Você está na página 1de 170

NARRATIVAS

VISUAIS
NARRATIVAS
VISUAIS

|
SÃO PAULO 2020
EXPEDIENTE

FEBASP Associação Civil


Entidade Mantenedora

Diretor-Presidente
Prof. Dr. Paulo Antonio Gomes Cardim
 
Diretora-Financeira
Profa. Maria Lúcia de Oliveira Gomes Cardim
 
Diretora-Administrativa
Priscila Gomes Cardim
 
Centro Universitário Belas Artes de São Paulo
Entidade Mantida

Reitor
Prof. Dr. Paulo Antonio Gomes Cardim
 
Assessora de Planejamento
Profa. Maria Lúcia de Oliveira Gomes Cardim
 
Diretora-Geral
Patrícia Gomes Cardim
 
Superintendente Acadêmica
Profa. Dra. Josiane Maria de Freitas Tonelotto
 
Pró-Reitoria Administrativa e de Qualidade
Prof. Dr. Francisco Carlos Tadeu Starke Rodrigues
 
Pró-Reitoria de Ensino
Prof. Dr. Marcelo de Andrade Romero
COORDENAÇÃO DE CURSOS

Arquitetura e Urbanismo Jornalismo


Prof. Ms. Giovanni Di Prete Campari e Profa. Dr. Renato Tavares Junior
Prof. Dr. Sergio Ricardo Lessa Ortiz  
  Licenciatura em Artes
Artes Cênicas Prof. Dr. José Ronaldo Alonso Mathias
Prof. Ms. Natalício Batista dos Santos Junior  
  Logística (Educação Digital – EAD)
Artes Visuais Profa. Ms. Anna Beatriz C. Tvrzska de Gouvêa
Prof. Dr. Roberto Bertani  
  Marketing (Educação Digital – EAD)
Comunicação Institucional Profa. Ms. Anna Beatriz C. Tvrzska de Gouvêa
(Educação Digital – EAD)  
Profa. Ms. Denise de Paiva Costa Tangerino Mídias Sociais Digitais
Prof. Dr. Renato Tavares Junior
Desenho de Animação  
Prof. Esp. Jorge Avelar Música, Tecnologia e Inovação
  Prof. Dr. Teophilo Augusto Pinto
Design de Games  
Prof. Esp. Jorge Avelar Pedagogia (Educação Digital – EAD)
  Profa. Dra. Tatiana Boulhosa
Design de Interiores  
Profa. Dra. Sueli Garcia Processos Gerenciais (Educação Digital –
  EAD)
Design de Moda Profa. Ms. Anna Beatriz Cautela Tvrzska de
Profa. Ms. Valeska Fonseca Nakad Gouvêa
 
Design de Produto Produção Multimídia (Educação Digital –
Profa. Dra. Sueli Garcia EAD)
Profa. Ms. Denise de Paiva Costa Tangerino
Design Gráfico  
Prof. Ms. Elwyn Lourenço Correia Publicidade e Propaganda
  Prof. Dr. José Ronaldo Alonso Mathias
Eventos (Educação Digital – EAD)  
Profa. Ms. Denise de Paiva Costa Tangerino Rádio e TV
  Prof. Dr. Renato Tavares Junior
Fotografia  
Prof. Ms. Guilherme Marcondes Tosetto Relações Internacionais
  Prof. Dr. Rodolfo Pereira das Chagas
Gestão da Qualidade (Educação Digital – EAD)  
Profa. Ms. Anna Beatriz C. Tvrzska de Gouvêa Relações Públicas
  Prof. Ms. Natalício Batista dos Santos Junior
Gestão de Recursos Humanos
(Educação Digital – EAD)
Profa. Ms. Anna Beatriz C. Tvrzska de Gouvêa
DEPARTAMENTO BA ONLINE – EDUCAÇÃO DIGITAL

Superintendente Acadêmica
Profa. Dra. Josiane Maria de Freitas Tonelotto

Coordenadora
Profa. Dra. Leila Rabello de Oliveira

Analista Educacional
Hanna Carolina Brino
Juliana Bernardo Ferreira

Designer Instrucional
Claudio Villa

Especialista em Melhoria Contínua de Tecnologia Educacional


Renata Cabral

Revisores de Texto
Gabriel Kwak
Marina de Mello Fontanelli

Tutores
Grace Kelly Marcelino
Lucas Giesteira Camargo
Sandra Febbe Cazarejos
SUMÁRIO  Clique nos tópicos para navegação

INTRODUÇÃO DA DISCIPLINA.......................................7

UNIDADE 1.............................................................................8
OBJETO SOCIAL, MÍDIAS E NARRATIVAS

UNIDADE 2...........................................................................54
A NARRATIVA MIDIÁTICA MASSIVA E
PÓS-MASSIVA: FORMATOS, PADRÕES,
GÊNEROS E CARACTERÍSTICAS

UNIDADE 3...........................................................................93
ESTRUTURA NARRATIVA: FUNDAMENTOS

UNIDADE 4.........................................................................122
NARRATIVAS APLICADAS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................167
INTRODUÇÃO DA DISCIPLINA

Caro aluno,
Bem-vindo à disciplina Narrativas Visuais Digitais. Será um
prazer percorrer com você as primeiras abordagens e conceitos de
narrativa, aplicados à linguagens visuais.
Nosso caminho está dividido em quatro unidades assim defi-
nidas: (I) Objeto social, mídia e narrativas, (II) A narrativa midiática
massiva e pós-massiva, (III) Estrutura narrativa, fundamentos; e (IV)
Narrativas aplicadas.
Nosso percurso está pautado pela conceituação dos elemen-
tos-chave que definem e compõem uma narrativa. Desde a com-
preensão do que é um objeto social e seu poder de comunicação,
aos elementos estruturais – suas proposições narrativas, storylines,
sinopses e roteiros – até as aplicações finais, em produções midiá-
ticas, massiva e pós-massiva. Vamos conhecer diversos casos clássi-
cos, inovadores, provocadores, que ampliam o poder da narrativa,
junto a sua audiência. Entender o processo analítico, tanto quanto
o processo criativo e produtivo em suas fases diversas, pra estrutu-
rarmos uma narrativa visual. Vamos juntos neste percurso?
NARRATIVAS VISUAIS

 voltar ao sumário

7
UNIDADE

1
OBJETO SOCIAL,
MÍDIAS E NARRATIVAS

 voltar ao sumário

8
OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE
APRENDIZAGEM DA UNIDADE

Ao longo desta Unidade você irá:

• compreender o conceito de objeto social e sua relevân-


cia no processo cultural que envolve a ampliação da nar-
rativa;
• entender a relação entre o objeto social, a narrativa e o
contexto midiático em que é estruturada a narrativa;
• compreender as principais diferenças e características
das mídias massivas e pós-massivas;
• compreender e identificar as principais características
das estruturas multimídia e transmídia, como suportes
midiáticos para a narrativa.
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 9
INTRODUÇÃO A UNIDADE

Caro(a) aluno(a),
Seja bem-vindo à primeira Unidade da disciplina de Narrati-
vas visuais digitais. Aqui, vamos conversar sobre o conceito fun-
damental de uma narrativa. Vamos atentar para seus significados
em relação à construção cultural e social da civilização humana,
a importância do “objeto social”. É a partir do objeto social que
você irá compreender a formação das redes sociais de interesse ou
afinidade, ou seja, como o objeto social mobiliza audiências ao seu
redor, e impulsiona a narrativa em um processo evolutivo.
Em seguida, vamos entender a relação entre o objeto social
da narrativa e as várias mídias que funcionam como suporte, que
materializam a narrativa em produtos midiáticos. Para isso, enten-
der as dimensões midiáticas possíveis a partir dos modos de co-
municação massivo e pós-massivo, é fundamental, uma vez que
a estrutura narrativa se conforma a partir da mídia em que está
registrada. E os regimes de comunicação pós-massivos, a partir das
redes sociais, da mobilidade conectada, sugerem cada vez mais no-
vas formas narrativas pela combinação transmídia possível.
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

Compreender estes formatos midiáticos, seus regimes de co-


municação e formas de acesso e consumo cultural é essencial para
operar uma narrativa visual digital.
Bons estudos!

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 10
SEÇÃO 1 – NARRATIVA: DE
SHAKESPEARE A FELIPE
NETO, O CONCEITO E SUA
EVOLUÇÃO.

De forma geral, associamos


o conceito de narrativa e de estru-
tura narrativa ao famoso poeta in-
glês William Shakespeare. Mas o fato é
que a narrativa já aparece como um conceito
a partir da Poética do filósofo grego Aristóteles, escrita no ano de
335 a.C. A profundidade com que Aristóteles analisa a tragédia
é referência até hoje, na reflexão sobre o conceito de narrativa.
Na etimologia, Narrativa  é um substantivo feminino. Deriva de
narrar, do latim narrare, que significa “dar a saber, narrar, contar,
expor narrando”. De acordo com o www.meudicionario.com.br,
“a Narrativa, é uma narração, uma exposição de fatos, uma
história, um conto. O significado de Narrativa é, dessa maneira,
qualquer forma de se contar uma história. São exemplos simples as
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

notícias de jornal que são lidas diariamente,as histórias em quadri-


nhos e os mangás, etc”.
É através do Folclore que as narrativas se tornam refe-
rências culturais de uma civilização a partir da tradição oral,
de forma a estruturar a memória desta sociedade. O rus-
so Vladimir Propp, em 1928, em sua obra Morfologia do conto
(1928) realizou um amplo trabalho analítico a partir dos contos
de fada, lançou as bases da narratologia contemporânea, depois

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 11
encorpada e fortalecida por Huizinga (1938),
Jung (1945), Campbell (1949), e mais
recentemente, Vogler (1998).
Propp ao analisar os contos
de fadas, nota uma semelhança
grande, entre as ações dos perso-
nagens de contos diversos. Afirma
que “no estudo do conto, a ques-
tão de saber o que fazem as per-
sonagens é a única coisa que impor-
ta; quem faz e como faz, são questões
acessórias” (PROPP, 1928/1983, p.59). Vieira
(2001), ao analisar o trabalho de Propp com os contos de fada,
alinha quatro teses principais:

1) Os elementos constantes permanentes, do conto


são as funções das personagens, quaisquer que sejam
estas personagens e qualquer que seja o modo como
são preenchidas estas funções. As funções são as par-
tes constitutivas fundamentais do conto. 2) O núme-
ro das funções do conto maravilhoso é limitado. 3) A
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

sucessão das funções é sempre idêntica. 4) Todos os


contos maravilhosos pertencem ao mesmo tipo no que
diz respeito à estrutura. (VIEIRA, 2001, p.599).

Para Propp, o conto se inicia com a exposição de uma situa-


ção inicial, que não caracteriza uma função, mas como elemento
morfológico importante. Em seguida, relaciona as funções possíveis
no conto – 31 ao total – das quais as sete primeiras constituem
justamente a parte preparatória do conto. Vieira afirma ainda que:

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 12
“Todas estas funções nem sempre existem quando tomado um
conto particular, mas a ordem em que surgem no desenrolar da
ação é sempre a mesma, (VIEIRA, 2001, p.600)”. Se levarmos em
conta sua sequência proposta, podemos divisar imediatamente, a
estrutura narrativa dos contos de fada infantis que permeiam a cul-
tura ocidental de forma geral:

I- Um dos membros da família afasta-se de casa.


II- Ao herói impõe-se uma interdição.
III - A interdição é transgredida.
IV - O agressor tenta obter informações.
V- O agressor recebe informações sobre a sua vítima.
VI - O agressor tenta enganar a sua vítima para se apoderar
dela ou dos seus bens.
VII - A vítima deixa-se enganar e ajuda assim o seu inimigo
sem o saber.
VIII - O agressor faz mal a um dos membros da família ou
prejudica-o.
IX - (a) Falta qualquer coisa a um dos membros da família; um
dos membros da família deseja possuir qualquer coisa.
X - O herói-que-demanda aceita ou decide agir.
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

XI - O herói deixa a casa.


XII - O herói passa por uma prova, um questionário, um ata-
que, etc., que o preparam para o recebimento de um
objeto ou de um auxiliar mágico.
XIII - O herói reage às ações do futuro doador.
XIV - O objeto mágico é posto à disposição do herói.
XV - O herói é transportado, conduzido ou levado perto
do local onde se encontra o objetivo de sua demanda.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 13
XVI - O herói e seu agressor confrontam-se em combate.
XVII - O herói recebe uma marca.
XVIII - O agressor é vencido.
XIX - A malfeitoria inicial ou a falta são reparados.
XX - O herói volta.
XXI - O herói é perseguido.
XXII - O herói é socorrido.
XXIII - O herói chega incógnito à sua casa ou a outro país.
XXIV - Um falso herói faz valer pretensões falsas.
XXV - Propõe-se ao herói uma tarefa difícil.
XXVI - A tarefa é cumprida.
XXVII - O herói é reconhecido.
XXVIII - O falso herói ou o agressor, o mau é desmascarado.
XXIX - O herói recebe uma nova aparência.
XXX - O falso herói ou o agressor é punido.
XXXI - O herói casa-se e sobe ao trono.

Propp, ao relacionar essas 31 funções como constituintes dos


contos de fada infantis, afirma que a intriga propriamente dita, se
origina no momento em que se pratica a malfeitoria – Função VIII.
Afirma ainda que:
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

estas funções estão repartidas entre as personagens,-


segundo certas esferas. Estas esferas correspondem às
personagens que cumprem as funções. Encontramos
no conto maravilhoso sete personagens com suas res-
pectivas esferas de ação: A esfera de ação do agressor,
a esfera de ação do doador, a esfera de ação do auxi-
liar, a esfera de ação da princesa e do seu pai, a esfera

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 14
de ação do mandatário, a esfera de ação do herói, a
esfera de ação do falso herói. As esferas de ação se
repartem entre as personagens do conto segundo três
possibilidades: A esfera de ação corresponde exata-
mente à personagem. Uma única personagem ocupa
várias esferas de ação. Uma só esfera de ação divide-se
entre várias personagens. (PROPP,1928/1983; p.144).

Segundo Propp (1928/1983), o texto do conto pode ainda se


dividir em sequências – que significam o desenrolar de ações ocor-
ridas dentro do conto:

Podemos chamar conto maravilhoso, do ponto de vista


morfológico, a qualquer desenrolar de ação que parte
de uma malfeitoria ou de uma falta, e que passa por
funções intermediárias para ir acabar em casamento
ou em outras funções utilizadas como desfecho. A fun-
ção limite pode ser a recompensa, alcançar o objeto
desejado ou, de uma maneira geral, a reparação da
malfeitoria, o socorro e a salvação durante a persegui-
ção, etc. Chamamos a este desenrolar de ação uma se-
quência. Cada nova malfeitoria ou
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

prejuízo, cada nova falta dá


lugar a uma nova seqüên-
cia. Um conto pode ter
várias seqüências, e quan-
do se analisa um texto, é
necessário em primeiro lu-
gar determinar de quantas
seqüências este se compõe.
(PROPP, 1928/1983, p. 144).

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 15
Propp ainda relaciona as outras partes constitutivas do conto,
como elementos de ligação: a motivação da personagem, as formas
de entrar em cena e os elementos acessórios atributivos. Para Pro-
pp, é de grande importância a abordagem funcional dos elementos
do conto. Isto porque, o fato de podermos trabalhar com funções
nos permitirá a construção de uma estrutura do conto. Assim, Pro-
pp será o primeiro a chamar a atenção para a forma estrutural do
enunciado narrativo, embora vinculada apenas ao conto, à partir
da cultura e do folclore. Mais adiante, em 1966, o francês Bremond
irá realizar uma profunda revisão dos trabalhos de Propp, propondo
como modelo para os enunciados narrativos, uma estrutura triádi-
ca. Sua proposta de esquema narrativo não mais se limitará ao con-
to folclórico, podendo ser expandida para as narrativas em geral. A
partir desse momento, falar-se-á de uma estrutura dos enunciados
narrativos.Ao revisar as reflexões de Bremond, Adam afirma que:

Partindo do fato que a natureza cronológica da estó-


ria implica que um evento 1º comece (= antes), 2º se
desenvolva (= durante) e termine (= depois), segundo
uma relação do conseqüente ao antecedente, Bremond
estabelece uma lógica de possibilidades que esclarece
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

o encadeamento tanto das ações, como das virtualida-


des e das atualizações. (ADAM, 1985, p. 26).

Bremond parte do princípio de que o processo narrativo apre-


senta uma situação lógica na qual atuam três papéis básicos: víti-
ma, agressor e ajudante, que se organizam segundo o seguinte en-
cadeamento. Degradação  Melhora  Ajuda em curso e a evitar/
da situação da vítima /demandada de um ajudante. Se, ao final do

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 16
processo, a ajuda é recebida, então a melhora
será obtida e a degradação evitada. Por
outro lado, se o processo de ajuda fa-
lha ou não é iniciado, não haverá
melhora e a degradação não será
evitada. Adam (1985), ao revisitar
os trabalhos de Bremond (1966),
salienta que a maior parte das
narrativas repousam sobre a alter-
nância entre as fases de degradação
e melhora, de equilíbrio e de desequilí-
brio. Os trabalhos de Propp e Bremond nos
dão uma primeira visão do que poderíamos chamar de unidade
mínima da narrativa: a proposição narrativa. Adam (1985) define
proposição narrativa como uma combinação de uma ou mais fun-
ções com um ou mais atores.
Tomemos um exemplo do próprio Adam. A seguinte proposi-
ção narrativa: Margarida ameaçou seu marido com um rolo de
massa, implica uma série de predicados qualificativos que marcam
o estado de ser das personagens: - A2 É o marido de A1. - A2 É
um homem. - A1 É uma mulher brava. - A3 É um utensílio utilizado
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

em uma cena estereotipada. Esta proposição também implica um


predicado funcional (um fazer): - A1 ameaça A2 através de A3.
Adam propõe três lugares potenciais para a participação na propo-
sição narrativa. Assim, há o Agente (A1), que inicia a ação ou cuja
intervenção modifica o curso das coisas; o Paciente (A2), que se
submete às transformações; e por fim o Objeto (A3), que ocupa
o lugar de instrumento. As proposições narrativas irão se agrupar,
formando assim o que poderíamos chamar de um texto narrativo.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 17
Para Adam:

[…] o reagrupamento de proposições narrativas em


tríades imbricadas constituem grupos de funções. São
estes grupos de proposições organizadas em ciclos que
formam as seqüências narrativas. Para que um gru-
po de proposições narrativas forme uma seqüência é
preciso não somente que um mesmo ator as unifique
atravessando-as, mas também que haja uma transfor-
mação (ADAM, 1985, p. 54).

Vieira (2001, p.601) resume a visão de narrativa proposta por


Adam na figura 1 a seguir:
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

Em paralelo ao trabalho de Bremond e Adam, Carl Gustav


Jung (1945/1984) foi um dos primeiros pesquisadores a chamar
atenção sobre a existência de uma estrutura no enunciado narra-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 18
tivo, ao estudar uma grande quantidade de sonhos relatados por
seus pacientes. Jung reparou que a estrutura do sonho se asseme-
lha a estrutura aristotélica do drama. Ao que Jung classificou como
sonho médio, afirmou haver uma estrutura sequencial. Que se dá
a partir de uma situação inicial – ou exposição – indicando o lugar
da ação, as personagens e a situação inicial do drama. Em segui-
da está o desenvolvimento da ação – momento onde a situação
inicial se complica, estabelecendo uma tensão, porque não se sabe
o que vai acontecer. Então, o sonho encaminha-se para a terceira
fase, a Culminação ou Peripécia, na qual acontece alguma coisa
de decisivo, ou a situação muda completamente. A quarta e última
fase é a Lise, Solução ou Resultado. Aqui, o problema ou a falta,
apontada na dramatização onírica, resolve-se. No exemplo de Jung:

Vejo-me numa rua; é uma avenida (Exposição). Ao


longe aparece um automóvel que se aproxima rapi-
damente. Sua maneira de movimentar-se é estranha-
mente insegura, e eu penso que o motorista deve estar
embriagado (Desenvolvimento). De repente sou eu
que estou no carro e aparentemente sou eu mesmo
o motorista embriagado. Estou apenas estranhamente
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

inseguro e como que sem a direção do carro. Não con-


sigo mais controlar o carro e vou com ele de encontro
a um muro, com grande barulho (Culminação ou Pe-
ripécia). Observo que a parte dianteira do carro ficou
toda amassada. É um carro alheio que eu desconheço.
Eu próprio não estou ferido. Reflito com certa preocu-
pação sobre minha responsabilidade (Lise, Solução ou
Resultado) (JUNG, 1945/1984; p. 303)

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 19
A partir dos estudos de Jung, Joseph Campbell escreve em
1949, O herói de mil faces, estruturando a jornada do Herói, a
partir de uma perspectiva junguiana, pela estrutura proposta por
Propp. Seu trabalho sobre a jornada do Herói, se torna ao longo
do século XX, uma referência estrutural de narrativas diversas, em-
pregadas em filmes, series de televisão, videogames, entre outros
produtos culturais que se utilizam da narrativa como formato de
interação e comunicação com a audiência.
Já em Thorndyke (1977), encontraremos uma organização
mais semelhante a de uma estrutura de macroproposições narrati-
vas. Segundo Thorndyke, os componentes requisitados por todas
as estórias são Setting, Tema, Intriga e Resolução. A gramática
de Thorndyke pode ser mais bem explicada na Figura 2 a seguir:
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

Figura 2: O esquema da narrativa em Thorndyke

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 20
Concluindo, esta primeira parte de nosso
estudo, devemos salientar que os autores
empenhados em construir o conceito
de estrutura narrativa buscaram o
que poderíamos chamar de esque-
leto do enunciado narrativo. Eles
procuraram reduzir a narrativa a
sua forma mais simples e elemen-
tar, encontrando, assim, uma estru-
tura básica que revela a forma geral
dos enunciados narrativos. Se pudésse-
mos sintetizar os seus estudos, talvez che-
gássemos a dois princípios. Podemos formular que para haver uma
narrativa é preciso que haja 1) uma relação cronológica e lógica
entre os eventos e as ações dos atores; e, 2) que os eventos tenham
uma organização macroproposicional.
Na verdade, este segundo requisito é uma conseqüência do
primeiro, pois a estrutura macroproposicional da narrativa, tal como
vista pelos autores estudados, implica um ordenamento sequencial
dos eventos segundo uma lógica própria do enunciado narrativo.
De qualquer modo, desde a poética aristotélica, empenhada
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

pelo drama, que a estrutura narrativa se desenvolve através da li-


teratura; de William Shakespeare em seus dramas medievais e mo-
nárquicos, até o storytelling aplicado na construção narrativa de
Youtubers, como Felipe Neto, por exemplo – que soma 35 milhões
de pessoas como audiência inscrita em seu canal próprio de vídeos.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 21
Atenção

Conforme Bruner (1990/1997), “começa a ficar claro


porque a narrativa é um veículo tão natural para a
natureza humana. Quase que a partir da primeira
fala da criança, a narrativa lida com o material da
ação e da intencionalidade humana. Ela intermedeia
entre o mundo canônico da cultura e o mundo mais
idiossincrático dos desejos, crenças e esperanças. Ela
torna o excepcional compreensível e mantém afastado
o que é estranho, salvo quando o estranho é necessário
como um tropo. Ela reitera as normas da sociedade sem
ser didática. Ela pode até mesmo ensinar, conservar a
memória, ou alterar o passado” (p. 52)
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 22
SEÇÃO 2 – OBJETO SOCIAL:
A IDEIA CENTRAL DA
NARRATIVA.

