


saltar sobre o abismo, abrir as asas e voar.

133
Everaldo Vasconcelos

25 Departamento de arte

No departamento de arte de um filme iremos colocar


todas as nossas tarefas com figurinos, maquiagem
adereços, e cenários. Será uma empreitada muito
criativa e muitas vezes nos pareceremos com aqueles
aqueles caçadores nômades da idade da pedra. É isto
mesmo, iremos caçar as coisas que precisamos. Haverá
os armários das nossas famílias e dos amigos.

Primeiramente é necessário que alguém com o tino


para este setor fique centralizando o controle das
coisas, não se trata somente de arranjar o que for
aparecendo por aí, mas é preciso que tudo esteja
conforme o que desejamos.

É uma tarefa difícil planejar a arte do filme sem ter


um tostão no bolso. Envolve muita criatividade, e no
cinema mais do que no teatro o que brilha é ouro, um
enquadramento pode resolver todo um problema de
cenografia.

É preciso saber o que se quer para poder encontrar


estas coisas dispostas na natureza bruta da selva das
cidades. Veja, não dá para ficar esperando por uma

134
Fazer filmes

solução ou por um financiamento, a nossa proposta é ir


em frente com orçamento-zero. Não está proibido
também quem quiser tentar os outros meios, isto fica a
critério de cada produtor. Lembre-se de que é preciso
ter os desenhos do que queremos.

EXERCICIO 76. Desenhe ou obtenha os desenhos


ideais de seu figurino. De posse destes desenhos liste
cuidadosamente todos os itens que o compõem, numa
outra coluna anote o que é possível encontrar e de
que modo adaptar e anote os telefones dos respectivos
proprietários.

EXERCICIO 77. Desenhe todos os adereços de que


você precisa. Veja o que é possível conseguir, inventar
ou improvisar a partir de outros objetos.

EXERCICIO 78. Desenhe cada uma das locações que


serão usadas nos filmes, depois procure encontrar os
lugares que se adequariam a isto e veja o que é
necessário para adaptá-los.

EXERCÍCIO 79. Planeje cuidadosamente a


maquiagem. Muito cuidado neste setor, a maquiagem
para o filme é diferente daquilo que se usa no dia a dia
e também da que se usa no teatro, é outro universo
completamente diferente.

O estudo da arte do filme , a sua discussão com o


grupo de criação facilitará muito a produção. Este é
um setor no qual a improvisação ajuda desde que você
vá sabendo o que procurar. Lembre-se de que um

135
Everaldo Vasconcelos

objeto determina o outro. Assim se você escolhe um


determinado tipo de roupa, então este roupa irá
hierarquizar as escolhas seguintes. Tudo o que você for
encontrando deve obedecer a esta hierarquia. Se for o
caso de fazer alguma alteração reveja cuidadosamente
este parentesco de estilo entre os itens usados.

O mesmo principio de hierarquia dos objetos se aplica


aos adereços, uma vez escolhido um estilo de objetos,
vá escolhendo os seguintes por esta filiação artística.
Não se trata somente de encontrar uma mesa, mas
uma mesa que se encaixe numa hierarquia de estilos.

Também na escolha dos cenários deve-se ter o cuidado


de compor adequadamente fazendo- o adaptar-se ao
estilo que se vem adotando. É claro que o bom uso da
câmera facilitará e muito o nosso trabalho de compor
um set. A câmera será uma grande arma da cenografia,
participando tanto com o que mostra como com o que
oculta. O melhor será encontrar as locações prontas
em algum lugar. Caso isto não seja possível então
invente a sua cenografia a custo zero usando todo tipo
de material reciclado que encontrar em seu caminho.
No cineviver chegamos ao ápice do reinado da fita
crepe.

A maquiagem pode ser feita com os estojos pessoais de


cada ator, mas não deixe que cada um cuide de sua
própria maquiagem, isto é prenúncio de tragédia, pois
cada um quererá ficar mais lindo que o outro e os
resultados desta disputa é horroroso. Sempre tem no

136
Fazer filmes

grupo de trabalho alguém que gosta de cuidar da


maquiagem. Centralize o trabalho na mão desta pessoa
e supervisione tudo com cuidado. Mesmo sendo um
trabalho em grupo e com participação ativa de todos,
há algo que não pode ser dividido, a visão do diretor.

Baseando-se neste principio de hierarquia de estilo,


fazendo com que os primeiros itens escolhidos
determinem os seguintes, nos ajudará a manter a
unidade visual do filme. Do ponto de vista do estado de
caça ao tesouro na fase de encontrar os itens
desejados, tudo vale, pegue tudo o que aparecer e
decida o que vai ser usado com calma.

Faça um inventário de todas as coisas que pediu


emprestado com respectivos telefones e cuide destes
itens com muito carinho. Ele é o passaporte para que
investidores mais ousados vejam a nossa seriedade
quando formos partir para projetos maiores do ponto
de vista financeiro.

