Você está na página 1de 5

UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

Departamento Acadêmico de Linguagem e Comunicação


Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens
Área: Linguagem e Tecnologia
Linha de Pesquisa: Estéticas contemporâneas, modernidade e
tecnologia

Disciplina: OP01 – Imagem, Visualidade e Tecnologias


Professora: Drª. Anuschka Lemos
Aluna: Priscila Tobler Murr

Edgar Morin, em seu texto “Sapiens-demens”, constante na terceira parte do


livro O paradigma perdido: a natureza humana, organiza, de forma substancial, uma
discussão relativa ao “homem imaginário”. Permeando tal assunto, o sociólogo francês
traz diversos temas correlatos, os quais possibilitam associação com teoria e prática
jornalística na contemporaneidade, por exemplo. Iniciando sua discussão com base no
desenvolvimento humano na terra, Morin (1973) aponta para as transformações pelas
quais o homem passou até chegar à forma como se apresenta atualmente. Segundo
ele, “A era do cérebro grande começa com o homem de Neanderthal, já sapiens, que
dá depois lugar ao homem actual, único e último representante da família dos
hominídeos e do gênero homem sobre a terra” (MORIN, 1973, p. 93). Então,
considerando o texto sob viés empírico, é possível estabelecer relações diretas entre as
considerações de Morin (1973) e os padrões da estética jornalística, a qual fora
estabelecida há muito, mas que vem sofrendo modificações, sobretudo frente ao
despontar das novas tecnologias de mídia.
Um exemplo básico disso é a atuação do coletivo midialivrista de resistência
Mídia NINJA (“Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação”). Sendo uma rede
descentralizada independente, que se baseia na prática jornalística “alternativa”
(BARBA; BLANCO, 2011), com função de informar os cidadãos, segundo abordagem
sociopolítica, por meio de coberturas em tempo real ou gravações, os NINJA buscam
ser um contraponto frente à imprensa tradicional. Tendo visibilidade internacional
(LORENZOTTI, 2014, p.07), o grupo Mídia NINJA se autodenomina uma rede de
comunicadores que produzem e distribuem informação em movimento, apostando em
uma lógica colaborativa de criação e compartilhamento de conteúdo, no Brasil e no
mundo. Ancorados na ideia de que a Internet mudou o jornalismo e essa transformação
está submetida à participação de todos, os NINJA admitem que novas tecnologias e
novas aplicações têm permitido o surgimento de novos espaços para trocas, nos quais
as pessoas não só recebem, mas também produzem informações. E esse ambiente,
que permite o compartilhar de informações de forma direta - sem a presença dos velhos
intermediários, tal como a grande imprensa - fato que é característico da sociedade em
rede (MÍDIA NINJA, 2016).
Isto posto, descortina-se a relação entre a estética proposta no texto de Morin
(1973) e o padrão jornalístico em voga na atualidade. Segundo Morin (1973), as
transformações pelas quais o homem passou até avançar a “[...] um grau mais
complexo e de uma qualidade nova do conhecimento consciente” (MORIN, 1973, p.
94), trazem à tona um mundo novo de possibilidades. Essa complexidade traz consigo
elementos como “imaginação”, “criatividade” e “sensibilidade”, pontos que, se
considerados dentro da abordagem NINJA, revelam a emergência de um padrão outro,
que não necessariamente diz respeito ao paradigma primeiro do jornalismo. Nessa
abordagem, as tomadas de vídeo do coletivo em questão são feitas sempre de dentro,
ou seja, do meio das manifestações, permitindo a visão de corpo inteiro das pessoas.
Normalmente, não há indivíduos de costas, nem imagens feitas de cima ou de longe,
mostrando apenas a parte do tronco para cima. Além disso, diferentemente da narrativa
informativa clássica, a fonte de informação está dentro, inserida no cenário o qual é
transmitido. Ademais, quem filma é sempre uma “pessoa comum”, ou seja, qualquer
indivíduo que se disponha a relatar acontecimentos cotidianos os quais julga serem
importantes Do ponto de vista tecnológico, a qualidade das imagens chama atenção: a
estética dessas produções diverge daquela comum aos conglomerados de mídia
tradicional. Os formatos técnico e estético são próprios da Mídia NINJA, colocando a
multidão em lugar central. O uso de câmeras de telefone celular implica menor
capacidade técnica, porém, tal fato tem sua relevância diminuída frente à
potencialidade comunicacional dessa instância de transmissão. E, frente a tal
subjetividade, reforça-se a identificação por parte do receptor. E esse caráter “amador”
das produções, não correspondendo ao padrão profissional inerente aos grandes meios
de comunicação, quebra com o paradigma praticado por esses conglomerados, e
vigentes até então. As produções, mesmo que desemboquem naquilo que
Enzensberger (2003) denomina como “artesanato individual”, justamente pela situação
demonstrada acima, alongam a possibilidade produtiva àqueles que não são
profissionais. E o trabalho individual é possível na medida de sua importância social e,
também, mediante relevância estética. Isso, por conseguinte, vai contra a ideia desse
autor de que “[...] o indivíduo enquanto permanecer isolado poderá, no melhor dos
casos, tornar-se um amador, mas jamais produtor” (ENZENSBERGER, 2003. p. 49-50).
Na atuação dos NINJA, o que se verifica é a possibilidade de os cidadãos atuarem
como participantes da criação, produtores de fato. Nesse caso, “fonte de informação” e
“instância de transmissão” se entrelaçam e é delineado o processo de produção do
discurso.
REFERÊNCIAS

BARBA, Carmen Haro; BLANCO, Víctor Sampedro. Activismo político en red: del
movimiento por la vivienda digna al 15M. Teknokultura. Revista de Cultura Digital y
Movimientos Sociales, 2011, vol. 8, n. 2, p.157-175.

LORENZOTTI, Elizabeth. Jornalismo século XXI: o modelo #MídiaNINJA (Edição


Digital). São Paulo: E-galáxia, 2014.

MÍDIA NINJA. Audiovisual NINJA (Youtube). Brasil, 2017. Disponível em:


<https://www.youtube.com/user/midianinjafly>. Acesso em: 26 jul. 2017.

Você também pode gostar