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HISTÓRIA DO

AUDIOVISUAL
HISTÓRIA DO
AUDIOVISUAL

|
SÃO PAULO 2020
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Marina de Mello Fontanelli

Tutores
Grace Kelly Marcelino
Lucas Giesteira Camargo
Sandra Febbe Cazarejos
SUMÁRIO  Clique nos tópicos para navegação

INTRODUÇÃO DA DISCIPLINA:
A ILUSÃO DO VÍDEO.............................................. 7

UNIDADE 1............................................................................ 9
ORIGEM DO CINEMA: DA CÂMARA ESCURA AOS
PRIMEIROS 20 ANOS

UNIDADE 2.......................................................................... 75
DAS VANGUARDAS AO CINEMA MODERNO

UNIDADE 3........................................................................ 132


CINEMA BRASILEIRO: ORIGENS ATÉ A RETOMADA

UNIDADE 4........................................................................ 169


CINEMA PÓS-MODERNO:
DA NOVA HOLLYWOOD AOS FILMES DIGITAIS

PARA FIM DE CONVERSA... ....................................... 211


INTRODUÇÃO DA DISCIPLINA: A
ILUSÃO DO VÍDEO

Ei, olá! Seja bem-vindo.

Para começar devo dizer que tudo é vídeo e áudio. Sempre


foi. Mas quando organizamos isso em uma história (uma narrativa
é como chamarei), na tentativa de contar algo para alguém, pron-
to, criamos o cinema, a televisão, a web, enfim, o audiovisual! Essa
disciplina é a história de um tipo de arte que depende fundamen-
talmente da tecnologia. Quanto mais ela avançou na história, mais
e melhor conseguimos produzir esse tipo de conteúdo. E, é cla-
ro, durante muito tempo o audiovisual foi apenas visual. O áudio,
quando havia, era música ao vivo, ou o som espantado e em êxtase
do público que assistia ao espetáculo de lunetas mágicas e outros
“truques de luz e imagens”. Cinema é ilusão. A forma de fazer essa
ilusão parecer real variou com o tempo.
E é isso o que você vai ver aqui em quatro unidades: 1) Pré-
-cinema: reflexões sobre estilo, a origem da câmara escura, O pré e
o primeiro cinema, seus realizadores, a sistematização da narrativa
de cinema; 2) Origem da Indústria do cinema, As Vanguardas dos
anos 1920 (Impressionismo francês, Expressionismo alemão, mon-
tagem russa e Surrealismo), o cinema sonoro, os gêneros hollywoo-
dianos, Cidadão Kane e o Cinema moderno (Neorrealismo italiano,
HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL

Nouvelle Vague, cinema independente americano e Cinema Novo


alemão); 3) Cinema brasileiro: anos 40 e 50, Cinema brasileiro anos
60, 70 e 80 (Cinema Novo brasileiro, cinema marginal, pornochan-
chada e outros), cinema da Retomada brasileira dos anos 90; e,

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7
finalmente: 4) Cinema pós-moderno, anos 2000 (pós-Matrix), cine-
mas do oriente (chinês, japonês, coreano e um breve comentário
sobre Bollywood), e tecnologias digitais.
O campo de estudos é enorme e o audiovisual é um espaço
profissional que sempre se renova. Enfim, depois dessa disciplina
você nunca mais vai olhar uma caixa de sapatos com um buraco
no meio do mesmo jeito! Então, ligue a luz, a câmera e vambora!
HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL

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8
UNIDADE

1
ORIGEM DO CINEMA:
DA CÂMARA ESCURA AOS
PRIMEIROS 20 ANOS
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9
TRILHA DE APRENDIZADO: Origem da câmara escura e da
fotografia, o Pré-cinema (com suas máquinas de dar movimento a
imagens), o Primeiro cinema, seus realizadores e características, re-
flexões sobre estilo, além do início da construção de uma narrativa
cinematográfica padronizada.
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 10
OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE
APRENDIZAGEM DA UNIDADE 1

Ao longo deste Unidade você irá:

• compreender a importância das origens das tecnologias


que resultaram na fotografia, depois no cinema e a rela-
ção disso com a estética;
• relacionar as mudanças estilísticas sofridas entre o Pré
e o Primeiro Cinemas com a evolução tecnológica dos
equipamentos de filmagem;
• utilizar as técnicas narrativas de enquadramento, mon-
tagem e de estilo, dos primeiros realizadores, como ins-
trumento de reflexão sobre as maneiras de se contar
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

uma história em audiovisual, com aplicações inclusive


na contemporaneidade;
• fazer reflexões sobre os objetivos dos principais realiza-
dores ao criar filmes, para estabelecer conclusões sobre
como as formas de contar histórias se padronizaram;
• reconhecer os fatos que abriram caminho para a criação
de uma indústria cinematográfica.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 11
INTRODUÇÃO A UNIDADE

Caro Aluno,
Seja bem-vindo! Esta é a Unidade I - A origem do cinema: da
câmara escura aos primeiros 20 anos. Nela, você vai identificar os
principais estilos no cinema. Também irá descobrir como surgiu a
câmara escura, usada, entre outras coisas, como recurso tecnoló-
gico para a pintura, e que depois resultou no surgimento da foto-
grafia.
Você vai entender como esses processos rapidamente se
transformaram em imagens em movimento, e irá distinguir o Pré-
-Cinema, que inventava técnicas para projetar imagens, do Primeiro
Cinema, iniciado a partir da primeira projeção oficial de um filme,
dos irmãos Lumière. Resumindo, você irá compreender o básico
das origens do cinema e quais foram seus primeiros realizadores e
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

obras.
Você vai analisar as formas narrativas nas duas primeiras dé-
cadas do século XX, como a valorização da montagem, e vai com-
parar os gêneros cinematográficos. Olha, por enquanto é isso. Nas
outras unidades há muito mais. Divirta-se e bons estudos!

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 12
SEÇÃO 1: ORIGENS DO CINEMA:
CÂMARA ESCURA E QUASE
FOTOGRAFIA

No escurinho do quarto

Alguém, em algum dia, numa


época distante, viu uma luz entrar num
buraco. E viu essa luz refletir uma imagem
invertida. Essa pessoa deve ter olhado do outro lado do buraco e
visto a imagem original. E pode ter pensado: “Uau, isso é mágica!”
É, na verdade, a câmara escura.
Ela já é conhecida desde a Antiguidade. Mas antes de contar
essa história, vou dar uma explicação técnica do que é a câmara
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

escura: um recipiente fechado no qual a luz incide por um pe-


queno orifício, projetando a imagem (invertida) dos objetos
à sua frente na parede oposta. Pronto. Agora vamos aos fatos
históricos.
No século V a.C (isso mesmo, no quinto sé-
culo antes de Cristo), havia um filósofo chinês
chamado Mozi (há versões do nome dele),
que viveu entre 470-391 a.C. Ele descre-
veu o efeito de se inverter uma imagem
por um orifício. Depois, na Grécia, Aristó-
teles (385-322 a.C.) tocou no assunto da
câmara escura, em seu Problemata Physi-
ca. E como ele soube disso? Ele viu a imagem

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 13
de um eclipse projetada no chão quando sua luz passava por pe-
quenas frestas entre as folhas. Enquanto os escritos de Mozi foram
quase todos destruídos pela dinastia da época, o texto de Aristóte-
les circulou.
Os árabes, que sempre foram estudiosos, disseminaram a
ideia da câmara escura. Até que Alhazen (Ibn al-Haytham) des-
creveu os princípios físicos da câmara escura. Ele demonstrou que
a luz incide sobre os olhos e não é emanada por eles. Escreveu o
Livro sobre Óptica (1011-1021) onde falou do funcionamento da
visão. Para explicar isso, usou como ferramenta a câmara escura.
Seu trabalho inspirou Kepler, Descartes e até o grande Newton.
Mas quando isso entra para a categoria das artes?
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

Bom, no Renascimento, Leonardo da Vinci (1452-1519)


usou muito as câmaras escuras. Mas o que facilitou bastante fo-
ram as lentes, introduzidas por Roger Bacon (em outras palavras,
inventou o óculos). O caminho para a criação do cinema começava
a se pavimentar. Primeiro, o professor italiano de matemática, Gi-
rolamo Cardano (1501-1571), pôs uma lente convexa no buraco
de uma câmara escura. Resultado: houve um aumento na quan-
tidade de luz coletada, ou seja, a imagem melhorou muito, teve
mais nitidez. Olha, só, já tínhamos o mecanismo para captar luz, e
agora temos a lente, para ver melhor a imagem capturada (a nossa
câmera cinematográfica já virou feto).

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 14
Os “melhoradores” da câmera escura

Daniel Barbaro colocou um diafragma em 1568 (é o diâ-


metro da abertura das lentes, um dos fatores que define a quan-
tidade de luz que entrará na câmera) e falou que os desenhistas
podiam usar na câmara escura. Mas para a técnica ficar a serviço
da arte, deveria haver mais uma mudança na câmara escura. E no
século seguinte ela se tornou portátil. Isaac Newton fez experi-
mentos usando a câmara escura para estudar a luz. Depois dos
físicos, agora era necessário entrar o pessoal da química para fixar
aquela bendita imagem.
Em 1663, Robert Boyle viu o escurecimento dos sais de prata
mas não associou com a luz do sol, nem que isso podia ajudar a
fixar as imagens. O primeiro mesmo a ver que isso era por causa da
luz foi o alemão Johann Heinrich Schulze, no ano de 1727. Tem
gente que o considera o pai da fotografia. Mas de momento vamos
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

dizer que foi um pioneiro. O que ele fez? Tratou gesso com ácido
nítrico e traços de nitrato de prata e o expôs à luz. Conseguiu ima-
gens. Seriam as primeiras fotografias? Provavelmente. Mas ainda
havia um longo caminho.
No século XIX, outro químico, Carl Scheele,
fez experiências com materiais diferentes. Mas
não estava interessado em fotografia. En-
tão, por volta de 1800, um artista, o bri-
tânico Thomas Wedgwood, filho de um
famoso ceramista da época, foi o primeiro
a tentar imprimir as imagens capturadas
numa câmara escura. Ele queria fazer isso
com uma substância sensível à luz. Usou papel

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 15
e couro tratados com nitrato de prata. É... não foi lá grande coisa.
Thomas pegou as sombras dos objetos mas as imagens eram muito
fracas. Além disso ele não conseguiu evitar que “o filme queimas-
se”. Ou seja, quando você sai do quarto escuro com as “fotos”,
elas ficam escuras no contato com a luz. Era preciso tratar essas
imagens antes de sair da câmara escura.

Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação: O que precisou acontecer


para que a câmara escura virasse uma máquina que captura ima-
gens? Cite pelo menos duas evoluções tecnológicas que precisa-
ram acontecer para abrir caminho para uma imagem impressa (veja
gabarito comentado no final da unidade). Capriche no texto. Faça
rascunhos, melhore suas frases até ficar satisfeito com a resposta
(que seja clara objetiva e informativa).
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 16
SEÇÃO 2: ORIGENS DO CINEMA:
SURGE A FOTOGRAFIA

Não há um inventor da foto-


grafia, mas historiadores em geral
consideram que a primeira foto foi
conseguida em 1826 pelo inventor
francês Joseph Nicéphore Niépce
(1765-1833). E é esta aí abaixo:
Niépce vinha tentando desde 1816,
mas só conseguia negativos e também sofria com o problema de
“queimar o filme”. Até que em 1826 fotografou a vista de uma
janela alta em Le Gras (aparentemente a exposição da foto à luz
durou oito horas, embora há quem diga que tenha durado dias).
A imagem mostra partes dos edifícios e da paisagem que cercava
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

sua propriedade na cidade de Saint-Loup-de-Varennes, na França.


Niépce chamou a técnica de Heliografia. O que impressiona não é
a nitidez, mas o fato de essa foto durar até hoje. Bom, o que resta-
va agora? Melhorar os equipamentos e os resultados.
O amigo de Niépce, Louis-Jacques Mandé Da-
guerre, refinou o processo de produção do betu-
me e o tratamento pós-exposição. Daí veio o
primeiro equipamento fotográfico comercia-
lizado - o daguerreótipo. E que foi anun-
ciado na Academia de Ciências de Paris em 7
de janeiro de 1839. Popularizou-se. Em 1850,
nos EUA, era uma mania tirar fotos de família.
Mas sempre cabia mais aperfeiçoamentos.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 17
A fotografia melhora o processo

O inglês William Fox Talbot criou seu próprio processo e esta-


bilizou negativos em papel, em 1835. Mais gente fez descobertas
que melhoraram direta ou indiretamente a fotografia. Em 1839,
teve John Herschel (descobridor da luz infravermelha) e depois Da-
guerre de novo. Em 1840, Talbot fez novas experiências. E todas
elas tinham por objetivo tornar o processo de fotografar e revelar
mais rápido, mais seguro e mais barato, ou seja, mais eficiente. O
processo de Talbot achou um jeito de produzir imagens em nega-
tivo. E esses negativos podiam ser copiados e revelados quantas
vezes se quisesse. Enfim os fotógrafos podiam reproduzir suas ima-
gens, fazer cópias de retratos. O que tornou o processo altamente
comercializável.
Abria-se caminho para uma indústria da imagem. Algo se-
melhante ao que ocorreu quando Gutenberg (nasceu aproxima-
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

damente em 1400 e morreu 1468) inventou a imprensa, porque


surgiram aí as editoras de livros, os jornais e revistas e todos podiam
ter acesso aos mesmos livros. Mas as fotos de Talbot tinham baixa
definição por causa da qualidade do papel. Então começaram a
usar vidro para negativos. O sobrinho do Niépce,
Claude Félix de Saint-Victor melhorou o pro-
cesso de Herschel. Em 1851, o britânico
Frederick Archer passou a usar o colódio
úmido (eu sei, parece aula de química,
não de cinema, mas não dá pra fugir de
alguns nomes). Os resultados eram ótimos,
mas a logística complicada. Mesmo assim, a
técnica dele predominou por décadas.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 18
Outros métodos de revelação de fotos surgiram, sempre adi-
cionando alguma substância ou trocando por outras, como os ex-
perimentos dos ingleses Bingham e, anos depois, de Marddox.
Ainda hoje se encontram profissionais que usam filmes fotográficos
no método de revelação de Bingham/Marddox.

Foto colorida

As fotos eram em preto e branco. Mas produzir fotos em co-


res sempre foi um objetivo. E é diferente de fotos coloridas (feitas
manualmente). A primeira que deu certo em parte é de 1848, feita
por Alexandre-Edmond Becquerel, depois aperfeiçoado por Gabriel
de Lippmann (1845-1921) e hoje conhecido como método de Li-
ppmann, que recebeu em 1908, o Nobel de Física, pelo seu método
de reprodução fotográfica de cores com base em fenômenos de
interferência - detalhes, no link). Já o problema da foto em cores de
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

Becquerel é que a imagem durava pouco tempo.


Então, James Clerk Maxwell foi o cara da colorimetria. Es-
tudou as cores básicas (vermelho, verde e azul) que enxergamos.
Explicou o daltonismo. E, em 1861, James Maxwell e seu assisten-
te, Thomas Sutton, tiraram a primeira foto colorida
(imagem acima). Eles colocaram três fotos em
preto e branco, uma sobre a outra, usando
filtros vermelho, verde e azul. Assim nasceu
a primeira fotografia em cores da história.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 19
Fotografia: ficou mais
fácil

Em 1884, o americano
George Eastman melhorou o
método deixando mais prá-
tico para que os fotógrafos
não precisassem carregar ma-
teriais químicos consigo. Em
1888 ele fundou a Eastman
Kodak (você já ouviu falar
desse último nome, não é?).
Bom, ele popularizou o uso
do rolo fotográfico. Intro-
duziu uma câmera em 1900
com o slogan: “Você aperta o
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botão e nós fazemos o resto”.


Esse filme de rolo foi a base
para a película cinematográfi-
ca. Eram rolos de filme maio-
res, que permitiam fotografar em sequência. As imagens, depois
de reveladas, eram projetadas em determinada velocidade, criando
a ilusão do movimento. Eis o cinema (informações técnicas tiradas
do site do professor Marcelo Leigui de Oliveira, físico de Astropar-
tículas da federal do ABC: http://leigui.blogspot.com/2015/06/luz-
-camera-e-acao.html).
Então, quem foram aqueles que viram na fotografia uma
chance de criar movimentos? Na próxima seção.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 20
Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação: Qual o processo ou tecnologia


que levou a fotografia a ser revolucionária para o mercado? E por
que foi tão importante? Faça uma relação disso com a seguinte
questão: como esse processo facilita o início do cinema? (veja ga-
barito comentado no final da unidade). Capriche no texto. Faça
rascunhos, melhores suas frases até ficar satisfeito com a resposta
(que seja clara objetiva e informativa).
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 21
SEÇÃO 3: ORIGENS DO CINEMA:
IMAGENS EM MOVIMENTO

Como nasceu o cinema? As-


sim como a fotografia, o cinema
teve inúmeros avanços e processos
e experimentos que resultaram na
primeira exibição pública e paga, feita
pelos Irmãos Lumière, em 28 de dezem-
bro de 1885, em Paris.

“Não existiu um único descobridor do cinema, e os


aparatos que a invenção envolve não surgiram repenti-
namente num único lugar. Uma conjunção de circuns-
tâncias técnicas aconteceu quando, no final do século
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

XIX, vários inventores passaram a mostrar os resultados


de suas pesquisas na busca da projeção de imagens
em movimento: o aperfeiçoamento nas técnicas foto-
gráficas, a invenção do celulóide (o primeiro suporte
fotográfico flexível, que permitia a passagem por câ-
meras e projetores) e a aplicação
de técnicas de maior precisão
na construção dos aparatos
de projeção”. (COSTA, In:
Mascarello, 2006, p. 18)

Essa citação é do livro História do ci-


nema mundial (2006), organizado por Fer-
nando Mascarello. Em um dos artigos, Flávia

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 22
Cesarino Costa explica as origens do cinema. Diz que os filmes eram
uma continuação da tradição de projeções de lanterna mágica (que
ocorriam desde o século XVII). Nela “um apresentador mostrava ao
público imagens coloridas projetadas numa tela, através do foco
de luz gerado pela chama de querosene, com acompanhamento
de vozes, música e efeitos sonoros” (COSTA, In: Mascarello, 2006,
p. 18). Ela explica ainda que algumas lanternas mágicas tinham en-
grenagens que permitiam movimentar as imagens projetadas. Era
possível até criar o apagar e o surgir de imagens (uma espécie de
fusão rudimentar). Segundo Cesarino Costa:

“O cinema tem sua origem também em práticas de


representação visual pictórica [pinturas], tais como os
panoramas e os dioramas, bem como nos “brinquedos
óticos” do século XIX, como o taumatrópio (1825), o
fenaquistiscópio (1832) e o zootrópio (1833)”.
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

(COSTA, In: Mascarello, 2006, p. 18)

Peraí: taumatrópio, fenaquistiscópio e zootrópio? Vamos


ver o que são esses três nomes estranhos citados por COSTA, na
seção Multimídia.

Multimídia

A palavra  Taumatrópio  vem do grego  thaûma  (maravilha)


+ tropos (virar, transformar) que significa “que se transforma em
algo maravilhoso”. 
O Taumatrópio é um jogo óptico que tem como objetivo de-
monstrar a persistência da retina, ou seja, que a imagem de um
objeto que está sendo visto pelo olho humano fica gravado por

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 23
alguns segundos na retina. Popularizou-se através
do médico e físico inglês, John Ayrton Paris.

Fenacistoscópio, (do grego espectador ilusó-


rio), é um dispositivo inventado por Joseph Pla-
teau para demonstrar a sua teoria da persistên-
cia da retina, em 1829.  São vários desenhos
de um mesmo objeto, em posições sutilmente
diferentes, distribuídos em uma placa circular
lisa. Quando a placa gira em frente a um espe-
lho, cria-se a ilusão de que o casal da imagem está
dançando. Plateau também descobriu algo importan-
te, que seria usado pelos primeiros cineastas: o número de imagens
necessárias para criar uma ilusão ideal de movimento era de 16
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

fotogramas por segundo. Clique aqui para ver demonstração (a


partir dos 40 segundos do vídeo).
Este é o zootrópio (clique no link para ver um vídeo de como fun-
ciona). A ideia básica é a mesma: imagens em sequência, que giram
num dispositivo para criar a ilusão de movimento.
Muitos consideram este o primeiro filme
da história do cinema - clique na imagem ao
lado ou neste link. Muybridge usou seu co-
nhecimento do fenaquistiscópio e criou o
zoopraxiscópio, que não gravava imagens,
mas projetava-as de maneira animada. Isto
resultou nesta Corrida de Cavalo, ou Cavalo
em Movimento, de 1878.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 24
A invenção do cinema passa pela
criação de equipamentos que pudes-
sem gravar e revelar as imagens e re-
produzi-las em movimento. Diversos
inventores tentaram fazer isso, com
mais ou menos sucesso, com mais
ou menos eficácia. Três são funda-
mentais, por motivos diferentes, mas
importantes. Os irmãos Skladanowsky,
os Irmãos Lumière e Thomas Edison. Pri-
meiro, vamos falar do inventor americano:

Em 1889, depois de ter visto a câmera de Etiènne-Jules


Marey em Paris, Edison encarregou uma equipe de téc-
nicos supervisionada por William K.L. Dickson de cons-
truir máquinas que produzissem e mostrassem “foto-
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

grafias em movimento” (motion pictures). Em 1891, o


quinetógrafo e o quinetoscópio estavam prontos para
ser patenteados. (COSTA, In: Mascarello, 2006, p. 18)

No quinetoscópio a pessoa olhava por um visor. Aí podia


assistir (depois de colocar uma moeda) a uma pequena tira de filme
em looping. O que as pessoas viam? Geralmente eram números
cômicos, animais amestrados e bailarinas (enfim, coisas de circo). O
quinetógrafo era a câmera de Edison. Em abril de 1894, em Nova
Iorque, já havia um salão com vários quinetoscópios.
Agora falemos dos irmãos Skladanowsky. Estes, sim, seriam
os primeiros a fazer uma exibição pública paga (em 1º de novem-
bro de 1895, em Berlim). Criaram a versão pioneira do projetor

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 25
de cinema chamada Bioskop Eles seriam
os verdadeiros pais do cinema. Mas sua
invenção era de menor qualidade em
relação a dos irmãos Lumière. E os
inventores alemães não tinham o
dinheiro e a capacidade de fazer
marketing dos inventores franceses.
A história dos Skladanowsky
está num documentário do diretor
Wim Wenders, chamado Um Truque de
Luz, de 1995 (difícil de achar legendado em
português e impossível achar dublado). O diretor conta a história
dos irmãos alemães Skladanowsky, que inventaram o bioscópio, a
primeira versão do projetor de filmes. Ele entrevistou uma senhora,
Gertrud, testemunha do nascimento do cinema. Gertrud é filha de
um dos irmãos Skladanowsky. No filme, Wenders deixa claro des-
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

de o início que a máquina bioscópio, inventada por Max, Engen


e Emil Skladanowsky, era tecnicamente incapaz de competir com
o “cinematógrafo” dos Lumière. Wenders queria filmar a história
dos fracassados e assim o fez. Mistura preto e branco com filme a
cores, usa atores para contar a história e reconstruir o momento em
que se inventou o cinema, quase dois meses antes dos irmãos Lu-
mière - na famosa exibição de 28 de dezembro de 1895, em Paris.

Multimídia

Um Truque de Luz, de Wim Wenders (1995). É difícil achar esse


filme em português (dublado ou legendado). Tem uma versão
completa em alemão no Youtube. Eu mesmo tenho o documentá-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 26
rio inteiro, com legendas em português. Mas como
não dá para eu entregar uma cópia para você, olhe
aí um trecho, já vai instigar você.

E finalmente chegamos aos - oficialmente - pais do cinema:


os Irmãos Lumière:

Auguste e Louis Lumière, apesar de não terem sido os


primeiros na corrida, são os que ficaram mais famo-
sos. Eram negociantes experientes, que souberam tor-
nar seu invento conhecido no mundo todo e fazer do
cinema uma atividade lucrativa, vendendo câmeras e
filmes. A família Lumière era, então, a maior produtora
européia de placas fotográficas, e o marketing fazia
parte de suas práticas. Parte do sucesso do cinemató-
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

grafo deve-se ao seu design, muito mais leve e funcio-


nal. Em 1894, os Lumière construíram o aparelho, que
usava filme de 35 mm. Um mecanismo de alimentação
intermitente, baseado nas máquinas de costura, cap-
tava as imagens numa velocidade de 16 quadros por
segundo - o que foi o padrão durante décadas - em
vez dos 46 quadros por segundo usados por Edison.
(COSTA, In: Mascarello, 2006, p. 19)

A exibição foi feita no Grand Café de Paris. Lá era o lugar


perfeito. Havia muita circulação de pessoas. Sua versão americana
eram os chamados vaudevilles, ou teatro de variedades. Eram a
principal forma de diversão da classe média, tanto americana (nos

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 27
vaudevilles) quanto francesa (nos cafés).
Os Irmãos Lumière exibiram, naquele
dia histórico, dez filmes. Os primei-
ros foram imagens de trabalhadores
(muitas mulheres) saindo da fábrica
dos irmãos Auguste e Louis, mostra-
ram cenas cômicas e da família de-
les. Além disso exibiram A chegada
do trem na estação La Ciotat (famosa
por, supostamente, assustar as pessoas
presentes, pois “acharam” que o trem estava
realmente vindo na direção delas). Clique no link e veja os filmes.
E por que eles são os “pais” do cinema? Porque eles fizeram
um projetor muito mais prático. O de Thomas Edison (vitascópio),
por exemplo, pesava meia tonelada e precisava de eletricidade para
funcionar. A dos Lumière funcionava como câmera ou projetor e
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

fazia cópias a partir dos negativos. Era três em um. Além de ser fácil
de carregar para qualquer lugar e não usar eletricidade (era por ma-
nivela). Então, digamos assim: quem inventou o cinema num mo-
delo comercializável, funcional e popular, foram os Lumière. Mas,
sabe como é, as pessoas adoram um “quem foi o
primeiro”. Eles certamente foram os primeiros
empresários-cineastas do cinema, ajudando
a criar a indústria cinematográfica que viria
a seguir. O cinema estava criado. Só falta-
va agora saber contar uma história nele.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 28
Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação: A invenção do cinema passa pela


criação de equipamentos que pudessem gravar e revelar as ima-
gens e reproduzi-las em movimento. Nesse sentido, qual a diferen-
ça nos trabalhos dos irmãos Skladanowsky, os Irmãos Lumière
e Thomas Edison para “inventar” o cinema? Em outras palavras,
por que os Lumière seriam os inventores? (veja gabarito comentado
no final da unidade). Capriche no texto. Faça rascunhos, melhores
suas frases até ficar satisfeito com a resposta (que seja clara, obje-
tiva e informativa).
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 29
SEÇÃO 4: ESTILOS DO
PRIMEIRO CINEMA

1894 até 1904-07

André Gaudreault propôs duas


formas de comunicar um relato: mos-
tração e narração. No cinema, a mostra-
ção se refere a encenação de eventos dentro
de cada plano de filmagem. Na narração, existe a manipulação de
diversos planos. E o objetivo é contar uma história com todos os
planos em sequência (ou seja, com o uso da montagem, ou edi-
ção). Para Gaudreault, o primeiro cinema (1895 até 1915 mais
ou menos) é muito mais de mostração do que de narração. Os
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

primeiros cineastas pós-1895 estavam mais preocupados com cada


plano de maneira individual (pelo menos até 1904). Isso só mudou
quando os filmes, gradualmente, se tornaram mais longos. Os in-
tertítulos também ganharam um estilo. Com o passar dos anos ele
passou a ser usado para ajudar na criação de personagens mais
bem definidos. Antes eram letreiros compridos que descreviam a
situação que viria. Os diálogos surgiram em 1910. E eram usados
antes dos planos em que as falas eram ditas. Mas
em 1913 já havia o costume de cortar para o inter-
título no momento em que as personagens come-
çavam a falar.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 30
1907 até 1915

Flávia Cesarino Costa, sobre o Primeiro Cinema (que come-


çou em 1894-95), definiu assim seu estilo:

Em 1907, a maioria dos filmes já procurava contar his-


tórias. Como o padrão dos mil pés (um rolo de filme)
começava a predominar, os diretores podiam fazer fil-
mes mais compridos. As histórias eram impulsionadas
por personagens dotados de vontades, mas os espec-
tadores tinham dificuldades para visualizar motivações
e sentimentos. Além disso, o público não conseguia
entender claramente as relações espaciais e temporais
entre os planos (COSTA, In: Mascarello, 2006, p. 40).

De 1907, até 1913-15, as técnicas de filmagem, atuação,


iluminação, enquadramento e montagem se tornaram melhores.
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

Melhores em que sentido? Com o objetivo de deixar a história


mais clara para o público, para que ele entendesse o que es-
tava acontecendo na sequência das cenas. As atuações eram
menos exageradas, com gestos menos teatrais (do teatro
caricatural). Mas o teatro realista ainda era uma
base. Tanto que as personagens do cinema se
aproximavam daqueles criados na literatura e
no próprio teatro. Houve um aumento no
uso de intertítulos (aqueles cartazes com
textos explicando o que estava acontecendo
ou representando um diálogo curto). A edi-
ção começava a predominar na forma de
contar histórias. A distância entre a câme-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 31
ra e os atores já diminuía. E essa era a diferença básica do cine-
ma desse período com o anterior, mais conhecido como cinema de
atrações .
Sobre enquadramentos deixo a análise de Costa. Fiz uma
edição porque o assunto entra em outra disciplina (Linguagem au-
diovisual, por exemplo), mas acho importante deixar pelo menos
essas informações básicas sobre montagem, já que falaremos de
Griffith e da montagem russa em outras unidades. Então vamos lá.
A montagem no primeiro cinema:

Montagem alternada: Diferentes cenas simultâneas
- Antes de 1906, os filmes não alternavam ações dife-
rentes que ocorressem em espaços separados. Mas, no
período de transição, os cineastas começam a intercalar
planos que representam espaços diegéticos [ficcionais]
diferentes, com a intenção de mostrar que se trata de
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

ações que ocorrem ao mesmo tempo. (...) A monta-


gem analítica. Esse tipo de montagem entre planos
acontece quando se fraciona um espaço em vários en-
quadramentos diferentes. Em geral, adicionam-se pla-
nos aproximados (cut-ins) a planos mais abertos, com
a intenção de tornar claros para o espectador detalhes
que não podem ser vistos no plano geral. A inserção
de planos aproximados já acontecia no cinema de atra-
ções, mas, como vimos, eles não tinham função narra-
tiva. Montagem em contiguidade: A transição para
um espaço próximo ou ao lado - A montagem analítica
foi pouco frequente no período de transição, mas as
convenções que orientavam espacialmente o especta-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 32
dor estabeleceram-se rapidamente. Emergiram padrões
de continuidade entre planos, para transmitir a idéia de
que um plano acontece em local próximo ou contíguo
ao plano anterior.

(COSTA, In: Mascarello, 2006 p. 43-45)

Glossário

Diegese é a realidade própria da narrativa (mundo ficcional),


à parte da realidade externa de quem assiste ao filme (mundo real).
Um exemplo para que você entenda melhor é no que se refere ao
som diegético. São todos os sons presentes no mundo ficcional em
que se passa a ação. Ou seja, são aqueles sons que os personagens
e público conseguem escutar. O som não diegético são os sons que
só existem na narrativa, mas que os personagens não podem escu-
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

tar, somente o público tem conhecimento desse som (geralmente


são as trilhas dos filmes, aquelas que somente nós ouvimos, e não
fazem parte do mundo das personagens).

Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação: Explique as diferenças entre


cinema de atrações (ou de mostração) para o cinema de narra-
ção. Quais foram as contribuições dessas mudanças estéticas para
a narrativa cinematográfica? Capriche no texto. Faça rascunhos,
melhore suas frases até ficar satisfeito com a resposta (que seja
clara, objetiva e informativa).

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 33
SEÇÃO 5: O PRIMEIRO CINEMA
E A TENTATIVA DE CONTAR
HISTÓRIAS

Houve alguns exemplos inco-


muns de cineastas de mostração
que navegavam pelo mundo da nar-
ração. O melhor deles, mais famoso,
produziu este filme de 1902: Viagem à
Lua (Le voyage dans la Lune), de Georges Mé-
liès. Você deve já ter visto uma bala de canhão furando o olho da
lua, não? É uma das imagens mais icônicas da história do cine-
ma. O filme narrativo como um todo estava pronto para acontecer.
Mas, infelizmente, o próprio Méliès não percebeu a mudança de
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

interesse do seu público. Por isso ele foi à falência em 1913. Méliès
agiu como pioneiro em 1902, com seu Viagem à Lua, mas não
prosseguiu com essa inovação narrativa. Fez centenas de filmes,
a maioria como cinema de atrações (ou de mostração). Na virada
para a segunda década o interesse do público por esse tipo de ci-
nema já mostrava sinais de esgotamento.

MULTIMÍDIA

Esse filme, Viagem à Lua, inclusive, teve recu-


perada uma versão colorida à mão, com trilha, que
está disponível na internet. A versão foi restaurada
em 2011.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 34
O enredo de Viagem à Lua (1902) é inspirado em muitas fon-
tes, como os romances de Jules Verne. Na história de Méliès, um
grupo de astrônomos viaja para a Lua numa cápsula empurrada
por um canhão. Eles exploram a Lua, escapam de selenitas (mora-
dores da lua), capturam um deles e o levam para a Terra. A obra é
filmada no estilo teatral que consagrou Méliès. Ele próprio atuou,
no papel do professor Barbenfouillis. Com 13 minutos, sua duração
já justifica não depender de planos individuais. Era necessário que
cada plano se conectasse ao outro para contar a história. Por isso
fez tanto sucesso comercial e influenciou cineastas.
Então, em resumo, vejamos. As características do primeiro
cinema, em termos de filmagem, são: composição frontal e não
centralizada dos planos, posicionamento da câmera distante da si-
tuação filmada, falta de linearidade e personagens pouco desen-
volvidos. Os planos abertos e cheios de detalhes, povoados por
muitas pessoas e várias ações simultâneas (BURCH, 1987, p. 16).
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

E o enquadramento? Até 1908, o mais comum era mostrar o


corpo inteiro dos atores, deixando um espaço embaixo e em cima dos
personagens (long shot). A partir de 1909, a câmera vai mais perto dos
atores, mostrando mais suas expressões. Também se usou a “linha
dos nove pés” (nine foot une): a ação era encena-
da numa distância de nove pés (ou seja, 2,74
metros) em relação à câmera. Assim os pés e
tornozelos ficavam fora do enquadramento.
E havia um pé (30,5 centímetros) de distân-
cia entre suas cabeças e a borda superior.
Depois de 1910, esse enquadramento virou
padrão na maioria dos principais estúdios do
mundo (COSTA, In: Mascarello, 2006).

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 35
O historiador Tom Gunning chamou o cinema da primeira dé-
cada de “cinema de atrações”. Para ele, a principal habilidade
desse cinema era chamar a atenção do espectador de forma dire-
ta e agressiva, deixando claro que sua intenção é exibicionista. O
objetivo é espantar, maravilhar o espectador. A história, por isso,
fica em segundo plano. Desse modo, as cenas são documentais,
mostram pessoas comuns saudando a câmera, ou quando atores
cumprimentam olhando para a câmera - quebrando a possibilida-
de de construir um mundo de ficção (GUNNING, 1990a e 1998,
pp. 257- 258).

Transformação constante. Essa talvez seja a melhor


maneira de descrever os primeiros 20 anos do cine-
ma, de 1895 a 1915. Diferentemente da estabilidade
que caracterizou o cinema hollywoodiano clássico en-
tre 1915 e o início da televisão nos anos 1950, esse
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

primeiro cinema testemunhou uma série de reorgani-


zações sucessivas em sua produção, distribuição e exi-
bição. (COSTA, In: MASCARELLO, 2006, p. 17)

Então é o seguinte. O primeiro cinema pode ser dividido em


dois períodos, o de atrações (1894-1906-1907) e o de transição
(1906-1913-1915). Os períodos se misturam um pouco porque
nada ali foi homogêneo, ou seja, não teve algo que terminou de
repente para depois começar outro. As transforma-
ções foram aos poucos. Mas o certo é que a indús-
tria cinematográfica começou... peraí, isso fica para
a próxima unidade. É, por aqui acabou.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 36
RECAPITULANDO

Surge a luz! Você viu: a câmara escura, as lentes, o diafrag-


ma, as imagens se fixando e depois sendo impressas sem sumir; a
criação dos negativos, das animações, os rolos, surgem as câmeras
cinematográficas, as primeiras exibições, os filmes de atração, os
de transição e estilos de narrar (é o Primeiro Cinema). Até a próxi-
ma Unidade... e ação!