Hugh MacLeod, diretor cria-


tivo do escritório de design cul-
tural Gaping void – http://www.
gapingvoid.com/ – desenvolveu o
conceito de objeto social como forma
de tangibilizar toda e qualquer narrativa, a
partir do seu ponto de atração. Em definição, MacLeod afirma que
“ a idéia de ‘Objeto Social’ – na qual fui atraído pelo Jyri Engestrom
de Jaiku – em resumo, é a razão pela qual duas pessoas estão con-
versando, em vez de falarem com outras pessoas”. Na imagem a
seguir, MacLeod representa o objeto social em um cartoon:
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

Figura 3: Cartoon de MacLeod sobre conceito de objeto social.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 23
Aqui estão mais algumas reflexões do autor, sobre o assunto,
sem ordem específica:

1. MacLeod considera que o termo “Objeto Social” pode


ser um pouco inebriante para algumas pessoas. Com
frequência, utiliza o termo “Dispositivo de compartilha-
mento”;
2. As redes sociais são construídas em torno de objetos so-
ciais, não vice-versa. Estes últimos atuam como “nós”.
Os nós aparecem antes da rede;
3. É fato que a rede é mais poderosa que o nó. Mas a rede
precisa do nó, como as flores precisam da luz solar;
4. A tese geral de marketing para MacLeod, invariavel-
mente, parte da pergunta: “Se seu produto não é um
objeto social, por que você está no negócio?”;
5. Qualquer que seja o setor em que você esteja, há al-
guém que se interessa por sua categoria de produto.
Eles estão usando seu produto [ou o produto de um
concorrente] como um objeto social. Se você não enten-
de como os nerds estão se socializando, se conectando
com outras pessoas, através do seu produto, então você
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

não tem um plano de marketing. Você provavelmente


não tem um plano de negócios viável;
6. O iPhone da Apple é o melhor exemplo de Objeto Social
em que consigo pensar. Pelo menos, é quando estou ten-
tando explicar para alguém que não conhece o conceito;
7. A idéia do objeto social não é ciência complexa;
8. Como você transforma um produto em um objeto so-
cial? Resposta: Gestos sociais. E muitos deles;

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 24
9. Os produtos e as ideias que os geram se tornam virais
quando as pessoas podem compartilhá-los como pre-
sentes. Exemplo: convites do Gmail nos primeiros dias;
10. O objeto social pode ser abstrato, digital, molecular etc;
11. O interessante do Objeto Social não é o objeto em si,
mas as conversas que acontecem ao seu redor;
12. Depois que falamos sobre marketing, fica difícil passar
mais de três minutos sem empregar a expressão “Obje-
to Social”;
14. A palavra mais importante na internet não é “Pesqui-
sar”. A palavra mais importante na internet é “Compar-
tilhar”. Compartilhar é o driver. Compartilhar é o DNA.
Usamos Objetos Sociais para nos compartilhar com ou-
tras pessoas. Nós somos primatas. Nós gostamos de nos
arrumar. Está na nossa natureza.

MacLeod oferece então, nove princípios que norteiam a cria-


ção de um objeto social:

1. Crie significado: o mercado para pessoas que dese-


jam algo em que acreditar é infinito; faça suas narrativas
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

“valerem a pena”.
2. Crie/encontre um propósito: As pessoas frequente-
mente confundem propósito com significado, mas o
propósito está relacionado ao motivo pelo qual você
acorda de manhã e faz o que faz.
3. Criar jogo: humanos gostam de brincar; é a maneira como
começamos a negociar o mundo, por isso, dê às pessoas
um motivo para querer interagir com seu produto.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 25
4. Crie um novo idioma: se você quiser desenvolver sua
narrativa, precisará evoluir no marketing. Você tem que
conversar com as pessoas de uma maneira com as quais
nunca foram conversadas antes.
5. Crie capacidade de compartilhamento: não facilite o
compartilhamento do seu produto pelas pessoas; facili-
te para que eles compartilhem.
6. Empurre os limites do design: o design importa! Tem
a capacidade de diferenciar sua narrativa.
7. Facilite a comunidade: Transforme sua narrativa em
um tema pelo qual as pessoas se reúnam, e não as pes-
soas que elas compram.
8. Crie um novo contexto: permita que as pessoas vejam
sua narrativa sob uma nova luz.
9. Habilite o “Meatspace”: reúna as pessoas para facili-
tar as discussões sobre sua narrativa.

MacLeod nos diz ainda que um objeto social é aquilo que


desperta as pessoas em torno dele. Pode ser a Copa do Mundo ou
as Olimpíadas, pode ser a Covid-19, não há uma lógica aparente, a
não ser o fato de que o objeto social de fato cria “nós” pelas redes
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

em torno de si, atraindo atenção, interação e compartilhamento.


E é exatamente por essa razão que o objeto social se torna
o ponto de partida na construção narrativa. Do objeto social,
ampliamos a construção para uma proposição narrativa. Adam
(1985) – como vimos na seção 1 define proposição narrativa
como “a combinação de uma ou mais funções com um ou
mais atores”. Em síntese, uma proposição significa uma sugestão,
uma entre muitas formas de narrar a sequência de ações que estru-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 26
turam a narrativa. A proposição narrativa já considera o contexto
midiático e o suporte cultural onde a audiência irá consumir a nar-
rativa em sua forma final. Uma narrativa antes de sua forma final
como obra – seja livro, revista, jornal, programa de radio ou televi-
são, filme, animação, videogame – não existe para sua audiência.
E por isso, compreender o contexto midiático da narrativa auxilia
a fortalecer seus elementos possíveis de contato com a audiência.

Multimídia

O primeiro ‘objeto social’ desenvolvido por Hugh MacLeod,


foi o cartum animado Blue Monster, criado para ser um pôster mo-
tivacional para os funcionários da Microsoft, que achou bastan-
te instigante e resolveu rotular um vinho sul-africano como Blue
Monster, e distribuir a funcionários, amigos e público da fan page
Blue Monster fans, no Facebook.
Aqui, a imagem do cartum Bluemonster:
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

E no link ao lado uma entrevista no Youtube


com um dos executivos da Microsoft, envolvido na
geração do “objeto social” do monstro azul.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 27
Curiosidade

Alguns dos objetos sociais mais famosos em todo o mundo,


são as histórias de crimes misteriosos, como Jack o estripador. Até
hoje os crimes de Jack, the Ripper causam espanto e geram muito
interesse. Inúmeros livros foram escritos a respeito e existem várias
adaptações, para cinema, teatro e televisão. A identidade deste
que tem a dúbia honra de ser conhecido como o primeiro serial
killer da humanidade ainda hoje é desconhecida, embora existam
teorias de várias naturezas. De qualquer maneira, qualquer que
seja sua identidade e qualquer que seja o motivo
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 28
SEÇÃO 3 – O CONTEXTO
MIDIÁTICO DA NARRATIVA

Uma narrativa só se perpetua


através de seu consumo pela au-
diência. Desde os primeiros regis-
tros de civilização humana, a estó-
ria popular dos povos se transmite
oralmente pelas famílias e grupos so-
ciais por gerações e séculos. Chapeuzi-
nho vermelho, João e Maria, João e o pé de
feijão são contos infantis de poderosas narrativas culturais transmi-
tidos por séculos de acordo com os suportes midiáticos disponíveis
a cada tempo histórico.
Na época medieval, uma das formas de registro narrativo
eram as tapeçarias, que relatavam de forma ilustrada uma batalha,
uma saga, uma conquita ou reconquista real, eternizando a nar-
rativa a partir da audiência que visita a tapeçaria. A Tapeçaria de
Bayeux – (em francês: Tapisserie de Bayeux ou La Telle du conquis-
ta) é um dos exemplares mais antigos encontrados com esse tipo
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

de registro narrativo. Exibida no Museu da Tapeçaria de Bayeux, em


Bayeux, Normandia, França, estima-se que tenha sido realizada no
século XI, cerca de 1070 a 1077, logo após a batalha de Hastings
e descreve os eventos que levaram à conquista normanda da Ingla-
terra a respeito de William, duque da Normandia, e Harold, conde
de Wessex, posteriormente Rei da Inglaterra. É um pano bordado a
cerca de 70 metros (230 pés) de comprimento e 50 centímetros (20
pol) de altura que conta a história do ponto de vista dos norman-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 29
dos conquistadores, embora se reconheça que foi feito na Inglater-
ra. Segundo Sylvette Lemagnen, conservadora da tapeçaria, em seu
livro de 2005, La Tapisserie de Bayeux:

A tapeçaria de Bayeux é uma das realizações supremas


do românico normando .... Sua sobrevivência quase in-
tacta ao longo de nove séculos é quase milagrosa ...
Seu comprimento excepcional, a harmonia e o frescor
de suas cores, seu acabamento requintado e o a genia-
lidade de seu espírito orientador se combina para tor-
ná-lo infinitamente fascinante (LEMAGNEN, 2005,p.9)

O tecido consiste em cerca de 70 cenas, muitas com títulos em


latim, bordadas em linho com fios de lã coloridos. Os desenhos da
tapeçaria de Bayeux são bordados e não tecidos, no entanto, sempre
foi referida como tapeçaria até os últimos anos, quando o nome “Bor-
dado de Bayeux” ganhou espaço entre certos historiadores da arte.
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

Fonte:https://en.wikipedia.org/wiki/Bayeux_Tapestry#/media/File:Bayeux_Tapestry_replica_in_Rea-
ding_Museum.jpg

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 30
Pode ser visto como um raro exemplo de arte românica secu-
lar. Tapeçarias adornavam igrejas e casas ricas da Europa Ocidental
Medieval, embora a 0,5 por 68,38 metros a Tapeçaria de Bayeux
seja excepcionalmente grande. Somente as figuras e a decoração
são bordadas, sobre um fundo deixado liso, que mostra o assunto
com muita clareza e que era necessário para cobrir grandes áreas.
Embora tenhamos registros históricos na Roma antiga, entre
o séc. VIII a.C. e o séc, V b.C. da publicação de notícias do governo
– Acta Diurna – esculpidas em pedra e metal, expostas em praça
pública para o conhecimento de todos, a condição midiática era
artesanal, com cópias feitas à mão. A partir dos suportes midiáticos
disponíveis a cada tempo histórico, a oralidade se transforma por
formas mais perenes – e midiáticas – de transmissão narrativa. No
século XV, Johannes Gutemberg desenvolve a tecnologia da prensa
de tipos móveis e realiza a primeira impressão mecânica, que per-
mitiu a produção em massa de livros impressos. Como afirma o jor-
nalista Heming Nelson, em matéria no Washington Post: “Nos 50
anos após o início da impressão de Gutenberg, cerca de 500.000
livros estavam em circulação, impressos em cerca de 1.000 impres-
soras em todo o continente. (NELSON, 1998)”
A invenção de Gutenberg foi um
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

dispositivo simples, mas lançou uma


revolução marcada por repetidos
avanços na tecnologia e, como resul-
tado, uma popularização dos ideais
de liberdade e liberdade de troca de
informações.De modo que a narrativa
materializada pela mídia, também ali-
menta sua oralidade, que a mantém, como

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 31
objeto social, uma relevância além de seu tempo. Se pegarmos os
famosos contos de fada que povoaram as culturas ocidentais, po-
demos recorrer à memória oral para associar as personagens de
Chapeuzinho Vermelho e o Lobo mau, por exemplo. São narrativas
oralizadas, tanto quanto midiatizadas, a partir dos suportes existen-
tes em cada época. Do livro impresso, à versões ilustradas, digitais
e interativas, essa estória é reproduzida, re-estilizada, retrabalhada
ao longo dos séculos e perenizada na versão corrente em forma
oral, enquanto materializadas nas formas midiáticas existentes.

Curiosidade

Da personagem Chapeuzinho Vermelho e sua estória origi-


nal, desenvolvida pelo francês Charles Perrault, no século XVII, en-
redo e moral se dividem pelos tempos da história, mudando seu
final. No século XVII, em sua primeira versão impressa registrada,
a personagem de Chapeuzinho Vermelho era uma jovem atraente,
já em idade sexualmente ativa, que seduzida pelo “lobo” é por ele
devorada, não sendo salva pelo caçador. O autor, ao final do conto,
esclarece a moral:

A partir desta história se aprende que as crianças, es-


UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

pecialmente moças jovens, bonitas, corteses e bem-e-


ducadas, não se enganem em ouvir estranhos, E não
é uma coisa inédita se o Lobo, desta forma,(arranjar)
o seu jantar. Eu chamo Lobo, para todos os lobos que
não são do mesmo tipo (do lobo da história), há um
tipo com uma disposição receptiva - sem rosnado,
sem ódio, sem raiva, mas dócil, prestativo e gentil,
seguindo as empregadas jovens nas ruas, até mesmo
em suas casas. Ai de quem não sabe que esses lobos

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 32
gentis são de todas as criaturas como as mais perigo-
sas! (PERRAULT)

A expressão “ver o lobo” era um coloquialismo comum à épo-


ca, para se referir a uma menina que perdeu sua virgindade. Já no
século XIX, a versão impressa pelos irmãos Grimm introduz a peso-
nagem do caçador, que resgata Chapeuzinho e sua avó da barriga
do lobo, e coloca pedras no lugar, matando o lobo pelo peso das
pedras.

Assim, uma das características da narrativa, quando pereniza-


da em formas midiáticas e orais, é representar o seu tempo social
presente, tanto quanto a memória que constitui este presente. As
mídias de cada época histórica servem como evidências deste ca-
minho de transformação cultural, que é uma das funções da narra-
tiva, conforme se tornam passado.
A tecnologia da impressão
por tipos móveis, desenvolvida por
Johannes Gutenberg, no século
XVI, foi a revolução industrial da
narrativa, que passa a poder ser
impressa, e não apenas oral, como
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

até então. Na imagem a seguir,


uma gravura de 1568 ilustrando o
processo de impressão da época,
em que era possível imprimir até
240 páginas por hora.

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Johannes_Gutenberg#/media/File:Printer_in_
1568-ce.png

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 33
A tecnologia de Gutenberg se populariza, e em 1609, na
cidade de Estrasburgo, se verifica o surgimento do jornal, tal
como o conhecemos: um períodico impresso em preto-e-branco,
de publicação regular e constante, com noticias e informações
para os habitantes da cidade ou região. Que, em menos de 40
anos, se estabelece como padrão midiático, por toda a Europa.
Ao todo, são mais de quatro séculos de existência, onde a mídia
jornal, inclusive, foi a primeira mídia de massa a abrir espaço para
as formas de narrativa visual, a partir da evolucão das técnicas
de impressão. Podemos de fato, afirmar que é através da mídia
impressa jornal, que a linguagem visual se assume como forma
narrativa midiática.
Já no final do século XIX, por volta de 1890, surgem as pri-
meiras impressões de cartoons – ou as primeiras evidências de nar-
rativas visuais na mídia jornal. Em 1894, mais precisamente em 2 de
junho, é publicado na revista de humor Truth – destinada a adultos
– um cartoon intitulado “Feudal Pride in Hogan’s Alley” retratando
o cotidiano das ruas onde os irlandeses residiam, em Nova York no
final do século XIX. Foi a primeira aparição da personagem Yellow
Kid, que seria em poucos anos a primeira estrela de cartoon na his-
tória da mídia impressa. A seguir, a reprodução do primeiro cartoon
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

de Yellow Kid:

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 34
Fonte: http://www.neponset.com/yellowkid/history.htm Acesso em 04/07/2020.

Yellow Kid, em breve teria sua propria página, colorida no


jornal New York World. Mas, seu criador, Richard Felton Outcault,
recebe oferta de melhor salário no jornal concorrente, o New York
Journal. A disputa pela propriedade da personagem foi até a corte
e a sentença, inédita na história da mídia, determinou que cada
jornal tivesse sua versão de Yellow Kid.
Ocasionando a primeira – e única – vez na história da mídia
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

em que a mesma personagem ganha dois autores diferentes em


dois jornais diferentes ao mesmo tempo. E por alguns anos, am-
bos os jornais se beneficiaram da disputa, aumentando a tiragem
dos jornais, e associando a personagem Yellow kid, a todo tipo
de merchandising – na verdade, inaugurando o merchandising de
personagens em produtos como conhecemos até hoje – de waffles
para crianças, a cigarros Yellow kid para adultos.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 35
De forma que desde
o início do século XX, o
cartoon era impresso, co-
lorido e ganhava destaque
como forma de aumentar
a venda dos jornais – du-
rante a semana, cada per-
sonagem, tinha uma tira
em preto e branco e, aos
domingos, uma página
inteira colorida, com uma
única cena. A tira de qua-
drinhos que iria mudar a
posição dos quadrinhos na
indústria midiática, pelo
formato narrativo, estreou
em 24 de novembro de
1918, com o título Gasoli-
ne Alley. A partir de 2019, Gasoline Alley se torna a tira de quadri-
nhos atual de maior duração nos Estados Unidos.
O Gasoline Alley recebeu elogios críticos por suas inovações
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

influentes, pois além dos novos conceitos de design, de cores e


páginas, seu criador, Frank King introduziu continuidade narrativa,
em tempo real nas histórias em quadrinhos, retratando seus perso-
nagens envelhecendo ao longo de gerações. Na imagem a seguir,
uma das páginas iniciais de Gasoline Alley:

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Gasoline_Alley#/media/File:Gasolinealley31233.jpg

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 36
A forma narrativa contínua, de personagens fixos, em uma
sequência de aventuras, logo se tornou padrão narrativo do gê-
nero que viria a ganhar vida própria: a história em quadrinhos. No
momento seguinte, estes personagens passam a ganhar corpo e
espaço midiático. Primeiro nos jornais, com as primeiras persona-
gens criadas para as crianças. Algumas décadas adiante no século
XX, entre 1930 e 1940, as primeiras estórias em quadrinhos forma-
tadas como “comics”: Spirit, por Will Eisner, e Superman, por Jerry
Siegel e Joe Shuster, entre elas – começam a ser publicadas não
mais como tiras, mas como suplementos infantis, até ganharem,
em seguida, a forma final das revistas de história em quadrinhos:
pequenos formatos, recheados de páginas ilustradas – coloridas ou
preto-e-branco – com narrativas inéditas, envolvendo as mesmas
personagens em enredos diferentes.
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/American_comic_book#/media/File:Action_Comics_1.jpg

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 37
O século XX nasce em plena modernidade e o rádio se torna a
mídia mais influente e unificadora, ao realizar o que o jornal jamais
conseguirá: transmitir ao vivo, em simultâneo, para todo o país, e
muitas vezes, além mar, para outros continentes. O que inaugura
novos gêneros narrativos, a partir da voz e da locução, dos efei-
tos sonoros, que conduzem a audiência em estórias fantásticas na
forma de novelas patrocinadas por produtos e marcas da época.
Junto a estórias espetaculares e acompanhadas diariamente pela
audiência, as notícias no radio ganham o valor da velocidade: são
comunicadas no ato do evento e ao mesmo tempo, aumentam a
venda dos jornais frente à audiência desejosa por mais detalhes dos
eventos. A musica, da mesma forma, ganhou forte impulso de con-
sumo a partir do radio, e da indústria fonográfica, que começou
praticamente com o radio, a comercializar discos de vinil, e ampliar
as possibilidades de consumo cultural da audiência. O rádio se tor-
na de tal forma a mídia principal da sociedade moderna, que em
1954, o cineasta e radialista Orson Wells resolve noticiar a invasão
da terra por alienígenas, em gênero jornalístico, causando pânico e
pavor nos Estados Unidos. Orson Wells demonstrou a força mobili-
zadora da mídia com essa ficção, mas até que tudo
se esclarecesse e as pessoas se acalmassem,
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

muitas pessoas cometeram suicídio, fugi-


ram de suas casas, acreditando realmen-
te que o mundo estava por acabar.
Nos anos 1950, surge a estrela da
mídia eletrônica por excelência, que vi-
ria a destronar o rádio em seu fascínio
pela audiência de massas: falamos do sur-
gimento da televisão como mídia, tanto pelo

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 38
nascimento dos primeiros canais de transmissão, quanto dos pri-
meiros aparelhos televisores, grandes móveis de madeira, com mui-
tas válvulas dentro, gerando imagens ainda falhas, mas mágicas:
eram imagens ao vivo, acontecendo em um lugar e ao mesmo tem-
po, sendo vistas por todos os outros lugares possíveis de audiência.
As estruturas narrativas empregadas pela televisão reconfigu-
ram alguns formatos específicos já vigentes no rádio e na mídia im-
pressa, como a novela, o seriado semanal, o jornalismo de estúdio,
a cobertura ao vivo no local, o programa de humor e os conteúdos
para a audiência infantil. Estes se tornam rapidamente padrões mi-
diáticos de grande audiência e sucesso comercial, tanto para os
anunciantes, que desejavam acessar audiência nacional, quanto
para a audiência, que passa a ter um motivo de união familiar em
torno do aparelho televisor, para acompanhar semanalmente seus
programas preferidos.
Perceba que a cada nova mídia que surge ao longo do século
XX as formas narrativas existentes se reconfiguram, adaptando-se
a uma nova realidade de audiência e de formatos midiáticos de
acesso. No entanto, uma das inovações do século XX, que revo-
lucionou a indústria cultural e midiática, foi o
desenvolvimento de formas novas de ar-
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

quivamento de conteúdos, como o vi-


deocassete, o DVD, fazendo com que
o consumo midiático pudesse ocorrer
quando a audiência desejasse, bastan-
do para isso, alugar uma fita, um CD,
um DVD, e assistir ao conteúdo em sua
casa, quando desejar, parando e revendo
quando quiser. Esse primeiro controle da au-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 39
diência por sobre o conteúdo midiático revolucionou as formas de
consumo, fazendo com que o aluguel de filmes, seriados, progra-
mas de video ou televisão se tornasse uma das áreas mais lucrativas
da indústria cultural.
Henry Jenkins em seu livro Cultura da Convergência coloca
em perspectiva as formas narrativas, a partir da sobreposição cul-
tural midiática, de massa e digital. O que consequentemente am-
plia as possibilidades narrativas e a existência de novos produtos
culturais, a partir de novas formas narrativas. Nessa convergência
por entre a cultura de massas, a cultura midiática e a cultura digi-
tal, está justaposta a tecnologia, empregada de formas diversas na
comunicação.
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

Na segunda metade do século XX, por volta dos anos de


1970, o videogame se torna tanto um eletrodoméstico, quanto um
dos gêneros narrativos de maior impacto e alcance junto à audiên-
cia. Com jogos limitados, de baixa qualidade gráfica e pouca mobi-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 40
lidade de jogo, os videogames se desen-
volveram rapidamente, em paralelo
às tecnologias digitais de produção,
exibição e interação de conteúdos
midiáticos. E na segunda década
do século XXI, a indústria do vi-
deogame se torna tão importante
quando a indústria do cinema, en-
tre outras formas de entretenimento.
Neste contexto midiático, a estru-
tura narrativa se reconfigura desde a orali-
dade histórica que a deu origem e voz, até a sofisticação digital de
narrativas virtuais em realidades ampliadas, ou videogames imersi-
vos. Toda forma narrativa se estrutura a partir das mídias emprega-
das em sua materialização.
Peguemos o exemplo de Chapeuzinho Vermelho. De tradição
oral, se torna um clássico desde o século XVII, com seu final trágico
e moral, ate a versão corrente, desde os irmãos Grimm, no século
XIX, onde Chapeuzinho e sua avó são resgatadas pelo cacador, que
extermina o lobo. Perceba que o sentido da estória se torna outro,
mais ameno, menos severo, embora a moral ainda permaneça: não
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

fale com estranhos, não saia do seu caminho original. Pois bem, das
versão escritas em livros-texto, do século XVII e XIX, Chapeuzinho
Vermelho ganhou edições totalmente ilustradas, versões em dese-
nhos animados e animações, versões cinematográficas, versões em
quadrinhos e, por fim, versões digitais, interativas, onde elementos
multimídia passam a figurar na construção narraativa.
Para finalizar, considere que a condição narrativa depende di-
retamente do contexto midiático do momento, na medida em que

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 41
é através do suporte midiático que a narrativa é tanto produzida,
quanto acessada pela sua audiência. Nesse sentido, é importante
compreender que, a partir do momento em que a mídia se torna
digital, isto é, toda sua gama de conteúdos – foto, filme, video, ilus-
tração, texto, música, game – se reduz a unidade digital minima do
bit, de forma a ser transportado rapidamente através da internet, e
acessado em dispositivos variados e diversos. Como o videogame,
a smartTV, o smartphone, o computador, o tablet, entre outros dis-
positivos. Na seção seguinte, vamos explorar os conceitos de mídia
massiva e mídia pós-massiva.
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 42
SEÇÃO 4 – A MÍDIA MASSIVA E A
MÍDIA PÓS-MASSIVA

Já percebemos, então, que a


construção da narrativa só se com-
pleta a partir do suporte midiático
que a envolve. No caso do livro,
revista e jornal, é a mídia impres-
sa que determina suas característi-
cas narrativas: páginas, texto, imagens,
ilustracões gráficos, fotografias. No caso de
séries, novelas, noticiários, filmes e animação, é a mídia eletrônica
audiovisual que determina as caracerísticas de sua narrativa: ima-
gem e som sequenciais e contínuos, editados em eventos e cenas a
partir do enredo e da performance das personagens pela narrativa.
Tanto a mídia impressa quanto a mídia eletrônica, são consideradas
mídias massivas, ou seja; mídias que dependem de uma audiência
em massa, em grande quantidade de consumidores, para poder ser
produzida. Pra a mídia impressa, o fato de ser
massiva significa que sempre, uma cópia
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

será igual a outra. Na mídia eletrônica, o


fato de ser massiva significa que a au-
diência não tem controle sobre como e
quando consumir a narrativa televisiva.
Depende da grade de programação,
do intervalo comercial interrompendo o
programa, enfim, o fato de serem mídias
massivas, significa que a condição de produ-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 43
ção e de visualização de seus conteúdos
obedecem condições restritas.
Se considerarmos a internet
como a base das mídias digitais
pós-massivas, podemos com-
preender o fato de que por não
ser massiva, a mídia digital pode
ser tanto produzida quanto con-
sumida por sua audiência de forma
mais independente e livre, individuali-
zada. De forma que podemos ver um canal
do Youtube por exemplo, no momento em que desejarmos, sem
que tenhamos que esperar um horário específico para isso. Outra
característica importante da mídia pós-massiva e digital, é que seu
conteúdo pode ser facilmente copiado, editado e transformado em
outro conteúdo e ser novamente compartilhado pela audiência,
que passa a ter um protagonismo maior sobre o que consome em
termos de narrativa, passando a produzir suas próprias narrativas
digitais a partir de seus smartphones conectados.
Então, a condição de ser uma mídia
massiva ou pós-massiva, implica que a
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

narrativa alí exposta, precisa obedecer


as limitações e as possibilidades co-
municativas de cada formato midiá-
tico. Se pensarmos por exemplo, nos
aplicativos para smartphone,como
Instagram, Facebook, Twitter, TikTok,
podemos entender que a audiência
que consome as narrativas públicadas, é a

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 44
mesma que produz as narrativas. Uma condição exclusiva pós-mas-
siva, uma vez que estando conectado à internet, se têm controle
sobre o que se pode consumir, tanto quanto se produzir em termos
de conteúdos e formas narrativas.
No momento em que vivemos, temos atualmente as mídias
massivas e pós-massivas convivendo juntas, em uma sociedade
estruturada a partir da comunicação massiva e pós-massiva como
norteadores sociais e culturais, onde a narrativa – pessoal, do-
cumental, ficção ou realidade – se torna a forma pela qual a so-
ciedade se informa, se influencia e se transforma. Carlos Scolari,
pesquisador espanhol, estabeceu a diferença entre os meios de
comunicação de massa e os pós-massivos, que denominou de co-
municação digital interativa. Como podemos observar no qua-
dro seguinte, em que compara os meios massivos e pós-massivos,
Scolari pontua a tecnologia empregada analógica versus a digital,
as formas de difusão – de um a muitos no massivo ao “muitos a
muitos” no pós-massivo digital, a sequência versus o hipertexto,
a mídia única versus a múltimídia, e por fim, a passividade da au-
diência versus sua interatividade.
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 45
Quadro Comparativo entre os modos de comunicação
massiva e pós-massiva

Fonte: SCOLARI, (2008, p.44).

É por essas diferenças que a narrativa operada em mídias


massivas se difere das narrativas operadas em mídias pós-massivas.
Peguemos por exemplo, Chapeuzinho Vermelho. Enquanto livro –
mídia massiva – a estória pode ser lida em texto, acompanhado ou
não por ilustrações ou fotografias das personagens. Mas enquanto
conteúdo digital interativo, pode ser transfor-
mada pela audiência, enquanto percorre o
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

enredo traçado e decide-se por opções


diferentes de roteiro.
A cultura da convergência mi-
diática pressupõe a convivência entre
os modos massivo e pós-massivo, de
formas complementares. E, pela mídias
interativas e pós-massivas, as formas de
realização se ampliam, mesclando pela narra-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 46
tiva as características midiáticas do audiovisual e do texto, com as
características interativas de acesso, navegação e interação.
Adicione a essaconectividade digital, a mobilidade e você
poderá consumir e produzir suas narrativas a partir de seu smar-
tphone, onde quer que esteja. Propondo interação e competivi-
dade à sua narrativa, ela se transforma digitalmente em video de
stories ou TikTok, tanto quanto em videogame. E oferece a sua
audiência desde a experiência de jogar sozinho, até fazer parte de
um exército de milhares de soldados em batalhas épicas, recria-
das em ambiências digitais. Nas mídias pós-massivas a linguagem
visual é mandatória, pois opera tanto o dispositivo conectado –
tablet, computador, smartphone em processo de navegação e uso
– quanto o conteúdo narrativo visualizado.
As redes sociais como Facebook, Twitter, Instagram, Snap-
chat, entre outras, popularizaram o conceito de criador e consu-
midor de narrativas na mesma pessoa. Gisela Castro denomina-os
como prossumidores, uma mistura entre produtor e consumidor,
entre a audiência e o criador. O stories, por exemplo, é um formato
de publicação da rede social Instagram que permite que a pessoa
possa publicar uma fotografia, uma animação,
um video com música, rapidamente em seu
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

perfil, e sua audiência poderá ver a pu-


blicação por apenas 24 horas, depois
ela se autodestroi. Uma narrativa vi-
sual, digital, e completamente efême-
ra, que não depende inclusive, de ne-
nhuma audiência para existir uma vez
publicada.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 47
Da mesma forma, o formato de video se popularizou em re-
des como Youtube, onde qualquer pessoa com uma conexão a in-
ternet, pode ter seu próprio canal de vídeos, sem custo financeiro
algum associado.
Assim, é a partir da Revolução Industrial do final do século
XIX – tempo em que também nascem a fotografia, o cinema e a
indústria gráfica moderna – que o suporte midiático inaugurou a
indústria do consumo cultural de entretenimento. E que, com a
tecnologia digital, evoluiu em formas massivas e pós-massivas.
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 48
SEÇÃO 5 – A NARRATIVA
MULTIMÍDIA E A NARRATIVA
TRANSMIDIÁTICA

Da mesma forma como a


midia apresenta modos massivo
e pós-massivo, a narrativa se apre-
senta a partir tanto de uma única
mídia, quanto da combinação dessas.
Que pode ser nas modalidades multimí-
dia ou transmídia. Para a modalidade multimídia, a condição de
combinação de características de várias mídias diferentes em uma
combinação integrada define a narrativa. Chapeuzinho Vermelho
é originalmente um conto oral, transformado em mídia impressa
livro, revista, etc, em mídia eletrônica de novela para radio e para a
televisão, e no caso de mídia digital, pode assumir por exemplo, a
forma multimídia, onde a audiência pode interagir com a estória,
jogar com os personagens, colorir partes da estória, montar diálo-
gos novos na estória, enfim, trabalhar a partir das características de
várias mídias combinadas em um conjunto mulimídia digital.
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

Já a narrativa transmidiática, se utiliza de diversas mídias dife-


rentes – massivas e pós-massivas – de forma complementar, assim
uma mídia complementa a outra, em forma e conteúdo, aumen-
tando a experiência da audiência com a estória. Normalmente, es-
sas narrativas transmídia se iniciam por uma das mídias massivas –
digamos, a mídia eletrônica televisão, no caso de um seriado como
Lost – onde o enredo conta a estória de personagens misteriosos

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 49
que dividem um voo comercial. O avião sofre uma queda em uma
ilha, e a partir daí, a trama se inicia, com todos os sobreviventes
desconfiando uns dos outros enquanto sobrevivem dentro da ilha.
Pois bem, na versão de internet, LOST é um website onde a audiên-
cia pode reservar sua passagem aérea, junto com os personagens
do seriado, ou ainda, visitar a página de internet de personagens
da série, e interagir com elas, como se estivessem de fato vivas.
Lost se desenvolve também em outras formas midiáticas, como vi-
deogame, e ainda, como história em quadrinhos. Em cada mídia
um aspecto da narrativa, a visão de um personagem, ou a com-
plementaridade da estória do personagem, ativado no seriado por
exemplo, e reavivado pela página de internet.
Vamos encerrar aqui nossa primeira uni-
dade sobre narrativas visuais digitais, e
vamos prosseguir na próxima unidade,
abordando as formas e estruturas nar-
rativas vigentes.

Multimídia

Você já ouviu falar no aplicativo


UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

para celulares LEIA PARA UMA CRIANÇA?


O Banco Itaú, em campanha que já dura mais
de uma década, começou a distribuir gratuitamente em todo o país
livros infantis, ilustrados e editados para os pais contarem estórias
para seus filhos. Em 2013, alguns anos após o início da campanha, o
Banco Itaú lançou o aplicativo leia para uma criança, transformando
os livros impressos, em narrativas multimídia, com várias funções in-
terativas: os pais poderiam usar máscaras de monstro, rei, princesa,
Chapeuzinho Vermelho ou o Lobo, e suas vozes seriam modificadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 50
digitalmente. Havia também a engenhoca de sons, onde apertando
os botões, eram emitidos efeitos sonoros, como aplausos, miados de
gato, e outros efeitos, para tornar a leitura da estória mais interes-
sante. Com o aplicativo Leia para uma criança, o Banco Itaú trouxe
para a literatura infantil, toda a riqueza multimídia de efeitos visuais
e sonoros, além de propiciar aos adultos modificar a estória como
desejarem, quantas vezes quiserem. Vamos voltar a esse exemplo,
quando estivermos estudando a estrutura narrativa interativa.

RECAPITULANDO

Olá! Chegamos ao fim da primeira Unidade de nossa discipli-


na, Narrativas visuais digitais. Nós iniciamos nossa conversa por aqui
conceituando o termo narrativa desde sua origem literária, e cultural
através da oralidade do folclore, até as formas midiáticas assumidas
pela narrativa de acordo com as tecnologias produtivas de cada épo-
ca histórica. Seguimos o percurso, compreendendo o que vem a ser
um objeto social, e sua importância para determinar a centralidade
da narrativa, em termos de audiência e interesse social pela temática.
Da mesma forma, observamos na seção 3, a importância do contexto
midiático em que a narrativa se materializa, e a dependência de uma
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

forma midiática para que possa existir a narrativa. Desse contexto


midiático, compreendemos também o conceito de mídia massiva e
mídia pós-massiva, marcado pela condição midiática de dependência
de uma audiência de massa, para poder se firmar como mídia. No
caso da mídia pós-massiva, digital e não dependente de audiência, a
narrativa se estrutura de formas mais soltas, múltiplas e associadas. E
terminamos essa unidade, com a conceituação de multimídia e trans-
mídia, que são propriedades da mídia digital e pós-massiva.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 51
QUIZ

De acordo com Adam (1985):

“O reagrupamento de proposições narrativas em tríades im-


bricadas constituem grupos de funções. São estes grupos de propo-
sições organizadas em ciclos que formam as seqüências narrativas.
Para que um grupo de proposições narrativas forme uma seqüência:
_________________________________________________________
________________________________________________________
_____________________________________.” (ADAM, 1985, P.84)

Qual das assertivas a seguir está correta para completar a afir-


mação de Adam:

I. é preciso não somente que atores diferentes as unifi-


quem atravessando-as, mas também que haja uma
transformação.
II. é preciso não somente que um mesmo ator as unifique
atravessando-as, mas também que não haja uma trans-
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

formação.
III. é preciso não somente que um mesmo ator as unifique
atravessando-as, mas também que haja uma transfor-
mação.
IV. é preciso não somente que um mesmo ator as unifique
revelando-as, mas também que haja uma transformação.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 52
Está correto apenas o que se afirma em:

a) I.
b) II.
c) III.
d) IV.
e) Nenhuma alternativa está correta.

Gabarito: C

Feedback: a assertiva C está correta. Pois “para que um gru-


po de proposições narrativas forme uma sequência, é preciso não
somente que um mesmo ator as unifique atravessando-as, mas
também que haja uma transformação”.
UNIDADE 1 – Objeto Social, Mídias e Narrativas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 53
UNIDADE

2
A NARRATIVA MIDIÁTICA
MASSIVA E
PÓS-MASSIVA: FORMATOS,
PADRÕES, GÊNEROS E
CARACTERÍSTICAS
 voltar ao sumário

54
OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE
APRENDIZAGEM DA UNIDADE

Ao longo desta Unidade você irá:

• dimensionar a partir das estruturas midiáticas massiva e


pós-massiva, as formas, padrões, gêneros e característi-
cas aplicadas;
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

• constituir as estruturas de roteiro possíveis e observar


suas aplicações em exemplos midiáticos;
• compreender como a mídia pós-massiva permite que as
narrativas sejam coletivas, cocriadas e colaborativas, a
partir de formatos e estruturas específicas;
• compreender e operar as funções sociais da narrativa
midiática massiva e pós-massiva.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 55
INTRODUÇÃO A UNIDADE

Caro(a) aluno(a),
Seja bem-vindo à segunda Unidade da disciplina de Narrativas
Visuais Digitais. Aqui, vamos operar a partir dos conceitos de mí-
dias massiva e pós-massiva, para elucidarmos as principais formas,
padrões, gêneros e recursos empregados pela mídia ao redor da
narrativa. Identificar e relacionar estas formas e padrões é funda-
mental para você poder estabelecer a relação ideal entre as formas
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

de tartar sua narrativa e as formas pelas quais a audiência terá


para interagir com todo o conteúdo estruturado da narrative. Va-
mos compreender a força midiática pós-massiva, através das redes
sociais, a partir da análise de diversas proposicões narrativas, de
forma a identificar e aplicar, estilos narrativos, estruturas e enca-
deamento visual entre elas. Iremos analisar casos onde a função
social da narrative se apresenta variada indo do social e inclusivo,
a narrativa persuasiva da publicidade. Você irá tomar contato com
narrativas ponderosas, que ao utilizar as potencialidades midiáticas
pós-massivas, a partir das mídias sociais, conseguiram atingir uma
audiência mundial, apenas com a percepção clara de como a estru-
tura narrativa se dá nas mídias digitais. A transmídia, que atravessa
diversas mídias diferentes, de forma a complementar-se pelo acesso
da audiência a cada uma delas, os formatos de disrupção narrativa
que vemos nas diversas aplicações – literária, televisiva, impressa,
interativa – de forma a ampliar o repertório de possibilidades de
construir uma estrutura narrativa ponderosa e efetiva.
Bons estudos!

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 56
SEÇÃO 1 – STORYLINE; A LINHA CONDUTORA
NARRATIVA

De forma geral, uma


narrativa assume o relato de
uma sequência de eventos e
ações, que ocorrem com per-
sonagens, em determinado
contexto – social, histórico, cultu-
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

ral, humorístico etc – dispostos de forma sequencial. A evolução


tecnológica da mídia, possível em cada época histórica, influenciou
diretamente as narrativas produzidas a seu tempo e formatos – oral
até o século XV; e também impressa, a partir do século XV; e tam-
bém eletrônica a partir do século XIX; e também digital a partir do
século XX – e todas em simultâneo, no que Henry Jenkins (2008)
chamou de cultura da convergência midiática. Jenkins conceitua
a convergência midiática a partir do surgimento da internet como
forma de comunicação pós-massiva, e suas propriedades particu-
lares de produção e consumo midiático. A partir dai, como afirma
Jenkins, qualquer pessoa poderia produzir e criar uma narrativa
apropriando-se de imagens, sons, textos, vídeos, áudios coletados
pela internet, e recombinados em novo arquivo midiático; ou seja,
na era da conexão digital, todos e qualquer sujeito conectado pode
criar, produzir e compartilhar qualquer conteúdo e portanto, narra-
tivas, com qualquer outro sujeito igualmente conectado.
A internet é então, a base estrutural de toda a mídia pós-mas-
siva, pois faz com que possamos acessar e consumir, ou mesmo pro-
duzir e compartilhar, o conteúdo que desejarmos, quando e como

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 57
desejarmos. Diferente por exemplo, das
mídias massivas como jornal, revista
e televisão, onde a programação e
a pauta definem o que e quando
se consome o conteúdo. Além das
formas de consumo desse con-
teúdo – ler, assistir, ouvir. A Liber-
dade e a autonomia da audiência
em relação ao conteúdo digital, faz
das mídias pós-massivas a possibilida-
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

de mais ampla de se produzir narrativas de


longo alcance e audiência.
Naturalmente que a internet, como forma estutural da mí-
dia pós-massiva, vêm sendo aprimorada e aperfeiçoada a cada
novo ciclo de avanço tecnológico, pois para que haja uma cone-
xão, é necessário que haja estruturas de telecomunicações pela
região, operadoras de telefonia operando na região, provedores
de acesso à internet operando, bem como dispositivos como
computadores e smartphones, disponíveis, para as pessoas po-
derem acessar a web a partir destes dispositivos. Perceba então
que, embora a condição midiática pós-massiva seja de fato mais
inclusiva em suas formas de consumo, e permita que mais narra-
tivas sejam produzidas livremente, também representa uma con-
dição social excludente, na medida em que, para esse acesso há
de se possuir um dispositivo de acesso, uma forma de conexão,
e uma identidade digital. O que, claramente, uma larga parcela
de brasileiros não dispõe como acesso à realidade das mídias
pós-massivas.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 58
De todo o modo, a forma midiática pós-massiva digital da
internet permite que qualquer pessoa conectada possa consumir
a narrativa que deseja, desde que disponível, ao mesmo tempo
em que pode produzir e disponibilizar a narrativa que desejar, para
acesso público ou privado.
O que nos leva a formas narrativas possíveis, a partir das reali-
dades midiáticas massiva e pós-massiva, referenciando a linha con-
dutora da estória, seu encadeamento de eventos e ações, que a
compõe. Nesse sentido, a linha condutora da narrativa – no termo
original Storyline – assume diversos formatos, norteando toda a
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

condução da estória. Assim vamos compreender as linhas condu-


toras (ou storyline) LINEAR, CIRCULAR, SEQUENCIAL, ÚNICA, entre
as principais.

