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COMUNHÃO COM DEUS- JOHN OWEN

* INTRODUÇÃO
* 1ª PARTE - O G R A N D E A M O R D O P A I
* 2ª PARTE - A A B U N D A N T E G R A Ç A D O F I L H O
* 3ª PARTE - A S A M O R O S A S O P E R A Ç Õ E S D O E S P Í R I T O S A N T O

INTRODUÇÃO

Na primeira carta de João, capítulo 1 verso 3, encontramos a afirmativa do apóstolo de que a comunhão dos crentes "é com o Pai
e com seu Filho Jesus Cristo". A forma não comum em que a frase é construída no original dá à expressão muita força, indicando a
importância da afirmação. Por isso haver a tradução que diz: "Verdadeiramente a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho
Jesus Cristo" (Trad. inglesa King James). Diante de afirmativa tão clara e enfática do apóstolo, formulamos com toda a ousadia a
nossa proposição: Os santos de Deus têm comunhão com Ele. E é uma comunhão santa e espiritual, como iremos demonstrar.

Por natureza, ninguém tem comunhão alguma com Deus, desde a entrada do pecado. Deus é luz (1 Jo 1:5), nós somos trevas; Ele
é amor, nós somos inimizade; - que concordância pode haver entre nós? Os homens, em tal condição, não têm nem Cristo, nem
esperança e nem Deus, no mundo, Ef 2:l2. Estão "separados da vida de Deus pela ignorância que há neles", Ef 4:l8. Ora, dois não
podem andar juntos, se não estiverem de acordo, Amós 3:3. Enquanto há essa distância entre Deus e o homem, não há um andar
junto entre eles, ou qualquer forma de comunhão. A nossa parte com Deus foi de tal maneira perdida por causa do pecado, que não
restou para nós (em nós mesmos) nenhuma possibilidade de recuperação.

A manifestação da graça e misericórdia perdoadora, que é a única porta de entrada a essa comunhão, a ninguém pertence, a não
ser Àquele em quem ela está, por quem essa graça e misericórdia foi comprada e através de quem é dispensada, O qual a revela do
seio do Pai. É por isso que essa comunhão com Deus não é mencionada em termos claros no Velho Testamento. A coisa em si se
encontra lá, mas em sua clareza e ousadia de fé só é descoberta no evangelho e pelo Espírito aí ministrado. Por esse Espírito nós
temos esta liberdade ("onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade"), 2 Co 3:l7,l8. Abraão era o amigo de Deus, Is 41:8; Davi, um
homem segundo o coração de Deus, At 13:22; Enoque andava com Deus, Gn 5:22; - todos gozando desta comunhão, quanto à
substância dela. Porém, o caminho do lugar santíssimo ainda não estava manifestado, enquanto permanecia de pé o primeiro
tabernáculo, Hb 9:8. Isto só vem depois da entrada do nosso Sumo sacerdote no lugar santíssimo, Hb 4:16, l0:19. Também, o véu
estava sobre eles, de modo que não tinham liberdade em seu acesso a Deus, 2 Co 3:15-17. Mas agora, em Cristo, nós temos ousadia e
acesso com confiança a Deus, Ef 3:12. Somente em Jesus Cristo a distância é removida. Ele consagrou para nós um novo e vivo
caminho, "através do véu, isto é, da sua carne",Hb 10:20; e por Ele "temos acesso ao Pai em um Espírito", Ef 2:18. "Vós, que antes
estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque ele é a nossa paz", etc., vs. 13 e 14. Sobre esta nova base e
fundamento, por este novo e vivo caminho, pecadores são admitidos a comunhão com Deus e têm comunhão com Ele. E, sem dúvida,
ter o pecador comunhão com Deus, o Deus infinitamente santo, é uma concessão espantosa (1 Jo 3:1).
Comunhão é uma comunicação mútua de coisas em que as pessoas em questão encontram prazer, e requer como base algum tipo
de união entre elas. No caso de Davi e Jônatas, por exemplo, suas almas se ligaram em afeto (1 Sm 20:17). Houve entre eles união de
afeto, e então realmente comunicaram entre si manifestações de afeto. Nas coisas espirituais, isto é de caráter superior; aqueles que
gozam de comunhão têm por base a mais excelente união; e as manifestações dessa união, que comunicam de parte a parte, são as
mais preciosas e elevadas.

A nossa comunhão com Deus, pois, consiste na Sua comunicação de Si mesmo a nós, com o nosso retorno a Ele daquilo que Ele
deseja e aceita, emanando da união que temos com Ele em Jesus Cristo. Ela tem dois aspectos: 1. Comunhão perfeita e completa, no
pleno gozo de Sua glória e perfeita entrega de nós mesmos a Ele como nosso fim último - a qual desfrutaremos quando O virmos
como Ele é. 2. Inicial e incompleta, nas primícias dessa perfeição - a qual temos aqui, em graça. Só falaremos desta.

Trataremos, pois, dessa comunicação mútua em dar e receber, que tem lugar de maneira muito santa e espiritual entre Deus e os
santos; eles andam juntos, numa aliança de paz, ratificada pelo sangue de Jesus. Assim faremos, se Deus o permitir. E oramos ao
Deus e Pai de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo - o qual, segundo as riquezas da Sua graça, nos recuperou de um estado de
inimizade, para uma condição de comunhão e amizade com Ele - oramos, digo, para que, tanto o que escreve como o que lê as
palavras da Sua misericórdia, de tal forma saboreiem aqui de Suas doçuras e excelências que sejam despertados para um anseio
ainda maior pela plenitude da Sua salvação, e o eterno fruir dEle mesmo na glória.

JUNTO À FONTE
Oh, vem lançar-te à fonte
Aberta sobre o monte,
No lado traspassado
De quem por nós morreu!

Ali te dessedenta,
Deixa o que te atormenta,
Prova em tua alma a graça
De quem nos resgatou!

Oh, vive junto à fonte


Que lá se abriu no monte!
Rende o teu ser inteiro
A quem por nós Se deu!

Essa água vivifica;


O sangue purifica;
E irás andar confiante
Aos pés do Salvador!

Poder do santuário,
Que desces do Calvário,
Venho! meu ser inunda!
Quero viver pra Deus!

H.E.Alexander - em CANTAI AO SENHOR - hinário da Ação Bíblica do Brasil (c/ permissão)


1ª P A R T E

O G R A N D E A M O R DO P A I

"A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós", 2 Co 13:13.

Venho agora expor em quê, especialmente e particularmente, os santos têm comunhão com o Pai: É em AMOR -
amor gratuito, imerecido, eterno. Este amor o Pai, como tal, fixa sobre os santos. É isto que eles devem contemplar
diretamente nEle; receber dEle. E então trazer-Lhe os retornos de amor em que Ele tem prazer. Esta é a grande
descoberta do evangelho. Tt 3:4.

"Deus é amor", 1 Jo 4:8. O nome de Deus é tomado aqui de maneira pessoal - para a pessoa do Pai - e não de
maneira essencial, referindo-se à Divindade. Vemos isso pelo verso 9, onde se fala distintamente de Seu Filho
unigênito, que Ele enviou ao mundo. Assim, João está dizendo: "O Pai é amor". E proclama nos versos seguintes:
"Nisto se manifestou o amor" - isto é, nisto Ele mostrou o Seu amor para conosco, em que "enviou seu Filho como
propiciação pelos nossos pecados". Vemos, pois, que amor é o que deve ser particularmente contemplado no Pai. E o
Espírito Santo o deixa claro, mostrando-nos que Seu amor por nós é anterior ao envio do Filho, com todas as
misericórdias e bênçãos recebidas por meio dEle. Este amor, em si mesmo, é anterior à compra efetuada por Cristo -
embora todo o seu fruto só seja manifestado através dela.

O mesmo encontramos na distribuição feita pelo apóstolo na solene bênção de despedida, em 2 Co 13:13: "A graça do
Senhor Jesus Cristo, e o AMOR de DEUS, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós". Atribuindo diferentes
coisas, distintamente, às Pessoas divinas, é amor que ele particularmente aponta no Pai. E a comunhão do Espírito é
mencionada com a graça de Cristo e o amor de Deus, porque é somente pelo Espírito que temos comunhão com Cristo
em graça e com o Pai em amor.

Disse o nosso Salvador, em Jo 16:26,27: "Não vos digo que eu rogarei por vós ao Pai; pois o mesmo Pai vos ama".
Como a dizer: "Sabei que é esse o Seu particular sentimento para convosco".

O mesmo ensina o apóstolo, em Rm 5:5: "O amor de Deus está derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo
que nos foi dado". Aqui Se distingue claramente Deus Pai, de quem é este amor, do Espírito Santo, que o derrama. E no
verso 8, Ele Se distingue também do Filho, pois é da parte desse amor que o Filho é enviado. Portanto, é especialmente
do Pai que o apóstolo está falando aqui. E o que é que Lhe está atribuindo? Justamente, amor. O qual Ele prova para
conosco - manifesta-o de forma eloqüente - para que possamos notá-lo e unir-nos a Ele em amor. Há ainda freqüentes
referências ao amor de Deus, em que o Pai é especialmente apontado. Ele é também chamado "o Deus de amor", em 2
Co 13:11. Assim, quem quiser conhecê-lO, ou habitar nEle pela comunhão, deve fazê-lo tendo em vista que Ele "é
amor". (V. 1 Jo 4:8 e 16.)

Os crentes muitas vezes andam com o coração perturbado, quanto aos pensamentos do Pai para com eles. Estão bem
persuadidos da boa vontade do Senhor Jesus Cristo; sua dificuldade está em saber qual a sua aceitação diante do Pai -
como é o Seu coração para com eles. "Mostra-nos o Pai, o que nos basta", Jo l4:8. O apóstolo, em Tt 3:4, assim coloca o
assunto: "Quando apareceu a bondade de Deus nosso Salvador e o seu amor para com os homens..." Que ele está
falando do Pai, vemos pelo verso 6: "...Espírito Santo, que abundantemente ele derramou sobre nós, por Jesus Cristo,
nosso Salvador". E o apóstolo mostra que é desse amor que provém a grande transformação dos santos. Pois diz no
verso 3:"Nós éramos noutro tempo insensatos, desobedientes, extraviados, servindo a várias concupiscências e deleites,
vivendo em malícia e inveja, odiando-nos uns aos outros". Tudo inútil, tudo em desordem e vil. De onde, pois, vem a
nossa recuperação ? Toda a sua origem se encontra nesse amor de Deus. Então, por seus frutos em Cristo, aconteceu a
transformação.
Para nos dar a certeza desses Seus sentimentos para conosco, Deus comparou-Se a tudo o que é amoroso e terno na
natureza. Å parte toda fraqueza e imperfeição, permanecem aí as grandes impressões do amor. Ele é como um pai,
mãe, pastor, a galinha sobre os pintainhos, e coisas semelhantes: Sl 103:13; Is 66:13; Sl 23:1; Is 40:11; Mt23:37.

Agora, para a completa comunhão com o Pai em amor, duas coisas se requerem dos santos:
. Que o recebam dEle.
. Que Lhe tragam o retorno conveniente.

