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S

C O M U N I CA ÇÃ O
UPLEMENTAR E ALTE
RNATIVA
DANIELLA FORCHETTI
Comunicação
suplementar e alternativa

Daniella Forchetti

IESDE BRASIL
2023
© 2023 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
F791c

Forchetti, Daniella
Comunicação suplementar e alternativa / Daniella Forchetti. - 1. ed. - Curitiba
[PR] : IESDE, 2023.

Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5821-215-7

1. Educação especial. 2. Comunicação na educação. 3. Distúrbios da


comunicação. 4. Tecnologia educacional. 5. Educação inclusiva. I. Título.

CDD: 371.9
23-81983 CDU: 376

Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439

13/01/2023 18/01/2023

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Daniella Forchetti Mestre em Distúrbios da Comunicação pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Especialista em Audiodescrição pela Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF) e em Linguagens das
Artes pela Universidade de São Paulo (USP). Graduada
em Fonoaudiologia pela PUC-SP. Consultora em
acessibilidade e em projetos culturais.
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SUMÁRIO
1 Conceitos básicos 9
1.1 O que é comunicação? 9
1.2 Comunicação expressiva e receptiva 14
1.3 Comunicação suplementar e alternativa (CSA) 20

2 Programa de comunicação de Jan Van Dijk 29


2.1 Apresentação do programa 30
2.2 Fases pré-simbólicas 32
2.3 Fases simbólicas 36

3 Do concreto ao abstrato 43
3.1 Como trabalhar com imagens e símbolos pictográficos? 43
3.2 Recursos de baixa tecnologia 47
3.3 Recursos de alta tecnologia 54

4 LetMeTalk: aplicativo de comunicação 59


4.1 Apresentação do aplicativo 59
4.2 Uso em situações comunicativas 62
4.3 Criação de atividades 66

5 CSA: um caminho para a inclusão 74


5.1 Qual é a importância da CSA na escola? 74
5.2 Escola, família e terapeutas: como trabalhar juntos 80
5.3 Desafios da comunicação suplementar e alternativa 84

Resolução das atividades 91


Vídeo
APRESENTAÇÃO
A comunicação suplementar e alternativa é uma área de
prática e pesquisa que envolve a parte tanto clínica quanto
educacional e é voltada para crianças e adultos que apresentam
algum tipo de comprometimento na linguagem oral. Neste
livro nos voltaremos para o trabalho desenvolvido no âmbito
escolar, procurando contribuir para que um número maior de
professores possa ampliar seus conhecimentos na área da
comunicação, em particular da comunicação suplementar e
alternativa voltada para os estudantes com deficiência.
No Capítulo 1 conheceremos os conceitos básicos da
comunicação e aprenderemos a diferenciar os termos
comunicação expressiva e receptiva. Aprenderemos a conceituar
o que é comunicação suplementar e alternativa e conheceremos
o público-alvo que pode se beneficiar desse trabalho.
No Capítulo 2 apresentaremos o programa criado por Jan
Van Dijk, professor de Ciências da Comunicação, que procurou
reconhecer as fases de aquisição da comunicação da criança
com deficiência para poder compreender como apoiá-la no
seu desenvolvimento. Esse trabalho se baseia em reconhecer
as experiências motoras vivenciadas por crianças não verbais
em conjunto com o professor, por meio do movimento.
Apresentaremos essas fases a fim de oferecer apoio para que
o estudante com deficiência possa atingir uma autonomia
na sua forma de comunicação. Trata-se de um projeto que
se inicia de maneira individualizada e que proporciona a
possibilidade de um desenvolvimento como parte do coletivo.
Para isso, contaremos com o apoio da família e de terapeutas
para construir uma rede de apoio.
No Capítulo 3 abordaremos o que são os pictogramas e
as imagens desenvolvidas para o programa de comunicação
suplementar e alternativa. Daremos sugestões de como
compor atividades de maneira prática, com exemplos de
materiais de baixa tecnologia e baixo custo e de alta tecnologia
e alto custo, e que necessitem do apoio institucional da escola.
Esses materiais vão apoiar o aprendizado do estudante
com deficiência, visando a formas mais autônomas de
comunicação.
No Capítulo 4 aprenderemos na prática como utilizar o
programa de comunicação suplementar e alternativa LetMe
Talk. Trata-se de um aplicativo gratuito para Android e iOS
que visa compensar as dificuldades na área da comunicação
e linguagem por meio de imagens. Veremos como ele
funciona, qual público pode utilizá-lo no dia a dia escolar
e como criar diversas atividades em formato de cardápios,
livros e cadernos de comunicação.
No Capítulo 5 compreenderemos como podemos criar uma
rede entre os profissionais da escola, os familiares e a equipe
técnica de saúde, a fim de apoiar os processos de inclusão do
estudante com deficiência por meio do uso de recursos de
tecnologias assistivas e do material pedagógico adaptado com
o sistema de comunicação suplementar e alternativa.
Ao final, entenderemos qual é a importância do trabalho
da comunicação suplementar e alternativa para a inclusão
de todos os estudantes, com e sem deficiência, procurando
compreender quais são as necessidades complexas de
comunicação desse público-alvo e quais são seus desafios,
a fim de criarmos juntos uma relação mais equitativa dentro
de nossas escolas.

8 Comunicação suplementar e alternativa


1
Conceitos básicos
Este livro é um convite para conhecer os conceitos básicos da comuni-
cação, a importância dela na sociedade e na construção de nossas relações.
Neste capítulo vamos aprender a diferenciar os termos comunicação expressiva
e receptiva, a fim de criar atividades voltadas para necessidades diversas de
estudantes com deficiência. Sempre vamos procurar focar na realidade esco-
lar, em especial, em como poderemos trabalhar no contexto de sala de aula.
Vamos também aprender a conceituar o que é comunicação suplementar e
alternativa e conhecer o público-alvo que pode se beneficiar desse trabalho.
Sendo assim, este livro procura contribuir para que um número maior
de professores possa aprofundar seus conhecimentos na área da comu-
nicação, em particular a comunicação suplementar e alternativa.

Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• aprender os conceitos básicos da comunicação;

• diferenciar os termos comunicação expressiva e receptiva, a fim


de criar atividades voltadas para cada necessidade da pessoa
com deficiência;

• saber conceituar a CSA e conhecer o público-alvo que pode se be-


neficiar desse trabalho.

1.1
Vídeo
O que é comunicação?
A comunicação é um conceito amplo e historicamente construído.
Segundo Vigotski (2000), ela representa a função primordial da fala. Po-
de-se entender, desse modo, que está relacionada diretamente à capaci-
dade de interação interpessoal envolvendo a linguagem natural (idioma)
e a artificial (codificação, signos, sinais de trânsito, notação musical etc.).

Voltando às origens da humanidade, a comunicação foi o meio pelo


qual as pessoas poderiam expressar seus costumes, estilo de vida e valo-

Conceitos básicos 9
res, constituindo e transmitindo cultura. Foi por meio da comunicação que
aprendemos a viver em sociedade. O modo como pensamos e agimos é
compartilhado por meio da comunicação, que alimenta essa expressão.
Nesse contexto, podemos citar como exemplo a pintura rupestre, que foi
uma das primeiras maneiras de deixar mensagens e registrar experiên-
cias encontrada pelos humanos, com registros datados desde 40 mil anos
atrás. A arte rupestre permite observar que os hominídeos costumavam
registrar sua vida cotidiana, representando os animais que caçavam e pos-
sivelmente os ritos e as celebrações de suas comunidades.

Partindo de uma perspectiva mais fisiológica, a amamentação, além


de importante para o desenvolvimento neuropsicomotor do bebê e o
laço afetivo entre ele e seu cuidador, também estimula todo o sistema
orofacial (lábios, língua e bochechas) através da sucção, favorecendo
no futuro o desenvolvimento da linguagem oral necessária para a co-
municação receptiva e expressiva. É possível observar a comunicação
desde a primeira infância, quando, com poucos meses de nascimento,
a criança já sente a necessidade de fazer uso de recursos comunicati-
vos, como choro, balbucio etc.

Entre as várias expressões de comunicação dos bebês, o choro é o


mais comum para indicar as necessidades que precisam ser satisfei-
tas, muitas vezes ligadas à alimentação e à atenção. Os bebês podem
começar a emitir gritos e a vocalizar a partir dos dois ou três meses.
Nessa fase inicia-se o balbucio, e eles aprendem a responder movendo
a cabeça entre os quatro e cinco meses. A partir dos seis meses, conse-
guem vocalizar os sons e pronunciar as primeiras vogais. A partir dos
oito ou nove meses, começam a usar gestos como mandar beijo, tchau
e sinalizar não e sim. A partir dos doze meses, podem começar a emitir
vocábulos isolados com significado, como mama ou papa. A partir dos
vinte e quatro meses, já se apropriaram das primeiras palavras e ini-
ciam pequenos diálogos.

Esses marcos do chamado desenvolvimento da linguagem são parâ-


metros baseados em bebês que nasceram sem deficiência. Por isso é
importante não nos apegarmos a números fixos, e sim ficarmos atentos
para observar se a criança está em crescente desenvolvimento. É pre-
ciso, então, não comparar a criança a parâmetros, mas compreender
que cada uma tem seu tempo para aprender. Nesse processo pode-se
observar o brincar da criança, uma vez que por meio da ludicidade ela
aprende a seguir regras, compartilhar as coisas e ouvir o outro.

10 Comunicação suplementar e alternativa


Em relação ao acompanhamento do desenvolvimento da criança, cabe
ao professor estar próximo das famílias e se atentar às suas demandas
para dar suporte quando necessário. Este suporte pode incluir a indica-
ção de um profissional da área da saúde para avaliar a criança, caso ela
demonstre em sala de aula alguma coisa que não foi percebida pelos pais.

É fundamental, portanto, considerar que nascemos imersos na co-


municação e é por meio dela que aprendemos a nos expressar. Obser-
var o que falamos, como falamos e para quem falamos, por exemplo,
permite identificar como nossa comunicação influencia diretamente a
compreensão do outro.

A comunicação é um fenômeno universal tão relevante que não se


dá somente entre as pessoas – os animais, de modo geral, também se
expressam – e pode ser apresentada de forma verbal e não verbal. A
verbal utiliza recursos de diferentes línguas e dialetos, e a não verbal
se dá por meio do olhar, de gestos, do tom de voz, da fisionomia e da
postura corporal, por exemplo.

Ainda, a comunicação está presente em nosso dia a dia como uma


forma de organizar a sociedade. Basta olhar ao redor para reconhecer
ícones e símbolos que, sem percebermos, nos levam a mergulhar num
mundo pictográfico.
Figura 1
Placas de trânsito e ícones para banheiros
Anton Prohorov/Shutterstock

Proibido estacionar Pedestre, ande pela direita


FatihYavuz/Shutterstock

Conceitos básicos 11
Esses símbolos universais – podemos chamar assim pelo menos den-
tro de países ocidentais – se prestam para uma comunicação efetiva, rá-
pida e que não dependa da língua falada. De longe podemos reconhecer
suas funções e, se estivermos viajando por um país do qual não conhece-
mos a língua local, identificar sozinhos o que eles querem dizer.

Outro aspecto importante da comunicação é a escrita. Uma das pri-


meiras apresentadas de modo sistematizado apareceu na Mesopotâmia,
quando o povo sumério desenvolveu a escrita cuneiforme, aproximada-
mente em 3500 a.C., em que os registros do cotidiano e de questões
políticas e econômicas eram feitos em impressões na argila, com sím-
bolos. Na mesma época, surge no Egito os hieróglifos, mas estes eram
dominados apenas por pessoas com poder – os escribas e os sacerdotes.
Figura 2
Escrita cuneiforme (a) e hieróglifos (b)

Couperfield/Shutterstock
a)

b)

Ihor Bondarenko/Shutterstock

12 Comunicação suplementar e alternativa


Diante disso, podemos perceber que a comunicação é muito mais
do que a fala e a escrita; é um conjunto de expressões que pode relatar
o que pensamos, sentimos e fazemos.

E nesse contexto, vários recursos foram criados e aprimorados no


decorrer da história para facilitar a nossa comunicação, os chamados
meios de comunicação. São exemplos deles: o rádio, a TV, a telefonia, a
fotografia e a internet. Já a escrita pode ser apresentada em tinta, como
a letra cursiva, bastão, ideograma, pictogramas, e pode ser tátil, como
o Sistema Braille. A indústria gráfica foi evoluindo e multiplicando as
formas de compartilhamento dos jornais, revistas e livros. Atualmente,
o que era impresso está sendo transformado em digital, e as informa-
ções são compartilhadas pelos meios eletrônicos.

Já como exemplo das funções da comunicação, temos: a informação,


o entretenimento, o ensino, a relação social, a interpretação dos acon-
tecimentos, a produção e transmissão cultural etc. Devido a essas varia-
das funções, quando viajamos a outro país e não partilhamos a mesma
língua materna, podemos ter algumas dificuldades, mas também pode-
mos aprender com o outro a nos expressar de diferentes formas. Quan-
to mais estamos imersos em determinada cultura, mais podemos nos
expressar de maneira autônoma a partir do domínio de seu idioma.

É por reconhecermos o valor da comunicação que sempre convém


ter alguns cuidados ao usá-la. Algumas perguntas podem auxiliar esse
processo: Para quem estou falando? Todas as pessoas que me ouvem
estão me compreendendo? Que recursos estou utilizando para atingir
meus objetivos e alcançar diferentes públicos?

A comunicação é essencial, portanto, para diversos propósitos. Na


educação, ela deve ser meio e objeto de aprendizagem. Durante a
Pandemia de Covid-19, por exemplo, vivemos uma condição que afe-
tivamente pôde nos aproximar da situação vivida por muitas pessoas
com deficiência, que é o isolamento social. Tivemos nossa liberdade
de ir e vir restringida, impactando nossa qualidade de vida. Esse perío-
do impactou também a renda familiar, o que aumentou a insegurança
alimentar e prejudicou a aprendizagem de crianças e adolescentes
que não tiveram garantidas as condições básicas ao seu desenvolvi-
mento (UNICEF, 2021).

A pandemia demonstrou que a escola é um suporte importante para


o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. Sabemos que

Conceitos básicos 13
muitos alunos, por exemplo, têm na escola pública sua principal refeição
do dia ou o único espaço adequado para se dedicarem aos seus estudos.
Na pandemia, muitas famílias tiveram dificuldade de apoiar seus filhos
em casa, pois não tinham disponíveis celulares ou computadores para
que eles pudessem acessar às aulas à distância. Ainda, muitos desses
alunos eram pessoas com deficiência cujos recursos tecnológicos não
promoviam acessibilidade, o que os levou a ficar sem suporte escolar.

Essa realidade teve diferentes impactos por todo o Brasil. Os professo-


res tiveram de se reinventar, e a comunicação se estabeleceu por novas
vias. A tecnologia passou a ser a principal ferramenta de comunicação entre
o professor e os estudantes. Com o retorno às aulas presenciais pós-pande-
mia, percebemos novos desafios. Agora nos resta criar uma rede de apoio,
principalmente junto às famílias com crianças e jovens com deficiência.

Sendo assim, no decorrer deste livro procuramos contribuir para


que um número maior de professores possa aprofundar seus conheci-
mentos na área da comunicação, em particular a comunicação suple-
mentar e alternativa. A seguir, vamos aprofundar esse tema um pouco
mais, falando sobre a comunicação expressiva e receptiva e como esse
conceito se apresenta para as pessoas com deficiência.

1.2 Comunicação expressiva e receptiva


Vídeo
A comunicação receptiva é um processo relacionado à forma como com-
preendemos as mensagens, já a comunicação expressiva é a forma como
podemos expressar nossas necessidades, vontades e sentimentos. No en-
tanto, esse processo pode ser restringindo por conta de uma deficiência.

Para adentrarmos no assunto pretendido por este livro, antes de


tudo, precisamos compreender o que é deficiência. Vamos ao conceito
apontado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – do inglês World
Health Organization (WHO) –, revisto no ano de 2012:
A deficiência é complexa, dinâmica, multidimensional e questio-
nada. Nas últimas décadas, o movimento das pessoas com defi-
ciência, juntamente com inúmeros pesquisadores das ciências
sociais e da saúde têm identificado o papel das barreiras físicas
e sociais para a de ciência. A transição de uma perspectiva in-
dividual e médica para uma perspectiva estrutural e social foi

14 Comunicação suplementar e alternativa


descrita como a mudança de um “modelo médico” para um “mo- Leitura
delo social” no qual as pessoas são vistas como deficientes pela O importante Relatório
sociedade e não devido a seus corpos. (WHO, 2012, p. 4) Mundial Sobre a Deficiência
trata sobre os conceitos
e as formas de atendi-
A comunicação, dessa forma, deve ser observada com base no poten-
mento às pessoas com
cial de cada criança e não pelas limitações que sua condição impõe ou deficiência, seus desafios
ligados às questões da
pelas restrições ligadas ao meio, tanto se ela for ouvinte ou surda, vidente
saúde e às barreiras em
ou não vidente, ou com mobilidade reduzida. São tantos os fatores que nossa sociedade, sob uma
perspectiva de diversida-
influenciam o aprendizado que é importante que o professor/cuidador fi-
de humana.
que atento à forma como a criança percebe o mundo e se expressa.
Disponível em: https://appswho.int/
Abordando o conceito de comunicação receptiva no contexto da iris/bitstream/handle/10665/
44575/9788564047020_por.pdf.
pessoa com deficiência, no que diz respeito a como percebemos o Acesso em: 28 set. 2022.
mundo, primeiramente devemos observar a criança e perceber se ela
passou por alguma privação no seu desenvolvimento devido à condi-
ção de ser uma pessoa com deficiência, se ela vive numa relação que
a incapacita ou se possui uma limitação devido a uma situação de des-
vantagem em relação a fatores econômicos ou sociais, por exemplo.

Em seguida, perceber como o estudante aprende é a chave para


entender como ele recebe as informações, se pelo interesse em coisas
visuais e texturas, ou por cheiros, sons e sabores. Ou ao contrário, se é
avesso a ruídos e sons altos, tem hipersensibilidade a texturas ásperas
e não suporta comer alimentos mais sólidos. Esses comportamentos,
por exemplo, podem nos apontar o caminho para conduzir o trabalho.

Pensando em construir uma rotina com a criança, para que ela possa
se organizar e compreender que o mundo tem um tempo e uma forma,
podemos utilizar atividades mais concretas inicialmente e, depois, seguir
para atividades mais simbólicas, à medida que ela perceba o processo de
desnaturalização dos objetos. Esse conceito está ligado à possibilidade de
tornar algo mais concreto em algo mais abstrato (símbolos, por exemplo).

Não devemos impor nas crianças nosso tempo e ritmo, mas sim ficar
atentos em como elas vão se interessar por uma determinada atividade
ou ter aversão a outra. Devemos observar seu tempo de concentração em
atividades individuais e dentro do coletivo, ou se preferem um ambiente
fechado a um ambiente aberto – são múltiplos os fatores para ficarmos
atentos ao estruturarmos a aprendizagem quanto à forma e ao conteúdo.

Uma possibilidade de aproximação é saber dos familiares os cam-


pos de interesse da criança: o que ela come, os horários que dorme

Conceitos básicos 15
e acorda, se tem brinquedos e brincadeiras prediletos, entre outros.
Temos como objetivo sempre focar o potencial, o que lhe é interes-
sante. À medida que a criança cresce e amadurece, poderemos ofere-
cer outras coisas fora do seu interesse individual e compartilhar mais
do que é do interesse do grupo.

Para tanto, as atividades de vida diária podem ser um bom pon-


to de partida para observarmos como essa criança se organiza e se já
aprendeu a incorporar uma rotina. Em qualquer tempo, o foco sempre
é a autonomia da criança, seja a curto, médio ou longo prazo – isso vai
variar dependendo das atividades que ela realiza.

Podem existir casos em que a criança consegue perceber os obje-


tos que fazem parte da hora do lanche, por exemplo, mas ainda está
aprendendo a jogar bola ou a segurar um lápis em sala de aula. À me-
dida que o tempo vai passando, é importante observarmos se a criança
reconhece a função das coisas.

Um conceito importante a ser apresentado é o de objetos de refe-


rência, que dizem respeito a um objeto concreto ou a uma parte dele
com uma representação no campo da comunicação. Segundo Nasci-
mento (2006, p. 24):
A utilização desses objetos cria várias possibilidades para a crian-
ça se comunicar com o mundo exterior, facilitando a interação
com os outros, permitindo-lhe entender melhor o que se passa a
sua volta (o que vai acontecer, onde, porque, como e com quem),
e tornando os conceitos mais fáceis de serem apreendidos. A
utilizacão de objetos de referência é também um auxiliar da me-
mória, possibilitando à criança relembrar acontecimentos.

E como devemos selecionar e apresentar esses objetos?


1. Selecione um objeto que faça parte da rotina da criança. Exemplos:
o copo que ela usa para beber no refeitório, a massinha por meio
da qual faz atividades em sala de aula, o boné utilizado para fazer
atividades na quadra. Esses objetos serão sempre os mesmos
e devem ser apresentados no início das aulas para saber qual
rotina haverá naquele dia. Esses objetos representam uma ação
(beber água ou brincar, por exemplo) e serão apresentados de
modo sequencial, organizando a rotina do dia. Depois, vamos um
a um mostrando que as atividades têm um tempo de início, meio
e fim. Após o uso de cada objeto, guardamos e introduzimos um
novo na sequência de atividades do dia.