137
Everaldo Vasconcelos

26 Luz e sombra

A nossa luta é pela imagem. Claro que não estamos


tentando competir com o cinema que conta com
orçamentos grandiosos. O nosso objetivo é usar as
nossas câmeras leves e totalmente automáticas. Mas o
objetivo é o mesmo, estamos querendo produzir
imagens que digam as coisas que pensamos, que conte
a estória que a grande tela não irá contar, que revele a
realidade que não aparecerá nos grandes filmes.

O primeiro dado fundamental de nossa guerrilha


audiovisual é que a nossa imagem é luz capturada
automaticamente pela câmera. Tudo o que temos que
fazer é saber usar este automatismo. Fazer
experimentos de luz para descobrir quais são os limites
de nossos equipamentos.

A regra é usar a luz natural da cena, seja do sol, da lua,


de um fósforo, uma vela, uma lamparina, a luz
incandescente da casa, a luz do poste na rua, a luz que
existir. Vamos assumir a luz de cada lugar. E como
recurso adicional acrescentar luzes extras, mas
tentando a todo custo não ferir a luz primordial.

138
Fazer filmes

Em cenários construídos a luz deverá obedecer à


lógica da cena. Os nossos equipamentos são capazes
de capturar imagens com a luz de uma vela. Devemos
tirar proveito disso. Não estamos querendo ganhar o
premio das academias, mas viver a experiência de lutar
com a sombra, de equilibrar os contrastes e produzir a
vida luminosa da cena.

EXERCÍCIO 80. Crie uma cena que seja iluminada


apenas por uma vela. Experimente os vários contrastes
de luz e sombra.

Podemos fazer o uso de uma luz auxiliar de dois


modos: diretamente ou indiretamente.

De modo direto podemos dispor de outras luminárias


para ajudar na luz natural da cena, que podem ser tudo
o que emita luz: de velas, lanternas de celulares até
equipamentos profissionais de iluminação
cinematográfica como último recurso. Cada diretor
deve agir de acordo com as suas condições financeiras.
Se for possível conseguir equipamentos que ajudem a
obter o melhor de uma cena, por que não usá-los.
Chamamos esta luz de direta porque ela incidirá sobre
o sujeito da ação sem rebatimento.

No modo indireto usaremos quaisquer fontes de luz,


mas esta será usada de forma rebatida. A realização de
muitos experimentos de luz na situação que se quer
gravar dará o toque final. Experimentem muito cada
situação. Vejam o que interessa. Se a memória da

139
Everaldo Vasconcelos

câmera ficar cheia. Apaguem tudo e recomecem a


diversão.

EXERCÍCIO 81. Crie uma cena para ser gravada sob a


luz intensa do sol. Experimente as possibilidades de
uso do rebatimento com materiais de várias cores, ora
usando uma placa de isopor branco, uma cartolina
vermelha, uma cartolina azul. Cada tipo de
rebatimento produzirá um efeito diferente na imagem.

O manejo das sombras é uma das facetas do cineviver.


A dureza da imagem que é construída desta forma tem
a semelhança dos grafites que povoam os muros. Faz
parte de nossa opção lidar com esta luz.

Esta nossa opção assemelha-se com a proposta de Lars


Von Triers e o seu manifesto conhecido como Dogma
95, que propunha o uso das condições naturais da cena
de luz e áudio. Não iremos radicalizar tanto, não
gostamos de dogmas, daí a liberdade de cada diretor
de fazer o que lhe apetecer o coração e a razão, dentro
de suas possibilidades de produção. Em cada caso, o
que deve ser observado é que se devem assumir as
condições reais de produção como elemento de
linguagem. A luz dura de contrastes intensos é uma
opção geral, mas cada filme tem o seu próprio DNA.

Vencida a luta com as sombras, deve-se favorecer o


modo como a luz surge no quadro. É hora de compor a
imagem. Há muitas regras de composição. Retomemos
o nosso conceito de sujeito da ação da imagem, não
necessariamente a personagem, mas aquilo que move

140
Fazer filmes

o quadro. Preste atenção ao entorno do sujeito e


componha o quadro de acordo com o que o seu coração
quer. Esqueça as regras. Use as regras. Esqueça as
regras. Sinta-se bem com o que enquadra. Queremos
comunicar o nosso sentimento sobre o mundo.

EXERCÍCIO 82. Crie uma cena que lhe acenda a


emoção. Algo que lhe emocione realmente. Esta é uma
tarefa difícil, pois não há um critério objetivo para
seguir. Tente este procedimento: Vá para um
ambiente; observe neste ambiente algo que lhe toque o
sentimento de entusiasmo, ou de indignação, ou de
ternura; imagine a forma de capturar esta emoção em
um enquadramento. Realize este filme.

O artista da imagem audiovisual constrói a sua emoção


com a câmera.

EXERCÍCIO 83. Videoarte. Faça um filme com


duração máxima de 1 minuto no centro da cidade,
explorando os aspectos que lhe emociona e
trabalhando conscientemente os contrastes de luz e
sombra.

EXERCÍCIO 84. Festival do minuto. Exiba o seu filme


para toda a turma. Debate sobre os filmes.

141
Everaldo Vasconcelos

27 Som

Os ouvidos são a porta de entrada do coração. Uma


mesma imagem toma contornos emocionais diferentes
com músicas diferentes. É o ritmo, a melodia, o estilo
da música que conduz de forma invisível os
espectadores para os climas de alegria, tristeza,
suspense, dor ou prazer.

EXERCÍCIO 85. Relembrem uma cena da vida de


vocês. Construam o filme mental desta cena. Passem o
filme com o seu som natural. Rebobinem para o início e
repitam o filme com uma música triste. Percebam
como a cena se altera. Rebobinem para o início e
repitam o filme com uma música que evoque muita
alegria. Percebam como a cena se alterou. A música
altera o modo como vemos a cena.

EXERCÍCIO 86. Agora vamos inverter o nosso


procedimento. Vamos pensar na música da cena.
Construir uma seqüência sonora e imaginar a cena que
a ilustra.

É útil pensar o filme como sendo uma “música visual”.


Planejar a música do filme e não perdê-la nos alvoroços

142
Fazer filmes

das gravações. Sempre comparam a atividade do


criador de filmes como um pintor e se dá muita ênfase
à visão. É preciso, no entanto não esquecer que um
filme é um acontecimento no tempo, não é algo
estático, possui uma pulsação. Esta pulsação é o que
chamamos de música do filme.

A música do filme não é o que entendemos comumente


por música, uma melodia original ou conhecida, mas
todo o universo sonoro ali representado como a
pulsação das imagens no tempo. Faz da parte da
música do filme o som do sujeito da ação, o entorno
sonoro, a intervenção seqüencial das imagens.

EXERCÍCIO 87. Percepção do entorno sonoro. Feche


os olhos. Relaxe o corpo. Dirija a sua consciência para
os ouvidos. Perceba todo o entorno sonoro em volta de
você, primeiramente o imediato, depois o próximo e
por último o distante.

EXERCÍCIO 88. Leitura sonora 1. Faça a leitura


silenciosa do seu roteiro escutando mentalmente a sua
música. Você precisa aprender a escutar a música de
seu roteiro.

EXERCÍCIO 89. Leitura sonora 2. Em grupo fazer a


leitura dramática do roteiro fazendo todos os sons
pertinentes à música do mesmo. Os atores dizem as
suas falas e fazem os sons pertinentes à sua
personagem, por exemplo, o som de abrir uma porta,
ou caminhar num assoalho de madeira. Os outros

143
Everaldo Vasconcelos

membros do grupo farão todo restante universo


sonoro.

No cineviver nós trabalhamos com uma câmera que


captura o som automaticamente. Isto poderá ser uma
fonte de muitos problemas, pois geralmente este é um
setor dos equipamentos muito negligenciado pelos
fabricantes. Sabemos das limitações que estão
impostas ao nosso filme. Por isso será necessário ter a
noção exata do que o nosso equipamento é capaz de
realizar neste setor.

O som direto é uma arte à parte. A maioria dos


equipamentos possui um microfone com um raio de
captura muito aberto.

No caso de gravações em ambientes ao ar livre


verifique o entorno sonoro. Decida se este som te
interessa. Fazer filmes com som direto implica em
aceitar a igualdade de condições entre som e imagem,
pois um dialoga com o outro permanentemente. O
vento é um dos nossos principais vilões e você deve
encontrar uma forma de dialogar com ele, seja
protegendo o microfone da câmera com uma fina
película de espuma sintética, ou incorporando-o à
linguagem do filme.

No caso de ambientes fechados os microfones das


câmeras produzem um efeito sonoro de eco.
Experimente antes o ambiente para descobrir como
incorporar isto ao filme. Pode-se também encontrar

144
Fazer filmes

maneiras de minimizar isto dependendo da


configuração de cada equipamento.

Na gravação do diálogo de uma cena faça algumas


tomadas de teste, para ajustar a fala dos atores. Eles
serão uma peça importante nesta luta com o som.

O som que gravarmos não será tão dócil quanto as


imagens quando formos para a ilha de edição. Os sons
são mais imponderáveis. É extremamente difícil retirar
um som de fundo ou recortar um determinado
acontecimento sonoro que aconteça simultâneo com
outro. Portanto ao ligar a câmera tenha consciência
dos sons que está capturando. Esqueça a lenda urbana
de que a ilha de edição pode tudo.

EXERCICIO 90. Gravação de um clip. Escolha uma


música. Crie uma cena que ilustre a respectiva música.
Grave a cena em um plano-sequência, com a música ao
vivo e oriente a captura das imagens pela pulsação que
a música lhe evoca naquele instante.

É no som, mais do que na imagem que a precariedade


de realização dos filmes aparece. Tentem incorporar
estas dificuldades como elementos de sua criação. O
importante é construir a comunicação de nossa
emoção, de nosso sentimento do mundo, de nossos
sonhos e razão de ser.

145
Everaldo Vasconcelos

28 Seleção de atores

Quando temos um filme de ficção diante de nós temos


que lidar com algo extremamente imprevisível e que
estará na raiz de todas as nossas atenções até
concluirmos as gravações. São os atores.

Um grande diretor e teórico do teatro ocidental,


Gordon Craig, chegou a escrever que o ideal seria ter
supermarionetes, pois os atores de carne e osso eram
cheios de tantos fatores imponderáveis que não era
possível contar com a repetição de um desempenho
duas vezes da mesma forma e com a mesma qualidade.
Quem teve a experiência do teatro sabe que o
espetáculo nunca se repete da mesma forma.

No cinema temos a vantagem de precisar contar com


os atores apenas no momento das gravações. Depois é
fazer a finalização e curtir as exibições. É outro tipo de
relacionamento com a obra.

Trabalhar com atores é uma grande arte, desde a fase


inicial quando temos que escolher o elenco, passando
pelos ensaios até o final das gravações.

146
Fazer filmes

O primeiro problema: escolher quem deve fazer uma


determinada personagem. Na situação ideal
deveríamos poder escolher os atores que tivessem as
características de que precisamos, mas isto nem
sempre é possível trabalhando com orçamentos-zero.

Outro problema é que o fato de alguém ser um bom


ator, não significa que poderá fazer qualquer papel.
Cada ator carrega consigo certas marcas de quais
personagens são mais adequadas a ele. É claro que
com muito dinheiro é possível fazer alguns milagres
com a maquiagem, mas não é para todos os casos. Há
um limite que será facilmente descoberto pelas lentes
da câmera. Lembre-se que a lente é fria, não tem
simpatia ou antipatia por alguém, ela simplesmente
registra o que esta à sua frente. A escolha adequada do
elenco precisa ser feita com bom senso.

É um jogo de quebra-cabeça divertido montar um


elenco. As escolhas são interdependentes. Se alguém
com alguma característica é escolhido para um papel,
isto influencia todas as outras escolhas.

Para escolher o elenco devemos promover uma grande


oficina de seleção. É muito mais produtivo do que
aqueles testes de câmera que no final das contas
terminam não apontando as pessoas certas para o
papel.

Faça a convocação para todos os que queiram


participar. Convide as pessoas que você acha que

147
Everaldo Vasconcelos

poderiam fazer algum papel, mas não assegure papel


algum antecipadamente a ninguém.

Encontre uma sala grande onde possa realizar os


exercícios seguintes:

O diretor deve conduzir a oficina. Este é o seu primeiro


contato com todos. A gravação do filme começa aqui.

PRIMEIRA FASE: todos sentados em um grande


círculo.

EXERCÍCIO 91. Apresentação. Todos devem dizer os


nomes, o que já interpretou em teatro, vídeo ou
cinema. Depois o diretor deve ler todo o roteiro como
faria um contador de estórias, dando entonações às
falas e fazendo sons que ilustrem a musica do filme
criando uma imagem viva do que pretende construir.

Esta conversa inicial tem a finalidade de trazer todos


para dentro do projeto que você quer realizar. Esta
primeira conversa é extremamente importante para
trazer cada um individualmente para o projeto. É um
momento no qual o diretor discretamente deve
verificar a qualidade vocal de cada um.

EXERCÍCIO 92. Conversa sobre a estória. Ainda


sentados no grande círculo, Divida o grupo em duplas
e peça que cada um diga ao seu parceiro o que achou
da estória e o que espera do filme. Então no grande
grupo todos relatam qual a opinião do parceiro.

148
Fazer filmes

Abrindo em seguida um tempo para questões que o


diretor deverá responder.

SEGUNDA FASE: Movimentando-se pela sala.

EXERCÍCIO 93. Movimentando-se todos pela sala


tentando preencher todos os espaços vazios. O diretor
deve pedir que a um sinal seu todos devem formar
grupos na quantidade pedida. Por exemplo: todos estão
caminhando e o diretor diz: "formem grupos de três",
então todos formam grupos com três atores. Em
seguida o diretor diz, “formem grupos de cinco”, e
depois “quatro” e para finalizar “dois”.

A finalidade deste exercício é observar os atores em


movimento e distraídos. Neste momento você deve
observar as características que te interessam: tipo
físico, o ritmo pessoal e a postura.

EXERCÍCIO 94. O diretor aproveita os grupos de


“dois” que se formaram no fim do exercício anterior.
Entrega a cada dupla um pequeno diálogo para que o
leiam. Este exercício servirá para ver a desenvoltura
do ator frente as solicitações do diretor. Este é um
aspecto muito sutil, não é para ver se o ator interpreta
bem, pois isto soará muito falso numa leitura deste tipo
a queima roupa, é para verificar como o ator lida com a
pressão necessária ao trabalho de gravação. Você

149
Everaldo Vasconcelos

facilmente perceberá que tem pessoas que apesar de


terem o tipo físico, a voz, e muito boa vontade, não tem
energia para sustentar um papel.

TERCEIRA FASE: Informações finais.

Novamente sentados em círculo.

Os atores devem preencher uma ficha com as


seguintes informações:

Nome completo;

Nome artístico;

Endereço,

Telefone para contato,

Altura,

Idade,

Cor dos olhos,

Cor natural do cabelo,

Peso,

Disponibilidade de horário;

Outros trabalhos que já fez.

150
Fazer filmes

Agradeça a todos pela participação na oficina de


seleção e informe que não divulgará imediatamente o
resultado, mas informará depois que se reunir com a
equipe de produção.

Isto é muito importante: o diretor deve ligar


pessoalmente para todos os que participaram da
Oficina de seleção.

Todas as pessoas devem ser contatadas, tanto o elenco


escolhido como os que ficaram de fora.

Para os que não foram escolhidos:

1 - informe que um filme sempre precisa de todos os


que se dispuserem a ajudar;

2 - convide-os para participarem em outros setores do


filme;

3 - convide-os para acompanhar as gravações.

O simples fato de terem ido para a oficina de seleção já


nos obriga a tratá-los com muito carinho.

O nosso maior capital é o nosso bom relacionamento


com as pessoas.

151
Everaldo Vasconcelos

29 Ensaio com RPG

Existem muitos modos de ensaiar um filme. Aqui


veremos um que se assemelha a um jogo de RPG de
mesa. Chamamos RPG a um tipo de jogo de
representação de papéis. RPG significa Role Play
Game. É um jogo muito difundido com vários sistemas
de regras e modos de fazer avançar a estória.

Este nosso jogo de RPG chama-se ensaio de filme e foi


criado especificamente para servir aos objetivos
criativos do cineviver.

EXERCICIO 95. Aquecimento com o texto. Todos os


participantes do filme, elenco e equipe técnica devem
fazer uma leitura branca circular. Todos ao redor da
mesa vão lendo as falas e as descrições das ações de
modo a circular a mesa com a leitura.

EXERCICIO 96. Leitura branca circular apenas com o


elenco. Todos os atores devem ler as falas seguindo a
seqüência, sem se importarem com o fato de serem de

152
Fazer filmes

suas personagens ou não. O diretor fará a leitura das


descrições da ação.

EXERCÍCIO 97. Leitura do roteiro cada qual com as


falas de suas personagens. O diretor lerá as descrições
das ações.

O UNIVERSO DO JOGO.

A primeira etapa de um RPG é a consolidação do


universo ficcional onde ocorrerá o jogo. Isto já está
metade pronto no próprio roteiro. A outra parte
dependerá das condições reais de gravação que
transporemos aqui para as regras de nosso universo de
jogo. Deve ser montado um tabuleiro com miniaturas
representando os objetos, as personagens e o cenário
da cena.

A CRIAÇÃO DAS PERSONAGENS.

As nossas personagens já existem bem definidas no


roteiro. O ator responsável por uma personagem deve
preencher uma ficha com os dados abaixo:

153
Everaldo Vasconcelos

Nome do ator;

Nome da personagem;

Idade da personagem;

Aparência física;

Vestuário;

Uso de objetos;

Comportamento externo;

Motivação interior;

Sua ação anterior a cena que está será jogada;

Sua ação após a cena que será jogada.

Cada ator fará uma pequena miniatura de papel


representando a sua personagem.

A ROTINA DO JOGO.

Cada cena é apresentada pelo diretor que descreverá a


posição dos objetos e como é a cenografia.

EXERCÍCIO 98. Seguindo o roteiro:

154
Fazer filmes

1 - Cada ator vai lendo o roteiro e posicionando a sua


personagem no cenário. Quando for o caso de usar
algum objeto, traz o mesmo para perto da miniatura
para significar que o está usando.

2 - O diretor comenta a ação e cada qual faz a sua


avaliação.

EXERCÍCIO 99 - Improvisação com a estória:

1 - Deve-se seguir as falas do roteiro, mas entre uma e


outra sempre podem ocorrer ações não previstas. Cada
ator pode pedir a primazia da ação. Se houverem mais
de um desejando isso, devem resolver com um lance de
par ou impar. Quem vencer começa a ação. O ator
descreve a ação e posiciona a sua miniatura.

2 - O diretor pode incorporar à cena novos dados, que


deverão ser incorporados à mesma.

EXERCÍCIO 100 - Improvisação com a ação anterior à


cena.

1 - O diretor indica o tamanho de antecipação


temporal, por exemplo, uma hora, um dia, um mês, e
também a primazia da ação para alguma personagem.

2 - O ator descreve a ação da personagem


posicionando a sua miniatura no cenário.

155
Everaldo Vasconcelos

3 - O diretor propõe novas questões.

4 - O ator descreve a ação da sua personagem para


resolver as questões colocadas pelo diretor.

5- Repete-se esta estrutura até esgotar o estudo da


ação anterior da cena.

EXERCÍCIO 101 - Improvisação com a ação posterior


à cena.

1 - O diretor indica o tamanho do lapso temporal, por


exemplo, imediatamente, até uma hora, ou um dia, e
também a primazia da ação para alguma personagem.

2 - O ator descreve a ação da personagem


posicionando a sua miniatura no cenário.

3 - O diretor propõe novas questões.

4 - O ator descreve a ação da sua personagem para


resolver as questões colocadas pelo diretor.

5- Repete-se esta estrutura até esgotar o estudo da


ação posterior da cena.