. Que eles o recebam. Comunhão consiste em dar e receber. Enquanto o amor do Pai não é recebido, não temos
comunhão com Ele em Seu amor. Como, pois, deve ser recebido esse amor do Pai, de maneira a termos comunhão com
Ele? Respondo: pela fé. Receber o amor é crer no amor. Deus revelou Seu amor tão plenamente, tão sublimemente, que
ele pode ser recebido pela fé.
É verdade que não há um ato direto de fé no Pai, senão através do Filho. Ele é o "caminho, e a verdade, e a vida,
ninguém vem ao Pai, senão" por Ele, Jo l4:6. Ele é o misericordioso Sumo sacerdote sobre a casa de Deus, por meio de
quem temos acesso ao Pai; por Ele cremos em Deus, 1 Pe l:21. Mas o que digo é isto: Quando pela mão de Cristo e
através dEle temos acesso ao Pai, nós então vemos o Seu amor, que particularmente tem para conosco, e aí pomos fé.
Se os crentes se exercitarem nisto, descobrirão ser um exercício de grande progresso espiritual em seu andar com Deus.

Essa é a vontade de Deus, que O vejamos sempre como benigno, bondoso, terno, amoroso, e imutável nesses Seus
atributos. E isto, particularmente como o Pai, como a grande fonte e manancial de todas as graciosas comunicações e
frutos do amor. É isto que o Filho veio revelar: Deus como Pai, Jo 1:18; aquele nome que Ele declara aos que do mundo
Lhe foram dados, Jo 17:6. E é a isto que Ele eficazmente nos leva através de Si mesmo, sendo o único caminho para
irmos a Deus como Pai, Jo 14:6, como amor. E assim, dá-nos o descanso que promete, pois o amor do Pai é o único
descanso da alma. É verdade que não fazemos isto formalmente no momento em que cremos. Nós cremos em Deus
através de Cristo, 1 Pe 1:21 - a fé busca o descanso para a alma. Este lhe é apresentado por Cristo, o mediador. Por
Cristo a alma tem acesso ao Pai, Ef 2:18, - ao Seu amor. Ela descobre que Ele é amor. Descobre que tem um propósito
de amor para conosco desde a eternidade: um prazer, um deleite, uma boa vontade em Cristo - removida que foi toda a
causa de ira e inimizade. Então a alma, trazida pela fé ao seio de Deus, através de Cristo e por Ele; trazida a um
sentimento e percepção espiritual desse amor; consoladoramente persuadida desse amor, - ali repousa e descansa.
E esta é a primeira coisa da parte dos santos em sua comunhão com o Pai.

. Quanto ao retorno adequado da parte dos santos, também esse consiste em amor, Dt 6:4,5. Deus diz: "Filho meu,
dá-me o teu coração", Pr 23:26 - as tuas afeiçoes, o teu amor. "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de
toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento", Lc l0:27; este é o retorno que Ele deseja.
Quando a alma vê que Deus é amor, que Ele é infinitamente amoroso e gracioso, ela descansa e se deleita nEle como tal
- então tem comunhão com Ele em amor. Isto é o amor: que Deus nos ama primeiro, e então nós O amamos de volta.
Enquanto o Pai é olhado sob qualquer outro prisma, que não como Alguém que age em amor sobre a alma, produz-se
nela um sentimento de temor e aversão. Daí os pecadores fugirem e se esconderem, como vemos na Escritura. Mas
quando Aquele que é o Pai é considerado como Alguém que age sobre a alma com amor, isto opera nela um retorno de
amor. E é esta, na vida de fé, a base de toda a obediência aceitável, Dt 5:10; Ex 20:6; Dt 10:12; 11:1,13; 13:3.

Sem dúvida, toda a nossa obediência pertence à esfera da nossa comunhão com Deus.
De modo geral, nós devemos obediência a Ele como a nosso bendito soberano, legislador e
recompensador. Entretanto, como sendo Ele o Pai, nosso Pai em Cristo, revelado a nós
como amor - acima e ao contrário de qualquer expectação do homem natural - é em amor
que temos com Ele esse relacionamento de obediência. E não me refiro apenas em sentido
geral ao amor, o qual é de fato a vida e forma de toda a obediência moral; falo, aqui, de
um particular assentimento ao Pai, de um particular deleite nAquele que nos é
eficazmente revelado como amor.

O Pai nos comunica as manifestações do Seu amor somente através de Cristo. Ele é o reservatório onde o Pai
deposita todas as riquezas da Sua graça, tomadas da mina inesgotável do Seu eterno amor. E Ele é também o sacerdote
em cujas mãos nós colocamos todas as ofertas que são o nosso retorno ao Pai. Por isso o Filho tem a preeminência, é o
primeiro, no amor do Pai. Não somente como o Filho eterno, o Seu deleite já antes da fundação do mundo, Pr 8:20 , mas
também como o nosso mediador e o meio de transmitir o Seu amor a nós; Mt 3:17; Jo 3:35; 5:20; 10:17; 15:9; 17:24. E
nós por Cristo cremos em Deus e temos acesso a Ele.

O Pai nos ama e "nos elegeu antes da fundação do mundo", e no exercício desse amor Ele "nos abençoou com todas
as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo", Ef 1:3. A partir desse amor, Ele derrama abundantemente
sobre nós o Espírito Santo - através de Jesus Cristo, Tt 3:6. Nenhuma gota sequer do Seu amor é derramada fora do
Senhor Jesus. O santo óleo da unção era todo derramado sobre a cabeça de Arão, Sl 133:2, e daí descia até a orla de
suas vestes. O amor é primeiramente derramado em Cristo, e dEle goteja, como o orvalho do Hermon, sobre as almas
dos Santos. É desejo do Pai que em tudo Ele "tenha a preeminência", Cl 1:18. Foi do agrado do Pai que "toda a
plenitude nele habitasse", verso 19; que todos nós recebêssemos "da sua plenitude, e graça sobre graça", Jo 1:16. Ele é o
único meio de comunicação. O amor, no Pai, é como o mel na flor, o qual precisa estar no favo para podermos usá-lo.
Cristo precisa tomar e preparar aquele mel para nós. Ele retira da fonte essa água, pela Sua união com o Pai e como
Aquele de cuja plenitude nos é dispensada toda a graça; e nós, pela fé, a retiramos das fontes da salvação, que estão
nEle.

Os nossos retornos também são todos feitos nEle e por Ele. Não fosse assim, que sacrifícios coxos e cegos
apresentaríamos ao Pai! Ele leva a iniqüidade das nossas ofertas, e acrescenta incenso às nossas orações (Ex 28:38; Ap
8:3;Jo 14:6; Hb 10:19-22). Nosso amor é focalizado no Pai, mas transmitido a Ele pelo Filho do Seu amor. Ele é o único
caminho para a nossa pessoa chegar-se a Deus, e assim também para as nossas graças chegarem a Ele. Todo o nosso
anelo, nosso prazer, nossa obediência passam através de Cristo.
O amor de Deus é um amor generoso. É um amor que desce. Um amor que O leva a fazer coisas boas para nós,
grandes coisas por nós. Na base de todas as Suas dádivas para conosco, está o amor. Ele nos ama, e manda o Seu Filho
para morrer por nós. Ele nos ama, e nos abençoa com todas as bênção espirituais. Ele nos ama, e nos corrige. Amar é
eleger, Rm 9:11,13a. É um amor do qual procede tudo o que é amável no seu objeto: Ele nos faz amáveis. Ele infunde e
cria o bem nas pessoas amadas.

O nosso amor para com Deus é um amor de dever, o amor de um filho. O Seu amor desce sobre nós em generosidade
e abundância. O nosso amor sobe a Ele em dever e gratidão. Através do Seu amor Ele nos aumenta. Nós nada Lhe
acrescentamos através do nosso.

Ainda, o amor do Pai para conosco é um amor antecedente; o nosso, para com Ele, é conseqüente.

O dEle vem antes do nosso amor, 1 Jo 4:10: "Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em
que ele nos amou". O Seu amor vem antes de nós. Um Pai ama a seu filho quando este ainda nem o conhece, muito
menos o ama. Ah, e nós, por natureza, somos antes "aborrecedores de Deus", Rm 1:30. Ele é, em Sua natureza, amigo
do homem. Sem dúvida, todo o mútuo amor entre Ele e nós precisa começar do Seu lado.

Seu amor é antecedente, também, porque vem antes de haver em nós motivo para sermos amados. Não só vem antes
do nosso amor, mas de qualquer coisa amável em nós. Rm 5:8: "Deus prova o seu amor para conosco em que Cristo
morreu por nós sendo nós ainda pecadores". Não só o Seu amor, mas o excelente fruto desse amor é demonstrado a nós
como pecadores. O pecado põe à mostra tudo o que pode haver de detestável e indesejável numa criatura. A própria
menção do pecado afasta qualquer movimento de amor. No entanto, como pecadores, nós temos a demonstração do
amor do Pai para conosco, através do mais eloqüente testemunho.

O nosso amor é conseqüente. Nenhuma criatura jamais pôs suas afeiçoes em direção a Deus, se o coração de Deus
não se pôs primeiro sobre ela.

O nosso amor depende de motivos para o amor: É preciso que Deus nos seja revelado como amável e desejável, como
objeto próprio e adequado para o descanso da alma, para que possamos votar-Lhe algum amor. Os santos (neste
sentido) não amam a Deus desinteressadamente, mas por causa da excelência e de tudo o que há de amável e desejável
nEle. Como diz o salmista certa vez, no Salmo 116:1: "Amo ao Senhor, PORQUE..."! Assim podemos nós dizer em
geral.... Nós amamos ao Senhor, PORQUE ...!

Ainda, o amor de Deus é como Ele próprio: igual, constante, incapaz de aumento ou diminuição.
Aqueles a quem o Pai ama, ama-os até o fim, e com amor sempre igual, inalterável. É um amor eterno, que não teve
começo e nem terá fim. Que não pode ser aumentado, através de nenhum ato nosso, nem diminuído, em conseqüência
de alguma coisa em nós. Sim, tal é esse amor em si mesmo.

Quanto a seus frutos, porém, as suas comunicações são variadas. Quem entre os santos já não experimentou isso?
Que vida, que luz, que força, algumas vezes! Outras, que deserto, que escuridão, que fraqueza! Como Deus, aprouve a
Ele derramar ou reter os frutos do Seu amor. Todas as graças do Espírito em nós, todas as santas emoções que daí
decorrem são frutos do amor de Deus. Com que variedade são dispensados; como diferem, em diversas circunstâncias,
para a mesma pessoa. A experiência o mostra de sobejo.
Também há variedade quanto a suas manifestações. O amor de Deus "está derramado em nossos corações pelo
Espírito Santo", Rm 5:5. Ele nos leva a senti-lo, manifesta-o a nós. Pois bem, isto é variável: às vezes para mais, às
vezes para menos. Hoje Ele resplandece; amanhã esconde a Sua face - conforme o que seja melhor para nós. Nosso Pai
não repreenderá sempre, para que não desanimemos; nem sorrirá sempre, para que não fiquemos inchados e O
esqueçamos. Contudo, o Seu amor, em si, é o mesmo. Se às vezes por um momento nos esconde a Sua face, enquanto
isso nos abraça com eterna e amorosa benignidade.