Agora é a sua vez

5 - Atividade de autoavaliação: O que é o Primeiro Cinema,


no que se refere a uma forma narrativa? Dentro desse tema, por
que o filme Viagem à Lua (1902) é importante? Capriche no texto.
Faça rascunhos, melhore suas frases até ficar satisfeito com a res-
posta (que seja clara, objetiva e informativa).
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

Acertou?

Gabarito da Autoavaliação: 1 - O objetivo não era só fixar


o objeto na câmara escura, mas imprimi-lo. Além disso, era ne-
cessário inventar um meio para copiar a foto impressa. Porque aí
seria comercializável. Então, era importante descobrir substâncias
químicas que reagissem bem à luz e fixassem a imagem num papel.
Thomas Wedgwood tentou imprimir as imagens capturadas numa
câmara escura. Wedgwood não conseguiu que as imagens se man-
tivessem fora da sala escura. Mas a câmara escura já possuía um
princípio para virar máquina fotográfica. E para que isso aconteces-
se foi preciso, primeiro, que inventassem a lente. Assim as imagens

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 37
ficaram mais nítidas. Depois, era preciso criar uma câmara escura
portátil, porque desse modo se tornava prática. Depois dessas duas
evoluções, mais a descoberta da mistura química correta, as ima-
gens já podiam ser fixadas e impressas.
É importante que o estudante perceba aí que para fazer o
cinema era necessário descobrir um meio de dominar a imagem
natural, capturá-la, gravá-la, imprimi-la e, enfim, reproduzi-la co-
mercialmente. Daí foi necessário criar outra máquina que desse
movimento para as fotos.

Acertou?

Gabarito da Autoavaliação: 2 - O processo ou tecnologia


que levou a fotografia a ser revolucionária para o mercado foi a
invenção dos negativos. Estes negativos podiam ser copiados e re-
velados quantas vezes se quisesse. Desse modo os profissionais po-
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

diam reproduzir suas imagens. Você poderia tirar fotos que atraís-
sem o interesse de muita gente e vender uma cópia para todos. Os
negativos seriam sempre os originais. Isso pode parecer bobo, mas
não é. A reprodutibilidade técnica é o primeiro passo para uma
indústria da imagem. Esse processo facilita o início do cinema, já
que os negativos poderiam ser conservados. Ou seja, eu poderia
fazer um filme, guardá-lo, levá-lo para vários lugares e exibi-lo para
inúmeros públicos diferentes.
O estudante deve fazer uma reflexão própria para chegar ao
raciocínio sobre a importância da descoberta dos negativos para o
cinema. Mas o resto da resposta está no próprio texto.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 38
Gabarito da Autoavaliação: 3 - A diferença nos trabalhos
de Skladanowsky, Lumière e Edison é qualidade técnica, ou seja,
melhores equipamentos, estrutura e tecnologia. Lumiére e Edson
tinham uma empresa e funcionários que trabalhavam para eles.
Os irmãos alemães faziam tudo sozinhos na própria casa deles. O
equipamento de Edson era muito grande e pesado, usava eletrici-
dade (ou seja, não dava para levar para qualquer lugar). A câmera
dos Lumière viajava para os mais diversos lugares, fazia imagens,
era projetor e ainda fazia cópias a partir dos negativos. A câmara
dos Skladanowsky tinha estrutura mais frágil, dava problemas du-
rante a projeção, mesmo assim era mais prática do que a de Ed-
son. É bom considerar que a câmera dos Lumière captava imagens
numa velocidade de 16 quadros por segundo. Isso virou padrão no
cinema por um bom tempo. Por tudo isso, os franceses são consi-
derados os inventores do cinema. Porque eles fizeram algo viável,
comercializável, pronto para ser vendido em escala industrial.
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

Acertou?

Gabarito da Autoavaliação: 4 - O cinema de atrações, ou


mostração, tinha por objetivo mostrar atrações de circo ou afins
para o público (para espantar, maravilhar o público). Essas atrações
eram filmadas e exibidas. Não havia um objetivo narrativo, ou seja,
de contar uma história. Cenas do cotidiano das cidades, imagens
contemplativas, pessoas fazendo esquetes cômicos eram as princi-
pais atrações do cinema desse período, que durou até 1907 mais
ou menos. Durou até essa época, mas já não era predominante,
pois o cinema de narração, ou transição (que tem como objetivo
contar uma história) já circulava. Em 1902, por exemplo, Méliès

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 39
contou uma história sobre uma viagem à Lua. Uma das primeiras
ficções científicas no cinema. Já o cinema de atrações estava mistu-
rado a outras diversões que nada tinham a ver com filmes. Narra-
tivamente falando, o cinema de atrações geralmente tinha poucos
planos, a câmera ficava fixa e tinha um tipo de enquadramento.
No cinema narrativo já se começava a manipular planos, alterná-
-los para contar histórias paralelas ao mesmo tempo. O estudante
pode, se quiser, dar mais ênfase (e com mais detalhes) às diferenças
estéticas do que essas que descrevi acima. Mas é importante que
veja o principal: enquanto não se queria contar histórias, os filmes
não precisavam ser mais longos. Quando se precisou contar histó-
rias, os enquadramentos, as atuações, enfim, tudo, teve de mudar,
e o tempo do filme ficou maior.

Acertou?
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

Gabarito da Autoavaliação: 5 - O Primeiro Cinema usava


composição frontal e não centralizada dos planos. O posicionamen-
to da câmera era distante da situação filmada. As cenas pareciam
teatro filmado. Para deixar de ser isso, foi necessário começar a ma-
nipular as cenas e criar conexões narrativas entre elas. Os persona-
gens eram pouco desenvolvidos e muito mais caricatos. Os planos
eram abertos e cheios de detalhes, povoados por muitas pessoas e
várias ações simultâneas. Quando a câmera se aproxima dos atores,
eles precisaram ter atuações melhores, porque seus rostos também
deviam contar algo. Viagem à Lua é de 1902. Méliès era especialis-
ta em efeitos especiais, em ilusionar o público, mas com esse filme
ele também contou uma história. E as cenas precisavam ter conti-
nuidade. Embora os enquadramentos não fossem muito diferentes

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 40
do que ele fazia. Acho importante que o estudante assista aos ví-
deos recomendados, especialmente este. Não se estuda história do
cinema sem ver cinema.

10 QUESTÕES SOBRE A UNIDADE 1

1 - Veja o texto: “Para o historiador Tom Gunning, o cinema


da primeira década tem uma maneira particular de se dirigir ao
espectador, que configura o que ele chamou de “cinema de atra-
ções”. Inspirado no trabalho teatral de Sergei Eisenstein nos anos
1920, Gunning propôs que o gesto essencial do primeiro cinema
não era a habilidade imperfeita de contar histórias, mas, sim, cha-
mar a atenção do espectador de forma direta e agressiva, deixando
clara sua intenção exibicionista Nesse cinema de atrações, o objeti-
vo é, como nas feiras e parques de diversões, espantar e maravilhar
o espectador; contar histórias não é primordial. O objetivo de mos-
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

trar fica claro tanto em cenas documentais, quando os passantes


saúdam a câmera, como nas encenações, em que os atores cum-
primentam o observador e o incluem na cena, quebrando a possi-
bilidade de construção de um mundo ficcional. Isso é comum, por
exemplo, nos filmes de Méliès (Gunning 1990a e 1998, pp. 257-
258). Os primeiros filmes têm como assunto sua própria habilidade
de mostrar coisas em movimento, seja a bailarina de Annabelle but-
terfly dance (Dickson, 1895), seja o grupo de trabalhadores saindo
da fábrica em La sortie des usines Lumière (Louis Lumière, 1895)”.

(Fonte: A história do cinema mundial, organizado por Fernando


Mascarello. Extraído de artigo de Flávia Cesarino Costa, 2006, p. 24)

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 41
Considerando o texto apresentado, avalie as
informações a seguir:

I. O principal objetivo do Primeiro Cinema era chamar a


atenção do espectador, mesmo que fosse necessário
apelar.
II. O primeiro cinema já possuía espaço próprio e não se
misturava com outras formas de entretenimento.
III. Todos os filmes do Primeiro Cinema só usaram pessoas
comuns como atores.
IV. No Primeiro Cinema praticamente não havia mundo
ficcional, porque mesmo quando havia encenações, os
atores olhavam para a câmera e cumprimentavam o es-
pectador.

É correto apenas o que se afirma em:


UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

a) I e II
b) I e IV
c) III e IV
d) I, II e III
e) II, III e IV

COMENTÁRIO:
A resposta correta é a B. Na primeira afirmação está claro o
que Gunning diz sobre o objetivo do cinema de atrações: “chamar
a atenção do espectador de forma direta e agressiva, deixando cla-
ra sua intenção exibicionista”. Ou seja, apelativa. A afirmação II está
errada porque o primeiro cinema ainda dividia espaço dentro de

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 42
feiras ou exposições, com outras atrações artísticas ou circenses. A
afirmação III está errada porque o primeiro cinema também usava
atores. As pessoas comuns apareciam nos filmes documentais. Nos
filmes que se propunham ficcionais eram atores (geralmente vin-
dos de teatro) ou de gente que vinha do circo. A afirmação IV está
correta porque havia mundo ficcional, como as histórias de Méliès,
mas os atores quebravam a ilusão de ficção ao olhar para a câmera
e cumprimentar o público que assistia aos filmes.

2 - Leia o texto sobre o Primeiro Cinema:


(...) Em geral, a câmera ficava estática, de modo a mostrar o
corpo inteiro de todo um conjunto de pessoas, realizando panorâ-
micas apenas para reenquadrar certas ações mais movimentadas.
Quando dentro de estúdios, a câmera se localizava no que seria o
lugar de um espectador de teatro, daí a crítica de muitos historia-
dores de que os primeiros filmes eram demasiadamente teatrais.
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

Fora do controle das elites, o cinema desses anos desfila uma in-
finidade de estereótipos raciais, religiosos e de nacionalidade. Há
gozações de caipiras, imigrantes, policiais, vendedores, trabalhado-
res manuais, mulheres feias, velhos. E muitos filmes eróticos, feitos
principalmente pela Biograph para serem exibidos nos mutoscó-
pios. Os cenários utilizados eram bastante simples e chapados, com
painéis pintados e poucos objetos de cena. O deslocamento dos
atores se dava pelas laterais, acentuando a sensação de platitude e
de teatralidade.
Exemplos de encenação desse tipo são os elaborados filmes
do mágico francês Georges Méliès. Muitos dos primeiros cineastas
eram mágicos que acabaram usando os poderes ilusionistas da câ-
mera como aliados. Eles utilizavam trucagens, chamadas de “para-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 43
das para substituição”, para criar desaparecimentos e substituições
mágicas de objetos - daí o termo trickfüms (filmes de truques). Mé-
liès foi o mais inventivo deles e, por isso, intensamente plagiado
nesses anos, principalmente pelos filmes da Companhia Pathé. A
parada para substituição” implicava interromper o funcionamento
da câmera, substituir objetos ou pessoas no campo visual e, em
seguida, retomar o seu funcionamento, produzindo a impressão
de que coisas haviam magicamente desaparecido ou sido substi-
tuídas por outras. Esse efeito foi objeto de muitas discussões entre
os estudiosos, já que sempre se considerou que a manutenção do
enquadramento significava a ausência de montagem.
(…)
O conceito narrativo de montagem usado por esses historia-
dores privilegiou a junção de planos tomados de pontos de vis-
ta diferentes. No entanto, pesquisas mais recentes nos negativos
de filmes de Méliès mostraram que as paradas para substituição
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

eram, na verdade, produzidas por um detalhado trabalho de corte


e colagem, rebobinamento múltiplo da película para produzir vá-
rias sobreimpressões e uso de máscaras. Ao identificar o “quadro”
dos primeiros filmes com o plano, a historiografia tinha deixado de
perceber essas complexas formas de montagem. A noção de plano
supõe uma mesma tomada, que pode manter ou não o mesmo en-
quadramento, ao passo que o quadro supõe que exista um mesmo
enquadramento, mas também a possibilidade de várias tomadas. É
nesse sentido que Burch considera a autonomia do quadro como
típica do primeiro cinema.

(Fonte: A história do cinema mundial, organizado por Fernando Mascarel-


lo. Extraído de artigo de Flávia Cesarino Costa, 2006, p. 24)

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 44
Considerando o texto apresentado, avalie as
informações a seguir:

I. Filmes do primeiro cinema só eram muito teatrais por


causa das atuações espalhafatosas e burlescas.
II. No primeiro cinema a direção de arte era quase inexis-
tente. E todos os estereótipos eram zombados, sem fil-
tros de moralidade.
III. Havia uma discussão entre historiadores do cinema so-
bre a existência ou não de montagem nos filmes de Mé-
liès. A conclusão é de que havia.
IV. No primeiro cinema, manter o mesmo enquadramento
é algo típico do estilo de seus filmes.

É correto apenas o que se afirma em:


UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

a) II e IV
b) II, III e IV
c) I e III
d) I, II e III
e) I e IV

COMENTÁRIO
A correta é a B. A afirmação I está errada porque os filmes
eram teatrais por vários motivos, incluindo atuações. Mas a forma
de filmar (estilo) também era teatral, porque a posição da câmara
era como de um espectador do teatro. Só por isso se poderia cha-
mar o primeiro cinema de teatral. As atuações serem teatrais, não
bastam porque se houvesse uma linguagem, um enquadramento

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 45
cinematográfico, seria cinema com elementos teatrais, e não teatro
filmado. A afirmação II está certa porque a direção de arte (quan-
do o profissional desenha os cenários, imagina todo o visual daqui-
lo que a câmera mostra, isto é, monta, coloca os objetos de cena
entre outras coisas visuais) era algo menor no primeiro cinema. Era
só pegar um painel, desenhar o céu, nuvens e a lua que seu cenário
já estava pronto. E sim, todos sofriam piadas racistas, machistas, re-
ligiosas e afins. Não havia filtro porque não havia discussões sobre
diferenças, gênero, raça ou coisas do tipo. Na verdade, havia inte-
lectuais e cientistas que incentivavam a ideia de supremacia branca
do homem, portanto, ridicularizar negros, índios ou mulheres feias
(para o padrão deles) era algo normal e até aceitável. A afirmação
III está correta porque o texto mostra uma divergência de histo-
riadores sobre o conceito de montagem. E a culpa é de Méliès. Os
pesquisadores descobriram que ele mantinha um sistema complexo
de algo que poderia ser chamado de montagem, já que por causa
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

de suas trucagens e mágicas, era necessário “montar” as imagens,


fazer sobreposições de imagens, parar a câmera (isso seria consi-
derado uma edição primitiva, ou seja, você edita enquanto filma).
A afirmação IV está correta porque o texto diz que a definição
de Quadro supõe que exista um mesmo enquadramento, por isso
Burch considera o quadro como algo típico do primeiro cinema. Ou
seja, manter o mesmo enquadramento permitia fazer várias toma-
das, e a maioria dos filmes da época eram assim.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 46
3 - Leia a reportagem do jornal O Tempo, de 2013:
Por DANIEL OLIVEIRA
23/04/13

O mineiro André Novais Oliveira tinha pouco tempo de namo-


ro com Elida Silpe quando acordou na casa dela um dia e se depa-
rou com algo curioso. A luz do sol, do lado de fora do apartamento
de terceiro andar da namorada, batia no chão da rua, pegava os
carros e árvores e, filtrada por um buraco na cortina “blecaute” do
quarto de Elida, refletia a imagem externa no teto do cômodo.
O fenômeno é conhecido como câmara escura e foi um dos
precursores mais importantes na invenção do cinema e da fotogra-
fia. Ao presenciá-lo ao vivo pela primeira vez, André viu que aquilo
rendia um curta. O resultado foi “Pouco Mais de um Mês”, que foi
selecionado na manhã de ontem para a Quinzena dos Realizadores
do Festival de Cannes, no mês que vem. No dia anterior, o curta
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

“Pátio” havia sido anunciado na Semana da Crítica do evento.


“Quando você faz um filme, nunca sabe como ele vai ser
aceito”, afirma Novais, que é formado em história pela PUC Minas
e já dirigiu outros três curtas na produtora Filmes de Plástico, em
que é um dos sócios. “Pouco Mais de um Mês” estreou na mostra
Foco do último Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro. “O
festival foi um momento muito massa”, ele lembra, sobre a boa
recepção que o curta teve durante a sessão na mostra.
Foi ali que o curta iniciou sua trajetória rumo à Riviera france-
sa. Dentre os vários curadores presentes, Anne Delseth, represen-
tante da Quinzena dos Realizadores, apresentou interesse no curta
e levou uma cópia para os curadores na França. Segundo o diretor
mineiro, a resposta da seleção chegou há cerca de duas semanas,

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 47
mas teve que manter sigilo.
O filme acompanha um casal de namorados acordando, en-
quanto ela explica para ele o fenômeno da imagem no teto próxi-
mo à janela. Em seguida, eles tomam café e vão para o ponto de
ônibus, onde discutem sobre o início do relacionamento, as expe-
riências anteriores, expectativas e inseguranças de cada um. (...)

**Nota minha: Em 2013, a Palma de Ouro de melhor curta-metragem foi


para o sul-coreano Safe, de Moon Byoung-Gon.

(Fonte: Portal O Tempo, de Belo Horizonte. Disponível em: https://


www.otempo.com.br/diversao/magazine/a-historia-da-camara-escu-
ra-1.223072)

Considerando o texto apresentado e seus


conhecimentos da Unidade I, avalie as informações a
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

seguir:

I. Qualquer um poderia ter inventado a câmara escura.


Por isso mesmo ela é muito antiga.
II. A primeira intervenção tecnológica na câmara escura foi
a colocação de um diafragma para controlar a entrada
de luz.
III. A câmara escura foi usada por artistas, aperfeiçoada por
cientistas e inventores, e seu princípio técnico é o que
norteia a ideia de fazer um filme: capturar uma imagem
dentro de uma caixa.
IV. É possível filmar um curta usando uma câmara escura.
Muitos cineastas fizeram isso.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 48
É correto apenas o que se afirma em:

a) II e IV
b) I e III
c) I, II e IV
d) II e III
e) I e II

COMENTÁRIO

A alternativa B é a correta. Na afirmação I há correção por-


que em todo lugar do mundo há luz do sol e é possível ter um bu-
raco refletindo uma imagem, e em qualquer época também. Como
isso poderia ter acontecido em qualquer país, fica difícil dizer quem
inventou primeiro. É provável que várias pessoas “inventaram” em
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

épocas diferentes. A câmara escura tem séculos de existência. Sa-


bemos disso por causa de relatos de seu uso desde a Grécia Antiga
e até a China imperial.
A afirmação II está errada porque a primeira intervenção
tecnológica na câmara escura foi a introdução de uma lente, que
podia melhorar a nitidez da imagem. Depois veio o diafragma. A
afirmação III está certa porque pintores e desenhista usaram a
câmara escura para ter mais precisão e realismo em suas obras.
A afirmação IV está errada porque a câmara escura não é uma
gravadora de imagens, ela apenas reproduz, dentro da própria câ-
mara. Só é possível ver fora se usarmos um jogo de espelhos. Mas,
ainda assim, não é uma câmera cinematográfica.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 49
4 - Leia o texto a seguir sobre o início do cinema.
“Edison conseguiu enfraquecer a dominância dos irmãos
Lumière nos EUA e aperfeiçoar outro projetor, o projecting kine-
toscope. Mas os Lumière tinham criado nos EUA um padrão de
exibição que sobreviveu até a década seguinte: o fornecimento,
para os vaudeviles, de um ato completo, incluindo projetor, filmes e
operador num esquema pré-industrial, que mantinha a autonomia
dos exibidores de filmes em relação à produção. Essa dependência
do vaudevile dos serviços fornecidos pelos irmãos Lumière e pelas
produtoras Biograph e Vitagraph adiou temporariamente a neces-
sidade de o cinema americano desenvolver seus próprios caminhos
de exibição e impediu que o cinema adquirisse autonomia indus-
trial. A estrutura do vaudevile não requeria uma divisão da indústria
entre as unidades de produção, distribuição e exibição. Essas fun-
ções recaíam sobre o operador, que era quem, “com seu projetor,
tornava-se um número autônomo de vaudevile” (Allen 1983, pp.
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

149-152).
(…)
No final do século XIX, não havia nos EUA uma legislação de
direitos autorais que protegesse coisas tão novas como os filmes; as
produtoras queriam evitar que seus filmes fossem reproduzidos ile-
galmente, uma prática comum na época. Em 1894, Edison come-
çou a produzir longas tiras de papel fotográfico, onde copiava cada
fotograma dos seus filmes de quinetoscópio e os registrava como
fotografias individuais. A prática foi adotada por outras produtoras
e distribuidoras e, até 1912, 5 mil desses rolos de papel foram re-
gistrados na Biblioteca do Congresso”. Nos anos 1950, essas paper
prints despertaram maior curiosidade, porque boa parte dos filmes
nelas registrados já tinha desaparecido. Assim, esses filmes come-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 50
çaram a ser gradualmente refotografados em celulóide de 16 mm
e, no final dos anos 1970, estavam à disposição dos pesquisadores.
(Fonte: A história do cinema mundial, organizado por Fernando Masca-
rello. Extraído de artigo de Flávia Cesarino Costa, 2006, p. 20-21 e 23)

Considerando o texto apresentado e seu conhecimento


da Unidade !, avalie as informações a seguir:

I. Havia uma disputa empresarial ferrenha e até desleal


sobre as filmadoras e os projetores nos primeiros anos
do cinema.
II. Os Lumière conseguiam mais sucesso porque organiza-
ram uma estrutura que, nos dias atuais, seria chamada
multiplataforma e de múltiplos setores trabalhados e
conectados.
III. Edson estava mais preocupado em inserir suas invenções
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

no mercado ao mesmo tempo em que tentava atrapa-


lhar os rivais. Não pensava estrategicamente (marketing)
o seu produto.
IV. Indiretamente, Edson salvou milhares de filmes do Pri-
meiro Cinema.

É correto apenas o que se afirma em:

a) I e II
b) II, III e IV
c) II e III
d) I, II e III
e) I, II, III e IV

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 51
COMENTÁRIO

A alternativa E é a correta. Na afirmação I o texto mostra


que há uma disputa entre os principais inventores das câmeras ci-
nematográficas e dos projetores. Porque quem domina esse mer-
cado emergente domina o cinema. A afirmação II está correta
também porque os Lumière faziam o trabalho completo. Primeiro,
sua máquina era três em um, além de bem mais leve do que as
outras e prática. Ele possuía equipe de cinegrafistas pelo mundo,
que lhe davam conteúdo audiovisual diferente, variado e interna-
cional. Sabiam fazer marketing, ou seja, conectavam todas as áreas
de produção (vendiam tudo o que se relacionava com o projetor
- papel, peças, equipe, tudo). Enquanto Edson e os outros só ten-
tavam vender seus projetores e filmes feitos com suas câmeras. A
afirmação III está certa porque Edson tinha como estratégia de
negócios primeiro derrubar os outros e garantir exclusividade de
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

seus produtos, mesmo que tivesse de difamar rivais. A afirmação


IV está correta porque Edson não queria que seus filmes fossem
copiados ou roubados. Então pensou em registrá-los na Biblioteca
do Congresso Nacional. Para isso usou uma técnica que foi repetida
por outras produtoras. Com o passar dos anos, muitos filmes do
Primeiro Cinema se perderam, ou foram acidentalmente destruí-
dos. Mas por causa da ideia de Edson, de registrar os filmes com
cópias fotográficas, muitos filmes que haviam se perdido estavam
lá, registrados. Era só refazê-los como filmes e exibi-los aos historia-
doras que nunca haviam visto tais filmes. Isso, na verdade, mudou a
forma como os críticos enxergavam, preconceituosamente, as pro-
duções do primeiro cinema.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 52
5 - Leia o texto a seguir para depois relacionar com a
história da fotografia.
O Simon foi o primeiro smartphone do mundo. Ele é da IBM
e começou a ser vendido ao público em 16 de agosto de 1994,
combinando de forma inédita a telefonia celular a uma série de
tecnologias de computação.
Era um celular que tinha calendário e podia ser usado para
tomar notas, enviar emails e mensagens. Pesava 500g (é, meio qui-
lo!). O Simon não cabia exatamente no bolso, mas seu design esta-
va à frente de seu tempo: tinha uma caneta para realizar comandos
e uma tela LCD verde de tamanho similar à do iPhone 4.
O produto pioneiro da IBM também foi o primeiro celular a
ter aplicativos e que podia ser conectado a um fax (pergunte aos
seus pais o que é um fax). Estava disponível apenas para consumi-
dores nos Estados Unidos, operando na rede de 15 estados. Teve
cerca de 50 mil unidades vendidas.
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

O aparelho era especialmente popular entre empresários, que


desejavam um telefone portátil que podia ser usado como um mini-
computador. Mas seu preço alto (US$ 899) e a duração limitada de
sua bateria, de uma hora, contribuíram para que ele desaparecesse
do mercado cerca de dois anos depois de seu lançamento.
Mas e o celular que tira fotos? Quando surgiu? Ah, isso de-
morou alguns anos mais. É claro que as pesquisas para que isso
fosse possível começaram na década de 90, mas somente no ano
de 2000 o sonho se tornou realidade. O primeiro modelo comercial
de celular com câmera foi o J-SH04, da Sharp. Ele só chegou às
lojas em 2001 e foi comercializado pela J-Phone, empresa que foi
comprada pela Softbank.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 53
Alguns meses antes, a Samsung quase foi a pioneira ao lançar
o SCH-V200, um celular acoplado a uma câmera. O fato de eles
não serem integrados no mesmo conjunto fez com que a versão
da Sharp fosse oficialmente considerada o primeiro celular com câ-
mera do mundo. Em outras palavras, a Samsung lançou o primeiro
modelo 2 em 1, que reunia um celular e uma câmera. Entretanto,
meses depois foi a vez de a Sharp transformar celular e câmera em
uma coisa só.
Em termos de qualidade, a versão da Samsung tinha resolu-
ção de 0,3 megapixel e permitia que o usuário armazenasse até 20
fotos, mas, para ter acesso às imagens, era preciso conectar o celu-
lar ao computador. Já a versão da Sharp contava com sensor de 0,1
megapixel, mas tinha como diferencial o fato de que, pela primeira
vez, você podia mandar eletronicamente as imagens a partir do
aparelho para outras pessoas. Depois disso, as pessoas passaram a
adotar o “selfismo” de modo irreversível. Famílias, solteiros, casais,
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

crianças, todos puderam tirar suas próprias fotos e compartilhar


com o mundo.

(Texto adaptado de duas reportagens, do site Tecmundo e do site O


globo: Disponíveis em: Tecmundo - https://www.tecmundo.com.br/
celular/83493-primeiro-celular-ter-camera-video.htm -

O globo - https://oglobo.globo.com/economia/primeiro-smartphone-
do-mundo-completa-20-anos-13630167#:~:text=O%20aparelho%20
da%20foto%20pode,s%C3%A9rie%20de%20tecnologias%20de%20
computa%C3%A7%C3%A3o. Último acesso em 10 de jun 2020)

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 54
Considerando o texto apresentado e seus
conhecimentos da Unidade I, avalie as informações a
seguir:

I. O daguerreótipo proporcionou uma revolução seme-


lhante a do smartphone Simon, da IBM.
II. O daguerreótipo proporcionou uma revolução seme-
lhante a do celular J-SH04, da Sharp.
III. Pelo texto, a versão da Samsung tinha mais qualidade
na foto mas a da Sharp era mais funcional
IV. O projetor de Edson pode ser relacionado com o celular
da Samsung, assim como o projetor dos Lumère pode
ser relacionado com o celular da Sharp.

É correto apenas o que se afirma em:


UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

a) I e III
b) I e IV
c) III e IV
d) I, III e IV
e) II, III e IV

COMENTÁRIO

Alternativa A é a correta. Por que estão erradas as afirma-


ções IV e II? Bom, a revolução provocada pelo celular da Sharp foi
igual ao impacto provocado pelo daguerreótipo. Porque este é o
primeiro aparelho fotográfico do mundo. Foi comercializado e po-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 55
pularizou na década de 1850 nos EUA a ideia de fotos de família.
Assim como o da Sharp popularizou a self. Por isso a II está errada
e a I está certa. A afirmação IV está errada porque o projetor dos
Lumière era melhor do que o de Edson em tudo: mais funcional,
qualidade de imagem igual ou melhor, mais leve (carregável para
qualquer lugar), filmava, revelava e exibia (3 em 1). A III está certa
porque é exatamente o que o texto diz.

6 - Leia o texto a seguir:


Os novos historiadores têm ajudado a derrubar o mito de
que os filmes de Méliès e dos Lumière originaram duas tendên-
cias opostas do cinema: o documentário e a ficção. Segundo
essa visão mais tradicional, os filmes de Méliès, por serem reali-
zados em estúdio e tratarem de assuntos fantásticos, utilizando
cenários estilizados, baseados em rotinas teatrais, representa-
riam a vertente ficcional do cinema. Já os filmes dos Lumière,
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

por serem feitos em locações naturais, externas e autênticas,


seriam a origem do que se chama de realismo documentário. No
entanto, essa distinção não se aplica ao primeiro cinema. Muitas
vezes, as atualidades incluíam encenações dos fatos que pre-
tendiam retratar: eram as atualidades reconstituídas. Nas atua-
lidades, misturavam-se filmagens de situações autênticas com
reconstituições em estúdio ou locações naturais, uso de maque-
tes e trucagens. Do mesmo modo, havia cenas documentais nas
ficções. A mistura entre esses dois registros era aparentemente
considerada normal pelos espectadores. Assim, é mais produtivo
entender os primeiros gêneros de filmes em torno de assuntos
filmados do que como uma distinção clara entre ficção e do-
cumentário, já que todos estavam dominados pelo hibridismo

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 56
midiático e por referências extratextuais, que caracterizam a es-
tética das atrações.

(Fonte: A história do cinema mundial, organizado por Fernando


Mascarello. Extraído de artigo de Flávia Cesarino Costa, 2006, p. 31)

Considerando o texto apresentado e seus


conhecimentos da Unidade I, avalie as informações a
seguir:

I. O Primeiro Cinema tinha diversos gêneros claros e dis-


tintos, e a plateia estava acostumada com isso
II. No Primeiro Cinema é impossível classificar os tipos de
filmes feitos na época porque eram todos experimen-
tais.
III. Somente os filmes de Méliès tinham uma “cara” narra-
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

tiva, justamente porque ele veio do teatro.


IV. O cinema de atrações tinha sua estética baseada em hi-
bridismos e tentativas de maravilhar o espectador.

É correto apenas o que se afirma em:

a) II
b) III
c) IV
d) I
e) II e IV

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 57
COMENTÁRIO

A alternativa C está correta. No Primeiro Cinema, os gêneros


ainda estavam se formando justamente porque a narrativa esta-
va se consolidando. Quando descobriram padrões narrativos é que
vieram os gêneros. Méliès fez um filme de ficção científica, mas
não havia ainda uma linguagem padrão para que fosse chamado
de gênero, assim como o western. Os filmes do Primeiro Cinema
não eram todos experimentais. De um certo ponto de vista, sim, os
cineastas estavam “experimentando” esse universo chamado cine-
ma. Mas o objetivo não era só descobrir uma linguagem exclusiva
do cinema, mas ainda era o de atrair a atenção do público com
imagens espetaculares, característica típica do cinema de atrações.
Não era possível classificar os filmes da época entre documentais
e ficcionais porque ambos se misturavam. Méliès não foi o único
a filmar histórias com toques narrativos. Foi um pioneiro, mas não
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

o único. E ele era mágico, não ator de teatro. E, sim, o cinema de


atrações se baseava em misturas e tentativas de maravilhar o públi-
co. Por isso somente a afirmação IV está correta.

7 - Leia o texto a seguir:


“Podemos dizer que havia no primeiro cinema várias formas
não- clássicas de narrativa. Algumas estavam mais próximas do for-
mato das atrações, por serem relatos incompletos que se apoiavam
no conhecimento que o espectador já possuía sobre o assunto ou
que eram completados pelo comentador. É o caso das chamadas
narrativas em fragmentos descontínuos. No período 1895-1903,
as formas mais longas desse tipo de narrativa eram as paixões de
Cristo e as reconstituições de lutas de boxe, que podiam durar até

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 58
uma hora, pois continham vários “quadros”.
As narrativas em fragmentos são as formas não-clássicas que
estão mais distantes do cinema de absorção narrativa e mais pró-
ximas das atrações, porque têm no desenvolvimento temporal im-
preciso o seu traço fun- damental. Em seus exemplos mais simples,
nem contavam uma história. Muitas eram alegorias referentes a
pinturas famosas ou fatos históricos. Algumas apenas costuravam
uma série de planos ligados por um tema comum, sendo mais ade-
quado entendê-las como coleções ou antologias.
(...)
A mais antiga forma de narrativa completa no cinema é a
gag, uma breve piada visual cujo desenvolvimento narrativo tem
duas fases, a preparação e o desfecho inesperado. As curtas his-
tórias contadas nas gags adaptavam-se bem à breve duração dos
primeiros filmes. Por incluírem uma surpresa, as gags têm a tempo-
ralidade típica das atrações, contendo uma interrupção que finaliza
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

a história, sem permitir que a ação peça um desenrolar posterior do


enredo (Gunning 1993a).
Entre 1902 e 1907, os filmes de múltiplos planos deixam de
ser exceção e passam a ser a norma. Os diretores experimentam
conectar vários planos, produzindo as relações temporais pouco
definidas das narrativas em fragmentos, mas também as confu-
sões mais estruturadas dos chamados filmes de perseguição. Essas
perseguições, que existiram entre 1903 e 1906, foram as primeiras
formas narrativas auto-suficientes do cinema.
Os filmes de perseguição compunham-se de um quadro ini-
cial, em que um roubo, um acidente ou um mal-entendido gerava
a situação de uma fuga. Nos quadros subseqüentes, a perseguição
se desenrolava e, no plano final, o perseguido era alcançado. Cada

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 59
um dos quadros começa sempre com a aparição do perseguido
e só termina quando o último perseguidor sai de campo. Não há
verdadeira continuidade entre os planos. É a passagem dos mes-
mos personagens que atenua a separação entre as tomadas. Esses
filmes terminam depois que todos passaram por uma boa quanti-
dade de lugares e de situações ridículas, como mulheres descendo
barrancos e mostrando as pernas, pessoas tropeçando ou caindo.
No final, os perseguidos são alcançados e a história acaba com uma
punição, uma gargalhada ou um desfecho cômico”.

(Fonte: A história do cinema mundial, organizado por Fernando


Mascarello. Extraído de artigo de Flávia Cesarino Costa, 2006, p. 33-34)

Considerando o texto apresentado e seu conhecimento


da Unidade 1, avalie as informações a seguir:
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

I. Os filmes de perseguição já eram considerados cinema


de narração porque tinham uma estrutura linear entre
os planos, com começo, meio e fim. E mostravam per-
sonagens com motivações psicológicas complexas
II. As gags se encaixaram perfeitamente no cinema de
atrações porque não dependiam de uma narração li-
near, eram curtas e podia haver várias sem que precisas-
sem ter conexão entre si.
III. Mesmo quando os filmes de múltiplos planos se torna-
ram padrão, o cinema ainda era de atrações, porque a
narrativa não era mais fragmentada, ou seja, as histórias
respeitavam a passagem do tempo.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 60
IV. A padronização dos vários planos e os filmes de perse-
guição foram as primeiras formas narrativas do cinema
Mas cada plano, cheio de movimento e ações cômicas,
em vez de fazer avançar a história, apresenta-se como
atração, interrompendo o fluxo temporal do enredo

É correto apenas o que se afirma em:

a) II e IV
b) I e II
c) III e IV
d) I, II e III
e) II, III e IV

COMENTÁRIO
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

A alternativa A está correta. Os filmes de perseguição não


eram de narração ainda. Estavam no meio do caminho entre atra-
ção e narração. Eles se baseavam muito no espetáculo da ação
física, não havia motivação profunda nas ações das personagens.
Cada ação era só uma sequência espetacular, cujo objetivo era en-
cantar a plateia. A estrutura do tempo tinha linearidade, mas o
objetivo não era fazer avançar a história, mas sim interromper o
fluxo temporal do enredo para mostrar alguma ação cômica duran-
te a perseguição. O objetivo era fazer rir, não contar uma história.
As gags tinham a mesma função e se encaixavam perfeitamente
no modelo de atrações. Podiam ter ou não conexões entre si. A
afirmação III não faz muito sentido. Quando surgiram os múltiplos
planos foi o passo fundamental para a criação de uma narrativa. E

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 61
daí surgiram os filmes de perseguição, que precisam de planos em
sequência. Mas o cinema ainda era de atrações, porque a estrutura
narrativa ainda era fragmentada, e se dependia muito da ação em
si, em detrimento de uma história que se quisesse contar. Ou seja,
os planos não existiam para contar a história, mas a história existia
para tornar os planos mais atraentes ao público. Por isso a II e a IV
estão certas.

8 - Leia o texto a seguir:


“No período de transição, o sistema colaborativo de produção
de filmes foi sendo substituído por uma crescente divisão do traba-
lho e especialização de funções. Aparecem os diretores, roteiristas,
os responsáveis pela iluminação, as encarregadas do vestuário, os
cenógrafos, maquiadores, todos agrupados em unidades de produ-
ção. (...) Alguns filmes de 1905 a 1908 da Pathé eram rodados com
a câmera na altura da cintura do cineasta, ao passo que a maioria
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

dos filmes feitos nos EUA era realizada com a câmera na altura
dos ombros do operador. Essa diferença de altura era irrelevante
quando os atores ficavam longe da câmera, como acontecia antes
de 1908, mas quando os atores ficavam próximos à câmera, eles
passavam a ocupar todo o quadro e encobriam o que estava atrás
deles. Criava-se, portanto, a possibilidade de um jogo de encena-
ção que aproveitasse a profundidade de campo, com as figuras
em primeiro plano cobrindo ou mostrando os atores que estavam
mais ao fundo. O filme francês Vassassinat du duc de Guise, feito
em 1908 por Calmettes e Le Bargy, para a companhia Film d’Art,
mostra claramente o efeito dessa aproximação da câmera em re-
lação aos atores, permitindo o desenvolvimento das cenas a partir
do fundo em direção ao primeiro plano, na cena em que o duque

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 62
atravessa a sala onde conspiram seus assassinos. A altura mais bai-
xa da câmera, por sua vez, faz parecer que os atores estão sendo
observados de um nível mais baixo que eles, dando certa impressão
de grandiosidade e heroísmo aos personagens. Além disso, o filme
tem outra característica importante, que é permitir aos atores fica-
rem de costas para a câmera, se a ação exigir”. (...) Quando, em
1913, os franceses começaram finalmente a posicionar os atores na
linha dos nove pés, eles chamaram isso de plano americano. E, nos
EUA, a colocação dos atores numa linha a quatro metros da câmera
começou a ser chamada de primeiro plano francês (Salt 1992, pp.
87-91).

(Fonte: A história do cinema mundial, organizado por Fernando


Mascarello. Extraído de artigo de Flávia Cesarino Costa, 2006, p. 40, 42)

Considerando o texto apresentado, avalie as


UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

informações a seguir:

I. Vassassinat du duc de Guise abriu caminho para uma


maneira mais naturalista de organizar a cena no espaço
fílmico.
II. No chamado cinema de transição, houve, como se vê, mú-
tua influência entre os filmes europeus e os americanos.
III. O texto trata de enquadramento, um recurso estilístico
próprio do cinema que ajuda a contar uma história com
a visão da câmera.
IV. No período chamado de transição, as formas narrativas
estavam prontas, a indústria do cinema estava formada

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 63
e o próximo passo era fazer filmes com mais de uma
hora.

É correto apenas o que se afirma em:

a) I e II
b) II, III e IV
c) III e IV
d) I e IV
e) I, II e III

COMENTÁRIO

Nada estava pronto no cinema de transição. As coisas estavam


acontecendo, se consolidando. Fato que só ocorreu depois da Primei-
ra Guerra. O texto trata de enquadramento no período de transição
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

e suas mudanças que mexiam com a narrativa. Os estúdios franceses


e americanos se influenciavam no que se refere a estética e formas
de contar histórias. Edson, inclusive, pirateava filmes de Méliès para
que seus diretores analisassem as novidades técnicas. E o final do
texto deixa bem clara essa influência mútua. O filme Vassassinat du
duc de Guise foi um marco, sim, no posicionamento de atores diante
da câmera. Isso fez com que houvesse a necessidade de se criar uma
função específica, a do diretor de arte, que é a pessoa que vai posi-
cionar objetos, vestir atores e desenhar os cenários para a câmera. E
como esta câmera já começa a enquadrar de formas diferentes, ela
podia usar o que estava no quadro para entrar na narrativa também.
Ou seja, a cena podia ser melhor organizada para beneficiar a narra-
tiva. Por isso que a alternativa correta é a E.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 64
9 - Leia o texto a seguir:
“(...) Em Le médecin du château (Pathé, 1908) (...). O di-
retor usa um plano aproximado na cena em que o médico usa o
telefone para falar com a família. O plano mais geral mostra a sala
da casa para a qual foi atraído pelo falso chamado de socorro. A
família ocupa o campo e todos olham na direção do médico, que
fala ao telefone no canto esquerdo do quadro. Em seguida, um
plano aproximado isola o médico na altura do peito e revela suas
feições de preocupação.
Em 1911, com The lonedale operator, D. W. Griffith pa-
rece ter percebido a eficácia dessa técnica (...). Quando os ladrões
ameaçam a operadora de telégrafo e tentam invadir seu escritório,
ela se desespera e telegrafa pedindo socorro. Nesse momento, o
filme passa de um plano médio para um plano aproximado, deixan-
do-nos ver claramente a expressão de medo da atriz.
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

(...) Em The lonedale operator, o suspense deriva das rela-


ções espaciais entre os planos, que Griffith transmite ao especta-
dor. Quando a telegrafista chega ao trabalho, passa pelo portão
do escritório e atravessa uma ante-sala, passa por outra porta e
entra numa sala menor. Obedecendo as regras de continuidade de
direção, a atriz sai de cada plano pela direita do quadro e reaparece
no quadro seguinte pela esquerda. Quando os ladrões invadem o
escritório, sabe-se que distância eles terão de percorrer para alcan-
çar a mulher”.

(Fonte: A história do cinema mundial, organizado por Fernando


Mascarello. Extraído de artigo de Flávia Cesarino Costa, 2006, p. 44-45)

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 65
Considerando o texto apresentado e seus
conhecimentos da Unidade 1, avalie as informações a
seguir:

I. Pela explicação do primeiro parágrafo (sobre o filme Le


médecin du château) temos ali um exemplo de mon-
tagem analítica
II. A técnica usada em The lonedale operator serve para
criar grande impacto emocional em momentos decisivos
da narrativa.
III. Griffith é o inventor da montagem no cinema, como se
vê nos exemplos dos textos.
IV. Os cineastas ainda não tinham percebido que manter a
direção do movimento constante, ajudava o público a
entender melhor o deslocamento dos personagens den-
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

tro do espaço no filme.

É correto apenas o que se afirma em:

a) I, II e III
b) I e IV
c) III e IV
d) I e II
e) II, III e IV

COMENTÁRIO

As duas primeiras afirmações estão corretas. Porque a defini-


ção de montagem analítica é fazer exatamente isso, mudar os qua-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 66
dros para criar emoções diferentes em torno da história. Em outras
palavras, você fraciona o mesmo espaço em vários enquadramen-
tos diferentes. E a técnica usada no filme de Griffith serve para criar
esse impacto emocional, como aconteceu no filme Le médecin du
château. Já as afirmações III e IV estão erradas porque Griffith não
é “o inventor” da montagem. Ele viu princípios de montagens em
outros filmes de outros diretores e organizou-as em seus filmes, de
modo qua ajudasse a contar melhor as histórias paralelas que ele
queria mostrar. Ele pode ter sido o primeiro a organizar essa técnica
com a intenção proposital de contar histórias. Mas os textos sequer
falam disso ou deixam claro que ele foi quem inventou o método.
E por fim, a afirmação IV estaria totalmente correta se tirasse a pa-
lavra NÃO da oração. O texto mostra justamente que os diretores
perceberam que manter o movimento ajudava o público a enten-
der como estava acontecendo o deslocamento das personagens.
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

10 - Leia o texto a seguir:


“(...) Outra maneira de indicar espaços contíguos é mostrar
um personagem observando algo que está fora de quadro e, em
seguida, mostrar o que o personagem vê, isto é, mostrar um plano
subjetivo do seu ponto de vista. Mas a continuidade nas transições
para planos subjetivos não foi desenvolvida de forma homogênea
no período de transição. Surgiram muito cedo, ainda no período
das atrações, os planos subjetivos, nos quais o observado aparece
através de uma máscara negra, que representa instrumentos óti-
cos ou buracos de fechaduras. No entanto, o tipo mais comum de
plano subjetivo, aquele em que aquilo que o personagem vê ocupa
todo o quadro, começou a se multiplicar em 1908, mas até 1913
seu uso foi irregular e não se generalizou.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 67
A partir de 1910, apareceu um novo tipo de plano subje-
tivo, que transmitia a sensação de contiguidade dos planos pela
direção dos olhares. Nesse caso, o plano seguinte mostrava aquilo
que o personagem do plano inicial estava vendo, mas não do seu
ponto de vista. Esse tipo de corte é chamado de continuidade de
olhar (eyeline match) e precisa obedecer à chamada regra dos
180 graus. Segundo essa regra, a câmera não pode se deslocar
para uma segunda posição que esteja a mais de 180 graus da linha
que une objeto e câmera, definida no plano inicial. No período de
transição, essa continuidade de olhar se generalizou”. (vamos ver
essa explicação da Flávia Cesarino com figuras)

(Explicação minha: Vamos supor que você está gravan-


do duas personagens, uma de frente para a outra e você es-
colhe captar a cena pelo lado esquerdo do set, com a per-
sonagem X aparecendo à direita e com a personagem Y à
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

esquerda. Tenha sempre em mente que em todos os planos


que fizer dentro daquela configuração, X tem de aparecer à
direita e Y à esquerda. Parece simples, mas é algo que pode
ser quebrado com muita facilidade)

“Outra maneira de produzir a sensação de proximidade entre


planos, que começou a ser usada nesse período, é o contraplano
(reverse angle)***. [Seu uso acontece por exemplo no] filme fran-
cês Vassassinat du duc de Guise (1908). O último par de planos
do filme mostra o duque atravessando uma antecâmara e entran-
do na sala onde estão os conspiradores. No plano inicial, vemos o
duque afastando-se da câmera em direção a uma porta, através da
qual vemos pessoas na outra sala. Há um corte quando o duque

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 68
atravessa a porta. No plano seguinte, vemos a outra sala do ponto
de vista oposto, tendo o duque ao fundo e os conspiradores em
primeiro plano. Para Salt, era a primeira vez que planos tomados
de direções opostas - contraplanos - eram produzidos num cenário.
Essa técnica foi, no entanto, muito menos aproveitada na Europa
do que nos EUA, onde se universalizou”.

***Campo é o espaço que a câmera mostra. Contrapla-


no é seu ângulo oposto. Um exemplo simples são duas pes-
soas conversando, uma de frente para outra. A câmera mos-
tra a principal, com o rosto de frente para a câmera. Quando
a outra pessoa faz perguntas ou comentários, há um corte e
vemos a câmera no rosto da outra pessoa. Essa troca se cha-
ma plano e contraplano.

(Fonte: A história do cinema mundial, organizado por Fernando


UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

Mascarello. Extraído de artigo de Flávia Cesarino Costa, 2006, p. 45-46)

Considerando o texto apresentado, avalie as


informações a seguir:

I. Sobre a continuidade nas transições, ainda não era um


padrão, longe disso, então, no cinema de transição,
quase não havia essa preocupação com continuidade
dos movimentos das personagens.
II. Na verdade, o plano subjetivo existia desde o início do
cinema, mas ele se mostrava em diferentes formas que
conviveram durante o período de cinema de atrações e
o de transição.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 69
III. Na regra dos 180 graus se dá a chance para o especta-
dor memorizar a posição das personagens dos persona-
gens.
IV. O contraplano é o olhar objetivo da câmera que permite
ao público identificar quem está falando do outro lado.
Portanto, era usado no Primeiro Cinema apenas para

É correto apenas o que se afirma em:

a) I e II
b) I, II e IV
c) III e IV
d) II e III
e) II, III e IV

COMENTÁRIO
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

Resposta certa é a D. Por quê? A afirmação I está errada. Já


havia preocupação com a continuidade dos movimentos das perso-
nagens no cinema de transição, para que justamente a plateia en-
tendesse melhor esse deslocamento de um plano para outro. Mes-
mo não sendo um padrão, os diretores já pensavam em resolver
isso com planos que tivessem continuidade. O que variava era qual
forma usar. A afirmação II está certa. É um pouco o que acabei
de explicar. E, especificamente o plano subjetivo havia pelo menos
três formas de fazê-lo. O plano subjetivo “continuidade do olhar”,
por exemplo, foi predominante a partir de 1910. A afirmação III
está correta. Toda a ideia de criar formas de continuidade é para
isso. A de 180 é a mais fácil para o espectador. A afirmação IV

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 70
está errada. Contraplano é só o ângulo oposto do que se estava
vendo no quadro anterior. Tem muitas aplicações. Mas no primeiro
cinema surgiu como mais um recurso para dar continuidade aos
planos.

Podcast

O mestre das gags, o diretor, produtor, ator, malabarista, mú-


sico, compositor, roteirista e grande patinador. Charles Chaplin é
referência para qualquer cineasta, seja de comédias ou apenas um
amante dos seus filmes. Em 1992, foi lançada uma cinebiografia
dele. E você sabe que é difícil fazer um longa sobre qualquer ar-
tista. Sempre tem aquele que aponta o dedo e fala: “não foi bem
assim”. Sempre existe o medo de contar de menos ou romantizar
de mais. Mas o filme Chaplin, do diretor Richard Attenborough,
é um daqueles filmes que você assiste e fala depois: “não precisa
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

de outro filme para falar da vida de Chaplin!”. Tá exagerei um pou-


co. A vida de Chaplin era tão variada que merecia uma série. Mas o
filme deu conta. E sabe quem ajudou nisso? O ator que interpretou
o gênio, o atual Homem de Ferro. Sim, o super carismático Robert
Downey Jr. Na época, o ator tinha 27 anos e tinha conseguido seu
maior papel até então. Ele reviveu a vida de Chaplin da adolescên-
cia até a velhice, com tanta maestria que às vezes a gente confun-
dia quem era quem. As pessoas que já tinham assistido os grandes
filmes e curtas do personagem Carlitos, ou o Vagabundo, ficaram
de boca aberta quando viram Robert Downey Jr fazer os mesmos
trejeitos de Chaplin. E a história é a que mais se aproxima da vida
do cineasta que trabalhou no chamado Primeiro Cinema e viveu a
transição para o cinema falado. Tudo isso é mostrado em Chaplin.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 71
Eu acho uma obrigação você assistir. Uma curiosidade: a sobrinha
do Chaplin fez o papel da própria avó.
Olha só: os bastidores, as produções e todo o processo de
seus curtas e filmes são mostrados no filme. É uma aula de história
do cinema, além de ótimo filme em si. E você verá a famosa resis-
tência de Chaplin com o cinema falado e o cinema a cores. Ah, e
o filme não se preocupa em esconder os escândalos da vida dele.
Nem um pouco. Tem mais. Quando ele recebe o Oscar Especial em
1972, duvido você não se emocionar. Depois, procure na internet
o vídeo original de Chaplin recebendo esse Oscar (não, não é igual,
igual… mas não vou contar como é).
É isso. Pra encerrar, o filme Chaplin recebeu três indicações
para o Oscar de 93. Melhor Ator (claro), para Robert Downey Jr.,
Melhor direção de arte e melhor trilha. Não ganhou nenhum. Do-
wney Jr. foi indicado em todos os festivais, mas só levou o prêmio
de melhor ator no BAFTA. Pois é, todo mundo elogiou, mas só os
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

ingleses deram um prêmio. Interessou? Vai ver então.

((tempo médio estimado: 3 minutos e 30 segundos))

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 72
INTRODUÇÃO DA DISCIPLINA: A
ILUSÃO DO VÍDEO

Ei, olá! Seja bem-vindo.

Para começar devo dizer que tudo é vídeo e áudio. Sempre


foi. Mas quando organizamos isso em uma história (uma narrati-
va é como chamarei), na tentativa de contar tais momentos e es-
tágios para alguém, pronto, recuperamos a criação do cinema, a
televisão, a web, enfim, o audiovisual! Essa disciplina faz o retros-
pecto de uma arte que depende fundamentalmente da tecnologia.
Quanto mais ela avançou na história, mais e melhor conseguimos
produzir esse tipo de conteúdo. E, é claro, durante muito tempo o
audiovisual limitou-se ao visual. O áudio, quando havia, era música
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

ao vivo, ou o som espantado e em êxtase do público que assistia


ao espetáculo de lunetas mágicas e outros “truques de luz e ima-
gens”. Cinema é ilusão. A forma de fazer essa ilusão parecer real
variou com o tempo.
E é isso o que você vai ver aqui em quatro Unidades: 1) Pré-ci-
nema: reflexões sobre estilo, a origem da câmara escura, O pré e o
primeiro cinema, seus realizadores, a sistematização da narrativa de
cinema; 2) Origem da Indústria do cinema, As Vanguardas dos anos
1920 (Impressionismo francês, Expressionismo alemão, montagem
russa e Surrealismo), o cinema sonoro, os Gêneros hollywoodia-
nos, Cidadão Kane e o Cinema moderno (Neorrealismo italiano,
Nouvelle Vague, Cinema Independente Americano e Cinema Novo
alemão); 3) Cinema brasileiro: anos 40 e 50, Cinema brasileiro anos
60, 70 e 80 (Cinema Novo brasileiro, cinema marginal, pornochan-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 73
chada e outros), cinema da Retomada brasileira dos anos 90; e,
finalmente: 4) Cinema pós-moderno, anos 2000 (pós-Matrix), cine-
mas do Oriente (chinês, japonês, sul-coreano e um breve comentá-
rio sobre Bollywood), e tecnologias digitais.
O campo de estudos é enorme. E audiovisual é um espaço
profissional que sempre se renova. Enfim, depois dessa disciplina
você nunca mais vai olhar uma caixa de sapatos com um buraco
no meio do mesmo jeito! Então, ligue a luz, a câmera e vambora!
UNIDADE 1 – Origem do Cinema: da Câmara Escura aos Primeiros 20 Anos

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 74
UNIDADE

2
DAS VANGUARDAS AO
CINEMA MODERNO

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75
TRILHA DE APRENDIZADO: Você vai ver nesta seção: Ori-
gem da indústria do cinema, as vanguardas que transformaram
o cinema em arte (Expressionismo, Surrealismo, Impressionismo,
montagem russa), e vai ver o cinema moderno (Neorrealismo ita-
liano, Nouvelle Vague, Cinema Independente Americano e Cinema
Novo alemão), além dos gêneros hollywoodianos Western e Noir.
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 76
OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE
APRENDIZAGEM DA UNIDADE 2

Ao longo desta Unidade você irá:

• compreender a importância das origens de uma indús-


tria de cinema, que ajudou a moldar a forma de fazer
filmes até os dias de hoje;
• relacionar as mudanças estilísticas sofridas durante as
vanguardas ao mesmo tempo em que outras formas
tecnológicas de filmagem e novas realidades sociais sur-
giam;
• utilizar as técnicas narrativas de enquadramento, mon-
tagem e de estilo, das diferentes correntes modernas de
cinema como instrumento de reflexão sobre as formas
de se contar uma história em audiovisual, com aplica-
ções inclusive na contemporaneidade;
• comparar os gêneros americanos para estabelecer como
essas inovações estéticas resultaram em formas originais
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

de se contar histórias e como influenciaram o Cinema


Moderno;
• reconhecer os fatos que levaram até o Cinema Indepen-
dente Americano e Europeu e explicar as consequências
para a indústria cinematográfica depois dos anos 1960.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 77
INTRODUÇÃO À UNIDADE 2

Caro Aluno,
Seja bem-vindo! Esta é a Unidade II - Das vanguardas ao ci-
nema moderno. Nela, você vai identificar os fatos que levaram ao
nascimento de uma indústria do cinema, com suas regras de pro-
dução, execução e exibição. Você vai entender que a criação do
mercado obrigou artistas a se adaptar, limitou o trabalho de outros
e ajudou a expandir os grandes estúdios. Irá refletir sobre como o
cinema sonoro empolgou o público, ávido por querer saber como
era a voz de seus atores preferidos. Você vai reconhecer as vanguar-
das europeias e como mostraram que o cinema podia ser arte. O
Expressionismo encontrou lugar no terror e no suspense. Esse últi-
mo ajudou a fundar um gênero, o Noir. Franceses, alemães e ame-
ricanos continuaram disputando as formas narrativas mais originais
para contar histórias. Surgiram o Impressionismo francês, o Expres-
sionismo alemão, Cidadão Kane nos EUA, o cinema moderno em
si dava lugar a uma estrutura narrativa que ganhava inovação e
experimentação. Quando a plateia se acostumava, virava padrão.
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Aí, os artistas buscavam outras formas de sair da mesmice. Quando


a indústria entendia as regras de produzir filmes de sucesso, não
permitia que novidades entrassem no sistema. Então, cineastas in-
dependentes resolviam colocar a câmara no ombro e fazer o que
queriam. Nascia o cinema independente. A Segunda Guerra Mun-
dial ajudou a criar o Neorrealismo italiano, que inspirou a Nouvelle
Vague francesa, que efetuou uma releitura de Hollywood e que se
reinventou nos anos 1970. Resumindo, você irá compreender o bá-
sico das principais correntes estéticas do cinema depois da Primeira

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 78
Guerra Mundial e quais foram seus primeiros realizadores e obras.
Mas lembre-se: tudo isso vai valer muito mais se você também as-
sistir aos principais filmes e cenas que vão ser comentados nesta
unidade. Então, divirta-se e bons estudos!
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 79
SEÇÃO 1: INDÚSTRIA DO
CINEMA

Vamos retomar o raciocínio


do final da Unidade anterior. O pri-
meiro cinema pode ser dividido
em dois períodos, o de atrações
(1894, até 1906-1907) e o de tran-
sição (1906 até 1913-1915). Os perío-
dos se misturam um pouco porque nada
ali foi homogêneo, ou seja, não teve algo que terminou de
repente para depois começar outro. As transformações fo-
ram aos poucos. Mas é certo de que a indústria cinematográ-
fica começou no período de transição, quando os filmes se
organizaram como um quebra-cabeças narrativo, e o público
já se acostumava a montá-lo em sua imaginação.

Em 1909, os produtores americanos procuram retomar o


controle da indústria, regulamentando a distribuição e a
venda de filmes com a criação da Motion Picture Patents
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Company (MPPC). (...) Em 1910, a MPPC criou sua dis-


tribuidora, a General Film Company, que iniciou práticas
que se generalizariam depois na indústria cinematográfi-
ca hollywoodiana: ela organizava a competição definin-
do quais exibidores em cada área geográfica podiam exi-
bir um filme. Criava taxas mais altas para os lançamentos
e mais baixas para reprises ou produções baratas, crian-
do uma diferenciação entre os cinemas (Pearson 1996,
p. 25). (Costa, In: Mascarello, 2006, p. 28 e 40)

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 80
E agora? Outro ponto interessante é que havia uma depen-
dência do vaudeville dos serviços fornecidos pelos Irmãos Lumière
e pelas produtoras Biograph e Vitagraph. Isso adiou a necessidade
de o cinema americano desenvolver seus próprios caminhos de exi-
bição e impediu que essa arte adquirisse autonomia industrial. Por
quê? Porque a estrutura do vaudeville não requeria uma divisão da
indústria entre as unidades de produção, distribuição e exibição.
Essas funções recaíam sobre o operador, que era quem, “com seu
projetor, tornava-se um número autônomo de vaudevile” (ALLEN,
1983, pp. 149-152).
Depois de se estabelecer como indústria, o cinema conti-
nuava sua busca por outras formas de contar histórias. Ao mesmo
tempo, as vanguardas europeias que atingiram as artes (literatura,
música, artes plásticas, teatro) também acertaram o cinema. E veja
só: muitos filmes experimentais eram feitos por pessoas com liga-
ção na Arquitetura, na Pintura, Escultura ou Literatura. Daí as van-
guardas influenciarem — e muito — o cinema depois da década de
20, nosso próximo assunto.

Atenção
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

O cinema de atrações
Nessa fase, o cinema tem uma estratégia apresentativa, de
interpelação direta do espectador, com o objetivo de surpreender.
O cinema usa convenções representativas de outras mídias. Pano-
râmicas, travellings e close-ups já existem, mas não são usados como
parte de uma gramática como nos filmes de hoje. Os espectadores
estão interessados nos filmes mais como um espetáculo visual do
que como uma maneira de contar histórias. Atualidades, filmes de
truques, histórias de fadas (féeries) e atos cômicos curtos se tor-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 81
nam cada vez mais populares em espetáculos de variedades em
vaudevilles, music halls, museus de cera, quermesses ou como atra-
ções exclusivas em shows itinerantes e travelogues (conferências
de viagem ilustradas). É o exibidor quem formata o espetáculo. Há
mistura de locações naturais e cenários bastante artificiais.
Esse período das atrações tem duas fases. A primeira vai de
1894 até 1903 e é caracterizada pelo predomínio de filmes de ca-
ráter documental, as atualidades. A maioria dos filmes é de plano
único. Inicialmente, filmes e projetores são fabricados pela mes-
ma empresa, mas na virada do século aparecem os exibidores, que
compram os equipamentos e filmes dos produtores para explorar
economicamente a exibição de filmes. Na segunda
fase, de 1903 até 1907, os filmes de ficção come-
çam a ter múltiplos planos e superar em número
as atualidades. São criadas narrativas simples e há
muita experimentação na estruturação de relações
causais e temporais entre planos. (COSTA, In: MAS-
CARELLO, 2006, p. 26)

A demanda cada vez maior por nickelodeons forçou uma


reorganização da produção de filmes. As empresas se dividiram em
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

setores e se organizaram como indústria. Implantaram uma estru-


tura hierárquica centralizada. Então, saímos do sistema “todos co-
laboram com tudo”, ou seja, sistema de parcerias, para outro, mais
profissional.

Glossário

Os nickelodeons surgem a partir de 1905, quando muitos


empresários de diversões começam a utilizar espaços bem maiores

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 82
que os vaudevilles para a exibição exclusiva de filmes. Ao contrário
dos teatros, cafés ou dos próprios vaudevilles frequentados por uma
classe média de composição diversificada, esses novos ambientes
eram, em geral, grandes depósitos ou armazéns adaptados para
exibir filmes para o maior número possível de pessoas, em geral
trabalhadores de poucos recursos. Eram locais rústicos, abafados e
pouco confortáveis, onde muitas vezes os espectadores viam os fil-
mes em pé se a lotação estivesse esgotada. Mas ali se oferecia a di-
versão mais barata do momento: o ingresso custava cinco centavos
de dólar, ou um níquel, daí seu nome. Os nickelodeons foram ado-
tados imediatamente pelas populações de baixo poder aquisitivo
que habitavam os bairros operários das cidades norte-americanas
(SKLAR, 1978, p. 30). Enriqueceram pequenos e grandes exibidores
e se espalharam por todos os Estados Unidos. Eles marcam o início
de uma atividade cinematográfica verdadeiramente industrial.
Os vaudevilles eram, em 1895, a forma de diversão de uma
boa parcela da classe média. Eram bastante populares nos EUA e
suas apresentações podiam incluir atrações variadas: performan-
ces de acrobacia, declamações de poesia, encenações dramáticas,
exibição de animais amestrados e sessões de lanterna mágica. Es-
ses atos, de 10 a 20 minutos, eram encenados em seqüência, sem
nenhuma conexão entre si. (Fonte: COSTA, In: MASCARELLO, 2006)
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 83
SEÇÃO 2: VANGUARDAS:
SURREALISMO,
IMPRESSIONISMO,
EXPRESSIONISMO,
MONTAGEM RUSSA

Falemos primeiro do Surrealis-


mo. Os surrealistas olhavam para as ima-
gens em movimento e pensavam em metáfo-
ras. Ou seja, não bastava mostrar os olhos de um personagem, era
preciso compará-los a alguma coisa. E assim, criar uma descrição
mais profunda, psicológica. Nas palavras do principal articulador do
movimento surrealista, André Breton (poeta e teórico do movimen-
to), trata-se de um “automatismo psíquico em seu estado puro,
pelo qual se propõe a expressão… do real funcionamento do cére-
bro” (STAM, 2000, p. 73). Não à toa, A interpretação dos sonhos,
de Freud, era livro preferido de Breton. Mas a interpretação que
os surrealistas fizeram de Freud era um pouco distorcida. Mesmo
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

assim, criativa. Breton publicou o Primeiro Manifesto Surrealista em


1924.
Antes de mais nada, devemos entender, em suma, os con-
ceitos básicos dos surrealistas. Eles tinham um pezinho na Psicaná-
lise. Achavam que os sonhos eram a melhor maneira de mostrar
e entender o ser humano, pois eram reveladores dos nossos se-
gredos e medos. Tudo o que fosse tabu era exposto e analisado.
Por isso, a loucura e o sexo (a culpa católica era satirizada) eram
temas favoritos para os surrealistas. No cinema não era diferente.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 84
Para eles, “o cinema tinha a capacidade de liberar o que con-
vencionalmente era reprimido, de mesclar o conhecido e o
desconhecido, o mundano e o onírico [mundo dos sonhos], o
cotidiano e o maravilhoso” (STAM, 2000, p. 73). Dessa forma, o
cinema precisava ser subversivo, destruidor do convencional (todas
as vanguardas tinham esse espírito contra o que era padrão). Os
surrealistas, entre eles, Luis Buñuel, queriam eliminar a fronteira
entre realidade e sonho.

MULTIMÍDIA

Quem é Buñuel
Seu filme mais claramente surrealista (até por ter participação
do pintor surrealista Salvador Dalí na direção) é um Cão Andaluz
(1928). Nesse filme mudo, temos a clássica cena em que imagens da
lua cheia - com nuvens cortando-a - são mostradas alternadamen-
te ao momento em que um homem vai cortar, com uma navalha,
o globo ocular da mulher (e corta). A metáfora é clara: as nuvens
finas, como uma navalha, cortam a lua, e o homem com a navalha
vai cortar o olho da mulher. Ou ainda a cena de quando um ho-
mem olha para a palma de sua mão e de lá saem formigas. Todas
as referências sexuais freudianas estão lá.
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

O “efeito especial” do olho cortado parece ter sido feito


usando a cabeça de uma ave. Ainda assim, na época, provocou mal
-estar, com pessoas passando mal no cinema.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 85
Além desse filme, há A idade do ouro (L”Âge d”Or, 1930), tam-
bém codirigido por Dalí. Depois fez outras importantes obras,
como Os Esquecidos (1950), O Alucinado (1952), o espetacular Viri-
diana (1960), que foi proibido na Espanha do ditador Franco quan-
do este percebeu que o filme se tratava de uma paródia feita por
Buñuel aos conceitos de caridade e virtudes cristãs. Teve ainda O
Anjo Exterminador (1962), O diário de uma camareira (1964), A Bela da
Tarde (Belle de jour, 1967), o genial O Discreto Charme da Burguesia
(1972) e sua última obra, Esse obscuro objeto do desejo (1977). Fez
mais de 30 filmes.

Cineastas de destaque

David Lynch é considerado um


cineasta de fortes características sur-
realistas. Ele cria diversas metáforas
imagéticas em seus filmes. Interpretá-
-los é um exercício para aulas de psico-
logia. Lynch usa imagens de sonhos e
desenha o som cuidadosamente para
que seja uma parte importante da nar-
rativa. Eraserhead (1977) é seu primei-
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

ro filme. Cidade dos sonhos (Mulhol-


land Drive, 2001) é outro famoso pelo
uso de metalinguagem, exploração do
subconsciente e do som para criar um clima surrealista, onde rea-
lidade e sonhos se confundem. Também é autor da famosa série
Twin Peaks (1992) e do clássico noir Veludo Azul (1986). Outro
cineasta que merece destaque é Federico Fellini (1920-93), que
mistura fantasias com imagens barrocas. Oito e Meio (1963) e E La

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 86
Nave Va (1983) são alguns de seus filmes com for-
tes características surrealistas e também dos mais
famosos, além de Amarcord (1973) e La dolce vita
(1960).

Agora é a sua vez

1 - Atividade de autoavaliação: você vai criar duas ativida-


des. Na primeira, você vai gravar um curta que tenha de 30 segun-
dos até 1 minuto. Nele você vai filmar algo que tenha as caracte-
rísticas do cinema de atrações (que se aproximam, quem diria, dos
vídeo-selfies, vídeo-memes ou quaisquer vídeos em que o objetivo
seja chamar a atenção) - ei, não faça nada arriscado, ok? você não
é um stunt (dublê). O objetivo é reproduzir um filme de atrações,
em preto e branco (qualquer celular faz isso). A segunda atividade
é escrever como você faria um filme do período de transição (que
já tem uma narrativa). Conte como seria a história, como terminaria
e como você filmaria - um curta com algo em torno de no máximo
3 minutos. Veja filmes desses dois períodos para se inspirar. Ah,
grave o vídeo de atrações, mas também escreva sua expe-
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

riência num texto em formato de relato, ou diário, ou como achar


melhor. Em resumo: faça um vídeo e dois textos. O primeiro texto
explicando o curta feito. O segundo texto explicando como faria o
cinema de atrações. Mas, se você conseguir e puder, pode gravar o
segundo curta também (é que esse te daria mais trabalho, por isso
não pedi).

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 87
1 - Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoavaliação:


a resposta correta para um filme de atrações é mostrar um exemplo
claro. Nesse link aqui, você encontra um filme de 1 minuto (não
contei créditos) de Méliès, de 1898. Ele faz uma trucagem interes-
sante e engraçada ao arrancar a cabeça dele várias vezes. Se você
achar complicado fazer um efeito especial de mais de um século e
preferir recorrer a um aplicativo que faz isso pra você, tudo bem.
Eu queria que seu vídeo fosse tosco mesmo, como era na época. Eu
queria que você buscasse soluções caseiras para o vídeo - caso você
quisesse usar efeitos especiais. Mas se não quer usar, fique com
esse outro link aqui. É o curta La Fée aux Choux, considerado o fil-
me mais antigo (que sobreviveu) dirigido por uma cineasta mulher,
Alice Guy-Blaché, de 1896. É possível considerar uma das primeiras
com a temática fantástica. A “história” é sobre a origem dos be-
bês na tradição francesa. Veja qualquer filme dos Lumière. Para o
cinema de transição, veja esse curta de pouco mais de um minuto,
de Griffith, chamado The fatal hour, de 1908. Clique neste link. Ou
este em que Jobard mata sua sogra, de 1911, já é mais elaborado.
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Quando pedi para escrever o texto do vídeo era para relatar como
fez, o que foi gravado (exemplo: você fazendo embaixadinhas e
depois seu irmão rouba a bola quando você quebraria seu recorde).
Se quiser, como exercício, você pode comparar os vídeos de filmes
de atrações com o seu, e escreva o que seu vídeo tem de igual e de
diferente. Já para o segundo exercício, você não precisava gravar
um vídeo. Eu só queria mesmo que escrevesse qual seria a história
(muito simples, algo bem curto, como os exemplos que dei aqui). E
como você gravaria. É isso.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 88
O Impressionismo francês

A primeira guerra mundial (1914-18) mudou a Europa e levou


sua indústria cinematográfica para uma crise. Quem se deu bem
foram os EUA, que se tornaram os maiores fornecedores de filmes
do mundo. O surgimento do impressionismo francês veio nesse
contexto, com diz Fernanda A. C. Martins:

“Até então considerado um espetáculo essencialmente


popular, o cinema deveria adquirir um novo estatuto, o
de uma arte tão legítima quanto a literatura, o teatro,
a pintura, a música. De início, foram poetas como Guil-
laume Apollinaire e Blaise Cendrars, além de outros ar-
tistas e críticos, que começaram a perceber o cinema
não mais como um simples entretenimento, mas como
uma rica fonte de inspiração” (MARTINS, In: Mascarel-
lo, 2006, p. 89).