16 Comunicação suplementar e alternativa


2. Começamos com uma rotina reduzida e vamos ampliando o
tempo da atividade à medida que a criança apresentar maior
interesse e disponibilidade em permanecer fazendo a atividade.
Portanto, quando a criança consegue antecipar a atividade
relacionada ao objeto ou algum acontecimento, podemos propor
o início da desnaturalização do objeto. O copo que ela usava para
ir ao refeitório vai sair do plano tridimensional e passará para o
bidimensional. O professor irá escolher uma melhor forma para
apresentar esse objeto, que se tornará uma referência para uma
atividade. Ele pode colar ou prender numa placa de papelão ou
MDF o copo que se transformará em referência para quando a
criança quiser ir ao refeitório. Chegando lá, terá outro copo, que
pode ter a mesma textura, mas em cor diferente, ou ser de outro
material e forma para que ela possa fazer essa mesma função. A
criança vai então começar a ampliar seu repertório de objetos de
referência e de atividades ao perceber diferentes perspectivas do
mesmo objeto. Cada uma vai levar um tempo, e o mais importante
é o professor estar atento se a criança está compreendendo esse
processo. Provavelmente, em uma sala de aula existe uma rotina
própria, pensada antecipadamente pelo professor. Se for o caso
de haver uma criança com deficiência, devemos considerar a
possibilidade de ter um professor de apoio para ser o mediador
dessa relação com o grupo. O tempo que essa criança vai levar
para executar as mesmas atividades pode variar conforme o modo
como ela se relaciona com as coisas a sua volta. É importante
garantir que a criança ao mesmo tempo vá conquistando sua
independência de maneira individual, mas também junto ao grupo
de colegas em sala de aula. Sabemos que são muitos os fatores
que interferem nessa relação, mas a quantidade de estudantes
para o número de professores será sempre o grande desafio. Salas
superlotadas, sem a possibilidade de trabalhar com professores
de apoio e de Educação Especial fazem diferença no processo de
inclusão. É importante também pensar como trabalhar a mesma
atividade em sala de aula com crianças que percebem o mundo de
maneiras diferentes. Isso não se reduz à condição de uma criança
com deficiência, isso faz parte do ser humano.
3. Continuando, se o objeto de referência fizer sentido para a
criança em relação às atividades, às pessoas e aos lugares que
ela conhece, poderemos ampliar o nível de simbolização. Para

Conceitos básicos 17
isso, vamos utilizar uma parte do objeto. Tomando o exemplo do
copo (pensando num material plástico) que primeiro era íntegro,
depois foi colocado no plano bidimensional e agora poderá ser
cortado ao meio e colado no cartão/placa. É interessante que
sempre que possível a criança participe dessa montagem de
material e observe a transformação.
4. No último processo de desnaturalização, encontramos a
possibilidade do uso de objetos em miniatura ou representações
de objetos de maneira visual (contorno do objeto, utilizando
cores que contrastam entre figura/fundo), tátil (a representação
de um animal em miniatura ou o contorno de um objeto pequeno
em baixo-relevo) e auditiva (nomeação do objeto, atividade ou
pessoas). Para as crianças surdas, a nomeação se dará através da
Língua Brasileira de Sinais e, para as crianças surdocegas, uma
das possibilidades é a Libras tátil.

É interessante lembrar que o uso da miniatura e dos contornos seja as-


sociado sempre à figura real, para que a criança tenha a possibilidade de
comparar a representação com a imagem que é apresentada na realidade.
Com o tempo, isso também poderá ir crescendo gradativamente, à medida
que a criança demonstre interesse e compreensão do que lhe é proposto.

A atividade com miniaturas não é voltada exclusivamente para as


crianças com deficiência. No método Montessori, uma das atividades é
apresentar as miniaturas para as crianças entre três e seis anos, por exem-
plo. Começa com poucas peças, que aumentam com o tempo. Podem ser
trabalhadas como um jogo de adivinhação ou como nomeação.

O mais importante é que o professor/cuidador, ao apresentar essas ati-


vidades, esteja atento à compreensão da criança. Muitas vezes precisamos
pensar que ela pode não estar interessada numa determinada atividade,
pois pode ter sido feita em um tamanho que não é adequado para o mo-
mento do seu desenvolvimento, por exemplo, ou em relação às cores, po-
demos trabalhar com mais contraste entre preto e o branco, ou azul escuro
e amarelo, o que pode favorecer o foco. Também é preciso estar atento se
o ambiente é ruidoso ou tem muitas informações visuais distrativas – tudo
isso fará diferença num bom aproveitamento das atividades.

Dessa forma, é muito importante reconhecer a realidade em que essa


criança está inserida e sua cultura local, hábitos e costumes. Partindo e va-
lorizando esses aspectos, teremos maior possibilidade de adesão das ativi-
dades, além de ser uma ação afirmativa junto a todo o grupo de estudantes.

18 Comunicação suplementar e alternativa


Vamos agora retomar o termo comunicação expressiva:
A comunicação expressiva abrange vários comportamentos
comunicativos, dentre eles expressões corporais, faciais, movi-
mentos diferenciados, gestos, emissão de sons, uso de objetos
concretos. Uma vez que consigam comunicar com sucesso, terão
a base para poder adquirir sistemas mais elaborados de comuni-
cação. (NASCIMENTO, 2006, p. 32)

Para que isso ocorra, é importante o professor/cuidador ficar atento


em procurar sentar-se próximo ao estudante a fim de ter maior contato.
Isso favorece as crianças surdas, com a leitura labial, e as crianças com
deficiência visual, pois evita o ruído ambiente da sala de aula e possibili-
ta ao professor prestar uma atenção maior aos pequenos sinais, gestos
corporais ou vocalizações que a criança possa fazer durante um diálogo.

Dessa forma, procurando apoiar a criança a se expressar de manei-


ra autônoma, vamos pensar em formas mais concretas, de maneira ini-
cial, até chegar às competências mais simbólicas. Temos uma gama de
possibilidades, mas, geralmente quando uma criança inicia o processo
escolar na primeira infância, o professor deve estar atento em como
ela faz para pedir as coisas e como indica o que gosta e não gosta. A fa-
mília tem um papel fundamental de dizer aos professores como é que
essa criança se comunica. Como ela é em casa pode ser muitas vezes
diferente de como ela se expressa na escola, já que viverá num am-
biente comunitário e com mais pessoas. Também é importante entrar
em contato com os terapeutas para saber o que realizar para poder
adequar os materiais e atividades ao uso em sala de aula. A parceria
entre família, terapeutas e escola traz um diálogo coeso, favorecendo
as formas de expressões comunicativas que a criança está aprendendo
ou desenvolvendo. Isso pode mudar com o tempo, mas é importante
que essa transição seja feita de maneira progressiva.

As crianças, quando bebês, expressam-se primeiramente com bal-


bucios, outras já começam a apontar as coisas, outras fazem pouco
contato visual. Cada forma de expressão deve ser valorizada; muitas
vezes o que observamos ser uma birra é a dificuldade da criança de
expressar seus sentimentos e vontades. À medida que a criança vai
sendo instrumentalizada e aprende formas mais organizadas de se co-
municar, o seu comportamento vai “melhorando” – na verdade, essa
adequação vai sendo corrigida à medida que são ouvidas suas necessi-
dades e os seus desejos são levados em consideração. Muitas crianças

Conceitos básicos 19
partem de um gesto natural – como sorrir, chorar e apontar – para
iniciar o processo de interação social e de nomeação das coisas e pes-
soas. Com o tempo, elas aprendem as expressões faciais para diferen-
ciar seus sentimentos e a fazer movimentos com a cabeça de sim e não,
por exemplo. Os gestos naturais vão se tornando símbolos à medida
que ela consegue compreender e desnaturalizar as coisas, por exem-
plo, quando usam um gesto arbitrário para designar passeio.

Assim acontece com a fala, que pode ser restrita quando se trata
de uma criança com deficiência auditiva, ou quando se tem um quadro
neurológico, em que a criança escuta, mas tem dificuldade de articular
as palavras, ou mesmo por questões ligadas à má formação do cére-
bro. Nesses casos, pode ser interessante que essa criança, à medida
que aprende a desnaturalizar os objetos e pessoas, seja introduzida ao
sistema de comunicação alternativa e suplementar, com pictogramas e
ideogramas – assunto que veremos a seguir.

1.3 Comunicação suplementar


Vídeo e alternativa (CSA)
A comunicação alternativa está relacionada a um conjunto de re-
cursos de tecnologias assistivas desenvolvido junto às pessoas com
deficiência que não oralizam ou não têm uma fala funcional e que
necessitem de um apoio para se expressar ou relacionar. Já a comu-
nicação suplementar (que também é conhecida como aumentativa)
complementa a fala, ampliando a comunicação, e é voltada para pes-
soas com deficiência que tenham desenvolvido parcialmente a lingua-
gem oral. Conforme a ISAAC-Brasil (2022):
A CSA é uma área de prática e pesquisa, clínica e educacional para
crianças e adultos, que envolve um conjunto de ferramentas e es-
tratégias utilizadas para resolver desafios cotidianos de comunica-
ção de pessoas que apresentam algum tipo de comprometimento
da linguagem oral, na produção de sentidos e na interação.

Os usuários que podem se beneficiar da CSA são: pessoas com pa-


ralisia cerebral (PC), com apraxia de fala, com deficiência intelectual,
com transtorno do espectro autista (TEA), com quadros de hidrocefa-
lia e microcefalia, que tiveram um acidente vascular cerebral (AVC) ou
um trauma cranioencefálico (TCE), com doenças neurodegenerativas e

20 Comunicação suplementar e alternativa


síndromes genéticas – esses são os exemplos mais comuns. Isso não Site
impede que os recursos sejam utilizados de modo a apoiar todo o tra- A ISAAC-Brasil é uma asso-
ciação sem fins lucrativos
balho em sala de aula, favorecendo também os estudantes que têm
que promove o desenvol-
alguma dificuldade na aprendizagem de modo geral. vimento da comunicação
suplementar e alternativa
Para Moretti (1999, p. 15), o sistema de comunicação deve possuir e a melhoria da qualidade
os seguintes requisitos: de vida das pessoas com
deficiência e necessidades
permitir uma vasta gama de formas de comunicação; ser adaptá- complexas de comunica-
ção, que têm dificuldade
vel para as outras necessidades da pessoa; permitir um amplo uso
de se expressar por meio
social; poder ser utilizado em um grande número de ambientes; da fala. Tem como objetivo
poder ser capaz de dar acesso a um léxico adequado e poder ex- reunir profissionais, usuá-
primir um número elevado de mensagens; possuir um bom padrão rios de CSA e familiares,
divulgar e promover a
ergonômico: não gerar trabalho, poder expressar a dimensão emo- comunicação alternativa
cional, ser rápido etc; poder ser personalizado em grau máximo; em território nacional.
possuir características que o faça acessível aos interlocutores; ser Disponível em: https://
tecnicamente de confiança, poder ser mantido facilmente em fun- www.isaacbrasil.org.br/
cionamento e, se possível, não ter um custo muito elevado. comunicaccedilatildeo-alternativa.
html. Acesso em: 14 nov. 2022.
Dessa forma, os objetivos do uso da CSA são: ser um facilitador no
desenvolvimento da autonomia do estudante com deficiência no campo
da comunicação expressiva e receptiva, favorecendo a aprendizagem de
maneira global; dar a ele oportunidade de comunicar suas necessidades
básicas, desejos, sensações e sentimentos, seja para a família, no contexto
escolar e junto à comunidade em geral; dar oportunidade ao estudante
com deficiência de desenvolver sua comunicação oral, seja de maneira na-
tural ou por meio de recursos de tecnologia assistiva (com sintetizadores
de voz, por exemplo); e possibilitar que ele aprenda conceitos e desenvol-
va habilidades ligadas à leitura, à escrita e às estruturas linguísticas.

As ferramentas da CSA “incluem material específico, entre eles, con-


juntos de sinais gráficos desenvolvidos especificamente para a comu-
nicação alternativa, agrupados em categorias sintáticas e semânticas,
além da utilização de fotos, palavra escrita e alfabeto” (ISAAC-BRASIL,
2022). Esses recursos serão apresentados mais à frente como baixa
tecnologia e alta tecnologia, referente às questões de baixo e alto custo.

A seguir, apresentamos alguns exemplos de símbolos gráficos de-


senvolvidos para o uso da CSA: 1
1 Pode ser encontrado em:
• Bliss – criado em 1965 pelo austríaco Karl Blitz. É um sistema http://mimisaac.blogspot.
suplementar e/ou alternativo de comunicação, constituindo-se com/2015/05/el-sistema-
-blis.html. Acesso em: 26
em um sistema simbólico gráfico-visual. Por meio dele é possível dez. 2022.
criar frases simples e complexas – isso vai depender do usuário

Conceitos básicos 21
e pelo contexto comunicativo. Os símbolos derivam de formas
geométricas e o quadrado é a referência usada como um guia.
a casa con mamá

2 2
• PIC – Pictogram Ideogram Communication , desenvolvido
Pode ser encontrado em: em 1980 pela terapeuta Subhas Maharaj. É constituído por sím-
http://design-cu.jp/ias-
bolos pictográficos cujas imagens consistem em figuras estiliza-
dr2013/papers/2112-1b.
pdf. Acesso em: 26 dez. das, desenhadas em branco sobre fundo preto, e têm o fim de ser
2022.
acessível às pessoas com deficiência cognitiva ou baixa-visão. O
significado do símbolo é escrito na sua parte inferior e o desenho
em alto contraste.

Man/person Fish

3 3
• PCS – Picture Communication Symbols , criado em 1981 pela
Pode ser encontrado em: Mayer-Johnson. São pictogramas coloridos com categorias que
https://us.tobiidynavox.
representam substantivos, pronomes, verbos e adjetivos forman-
com/products/picture-
-communication-symbol- do um código cromático. Ele funciona por meio de software para
s-pcs. Acesso em: 26 dez. computador que foi desenvolvido especificamente para criação
2022.
de pranchas de comunicação alternativa/aumentativa. Possui
uma biblioteca de símbolos e várias ferramentas que permitem
a construção de recursos de comunicação personalizados, é um
programa de alto custo e sempre que instalado, serve apenas
para um computador, não podendo ser compartilhado. O siste-
ma também tem um programa chamado Speaking Dynamically
Pro, que permite gravar uma voz ou utilizar uma voz sintetizada
em vários idiomas.

22 Comunicação suplementar e alternativa


• LetMeTalk– Aplicativo gratuito de CSA, criado em 2014 pela No-
tize, para Android e IoS, que apoia a comunicação em todas as
áreas da vida. Ele é financiado por meio de donativos. O banco de
imagens pertence ao ARASAAC – Centro Aragonês de Comunica-
ção Aumentativa e Alternativa. É possível incluir outras imagens
no dispositivo ou tirar fotografias com a câmera incorporada.
Possui também um sistema de voz sintetizada em vários idiomas.

COMER PÃO

Para Manzini (2006, p. 4), essas referências visuais podem ser usa-
das pela pessoa com deficiência como uma espécie de tabuleiro de
comunicação que contém símbolos gráficos. Tais símbolos podem se
compor de fotos, ilustrações, figuras, letras, palavras e frases que, ao
serem indicados pela pessoa, constroem sentenças e permitem que a
comunicação seja efetivada nos diversos ambientes de convívio, espe-
cialmente escolar e social. Além do uso de tabuleiros de comunicação
físicos, há tecnologia avançada para a comunicação suplementar e al-
ternativa, como os sistemas computadorizados e softwares específicos.

É importante que esses recursos façam parte da vida cotidiana da


pessoa com deficiência, tanto no uso familiar quanto na escola, na clínica
e nas terapias. Tratando propriamente dos aspectos escolares, é impor-
tante que o professor reconheça as diferentes formas de comunicação e,
ao mesmo tempo, as particularidades apresentadas por cada estudante
ao se expressar. Não há uma fórmula a ser replicada, cada caso terá de
ser tratado de maneira única, visto que seus contextos social, familiar
e acadêmico são distintos. Dessa forma, é importante que o professor/
coordenador seja instrumentalizado tanto pelo professor de sala de re-
curso (especializado em CSA) quanto pelo professor especialista em Edu-
cação Especial/Inclusiva. Esse suporte é fundamental para que todo o
conteúdo de sala de aula seja previamente pensado e organizado a fim
de formar um meio propício para o estudante com deficiência apren-

Conceitos básicos 23
der simultaneamente ao restante da classe. É importante ressaltar que o
uso da CSA e de recursos de tecnologia assistiva exige do estudante um
manuseio que demora um certo tempo para ser apropriado, às vezes os
estudantes levam anos e alguns vão precisar sempre de apoio, devido
principalmente às necessidades motoras. São muitos profissionais que
irão trabalhar em regime de cooperação, portanto, é importante que o
professor de sala de aula se aproprie dos recursos a fim de dialogar com
quem fará os materiais adaptados para sala de aula.

É importante também lembrar que uma educação inclusiva promo-


ve um aprendizado em conjunto. Na sala de aula, o professor deve ficar
atento àqueles estudantes que tomam a iniciativa de se aproximarem
do estudante com deficiência, seja para conhecê-lo melhor, seja para
fazer amizade. Devemos prezar pelo aprendizado entre esse círculo de
amigos, possibilitando que eles também possam ser mediadores no
processo de aprendizagem – o que um aprende, ensina para outro.
Nessa relação é essencial frisar que, na sala, todos em algum momento
aprendem e ensinam, portanto, é importante que o estudante com de-
ficiência tenha a oportunidade de também compartilhar algo que sabe
com os colegas da turma.

Assim, a CSA deve ser trabalhada de maneira transversal no grupo


para que os colegas aprendam como se comunicar com o estudante
com deficiência. Além disso, é importante mostrar como se utiliza os
materiais (como os tablets), para que se utiliza, em que momentos será
utilizado e que esse material é de uso pessoal, portanto, não é para as
outras crianças mexerem sem a autorização do estudante com defi-
ciência. Se for o caso e houver possibilidade, é ideal que se tenha mais
material adaptado e compartilhado em sala de aula para o manuseio
de todos. Esse ambiente compartilhado vai favorecer o processo de
inclusão de maneira equitativa, propiciando o acesso à medida de cada
necessidade do estudante.

Ao realizar todo esse processo, devemos observar que os benefícios


da CSA poderão ser: tornar mais autônoma a vida de estudantes com
deficiência; aprender uma forma funcional de comunicação; tornar mais
independentes as atividades acadêmicas; auxiliar e ampliar as possibili-
dades de tomada de decisões; ampliar a quantidade de interlocutores e
melhorar a qualidade de vida e autoestima do estudante com deficiência.

24 Comunicação suplementar e alternativa


A CSA também pode ser utilizada junto da língua de sinais, da lingua-
gem fácil e da audiodescrição, por exemplo. Podemos encontrar casos
de crianças com múltiplas deficiências sensoriais ou surdocegas que se
beneficiarão desse apoio. No caso, a língua de sinais é uma prática an-
tiga; na Antiga Grécia já havia relatos de pessoas que se comunicavam
por sinais. Já a Língua Brasileira de Sinais foi implantada pelo Instituto
Nacional de Educação de Surdos (Ines), no Rio de Janeiro, no século XIX
no período de D. Pedro II. Desses tempos até então surgiram as escolas
bilíngues para educação dos surdos que têm como primeira língua a Lín-
gua Brasileira de Sinais e como segunda o português.

A linguagem fácil (plain language) é uma técnica de comunicação que


surgiu no Reino Unido e nos Estados Unidos com o objetivo de tornar os
textos e documentos mais fáceis de ler. A pessoa consegue reconhecer a
informação de maneira fácil, entendê-la e colocá-la em prática. Outro obje-
tivo importante está relacionado à causa social, sobre o direito civil do ser
humano de entender as informações do nosso dia a dia. Essa técnica auxilia
a comunicação de modo geral, facilitando a compreensão de um texto para
um maior número de pessoas. Ela pode auxiliar em particular pessoas com
deficiência intelectual, tornando os textos mais simples, enfocando os obje-
tivos principais, numa linguagem mais fácil e informal, por exemplo.

Já a audiodescrição é um recurso de acessibilidade comunicacional que


traduz as informações visuais em palavras, voltado para o público com de-
ficiência visual. Essa técnica pode ser apresentada de maneira escrita, com
descrições de imagens dos livros didáticos, por exemplo, e quem vai ler é o
leitor de tela do computador do estudante. Esses programas são gratuitos
e podem ser baixados tanto no celular como nos computadores. A audio-
descrição também se apresenta de maneira gravada e ao vivo. Gravada,
ela pode ser encontrada em exposições de museus, por exemplo. Ao vivo,
em espetáculos de teatro, dança, circo, ópera – tudo que seja dinâmico.

Esses três recursos podem ser combinados à CSA como apoio para
alguns estudantes. Portanto, é fundamental que o professor de sala de
apoio e o especialista em Educação Especial aprendam esses recursos
de maneira efetiva, para poder somar ao trabalho de comunicação su-
plementar e alternativa.

Para finalizar, gostaríamos de lembrar que a escola que prioriza o


ensino da mesma forma para diferentes estudantes estará na contra-

Conceitos básicos 25
mão de uma aprendizagem que parte das necessidades do indivíduo
imerso dentro do coletivo. Cada criança percebe o mundo de uma de-
terminada forma, única. Se uma criança não interage nem encontra
uma via de expressão, poderá viver como numa ilha. Isolada, ela pode
ficar em seu mundinho e não encontrar motivos para se relacionar com
o que tem à sua volta. Outro ponto é estar atento a observar o tempo
de processamento da informação; quanto tempo o estudante demora
entre receber uma informação e realizar uma ação condizente ao que
foi proposto. Dar espaço para que a criança tenha tempo para tomar
iniciativas no diálogo e realizar as atividades faz parte do processo de
aprendizagem. Também é importante oferecer à criança a possibilida-
de de escolha. No início, o ideal é começar com duas atividades e ir
aumentando as opções, até que ela própria possa fazer seu calendário,
dentro do que é proposto em grupo, mas no seu ritmo. A CSA vai auxi-
liar o estudante com deficiência em todos esses aspectos, levando mais
qualidade de vida para a criança e dando oportunidades que desenvol-
vam sua comunicação de maneira autônoma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que pretendemos com o uso da comunicação suplementar e alter-
nativa é oferecer uma oportunidade para que os estudantes com defi-
ciência possam fazer parte das atividades de sala de aula de maneira mais
propositiva e autônoma, assim, poderão ser capazes de compreender
os conteúdos utilizando tanto sistemas de comunicação como contando
com o apoio da tecnologia assistiva.
Dessa forma, apontamos para uma educação que:
como cada um de nós, deve escolher a roupa adequada para os
dias frios assim como para os de calor, os alimentos compatíveis
com o horário e/ou clima, os comportamentos para as situações
de alegria ou de tristeza, as expressões emocionais para momen-
tos públicos ou de intimidade... Enfim, escolher o melhor (para
cada um de nós e para aqueles que nos cercam) para um melhor
viver. (AMARAL, 1998, p. 5)

Esse melhor viver está relacionado à questão da equidade, oferecendo


oportunidades para que todos aprendam juntos, cada qual recebendo
apoio às suas diferentes necessidades. Todos ganham na educação inclu-
siva, aprendendo com a diversidade e respeitando as diferenças.