O amor de Deus é, em si mesmo, o eterno ato e propósito da Sua vontade. Esta, como o próprio Deus, não pode
mudar. Se mudasse, nenhuma carne se salvaria. Mas não muda (Ml 3:6), e nós não somos consumidos. - Mas, então
Deus ama o Seu povo mesmo nos seus pecados? - Sim, o Seu povo, não os pecados deles. - E Ele não altera o Seu amor
para com eles? - Não o propósito da Sua vontade, porém o que nos é dispensado pela Sua graça. Ele os repreende,
corrige, esconde-lhes o rosto, açoita-os, enche-os do sentimento da Sua indignação. Mas ai de nós, se Ele mudasse em
Seu amor ou nos retirasse a Sua benignidade! As coisas que parecem demonstrar mudança nas afeiçoes de Deus para
conosco procedem tão verdadeiramente do amor, como as que trazem as mais claras manifestações do Seu afeto. Dirá
alguém: "Mas isto não encoraja a pecar?" Nunca experimentou o amor de Deus quem faz com seriedade esta objeção. A
aceitação diante de Deus e a entrada para a vida eterna certamente se fazem acompanhar de aborrecimento do pecado.
......
Assim, pois, melhor se descreve o mútuo amor do Pai e dos santos, no qual têm comunhão.
II
Manter direta comunhão com o Pai em amor é, sem dúvida, um dever em que os crentes são muito pouco
exercitados. A nossa dificuldade, bem como o nosso pecado, é a falta de conhecimento das misericórdias e
privilégios que nos assistem. Não atentamos para a voz do Espírito, que nos foi outorgado "para que
pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus", 1 Co 2:12. Isto nos faz andar pesadamente,
quando poderíamos andar em regozijo; em fraqueza, quando poderíamos ser fortes no Senhor. Como são
poucos os santos que conhecem por experiência este privilégio de manter direta comunhão com o Pai em amor!
Com que pensamentos ansiosos e duvidosos olham para Ele! Quantos temores, quantas indagações sobre a
Sua boa vontade e bondade! Muitos pensam, quando muito, que a única doçura que temos dEle nos foi
comprada pelo alto preço do sangue de Jesus. É verdade que é esse o único meio de comunicação, mas a fonte
abundante de tudo está no seio do Pai. 1 Jo 1:2: "A vida eterna... estava com o Pai, e nos foi manifestada".

Portanto, olhemos o Pai como amor. Não como um Pai sempre sombrio, mas da maior bondade e ternura. Olhemos o
Pai, pela fé, como um que tem pensamentos de benignidade para conosco desde a eternidade. É a má compreensão a
respeito de Deus que leva a fugirem dEle os que dEle recebem o próprio fôlego. "Em ti confiarão os que conhecem o teu
nome". As pessoas fixam o pensamento apenas em Sua tremenda majestade, severidade e grandeza, então seus
espíritos não são atraídos. Se uma alma continuamente contemplar a eterna compaixão e ternura do Pai, Seus
pensamentos amorosos, que são desde a eternidade, a aceitação graciosa que ela tem na Sua presença, essa alma não
poderá suportar uma hora longe dEle - quando agora talvez não consiga velar com Ele uma hora. Seja esta, pois, a
primeira noção dos santos sobre o Pai: de que Ele é cheio de amor eterno e gratuito para com eles. Que os seus corações
e pensamentos se disponham a romper através de tudo o que possa desencorajá-los no caminho.

Olhemos o amor, de modo a recebê-lo. Sem isto, tudo será vão para qualquer comunhão com Deus. Só quando
recebemos alguma coisa pela fé é que podemos manter comunhão com Deus aí. É a isto que eu quero incitar os santos:
a crerem neste amor que Deus lhes tem; a crerem que é esse o coração do Pai para com eles; e a aceitarem o
testemunho que Ele dá desse amor. Não experimentamos o amor de Deus na sua doçura, enquanto não o recebemos
assim. Continuamente, irmão, exercite pensamentos de fé em Deus como Alguém que o abraça com amor eterno e
gratuito. Quando o Senhor lhe é apresentado assim pela Palavra, deixe que a sua mente abrace tal conhecimento,
assentindo em que é assim; e que a sua vontade, irmão, receba esta instrução como fiel, e suas afeições fiquem cheias
desse amor. Assente sobre ele todo o seu coração; seja o seu coração atado com as cordas desse amor. Se o Rei se deixa
prender aqui em baixo, deixe-se prender lá em cima (Ct 7:5).

Deixe que esse amor tenha o seu fruto e eficácia no seu coração, em retorno de amor para com Ele. Assim
andaremos à luz da face de Deus e manteremos santa comunhão com nosso Pai por todo o dia. Não O tratemos
indelicadamente, trazendo descaso, em retorno de Sua boa vontade. Que não haja em nós um coração assim ingrato
para com o nosso Deus.

Ainda, para estimular-nos neste dever e na sua constante prática, farei algumas considerações que poderão ser
úteis.

Deus, nosso Pai, agrada-Se muito dessa comunhão com Ele em Seu amor. De ser recebido em nossas almas como
cheio de amor, ternura e bondade para conosco. A carne e o sangue são especialistas em ter pensamentos duros sobre
Ele: que é sempre irado, sim, implacável; que pobres criaturas não podem chegar perto dEle. "Quem dentre nós
habitará com as labaredas eternas?", dizem os pecadores em Siâo, Is 33:14. E, Lc 19:21: "Tive medo de ti, que és
homem rigoroso", disse o servo infiel do evangelho. Ora, não há nada mais ofensivo ao Senhor, nada mais servil aos
intentos de Satanás para com a alma, do que pensamentos duros sobre Deus. "É Assim que Deus disse?" Ele os
ameaçou de morte? Ah, é que Ele sabe o bem que comer do fruto lhes faria... - Com esse ardil, em um homem ele
arruinou toda a humanidade. E tendo presente a sua antiga conquista, é pronto a usar as mesmas armas com que
obteve tanto sucesso. Pois bem, é muito ofensivo ao Espírito de Deus ser de tal forma caluniado nos corações daqueles
a quem tanto ama. Como Ele repreende a Siâo sobre isto! "Que injustiça acharam vossos pais em mim...?" diz Ele;
"porventura tenho sido para Israel um deserto? ou uma terra da mais espessa escuridão?" Jr 2:5,31. "Siâo diz: Já me
desamparou o Senhor, e o Senhor se esqueceu de mim. Pode uma mulher esquecer-se de seu filho de peito, de maneira
que não se compadeça do filho do seu ventre? Mas ainda que esta se esquecesse, eu, todavia, não me esquecerei de ti",
Is 49:14,15. Não há nada pior para nosso Pai receber da mão dos Seus do que esses pensamentos duros a Seu respeito.
Ele bem sabe os frutos que vai produzir essa raiz amarga: que afastamentos de coração, que desvios, que incredulidade
e hesitações em nosso andar com Ele. Quanto uma criança reluta em ir à presença de um pai zangado! Considere pois
isto, irmão, em primeiro lugar: O fato de uma alma receber do Pai o amor que Ele lhe estende dá a Ele a honra que
procura; e é coisa muito agradável a Seus olhos. Para que o amor seja recebido assim, Ele muitas vezes o declara com
grande ênfase: "Deus prova o seu amor para conosco"! Rm 5:8; "Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai"! Jo
3:1. De onde vem, pois, esta loucura? As pessoas têm medo de ter bons pensamentos sobre Deus. Acham que é um
atrevimento ver a Deus como gracioso, terno, bondoso, amoroso - falo dos santos. E os homens são capazes de julgá-lO
duro, austero, severo, quase implacável, e mesmo cruel (os piores sentimentos dos piores homens, e tão aborrecidos por
Ele, Rm 1:31; 2 Tm 3:3). E pensam estar certos. Não vem de Satanás este engano? Não foi seu intento desde o princípio
instilar no homem tais pensamentos sobre Deus? Firme, pois, o seu coração, na certeza de que isto é muito agradável
aos olhos do Pai: que tenhamos os nossos corações voltados para Ele como a fonte eterna de todas as riquezas da graça,
que se derrama para os pecadores no sangue de Jesus.
Isto será muito eficaz, meu irmão, em torná-lO atraente à sua alma. Em mover o seu coração a deleitar-se nEle e a
fazer nEle a sua morada. O grande peso na vida de muitos crentes é ver que seus corações não sobem plenamente ao
Senhor em constante prazer e regozijo nEle. Que ainda há neles uma falta de inclinação de espírito para um íntimo
andar com Deus. O que reside na base desta desordem? Não será negligência ou falta de exercício em manter
comunhão com o Pai em amor? Nós temos prazer em Deus na medida em que vemos o Seu amor, e não mais. Sente-se
um pouco junto à fonte, e depressa fará descobertas sobre a doçura das águas. E o irmão que tem corrido dEle, não
mais será capaz, dentro em pouco, de se conservar longe por um momento.

Deixe de lado seus raciocínios. Tome o amor do Pai simplesmente crendo, e isso abrirá a sua alma para que subam a
Ele os retornos, na comunhão de amor.
.....
Algumas considerações ainda, para maior esclarecimento desta verdade. Ela descortinará aos nossos olhos que os
santos de Deus são ilustres e privilegiados. Por muito que os filhos dos homens os desprezem, ver-se-á que eles têm um
manjar para comer que o mundo não conhece. Eles têm íntima comunhão com o Pai. Tratam com Ele num intercâmbio
de amor. Geralmente a estimativa que se faz das pessoas depende da companhia em que andam. É uma honra
estarmos em presença de príncipes, ainda como servos. Que honra, pois, têm todos os santos de estar na presença do
Pai, e gozar ali o Seu aconchego de amor! A rainha de Sabá bendisse os servos de Salomão, que assistiam diante dele e
ouviam a sua sabedoria! Quão mais benditos, pois, são os que estão continuamente diante do Deus de Salomão,
ouvindo a Sua sabedoria e desfrutando o Seu amor! Enquanto outros têm a companhia de Satanás e de suas próprias
paixões, alimentando-as e recebendo delas refrigérios que perecem, os santos gozam esta doce comunhão com o Pai.

Também, que retiro seguro e doce é esse lugar para os santos, no meio de todo o escárnio, zombaria, difamação, mal-
entendidos que eles atravessam no mundo. Quando uma criança é maltratada na rua por estranhos, ela corre para
junto do pai; ali faz a sua queixa e é consolada. Quando os santos sofrem nas ruas deste mundo a censura cruel e a
perseguição das línguas, eles podem correr ao Pai com seus gemidos, e são confortados. "Como alguém a quem consola
sua mãe, assim eu vos consolarei", diz o Senhor, Is 66:13. De modo que a alma pode dizer: "Se eu experimentar ódio no
mundo, irei aonde encontro amor. Embora todos sejam duros comigo, meu Pai é terno e cheio de compaixão. Eu irei a
Ele e me satisfarei nEle. Aqui eu sou desprezado, visto com maus olhos, rejeitado. Mas com Ele eu tenho honra e amor,
e a Sua benignidade é melhor do que a vida".

Sem dúvida, os santos são as pessoas mais mal interpretadas do mundo. O apóstolo nos mostra a opinião errada que
se tem dos santos: "Como enganadores, e sendo verdadeiros; como desconhecidos, mas sendo bem conhecidos; como
morrendo, e eis que vivemos; como castigados, e não mortos; como contristados, mas sempre alegres; como pobres, mas
enriquecendo a muitos; como nada tendo, e possuindo tudo", 2 Co 6:8-10. São olhados como pobres, baixos,
desprezíveis, quando na realidade são os únicos personagens grandes e nobres do mundo. Pois considere em que
companhia eles andam: do Pai - quem é tão glorioso? A mercadoria em que negociam é o amor - o que há de tão
precioso? Sem dúvida eles são os ilustres do mundo, Sl 16:3.