LINHA CONDUTORA LINEAR

Deriva diretamente da literatura, pelo conto, romance, crô-


nica, uma vez que assume uma linearidade dos fatos e eventos –
normalmente amparadas pela cronologia de datas em sequência, e
caminha linearmente pelo curso dos eventos, a
partir da temática central estabelecida para
a narrativa. Narrativas históricas, biográ-
ficas, documentais e ficcionais normal-
mente seguem essa estrutura, de forma
a privilegiar a linearidade dos eventos a
partir de uma lógica literária, de come-
ço-meio-fim.
Na imagem a seguir, dois exemplos
de linha condutora narrativa linear: à esquer-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 59
da, o conto infantil Chapeuzinho Vermelho e à direita, a biografia
do cantor Tim Maia, escrita pelo jornalista Nelson Motta. Nos dois
exemplos, a linha condutora narrativa é linear, e obedece uma se-
quência linear e cronológica de eventos.
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

Fontes: https://www.extra.com.br/livros/literaturainfantojuvenil/juvenil/livro-chapeuzinho-verme-
lho-conto-ilustrado-1500173652.html

LINHA CONDUTORA CIRCULAR

Das formas midiáticas pós-massivas, o videogame é talvez a


melhor referência de uma narrativa com linha condutora circular.
Pois a linha condutora da narrativa de um videogame é o percurso
rumo ao objetivo final, entremeado de obstáculos e fases distin-
tas. A narrativa se repete circularmente, a cada fase conquistada,
entrando em novo loop, a partir dos novos estágios conquistados
pelo jogador.
A ficção televisiva, através dos seriados por exemplo, também
opera a linha condutora narrativa circular a cada episódio produ-
zido. Cada episódio é uma estrutura narrativa circular, estabeleci-
da ao redor de um grupo de personagens, onde se desenvolvem

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 60
eventos específicos a partir do perfil dos personagens. Mas sem
que haja necessidade de sequência entre os episódios para a com-
preensão da narrativa pela audiência. De forma que cada episódio
apresenta uma linha condutora narrativa circular, na qual ocorrem
os eventos específicos deste episódio.
O seriado Jornada nas Estre-
las, por exemplo, narra a cada epi-
sódio, um novo planeta visitado,
com novos desafios e surpresas. To-
das encerradas durante o episódio,
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

quando termina com a nave Enterprise partindo para mais uma jor-
nada. O seriado policial CSI – Crime Scene Investigation – se passa
na cidade de Las Vegas, e, a cada episódio, retrata o processo da
unidade de investigação de assassinatos e cenas de crime, em bus-
ca da verdade relacionada ao assassinato investigado. O episódio
começa com o evento de um assassinato, e termina com todos na
delegacia, comemorando o êxito da investigação.
A linha condutora circular, da mesma forma, é bastante em-
pregada para desenhos animados, uma vez que as animações apre-
sentam a mesma estrutura narrativa possível, envolvendo persona-
gens, situações e contextos, nos quais ocorrem os eventos e ações
isolados daquele episódio. Por exemplo, a série Simpsons, da Fox
Television, é um seriado em animação, sobre uma família america-
na média, disfuncional, onde, a cada episódio, acontecem eventos
específicos, mas que não se relacionam com os outros episódios.
O modelo de seriado televisivo – SITCOM, no termo america-
no – se ampliou como uma das formas midiáticas de maior sucesso
de narrativas visuais. Séries que retratam por anos uma sequência
narrativa circular, em que as personagens não envelhecem, não al-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 61
teram seus modos de vida, apenas seguem seu curso dentro da nar-
rativa circular. Friends, por exemplo, seriado americano da Warner
Brothers, oferece uma linha condutiva circular, na qual jovens, mo-
radores do mesmo prédio, em dois apartamentos, vivem situações
cotidianas, em torno dos apartamentos e do café que frequentam,
na cidade de Nova Iorque. Você pode escolher qualquer temporada
e episódio, e poderá desfrutar da narrativa da série, uma vez que
um episódio não apresenta uma sequência dependente de outros
episódios, mas pode ser compreendido na sua unidade.
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

Imagem: Livro guia, com as primeiras 30 temporadas do se-


riado Simpsons.

Fonte:https://en.wikipedia.org/wiki/The_Simpsons_episode_guides#/media/File:The_Simpsons_A_
Complete_Guide_to_Our_Favorite_Family_cover.jpg Acesso em: 05/07/2020.

Naturalmente, quando a narrativa ganha força junto a sua


audiência, a sequência e coerência entre os episódios, e as perso-
nagens, acaba por desdobrar-se por anos, às vezes décadas, como
no caso de Simpsons, produzido como seriado inicialmente em

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 62
1989, e que, em 2019, completou 30 anos seguidos em produção
constante de novos episódios. Uma narrativa que alcança sucesso
em um formato midiático, muitas vezes é a base de outro produto
cultural, em outro formato midiático. Os Simpsons, em 2007, se
tornaram um longa-metragem de animação, exibido nos cinemas,
em uma condução narrativa linear, de começo, meio e fim. Tudo
indica que o seriado chegará a mais de 700 episódios.

LINHA CONDUTORA SEQUENCIAL – SEQUÊNCIA//


SÉRIE//SAGA
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

O cinema, assim como a televisão e o processo de streaming


de videos pela internet, oferece uma narrativa audiovisual onde se
pode mergulhar por completo na realidade da narrativa, que con-
siste em uma estória filmada, em partes sequenciais. A condição
sequencial dessa linha condutora refere-se à necessidade de respei-
tar a sequência proposta, de for-
ma a não perder nenhum aspecto
fundamental da narrativa. Normal-
mente a linha sequencial implica
em seguir a ordem proposta pelos
criadores, caso contrário a audiên-
cia não irá compreender a evolu-
ção da narrativa como proposta.
Na indústria criativa global,
as narrativas sequenciais são esta-
belecidas como franquias, utilizan-
do o sentido aplicado pelo marke-
ting ao termo franquia. De forma

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 63
que as narrativas originais costumam surgir em uma determinada
mídia, como o cinema, por exemplo, e as sequências ampliam a
franquia da marca da narrativa e personagens, tanto em novos fil-
mes para cinema, quanto para outros formatos, como os filmes de
animação, ou estórias lineares, derivadas da sequencial.
Segundo Covaleski (2015), a saga é “a forma de serialidade
que celebra a passagem do tempo em sua estrutura narrativa. É
quando a questão temporal interage diretamente na condução do
rumo dos personagens e eventos dentro da obra” (2015, p.35-36).
No caso de Guerra nas Estrelas – Star Wars no original – a saga se
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

inicia em 1977, com a produção de Star Wars, episódio IV.

Curiosidade

A adição do Episódio IV

Apesar da história do primeiro filme de Star Wars ser a quarta


(dentro da cronologia estabelecida por George Lucas) o filme só re-
cebeu o subtítulo “Uma Nova Esperança” quando o segundo filme
da saga “O Império Contra Ataca” foi lançado em 1981.
Quando fez seu primeiro filme, o diretor não tinha certeza se
haveria mais filmes da saga já que na época o conceito de franquia
como conhecemos hoje ainda não existia. Desde então Star Wars
se tornou um negócio de sucesso com diversos filmes e milhares de
produtos como jogos, brinquedos, colecionáveis etc...

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 64
LINHA CONDUTORA ÚNICA

A linha condutora única se define por uma única imagem,


sem recursos sequenciais empregados, apenas uma imagem e um
sentido. A linguagem narrativa da publicidade, costuma utilizar a
linha condutora única a cada nova peça publicitária, especialmente
na mídia impressa.
A linha condutiva única se estrutura pela força narrativa dos ele-
mentos que compõem sua imagem, de forma que uma única com-
posição sugere todo o contexto de evento e ação narrado. Bastante
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

empregada desde a mídia massiva impressa em diante, a linha con-


dutora narrativa única se popularizou em larga escala pelas mídias di-
gitais pós-massivas, especialmente as redes sociais que operam pela
imagem como principal linguagem. A partir de março de 2020, com
a pandemia da Covid-19, diversas mensagens de utilidade pública e
comunicação social tomaram as redes sociais em compartilhamento,
como forma de conscientizar as pessoas da gravidade da situação e
alto risco de contágio. Vamos ver algumas destas mensagens:

Campanha da OMS, para a INDIA - rede social Instagram:

Fonte: https://www.adsoftheworld.com/media/digital/united_nations_world_stay_home?
className=collection-lb&contentid=387464&inline=true#collection-lb-content

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 65
Uma das propriedades mais interessantes da narrativa produ-
zida para a mídia digital pós-massiva, é o fato de que a audiência
pode interagir com o produto midiático da narrativa, e se tornar
um coautor da forma final narrativa. Veja este caso, produzido pra
as redes sociais, em Singapura, utilizando o fato do Dia das Mães,
para estimular o isolamento social. Na imagem a seguir, os dois
momentos da narrativa colaborativa:
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

Fonte: https://www.adsoftheworld.com/media/digital/vmlyr_mumecards

Ao oferecer à audiência a condição simultânea de se tornar


também produtora de suas narrativas, compartilhadas pelas mes-
mas redes, a mídia pós-massiva amplia a perspectiva de narrativas
sociais, incorporadas às narrativas pessoais.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 66
Cada uma das linhas condutoras narrativas – Linear, Circular,
Sequencial e Única – pode ser aplicada a diversas formas midiáticas
massivas e pós-massivas, respeitando as limitações e possibilidades
da experiência oferecida à audiência. A linha condutora narrativa
– ou storyline – é uma parte fundamental do processo de criação e
producão de narrativas visuais digitais, pois auxilia no dimensiona-
mento do projeto criativo; definindo sua duração em tempo – no
caso de mídias eletrônica e digital – bem como os recursos narrati-
vos empregados – imagens, audio, video, ilustração, fotografias etc
– a fim de que os próximos passos no processo produtivo possam
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

ser dimensionados em termos de produção.

Atenção

As diversas formas que a linha condutora narrativa


assume – Linear, Circular, Sequencial e Única – podem ser
adotadas para uma mesma estória como base narrativa
a partir da determinação de quais mídias finais serão
empregadas para o consumo dessa narrativa pela
audiência. Por exemplo, podemos utilizar a estória de
Chapeuzinho Vermelho, pelo storyline linear, a partir
de um livro; bem como o storyline circular, para um
videogame; uma narrativa sequencial, para um seriado
de televisão e até um storyline de linha condutora única,
a partir de uma referência temática para veiculação nas
redes sociais e ainda assim, estamos tratando da mesma
estória original de Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 67
SEÇÃO 2 – ABERTA, FECHADA
OU INTERATIVA: FORMAS DE
INTERAÇÃO NARRATIVA

A partir das mídias utilizadas


na produção da narrativa, defini-
mos também o comportamento
que esperamos de nossa audiência
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

em relação ao produto final. Uma nar-


rativa assume três formas específicas para
sua audiência: aberta, fechada ou interativa.

NARRATIVA ABERTA

A narrativa aberta se constrói à medida que a audiência per-


corre a sequência de eventos e ações iniciais que estruturam a es-
tória, mas é livre para definir cada ação das personagens, ante os
eventos que se sucedem. A narrativa aberta se caracteriza espe-
cialmente através da mídia pós-massiva digital, em videogames e
atividades interativas.
Por exemplo, o Minecraft é um videogame de simulação, no
qual a audiência apenas cria seu próprio universo virtual e perso-
nagens pela construção e exploração espacial. Dessa forma as es-
truturas narrativas abertas não possuem um fim, ou um percurso
estabelecido e rígido de condução, mas caminham de acordo com
a forma pela qual a audiência opera os recursos de participação no
videogame. Note que para estruturar uma narrativa aberta para
sua audiência, é preciso que se tenha todas as possibilidades de

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 68
ações e eventos mapeadas e estruturadas, de forma que a audiên-
cia possa se decidir a cada ação, por qual direção seguir.

NARRATIVA FECHADA

As narrativas fechadas propõem desde o início para sua au-


diência, uma estória com final específico, determinado pelo autor.
De forma que não sofrem alteração em sua linha condutora, nem
em seu final, mantendo a integridade da estória a partir de cada
edição produzida. Literatura, televisão, cinema, teatro, são meios
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

que se fundamentam a partir de narrativas fechadas. O fato de


serem narrativas estanques não retira o brilho e a atração que pro-
vocam nas pessoas. As narrativas fechadas podem conter versões
diferentes de uma mesma estória, como no exemplo de Chapeu-
zinho Vermelho, onde o final trágico da versão original do século
XVII se reveste do otimismo do século XIX na versão moderna, com
o surgimento da personagem do caçador, que salva Chapeuzinho e
sua avó, matando o lobo.
Uma narrativa fechada não limita sua
expansão para diferentes mídias, na ver-
dade, quanto mais sucesso de audiência
a estória original apresenta, mais isso se
torna indicador de sucesso e aceitação,
também em outras formas midiáticas.

NARRATIVA INTERATIVA

Nesta modalidade, é a audiência que defi-


ne, a partir de opções de escolhas pré-determinadas, a forma que

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 69
se dão os eventos, à medida que
a estória se vai desenrolando. Di-
versos vídeos, videogames e até li-
vros se utilizam da forma narrativa
interativa, que depende essencial-
mente da participação da audiên-
cia a cada nova ação ou evento,
envolvendo as personagens. Na
mídia pós-massiva digital das re-
des sociais, a narrativa interativa
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

se desenvolve a partir da aplicação


de Inteligência artificial, de forma
a construir um diálogo entre a au-
diência e a mensagem central da
narrativa interativa, como no caso
de uma campanha para prevenir o alcoolismo entre adolescentes
menores de idade no Brasil.
O centro AA – Alcoolicos Anônimos – desenvolveu todo um
trabalho de pesquisa com adolescentes alcóolatras onde estes con-
taram seu envolvimento com a bebida. Após três meses e mais
de 1000 entrevistas, todas as respostas foram colocadas em um
software de inteligência artificial, a fim de estabelcer um diálogo
com os adolescentes, a partir das expressões utilizadas por eles nos
depoimentos. A narrativa embora não seja visual, assume um con-
torno de alcance incrivelmente alto, devido à autenticidade com
que o diálogo se dá através da narrativa interativa.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 70
Se desejar conhecer o videocase, com os detalhes, basta clicar
na imagem abaixo:
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

De certa forma, a narrativa interativa também depende es-


sencialmente da ação da audiência, para que a estória se de-
senvolva, mas diferente das narrativas abertas, a estória ofere-
cida pela narrativa interativa normalmente segue uma estrutura
prévia de escolhas específicas dentro dos eventos e ações que a
constituem.
Essas três modalidades de narrativa – aberta, fechada e in-
terativa – se apresentam a partir de diversos suportes midiáticos
massivos e pós-massivos, que irão proporcionar o ambiente de en-
volvimento e interação necessários pra que a audiência possa aces-
sá-la. Assim, se falamos de uma narrativa ABERTA, falamos essen-
cialmente, do videogame – ou ainda outras formas narrativas – que
carrega em sua programação, diversas configurações de sequência,
a partir da sucessão de eventos dentro do jogo. Se considerarmos
os videogames conectados à internet – portanto mídias pós-massi-
vas – podemos facilmente chegar a milhares de jogadores diferen-
tes, em simultâneo, interagindo entre sí, por meio do videogame e
suas interações previstas entre os jogadores.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 71
A narrativa FECHADA, se aplica a
uma maior variedade de mídias – mas-
sivas e pós-massivas – a partir do
momento em que sua linha condu-
tora está totalmente estabelecida
pela obra narrativa original. Livro,
conto, romance, série de televisão,
novela, documentário, jornalismo,
normalmente apresentam uma es-
trutura fechada, onde em muitos dos
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

casos já se conhece o final da estória, por


ser uma fábula popular, ou uma estória oral tracicional entre as
pessoas de uma mesma região. O fato da estória original ser uma
narrativa fechada, não impede sua reestruturação em capítulos,
episódios, sequências, níveis, de forma que sua constituição pode
variar entre aberta, fechada ou interariva, a partir das mídias utili-
zadas em sua produção.
A narrativa INTERATIVA funciona muito bem a partir da in-
ternet, redes sociais e outras formas pós-massivas de mídia, uma
vez que só acontece, a partir da interação direta da audiência
na evolução dos acontecimentos, eventos, ações e personagens
envolvidos. Não apresenta toda a Liberdade de ação que o vi-
deogame, mas envolve a audiência constantemente, na defini-
ção da conduta das personagens através dos eventos expostos.
O escritor, roteirista de quadrinhos Neil Gaiman– autor inglês, de
Caroline _ longa-metragem de animação, diversos romances, os
quadrinhos – SANDMAN seu maior sucesso, já chegou a escrever
uma estória coletiva junto com a audiência, para uma campanha
publicitária de um aparelho celular. O que apenas demonstra que

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 72
uma narrativa, independente de seus motivadores, pode sempre
se adaptar em formato, estrutura, gênero e sentido narrativo, a
partir de sua finalidade previamente definida.
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 73
SEÇÃO 3 – QUAIS AS
FINALIDADES DA
NARRATIVA?

Segundo Viktor Baush, um


dos profissionais storytellers brasi-
leiros mais inovadores na concep-
ção e construção narrativa, existem
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

três situações quando se deve produzir


uma narrativa, e cada uma delas é bastante
específica na sua função: APRENDIZADO, DIVERSÃO E PERSUASÃO,
as três finalidades que justificam a produção de uma narrativa.

NARRATIVAS PARA APRENDIZADO:

Tomemos por exemplo, uma viagem de avião. Ao sentar-se


na poltrona, normalmente o passageiro encontra no encosto da
poltrona à sua frente o follheto com as informações de segurança
sobre como proceder caso haja algum acidente com o avião. Esse
folheto é essencialmente visual, embora tenha legendas nos idio-
mas inglês e nacional da companhia aérea.
A função dessa narrativa, portanto, é ensinar, orientar o pas-
sageiro a atar seu cinto de segurança, a saber como fazer para
transformar seu assento em boia, como acionar a máscara de oxi-
gênio em caso de despressurização da cabine e outras providências.
Tipicamente padrão, a narrativa de segurança e ações de emer-
gência aérea se torna um bom exemplo de uma narrativa FECHA-
DA, orientada para a EDUCAÇÃO. A seguir, imagens de instruções

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 74
de segurança do passageiro das Linhas Aéreas Gol, para os aviões
BOEING-737-800:
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

Fonte: http://aircollection.org/part/GLO/B737-800_1/

As narrativas de aprendizado fazem bom uso do suporte vi-


sual, especialmente por referenciar certo e errado com imagens e
signos de correto e de errado, tornando a gramática visual, elimi-
nando ao máximo a necessidade de legendas. Manuais de equipa-
mentos eletrônicos ou de automóveis são bons exemplos de nar-
rativas de aprendizado. Veja, não estamos falando aqui, de livros
didáticos, ou escolares, mas de formas narrativas empregadas para
que a audiência possa operar ou configurar um equipamento, uma
máquina, um aparelho qualquer.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 75
NARRATIVAS PARA DIVERSÃO:

A partir dos recursos tecnológicos de cada época, o emprego


narrativo para a diversão, distração, sem outro fim social a não ser
entreter a audiência, se dá em evolução midiática constante.
Diferente das narrativas de aprendizado ou orientação, a nar-
rativa para diversão tem como foco o entretenimento, portanto
não se preocupa com a didática, a clareza e a objetividade das in-
formações, mas antes, preocupa-se em focar em formas de envol-
ver a audiência em torno da trama, do enredo e das personagens
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

operadas pela narrativa.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Black_Mirror#/media/Ficheiro:Blackmirrorlogo.jpg

A série BlackMirror, produção original do serviço de streaming


Netflix, por exemplo, é uma narrativa para diversão, que apresenta
um storyline linear a cada episódio, autônomo, sem relação com os
outros episódios da temporada. A série retrata uma sociedade dis-
tópica, mediada pela conectividade entre as pessoas em um nível
perigoso às liberdades individuais. São episódios confusos, embora
lineares, que demandam da audiência um certo esforço – parte da
diversão está justamente aqui – em descobrir o enredo e a trama, já

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 76
sabendo que se trata do futuro próximo na sociedade contemporâ-
nea. A cada episódio, novas personagens se apresentam, desenvol-
vem os eventos e ações no episódio, e não retornam mais à série,
conferindo a linearidade – começo, meio e fim – ao mesmo tempo
que há a autonomia entre os episódios.

NARRATIVAS PARA PERSUASÃO ou narrativas de


serviço:

Costumam ser narrativas empregadas na


UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

orientação da audiência em determinadas situa-


ções, bastante comuns nas indústrias de serviço. As
narrativas de orientação servem a novos softwares,
apps e videogames, como forma de introduzir o
conceito, as formas de operá-lo e, claro, suas vantagens exclusivas.
Dessa forma, as narrativas de orientação costumam ser dinâmicas
e simplificadas, a fim de estimular a audiência a confiar no servi-
ço explicado. Um bom exemplo, pode ser encontrado neste video,
desenvolvido pela produtora inglesa Fudge, para o applicativo de
smartphone Babylon health, o applicativo que pretende substituir o
plano de saúde tradicional no Reino Unido:

Fonte: https://www.fudgeanimation.com/projects/babylon-health/

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 77
Agora que você já sabe as finalidades da narrativa – Aprendi-
zado, Diversão e Persuasão – sabe que a constituição da narrativa
pode ser Aberta, Fechada ou Interativa e conhece os principais for-
matos de storyline – Linear, Circular, Sequencial e Único – podemos
observar as principais combinações possíveis e existentes, e percor-
rer alguns casos emblemáticos, que unem essas categorizações da
narrativa em produtos culturais de grande qualidade, visibilidade e
audiência.
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 78
SEÇÃO 4 – A NARRATIVA NA
PRÁTICA: CASOS REAIS
INESQUECÍVEIS

Você já compreendeu que


a narrativa visual digital obedece
à mesma lógica argumentativa de
formas narrativas clássicas, como a
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

literária, a partir da poética de Aristó-


teles. Já entendeu também a importância
de eleger um objeto social como conceito inicial de sua narrativa,
de onde derivamos as proposições narrativas, e delas, adotamos
um storyline – Linear, Circular, Sequencial ou Único – e uma consti-
tuição narrativa – Aberta, Fechada ou Interativa – para então ope-
rarmos o sentido criativo e discursivo da narrativa. De acordo com
as necessidades de comunicação, a mídia de acesso e a audiência
determinada, podemos começar a modelar a narrativa em direção
a um produto cultural midiático. Nesta seção, vamos conhecer al-
guns casos inesquecíveis de narrativas midiáticas massivas e pós-
-massivas, de grande sucesso junto à suas audiências.

A narrativa midiática pós-massiva digital, como


memória coletiva: Eva Stories

Em 2019, o empresario israelense Mati Kovachi e sua filha


Maya tiveram a iniciativa de financiar uma forma narrativa criativa
e envolvente, que pudesse aproximar os jovens do século XXI, de

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 79
uma das memórias mais profundas do século XX: a situação do Ho-
locausto, a opressão do nazismo e a importância de ter a memória
avivada para que não isso ocorra novamente. Mati e Maya, então,
pesquisaram mais de 30 diários de adolescentes mortos em cam-
pos de concentração, até encontrarem o diário de Eva Heyman, uma
adolescente judia que vive com os avós na cidade de Nagyvarad,
renomeada posteriormente como Oradea, na Romênia, até o local
ser invadido por nazistas. A cidade tinha 100 mil moradores, metade
deles judeus. Eva começou a escrever um diário quando completou
13 anos, onde registava que sonhava se tornar uma repórter foto-
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

gráfica, o que, para os idealizadores do projeto, foi a deixa perfeita:


A memória do Holocausto fora de Israel está a desaparecer. En-
contramos o diário e dissemos: “vamos supor que em vez de caneta
e papel, Eva tivesse um smartphone e documentasse o que esta-
va acontecer ao seu redor.” Então, trouxemos um smartphone para
1944 — contou Kovachi em entrevista ao “The New York Times”.

Fonte: https://juvenil.net/index.php/viver/1013-eva-stories-a-vida-de-uma-jovem-no-holocausto-a-
traves-de-stories

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 80
Cerca de 70 vídeos curtos compõem o projeto. Os vídeos fo-
ram filmados na Ucrânia e envolveram o trabalho de uma equipe
formada por 400 pessoas. No total, a produção custou cerca de
cinco milhões de dólares. O perfil de Eva – Eva stories – já passa de
um milhão de seguidores, e de fato, ativou a memória histórica dos
jovens de forma envolvente, ao trazer a narrativa de uma menina
judia, morta nos campos de concentração nazistas, para uma lin-
guagem multimídia, registrada em vídeos que simulam a realidade
da década de 40, com o surgimento do nazismo. Se você quer co-
nhecer, basta acessar seu perfil no Instagram em seu perfil pelo link:
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

https://www.instagram.com/eva.stories/?utm_source=ig_embed

A narrativa como reflexão social: o caso Sjezus Zeg,


Zilla

A designer holandesa Zilla estava para se formar em Design


Gráfico na Holanda e precisava desenvolver um projeto de gradua-
ção. Foi então que resolveu testar a hipótese de que o universo de
imagens narrativas que vemos nas redes sociais é falso e não cor-
responde à realidade, mas a uma realidade imaginada e projetada
pelas pessoas. Zilla iniciou seu projeto, intitulado SJEZUS ZEG, ZILLA
(em português: “Diga Jesus, Zilla”), desenvolvendo toda uma nar-
rativa nas mídias sociais descrevendo uma falsa viagem à Tailândia
de cinco semanas. Zilla, então, desenvolveu seu plano de trabalho
sem avisar ninguém de sua família e amigos que a viagem era uma
farsa para o projeto final de faculdade. Ao longo das cinco sema-
nas, Zilla, que levou a familia ao Aeroporto para se despedirem,
produziu uma série diária de vídeos, fotos, selfies e edições, que

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 81
simulavam sua presença diária na Tailândia pelas cinco semanas do
projeto. Nas duas imagens a seguir, uma referência do trabalho de
edição feito por Zilla, para sustentar a viagem fictícia:
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

Fonte: https://byzilla.com/photoshop/fakecation/

A moça chegou a se bronzear artificialmente, para convencer


a audiência da veracidade de seu relato, através das fotos, videos e
toda a sua narrativa, validada por posts e selfies postados em seus
perfis ativos de Facebook e Instagram. Zilla localizou até um templo
budista na Holanda, cuja ambientação foi utilizada por ela, para
simular algumas das atrações visitadas nesta “viagem”.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 82
Ao final da jornada, Zilla reúne sua família em uma videocha-
mada e conta a verdade a todos, gravando as cenas de compreen-
são, raiva, decepção, que seus familiares externaram, ao saber da
verdade.
Zilla é, desde então, uma designer gráfica que trabalha com
edição e pós-produção fotográfica, pois é especialista em manipu-
lação de imagens, além de fazer com que a reflexão acerca da rea-
lidade das narrativas individuais esteja presente nas redes sociais.
A brincadeira narrativa além de render a Zilla nota suficiente
para se formar, tornou-a conhecida mundialmente, pois sua estória
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

foi publicada em diversas revistas e jornais, incluindo o New York


Times. Em seu website, Zilla explica detalhamento o processo de
concepção, criação e produção envolvidos no trabalho. Para conhe-
cer em detalhes essa narrativa, basta acessar o website da designer:
https://byzilla.com/photoshop/fakecation/

A narrativa interativa, sequencial e a reflexão social:


Not on Appstore

Em 2014, o publicitário brasileiro Caio Andrade matriculou-se


em um curso na escola de arte criativa e digital HiperIsland, em
Estocolmo, na Suécia. Juntamente com mais dois colegas, Caio de-
senvolveu um projeto narrativo social digital com o intuito de fazer
as pessoas refletirem que, afinal, nem tudo está disponível na loja
de aplicativos para celular, a vida é constituída de realidade, não só
de aplicativos. E decidiram então, criar uma narrativa visual digital,
a partir do objeto social “a dependência do celular”. O conceito
criativo desenvolvido foi a frase Not available at Appstore – em

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 83
português, “não disponível na Appstore”. A frase foi impressa em
quatro tamanhos de adesivo e foi distribuída a quem quisesse com-
prar um kit de adesivos enviados pelo correio ou imprimir seus pró-
prios adesivos, a partir de uma arte A4, disponível para download,
conforme a figura a seguir:
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

Fonte: https://www.hicaio.com/notonappstore

Além de disponibilizar o adesivo, Caio e seus dois colegas


convidaram as pessoas a solicitar os adesivos, fazer suas imagens
pessoais com o adesivo e enviar a um website tumblr, onde as ima-
gens seriam publicadas todas na página: https://notonappstore.
tumblr.com/.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 84
Nas imagens a seguir, algumas das contribuições recebidas:
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

Fonte: https://notonappstore.tumblr.com/

A narrativa interativa, linear e sequencial proposta por Caio


e seus colegas foi rapidamente assimilada pela audiência, que so-
licitaram ao todo mais de 7.000 adesivos a Caio, para envio pelo
correio, resultando em uma grande quantidade de imagens, gera-
das pela audiência do projeto, publicadas nas redes sociais com a
#notonappstore, e associadas pelo tumblr produzido.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 85
Fonte: https://www.hicaio.com/notonappstore

Ainda hoje, muitos anos após a realização do projeto, em


UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

2014, chegam novas imagens realizadas pela audiência, desejosa


de figurar em conjunto com a narrativa proposta.

A narrativa como uma voz coletiva e social:


#MEUPRIMEIROASSEDIO

Embora não tenha nascido como uma narrativa visual, a narra-


tiva interativa, linear e mundial de #MEUPRIMEIROASSEDIO nasceu
brasileira, a partir de uma situação midiática. Envolvendo o programa
de televisão reality show, de crianças cozinheiras Masterchef Kids –,
a situação midiática envolvendo o programa e comentários de au-
diência na rede social Twitter, dispararam toda a ação narrativa.
Em 2015, na estréia de Masterchef Kids produzido pela Rede
Bandeirantes de Televisão do Brasil havia uma menina de 12 anos,
que recebeu diversos comentários assediadores e agressivos, ma-
chistas, pelo Twitter. No mesmo instante, a partir da ONG Think
Olga, a jornalista Juliana de Faria, publicou uma convocação no
Twitter da ONG, convocando as mulheres a criarem posts no con-
tando seu primeiro assédio:

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 86
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

Fonte: https://www.huffpostbrasil.com/2015/10/22/primeiroassedio-mulheres-compartilham-no-t-
witter-primeira-vez_n_8356762.html?ncid=fcbklnkbrhpmg00000004&fbclid=IwAR2kH8dfj7DKFH-
-otKYWsFib1jVhAn_9WpjtAY8yHg7YBrwSEyZQy5-kJbo

Em 24 horas, foram recebidos mais de 2.500 depoimentos


com a #primeiroassedio. Em uma semana, mais de 82 mil depoi-
mentos espontâneos, foram publicados por mulheres que assumi-
ram terem sido assediadas e contam o primeiro episódio de as-
sédio. A ação motivou reportagens em diversos jornais e revistas,
entre elas, a BBC de Londres, que ao traduzir o o ocorrido, acabou
inspirando mulheres inglesas a contar seus episódios de assédio
com #firstharrasment. Na Espanha, na Argentina, nos Estados Uni-
dos e por todo o mundo, mulheres abriram suas estórias, e o que
se verificou foi uma realidade muito longe da percepção: 9 anos
como idade média da ocorrência, parentes próximos, como pai,
avô, tio, professor, amigo da família, foram as figuras presentes nos
primeiros assédios relatados pela Think Olga e as mulheres brasi-
leiras. Aqui, é interessante observar que, ainda que não estejamos
falando sobre uma narrativa visual, sem dúvida alguma, falamos de

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 87
uma narrativa cujo objeto social, – assédio sexual – está em grande
foco já há alguns anos. A circunstância machista dos comentários
realizados em relação à criança no programa de reality culinário foi
o disparador para a ONG Think Olga convocar as mulheres a fala-
rem. E deu muito certo o resultado, com um nível de envolvimento
muito maior do que o esperado, fazendo com que o tema do assé-
dio fosse então discutido pelas mídias, de forma extensiva.
Ainda, podemos perceber que as narrativas abertas, quando
acionadas através de mídias pós-massivas, têm um poder de al-
cance na audiência bastante alto, estimulando a participação, ao
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

mesmo tempo em que elucidando o objeto social como algo de


fato corrente, e não como exceção rara.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 88
SEÇÃO 5 – A NARRATIVA ALÉM
DO FORMATO: CASOS
DISRUPTIVOS

Em 2001 – quatro anos an-


tes do Youtube ser lançado – a in-
ternet era discada, utilizava-se da
linha telefônica e era extremamente
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

lenta e frágil como qualidade de co-


nexão. A fabricante de automóveis alemã
BMW, em sua filial norte-americana estava buscando uma forma
inovadora de se comunicar com sua audiência, para
comunicar os modelos de automóveis lançados na-
quele ano. Neste momento histórico, a internet ga-
nhava impulso, mas ainda não era a certeza unâni-
me e comprovada que veio a se tornar ao longo dos
anos e dos avanços técnicos recebidos.
A forma narrativa encontrada, a partir de sua agência de pu-
blicidade norte Americana, foi a construção de estórias curta-me-
tragens, em torno de 10 minutos, onde em cada narrativa fechada,
linear e não sequencial, haveria um motorista – representado pelo
ator britânico Clive Owen e um modelo diferente de automóvel
BMW. A personagem é um motorista de aluguel, que a cada filme,
vive uma estória diferente pelo mundo.
A BMW comissionou oito diretores graduados e reconhecidos
por seu talento e inovação cinematográficas através de filmes de
grande sucesso para que cada um deles, criasse e produzisse toda

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 89
a narrativa imaginada para os automóveis e a personagem do mo-
torista.. Era a primeira vez que diretores dessa qualidade eram cha-
mados com orçamento cinematográfico, para conceber um projeto
voltado para internet, com mais riscos envolvidos do que certezas
de audiência. Para se ter uma ideia, o download de cada um desses
filmes demorava de 3 a 5 horas em conexão discada – com uma
previsão de 5 milhões de downloads mundiais, a ação toda teve
12 milhões de downloads mundiais em quatro meses e se tornou
assunto por muito tempo entre os fãs de cinema, de automóvel, e
de BMW. Na imagem a seguir, o pôster de lançamento:
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/The_Hire#/media/File:Hire_Ambush_(2001).jpg

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 90
RECAPITULANDO

Olá! Chegamos ao fim da Segunda Unidade de nossa discipli-


na, Narrativas Visuais Digitais, onde pudemos verificar os formatos,
padrões, gêneros e características da narrativa em mídias massiva e
pós-massiva. Iniciamos na Seção 1, pela definição de storyline, ou
linha condutora narrativa e suas quatro modalides: linear, circular,
sequencial e única. Na Seção 2 você pôde verificar as potencialida-
des de uma narrativa aberta, fechada ou interativa, já compreen-
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

dendo o videogame como um dos formatos midiáticos pós-massi-


vos para se estruturar uma narrativa. Na Seção 3, você aprendeu
sobre as finalidades de uma narrativa e pôde conferir exemplos
diversos. Na Seção 4, vimos diversos casos específicos, de grande
sucesso junto a suas audiências. E na Secão 5, uma referência de
como esses padrões narrativos podem sempre ser revistos, a partir
de novas condições técnicas, especialmente, pós-massivas.

QUIZ

De acordo com Covaleski (2015) a classificação como “série”


para uma narrativa audiovisual é constituida por: “Uma mesma si-
tuação ou um mesmo personagem central, em torno do qual são
apresentados elementos secundários e variáveis com o intuito de
sugerir uma originalidade entre o texto presente e o texto anterior,
mantendo contudo, uma estrutura narrativa em comum.”(COVA-
LESKI, 2015, p.33). No que diz respeito a uma “SAGA”, Covaleski
afirma que:

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 91
I. “Saga é a forma de serialidade que celebra a passage do
tempo em sua estrutura narrativa”.

II. “Saga não é uma forma de serialidade, é uma estrutura


narrativa desvinculada da serie”
III. “É quando a questão temporal interage diretamente na
condução do rumo de personagens e eventos dentro da
obra”
IV. “ É quando a questão temporal não interfere direta-
mente na condução do rumo de personagens e eventos
UNIDADE 2 – A Narrativa Midiática Massiva e Pós-Massiva: Formatos, Padrões, Gêneros e Características

dentro da obra”.

Está correto apenas o que se afirma em:

a) I e IV.
b) I e III.
c) II e III.
d) II e IV.
e) Nenhuma alternativa está correta.

Gabarito: B

Feedback: a assertiva B está correta. Pois, a Saga é de fato,


uma forma de serialidade, que se basea na passagem do tempo,
como parte de sua estrutura narrativa. É inclusive, por conta da
questão temporal, que o rumo e a condução de personagens e
eventos, se desencadeiam em sequência cronológica.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 92
UNIDADE

3
ESTRUTURA NARRATIVA:
FUNDAMENTOS

 voltar ao sumário

93
OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE
APRENDIZAGEM DA UNIDADE

Ao longo desta Unidade, você irá:

• Dimensionar os fundamentos narrativos empregados


pela psicologia e pela ludologia, no sentido de analisar
estruturas narrativas pela evidência destes fundamen-
tos.
• Compreender as estruturas de roteiro a partir das narra-
tivas operadas em suportes midiáticos próprios.
• Compreender e operar os fundamentos da narrativa em
sua estrutura midiática massiva e pós-massiva, indepen-
dente do produto midiático final.
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 94
INTRODUÇÃO À UNIDADE

Caro(a) aluno(a),
Seja bem-vindo(a) à terceira Unidade da disciplina Narrativas
Visuais Digitais. Aqui, vamos operar a partir dos fundamentos
aplicados da psicologia e da ludologia, para dimensionar os funda-
mentos operados em estruturas narrativas amparadas por suportes
midiáticos massivos e pós-massivos.
Vamos compreender o conceito de círculo mágico de Huizin-
ga, sua importância e a variedade de sentidos operativos. Esse con-
ceito é originário do estudo dos jogos e, especialmente, poderoso
quando associado ao conceito de objeto social para estruturar a
narrativa. Assim, vamos analisar as estruturas do círculo mágico e
suas relações culturais, religiosas, midiáticas, que estabelecem sen-
tido e orientação social ao produto narrativo.
Do círculo mágico, vamos ao trabalho de Carl Gustav Jung
na década de 1940, ao relacionar as estruturas de sonhos, com as
estruturas narrativas, o que originou a pesquisa sobre a jornada
do Herói, de Joseph Campbel, que veio a se tornar o padrão de
referência narrativa de forma geral, para os produtos culturais e
midiáticos. Entenderemos o modo narrativo em primeira e terceira
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

pessoa do singular e do plural, a partir das realidades multimidiá-


ticas, e os estilos aplicados a videogames, séries televisivas, produ-
ções cinematográficas, entre outras.
A junção desses conceitos, permite inclusive, que trabalhe-
mos uma narrativa originária em um videogame como se fosse uma
animação curta ou longa metragem – Machinima – apresentando a
possibilidade da cultura da convergência de uma forma estrutural,
quase como uma linguagem própria. Bons estudos!

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 95
SEÇÃO 1 – CÍRCULO MÁGICO: O
CONCEITO IMPRESCINDÍVEL

Para compreender o concei-


to de círculo mágico, precisamos
entender quem foi Johan Huizin-
ga, o criador do conceito de círcu-
lo mágico, entre outros conceitos
fundamentais da narrativa moder-
na. Huizinga nasceu ao final do século
XIX, e faleceu em 1945, pouco antes do final
da segunda guerra mundial.
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

Johan Huizinga

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Johan_Huizinga#/media/Ficheiro:Johan-huizinga1.jpg

Na década de 1940, Huizinga publicou seu último livro de


pesquisa histórica - HOMO LUDENS - uma pesquisa profunda que
cobriu da era medieval à era moderna, analisando especificamente

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 96
o lúdico, a disputa envolvida no jogo e
no esporte, na sociedade e na cultura
humana.
Huizinga acreditava que: “O
jogo deve ser uma atividade livre
e nunca imposta.” (1971,p.3). Ou
seja, o jogo, como atividade lúdi-
ca, voltada ao entretenimento, ao
passatempo, ao lazer, presume uma
participação voluntária daqueles que
estão imersos no ato de jogar. Para o me-
dievalista e historiador, o jogo não deve ser vida “real”, no sentido
de reproduzir a realidade concreta da vida, mas sim uma vida “pa-
ralela”. “Deve ter como premissa, ser um intervalo em nossa vida
cotidiana” (1971, p.11).
Huizinga percebeu que, no ambiente do jogo, as leis e costu-
mes da vida real e cotidiana perdem a validade e deixam de fazer
sentido. Pois, no universo lúdico da fantasia, do jogo, nós “somos
diferentes e fazemos coisas diferentes” (1971, p.15).
O ambiente do jogo é formado de fantasia, de sonhos e ca-
tarse; no universo do jogo – quando assumimos o papel de jo-
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

gadores (players) – nos transformamos em caçadores de dragões,


soldados, esportistas e tudo mais que nossa imaginação voluntária
e o ambiente do jogo, ao nosso redor, permitir. Se estamos jogan-
do xadrez, somos os reis do reino, em disputa com o outro reino,
fazendo uso dos exércitos, torres, bispos, e toda a relação de forças
estabelecidas pelas regras do xadrez. O jogo deve possuir limites de
tempo e de espaço e possuir, acima de tudo, um caminho e sentido
próprios (1971, p.12).

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 97
Por exemplo, os jogos de xadrez e de gamão possuem um tabu-
leiro próprio. O jogo de tênis possui uma quadra própria como espaço
de jogo. No jogo de futebol, as partidas duram dois tempos de 45
minutos, com 15 minutos de intervalo. Já no jogo de tênis, as partidas
duram o tempo necessário para que um dos jogadores tenha dois
sets vitoriosos em relação ao adversário, o que faz com que algumas
partidas de grande disputa, possam durar até quatro horas seguidas.
A Fórmula 1, por exemplo, é uma competição de corrida, onde cada
corrida apresenta um número máximo de voltas, ou 2 horas de dura-
ção, finalizando a corrida quando um dos dois fatos ocorrem.
Se você assistir a uma partida de futebol americano sem co-
nhecer direito as regras, vai achar tudo muito
esquisito, sem sentido até. Mas, dentro
do universo de cada jogo, suas regras,
sua disputa e graus de dificuldade
fazem parte daquele universo e
dão sentido às práticas envolvidas
no jogo. Jogadores de truco – um
jogo de cartas – são famosos pela
gritaria em torno da mesa, pois os
gestos e frases em voz alta fazem
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

parte do universo do jogo, diferente do


pôquer, outro jogo de cartas, onde cada jo-
gador faz questão de dissimilar ao máximo a qualidade de suas car-
tas, como parte do jogo. Jogos representam a cultura e a sociedade
humana, através dos tempos e refletem seus costumes e valores.
Os duelos medievais, que levavam à morte quem fosse derrotado,
podem não fazer sentido algum no século XXI, mas faziam todo
sentido no século XV, por exemplo.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 98
Por mais caótico que seja, o jogo cria ordem através de sua ló-
gica e regras, mesmo que de maneira temporária e limitada (1971,
p.13). Essa ideia nos apresenta a importância de definir as regras e
o “espaço” em que a ação do jogo acontece, como alguns de seus
elementos fundamentais.
Partindo dessas características elementares, Huizinga apre-
senta o conceito de “círculo mágico”, no
qual mostra que, quando se participa
de algum tipo de atividade de entre-
tenimento e jogo, entra-se dentro
deste círculo, deixando para trás
toda a dimensão da realidade, os
problemas, preocupações e afli-
ções do cotidiano. E mergulha-se
em um outro universo, de fantasia
e atemporal, onde, naquele momen-
to, toda a realidade que importa é a do
seu time, do seu jogador, da sua equipe, e
como vencer os outros jogadores na partida.
Para Huizinga:
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

“O caráter especial e excepcional de um jogo é ilustra-


do de maneira flagrante pelo ar de mistério em que
frequentemente se envolve. (...) Dentro do círculo má-
gico, as leis e costumes da vida quotidiana perdem va-
lidade”. (1971, p. 15-16)

Pois, a validade dentro do jogo significa, por exemplo, derro-


tar o exército adversário – como no xadrez – eliminando-o peça a

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 99
peça, a cada nova jogada. No futebol, não eliminamos os jogadores
da equipe adversária, na verdade não os matamos também. No
futebol, nosso objetivo é colocar a bola, dentro de uma Caixa com
rede, marcando um ponto ou gol, durante o tempo da partida.
Adams (2009), inclusive, faz essa mesma analogia quando relacio-
na o futebol e o círculo mágico, como na imagem a seguir:

Fonte: Adams (2009, p.08)

De forma, que uma vez dentro do “círculo mágico” que de-


fine um jogo, um videogame, um seriado, um livro, ou qualquer
que seja a narrativa, estamos transportados para a realidade má-
gica da narrativa, e longe da realidade. Um exemplo interessante
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

para compreender a força do conceito de círculo mágico é a ação


realizada pelo canal de televisão a cabo ESPN, rede de esportes,
para promover suas transmissões de futebol durante uma copa
do mundo, como podemos observar pela sequência de imagens
a seguir:

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 100


UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

Um banheiro público masculino – mictório – o mesmo ba-


nheiro, ambientado para a copa do mundo.

Fonte: https://exame.com/marketing/5-propagandas-criativas-para-os-banheiros-de-sao-paulo/

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 101


Na imagem da esquerda, temos o banheiro como realmente
é: um mictório masculino. Na imagem da direita, este mictório mas-
culino passa a ser um “campo de futebol”, com a inserção da trave
e da bolinha, dentro do mictório. O texto da mensagem afixada na
altura dos olhos dos sujeitos que ali forem, diz: “Futebol é bom em
qualquer lugar, mas é melhor ainda nos canais da ESPN”. É uma
peça publicitária de alto-impacto, pois o sujeito que lê a mensagem
e abaixa o olhar para utilizar o mictório, percebe a trave de futebol
e a bola, e acaba “jogando” futebol, tentando fazer o “gol” en-
quanto usa o mictório. Nesse instante, o sujeito não se sente mais
em um banheiro público, mas é transportado ao “campo de fute-
bol” onde precisa “marcar o gol”.
Na imagem a seguir, a representação do círculo mágico, a
partir do exemplo de campanha da ESPN Brasil:
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

Fonte: https://exame.com/marketing/5-propagandas-criativas-para-os-banheiros-de-sao-paulo/

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 102


O “círculo mágico” como você pode perceber nas imagens
anteriores, pode ser estabelecido e criado como espaço imersivo
imediatamente junto a sua audiência, como fez a campanha pu-
blicitária da ESPN Brasil. Obviamente, que neste caso, a “partida”
termina quando você termina de usar o mictório, adaptando ime-
diatamente as regras clássicas do futebol.
Se você considerar que o poder de imersão a partir do cír-
culo mágico em torno da audiência é irresistível, você poderá ge-
rar excelentes momentos de imersão em sua narrativa, seja ela em
forma de game, de livro, ou qualquer outro formato midiático. A
publicidade acaba utilizando de forma inteligente o conceito de cír-
culo mágico em suas criações, a partir do momento em que opera
as associações simbólicas de forma explícita e metafórica, muito à
semelhança de como interpretamos um círculo mágico de algum
jogo ou atividade lúdica.
Na campanha a seguir, para a loja de móveis IKEA – marca
finlandesa de móveis no estilo Tok Stok e Etna (onde você compra
e pode montar você mesmo os móveis), a agência de publicidade
propõe a audiência da campanha, um círculo mágico a partir do
universo da televisão, dos seriados. São 03 peças, em cada uma
delas, um ambiente doméstico é apresentado com os produtos da
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

loja, fazendo com que a audiência possa brincar com os sentidos


de percepção a respeito de qual cenário é aquele ambiente, a
qual série corresponde, e desta forma, imergir pelo círculo mágico
proposto.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 103


UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

Fonte: https://www.adsoftheworld.com/media/ambient/ikea_ikea_real_life

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 104


Cada uma das peças publicitárias, apresenta o cenário de um
seriado televisivo: no 1º, temos o cenário da sala de estar dos Simp-
sons, famosa série, sobre a qual já tratamos na unidade anterior.
E, dentro do cenário, cada peça da decoração está à venda na loja.
Segundo a produção da campanha, foram necessários oito meses
até que as lojas IKEA tivessem todos estes produtos à venda, para
poderem lançar a campanha publicitária, de forma que quem qui-
sesse, poderia adquirir exatamente a mesma sala do seu seriado
favorito.
Na segunda imagem, o cenário de outra série de televisão
bastante clássica do final do século XX: Friends, da Warner Bro-
thers. E na terceira imagem, cenário da série da Netflix, Stranger
things.
O círculo mágico de que trata Huizinga é poderoso, no senti-
do de atrair a audiência pela afinidade e familiaridade com o uni-
verso de jogo proposto. Normalmente, a aplicação do círculo mági-
co gera um efeito de imersão à audiência, como nesta campanha a
seguir, lançada em 2008, pela Virgin Records dos Estados Unidos.
A empresa Virgin Records tinha que comunicar ao público
suas 74 bandas de rock e pop mundial, disponíveis em formato di-
gital pelo virginmusic.com. Precisava fazer isso em um único anún-
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

cio de revista, página dupla. E, de forma criativa, gerou um círculo


mágico em torno do universo do pop rock e desafiou a todos a en-
contrar, dentro do anúncio, as 74 bandas, retratadas por desenhos
e ilustrações.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 105


Fonte: https://www.bestadsontv.com/ad/1041/Virgin-Digital-Exercise-Your-Music-Muscle-world-o-
f-music

Este anúncio, publicado em 2005, ainda hoje desperta a


curiosidade das pessoas em descobrir as 74 bandas de pop rock
retratadas, representando a força do círculo mágico, quando
empregado em um universo cultural rico o suficiente. O mais
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

interessante ao aplicarmos o círculo mágico em uma narrativa é


a força de atração que sua correta aplicação gera na audiência.
Falamos de um atalho, uma saída da realidade para a audiên-
cia poder por alguns instantes que seja, vivenciar outro univer-
so, com outra realidade e poder de diversão. Caso você queira
conferir suas respostas, aqui está uma página de facebook que
desvenda o jogo todo.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 106


O conceito do círculo mágico exerce uma força de catarse na
audiência envolvida, fazendo com que os questionamentos, me-
dos, incertezas e responsabilidades da vida real sejam, momenta-
neamente, esquecidos em função do universo outro, mágico, dos
sonhos, das catarses, da imersão e do desafio proposto. Ao sair da
experiência do jogo, o sujeito se transforma, a partir das experiên-
cias vivenciadas, aplicadas na próxima rodada do jogo.
É importante que você tenha em mente, que o círculo mágico
impele ao jogo, a disputa simbólica envolvida e, sempre que temos
uma disputa, temos ao menos dois lados dela: o seu – herói – e o
outro, adversário, oponente – vilão. Essa dualidade define inclusive,
muito da intensidade do circulo mágico, especialmente no que diz
respeito a toda a narrativa associada a esses personagens principais
do círculo mágico de qualquer narrativa. Vamos aprofundar esta
jornada.
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 107


SEÇÃO 2 – A JORNADA: HERÓIS E
VILÕES CAMINHANDO PELO
CÍRCULO MÁGICO DA
NARRATIVA

A partir do círculo mágico


constituído, a audiência se define
pelo herói e pelo vilão e acompa-
nha, passo a passo, toda a jornada
envolvida. Se falamos do videogame, te-
mos um objetivo a conquistar ou um opo-
nente a derrotar; se é uma estória, temos a sequência distribuída
de eventos e ações destas personagens definida previamente. A
audiência segue pela jornada que sua narrativa oferece. Uma jor-
nada constituída não apenas de herói e vilão, mas, principalmente,
dos eventos que formam o herói e o vilão em meio a personagens
comuns pela estória.
Nesta jornada, temos um despertar, uma consciência da per-
sonagem que será o herói, quando esta se percebe estranha ao uni-
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

verso. E seguimos pela descoberta de seu mestre ou mentor e os


desafios que atestam seu direito legítimo aos poderes ou recursos
heroicos que descobre. A tragédia se sucede, forçando a persona-
gem a desenvolver todo o herói que há dentro de si para dar conta
da missão. E segue a jornada, agora propositada, em direção a
um vilão definido, dos parceiros e oponentes que vai encontrando
pelo caminho. Essa é a proposta: estruturar a jornada, de forma a
tornar a audiência cativa a cada momento narrado.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 108


Você já sabe o suficiente sobre narra-
tivas para entender que a jornada do
herói, como o conceito fundamental
de narrativas, como é conhecida,
se originou a partir do trabalho
do psicanalista Carl Gustav Jung,
ao analisar os sonhos de seus pa-
cientes (1948). Ele observou uma
estrutura narrativa composta, de
forma geral, com os mesmos elemen-
tos: uma situação, um drama transfor-
mador, a consecução do drama entremeado
por etapas de dificuldades faseadas. Seu trabalho com os sonhos,
na psicologia, despertou o interesse de outro acadêmico – Joseph
Campbell – um estudioso de mitologia e religiões, que publicou em
1949, O herói de mil faces.
De Apolo a Buda, passando por Thor e numerosos outros
ícones religiosos, mitológicos, folclóricos e dos contos de fada, a
Jornada do Herói representa a simultaneidade de uma mesma his-
tória, reprisada no coletivo social humano, a partir de suas práticas
culturais. É pelo relacionamento entre seus símbolos atemporais
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

pesquisados e os símbolos detectados nos sonhos pela psicolo-


gia que se dá o ponto de partida da investigação oferecida por
Joseph Campbell.
Nessa obra, Campbell analisa, a partir da construção de ar-
quétipos propostos por Jung, a construção, passo a passo, da trans-
formação heroica. A imagem ilustra os pontos principais que cons-
tituem a jornada empreendida por Campbell, ao escrever sobre o
herói de mil faces, através das culturas humanas:

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 109


Fonte: diagrama elaborado pelo autor do conteúdo a partir da obra de Campbell.

Através da estrutura observada por Campbell nos campos da


Antropologia e da Mitologia, a estrutura do herói de mil faces – tan-
tas quantas culturas diferentes houver – se desenvolve em diversas
civilizações. Sempre a partir da interferência do sobrenatural, ou da
mentoria, que capacita o ser comum, a partir
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

do chamado realizado, a se conscientizar de


seus poderes, responsabilidades, ou atri-
butos heroicos.
É neste momento que um “pri-
meiro limiar” é atravessado; um obstá-
culo mais profundo ou difícil, um revés,
e logo em seguida, o percurso imerso no
“ventre da baleia”, em referência à narra-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 110


tiva bíblica de Jonas e a Baleia. No percurso interior ao ventre da
baleia, o herói então se descobre com aliados, inimigos, oponentes
e forças diversas em ação, estabelece seus caminhos e estratégias
– em aproximação à caverna oculta – pela qual a provação maior e
suprema que irá de fato desafiar todo o herói existente na persona-
gem do mundo comum.
Após a provação, a recompensa almejada por toda a jornada
se materializa, preparando o herói para seu retorno. Aqui, abre
mais um evento: a ressureição do herói ao mundo comum, a par-
tir de seu retorno com o elixir, a chave, ou a salvação do mundo
comum. Uma narrativa mitológica, que remete a diversos persona-
gens da mitologia greco-romana, mas também a civilizações egíp-
cias, polinésias, entre outras culturas que se aproximam pela forma
como constroem seus heróis e suas jornadas.
A estrutura narrativa proposta a partir da jornada do Herói,
inspirou George Lucas a desenvolver toda a saga de Star Wars, da
mesma forma como serviu como referência para a saga de Senhor
dos Anéis, ou ainda, do grande sucesso Avatar. É a estrutura nar-
rativa proposta pela jornada do
herói que possibilita a inser-
ção dos personagens secun-
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

dários e terciários à trama


principal do herói, mas que
auxiliam a dar ritmo, corpo
e forma à narrativa como
um todo.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 111


SEÇÃO 3 – SEM HERÓI E SEM
VILÃO: VOCÊ PILOTA!

Toda a construção narrativa


empregada a partir do objeto so-
cial, do círculo mágico e da jornada
do herói pode ser construída ainda
para que o seu desenvolvimento seja
decidido não por você, ou pelos criado-
res da narrativa, mas pela audiência, que ao
operar um personagem dentro da narrativa, constrói a cada imer-
são no cículo mágico, uma narrativa única, diferente, sem igual.
Estamos falando principalmente dos videogames, em especial os
jogos em primeira pessoa – no inglês, First Person Shooter (FPS) -,
um termo criado a partir dos videogames de combate, onde o joga-
dor vê a tela pelos olhos de seu personagem no campo de batalha.
Nos jogos FPS, todo o roteiro se desenvolve a partir da ação
da audiência, não tendo jamais dois jogos com jogadores diferentes
que aconteçam de forma semelhante, sempre
haverá um roteiro único, conduzido pelo jo-
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

gador ou jogadores, no caso de um jogo


multijogador massivo online, ou no ori-
ginal em inglês, MMPRPG – Massive
multiplayer Online Role-Playing Game.
Nesses jogos, pessoas do mundo todo
se reúnem digitalmente, em um cam-
po de batalha virtual, constituindo cada
jogador, um membro da equipe em batalha.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 112


Seja um FPS, ou um MMPRPG, o videogame é uma estrutura
narrativa cujos detalhes de cada imersão são únicos, não podem
ser reproduzidos por outro jogador, nem serem repetidos, uma vez
que a condução se estabelece ao longo do game, dependendo do
número de jogadores ou exércitos envolvidos, da condição de jo-
gabilidade que cada membro da audiência possui, e claro, de todo
o círculo mágico desenvolvido visualmente, para que a audiência
de fato tenha uma experiência narrativa de imersão e condução
autoral.
Importante ressaltar que, de acordo com a narrativa criada
para envolver, o videogame, constituindo seu círculo mágico, se
torna praticamente infinito, com batalhas constituídas em novas
versões, ou formas diferentes de jogar, ou ainda, diferentes níveis
hierárquicos, como no exército, onde um jogador será o coman-
dante e outros serão os comandados.
Essas dinâmicas podem, muitas vezes, ser secundárias na nar-
rativa principal do videogame, mas dependendo da aceitação da
audiência, podem também se tornar um videogame próprio.
A construção narrativa de um videogame, em FPS ou MM-
PRPG, envolve uma estrutura sofisticada ao
extremo, na qual cada ação dos joga-
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

dores irá desencadear diversas outras


ações, dentro ainda do mesmo even-
to, fazendo com que, ao construir a
estrutura narrativa do videogame,
os autores considerem diversas pos-
sibilidades de desencadeamento de
ações a cada movimento ou ação reali-
zada pelo jogador.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 113


SEÇÃO 4 – A NARRATIVA SEM FIM

Quando a narrativa é aplicada


a um filme, a um seriado de tele-
visão ou a um livro apresenta um
final que encerra toda a sequência
de eventos e ações dos persona-
gens. Mas, existem narrativas cuja
finalidade não é necessariamente
se encerrar em um final. Mas, seguir
infinitamente, sem um destino certo, e ao
mesmo tempo, sem um objetivo definido em termos de duração
temporal, ou grau de dificuldade. Alguns jogos imersivos, são es-
truturados dessa forma. Pegue, por exemplo, o jogo Minecraft,
que já tratamos em unidades anteriores. Você não tem exatamente
um objetivo no jogo em modo passeio, apenas a disponibilidade
de tempo e acesso digital, para construir o seu universo digital.
Mesmo no modo game, você disputando sobrevivência com outros
jogadores, seu personagem persiste retornando ao momento der-
radeiro para dar continuidade a narrativa.
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

The Sims, um videogame imersivo que simula a realidade


urbana, faz com que os jogadores jamais terminem suas missões,
uma vez que seus personagens vão se desenvolvendo como uma
cronologia, ou seja, ficam idosos, casam, têm filhos e seguem sua
vida na cidade simulada. Você não termina a partida, apenas para
quando precisa fazer algo fora do videogame, e retorna, quando
pode se dedicar à tarefa de construir sua cidade simulada.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 114


O círculo mágico neste caso é a própria condição de criação
do personagem, sua casa, móveis e decoração, estilo de vida, horá-
rios, profissão e assim por diante, de forma sucessiva e sequente. A
narrativa sem fim, na verdade, permite que a audiência desenvolva
um profundo processo de entretenimento, sem prazo ou limite de
duração, podendo retomar de onde parou sempre que se conectar
novamente ao videogame.
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 115


SEÇÃO 5 – MACHINIMA =
MACHINE + ANIMATION +
CINEMA

O termo Machinima diz res-


peito tanto a uma técnica de pro-
dução fílmica quanto ao gênero de
filme criado através desta técnica.
Como produção fílmica, Machinima
diz respeito à apropriação dos jogos digitais
para criação de filmes, utilizando todo o ambiente do videogame
para construir a narrativa. São filmes predominantemente produzi-
dos através de computadores pessoais. O gênero narrativo nasceu
a partir de 1996, quando foram feitos os primeiros filmes, a partir
do videogame Quake. Eram conhecidos como Quake movies, e a
partir destes, o gênero se tornou ampliado a outros games e recur-
sos, conforme o avanço tecnológico.
Como gênero fílmico, Machinima se refere a filmes criados
utilizando jogos e ambientes virtuais interativos
em tempo real, como Second Life, ou The
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

Sims, por exemplo. Usualmente, machini-


mas são produzidos usando ferramentas
e recursos disponíveis em um jogo, regis-
trando as imagens do jogador em ação,
editando as cenas e adicionando diálo-
gos, efeitos sonoros e outros recursos que
dão mais consistência narrativa ao gênero.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 116


De certa forma, o gênero Machinima se firmou a partir da
cultura da convergência (JENKINS, 2009), e dela, pela cultura do
fã, a partir das possibilidades midiáticas pós-massivas. No Brasil, a
Doutora Fernanda Albuquerque de Almeida, defendeu sua disser-
tação de mestrado na ECA-USP, pesquisando justamente o gênero
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

narrativo Machinima com a dissertação: Machinima: entre a narra-


tiva e a experimentação. Seu trabalho, bem como a curadoria que
realizou para o festival digital FILE, promovido regularmente pelo
instituto Itaú Cultural, estão disponíveis neste website.
Para conhecer mais sobre o gênero, você pode assistir aos
vídeos:

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 117


1- Death Star Plans: machinima construída a
partir dos videogames gerados através da franquia
Star Wars.

2- My life in the frontier: uma rápida anima-


ção de 3 minutos que narra as aventuras de um
viajante espacial. Para isso, utiliza cenas de diver-
sos jogos espaciais, desde os primeiros jogos dos
anos 1980, como Asteroids e Space Invaders, até
os jogos mais recentes e Star Wars, criando uma
sequência envolvente de imagens e envolvendo a audiência na pe-
quena trama sugerida. As referências a toda uma evolução dos vi-
deogames espaciais é notável, além da construção narrativa em pri-
meira pessoa, pela locução do viajante espacial. Não são diálogos
de grande profundidade, mas envolvem a audiência pela maneira
como são construídos os eventos da animação.

Uma das características dos filmes Machinima é o fato de que


os diálogos criados e as cenas filmadas nos games precisam criar
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

uma narrativa interessante e coerente, de forma a manter a audiên-


cia pela história, ao invés de simplesmente filmar o videogame em
ação.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 118


RECAPITULANDO

Olá! Chegamos ao fim da terceira Unidade de nossa discipli-


na, Narrativas Visuais Digitais, onde pudemos verificar alguns
dos conceitos mais importantes no sucesso de uma narrativa mi-
diática. Na seção 01, você conheceu o conceito de círculo mágico,
do holandês, Johan Huizinga, que norteia praticamente todas as
narrativas que se cercam em torno de um jogo, um game, uma
disputa lúdica e fictícia.
Na seção 02, você conheceu o conceito de jornada do he-
rói, estruturado por Joseph Campbell, ao estudar a mitologia e a
história da civilização humana e relacionar seus mitos e heróis ao
longo de uma estrutura narrativa que os assemelha. Esta jornada
estrutura a maior parte dos grandes filmes e sequências do cinema,
televisão, e também, muitos videogames.
Na seção 03, você conheceu as formas narrativas empregadas
em primeira pessoa, que dependem diretamente da audiência para
seu desenvolvimento, em jogos FPS e MMPRPG. Na seção 04, as
narrativas circulares, que não apresentam um encerramento dentro
da estrutura, mas uma sequência evolutiva e contínua, determina-
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

da pela audiência em ação. Da mesma forma, a seção 05 apresen-


tou a você, o gênero Machinima, que agrega videogame, animação
e cinema, associados em uma nova narrativa derivada.
Até à próxima Unidade!

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 119


QUIZ

Huizinga acreditava que:

I. “O jogo deve ser uma atividade livre e nunca imposta”


(1971,p.3). Ou seja, como atividade lúdica, voltada ao
entretenimento, ao passatempo, ao lazer, presume uma
participação voluntária daqueles que estão imersos no
ato de jogar.

II. Para Huizinga, o jogo não deve ser vida real, “Deve ter
como premissa, ser um intervalo em nossa vida cotidia-
na” (1971, p.11).

III. Huizinga percebeu que no ambiente do jogo, as leis e


costumes da vida real e cotidiana determinam a valida-
de e o sentido do jogo. Pois, no universo lúdico da fan-
tasia, do jogo, nós “somos diferentes, mas não fazemos
coisas diferentes” (1971, p.15).
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

IV. O ambiente do jogo é formado de realidade, fatos e


documentos; no universo do jogo – quando assumimos
o papel de jogadores (players) – nos transformamos em
historiadores e investigadores de tudo que nossa ação
voluntária no ambiente do jogo possa permitir.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 120


Está correto apenas o que se afirma em:

a) I e IV.
b) I e II.
c) II e III.
d) II e IV.
e) I, II e III.

Gabarito: B

Feedback: a assertiva B está correta. Enquanto I e II estão


corretas, as alternativas III e IV apresentam sentido trocado ao que
realmente significam: No universo do jogo, somos diferentes e fa-
zemos coisas diferentes da realidade. E, quando assumimos o papel
de jogadores, nos transformamos em todos os personagens possí-
veis dentro da narrativa do jogo.
UNIDADE 3 – Estrutura Narrativa: Fundamentos

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 121


UNIDADE

4
NARRATIVAS APLICADAS

 voltar ao sumário

122
OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE
APRENDIZAGEM DA UNIDADE

Ao longo desta Unidade, você irá:

• Contextualizar as finalidades narrativas de Aprendizado,


Diversão e Persuasão, a partir de vários casos de narrati-
vas visuais aplicadas.
• Compreender o conceito de remediação, bem como
exercitar a análise de conteúdos narrativos a partir do
conceito aplicado a narrativas midiáticas pós-massivas.
• Contextualizar o conceito narrativo para as três finali-
dades, a partir de uma determinada situação de objeto
social.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 123


INTRODUÇÃO À UNIDADE

Caro(a) aluno(a),
Seja bem-vindo(a) à quarta Unidade da disciplina Narrativas
Visuais Digitais. Aqui, vamos operar a partir das três finalidades
narrativas já conceituadas na Unidade 2: Narrativas com a finalida-
de de Aprendizado – desde tutoriais no YouTube, a folhetos expli-
cativos e manuais de instrução; com a finalidade de Diversão – des-
de a animação, até a estrutura de séries e outros produtos digitais
pós-massivos voltados à diversão; e narrativas com a finalidade de
Persuasão – tipicamente, a publicidade, mas não só: aqui falamos
de charges e cartoons, fotografia, animações, e outras estruturas
diversas empregadas para a persuasão.
Por fim, vamos compreender, de Bolter & Grusin, os proces-
sos de remediação cultural, empregados a partir da existência das
mídias digitais pós-massivas. Em especial, a partir da prática de
interação cotidiana através das redes sociais, assumindo estéticas
variadas, de acordo com as propriedades de interação, apropriação
e produção de conteúdo, que cada estrutura de rede social digital
oferece.
Bons estudos!
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 124


SEÇÃO 1 – AS DIMENSÕES DA
NARRATIVA VISUAL DIGITAL

Como pudemos verificar na


Unidade 2, de acordo com o pro-
fissional storyteller, Viktor Balbush,
as narrativas midiáticas compreen-
dem, basicamente, três finalidades
distintas: Aprendizado, Diversão e
Persuasão. A partir dessas três finalida-
des, a dimensão social ocupada pela narra-
tiva assume diferentes orientações e contornos.
Na dimensão narrativa de aprendizado, compreendemos des-
de a imagem fotográfica como registro, à elaboração gráfica de
fluxos de informação – infográficos – que naturalmente se estru-
turam a partir da narrativa visual estabelecida. Por aprendizado,
diagramas de montagem, por exemplo, podem igualmente estru-
turar uma narrativa visual, bem como os famosos vídeos tutoriais
em plataformas de streaming, como YouTube,
entre outros.
A preocupação e foco da narrativa
de Aprendizado é a clareza e a exati-
dão das informações a serem aprendi-
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

das. Normalmente, essas narrativas de


aprendizagem costumam ser acompa-
nhadas de instrumentos de checagem –
se forem processos de aprendizagem for-
mais, como uma escola, ou faculdade, que

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 125


necessita dessas evidências para certificar-se de que de fato houve
o aprendizado específico.
No entanto, quando entramos no YouTube e digitamos “tu-
torial” no campo de pesquisa, iremos nos deparar com milhões de
links para tutoriais diversos, desde maquiagem e culinária, passan-
do por manutenção de automóveis, pintura de parede, escovação
de dentes, danças e muitos outros temas, nos quais existam pes-
soas dispostas a ensinar algo através de uma narrativa visual, e
outra pessoa disposta a aprender desta forma.
Naturalmente, por ser uma plataforma aberta, gratuita e in-
formal de conteúdos, muitos dos tutoriais ali expostos representam
uma aprendizagem marginal, não oficial, ou não certificada por
alguma instituição de Ensino. No entanto, isso não parece fazer
muita diferença na quantidade de conteúdos disponíveis e níveis
de acesso a eles.
As narrativas com a finalidade de entre-
tenimento, ou diversão, são sem dúvida,
as primeiras a serem associadas ao
processo narrativo, justamente por
serem as primeiras narrativas visuais
com as quais temos contato, antes
ainda da alfabetização formal. A ne-
cessidade social do lúdico e do diver-
tido a todo ser humano implica numa
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

relação intrínseca entre a narrativa visual e


o entretenimento.
É preciso considerar que a audiência se mobiliza de alguma
forma e com alguns recursos para poder consumir esta narrativa com
a finalidade de se transportar para a fantasia e informação de en-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 126


tretenimento e deixar por estes momentos que a narrativa assuma
toda sua percepção de realidade. Nesse aspecto, a mídia pós-massiva
ampliou tanto as formas de consumo quanto de produção narrativa
para o entretenimento. Falamos aqui, desde as indústrias formais de
entretenimento, como cinema, televisão, videogames, streaming, re-
vistas – tradicionalmente estruturadas em formato midiático massivo
– até as formas menos formais – ou industriais – de entretenimento,
como canais de YouTube pessoais, produções independentes, e ou-
tras perspectivas produtivas que as mídias massivas certamente não
abririam espaço e recursos específicos para produção tão ampla.
As narrativas de persuasão são costumeiramente associadas
a partir da publicidade e suas estruturas de campanhas, com filmes
de 30 segundos, páginas de revista, animações e vídeos para com-
partilhamento, entre outros formatos mais atuais de mídia. Per-
suasão é o foco de convencimento a partir de argumentos lógicos,
racionais, emocionais e sociais, afim de que a audiência se sinta
convencida de que o proposto pela narrativa deva de fato ser ao
menos experimentado.
Naturalmente, campanhas de utilidade pública, como vaci-
nações, medidas sanitárias, e outras situações,
entram também nesta mesma finalidade
de persuasão da qual faz parte a propa-
ganda. A persuasão narrativa deman-
da de seis criadores, uma capacidade
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

de mobilização da audiência acentua-


da, uma vez que, normalmente, as
pessoas não querem ou procuram es-
sas narrativas em seu tempo de consumo
midiático.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 127


Em outras palavras: a narrativa persuasiva - embora seja tole-
rada, assistida, e às vezes até estimada pela audiência em função
de sua capacidade de mobilização social - não é a finalidade nar-
rativa pela qual a audiência procura consumir. Ao contrário, em
muitos casos a audiência interrompe o consumo narrativo, muda o
conteúdo, espera acabar o conteúdo persuasivo, pois é uma forma
narrativa que assume características enfáticas pela natureza mesmo
do discurso persuasivo.
Os tempos verbais são imperativos; “vá”, “veja”, “experi-
mente”, comandando de fato, uma atitude interna da audiência a
se mover na direção do objeto ou causa comunicada pela narrativa.
Além da linguagem verbal imperativa, a narrativa persuasiva traba-
lha sempre com imagens e contextos narrativos de alto-impacto e
curta duração, a fim de permanecer viva na memória da audiência.
Embora essas finalidades narrativas sejam distintas entre si,
enquanto estilos e formas narrativas acabam, por vezes, se mes-
clando em uma mesma produção. Pois, dentro do âmbito da per-
suasão, a diversão e o aprendizado também são atraentes, cativam
audiência, especialmente se mesclados a uma narrativa persuasiva.
Vimos esta situação, quando analisamos na Unidade 3, o con-
ceito de círculo mágico, desenvolvido por Huizinga (1948), ao tra-
tar da observação social e cultural da atividade de jogo, diversão e
disputa, como um elemento cultural e social da civilização humana.
Na figura abaixo, o conceito reproduzido em obra de Adams
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

(2009), para uma rápida associação conceitual aqui:

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 128


Fonte: Adams (2009, p.08)

Como você viu na Unidade 3, o exemplo da campanha publi-


citária realizada para o canal de esportes ESPN Brasil, a condição de
jogabilidade, de alto poder de ação do círculo mágico fez com que
a ação sugerida em torno do canal ESPN tivesse de fato um alto
poder de persuasão.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 129


Imagem 01: um banheiro público masculino – mictório – o mesmo banheiro, ambienta-
do para a copa do mundo. Fonte: https://exame.com/marketing/5-propagandas-criati-
vas-para-os-banheiros-de-sao-paulo/
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 130


Na imagem a seguir, a representação do círculo mágico, a
partir do exemplo de campanha da ESPN Brasil:

Fonte: https://exame.com/marketing/5-propagandas-criativas-para-os-banheiros-de-sao-paulo/

O “círculo mágico”, como conceito operador da narrativa de


persuasão e de diversão, se ajusta perfeitamente ao universo de
símbolos e signos operado junto à audiência, como na campanha
da Virgin Records dos Estados Unidos, vista durante a unidade 3.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

Você pode relembrar o conceito com a imagem a seguir:

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 131


Fonte: https://www.bestadsontv.com/ad/1041/Virgin-Digital-Exercise-Your-Music-Muscle-world-o-
f-music

O alto poder de persuasão empregado nesta narrativa publi-


citária está diretamente relacionado ao fator de jogabilidade “apro-
priado” dos conceitos de narrativa para games e videogames. Que,
praticamente compelindo a audiência a verificar seu conhecimento
no campo da música popular global, se torna o próprio anúncio,
um objeto social em si, como objeto da conversa. Exemplo: Se você
também parou para verificar seu conhecimento musical pode con-
ferir suas respostas aqui nesta página de facebook que desvenda o
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

jogo todo. (Confesse: você foi testar seu conhecimento!).

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 132


SEÇÃO 2 – NARRATIVAS DE
APRENDIZADO: A IMAGEM
A SERVIÇO DE UM
APRENDIZADO

As narrativas de Aprendi-
zado possuem o foco específico
de capacitar a audiência a desen-
volver um conhecimento e sua prática.
Quando abordamos o conceito na unidade 2,
utilizamos como exemplo os diagramas de situação de emergência,
disponíveis dentro dos aviões comerciais, para que todos os passa-
geiros saibam como reagir, em caso de emergência. Observe nesse
caso, que essa aprendizagem não se resume ao cartão de infor-
mações disponível, mas é acompanhada de demonstrações antes
da decolagem por vídeo ou ao vivo pelos funcionários de bordo. A
função, neste caso, é precisa: se o avião cair, como fazemos para
colocar uma máscara de oxigênio, para flutuarmos com o assen-
to, para encontrar, inflar e vestir o colete salva-vidas e assim por
diante. Naturalmente, a condição emocional da audiência precisa
ser considerada em dois momentos distintos: antes da decolagem,
quando são transmitidas as instruções – de forma tranquila, didá-
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

tica e muito ilustrativa – e no momento em que, de fato, alguma


emergência ocorre e as instruções precisam ser aplicadas.
Mas, como produtores desta narrativa só teremos a oportuni-
dade anterior à decolagem, com todos os passageiros acomodados
e sentados, para apresentar os procedimentos adotados dentro da

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 133


aeronave. Em síntese, o que verificamos tanto nos folhetos, quanto
nos vídeos informativos, é a apresentação de uma sequência de 6 a
7 instruções gerais ao passageiro:

1- Acomode suas bagagens no compartimento acima dos assen-


tos ou abaixo da poltrona da frente;
2- Afivele seu cinto de segurança e mantenha-o apertado, en-
quanto estiver sentado;
3- Para afivelar seu cinto, coloque a ponta de metal no encaixe
da fivela e puxe até que o cinto esteja ajustado;
4- Em caso de despressurização da cabine, máscaras de oxigênio
serão liberadas, para acomodá-las, puxe o elástico ao redor
de sua cabeça, e libere as entradas de ar. Ponha a máscara
primeiro em você, antes de ajudar alguém ao redor;
5- Em caso de emergên-
cia, luzes indicativas
das saídas disponíveis
serão acesas no chão e
no teto da aeronave;
6- Se precisar evacuar a
aeronave, utilize as saí-
das de emergência si-
nalizadas; não carregue
seus pertences, e retire
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

os sapatos antes de se
encaminhar as saídas
de emergência;

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 134


Em síntese, são procedimentos de padrão internacional da
indústria da aviação, praticados e apresentados por todas as com-
panhias aéreas do mundo. Normalmente, em inglês – idioma pa-
drão internacional de instruções de segurança – e no idioma do
país de origem da empresa aérea. No nosso caso, as empresas
aéreas brasileiras – Gol, Azul, Latam – apresentam seus conteúdos
em inglês e português. O mesmo para as linhas aéreas portugue-
sas – TAP. Selecionamos algumas destas narrativas disponíveis na
internet a partir da busca por “safety airline video” e podemos
observar uma coleção interessante de soluções desenvolvidas ao
redor do mundo, para diversas companhias aéreas, e nacionalida-
des possíveis.
Como dizem as aeromoças ao início de cada narrativa: “ago-
ra recline sua poltrona, solte o cinto de segurança e embarque em
uma viagem pelas instruções de segurança nas companhias aéreas
da China, Rússia, Estados Unidos, Alemanha, Nova Zelândia e Bra-
sil. Percorra cada link e analise as narrativas, a partir de duas pers-
pectivas: a da cultura local como forma e linguagem; e a de um
objeto social que não seja nem o avião, nem a segurança do voo,
mas de fato um objeto social que potencialize essas percepções de
maneira positiva. Nas empresas brasileiras, por exemplo, podemos
acessar os vídeos da Linhas Aéreas Azul (2019) e Latam (2017),
conforme os links e imagens a seguir:
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 135


Observe a narrativa desenvolvida pela empresa alemã, Luf-
thansa, produzida em 2015. São 7 minutos e 29 segundos de nar-
rativa. Praticamente o dobro do tempo da narrativa observada nas
Linhas Aéreas Azul.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 136


Ainda no mesmo ano de 2015, a Air China, também renova
seu vídeo de segurança com quase 6 minutos inteiros de duração.

Para a empresa de origem Russa Aeroflot, o vídeo de procedi-


mentos a bordo dura pouco mais de 5 minutos.

Todos esses vídeos têm um desafio comum: conseguir des-


pertar a atenção completa de todos os passageiros durante toda
a narrativa. Um desafio de fato, pois a premissa que a audiência
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

de passageiros opera enquanto aguarda decolagem é a de assis-


tir “sempre a mesma coisa”, o que leva muitos dos passageiros a
não prestarem atenção às instruções. Inclusive, algumas pessoas
costumam brincar de acompanhar a locução, tão conhecida é dos
passageiros, em suas linhas gerais imutáveis.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 137


O que caracteriza uma propriedade interessante da narra-
tiva, seja qual for a sua finalidade inicial: para se tornar de fato
interessante à sua audiência, muitas vezes a narrativa se desen-
volve mesclando as finalidades, de forma a tornar a aprendizagem
divertida, ou ainda persuasiva, como vamos observar no decorrer
da unidade.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 138


SEÇÃO 3 – NARRATIVAS DE
DIVERSÃO: A IMAGEM
A SERVIÇO DO
ENTRETENIMENTO

Partimos da premissa de que


toda narrativa com finalidade de Di-
versão utiliza mais recursos ficcionais
do que as narrativas de aprendizagem,
uma vez que o compromisso com a audiência
é fornecer uma narrativa envolvente e convincente o suficiente,
para que envolva a todos durante sua exibição, sem necessaria-
mente, um compromisso com a realidade ou a verdade de fatos e
eventos.
Cartoons, Charges e ilustrações impressas estão nesta cate-
goria também – pois como linguagens visuais possíveis, acabam
sendo empregados a partir de todas as finalidades narrativas. Con-
forme a mídia evolui como indústria e padrões, os conteúdos para
cinema, televisão, videogames, internet e redes sociais ampliaram
ainda mais a condição narrativa com finalidades de diversão.
Veja, por exemplo, os vídeos de segurança a bordo das ae-
ronaves, produzidos pelas Linhas Aéreas da Nova Zelândia. Desde
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

2011, a companhia aérea investe m produções bastante inusitadas,


na maioria das vezes, fazendo humor a partir de personalidades
famosas e um roteiro divertido.
Em março de 2011, o especialista em fitness da televisão
americana, Richard Simmons, estrelou a narrativa de segurança

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 139


para os aviões da Air New Zealand. Um pouco mais de 3 minutos
de aeróbica, spinning e outras modalidades de exercício como en-
redo principal.

Em outubro de 2012, lançam nova produção em vídeo para


os procedimentos de segurança, desta vez, com o elenco princi-
pal do filme O Senhor dos Anéis, junto com alguns funcionários
de bordo da empresa. Com quase um minuto a mais de duração,
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

este vídeo deu reconhecimento mundial à empresa aérea da Nova


Zelândia, aproveitando o excelente reconhecimento global do lan-
çamento do 1º filme sobre o Senhor dos Anéis.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 140


No ano de 2013, a atriz veterana Barbara Walters estrelou a versão
old school ou “velha guarda” dos procedimentos de segurança. No iní-
cio, a atriz afirma: “ninguém melhor que nós, idosos, para provar que a
segurança à moda antiga dá certo”, e segue o roteiro.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 141


Ainda em 2013, nova produção encena a narrativa de segu-
rança dos aviões da empresa: criando um storytelling a partir da
personagem de Bear Grylls, estrela de reality shows do canal Dis-
cover. O personagem de Bear Grylls faz o que sabe fazer melhor:
enfrenta ursos e perigos radicais da natureza da Nova Zelândia,
enquanto os procedimentos de segurança são transmitidos.

Em 2014, com o novo lançamento Senhor dos Anéis, a em-


presa novamente recria uma narrativa de fantasia, diversão e fa-
natismo, ao redor dos personagens do filme, entrelaçados com o
cenário real da aeronave. Épico, foi o adjetivo que mais define esta
produção, a ponto inclusive de ser oferecida à audiência, o filme de
making off .
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 142


Para assistir ao making off:
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 143


Em 2015, o enredo do filme MEN in BLACK, serviu como ce-
nário aos vídeos de segurança da empresa.

Em 2018, o ator neozelandês Julian Dennison, junto com di-


versos grupos de rap e MC’s, produziram uma versão em RAP, estilo
americano para o conteúdo de segurança dos aviões da empresa.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 144


Em 2020, a narrativa foi novamente produzida, desta vez com
um caráter de fantasia, ecologia e Aventura infantil.

A partir da premissa de que as narrativas com


finalidade de diversão podem, e devem, ser narra-
tivas vibrantes e envolventes, podemos perceber
que os vídeos da empresa aérea Air New Zealand
fizeram grande uso da finalidade da diversão, para
entreter e envolver a audiência de passageiros, e desta forma, rea-
lizar o processo de aprendizagem dos procedimentos de segurança
nas aeronaves.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

Interessante observarmos, que além de tornarem as informa-


ções de segurança mais divertidas e “aceitáveis”, em momento de
decolagem, os vídeos de segurança da Air new Zealand abriram um
novo percurso para a narrativa de orientação, rapidamente seguido
por outras empresas aéreas.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 145


SEÇÃO 4 – NARRATIVAS DE
PERSUASÃO: A IMAGEM
A SERVIÇO DE UMA
DIFERENÇA

As narrativas de persuasão
têm como sentido ampliar ao má-
ximo seu poder de convencimento
sobre a audiência. Desde a escolha do
Objeto social, determinação do enredo e li-
nha condutora, até os personagens e referências culturais que se
juntam, todo o conjunto da narrativa persuasiva é direcionado à
finalidade de convencimento. Nesta finalidade, o discurso narrativo
pode se constituir de diversas retóricas, o que nos remete à uni-
dade 1, quando vimos as estruturas narrativas baseadas na lógica
aristotélica.
Ainda, a persuasão significa que a narrativa deverá se empe-
nhar em convencê-lo de que algo ou alguém apresenta uma supe-
rioridade – retórica ou objetiva – em relação aos outros elementos
de comparação. Normalmente empregada na publicidade, a nar-
rativa com finalidade de persuasão, também mescla as finalidades
de aprendizagem e de diversão, afim de aumentar seu poder de
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

atração e envolvimento.
A persuasão pede um tom imperativo e incisivo: “experimen-
te”, “compre”, “use”, “dirija”, “possua”, e outros verbos, tanto
quanto necessários para que a audiência se convença ao menos a
verificar as propriedades daquele produto ou serviço ou causa. E

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 146


por conta de seu efeito persuasivo, as linguagens visuais, sonoras
e verbais se unem, para construir mensagens bastante poderosas,
a partir das mídias onde serão veiculadas as narrativas publicitárias.
Nesta peça publicitária em mídia impressa, da marca e pro-
duto Coca-Cola, podemos perceber este emprego da persuasão.
A peça desafia os sentidos da audiência, assim como sua memória
afetiva, provocando um efeito de sinestesia, com o título: “ tente
não ouvir isso”. O título, imperativo, incita a audiência a olhar a
imagem e não associar ao som característico de uma garrafa, lata
ou copo de refrigerante sendo aberto ou servido. Um raciocínio
indutivo, que costuma levar a audiência a concordar com o título:
“de fato, não consigo ‘não’ ouvir o som da lata abrindo, da garrafa
abrindo, e da espuma chegando ao topo do copo”. Ao concordar
com a premissa da peça, a audiência reconhece de forma oblíqua,
que aquele som pertence apenas ao produto Coca-Cola, e não a
toda e qualquer bebida refrigerante carbonatada.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 147


UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 148


A narrativa da persuasão explora os sentimentos da audiência,
suas percepções, sensibilidades e pontos em comum, a fim de criar
uma narrativa com grande poder de atração e de convencimento.
Uma lógica aristotélica, trabalhada a partir de premissas racionais
ou emocionais, e que se estrutura em evidências, argumentos e
premissas subjetivas, na maioria das vezes, ao relacionar qualida-
des como mais bonito, mais gostoso, pois são atributos pessoais,
individuais, e dificilmente podem ser comprovados cientificamente
– como normalmente é o caso da narrativa de orientação, em seus
aspectos de utilização pela educação formal.
Mas, é importante lembrar que a persuasão não é finalidade
única da publicidade. A sociedade, através de seus diversos órgãos
públicos e privados, também se utiliza da persuasão para comuni-
car diversas situações e informações ao cidadão que dela faz par-
te. Campanhas de cadastramento de impressão biométrica junto
ao tribunal regional eleitoral, ou ainda, campanha para vacinação
contra uma moléstia, ou de evacuação de uma determinada área
em perigo de desabamento, são algumas das situações que não
remetem diretamente à publicidade, mas à comunicação social do
Estado, do governo, e também de entidades privadas. Por vezes,
estas mesmas entidades se utilizam justamente do formato publici-
tário para intensificar o grau de persuasão das mensagens.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 149


Nesses dois comerciais de televisão, podemos ver duas cam-
panhas publicitárias alertando as comunidades sobre o risco de
contágio da covid-19, pandemia que envolveu o mundo no ano de
2020. Realizadas por dois estados norte-americanos – Ohio e Ore-
gon – podemos observar, em ambas as campanhas, o mesmo obje-
tivo: conscientizar as pessoas a manter a distância social e divulgar
as normas de segurança para evitar contaminação pela pandemia.
No entanto, após observar os dois comerciais, você vai perce-
ber que o argumento narrativo é diferente em ambos os casos. Na
campanha do estado de Ohio, a mensagem é categoricamente sim-
ples e direta, mostrando a partir de uma narrativa de aprendizado,
os efeitos de contágio da pandemia sob isolamento social, e sem
o isolamento social. De forma dramática, silenciosa e extremamen-
te clara, a campanha deixa claro a importância do distanciamento
social.