EXERCÍCIO 102. Visita ao mundo da estória.

1 - Usando os cenários de cada cena. O diretor deve


perguntar a cada ator em seqüência o que fará a
personagem naquela situação.

156
Fazer filmes

2 - Se houver combates ou qualquer situação


conflitante entre as personagens, ou entre as
personagens e o ambiente da estória, o diretor deve
decidir qual a solução e todos devem incorporar
imediatamente isso ao andamento de sua personagem.

3 - O ator descreve a ação de sua personagem.

4 - O diretor resume os acontecimentos desta rodada e


propõe uma nova situação dando continuidade a
anterior.

O uso do RPG como estratégia de estudo do roteiro


tornará esta fase de trabalho mais divertida.

157
Everaldo Vasconcelos

30 Emoções

O processo de construção de uma personagem envolve


algumas etapas que precisam ser obedecidas. Antes de
começar a interpretar a personagem o ator deve
compreender detalhadamente de quem se trata a
pessoa que está interpretando.

Há também uma dificuldade a mais. No cinema a


câmera registra a verdade do ator em sua
subjetividade, importa parecer que é de dentro para
fora. No teatro, a interpretação é de fato, uma
representação importando que o público traduza os
gestos e a voz de acordo com determinadas
convenções teatrais. A câmera, no entanto captura
nuances de movimento que são imperceptíveis no
teatro mesmo que os espectadores estejam muito
próximos.

A interpretação para a câmera envolve descobrir os


estados emocionais das personagens e colocar-se nele
para que seja possível o seu registro. Não é a mesma
coisa representar que está sentindo algo, pois a
imagem resultará grosseira e exagerada.

158
Fazer filmes

O nosso primeiro grande problema é obter a


naturalidade dos atores e isto é algo que nos obriga
muitas vezes a pedirmos que esqueçam aspectos da
técnica de representação teatral. No teatro precisamos
amplificar os gestos e impostar a voz para atender a
espectadora velhinha que está sentada na última fila
de cadeiras da platéia.

EXERCÍCIO 103. Massagear suavemente a


musculatura rosto, tentando obter uma máscara facial
neutra. Depois contrair a musculatura facial de várias
maneiras, abrindo a boca , colocando a língua para
fora e fazendo-a circular, contraindo a testa, o queixo.
Para finalizar refazer a massagem de relaxamento.

EXERCÍCIO 104. Inspirar profundamente. Reter o ar


por alguns segundos e expirar suavemente.

EXERCÍCIO 105. Inspirar profundamente. Reter o ar


e ao expirar emitir as vogais de modo afônico.

EXERCÍCIO 106. Inspirar profundamente. Reter o ar.


Escolher um estado emocional, tal como alegria, trazer
à mente memórias pessoais reais ou construídas.
Mantendo a máscara neutra expirar a seqüência de
vogais exprimindo de modo afônico o estado
emocional escolhido. É um exercício pessoal. Não é
necessário que as pessoas escutem o que você está
fazendo.

159
Everaldo Vasconcelos

EXERCÍCIO 107. Inspirar profundamente. Reter o ar.


Escolher um estado emocional que seja o inverso do
exercício anterior. Trazer à mente memórias pessoais
reais ou construídas. Mantendo a máscara neutra
expirar a seqüência de vogais exprimindo de modo
afônico o estado emocional escolhido.

Estes exercícios acima nos ajudarão a obter os estados


emocionais sem ter a necessidade de exprimi-los
através da máscara facial. As emoções farão pequenas
modificações nesta máscara que serão capturadas pela
câmera. Uma das grandes dificuldades dos atores de
teatro com a câmera é a necessidade dos mesmos de
quererem representar as emoções comandando a
musculatura. Isto resulta em caretas que podem até
serem úteis em algumas cenas cômicas, mas viram
piada em outros contextos. É necessário treinar com o
ator a execução dos gestos mínimos absolutamente
necessários.

Para os próximos exercícios faça uma câmera de


brinquedo da seguinte forma. Pegue uma caixa de
papelão e fure um buraco circular to tamanho de uma
laranja. Esta caixa irá representar o olho da câmera
em todos os nossos ensaios.

Vamos estabelecer o relacionamento com o saci da


câmera. Vamos fazer de conta que dentro da câmera
mora um saci. Todos sabem o que é um saci, mas por
via das dúvidas não custa recomendar a leitura de

160
Fazer filmes

Monteiro Lobato pra um encontro verdadeiro com


aquela criatura mágica da mitologia brasileira.

EXERCÍCIO 108. Inspirar profundamente. Reter o ar.


Olhe para o buraco da câmera e imagine lá dentro um
saci. Expire soprando à distancia suavemente o Saci e
imagine ele resistindo ao vento gerado por você. Este
exercício traz a câmera para o nosso convívio criativo.
Ela não é só uma coisa altamente tecnológica que está
ali registrando friamente as nossas imagens. Ela é a
ponte para alma dos espectadores. Temos que ter com
ela uma relação emocional sempre ciente de sua
presença.

EXERCÍCIO 109. Inspire profundamente. Reter o ar.


Execute uma série de movimentos imaginando que o
saci o observa através da lente da câmera como se
estivesse debruçado sobre uma janela. O fato de não
nos dirigirmos diretamente à câmera, e agirmos em
nosso mundo fictício como se ela não existisse, não
significa que não tenhamos consciência de sua
presença.

EXERCÍCIO 110. Cada ator deve elaborar


mentalmente os estados emocionais de uma carta de
sua personagem contando sobre a sua vida até o
momento da cena. Depois deve dizer esta carta ao saci
da câmera. Em outro momento quando estiver
gravando o filme e for necessária uma cena deste tipo

161
Everaldo Vasconcelos

transfira a imagem do saci para o interlocutor previsto


no roteiro.

No trabalho com cenas com mais de uma personagem


deve-se recompor cada um dos estados emocionais e
então executar a marcação da cena.

162
Fazer filmes

31 48 horas

Hora de começar o filme. Tem muito que fazer, a


primeira regra é não olhar para trás. É preciso
começar e não parar, ir até o fim com todo o vigor,
mesmo que depois você resolva fazer outro filme, mas
antes termine este que começou. O lema do cineviver
é: gravar o filme.

A segunda coisa: gravar tudo em 48 horas, isto é, o


tempo padrão de gravação do projeto cineviver é dois
dias, no máximo, podendo ser menos.

Quando começarmos as gravações tudo já deve estar


completamente preparado. Gravar em quarenta e oito
horas será muito mais confortável que o projeto de um
canal de TV a cabo que propunha o desafio de fazer
todo o filme em 48 horas desde o roteiro até a
finalização. Isto seria um bom exercício, mas queremos
estabelecer que as gravações, em seu tempo padrão,
no cineviver têm somente 48 horas de duração.

As vantagens para estabelecer este limite são:


economia de recursos, objetividade e facilidade de
manejar os horários de toda a equipe. Lembre-se que

163
Everaldo Vasconcelos

estamos trabalhando com orçamento-zero, e nestas


condições implica sobreviver ao abandono se
demorarmos demais. Como se diz popularmente: angu
que muito demora no fogo passa do ponto. O cineviver
tem um tempo, não dá para ficar remoendo e
sonhando com coisas que não irão aparecer, pois não
temos a lâmpada do gênio de Aladim nem muito menos
a varinha mágica de Harry Potter, temos que ir a luta e
gravar o filme. Temos que ter fé no que vamos fazer.

Antes de começar as gravações é preciso organizar


detalhadamente a agenda destas 48 horas, hora a hora,
que vai funcionar como sendo o que chamamos de
ordem do dia, uma lista de todas as tarefas do dia de
gravação. No nosso caso vamos fazer uma ordem do
dia de 48 horas, tendo o cuidado de dedicar estas
horas de modo exclusivo ao filme, com as horas de
sono e alimentação e outras necessidades pessoais,
mas nada de relaxamento ou comemorações prévias.
Nada disso, a concentração tem que ser total até a
conclusão das gravações.

Depois de feita esta agenda com precisão e preparado


com antecedência os locais de gravação. Temos que
começar.

Devemos organizar as tomadas por locação e


obviamente por horários convenientes. Não fiquem
elucubrando sobre luz e detalhes técnicos. Vejam o
que pode ser feito e que o diretor tome as decisões

164
Fazer filmes

rápidas e dê as ordens para que as cenas sejam


gravadas.

Não repita as tomadas apenas para ter a sensação de


que está fazendo um filme importante, ou que você
ainda não encontrou o clima absolutamente certo.
Grave rápido. Pegue os atores de primeira, sem muita
afetação, quanto mais você repete uma cena mais o
ator vai de volta para o palco de teatro que ele conhece
tão bem. A repetição evoca o sentimento de que há
uma platéia para agradar. Se possível pegue a cena na
primeira tomada. Seja esperto, não desperdice tempo
com ilusões.

As pausas devem estar todas sob controle, evite


qualquer tipo de bebida alcoólica. As drogas
alucinógenas, nem pensar; é algo que às vezes aparece
nos bastidores como se fosse a coisa mais inocente do
mundo, mas não são; estas drogas alteram o tônus
emocional dos atores e isto irá para a imagem. Quem
tiver a sua predileção secreta que deixe isso para
depois do filme e distante do set de gravação. Não é
caretice. É uma atitude de proteção do filme contra
qualquer obstáculo.

A rotina de gravação deve ser ditada pelo diretor. Cada


qual faz a sua tarefa sem buscar interferir na do outro.
Um filme tem um diretor que é o centro do processo e
a quem cabe todas as decisões.

A rotina de gravação de um filme tem um pouco de


retiro religioso, pois é como se manipulássemos um

165
Everaldo Vasconcelos

material mágico. O momento de gravação é um rito


essencial do qual depende o que o filme será. Sabemos
que se conseguirmos manter a concentração e a
energia em torno do filme, ele será belo e nos dará
muita alegria, caso contrário a câmera registrará os
nossos desencontros. Um grupo coeso e limpo é capaz
de vencer obstáculos quase intransponíveis,
principalmente lidando com orçamentos-zero.

Este é o momento de fazer o filme. Então faça-o.

166
Fazer filmes

32 Finalizando

Terminamos as gravações e estamos com o filme na


lata, como se dizia na época em que o único meio de
fazer um filme seria usando película. O filme está na
memória do computador e é hora de finalizá-lo. Hora
de montar o filme.

Não vamos aqui neste espaço discutir as diversas


teorias sobre a montagem ,mas nos valermos dos cem
anos de cinema e mais cinqüenta de televisão em
nossas costas como parte já de nosso inconsciente
coletivo. Vamos adotar por causa disso uma
abordagem intuitiva. Pressupor que você já tem
internalizado dentro de você a intuição de como deve
ser armado o filme final. Para fazer isso vamos usar um
programa de edição não-linear disponível em todos os
computadores que usam o sistema operacional
windows, o Movie maker e para a edição de audio um
programa gratuito chamado Audacity.

A operação destes programas são muito intuitivos e


cada um deverá seguir as orientações disponíveis no
item de ajuda dos mesmos. Em caso de muita
dificuldade, seria bom contar com um amigo que saiba

167
Everaldo Vasconcelos

operar o programa. È claro que se podem usar outros


programas disponíveis, tanto os gratuitos como os
pagos. Isto será uma opção de cada um.

EXERCICIO 111. Reveja todo o material gravado e


planeje o filme final. Faça um breve esboço numa folha
de papel das cenas do filme fazendo uma lista. Lembre-
se de anotar todas as pessoas que participaram do
filme, pois será necessário dar a elas o crédito nos
letreiros. Você decide onde deve colocar cada coisa. Se
quer o título no início ou no final, por exemplo. Esteja à
vontade para lidar com estes créditos.

EXERCÍCIO 112. Monte uma versão bruta do filme


com as cenas na seqüência desenhada para ver se
funcionam do modo que você planejou.

EXERCÍCIO 113. Refine a montagem acrescentando


os créditos. Não se esqueça de ninguém. Use e abuse
dos agradecimentos.

EXERCÍCIO 114. Reveja o filme e planeje que


elementos de áudio podem ser melhorados, seja
acrescentando efeitos sonoros ou músicas ou
aumentando e diminuindo um áudio original de uma
cena. Faça uma lista dos eventos de áudio que irão ser
alterados.

EXERCICIO 115 - Acrescente o áudio. Reveja o filme


junto com alguns amigos.

168
Fazer filmes

EXERCÍCIO 116 - Então faça uma avant-premiere


para os participantes do filme.

EXERCÍCIO 117 - Hora de começar a tarefa de


desprodução, ou seja, desmontar, devolver tudo que
foi pedido emprestado. Faça isso pessoalmente e
convide a todos para o lançamento do filme. Lembre-se
que mesmo quem deu apenas uma palavra de apoio
deseja ser lembrado como alguém que foi importante
para a produção. As pessoas se magoam facilmente
com um esquecimento desta natureza. Mantenha um
caderno onde tenha anotado o nome de cada pessoa, o
que deu, e a data prevista para a devolução. No dia do
lançamento fale o nome delas, agradeça, sempre,
coloque estas pessoas no sétimo céu. Elas são a
semente dos investidores de seus futuros filmes.

O trabalho de finalizar o filme assemelha-se com a do


lançamento de um navio, tem que ter certa solenidade.
Não importa se o filme é algo do cineviver, simples e
destinado a ser veiculado pela internet, faça a festa do
filme. Este acontecimento é o que transforma este
objeto em um objeto da cultura das pessoas, que passa
a ser parte da vida delas.

A idéia de realizar filmes cineviver é poder estabelecer


estes contatos com as pessoas e celebrar através da
produção audiovisual todos os aspectos da vida.

169
Everaldo Vasconcelos

O filme deve ter a duração que lhe aprouver, ou curta,


média ou longa. Cada qual faça aquilo que lhe der mais
prazer.

EXERCICIO 118. Organize o lançamento de seu filme.


Faça cartazes. Divulgue pela internet e mande releases
ara imprensa.

EXERCÍCIO 119 - Organização da mostra de filmes


cineviver. Depois de tudo concluído. Vamos promover
a exibição de todos os filmes numa mostra de filmes
cineviver como parte de nosso programa de interação
com a comunidade, os participantes de outros filmes e
os espectadores.

Os festivais são uma grande oportunidade de debater,


repartir o que sabemos e aprender mais sobre a nossa
arte. Não ha como fugir do imperativo que estaremos
nos jogando para o meio de uma comunidade que faz
audiovisual. O simples fato de fazer o filme, já nos
coloca dentro deste grupo. É necessário estar aberto
para ouvir a crítica, debater pontos de vista. O projeto
cineviver atende às necessidades de produção de um
grupo, mas querendo ou não interfere e se relaciona
com tudo o que está ocorrendo.

O filme é sonho, parafraseando Calderon de la barca, e


estamos nele para ser felizes.

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Fazer filmes

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Everaldo Vasconcelos

João Pessoa, Paraíba, 2011

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