Agora, pois (para finalizar), se estas coisas são assim, "que pessoas nos convém ser em santo trato e piedade?" Que
comunhão há entre a luz e as trevas? Irá o pecado morar nos pensamentos que recebem amor do Pai e transportam
amor a Ele? Um indivíduo imoral não deseja camaradagem com uma pessoa sóbria; e irá um homem de vãs
imaginações manter comunhão com o Deus santíssimo? Cada consideração em torno desse amor é um incentivo
poderoso à santidade, e conduz a ela. Efraim, quando acha a salvação em Deus, diz: "Que mais tenho eu com os
ídolos?" Comunhão com o Pai absolutamente não condiz com frouxidão no andar. "Se dissermos que temos comunhão
com ele, e andarmos em trevas, mentimos, e não praticamos a verdade", 1 Jo 1:6. "Aquele que diz: Eu conheço-o [eu
tenho comunhão com Ele], e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e nele não está a verdade", cap. 2:4. O
amor ao mundo e ao Pai não habitam juntos.

Oh, que o Senhor dê às pessoas abertura de olhos, e possam ver e ter conhecimento de que a comunhão com Deus
não é uma questão de forma, e sim de poder!

"E fiel é Deus, que nos chamou à comunhão de seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor" -
do que trataremos a seguir.

Nota: 1ª Parte ...../ 2ª Parte ...../ 3ª Parte ...../ Os títulos das divisões são do Editor.

2ª P A R T E

A BUNDANTE GRAÇA DO FILHO


"A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós", 2 Co 13:13.

Procederei aqui da seguinte forma: Em primeiro lugar, discorrerei sobre a afirmativa de que temos comunhão com o
Filho de Deus. A seguir, mostrarei em que consiste essa comunhão.

Ap 3:20: "Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com
ele cearei, e ele comigo".
Cristo ceará com os crentes: Ele Se delicia com as Suas próprias graças neles, conferidas a eles por Seu Espírito. O
Senhor Jesus Cristo deleita-Se sobremaneira ao provar os doces frutos do Espírito nos Santos. As almas dos santos são
o jardim de Jesus Cristo - é a boa terra, Hb 6:7 - um jardim de prazer; Ele Se alegra neles, achando as Suas "delícias
com os filhos dos homens", Pr 8:31. E é um jardim frutífero, sim, de frutos excelentes. Assim Ele o descreve em Ct 4:12-
14: "Jardim fechado és tu, minha irmã, noiva minha, manancial recluso, fonte selada. Os teus renovos são um pomar
de romãs, com frutos excelentes: a hena e o nardo; o nardo e o açafrão, o cálamo, e o cinamomo, com toda sorte de
árvores de incenso; a mirra e o aloés, com todas as principais especiarias". Nas almas dos santos há todo tipo de
contentamento espiritual para o Senhor Jesus. Por isso a fervente oração da esposa por um aumento dessas coisas - a
fim de que o seu Amado pudesse cear com ela como prometera: "Levanta-te, vento norte, e vem tu, vento sul; assopra
no meu jardim, para que se derramem os seus aromas". ´Oh, que os sopros e operações do Espírito de toda a graça
despertem todos os Seus dons e graças em mim, para que o Senhor Jesus, o Amado da minha alma, possa ter de mim
uma ceia condigna e a Seu gosto!`

Também, como Cristo ceia com os Seus, assim prometeu que eles ceariam com Ele, para completar a comunhão.
Como Ele é na estima dos santos, vemos no capítulo 2:3: "Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é o meu
amado entre os filhos; desejo muito a sua sombra, e debaixo dela me assento; e o seu fruto é doce ao meu paladar."
Prosseguindo nesta comunhão, a esposa começa a expressar seu pensamento sobre o Senhor Jesus Cristo e o seu prazer
nEle. E como Ele a compara ao lírio entre os espinhos, ela O compara
à macieira entre as árvores do bosque. E apresenta a razão, pois que Ele tem as duas coisas importantes que essa
árvore tem e outras não: fruto, para alimento; sombra, para refrigério. De um ela come, sob a outra, descansa. As
duas coisas, com prazer. Todos os outros filhos - sejam os anjos, filhos de Deus pela criação, Jó 1:6; 2:7, ou os filhos de
Adão - são para a alma faminta e cansada (pois só uma alma assim busca sombra e fruto) como as árvores do bosque
que não têm fruto ou ramagem, onde não encontra alimento nem sombra. "Em Cristo," diz ela, "há fruto, fruto doce ao
paladar; sim, a sua carne verdadeiramente é comida, e o seu sangue verdadeiramente é bebida (Jo 6: 55). Além do
mais, Ele trouxe aquela justiça eterna, que abundantemente satisfaz qualquer alma faminta - alma que já foi a muitas
árvores à procura de alimento, e nada achou. Ainda, Ele tem em abundância graças preciosas e agradáveis, das quais
posso comer (Ct 5:1). Sim, Ele me convida a comer, e abundantemente". Tais são os frutos que Cristo produz. Eles nos
falam de uma árvore que dá tudo o que é necessário para a vida, em alimento e abrigo. Cristo é essa árvore de vida, que
trouxe à luz todas as coisas necessárias para a vida eterna. NEle está aquela justiça da qual temos fome, Mt 5:6. NEle
está aquela água da vida, da qual quem beber não mais terá sede, Jo 4:14. Oh, os frutos da mediação de Cristo, como
são doces à fé dos santos! Quem não acha alívio e refrigério na misericórdia, perdão, graça, aceitação diante de Deus,
na santidade, na santificação, etc., é um estranho às coisas que estão preparadas para os crentes. Também, Ele dá
sombra, para refrigério e abrigo. Abrigo da ira, de fora; e refrigério, por causa da fadiga, de dentro. A primeira
utilidade da sombra é proteger-nos do calor do sol. Como foi no caso da aboboreira de Jonas. Quando o calor da ira está
para consumir a alma, Cristo, pondo-Se no meio, leva tudo sobre Si. Sob a sombra de Suas asas nos assentamos
constantemente, quietamente, seguramente, pondo nEle a nossa confiança. E tudo isto com grande prazer. Sim, quem
pode expressar o gozo de uma alma segura, protegida da ira, sob a cobertura da justiça do Senhor Jesus?! E numa
sombra há também refrigério, que alivia do cansaço. Ele é como "a sombra de uma grande rocha em terra sedenta"
(cansada), Is 32:2. Há nEle quietude, repouso e descanso, que traz alívio do poder das corrupções, da aflição das
tentações, da angústia das perseguições.
Pv 9:1-5: "A sabedoria já edificou a sua casa, já lavrou as suas sete colunas, já imolou as suas vítimas, misturou o
seu vinho, e preparou a sua mesa. Já enviou as suas criadas a clamar sobre as alturas da cidade, dizendo: Quem é
simples, volte-se para cá. Aos faltos de entendimento diz: Vinde, comei do meu pão, e bebei do vinho que tenho
misturado". O Senhor Jesus Cristo, a eterna sabedoria do Pai, e que da parte de Deus foi feito para nós sabedoria,
erige uma casa espiritual. Aí Ele faz provisão para os hóspedes que tão livremente convida. Sua Igreja é a casa que Ele
edificou, sobre um número perfeito de colunas, a fim de que tivesse um firme fundamento. Suas vítimas imoladas e
vinho misturado, com os quais é suprida a Sua mesa, são as gorduras do evangelho. Ele os preparou para aqueles que
vêm em resposta ao Seu convite. E, por certo, comer deste pão e beber deste vinho que Ele tão graciosamente preparou
é ter comunhão com Ele!

II

Tendo mostrado que os santos têm particular comunhão com o Senhor Jesus, importa agora demonstrar em que é
que eles têm essa comunhão com Ele.
Pois bem, é em GRAÇA. "A graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo", Jo l:17. "E todos nós recebemos da
sua plenitude, e graça sobre graça", vs.16. Nós recebemos dEle todas as formas de graça, e temos comunhão com Ele
aí.
Assim, naquela bênção apostólica - em que a comunicação de bênçãos espirituais das três Pessoas aos santos se
distingue de maneira tão exata - o que se atribui ao Senhor Jesus é graça: "A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de
Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós", 2 Co 13:13. Sim, e Paulo achou tanto prazer nisto que o
tornou seu moto e a maneira pela qual fazia conhecidas suas epístolas. A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com
todos vós. Amém", 2 Ts 3:17,18. Isto, pois, é o que devemos contemplar particularmente no Senhor Jesus para dEle
recebermos, a saber, graça. Graça segundo o evangelho.

Graça é uma palavra que tem várias acepções. Entre seus significados destacam-se três:

Graça de presença pessoal e formosura. Nós dizemos que uma pessoa é graciosa e formosa, seja em si mesma, seja
por causa de seus enfeites. Isto, com referência ao Senhor Jesus, é assunto de quase metade do livro de Cantares. É
também mencionado no Sl 45:2: "Tu és mais formoso do que os filhos dos homens; a graça se derramou em teus lábios".
E neste item coloco também, com respeito a Cristo, os extraordinários dons e frutos do Espírito, os quais Lhe são
conferidos e produzidos nEle, e concorrem para a Sua excelência pessoal, como veremos mais adiante.

Graça de livre favor e aceitação. "Pela graça sois salvos", isto é, o livre favor e a graciosa aceitação diante de Deus
em Cristo. Assim, Ele "dá graça" (isto é, favor) "aos humildes", Tg 4:6; Gn 39:21; 4l:37; At 7:10; 1 Sm 2:26; 2 Rs 25:27;
etc. As graças, frutos do Espírito, santificando e renovando a nossa natureza, capacitando-nos para o bem e
preservando-nos do mal. Assim disse o Senhor a Paulo: "A minha graça te basta"; isto é, a assistência que Ele lhe
assegurava contra a tentação, 2 Co 12:9; Cl 3:16; 2 Co 8:6,7; Hb 12:28. Nestas duas últimas acepções, no que dizem
respeito ao que nós recebemos de Cristo, eu a chamo de graça comprada, pois que de fato foi adquirida por Ele para
nós. Comecemos com a primeira, que chamo de graça pessoal.

Isto é o que tenho em mente: as graças da pessoa de Cristo como vestido do ofício de
mediador. Sua estatura espiritual, Sua formosura e beleza, como apontado e ungido pelo
Pai para aquela grande obra de trazer todos os eleitos para o Seu seio.

Pois bem, neste particular a Escritura O descreve como sobremaneira excelente, formoso e desejável - muito acima
de comparação com o mais elevado e seleto dos bens criados ou qualquer preciosidade imaginável.

Em Ct 5:9 a esposa é interrogada exatamente a respeito disso, isto é, das excelências pessoais do Senhor Jesus
Cristo, o seu Amado: "Que é o teu amado mais do que outro amado, ó tu, a mais formosa entre as mulheres? Que é o
teu amado mais do que outro amado...?" E ela responde: "O meu amado é alvo e rosado, o mais distinguido entre dez
mil", verso 10; e passa a uma detalhada descrição dEle por Suas excelências, até o fim do capítulo. Então conclui: "Ele é
totalmente desejável", vs. 16.

