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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ


Departamento Acadêmico de Linguagem e Comunicação
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens
Área: Linguagem e Tecnologia
Linha de Pesquisa: Estéticas contemporâneas, modernidade e
tecnologia

Disciplina: OP06 – Fundamentos de Análise do Discurso Francesa


Professor(a): Drª. Maria de Lourdes Rossi Remenche
Aluno(a): Priscila Tobler Murr

As elaborações audiovisuais contemporâneas e sua ação dialética


no contexto das manifestações sociais brasileiras
Priscila Tobler Murr
priscilatmurr@gmail.com

Resumo: Com base na noção de linguagem enquanto ato intrínseco ao discurso (CHARAUDEAU,
2013), o presente artigo busca averiguar a forma como se dá a mecânica de construção de sentido no
contexto das elaborações audiovisuais produzidas pelo coletivo midialivrista independente Mídia
NINJA. Para isso, analisa-se um vídeo correspondente à cobertura realizada pelo grupo, e transmitida
via Facebook, na data do afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff do governo brasileiro:
dia 31 de agosto de 2016. O recorte é justificado com base em critérios de relevância histórica,
mobilização social e cobertura por parte de mídias alternativas. A partir da hipótese de que o grupo,
em condição de instrumento de contracultura, organiza-se em prol do estímulo ao interesse social,
com objetivos de impactar e congregar indivíduos, verifica-se que os NINJA têm crebilidade por
agirem segundo abordagem participativa, ao vivo e in loco.
Palavras-chave: Análise do Discurso Francesa; Mídia NINJA; Midialivrismo; Impeachment.

Abstract: Based on the notion of language as an intrinsic act of discourse (CHARAUDEAU, 2013),
the present article seeks to ascertain the way in which the mechanics of meaning construction take
place in the context of the audiovisual productions produced by the free media collective Mídia
NINJA. For this, a video corresponding to the coverage made by the group, and transmitted via
Facebook, is analyzed on the date of the definitive removal of President Dilma Rousseff from the
Brazilian government: August 31, 2016. The cut is justified based on historical relevance, social
mobilization and coverage by alternative media. Based on the hypothesis that the group, as a
counterculture instrument, organizes itself in order to stimulate the social interest, with objectives of
impacting and congregating individuals, it is verified that the NINJA get credibility because they
acted according to participatory approach, live and in loco.
Keywords: French Discourse Analysis; Mídia NINJA; Free Media; Impeachment.

Partindo da noção de linguagem enquanto ato intrínseco ao discurso, o presente artigo


busca averiguar a forma como se dá a mecânica de construção de sentido no contexto das
elaborações audiovisuais informativas produzidas pelo coletivo midialivrista independente
Mídia NINJA. Isso porque, conforme Charaudeau (2013),

Se existe um fenômeno humano e social que dependa precipuamente da linguagem,


é o da informação. A informação é, numa definição empírica mínima, a transmissão
de um saber, com a ajuda de uma determinada linguagem, por alguém que o possui
a alguém que se presume não possuí- -lo. Assim, se produziria um ato de
transmissão que faria com que o indivíduo passasse de um estado de ignorância a
um estado de saber, que o tiraria do desconhecido para mergulhá-lo no conhecido, e
2

isso graças à ação, a priori, benévola, de alguém que, por essa razão, poderia ser
considerado um benfeitor.
Essa definição mínima, por mais altruísta que pareça, suscita problemas
consideráveis: quem é o benfeitor e quais são os motivos de seu ato de informação?
Qual é a natureza do saber a ser transmitido e de onde ele vem? Quem é esse outro
para quem a informação é transmitida e que relação mantém com o sujeito
informador? Enfim, qual é o resultado pragmático, psicológico, social desse ato e
qual é seu efeito individual e social? (CHARAUDEAU, 2013, p.33, grifo no
original).
Assim, considerando que o universo de informação midiática não é apenas um reflexo
do que acontece no espaço público, mas sim um sistema construído - ou o espetáculo da
democracia, conforme Charaudeau (2013) -, admite-se a contribuição dos NINJA com relação
à instauração de vínculos sociais sem os quais não haveria sentimento de compartilhamento
de identidades por parte dos interlocutores.
Então, visando a investigação com relação à forma como esse coletivo se organiza em
prol do estímulo aos interesses público e do público (LAGE, 1998), na posição de
instrumento de contracultura, com objetivos de impactar e congregar indivíduos, delimitou-se
como objeto, para esta análise, a cobertura informativa realizada na data do afastamento
definitivo da presidente Dilma Rousseff do governo brasileiro: o dia 31 de agosto de 2016
(FREIXO; RODRIGUES, 2016).
Dessa forma, o foco analítico deste trabalho volta-se à cobertura NINJA na referida
data. Sem deixar de considerar o todo da atuação do grupo militante, selecionou-se, como
objeto elementar, uma das tomadas de vídeo postadas na página @midiaNINJA, no
Facebook. O material, nomeado “Milhares nas ruas de Curitiba, agora, no ato #ForaTemer”,
expõe a situação em Curitiba concomitantemente à divulgação da notícia, e foi escolhido por
questões de valor-notícia1 (Lage, 1982), com base em critérios de “relevância histórica”
(GOHN, 2017), “mobilização social” (BUTTERFIELD; CHEQUER, 2016) e “cobertura por
parte de mídias alternativas” (LORENZOTTI, 2014). Além disso, porque a atual verificação
é parte de uma pesquisa ampliada que investiga a contribuição ativista à elaboração do
discurso informativo audiovisual contemporâneo frente à imprensa hegemônica.
Ademais, recorre-se a outros pensadores não atrelados à Análise do Discurso francesa
(AD) para complementar as exposições e enriquecer a discussão. Comparato (1995) e Genro
Filho (2012) são bases para a explanação crítica sobre o fazer noticioso, apresentando os
preceitos e conceitos basilares dessa atividade. Já Castells (1999), McLuhan (1972, 2007) e