26 Comunicação suplementar e alternativa


ATIVIDADES
Atividade 1
Qual a importância da amamentação para a comunicação dos
bebês?

Atividade 2
Qual a diferença entre comunicação suplementar e alternativa?

Atividade 3
Quais são os benefícios da comunicação suplementar e
alternativa?

REFERÊNCIAS
AMARAL, L. A. Sobre crocodilos e avestruzes: falando de diferenças físicas, preconceitos
e sua superação. In: AQUINO, J. G. (org.) Diferenças e preconceitos na escola: alternativas
teóricas e práticas. São Paulo: Summus Editorial, 1998.
ISAAC-BRASIL. ​International Society for Augmentative and Alternative Communication. O
que é a Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA)? Brasil, 2022. Disponível em: https://
www.isaacbrasil.org.br/comunicaccedilatildeo-alternativa.html. Acesso em: 14 nov. 2022.
MANZINI, E. J. Portal de ajudas técnicas para educação: equipamento e material pedagógico
especial para educação, capacitação e recreação da pessoa com deficiência física –
recursos para comunicação alternativa. 2. ed. Brasília: MEC; SEESP, 2006.
MORETTI, G. Princípios e Significados da Comunicação Alternativa. E se falta a palavra,
qual comunicação, qual linguagem? Discurso sobre comunicação alternativa. São Paulo:
Memnon, 1999.
NASCIMENTO, F. A. A. A. C. Educação Infantil: saberes e práticas da inclusão. Dificuldades
de comunicação e sinalização: surdocegueira/múltipla deficiência sensorial. Brasília, DF:
MEC, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/surdosegueira.
pdf. Acesso em: 28 set. 2022.
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância. Impactos Primários e Secundários da
COVID-19 em Crianças e Adolescentes Relatório de análise 3ª Rodada, IPEC - Inteligência e

Conceitos básicos 27
Pesquisa em Consultoria, 19 de julho de 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/
relatorios/impactos-primarios-e-secundarios-da-covid-19-em-criancas-e-adolescentes-
terceira-rodada. Acesso em: 14 nov. 2022.
VIGOTSKI, L. S. Pensamento e linguagem. Martins Fontes: São Paulo, 2000.
WHO – World Health Organization. Relatório mundial sobre a deficiência “The World Bank”.
Trad. de Lexicus Serviços Lingüísticos. São Paulo: SEDPcD, 2012.

28 Comunicação suplementar e alternativa


2
Programa de comunicação
de Jan Van Dijk
Neste capítulo conheceremos o programa de comunicação de Jan Van
Dijk, reconhecendo as fases de aquisição da comunicação da criança com
deficiência para compreender como apoiá-la no seu desenvolvimento. O
trabalho se baseia em reconhecer as experiências motoras vivenciadas por
crianças não verbais em conjunto com o professor, por meio do movimento.
Serão apresentadas as fases desse movimento para que o professor
possa construir um trabalho de antecipação e oferecer o que a criança ne-
cessita naquele momento. Isso é movimento constante; não devemos nos
prender às fases, elas servem para nos apoiar na criação de um direcio-
namento no trabalho – a criança é a verdadeira diretriz. Observando suas
necessidades, oferecemos caminhos que serão trilhados com o professor
para que ela possa atingir uma autonomia na sua comunicação. Temos
um grande instrumental para apoiá-la, por isso o trabalho de observação
e escuta da família e do que vem por ventura trabalhando com terapeutas
devem ser somados às suas proposições. E, o mais importante, dar opor-
tunidade para que a criança expresse seus desejos e suas necessidades
– isso exige atenção e respeito ao seu tempo de aprendizagem. Dessa
forma, criamos uma rede de apoio que todos os envolvidos fazem parte
do processo de ensino-aprendizagem. Um projeto que se inicia de ma-
neira individualizada, mas que pode ser construído aos poucos também
dentro do coletivo.
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• conhecer o programa de comunicação de Jan Van Dijk;

• conhecer as modalidades de comunicação com base no movimento;

• trabalhar em conjunto professor/criança, buscando a ampliação


da comunicação;

• saber introduzir os primeiros símbolos de atividades para as crian-


ças com deficiência;
(Continua)

Programa de comunicação de Jan Van Dijk 29


• saber utilizar objetos que viabilizem o contato e a condição concreta de
manutenção do diálogo entre o professor e a criança com deficiência;

• perceber se a criança está pronta para realizar as atividades após


demonstração do professor ou sem a presença dele;

• observar e reconhecer os gestos naturais comunicativos criados


pela criança com deficiência.

2.1 Apresentação do programa


Vídeo
Descreveremos neste capítulo os principais níveis (ou etapas) de co-
municação que englobam o programa de Jan Van Dijk, sociólogo holandês,
professor de Ciências da Comunicação e um dos maiores especialistas do
mundo em educação e desenvolvimento de crianças com surdocegueira
e com múltiplas deficiências. Esse estudioso procurou apoiar as famílias e
os profissionais ao oferecer um melhor atendimento no campo da lingua-
gem e comunicação de pessoas com deficiência, em particular, com defi-
ciência sensorial. Van Dijk tinha uma vasta experiência avaliando crianças,
observando e seguindo seus movimentos, suas emoções e seus interes-
ses, para obter informações sobre o processo de aprendizagem de cada
uma. Seu método de avaliação guiado pela criança foi reconhecido e usa-
do em todo o mundo. A seguir conheceremos um pouco desse trabalho.

Para ele, o desenvolvimento da comunicação na educação de crian-


ças não verbais (que apresentam ausência total de fala ou com dificulda-
des de se expressar verbalmente) deve partir da experiência
do corpo como um veículo e de sua relação com o mundo,
AnnGaysorn/Shutterstock

buscando estabelecer a comunicação entre o professor


e essas crianças. Writer (1993 apud FORCHETTI, 2000,
p. 53) nos aponta que “o enfoque é baseado no movi-
mento que esboça uma seqüência aproximada
de níveis de comunicação ao longo da qual a
criança progride no desenvolvimento de sua
consciência simbólica”.

Segundo Van Dijk, as experiências mo-


toras vivenciadas por crianças não verbais
em conjunto com o professor, por meio

30 Comunicação suplementar e alternativa


do movimento coativo (que será descrito a seguir), constituem a base
do desenvolvimento e da aprendizagem e melhoram nessas crianças “a
qualidade e quantidade de interações com pessoas, objetos e aconteci-
mentos” (MAIA; NASCIMENTO, 2003, p. 13).

As principais etapas de comunicação são conhecidas como: nutrição


(afeto), ressonância, movimentos coativos, referências não represen-
tativas, imitação e gestos naturais. É importante falarmos que, por se
tratarem de conceitos traduzidos, temos palavras que se aproximam da
nossa língua e outras que procuramos fazer uma tradução direta para
manter o conceito original. Essas etapas não são rígidas e podem não
seguir a sequência que apresentamos, portanto o estudante com defi-
ciência pode estar num primeiro momento em um nível e em outra ativi-
dade ter conquistado mais independência comunicativa, ou pode pular
alguma dessas etapas.

É importante que o professor proporcione à criança um ambiente


organizado, com atividades e objetos que a motivem a se expressar e a
se relacionar com o mundo. Para tanto, o contato do professor com a
família é uma primeira referência como ponto de partida para conhe-
cer o que motiva e desmotiva a criança com deficiência, a forma como Leitura
ela se comunica ou não se expressa e como ela interage de maneira Para quem quiser conhe-
independente com o mundo. cer um pouco mais sobre
o trabalho desenvolvido
Caso o estudante tenha um acompanhamento terapêutico, é funda- no campo da fonoaudio-
logia com comunicação
mental conhecermos a forma como ele está sendo tratado e como a sua alternativa, a dissertação
comunicação está sendo estimulada. De modo geral, o fonoaudiólogo de mestrado A história de
Iago: o menino guerreiro no
faz o papel do profissional que trabalha com a linguagem/comunicação mundo da comunicação al-
de pacientes não verbais. Mas também temos terapeutas ocupacionais ternativa permite conhecer
um estudo de caso e os
que fazem o trabalho com as atividades de vida diárias da criança, os níveis de comunicação de
ajustes de posicionamento de pranchas de comunicação, utilizando os Van Dijk e como eles são
utilizados nessa área. Tam-
recursos de tecnologia assistiva, por exemplo, além do fisioterapeuta, bém poderão acompanhar
que cuida das atividades globais e posturais da criança. o relatório do paciente
Iago, que apresenta como
Por certo, a melhor forma de conseguirmos as informações com re- cada um o observa: a
fonoaudióloga, a família,
lação à criança é a convivência no dia a dia. Para isso, é relevante que se a professora de escola
tenha um professor de apoio fazendo esse papel na transição das eta- comum e a instituição de
Educação Especial.
pas. E por quê? Porque cada qual tem um forma de lidar com a criança.
Disponível em: https://
É fundamental que esse professor de apoio seja uma referência para o
tede2.pucsp.br/bitstream/
estudante com deficiência para o vínculo se estabelecer. Isso não quer handle/12073/1/tese_61218.pdf.
Acesso em: 28 dez. 2022.
dizer que o professor de sala de aula, o professor de Educação Especial

Programa de comunicação de Jan Van Dijk 31


e sala de recurso, os professores de Arte e Educação Física e o cuidador
não façam parte do processo. Eles devem saber que esse professor de
apoio será por um tempo o mediador dessa criança com deficiência até
que ela se torne autônoma o suficiente para comunicar seus desejos,
seus sentimentos e suas ações.

Todos da escola devem estar envolvidos nesse processo de conquis-


ta da autonomia das crianças com deficiência – isso envolve o porteiro,
o segurança, os faxineiros, os cozinheiros e os jardineiros. O valor de
todos que fazem parte da equipe e de suas profissões deve ser apre-
sentado para esse estudante. Cada um em sua função dará suporte a
esse professor de apoio, que aos poucos vai deixando de ser a referên-
cia para ser o mediador na relação com os outros profissionais e com
os colegas dessa criança.

2.2 Fases pré-simbólicas


Vídeo
Nutrição: relação de afeto e confiança

A primeira etapa trata-se do desenvolvimento de uma relação de


afeto e confiança entre a criança com deficiência e o professor/cuida-
dor. Van Dijk nos aponta que para ajudar a criança com deficiência na
construção do afeto devemos estabelecer uma rotina diária, com estí-
mulos que tragam confiança. Desde a fase tenra, o bebê utiliza o choro
Livro e o riso para expressar suas emoções. Van Dijk coloca que pode aconte-
Winnicott, em seu livro Os cer das “crianças com múltiplas deficiências terem problemas para dis-
bebês e suas mães, discorre
sobre as comunicações tinguir a si mesma das pessoas em sua volta. Em certas ocasiões, vêem
silenciosas iniciais. A res- as coisas como prolongamentos de seu próprio corpo” (DIJK, 1968 apud
piração, o cheiro, o hálito
e o batimento cardíaco WRITER, 1993, p. 4). Assim, trabalhar movendo-se junto à criança vai a
da mãe são considerados estimular a reconhecer as coisas, e ao adulto a perceber o tempo da
únicos e marcam uma for-
ma de comunicação física criança para fazer cada uma das atividades.
com o bebê. O movimento
de embalar o filho é parte
Pensando num ambiente escolar, nessa primeira fase de contato
da função materna, do é importante que um único profissional para realizar o trabalho seja
holding (apoio), função que
quando suficientemente
privilegiado. Quanto menor a criança maior a atenção a esse aspecto.
boa fará com que o bebê Também devemos ficar atentos quanto a isso quando uma nova crian-
se sinta protegido. O mo-
vimento traz ao bebê uma
ça inicia na escola.
sensação de afeto.
Em um primeiro momento o trabalho será voltado para estabelecer-
WINNICOTT, D. W. São Paulo: Martins
mos o vínculo/contato do professor com seu novo estudante. É muito
Fontes, 1996.
importante que o professor esteja atento aos sinais apresentados pela

32 Comunicação suplementar e alternativa


criança, a forma como percebe o mundo, como se relaciona e como se
expressa. Procuramos criar uma relação genuinamente afetiva, ofere-
cendo confiança para que a criança tenha possibilidade de mostrar seu
potencial e não se sentir avaliada o tempo todo.

É essencial discutir com a equipe quem será o profissional mais


apto para iniciar esse processo. Pensando na possibilidade de se con-
tar com um professor de apoio, esse profissional deverá ser o que fará
a mediação da criança com deficiência e o restante da escola.

O professor deverá se sentir confortável em se aproximar do estu-


dante, a fim de oferecer suporte para que ele se sinta seguro em estar
com o professor e convivendo com o restante do grupo. Muitas vezes,
essa criança com deficiência conviveu apenas com seu núcleo familiar,
tendo pouco contato com outras crianças. Winnicott (1956) nos apre-
senta um conceito importante que diz respeito a esse momento, quan-
1
do a criança tem condições de viver o holding , o qual contribui para a 1
construção da sua identidade. Sem essa base anterior, a aquisição e o Podemos dizer que
holding é uma sensação
desenvolvimento de linguagem da criança com deficiência poderão ser
de continência, de se
afetados, dificultando a possibilidade de ela se comunicar. sentir acolhido pelo
adulto/cuidador.
No espaço potencial ou no espaço em comum entre professor e a
criança com deficiência é que surge a brincadeira como uma forma me-
diadora da comunicação. Com base no brincar, experiências prazero-
sas e de afeição mútua podem ser vivenciadas. Em alguns casos, pode
acontecer de a família da criança com deficiência não brincar com ela
ou não saber qual a melhor forma de se comunicar. É impor-
tante compartilharmos cada momento de aprendizado
com a família, especialmente no início, para
que essa família reconheça o potencial
do filho e também invista em casa.
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Programa de comunicação de Jan Van Dijk 33


Essa primeira relação já será um passo em direção à ampliação da
socialização da criança com deficiência. Esse vínculo social é um pré-
-requisito importante para o desenvolvimento da comunicação e da
linguagem, e depois do vínculo bem formado ela poderá estar mais
segura para prosseguir seu processo de aprendizagem.

Fenômeno de ressonância

Trabalhar em ressonância é mover-se com o seu estudante. Em


muitos casos quem será mais privilegiado por esse tipo de trabalho
são crianças com múltiplas deficiências sensoriais, surdocegas, com
deficiência visual e casos neurológicos. São crianças que necessitam
do apoio do professor para realizar um movimento, mas é importan-
te dizermos que a iniciativa do movimento deve partir da criança. O
professor pode apresentar a atividade para ela, como jogar bola, fazer
uma atividade com massinha ou comer o lanche. É pertinente que ele
tome o cuidado de colocar sua mão próxima à da criança, mas não
deve agarrá-la. A mão do professor fica embaixo, e a do estudante por
cima, que pode passar os dedos nos espaços da mão do adulto, a fim
de sentir o objeto e poder tocar algo, indiretamente. O professor vai
procurar se mover com o estudante com o objetivo de mostrar como
é a atividade. Uma vez feita a demonstração, ela deve ser breve e o
tempo deve ser aumentado conforme a compreensão do estudante.
O professor aguarda uma resposta do aluno seja se este faz o mesmo
movimento ou de outra forma, tentando fazer uma outra aproximação.
Devemos ficar atentos à sensação de prazer ou desprazer causada pela
atividade, se o estudante demonstra querer continuar ou finalizar.

34 Comunicação suplementar e alternativa


O movimento corpo a corpo tem como finalidade produzir os pri- Filme
meiros contatos da criança com a comunicação (como o diálogo, que é Para poder compreender
melhor essa relação entre
experimentado no corpo) com base no movimento. Crianças que fazem professor e estudante
parte da comunidade surda, quando adentram uma escola bilíngue, nas fases iniciais de comu-
nicação, sugerimos o filme
apresentarão grande interesse por essa fase, já que a língua utilizada O milagre de Anne Sullivan,
por elas – a Língua Brasileira de Sinais (Libras) – é visual e acontece que conta a história verí-
dica da professora Anne
por meio do seu corpo. As expressões devem ser evidenciadas para Sullivan e seu trabalho
que elas possam ter a oportunidade de comunicar seus sentimentos com Helen Keller, uma
menina surdocega com
de maneira autônoma. Quando uma criança surda entra numa escola dificuldades de com-
de educação inclusiva, é importante que seus outros colegas sejam in- preender o mundo que a
cerca e de se comunicar.
troduzidos à Libras, para que ela se sinta parte do processo. Da mesma A professora, ao mesmo
forma que ela aprenderá a Língua Portuguesa, seus colegas aprende- tempo em que trabalha
com a criança com o alfa-
rão a língua de sinais – que é considerada a segunda língua do país. beto datilológico (alfabeto
Todos ganham quando o ambiente é preparado. Os professores mes- manual feito nas mãos),
procura se aproximar
mo contando com os intérpretes de Libras na escola também devem da família e mostrar o
buscar conhecimento nessa área, a fim de poderem propor atividades potencial que essa criança
poderá desenvolver ao
mais contextualizadas. ampliar sua comunicação.
O filme faz um papel
Movimento coativo importante ao contar a
história de vida de Hellen
O movimento coativo, conhecido como mão sobre mão, caracteriza- Keller, que chegou a ser
-se pela ampliação da comunicação entre o adulto e a criança. Nessa conhecida no mundo
inteiro quando adentrou
etapa o professor realiza ações com o estudante com deficiência lado a universidade e lutou
a lado. Isso pode ocorrer em posições sentadas ou fazendo atividades a favor dos direitos das
pessoas com deficiência.
de pé, e aos poucos a distância física entre eles pode ser ampliada. Se
Diretor: Arthur Penn. EUA: MM
pensarmos que antes o adulto estava próximo, realizando com a crian-
Disney Enterprises, 1962.
ça, agora esse espaço entre ambos vai dar mais liberdade para que ela
possa guiar as próprias ações com mais autonomia. O professor pode
estar de mãos dadas com o estudante, ombro a ombro, por exemplo,
trabalhando em par. Temos a possibilidade de oferecer atividades va-
riadas como uma dança, um movimento que vai sendo delineado em
conjunto. Também poderia ser uma atividade esportiva, como correr
lado a lado, ou no computador, escrevendo uma atividade juntos.

O objetivo dessa fase consiste em ampliar os recursos de comuni-


cação. A criança demonstra maior interesse pelo trabalho realizado e
participa do movimento, movendo-se com o professor, que vai procu-
rar desenvolver a habilidade de antecipação das atividades, a fim de a
criança poder compreender que cada coisa tem um tempo e selecionar
o que deseja fazer primeiro, por exemplo.

Programa de comunicação de Jan Van Dijk 35


Livro Nessa fase trabalharemos a transição das atividades do objeto con-
Inspiradas no método creto para uma representação mais abstrata, passando pelo tridimen-
desenvolvido e nas
pesquisas criadas por Van sional até chegar ao bidimensional. Exemplo disso são atividades que
Dijk, as autoras de Saberes trabalham o contorno dos objetos. Esse contorno pode ser com um
e práticas da inclusão: difi-
culdades de comunicação canetão de ponta grossa e cor escura sobre um papel de cor clara para
e sinalização – surdoce- que se destaque, ou um contorno com um barbante colado para ter
gueira/múltipla deficiência
sensorial compilaram uma textura do entorno.
experiências práticas com
base em anos de trabalho
É importante observarmos se nessa fase a criança apresenta con-
a partir dos fundamentos dições para entender que todas as atividades têm começo, meio e fim
de comunicação. Nessa
obra foi observado o
e que poderá acontecer atividades em sequência. A criança pode ter a
quanto o trabalho de oportunidade de começar a compreender as atividades coletivas, sen-
Van Dijk oferece uma
melhora na qualidade da
do incentivada a jogar com um colega, por exemplo. Os jogos coope-
comunicação expressiva e rativos podem ser interessantes, já que nenhuma criança fica de fora
receptiva de pessoas sur-
docegas e com múltiplas
– nesse tipo de jogo agrega-se mais uma criança até o final. A essência
deficiências sensoriais. dessa atividade é proporcionarmos uma nova forma de jogar, não ex-
MAIA, S.; NASCIMENTO, F. A. A. A. C. cluindo ninguém. Numa dança das cadeiras, por exemplo, tiram-se as
Brasília: MEC; SEESP, 2003.
cadeiras, acumulando uma criança sentada no colo da outra. Também
existem muitas brincadeiras em que os participantes devem estar com
as mãos dadas. A dança de roda e as cantigas são muito utilizadas na
infância e trazem uma oportunidade de se trabalhar lado a lado.

As atividades coativas se constroem por meio da participação da


criança em movimentos compartilhados com o professor, enfatizando
a antecipação, a mudança de rotina, a noção de tempo/duração e o au-
mento de repertório. A criança desenvolverá interesse pelo lugar em que
estuda e perceberá que suas ações podem interferir nesse ambiente.

2.3 Fases simbólicas


Vídeo
Referência não representativa

Nessa etapa a criança é estimulada a perceber seu próprio corpo e a


indicar as partes dele nela e no professor, por exemplo. Podemos tam-
bém utilizar uma referência tridimensional, como uma criança, boneca
ou escultura. Nessa fase, a criança já consegue elaborar uma imagem
corporal por meio da referência das partes concretas do seu corpo.
Além das pistas tridimensionais, também são introduzidos desenhos
de figuras humanas, podendo ser fotos e recortes de revistas ou livros.

36 Comunicação suplementar e alternativa


Assim os primeiros trabalhos de referência não representativa são coa-
tivos, portanto a criança já iniciou o estágio simbólico.

Nessa fase é importante a criança perceber que um objeto pode-


rá indicar uma atividade e que esse objeto de referência tenha uma
equivalência simbólica com o objeto real e com a atividade que ele
representa. Ela também passa a fazer as atividades por mais tempo
sem ter o professor por perto o tempo inteiro, o qual consegue man-
ter uma certa distância.

Podemos valorizar também esse trabalho com a família, apoiando


as atividades de vida diárias (AVD) desse estudante. Como exemplo
dessas atividades podemos citar o estudante com deficiência que pode
aprender a: servir-se de seu lanche na hora do recreio, comer com os
colegas, escolher quais alimentos são de sua preferência, descartar o
lixo orgânico e os recicláveis, vestir-se sozinho ou com auxílio, esco-
var os dentes, lavar as mãos e o rosto, trocar de roupa, entre outros.
Em muitas escolas de primeira infância que trabalham com o método
Montessori sabe-se da importância dessa fase no desenvolvimento da
autonomia do estudante. Por exemplo, aprender a lavar o copo de-
pois de beber o suco, pegar a esponja cuidadosamente e passar tanto
internamente quanto externamente é uma forma básica de trabalhar
a motricidade fina; entre tantas outras formas de trabalhos manuais
que ajudam a trazer independência ao estudante com deficiência e a
prepará-lo, com tempo, para a introdução da escrita.

Podemos utilizar os símbolos de comunicação suplementar e alter-


nativa (CSA) para apresentar imagens com um objeto, por exemplo,
visto que a criança já experimentou fazer anteriormente o contorno
desse objeto. Elas podem ser impressas coloridas, inicialmente de
maneira isolada, pareando um objeto a uma imagem, sendo sempre
a mesma se repetindo (como várias imagens de copos, que podem ser
de formatos e cores diferentes). Essa imagem pode ser apresentada
em um tamanho maior e depois ir diminuindo, mas o tamanho deve
ser suficientemente bom para que a criança enxergue bem. Caso te-
nhamos alguma dúvida, é sempre interessante conversarmos com a
família a respeito de ter a possibilidade de uma avaliação com um
oftalmologista. Podemos ter casos de crianças que descobrem a ne-
cessidade de usar óculos de grau só depois que se inicia o processo
de alfabetização, por exemplo.

Programa de comunicação de Jan Van Dijk 37


Artigo

https://www.yumpu.com/pt/document view

A Escola Perkins para Cegos, situada em Watertown (EUA), desenvolve forma-


ções de professores pelo mundo para apoiar o atendimento de pessoas com
deficiência visual, surdocegas e com múltiplas deficiências sensoriais. Podemos
conhecer esse trabalho acessando o artigo Desarrolo de la comunicación, com o
nome traduzido em português para O Desenvolvimento da Comunicação.

Acesso em: 28 dez. 2022.

Imitação

Esse trabalho será realizado com estudantes com deficiência que se


encontram no estágio simbólico. Nesse instante se inicia o trabalho de
frente com o estudante; a intenção é que ele já perceba a presença do
professor como um outro. Esse trabalho frente a frente é um marco,
pois o professor e o estudante estão numa posição espelhada, a qual
envolve mais desafios.

A fase da imitação deve surgir da observação dos acontecimentos


e da interiorização por parte da criança. Portanto, não se trata de um
trabalho de treinamento, pois esse não se converteria na desnaturali-
zação dos objetos e das pessoas, não chegando, desse modo, futura-
mente aos gestos naturais.

Além de participar das brincadeiras e atividades propostas pelo


professor e pelos colegas de sala de aula, o professor de apoio co-
meçará a mudar a sequência das atividades e a propor outras. Em
sala de aula ele pode observar o tempo em que o estudante per-
manece numa atividade que lhe dá mais prazer, por exemplo, de-
senhar, e propor que este use o desenho como registro para outra
atividade. Como esse trabalho se dá em comunhão com o professor
de sala de aula e com os professores da sala de recurso e de Educa-
ção Especial, é importante haver coerência em todas essas proposi-
ções com o estudante.

Nesse momento ele já se utiliza de alguns gestos naturais cria-


dos por ele mesmo e está sendo introduzido à Língua Brasileira de
Sinais (Libras), por exemplo. Pode ser um estudante com deficiência
visual que está iniciando a aprendizagem dos pontos em braile, para
futuramente decodificar e escrever por essa forma. Pode também
ser um estudante não verbal que iniciou com figuras pictográficas
de maneira isolada e começou a formar um cardápio/caderno de

38 Comunicação suplementar e alternativa


comunicação, criando um repertório de imagens e expandindo seu Livro
vocabulário. Essas imagens são introduzidas à medida que o estu- O livro Do sentido...pelos
sentidos...para o sentido é
dante compreende a atividade associada àquela imagem. Podemos composto de vários arti-
introduzir a parte da alimentação, por exemplo, como tema que se gos, muitos escritos por
professores de Educação
inicia no refeitório e expandir para a sala de aula, com palavras que Especial e também por
serão trabalhadas por associação de cores. Também pode ser inicia- profissionais da área do
atendimento às pessoas
do o trabalho do caderno com as AVD. com deficiência sensorial.
Ele foi organizado pela
Nessa fase, a independência do estudante começa a se eviden- Profª. Dra. Elcie Masini,
ciar. É importante valorizar as AVD, como se alimentar com os seus pioneira nos estudos aca-
dêmicos no Brasil, e trata
colegas de sala no recreio, aprender a se servir, fazer escolhas. De- das singularidades, dando
pois, sempre que possível é preciso realizar o descarte do que foi um panorama geral do
trabalho com estudantes
servido para ensinar sobre o lixo orgânico e os recicláveis. com deficiência sensorial.

É fundamental frisarmos que a dedicação ao trabalho voltado MASINI, E. F. S. São Paulo: Vetor, 2002.
para a CSA deve ser abraçada por toda a escola. No que se refere aos
símbolos pictográficos, deve ser feita uma reunião com toda a equi-
pe gestora da escola para que eles possam fazer parte do cotidiano
escolar. Esses símbolos devem estar distribuídos por toda a parte,
primeiro como referência de espaço – sala de aula 1º ano; refeitório;
quadra; banheiro; sala da diretoria; sala de reunião –, depois cada um
dos profissionais poderá usar um crachá em que deverá estar escrito
sua principal designação: professor, cuidador, cozinheiro, faxineiro,
porteiro, diretor etc. Todos são parte desse processo. Essa relação vai
se tornando cada vez mais simbólica, o que permite maior autonomia
comunicativa desse estudante.
PredragLasica/Shutterstock

Programa de comunicação de Jan Van Dijk 39


Gestos naturais

Nessa etapa a criança também já se encontra no estágio simbólico


e deve fazer uma relação entre os objetos e as atividades. O gesto na-
tural muitas vezes é criado pela própria criança com deficiência, como
uma forma de nomeação que não seja o apontar.

A criança deverá passar pelo processo de desnaturalização dos ges-


tos naturais para as Libras. A desnaturalização é uma transição entre
o que é mais concreto para o mais abstrato, podendo ser, nesse caso,
um símbolo, um gesto, uma imagem. A criança com deficiência que não
oraliza pode ter a oportunidade de ser introduzida a um tablet de co-
municação alternativa, com pictogramas que à medida que ela toca o
aparelho uma voz sintetizada é emitida.

Também esses pictogramas serão utilizados em contextos di-


ferentes, a fim de que a criança que não oraliza possa antecipar as
atividades e as ações das pessoas e possa criar imagens mentais. É
importante que sejam utilizadas imagens do vocabulário do progra-
ma que estejam dentro do contexto de sua rotina diária, para que
ela possa usá-las de maneira espontânea. No caso de imagens de fa-
miliares, amigos e profissionais da escola, é importante que estejam

Rawpixel.com/Shutterstock

40 Comunicação suplementar e alternativa


postas em categorias para que a criança possa acessar com mais rapi- Leitura
dez, e todos devem estar representados para que ela possa escolher Por meio do Portal de
ajudas técnicas, o pro-
com quem conversará, por exemplo. fessor contará com um
equipamento e material
Para chegar a essa etapa foi importante a criança experimentar an- pedagógico voltado para
tes viver uma rotina mais concreta e, a partir daí, chegar ao que seria a Educação Especial. O
documento apresenta
mais abstrato. A escrita em tinta e o Braille podem vir acompanhando recursos de comunicação
as pistas concretas, mas somente agora é que eles começarão a fazer suplementar e alterna-
tiva para a formação e
mais sentido e a ser trabalhados pelo professor. recreação de pessoas com
deficiência física.
É relevante lembrarmos que nesse processo é preciso “considerar
Disponível em: http://portal.mec.gov.
como intenção comunicativa qualquer expressão corporal, facial ou vo-
br/seesp/arquivos/pdf/ajudas_tec.
calizações” (BOVE; RIGGIO, 1993, p. 4). Nesse trabalho cada dia é uma pdf. Acesso em: 28 dez 2022.
oportunidade de conhecer um pouco mais seu estudante com deficiên-
cia e se deixar conhecer por ele. O vínculo inicial cultivado dará bons
frutos no momento em que seu estudante demonstrar qual forma de
comunicação será mais eficiente para ele. A família deve fazer parte
desse processo, pois esse trabalho não se restringe ao ambiente esco-
lar e terapêutico, deve fazer parte do dia a dia desse estudante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no programa de Van Dijk, tenta-se criar um ambiente
com base na sensibilidade do professor em buscar o vínculo com seu
estudante com deficiência, ao oferecer a este segurança. Há a utiliza-
ção do resíduo visual e auditivo (dependendo da criança) com ênfase
no trabalho voltado para o diálogo, a criação de um ambiente coope-
rativo – onde estudante e professor se movem juntos (apoio) –, de um
ambiente coativo que atua em unidade – ao trabalhar com o distancia-
mento – e de um ambiente interativo, que busca trabalhar a iniciativa
própria do estudante (minha vez/sua vez).
Portanto, devem ser utilizadas as mais diversas formas de comuni-
cação com a criança com deficiência como meio de instrumentalizá-la
para que possa desenvolver sua comunicação de maneira mais am-
pla, e não ser tolhida pelos desafios que enfrenta, oferecendo, dessa
forma, a oportunidade de apoiar o potencial comunicativo/expressivo
de cada uma.

Programa de comunicação de Jan Van Dijk 41


ATIVIDADES
Atividade 1
Por que é importante selecionar apenas um professor de apoio
no início do trabalho desenvolvido com um estudante com
deficiência?

Atividade 2
Apresente as características principais da Língua Brasileira de Sinais.

Atividade 3
Explique alguns exemplos de atividades de vida diária (AVD).

REFERÊNCIAS
BOVE, M.; RIGGIO, M. La comunicación pre-linguistica com enfasis en descapacidad severa.
In: 11ª CONFERÊNCIA INTERNACIONAL PARA A EDUCAÇÃO DOS SURDOCEGOS. Anais [...]
Córdoba: IADB, 1993.
FORCHETTI, D. A história de Iago: o menino guerreiro no mundo da comunicação
alternativa. Dissertação ( Mestrado em Distúrbios da Comunicação). São Paulo, PUC/SP,
2000. Disponível em: 20 jan. 2023.
MAIA, S.; NASCIMENTO, F. A. A. A. C. Saberes e práticas da inclusão: dificuldades de
comunicação e sinalização – surdocegueira / múltipla deficiência sensorial. Brasilia: MEC,
SEESP, 2003.
VAN DIJK, J. Movement and communication with rubella children. In: CONFERÊNCIA DA
REUNIÃO GERAL ANUAL DA ORGANIZAÇÃO NACIONAL DE CEGOS DE MADRID. Madrid:
ONCE, 1968.
WINNICOTT, D.W. Preocupação materna primária. In: Textos Selecionados Da Pediatria à
Psicanálise. 4..ed. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1956.
WRITER, J. A movement-based approach to the education of students who are sensory impaired/
multihandicapped. Baltimore: Paul Brooks Publishing Co., 1993.

42 Comunicação suplementar e alternativa


3
Do concreto ao abstrato
Neste capítulo iremos aprender, por meio de exemplos práticos, do
que se trata o material composto por imagens e símbolos pictográficos
desenvolvido para a comunicação suplementar e alternativa (CSA), partin-
do dos materiais mais concretos até os mais abstratos. Apresentaremos
vários exemplos para serem aplicados em projetos escolares. Esses ma-
teriais são de baixa tecnologia, de fácil acesso e baixo custo, e conhe-
ceremos também exemplos dos de alta tecnologia, de custo mais alto e
que necessitam do apoio institucional da escola. É importante estarmos
atentos ao potencial do estudante com deficiência, ofertando uma diver-
sidade de atividades até que ele aponte os melhores caminhos para o
seu aprendizado. Para isso, é importante termos repertório tanto teórico
como prático para que os materiais adaptados realizados em sala de aula
possam servir para toda a classe e o estudante com deficiência se sinta
verdadeiramente incluído no ambiente escolar.
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• aprender por meio de exemplos práticos do que se trata o material
composto por imagens e símbolos pictográficos;

• compreender o que são materiais de baixa tecnologia, de fácil


acesso e baixo custo;

• conhecer exemplos de materiais de alta tecnologia, de alto custo e


que necessitam do apoio institucional da escola.

3.1 Como trabalhar com imagens


Vídeo e símbolos pictográficos?
Para falar do trabalho relacionado às imagens e aos símbolos, de-
vemos apresentar primeiramente o termo tecnologia assistiva ou tec-
nologia de apoio. As tecnologias assistivas consistem em serviços e
produtos capazes de compensar uma limitação funcional de uma pes-

Do concreto ao abstrato 43
soa com deficiência, oferecendo a ela mais autonomia. Podem ser equi-
pamentos, produtos adaptados ou feitos sob medida para melhorar a
qualidade de vida da pessoa com deficiência.

Figura 1
Exemplos de tecnologia assistiva

zlikovec/Shutterstock

Chansom Pantip/Shutterstock
ChooChin/Shutterstock
mady70/Shutterstock

No Brasil, no Decreto n. 3.298 de 20 de dezembro de 1999, o termo


usado é ajudas técnicas. Esses materiais garantem as adaptações tanto
ambientais, do mobiliário, material pedagógico como também próte-
ses (auditivas, visuais e físicas), órteses que facilitam a funcionalidade e
os recursos e produtos que favorecem a comunicação.

No decreto em questão consta: “os elementos que permitem compen-


sar uma ou mais limitações funcionais, motoras, sensoriais ou mentais da
pessoa portadora de deficiência, com o objetivo de permitir-lhe superar as
barreiras da comunicação e da mobilidade e de possibilitar sua plena inclu-
são social” (BRASIL, 1999). Em 2009, o Comitê de Ajudas Técnicas (CAT) fez
uma revisão bibliográfica e reformulou o conceito de tecnologia assistiva:
Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característi-
ca interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias,

44 Comunicação suplementar e alternativa


estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcio-
nalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com
deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua
autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.
(BRASIL, 2009, p. 9)

É importante conhecermos as leis e sua evolução para podermos


referendar oficialmente a necessidade de materiais e serviços que au-
xiliarão no ensino/aprendizagem do estudante com deficiência.

Na versão atualizada do Estatuto da Pessoa com Deficiência (2019;


2020, p. 38), no capítulo III (Da Tecnologia Assistiva), que trata desse
tema, encontramos na descrição geral do artigo 74 que: “É garantido à
pessoa com deficiência acesso a produtos, recursos, estratégias, práti-
cas, processos, métodos e serviços de tecnologia assistiva que maximi-
zem sua autonomia, mobilidade pessoal e qualidade de vida”.

Vamos nos deter aqui aos recursos de tecnologias assistivas que fa-
vorecem a comunicação suplementar e alternativa de estudantes com
deficiência no ambiente escolar. Para isso, antes de confeccionar o ma-
terial, é importante o professor compreender:
MayoCreative/Shutterstock

Qual a situação Quais ambientes ele Quem são seus


do estudante com frequenta? interlocutores
deficiência no (professores, estudantes
contexto escolar? e funcionários)?

A partir daí é importante conhecer qual o planejamento do profes-


sor para saber quais recursos escolher e quais estratégias são necessá-
rias para introduzir o aluno na prática.

É importante também lembrar da forma como se dão as interações


entre o estudante que se utiliza de CSA e seus interlocutores – profes-
sores, colegas e funcionários da escola. Essas relações são “marcadas
por assimetria nas formas de comunicação, pois enquanto os interlo-
cutores usam predominantemente a linguagem oral, os usuários de 1
CAA
1
empregam comunicação multimodal composta por gestos, ex- Comunicação aumentati-
va e alternativa.
pressões faciais, sistemas gráficos e vocalizações” (NUNES, 2004, p. 22).

Do concreto ao abstrato 45
Dessa forma, fica clara a importância de o interlocutor conhecer e do-
minar o uso do sistema de CSA, principalmente o professor de apoio, que
será o mediador entre os interlocutores e o estudante com deficiência.

No caso da adaptação de um material já existente, é importante sa-


ber como se deu o manuseio inicial por parte da criança e qual foi seu
desempenho no uso em uma determinada atividade proposta.

As sugestões de confecção dos recursos servem para que o professor


possa ter uma ideia de como iniciar seu trabalho. Para isso é importante
garantirmos as informações necessárias com os terapeutas que aten-
dem a criança com deficiência e saber se na prática, na escola, aquela
adaptação está sendo válida. Também é necessário pensar junto aos
profissionais da área da saúde e incluir a família – os pais são as pessoas
que conhecem a criança por mais tempo; além de colher as informações
básicas de como é essa criança em casa, como a escola vai propor essas
adaptações no campo pedagógico e como fazer com que toda a sala de
aula participe do processo. É importante dar oportunidade a todas as
crianças da classe de também serem lembradas. As atividades propostas
para a criança com deficiência devem ser pensadas de maneira indivi-
dualizada, mas dentro de um coletivo.

Leitura Sempre que possível é interessante que os materiais construídos se-


Processo de prescrição e jam confeccionados com a presença da criança, nem que seja uma parte
confecção de recursos de
ou a finalização, principalmente quando falamos em desnaturalização do
tecnologia assistiva para
educação infantil (2010), objeto. Quando partimos de algo mais concreto para o mais abstrato, fará
de autoria de Aila Rocha,
toda a diferença a criança compreender como se deu esse processo de
é uma dissertação de
mestrado que apresenta transformação. Às vezes, precisamos refazer esse trabalho ou repeti-lo al-
o que são os recursos de
gumas vezes, para que a criança aprenda de modo mais consistente.
tecnologia assistiva – de
baixa e alta tecnologia Todos os materiais confeccionados pelo professor devem ser pen-
– trazendo exemplos de
como foram aplicados sados com base na idade em que a criança ou o adolescente se encon-
em sala de aula, voltados tra. Temos de ter cuidado para não “infantilizar” a atividade. É sempre
para a Educação Infantil.
Também apresenta os mais interessante nos basearmos em imagens reais ou relacionadas a
benefícios da tecnologia um grupo de pictogramas que serão introduzidos e adequadas à idade
assistiva na inclusão do
aluno com deficiência, do estudante com deficiência.
promovendo a qualidade
de vida, autonomia e É importante apresentarmos os conceitos de imagem e pictograma.
independência. A imagem diz respeito ao que observamos com nossos olhos, mas para
Disponível em: https://repositorio. isso não basta enxergar; somos criados numa cultura que nos insere
unesp.br/handle/11449/91211.
Acesso em: 28 dez. 2022. num mundo visual nomeado e aprendemos a reconhecer e a distinguir
objetos, pessoas e lugares, por exemplo.

46 Comunicação suplementar e alternativa


O pictograma é um símbolo que representa um objeto ou concei-
to por meio de figuras. Podem ser usadas de modo individual ou na
construção de uma escrita com desenhos. Geralmente, abaixo do de-
senho está escrito o nome do símbolo – dessa forma ele pode ser
escrito em vários idiomas.
Figura 2
Conceito de imagem (a) e pictogramas (b)

Noch/Shutterstock
tiverylucky/Shutterstock

(a) (b)

Agora vamos apresentar exemplos de atividades práticas e recursos


de tecnologia assistiva de baixa e alta tecnologia. Esses materiais vão
permitir a participação do estudante com deficiência em sala de aula de
maneira mais equitativa, ou seja, ele deverá ter suas necessidades supri-
das à medida que as atividades são realizadas com o grupo e poderá ter
a oportunidade de desenvolver uma comunicação mais autônoma.

3.2
Vídeo
Recursos de baixa tecnologia
Os recursos de baixa tecnologia são confeccionados com material
de baixo custo e são construídos geralmente de maneira artesanal
e individual. Para isso, precisamos utilizar o conceito de objeto de
referência, partindo do mais concreto para o mais abstrato. Não há
uma regra: à medida que a criança com deficiência vai conseguindo
perceber o processo de desnaturalização do objeto, ela compreen-
derá a função do símbolo.

Do concreto ao abstrato 47
Vamos iniciar exemplificando com a imagem de uma colher. A
criança que sempre usou a mesma colher, ou colheres iguais, tem
a possibilidade de fazer duas transposições: a de colar a colher num
pedaço de papelão ou placa de MDF, ou a de contornar a colher, por
exemplo, de preferência em um fundo branco com tinta preta. Em al-
gumas exceções pode facilitar se o fundo for azul escuro, contornado
em amarelo, ou um fundo preto, contornado de branco. Vai depender
se a criança tem baixa visão ou alguma outra alteração visual.
Figura 3
Sequência de desnaturalização do objeto

Esses objetos podem ser organizados de maneira a serem apre-


sentados em formato de calendário. Pensando que cada objeto pas-
sa a ser representado como um símbolo, consequentemente cada
um deles passa a ser um conceito. O calendário deve conter os con-
ceitos principais que um estudante com deficiência, ao ser introduzi-
do na sala de aula, precisa conhecer. Com base na rotina da escola,
pode ser construído de maneira a concretizar as principais experiên-
cias e servir de antecipação de outras atividades. Primeiro a criança
será introduzida em cada uma das atividades de maneira individual:
atividade de artes, educação física, recreio, parquinho, trabalho em
sala de aula, horário de saída, por exemplo.

48 Comunicação suplementar e alternativa


Os materiais serão todos realizados no mesmo formato, com uma
placa no fundo que poderá ser maior ou menor. Devemos criar uma
forma de montar o calendário de maneira a guardar cada uma das
atividades de modo sequencial. Alguns exemplos são: uma caixa de
sapato do lado da outra; uma bandeja de plástico ao lado da outra;
uma caixa de sorvete do lado da outra. Esses elementos podem ser
utilizados com tampa – à medida que a criança observa a sequência
de atividades, ela vai destapando, por exemplo. É importante permitir
que ela sempre retome as atividades. Às vezes ela pode querer repetir
a atividade que já acabou ou querer pular uma atividade que não gosta
muito e assim por diante.
Figura 4
Calendário com caixas: representação da atividade de Educação Física (bola) e refeitório (colher)

À medida que a criança tem a compreensão dessa estrutura de ativida-


de, podemos passar para a introdução de figuras. É importante que essa
escolha se baseie no que a criança com deficiência já tem experiência. Se
ela já utiliza com um terapeuta algum sistema de comunicação alternativa
ou suplementar é sempre bom reforçar usando os mesmos símbolos. Isso
vai ajudar a criança a assimilar o conceito de cada um deles e começar a
compreender que eles juntos vão servir como uma escrita no uso sequen-
cial. A criança vai aprendendo que as imagens colocadas em sequência
têm uma representação a partir da qual podem construir pequenas frases.

Do concreto ao abstrato 49
1

Se a criança com deficiência ainda não se


utiliza de um sistema de comunicação, você
pode iniciar com as “pistas de imagens”. Elas

tock
se referem aos contornos de objetos, dese-

/Shutters
nhos e fotografias. A criança vai se familia-

tterstock grmarc
rizando com os símbolos (bidimensionais)

3
derivados de um objeto (tridimensional).
Como falamos anteriormente, ela pode co-

tockvector/Shu
meçar contornando esse objeto. Podemos
também tentar utilizar desenhos que já es-

erstock Reals
tejam disponíveis nos livros didáticos, por

2
exemplo, e construir as atividades basea-

SasaStock/Shutt
das no mesmo material utilizado em sala
de aula. Também podemos utilizar as fo-
3
2 1 tografias – por exemplo, podemos come-
çar com a fotografia da própria criança.
Esses exemplos se referem diretamente às crianças vi-
dentes ou que tenham bom aproveitamento da visão.

À medida que a criança adquire uma capacidade maior de abstra-


ção, ela entra em fases mais simbólicas e fica apta a trabalhar com
novos recursos. Progressivamente, ela vai compreendendo os mo-
delos de representação e acessando fases que exigirão mais de suas
Mari Muzz/Shutterstock

SasaStock/Shutterstock - 2Pineapple studio/Shutterstock


Astira 99/Shutterstock

50 Comunicação suplementar e alternativa


capacidades cognitivas. Portanto, com o tempo, a criança evolui para
modelos mais simbólicos, mas é importante perceber se ela está com-
preendendo de maneira funcional os recursos escolhidos.

Um exemplo de atividade introdutória nesse estágio mais simbólico é


fazer uma apresentação da família: uma foto da criança, com seu nome es-
crito abaixo, uma foto de cada membro da família, começando com os pais.
Devemos tomar cuidado ao propor uma atividade dessas, conhecer quem
são os membros da família nuclear da criança e perguntar a ela por onde
começar. Pode ser que ela se identifique muito com os avós. É sempre bom
que a motivação para fazer a atividade venha da criança. Essa atividade
pode ser realizada em um caderno de desenho, numa folha avulsa colocada
depois em uma pasta da criança, em um pequeno cartaz que pode ser feito
na escola e mandado para casa para ser utilizado em família.

Pressmaster/ Shutterstock

MÃE PAI EU

Uma coisa importante para se lembrar é que, geralmente, quando


inserirmos a escrita abaixo de uma fotografia ou símbolo, ela deve ser
em caixa-alta, para não só facilitar a aprendizagem da leitura, como para
apresentar a forma da escrita bastão.

Também se faz presente a possibilidade de uti-


lizar a miniatura como parte das atividades, fazen- supparsorn/ Shutterstock

do uma transição do que seria mais concreto para


o mais abstrato. Devemos ter o cuidado de lembrar
que, para uma criança com deficiência visual, o uso
da miniatura pode ser descontextualizado porque
ela não conhece o conceito apresentado. As miniatu-
ras para quem enxerga podem servir de processo de
nomeação e futuramente de pareamento de alguma
atividade em que se utilize a introdução da imagem

BOLA
(desenho, foto ou símbolo). Essa nomeação poderá
ser feita por aqueles que conseguem oralizar mini-
mamente, apontando os objetos e associando as fi-

Do concreto ao abstrato 51
guras, como forma de aprender o nome das coisas. Isso irá ajudar na
ampliação do vocabulário da criança.

À medida que a criança for expandindo seu vocabulário, podemos criar


fichários, pastas e pranchas de categorização. Esses elementos poderão ser
apresentados em formato de um dicionário, por exemplo, ou por associa-
ção de conceito. Um exemplo simples é criar uma pasta com o tema famí-
lia. As imagens podem ser apresentadas uma por página no início, sempre
associadas ao nome que está abaixo e de um tamanho que garanta a boa
visão e a compreensão delas. À medida que a criança vai se familiarizando,
a fotografia pode ir diminuindo de tamanho, mas sempre devemos ficar
atentos a uma forma que seja confortável para a criança fazer a leitura da
imagem. Podemos passar da categoria pasta para uma prancha, em que to-
das as imagens estão em um mesmo local. Podemos criar várias pastas que
vão se transformando em pranchas. Essas pranchas podem com o tempo
assumir um formato de categoria de leitura, por exemplo: no lado esquerdo
estão localizadas as pessoas (sujeitos); no centro, os símbolos que sugerem
ação (verbo); no canto direito, os complementos (adjetivos e expressões de
sentimentos). Cada uma delas terá uma cor de fundo para representar a
mesma categoria. Conforme essa prancha aumenta seu conteúdo, pode se
tornar um cardápio e conter um vasto vocabulário com várias categorias.

Sempre começamos com os símbolos os quais a criança já reconhe-


ce individualmente. Depois disso podemos somar mais símbolos até
que a criança perceba uma sequência lógica de leitura de imagem da
esquerda para a direita, como no formato apresentado na leitura/es-
crita. Lembrando que esse trabalho é feito aos poucos e no tempo da
criança. Devemos observar o quanto ela está interessada em nos con-
tar algo. Os símbolos vão nomear o que ela vai nos descrever.

Podemos criar atividades junto à criança que propiciem a leitura de


livros. Para estudantes com deficiência visual os leitores de tela são
uma ferramenta importante. Existem softwares gratuitos, pagos e na-
tivos no sistema (quando o leitor de tela já está integrado ao sistema),
que fornecem informações por meio de síntese de voz sobre os ele-
mentos exibidos na tela do computador. Esses softwares capturam as
informações apresentadas na forma de texto e as transformam em
resposta falada por meio de um sintetizador de voz. Para navegar uti-
lizando um leitor de tela, o usuário faz uso de comandos pelo teclado.

Já para crianças não verbais, se na escola há um dia de visitar a bibliote-


ca, veja quais livros do interesse dela podem ser convertidos em símbolos

52 Comunicação suplementar e alternativa


para que possam ser apresentados pela criança com deficiência para a clas-
se. Podemos apresentar uma página por vez, dependendo da disposição e
do interesse da criança. Pode ser que ela se interesse por desenhar as ilus-
trações do livro. São muitas as opções que podem auxiliar no processo de
alfabetização do estudante com deficiência e futuramente servir como uma
forma de ele ler os trabalhos/atividades feitos em sala de aula e em casa.
Figura 5
Atividade leitura de símbolos

Fonte: Daniella Forchetti.

Da mesma forma que trabalhamos com a imagem para introduzir a


criança na leitura dos símbolos, podemos criar atividades para introduzi-la
ao conceito matemático. Pensando na desnaturalização do objeto, come-
çamos com o concreto e vamos em direção ao conceito mais abstrato.
Existem muitas atividades/materiais realizados no método Montessori que
favorecem isso. Podemos começar com a contagem com o uso de palitos
de sorvete; esses palitos depois podem ser contornados e apresentados
com o numeral. Outra atividade que pode ser realizada é contar as frutas
na árvore, que pode ser feita desde uma forma mais concreta, se houver

Do concreto ao abstrato 53
a possibilidade de a criança estar num ambiente na natureza e brincar de
criar sua própria árvore tridimensional; ou pode ser feita no papel/feltro
para fazer a contagem da quantidade das frutas. A árvore pode ser trans-
formada em símbolo e passar para o papel junto ao numeral. Podem ser
feitas inúmeras formas de pareamento com os símbolos associados aos
números. Essa é uma atividade para ser feita ao ar livre, no pátio da escola.
Partindo dessa imagem real ela vai construir com o professor e até junto
aos colegas sua própria árvore, que pode ser também de brinquedo – vai
depender do quanto a criança consegue abstrair.
utterstock
ChiccoDodiFC/Sh

MAÇÃ

Geralmente a criança que já está utilizando símbolos é assistida por


um fonoaudiólogo que faz o acompanhamento e a introdução desse
trabalho. É importante alinhar o que está se fazendo na escola com o
que se faz nas terapias, para que a criança perceba a possibilidade de
se comunicar em diferentes ambientes e que também perceba o que
poderá usar em casa e com seus colegas fora da escola. Um ambiente
imersivo apoiado pelos recursos trará mais autonomia à criança com
deficiência, tornando-a protagonista no seu processo de comunicação.

3.3 Recursos de alta tecnologia


Vídeo
Os recursos de alta tecnologia estão associados a um alto custo e
são fabricados em larga escala, requerendo uma mão de obra espe-
cializada. Para as atividades desenvolvidas em sala de aula podemos
dar exemplo de materiais que podem ser utilizados no trabalho com
o estudante com deficiência. Programas de comunicação alternativa e

54 Comunicação suplementar e alternativa


aumentativa, mesmo quando se tratam de aplicativos gratuitos, serão
usados em um tablet, que terá um custo para a família. Existem tam-
bém sistemas de comunicação alternativa e suplementar que geral-
mente são utilizados em consultórios de fonoaudiólogos e terapeutas
ocupacionais. Eles também podem ser instalados nos tablets e compu- Figura 6
Teclado adaptado com
tadores da criança com deficiência, mas têm o custo do aparelho e das colmeia transparente
manutenções. Também temos a possibilidade de acoplar uma colmeia
ao teclado, para facilitar a digitação de estudantes com paralisia cere-
bral, por exemplo.
1
Algumas escolas públicas , atualmente, oferecem tan-
to um tablet como um computador para os estudantes
k
com e sem deficiência, mas percebemos que nem sem- rstoc
rt/S hutte
pre eles são compatíveis com aplicativos de comunicação t n i kov_a
Reshe
suplementar e alternativa. Portanto, a família acaba tendo que 1
arcar com essas despesas. Também é comum que crianças que fazem As escolas públicas
municipais no estado de
acompanhamento com fonoaudiólogos usem um sistema de comu- São Paulo contam com
nicação pago. Outros recursos oferecidos para os computadores é a o empréstimo de tablets
e computadores para os
linha braile, um aparelho capaz de converter instantaneamente os tex- estudantes, e a família
tos ou dados dos computadores, dispositivos móveis ou de uma me- recebe por consignação,
mas esses aparelhos não
mória interna para uma linha de texto em alto relevo usando o Sistema são compatíveis com o
Braille (para estudantes cegos e surdocegos), e aplicativos que realizam aplicativo LetMeTalk. Em
outras regiões do Brasil,
a tradução para a Língua Brasileira de Sinais para estudantes surdos – essa realidade pode ser
ambos podem ser baixados gratuitamente. diferente.

Figura 7
Linha braile em um teclado
Reshetnikov_art/Shutterstock

Do concreto ao abstrato 55
Artigo

http://tecnologiaseinclusao.pbworks.com/f/CAA%20escrita.pdf

O artigo A comunicação alternativa escrita (2003), de Miryam Pelosi, aponta


para a importância do computador na escola como um instrumento
fundamental para a inclusão de alunos com dificuldade de comunicação,
tanto oral como escrita. Mas para isso é importante que os professores
tenham uma formação no uso da informática como recurso de trabalho
juntamente à comunicação suplementar e alternativa e suas adaptações.

Acesso em: 29 dez. 2022.

Já para estudantes com deficiência neurológica e física, a escola pode


solicitar quando necessário um acionador adaptado para ser utilizado tanto
no tablet como no computador. Ele também pode ser colocado em brin-
quedos para os tornar mais interativos para as crianças. Geralmente, esses
acionadores são adaptados pelo terapeuta ocupacional que poderá orien-
tar a escola em como melhor proceder em sala de aula e nas atividades.
Figura 8
Computador com mouse adaptado

Reshetnikov_art/Shutterstock

Pensando em uma atividade de confecção de livros, além da possibi-


lidade impressa do material, podemos criar audiolivros com audiodes-
crições, assim como videolivros, com a inserção da Língua Brasileira de
Sinais (Libras). Em ambos os formatos podemos trabalhar com os picto-
gramas, selecionando os símbolos principais para criar as frases do livro.
Caso o estudante tenha baixa visão ou seja uma criança cega, poderá se
beneficiar do material e compartilhar com os outros colegas que enxer-
gam. A audiodescrição é um recurso de acessibilidade comunicacional
que traduz o que é visual em palavras para o público com deficiência
visual de maneira clara, concisa e objetiva. O audiodescritor deve ser um

56 Comunicação suplementar e alternativa


profissional que fará tanto o roteiro como a narração e gravação do áu-
dio. No caso dos videolivros, podemos utilizar o apoio de um intérprete
de Libras para gravar e inserir em formato de janela de Libras, geral-
mente no canto direito abaixo da tela. Videolivros são livros que contém
uma gravação de uma história realizada por meio da Língua Brasileira
de Sinais para o público surdo. Esses livros podem ser gravados e com-
partilhados pelo computador ou tablet do estudante com deficiência. É
importante que a escola tenha acesso ao apoio tanto do audiodescritor
como do intérprete de Libras para poder trabalhar em conjunto.

Artigo

https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/54666

Livro em Multiformatos: o espelho mágico (2020) é um artigo que fala das


possibilidades de criação de um livro acessível em multiformatos e como
criar um texto literário para o maior número de pessoas possível, na perspec-
tiva do desenho universal. O artigo traz ilustrações dos livros para inspirar
como é possível trabalhar desde um texto impresso até o compartilhado pelo
computador, com o uso de softwares livres.

Acesso em: 29 dez. 2022.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É muito importante, para a criança desenvolver sua autonomia, que, ao
inserirmos um recurso de tecnologia, ele deva estar contextualizado no am-
biente escolar, pois servirá de apoio para as atividades a serem desenvolvi-
das pelo professor. Essas atividades deverão ser elaboradas pelo professor
de educação em conjunto com o e professor de sala de recurso, no caso de
escolas públicas.
Também devemos pensar que quem será o introdutor desses recursos
na escola é o professor de apoio. Ele será o mediador entre a criança com
deficiência e o professor e colegas de classe, por isso será a peça chave para
que efetivamente se ponha em prática esses recursos, devendo ser instrumen-
talizado pelos profissionais especializados na área de Educação Especial, e o
professor de sala de aula deve ser como um parceiro para tornar o ambiente
escolar mais inclusivo. Caso não tenha um professor de apoio, é importante ter
outro professor disponível em sala de aula para fazer esse papel, de preferên-
cia sempre o mesmo, para que possa entender como funciona esse processo
de adaptação, aplicação nas atividades e apoio na rotina escolar.
A escola por si só deve estar preparada e equipada para receber os
estudantes com deficiência de maneira planejada e antecipada. Esses ma-
teriais e equipamentos devem estar integrados ao ambiente escolar e de-

Do concreto ao abstrato 57
vem ser apresentados para todos os estudantes, com e sem deficiência,
para que compreendam o que cada material de apoio pode proporcionar e,
sempre que possível, para proporcionar uma experiência coletiva. Esses en-
sinamentos não só apoiarão o estudante com deficiência como mostrarão
que, com a convivência, podemos construir um território de diversidade,
em que todos se sintam parte, respeitados em sua individualidade, num
ambiente que preze a equidade.

ATIVIDADES
Atividade 1
Antes de confeccionar o material de apoio para o estudante com
deficiência, o que é importante o professor compreender?

Atividade 2
Diferencie os conceitos de imagem e de pictograma.

Atividade 3
Para a confecção de um livro adaptado, aborde pelo menos duas
possibilidades de criação dessa atividade.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto n. 3298 de 20 dezembro de 1999. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 21 dez. 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/decreto/
d3298.htm. Acesso em: 3 jan. 2023.
BRASIL. Estatuto da Pessoa com Deficiência 3 ed. Brasília: Senado Federal, Coordenação
de Edições Técnicas, 2019. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/
handle/id/554329/estatuto_da_pessoa_com_deficiencia_3ed.pdf. Acesso em: 20 jan. 2023.
BRASIL. Tecnologia Assistiva. Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa
com Deficiência. Comitê de Ajudas Técnicas. Brasília: CORDE, 2009. Disponível em: https://
www.assistiva.com.br/Tecnologia%20Assistiva%20CAT.pdf. Acesso em: 3 jan. 2023.
NUNES, L. R. d’ O. P. (org.). Favorecendo o Desenvolvimento da Comunicação em Crianças e
Jovens com Necessidades Educacionais Especiais. Rio de Janeiro: Qualitymark Editora, 2004.

58 Comunicação suplementar e alternativa


4
LetMeTalk: aplicativo
de comunicação
Neste capítulo aprenderemos na prática como utilizar o programa de
comunicação suplementar e alternativa do aplicativo LetMeTalk – como ele
funciona, qual público pode utilizá-lo e em quais situações comunicativas
do dia a dia escolar podemos empregá-lo. Também aprenderemos a criar
diversas atividades usando o aplicativo, com a possibilidade de elas serem
impressas em formato de cardápios, livros e cadernos de comunicação. O
LetMeTalk foi selecionado para ser apresentado nesta obra porque várias
pesquisas em universidades apontam os benefícios que ele traz, por ser
de fácil acesso às famílias com crianças com deficiência e uma forma de
introduzir a comunicação suplementar e alternativa, além de ser gratuito.
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• aprender a utilizar o aplicativo LetMeTalk, inclusive em diversas
situações comunicativas do dia a dia escolar;

• aprender a criar várias atividades a partir do aplicativo que po-


dem ser impressas em formato de cardápios, livros e cadernos
de comunicação.

4.1 Apresentação do aplicativo


Vídeo
O LetMeTalk é um aplicativo gratuito para Android e iOS que visa com-
pensar as dificuldades na área da comunicação e linguagem por meio de
imagens. Ele pode ser baixado no tablet e depois utilizado sem o usuário
estar conectado à internet. É importante ressaltar que o tablet é mais
versátil, pois o usuário tem autonomia para levar consigo em diferentes
ambientes. O público que pode se beneficiar com o uso desse material
é amplo: pessoas com paralisia cerebral e outros quadros neurológicos,

LetMeTalk: aplicativo de comunicação 59


pessoas com autismo, pessoas com deficiência intelectual e síndrome de
Down, pessoas com deficiência auditiva e como apoio às pessoas com
dificuldade na leitura e escrita. Também pode ser utilizado por: idosos,
pessoas em internação hospitalar privadas da comunicação oral e para
aprender uma segunda língua, no caso de estrangeiros.

Os benefícios encontrados foram: melhora da atenção e da con-


centração nas atividades; colaboração com a percepção e com o re-
conhecimento das informações; e auxílio para a memória e para o
aprendizado, facilitando a recordação dos vários tipos de conhecimen-
to (PREECE; ROJERS; SHARP, 2005).

O aplicativo contém mais de 9 mil pictogramas do Centro ­Aragonês


de Comunicação Aumentativa e Alternativa (ARASAAC) e é financiado
pelo Departamento de Educação, Cultura e Desporto do Governo de
­Aragão, da Espanha. Ele dá suporte à comunicação, permitindo ao
usuário selecionar imagens e construir frases que podem ser lidas uti-
lizando o programa de voz sintetizada do dispositivo.

Além dos pictogramas instalados, é possível adicionar imagens ar-


mazenadas no dispositivo, ou inserir fotografias enviadas por e-mail
e baixadas, ou utilizar a câmera do dispositivo. Os pictogramas são
elementos visuais que compõem um sistema de sinalização e comuni-
cação com representação figurativa e capacidade de comunicar men-
sagens simples e complexas com base na combinação de símbolos
gráficos: objetos, representações e conceitos.

O ARASAAC (2023) pertence à área de inovação e formação profissional do go-


verno da Espanha em colaboração com pesquisadores de todo mundo e oferece:
recursos gráficos e materiais adaptados sob licença Creative
Commons (BY – NC – SA) para facilitar a comunicação e a aces-
sibilidade cognitiva a todas as pessoas que, por diferentes razões
(autismo, deficiência intelectual, ausência de linguagem, idade,
Site etc.), apresentam sérias dificuldades nestas áreas que impedem a
sua inclusão em qualquer domínio da vida quotidiana.
O site da ARASAAC pode
ser acessado por meio do Trata-se de um portal que financia um banco de imagens, pictogramas, locu-
link a seguir. ções e vídeos ligados à comunicação suplementar e alternativa. Você pode
Disponível em: https://arasaac.org/.
encontrar as informações da página em várias línguas – selecione português.
Acesso em: 2 jan. 2023. Atualmente encontramos uma versão para o português do Brasil, colaborando
para a formação de um vocabulário imagético. Também podemos encontrar
(Continua)

60 Comunicação suplementar e alternativa


muitas dicas de material adaptado e conhecer mais como surgiu o aplicativo
LetMeTalk.
Ainda é possível acessar o banco de pictogramas (por meio do link ­https://ara-
saac.org/pictograms/search) para fazer a seleção completa de imagens para
suas atividades e a impressão do tamanho e da forma que for mais conveniente
para seus estudantes (escreva “Português do Brasil” na barra de busca).
Figura 1
Banco de imagens – Pictogramas ARASAAC

Leitura
Kamyla Soares, na
dissertação Design de
interação e comunicação
aumentativa e alternativa
(CAA): uma análise da
usabilidade de aplicativos
CAA com especialistas em
reabilitação de autistas, tem
como objetivo avaliar a
Fonte: ARASAAC, 2023. usabilidade de aplicativos
de comunicação aumen-
tativa e alternativa (CAA)
na preparação do material
É importante recordarmos que entre os pictogramas temos aqueles
destinado à reabilitação de
com maior ou menor complexidade, dependendo do nível de abstração pessoas autistas feita por
especialistas. Foram ana-
ou convenção, quando a imagem está relacionada à língua de sinais
lisados vários aplicativos,
(gestual). A organização das pranchas de comunicação e a forma como entre eles o LetMe Talk e o
Symbol Talk. Foram encon-
são distribuídos os pictogramas são essenciais para dar maior velocida-
trados vários benefícios do
de à comunicação, permitindo a busca de imagens mais precisas. LetMe Talk em relação aos
outros, como a funcionali-
Muitas vezes as famílias já trazem de casa algum material de apoio, dade e a usabilidade.

que deve ser utilizado na escola para saber se poderá auxiliar também Disponível em: https://
na sala de aula. Geralmente, esses materiais são confeccionados por www.udesc.br/arquivos/
ceart/id_cpmenu/1229/
profissionais das áreas de fonoaudiologia e terapia ocupacional ou in- Disserta__o_Kamyla_Lemes_
dicados pelo professor de sala de recursos. Se o estudante faz uso de Soares_15718347779443_1229.
pdf. Acesso em: 2 jan. 2023.
um aplicativo diferente do sugerido aqui, vale a pena lembrar que o

LetMeTalk: aplicativo de comunicação 61


professor deve conversar com a família e com os terapeutas para com-
preender desde quando começaram o uso do material adaptado e o
porquê dessa escolha. Não é recomendado o uso de sistemas diferen-
tes, pois primeiro o estudante deve ter conhecimento de uma forma;
caso ele não se adapte ou necessite de uma ampliação, devemos pro-
curar algo mais adequado às suas necessidades.

É importante pontuar que na pesquisa realizada por comparativo


entre aplicativos que se utilizam de sistemas de comunicação suple-
mentar e alternativa o LetMeTalk ficou entre os dois mais bem cota-
dos, apresentando melhores ajustes e adequações às necessidades
diversas de pessoas com deficiência. No quesito funcionalidade,
­observamos que ele apresenta: possibilidade de inserção de pictogra-
mas, inserção de fotos e imagens, divisão por categorias, sistemas de
cor (contorno do símbolo), cadastro de usuários, alteração do tama-
nho das imagens, mudança de posição das categorias e pictogramas,
saída de áudio/voz, limite de símbolos na frase, e posição dinâmica do
tablet – horizontal e vertical (SOARES, MAGER; 2020).

4.2 Uso em situações comunicativas


Vídeo
Para começar, vamos aprender como usar o aplicativo? A seguir
faremos uma descrição dos primeiros passos para o professor se
apropriar do conteúdo e colocá-lo em prática de maneira efetiva.
Teremos duas formas distintas: uma para iOS e outra para Android.
Para tablets e celulares iOS o aplicativo deve ser baixado pela App
Store. Você encontrará muitas opções gratuitas, mas é importante
ficar atento ao ícone verde com balão de fala branco. Para tablet e
1 celulares na versão ­Android você pode baixar pelo Aptoide App .
1

Disponível em: https://letmetalk. Acesse o link indicado, entre nas configurações do seu tablet/celular
br.aptoide.com/app. Acesso em: 2
jan. 2023.
e dê permissão para instalar (é ­possível que ele abra direto, vai de-
pender das configurações de segurança do seu aparelho). Você tam-
bém tem a opção de baixar o aplicativo escaneando um QR code.
Você perceberá que as versões são similares.

Como sugestão, você pode deixar um ícone sozinho em uma tela


para o próprio estudante abrir o aplicativo de modo mais autônomo.

62 Comunicação suplementar e alternativa


Figura 2
Ícone do aplicativo

Fonte: LetMe Talk, 2022.

Para tablets e celulares Android


Na barra superior, no canto esquerdo, há a indicação da página inicial
do aplicativo. No canto direito estão cinco ícones, que representam as se-
guintes ações: apagar o pictograma; enviar por e-mail ou compartilhar;
(+) adicionar imagem/pictograma, tirar uma foto, adicionar imagem/foto
da galeria ou adicionar nova categoria; doação; e menu de configurações.
Figura 3
Interface no Android

Fonte: LetMeTalk, 2022.

Na barra de baixo, no canto direito, há uma seta grande que serve


para fazer a leitura dos ícones selecionados. Nela é onde se escreve

LetMeTalk: aplicativo de comunicação 63


com as imagens/pictogramas selecionadas das categorias (geral, famí-
lia, comer, beber).

Na parte inferior ficam as categorias e os pictogramas apresenta-


dos como sugestão pelo aplicativo. Lembre-se de que teremos que ir
nas configurações e selecionar “Português do Brasil”. Fique atento pois
também encontramos a tradução “Português de Portugal”.

Para iPhones e iPads iOS


Na versão para iOS, no canto superior direito há o ícone (+) adi-
cionar imagem/pictograma, tirar uma foto, adicionar imagem/foto
da galeria ou adicionar nova categoria. Na barra de baixo, no canto
direito, há uma seta grande que serve para fazer a leitura dos íco-
nes selecionados. Nessa barra podemos escrever com as imagens/
pictogramas selecionadas das categorias (geral, comida, bebida…). Na
barra inferior, no canto direito, está a lixeira, que servirá para apagar
as imagens da barra principal de escrita/leitura. No canto abaixo, es-
querdo, está o ícone de uma engrenagem, que se refere às configu-
rações, bem como compartilhar e suporte e dados da licença (sobre).
No caso desse aplicativo, como ele traz menos controles na tela, o
manuseio é facilitado para o estudante. Também não encontramos o
ícone de doação, que nos remete à outra página.
Figura 4
Interface no iOS

Pressmaster/ Shutterstock
1
1

Fonte: LetMe Talk, 2022.

64 Comunicação suplementar e alternativa


Como sugestão, na barra de leitura/escrita há dois exemplos de
como podemos escrever a informação da imagem. Ela pode ser escrita
com todas as letras em caixa-baixa ou caixa-alta. Sugerimos utilizar a
caixa-alta, já que a criança pode estar sendo alfabetizada em letra de
fôrma, para facilitar o pareamento. Também facilita a visualização na
tela, já que é de um formato maior. Como em ambas as versões as
palavras são escritas em caixa-baixa ou a primeira em caixa-alta e o
restante em caixa-baixa (nas categorias), teremos o cuidado de fazer
todos os ajustes antes de passar para o estudante. Também é impor-
tante fazer essa correção a cada palavra nova introduzida.

Outra informação relevante é que em ambas as versões o apare-


lho foi utilizado na horizontal. Esse formato oferece mais espaço na
barra de leitura/escrita para visualizarmos as imagens. Pode deixar
fixado dessa forma.

Feito todos os ajustes, o estudante poderá utilizar o aplicativo na


escola para interagir com seus colegas. Isso otimiza a amizade entre
seus pares e com seus professores, para poder fazer suas perguntas
e respondê-las, para comunicar seus desejos e vontades, se quer ir ao
banheiro, comer ou beber água, por exemplo. Ele desenvolverá maior
autonomia e se sentirá apoiado na sua forma de aprender e ter conta-
to com o conteúdo apresentado para todos da classe. Da mesma ma-
neira, é interessante que seus colegas tenham acesso a esse material.
Como ele é muito rico em imagens, poderá auxiliar outros estudantes,
além de ser importante os colegas aprenderem como o estudante com
deficiência se comunica, para poder apoiá-lo e saber o tempo necessá-
rio entre as perguntas e respostas, por exemplo.

Por último, devemos relembrar a importância da tecnologia assistiva


para o uso dos tablets. Devemos dar oportunidade para que a criança
com deficiência possa desenvolver seu potencial e autonomia no uso
do tablet. Para isso, devemos oferecer formas diferentes de ela acionar
os símbolos na tela. Se caso a criança não tiver essa possibilidade inicial
de fazer sozinha o movimento de ligar/desligar e tocar a tela, é impor-
tante pensarmos em acionadores adaptados para ela poder utilizar o
tablet sempre que possível e autonomamente. O aplicativo não apre-
senta um sistema de varredura de tela, para isso exigiria o uso de outro

LetMeTalk: aplicativo de comunicação 65


sistema de comunicação suplementar e alternativo de custo mais alto.
Mas vale observar como podemos adaptar para que a criança possa,
mesmo com o auxílio de um adulto, ser introduzida no sistema. Nesse
caso, devem ser pensadas novas formas para que estudantes tetra-
plégicos, devido à limitação de movimento de mãos, braços, pernas e
cabeça, não percam a oportunidade de se comunicar com autonomia.

No início, pode ser difícil para muitas crianças acionar apenas uma
vez o símbolo devido ao peso do dedo na tela – algumas usam mais for-
ça, outras menos. A mediação de um adulto fará toda a diferença, por
isso a importância de um professor de apoio em uma escola pública,
que já tem esse papel designado, uma vez que as crianças podem não
se desenvolver de maneira totalmente autônoma e precisarão sempre
de um mediador no uso do tablet. Outras, com o tempo, ou com os
anos, conseguem chegar a esse patamar de independência. O mais
importante é que elas possam ter a possibilidade de desenvolver sua
comunicação e o aprendizado escolar.

4.3 Criação de atividades


Vídeo
Vamos começar com exemplos mais simples de introdução ao uso do
aplicativo. Primeiro, é importante que antes de experimentar o uso dos pic-
togramas no tablet o estudante tenha a possibilidade de ser apresentado
aos símbolos pictográficos em um formato impresso, para que ­possamos,
inclusive, saber qual o tamanho ideal do símbolo. Isso vai ­variar de criança
para criança, mas devemos saber que o tablet também tem uma limitação
de tamanho que pode não ser suficiente para o estudante. Como já men-
cionamos, para selecionarmos a categoria, é sempre bom começar com
um tema que a criança aprecie. Comida, bebida, brinquedos, brincadeiras
e família são os exemplos mais comuns. Selecionada a categoria, vamos
apresentando um ícone por vez. Como vimos, pode ser que na tradução
do português de Portugal para o brasileiro tenhamos de ajustar a nomen-
clatura. Para isso devemos ir no sinal (+), no canto superior direito, e re-
nomear o pictograma. Podemos fazer isso com todos, inclusive quando
inserimos uma fotografia da própria criança ou de um membro da família.

Sabendo que a criança já se utiliza de um símbolo de maneira isolada,


podemos montar categorias com uma prancha com velcro removível. A

66 Comunicação suplementar e alternativa


prancha pode ser confeccionada com a base em papelão forrado com pa-
pel contact transparente ou uma placa fina de MDF. Temos por preferência
a segunda opção, pois as placas são mais duráveis e podem ser compradas
ou confeccionadas em lojas de artesanato a um baixo custo. Os velcros são
colados na base, e podemos iniciar com quatro ou seis ícones, introduzidos
um a um. Podemos pensar na categoria comida e selecionar quatro tipos de
frutas que a criança mais gosta – banana, melancia, uva e manga, por exem-
plo. Estas serão, depois de impressas, conferidas pela criança para saber se
ela se interessa e se desenvolveu independência para selecioná-las.

Vale ressaltar que para fazermos a impressão dos pictogramas para


a confecção de pranchas/cadernos de leitura devemos primeiro esco-
lher a imagem ou um grupo de imagens, selecionar no aplicativo o íco-
ne “enviar” (em formato de seta) localizado no canto direito e enviar
para um e-mail. Será necessário ter uma conta salva no tablet, que ser-
virá de apoio para enviar as imagens aos professores, terapeutas etc.
Ao receber o e-mail, podemos selecionar para imprimir. Nesse caso,
configuramos o tamanho da imagem e como ela deva ser apresentada
na impressão, seja em série formando uma frase ou de maneira isola-
da, para ser recortada e aplicada numa placa, por exemplo.

A organização dos símbolos na prancha também é importante. Como


falamos nas categorias, essa organização ajudará a criar espaços com as
mesmas temáticas, em que a criança pode otimizar o espaço da tela princi-
pal para ter uma visão geral de todas as categorias. Mas pode ser que essa
forma não seja a ideal e seja necessário colocar todos os símbolos na pri-
meira tela para que a criança possa utilizar de maneira independente. Cada
criança será de uma forma. Outras podem já se apoiar com o contorno co-
lorido do símbolo. Os contornos servem de apoio visual para compreen-
der se na estrutura de escrita a imagem representa pessoas, substantivos,
verbos ou adjetivos, por exemplo. Para inseri-los você deve apertar sobre
o ­pictograma. Aparecerá algumas categorias, selecione “Mudar cor de fun-
do”. Essas categorias podem ser inspiradas no programa criado pelo ­Picture
Communication Symbols (PCS), com o contorno do símbolo no aplicativo. Por
exemplo: o contorno das pessoas é amarelo; o de verbos é verde; o de subs-
tantivos é alaranjado; e o de adjetivos é azul. As cores ajudarão a introduzir
conceitos gramaticais e o início da estruturação de frases.

LetMeTalk: aplicativo de comunicação 67


Figura 5
Pictogramas com cores diferentes de fundo

Pressmaster/ Shutterstock
1

1
Fonte: Elaborado pela autora com base em LetMeTalk, 2022.

À medida que o estudante começa a reconhecer as figuras e fo-


rem sendo introduzidas as letras para o processo de alfabetização,
podemos fazer pranchas com o alfabeto móvel, de modo que o es-
tudante possa criar as palavras, tanto no tablet quanto fora dele.
Esse alfabeto móvel é muito utilizado na alfabetização no método
­Montessori. Você pode encontrar esse material pronto, impresso em
placas de MDF e pequenos cubos, ou pode fazê-lo com a impressão
das letras. Sugerimos manter o padrão vogais em vermelho e con-
soantes em azul, por exemplo, para a criança ter o apoio de fundo
para distinguir os conceitos.
Figura 6
Alfabeto móvel

68 Comunicação suplementar e alternativa


Caso a criança ainda reconheça apenas as vogais e poucas consoantes,
podemos montar uma prancha de letras, podendo estas serem de velcro,
como apresentado anteriormente, ou como uma categoria no tablet.
Figura 7
Prancha de letras no aplicativo LetMeTalk

Pressmaster/ Shutterstock
1

1
Fonte: Elaborado pela autora com base emLetMeTalk, 2022.

Como sabemos, o tablet tem uma quantidade limitada de símbolos


para leitura na barra de ferramentas, mas isso não nos impede de criar
frases que possam gerar uma história ou um livro. Essa experiência pode
ser totalmente composta de símbolos ou símbolos acompanhados da
escrita. Tudo é possível pelo tablet. É muito importante lembrarmos da
possibilidade de a criança acionar o ícone de leitura sobre o que escreveu.
Isso dará a ela a possibilidade de ouvir sua produção e retroalimentar sua
audição, para que futuramente consiga evocar algum vocábulo.

A seguir compartilhamos uma atividade criada com base no livro ­Olfato


(2020) distribuído na coleção de livros das escolas municipais da cidade de
Campinas, em São Paulo. Foram utilizados os símbolos com a escrita apre-
sentada a seguir, com destaque no artigo o, que a criança já reconhece. Da
mesma forma, entre os ícones há pictogramas com figuras representativas,
baseadas na língua de sinais, em gestos naturais e em uma fotografia. Essa
atividade iniciou-se em casa com a família, que leu o livro e depois reconhe-
ceu junto da criança os ingredientes que tinham em casa e eram citados na
obra. Esses ingredientes foram selecionados e apresentados para a criança,
fotografados e colocados junto da impressão do livro. A criança, em segui-
da, teve a possibilidade de fazer um pareamento do símbolo com a foto.

LetMeTalk: aplicativo de comunicação 69


Todas essas são camadas mais ou menos abstratas dos símbolos.
Portanto, mesmo com o livro tendo uma mesma narrativa, o que cada
criança apreende dele pode variar. Podemos observar o interesse dela
nos personagens principais, em como eles se relacionam na história ou
algum tipo de identificação com a sua própria realidade, criando uma his-
tória paralela. Depois, em sala de aula, a criança apresenta para a classe
seu livro impresso e no tablet com os símbolos dispostos, para que o apa-
relho faça a leitura oral para a criança que necessita dessa suplementação.
Figura 8
Atividade livro do Olfato

LIVRO DO OLFATO
Leitura
Recomendamos a leitura
do fascículo produzido
por Sartoretto e Bersch,
A educação especial na pers-
O mundo feito cheiros bom ruim cheiramos nariz
pectiva da inclusão escolar.
Recursos pedagógicos aces-
síveis e comunicação au-
mentativa e alternativa, que
faz parte de uma coleção
de obras sobre Educação
Especial na escola comum.
A coleção tem por objetivo
repensar o trabalho de
gestores e professores do
atendimento educacional
especializado (AEE) da
escola e instruir como tem cheiro gostoso vontade de comer
utilizar os recursos peda-
gógicos acessíveis como
facilitadores da aprendiza-
gem na escola e fora dela.
Também apresenta os ma-
teriais, desde a seleção até
a confecção e indicação,
que servirão de orientação
aos professores, no intuito feijão hortelã alho cebola pão
de eliminar barreiras
de qualquer natureza e
apoiar a aprendizagem. Fonte: Daniella Forchetti.

Disponível em: https://repositorio. Para finalizarmos as sugestões, é bom lembrarmos da possibilidade


ufc.br/handle/riufc/43218. Acesso
em: 2 jan. 2023.
de imprimir um calendário para a criança. É importante recordar o quan-
to os símbolos podem apoiar essa rotina dentro da escola, que pode

70 Comunicação suplementar e alternativa


ser também expandida e modificada à medida que a criança passa a
conhecer o sistema de comunicação. Esse calendário passa a apoiar a
criança na compreensão da rotina escolar e, quando possível, dá a ela a
possibilidade de poder opinar nas atividades ou na sequência à qual ela
será apresentada no dia ou na semana. Também auxiliará na memoriza-
ção e ajudará a criança a se sentir mais segura dentro dessa experiência.
Figura 9
Calendário com símbolos

Fonte: Daniella Forchetti.

Segundo Sartoretto (2010, p. 16), devemos ter o cuidado de não pri-


var a participação dos estudantes com deficiência em sala de aula tam-
bém pela falta de acessibilidade.
Alunos com impedimentos na expressão oral utilizam as pran-
chas de comunicação para expressarem sua compreensão e
interpretação daquilo que está sendo lido. Os recursos devem
sempre mediar a ação que se realiza entre o aluno e o texto e
possibilitar que o professor da classe comum interprete o pro-
cesso de aquisição de conhecimento que está sendo construído
pelo aluno e planeje suas intervenções.

Como podemos observar, por meio da prática contínua podemos apri-


morar o uso do programa LetMeTalk – isso vale para nossos estudantes.
Primeiro é importante aprendermos como utilizar o aplicativo, pensando
em como poderemos oferecer de maneira segura e cuidadosa as ativida-
des que apoiarão nossos estudantes em sala de aula.

LetMeTalk: aplicativo de comunicação 71


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo procurou compartilhar, em primeiro lugar, como pode-
mos efetivamente compreender o uso do aplicativo LetMeTalk como um
sistema de comunicação suplementar e alternativa, desde a elaboração
de atividades até o momento de colocá-las em prática.
Os professores devem aprender a se familiarizar com o tablet e todas as
possibilidades que o aplicativo apresenta para que possam criar os materiais
e as atividades dentro do seu contexto escolar e, assim, se sintam aptos a
apoiar a comunicação da criança com deficiência. Somente dessa forma o es-
tudante poderá se apropriar do conteúdo e utilizá-lo de modo que lhe traga
mais autonomia, dentro de suas possibilidades comunicativas. Caso o estu-
dante já venha com um material de apoio, criado pelos terapeutas e pais, o
professor deverá compreender de que forma o material poderá ser utilizado
em sala de aula para promover a inclusão do estudante no contexto escolar.
Os materiais apresentados aqui servem de sugestão para que os
professores possam se inspirar e compreender que temos um passo a
­passo nesse processo: primeiro observamos a criança, suas relações com
o mundo e como ela se expressa; depois fazemos uma proposição inicial
de atividade, baseada na escuta da família e nos trabalhos realizados pe-
los terapeutas, caso ela venha sendo acompanhada na reabilitação; após
é necessário compreendermos a relação entre sala de recurso e sala de
aula, como um processo que vai se construindo a partir das devolutivas
da criança; por fim reconheceremos a importância do professor de apoio
(nas redes públicas) como mediador do uso do tablet e responsável pela
apresentação do sistema de comunicação alternativa e suplementar no
dia a dia da escola para o estudante com deficiência.
Todas as atividades aqui apresentadas foram contextualizadas em sala
de aula, procurando o compartilhamento delas, de maneira síncrona, com
todos os estudantes. Lembrando que as atividades também podem es-
tar mimetizadas em alguns momentos e todos podem utilizar de modos
diversos o mesmo material de apoio, compondo cada um uma relação
diferente, cada qual dentro do seu potencial.
Esses materiais podem e devem ser compartilhados com as famílias,
para que elas também compreendam o que se passa em sala de aula
e promovam a continuidade dessas atividades em casa. Também es-
peramos que as famílias, depois de assistidas e apoiadas nas questões
­técnicas, como no uso do tablet, possam ter a independência de criar
com seus filhos novas atividades e, principalmente, saber compartilhar o
cotidiano da família. É uma via de duas mãos.

72 Comunicação suplementar e alternativa


Nesse processo de ensino/aprendizagem quem ganha é a criança,
que contará com os recursos profissionais, técnicos e instrumentais para
desenvolver seu potencial em sala de aula em uma relação equitativa. A
inclusão se faz na prática, construída dia a dia em sala de aula.

ATIVIDADES
Atividade 1
Quais são os benefícios do uso de sistemas de comunicação suple-
mentar e alternativa?

Atividade 2
Qual a diferença na interface do aplicativo LetMeTalk do Android
para o iOS?

Atividade 3
Como a atividade de criação de um calendário pode auxiliar na
escola?

REFERÊNCIAS
ARASAAC – Centro Aragonês de Comunicação Aumentativa e Alternativa. ARASAAC, 2023.
Página inicial. Disponível em: https://arasaac.org/. Acesso em: 3 jan. 2023.
GUILLEN, G. O livro do olfato. São Paulo: Editora Elo, 2020.
PREECE, J.; ROJERS, Y.; SHARP, H. Design de interação: além da interação homem-computador.
São Paulo: Bookman, 2005.
SARTORETTO, M. L.; BERSCH, R. de C. R. A educação especial na perspectiva da inclusão
escolar. Recursos pedagógicos acessíveis e comunicação aumentativa e alternativa.
Brasília: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Especial, 2010.
SOARES, K. L.; MAGER, G. B. Pictogramas, categorias e iconotipos: uma análise em
aplicativos de comunicação aumentativa e alternativa (CAA). Revista Brasileira de Design da
Informação, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 56-72, 2020.