De maneira particular, Ele é descrito aí como "alvo e rosado": É alvo, na glória da Sua Divindade, e rosado, na
preciosidade da Sua humanidade. Alvura (se o posso dizer) é a cor da glória. Naquela visão do Altíssimo, o "Ancião de
dias", em Dn 7:9, lemos: "O seu vestido era branco como a neve, e o cabelo da sua cabeça como a limpa lã". E de Cristo,
na transfiguração, quando estava sobre Ele poderoso brilho da Divindade, diz-se que "o seu rosto resplandeceu como o
sol, e os seus vestidos se tornaram brancos como a luz", Mt 17:2. O que, na frase de outro evangelista, é: "Brancos como
a neve, tais como nenhum lavadeiro sobre a terra os poderia branquear", Mc 9:3. Era uma glória divina, celestial,
sobreexcelente que estava sobre Ele, Ap 1:14. Por isso, dos anjos e santos glorificados, que sempre O contemplam e
estão plenamente transformados segundo a imagem da mesma glória, é dito que estão de vestes brancas; Ap3:4,5; 6:11;
7:9,13; l9:l4. Sua alvura é a Sua Divindade e a glória da mesma. Ele é, também, rosado, na beleza da Sua humanidade.
O homem foi chamado Adão, por causa do vermelho da terra de que foi feito. A palavra usada aqui aponta-O como o
segundo Adão, que participou de carne e sangue porque os filhos participaram do mesmo, Hb 2:14.

Ele é alvo, na beleza de Sua inocência e santidade, e rosado, no sangue de Sua oblação. Alvura é emblema de
inocência e santidade. Dos nazireus, que eram tipo da santidade, lemos que "eram mais alvos do que a neve, mais
brancos do que o leite", Lm 4:7. Também, o profeta nos mostra que escarlate, vermelho e carmesim eram as cores do
pecado e da culpa, e branco, da inocência, Is 1:18. O nosso Amado foi "um cordeiro sem defeito e sem mancha", 1 Pe
1:19. "O qual não cometeu pecado, nem na sua boca se achou engano", 1 Pe 2:22. Ele era "santo, inocente, imaculado,
separado dos pecadores", Hb 7:26. E contudo, Aquele que era tão alvo, em Sua inocência, foi feito rosado, no Seu
próprio sangue. E isto, de duas maneiras: Naturalmente, no derramar de Seu sangue tão precioso, naquela agonia de
Sua alma, quando grandes gotas "corriam até o chão", Lc 22:44; como também quando os açoites e espinhos, os cravos e
a lança derramaram-no em abundância: "e saiu sangue e água", Jo 19:34. E moralmente, pela imputação do pecado,
cuja cor é vermelha e carmesim. "Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós", 2 Co 5:21. Aquele que
era alvo tornou-Se rosado por causa de nós, derramando o Seu sangue como oblação pelo pecado. "Tal é o nosso amado,
ó filhas de Jerusalém".

Também nisto se expressa a formosa excelência dEle, na administração do Seu reino: Ele é alvo, no amor e
misericórdia para com os Seus; vermelho, na justiça e vingança para com Seus inimigos, Is 63:3; Ap l9:11,13.

III

Nossos corações voltam-se agora para a maneira em que temos comunhão com o Senhor Jesus Cristo, no que diz
respeito a essa graça pessoal de que falamos. Pois bem: Ele é desposado conosco, e nós com Ele.
A esposa expressa em Ct 2:16: "O meu amado é meu, e eu sou dele". Como a dizer: "Ele é meu, eu O possuo, eu tenho
a minha porção nEle como meu esposo.... E eu sou dEle, entregue a Ele, Sua posse".
Ele Se alegrou no pensamento destas coisas desde a eternidade, Pr 8:31. Por ter amado a Igreja, entregou-Se a Si
mesmo por ela, Ef 5:25, desprezando a afronta e suportando a cruz, Hb l2:2; para que pudesse ter a alegria de tê-la
para Si - para que fosse dela e ela dEle....
É nesses termos que Ele exibe a Sua comunhão com a Igreja, e muito freqüentemente. A ocasião em que a tomará
para Si é o dia das Suas bodas, e ela é a Sua noiva, Sua esposa, Ap l9:7,8. E a comunhão que Ele tem com os santos
compara-se à comunhão daqueles que se amam mutuamente, num relacionamento conjugal, Ct 1.

Assim, podemos resumir tudo nestes dois itens:

. Há uma entrega mútua de uma parte à outra.


. Há mútuas afeições, em conseqüência.
. Há uma entrega mútua de uma parte à outra. Cristo Se dá à alma, com todas as Suas excelências, justiça,
preciosidade, graças, nobreza .... para habitar com ela para sempre. Ele contempla as almas dos Seus santos, ama-as,
considera-as formosas e belas, porque Ele as tornou assim. "Eis que és formosa, amiga minha, eis que és formosa: os
teus olhos são como os das pombas", Ct 1:15. Que outros pensem o que quiserem, Cristo diz e repete que as almas dos
santos são formosas; sim, perfeitas, através da Sua formosura, que Ele pôs sobre elas. E acrescenta aquela
surpreendente expressão do Seu desejo de ter perto a esposa: "Pomba minha, que andas pelas fendas das penhas, no
oculto das ladeiras, faze-me ouvir a tua voz, porque a tua voz é doce, e a tua face aprazível", Ct 2:14. Como a dizer: "...
deixa-me ouvir os teus suspiros e anseios por mim; eles são muito doces, muito aprazíveis. E o teu semblante
espiritual, o teu aspecto nas coisas celestes é formoso e agradável a mim". E não pára aí. Atrai-a fortemente a uma
união mais íntima consigo: "Vem comigo do Líbano, minha esposa, vem comigo do Líbano. Olha do cume de Amana, do
cume de Senir e de Hermon, dos covis dos leões, dos montes dos leopardos", Ct 4:8. Como a dizer: "Estás vagueando
(como os Israelitas no passado) entre leões e leopardos, pecados e aflições; vem daí para mim, e eu te aliviarei", Mt
11:28. Diante desse convite, a esposa ousadamente conclui que Cristo lhe tem afeição, Ct 7:10; que Ele de fato a ama e
deseja tomá-la nesta comunhão consigo. Assim, ao prosseguir nesta união, Cristo Se entrega livremente à alma. Ele Se
torna nosso em toda a Sua preciosidade e excelência, e com Ele todas as Suas graças. Ele mesmo quer que seja assim.
Por isso a esposa diz: "O meu amado é meu" - é meu com tudo o que Ele é. Ele "para nós foi feito ... sabedoria, e justiça,
e santificação, e redenção", 1 Co 1:30.

Esta é a primeira coisa da parte de Cristo: a livre dádiva e entrega de Si mesmo a nós, para ser o nosso Amado;
cumprindo, assim, todos os fins e propósitos do amor, misericórdia, graça e glória para os quais foi designado em Sua
mediação.

. Da parte dos santos, é de seu livre consentimento receber e abraçar a Cristo e submeter-se a Ele como esposo,
Senhor e Salvador. Para ficar com Ele, sujeitar-Lhe as suas almas e estar sob a Sua direção para sempre.

Pois bem, isto, na alma, tem dois aspectos: o inicial, ou seja, o solene consentimento que lhe deu entrada a esta
união; e o conseqüente, com os renovados atos de consentimento, todos os nossos dias. Falo aqui especialmente deste
último sentido, pois que diz respeito a comunhão; não do primeiro, que diz respeito basicamente à união.

Há duas coisas que completam esta entrega da alma:

a) Ela aprecia a Cristo por Sua excelência, por Sua graça e por ser adequado às suas necessidades, em tudo
superior a qualquer outro amado. E em sua mente e julgamento prefere-O a todos. Em Ct 5:9, vimos a esposa
interrogada com veemência acerca do esposo. Ela devia dar seu parecer sobre o seu Amado em comparação a outros
amados. E responde expressamente que Ele é "o mais distinguido entre dez mil"; sim, e no verso 16, que "ele é
totalmente desejável". Está infinitamente acima de comparação com o mais seleto dos bens criados ou qualquer
preciosidade imaginável. A alma lança um olhar sobre tudo o que há neste mundo: "a concupiscência da carne, a
concupiscência dos olhos, e a soberba da vida", e vê que tudo é vaidade, que "o mundo passa, e a sua concupiscência", 1
Jo 2:16,17. Estes amados não são absolutamente para comparar com Ele. Contempla também a justiça legal, a
inculpabilidade diante dos homens, inteireza de procedimento, deveres cumpridos por convicção, e conclui como Paulo:
"Tenho por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus meu Senhor", Fp 3:8. E isto é a
entrada da alma a comunhão com Cristo quanto a graça pessoal: constantemente preferindo-O a todos os demais
pretendentes a suas afeições; contando tudo como perda e refugo, em comparação a Ele. Todas as coisas queridas da
alma - paz, caros relacionamentos naturais, a querida sabedoria e cultura, a estimada justiça própria, os caros deveres
- nada mais são do que perda, comparados a Cristo.

b) A alma aceita a Cristo pela vontade, como seu único esposo, Senhor e Salvador. Isto se chama "receber" a
Cristo, Jo 1:12. E não se refere apenas àquele ato solene pelo qual inicialmente entramos em união com Ele. Mas
também à constante atitude da alma em habitar com Ele e reconhecê-lO como esposo, Senhor e Salvador. Quando a
alma consente em tomar a Cristo nos termos dEle, para ser salva à Sua maneira, então ela prossegue em comunhão
com Cristo quanto à graça de Sua pessoa. Ela Lhe diz: "Senhor, eu quis ter a Ti e a salvação, da minha maneira, para
que isto se fizesse em parte por meus esforços e como que pelas obras da lei. Agora estou pronta a Te receber e a ser
salva da Tua maneira - simplesmente pela graça. E embora por meu desejo eu fosse andar segundo a minha própria
mente, agora me entrego a Ti para ser dirigida pelo Teu Espírito. Pois em Ti eu tenho justiça e força, em Ti sou
justificada e em Ti me glorio". Isto é receber a Cristo em Sua formosura e preciosidade. Que os santos exercitem nisto
os seus corações ricamente. Isto é excelente comunhão com Jesus Cristo. Recebamos a Ele em todas as Suas
excelências, enquanto de Sua parte Ele Se dá a nós. Sejamos freqüentes em pensamentos de fé, comparando-O a outros
amados e preferindo-O a eles. Contando-os todos como perda e refugo, em comparação a Ele. Que as nossas almas
fiquem persuadidas da Sua disposição em dar-Se com tudo o que é, como mediador, para ser nosso. E que os nossos
corações se dêem a Ele. Digamos-Lhe, todos nós, que seremos dEle, e não de outro; que Ele ouça isso de nós. Ele tem
prazer em ouvi-lo, sim, pois diz que a nossa voz é doce e a nossa face aprazível. E é certo que experimentaremos doce
refrigério em Sua companhia.

IV

Deter-me-ei agora numa descrição mais completa de algumas das excelências pessoais do Senhor Jesus Cristo, pelas
quais os corações dos santos são de fato atraídos a Ele. Faço isto, para encorajamento dos nossos corações na entrega de
nós mesmos ao Senhor Jesus neste relacionamento, e também para que se despertem em nós as conseqüentes afeições,
de que falarei mais tarde.

. Ele é sobremaneira excelente e desejável, em Sua Divindade e na glória da mesma. Ele é "Jeová justiça nossa", Jr
23:6. O apóstolo disse: "Vimos a sua glória". E que glória é essa? A glória do Filho unigênito de Deus, J 1:14. Ele é o
companheiro do Senhor dos exércitos, Zc 13:7.

Eu poderia dar agora ao leitor uma rápida visão da excelência dEle em muitas das propriedades e atributos pelos
quais Se revela à nossa fé. Mas não farei assim. Uma pessoa que vai a um jardim onde há inúmeras e variadas flores
não as colhe todas, mas apanha uma aqui, outra ali. Assim, procurarei abrir uma porta, e dar entrada ao leitor à
excelência infinita das graças do Senhor Jesus - como "Deus bendito eternamente", que Ele é, - apresentando um ou
dois exemplos, e deixando ao leitor tomar o que e quanto lhe aprouver para seu próprio uso.

Diante disto, pois, observemos:

A graça sem fim, sem medida e sem limites e a compaixão também sem fim, sem medida e sem limites que estão
contidas nEle. Havia plenitude de graça na natureza humana de Cristo - Ele não recebeu "o Espírito por medida", Jo
3:34. Se pudéssemos pensar em Sua natureza humana como separada da Divindade, certamente as muitas almas
sedentas e culpadas que diariamente bebem da Sua graça e misericórdia O esvaziariam e esgotariam (se assim posso
falar). Não! aliás, a fonte nem poderia fornecer suprimento algum, senão apenas de maneira moral. Porém, se o canal
da Sua humanidade está inseparavelmente unido à fonte inesgotável e infinita da Divindade, quem poderá sondar-lhe
as profundezas?

Com base nisso, ainda que todo o mundo (se assim posso falar) se pusesse a beber da Sua livre graça, misericórdia e
perdão, não seriam capazes de esgotar a graça da promessa nem à espessura de um fio de cabelo. Ainda que bebessem
continuamente das fontes da salvação. Ainda que se pusessem a beber de uma só promessa, estimulados por um anjo a
bradar-lhes: "Bebei, amigos, bebei abundantemente, tomai tanta graça e perdão quanto seja fartamente suficiente para
o mundo de pecados que há em cada um de vós." Pois há bastante para um milhão de mundos, se existissem; porque a
graça jorra de uma fonte infinita e ilimitada! Assim, como a graça é infinita, posto que brota de uma fonte infinita,
caem por terra todas as objeções que possam impedir as nossas almas de se chegarem a Ele em íntima comunhão e de
O tomarem livremente para si. Não vem isto ao nosso encontro, em todas as nossas angústias? O que é a nossa culpa
finita diante desta graça? Mostre-me um pecador que possa estender as suas iniqüidades até às dimensões desta graça
(se assim posso falar)! Aí há misericórdia suficiente para o maior, o mais antigo, o mais inveterado transgressor!

Considere, a partir daí, o Seu amor: eterno, livre, imutável. O amor de Cristo para com os Seus, em Sua natureza
humana, era intenso, terno, precioso, cheio de compaixão, grandemente intensificado ao sentir as nossas misérias, as
nossas necessidades, ao experimentar as nossas tentações. Tudo isto, fluindo daquela rica reserva de graça,
comiseração, compaixão que foram conferidas a Ele para nosso bem e suprimento. Se esse amor não fosse mais do que
humano, embora sem paralelo e insondável, nosso Salvador não poderia falar dele da maneira que falou: "Como o Pai
me amou, também eu vos amei", Jo 15:9. Fosse só humano, não poderia ser comparado nem igualado ao amor do Pai,
em suas propriedades de eterno, frutífero e imutável, que são as principais âncoras da alma que se lança no seio de
Cristo. Mas Seu amor é:

Eterno. Ele é o mesmo "ontem, e hoje, e eternamente", Hb 13:8; e assim é eterno o Seu amor. Amor dAquele que é o
Alfa e o ômega, o princípio e o fim, "que é, que era, e que há de vir", Ap 1:8.
Imutável. Jesus Cristo é sempre o mesmo, e assim é o Seu amor. Ele é o SENHOR, e não muda. Aqueles que Ele
ama, ama até ao fim, Jo 13:1.
Frutífero. Frutífero em todas as suas manifestações e operações. Uma pessoa pode amar a outra como à sua própria
alma, mas talvez esse amor não possa ajudar o outro. Nós não podemos, pelo nosso amor, infundir graça num filho,
nem misericórdia num amigo. Não podemos, com o nosso amor, colocá-lo no céu, embora seja o grande desejo de nossa
alma. Mas o amor de Cristo, sendo amor de Deus, é eficaz e frutífero em produzir nos Seus amados o bem que Ele quer.
O Seu amor infunde em nós vida, graça e santidade. O Seu amor nos introduz na Sua aliança e nos introduz no céu.
Todo o bem que Cristo deseja a alguém, esse Seu desejo opera na pessoa.

Essas três qualidades tornam o amor de Cristo sobremodo excelente, e O tornam grandemente desejável. Quantos
milhões de pecados, em cada um dos Seus eleitos, esse amor venceu! - cada um dos quais era suficiente para condenar a
todos eles. Que montanhas de incredulidade esse amor removeu! Considere o procedimento de qualquer dos santos,
considere a disposição de seu coração, veja as muitas marcas e manchas, as impurezas e fraquezas com que sua vida
está contaminada, e diga-me se não é admirável o amor que suporta todas essas coisas. E não é esse amor o mesmo
para com milhares, cada dia? Que torrentes de graça, purificação, perdão, vivificação, socorro manam desse amor
diariamente! Este é o nosso Amado, ó filhas de Jerusalém.
. Ele é desejável e digno de nossa aceitação, considerado em Sua humanidade. Notarei aqui apenas duas coisas:
Ausência de pecado e Plenitude de graça.

Ele era isento de pecado. O Cordeiro de Deus, sem mancha e sem defeito, como importava que fosse a fim de ser
oferecido a Deus. Sobre os de outra qualidade e seus ofertantes recairia a culpa, Ml 1:13,14. "Pois nos convinha tal
sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores", Hb 7:26.
Ele "não cometeu pecado, nem na sua boca se achou engano", 1 Pe 2:22. Ele cumpriu "toda a justiça", Mt 3:15. Seu
Pai sempre Se agradou dEle, Mt 3:17, por causa de Sua perfeita obediência. Tal era Ele e tal é Ele; contudo, por nossa
causa, agradou-Lhe não só ser contado como transgressor pelos mais vis dos homens, como receber da parte de Deus o
castigo devido ao mais vil pecador.

Havendo plenitude de graça em Sua natureza humana, ela se nos apresenta como muito amável e desejável.
Ele não recebeu "por medida" o Espírito Santo, Jo 3:34.

Este é o Amado de nossas almas, "santo, inocente, imaculado", "cheio de graça e de verdade". Cheio, de modo a ser
suficiente para todas as finalidades da graça; cheio, para a prática, para ser exemplo a homens e anjos, na obediência;
cheio, de forma a ser adequado para todas as ocasiões e todas as necessidades das almas dos homens; cheio, de modo a
condizer com a glória da pessoa de Filho de Deus; cheio, de forma a ter perfeita vitória em aflições e sobre toda
tentação; .... cheio, quanto a ser um eterno monumento à glória de Deus, que Se dignou dar tão estupendas excelências
ao Filho do homem.

E esta é a segunda coisa a considerar, para que as nossas almas se sintam atraídas ao nosso Amado.

. Ainda, consideremos que Ele é tudo isto, numa só pessoa. Não estamos tratando de dois, um Deus e um homem.
Mas de um, o qual é Deus e homem. Aquele Verbo, que estava com Deus no princípio e que era Deus, Jo 1:1, fez-Se
carne, v. 14. Assim, o "Deus forte" é "um filho" que "se nos deu". Aquele santo que nasceu da virgem chama-Se "Filho
de Deus", Lc 1:35. Aqui reside, daqui procede a graça, paz, vida e segurança da Igreja - de todos os crentes.

Assim, Ele era adequado a sofrer e capaz de suportar tudo o que nos era devido, exatamente naquele ato em que o
Filho do homem deu a Sua vida em resgate de muitos, Mt 20:28. Se não fosse homem, não teria podido sofrer. Se não
fosse Deus, Seu sofrimento não teria valido, nem para Si nem para nós - Ele não teria preenchido a necessidade. Por
isso o apóstolo inicia a gloriosa descrição da Sua pessoa, falando da purificação dos nossos pecados: "...falou-nos nestes
últimos dias pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo. O qual, sendo o resplendor
da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, e sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder", fez "a
purificação dos nossos pecados", Hb 1:2,3. Foi Ele que fez a purificação dos nossos pecados, o Filho e herdeiro de todas
as coisas. Ele, o resplendor da glória de Seu Pai e a expressa imagem da Sua pessoa. Ele o fez. Só Ele o poderia fazer.
Deus "se manifestou em carne", 1 Tm 3:16, para esta obra. A espada ergueu-se contra o companheiro do Senhor dos
exércitos (Zc l3:7), e, pelas feridas do grande pastor, foram curadas as ovelhas, 1 Pe 2:24,25. Visto que Ele é Deus e
homem, torna-Se uma fonte infinita e ilimitada de graça para todos os que crêem!

Ante o pagamento do grande preço de Seu sangue e ante a plena quitação da dívida pela satisfação por Ele
apresentada, toda a graça, num sentido moral, torna-se dEle, e está à Sua disposição. Ele a dispensa e opera nos Seus
pelo Espírito Santo, e como Lhe parece necessário, segundo a Sua sabedoria. Como Ele é glorioso aos olhos da alma que
considera estas coisas! Quanto mais uma coisa nos serve na hora da necessidade, tanto mais valor tem ela aos nossos
olhos: o pão, se temos fome; a água, se temos sede; a compaixão, se perecemos. Todos os nossos socorros estão assim em
nosso Amado! Ali está a vida das nossas almas, a alegria dos nossos corações, o nosso alívio contra o pecado e o
livramento da ira futura.

Ele é adequado para ser mediador entre Deus e nós, sendo um com Ele e um conosco; e um em Si mesmo, na
unidade de uma pessoa. Como é glorioso o Amado das nossas almas! O que falta, para encorajar-nos a tomar no Seu
seio o nosso descanso e paz? Detenhamo-nos na consideração desta realidade.

Ele é ainda excelente e glorioso, nisto: em que está exaltado e investido de toda a autoridade. Quando Jacó soube da
exaltação de seu filho José no Egito e viu os carros que enviara para buscá-lo, seu coração desmaiou e seu espírito
reviveu, ambas as coisas pela imensa alegria que sentiu e outras afeições transbordantes. Ora, o nosso Amado foi feito
Senhor! At 1:36. E foi coroado de honra e dignidade, após ter sido "feito um pouco menor do que os anjos, por causa da
paixão da morte", Hb 2:7-9. "Todas as coisas" Lhe foram sujeitas "debaixo dos pés", vs. 8. E que poder tem sobre elas o
nosso Amado? "Todo o poder no céu e na terra", Mt 28:l8. Quanto aos homens, foi-Lhe dado poder "sobre toda a carne",
Jo 17:2. E em que glória exerce esse poder? Ele dá vida eterna aos Seus eleitos, regendo-os no poder de Deus, até que os
tome para Si mesmo. E quanto aos inimigos, Suas setas são agudas em seus corações, Sl 45:5. Oh, quão glorioso é Ele
em Sua autoridade sobre os Seus inimigos!

Em Sua autoridade, está Ele exaltado sobre os anjos, bons e maus, Ef 1:20-22. "Acima de todo principado, e poder, e
potestade, e domínio, e de todo nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro". Eles estão debaixo
de Seus pés - sob Suas ordens e inteiramente à Sua disposição. Ele está à destra de Deus, na mais elevada exaltação
possível, e em plena posse de um reino sobre toda a criação; havendo recebido "um nome que é sobre todo nome", etc.,
Fp 2:9. "Senhor dos senhores e Rei dos reis", glorioso em Seu cetro - cetro de eqüidade é o cetro do Seu reino, Sl 45:6.
Glorioso nos que O assistem - os Seus carros são vinte milhares, milhares de milhares", S 68:17. Entre eles cavalga nos
céus, e envia a voz do Seu comando, assistido pelos dez milhares de milhares de Seus santos. Glorioso em Seus súditos
- toda criatura, no céu e na terra; nada há que não Lhe esteja sujeito. Glorioso em Sua maneira de governo e na
administração de Seu reino: cheio de doçura, competência, poder, serenidade, santidade, justiça e graça, nos Seus
eleitos e para com eles; de terror, vingança e destruição certa, para com os rebeldes - anjos e homens. Glorioso no
estabelecimento do Seu reino, quando todo joelho se dobrar diante dEle e todos estiverem diante do Seu trono de juízo.
E que porção pequena de Sua glória mencionamos! Este é o Amado da Igreja. É com este que temos comunhão.

Ele é totalmente desejável e muito para se amar.

Ele é desejável na Sua pessoa - na todo-suficiência gloriosa da Sua Divindade, na pureza e santidade cheias de graça
da Sua humanidade, autoridade, majestade, amor e poder.

Desejável no Seu nascimento e encarnação. Sendo rico, por causa de nós Se fez pobre; participou de carne e sangue,
porque nós participamos dos mesmos; nasceu de mulher, para que, por nossa causa, pudesse nascer sob a lei.
Desejável em todo o curso de Sua vida. Na obediência mais do que angélica, a qual demonstrou na maior pobreza e
perseguição. Fazendo o bem, e recebendo o mal; abençoando, e sendo amaldiçoado, ultrajado, desprezado todos os Seus
dias.

Desejável na Sua morte. Sim, aí, muito desejável aos pecadores: .... quando O desceram da cruz, quebrantado e
morto. Ali, havia carregado todos os nossos pecados para uma terra de esquecimento; ali, havia feito por nós a paz e a
reconciliação; ali, havia alcançado para nós a vida e a imortalidade.

Desejável em todo o Seu empreendimento, em Sua grande obra - vida, morte, ressurreição, ascensão. Sendo
mediador entre Deus e nós, para, a um tempo, vindicar a glória da justiça de Deus e salvar as nossas almas; para
levar-nos a gozar a Deus - a nós, sim, que estávamos tão infinitamente distantes pelo pecado.

Desejável, na glória e majestade com que está coroado. Agora Ele está assentado à destra da Majestade nas alturas.
Ali, embora terrível para com os inimigos, é cheio de misericórdia, amor e compaixão para com Seus amados.

Desejável em todos os suprimentos de graça e consolação, em todo o ministrar do Seu Espírito Santo, de que os
santos são feitos participantes.
Desejável em todo o terno cuidado, poder e sabedoria que exercita na proteção, socorro e livramento de Sua Igreja e
povo, no meio de todas as oposições e perseguições a que estão expostos.

Desejável .... na totalidade do culto, especialmente glorioso, que apontou para Seu povo, pelo qual se aproximam e
têm comunhão com Ele e com Seu Pai.

Desejável e glorioso na vingança que toma e que finalmente levará a termo sobre os rebeldes, inimigos dEle e de Seu
povo.

Desejável no perdão que comprou e dispensa, na reconciliação que fez, na graça que comunica, nas consolações que
ministra, na paz e gozo que dá aos Seus, na segura preservação de Seus santos até à glória.

Que mais direi? As Suas excelências não têm fim - "Ele é totalmente desejável. Tal é o nosso amado, e tal o nosso
amigo, ó filhas de Jerusalém"!

Pelo fato de Cristo haver tomado os santos neste relacionamento de que vimos falando, vemos que Ele dá alto valor
aos Seus, dá alto valor aos crentes. Não precisarei insistir longamente para demonstrar isto. Algumas considerações
darão vida à afirmação.

Em primeiro lugar, tudo o que Ele já fez ou faz, tudo o que passou ou sofreu como mediador, foi por causa dos
santos. Ora, essas coisas foram tão grandes e penosas que, se Ele não lhes desse um valor muito mais alto do que
podemos expressar, nunca Se haveria entregado a cumpri-las e suportá-las. Tomemos alguns exemplos:
Por causa deles "fez-Se carne"; "manifestou-Se em carne". "Visto como os filhos participam da carne e do sangue,
também ele participou das mesmas coisas", Hb 2:14.

Por causa deles fez-Se carne de uma tal forma que Se esvaziou, aniquilou-Se a Si mesmo - houve um eclipsar de Sua
glória - e tornou-Se pobre por eles: "Sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, por amor de vós se fez
pobre",2 Co 8:9. Sendo rico, na glória eterna com Seu Pai, Jo 17:5, tornou-Se pobre pelos crentes.

Por causa deles humilhou-Se e esvaziou-Se de tal forma ao tomar sobre Si carne, a ponto de fazer-Se servo. Sem
valor ou importância aos olhos do mundo. Para com Seu Pai, porém, um real e verdadeiro servo, Is 42:l, Jo 14:31. Por
causa deles humilhou-Se a Si mesmo e fez-Se obediente: cumprindo toda a justiça; suportando toda forma de
perseguição e oposições, fazendo todo o bem. Tomou sobre Si, por causa dos Seus, uma vida e carreira designadas a Ele,
Hb 5:7,8: vida de orações, lágrimas, temores, obediência, sofrimento. E tudo isto, com bom ânimo e prazer, chamando
essa tarefa de Sua "comida e bebida"; declarando que a lei desta obediência estava no Seu coração, que estava contente
em fazer a vontade do Pai, Hb 10:7.

E não pára aí, mas por causa deles fez-Se obediente até à morte, e morte de cruz. Assim declara a Seu Pai, em Jo
17:9: "Por eles me santifico a mim mesmo" - dedico-me como oferta, como sacrifício, para ser morto, ser imolado.
Nasceu e viveu, a fim de morrer, Hb 2:14,15. Deu aos santos um valor maior que a Sua própria vida. E se pararmos
para considerar um pouco o que está contido nessa morte que suportou por eles, percebemos em que preço, de fato, Ele
os estima. Nela estava a maldição da lei, Gl 3:13; nela estava a ira de Deus, 2 Co 5:21; nela estava a perda da presença
de Deus, Sl 22:1. Foi um cálice de temor, que Ele provou, e tomou, para que eles nunca o provassem, Mt 26:39. O que
mais pode alguém fazer? Ele ainda nos diz em outro lugar: "Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu
por nós, sendo nós ainda pecadores", Rm 5:8. Quando Ele fez isso por nós, éramos pecadores e inimigos, a quem poderia
com justiça ter destruído. O que mais poderia ser feito? Uma tal morte, de tal maneira, acompanhada de tal ira e
maldição, mostra que nos foi dado um valor tão alto quanto o coração de Cristo era capaz de dar.

Certamente não haveria fim, se fosse enumerar todos os exemplos da estima em que Cristo tem os crentes, do valor
que lhes dá. Em todos os livramentos que experimentam, em todas as condições de pecado e sofrimento, - ah, o que Ele
fez, o que faz em Sua intercessão, de que os livra, o que executa por eles! Tudo isso mostra uma coisa: que eles são a
menina de Seus olhos, Sua jóia, Seu diadema e coroa.
Numa palavra, seja o crente mais insignificante, mais pobre sobre a terra, Cristo lhe dá mais valor do que a todo o
povo do mundo. Ter o coração cheio deste pensamento contribuiria muito à nossa consolação.

Em resposta a isso, os crentes também dão alto valor a Jesus Cristo. Eles O estimam acima de todo o mundo e de
todas as coisas do mundo. Dizem continuamente em seus corações, como o salmista: "A quem tenho eu no céu, senão a
ti? e na terra não há quem eu deseje além de ti", Sl 73:25. Nem céu nem terra lhes oferecem um objeto de afeição e paz
comparável a Ele!

Eles O estimam acima de suas próprias vidas. "Em nada tenho a minha vida por preciosa, contanto que cumpra com
alegria a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus", At 20:24. - "Não importa que eu perca a vida e
tudo mais, desde que possa servi-lO; e, quando tiver feito tudo, achar o meu contentamento nEle e ser feito semelhante
a Ele". Por isso os antigos alegravam-se quando açoitados, vilipendiados, escarnecidos por causa de Cristo, At 5:41; Hb
ll. Tudo é bem-vindo quando vem dEle ou é para Ele. A vida que devem viver ou a morte que devem morrer pouco é, é
leve, ao pensarem nAquele que é o esteio de sua vida e o alvo de sua morte. Não fosse a renovação diária que recebem
ao pensar nEle, não poderiam viver - a vida lhes seria um fardo. As histórias dos mártires de outrora e destes dias, o
testemunho dos sofredores, o desprezo pela vida, que se vê em mulheres e crianças por causa dEle, o descaso ante os
tormentos, enquanto o Seu nome tudo lhes suaviza, têm tornado clara esta verdade a homens e anjos.

Eles O estimam acima de toda excelência espiritual e de qualquer outra justiça: "O que para mim era ganho reputei-
o perda por Cristo... pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, pelo qual sofri a perda de todas as
coisas, e as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo, e seja achado nele", Fp 3:7,8. Sabemos quanto
somos relutantes em abrir mão de coisas às quais nos dedicamos e que lutamos para possuir. Porém, quando Cristo
realmente nos aparece à alma, quando O vemos em Sua excelência, todas essas coisas perdem seu colorido, sua atração
se esvai, e a alma não apenas se alegra em deixá-las de lado, como também as rejeita como coisas contaminadas; e
exclama: "Só no Senhor Jesus está a minha justiça e só nEle me glorio" (v.Is 45:24). A glória de Sua Divindade, a
excelência de Sua pessoa, Seu ser totalmente desejável, Seu amor inefável, Seu cuidado extremoso, Sua inexprimível
condescendência em vir até nós, Sua justiça completa e mediação eficaz tomam conta do nosso olhar, embevecem
nossos corações, enchem as nossas afeições e nos possuem a alma!

Cristo manifesta e evidencia Seu amor aos santos com generosidade - na provisão rica e abundante que faz para
eles. Agradou ao Pai "que toda a plenitude nele habitasse", Cl 1:19, e que todos nós recebêssemos "da sua plenitude, e
graça sobre graça", Jo 1:16. As Escrituras afirmam que Ele faz todas as coisas aos Seus com abundância. Tudo o que
Ele nos dá - Sua graça para nos assistir, Sua presença para nos consolar - Ele o dá ricamente. Temos a afirmação disto
em Rm 5:20: "Onde o pecado abundou, superabundou a graça". Se a graça avultou em muito, em comparação com o
pecado, ela é abundante de fato! É o Seu Espírito, que Ele nos dá ? Ora, Ele O derrama abundantemente sobre nós,
Tt 3:6. Não só nos manda beber livremente da água da vida, mas também no-lO concede em tão abundante medida que
rios de água viva correrão dos que O recebem, Jo 7:38,39 - para que não mais tenham sede. É graça, que recebemos
dEle? Ele a dá com generosidade: nós recebemos abundância de graça, Rm 5:17. Se, pois, estamos restringidos em
alguma coisa, é em nós mesmos, pois Cristo trata generosamente conosco. Aliás, o grande pecado dos crentes é não
fazer uso da generosidade de Cristo como deveriam; é não tomarmos diariamente dEle misericórdia em abundância. O
óleo nunca cessa, enquanto não cessam as vasilhas; os suprimentos que obtemos de Cristo não faltam, senão quando a
nossa fé falha em recebê-los.

O nosso retorno a Cristo, aí, está na esfera do dever. Ele diz: "Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos
mando", Jo 15:14; e requer-se de nós que vivamos para Aquele que por nós morreu e ressuscitou, 2 Co 5:15 - que
vivamos para Ele em inteira e santa obediência; que vivamos para Ele como nosso Senhor e Rei. Ele nos comprou para
Si mesmo, Tt 2:14.

Isto fazem os santos em toda a sua obediência: têm em especial consideração o Seu amado Senhor Jesus. Seu amor
por eles, Sua vida por eles, Sua morte por eles, toda a Sua bondade e misericórdia os constrangem a viver para Ele.

Ainda, requer-se dos santos, neste retorno para com Jesus Cristo, que sejam ricos em frutos de santidade. Como Ele
trata conosco em generosidade e nos faz tudo abundantemente, assim requer-se que sejamos ricos em gratos retornos
de obediência. E somos exortados a ser sempre abundantes na obra do Senhor. 1 Co l5:58: "Sede firmes e constantes,
sempre abundantes na obra do Senhor, porque o vosso trabalho não é vão no Senhor"!
. . . . . . . . .
Os santos continuamente contemplam o Senhor Jesus Cristo como o seu José, que tem,
confiado a Suas mãos, o controle de todos os celeiros do reino dos céus. O Espírito, todos
os tesouros, toda a plenitude estão nEle sem medida. E os santos, no que se refere à sua
própria condição, contemplam essa plenitude nesse José.

Eles olham para a eficácia expiatória e purificadora do Seu sangue, como base segura para todas as coisas que lhes
serão dispensadas.

Isso, pois, os santos consideram, olhando para Ele. Eles sabem que essas coisas são realizadas em suas vidas pelo
Espírito. Ele é que criará neles a santidade que almejam. ... Bem-aventurada a alma que nisto é exercitada. "Será como
a árvore plantada junto às águas, que estende as suas raízes para o ribeiro, e não receia quando vem o calor, mas a sua
folha fica verde; e no ano de sequidão não se afadiga, nem deixa de dar fruto", Jr 17:8. Os santos de Deus sabem que
sem Cristo nada podem fazer. Portanto, olham para Ele, a Quem foi confiada a plenitude de tudo em favor deles.

... Permaneçamos aqui, contemplando a Cristo pela fé: para alcançarmos aquela
medida de conformidade a Ele que nos é concedida neste mundo.

E o que vimos até aqui é só um lampejo de algo daquela comunhão que gozamos com Cristo. É apenas um
pouco através da pena de um .... que descobriu nessa comunhão o que é melhor do que mil mundos; que
deseja gastar o restante dos poucos e maus dias da sua peregrinação, em busca da mesma - na contemplação
das excelências, do amor e graça de nosso querido Senhor Jesus, e em fazer-Lhe retornos de obediência,
segundo a Sua vontade. Um a cuja alma, no meio das perplexidades deste mundo ímpio e da amaldiçoada
rebelião de seu próprio coração, este é um grande alívio, a saber: "Aquele que há de vir virá, e não tardará".
"Ora vem, Senhor Jesus"!

3ª PARTE

AS AMOROSAS OPERAÇÕES DO ESPÍRITO SANTO

"A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós", 2 Co 13:13.

I.

O Espírito Santo foi enviado por Jesus Cristo para ser nosso consolador. Isto é o que deve ser considerado em
primeiro lugar, a fim de termos um correto entendimento da verdade que estudaremos.

João l6:7: "Digo-vos a verdade, convém-vos que eu vá; pois se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, se eu for,
vo-lo enviarei".
Sendo este verso o particular fundamento do que será demonstrado mais adiante, deve ser considerado
detidamente. Vejamos:
"Eu digo-vos a verdade". - A expressão é muito enfática, e faz sentir a grande importância do que vai ser dito. (No
original o pronome pessoal está presente, o que denota ênfase.)

"Eu digo-vos a verdade". - As almas dos discípulos estão tristes e desconsoladas, ao entender que Cristo Se
ausentará deles. É necessário, pois, que percebam o peso desta verdade, para que seus corações sejam confortados.

Segue-se, então, a importante afirmativa: "Convém-vos que eu vá".


Duas coisas notamos aqui: A partida de Cristo, e a utilidade da mesma para os discípulos.

Sabemos o que significava a Sua partida: o afastamento de Sua presença em corpo, ausentando-Se da terra após a
ressurreição - "ao qual convém que o céu receba até os tempos da restauração de todas as coisas", At 3:2l - pois, quanto
à Sua Divindade e ao Seu amor e cuidado para com os discípulos, foi Sua promessa estar com eles até o fim do mundo,
Mt 28:20. A respeito dessa partida Ele diz: "Convém-vos que eu vá", isto é, "é para vosso bem, é útil para vós". Eis o
sentido da palavra que traduzimos por "convém". É isso que o nosso Salvador está afirmando, ou seja, que a Sua
partida, que tanto temiam e sentiam, iria ser de utilidade e vantagem para eles. Pois -

"Se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas se eu for, vo-lo enviarei".

O Consolador - parákletos. - Esta palavra tem dois significados nas Escrituras: "advogado" e "consolador". No
primeiro sentido, nosso Salvador é chamado parákletos, em 1 Jo 2:1. Há dúvidas sobre qual a melhor maneira da
traduzi-la em nosso texto. Se olharmos para a ocasião em que foram ditas as palavras, momento de tristeza e
tribulação para os discípulos, parece que o melhor termo será Consolador. Se olharmos para as palavras seguintes, que
contêm o particular trabalho para o qual o Salvador promete enviá-lO, o termo deveria ser Advogado: para defender a
causa de Cristo contra o mundo, verso 8. Escolherei interpretar a promessa à luz da ocasião, que era de tristeza para os
discípulos, e conservar o nome de Consolador.

Quem é este consolador, nosso Salvador havia declarado antes, cap. 15:26. É "o Espírito da verdade", isto é, o
Espírito Santo, que revela toda a verdade aos filhos dos homens.

"Vo-lo enviarei". - Quanto ao mistério do envio do Espírito, nosso Salvador instrui os Seus discípulos
gradativamente. No capítulo l4:16, diz: "Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador". Depois, vai um passo
adiante na fé dos Seus, verso 26: "O Consolador, que o Pai enviará em meu nome". Já no capítulo 15:26, diz: "Que eu da
parte do Pai vos hei de enviar". E aqui, temos: Eu "vo-lo enviarei". O envio do Espírito Santo por Cristo - que indica
Sua proveniência também dEle, o Filho - era um mistério profundo, que de imediato eles não poderiam entender.
Assim, o Mestre os instrui passo a passo.

Resumindo: a presença do Espírito Santo com os crentes como consolador - enviado por Cristo para os fins e
propósitos a que foi prometido como tal - é melhor e mais proveitosa aos crentes do que a presença corpórea de Cristo,
uma vez que, por essa presença, cumpriu o sacrifício único que veio oferecer pelo pecado.
Quanto à Sua presença entre nós como consolador, notaremos em nosso estudo:
l. A fonte de Sua procedência; 2. A maneira como é dado; 3. Sua permanência conosco; 4. Seu agir em nós; 5. As formas
de operação resultantes do Seu agir em nós.

1. A fonte de Sua procedência é mencionada em Jo 15:26: "... que procede do Pai". Essa é a fonte desta dádiva. Ele
procede do Pai.

Essa Sua procedência do Pai tem a finalidade de levar a efeito a obra da graça. É com referência a uma obra
específica que o texto nos diz que Ele "procede do Pai", a saber, para testificar de Cristo - o que diz respeito ao Seu
presente ministério. Å semelhança do que está escrito sobre o nosso Salvador, que Ele veio de Deus, Jo 8:42.

A vontade do Espírito está presente na obra. "Procede" - "Ele mesmo sai". Muitas vezes menciona-se que Ele foi
enviado, dado, derramado. Mas o Espírito tem propriedades pessoais - que se aplicam a Ele, nesta obra, - o que indica
Sua personalidade e liberdade próprias. Isto anula qualquer pensamento de que Ele
seja um espírito inferior, ou criado, um mero servo. Ou a idéia de que Ele seja principalmente, ou simplesmente, o
poder de Deus. Ekporéuetai - a idéia é: "Ele, de Si mesmo e de Seu próprio querer, procede".

O Espírito Santo condescende nesta ordem de operação, em proceder do Pai e do Filho quanto a esse ministério; em
tomar sobre Si a obra de Consolador, como o Filho tomou a de Redentor.

A ordem dos fatos, como os encontramos, é a seguinte: Primeiro o propósito do Pai, do Seu amor, a fonte de tudo;
então o pedido do Filho, Jo 14:16, que inclui o Seu mérito e a compra efetuada na cruz; segue-se a procedência
voluntária do Espírito Santo.

2. A maneira como Ele nos é comunicado dessa fonte é expressa de várias formas.

É uma comunicação gratuita. Jo 14:16 diz que Ele nos é DADO: "Ele vos dará outro Consolador". Aquilo que é dado
é gratuito. O Espírito da graça é dado de graça. E Ele é uma dádiva da livre graça, não só como Espírito de
santificação, para nos santificar e converter, mas também no sentido em que estamos falando, de consolação; Ele é
prometido aos crentes como dom. Por isso se diz que é recebido através do evangelho, e não da lei, Gl 3:2, isto é, por
simples graça, e não por conquista nossa. E todas as Suas operações são chamadas charísmata - "dons graciosos". Ele é
concedido por graça e opera por graça. É assim que Ele deve ser contemplado.

É uma comunicação por autoridade. O texto diz que Ele é ENVIADO. Cap. 14:26: "Que o Pai enviará em meu nome",
e 16:7: Eu "vo-lo enviarei". Aqui vemos, de maneira muito especial, o Espírito Santo, em Seu amor por nós,
condescendendo em receber a Sua incumbência por autoridade do Pai e do Filho. Isto não indica disparidade, diferença
ou desigualdade de essência, mas diferença de ofício, nesta obra. É o ofício do Espírito Santo ser nosso advogado e
consolador. E é nesse respeito que Ele é enviado por autoridade do Pai e do Filho. Esta sujeição (se assim o posso
chamar), ou desigualdade quanto a ofício, de forma alguma prejudica a igualdade de natureza que Ele tem com o Pai e
o Filho. Como no envio do Filho, pelo Pai. Quando consideramos que o Espírito foi enviado assim, por autoridade do
Pai e do Filho, compreendemos melhor certos mistérios do evangelho. Pecar contra Ele (o que seja não discutirei aqui) é
pecar contra a autoridade de Deus, contra o amor da Trindade e contra a sublime condescendência de cada Pessoa na
obra da nossa salvação. Daí o pecado contra Ele ser particularmente imperdoável. Daí, também, o grande peso colocado
sobre não entristecermos o Espírito, Ef 4:30. Pois que Ele vem a nós no nome, com o amor e pela condescendência de
toda a bendita Trindade.

Ainda a respeito de Sua comunicação. Está escrito que Ele é DERRAMADO sobre nós, Tt 3:6: o "Espírito Santo, que
abundantemente ele derramou sobre nós". