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CATALOGAÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA - 2016/2018

Versão de Segunda, 06 de março de 2017.


DISCIPLINA: Mestrado Acadêmico - PPGEL.
PROFESSORA: Maurini de Souza
ALUNA: Priscila Murr

Tema:

SOUZA, Jessé de. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2009.

p. 15 (Introdução)
A impressão mais compulsivamente repetida por todos os jornais e por todo debate intelectual e
político brasileiro contemporâneo é a de que todos os problemas sociais e políticos brasileiros já
são conhecidos e que já foram devidamente “mapeados”. Que não se perceba nenhuma
mudança efetiva no cotidiano de dezenas de milhões de brasileiros condenados a um dia a dia
humilhante deve-se ao fato de que a desigualdade brasileira vem de “muito tempo” e que não se
pode acabar de uma penada com coisa tão antiga. As duas teses não poderiam ser mais falsas.
Elas também não poderiam estar mais relacionadas. Elas formam o núcleo mesmo da violência
que não “aparece” como violência -, que torna possível a naturalização de uma desigualdade
social abissal como a brasileira. Na realidade, a “legitimação da desigualdade” no Brasil
contemporâneo, que é o que permite a sua reprodução cotidiana indefinidamente, nada tem a ver
com esse passado longínquo. Ela é reproduzida cotidianamente por meios “modernos”,
especificamente “simbólicos”, muito diferentes do chicote do senhor de escravos ou do poder
pessoal do dono de terra e gente, seja esta gente escrava ou livre, gente negra ou branca.
Quando não se fala dessas formas “novas” e “modernas” de se legitimar a dominação cotidiana
injusta e se apela a uma suposta e vaga continuidade com o passado distante é porque não se
sabe do que se está falando, ainda que não se tenha coragem de admitir.

Meus comentários – anotações


Buscar: MEZAN, Renato: Sociedade dos bacharéis.

p. 16 (Introdução)
(...)fala-se do que não se conhece com toda a pose de quem se sabe muito.

É isso que explica que a forma como a sociedade brasileira percebe, hoje em dia, seus
problemas sociais e políticos seja “colonizada” por uma visão “economicista” e redutoramente
quantitativa da realidade social. O economicismo é, na realidade, o subproduto de um tipo de
liberalismo triunfalista hoje dominante em todo planeta (...), o qual tende a reduzir todos os
problemas sociais e políticos à lógica da acumulação econômica.

Meus comentários – anotações


Com relação ao exposto, a não existência, ou dificuldade com relação à existência de uma visão
alternativa se deve à questão puramente histórica, gestada entre os anos de 1930 e 1970 e
consolidada como visão hegemônica no país desde 1970 e 1980 até hoje.

p. 16 (Introdução)
Na verdade, a força do liberalismo economicista, hoje dominante entre nós, só se tornou
possível pela construção de uma falsa oposição entre mercado como reino paradisíaco de todas
as virtudes e o Estado identificado com a corrupção e o privilégio. Essa oposição simplista e
absurda – que ignora a ambiguidade constitutiva de ambas as instituições –, (...) é o que permite,
no Brasil de hoje, que a eternização dos privilégios econômicos de alguns poucos seja
“vendida” ao público como interesse de todos na luta contra uma corrupção
p. 17 (Introdução)
pensada como “mal de origem” e supostamente apenas estatal. Como todo conflito social é
dramatizado nessa falsa oposição entre mercado divinizado e Estado demonizado, os reais
conflitos sociais que causam dor, sofrimento e humilhação cotidiana para dezenas de milhões de
brasileiros são tornados literalmente invisíveis.

Com isso, cria-se a falsa impressão de que conhecemos os nossos problemas sociais e que o que
falta é apenas uma “gerência” eficiente – a crença fundamental de toda visão tecnocrática do
mundo – quando, na verdade, sequer se sabe do que se está falando.

(...)homo economicus (...)


(...)o marginalizado social é percebido como se fosse alguém com as mesmas capacidades e
disposições de comportamento do indivíduo da classe média.

p. 18 (Introdução)
Como toda visão superficial e conservadora do mundo, a hegemonia do economicismo serve ao
encobrimento dos conflitos sociais mais profundos e fundamentais da sociedade brasileira: a sua
nunca percebida, e menos ainda discutida “divisão de classes”. O economicismo liberal, assim
como o marxismo tradicional, percebe a realidade das classes sociais apenas
“economicamente”, no primeiro caso como produto da “renda” diferencial dos indivíduos e no
segundo, como “lugar na produção”. Isso equivale, na verdade, a esconder e tornar invisível
todos os fatores e precondições sociais, emocionais, morais e culturais que constituem a renda
diferencial, confundindo, ao fim e ao cabo, causa e efeito. Esconder os fatores não econômicos
da desigualdade é, na verdade, tornar invisível as duas questões que permitem efetivamente
“compreender” o fenômeno da desigualdade social: a sua gênese e a sua reprodução no tempo.

O economicismo é a visão dominante também de todas as “pessoas comuns” no sentido de “não


especialistas”, ou seja, das pessoas que não são “autorizadas”, pelo seu capital cultural e jargão
técnico, a falar com autoridade sobre o mundo social. É isso que faz do economicismo a
ideologia dominante do mundo moderno.

p. 19 (Introdução)
(...)não “ver” o mais importante, que é a transferência de “valores imateriais” na reprodução
das classes sociais e de seus privilégios no tempo.

O processo de identificação afetiva – imitar aquilo ou quem se ama – se dá de modo “natural” e


“pré-reflexivo”, sem a mediação da consciência, como quem respira ou anda, e é isso que torna
tanto invisível quanto extremamente eficaz como
p. 20 (Introdução)
legitimação do privilégio.

(...)”in-corporação” (tornar “corpo”, ou seja, natural e automático) (...)

Tanto que a visão economicista “universaliza” os pressupostos da classe média para todas as
“classes inferiores”, como se as condições de vida dessas classes fossem as mesmas.

p. 21 (Introdução)
O processo de modernização brasileiro constitui não apenas as novas classes sociais modernas
que se apropriam diferencialmente dos capitais cultural e econômico. Ele constitui também uma
classe inteira de indivíduos, não só sem capital cultural nem econômico em qualquer medida
significativa, mas desprovida, esse é o aspecto fundamental, das precondições sociais, morais e
culturais que permitem essa apropriação.

p. 22 (Introdução)
O que o mercado, o Estado, uma “ciência” e um senso comum dominantes – mas dominados
por uma perspectiva conservadora, acrítica e quantitativa – nunca “dizem” é que existem
precondições “sociais” para o sucesso supostamente “individual”.
p. 23 (Introdução)
(...)”culturas de classe” distintas, passadas de pais para filhos.

Como a “ralé” se reproduz como mero “corpo”, incapaz, portanto, de atender às demandas de
um mercado cada vez mais competitivo baseado no uso do conhecimento útil para ele, ela não
se confunde com o antigo “lumpemproletariado” marxista. O lumpemprolateriado podia
funcionar como “exército reserva” porque podia ser empregado em épocas de crescimento
econômico ao lado da força de trabalho ativa.

É por conta disso também que a “ralé” brasileira moderna não se confunde com o simples
lumpemproletariado tradicional. Como ela não encontra emprego no setor produtivo que
pressupõe
p. 24 (Introdução)
uma relativa alta incorporação de conhecimento técnico ou “capital cultural”, ela só pode ser
empregada enquanto mero “corpo”, ou seja, como mero dispêndio de energia muscular.

Essa é a nossa verdadeira “luta de classes” intestina, cotidiana, invisível e silenciosa, que só
ganha as manchetes sob forma “novelizada” da violência transformada em espetáculo e
alimentada pelos interesses comerciais da imprensa. Como a antiga e anacrônica visão marxista
da luta de classes tinha imagens da esfera pública e da revolução política, deixamos de ver a
“luta de classes”, cotidiana, mais invisível e menos barulhenta, mas não menos insidiosa, que se
reproduz sem que ninguém se dê conta, tato para os algozes quanto, muito especialmente, para
suas próprias vítimas.
O atual estágio do debate intelectual e público brasileiro apenas contribui para o
desconhecimento sistemático do grande drama histórico da sociedade brasileira desde o início
de seu processo de modernização: a continuação da reprodução de uma sociedade que
“naturaliza” a desigualdade e aceita produzir “gente” de um lado e “subgente” de outro.

São consensos sociais vigentes, dos quais todos nós participamos, que elegem os temas dignos
de debate na esfera pública, assim como elegem a forma de (não) compreendê-los.

p. 25 (Introdução)
Essa classe é moderna. (A ralé)

p. 26 (Introdução)
Na melhor das hipóteses, poderemos deixar de nos avaliar como “economia”, pelo tamanho do
nosso PIB, e começarmos a nos avaliar como “sociedade”, pela forma como nos tratamos uns
aos outros.

p. 29 (Capítulo 1)
O “mito nacional” é a forma moderna por excelência para a produção de m sentimento de
“solidariedade coletiva”, ou seja, por um sentimento de que “todos estamos no mesmo barco” e
que, juntos, formamos uma unidade. Sem a construção de um sentimento de “pertencimento
coletivo” desse tipo, não existe nação no sentido moderno, nem sentimento de
compartilhamento de uma mesma história e de um mesmo destino.

p. 30 (Capítulo 1)
(...)as construções de identidades coletivas são sempre, também, processos de “aprendizado
coletivo”.

Ainda que seja perfeitamente normal e saudável uma preocupação com a própria sobrevivência
e com a persecução dos nossos interesses individuais, todo processo de aprendizado moral,
individual ou coletivo, implica, antes de tudo, a consideração de interesses e de valores que
ultrapassam a esfera individual mais estreita.

Ser cidadão implica que nosso pertencimento político não se define por laços restritivos de
sangue ou localidade, e sim pela ideia de uma comunidade maior e mais geral.
Nesse sentido, o mito nacional substitui, em grande medida, aquilo que, em épocas passadas, era
produzido pelas grandes religiões mundiais, como fonte de solidariedade coletiva. A identidade
nacional é, desse modo, uma espécie de “mito moderno”. Estou usando a noção de mito, neste
contexto, como sinônimo de “imaginário social”, ou seja, como um conjunto de interpretações e
de ideias que permitem compreender o sentido e a especificidade de determinada experiência
histórica coletiva. Desse modo, o mito é uma transfiguração da realidade de modo a provê-la de
“sentido” moral e espiritual para os indivíduos e grupos sociais que compõem uma sociedade
particular.

p. 31 (Capítulo 1)
É precisamente esse “sentido” moral que permite cimentar relações de identificação social e
pertencimento grupal de modo a garantir laços efetivos de solidariedade entre os indivíduos e
grupos, aos quais o mito se refere.
Uma diferença fundamental entre o DNA individual e o coletivo é que o segundo,
diferentemente do primeiro, é “construído” historicamente.

p. 32 (Capítulo 1)

p. 30 (Capítulo 1)

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