LetMeTalk: aplicativo de comunicação 73


5
CSA: um caminho para a inclusão
Neste capítulo compreenderemos como funcionam os processos de
inclusão da criança com deficiência por meio do uso de recursos de tec-
nologias assistivas e de material pedagógico adaptado ao sistema de co-
municação suplementar e alternativa (CSA). Também discutiremos como
é possível criar um trabalho de parceria entre a escola, os familiares e a
equipe técnica de saúde, que atendem aos estudantes com deficiência.
E, para encerrar, entenderemos qual a importância do trabalho com
a CSA para a inclusão de todos os estudantes, com e sem deficiência, e
quais são seus desafios ao pensarmos em uma relação mais equitativa.
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• compreender como funcionam os processos de inclusão da crian-
ça com deficiência por meio do uso de recursos de tecnologias
assistivas e material pedagógico adaptado ao sistema de CSA;

• entender como é possível contar com o apoio dos familiares da


criança com deficiência;

• compreender como pode ser feito o trabalho de parceria entre


equipe escolar e equipe técnica de saúde que atendem às crianças
com deficiência;

• conhecer os maiores desafios que os professores podem encon-


trar junto às escolas;

• entender a importância do trabalho adaptado ao material de CSA


para a inclusão de todos os estudantes, com e sem deficiência.

5.1 Qual é a importância da CSA na escola?


Vídeo
Em primeiro lugar, é importante retomar nossos estudos sobre
comunicação suplementar e alternativa e observar o quanto desse
conhecimento os pedagogos tiveram oportunidade de ter contato du-
rante sua estadia na universidade. Em uma formação que leva em con-

74 Comunicação suplementar e alternativa


sideração a educação inclusiva, é preciso pensar em mais do que uma
adaptação curricular no atendimento aos estudantes com deficiência.
Devemos construir um ambiente que trabalhe com o sistema CSA e
os recursos de tecnologia assistiva como parte do processo de ensino-
-aprendizagem. Isso transcende o instrumental desenvolvido para o es-
tudante com deficiência. Segundo Deliberato e Donati (2020, p. 10-11),
o sistema de comunicação suplementar e alternativa
é um grupo integrado do uso dos símbolos visuais, táteis e/ou
auditivos que representam um significado com os recursos de
baixa e/ou alta tecnologia e as técnicas de acesso aos símbolos
utilizadas durante a atuação com CSA […] Recurso: é um material
concreto que podemos utilizar para inserir os símbolos. Os re-
cursos podem ser de baixa ou alta tecnologia.

Os recursos de acessibilidade servem para apoiar o ensino de ma-


neira equitativa, colocando os estudantes em pé de igualdade. Os estu-
dantes sem deficiência também se beneficiarão desse processo, e esse
trabalho será compartilhado por todos os profissionais e familiares, de
maneira inter e transdisciplinar. Por isso, o professor deve acessar esse
conhecimento, de modo a se apropriar do conteúdo, para poder tro-
cá-los com os profissionais especialistas e também apoiar a família do
estudante com deficiência. Conforme Carnevale et al. (2013, p. 5):
No Brasil, apesar da maioria dos estudos em CA voltarem-se ao
campo da Educação e terem se intensificado nos últimos anos, a
adoção de suas abordagens no ambiente escolar pode ser consi-
derada ainda incipiente principalmente se levarmos em conta as
instituições localizadas fora dos pólos regionais já constituídos e
reconhecidos como produtores e disseminadores dos conheci-
mentos e práticas nessa área.

Artigo

https://www.scielo.br/j/rbee/a/bt5YWJxZBKqkpQMsBSkJrXK/abstract/?lang=pt

O artigo Comunicação Alternativa no contexto educacional: conhecimento de pro-


fessores investigou a visão de profissionais da pedagogia sobre o conhecimen-
to e/ou uso da comunicação alternativa nos casos de crianças com paralisia
cerebral, não falantes oralmente. Foram entrevistados 23 profissionais que
atuam em uma escola de Educação Especial situada no interior do Paraná. O
artigo também traz uma relação de teóricos que argumentam sobre a prática
da educação inclusiva.

Acesso em: 29 dez. 2022.

CSA: um caminho para a inclusão 75


Para contribuir para a disseminação desses estudos, é impor-
tante lembrar que a CSA utiliza diferentes recursos sensoriais, que
facilitam a aprendizagem de todos, pois cada um tem uma via de
preferência que auxilia o acesso aos seus estudos. Como os recursos
possuem muitos estímulos gráfico-visuais com cores, tamanhos e
padronagens diversas, o ensino se torna mais interessante e cria-
tivo. Com vimos, esse material pode ser impresso, desenhado ou
apresentado num tablet. São muitos os recursos, além do mais,
temos a opção de associá-los a um sistema de voz, para tablets e
computadores, e também de usar acionadores de diferentes formas,
cores e tamanhos, mais ou menos robustos, dependendo da força
impressa sobre eles. Podemos trabalhar também quando necessá-
rio com texturas diferentes, associadas a cores e formas. Isso vai
garantir um atendimento integrado – todos que vão colaborar para
esse processo têm de ter acesso às possibilidades e às necessidades
do estudante com deficiência.

Como vimos antes, desde os objetos concretos, que compõe nosso


dia a dia, até o processo de desnaturalização, tudo isso pode e deve
fazer parte do trabalho na sala de aula com todos os estudantes. É um
processo muito enriquecedor em que temos a oportunidade de “pen-
sar fora da caixa” e compartilhar um ensino em que todos são levados
em consideração no processo de aprendizagem.

Fundamentados no fluxograma para o desenvolvimento de ajudas


técnicas, criado por Manzini e Deliberato (2006), apresentaremos pon-
tos importantes a serem considerados na utilização de materiais e ob-
jetos que auxiliam o aprendizado de estudantes com deficiência.

Entender a situação que Gerar ideias: possibilitar Escolher a alternativa


envolve o estudante: a conversa entre o viável: considerar as
procurando escutar estudante, a família e necessidades a serem
os desejos e vontades, os colegas; procurar atendidas entre o
MayoCreative/Shutterstock

identificar características soluções junto à família; educador/estudante


físicas e psicomotoras, pesquisar materiais que e a disponibilidade de
observar o estudante no podem ser utilizados recursos materiais para
ambiente escolar e no seu e alternativas para a confecção, além dos
contexto social. confecção do objeto/ custos.
material.

(Continua)

76 Comunicação suplementar e alternativa


Representar a ideia Construir o objeto/
(por meio de desenhos, material para
modelos, ilustrações): experimentação: testá-lo
definir os materiais e as na situação real do uso.
dimensões do objeto –
formas, medidas, peso,
textura, cor etc.

Avaliar o uso do objeto/ Acompanhar o uso:


material: ponderar se verificar se as condições

MayoCreative/Shutterstock
atendeu o desejo da mudam com o passar
pessoa no contexto do tempo e se há
determinado e verificar se necessidade de fazer
o objeto facilitou a ação do alguma adaptação no
estudante e do educador. objeto/material.

Partindo desses princípios, podemos pensar em criar materiais que


possam ser utilizados pelos estudantes com deficiência tendo em vista
as suas especificidades. É importante que esse material seja incorpora-
do à rotina de sala de aula e que todas as crianças possam ter contato
com ele. Por exemplo, na construção de uma rotina de aula, todos os
estudantes devem participar. Em um primeiro momento, apresentamos
para a criança com deficiência o material que representa as atividades.
Na sala de aula, inicia-se com matemática, depois prosseguimos com
uma atividade de leitura na biblioteca, em seguida há a hora do recreio,
posteriormente uma atividade de artes no ateliê, e por último uma aula
de Educação Física na quadra. Para cada uma dessas atividades, haverá
uma representação genérica do espaço, por exemplo, e também algo
que identifique depois o professor caso seja uma pessoa diferente –
cada profissional pode usar uma pulseira diferente, ou um crachá di-
ferente, com texturas e imagens distintas para se identificar. Para cada
uma dessas aulas terá uma atividade específica.

CSA: um caminho para a inclusão 77


É interessante que ao final da atividade seja feito um registro, num
caderno ou no tablet de CSA, para que o estudante possa compartilhar
futuramente com quem fará a atividade seguinte, com seus colegas, e
possa contar em casa. Chamamos esse registro de caderno de comunica-
ção. É comum as crianças ao retornarem para casa falarem de algumas
coisas que fizeram no dia. O caderno de comunicação serve como um
livro de memória que será repassado pela criança quantas vezes ela se
interessar em contar, por exemplo, o que ela fez na semana passada e
o que gostaria de repetir essa semana, e conterá os registros das prin-
cipais atividades apresentadas ao estudante com deficiência. No tablet,
com o aplicativo LetMeTalk, isso não ficará armazenado, mas o registro
poderá ser enviado ao final do dia para um e-mail, podendo ser impres-
so e, assim, colocado no caderno de comunicação com o que foi criado
ao longo do dia escolar.

A utilização do tablet/prancha ao longo do dia escolar será feita pelo


professor de apoio, mas este poderá contar com o auxílio do professor
do atendimento educacional especializado (AEE) para criar as ativida-
des e materiais adaptados.
Os recursos de comunicação e recursos pedagógicos que utilizam
estratégias da CAA são confeccionados pelo professor do Atendi-
mento Educacional Especializado, que ensina o seu aluno a usar e
a usufruir as ferramentas de CAA na escola e fora dela. O professor
de AEE realiza seu trabalho em estreita parceria com o professor da
escola comum, com a família e com outros profissionais, que atuam
conjuntamente no caso. (SARTORETTO; BERSCH, 2010, p. 47)

Pode ser que a criança já tenha um material adaptado que veio de casa.
Para isso, devemos ver como ele pode ser utilizado no contexto escolar e
entrar em contato com quem criou – a fonoaudióloga ou terapeuta ocu-
pacional – para apoiar esse desdobramento nas atividades de sala de aula.

E como podemos trabalhar com a CSA dentro desse contexto escolar?


Paulo Freire (1989, p. 9) já nos disse: “a leitura do mundo precede a leitura
da palavra”. Esse conceito nos relembra da importância do trabalho com o
estudante com deficiência ser contextualizado para todos. Antes mesmo
de termos um estudante que necessita utilizar a CSA, podemos mostrar
que de alguma forma ela já faz parte da escola. Já que encontramos os pic-
togramas como referência de masculino e feminino na frente das portas
dos banheiros, por exemplo, podemos da mesma forma fazer outras re-
ferências nos demais espaços escolares. Seria muito positivo formar uma

78 Comunicação suplementar e alternativa


comissão de estudantes, professores e funcionários que selecionassem
qual símbolo estará na porta de entrada dos diferentes locais que com-
põem o ambiente escolar: a biblioteca, a sala de computação, a cozinha e
o refeitório, por exemplo. Também é interessante analisar como produ-
zir esses símbolos de maneira mais universal e que permita apresentar
algumas especificidades exigidas por uma criança com deficiência, como
tamanho, forma, cor e textura. Diante desse contexto, podemos trabalhar
com o conceito de desenho universal.
Desenho Universal aplicado a um projeto consiste na criação
de ambientes e produtos que possam ser usados por todas as
pessoas, na sua máxima extensão possível […] O conceito de
Desenho Universal surgiu em decorrência de reivindicações de
dois segmentos sociais. O primeiro composto por pessoas com
deficiência que não sentiam suas necessidades contempladas
nos espaços projetados e construídos. O segundo formado por
arquitetos, engenheiros, urbanistas e designers que desejavam
maior democratização do uso dos espaços e tinham uma visão
mais abrangente da atividade projetual. (SÃO PAULO, 2010, p. 14)

Democratizar as informações do desenho universal fará com que


mais pessoas possam apoiar a entrada de um estudante com deficiên-
cia, compreendendo essa relação de equidade e, ao mesmo tempo,
trazendo o compromisso de todos nesse processo. Essa poderá ser
a porta de entrada para discutir a acessibilidade na escola como um
todo: A vaga de estacionamento foi pintada no local correto? Existe
uma rampa na entrada mais próxima? Os brinquedos do parquinho
são acessíveis para todos? Existe a necessidade de criar rampas ou co-
locar um elevador para facilitar o acesso à quadra ou à horta comunitá-
ria? Esses são exemplos práticos de casos que os pais das crianças com
deficiência podem perceber nas escolas.

Essa é uma discussão ampla que envolve questões muito maiores


que as de acessibilidade comunicacional, principalmente sobre como
vencer as barreiras atitudinais. Essas envolvem as atitudes ou compor-
tamentos que impedem ou prejudicam a participação social da pessoa
com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as
demais pessoas. Sendo assim, como podemos contribuir para cocriar
essa escola de educação inclusiva, na qual todos se sintam fazendo
parte dela? Veremos agora, mais especificamente, como fazer esse tra-
balho em parceira com a família e com a equipe terapêutica.

CSA: um caminho para a inclusão 79


5.2 Escola, família e terapeutas:
Vídeo como trabalhar juntos
É relevante começarmos reconhecendo os direitos garantidos pela
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pes-
soa com Deficiência) no que tange aos familiares dos estudantes. Con-
forme o artigo 8º, está assegurada a “participação dos estudantes com
deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da co-
munidade escolar” (BRASIL, 2015).

Diante desse contexto, é sempre bom lembrar que, para a educação


inclusiva se fazer na prática, é importante contar com o apoio da família
de todos os estudantes – não há quem saiba mais da realidade daquela
criança e quem possa trazer mais informações valiosas para contribuir
para o trabalho dentro do ambiente escolar. A LBI também garante,
no seu artigo 7º, “um atendimento educacional especializado, de orga-
nização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização
e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva” (BRASIL,
2015). Esse ponto é imprescindível de ser colocado. Há famílias que não
sabem dos direitos das pessoas com deficiência, por isso é essencial
a escola apoiar e esclarecer o que pode oferecer ao estudante com
deficiência. Se for o caso, encaminhar a questão para uma professora
de sala de recurso que seja especializada na área para que ela possa
indicar quais os recursos de tecnologia assistiva são mais apropriados
para o estudante e como solicitar junto aos órgãos públicos, no caso do
Ensino Regular de uma escola municipal ou estadual.
Jaren Jai Wicklund/Shutterstock

80 Comunicação suplementar e alternativa


Os professores e familiares também devem buscar apoio nos Ambu- Leitura
latórios de Saúde Especializados a fim de fazer parcerias com os terapeu- O material Perguntas e
respostas a respeito da co-
tas, para esses profissionais apoiarem a escola em um momento que o municação suplementar e
aluno precisará de um diagnóstico preciso, ou tirar alguma dúvida, como alternativa para familiares
de crianças e jovens com
a implementação de um material de apoio de CSA. Segundo a Sociedade necessidades complexas
Brasileira de Fonoaudiologia: de comunicação tem o
intuito de instruir e alertar
Qualquer alteração na compreensão e/ou na expressão da lin- famílias de crianças e
guagem oral e escrita deve ser investigada. A família pode e deve jovens com necessidades
complexas de comunica-
ser orientada a respeito da Comunicação Suplementar e Alter-
ção sobre a possibilidade
nativa (CSA) e como esta área de conhecimento pode contribuir deles apresentarem
para a aquisição e o desenvolvimento da linguagem de crianças algum transtorno de
linguagem, de fala, de
e jovens com necessidades complexas de comunicação desde
escrita, de sinais – ou
muito cedo. (DELIBERATO; DONATI, 2020, p. 2) qualquer empecilho que
afete a comunicação – em
Com o conhecimento nas mãos, família e escola podem fazer uma par- qualquer etapa da vida. As
ceria que visa, em primeiro lugar, ao bem-estar do estudante com deficiên- questões são apresenta-
das de maneira didática e
cia, apoiando-o em suas singularidades e o colocando em pé de igualdade auxiliarão os familiares a
com seus colegas de sala de aula. Quanto mais esclarecida, mais a família detectar e buscar auxílio
para seus filhos, além de
poderá lutar pelos direitos de seus filhos e colaborar com os professores. instruir sobre a importân-
cia da CSA. Esse material
pode ser um ponto inicial
Trabalho em equipe: escola e atendimento terapêutico para uma discussão que
envolva toda a escola, os
O trabalho com a tecnologia assistiva envolve uma equipe inter e professores, os funcioná-
rios e os estudantes.
transdisciplinar, constituída de especialistas, como fonoaudiólogos,
Disponível em: https://www.sbfa.
terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, psicólogos, enfermeiras, as- org.br/portal2017/campanhas/
sistentes sociais, oftalmologistas, ortoptistas, otorrinos, audiologistas, campanha-comunicacao-
suplementar-e-alternativa/pdf/faq-
ortopedistas, protéticos, e engenheiros, por exemplo. Essas equipes pdf.pdf. Acesso em: 29 dez. 2022.
são construídas com base nas necessidades de cada pessoa com defi-
ciência, sempre considerando o lugar que ela vive e estuda. Dessa for-
ma, os educadores são parte importante nesse processo, tanto quanto
os familiares. No eixo principal está a pessoa com deficiência que vai
nos mostrar quais são suas necessidades e anseios. Procuramos levar
o apoio necessário para que todos os envolvidos estejam esclarecidos
com relação ao lugar que essa pessoa ocupa. Onde ela está e para
onde poderá ir? Nessa caminhada, devemos pensar no presente: Como
a pessoa com deficiência está hoje?

É muito importante que o professor que atua com o AEE possa fazer
a ponte entre o professor de sala de aula e os profissionais da área da
saúde. Também pode ocorrer que na sua escola não tenha uma sala de

CSA: um caminho para a inclusão 81


recurso, mas exista um professor especialista em Educação Especial.
Tanto o professor especialista quanto o da sala de recursos poderão
auxiliar na criação de uma rede entre as necessidades do estudante
com deficiência na escola, os profissionais da área da saúde e a família,
compartilhando como é a realidade de sala de aula e o dia a dia escolar.
Dessa forma, esse conhecimento poderá ser levado para o professor
que atua direto em sala de aula e para os colegas de turma, assim eles
também poderão colaborar para esse contexto. Quanto mais naturali-
zado for o uso de sistemas de comunicação suplementar e alternativa
e dos recursos de tecnologias assistivas, mais próximos estaremos de
uma Educação Equitativa e Inclusiva. Vale a pena ressaltar no artigo 1º
do Decreto n. 6.979 o propósito da Convenção dos Direitos da Pessoa
com Deficiência:
promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de
todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas
as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dig-
nidade inerente. Pessoas com deficiência são aquelas que têm
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelec-
tual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdades de condições com as demais pessoas. (BRASIL, 2009)

Vale também lembrar que sempre que possível é importante que


os terapeutas que atuam com o estudante com deficiência possam fa-
ABO PHOTOGRAPHY/Shutterstock

zer uma visita à escola e ter um conhecimento in loco. Esse trabalho


de observação não deve ser invasivo, e sim ser
contextualizado para a sala, por isso a im-
portância dos colegas de turma fazerem
parte desse processo. O especialista
pode fazer parte de alguma atividade
específica. Por exemplo, a fonoaudiólo-
ga pode fazer uma visita na hora do re-
creio, ela poderá comer junto às crianças
e conhecer o paciente num momento de
descontração com o grupo – não para aten-
dê-lo nesse momento, mas apenas para
acompanhar o processo. Da mesma for-
ma o fisioterapeuta poderá fazer parte
da aula de Educação Física; e a terapeu-
ta ocupacional, da atividade de Artes.

82 Comunicação suplementar e alternativa


Devemos trabalhar por aproximação, dentro da realidade escolar,
não descolada dela. Nesse contexto, todos poderão acompanhar como
o estudante com deficiência se comunica, como faz uso de sua prancha,
tablet ou objetos concretos, como o professor de apoio está atuando
nessa relação, e como o estudante interage com os colegas. Podemos
também escutar os colegas, não fazendo perguntas diretas, mas com-
pondo com a rotina escolar. Quanto mais mimetizado o terapeuta esti-
ver na escola, mais natural será para o estudante com deficiência.

Com base nessas informações colhidas, em um segundo momento


é necessário marcar um encontro para poder escutar o professor de
sala de aula e ouvir suas dúvidas e questionamentos. Se houver opor-
tunidade, será muito enriquecedora a presença do professor de apoio
e do professor de sala de recurso juntos – cada um vive uma parte da
realidade do estudante com deficiência, mas, todos, a princípio, cami-
nham em prol do trabalho para uma inclusão efetiva. Se houver a opor-
tunidade de marcar mais um outro encontro para poder falar como foi
a experiência na sala de aula depois das sugestões apresentadas – que
visam contribuir para um trabalho mais efetivo com a CSA e com os
recursos de tecnologias assistivas no ambiente escolar –, melhor. Isso
leva tempo e o comprometimento de todos é importante. Caso seja
possível ainda, vale convidar um familiar mais próximo do estudante
com deficiência para compor a reunião da equipe; ele será de grande
valia para, inclusive, dizer o que já foi efetivado em casa e que, por ven-
tura, pode ainda não ter sido alcançado em sala de aula, ou vice-versa.

Para contribuir com essa discussão, Pelosi e Nunes (2011) apresen-


tam os benefícios observados pelo uso dos recursos de tecnologias as-
sistivas, incluindo, entre elas, a comunicação suplementar e alternativa
no ambiente escolar, pensando na relação entre equipe educacional,
profissionais da saúde, familiares e estudantes com deficiência:
Os benefícios observados pelo uso dos recursos de Tecnologia As-
sistiva foram: o desenvolvimento de uma comunicação alternativa
à fala; mudança de atitude do aluno com maior envolvimento e par-
ticipação nas tarefas; aumento da auto-estima; melhor posiciona-
mento na postura sentada dentro e fora da sala de aula; melhora
na comunicação com a professora e maior proximidade com os
colegas; maior participação nas aulas complementares como Edu-
cação Física e Artes; possibilidade de escrita autônoma; melhora na
relação com a família; independência nas atividades de vida diária
e participação nas atividades de lazer. (PELOSI; NUNES, 2011, p. 58)

CSA: um caminho para a inclusão 83


Artigo

https://www.revistas.usp.br/rto/article/view/14120

O artigo A ação conjunta dos profissionais da saúde e da educação na escola


inclusiva tem como objetivo avaliar se a introdução da tecnologia assistiva
favoreceu a inclusão de estudantes com paralisia cerebral. A pesquisa se
deu em quatro escolas regulares do município do Rio de Janeiro por meio de
uma ação conjunta entre profissionais da saúde e educação. Os resultados
dessa ação compreenderam situações de aprendizagem que favoreceram a
inclusão escolar e a aproximação entre professores e alunos.

Acesso em: 29 dez. 2022.

E agora nos defrontaremos com os desafios que podemos encontrar


nessa jornada – começando com as questões conceituais.

5.3 Desafios da comunicação


Vídeo
suplementar e alternativa
Sabemos que, à medida que o tempo passa, as terminologias vão
se alterando e se ajustando, criando novas nomenclaturas. Da mesma
forma, a educação caminhou de um ensino mais segregado para uma
educação mais inclusiva.

Essa transformação também aconteceu com o termo pessoa com


deficiência. Tivemos momentos, primeiramente, que denominamos
essas pessoas apenas como deficientes ou portadores de deficiência e,
infelizmente, muitas outras terminologias pejorativas e de menos valia
foram utilizadas. Não acreditamos ainda que dividir as pessoas como
sem deficiência ou com seja a melhor forma, pois há um estigma na pa-
lavra com deficiência, que vem reverberando historicamente. Portanto,
é importante colocarmos a palavra pessoa à frente nos dois casos, por
uma questão ética e de valoração.

Isso também está acontecendo com a forma como nos dirigimos


aos usuários de sistemas de comunicação suplementar e alternativa,
chamados agora de pessoas com necessidades complexas de comuni-
cação (NCC). Seguindo o mesmo argumento, a palavra pessoa vem à
frente do conceito, seguida de sua adjetivação. Esse movimento vem
de encontro a uma necessidade de como podemos nos autodeclarar e
também garantir nossos direitos perante a lei. A questão é que muitas
pessoas com necessidades complexas de comunicação também po-

84 Comunicação suplementar e alternativa


dem vir acompanhadas de necessidades físicas e/ou neurológicas, por
se tratarem de usuários de cadeira de rodas, de andadores, bengalas e
muletas, por exemplo – pode ser uma somatória de necessidades que
tornam o caso complexo. Além disso, essa pessoa com necessidades
complexas de comunicação pode ter associada uma deficiência senso-
rial, principalmente relacionada ao déficit visual e/ou auditivo. Confor-
me Rodrigues et al. (2016, p. 696): “Entende-se por pessoas com NCC
aquelas que, devido a uma ampla gama de causas físicas, sensoriais
e ambientais apresentam restrições e limitações em suas habilidades
comunicativas que interferem diretamente na sua capacidade de parti-
cipar de forma independente na sociedade”.

Artigo

https://www.scielo.br/j/rcefac/a/ctkGknQfjGWNFLsDtNp7MJs/?format=pdf&lang=pt

O artigo O uso da comunicação suplementar e alternativa como recurso para a


interpretação de livros de literatura infantil relata como foi possível constatar a
eficácia da comunicação suplementar e alternativa como recurso pedagógico
e de apoio em atividades de compreensão e interpretação de histórias em
sala de aula por sete estudantes com necessidades complexas de comunica-
ção e com paralisia cerebral.
Foi possível observar estudantes com comprometimento ou ausência de fala
que apresentaram dificuldade nas atividades de sala de aula e que foram
beneficiados com a comunicação suplementar e alternativa, que mediou a
comunicação entre esses estudantes, seus colegas e professores.

Acesso em: 29 dez. 2022.

Sendo assim, conhecer o estudante com deficiência em sua integra-


lidade é o primeiro passo para um bom trabalho. É preciso ficar atento
às questões relacionadas à saúde e se necessário fazer os devidos en-
caminhamentos, além de conversar com a família, buscando conhecer
o cotidiano de casa. Também é relevante saber das crenças da família,
o que é mais importante para esse aluno – e compreender que isso vai
muito além dos muros da escola, pois é necessário conhecer a realida-
de do estudante para saber como planejar suas atividades e apoiá-lo
em suas rotinas.

Outro desafio é o estudante utilizar o sistema de comunicação su-


plementar e alternativa apenas durante a reabilitação com a fonoaudió-
loga e a terapeuta ocupacional, por exemplo. É certo que a família e a
escola devem abraçar esse processo e, cada qual, saber como utilizá-lo
nos seus diferentes contextos. O mais importante é lembrar que mais
do que realizar atividades pedagógicas adaptadas, o sistema de comu-

CSA: um caminho para a inclusão 85


Livro nicação suplementar e alternativa se presta para que a pessoa com de-
O livro Inclusão escolar: o ficiência possa desenvolver sua autonomia no campo da comunicação/
que é? por quê? como fazer?,
em particular, aproxima- linguagem. O tempo todo nos comunicamos e somos questionados
-nos de uma escola aberta sobre nossos desejos, vontades e habilidades. Por isso, os estudantes
incondicionalmente a
todos os alunos, sem dis- com necessidades complexas de comunicação devem ter seus direitos
criminações, portanto, uma garantidos para que possam participar de maneira ativa em sala de aula
escola inclusiva. Também
aborda os aspectos da e interagir com os colegas e profissionais de modo mais independente.
formação do professor e
propõe direcionamentos,
Espera-se que a fala oralizada seja o mais comum entre nós, mas de-
como grupos de estudos, vemos lembrar que podemos falar de muitas formas: com as mãos, por
para que os próprios pro-
fessores possam encontrar
meio da Língua Brasileira de Sinais e de gestos naturais; falamos com
apoio entre si. É uma opor- as expressões e o olhar; falamos com um sistema de voz sintetizada
tunidade de pensar como a
comunicação suplementar
de um tablet ou computador… São muitas as possibilidades. É impor-
e alternativa pode fazer tante que não se tenha uma hierarquia, o melhor é que todos possam
parte dessa escola inclusi-
va, que se repensa e recria,
desenvolver sua autonomia no campo da expressão, seja ela qual for.
fundamentada na realida- Às vezes, as pessoas com necessidades complexas de comunicação
de de cada comunidade.
necessitam de apoio para utilizar sua prancha, tablet ou computador.
MANTOAN, M. T. E. São Paulo:
Moderna, 2003.
O mediador nessa relação deve se isentar de suas colocações parti-
culares e aguardar o tempo da pessoa com necessidades complexas
de comunicação. Para tanto, ele necessita conhecer bem o estudante
com deficiência, suas expressões e os gestos naturais que utiliza como
apoio, como também sua fala – essa pode apresentar uma restrição,
uma distorção ou ser totalmente ausente. As diferentes formas de ex-
pressão devem ser valorizadas por todos os professores, cuidadores e
colegas. Devemos caminhar para uma educação em que a diversidade
é valorizada e saber que cada indivíduo tem o potencial de aprender e
contribuir para o ambiente escolar.
Relato da autora

Para mim essa jornada não iniciou hoje, nem termina aqui. Tive a
oportunidade de trabalhar por mais de 25 anos como fonoaudióloga,
especialista em CSA. Pude ver o começo da implantação desse serviço
no Brasil, quando um grupo de brasileiros profissionais da área da saúde
e alguns engenheiros fizeram parte de um congresso de Comunicação
Alternativa na Espanha, e cada qual em sua região foi desenvolvendo
suas pesquisas, que buscaram implantar esse importante trabalho.
Hoje temos a ISAAC-Brasil, um capítulo oficial da Isaac International
Society for Augmentative and Alternative Communication, que reúne mui-
tos profissionais que se dedicam à pesquisa e à disseminação da CSA.
Foram muitas conquistas até então, inclusive a instituição do outubro
como Mês da Conscientização da Comunicação Alternativa.
(Continua)

86 Comunicação suplementar e alternativa


Mas posso dizer que também estamos distantes de uma realidade mais
equitativa. Digo isso por experiência própria, depois de atuar por quase 20
anos na área apoiando famílias com filhos com necessidades complexas de
comunicação, eu me tornei mãe de um menino com deficiência. Ele nasceu
com um quadro neurológico e, por conta disso, hoje, necessita utilizar um
andador para se locomover, pois tem a mobilidade reduzida, e um tablet de
comunicação para suplementar sua fala oral. Mesmo eu já tendo todo esse
conhecimento e experiência, isso não garantiu que meu filho tivesse melhores
oportunidades dentro da escola. Deparamo-nos com grandes desafios quan-
do propunha fazer parcerias para garantir que ele pudesse utilizar sistemas de
CSA em sala de aula. Da mesma forma que compartilhei com vocês neste livro,
fiz com as professoras de meu filho. Ele começou desde muito pequeno no
Ensino Regular em uma escola de primeira infância. No início, foi utilizado um
caderno de desenho como um caderno de comunicação, no qual se faziam os
registros das principais atividades junto a sua professora e a nós (a família),
com as atividades que despertavam maior interesse dele em casa, nos finais
de semana. Isso era muito difícil para os professores, e a maioria não tinha
esse conhecimento ainda, nem tinha visto em sua formação universitária.
Figura 1
Caderno de comunicação – atividades

a ) Sobre papel branco, b) Colagem de figuras c) Colagem de areia.


pintura a dedo com geométricas coloridas.
as cores azul, verde e
vermelho.

Fonte: Daniella Forchetti.


Meu filho estudou em escolas particulares pequenas até completar o 2º
ano do Fundamental 1, sempre com uma professora e uma outra assisten-
te. Geralmente, a assistente desempenhava a função de uma professora de
apoio, mas não era sempre que estava disponível.
A melhor experiência escolar que tive com ele foi na primeira infância, em que
teve a oportunidade de ficar por quase três anos em uma escola montesso-
riana. O ambiente preparado e organizado não só o auxiliou como também
observo que lhe propiciou desenvolver uma maior independência, como todos
os seus colegas. Os materiais concretos serviram para ele e todos os outros,
facilitando a aprendizagem de modo geral. Infelizmente, não tivemos mais
como dar continuidade a esse método pois a escola que frequentava não tinha
continuidade. Na nossa região havia uma única escola que estava iniciando
o Fundamental 1 com esse método e que não era bilíngue, mas ficava em um
prédio de três andares, sem elevador – o que demonstra que a escola não
tinha a preocupação com a inclusão. Tentamos depois outras escolas que se
intitulavam como baseadas em projetos – nenhuma deu certo. Infelizmente,
(Continua)

CSA: um caminho para a inclusão 87


essas foram nossas piores experiências. Foi então que eu comecei a
perceber a necessidade de compartilhar mais sobre trabalhos no cam-
po da acessibilidade, fazendo formações e atuando como uma artista
pesquisadora.
Depois da pandemia que ocorreu por conta do coronavírus em 2020,
nós decidimos migrar para uma escola pública. Já são quase dois
anos desde então. Creio que se temos que contribuir para a melhoria
do ensino, ela deva começar na escola pública. Podem ter certeza que
ainda enfrentamos muitos desafios, mas creio que todas as mudanças
conquistadas que buscamos para nosso filho reverberam para a qua-
lidade de toda a escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste nosso último capítulo, procuramos compartilhar quais são os
potenciais desafios enfrentados por profissionais da área da educação e
da área da saúde e pelos familiares de pessoas com necessidades com-
plexas de comunicação, além de considerar nesse processo a importância
da CSA nas escolas, o papel da família e o trabalho em equipe. Sabemos
que cada comunidade escolar é uma realidade, mas pudemos acompa-
nhar ao longo desse livro como as considerações de profissionais que
se dedicaram a estudar a comunicação suplementar e alternativa (CSA)
podem contribuir para a criação de uma ambiente escolar mais inclusivo.
Estamos aqui com a intenção de oferecer uma formação com mais
qualidade a fim de que os professores possam se apropriar de conceitos
importantes para atuarem numa escola de educação inclusiva e eman-
cipatória. Essa realidade só será possível com o comprometimento de
todos vocês e o apoio das famílias dos estudantes com necessidades
complexas de comunicação. Segundo Mantoan (2003, p. 8): “estamos
‘ressignificando’ o papel da escola com professores, pais, comunidades
interessadas e instalando, no seu cotidiano, formas mais solidárias e plu-
rais de convivência. É a escola que tem de mudar, e não os alunos, para
terem direito a ela!”. Essa jornada não termina aqui, ela é apenas o início
de um longo trabalho para que possamos oferecer melhores condições
de modo que estudantes com e sem deficiência encontrem uma escola
em que todos sejam bem-vindos!

88 Comunicação suplementar e alternativa


ATIVIDADES
Atividade 1
Com base no fluxograma para o desenvolvimento de ajudas
técnicas, explique pelo menos três pontos a serem considerados
na utilização de materiais e objetos para auxiliar o aprendizado de
estudantes com deficiência.

Atividade 2
Qual a importância da visita dos terapeutas que acompanham o
estudante com deficiência na escola?

Atividade 3
Com quais outras formas podemos nos comunicar que não so-
mente a fala oralizada?

REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. Diário Oficial da União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 25 ago. 2009. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em: 29 dez. 2022.
BRASIL. Lei n. 13.146 de 6 de Julho de 2015. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília,
DF, 6 jul. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/
lei/l13146.htm. Acesso em: 29 dez. 2022.
CARNEVALE, L. B. et al. Comunicação Alternativa no contexto educacional: conhecimento
de professores. Rev. bras. educ. espec., v.19, n. 2, jun. 2013.
DELIBERATO, D.; DONATI, G. C. F. Perguntas e Respostas a respeito da Comunicação
Suplementar e Alternativa para familiares de Crianças e Jovens com Necessidades Complexas
de Comunicação. São Paulo: Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 2020. Disponível em:
https://www.sbfa.org.br/portal2017/campanhas/campanha-comunicacao-suplementar-e-
alternativa/pdf/faq-pdf.pdf. Acesso em: 29 dez. 2022.
FREIRE, P. A importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez
Editora, 1989.

CSA: um caminho para a inclusão 89


MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.
MANZINI, E. J.; DELIBERATO, D. Portal de ajudas técnicas para educação: equipamento
e material pedagógico especial para educação, capacitação e recreação da pessoa com
deficiência física: recursos para comunicação alternativa. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da
Educação/Secretaria de Educação Especial, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
seesp/arquivos/pdf/ajudas_tec.pdf. Acesso em: 29 dez. 2022.
PELOSI, M. B.; NUNES, L. R. D. P. A ação conjunta dos profissionais da saúde e da educação
na escola inclusiva. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, v. 22, n. 1,
p. 52-59, jan./abr. 2011.
RODRIGUES, V. et al. O uso da comunicação suplementar e alternativa como recurso para
a interpretação de livros de literatura infantil. Rev. CEFAC, v.18, n. 3, 2016.
SÃO PAULO. Governo do Estado de São Paulo. Desenho Universal: habitação de interesse
social. São Paulo: CDHU - Superintendência de Comunicação Social, mar. 2010. Disponível
em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/manual-desenho-universal.pdf.
Acesso em: 29 dez. 2022.
SARTORETTO, M. L.; BERSCH R. C. R. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar
Recursos Pedagógicos Acessíveis e Comunicação Aumentativa e Alternativa. Brasília, DF:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial; Fortaleza: Universidade Federal
do Ceará, 2010.

90 Comunicação suplementar e alternativa


Resolução das atividades
1 Conceitos básicos
1. Qual a importância da amamentação para a comunicação dos bebês?
A amamentação é importante porque estimula todo o sistema
orofacial (lábios, língua e bochechas) do bebê com o intuito de que, no
futuro, o bebê possa desenvolver a linguagem oral e a comunicação
receptiva e expressiva.

2. Qual a diferença entre comunicação suplementar e alternativa?


A comunicação alternativa está relacionada a um conjunto de
recursos de tecnologias assistivas desenvolvido junto às pessoas
com deficiência que não oralizam ou não têm uma fala funcional
e que necessitem de um apoio para se expressar/relacionar. Já
a comunicação suplementar (que também é conhecida como
aumentativa) complementa a fala, ampliando a comunicação, e é
voltada para pessoas com deficiência que tenham desenvolvido
parcialmente a linguagem oral.

3. Quais são os benefícios da comunicação suplementar e alternativa?


Os benefícios da CSA podem ser: tornar mais autônoma a vida de
estudantes com deficiência; aprender uma forma funcional de
comunicação; tornar mais independentes as atividades acadêmicas;
auxiliar e ampliar as possibilidades de tomada de decisões; ampliar
a quantidade de interlocutores e melhorar da qualidade de vida e
autoestima do estudante.

2 Programa de comunicação de Jan Van Dijk


1. Por que é importante selecionar apenas um professor de apoio no
início do trabalho desenvolvido com um estudante com deficiência?
No primeiro momento, o trabalho será voltado para estabelecer
o vínculo/contato do professor com seu novo estudante. É muito
importante que o professor esteja atento aos sinais apresentados
pela criança, a forma como ela percebe o mundo, como se relaciona e
como se expressa e, para isso, ele necessita de tempo e uma interação
direta com a criança. Procurando criar uma relação genuinamente
afetiva, a criança vai sentir confiança no profissional, o que aumenta a
possibilidade de mostrar seu potencial.

Resolução das atividades 91


2. Apresente as características principais da Língua Brasileira de Sinais.
A Língua Brasileira de Sinais é conhecida como Libras, uma língua visual
e acontece por meio do corpo e das expressões faciais combinadas.
Ela é considerada a segunda língua no Brasil, utilizada principalmente
por pessoas surdas.

3. Explique alguns exemplos de atividades de vida diária (AVD).


O estudante com deficiência pode aprender a se servir de seu lanche
na hora do recreio, comer junto com os colegas, escolher quais
alimentos são de sua preferência, aprender a descartar o lixo orgânico
e os recicláveis. Aprender a se vestir sozinho ou com auxílio, escovar
os dentes, lavar as mãos e o rosto, trocar de roupa, entre outros.

3 Do concreto ao abstrato
1. Antes de confeccionar o material de apoio para o estudante com
deficiência, o que é importante o professor compreender?
O professor precisa compreender a situação do estudante com
deficiência no contexto escolar, os ambientes que ele frequenta e
quem são seus interlocutores.

2. Diferencie os conceitos de imagem e de pictograma.


A imagem diz respeito ao que observamos com nossos olhos. Não
basta enxergar, somos criados numa cultura que nos insere num
mundo visual nomeado e aprendemos a reconhecer e a distinguir
objetos, pessoas e lugares. O pictograma é um símbolo que representa
um objeto ou conceito por meio de figuras. Pode ser usado de modo
individual ou na construção de uma escrita com desenhos.

3. Para a confecção de um livro adaptado, aborde pelo menos duas


possibilidades de criação dessa atividade.
Impressão de material utilizando os pictogramas para formação
da história; gravação da audiodescrição para confecção de um
audiolivro; gravação de um intérprete de Libras para a confecção
de um videolivro.

92 Comunicação suplementar e alternativa


4 LetMe Talk: aplicativo de comunicação
1. Quais são os benefícios do uso de sistemas de comunicação
suplementar e alternativa?
Os benefícios são: melhora da atenção e concentração nas atividades;
colaboração da percepção e do reconhecimento das informações; e
auxílio da memória e do aprendizado, facilitando recordar os vários
tipos de conhecimento.
Os materiais relacionados ao programa de comunicação suplementar
e alternativa criados na escola podem e devem ser compartilhados
com as famílias, para que elas também compreendam o que se passa
em sala de aula e deem continuidade em casa. Também esperamos
que as famílias, depois de assistidas e apoiadas nas questões técnicas
no uso do tablet, possam ter a independência de criar com seu filho
novas atividades e, principalmente, saber compartilhar do cotidiano
da família. É uma via de duas mãos.
Quem ganha é a criança nesse processo de ensino/aprendizagem, pois
contará com os recursos profissionais, técnicos e instrumentais para
desenvolver seu potencial em sala de aula em uma relação equitativa.

2. Qual a diferença na interface do aplicativo LetMeTalk do Android


para o iOS?
Os ícones são distribuídos de modo diferente na barra superior
e inferior. Na versão Android, os ícones são distribuídos no canto
superior direito e representam as ações: apagar o pictograma;
enviar por e-mail ou compartilhar; (+) adicionar imagem/pictograma,
tirar uma foto, adicionar imagem/foto da galeria ou adicionar nova
categoria; doação; e menu de configurações.
Na versão para iOS, no canto superior direito há o ícone (+) adicionar
imagem/pictograma, tirar uma foto, adicionar imagem/foto da galeria
ou adicionar nova categoria. Na barra inferior, no canto direito, está
a lixeira, que servirá para apagar as imagens da barra principal de
escrita/leitura. No canto inferior esquerdo está o ícone de uma
engrenagem, que se refere às configurações, bem como às opções
compartilhar, suporte e dados da licença.

3. Como a atividade de criação de um calendário pode auxiliar na


escola?
O calendário passa a apoiar a criança na compreensão da rotina
escolar e, quando possível, dá a ela a possibilidade de opinar nas
atividades ou na sequência que será apresentada no dia ou na
semana. Também apoia a memorização e ajuda a criança a se sentir
mais segura dentro dessa experiência.

Resolução das atividades 93


5 CSA: um caminho para a inclusão
1. Com base no fluxograma para o desenvolvimento de ajudas
técnicas, explique pelo menos três pontos a serem considerados
na utilização de materiais e objetos para auxiliar o aprendizado de
estudantes com deficiência.

• Procurar escutar os desejos e vontades do estudante; identificar ca-


racterísticas físicas e psicomotoras; e observar o estudante no am-
biente escolar e no seu contexto social.
• Possibilitar a conversa entre o estudante, a família e os colegas;
procurar soluções junto à família; e pesquisar materiais que podem
ser utilizados e alternativas para confecção do objeto/material.
• Considerar as necessidades a serem atendidas entre o educador/
estudante e a disponibilidade de recursos materiais para a confec-
ção e os custos.
• Definir os materiais, as dimensões do objeto – formas, medidas,
peso, textura, cor etc.
• Construir o objeto/material para experimentação na situação real
do uso.
• Considerar se o objeto atendeu ao desejo da pessoa no contexto
determinado; e verificar se o objeto facilitou a ação do estudante e
do educador.
• Verificar se as condições mudam com o passar do tempo e se há
necessidade de fazer alguma adaptação no objeto/material.

2. Qual a importância da visita dos terapeutas que acompanham o


estudante com deficiência na escola?
Para poder observar como o estudante com deficiência interage com o
professor, cuidador e colegas de turma. A partir disso, deve-se marcar
uma reunião com professor de sala de aula e, preferencialmente, com
a presença dos professores de apoio e da família. Também podemos
contar com a presença do professor de Educação Especial e da sala
de recurso. Cada um deles vivencia uma parte da vida do estudante e
será importante os terapeutas conhecerem todos os contextos para
poderem auxiliar e tirar dúvidas.

3. Com quais outras formas podemos nos comunicar que não


somente a fala oralizada?
Podemos nos comunicar apontando as coisas com as mãos, com gestos
naturais, com as expressões, o olhar, a voz sintetizada, entre outros.

94 Comunicação suplementar e alternativa


Código Logístico
ISBN 978-65-5821-215-7

I000876
9 786558 212157

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