Disponível em:

Na campanha realizada pelo estado do Oregon, uma região


UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

mais progressista, democrática e contemporânea, a mensagem uti-


lizada foi extremamente agressiva: o som ambiente de uma UTI, em
hospital, com marca-passo indicando parada respiratória em um
crescendo, enquanto um argumento racional e sério é exibido em
lettering na tela, ressaltando a importância de cada cidadão não

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 150


se tornar um “assassino acidental”, termo forte, dramático, que
realça a importância de se isolar socialmente.

Disponível em:

Outra referência interessante da narrativa de persuasão, a


partir de campanhas relacionadas à COVID-19, é a campanha de
outdoors, desenvolvida e veiculada por uma agência de publici-
dade, pela Hungria. São 05 peças gráficas expostas pela cidade,
cada uma delas, aborda um dos sintomas e padrões de contágio
do Coronavírus Covid-19, relacionado diretamente a uma parcela
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

da audiência.
Observe a peça a seguir, fazendo referência a um perfume,
mas na verdade, informa – narrativa de aprendizagem a partir da
persuasão da publicidade – as formas de contágio e como se pre-
venir do coronavírus. Na imagem, um grande e bonito vidro de per-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 151


fume, cuja marca é COVID-19. No título, uma frase de duplo senti-
do, que é tanto perfeita para comunicar perfumes, quanto perfeita
para comunicar o contágio pela COVID-19: “dura por dias”. Junto
à imagem e ao título, apenas um texto informando da importância
da esterilização com álcool, para evitar contágio.

A seguir, vemos outra peça da campanha, direcionada espe-


cialmente aos jovens e adolescentes e fazendo duplo sentido entre
as formas de contágio da COVID-19 e a maneira de se baixar um
app através do smartphone: Get it with a simple tap!, que tradu-
zido ao português teria o seguinte sentido: “Consiga com apenas
um toque!” Seguido do mesmo texto informativo sobre a esterili-
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

zação com álcool gel.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 152


Na peça a seguir, mensagem direcionada aos idosos e suas
famílias, fazendo duplo sentido entre o vírus da COVID-19 e um
brinquedo recreativo de crianças: Even your granny can catch it!,
que traduzido ao português tem o seguinte sentido: “Até sua avó
consegue pegar!, seguido do texto informativo sobre isolamento
social.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 153


Toda a campanha disponível em:

Ao provocar o duplo sentido entre as imagens direcionadas


a parcelas de diferentes idades da audiência – jovens e crianças,
idosos, famílias – a narrativa consegue ser atraente à audiência,
por provocar o desejo de consumo, a partir da associação visual
provocada. No entanto, ao prestar atenção no que realmente a
associação entre a imagem e o texto querem comunicar, fica claro
à audiência, o perigo de contágio, bem como as formas simples e
cotidianas de contágio.
Na finalidade de persuasão, a narrativa pode se estruturar por
argumentos baseados tanto em concretudes, verdades absolutas
e racionalidades, tanto quanto em sutilezas e simbolismos de au-
topercepções sociais. Pudemos observar nos três casos seleciona-
dos, que embora as três narrativas busquem o mesmo resultado
– conscientizar a sociedade em geral a se manter em isolamento
social – cada uma delas opera sentidos diferentes para persuadir
sua audiência.
No caso de Ohio, o aviso é direto, gráfico e visual, com gran-
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

de didatismo – finalidade de aprendizagem associada – para que


se compreenda que devemos nos manter em distância social. No
caso de Oregon, a mensagem é racional e complexa: cada cidadão
do Oregon pode contaminar 1,4% pessoas de seu cotidiano social.
Cada cidadão do Oregon, conhece em média 600 pessoas, portan-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 154


to, você pode matar 5,4 pessoas, que podem ser seu professor, pai,
namorada, mãe, guarda, enfermeiro… NÃO SEJA UM ASSASSINO
ACIDENTAL, mantenha distanciamento social. E no caso da Hun-
gria, uma abordagem completamente diferente, sem o tom de gra-
vidade e de urgência médica, mas de uma atratividade e assertivi-
dade enormes, ao relacionar para cada parcela de população como
audiência, seus universos cotidianos de objetos, desejos, realidades
e consciência social.
Uma característica importante das narrativas de persuasão é
o fato de que a todo instante a audiência tem clara a finalidade da
persuasão, portanto não a compreende como uma narrativa for-
mal. E sim, construída com o único propósito do convencimento
ao consumo direcionado. Veja as peças visuais da Coca-Cola. Na
verdade, qualquer refrigerante carbonatado fará o mesmo som ca-
racterístico, uma vez que é uma propriedade coletiva deste tipo de
produto, mas ao comunicar essa associação pela marca Coca-Co-
la, é como se a narrativa pudesse afirmar que “só a Coca-Cola”
produz algo assim, que você vê, e já imagina o som, e o sabor em
seguida.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 155


SEÇÃO 5 – REMEDIAÇÃO COMO
PROCESSO NARRATIVO:
MASHUPS, MEMES
E OUTRAS FORMAS
IMEDIATAS DE CULTURA
MIDIÁTICA

David Jay Bolter e Richard Grusin,


ao escreverem a obra Remediaton: unders-
tanding nem media (2000), propõem o processo de remediação,
como processo possível de produção narrativa a partir da realidade
midiática pós-massiva. Justamente pela condição conectiva, cola-
borativa e compartilhada de se produzir e consumir narrativas a
partir das mídias digitais, que Bolter e Grusin analisaram as formas
pelas quais estas narrativas são elaboradas, produzidas e propaga-
das socialmente.
Para Bolter e Grusin, o que há de original são os desafios das
antigas mídias em relação às propostas das novas, ou seja, como
convergem1 muitas vezes em práticas simultâneas. Nesse sentido,
afirmam que, embora as mídias pós-massivas tenham dominado
as práticas comunicacionais contemporâneas, é através da conver-
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

gência tanto de meios anteriores, quanto das narrativas desenvol-


vidas para estes meios anteriores, que se encontra o processo de

1 O conceito de convergência refere-se à integração entre computadores,


meios de comunicação e redes digitais, bem como de produtos, serviços e
meios na internet.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 156


remediação, como forma narrativa digital praticada pela audiência
conectada. A partir da existência das redes sociais digitais, a produ-
ção e consumo de narrativas pessoais se intensificou consideravel-
mente. Na verdade, o conteúdo que se intercambia nas redes so-
ciais, em sua maioria, é remediado pelo usuário da rede, de forma a
atribuir outros sentidos àquela referência, resgatada, por exemplo,
da televisão ou do cinema, e remediada em novo contexto, pelas
redes sociais digitais.
Podemos, por exemplo, associar à remediação, processos já
consagrados de produção coletiva de narrativas, como os memes
– expressões animadas, gráficas ou audiovisuais criadas a partir de
referências cotidianas e sociais – que já se tornaram uma tradição
em todas as redes sociais que permitem a criação e produção de
narrativas por seus usuários. O meme, como narrativa cotidiana,
opera na velocidade com que os fatos se sucedem e são absorvidos
pela sociedade. O que se torna manchete jornalística hoje, inva-
riavelmente, se transforma em meme no dia seguinte, senão no
mesmo dia. Essa característica do meme remete a uma condição de
expressão crítica, seja de humor, ironia, revolta,
mas com certeza, definindo um posiciona-
mento a respeito da situação cotidiana
que se tornou meme.

Multimídia
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

“Os memes na internet são uma


das principais expressões narrativas das
redes sociais. Mas por que as montagens,
paródias e, principalmente a ‘zoeira’ fazem

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 157


tanto sucesso na internet? No TEDxDanteAlighieriSchool, Douglas
Calixto falou sobre a relevância dessa nova linguagem — que mo-
vimenta milhões de pessoas diariamente — e os desdobramentos
para o cotidiano da escola. ”

Memes: como a zoeira afeta a Comunicação e a Educação?


Nas imagens a seguir, vemos alguns memes, criados por usuá-
rios em redes sociais, acerca de um episódio político, envolvendo
depósitos em dinheiro na conta da primeira dama do país, realiza-
dos por um foragido da polícia:
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

Fonte: https://16bitsdadepressao.blogosfera.uol.com.br/2020/08/28/os-melhores-memes-indagan-
do-bolsonaro-sobre-os-89-mil-reais/

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 158


As imagens fazem parte de uma reportagem do portal 16bit-
sdadepressão, que publicou os memes mais destacados, a partir do
mesmo episódio já informado em relação à primeira dama Michele
Bolsonaro e Fabrício Queiroz.
A cultura da narrativa divertida a partir do meme e do mashup,
vem ganhando força a cada nova rede social e possibilidade pro-
dutiva disponível, Por exemplo, o portal da internet Gerar memes,
disponibiliza uma infinidade de imagens já dimensionadas em for-
mato de posts para as redes sociais, basta você escolher qual ima-
gem deseja utilizar, escrever a frase que a acompanha, e tem seu
meme produzido para compartilhar nas redes sociais. Na imagem,
podemos ver a página de entrada do gerar memes, onde você pode
escolher a imagem e customizar o texto como desejar.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

Disponível em:

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 159


O mashup é prática originária da área musical,
especialmente rap e hip hop, onde muitas das com-
posições são desenvolvidas misturando e mixando
trechos de outras composições em novos arranjos –
processo conhecido com mashup – e que também
opera na lógica de produção narrativa digital, da mesma forma
como o meme. Na verdade, o mashup se caracteriza pela apropria-
ção e rearranjo de sons e músicas diversas a fim de criar uma nova
sequência original, enquanto o meme se caracteriza como um ins-
tantâneo, de época e tempo, a partir dos fatos que focaliza.
Na verdade, o processo de realizar mashups, ocorre a partir
das possibilidades de produção autônoma digital, que permite a
qualquer usuário da internet e de redes sociais, interagir com ou-
tros usuários, e trocar suas produções remediadas.
Da música para os vídeos mashups não demorou
muito e a estética de colar e mixar trechos di-
versos, com outras locuções, enredos e desfe-
chos, se tornou padrão na cultura digital, em
termos de narrativa. Desde o surgimento
de aplicativos para celular, como Musicaly,
que se tornou Tiktok, e que apresenta con-
teúdos produzidos pelos usuários da rede.
Todos os conteúdos são pequenos vídeos
mashups, em videoclipe, da trilha Sonora de
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

músicas e locuções diversas, nas quais o usuário


normalmente, se filma em coreografia. Vídeos de 15 a 60 segun-
dos, que passam ininterruptamente na tela do usuário conectado.
No processo de remediação, Bolter e Grusin alertam para o
fato de que a linguagem narrativa sofre transformações constantes

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 160


em suas estruturas formais, a partir da perspectiva mesmo, de que
todo e qualquer conteúdo disponibilizado pelo mundo está passível
de ser remediado, ter seu sentido e orientação alterados, de acordo
com as finalidades da narrativa proposta.
Pela remediação também surge a crítica social, a ironia, o des-
prezo e o posicionamento, uma vez que cada usuário ativo nas
redes, procura fazer valer seus argumentos, independentemente
de sua veracidade. Na verdade, a característica principal das nar-
rativas remediadas é justamente a alteração de sentido original da
referência cultural apropriada de outra mídia e época, a fim de que
esteja contextualizada com a situação presente que evoca e eviden-
cia. O que amplia a possibilidade de narrativas pessoais, individuais
e coletivas, de interesse público, privado e social, uma vez que é
um processo que se torna bastante intuitivo e indutivo a partir das
redes sociais e aplicativos que facilitam sua produção e divulgação
constantes.
A remediação é também o conceito
norteador de uma das narrativas inesque-
cíveis que estudamos na unidade 2 – Eva
Storie’s, no Instagram – explorando atra-
vés da rede social Instagram, o cotidiano
em narrativa de orientação, revestida de
persuasão a partir do objeto social deter-
minado, para estabelecer esta narrativa
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

de orientação em relação à realidade do


holocausto e do nazismo durante a época
da Segunda Guerra Mundial.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 161


Fonte: https://juvenil.net/index.php/viver/1013-eva-stories-a-vida-de-uma-jovem-no-holocausto-a-
traves-de-stories

RECAPITULANDO

Olá! Chegamos ao fim da quarta Unidade de nossa discipli-


na, Narrativas Visuais Digitais, onde pudemos verificar na seção 01,
como as finalidades narrativas de Aprendizado, Diversão e Persua-
são se estruturam a partir mesmo de um objeto social e daí se cons-
troem seus objetivos e finalidades, para então observamos como
estas finalidades narrativas, se conjugam perfeitamente com os
conceitos verificados na unidade 3, quando tratamos de narrativas
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

para games e videogames.


Na seção 02, pudemos verificar a aplicação completa e prá-
tica da narrativa com finalidades de aprendizagem, a partir de um
conteúdo comum, obrigatório e multicultural; a orientação de pro-
cedimentos de segurança e viagem dentro de aeronaves. Estabele-

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 162


cemos um roteiro de percurso por entre os conteúdos de diversas
empresas aéreas, e pudemos verificar que, conforme a nacionali-
dade da empresa e da cultura nativa de sua audiência nacional,
o conteúdo se diferencia tanto em estrutura narrativa quanto em
duração, embora sejam sempre na forma midiática de audiovisual,
exibida em telas de conteúdo a cada passageiro.
Passamos a seção 03, onde pudemos dentro da mesma te-
mática, analisar o trabalho desenvolvido para a empresa Air New
Zealand, que nos evidencia uma narrativa de orientação, assumin-
do explicitamente uma finalidade de diversão. Ano a ano, perso-
nalidades da mídia massiva, do cinema, de caráter nacional neo-
zelandês – como o rugby pelo time All Blacks, ou as locações para
a trilogia do Senhor dos Anéis – são definidos como objeto social
da mesma narrativa de aprendizagem sobre os procedimentos de
segurança dentro da aeronave. De forma que a partir do objeto
social, a empresa pôde ver produzidas narrativas de alto impacto
social, com grande poder de mobilizar a conversa dos passageiros
em torno dos vídeos.
Na seção 04, pudemos compreender a aplicação da narrativa
de persuasão tanto pela perspectiva comercial – pela campanha da
Coca-Cola – quanto pela perspectiva social da comunicação social
– através das campanhas públicas acerca do risco de contágio acer-
ca da pandemia COVID-19. E fechamos a unidade 4, com os con-
ceitos de remediação como forma produtiva das narrativas visuais
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

digitais aplicadas a partir das redes sociais digitais.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 163


QUIZ

Como podemos observar na imagem da campanha realizada


para a marca Virgin Records nos Estados Unidos, em 2005, O con-
ceito de “círculo mágico” de Huizinga (1948) não apenas orienta o
universo da ludologia, dos videogames e narrativas de jogos, mas
opera com igual eficiência, por sobre as finalidades narrativas de
Aprendizagem, Diversão e Persuasão:
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

Fonte: https://www.bestadsontv.com/ad/1041/Virgin-Digital-Exercise-Your-Music-Muscle-world-o-
f-music

Pelo que podemos observar, a partir dos conceitos enuncia-


dos e da imagem acima, podemos afirmar que:

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 164


I. Pelo conceito de “círculo mágico” a peça publicitária
desafia a audiência a descobrir música na cena urbana
que a ilustra, com o título “Do you see music?” – “Você
vê música? ”. E termina o convite textual com a frase:
“exercite seu músculo musical, convidando a audiência
a conhecer o ambiente digital da marca e seus produtos
musicais.
II. Isto é correto, pois como afirma Huizinga, é na com-
preensão dos elementos que compõem o círculo má-
gico desta peça – o universo metafórico da ilustração
representar o nome de cada banda de música do catá-
logo de produtos da empresa de discos – que se pode
compreender a finalidade do jogo, seu objetivo maior:
demonstrar o maior conhecimento possível, e vencer o
desafio proposto pela peça publicitária.
III. Isto é incorreto, pois como afirma Huizinga, o círculo
mágico – no caso desta peça publicitária – está na com-
preensão dos elementos de realidade que estruturam a
empresa Virgin Records, mas não necessariamente, no
conhecimento de cada banda de música do catálogo de
produtos da empresa como forma de vencer o desafio
proposto pela peça publicitária.
IV. O ambiente deste jogo é totalmente interativo, uma vez
que cada jogador pode executar suas ações em tempo
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

simultâneo a seus adversários, podendo ser jogado en-


tre 2 a 8 participantes, de modo a tornar a peça publici-
tária mais envolvente e persuasiva.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 165


Está correto apenas o que se afirma em:

A) I e II.
B) I e III
C) I e IV
D) II e IV
E) Nenhuma alternativa está correta.

Gabarito: A

Feedback: a assertiva A está correta. Enquanto I e II estão cor-


retas, as alternativas III e IV apresentam sentidos trocados, ao que
realmente significam: a III assertiva define como incorreta a I, o que é
falso. E a IV assertiva apresenta características que não são encontra-
das na peça publicitária, como interatividade e simultaneidade.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 166


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Unidade 1

Adam, J-M. (1985). Le texte narratif. Paris: Nathan.


Aristóteteles (1992). Poética (E. de Souza, Trad.). São Paulo: Ars Poética. (Original
publicado em torno de 330 a.C.)
Bremond, C. (1966). La logique des possibles narratifs. Communications, 8, 60-76.
Bruner, J. (1997). Atos de significação (S. Costa, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.
(Original publicado em 1990)
Jenkins, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2008.
Nelson, Heming, whashington post edição de 11 de fevereiro de 1998, disponível
em: https://www.washingtonpost.com/archive/1998/02/11/a-history-of-
newspaper-gutenbergs-press-started-a-revolution/2e95875c-313e-4b5c-9807-
8bcb031257ad/?noredirect=on Acessado em 04/07/2020.
Propp, V. (1983). Morfologia do conto (J. Ferreira & V. Oliveira, Trads.). Lisboa: Vega.
(Original publicado em 1928)
Scolari,Carlos, Hipermediaciones: Elementos para una Teoría de lá Comunicación
Digital Interactiva; Gedisa, Barcelona, (2008:44).
Sylvette Lemagnen, Preface, p. 9; Musset, Lucien; Rex, Richard (translator) (1 November
2005) [1989]. La Tapisserie de Bayeux: œuvre d’art et document historique [The
Bayeux Tapestry] (annotated edition) (First ed.). Woodbridge, United Kingdom: Boydell
& Brewer Ltd. p. 272. ISBN 978-1-84383-163-1.
Thorndyke, P. (1977). Cognitive structures in comprehension and memory of
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

narrative discourse. Cognitive Psychology, 9, 77-110.

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 167


Unidade 2

Aristóteteles (1992). Poética (E. de Souza, Trad.). São Paulo: Ars Poética. (Original
publicado em torno de 330 a.C.)
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2008.
SCOLARI, Carlos. Hipermediaciones: Elementos para una Teoría de lá Comunicación
Digital Interactiva; Gedisa, Barcelona, (2008:44).
COVALESKI, Rogério. Cinema e publicidade: Intertextos e hibridismos. Rio de Janeiro,
Confraria do Vento, 2015.

Unidade 3

Aristóteteles (1992). Poética (E. de Souza, Trad.). São Paulo: Ars Poética. (Original
publicado em torno de 330 a.C.)
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2008.
SCOLARI, Carlos. Hipermediaciones: Elementos para una Teoría de la Comunicación
Digital Interactiva. Gedisa, Barcelona, (2008:44).
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo, Pensamento, 1989.
COVALESKI, Rogério. Cinema e publicidade: Intertextos e hibridismos, Rio de Janeiro,
Confraria do Vento, 2015.
HUIZINGA, Johan, HOMO-LUDENS. São Paulo, Perspectiva, 1971.

Unidade 4

Aristóteles (1992). Poética (E. de Souza, Trad.). São Paulo: Ars Poética. (Original
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

publicado em torno de 330 a.C.)


BOLTER, Jay David; GRUSIN, Richard. Remediation: understanding
new media. Cambridge: The MIT Press, 2000.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo, Aleph, 2008.
SCOLARI,Carlos, Hipermediaciones: Elementos para una Teoría de la Comunicación
Digital Interactiva; Gedisa, Barcelona, (2008:44).

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 168


COVALESKI, Rogério. Cinema e publicidade: Intertextos e hibridismos, Rio de Janeiro,
Confraria do Vento, 2015.
HUIZINGA, Johan, HOMO-LUDENS. São Paulo, Perspectiva, 1971.
UNIDADE 4 – Narrativas Aplicadas

 voltar ao sumário

NARRATIVAS VISUAIS 169


Autor(a):
Prof. Renato Vercesi Mader

Você também pode gostar