1
É sinônimo de “noticiabilidade” e diz respeito ao processo de seleção e ordenamento de dados na construção
noticiosa. Além disso, está relacionado a uma técnica de produção que estabelece critérios de avaliação formal,
considerando constatações empíricas, pressupostos ideológicos e fragmentos de conhecimento científico. Para
mais, deve considerar proximidade, atualidade, identificação humana e social, intensidade e ineditismo (LAGE,
1982, p.66).
3

Rüdiger (2008) contribuem no sentido da contextualização com relação à situação


vislumbrada a partir da possibilidade tecnológica na esfera pública. Santaella (2010), por sua
vez, explicita esse cenário, trazendo a discussão para a atual conjuntura socioprofissional. Por
fim, as informações básicas relativas ao objeto de estudo, a Mídia NINJA, são extraídas de
Lorenzotti (2014), bem como dos próprios canais de comunicação do coletivo em questão
(Youtube, Facebook, Twitter, Tumblr e Web Site).

Informação, Comunicação e Mídia (NINJA)

Para tratar dos assuntos os quais subintitulam este item, é necessário, antes de tudo,
estabelecer a seguinte distinção:

[...] “informação” e “comunicação” são noções que remetem a fenômenos sociais;


as mídias são um suporte organizacional que se apossa dessas noções para integrá-
las em suas diversas lógicas - econômica (fazer viver uma empresa), tecnológica
(estender a qualidade e a quantidade de sua difusão) e simbólica (servir à
democracia cidadã) (CHARAUDEAU, 2013, p.15).
Logo, a comunicação é o ato de troca e construção de sentidos que se realiza por meio
da linguagem (verbal ou não verbal). E o discurso informativo é o que se constrói com base
em uma série de parâmetros os quais determinam a produção noticiosa nas mídias
(MARQUES DE MELO, 2009). Portanto, a questão da linguagem figura como alicerce a
quaisquer tipos de elaborações midiáticas, não se referindo

[...] somente aos sistemas de signos internos de uma língua, mas a sistemas de
valores que comandam o uso desses signos em circunstâncias de comunicação
particulares. Trata-se da linguagem enquanto ato de discurso, que aponta para a
maneira pela qual se organiza a circulação de fala numa comunidade social ao
produzir sentido. Assim, pode-se dizer que a informação implica processo de
produção de discurso em situação de comunicação (CHARAUDEAU, 2013, p.33-
34, grifo no original).
Nesse contexto, ancoradas no tripé composto por imagem cinética, fala e som, que
envolve todos os sentidos humanos em “profunda inter-relação” (MCLUHAN, 2007, p.378),
as elaborações audiovisuais logram destaque na contemporaneidade, seja no âmbito das
instâncias de produção profissionais ou não profissionais, seja perante o público receptor.
Para mais, no universo da cibercultura 2, mediante o “expansionismo tecnológico e
maquinístico” (RÜDIGER, 2008, p.22) que facilita a produção de “filmes domésticos ou de
amadores” (COMPARATO, 1995, p.48), oportuniza-se o alcance a esse tipo de criação.
Tendo em vista o reverberar de um ambiente de “conectividade ubíqua”,
representado, de forma genérica, por interações as quais denotam o compartilhamento
2
O termo cibercultura faz referência à inter-relação social via ciberespaço, ambiente comunitário e participativo
que se caracteriza como um território virtual de trocas, ação coletiva e produção comum de linguagens
(MALINI; ANTOUN, 2013, p.18-21).
4

informacional simultâneo, em qualquer espaço e qualquer lugar, mediante a utilização de


tecnologias comunicacionais móveis (SANTAELLA, 2010, p.19), percebe-se as
possibilidades relativas ao ato de comunicação por meio das redes.
Além disso, segundo Capra (1996), falar sobre redes é, especificamente, falar sobre a
espécie humana, pois elas representam um padrão comum a tudo que é vivo, e, tendo
aparecido concomitantemente à sociabilidade humana, podem ser caracterizadas como “teias”
de relacionamento que sustentam as interações em sociedade. Em abordagem menos
naturalista, conforme Castells (1999) e Musso (2004), pode-se conceituar rede como uma
estrutura dinâmica de comunicação instável, composta por elementos em interação. Tais
elementos, por seu turno, são representados por “nós”, ou seja, pontos de entrecruzamento os
quais permitem o processamento do fluxo comunicacional circundante.
Nesse sentido, verifica-se a emergência das redes a partir da existência do
ciberespaço, o que fez surgir uma “nova estética” no que diz respeito à produção de material
informativo, reforçam o caráter polimórfico das formas de comunicação no âmbito
audiovisual (COMPARATO, 1995, p.49-53).
Possibilitado mediante a difusão e o avanço das tecnologias de informação e
comunicação (TICs), esse cenário é resultado de uma série de transformações que definem a
atual situação mundial e que irrompe, como anuncia Castells (1999), tão somente mediante os
avanços possibilitados pelos processos de inovações técnicas, científicas e informacionais
que foram impulsionados pela Era Digital3.
Tal movimento de transformação remodela a base material da sociedade, instituindo
uma nova estrutura urbana (LÉVY, 1993) e provocando revoluções nos modos de produzir,
consumir, administrar, negociar, comunicar, viver e pensar (CASTELLS, 1999). E isso afeta
não apenas os domínios social e econômico, mas, do com Vieira Pinto (2005), impetra uma
nova dinâmica nos modos de se considerar o próprio espaço urbano.
Diante do exposto, porém, é falso alegar a emergência de uma nova estrutura urbana
ou a destruição das velhas formas. O que acontece é uma sinergia da esfera real com o
emergente ciberespaço4 (LEMOS, 2004), fato possível doravante a confluência entre espaços
físicos (SILVA, 2005) e redes telemáticas5 (PUJOLLE, 1985).