Tudo isso porque os franceses precisavam de um cinema di-


ferente do americano, por isso escolheram fazer algo com mais
cara de arte do que voltado para as classes populares. A arte, como
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

se vê, sempre foi elitizada. Somente quando se juntou um grupo


como: o poeta, dramaturgo e crítico de teatro Louis Delluc, o es-
critor Mareei UHerbier, o poeta Jean Epstein e os cineastas Abel
Gance e Germaine Dulac, é que o movimento ganhou corpo e ca-
racterísticas sólidas.
E quais são essas características? Os impressionistas promo-
viam imagens estilizadas e subjetivas, fragmentavam a narrativa
(exatamente como numa pintura). Assim aconteceu nos trabalhos
de Abel Gance, Marcel L’Herbier e Jean Epstein. Por exemplo, no fil-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 89
me de 1925, Feu Mathias Pascal, de L”Herbier, há
uma cena em que um marido abandonou a família
mas pensa em voltar. Só que ele desiste quando
imagina a sogra como uma toupeira inchada.

Em O Espelho de três Faces (1927),


de Epstein, há claramente um experimento
impressionista ali. Baseado no romance de
Paul Morand, o filme retrata três mulheres e a
relação de cada uma com o personagem prin-
cipal, chamado de o “homem”. É dividido em
quatro partes. Epstein quebra a narrativa do
seu filme ao fazer com que as mulheres abor-
dem sua relação com o “homem” a partir de
lembranças. É assim que todo o filme é cons-
truído, a partir de uma montagem paralela (na montagem paralela
histórias diferentes são contadas ao mesmo tempo, intercaladas
por cortes). No caso, essa montagem ocorre entre os momentos
das mulheres com o “homem” e suas recordações. É uma narrativa
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

não-linear, ou seja, não segue uma linha lógica de tempo, nem sa-
bemos se os fatos aconteceram na ordem apresentada ou em outra
ordem. Isso é impressionismo francês.

“Os filmes impressionistas se caracterizam por um sem-


-número de proezas técnico-estilísticas, que abrangem
sobreimpressões, deformações ópticas e planos subje-
tivos. Acrescente-se a isso a importância dada à du-
ração dos planos, ao enquadramento e ao ritmo da

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 90
montagem. Doravante, além disso, os personagens e
a trama narrativa deixam de exercer um papel prepon-
derante, uma vez que também os objetos e cenários
vêm concorrer com a ação do filme”. (MARTINS, In:
Mascarello, 2006, p. 91).

Reflexão

Convém alertar você, caro estudante, de uma coisa impor-


tante sobre definições estéticas ou cinematográficas: chamar de
Impressionismo é saber que o termo não dá conta da extensão e
diversidade da prática fílmica da vanguarda narrativa. E por que
chamamos assim? Porque há muita afinidade entre os cineastas,
seus filmes e a pintura impressionistas, sim. Mas não pense você
que o rótulo explica tudo ou dá conta de tudo. É isso.

O Expressionismo alemão

Os cenários não explicam tudo no Expressionismo do cinema


alemão. A composição das imagens, dialéticas (ou seja, imagens
que “conversam”, uma imagem confrontando outra), é marcada
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

fortemente pelo contraste luz/sombras, além de um espaço pic-


tórico ou “teatralizado” (como se você estivesse vendo uma peça
filmada). Maquiagem, roupas e interpretação dos atores também
colaboram para a mise-en-scène (todo o desenho do que está em
cena: objetos, enquadramento, cores). Esse universo é alucinado,
perturbador, de criaturas estranhas (como o personagem Thin Man,
de Metropolis, de 1927, do diretor Fritz Lang, ou como a própria
androide do filme).

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 91
Tudo é distorcido e tem como objetivo revelar outra realidade:
a que está ligada ao ser humano; aquilo que ele esconde nas entra-
nhas de sua personalidade doentia, angustiada e conflituosa. Nes-
te período pós-Revolução industrial, havia motivos de sobra para
angústias e desesperanças. O Expressionismo se debruçou sobre
esses sentimentos. Foi um movimento heterogêneo, que atraves-
sou fronteiras e culturas e se desenvolveu de formas distintas nes-
sas mesmas culturas. Formalmente, diz-se que o primeiro exemplar
de um filme alemão expressionista foi O Gabinete do Dr. Caligari
(1919), de Robert Wiene. Metropolis, de Lang, foi o último respiro
dessa vanguarda. Certamente há elementos do Novo Objetivismo
alemão (movimento que veio a seguir), mas Lang não se desfez do
Expressionismo em seu filme, ao contrário.

A cidade construída neste filme [Metropolis] é


uma espécie de super Nova York, concretizada na
tela com a ajuda do chamado processo Shuftan,
um engenhoso truque com espelho que permite
a transformação de pequenos modelos em estru-
turas gigantescas. (KRACAUER, 1988, p. 175)
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

E qual a origem do Expressionismo? Em 1905 foi criado o


grupo expressionista Die Brücke (A Ponte) na Alemanha. Mas an-
tes disso, em 1893, Edvard Münch (que era norueguês) pintou seu
famoso quadro O Grito, expressionista por excelência, até a últi-
ma gota de tinta, destacando aspectos mais profundos da alma

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 92
humana, dando à cor uma intensa carga
emocional.

O Grito, Edvard Munch


(1893)

“Passeava com dois ami-


gos ao pôr-do-sol — o céu ficou
de súbito vermelho-sangue — eu
parei, exausto, e inclinei-me sobre
a mureta— havia sangue e línguas de
fogo sobre o azul-escuro do fiorde sobre a cidade — os meus
amigos continuaram, mas eu fiquei ali a tremer de ansiedade
– e senti o grito infinito da Natureza”.

(do Diário de Munch, sobre sua inspiração para pintar O Grito)

Examine a pintura. Veja que em O Grito, as cores são vivas


e espetaculares, agressivas, seus riscos são quase violentos, como
cortar a carne com a faca da angústia. Ora, o cinema ainda não
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

era colorido no período entreguerras, então o emprego das cores


não é tão determinante num filme alemão expressionista. De qual-
quer modo, essa escola nunca foi um movimento verdadeiramente
organizado, orgânico mas sim uma reunião de vários grupos de
artistas, que influenciou e continua influenciando até hoje. Uma
palavra para o Expressionismo no cinema: exagero. Motivo: expres-
sar os mais profundos sentimentos lançando mão de todo tipo de
ornamento possível, geralmente distorcido, porque assim são os
sentimentos, distorcidos.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 93
Agora é a sua vez

2 - Atividade de autoavaliação: Monte um cenário expressio-


nista e tire algumas fotos com seu celular. Fotos de vários ângulos
diferentes. Inspire-se em filmes de Murnau (Nosferatu, 1922), ou
Dr. Mabuse (de Fritz Lang, 1922), ou ainda, O gabinete do Dr. Ca-
ligari (1919), de Robert Wiene. Olhe os cenários, as maquiagens.
Crie um cenário e tire fotos dele. Faça em preto e branco. Depois,
explique o que fez, como fez e por que aquilo é expressionista,
num texto. Seu cenário pode ser feito em tamanho real ou uma
maquete. O que importa é que você tem de criar um cenário, não
vale montar da internet. Porque depois você terá de tirar fotos des-
se cenário como se fosse uma foto de um cenário de filme. Tem de
parecer cena de filme, entendeu? Mesmo que fique tosco. O que
importa é o conceito ser compreendido e que você se divirta fazen-
do. Não se esqueça de escrever o relatório.

2 - Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoavaliação:


No cinema expressionista predomina a tentativa de expressar vi-
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

sualmente os sentimentos mais intensos (medo, angústia, desespe-


ro ou qualquer coisa que mostre algo distorcido da realidade. Por
isso os cenários tem desenhos tortos, ou deformados, assim como
as personagens têm maquiagem que realce esse lado assustador,
distorcido. Também por isso que o gênero do terror se encaixou tão
bem para os expressionistas. O diretor Tim Burton é um exemplo
de diretor atual que usa elementos expressionistas em seus filmes.
O exagero da caracterização em seus personagens (a maquiagem

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 94
e a figuração da personagem Edward, mãos de tesoura, de 1990,
por exemplo). Ou as animações criadas por ele, como O estranho
mundo de Jack (1993). As fotos dos estudantes devem representar
um pouco desse grotesco. No texto eles devem explicar o que tem
de expressionista no cenário que eles criaram.

D. W. Griffith (1875-1948) - O aperfeiçoador da montagem


A montagem foi inaugurada por Méliès, estabelecida por Por-
ter e refinada por Griffith (BORDWELL, 2013). Os franceses deram
ritmo, dinamismo. E os russos a colocaram como ponto fundamen-
tal para a construção de um filme. Mas vamos falar de Griffith (os
russos serão o próximo tópico). Entre 1908 e 1913, Griffith dirigiu
mais de 400 filmes na Biograph. Lá ele usava montagem parale-
la com criatividade. Muitos fizeram montagem paralela antes de
1908, principalmente na Europa, mas nos EUA, são raros os exem-
plos. Griffith foi um pioneiro. Ele usava para misturar diferentes li-
nhas de ação. Assim, criava suspense e emoção, além de contrastes
dramáticos. Também servia para desenhar o desenvolvimento psi-
cológico de personagens e criar julgamentos morais. O uso desse
tipo de montagem tem como objetivo a intervenção do narrador.
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Griffith era respeitado por cineastas como Eisenstein, mas também


porque sabia fazer propaganda de si mesmo.

CURIOSIDADES

O seu filme O Nascimento de uma Nação (1915), ao mesmo


tempo que é polêmico, é uma obra de genialidade técnica. Foi o
filme mais lucrativo durante dez anos. Mas é importante não dei-
xar passar batido o conteúdo deste filme. Nele, se fala das vidas de

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 95
duas famílias durante a Guerra de Secessão e a reconstrução dos
EUA. O assassinato de Lincoln também é dramatizado no filme.
Inicialmente, o filme teria duas partes. No total, a duração é de 190
minutos. O grande problema da obra é como ela retrata os negros
americanos. Ele exalta a escravidão, justifica a segregação racial e
trata os negros como pessoas ignorantes, sujas, sexualmente selva-
gens (as atuações foram de brancos com rostos pintados de negro)
e vilões que vão destruir os EUA. E mais: o grupo racista Ku Klux
Klan foi retratado como uma força de heróis. A KKK resgata uma
mulher branca das mãos dos negros e impede que os negros to-
mem conta do governo americano (no filme, os negros assumiram
cadeiras no Congresso americano).

MULTIMÍDIA

Na época, o Nascimento de uma Nação (1915) foi alvo de pro-


testos generalizados, inclusive sendo banido de vários lugares (cli-
que aqui e veja o filme). Por causa das reclamações, Griffith teria
feito o filme Intolerância, em 1916, para provar que não era racis-
ta. Mas o público não gostou das quatro histórias paralelas de Into-
lerância, que fizeram o o filme ter 220 minutos. Intolerância foi um
fracasso financeiro, que levou Griffith à falência (ele pôs por volta
de 2 milhões de dólares do bolso - uma fortuna, que ele ganhou
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

na obra anterior). Já o Nascimento de uma Nação, ajudou a refundar


a própria KKK, renascida graças ao sucesso do filme. Inclusive o
grupo racista usou durante décadas a obra de Griffith para recru-
tar novos integrantes para sua causa. Griffith ainda
fundaria a United Artists, ao lado de Chaplin, e dos
atores Fairbanks e Mary Pickford.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 96
A montagem russa

Os russos da antiga União Soviética encontraram um jeito de


contar histórias e, ao mesmo tempo, passar uma mensagem polí-
tica. A forma encontrada foi com a chamada montagem analítica.
Sergei Eisenstein, maior nome do movimento, relacionava perso-
nagens ou imagens opostas (dialética é isso). E usava a montagem
para forçar a conexão. Exemplo. Ele poderia mostrar imagens de
trabalhadores numa guerra. Então ele costumava cortar para ou-
tras imagens de burgueses aplaudindo o sofrimento do povo.
Discursos políticos à parte, a técnica era impressionante. Ele
não colocava no mesmo quadro os dois grupos antagônicos. Por
isso seus filmes tinham um excesso de cortes. Não havia uma câme-
ra que saísse dos burgueses para os trabalhadores. Esse movimento
(panorâmico) quase não existia (mesmo a famosa
cena da escadaria no filme Encouraçado Potem-
kin, de 1925, teve cortes mostrando as reações das
pessoas com o carrinho do bebê descendo pela es-
cadaria de Odessa enquanto a câmera acompanha-
va o carrinho).
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Multimídia

A escadaria de Odessa é o momento do ataque do exército ao


povo que estava no porto de Odessa, na Ucrânia. Um dos momen-
tos mais dramáticos ocorre quando um carrinho de bebê escapa
das mãos de sua mãe, que foi atingida por uma bala do exército.
A câmera segue o carrinho e a cena é entrecortada com rea-
ções das pessoas e os tiros vindos dos militares czaristas.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 97
Tal cena se tornou um ícone na história do
cinema e foi copiada pelo diretor Brian De Palma
em Os Intocáveis (1987).

Eisenstein não costumava criar dramas pessoais, mas coleti-


vos. Os vilões: “o dono da fábrica é um típico “capitalista gordo”,
como nas charges políticas. No caso dos espiões, o procedimento
é ainda mais escancarado, em fusões que os identificam a animais
furtivos e pouco confiáveis (coruja, raposa etc)” com explica Sa-
raiva (SARAIVA, In: MASCARELLO, 2006, p. 121). A interpretação
era sempre grotesca, com gestos exagerados. Já os operários, es-
ses, eram caracterizados como personagens coletivos. Os objetos
de cena também são usados para caracterizar personagens ou dar
mensagens. Ou seja, fazia parte da caracterização de personagens
associá-las com certos objetos (o capitalista com um telefone, por
exemplo), que serviam para reforçar determinada imagem que o
diretor queria criar.
Kulechov foi o pioneiro da montagem russa. Ele defendia
que o roteiro fosse escrito pelo próprio diretor. Embora ele ain-
da não falasse de montagem, sua filosofia e método levou a um
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

princípio seguido pelo movimento russo. Para Kulechov, todos os


elementos de uma cena devem ter um valor não por serem um
registro do real, mas sim pela posição que ocupam em toda a ence-
nação. Ou seja, o que interessa não é mostrar realisticamente, por
exemplo, uma guerra entre exército e povo. Mas analisar esse con-
texto e mostrar a opinião do diretor na forma como ele montou as
cenas. Cada cena será montada e pensada para refletir e confirmar
essa opinião. Eisenstein dizia que “A bela palavra ‘montagem”

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 98
significa a ação de armar algo” (SARAIVA, In: MASCARELLO, 2006,
p. 118).

GLOSSÁRIO

Montagem analítica: Fracionando a cena: “Um outro tipo de


conexão entre planos também começou a se codificar nessa época:
a montagem analítica. Esse tipo de montagem entre planos acon-
tece quando se fraciona um espaço em vários enquadramentos
diferentes. Em geral, adicionam-se planos aproximados (cut-ins) a
planos mais abertos, com a intenção de tornar claros para o espec-
tador detalhes que não podem ser vistos no plano geral. A inserção
de planos aproximados já acontecia no cinema de atrações, mas,
como vimos, eles não tinham função narrativa. Só no final do pe-
ríodo de transição é que essa forma de montagem se generaliza”
(COSTA, In: MASCARELLO, 2006, p. 44).

Agora é a sua vez

3 - Atividade de autoavaliação: crie um vídeo reproduzindo


a cena da escadaria de Odessa, do filme O Encouraçado Potem-
kin. Como? Ora, seja criativo. Pode parodiar. Exemplo: grave um
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

carrinho seu com um boneco dentro descendo pela escada. Filme,


à parte, várias reações de pessoas da sua casa ou de amigos (que
podem gravar uma reação deles e aí mandariam pra você). Bom,
depois, você vai usar as técnicas de montagem russa para editar
esse material, fazendo com que a cena fique dramática (pode ser
engraçada, triste, trágica, ou tudo junto, não importa, seja inven-
tivo). Mas veja as características da montagem russa, assista a essa
famosa cena da escadaria, veja uma outra cena inspirada nela (Os

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 99
Intocáveis, de 1987) e crie a sua. No máximo 2 minutos. Ah, es-
creva primeiro como você montaria a cena. Escreva um rascunho!
Planeje! Depois filme. Depois edite. Depois escreva como ficou o
resultado final. Se não tiver condições de filmar, mostre o texto de
como você gostaria que ficasse.

3 - Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoavaliação:


a resposta certa é que na montagem russa você pode filmar coisas
que estão em lugares diferentes e criar uma narrativa dramática
como se estivessem no mesmo lugar e na mesma ação. A cena da
escadaria tem três momentos filmados. Um momento é o carri-
nho com o bebê descendo a escadaria. O outro momento são as
pessoas da cidade (inclusive a mãe) mostrando reações de preocu-
pação e desespero diante do fato de que o bebê corre perigo. E
o terceiro momento são os soldados que estão atirando em todo
mundo aleatoriamente. Então temos três cenas, filmadas à parte
e depois colocadas para construir a cena e a mensagem de que o
exército czarista está atacando o povo, inclusive um indefeso bebê,
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

ou seja, eles são cruéis. Ao construir sua cena, você deve manipu-
lar um sentimento que você quer que todos sintam durante a sua
cena de escadaria. Em os Intocáveis, a cena foi manipulada para
mostrar que a polícia americana é rápida, inteligente e eficiente, ou
seja, matou todos os bandidos e pegou a testemunha, viva, de que
precisava, além de salvar o bebê. Em outras palavras, os americanos
são heróis. Entendeu? A sua cena tem uma mensagem. Qual é?

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 100


SEÇÃO 3: O CINEMA
SONORO E OS GÊNEROS
HOLLYWOODIANOS

Som - O som entrou no cinema


como uma bomba. Críticos da época
defendiam a nova tecnologia, outros
diziam que a verdadeira arte se perderia
com o acréscimo do som. No fim, venceu o
público, que estava ávido por ouvir o que os per-
sonagens falavam. Alguns cineastas aprenderam logo a usar o som
como fonte de narração criativa (Lang o fez em M, o Vampiro de
Dusseldorf, de 1930). Embora somente Charles Chaplin conseguisse
ainda ter público e lucro com seus filmes mudos (o último foi Tempos
Modernos, de 1936: ele usou o som em alguns momentos - seu per-
sonagem, Carlitos, não falava, mas cantou no final do filme). O filme
sonoro foi inaugurado em outubro de 1927, com o musical O cantor
de jazz, de Alan Crosland. Mas apenas 25% do filme era falado. No
restante, o som era sincronizado, assim como os números musicais.
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Desde 1926 já era possível sincronizar uma trilha aos filmes e colocar
efeitos de áudio. Portanto, o primeiro filme sonoro não é O cantor
de jazz, mas o filme mudo Don Juan (1926). E o primeiro longa total-
mente falado ou dialogado foi o de gangsters Luzes
de Nova York(1928). E qual o mérito de O cantor de
jazz? Ele foi o primeiro filme que usou o som para
colocar os diálogos dentro da ação dramática, como
parte importante da narrativa. É isso.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 101


Gêneros hollywoodianos - O cinema estava estabelecido,
com sua indústria crescendo, o som já existia, os estilos se multipli-
cavam e aqueles que faziam mais sucesso eram padronizados pela
indústria. Assim chegamos aos gêneros de Hollywood.
Western. O tipo de filme genuinamente americano. Ganhou
adeptos no México e na Europa, especialmente na Itália. Mas o
gênero do “bang bang” não ficou restrito a esses lugares. Até fil-
mes de samurais japoneses ou de cangaceiros brasileiros tiveram
influência nos westerns.

Lançando mão da liberdade criativa que a ficção permite


e da condensação histórica em que se fundam os mitos,
o cinema hollywoodiano criou um momento histórico
impreciso e uma geografia imaginária, onde figuras mí-
ticas vivem em busca do equilíbrio em um universo vio-
lento. (VUGMAN, In: Mascarello, 2006, p. 159)

Se vamos falar de mitos, vamos usar o conceito do histo-


riador Richard Slotkin: “mitos são histórias criadas a partir da
história de uma sociedade que, repetidas ao longo do tempo, ad-
quiriram o poder de simbolizar a ideologia daquela sociedade e de
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

dramatizar sua consciência moral” (SLOTKIN, 1998, p. 5). Nesse


sentido, o western criou alguns padrões de narrativa. Uma delas é
da mulher branca, cristã, fiel ao marido, que precisa ser salva dos
indígenas. Basicamente, no western tradicional você tem uma pes-
soa suportando as pancadas do mal, até que há uma reviravolta,
seja da própria pessoa, seja com ajuda de algum herói (um homem
branco). A mulher (que geralmente sofre a opressão) é chamada de
“redentora” (SLOTKIN, 1998, p. 206). Ela vive a repressão sexual,

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 102


dentro de um casamento monogâmico he-
terossexual e representa o direito à pro-
priedade. É pura,casta, dócil, com-
preensiva, confiável e simboliza toda
a civilização de colonos americanos.
O herói geralmente tem alguma dí-
vida com sua própria consciência.
Então, ele é muito bom com armas e
na luta, sabe sobreviver na selva, acha
o cativeiro, mata os índios e devolve a
mulher para a colônia.
Tudo é violento, mas esse tipo de violência é justificado por-
que o herói está “fazendo justiça” com as próprias mãos, pois a lei
não chega em todos os lugares nos EUA nessa época. Ao tornar-se
um herói, ele encontra sua redenção. Portanto, salvar a mulher in-
defesa não é diferente do que os poetas do Romantismo faziam: a
mulher é a redenção para os pecados do homem. Salvá-la é salvar
a si mesmo.
É claro que o gênero western evoluiu para outros temas,
como disputa de terras, vinganças etc, mas sempre tendo como
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

base a manutenção do direito à propriedade, a


castidade das mulheres e destaque para a
honra dos homens honestos. Nos primeiros
filmes, o western era quase documental,
numa tentativa de ser um drama histórico.
Mas com o passar do tempo entrou para
a narrativa mitológica que já comentamos
aqui. Para resumir: o Western adapta seus
valores tradicionais, cristãos, a uma reali-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 103


dade selvagem e sem lei, valorizando os colonos que querem
conquistar territórios e construir uma civilização ideal, um
novo Éden, o “sonho americano”.

MULTIMÍDIA

Jonh Ford, Howard Hawks e Sergio Leone são os maiores no-


mes do chamado cinema western. O maior exemplar, que inspirou
grandes diretores (como Orson Welles - que será nosso próximo
assunto), é o filme de 1939, de Ford: No Tempo das Diligências (clique
aqui para ver o filme). Já Leone renovou o gênero na década de
70. Ele fez a trilogia dos dólares (Por um Punhado de Dólares, Por uns
Dólares a Mais e Três Homens em Conflito). E nesses filmes não existe
mocinho no sentido clássico. O herói é um anti-herói, os xerifes são
corruptos e os protagonistas não se envolvem em romances. Para
quem gosta de estudar o uso do som numa narrativa, saiba que
Leone foi mestre nisso. Veja os 12 minutos iniciais de Era uma vez
no Oeste (1968), ou melhor, ouça e repare no seguinte: A abertura
não tem música “normal”, tem raros diálogos, basicamente tem
sons naturais e ambientes. Repare nos detalhes dos ruídos usados
(rangido do moinho enferrujado, goteira caindo no chapéu, a cap-
tura da mosca, o estalar de dedos, a primeira porta aberta, a gai-
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

ta tocada, o motor da locomotiva que agrega tensão à cena, ou


quando os fios do telégrafo são arrancados e todos os outros sons
silenciam). Isso é cinema, é Sergio Leone, é Western.

Filme Noir - Uma definição rápida de Noir, bem básica, sem


academicismos: aqueles filmes policiais dos anos 40 e meados dos
anos 50, de luz expressionista, com narração, uma loira fatal, um
detetive durão ou um trouxa, cheios de violência e erotismo (MAS-
CARELLO, 2006, p. 178). E não nos esqueçamos da sociedade

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 104


decadente, personagens com problemas
(de bebida ou de consciência). Há impre-
cisões? Claro. Nada é perfeito, principal-
mente quando a gente tenta definir um
gênero cinematográfico que existe há
quase um século e passou por muitas mu-
danças (e considere que cada cineasta faz
sua própria leitura do gênero).
O filme noir tem um clima. Esse
clima é criado pela trilha, pela luz esco-
lhida (geralmente que deixe o ambiente mal
iluminado, ou com alguma neblina se for do lado na rua, numa
história que acontece quase sempre à noite). Veja por exemplo o
filme de ficção científica Blade Runner (1982, de Ridley Scott). É
um filme que se passa no futuro, meio distópico e decadente. E
repare: o filme não acontece em quase momento nenhum durante
o dia. Não há luz do sol, apenas na cena final (do filme original,
mas depois o diretor lançou o filme novamente sem essa cena). Ele
é considerado um filme noir por conta de muitas características:
a narração (que havia no filme antes da reedição do diretor) feita
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

pelo detetive durão (Harrison Ford), a morena fatal , mas havia uma
loira fatal que era vilã, há mortes, violência, um mistério a ser re-
solvido e o tal do clima decadente e escuro. Ah, e a trilha que dava
o ar sombrio e sexy. A tradução literal de noir/noire é “preto/preta
ou escuro/escura”.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 105


CURIOSIDADE

Mascarello diz que o noir como objeto artístico é um gênero


que nunca existiu. Nasceu no início dos anos 40 e foi até meados
dos anos 50. Voltou renovado nos anos 70. Mas ninguém usava na
época esse termo. Então, como tudo começou? Os franceses cria-
ram o termo a partir desses filmes americanos dos anos 40 e 50,
como Relíquia Macabra (John Huston, 1941, Laura (Otto Preminger,
1944), Até a vista, querida (Dmytryk, 1943), o excelente Pacto de san-
gue (Billy Wilder, 1944) e Um retrato de mulher (Fritz Lang, 1944),
além de outros como Gilda ou À beira do abismo, ambos de 1946. E
repassaram a palavra para os americanos, que gostaram e a ado-
taram.

Então, neste mesmo ano de 46, o cineasta Nino Frank bo-


tou o rótulo noir por causa da Série Noire, uma coleção editada
na França com obras de “literatura de detetive”, no mesmo es-
tilo desses filmes. Aí, esse e outros críticos e cineastas manifesta-
ram admiração por essas obras de tons escurecidos, tanto no tema
quanto na fotografia, com surpreendente crítica e fatalistas sobre
a sociedade americana, com personagens subversivos (alcoólatras,
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

egoístas, adúlteros), que quebravam os padrões do classicismo de


Hollywood (MASCARELLO, 2006, p. 179-180).

MULTIMÍDIA

Os franceses passaram a analisar os filmes “de detetive” em


suas revistas especializadas usando o termo Noir. Na década de 70,
os americanos se sentiram homenageados pelos franceses e pas-
saram eles também a adotar o título Noir. Não por acaso, nessa

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 106


década surgiram mais filmes do gênero, como Chinatown (Polanski,
1974, clique aqui e veja o trailler), Um lance no escuro (Penn, 1975) e
Taxi driver (Scorsese, 1976). Nos 80 vieram: Corpos ardentes (Kasdan,
1981), Blade runner (Scott, 1982 - veja o trailler aqui), o surrealista
Veludo azul (David Lynch, 1986), O mistério da viúva negra (Rafelson,
1987), Jogo perverso (Kathryn Bigelow, 1990), Los Angeles: Cidade proi-
bida (Hanson, 1997), Estrada perdida (Lynch, 1997). No Brasil, A dama
do cine Shangai e Perfume de gardênia, (Guilherme de Almeida Prado,
1987 e 1992) Tolerância (Gerbase, 2000) e Bellini e a esfinge, (Santucci
Filho, 2001). E clique aqui para ver cenas de 10 filmes noir clássicos
- a partir dos 52 segundos do vídeo.

Agora é a sua vez

4 - Atividade de autoavaliação: Faça uma comparação entre


filmes de western e filmes noir. Escolha um filme-exemplo de cada
e faça uma análise de como as cenas são filmadas (montagem, rit-
mo, narrativa, personagens). Considere os gêneros western e noir
dos primeiros filmes até a década de 50.

4 - Acertou?
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Referencial de respostas para as atividades de Autoavaliação:


Os westerns tem ritmo mais acelerado por causa das cenas de ação,
perseguição, tiros. O noir também tem ação, mas o filme todo é ba-
seado em criar um clima mais sombrio, com ritmo mais lento, em
que se destacam as sombras, a pouca luz. Já no western, as ações
são no campo, no deserto, com sol e céu aberto. No western há
vilões e mocinhos bem definidos. No noir, o detetive é o herói, mas
ele é atormentado e parece mais um anti-herói. A narrativa do wes-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 107


tern é quase sempre de redenção, ou de vingança ou de resgate. O
noir tem uma mulher-fatal, uma vítima, um assassino, um policial
ou detetive durão e solitário.
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 108


SEÇÃO 4: CINEMA MODERNO,
NEORREALISMO, NOUVELLE
VAGUE

a) Cidadão Kane - o filme ante-


rior ao seu tempo

O filme Cidadão Kane (1941)


foi um conjunto de situações certas que
aconteceram no momento certo, feitas pela
pessoa certa. É uma obra-prima do cinema, é completamente dife-
rente do que se fazia em termos de linguagem cinematográfica na
época e abriu, anos antes, o universo do cinema moderno. Bom,
dito isso, vamos explicar as características técnicas que fizeram esse
filme ser um ícone.
Seu criador, Orson Welles (depois veja os boxes com curiosi-
dades e multimídia sobre ele e o filme), experimentou tudo o que
podia. Ele inovou porque Welles ignorou quase todas as conven-
ções da época para se fazer um filme. Sérgio Augusto, na Folha de
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

S.Paulo, escreveu que o filme é uma “reflexão sobre a corrupção


do  poder, a imprensa sensacionalista, a velhice, a solidão e, aci-
ma de tudo, sobre a América e sua plutocracia” (AUGUSTO, 5 fev
2020 - https://www1.folha.uol.com.br/folha-100-anos/2020/02/ci-
dadao-kane-inventou-o-cinema-moderno-ao-ignorar-convencoes.
shtml?origin=uol).
Mas o que ele fez de tão diferente? Bom, como seu elenco
não tinha experiência com cinema, não usou muito os closes tra-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 109


dicionais, nem a montagem “pingue-pongue” (campo e contra-
campo - que é o corta pra um, depois corta para o outro falando,
depois para o outro etc). Em vez disso, preferiu tomadas lon-
gas, com uma câmera que acompanhasse por mais tempo, ou
seja, menos cortes. Dessa forma, ele favorecia o talento teatral
dos atores, sem que o filme parecesse um teatro filmado. Mas sua
maior inovação foi o uso da profundidade de campo. O que é
isso? Quando você tem todos os personagens de cena em foco
(veja no box Multimídia, os detalhes de como funciona).

Mas calma aí. Ele não inventou isso. Ele assistiu aos filmes
mais criativos dos anos 20 e 30 para tirar essas ideias. Ele viu pro-
fundidade de campo em filmes de John Ford, viu filmes expressio-
nistas. Resolveu usar o que viu de maneira mais inventiva e efetiva.
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Aprendeu como posicionar a câmera para criar as mais diferentes


linguagens (a câmera no chão, por exemplo, pegando os persona-
gens de baixo para cima). Tudo para criar novas emoções, para aju-
dar a caracterizar as personagens sem precisar de diálogo, ou dar
um sentimento específico para uma cena. Em outras palavras: Wel-
les inventou o cinema moderno ao mesmo tempo em que reuniu as
características mais inovadoras do cinema clássico. Veja uma foto
a seguir com um exemplo eloquente da profundidade de campo:

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 110


CURIOSIDADE

Welles foi diretor, corroteirista, ator principal e produtor de


Cidadão Kane. Ele vinha do teatro e do rádio. Era criativo, muito
jovem (25 anos) e já muito famoso. Deram a ele liberdade total
(raro em Hollywood) para fazer Kane. Então, como nunca havia
feito um filme, tudo era novidade e experimentação. Para fazer
a profundidade de campo, usou muita, mas muita luz (o calor era
insuportável no set de filmagens) para conseguir que todos estives-
sem em foco, mesmo em diferentes posições na cena. Isso foi incrí-
vel e renovou a narrativa cinematográfica. Seu filme ajudou a criar
diretores como Kubrick, Scorsese, Woody Allen (quando fez o filme
falso-documentário Zelig). Sim, Cidadão Kane (1941) é um estilo de
falso documentário, porque conta a história de Kane e é narrado e
editado como se fosse assim. Muito diferente para a época. Orson
Welles assistiu ao filme No Tempo das Diligências, de John Ford, umas
39 vezes (segundo o próprio disse), ao longo de um mês. Tudo isso
enquanto filmava Cidadão Kane para se inspirar nas técnicas de fil-
magem usadas por Ford. Concorreu em nove categorias do Oscar,
mas só levou roteiro. A melhor produção ficou com Como Era Verde
o Meu Vale, também de John Ford.

MULTIMÍDIA
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Veja o último filme de Welles (ele não terminou a obra, mas


outros terminaram para ele): O outro lado do vento (2018), que
levou 40 anos para ficar pronto. Mas antes veja o documentário
sobre o filme: Serei amado quando morrer (2018) A plataforma
de streaming Netflix oferece os dois. Atores, equipe e pessoas que
participaram da produção discutem a obra de Orson Welles. Há
muita explicação sobre quem era ele e, evidentemente, falam do
filme Cidadão Kane. Vale muito para entender o gênio genioso.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 111


Outro documentário, mas exclusivamente sobre Ci-
dadão Kane, é A batalha por Cidadão Kane (1996).
Veja um trecho neste link. E entenda por que o fil-
me provocou tantos problemas na vida de Welles.
Além disso, você verá quem era o magnata que o
diretor usou para se inspirar e criar o personagem
de Kane. Sim, existia um Kane de verdade nos EUA.
E ele não gostou nada do filme de Welles. Tanto que fez de tudo
para acabar com a carreira de Orson Welles depois disso. Em parte,
conseguiu. E tem mais: você quer ver um vídeo fácil para entender
profundidade de campo em Cidadão Kane?

b) Cinema moderno - Neorrealismo e Nouvelle Vague

Neorrealismo italiano - O término da Segunda Guerra mos-


trou uma Itália devastada (para piorar, ela perdeu a guerra, já que
se aliou aos alemães). O país vivia a fome, o desemprego e muitos
prédios danificados ou destruídos. Nesse cenário de desolação, não
dava para fazer filmes de fantasia, em que tudo era lindo e maravi-
lhoso. Surgia o Realismo italiano, ou melhor, o Neorrealismo.
Os primeiros cineastas acreditavam que o cinema deveria ser
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

puro e próximo do real. Mesmo que eles tivessem


dinheiro para fazer algo tecnicamente melhor,
preferiam usar a maior simplicidade possí-
vel. Primeiro, começaram a sair para filmar.
Mostraram as cidades, as pessoas comuns e
reais. Na maioria das vezes não usavam ato-
res profissionais, mas as pessoas da própria
localidade. O som era um problema. Por isso,
dublavam depois as falas. Era mais barato fa-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 112


zer assim. As histórias eram do cotidiano.
Por exemplo, um dos maiores filmes de
todos os tempos, Ladrões de Bicicleta
(1948, de Vittorio de Sica), é sobre
um homem que arruma um empre-
go de colocar cartazes, mas precisa
de uma bicicleta. A esposa vende as
roupas de cama para comprar uma.
Mas num dia a bicicleta é roubada. E
a maior parte do filme é o personagem
procurando, ao lado do filho pequeno, a bi-
cicleta, pelas ruas de Roma.
Vittorio De Sica, Luchino Visconti (Ossessione, 1943, ou A
Terra Treme, de 1948) e Roberto Rosselini (Alemanha Ano Zero,
1948, ou Roma, Cidade Aberta, de 1945, mostrando cenas reais
de combate durante a guerra, ou Paisà, de 1946) são os maiores
expoentes desse movimento, que influenciou inúmeros cineastas e
críticos de cinema.

CURIOSIDADE
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

O filme Ossessione (Obsessão, 1943), de Visconti, é considera-


do por alguns estudiosos, a primeiro película neorrealista (e sur-
preendentemente foi aprovado por Mussolini, já que era um filme
antifascista). Já Roma, Cidade Aberta (1945) é o filme que populari-
zou o movimento como tal e é considerado pela maioria dos crí-
ticos como o primeiro. Mas todos os críticos, como sempre, ainda
discutem entre eles qual a data real do início do movimento. No
entanto, para você, isso pouco vai importar. O termo Neorrealismo
foi usado pela primeira vez, por exemplo, em 1942-43. Já havia

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 113


gente fazendo filmes nesse estilo desde então, mas não se perca
em quem foi o primeiro. Deixe essa discussão para os teóricos.

A estética neorrealista contrapunha-se à estética fascista. Seu


período mais produtivo, com cara de movimento mesmo, aconte-
ceu entre 45 e 48. Depois, encontramos filmes neorrealistas nas
décadas seguintes, mas de modo disperso, sem que houvesse um
momento de encerramento do movimento. Na verdade, suas carac-
terísticas estéticas foram absorvidas por vários cineastas do mundo.
E quais são as características?
Não fazer filme em estúdio, mas no local real. Mostrar
a realidade do povo: câmera “na mão”, pessoas reais, ato-
res desconhecidos ou iniciantes, situações reais, histórias e
problemas reais - também por isso a produção do filme não
poderia “ostentar”, ou seja, deveria ter uma cara “caseira”,
como se tivesse sido feita por alguém do povo, sem usar
nenhum apelo técnico. Os conflitos dramáticos deviam ser
intensos, parecia visualmente um documentário, valorizava
a emoção em vez de ideias abstratas, com muitos diálogos
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

improvisados. É isso.

Nouvelle Vague - A Nouvelle Vague foi “um movimento de


juventude, protagonizado por uma geração que começou a escre-
ver e a fazer filmes quase adolescente, com a irresponsabilidade
política dos “vinte e poucos anos”, mas com um raro acúmulo cul-
tural para jovens dessa idade” (MANEVY In: MASCARELLO, 2006,
p. 222-23).

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 114


Esses jovens viram, antes de tudo, muitos filmes clássicos do
cinema americano. E gostaram. Assim como viram, só anos depois
do fim da Segunda Guerra, os primeiros filmes modernos (Cida-
dão Kane, por exemplo, que influenciaria muito essa geração), e os
filmes neorrealistas italianos. Adoraram todos. E resolveram fazer
algo do jeito deles. Radicalizaram a ideia de câmera na mão e o
conceito de filme autoral (controle total do diretor sobre o filme,
ou seja, roteiro, produção e, muitas vezes, edição). Ou seja, foi o
primeiro movimento com um interesse genuíno pela memória do
cinema.
Quem são esses jovens que fundaram a Nouvelle Vague?
François Truffaut e Jean-Luc Godard são os dois principais, mais fa-
mosos e reconhecidos. Há os outros: Claude Chabrol, Eric Rohmer,
Jacques Rivette.

CURIOSIDADE

Quem influenciou os jovens da Nouvelle Vague? Antes de pen-


sar num cineasta americano, pense num historiador. Isso mesmo.
Henri Langlois.
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

O pioneirismo de Langlois se deve, em boa medida,


à curiosidade e ao interesse por todos os gêneros de
filmes. Numa época em que o cinema não tinha o re-
conhecimento artístico que tem hoje mundialmente,
numa época em que governos ainda não assumiam
a missão de preservar sua história, escavadores como
Langlois foram essenciais para garantir a sobrevivência
de diversos clássicos do primeiro cinema.(...)Além dos
“clássicos” consagrados, como Encouraçado Potemkin,

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 115


Langlois militaria em torno de um cinema menos co-
nhecido na época, como o de Grifflth, Murnau e dos
irmãos Lumière, que ganharia então a devida notorie-
dade. (MANEVY In: MASCARELLO, 2006, p. 224)

Se os jovens e futuros cineastas gostavam de fazer filmes de


orçamento baixo, essa escolha muito se deve a Langlois. Ele se-
lecionava diversos filmes com essas características nas sessões de
cineclube que promovia. Então, sim, ele foi um mentor indireto dos
cineastas da Nouvelle Vague.
Outro mentor deles foi André Bazin, crítico de cinema. Ba-
zin foi um dos criadores da revista Cahiers du Cinéma, renomada
e essencial publicação de cinema. Bazin (que era apaixonado por
Chaplin) trouxe os chamados “jovens turcos” para escrever artigos
para a revista. O texto mais famoso foi de Truffaut: Une Certaine
tendance du cinéma française (“Uma certa tendência do cinema
francês”). É um manifesto que explica boa parte do jeito de pensar
o cinema “vagueano” - clique aqui para ver um trecho do artigo.
É muito famosa sua entrevista com o seu ídolo Alfred Hitchcock, a
quem considerava o ideal de cineasta, ou seja, a pessoa que contro-
lava todos os setores da produção de um filme. Hitchcock é um dos
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

maiores gênios do cinema mundial, sua obra vai do cinema mudo


até se consagrar como o mestre do suspense nos anos 50 e 60.
Em várias listas de maiores filmes de todos os tempos sempre têm
dois, três, até quatro filmes seus. Ele não cabe aqui nessa unidade,
é grande demais..

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 116


MULTIMÍDIA

Charles Chaplin, por François


Truffaut:

“Chaplin é o cineasta mais cé-


lebre do mundo (...). Durante anos
que precederam a invenção do cine-
ma falado, pessoas no mundo inteiro,
principalmente escritores e intelectuais,
zombavam e desdenhavam do cinema, no
qual viam apenas uma atração de parque ou
uma arte menor. Toleravam apenas uma exceção, Charlie Chaplin
- e compreendo que isso parecesse odioso a todos aqueles que ti-
nham visto com atenção os filmes de Griffith, Stroheim e Keaton.
Foi a polêmica em torno do tema: o cinema é uma arte? (...) mas o
público fazia de Chaplin, no momento em que terminava a Primei-
ra Guerra Mundial, o homem mais popular do mundo. (...) Quando
Chaplin entrar na Keystone para rodar “filmes de perseguição”,
correrá mais rápido e mais longe que seus colegas do music-hall,
pois embora não fosse o único cineasta a descrever a fome, foi o
único a conhecê-la, e isso é o que iriam perceber os espectadores
do mundo inteiro quando os filmes começaram a circular a partir
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

de 1914”. (prefácio de Truffaut para o livro Charles Chaplin, de An-


dré Bazin, 2000)

O personagem Carlitos (o Vagabundo) é mí-


tico. Para o público da época, Carlitos é um herói,
que chuta a bunda de policiais que não enxergam a
injustiça de um sistema que permite desigualdades

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 117


sociais e miséria. O auge da crítica chegou no brilhante Tempos
Modernos (1936). O último filme mudo de Chaplin, mas já com
elementos sonoros durante a obra e a famosa cena final em que o
Vagabundo canta (ele não fala o filme todo, mas canta, sim, num
idioma misturado, que parece francês e italiano). Veja a cena cli-
cando aqui.
Alguns filmes de destaque: Carlitos repórter
(Making a Living, 1914), O Campeão (1915), O va-
gabundo (1915), O conde (1916), A casa de penho-
res (1916), Carlitos patinador (1916), O imigrante
(1917), Vida de cachorro (1918), O garoto (1921),
Pastor de almas (1923), Em busca do ouro (1925, aqui tem a famo-
sa cena em que ele faz dois pães de pés, dançando), O circo (1928),
Luzes da cidade (1931, ainda mudo, mas um dos mais belos, já em
plena época de filmes sonoros), Tempos modernos (1936,obra-pri-
ma), O grande ditador (1940, político, sério, engraçado, o primei-
ro sem o Vagabundo), Monsieur Verdoux (1947), Luzes da Ribalta
(1952, última grande obra), Um rei em Nova York (1957) e A con-
dessa de Hong Kong (1967).
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Agora falemos das características e filmes da Nouvelle Vague.


O básico é que o filme tenha a sua cara. Por isso, embora tenham
estéticas parecidas, os filmes de Truffaut e Godard tinham mensa-
gens, interesses e visões política diferentes (mesmo assim já traba-
lharam juntos em filmes ou curtas). O que era igual? A desconti-
nuidade, o uso do acaso e da realidade documental (como
no neorrealismo) e a valorização da montagem (como nos
filmes russos).

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 118


Truffaut e Godard buscavam atacar duas coisas: tudo o que
era produzido na França (salvo raras exceções) e ainda usavam o
cinema americano para buscar “filmes de autores”, como Cidadão
Kane, ou qualquer outro que escapasse do sistema industrial. Por
isso a noção de estilo era muito importante para a Nouvelle Vague
(MANEVY In: Mascarello, 2006). O meio técnico para o diretor do-
minar o filme e imprimir sua cara nele deveria ser a chamada mi-
se-en-scène (que no cinema industrial tem o diretor de arte como
responsável direto). Ou seja, se a câmera tradicional mostra dois
objetos, a câmera da nouvelle vague força a pessoa a olhar para o
que há entre os objetos. Se quem assiste espera um corte de uma
cena para outra, o vagueano corta antes, ou depois, ou não corta.
Um som pode ser interrompido do nada, ou pode começar antes
que acabe a cena anterior. Em outras palavras: pode haver fusão
do som da próxima cena com a imagem da cena anterior. Confu-
so? Às vezes parecia mesmo. Mas era tudo muito bem pensado. Le
Beau Serge (1958), de Chabrol, foi considerado o primeiro filme da
Nouvelle Vague.
Sugestão: faça um exercício. Veja trechos de filmes e anote
as coisas diferentes ou estranhas que você reparou. Anote tudo: a
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

encenação (dos objetos e direção de arte), a interpretação das per-


sonagens, os ângulos de câmera, os cortes, o trabalho como som,
trilhas, ritmo da narrativa etc. Depois, veja pelo menos um deles e
tente comparar com uma narrativa tradicional, clássica (pegue o
filme Cantando na Chuva, ou algum com uma história “quadradi-
nha” e veja as diferenças na condução da história).

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 119


MULTIMÍDIA

Quer entender melhor características vagueanas? Recomendo


que assista a trechos dos filmes a seguir (depois, quando puder,
veja alguns deles inteiros):
Os incompreendidos (Truffaut, 1959), Hiroshima, meu amor
(1959, Alain Resnais), Jules et Jim (Uma mulher para dois, 1962), O Des-
prezo (Godard, 1963), Acossado (Godard, 1960), Vivre sa vie (Godard,
Viver a vida, 1962). Veja aqui trecho de Acossado. Veja trecho de
Os Incompreendidos. E aqui veja trecho de Hiroshima, meu amor.
E veja trechos também de Le Beau Serge, de Chabrol e de Jules et
Jim, de Truffaut.

Curiosidade - Hitchcock e seus filmes

Alfred Hitchcock (1889-1980).


Pequena lista de alguns dos grandes e inovadores filmes de Hitch-
cock (a partir de seu trabalho em Hollywood):
Rebecca (1940, único dele a ganhar um Oscar de melhor filme)
Um barco e nove destinos (1944)
Spellbound - Quando fala o coração (1945)
Interlúdio (1946)
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Festim diabólico (1948, brincou com um filme quase sem cortes)


Pacto sinistro (1951, um dos favoritos do diretor)
Janela Indiscreta (1954, metalinguístico)
Ladrão de Casaca (1955)
O homem que sabia demais (1956, refilmado da obra dele mes-
mo, de 1934)
Um corpo que cai (1958, influenciou roteiristas e diretores, é um
filme noir em que o mistério é revelado no meio do filme), Psicose

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 120


(1960, entrou no terror e criou uma das cenas mais icônicas da
história do audiovisual),
Os pássaros (1963, inovou nos efeitos especiais — embora hoje
pareçam meio toscos — e criou outra obra-prima... o áudio dá ago-
nia em algumas cenas). VEJA MAIS NO PODCAST desta unidade.

Agora é a sua vez

5 - Atividade de autoavaliação: Qual a relação entre Neorrea-


lismo e Nouvelle Vague? O que ambos têm em comum? E o que os
diferencia? Escolha um filme-exemplo de cada e faça uma análise
de como as cenas são filmadas (montagem, ritmo, narrativa, perso-
nagens). Considere os filmes dentro período em que existiram, em
cada país.

5 - Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoavaliação:


Filmes neorrealistas e da nouvelle vague têm em comum o fato de
que buscam retratar a realidade sem gastar quase nada em pro-
dução. Ambos os estilos dão valor filmes autorais, ou seja, com
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

domínio do diretor no roteiro e na produção. E os cineastas fran-


ceses se inspiraram nos filmes italianos para criar a nouvelle vague.
Bom, de diferente é que o neorrealismo busca o amadorismo como
estilo (atores desconhecidos ou que não são atores, são gente lo-
cal mesmo). Retratam uma situação específica: a realidade da Itália
pós-guerra. Na nouvelle vague os assuntos são mais variados. E o
objetivo é quebrar os padrões de montagem, de cortes e de narrati-
va. No neorrealismo há quase um naturalismo na maneira de filmar.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 121


Na nouvelle vague os filmes brincam com os elementos fílmicos
(som, cortes, enquadramentos, edição, ângulos escolhidos) numa
tentativa de quebrar expectativas.
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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 122


SEÇÃO 5: CINEMA MODERNO
- CINEMA INDEPENDENTE
AMERICANO E CINEMA
NOVO ALEMÃO

a) Cinema independente
americano. Primeiro, surgiu como
uma reação ao chamado cinema de estú-
dio. Ou, o cinema criador de ilusões. Depois,
o termo cinema independente surgiu nos EUA para expressar li-
berdades estilísticas, algo que o cinema de mercado, ou industrial,
não permitia. Para tanto, o esse cinema tinha de ser mais autoral,
mesmo que estivesse atrelado a um estúdio. Maya Deren fez o
filme Meshes of an Afternoon (1943). Ela criou o marco para
o cinema de vanguarda e moderno. Duvida? Então veja o filme,
mas veja mesmo. Você sentirá o que é filme experimental e inde-
pendente americano nos anos 40 - antes de Cidadão Kane - assis-
tindo o filme de Maya Deren).
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Com tecnologias mais baratas e acessíveis, e com muito expe-


rimentalismo, Deren rompeu os conceitos clássicos de montagem,
de ritmo e de som. Ela queria que o cinema fosse uma experiência

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 123


sensorial. Seu filme Meshes of an Afternoon, um curta-metragem
feito em 16 mm, é assim. Ela é a “mãe” do cinema independente
americano. Mas por que ela não aparece na lista dos historiadores
como a primeira? Se os europeus tivessem visto e apreciado talvez
a história fosse diferente.
Deren - sua importância - foi meio
que ignorada e os críticos também têm cul-
pa. Então, quem foi escolhido como o “pri-
meirão” do cinema independente america-
no? John Cassavetes. Ele foi, portanto, o
“pai”. Mas, não, não há dúvidas de que ele
foi importante. O filme Sombras (1959), foi
rodado com uma câmera de mão 16mm,
nas ruas de Nova Iorque. Os diálogos eram
improvisados. A equipe era de colegas de
classe ou voluntários. O jazz trilha a discus-
são sobre alienação e emoções da geração
Beat (Jack Kerouac cunhou a expressão Beat Generation em 1948,
que caracterizava um movimento de jovens de Nova Iorque incon-
formados com o sistema). Quem valorizou esse tipo de filme? Os
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

europeus, principalmente os franceses da Nouvelle Vague, embora


tenham ignorado o filme de Deren.
O cinema independente americano teve al-
guns poucos destaques nas décadas de 40, 50 e
60. No final dos anos 60 tivemos o filme Sem Desti-
no, de Dennis Hopper, sobre motoqueiros viajando
pelas estradas americanas. Eram filmes da contra-
cultura, ou de filosofia hippie. Ou o terror psicológi-
co de Roman Polanski (O bebê de Rosemary, de 1968).

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 124


Já Alfred Hitchcock foge a qualquer
classificação. É um gênio atemporal,
que fez filmes mudos, clássicos, de
comédia, noir, modernos e quase
sempre tentou experimentar, seja
no som, na montagem (o filme que
quase não tem cortes, Festim Dia-
bólico, de 48, é exemplo), ou na nar-
rativa (Um corpo que cai, de 1958, é
considerado um dos maiores de todos os
tempos). Enfim, Hitchcock é um capítulo à
parte. Janela Indiscreta (1954), Os pássaros (1963), Psicose (1960),
Um barco e nove destinos (1944), são alguns dos maiores clássicos
do mestre do suspense, que nunca deixou de fazer filmes autorais
e de experimentar formas para contar histórias. Não à toa, Truffaut
era apaixonado pelo cineasta inglês.

CURIOSIDADE

Na década de 70, o cinema independente ganhou mais adep-


tos, inclusive com o próprio Cassavetes (que criou três obras-primas:
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Uma Mulher sob Influência, de 1974, A Morte de um Apostador Chinês,


de 1976 e Noite de Estreia, de 1977). Outros cineastas surgiram como
independentes (mesmo fazendo filmes para estúdios no meio do
processo: Steven Spielberg, George Lucas, Brian De Palma, Martin
Scorsese, David Lynch, Jim Jarmuch, Robert Altman).
Havia uma outra linha de filmes independentes, de baixíssi-
mo orçamento, qualidade duvidosa, e geralmente contavam his-
tórias de terror. Também eram chamados de filmes B, como todos
os filmes de Ed Wood (por exemplo, Plano 9 do Espaço Sideral,

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 125


de 1959). Na mesma linha de qualidade técnica baixa, mas com
algum conteúdo inovador, havia outros filmes que ganharam ares
de “cult”, porque, como diz o nome, eram cultuados por cinéfilos,
como A Noite dos Mortos-Vivos (1968), de George A. Romero, um
clássico do gênero terror e do subgênero zumbi.

b) Cinema Novo alemão.


Laura L. Cánepa avaliou o Cinema Novo alemão da seguinte
forma:

Dentre os “cinemas novos” que surgiram na década de


1960, o Cinema Novo alemão foi um dos que mais des-
pertou a curiosidade internacional, pois o país, dividido
após 1945 e traumatizado com o comprometimento
político de seus cineastas durante o período nazista,
demorou mais que seus ex-aliados para dar uma res-
posta cinematográfica significativa ao momento his-
tórico do pós-guerra. (CÁNEPA, In: Mascarello, 2006,
p.311).

Um pouco de contexto histórico - Cánepa também afirma


que entre os “novos cineastas alemães” estavam Rainer Werner
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

Fassbinder, Alexander Kluge, Werner Herzog e Wim Wenders.


Na década de 50, o cinema alemão do pós-guerra era incipiente em
termos de renovação ou criatividade. Tampouco tinha o costume
de refletir a derrota na guerra ou os problemas provocados pelo
regime nazista. A maioria dos filmes eram de exaltação a aspectos
da pátria. Algumas exceções tentaram debater questões relativas à
guerra e à história recente do país, mas a repercussão interna foi
insuficiente para dar origem a um movimento cinematográfico de

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 126


maior fôlego (CÁNEPA, In: Mascarello 2006). Mas em fevereiro de
1962 tudo mudou. Durante o Festival Nacional de Curtas-Metra-
gens de Oberhausen, um grupo de 26 cineastas publicou o mani-
festo que marcou uma reação coletiva. Aqui vai o trecho final:

Declaramos que nossa ambição é criar o novo filme


de longa-metragem alemão. Esse novo filme exige li-
berdade. Liberdade das convenções da realização ci-
nematográfica. Liberdade das influências comerciais.
Liberdade da dominação do interesse de grupos. Nós
temos ideias intelectuais, estruturais e econômicas rea-
listas sobre a produção do Cinema Novo alemão. Nós
estamos prontos a correr os riscos econômicos. O velho
cinema está morto. Nós acreditamos no novo cinema.
(OBERHAUSEN, 28 de fevereiro de 1962).

Viu a data do manifesto? Não se esqueça que o Muro de


Berlim foi erguido no ano anterior, em agosto. Muita coisa estava
acontecendo na Alemanha e o cinema precisava refletir essas mu-
danças.
Características e filmes - Na primeira fase,
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

que chamaremos “o jovem cinema alemão”, o pri-


meiro filme produzido foi Despedida de ontem, ou
Saudades de ontem (Yesterday Girl, 1966, de Klu-
ge). Teve também O jovem Tõrless (1966), de Vol-
ker Schlõndorff. O que esses dois filmes têm em
comum é a tentativa de tocar no assunto judeus/nazismo. Os filmes
eram todos formalmente diferentes e passeavam por estilos que
eram encontrados na Nouvelle Vague e até no cinema clássico, ha-
via um tom de acusação, como se apontassem o dedo para a pla-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 127


teia, dizendo: a culpa por estarmos nessa situação
é de vocês. Muitas adaptações literárias também
entraram na pauta dos jovens cineastas alemães.
Mas havia espaço para experimentalismo. Como
Eika Katappa (Werner Schroeter, 1969), Crônica
de Ana Magdalena Bach (Straub, 1968), Fata
Morgana (Herzog, 1971) e A criança da lata de lixo (Edgar Reitz
e Ula Stõckl, 1971).

CURIOSIDADE: MAIS CINEMA NOVO ALEMÃO

Veja um trecho de Despedida de ontem (com legendas em


italiano) aqui. É a história de uma jovem judia que se muda da
Alemanha Oriental para a Ocidental nos anos 50. A frase de aber-
tura do filme é: “Nenhum abismo nos separa do passado, apenas
a mudança da situação”. O filme de Kluge é aberto, com comentá-
rios em voice-over, intertítulos, cenas documentais e justaposição de
fotos e textos (CÁNEPA, In: Mascarello 2006). Em 1969, Peter Fleis-
chmann dirigiu Cenas de caça na Baixa Baviera, sobre um jovem
homossexual perseguido por uma comunidade rural. Fassbinder
dirigiu e protagonizou, em 1969, O machão, tratando do ambien-
te hostil encontrado por um operário grego na periferia de uma
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

cidade alemã. E em 71, A súbita riqueza dos pobres de Kombach,


de Margarethe von Trotta e Schlõndorff, foi marcante: baseado
numa história real, acontecida em 1825. Uma comunidade pobre
do interior rouba o dinheiro dos impostos, mas, como sua riqueza
começa a provocar suspeitas, segue-se uma trajetória de suicídios e
execuções no lugarejo. Temos ainda Eika Katappa (Werner Schroe-
ter, 1969), que misturava cinema e ópera numa série de paródias de
obras famosas. Ou Crônica de Ana Magdalena Bach (Straub, 1968).
Fata Morgana (Herzog, 1971), documentário não-narrativo com ce-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 128


nas filmadas no deserto do Saara; e A criança da lata de lixo (Edgar
Reitz e Ula Stõckl, 1971), fantasia sobre uma mulher revolucionária
que nasce numa lata de lixo (CÁNEPA, In: Mascarello, 2006). Os fil-
mes de gênero americano também passearam na Alemanha (Wes-
tern, filmes de gangsters, noir).

c) Segunda fase do Cinema Novo alemão - Durante a


década de 70, o Cinema Alemão amadureceu, graças a parcerias
com a TV. O medo do goleiro diante do pênalti (1972), de Win
Wenders, foi o primeiro a chamar a atenção. Seu estilo, realista e
contemplativo, já aparecia aí. O mercador das quatro estações
(1972), de Fassbinder, trouxe algumas características que acom-
panhariam o diretor: luz irrealista, a estilização da decoração, o
exagero da trilha e do gestual, por exemplo. A morte de Maria
Malibran (1972), de Werner Schroeter, é uma atualização do estilo
expressionista alemão dos anos 20, com muitas imagens fortes.
Já em 1974, uma das primeiras parcerias com a TV daria ori-
gem a um dos filmes mais festejados do que passaria a ser co-
nhecido como Cinema Novo alemão: O enigma de Kaspar Hauser,
de Herzog, distribuído nos EUA por Francis Ford Coppola. O filme
contava a história real de um rapaz de origem supostamente nobre,
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

abandonado em Nuremberg em 1829, que passara toda sua curta


vida confinado num porão (CÁNEPA, In: Mascarello, 2006, p. 322).
A lista é longa e vale a pena ver o que Herzog e Syberberg
fizeram nessa década. Dê uma olhada na lista de fil-
mes deles, e em Wenders. Muitos desses diretores
avançaram para os anos 80 e 90. Para fechar: por
que esses filmes são considerados autorais ou
independentes? Por que os diretores tinham liber-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 129


dade. E de onde vinha essa liberdade? Do complexo e eficiente
sistema de subsídio do governo alemão, que dava o dinheiro e não
incomodava os cineastas sobre o que filmavam. E assim grandes
filmes foram feitos.

Agora é a sua vez

6 - Atividade de autoavaliação: escolha um filme do Cinema


Novo alemão ou do Cinema Independente americano. Assista e ex-
plique as características do filme (como é a montagem, os cenários,
a locação — estúdio ou aberto — personagens, ritmo, enquadra-
mento, som e a forma de contar a história). Faça rascunhos, capri-
che no texto. Assista a um dos filmes citados na unidade.

6 - Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoavaliação:


essa resposta depende muito do filme que o estudante escolher
para analisar. O que ele precisa saber é quais são as principais ca-
racterísticas do cinema independente americano e do cinema novo
alemão. Daí, se ele escolher um filme de um movimento ou de ou-
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

tro, deve procurar essas características no filme. E, também, deve


indicar que outras características a mais ele observou no filme que
viu. O objetivo é confrontar o que estudou e perceber que os fil-
mes nem sempre se enquadram 100% em classificações históricas
e estilísticas.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 130


RECAPITULANDO

E rolam as experiências! Você viu: a indústria se formou, criou


padrões, saiu do cinema de atrações para o de transição, para em
seguida nascer a montagem e sua maneira de contar histórias. Vie-
ram os filmes falados e as narrativas se expandiram, começando
as experimentações vanguardistas: o grotesco do Expressionismo,
o rebuscamento do Impressionismo, com os russos dizendo que
a montagem podia contar histórias; viu ainda os sonhos revela-
dos no cinema surrealista, ou como surgiram gêneros: o heróico
western e o sombrio noir; as experimentações continuaram com
Cidadão Kane e seu o cinema moderno, com seus efeitos na Itália
(Neorrealismo), na França (Nouvelle Vague), na Alemanha (Cinema
Novo alemão). Também viu a importância de gênios como Charles
Chaplin e Alfred Hitchcock. Então é isso. Até a próxima Unidade!
Lá falaremos do Cinema Brasileiro. Espero vocês lá!
UNIDADE 2 – Das Vanguardas ao Cinema Moderno

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 131


UNIDADE

3
CINEMA BRASILEIRO:
ORIGENS ATÉ A RETOMADA

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132
OBJETIVOS ESPECÍFICOS DA UNIDADE 3

Ao longo deste Unidade você irá:

• compreender a importância das origens do cinema na-


cional em paralelo às origens do cinema no mundo;
• relacionar as mudanças estilísticas sofridas nas primeiras
décadas de produção nacional com sua evolução como
indústria no momento em que surgiram a Atlântida e a
Vera Cruz;
• comparar as técnicas narrativas utilizadas pela indústria
nacional antes e durante o Cinema Novo;
• analisar as características mais marcantes do movimento
Cinema Novo e seu legado para o cinema brasileiro;
• reconhecer os fatos que levaram ao início e à decadência
da pornochanchada, assim como compreender as trans-
formações sofridas pela indústria nacional de cinema que
levaram a sua decadência e posterior Retomada.
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 133


INTRODUÇÃO DA UNIDADE 3

Caro(a) Aluno(a), seja bem-vindo(a)! Esta é a Unidade III - Ci-


nema Brasileiro: origens até a Retomada. Nela, você vai identificar
as origens do cinema nacional, a produção de filmes nas primeiras
décadas até os anos 1940. A partir daí, surgem a Atlântida e de-
pois a Vera Cruz. Foram grandes estúdios que produziram muitos
filmes populares, especialmente as chamadas chanchadas. Você vai
entender o que foram e por que faziam tanto sucesso nos anos 40
e 50. O nosso cinema também foi influenciado pelos modernismos
e vanguardismos vindos da Europa. Por isso mesmo você entenderá
o surgimento do Cinema Novo, suas ideias e ideais, e conhece-
rá os principais filmes do movimento. Quando a ditadura militar
começou a pegar mais pesado na censura dos filmes brasileiros
mais críticos, surgiram outras produções, de cunho mais popular e
apelativo. Foram as pornochanchadas. Elas também sofriam com a
censura, mas principalmente por causa das cenas eróticas. Mesmo
assim, muita coisa passava e o cinema nacional foi vivendo de fil-
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

mes de comédia erótica ou de filmes infantis, como do grupo Os


Trapalhões. Enfim, nos anos 1980, com a chegada do videocassete
e de produções pornográficas mais baratas vindas dos EUA, a por-
nochanchada começou sua decadência. A falta de leis de incentivo,
ou de investimento governamental em audiovisual, como existia na
Alemanha dos anos 70, fez a produção de filmes nacionais despen-
car. Mas em meados dos anos 1990 as coisas mudaram. E nesta
Unidade você vai descobrir o que houve. Então, tudo isso ficará
mais claro após o fim da nossa terceira unidade. É isso.
Divirta-se e bons estudos!

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 134


SEÇÃO 1: PRIMÓRDIOS

O cinema brasileiro existia des-


de a época dos primeiros filmes do
mundo. É verdade. Em 1897, se-
gundo Vicente de Paula Araújo, o
médico José Roberto da Cunha Sa-
les teria sido a primeira pessoa a exibir
imagens em movimento em solo brasi-
leiro (SILVA JÚNIOR, 2016).
Então, quando nasceu o cinema por aqui?
Bom, difícil dizer, porque depende dos critérios usados para definir
isso. Para Sadoul, “o nascimento do cinema é uma representação
pública e paga, ou seja, o filme na tela diante de espectadores que
pagaram (...). Enquanto para os brasileiros, o nascimento do cine-
ma é uma filmagem” (BERNARDET, 2008, p. 25).
Desse modo, temos o seguinte. Jean Claude Bernardet (2008)
afirma que o cinema brasileiro nasceu nas águas da baía da Guana-
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

bara, em 1898, pelas mãos de Afonso Segreto. Os irmãos italianos


Paschoal e Affonso Segreto podem ser considerados
os primeiros cineastas do país, já que realiza-
ram gravações da Baía de Guanabara em 19
de junho de 1898. Mas mesmo não existin-
do registro desse material, a data é consi-
derada, até hoje, o Dia do Cinema Brasi-
leiro. A partir de 1900 surgiram pontos de
produção de filmes em diversos lugares do
país. Depois de 1907, já começava a haver um

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 135


mercado exibidor de filmes no Brasil. Mas muitas salas não tinham
eletricidade.
Entre os filmes mais importantes da época estão: Os Capadó-
cios da Cidade Nova (1908), A Viúva Alegre (1909), A Gueixa
(1909) e Sonho de Valsa (1910). É em 1908, que surge no Brasil, o
chamado cinema falante, ou seja, um cinema que apresentava um
sistema de fonógrafos sincronizados com o cinematógrafo, dando
a “impressão” de uma imagem em movimento e ao mesmo tempo
sonora (SILVA JÚNIOR, 2016, p. 2).
Os primeiros filmes feitos no país foram, na maioria, documen-
tais. O curta Os Estranguladores (1908), de Francisco Marzullo e
Antônio Leal, é considerada a primeira obra de ficção do Brasil. Já
o primeiro longa foi O Crime dos Banhados (1914), dirigido por
Francisco Santos. Já a partir de 1912 o cinema nacional começava
a enfrentar uma crise por causa da expansão do cinema francês e
americano. Não conseguia competir em tecnologia e nem podia
pagar por ela. Por isso, nesse mesmo ano, somente um filme foi
produzido, segundo Bernadet (SILVA JUNIOR, 2016). Foi o fim da
“bela época” do nosso cinema.
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

Durante a Primeira Guerra (1914-18), o cinema europeu pa-


rou de chegar aqui. E o de Hollywood invadiu
nossas salas (e não pagavam taxas), o que
atrapalhou o desenvolvimento de mais fil-
mes nacionais. Uma curiosidade. Havia, na
época, os chamados filmes “cantados”:
neles os atores dublavam a si mesmos por
trás da tela. Fazia um baita sucesso.
Na década de 1930 foi criado o pri-
meiro grande estúdio do Brasil: a Cinédia.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 136


Os filmes mais relevantes foram  Limite  (1930-31), de Mario Pei-
xoto (veja box sobre ele), A Voz do Carnaval (1933), de Ademar
Gonzaga e Humberto Mauro, e Ganga Bruta (1933) de Humberto
Mauro.
Este último é um dos pioneiros do cinema brasileiro. Fez vá-
rios curtas e um deles, A velha a fiar (1964), é considerado um
dos primeiros videoclipes do mundo. Humberto Mauro levou anos
para concluir a edição desse clipe. Usou várias técnicas, misturando
filmagens de seres vivos, com animais de plástico e técnicas como
a do stop motion.
A maioria dos filmes (longas) de Humberto
Mauro são da década de 30. Esta foi também a
época em que se propagou no país o cinema sono-
ro, cujo filme nacional pioneiro foi a comédia Aca-
baram-se os Otários (1929), de Luiz de Barros.
Ganga Bruta mostrou sinais de Expressionismo e
montagem russa e outras técnicas inovadoras e modernas para a
época. Por isso, os cineastas do Cinema Novo se apaixonaram por
esse filme de Humberto Mauro (que foi um fracasso nos cinemas
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

da época).

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 137


Vale lembrar que ao final da Primeira Guerra Mundial, 90%
das salas de cinema só passavam filmes americanos. Uma alterna-
tiva que surgiu para o cinema nacional foi produzir documentários
e cinejornais, para exibi-los antes dos filmes de Hollywood. Com
temática voltada para os problemas do país, os cinejornais e docu-
mentários ajudaram a sustentar a incipiente produção de filmes de
ficção também.

Curiosidade

Bom, o filme Acabaram-se os Otários era apresentado como


“um filme brasileiro cantado e falado em português, electro-gra-
vado magistralmente em disco sem chiado”. Ele é resultado de
uma aposta que o diretor Luiz de Barros foi obrigado a pagar. Lulu,
como era conhecido no meio artístico, apostou que conseguiria
fazer o primeiro filme falado brasileiro. E conseguiu. De maneira
bem precária, mas eficiente. Com a estreia do filme, foi decretado
o fim do cinema mudo no Brasil. O filme brasileiro estreou em me-
nos de dois anos após o americano Jazz Singer (1927). O Brasil saiu
na frente de Itália (1930), Japão (1931), Argentina (1933), México
(1931) e Índia (1931). O áudio do filme não existe mais.
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

- Sobre o filme Limite (produzido em 1930, mas exibido so-


mente em 1931), de Mário Peixoto, Georges Sadoul (1963) diz
que é uma obra-prima do cinema nacional e marca o fim do que
ele chama de “era silenciosa” do nosso cinema. Ou seja, a época
em que nossos filmes viviam à sombra de Hollywood e pouca coisa
boa tinha chance de se exibir. Peixoto marcou seu nome na história
por ter escrito um grande roteiro, original, e dirigido este que foi

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 138


seu único filme. Limite nasceu vanguardista, um clássico para mui-
tos críticos. O filme teve fotografia de Edgar Brasil, que se firmou
como o maior cinegrafista do Brasil (SADOUL, 1963, p. 499). Mario
Peixoto tinha apenas vinte anos na época de Limite. Seu sucesso
(de crítica) foi tão grande que foi elogiado por Eisenstein e até por
Orson Welles, ou David Bowie. Seu roteiro era original e se baseava
em três histórias: em um pequeno barco à deriva, duas mulheres e
um homem relembram seu passado recente. Uma das mulheres es-
capou da prisão; a outra estava desesperada; e o homem tinha per-
dido sua amante. Cansados, eles param de remar e se conformam
com a morte, relembrando (através de flashbacks) as situações de
seu passado. Eles não têm mais força ou desejo de viver e atingiram
o limite de suas existências (veja mais em Multimídia). Essas e
outras informações estão no trabalho de Silva Júnior de 2016: Ci-
nema Brasileiro, primeiros anos: origens e história:
http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/
encontros-regionais/sul/6o-encontro-2016/histo-
ria-da-midia-audiovisual-e-visual/cinema-brasileiro-
-primeiros-anos-origens-e-historia/view)
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

Multimídia

- O primeiro filme sonoro brasileiro e o clássico Limite


O que você vai ouvir no link abaixo, do filme Acabaram-se
os Otários, foi acrescentado depois. O processo para colocar som
era feito através da gravação das falas e das músicas por meio de
discos, e depois, na exibição do filme, era feita a sincronização de
imagem e som. O sistema foi uma invenção do próprio diretor, Luiz
de Barros. (Fonte: Canal Memória). Veja - e infelizmente só veja aí
- trechos de Acabaram-se os Otários. Já no universo do cinema so-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 139


noro, é interessante você conhecer o videoclipe (um dos primeiros
do mundo) feito por Humberto Mauro clicando aqui. E o aclamado
filme Limite tem um link aqui para você ver e descobrir por que o
compositor e cantor, já falecido, David Bowie, considerava Limite
um de seus dez filmes preferidos no mundo e porque esse filme é
considerado pela ABRACCINE o melhor já feito no Brasil.

Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação 1: Francisco Santos, diretor de O


Crime dos Banhados (1914), também dirigiu Os Óculos do Vovô
(1913). Nesse filme mudo brasileiro conta-se a história de um meni-
no “traquinas”, que pinta as lentes dos óculos de seu avô enquan-
to ele dorme. O homem, ao acordar, pensa ter ficado cego, cha-
mando o médico depois. Pois bem. Assista a esse curta, clicando
aqui, para fazer a atividade. O exercício é analisar como o filme foi
feito, suas técnicas. Você deverá descrever (não precisa usar termos
técnicos, faça com seu vocabulário) como as cenas foram monta-
das. Exemplo: Os cenários filmados foram dentro de uma casa, (em
que cômodos?), do lado de fora da casa (onde, em um ou dois am-
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

bientes?), uma tomada da calçada e da rua (a posição da câmara


mostra o quê?), na entrada da casa, e dentro da sala de trabalho
de um médico. Como é a câmera? Fixa, móvel? Existe montagem,
ou uma sequência lógica das cenas? Elas compõe uma história?
Você descreveria o curta como ficção ou documentário? Por quê?
Qual distância a câmera fica das personagens (tipo: mostra o cená-
rio todo e o corpo inteiro das personagens, ou mostra somente da
cintura pra cima etc)? Esse distanciamento muda alguma vez ou se
mantém igual? O roteiro ficou claro pra você? A maneira como as
cenas foram montadas deixou claro o que é a história, já descrita

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 140


acima? Espero que estas perguntas ajudem na montagem de sua
descrição do filme.

Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoava-


liação 1: veja bem, no filme Os óculos do Vovô, a câmera é fixa o
tempo todo. Ela foi colocada no corredor da casa, entre a saída da
casa para a escada que leva ao jardim. Depois foi colocada no jar-
dim. Em seguida, num ponto que mostra a mesa e o vovô sentado
numa cadeira, no jardim. A câmera também foi posta na sala, mos-
trando uma mesa e um sofá. Nele, aparentemente temos alguém
dormindo lá, mas não ficou claro quem é. A câmera foi colocada na
sala do médico, mostrando ele trabalhando e atendendo o telefo-
ne. E há uma câmera posta num ângulo em diagonal, mostrando a
rua, à esquerda, a calçada, à direita, com o pai do menino esperan-
do o doutor chegar. Quando ele chega, toda a sequência acontece
da esquerda para a direita, e quando estão no jardim, acontece do
fundo para frente, até onde está o vovô. Essa câmera fixa mantém
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

a mesma distância em quase todas as cenas. Uma distância que


mostra todo o cenário e as personagens de corpo inteiro. Há uma
exceção. Quando o pai do garoto liga para o médico. A câmera
mostra o personagem do joelho pra cima. É preciso considerar que
o filme provavelmente não está completo, portanto, a sequência
do seu enredo pode ter sido prejudicada. Do jeito que está é difícil
perceber quando o garoto pintou os óculos do vovô, deixando ela
acreditar que estava com problemas de vista. E também não fica
claro que o médico viu o óculos pintado. É isso. O objetivo é que o
aluno perceba que essas características narrativas eram típicas da

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 141


época, e que quase todos os filmes brasileiros tinham esse jeito de
contar histórias, fazendo parte do período que chamamos de cine-
ma de transição (explicado na Unidade 1).
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 142


SEÇÃO 2: CHANCHADAS, VERA
CRUZ, ATLÂNTIDA

Na década de 40 surgem no
Brasil as “chanchadas”, filmes
cômico-musicais de baixo or-
çamento. O estilo aconteceu na
mesma época em que foi fundada a
companhia de cinema Atlântida Cinema-
tográfica (18 de setembro de 1941) no Rio
de Janeiro. Quem fundou? Moacyr Fenelon e José Carlos Burle. Os
principais artistas da Atlântida eram os geniais Oscarito e Grande
Otelo, além de Anselmo Duarte. Destaques do início da Atlânti-
da: Moleque Tião, de Burle (1943) e Gente Honesta, de Fenelon
(1944).
Foram 66 filmes produzidos em 21 anos. Entre 1943 a 1947,
a Atlântida se consolidou como a maior produtora brasileira: nesse
período foram produzidos 12 filmes, como Tristezas Não Pagam
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

Dívidas, de José Carlos Burle, de 1944: foi neste último que Oscarito
e Grande Otelo atuaram juntos pela primeira vez.
Os filmes Não Adianta Chorar (1945),
de Watson Macedo, Segura Essa Mulher
(1946), de Burle, e Este Mundo é um
Pandeiro (1947), também de Macedo,
fundaram o padrão das chanchadas: a pa-
ródia à cultura estrangeira, em especial
ao cinema feito em Hollywood, aliada à
preocupação em expor as mazelas da vida

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 143


pública e social do país. A chanchada era
a marca registrada da empresa e durante
toda a década de 50 usou e abusou do
estilo. Em 1962, a Atlântida produziu
seu último filme, Os apavorados,
de Ismar Porto. A chanchada imi-
tava o modelo hollywoodiano, mas
tinha uma brasilidade clara: coloca-
va em destaque problemas do país,
mostrava elementos do circo, do Car-
naval, do rádio e do teatro. Somente nos
anos 70 esse gênero foi reconhecido pela crítica, que começou a ver
qualidade nas chanchadas, principalmente nos enredos.

Sobre a Vera Cruz

Diz Laura Aidar: “Em 1949 foi criado o estúdio Vera Cruz,
baseado nos moldes do cinema americano, em que os produtores
buscavam realizar produções mais sofisticadas. Mazzaropi foi o ar-
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

tista de maior sucesso do estúdio” (AIDAR, 2020). A Vera Cruz foi


um marco na industrialização do cinema nacional. O Cangaceiro
(1953), de Lima Barreto, por exemplo, conquistou o prêmio de me-
lhor filme de aventura e melhor trilha no festival de Cannes. E foi
produzido na Vera Cruz.
Em 1954, quando a Vera Cruz faliu, surgiu
o primeiro filme brasileiro em cores:  Destino em
Apuros, de Ernesto Remani (AIDAR, 2020). Os ar-
tistas da Vera Cruz foram absorvidos pela TV Tupi,
criada em 1950.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 144


Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação 2: Assista à primeira parte (30 mi-


nutos) de É com esse que eu vou (1948), filme de José Carlos
Burle, com Oscarito e Grande Otelo, clicando nesse link. Anote as
características da chanchada que você encontrar no filme. Escreva
um texto explicando quais são as características da chanchada e
onde você as encontrou no filme.
Em seguida, compare os textos que você escreveu com o Re-
ferencial de resposta abaixo e veja se você acertou a questão.

Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoava-


liação 2: No filme É com esse que eu vou temos todos os elemen-
tos da chanchada. A música brasileira, sempre animada, pra cima,
logo na abertura. O filme é em tom de comédia, não à toa Oscarito
é o protagonista (ele era o maior comediante brasileiro). O filme
abre com um letreiro contando uma história americana, de caça ao
ouro, algo tipo Western, lá do século XVIII. E depois, de repente, o
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

letreiro fala que o filme vai rolar no Rio de Janeiro e não tem nada
com esses problemas americanos. Essa é uma característica mar-
cante da chanchada: a paródia do cinema americano. A própria tri-
lha do filme que tocava no letreiro era típica do western americano
e, depois, começa a tocar uma trilha nacional. O enredo é sobre gê-
meos. Um é rico (Osmar) e outro é malandro e pobre (Oscar). Você
já imagina as confusões que isso vai dar. A namorada de Oscar (o
pobre), vê uma foto de Osmar (o rico) e ela passa a achar que ele
é rico. O filme é interrompido, muitas vezes, por números musicais

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 145


com grandes canções nacionais. Outra característica recorrente das
chanchadas aparece nesse filme. As temáticas do cotidiano bra-
sileiro. No caso, o malandro que não quer trabalhar (Oscar) e é
obrigado por sua namorada a arrumar emprego. Ao mesmo tempo
em que destaca as frivolidades da vida de gente rica. Detalhe para
a participação especial de Luiz Gonzaga cantando Asa Branca no
filme. Mais Brasil do que isso impossível.
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 146


SEÇÃO 3: CINEMA NOVO

Como diz Maria do Socorro


Carvalho em seu artigo sobre o Ci-
nema Novo brasileiro: “Os cinema-
novistas (...) desejavam, acima de
tudo, fazer filmes, ainda que fossem
“ruins” ou “mal feitos”, embora “esti-
mulantes’, conforme opiniões da época”
(CARVALHO, In: Mascarello, 2006, p. 289-90).
A inspiração veio do Neorrealismo italiano e das inovações da
Nouvelle Vague francesa. Localmente, podemos dizer que o Cine-
ma Novo se inspirou também nos filmes independentes brasileiros
dos anos 50. É claro que não podiam fazer filmes com os padrões
de qualidade americano. O público brasileiro já estava acostumado
a isso. Já que não era possível ter essa qualidade, também não fa-
zia sentido copiar o estilo narrativo, de filmagem ou de montagem
desses filmes. Iam parecer cópias mal feitas. Por isso, era necessário
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

fazer algo novo, novo em tudo, conteúdo e forma.


Mas como fazer um cinema brasileiro sem
dinheiro, sem estrutura e sem circuito de exi-
bição? E falar sobre o quê? Um dos temas
envolve justamente essa última pergunta.
Um assunto discutido nas histórias era so-
bre a identidade brasileira, aquilo que nos
fazia ser o que somos. Mitos de nossa cul-
tura eram evocados, regionalismos, defeitos
históricos, miscigenação tudo o que ajudasse

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 147


a definir as múltiplas caras da “raça” brasileira. Também por isso a
literatura moderna era usada como base (Macunaíma, de Mário
de Andrade, por exemplo, virou o filme de Joaquim Pedro de An-
drade, em 1969).
Mesmo colocando o povo nos filmes e ga-
nhando reconhecimento internacional, os cine-
manovistas não conseguiam encher as salas de
cinema. Macunaíma foi uma das exceções. O que
poderia ter feito o público se identificar? Talvez o
tropicalismo das encenações, o elenco carismático (Grande Otelo e
Dina Sfat, Paulo José), uma famosa cena de feijoada na piscina ou
talvez seja a história do herói sem caráter, que nascia negro, de mãe
índia, na floresta, e virava branco na cidade, envolvendo-se com a
guerrilheira sexy. Era um filme transgressor e vivíamos em plena
ditadura militar, no seu período mais violento.
O maior expoente do movimento Cinema Novo, Glauber Ro-
cha, escolheu fazer um cinema de síntese, ou seja, uma narrativa
de pesquisa estética com certos espaços de comunicabilidade.
Em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964),
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

Glauber exibiu seu conceito de “uma câmera na


mão e uma ideia na cabeça”. Além disso, seu obje-
tivo era construir o que ele chamou de “uma estéti-
ca da fome”. Neste filme, marco do Cinema Novo,
a descrição do sertão se aproxima daquela feita por
Guimarães Rosa dez anos antes. Ele destaca a importância da ação
humana para resolver as contradições de sua realidade. O filme é
uma apologia da revolução e da luta de classes, mas que essa re-
volução só aconteceria no sertão com a participação de Deus e do
Diabo. O filme tentou reproduzir em imagens o que o livro Grande

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 148


Sertão: Veredas mostrou em palavras. Ou seja, um mundo esqueci-
do, vivendo entre arcaísmos e modernismos, verdade e imaginação.

Origens - Alex Viany fez Agulha no palhei-


ro (1953) e Nelson Pereira dos Santos filmou Rio,
40 graus (1955). Os dois tinham baixo orçamen-
to, temática popular e buscavam imagens realistas
do Brasil. Em 1958, Roberto Santos faz O Gran-
de Momento, com a mesma temática. Em várias partes do Bra-
sil, especialmente na região nordeste, surgiam filmes assim: Bahia
de todos os santos (1960), de Trigueirinho Neto, e Barravento
(1961), de Glauber Rocha. Teve O pagador de promessas (1962),
de Anselmo Duarte, vencedor da Palma de Ouro em Cannes (que
era visto pelos novos cineastas como um filme tradicional). Mas o
que importa é que havia uma nova onda. E ela se consagraria nos
anos seguintes.
O movimento ganha alma, corpo e coração com três filmes de
1964: Os Fuzis, de Ruy Guerra, Deus e o Diabo na Terra do Sol,
já citado, e Vidas Secas (outro tirado da literatura modernista),
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

do diretor Nelson Pereira dos Santos. Um ano antes vale destacar


Ganga Zumba, rei de Palmares (1963), de Cacá Diegues. Após
o golpe militar, os filmes aumentaram sua carga de discussão polí-
tica. É um segundo momento do Cinema Novo. E nele você tem O
Desafio (1965), de Paulo César Saraceni; Terra em Transe (1967),
de Glauber Rocha; e O Bravo Guerreiro (1968), de Gustavo Dahl.
Com o fechamento do Congresso Nacional em 1968 pelos milita-
res, o cinemanovistas entraram numa terceira fase: falar do clima
de medo que crescia no país por causa das muitas prisões e do
crescimento da tortura promovida pelos militares. Daí nasceram os

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 149


filmes O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969),
de Glauber Rocha; Os Herdeiros (1969), de Cacá Diegues; Ma-
cunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade; Os Deuses e os
Mortos (1970), de Ruy Guerra, São Bernardo (1971), de Leon Hir-
szman, Os inconfidentes (1972), de Joaquim Pedro de Andrade.

Udigrudi - Esse termo é uma paródia com o


nome Underground, que se referia a uma contracul-
tura americana que se autodenominava assim. Os
brasileiros do udigrudi faziam cinema marginal,
com uma estética do lixo (e não da fome, como
dos cinemanovistas). Eles rejeitavam toda estética
que não fosse experimental. Destaques para: Rogério Sganzerla,
com O Bandido da Luz Vermelha, de 1968, e Júlio Bressane, com
Matou a família e foi ao cinema, 1969.
Humberto Pereira da Silva analisou o cinema Udigrudi da se-
guinte forma:

Há um momento no cinema nacional, entre 1968 e


UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

1970, de produções marginais, de invenção, também


chamado udigrudi. Os cineastas que seguiram o cami-
nho marginal realizaram obras anárquicas, disruptivas,
debochadas, sarcásticas, provocadoras num período,
como se sabe, de mais forte repressão nos anos da
ditadura militar. Nesses anos, para muitos, o cineasta
mais criativo e irreverente foi Rogério Sganzerla. Seu O
Bandido da Luz Vermelha (1968) é marco da filmo-
grafia udigrudi, uma das obras mais importantes do ci-
nema brasileiro. Os filmes “marginais”, por razões ób-
vias de censura, praticamente não circularam. Assim,

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 150


Sganzerla e outros foram vistos em círculos restritos,
por aficionados e, principalmente, admiradores de pro-
postas alternativas de linguagem e estética cinemato-
gráfica. (...) (SILVA, 2015, http://revistadecinema.com.
br/2015/04/cinema-de-invencao/)

O que todos os cinemanovistas queriam: conhecer a pró-


pria história, ser capaz de analisá-la e aprender com ela, para cons-
truir um futuro melhor. A intenção principal era discutir a realidade
em todos seus aspectos - social, político e cultural (CARVALHO, In:
Mascarello, 2006, p. 291).

Fora desse núcleo restrito dos fundadores do Cinema


Novo, o cinema moderno brasileiro consolidava-se com
os filmes de Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra,
Roberto Santos, Luís Sérgio Person, Gustavo Dahl,
Eduardo Coutinho, Walter Lima Júnior, Arnaldo Jabor,
entre outros, e dos representantes de uma quarta onda
de “novos” cineastas, como Rogério Sganzerla e Júlio
Bressane. (CARVALHO, In: Mascarello, 2006, p. 291)
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

O que são os brasileiros, qual nossa história, como nós so-


mos? Era isso o que os modernistas da literatura, os cinemanovistas
do cinema e os tropicalistas da música brasileira queriam respon-
der. Ainda sobre Coutinho, seu documentário obra-prima, Cabra
Marcado para morrer (1964-84), revelou uma invenção que al-
guns chamam de “método Coutinho”: um tipo de documentário
baseado mais na conversa do que na entrevista, mas que por suas
características fantásticas invade o domínio da ficção. E como seu
filme levou 20 anos pra ser terminado, pode-se dizer que esse estilo

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 151


foi fundamental nesse documentário. Cabra... foi interrompido em
1964 por causa do golpe militar. O governo levou parte das gra-
vações na época. Coutinho, então, em 1981, começou a procurar
as pessoas que entrevistou em 1964 para mostrar a reação delas
diante das gravações da época que ele ainda tinha. Foi assim que
nasceu um filme sobre um filme, um documentário genial e ino-
vador, que não se encaixa em nenhum movimento de vanguarda.

Curiosidade

O Cinema Novo não deixou de falar de nada nem de entrar


em nenhuma área. Por exemplo, “há uma produção de cinema do-
cumentário, de curta-metragem em sua maior parte, que reforça
o interesse do Cinema Novo pela dimensão histórica dos aconte-
cimentos. De modo diverso, os cinemanovistas observaram vários
aspectos da realidade brasileira: o futebol em Garrincha, alegria
do povo (Joaquim Pedro de Andrade, 1962); o analfabetismo em
Maioria absoluta (Leon Hirszman, 1964); a questão étnica em Inte-
gração racial (Paulo César Saraceni, 1964); a política em Maranhão
66 (1966), Amazonas, Amazonas (1965) e 1968 (1968), de Glauber
Rocha; e ainda o cinema em Colagem (1966) e Mauro, Humberto
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

(1964), de David Neves (CARVALHO, In: Mascarello, 2006, p. 294-


95). Vale lembrar que o cinema brasileiro nunca teve tanto pres-
tígio mundial nem tantos filmes participando de festivais impor-
tantes, como na época do Cinema Novo, mesmo com a ditadura
censurando os filmes, perseguindo e prendendo
seus realizadores. O cineasta Humberto Mauro,
reverenciado por cinemanovistas, ganhou um do-
cumentário feito por André di Mauro, em 2018. E
você pode conferir o trailler.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 152


Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação 3: Explique as características do


Cinema Novo e faça uma comparação com outros movimentos
modernos Nouvelle Vague e Neorrealismo (unidade 2). Use um tre-
cho de algum filme do Cinema Novo para exemplificar. Sugestões
de links: trailler do documentário Cinema Novo (2016), de Erick
Rocha. Filme Rio 40 Graus, (1955) de Nelson Pereira dos Santos,
obra que inspirou o movimento Cinema Novo (veja os primeiros 6
minutos - pule os créditos iniciais). E aqui, o trailler original do
filme Deus e o Diago na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha.
Ao explicar as características do Cinema Novo, use algum dos links
sugeridos como referência em seu texto.
Em seguida, compare os textos que você escreveu com o Re-
ferencial de resposta abaixo e veja se você acertou a questão.

Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoa-


valiação 3: bom, depende muito do trecho de filme sugerido que
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

o estudante vai escolher. Mas as características mais marcantes do


Cinema Novo são: voltado para temas regionais, histórias que re-
tratam reflexões sobre problemas brasileiros, especificamente o da
fome. A desigualdade e as questões da fé, da ignorância e da fal-
ta de assistência social se relacionam com disputas de poder e de
terras no país. O filme Rio 40 Graus é um precursor porque logo
em seu início vemos uma favela carioca, com diálogos típicos do
povo local, preocupados com o tipo de feijão que vão comprar,
ou dos meninos pensando em como juntar dinheiro para comprar

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 153


uma bola de futebol. Esse tipo de realismo lembra o neorrealismo
italiano. E os movimentos abruptos da câmera em Deus e o Diabo
na terra do sol lembram os cortes e ângulos vistos em filmes da
Nouvelle Vague.
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 154


SEÇÃO 4: CINEMA ANOS
50-80: MAZZAROPI E
PORNOCHANCHADA

Mazzaropi

Impossível falar do cinema na-


cional e não comentar sobre o maior cô-
mico do cinema nacional, de maior bilheteria
e, ainda, o único brasileiro que ficou milionário apenas fazendo
filmes: Amácio Mazzaropi (1912-1981). Sua primeira aparição no
cinema foi em 1952, em Sai da Frente.
Paulo Duarte escreveu uma biografia de Mazzaropi. E nela
tem uma declaração do ator e produtor sobre seu legado: “Eu não
criei nenhum império de cinema. Apenas criei condições para po-
der trabalhar sem depender de ninguém. Quando eu morrer, isso
tudo vai ficar para o cinema nacional”. Mazzaropi disse isso sobre
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

os estúdios que construiu e sua produtora PAM filmes. Já Paulo


Duarte, autor de Mazzaropi, uma antologia de risos (2009), co-
mentou a importância comercial dos filmes de Mazzaropi, dizendo:
“O que é um blockbuster? Um filme de público, comercial, bem
sucedido. É um filme que é uma super produção que na maioria
das vezes vem de fora, do exterior, já chega pronto, é legendado e
passa no cinema. Quantas salas? Em média umas 600 salas. E faz
o quê? 3, ou 4, ou 5 milhões de pagantes. O Mazzaropi fazia essa
mesma média com 25 salas. A relação de sala para público de Ma-
zzaropi é imbatível”.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 155


Veja mais sobre Mazzaropi e seu sucesso no podcast es-
pecial sobre ele e seus filmes.
Mazzaropi, em termos de sucesso, lembrou a trajetória de
Chaplin nos EUA. Ou seja, muito talento como ator, arrastava mul-
tidões para o cinema e, por causa da fama, começou a produzir,
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

dirigir e roteirizar seus próprios filmes. Seu sucesso (estou falando


de Mazzaropi agora), fez com que ele criasse sua própria Holly-
wood. Construiu um estúdio no interior de São Paulo, em Taubaté,
com hotel para seus funcionários. Em seus filmes destacou a cultu-
ra interiorana do chamado caipira paulista. Seus estúdios tinham os
melhores equipamentos da época. Foi neles que Mazzaropi filmou
24 de seus 32 longas. O trigésimo terceiro não foi finalizado. Em
1981 ele foi internado e morreu dias depois de complicações pro-
vocadas por um câncer. Não se esqueça: tem mais sobre Mazzaropi
no podcast.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 156


Multimídia

- Mazzaropi: Celso Sabadin escreveu e dirigiu o documentá-


rio Mazzaropi (2013). Que você pode conferir um trecho clicando
aqui. Veja também a reportagem contando a história desse do-
cumentário, uma matéria feita no site do jornal OGlobo, clicando
aqui. Se quiser ver o filme completo de O Corintiano, clique aqui.
Há muitos trabalhos sobre Mazzaropi: livros, documentários, re-
portagens especiais. Mas se quiser acesso ao acervo dele, visite o
Museu Mazzaropi. Lá você tem até documentos históricos sobre o
grande artista e empresário cinematográfico que ele foi.

Pornochanchada

Sim, houve uma junção de pornô com a chanchada. Ou seja,


filmes de comédia, ou de paródia, com certo erotismo (o ero-
tismo, a nudez, dentro do liberalismo sexual do início dos anos 70).
É uma invenção típica do Brasil. Muito influenciado por comédias
eróticas italianas (Tinto Brass, famoso por filmes eróticos feitos en-
tre as décadas de 70-2000, é um dos representantes desse gênero,
com Col cuore in gola (1967), L’urlo (1968) e Nerosubianco (1969);
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

Dropout (1970) e La vacanza (1971), para ficar no


mesmo período que serviu de inspiração para a
pornochanchada brasileira.
O centro de produção desses filmes
eram a chamada Boca do Lixo: uma região
não oficial do centro da cidade de São Paulo,
localizada no bairro da Luz, em um quadrilá-
tero que inclui a rua do Triunfo, a rua Vitória
e arredores. Os roteiros davam ênfase a si-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 157


tuações eróticas, malícia e piadas. Visualmente, a prioridade
era mostrar a nudez feminina. Fez sucesso no mercado brasilei-
ro, estrondosamente. Combinava títulos com duplo sentido e
com temas que passavam por virgindade, conquista amorosa
e adultério.
Sales Filho diz:

(…) Sem qualquer timidez, nossas salas exibiam títulos


tais como Os mansos, Lua de mel e amendoim, As
cangaceiras eróticas, Essa mulher é minha e dos
amigos, Como era boa a nossa empregada e ou-
tros, dentre centenas que foram produzidos. Esses, em
alguns casos, deixavam para trás, em termos de bilhe-
teria, algumas das bem comportadas, caríssimas e bem
divulgadas produções americanas.

O Estado autoritário [a ditadura militar], considerando


que as atividades culturais se relacionavam intrinseca-
mente à ideologia da Segurança Nacional, procurou
interferir diretamente na produção cultural. Na área
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

cinematográfica foram criados mecanismos de incenti-


vo à produção, que, em verdade, significaram também
a criação de empecilhos e dificuldades aos cineastas
opositores ao regime, tais como Glauber Rocha, Carlos
Barreto e outros (...). (SALES FILHO, 1995, p. 68-69)

Mas abriu espaço para a pornochanchada.A pornochan-


chada passeava por western, terror, policial e outros subgêneros,
mas mantinha sua característica erótica. Uma breve lista de alguns
desses filmes passa por: Os paqueras, de Reginaldo Faria (1969),

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 158


Memórias de um gigolô, de Alberto Pie-
ralisi (1970) e Adultério à brasileira,
de Pedro Carlos Rovai (1969). E vai
além com A viúva Virgem, de Ro-
vai (1972), Como é boa a nossa
empregada, de Victor di Mello e
Ismar Porto (1973), A virgem e o
machão, do Zé do Caixão (1974),
Dona Flor e seus dois maridos, de
Bruno Barreto (1976), Gabriela (1983),
também de Barreto, além de muitos filmes
baseados em peças ou histórias de Nelson Rodrigues. E ainda ha-
via muitos filmes com nomes de duplo ou vários sentidos, como
Cangaceiras Eróticas, Manicures à domicílio, O bem dotado
homem de Itu.
Na década de 80, com a chegada do videocassete e outros
fatores, como a chegada de filmes pornográficos, a pornochan-
chada apelou para o sexo explícito para se manter no mercado. De
Claudio Cunha, teve o engraçado e totalmente explícito, Oh Re-
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

buceteio (a palavra significa confusão, bagunça), de 1984. Sobre


esse filme, vale dizer que ele é provavelmente o
melhor filme pornô brasileiro. É questionador,
mexe com o público,o diretor faz o papel
de um diretor de teatro e durante uma se-
quência de sexo ele provoca o espectador
a gozar junto com os atores - ele olha di-
retamente para a câmera e convida a gente
a ter um orgasmo ali na hora. É autoirônico,
quase que uma brincadeira do diretor com o

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 159


gênero. David Cardoso, ator e produtor, também começou a fazer
filmes explícitos. Nos filmes de 83 e 84 o sexo já era quase explícito,
e as angulações de câmera, muito mais ousadas. Em Tentação Na
Cama, de Ody Fraga (1984), David Cardoso chega a mostrar rapi-
damente seu membro ereto, e tem nu frontal em diversas cenas.
Mas em As seis mulheres de Adão, dirigido e atuado por David
Cardoso (1982), há duas cenas de sexo bem explícito logo no início
do filme.
Esse site: https://mubi.com/pt/lists/pornochancha-
da-1974-1988 traz uma lista dos principais filmes da pornochan-
chada de 1974 até 1988. Mas as informações estão em inglês.

Curiosidade

Na década de 80 merecem destaque, fora do universo por-


nochanchada, alguns filmes e documentários: O Homem que virou
suco  (1980), de João Batista de Andrade,  Jango (1984), de Sílvio
Tendler e o espetacular documentário  Cabra marcado para mor-
rer (1984), de Eduardo Coutinho, além do famoso Pixote, a lei do
mais fraco  (1980), de Hector Babenco. Quando puder assista ao
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

também famoso curta Ilha das Flores  (1989), de Jorge Furtado -


que ganhou Urso de Prata em Berlim. Tem uma linguagem nova,
rápida, montagem dinâmica. Essa linguagem seria muito bem vista
e usada na televisão depois (Furtado foi contratado pela Globo e
passou a escrever diversos roteiros de minisséries e séries como Os
normais, A comédia da vida privada, Agosto, A invenção do Brasil
e outros). Mas falaremos mais dele e dos filmes que dirigiu ou ro-
teirizou no final da seção.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 160


Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação 4: O que é a pornochanchada?


Por que fez tanto sucesso de público? Comente três trechos de três
filmes diferentes da pornochanchada. Seus comentários devem ser
sobre as características do movimento que aparecem nesses trechos
que você selecionou. Escreva o nome do filme que você escolheu, o
ano, o diretor e explique rapidamente o que está acontecendo na
cena que você vai analisar. Então, fale das características da porno-
chanchada que aparecem lá. Repita isso com mais dois filmes. Sem-
pre tente escolher trechos que não passem de dois ou três minutos.
Em seguida, compare os textos que você escreveu com o Re-
ferencial de resposta abaixo e veja se você acertou a questão.

Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoa-


valiação 4: o comentário depende dos trechos escolhidos pela (o)
estudante. Basicamente é preciso dizer que os filmes são apelativos
para o lado erótico, se preocupam em dar desculpas na narrativa
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

para qualquer cena em que aparece nudez feminina. E também


mantém algumas características da chanchada: tom de comédia
ou paródia. Os filmes passeiam por vários gêneros, mas sempre
colocam uma mulher nua, com muitas insinuações sexuais, closes
levemente indecentes e coisas do tipo. Isso quando o próprio enre-
do não gira em torno de sexo.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 161


SEÇÃO 5: RETOMADA EM 1995 E
ANOS 2000

Quais os fatores que levaram


nosso cinema a quase inexistir entre
a segunda metade dos anos 80 e a
primeira metade de 90? A crise eco-
nômica, inflação altíssima, mais as po-
líticas de privatizações do governo Collor
colaboraram para o quase fim do nosso cine-
ma. Mas o que piorou mesmo foi quando a Embrafilme, o Concine,
a Fundação do Cinema Brasileiro, o Ministério da Cultura, as leis de
incentivo à produção, a regulamentação do mercado e até mesmo
os órgãos encarregados de produzir estatísticas sobre o cinema no
Brasil foram extintos. Fim. Tirando os EUA, nenhum país produz
cinema sem dinheiro público e incentivos. Desse modo, quando
o vice Itamar Franco assumiu após renúncia (e impeachment) de
Collor, as coisas voltaram aos eixos. Foi criada a Secretaria para o
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

Desenvolvimento do Audiovisual. Veio depois a Lei do Audiovisual,


que entraria em vigor no governo de Fernando
Henrique Cardoso. Essa é a retomada do ci-
nema brasileiro, que começou a partir
de 1995.
O filme que representa isso é Carlota
Joaquina, Princesa do Brazil (1995) de
Carla Camurati. Logo de cara mostrou uma
linguagem ágil, como de televisão (Camurati
tinha boa carreira como atriz na Globo), anali-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 162


sando com humor típico de modernistas a história do Brasil. Nessa
década, merecem destaques as produções O Quatrilho (1995), de
Fábio Barreto e  O Que é Isso Companheiro?  (1997), de Bruno
Barreto. A qualidade técnica melhorava, os temas eram bem trata-
dos. Parecia que estávamos fazendo cinema comercial de verdade
e com qualidade, como em qualquer país.
Há ainda  Central do Brasil  (1998), dirigido
por Walter Salles (ele mesmo fez Terra Estran-
geira, de 1995). Central subiu de novo o nível do
cinema brasileiro: concorreu ao Oscar como filme
estrangeiro (perdeu para o favorito A Vida é Bela)
e como melhor atriz, para Fernanda Montenegro (a
primeira atriz a ser indicada por uma atuação em língua portugue-
sa). Um grande problema continuava: os filmes brasileiros ainda ti-
nham dificuldade de encontrar espaço nas salas de exibição. Quan-
do a própria Rede Globo entrou no mercado de filmes, houve um
aumento considerável de produções. Entre 1998 e 2003, a empresa
se envolveu de maneira direta em 24 produções cinematográficas.
Outro problema continuou sendo o de divisão de lucros entre distri-
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

buidores, exibidores e produtores. Alguns conseguiram driblar isso,


como José Padilha
Cidade de Deus (2002) de Fernando
Meirelles, Carandiru (2003) de Hector Ba-
benco e Tropa de Elite (2007) de José Pa-
dilha, encerraram o ciclo da “retomada” do
cinema brasileiro. Todos foram sucesso de pú-
blico aqui. Tanto o filme de Meirelles (indica-
do a quatro Oscar) quanto o de Padilha ainda
tiveram grande repercussão internacional.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 163


Há casos históricos que resultaram
em filmes icônicos, de gente que pegou
uma câmera e, com ajuda de amigos e
parentes, fez paródias de filmes de artes
marciais (o filme brasileiro Cine Holliúdy,
de 2012, retrata esse universo com per-
feição). Cine Holliúdy fez tanto sucesso
que virou série e ganhou uma continua-
ção em 2018. Mas ainda assim é uma
exceção. E adivinhe só. O diretor Halder
Gomes produziu, antes um curta: Cine
Holliúdy — O Artista Contra o Caba do
Mal. Em entrevista ao site adorocinema em 2013, Halder Gomes
disse: “Em 2005 lancei o curta O Artista Contra o Caba do Mal,
que era um pequeno recorte do Cine Holliúdy, embora soubesse
que tinha algo muito maior para contar. O filme fez um grande
sucesso em festivais - mais de 80 em 20 países, e 42 prêmios -,
crítica e público. O sucesso foi tanto que, quando disponibilizado
nas locadoras do Ceará, bateu todos os blockbusters da época. A
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

demanda por algo maior era recorrente, e, em 2005, no Festival do


Rio, os jornalistas e críticos de cinema Ana Maria Bahiana e José
Emílio Rondeau me disseram que o filme deveria virar um longa.
Era a chancela que faltava. Desde então, foram quatro tentativas
no Edital de Longas de Baixo Orçamento do Ministério da Cultura
até vencer e receber o prêmio pra rodar o filme”. Ele fez o filme
sem gastar dinheiro do bolso. Mas, tecnicamente, gastou. Ele pre-
cisou fazer antes um curta, de sucesso, pra tentar o edital.
O cinema nacional aprendeu a fazer filmes tecnicamente, de
acordo com os padrões de qualidade aceitos pelo audiovisual mun-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 164


dial, especialmente, por Hollywood. Mas
ainda não há uma estrutura de indústria
do cinema nacional (como quando
teve a Vera Cruz ou a Atlântida). Os
filmes produzidos aqui e que fazem
sucesso são muito atrelados a atri-
zes e atores de sucesso na televisão.
Há exceções, como os atores Wag-
ner Moura e Lázaro Ramos, que se tor-
naram conhecidos do grande público pri-
meiro por causa do cinema. Participaram de
ótimos filmes com temática da Bahia, como Cidade Baixa (2005,
de Sérgio Machado) ou Ó Paí, Ó (2007, de Monique Gardenberg).
Moura participou de Abril Despedaçado (2001, de Salles), filme
que revelou Rodrigo Santoro internacionalmente. Jorge Furtado,
que ganhou fama com Ilha das Flores, dividiu seu tempo entre te-
levisão e cinema. Na grande tela ou apenas como roteirista, ou foi
diretor e roteirista, como em O Homem que copiava (2003), Meu
tio Matou um Cara (2004), Saneamento Básico, o Filme (2007)
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

e Real Beleza (2015). Furtado é diretor gaúcho, que representou a


cidade de Porto Alegre várias vezes em seus filmes.
Já na segunda década do século XXI, nossas
produções se acomodaram no “sucesso fácil” de
filmes de comédia de gente conhecida da inter-
net ou de programas de TV paga. E por quê? Por-
que assim é mais fácil entrar nas salas de exibição.
Exemplo: Minha mãe é uma peça 3 (2019), de
Susana Garcia, é o filme brasileiro que mais levou pessoas aos cine-
mas (pelo menos até 2020) na história. Graças ao carisma do ator e

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 165


comediante Paulo Gustavo, que também assina o roteiro e interpre-
ta uma versão hilária de sua mãe. Paulo Gustavo é ator conhecido
em canal de TV paga. Mesmo assim, tivemos filmes fora do padrão
fácil, que foram destaques saindo de diversas regiões do país, além
das ótimas comédias. Grupos de cineastas de Pernambuco, espe-
cialmente Recife, estão produzindo cinema de qualidade também,
com outras temáticas (O Som Ao Redor, 2012, de Kleber Men-
donça Filho, é uma aula de técnica). Ainda tem outras coisas boas
saindo, com menor ou maior publicidade. Tem grupos em Uber-
lândia (MG), Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e, claro, São Paulo
e Rio de Janeiro. O aumento no número de profissionais formados
em cursos de Audiovisual pelo país mostra que nosso cinema ainda
terá muitas e boas histórias para contar, das mais variadas e brasi-
leiríssimas maneiras.

Recapitulando

Aqui tem cinema também! Você viu: o Brasil já usava uma câ-
mera desde 1897, e os Irmãos Segreto foram os primeiros cineastas
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

do país. Fizemos filmes documentais nos primeiros anos do século


XX: de ficção mudos, e depois falados, até os filmes em estúdios,
como a Cinédia, a Atlântida e a Vera Cruz. E teve a chanchada, que
surgiu como gênero cômico e crítico de nossa realidade. Mazzaro-
pi, com seus filmes, foi o maior sucesso comercial do nosso cine-
ma. E a vanguarda do audiovisual foi marcada pelo Cinema Novo
e sua estética da fome. Já o cinema marginal Udigrudi preferia a
estética do lixo. A pornochanchada juntou a comédia ou paródia
com erotismo e foi popular até o início dos 80. Mas alguns filmes
e documentários desafiaram o padrão popular-erótico e se desta-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 166


caram, como o curta Ilha das flores (1989), de Jorge Furtado,
ou Cabra marcado para morrer (1984), de Eduardo Coutinho.
A chegada do videocassete, da pornografia estrangeira derrubou
a pornochanchada. Houve uma crise de produções nacionais, mas
a partir de 1995 tivemos a Retomada, e Carlota Joaquina (1995),
de Carla Camurati, foi um marco. Nossos filmes voltaram a ganhar
visibilidade mundial, mesmo que em número menor do seu ver-
dadeiro potencial. É isso. Até a próxima Unidade! Lá falaremos do
cinema após os anos 1990 e do cinema oriental. Curtiu? Então te
vejo na Unidade 4!

Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação 5: O que aconteceu para que o


cinema brasileiro quase sumisse entre 1984 e 1994? Pesquise e cite
três bons filmes (que fogem do padrão de pornochanchadas) que
surgiram nessa época. Conte o enredo desses filmes, se ganharam
ou disputaram algum prêmio em festival (não esqueça de colocar
o ano dos filmes e seus diretores - ficha técnica) ou se são reveren-
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

ciados por críticos. E diga por que você os considerou bons filmes.
Somente do período entre 1984 a 1994. Escolha pelo menos um
filme dos anos 90.
Em seguida, compare os textos que você escreveu com o Re-
ferencial de resposta abaixo e veja se você acertou a questão.

Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoava-


liação 5: o filme Cabra Marcado para Morrer é um documentário

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 167


brasileiro de 1984, dirigido por Eduardo Coutinho. Em novembro
de 2015 entrou na lista feita pela Associação Brasileira de Críticos
de Cinema (Abraccine) dos 100 melhores filmes brasileiros de todos
os tempos. Jango (1984), de Silvio Tendler, foi lançado em 1984. O
filme levou mais de meio milhão de espectadores às salas de cine-
ma, tornando-se o sexto documentário de maior bilheteria da his-
tória do cinema brasileiro. Quilombo é um filme de 1984, de Cacá
Diegues. Ganhou prêmio no festival de Cartagena, foi indicado à
Palma de Ouro em Cannes. O beijo da Mulher Aranha (1985), de
Hector Babenco, levou prêmio de melhor ator em Cannes e no Os-
car, para William Hurt. E teve ainda O Grande Mentecapto (1986-
89), de Oswaldo Caldeira. Ou Alma Corsária (1993), de Carlos
Reichenbach, que está na lista dos 100 melhores filmes brasileiros
de todos os tempos. A Terceira Margem do Rio (1994), de Nelson
Pereira dos Santos, foi indicado ao Urso de Ouro, em Berlim. Esses
são os principais exemplos.
UNIDADE 3 – Cinema Brasileiro: Origens até a Retomada

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 168


UNIDADE

4
CINEMA PÓS-MODERNO:
DA NOVA HOLLYWOOD AOS
FILMES DIGITAIS
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169
OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE
APRENDIZAGEM DA UNIDADE:

Ao longo deste Unidade você irá:

• compreender a importância da chamada Era de Ouro do


cinema clássico de Hollywood, ao criar ícones a serem
seguidos, como se fossem os influenciadores da Era Di-
gital da atualidade;
• relacionar os avanços tecnológicos, os efeitos especiais
com as escolhas estéticas dos filmes nos anos 70, 80 e
90, que resultaram em filmes para jovens com intenções
de lotar as salas de cinema;
• comparar os cineastas autorais da Nova Hollywood
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

quanto às narrativas e escolhas de enredos;


• utilizar os conhecimentos sobre o contexto dos anos 70
para entender as mudanças na indústria cinematográfi-
ca e sua forma de vender os filmes.
• reconhecer a importância do cinema oriental na forma-
ção de personagens e mitologias que, além da própria
qualidade e forma distinta de ver o mundo, inspiraram
outros cineastas da Europa e EUA a criarem obras icô-
nicas, como a franquia de maior sucesso na história do
cinema: Star Wars.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 170


INTRODUÇÃO À UNIDADE 4

Caro Aluno,
Seja bem-vindo! Esta é a Unidade IV - Cinema Pós-Moderno:
da Nova Hollywood aos filmes digitais. Nela, você vai identificar que o
cinema clássico americano foi influenciado pelas chamadas “estrelas”,
atores e atrizes famosos, que eram chamados para fazer determinados
filmes e garantir que tivessem público. Você irá descobrir que gêneros
predominavam nessa chamada época de ouro do cinema. Após isso,
você vai analisar o contexto que levou a uma mudança em Hollywood
nos anos 1970. E irá criar sua própria ideia do que foram os novos
cineastas e como eles mudaram o jeito de lucrar com os filmes: surgi-
ram os blockbusters. Você irá comparar os filmes das vanguardas (do
cinema moderno) com os filmes do cinema pós-moderno, onde há
releituras dos gêneros, como Noir e Faroeste (Western). Você também
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

saberá explicar a evolução do cinema para os anos 80 e 90 graças


aos avanços da tecnologia de computação gráfica, que tornaram os
efeitos especiais muito mais próximos da realidade. E por falar em rea-
lidade, você irá ver também que filmes como Jurassic Park e Matrix
igualaram a fantasia com o nosso mundo real. Praticamente tudo o
que se vê nas telas passa a ser uma expressão realista. Todos os sonhos
se tornam verdade. O cinema digital invadiu nossas vidas. Para fechar,
você irá experimentar o jeito diferente de ver o mundo do cinema
oriental, com destaque para os cinemas do Japão, China e Coreia do
Sul, com menção à Índia e sua Bollywood.
Tudo isso, enfim, ficará mais claro após o fim da nossa primei-
ra Unidade. Então, é isso.
Divirta-se e bons estudos!

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 171


SEÇÃO 1:
CINEMA PÓS-MODERNO

O cinema americano passou


por mais uma mudança. Dessa vez,
em meados dos anos 70. Mas antes
disso, vínhamos de dois tipos de cine-
ma: um que tentava ser arte, que se inspirava nos modernismos
europeus. Mas isso você já viu aqui. No outro tipo de cinema, no
entanto, Hollywood fazia um cinema clássico, popular, como os
grandes musicais de Gene Kelly, ou as comédias leves de gente
como Jerry Lewis e Dean Martin. Na década de 1950 os musicais de
Hollywood viveram o auge. E o filme Cantando na Chuva (1952),
de Stanley Donen e Gene Kelly, é o mais importante deles em to-
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

dos os tempos. Nesta obra, eles conseguiram mostrar a transição


dos filmes mudos para os falados, e também resumiram todas as
características da produção musical do período. É metalinguístico,
divertido e com coreografias que inspiraram inúmeras imitações e
homenagens. É um filme-símbolo do gênero.

Curiosidade

Existem algumas curiosidades que permeiam o clássico de


Gene Kelly.
Uma delas é a de que Gene Kelly  estava com 38º graus de
febre durante as filmagens da famosa cena em que canta “Sin-
gin’in the rain“. Não existe um registro preciso de quanto tempo
durou a gravação da cena, sendo que alguns dizem ter sido um
dia enquanto outros afirmam que foram três. Além disso, o ator

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 172


precisou trocar várias vezes de roupa, pois os ternos encolhiam aos
serem encharcados.
Outro boato não confirmado é de que a chuva na cena era
formada com uma mistura de água e leite para que ficasse mais
visível na câmera. Tempos depois os produtores desmentiram essa
versão afirmando que foi apenas utilizado efeitos de iluminação.

Os anos 50 e começo dos 60 foram


um período de valorização de “estrelas”,
de gente famosa que levava multidões
para os filmes em que protagonizavam.
Marilyn Monroe era um exemplo. Seus
filmes eram quase sempre do mesmo tipo:
loira fatal, ingênua e sexy, em muitos filmes
era até meio boba ou inconsequente. Esse rótulo
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

de “loira burra” chegou a incomodá-la por ser injusto e preconcei-


tuoso, mas a maioria dos papéis que recebia eram assim porque os
produtores a viam desse jeito e o público aceitava. Apesar disso,
ela participou de uma das melhores comédias americanas, Quanto
mais quente melhor (1959), de Billy Wilder. Ela ganhou o Globo
de Ouro por essa atuação. Quatro anos antes, Monroe tinha feito
outro filme de Billy Wilder: O Pecado Mora ao Lado. Nessa obra
ela aparece em cima de uma grade de metrô, com a saia levantan-
do seu vestido branco. É uma das cenas clássicas
do cinema. Seu último filme completo foi Os Desa-
justados (1961), um drama escrito pelo marido, o
dramaturgo Arthur Miller e dirigido pelo mestre do
faroeste, John Ford.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 173


Grace Kelly, Elizabeth Taylor, Audrey
Hepburn e Brigitte Bardot são algumas das
grandes estrelas do cinema. Elas brilharam,
nos anos 50 e 60, pela beleza, sensuali-
dade, mas principalmente pelo talento.
Bardot foi chamada de Marilyn da Europa.
E esse cinema que se baseava em estrelas
durou até meados dos anos 70.

Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação 1: Faça um levantamento da im-


portância de duas estrelas de Hollywood e sua influência até para
os dias de hoje. Pegue duas atrizes da Era de Ouro do cinema,
escreva uma biografia resumida da vida e obra de cada uma delas.
Depois procure menções, filmes, documentários sobre a vida delas.
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

Veja o que tiver produção mais recente e tente assistir a pelo menos
uma obra de cada atriz. Depois responda a essa pergunta: por que
essa atriz pode ser considerada alguém com poder de influenciar
uma geração (ou mais de uma)?

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 174


Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoa-


valiação 1 : Organize um esquema. Monte uma atriz primeiro.
Audrey Hepburn, por exemplo. Na lista do instituto americano de
filmes, ela está em terceiro lugar como a maior lenda do cinema
americano. Em outras palavras, a terceira maior estrela da época de
ouro de Hollywood. Foi um ícone da moda, do estilo, da caridade,
de superação (ela passou fome durante a guerra e sobreviveu com
muita bravura. Ganhou todos os principais prêmios que uma atriz
poderia ganhar. Descreva seus filmes, cenas marcantes, frases (se
houver) famosas. Suas contribuições dentro e fora do cinema. Au-
drey, por exemplo, deixou de fazer tantos filmes nos anos 70 em
diante para se dedicar mais a atos de solidariedade pelo mundo.
Possuía incrível senso de moda, que transpareceu em alguns de
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

seus filmes, com figurinos icônicos. E por isso ela virou ícone da
moda até hoje. Bom, o aluno, a aluna, deve fazer levantamentos
do tipo, olhando sempre o ponto de vista dos próprios americanos,
afinal, a tal era de ouro se passa em Hollywood. E compreende os
anos 20, 30, 40, 50 e 60. Foi um período em que os grandes estú-
dios contratavam artistas, investiam neles e exigiam que cumpris-
sem determinada quantidade de filmes. Alguns davam trabalho,
outros eram profissionais ao extremo. As vidas pessoas desses ar-
tistas era tão importante (ou até mais) do que seus talentos profis-
sionais. Isso é só uma dica. O estudante deve escolher a estrela de
Hollywood baseado no tamanho da fama - se tiver grande talento,
ótimo, mas não é prioridade, porque era comum que o artista fosse
mais famoso do que talentoso. Veja o filme Cantando na Chuva e
entenderá o que quero dizer.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 175


SEÇÃO 2: NOVA HOLLYWOOD,
GEORGE LUCAS E SEUS
AMIGOS

A década de 60 mostrava si-


nais da mudança. Os musicais eram
menos ingênuos, indicavam uma ju-
ventude rebelde que era ignorada pe-
los grandes estúdios e pela sociedade de
consumo americana. Rober Wise fez o musical
dramático Amor, Sublime Amor, em 1961, vencedor de dez es-
tatuetas do Oscar. E A primeira noite de um homem (1967), de
Mike Nichols, mostrou o fim da inocência: um jovem recém-forma-
do na universidade é seduzido pela mulher do sócio de seu pai. Esse
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

casal é vizinho e amigo íntimo da família do rapaz. A trilha de Simon


e Garfunkel tornou o filme ainda mais famoso. À parte isso, havia
alguns filmes épicos, como Cleópatra, de 1963 (de estilo clássico),
ou Doutor Jivago (1965), de David Lean, que também dirigiu
Lawrence da Arábia (1962). Os filmes de Lean conquistaram 28
prêmios do Oscar. Na maioria eram grandes filmes, que influencia-
ram os novos cineastas da década de 70, como Spielberg. Mas os
dois último que citei, Jivago e Lawrence, foram os últimos trabalhos
importantes do diretor na década. Ele só fez um filme na década
seguinte (em 1970) e outro em 1984. O momento era para outro
tipo de história que não fugisse do universo cotidiano da vida ame-
ricana. Por isso mesmo, apesar de belos e bem feitos, estas obras
como as de David Lean, começavam a não representar mais os an-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 176


seios da juventude americana, que preferia mais histórias em que
ela fosse protagonista. Foi aí que entrou em cena um outro tipo de
cineasta: surgia a chamada Nova Hollywood.

Lucas e Spielberg

Jovens cineastas americanos, mesmo sendo contrários a tra-


balhar para grandes estúdios, acabaram fazendo filmes para eles.
Alguns, como George Lucas, souberam usar a indústria e construir
sua própria fortuna. Lucas inventou o cinema de consumo juvenil
“blockbuster” com sua saga Guerra nas Estrelas (1977). Um pouco
antes, seu amigo Steven Spielberg lançou Tubarão (1975), marco
nos filmes de terror juvenil, com uma trilha assustadora e igualmen-
te icônica. Todo mundo conhece aquela musiquinha que toca quan-
do o tubarão está se aproximando. O filme trouxe o público para
as salas de cinema e deu esperanças aos executivos dos estúdios. A
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

guerra do Vietnã (que os americanos traumaticamente perderam)


ainda era assunto importante e seria até meados dos anos 80. Mas
os filmes mais escapistas, de fantasia, de ação, tocaram o público
e mudaram a forma de fazer o negócio chamado cinema. Geor-
ge Lucas nunca abriu mão de liberdade para criar
- graças ao sucesso que obteve com American
Graffiti (Loucuras de Verão, 1973) acabou
revolucionando o setor de efeitos especiais
— que era inexistente na época. Ensinou
os executivos o que acontece quando você
dá os direitos de exploração de merchan-
dising para o diretor (Lucas explorou seus
personagens de Star Wars e ficou milionário,

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 177


além de conseguir dinheiro para as conti-
nuações e manter sua liberdade criati-
va). Em outras palavras, George Lucas
“deu um chapéu” nos executivos da
época (que aprenderam rapidinho a
transformar em múltiplos negócios
todo e qualquer filme). Ganhar di-
nheiro com cinema não passava mais
apenas por bilheteria. E isso começou
com Star Wars.
Você não fala de cinema se não falar
de história ou do contexto histórico dele. Aliás, o próprio cinema é
um documento da história viva. Onde entra o pós-moderno? Há
diversos autores que classificam o termo pós-moderno. Você pode
buscar todas elas depois, se quiser. Mas em quase todas vai encon-
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

trar algo em comum. Reflete uma época. E essa época se refere a


uma certa decadência de valores e decadência econômica mundial.
Reflexos disso mostraram que modelos econômicos não estavam
funcionando. Havia desigualdades sociais profundas em países de-
senvolvidos, disputas raciais e um modelo de trabalho que estava
esgotado. As empresas japonesas estavam superando as america-
nas. O orgulho estava em baixa até naquilo que sempre se julgaram
os melhores. E não é só na economia.

Multimídia

Recomendo fortemente que você assista ao documentário


Império dos Sonhos - a história da trilogia Star Wars (2004). Você vai ver
em detalhes como um império foi construído e como isso mudou

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 178


definitivamente a indústria do cinema para o que
ela é hoje. Clique aqui e descubra os bastidores do
primeiro Star Wars e como George Lucas quase foi à
loucura para terminar esse filme.

Altman, Coppola e o novo público

A lição de que o cinema devia olhar para os adolescentes já


vinha desde os anos 50. Nessa época, os jovens americanos gos-
tavam dos chamados filmes exploitation, ou seja, filmes apelati-
vos, de rock, de terror, ficção científica ou delinquência juvenil. Por
isso, um diretor iniciante que ficou famoso depois por fazer parte
da geração da Nova Hollywood, lançou em 1957 o filme Os de-
linquentes. O diretor que estreou com esta obra foi Robert Alt-
man. Dois anos antes Nicholas Ray tinha feito o famoso Juventu-
de Transviada (1955), com o ator-ícone da rebeldia, James Dean.
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

Mas o ator morreu em 1955 e um possível gênero morria quando


mal tinha surgido. Altman tentou revivê-lo quando se inspirou em
James Dean e nos filmes dele para construir Os delinquentes. Al-
fred Hitchcock gostou tanto da direção de Altman que o convidou
para dirigir alguns episódios de sua série na televisão. Isso deu uma
carreira ao diretor por vários anos. E em 1970
chegamos ao que nos interessa mais nessa
seção: Altman dirigiu o filme Mash, uma
comédia sobre a guerra da Coreia (anterior
à do Vietnã), mas uma metáfora sobre a
guerra do Vietnã e totalmente antibélica.
Tão mordaz, tão diferente, que concorreu
ao Oscar em cinco categorias e levou melhor

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 179


roteiro. Mash viraria série, dois anos de-
pois, com muito sucesso. Ficou 11 anos
no ar, sempre com grande audiência.
Francis Ford Coppola criou
um dos filmes mais respeitados e
imitados do mundo: O poderoso
chefão (1972), contando a história
de uma família mafiosa italiana nos
EUA, de 1945 até 1955. E dois anos
depois, fez algo impensável: criou uma
continuação ainda melhor, que recebeu mais
prêmios, e também levou o Oscar de melhor filme, assim como o
anterior.
Coppola renovou o gênero do Noir e dos filmes de gângs-
teres. O moralismo americano estava em baixa e dava lugar, nos
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

cinemas, aos heróis perturbados (anti-heróis), a protagonistas que


eram criminosos e que possuíam poucas virtudes. E boa parte dessa
desilusão que transparecia no cinema da década de 70 tinha a ver
com um fato. Uma guerra.
Os americanos estavam frustrados com a derrota no Vietnã.
Havia a turma pacifista do “eu avisei” e a turma
contrariada do “eu gosto de uma guerra”
que não se conformava com a derrota para
quem eles consideravam - preconceituosa-
mente - como inferiores. Havia ainda uma
questão racial muito forte a ser resolvida
nos bairros de periferia. Também havia
uma juventude que não tinha heróis, não ti-
nha orgulho de nada nem de ninguém. Uma

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 180


juventude que precisava trabalhar mas havia poucos empregos ou
só havia subempregos.
Os jovens universitários cineastas viram ali uma deixa. Um pú-
blico que precisava ser mostrado, que se reconheceria nas telas. Por
isso, houve uma juvenilização dos filmes. Foram dirigidos especial-
mente para adolescentes. Os adultos não eram mais consumidores
interessantes.
Por isso surgiram obras como Embalos de
Sábado à noite (1977), de John Badham (havia
música, dança, as baladas frequentadas pelos jo-
vens, havia gangues de adolescentes e foi um es-
trondoso sucesso comercial).
Está com fôlego? Puxe o ar aí. Porque agora vamos para uma
lista rápida e sem pontos finais, só vírgulas. Depois de olhar essa
lista, procure as sinopses desses filmes, leia, aí organize esses filmes
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

em temas e gêneros. Assim você terá um mapa interessante do que


foi o cinema dos anos 70 nos EUA. Pronto? Vamos lá:
Os mafiosos romantizados em O poderoso chefão
(1972), o terror em O Exorcista (1973), o filme noir-psicótico e
mais cru, em Taxi Driver (1976), de Scorcese, a crítica das ins-
tituições “para loucos”, em Um Estranho no Ninho (1975), de
Kubrick, o escapismo romântico no musical Grease (1978), a
análise “ficamos loucos com o Vietnã”, em Apocalypse Now
(1979), de Coppola, o humor ácido e ágil de Woody Allen em
Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), a violência juvenil
sem propósito, em Laranja Mecânica (1971), o noir adapta-
do à época, em Chinatown (1974), a ficção no espaço com
foco na falta de esperança, em Aliens - o oitavo passageiro
(1979), a comédia ácida sobre a guerra do Vietnã, em M.a.s.h

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 181


(1970), o sonho do jovem branco italiano da periferia, em
Rock, o Lutador (1976), a continuação ainda melhor do que
o original sobre o mundo dos mafiosos, em O poderoso che-
fão II (1974), um assaltante e seu namorado num roubo que
não deu certo, em Dia de Cão (1975), a tentativa de recriar
novos-velhos heróis, com Superman (1978), o polêmico Últi-
mo Tango em Paris (1972), os aliens bonzinhos em Contatos
Imediatos de Terceiro grau (1977), o filme que critica a pre-
sidência e defende o jornalismo independente, em Todos os
homens do presidente (1976), a disputa entre marido e mu-
lher pela guarda do filho em Kramer versus Kramer (1979), o
terror psicológico e juvenil em Carrie, a estranha (1976)... ufa!
Respire de novo.
Não falei ainda de diversos outros grandes fil-
mes, não só americanos, mas europeus, que não
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

citei aqui. São filmes que usam das características


aprendidas no passado (Surrealismo, Realismo,
Nouvelle vague e todos os outros). Todos eles têm
em comum a maturidade. Mesmo as comédias que
parecem mais tolas, são maduras no tipo de riso que querem pro-
vocar. As mais escapistas, como Superman, é um protótipo, ou
prelúdio, do que viria a acontecer recentemente, com essa onda de
super heróis da Marvel, da DC - ou de outros - nos cinemas.
Você vai perceber, se olhar as sinopses, que há muitos perso-
nagens marginais (à margem da sociedade). E alguns são marginais
no sentido de criminosos. Mas eles são os heróis, ou protagonistas.
Mesmo aqueles que não são bandidos, são perturbados, ou egoís-
tas, ou desinteressados em ter relações sociais. Ou, pior, são pessoas
comuns que se tornam sua pior versão. Carrie, de Brian de Palma,

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 182


por exemplo, é sobre uma adolescente re-
primida pela mãe, uma radical religiosa.
Carrie tem sua primeira experiência
com menstruação enquanto toma
banho na escola e não sabe o que
é aquilo. Sofre bullying e descobre
que tem poderes paranormais. No
fim (peraí, posso contar o final, cer-
to?) ela é enganada, humilhada no dia
do baile e é levada, assim, ao extremo
do estresse. Dessa forma, meio sem querer,
meio por querer, ela usa seu poder mental e explode a cabeça do
seu “inimigo”, foge da escola, toda cheia de sangue no corpo e
no rosto. Fez sucesso (gastou menos de dois milhões de dólares
faturou quase 34 milhões), foi copiado por diversos outros filmes
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

do gênero, virou referência e cult.


Então, esse pós-modernismo não era algum gênero novo. Os
cineastas continuaram a beber da fonte moderna, ou das vanguar-
das, seja fazendo uma revisão, uma atualização, ou uma simples
homenagem. A novidade foi o público. O olhar da indústria de
cinema estava voltada para um público jovem, que trabalhava em
lanchonetes, mercearias e afins. E gastava seu dinheiro onde? A
ideia era de que gastassem nos cinemas. Por outro lado, outros
cineastas tentavam fazer filmes mais reflexivos sem espantar a au-
diência adulta e até mesmo aquela jovem intelectualizada, de uni-
versidades. A novidade eram as continuações, a exploração comer-
cial de tudo o que fosse relacionado ao filme.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 183


Atenção

Em resumo: o cinema de Hollywood dos anos 70 sofreu mu-


danças na tecnologia, na forma narrativa e no uso do estilo que já
havia. Também houve mudança no modo de produção dos filmes,
especialmente no seu marketing, distribuição e exibição. Grave isso.

Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação 2: Assista ao filme Os pássaros de


Hitchcock. Escreva um resumo do filme, suas características técni-
cas (como ele usa o som para criar emoções, como ele usa a câmera
e os enquadramentos para dar ritmo ou também criar sentimentos
ou emoções). Mas faça algo curto, não é pra descrever cada cena.
Pegue uma cena que sirva de exemplo para o filme todo. Vá ano-
tando enquanto assiste e depois organize. O cinema de Hitchcock
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

é moderno. É um filme de suspense-terror. Agora faça o mesmo


com o filme Carrie, a estranha (versão original, de 1976, não a re-
filmagem atual). Carrie é um filme da geração da Nova Hollywood,
de um diretor que admira Hitchcock. Muito bem, seu trabalho final
é comparar os dois filmes. E você tem de responder esta pergunta:
por que o filme de Brian De Palma é pós-moderno? O que ele tem
de diferente (do filme de Hitchcock) que o coloca nessa geração de
novos cineastas e do movimento Nova Hollywood?

Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoavaliação


2 : Uma dica para comparar Carrie e Os pássaros: o cinema da
nova Hollywood faz releituras e homenagens a gêneros do cine-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 184


ma clássico ou do cinema moderno. E De Palma adora o estilo de
suspense de Hitchcock. Ele dirigiu pelo menos três filmes (Trágica
obsessão, Vestida para Matar, Dublê de Corpo) com clara influência
no diretor inglês. Por outro lado, Carrie é um filme de suspense-
-terror, assim como Os Pássaros, de Hitchcock. As diferenças são
simples. Nos Pássaros o romance é o mote inicial. Depois, os pás-
saros transformam tudo em terror e morte. O casal romântico da
história se salva, mas ela está em estado de choque. Final quase
feliz. Os pássaros ficam calmos e tudo volta ao normal, mas as
personagens não são mais as mesmas. No filme do De Palma, Car-
rie é uma menina doce, perdida, sem informações sobre a vida,
sobre menstruação, sobre nada. Quando parece que finalmente
as pessoas vão ajudá-la, quando parece que ela será aceita pelos
alunos da escola, uma garota e um garoto tramam humilhá-la. E é
o que acontece. Sujam sua roupa com sangue de animal quando
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

vai receber o prêmio de rainha do baile. Seus poderes paranormais


ficam descontrolados e ela mata alguém (ou mais gente). A cena
famosa tem ela caminhando pela rua com o vestido todo vermelho
de sangue. E ela culpa sua mãe extremamente controladora e reli-
giosa por seus problemas. Semelhanças? A mãe de Os pássaros é
controladora. A mãe de Psicose idem (e foi morta pelo filho), assim
como em Carrie. Ou seja, é releitura de Freud, autor preferido de
Hitchcock. Há mais coisas, há mais comparações. Mas a obra de De
Palma se encaixa como pós-moderno porque, além de tudo, tem
personagens adolescentes como protagonistas, um ambiente de
escola como cenário principal. Falando de problemas comuns para
a idade: aceitação, primeira menstruação, baile da escola, bullying.
O filme de Hitchcock segue a cartilha moderna, é reflexivo sobre o
ser humano e sua relação com o mundo.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 185


SEÇÃO 3: OS EFEITOS DOS
EFEITOS ESPECIAIS NA
INDÚSTRIA DO CINEMA 

Anos 80 e 90

Antes de continuar, é preciso en-


trar um pouco mais na discussão de cine-
ma pós-moderno, ou melhor, na discussão do
conceito. Renato Luiz Pucci Jr. define o problema (e dá uma possível
solução) assim:

Desde o início dos anos 1980, críticos e aficionados


já faziam suas listas de filmes pós-modernos. Pode-se
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

hoje supor que a expressão deveria ter sido aplicada a


realizações diferentes das que se conheciam, pois que
outra justificativa poderia existir para chamar um filme
de “pós-moderno”, senão para diferenciá-lo de reali-
zações modernas e pré-modernas? Curiosamente, isso
nem sempre ocorreu, uma vez que a expressão foi apli-
cada a títulos que dificilmente se distinguiam do que
havia até então, casos de Loucademia de polícia (Hugh
Wilson, 1984), Rocky IV (Silvester Stallone, 1985) e
Totalmente selvagem (Jonathan Demme, 1986). Essa
relação é virtualmente infinita, uma vez que “pós-mo-
derno” passou a ser utilizado, desde meados daquela
década, como elogio ou insulto em relação a todo fil-
me que agradasse ou desagradasse a quem falava ou

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 186


escrevia. Estava em crise o uso do conceito, que, como
em qualquer caso de abuso conceituai, ao ser utilizado
indiscriminadamente, passou a ter utilidade nula.

Por outro lado, a mesma designação foi também atri-


buída a filmes que desconcertavam a crítica, como O
fundo do coração (Francis F. Coppola, J 982), Blade
Runner, o caçador de andróides (Ridley Scott, 1982),
Zelig (Woody Allen, 1983), Brazil, o filme (Terry Gilliam,
1985) e Veludo azul (David Lynch, 1986). Basta por ora
assinalar que tais filmes desafiavam as categorias ci-
nema- tográficas: clássica, modernista, vanguardista,
expressionista, surrealista - nenhuma delas parecia dar
conta de suas especificidades. Aqui se considera que
essa é a mais interessante aplicação do conceito de
pós-modernismo ao cinema: designar o que foge às
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

classificações tradicionais da teoria. (PUCCI JR., 2006,


p.363)

O cinema americano se dividiu assim: filmes de qualidade


técnica e grande audiência (a série de filmes de Indiana Jones,
as continuações de Star Wars, De volta para o Futuro); filmes
de orçamento baixo ou qualidade duvidosa, mas
surpreendente boa audiência (Robocop, Ca-
ça-fantasmas, Sexta-feira 13 e outros do
gênero terror juvenil); filmes com conteú-
do inteligente e audiência compatível com
o público-alvo (Curtindo a vida adoida-
do, Clube dos 5, O iluminado, Platoon,
Scarface); filmes de conteúdo crítico ou re-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 187


flexivo e de entretenimento, decepção de público, mas que anos
depois viraram referência cult (Blade Runner, Era uma vez na
América). E, claro, há filmes que se encaixam em mais de um crité-
rio, como Exterminador do Futuro (1984). Isso só para ficarmos
nos anos 80. Realmente é difícil classificar o que é cinema pós-
-moderno, principalmente porque há críticos que entendem como
época, e esta teria começado com a Nova Hollywood, nos 70.
O que se estabeleceu aí, se fortaleceu nos 80. E nos 90 houve
um período de “vamos continuar do mesmo jeito?” Era preciso
uma nova atualização tecnológica. E novamente Spielberg e a em-
presa de efeitos especiais de George Lucas mudaram a história da
indústria.
Jurassic Park (1993) ajudou a levar seres
como dinossauros a uma dimensão realista
como jamais havia ocorrido. Os bichos, ex-
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

tintos há milhões de anos, pareciam reais.


O cinema estava pronto para mudanças
radicais no modo de enxergar a fantasia
e a realidade. Monstros, alienígenas, seres
das mais variadas formas poderiam contrace-
nar com humanos e não parecer mais bonecos ou
massinhas de modelar mal feitas. Ave, Lucas-Spielberg!

Multimídia

Trecho retirado de reportagem da Veja de 14 Junho de 2018.


Link:
https://veja.abril.com.br/blog/reveja/os-dinossauros-que-re-
volucionaram-os-efeitos-especiais/

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 188


A descrição da revolução iniciada no primeiro Jurassic Park é
antológica:
“Os dinossauros impressionam tanto porque são verdadeiros mila-
gres da tecnologia. Parte deles foi construída pelo método convencional.
São bonecos feitos em tamanho natural e monitorados atrás de controle
remoto. A maioria deles, no entanto, foi criada pelos computadores da In-
dustrial Light & Magic, empresa de efeitos especiais de George Lucas, dire-
tor de Guerra nas Estrelas, que, com suas pesquisas para o filme conseguiu
fazer uma verdadeira revolução no mundo das imagens digitais. Durante a
fase de pré-produção de Parque dos Dinossauros, ficou acertado que a In-
dustrial Light & Magic entraria apenas com alguns efeitos digitalizados,
como os que foram usados em O Segredo do Abismo e Exterminador
do Futuro 2, assim como nos videoclipes de Michael Jackson. Um dos
técnicos da empresa, Steve Williams, no entanto, achou que poderia fazer
melhor. Fez, e como. Durante várias semanas, trabalhando com os oitenta
computadores Silicon Graphics de alta resolução da Industrial Light & Ma-
gic — só a Nasa possui mais aparelhos desse tipo —, Williams conseguiu
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

criar na tela imagens de dinossauros iguais às que se obteriam com uma câ-
mara 32 milímetros apontada para um dino de verdade. Primeiro desenhou
cada osso e articulação do bicho, depois o cobriu com pele, músculos e fi-
nalmente lhe deu movimento. Quando Spielberg foi chamado para ver
o resultado da experiência, ficou de queixo caído, mandou cancelar
a confecção da maioria dos bonecos de dinossauros em tamanho
natural e optou pelos dinos digitais. Nos dezoito meses seguintes, uma
equipe de cinquenta técnicos da empresa de George Lucas trabalhou sem
parar para fabricar os dinossauros do filme. Para ter uma ideia do tamanho
da tarefa, a memória dos computadores utilizou 250 bilhões de bytes,
suficientes para fazer funcionar todos os computadores pessoais de uma
cidade pequena dos Estados Unidos.”
Clique aqui e veja o vídeo sobre como Jurassic Park mudou o
entretenimento do audiovisual. A parte 2 do vídeo está aqui (nela
há uma explicação mais detalhada sobre os efeitos revolucionários).

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 189


Antes e depois de Jurassic

O que fazer depois de Jurassic?


Tudo era possível. Monstros e seres
de fantasia podiam ser reproduzi-
dos à realidade. Super-heróis pode-
riam ter os efeitos que suas histórias
mereciam. As ideias de carros voado-
res, ou andar sob um skate voador e
outras peculiaridades eram possíveis nos
anos 80. Com dinheiro e com os especialistas
da empresa de George Lucas era possível fazer algo próximo do
real. Também havia espaço para qualquer gênero, mas os filmes de
ação, de ficção e de comédia adolescente eram os preferidos. As
exceções eram filmes que queriam repetir o sucesso do tipo Emba-
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

los de Sábado à noite: com muita música e dança, como Dirty


Dancing (1987), Flashdance (1983) e Footlose (1984), grandes
sucessos comerciais dos anos 80 (também envolviam adolescentes
nas histórias). Mas quem realmente dava o tom do que seria suces-
so era a dupla Spielberg e Lucas: histórias de crianças ou adoles-
centes, engraçadas, envolventes, com muita ação,
emoção e efeitos especiais.
Se possível, com monstros bonzinhos
ou aliens envolvidos nas tramas. ET (1982),
Gremlins (1984), Os Goonies (1985),
De Volta para o Futuro (1985) e outros
(feitos pela dupla ou por seus amigos e se-
guidores) são exemplos.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 190


O público já estava pronto para situações que parecessem
reais. De qualquer tipo. Por exemplo. Jurassic Park não inventou a
ideia de deixar certas coisas mais próximas da realidade. A comédia
de 1990, Esqueceram de mim, caprichou, por exemplo, nas que-
das e pancadas que os bandidos sofreram. Elas também foram di-
ferentes do que se costumava ver em comédias no estilo pastelão
(ou seja, dar risada quando cai um balde de água na sua cabeça).
As quedas e demais situações pareciam doer de verdade nos atores.
E não à toa foi um tremendo sucesso de público. O espectador dos
90 estava gostando da ideia de que tudo parecesse real, qualquer
coisa, por mais impossível que fosse: as lutas da série Rocky (que
começou lá nos 70), o fantástico Touro indomável, de Scorsese
(1980), eram exemplos raros (nós vemos esses filmes e achamos
que os socos foram para valer). O primeiro Duro de matar era de
1988. E também renovou os efeitos de filmes de ação. Mas era pre-
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

ciso mais cenas cada vez mais realistas. E o mundo digital começava
a ser um instrumento capaz de tornar tudo isso verdade. Depois de
Jurassic passou a ser obrigação dos estúdios produzir filmes assim.
O diretor James Cameron se especializou em inovações tecnoló-
gicas com seus filmes como Exterminador do Futuro 2 (1991),
Titanic (1997) ou o Segredo do Abismo (1989). Neste último, os
efeitos inovadores que ele usou para dar forma aos alienígenas que
pareciam feitos de água, foram reutilizados no segundo filme do
Exterminador, criando um robô androide que podia
se desmanchar e se rearranjar. Depois ele criaria câ-
meras próprias para filmar completamente em 3D
na obra Avatar (2009). Como curiosidade, Came-
ron é formado em Física.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 191


Vamos definir com mais detalhes o conceito de Nova Holly-
wood, ok? Para isso vou usar a análise de Fernando Mascarello:

Três conceitos são recorrentes nos estudos da Hollywood


contemporânea e estruturam a discussão: Nova Holly-
wood, cinema hollywoodiano pós-clássico e filme high
concept. Cada um, naturalmente, exibe sua história críti-
ca e acadêmica individual. O primeiro, Nova Hollywood,
caracteriza-se por uma surpreendente mutação: depois
de ser utilizado, em um primeiro momento, em refe-
rência ao chamado American Art Film de final dos anos
1960 e começo dos 1970, praticado por cineastas que
se afastavam do clássico para dialogar com o modernis-
mo europeu (Robert Altman, Arthur Penn, Francis Ford
Coppola, Martin Scorsese, entre outros), o termo Nova
Hollywood passa a designar, a seguir, exatamente a pro-
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

dução mainstream que, começando em 1975, decreta o


esvaziamento do ciclo do “cinema de arte americano”:
o blockbuster à Lucas e Spielberg. Essa produção pós-
1975 se define pelo abandono progressivo da pujança
narrativa típica do filme hollywoodiano até meados de
1960, e também por assumir a posição de carro-chefe
absoluto de uma indústria fortemente integrada, daí em
diante, à cadeia maior da produção e do consumo mi-
diáticos (cinema, TV, vídeo, jogos eletrônicos, parques
temáticos, brinquedos etc). O conceito de Nova Holly-
wood procura traduzir as diferenças estéticas e econô-
micas substanciais do cinema contemporâneo (especial-
mente o pós- 1975) para com a Velha Hollywood, ao
passo que o de filme hollywoodiano pós-clássico, em

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 192


paralelo, busca explicá-las como uma ultrapassagem do
classicismo cinematográfico americano. Daí suas distin-
tas fortunas críticas: se a ideia de uma Nova Hollywood
raramente se vê contestada (ainda que bastante se dis-
cutam sua definição e amplitude), a noção de “pós-clás-
sico” provoca, desde sua vulgarização ao princípio dos
anos 1990, uma ferrenha polêmica sobre sua pertinên-
cia historiográfica e teórica. Isso é conseqüência, é claro,
do enorme peso histórico-acadêmico, para os estudos
de Hollywood, do conceito de cinema clássico”. (MAS-
CARELLO, 2006, p. 366-367)

Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação 3: Assista ao filme Fúria de Titãs


UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

(1981) na versão original. Se você não conseguir encontrar, então


assista a alguns trechos que estão nos links que vou passar agora:
Trecho da luta contra medusa aqui. O trecho da luta contra
Kraken aqui. Trecho com os principais efeitos especiais do
filme aqui. Muito bem, após analisar os efeitos especiais (e é ba-
sicamente isso o que você vai olhar). Assista à versão de 2010. Ou
compare direto os mesmos trechos: luta contra a medusa aqui.
E a luta contra o Kraken aqui. E veja os traillers do filme. Agora
compare os efeitos especiais: o filme original surpreendeu na épo-
ca, mas o de 2010 não. Tente explicar por quê? Use seus conheci-
mentos da unidade 4, especialmente desta seção. Que emoções as
cenas selecionadas do original conseguem despertar ainda hoje em
você? As cenas do filme de 2010 conseguem despertar as mesmas
emoções? Explique.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 193


Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoavaliação 3


: O objetivo é mostrar a evolução da tecnologia no cinema durante
os anos 80 e 90. Repare como no primeiro Fúria de Titãs o principal
recurso é o do stop motion. E lembre que para fazer Jurassic Park,
Spielberg iria usar essa técnica, não fosse a equipe de George Lu-
cas descobrir a tempo como fazer os dinossauros completamente por
meio digital. Na verdade, O diretor gravou diversas cenas de ação
usando stop motion para mostrar para a equipe de computação grá-
fica como ele queria que fossem as cenas. Então, este recurso de stop
motion era totalmente funcional em meados dos anos 90 (depois
passou a ser usado muito mais em animações retrôs). Portanto, Fúria
de Titãs, ao mostrar cavalos voadores, monstros com pernas de bode,
um rosto de estátua falando, uma medusa com cobras se mexen-
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

do na cabeça, uma coruja mecânica e um Kraken gigantesco, ele


misturou filmes-catástrofe com filmes de fantasia e de ação. Alguns
efeitos soam meio toscos hoje. Mas a maquiagem de Calibo ficou
ótima, o Kraken foi verossímil. O lobo de duas cabeças também foi
interessante. E como a medusa era muito mais difícil de fazer com os
recursos da época, o diretor usou maneiras de filmá-la sem mostrar
muito. Então investiu mais em técnicas de suspense, para criar tensão
enquanto esperamos que o herói escape dos monstros. Já o filme de
2010 podia mostrar o que quisesse, e não era o primeiro a fazer isso.
Então, não era novidade e ninguém se surpreendeu com os efeitos.
Por isso mesmo o diretor do filme mais recente investiu mais nas ce-
nas de ação e na dificuldade de matar a medusa. Em outras palavras,
as cenas do Kraken, da medusa e outras foram mais espetaculariza-
das, para aproveitar tudo o que o que a tecnologia digital dava.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 194


SEÇÃO 4: CINEMA DIGITAL:
PÓS-MATRIX

Nesse período (do novo mi-


lênio), o poder de criar tendências
da dupla Spielberg-Lucas diminuiu.
Mas havia outros cineastas que cria-
ram visual inovador em seus filmes.
O Tigre e o Dragão (2000) renovou o
gênero de artes marciais. Pela qualidade téc-
nica, pelo conteúdo reflexivo, inteligente, enfim, foi um grande fil-
me. Mas sobretudo pelos efeitos especiais. Os famosos cabos que
erguem os atores passariam a ser exaustivamente usados em filmes
de super heróis ou de ação. Nesse filme de Ang Lee, as lutas pa-
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

reciam reais. A única coisa impossível eram os saltos que faziam as


personagens seres que podiam caminhar no ar. Mas mesmo isso era
feito de tal maneira que visualmente era até poético. Virou modelo
para outros filmes (falaremos dos filmes orientais mais adiante).
Mas nenhum outro filme foi tão revolucionário para efeitos
especiais quanto Matrix (1999), das irmãs Wa-
chowski. Elas popularizaram um efeito visual
conhecido como Bullet-time: a câmera
lenta idealizada para mostrar o movimento
de personagens e/ou objetos em período
de tempo extremamente curto - o que faz
jus ao nome, quando uma ação é mostrada
em “tempo de bala”; nos remetendo a pra-
ticamente parar no tempo para obter-se uma

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 195


visão detalhada. Exemplo de Bullet-time em Matrix
é só acessar aqui).
Já nesse outro link aqui você pode ver que
estudantes criaram recentemente um aplicativo pra
você fazer isso (do efeito bullet-time) por conta
própria. Clique nesse link anterior e veja o vídeo com exemplos do
que o aplicativo pode fazer. E tem comparações com a cena origi-
nal de Matrix. Você precisa ter alguns smartphones, uma ideia de
cena e baixar o aplicativo deles (CamSwarm). E aí já pode fazer seu
Matrix sozinho.
Mas e no cinema menos blockbuster? Bom, surgiram o mun-
do bizarro e neoexpressionista de Tim Burton, dezenas de comé-
dias românticas, a violência vintage de Tarantino, os filmes de
suspense psicológico como O Silêncio dos Inocentes, de 1991
(ganhador do Oscar). Também teve a bilheteria e a superprodução
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

de Titanic (1997) que já citamos aqui; as primeiras animações


totalmente digitais (e com ótimas histórias), como Toy Story
(1995), marcando o surgimento da poderosa e inovadora Pixar
(comprada pela Disney), que também passaria a ditar moda na for-
ma (e no visual) de contar histórias para crianças. Sim, a tecnolo-
gia e o cinema sempre andaram juntos, porque
o cinema é tecnologia. Sem ela não haveria
filmes. Primeiro teve de nascer a máquina
capaz de filmar, revelar e exibir, para de-
pois vir a arte cinematográfica.
A intensificação do uso da internet,
de aplicativos e dos celulares inteligentes
(smartphones) também mudaram a lingua-
gem narrativa. O jeito de contar passou a ser

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 196


o da câmera na mão (de novo), mas não
era o diretor que estava na câmera.
Era você mesmo. A Bruxa de Blair
(1999) não inaugurou o estilo fou-
nd footage, mas o popularizou:
trata-se de um filme se passando
por um documentário filmado com
uma simples filmadora. Muitas vezes
o estilo é usado para filmes de terror,
como no caso da Bruxa de Blair. Esse gê-
nero ganhou força e sentido quando se po-
pularizaram os celulares com câmeras, e a cultura do “selfismo”. O
filme de monstro, Cloverfield (2008) é todo feito no estilo celular
na mão. Os ângulos de câmera são dos celulares das personagens.
Então, temos os videogames de ação, aqueles em que você
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

segura uma arma e sai atirando, mas a visão do jogo é sua (câmera
subjetiva). Ou seja, a perspectiva de câmera no jogo é de quem
joga, para que tudo pareça o mais real possível (novamente a ques-
tão do “mais real”). Mais real que a realidade já era uma obsessão.
Nesse sentido, o cinema também começa a copiar esse jeito
de filmar cenas de ação com a perspectiva de um gamer (aliás,
tem um filme com esse nome, Gamer, de 2009). O filme Har-
dcore: Missão Extrema (2015) levou a ideia ao limite. A obra
toda você vê com os olhos de um ciborgue, que é o personagem
principal (veja aqui o link para o trailler oficial e você entenderá
melhor).
Os filmes de terror, como a série Atividade Paranormal
(2007), usam e abusam do estilo câmera comum na mão do per-
sonagem. Apenas evoluímos das filmadoras para os celulares com

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 197


câmeras. Mas a ideia é a mesma. E às vezes radicalizamos para a
câmera em primeira pessoa.
Tecnicamente falando: são os chamados jogos de FPS, a
abreviação para First Person Shooter ou Tiro em Primeira Pessoa,
em português. São games jogados da perspectiva do jogador
que carrega uma arma. Os filmes dos anos 2000 em diante trans-
formaram isso em estilo narrativo, em linguagem de câmera. Usam
em algumas cenas ou em quase todo filme.
Um capítulo à parte foram os efeitos especiais, misturados ao
trabalho incrível com maquetes, da trilogia
O Senhor dos Anéis
(2001), de Peter Jackson. Ele
não usou a empresa de Geor-
ge Lucas. E se virou para criar
os efeitos de que precisava.
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

Popularizou o jeito de criar se-


res com interpretação real. Ou
seja, o ator usava aparelhos para
captação de movimento, e fazia o monstro, bicho ou o ser que
fosse. E o que isso acrescentava? Bom, os monstros já eram reais
graças a Jurassic Park, mas faltava a eles uma expressividade de
movimentos e expressões que somente uma atriz e ator poderiam
dar. Andy Serkis ganhou fama por interpretar personagens em
computação gráfica, onde seu corpo e movimentação serviram de
molde para as personagens. Ele praticamente criou uma classe de
trabalhadores: a dos ‘atores corporais”. Sua interpretação de Gol-
lum é antológica na parte II da trilogia dos Anéis.
Então, o diretor Peter Jackson também ditou uma moda:
filmes adaptados de livros de fantasia para jovens, com seres fan-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 198


tásticos e visuais de batalhas incríveis.
Alguns filmes do tipo fizeram relati-
vo sucesso, outros foram fracassos,
como sempre acontece. Os chama-
dos “filmões”, que buscam o bilhão
de dólares de bilheteria, cresciam.
Assim, diminuíram espaço para a pro-
dução de filmes “normais”. Mesmo assim, as produções indepen-
dentes aconteciam e as “quase” independentes também. Scorsese
continuava com seus filmes de suspense ou de máfia, mas acima
de tudo, fazendo grande cinema (desde os anos 70). Outros no-
mes do cinema independente americano dos anos 70 e 80 seguiam
produzindo, seja por estúdios, seja por conta própria. A tecnolo-
gia digital facilitou a criação de filmes caseiros com uma qualidade
maior. Aplicativos de edição mais fáceis de usar e mais baratos (ou
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

de graça) invadiram o mercado, fazendo com que todos quisessem


produzir filmes. O problema é a criação de profissionais que saibam
usar as técnicas cinematográficas para filmar. Mas o gosto pelo
audiovisual só cresce.
Ainda há espaço para gente de talento sem dinheiro. A ci-
neasta australiana Jennifer Kent produziu sabe-
-se lá como o seu assustador e tenso filme de
terror Babadook (2014). É visível a falta de
recursos em uma das aparições do monstro
(vemos num take muito rápido que se trata
de uma pessoa fantasiada). Por isso o mons-
tro quase não aparece. Mas a obra é ótima.
Tensa. Por isso ela ganhou reconhecimento in-
ternacional. Para terminar seu segundo filme,

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 199


The Nightingale (2019) precisou usar a chamada vaquinha virtual
(crowdfunding, ou financiamento coletivo).
Ainda na onda do terror, que é um gênero propício para ino-
vações e jovens talentos, o filme Corra! (2014), revelou o talento
do diretor negro Jordan Peele. Ele fez um filme de terror e ao mes-
mo tempo discutiu de maneira sarcástica a questão racial nos EUA.
O diretor, também negro, Steve McQueen, é outro que produz
boas histórias e discussões sobre a questão racial (ganhou Oscar de
melhor filme por 12 anos de Escravidão, de 2013). Do lado das
mulheres, temos grandes filmes também, como Guerra ao Terror,
de 2008, também vencedor do Oscar de melhor filme, feito por
Kathryn Bigelow. Elas ainda não têm muito espaço na indústria
cinematográfica (menos ainda se for mulher e negra), mas traba-
lham por trás das câmeras há muitos anos. Por isso fiz uma lista
rápida para você ficar curioso e resolver olhar o que elas filmaram:
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

ALGUMAS DAS CINEASTAS NA HISTÓRIA DO


AUDIOVISUAL:

Alice Guy Blaché (1873-1968)


Cléo de Verberana (1909-1972)
Agnès Varda (1928-2019)
Chantal Akerman (1950-2015)
Adélia Sampaio 
Greta Gerwig
Sofia Coppola
Lucrecia Martel
Jane Campion
Anna Muylaert

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 200


Carla Camuratti
Catherine Hardwicke
Ava DuVernay
Mélanie Laurent
Julie Delpy
Patty Jenkins
Nora Ephron
Nancy Myers

Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação 4: Qual a grande novidade que


mudou o cinema no século XXI? Qual foi a cara do cinema a partir
dos anos 2000? Escreva um texto analítico explicando sua opinião.
Use exemplos, ou ilustre com um filme (ou mais de um) como sím-
bolo do que você pensa. A novidade pode ser estética ou técnica.
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

Pode até ser um conjunto de coisas. O que importa é que você


justifique com argumentos e com fatos.

Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoavaliação


4: O que mudou o cinema do século XXI? O cinema digital. Eu
espero que o estudante invista nisso em sua resposta. Na indús-
tria foram as formas novas de assistir aos filmes (por culpa da di-
gitalização do mundo, dos celulares, da internet mais rápida). A
experiência do cinema mudou. As telas se diversificaram (tela do
tablet, do computador, do celular, do cinema). Isso mudou a forma
de filmar também. Foi preciso incluir nas histórias a digitalização

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 201


do mundo. E a Trilogia Matrix foi a primeira a fazer isso de modo
a atingir o mundo todo, falando de tudo isso ao mesmo tempo. E
de inteligências artificiais. De mundo virtual e mundo real. O aluno
pode usar outros exemplos ou focar em uma transformação só. Eu
citei aqui várias.
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 202


SEÇÃO 5: CINEMA DO
ORIENTE: CHINA, COREIA DO
SUL, JAPÃO E ÍNDIA.

Existe uma gama enorme de


“cinemas” que devem ser levados
em conta na história do audiovisual.
O japonês é um dos mais importantes.
Mas também há o chinês e recentemente o
coreano. Filmes tailandeses, do Oriente Médio, com perspectiva
árabe ou judaica (iranianos, iraquianos, marroquinos, israelenses),
filmes da chamada África negra, da América Latina, enfim, de todo
o mundo. Há obras relevantes. Mas falarei rapidamente dos japone-
ses, coreanos e chineses (com menção honrosa ao cinema indiano).
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

Desde 1899 o Japão faz filmes. Um dos maiores diretores e


mais famosos internacionalmente é Akira Kurosawa. Seu primei-
ro filme foi Sugata Sanshiro (A Saga do Judô) em 1943. Spiel-
berg adora Kurosawa, assim como George Lucas e Francis Ford
Coppola. Alguns de seus principais filmes: Rashomon (1950), Os
sete samurais (1954), A fortaleza escondida
(1958). Esta última obra influenciou George
Lucas em Star Wars. Lucas dizia que Kuro-
sawa o influenciou em quase tudo: inspira-
ção, criatividade, atmosfera, histórias épi-
cas e personagens mitológicos. O diretor
japonês também teve Dersu Uzala (1975),
o sucesso Kagemusha (1980), que só saiu

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 203


do papel graças à influência de Lucas. Ele convenceu a Fox a dar o
dinheiro (Coppola produziu) para o filme de Kurosawa. A Europa
passou a reverenciar o diretor, que depois lançou Ran (1985). Seu
último filme foi Madadayo (1993). Mas há uma coisa que precisa
ser dita. Embora Kurosawa tenha inspirado os principais diretores
da Nova Hollywood, o próprio diretor japonês assistia e se inspirava
na direção dos faroestes feitos por outro grande diretor, o ameri-
cano John Ford. É um ciclo de gente que se inspira em outra e isso
se retroalimenta.

Sobre outros cineastas e filmes japoneses:

Destaque para A Mulher da Areia (Suna no


Onna, 1964), de Hiroshi Teshigahara. E Kwaidan
(1965), de Masaki Kobayashi. Este último é um fil-
me com histórias de terror típicas do Japão. O es-
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

tilo de assustar que virou marca de filmes de terror


japoneses recentes (desde os 90) estava presente
nesse filme.
Em 1976, houve o filme político, erótico, com cenas explíci-
tas de sexo, chamado Império dos Sentidos, de Nagisa Oshima,
baseado numa história real. Em 1982, teve o belíssimo A balada
de Narayama (1982), de Shohei Imamura, também diretor de A
Enguia (1992). Ambos ganharam prêmio de melhor filme em Can-
nes. Os japoneses também se destacam muito nas animações, ou
animes, baseados em mangás, ou histórias originais. Hayao Miya-
zaki é um dos mais famosos e premiados no mundo.
Os sul-coreanos já faziam ótimos filmes de terror, como os
próprios japoneses. Hollywood, sem ideias para o terror, refilmava

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 204


os melhores, como a série de filmes japo-
neses O grito, por exemplo, de 2003,
que teve uma versão americana logo
no ano seguinte. Mas o assunto
agora são os coreanos.
Pois bem, o cinema sul-co-
reano só ganha impulso depois de o
governo parar de interferir nele. Isso
nos anos 80. Antes disso o país passou
por complicadas situações políticas, de
guerras e de interferência direta governamental.
Surgiram filmes como Mandala  do diretor Im Kwon-Taek,
que venceu o Grand Prix no Hawaii Film Festival em 1981. E em
1987, Kang Su-Yeon levou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de
Veneza por por sua participação em The Surrogate Woman. Im
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

Kwon-Taek também trabalhou com a atriz em Come Come Come


Upward (1989). O cinema coreano virou uma potência em termos
industriais (também com envolvimento em séries televisivas, que
são febre mundial). E ganhou um apelido: Hallyuwood.
Vieram obras-primas, como Oldboy (2003), de Chan-wook
Park (que fez três filmes com a temática da vingança), Mother
(2009), de Joon Ho Bong, O Caçador (2008), de Hong-jin Na, o
sensacional filme de zumbis Invasão Zumbi (2016), de Sang-ho
Yeon, A Criada (2016), de Chan-wook Park, e muitos outros, que
vão do terror ao drama. Além de, claro, Parasita (2019), vencedor
do Oscar de melhor filme em 2020, dirigido por Bong Joon-Ho.
Isso nunca, repito, nunca aconteceu no Oscar: premiar um filme
que não fala em inglês como melhor obra do ano. Vale dizer que
Bong Joon-ho disse, inúmeras vezes, que quando estudava cine-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 205


ma, cansou de ver filmes de Scorsese. O
colunista Henrique Balbi, em sua co-
luna na revista Época, explicou, em
12/02/2020, uma característica mar-
cante em Scorsese, que o cineasta
sul-coreano procurava se inspirar:
“Na verdade, são os dilemas morais,
as contradições internas e a busca
por redenção num mundo caído, apo-
drecido, que dialogam com o “pessoal”
em Scorsese. O cineasta e suas personagens
passam por experiências radicalmente distintas, mas encontram
uma ressonância interna, um drama pessoal, comum. A saraivada
de prêmios a Parasita certamente tem a ver com a criação desse
espaço de ressonância humana em que qualquer um pode se re-
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

conhecer, sul-coreano ou americano, rico ou pobre. Que esse es-


paço possa ser habitado por todos, aliás, só reforça o absurdo das
cisões de classe denunciadas pelo filme e replicadas na vida real,
um absurdo amplificado pela ironia de o Oscar — prêmio da elite
cultural do planeta a si mesma — o consagrar com a maior das
honrarias” (disponível em: <https://epoca.glo-
bo.com/henrique-balbi/coluna-parasita-
-bong-joon-ho-a-licao-artistica-de-mar-
tin-scorsese-24244418>).
Os chineses ficaram conhecidos pri-
meiro por seus filmes de artes marciais. E
por terem revelado Bruce Lee. Esses filmes
influenciaram cineastas como Quentin Ta-
rantino (veja Kill Bill I e II, de 2003-04). Mas

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 206


Tarantino também usava muitos elementos de filmes japoneses,
inclusive no próprio Kill Bill. Já Scorsese refilmou o Conflitos In-
ternos (2002) em 2006, chamando de Os Infiltrados. Mas os chi-
neses não se reduzem a obras de artes marciais, embora alguns
não sejam apenas de ação, mas com ação dramática e até poética,
como o incrível Herói (2002), de Zhang Yimou.
O cinema chinês se sustenta sozinho se você considerar a po-
pulação consumidora do país. Tanto que Hollywood faz de tudo
para emplacar seus filmes por lá. Nem sempre consegue. Yimou e
Ang Lee (que é tawainês) conseguiram grandes filmes de repercus-
são internacional. O principal e único filme chinês relevante de Ang
Lee é O Tigre e o Dragão (2000). Por isso fica um pouco estranho
falar dele como cineasta chinês ou taiwanês. Ele navega muito por
Hollywood. Embora sempre tenha produtoras chinesas financiando
alguns de seus filmes. A onda de novos cineastas surgiu no final
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

da década de 90, quando a China viu nascer mais um fluxo de


jovens realizadores: Jia Zhangke (o diretor brasileiro Walter Sal-
les o adora , até escreveu um livro sobre o cineasta), Liu Bingjian,
Wang Chao, Zhu Wen, Emily Tang. O que aproxima todos eles é
um desejo pelo realismo, sua maneira de misturar documentário e
ficção, de apelar aos amadores e filmar a cidade. O cinema chinês
é extremamente rico em histórias, texturas e cores. Dê uma boa
pesquisada. Vale a pena.
Bollywood. É uma indústria de cinema na língua hindi, da
Índia. Por ter uma população na casa do bilhão, como a China, os
indianos também sustentam sozinhos sua indústria. E muitos dos
filmes feitos por lá chegam ao resto do mundo. A característica
principal de todos os filmes são as cores nos figurinos, a dança
(quase sempre há um número musical no fim dos filmes). Narrati-

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 207


vamente há uma imitação da estrutura clássica de
Hollywood, um apego ao melodrama.

Glossário

Calma, vamos explicar o conceito de melodrama aqui: Ivete


Susana Kist explica como sendo um gênero que dá ênfase para a
movimentação do enredo e para temas sentimentais (KIST, 2012).
O melodrama nasceu da união da música e das emoções inten-
sas. Desafiou conceitos de verossimilhança e não poupou esforços
para levar a história ao seu final feliz. Tinha apelo popular, mas o
drama parecia mais próximo do universo burguês. O melodrama
é de contrastes: vício e virtude, amor e ódio. Alterna momentos
de desolação e euforia. Tem caráter moralizante. (THOMASSEAU,
2005).
Então, quando usarmos a palavra melodrama no cinema, será
com essa ideia.
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

Raja Harishchandra (1913), foi o primeiro filme feito na Ín-


dia. O primeiro filme sonoro indiano foi Alam Ara (1931). Duzen-
tos filmes por ano eram feitos na década de 30. Como você vê, já
era uma indústria e tanto. Os filmes musicais centrados na família
são o que há de mais típico na produção indiana. Não existe som
ambiente. Tudo é criado em estúdio. As vozes são regravadas pelos
atores. Geralmente os filmes não custam mais de 10 milhões de
dólares (esse valor é considerado alto por lá). Mas não pense que
é tudo leve. Há dramas, histórias bem sérias também. Uma coisa
interessante: os filmes indianos começaram a tocar mais no assunto
da violência sexual contra a mulher em seus enredos. Alguns

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 208


dos filmes abaixo tratam direta ou indire-
tamente disso. Mas o que mais vende
lá são as comédias românticas, claro.
Principais filmes recentes de
Bollywood: Artigo 15 (2019), Ho-
mem-Absorvente (2018), Parma-
nu (2018), Soni (2018), Pink (2016),
Talvar (2015), Umrika (2015), 2 Sta-
tes (2014), Kai Po Che! (2013).

Futuro do audivisual: A computação


gráfica e a captura de movimentos estão cada vez mais próximas das
mãos de pessoas comuns, graças a aplicativos cada vez mais práticos e
revolucionários. Não surpreenderá se em breve for possível fazer todo
o processo de produção de um audiovisual (gravação, edição e efeitos)
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

apenas usando celulares. E mais: se essa obra, com cara de profissio-


nal, tiver sido feita por um adolescente. Mas um objetivo do cinema
nunca vai mudar: a ideia de sempre tentar iludir, ilusionar, o público.

Conclusão

Graças a uma tecnologia mais inovadora para câmeras e para


a computação gráfica, é possível filmar de todos os ângulos possí-
veis. E se for de um ângulo impossível, usa-se a computação grá-
fica. Não há limites para onde a câmara pode olhar. O sonho da
primeira pessoa que fez uma câmara escura para ver uma imagem
refletida da realidade está completo. E completo para além do que
seria possível imaginar. Qualquer coisa agora pode ser mais real do
que a própria realidade.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 209


Recapitulando

Você viu aqui: as estrelas de Hollywood garantiam público


nas salas de cinema; grandes musicais foram criados, mas essa era
de ouro terminou nos anos 70 com a chegada da Nova Hollywood:
cineastas que privilegiavam independência criativa e visavam um
público mais jovem em seus enredos. Desde os anos 50 já havia
tentativas de filmar a vida adolescente e rebelde. A guerra do Viet-
nã, que veio na década seguinte, intensificou a necessidade de se
falar de assuntos mais pesados e de escolher protagonistas “menos
perfeitos”, como gângsteres, mafiosos. O chamado cinema pós-
-moderno atualizava gêneros e discutia as mazelas sociais e polí-
ticas da geração-70, além de criar um novo modelo de negócios
no audiovisual, com a exploração comercial de seus personagens e
histórias. Nos anos 80 os blockbusters se estabeleceram graças aos
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

avanços tecnológicos dos efeitos especiais dos filmes de George Lu-


cas e Steven Spielberg. O efeito Matrix definiu o uso dos efeitos di-
gitais e criou um novo jeito de ver cinema; isso aconteceu também
graças a inovações técnicas de cineastas como James Cameron e
Peter Jackson. O cinema japonês, coreano e chinês contribuíram
para o cinema mundial influenciando, inclusive, os cineastas au-
torais de Hollywood, como Coppola, Lucas, Spielberg, Tarantino e
outros. Os celulares smartphones, as câmeras e aplicativos de edi-
ção se tornaram mais práticos e mais próximos das mãos do usuário
comum. Assim, o futuro do cinema passa por uma qualificação téc-
nica maior do profissional do audiovisual, porque ele irá competir
com o próprio público na produção de filmes, então precisa estar
pronto para inovar sempre.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 210


PARA FIM DE CONVERSA... 

Cara aluna, caro aluno, 


 
Acabou a disciplina História do Audiovisual, mas não acabou
de verdade. Você trocou muitas ideias com seus tutores, amigos,
em fóruns, em casa vendo filmes recomendados. Foi intenso, mas
essa disciplina não acaba aqui. Há muitos filmes para serem vistos,
textos de especialistas, gente que pensa diferente de outros autores
que foram selecionados aqui, de cineastas que derrubam conceitos
criando obras híbridas, ou sem fronteira nenhuma com movimen-
tos cinematográficos. Escrever essa disciplina foi o máximo para
mim, ao mesmo tempo em que terminava meu doutorado. Relem-
brei vanguardas que tinha esquecido, revisitei outras que adoro, reli
textos e acabei tendo outras interpretações de alguns deles. Refle-
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

ti muito sobre o conceito de estética, principalmente de vanguar-


da. Por exemplo: o que seria pertencer a um movimento, ou ser um
seguidor, ou ainda, o que seria se apropriar de características sem
necessariamente pertencer a algum movimento estético. Enfim, foi
um desafio juntar uma história tão rica, tão diversa, tão longa em
uma disciplina. Deixei de fora coisas importantes, autores, cineas-
tas que mereciam mais atenção. Mas aprendi muitíssimo com essa
experiência. O retorno de vocês — sobre meus erros — nesse pro-
cesso todo, é importante para mim.   
Olha só, quero deixar o seguinte legado: divirta-se com o au-
diovisual. Experimente-o. Para isso, estude a história, conheça os
pioneiros, veja o que fizeram, tente fazer também. Conhecer his-
tória é saber quem você foi, é entender por que você é, e é refletir

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 211


sobre quem poderá ser. Isso vale para Audiovisual. Por isso, produ-
za audiovisual como se fosse um expressionista hitchcockiano-cha-
plin surrealista vagueano extremamente digital e oriental brasileiro.
Ou outra coisa. Nada acaba aqui.  
Bom trabalho! 

Agora é a sua vez

Atividade de autoavaliação 5: Como o cinema oriental in-


fluenciou o cinema americano? Dê exemplos, cite filmes, justifique
onde houve maior influência. Vá além do conteúdo desta unidade
e pesquise. Faça um texto dissertativo. Você pode focar em um
caso, como por exemplo: as animações japonesas (os animes) ba-
seados em mangás. Mas cite, mesmo que superficialmente, outros
exemplos de influência do cinema oriental no cinema americano.
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

Acertou?

Referencial de respostas para as atividades de Autoavaliação


5: O cinema oriental inspirou Hollywood, mas o oposto também
aconteceu. O filme Parasita (2019) só ganhou o Oscar porque, além
de ser genialmente bem filmado, é inspirado em grandes jeitos de
filmar do cinema americano. No próprio filme sul-coreano há ho-
menagens explícitas a um diretor da Nova Hollywood: Martin Scor-
sese. Isso porque o diretor de Parasita já trabalhou nos EUA e sabe
como os americanos gostam de filmes. Ou seja, ele aprendeu lá,
usou em seu país o que aprendeu e pôs um toque pessoal, que deu
ao filme o Oscar de melhor filme, feito inédito por se tratar de uma
obra que fala em coreano, não em inglês. Mas isso pode parecer

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 212


um comentário que desmerece o talento dos sul-coreanos. Mas
não é. O fato é que vencer no mercado americano sem falar inglês
é impossível. E isso só aconteceu dessa vez porque vários fatores
ajudaram. Um deles é um diretor que fez um filme que é compreen-
dido por qualquer pessoa do mundo, inclusive o povo americano. É
um filme universal. E ele se inspirou em um diretor que Hollywood
adora. Mas no geral, o cinema oriental mais foi copiado do que co-
piou o cinema americano. E não estou dizendo que Parasita copiou
alguém. O cinema europeu (notadamente o francês), o americano
(notadamente Tarantino) adoram a estilização da violência do jeito
que é feito pelos japoneses ou pelos chineses. Também apreciam a
sensibilidade da direção de arte nos filmes chineses, ou o trabalho
com cores de filmes de época japoneses. Os sul-coreanos viraram
febre mundial com suas séries juvenis. O cinema só a partir dos
anos 90. Mas o japonês Kurosawa, por exemplo, influenciou Co-
UNIDADE 4 – Cinema Pós-Moderno: da Nova Hollywood aos Filmes Digitais

ppola (na construção de seres mitológicos) e George Lucas (para


fazer a saga Star Wars). Recentemente, os filmes de terror mais
inventivos vêm do oriente. São produzidos lá, fazem sucesso, e aí
os americanos copiam um ano, ou dois anos depois. E por aí vai. O
aluno tem um campo vasto para responder.

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HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL 213


Autor(a):
Prof. Me. Fábio de Amorim

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