3
Expressão adotada por (entre outros): Castells (1999), Negroponte (1995) e Cannito (2010).
4
Termo utilizado por Gibson (1984), Negroponte (1995), Castells (1999), Lévy (1999), Lemos (2004), Rüdiger
(2008), dentre outros.
5
Conjunto de TICs que permite captura, processamento e armazenamento de dados nos formatos texto, imagem
e som (PUJOLLE, 1985). Além disso, com base em Silva (2005), essa abordagem diz respeito à relação espacial
entre as cidades e as tecnologias, com ênfase nas relações socioeconômicas, políticas e culturais advindas dessa
interação.
5

Ademais, o referido ambiente é caracterizado por Santaella (2010) como um “espaço


intersticial”: uma mistura inextricável entre o ambiente concreto e o ambiente virtual,
possibilitada mediante o aparecimento das tecnologias comunicacionais - ou mídias - móveis
(SANTAELLA, 2010, p. 99). Além disso, vale destacar que tal conceito abarca “lugar”,
“espaço” e “mobilidade” ao mesmo tempo.
À vista disso, as tecnologias comunicacionais móveis passam a ter representatividade
e atuação significativa, intervindo na vida e modificando as práticas humanas desde as mais
básicas. E, a partir da ideia da não necessidade social com relação a acompanhamento e
crença nas “mídias partidaristas”, fenômeno possibilitado mediante o uso de “celulares”
(LORENZOTTI, 2014, p.05), “informar alguém de alguma coisa” (CHARAUDEAU, 2013,
p.34), atividade discursiva passível de ser praticada por todos, mas enredada a partir das
mídias, tornando-se apanágio de um grupo particular no âmbito socioprofissional, retoma
suas feições de “fenômeno geral” (CHARAUDEAU, 2013, p.34).
Com efeito, diante da mobilização social em prol de mudanças com relação à situação
política do Brasil (BUTTERFIELD; CHEQUER, 2016), bem como da insatisfação acerca da
cobertura noticiosa realizada pelos organismos de informação especializados (GENRO
FILHO, 2012), vislumbra-se o aparecimento de fontes de informação alternativas, tal como
grupos de comunicadores independentes, impelindo o receptor a considerar novas formas de
acesso às notícias.
Diante da novidade com relação às possibilidades tecnológicas, sobretudo no contexto
da informatização, da cibernética e das redes, a prática de produzir e divulgar notícias é
modificada. A cobertura midiática tradicional, baseada em modelos hierarquizados de
produção e divulgação, sofre uma espécie de desapoderamento. E o reportar dos fatos “de
fora”, sob a alcunha da improvável isenção, perde espaço frente ao surgimento e ascensão de
coletivos midialivristas (LORENZOTTI, 2014, p.05-09).
Nessa perspectiva, Lorenzotti (2014, p.08-09) afirma que “midialivrismo” é um termo
novo e, por isso, ainda não é encontrado nos dicionários. Fazendo referência às iniciativas
inspiradas na dinâmica de compartilhamento que se desenvolve no ciberespaço, o
midialivrismo representa a produção coletiva de conteúdos e a construção de narrativas
informativas por meio da ação de muitos atores, os “cidadãos multimídia”, evidenciando a
pluralidade de pontos de vista, sobretudo frente à mídia convencional. Para Antoun e Malini
(2013), essa abordagem não é necessariamente nova e, tendo ganhado visibilidade no
contexto cibercultural, alude ao embate entre as mídias livres, que são iniciativas alternativas
que visam a democratização da comunicação, e a imprensa hegemônica, que, segundo Mattos
6

(2009), tem base em interesses políticos e econômicos. O midialivrismo remete, portanto, a


um novo tipo de produção informativa, fazendo valer o aforismo “Uma câmera na mão e uma
ideia na cabeça”, do cineasta Glauber Rocha, na década de 1970 (COMPARATO, 1995,
p.49).

Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação6: os NINJA e o aparelho de telefone


celular como gênese discursiva

Mesmo a prática informativa mais simples é baseada em conjuntos de regras.


Envolvendo preceitos e conceitos já definidos e solidificados, a produção noticiosa
profissional envolve modos de fazer os quais estão condicionados aos fenômenos imediatos
que povoam o cotidiano e são, no geral, dependentes de acontecimentos sociais. Para Genro
Filho (2012), essa perspectiva diz respeito a uma “[...] forma social de conhecimento,
historicamente condicionada pelo desenvolvimento do capitalismo, mas dotada de
potencialidades que ultrapassam a mera funcionalidade a esse modo de produção” (GENRO
FILHO, 2012, p.10).
E, a isto, se dá o nome de “jornalismo”. Tal atividade é caracterizada por Rossi (2006)
como

[...] uma fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de seus alvos:
leitores, telespectadores ou ouvintes. Uma batalha geralmente sutil e que usa uma
arma de aparência extremamente inofensiva: a palavra, acrescida, no caso da
televisão, de imagens. Mas uma batalha nem por isso menos importante do ponto de
vista política e social [...] (ROSSI, 2006, p.07).
Ilustrando a assertiva, Beltrão (2006) admite que essa prática engloba conhecimento
social e produção de saber, complementando, então, a apresentação conceitual acerca do que
se tem por “jornalismo” no contexto deste estudo.

O jornalismo que tratamos aqui, portanto, não é uma atividade ligada


exclusivamente ao jornal, embora tenha sido tipificado pelos diários que nasceram a
partir da segunda metade do século passado, já com características empresariais e
voltados para a diversificação crescente das informações (GENRO FILHO, 2012,
p.10).
Nesse sentido, as mudanças técnicas e pragmáticas impulsionadas pela acelerada
manifestação de novas tecnologias, sobretudo a partir do século XX, têm reflexos tanto na
forma e conteúdo jornalísticos, quanto na maneira pela qual se pratica essa atividade. Por
conseguinte, as relações práticas de produção e reprodução da vida social como um ponto
nodal da autoprodução humana ao longo da história são evidenciadas.

6
Da sigla “NINJA” (LORENZOTTI, 2014, p.14).
7

Cada qual à sua época, imprensa, rádio, fotografia, cinema, TV e Internet trouxeram
consequências profundas para as formas de conhecimento e comunicação (GENRO FILHO,
2012, p.32). E as possibilidades trazidas pelas inovações científicas e tecnológicas
evidenciam o impacto com relação aos processos produtivos noticiosos, uma vez que trazem
a possibilidade de uma nova configuração para o ramo.
Instaura-se, portanto, aquilo que Lorenzotti (2014) chama de “novos tempos na
comunicação”. Momento em que, impelidos pelas referidas transformações, e rapidez com
que a própria vida se dá neste século XXI, os atores sociais encontram um lugar próprio
(LORENZOTTI, 2014). Lançando mão de apetrechos como os telefones celulares, que
figuram como objetos de uso já popularizados, passam a atuar no sentido contrário das
“produções ideológicas que emanam das estruturas subjacentes em que se organiza a
mensagem” (GENRO FILHO, 2012, p.20). E, a partir de então, tornam-se eles próprios a
fonte de informação.
Então, contextualizados no ambiente ciber, estando atrelados à cibercultura e
operando via ciberespaço, estabelecem relações de trocas simbólicas, caracterizadas por
Charaudeau (2013) como a “[...] maneira pela qual os indivíduos regulam as trocas sociais,
constroem as representações dos valores que subjazem a suas práticas, criando e manipulando
signos e, por conseguinte, produzindo sentido” (CHARAUDEAU, 2013, p.16). E, quando
organizados sincronicamente, podem originar redes descentralizadas comunicação social,
com objetivos sociais informacionais.
Nesse ínterim, tem destaque o coletivo de resistência Mídia NINJA (“Narrativas
Independentes, Jornalismo e Ação”). Sendo uma rede descentralizada independente, que se
baseia na prática jornalística “alternativa” (BARBA; BLANCO, 2011), com função de
informar os cidadãos, segundo abordagem sociopolítica, por meio de coberturas em tempo
real ou gravações, os NINJA buscam ser um contraponto frente à imprensa tradicional.
Tendo visibilidade internacional (LORENZOTTI, 2014, p.07), o grupo Mídia NINJA
se autodenomina como uma rede de comunicadores que produzem e distribuem informação
em movimento, agindo e comunicando e, apostando em uma lógica colaborativa de criação e
compartilhamento de conteúdo, no Brasil e no mundo, tem seus objetivos pautados onde a
luta social e a articulação das transformações culturais, políticas, econômicas e ambientais se
expressa. Além disso, ancorados na ideia de que a Internet mudou o jornalismo e essa
transformação está submetida à participação de todos, os NINJA admitem que novas
tecnologias e novas aplicações têm permitido o surgimento de novos espaços para trocas, nos
quais as pessoas não só recebem, mas também produzem informações. E esse ambiente, que
8

permite trocas de informações diretas, sem a presença dos velhos intermediários, é


característico da sociedade em rede (MÍDIA NINJA, 2016).
Para mais, a Mídia NINJA reitera que, “neste novo tempo, de redes conectadas às
ruas, emergem os cidadãos multimídia, com capacidade de construir sua opinião e
compartilhá-la no ambiente virtual”7. Portanto, articulados, esses novos narradores atuam na
elaboração de conteúdo audiovisual próprio, com modelo de transmissão baseado na
utilização exclusiva de telefones celulares, com produções feitas por comunicadores
interligados pelo ciberespaço.
Adiante, com o intuito de reunir jornalistas “assombrados pelo fantasma de demissões
coletivas que, de maneira ininterrupta, rondava a redações” (LORENZOTTI, 2014, p.14), o
coletivo em questão surgiu oficialmente no final do ano de 2012, buscando explorar as
possibilidades com relação a coberturas, discussões, repercussões, remunerações e liberdade
de expressão oferecidas pela rede, planejando, como base para seu modelo de produção, a
cobertura Streaming8 (LORENZOTTI, 2014). Assim, esquematizando documentar o que
acontece do ponto de vista de quem participa, a Mídia NINJA desponta como “narrativa
independente de jornalismo e ação”, sendo essa ação o ativismo, o que coloca o grupo em
movimento em tempo real, nas manifestações de rua, não apenas produzindo conteúdos, mas
participando, envolvendo-se no processo (LORENZOTTI, 2014, p.20).
Evidenciando-se a partir de coberturas realizadas no ano de 2013, quando das
jornadas de protesto inicialmente contra os preços das passagens do transporte público nas
principais capitais, os NINJA chegaram a picos de audiência de mais de 120 mil espectadores,
transmitindo via Facebook. Isso representa uma marca de 1,2 pontos nos ibopes oficiais,
número alcançado por poucos programas na televisão aberta (LORENZOTTI, 2014). À
época, a página oficial do coletivo (@midiaNINJA) possuía 9 mil seguidores. Atualmente,
são 1.585.174 milhões e, além da página mencionada, fixada na principal rede social utilizada
pelos NINJA, o Facebook, há a utilização de outros canais de comunicação, como Youtube,
Facebook, Twitter, Tumblr e Web Site. Além disso, transmitem por meio de outras
plataformas, tais como Google Hangout, Twitcam, Livestream, Ustream, e Facebook Live,
adaptando-se às condições que cada uma oferece e fazendo uso daquela que mais se encaixe
na realidade momentânea de cada transmissão.

7
Disponível em: <https://www.facebook.com/MidiaNINJA/>. Acesso em: 20 de julho de 2017.
8
Tecnologia que possibilita a transmissão de áudio e vídeo, em tempo real, pela Internet, sem necessidade de
download do material (LI; YIN, 2007).
9

Presente em mais de 250 cidades do Brasil (LORENZOTTI, 2014, p.05), a Mídia


NINJA se vale não mais da pena, da caneta ou das teclas das máquinas mecânicas ou de
computadores de mesa para produção informativa. São as teclas dos celulares, ou seu
mecanismo de Touch-Screen9, e suas câmeras as armas desse novo jornalismo baseado não
mais em um repórter, mas em uma rede (LORENZOTTI, 2014).

“Tudo é escolha”

Tomando a linguagem como ato de discurso, com base na ideia de que a construção
de sentidos se dá pela ação linguageira do homem em situação de troca social, mediante um
duplo processo de semiotização do mundo, verifica-se caber às mídias, em sua posição
organismo informador especializado, responder a demandas sociais por dever de democracia
(CHARAUDEAU, 2013).
Sabendo-se que os atos comunicativo e informativo são baseados em escolhas. “Não
somente escolha de conteúdos a transmitir, não somente escolha das formas adequadas para
estar de acordo com as normas do bem falar e ter clareza, mas escolha de efeitos de sentido
para influenciar o outro” (CHARAUDEAU, 2013, p.39); também com relação à forma de
estímulos os quais visem impactar e congregar indivíduos; escolha implícita por meio da
lógica comercial a qual rege as mídias. Em resumo, essas escolhas dizem respeito às
estratégias discursivas adotadas por parte das fontes de informação.
Em sentido lato, comunicação

[...] significa pôr em comum. A finalidade da comunicação é pôr em comum não


apenas ideias, sentimentos, pensamento, desejos, mas também compartilhar formas
de comportamento, modos de vida, determinados por regras de caráter social. Desse
ponto de vista, comunicação também é convivência, que traz implícita a noção de
comunidade, vida em comum, agrupamento solidário, baseado no consenso
espontâneo dos indivíduos (ANDRADE; MEDEIROS, 2006, p.03).
Sendo assim, a comunicação, como necessidade básica da pessoa humana, do homem
social, tem por objetivo primeiro o entendimento entre os homens (BORDENAVE, 2006,
p.19). Então, estando o ato informacional inserido nesse universo, sendo a informação a
transmissão de um saber por meio de linguagem, estabelece-se modelo de comunicação
social que ordena o fluxo discursivo no contexto apresentado (CHARAUDEAU, 2013).
Representado pelo esquema: “Fonte de informação ⇒ Instância de transmissão ⇒
Receptor” (CHARAUDEAU, 2013, p.35), o modelo supracitado imprime aquilo que

9
Em português, significa “tela sensível ao toque” e diz respeito a uma interface que traz benefícios com relação
à usabilidade e conectividade dos usuários no âmbito tecnológico (DOYUN, 2011).
10

Charaudeau (2013) postula como “um ponto de vista ingênuo” a respeito da informação. Para
ele, esse esquema evoca problemas em todas as suas instâncias, pois representa

[...] um modelo que define a comunicação como um circuito fechado entre emissão
e recepção, instaurando uma relação simétrica entre a atividade do emissor, cuja
única função seria “codificar” a mensagem, e a do receptor, cuja função seria
“decodificar” essa mesma mensagem (CHARAUDEAU, 2013, p.35).
Então, eliminando todo “efeito perverso” da intersubjetividade relativa às trocas
humanas, reduz a informação a um mero procedimento de transmissão de sinais,
demonstrando que os problemas relacionados a esse mecanismo são externos a ele próprio
(CHARAUDEAU, 2013, p.35).
Transportando essa realidade ao cenário midiático, faz-se valoroso considerar a
questão discursiva. Sendo uma combinação das circunstâncias em que se dá o ato de
informação com a maneira pela qual se comunica, o discurso produz significações, remetendo
a uma mecânica de construção de sentido com abordagem para a questão da “natureza do
saber” e do “efeito de verdade” (CHARAUDEAU, 2013, p.40).
A dinâmica de produção de sentido relativa ao ato de informar é estabelecida
mediante duplo movimento baseado em processos de “transformação” e “transação”. O
primeiro, comandado pelo segundo, consiste em transformar o “mundo a significar” em
“mundo significado”. Isso segundo categorias que identifiquem os seres do mundo
(nomeando), que apliquem a esses seres propriedades (qualificando), que descrevam as ações
nas quais esses seres estejam engajados (narrando), que forneçam os motivos dessas ações
(argumentando), e que avaliem esses seres, essas propriedades, essas ações e esses motivos
(modalizando). Já o segundo, remete à atribuição de uma significação psicossocial a um ato
de linguagem produzido por um sujeito. Para tanto, considera-se parâmetros hipotéticos, tais
como identidade do outro, efeito pretendido, relação a ser instaurada e tipo de regulação
almejada. O ato de informar está inscrito nesse duplo processo de semiotização porque “[...]
deve descrever (identificar-qualificar fatos), contar (reportar acontecimentos), explicar
(fornecer as causas desses fatos e acontecimentos)” (CHARAUDEAU, 2013, p. 41, grifos no
original), além de fazer circular um objeto de saber, o qual, em princípio, é possuído pela
fonte de informação e não possuído pelo receptor. Então, a este cabe receber, compreender,
interpretar e sofrer modificação com relação a seu estado inicial de conhecimento, e, àquele,
transmitir os saberes de que dispõe.
Para mais, admitindo que a informação é relacionada a questões de linguagem, e que a
linguagem não é transparente, pois apresenta opacidade própria, por meio da qual se constrói
uma visão, um sentido particular acerca do mundo, aufere-se que as mídias não
11

necessariamente transmitam o que ocorre na realidade social, mas imponham o que


constroem no tocante ao espaço público (CHARAUDEAU, 2013). Porém, considerando a
lógica de funcionamento das mídias (econômica e simbólica), com foco na premissa de que
“[...] todo organismo de informação tenha por vocação participar da construção da opinião
pública” (CHARAUDEAU, 2013, p.21), é perceptível que as conceituações, bem como as
ações práticas com relação à inteligibilidade (natureza do saber) e à de subjetividade com
relação ao mundo (efeito de verdade), regulam as práticas nesse âmbito. Então, com base nas
“representações”, que apontam para o desejo social, produzindo normas e revelando sistemas
de valores, se delineia o real, ancorado na relação percepção-construção estabelecida pelo ser
humano (CHARAUDEAU, 2013, p.43-49).

Os efeitos de poder sob a máscara NINJA

Utilizando aparelhos de telefone celular, transmitindo acontecimentos em tempo real,


os NINJA efetuaram sua cobertura noticiosa no dia 31 de agosto de 2016, tal qual fazem
desde sua primeira aparição. A atuação do coletivo é pautada na difusão de material
audiovisual principalmente por meio do Facebook, que atinge grande público pela facilidade
de acesso à rede social.
Lorenzotti (2014), nessa perspectiva, aponta a Mídia NINJA como um embrião da
nova mídia do futuro. Futuro esse que, segundo ela, é estruturado diariamente nesses tempos
“fora do eixo e de paradigmas”, o qual é expresso pela cibercultura. Sendo assim, os NINJA
responderiam pela criação de uma “pós-TV feita por pós-jornalistas, para pós-
telespectadores” (LORENZOTTI, 2014, p.06).
Com seus celulares, estabelecem a gênese discursiva por meio da qual protagonizam a
ação dialética no contexto das manifestações sociais. Suas elaborações audiovisuais, por não
estarem restritas tão somente a seu comando, mas serem realizadas de forma colaborativa,
reúnem uma diversidade de vídeos, sob óticas distintas. Em meio a quaisquer ocorrências
sociais, sejam elas de grande ou pequena proporção, a atuação dos NINJA é verificada,
normalmente, com entradas ao vivo compreendendo todos os locais onde há manifestação
popular.
12

Avaliando a performance NINJA10 de forma geral, verifica-se forte apelo social por
meio da identificação estabelecida com o público receptor. O efeito de verdade, não existente
“[...] fora de um dispositivo enunciativo de influência psicossocial, no qual cada um dos
parceiros da troca verbal11 tenta fazer com que o outro dê sua adesão a seu universo de
pensamento e de verdade” (CHARAUDEAU, 2013, p.49), valida a credibilidade do coletivo,
dando direito à palavra àqueles aos quais ele afirma representar. Estes, por sua vez, sentem-se
como parte de todo processo noticioso. E, mais do que isso, tal sentimento de pertencimento e
participação vai de encontro à premissa que rege a questão da qual se trata:

O efeito de verdade está mais para o lado do “acreditar ser verdadeiro” do que para
o do “ser verdadeiro”. Surge da subjetividade do sujeito em sua relação com o
mundo, criando uma adesão ao que pode ser julgado verdadeiro pelo fato de que é
compartilhável com outras pessoas, e se inscreve nas normas de reconhecimento do
mundo (CHARAUDEAU, 2013, p.49).
Mediante tal interação social, constitui-se o fluxo de trocas simbólicas, permeado
pelas representações dos valores que subjazem a práticas individuais, produzindo sentido
(CHARAUDEAU, 2013, p.28). Então, essa coletividade, organizada de forma coletiva e
síncrona, dá origem a uma rede descentralizada de comunicação social. Isso denota o objetivo
de estabelecimento de confluência entre os interesses desta mídia para com os interesses de
seu público receptor, em função da colaboração popular. Portanto, evidencia-se a base
constitutiva de sentidos adotada pelo coletivo NINJA.

Curitiba, 31 de agosto de 2016

A notícia do afastamento definitivo de Dilma Rousseff da presidência da República,


depois de quatro meses de tramitação processual no Senado Federal do Brasil, foi recebida
com efervescência pela população, que, mobilizada via rede, foi às ruas em manifestação.
Então, no âmbito da análise proposta, as características elencadas acerca da Mídia NINJA e
de sua atuação, bem como de sua relação com o público receptor, não são diferentes. Na data,
58 vídeos foram publicados na página @midiaNINJA, mostrando a situação nas cidades de
Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Juiz de Fora, Manaus, Natal, Porto Alegre, Ribeirão Preto,
Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Ribeirão Preto, além de Nova Iorque. A maioria das
transmissões foi realizada via Streaming, por NINJAS os quais se encontravam nas
10
Nesse ponto, é interessante registrar que o vocábulo “ninja” foi escolhido para remeter à militância e ao
ativismo social, conforme narra Lorenzotti (2014). A proposta inicial era a utilização de um termo que fosse
entendido por todos, nacional e internacionalmente. Então, adotou-se “ninja” e, posteriormente foi estabelecido
um processo de definições com relação a cada uma das letras da palavra, em conformidade com a ideologia do
grupo. Além disso, conforme a tradição japonesa, o termo Ninja (ou Shinobi) designa “agentes secretos”, que
atuam no sentido de investigar e agir em oposição a situações que pequem contra a ordem e bem estar social
(LORENZOTTI, 2014, p.13-15).
11
Cabe apontar que a presente análise é sustentada pelo exame tanto do conteúdo verbal, quanto não verbal.
13

localidades. Porém, em quaisquer situações, mediante pedidos públicos em sua rede social, o
coletivo faz uso de imagens gravadas por “pessoas comuns”, aqueles indivíduos participantes
das manifestações, dando voz a eles, contrariando a ideia de que “[...] o cidadão comum não
aparece nos meios de comunicação senão como vítima. Seus papéis centrais estão definidos
em termos de consumo de informação e sua posição de espectadores” (CASTELLANOS,
2004, p.05, tradução livre). Além disso, coloca a informação em um lugar diferente daquele
onde era posta até então: afastando-se do monopólio das fontes tradicionais, essa atividade
discursiva parece retomar a posição de fenômeno geral, que seria, segundo Charaudeau
(2013) seu lugar de origem. Portanto, a atividade teria sido deturpada a partir do surgimento
de uma instância particular especializada em informar (o jornalismo).
No tocante à transmissão analisada, a figura seguinte demonstra a forma de
apresentação do vídeo na rede social, denotando as características gerais de todos os materiais
que são publicados pela Mídia NINJA.

Figura 01 – Vídeo publicado na página do Facebook @midiaNINJA em 31 de agosto de 2016

Fonte: (MÍDIA NINJA, 2016).

Inicia-se a análise pelo conteúdo verbal, seguindo para o não verbal e, finalmente,
observando o conjunto total desse espectro. Verifica-se, por meio da legenda “Milhares nas
ruas de Curitiba, agora, no ato #ForaTemer” um tom partidário, característica fundamental
dos coletivos midialivristas. Situando o público quanto ao local, momento e estimativa de
participantes, indica o acontecimento de um ato contra a estada de Michel Temer no poder,
aquele que, até então, governava de forma interina por sua condição de vice-presidente da
República.
14

Com duração de 1:00 minuto, o vídeo em si mostra um número significativo de


pessoas caminhando de forma ordenada e coesa - uma multidão, conforme Hardt e Negri
(2005). A tomada de vídeo é feita de dentro, ou seja, do meio da manifestação, permitindo a
visão de corpo inteiro das pessoas. Não há pessoas de costas, nem imagens feitas de cima ou
de longe, mostrando apenas a parte do tronco para cima. Diferentemente da narrativa
informativa clássica, a fonte de informação está no cenário transmitido. É possível visualizar
uma multidão que caminha continuamente em uma via rápida da capital paranaense, cantando
em coro de forma ritmada e gritando palavras de ordem. Há pessoas a pé e de bicicleta,
vestindo roupas casuais e formais, segurando bandeiras, faixas e cartazes - mas não é possível
identificar o que está escrito neles. Além disso, a utilização dos celulares no cerne da
manifestação também é percebida. E a câmera que transmite o acontecimento chama a
atenção dos participantes, sendo que boa parte deles olha e até interage diretamente com ela
ao passar defronte. O indivíduo que filma, e a quem se dá o crédito na página do coletivo, é
Johny Vieira, integrante do grupo ativista. O vídeo tem 93 mil visualizações.
Do ponto de vista tecnológico, a qualidade das imagens chama atenção: a estética
dessas produções diverge daquela comum aos conglomerados de mídia tradicional. Os
formatos técnico e estético são próprios da Mídia NINJA, colocando a multidão em lugar
central. O uso de câmeras de telefone celular implica menor capacidade técnica, porém, tal
fato tem sua relevância diminuída frente à potencialidade comunicacional dessa instância de
transmissão. E, frente a tal subjetividade, reforça-se a identificação por parte do receptor. E
esse caráter “amador” das produções, não correspondendo ao padrão profissional inerente aos
grandes meios de comunicação, quebra com o paradigma praticado por esses conglomerados,
e vigentes até então. As produções, mesmo que desemboquem naquilo que Enzensberger
(2003) denomina como “artesanato individual”, justamente pela situação demonstrada acima,
alongam a possibilidade produtiva àqueles que não são profissionais. E o trabalho individual
é possível na medida de sua importância social e, também, mediante relevância estética. Isso,
por conseguinte, vai contra a ideia desse autor de que “[...] o indivíduo enquanto permanecer
isolado poderá, no melhor dos casos, tornar-se um amador, mas jamais produtor”
(ENZENSBERGER, 2003. p. 49-50). Na atuação dos NINJA, o que se verifica é a
possibilidade de os cidadãos atuarem como participantes da criação, produtores de fato.
Nesse caso, “fonte de informação” e “instância de transmissão” se entrelaçam e é delineado o
processo de produção do discurso.
Com o suporte teórico acerca do duplo processo de semiotização correspondente à
mecânica de construção de sentido apresentado por Charaudeau (2013), é possível apontar
15

considerações acerca da verificação desenvolvida neste estudo. Descrevendo, contando e


explicando, com foco para a linguagem enquanto objeto de identificação, principalmente por
meio da proximidade com a realidade do receptor, a Mídia NINJA estabelece a significação
do mundo no contexto da esfera pública à qual está inerente. Por meio das “representações”,
que constroem “[...] uma organização do real através de imagens mentais transpostas em
discurso ou em outras manifestações comportamentais dos indivíduos que vivem em
sociedade [...]” (CHARAUDEAU, 2013, p.47) e estão incluídas no real e, às vezes, são dadas
como se fossem o próprio real, imprime-se o desejo social, abarcando-se, inevitavelmente,
normas e sistemas de valores que regem as trocas humanas. Então, a forma como os NINJA
atuam consiste em projetar no público os desejos os quais dizem respeito ao grupo, mas os
quais se assume serem também os anseios da coletividade. E o uso dos celulares como
principal equipamento de apoio, delega a esses equipamentos a função dialética de
contraposição de informações divergentes (KONDER, 2008).

Balanço crítico

Lorenzotti (2013) admite que o momento atual diga respeito a um novo tempo no
âmbito comunicacional. Para ela, o contexto ciber, bem como a existência de tecnologias
como o telefone celular, aparelho de fácil alcance aos cidadãos neste século XXI, inaugura
possibilidades diversas em todos as esferas sociais.
No que tange à atividade discursivo-informativa no contexto das manifestações
sociais brasileiras, a ação dialética coordenada pelas elaborações audiovisuais
contemporâneas denota os efeitos de poder que envolvem esse ato. Assim, “fica evidente a
cultura nativa da rede entrando em conflito com a cultura secular do jornalismo [...] na
medida em que há, na rua, uma disputa, um confronto com a estrutura de poder existente na
sociedade” (PATIAS, 2013, p.08). Nesse contexto, os cidadãos multimídia, articulados, têm o
poder de construir e compartilhar situações e opiniões em ambiente virtual. Por conseguinte,
o poder coletivo passa a controlar os eventos no ciberespaço, transpondo-os à realidade
factual.
Então, com foco à atuação dos coletivos midialivristas, que “[...] praticam algo muito
próximo do que conhecemos por jornalismo, e fazem do seu jeito, de um novo jeito”
(LORENZOTTI, 2014, p.08), vê-se o disseminar de uma nova maneira de comunicação
social. Como alternativa à mídia tradicional, que tem enfoques voltados a interesses políticos
e econômicos, a Mídia NINJA ganha destaque, conseguindo atingir um público amplo e
16

diversificado. Portanto, eles, midialivristas, figuram como um dos “signos do jornalismo”


deste século (LORENZOTTI, 2014, p.08).
Posto isso, com base na reflexão segundo a AD francesa, compreende-se que o
fenômeno NINJA desfrute da visibilidade a qual é inerente a ele porque age segundo
abordagem participativa, intervindo socialmente, mas sendo afetado ao mesmo tempo, o que
promove a identificação por parte do público, tendo em vista questões de subjetividade e
pessoalidade. Então, mediante o movimento de entrelaçamento o qual é proposto e praticado
pelo grupo ativista, o transmissor do saber (informação) é, concomitantemente, a fonte de
informação (Mídia NINJA) e a instância de transmissão, que, por sua vez, abrange também o
próprio receptor.
Destarte, Charaudeau (2013) sugere que as mídias, de certo modo, construam, elas
próprias, seu público alvo. Aliando isso à ótica de Genro Filho (2012), que atribui ao
jornalismo um caráter ambíguo a partir do momento em que apresenta algo já acontecido
como se ainda estivesse acontecendo, reconstituindo fenômenos que não estão sendo
diretamente vivenciados como se o estivessem, que transmite acontecimentos através de
mediações técnicas e humanas como se produzisse o fato original, imputa-se aos NINJA
credibilidade. Isso porque atuam de forma antagônica à mencionada por Genro Filho (2012).
Finalmente, é complexo o processo de transformação de uma situação em um
acontecimento discursivo. Na singularidade universal dos pontos de vista individuais
constitutivos do caráter de acontecimento desse processo, constrói-se o sentido
(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p.29). Então, é ingênuo não considerar os
lugares de construção desse sentido. Afinal, só assim se pode explicar o ato informacional,
“[...] que não corresponde apenas à intenção do produtor, nem apenas à do receptor [...]”
(CHARAUDEAU, 2013, p.28), mas é resultado de uma cointencionalidade entre ambos.

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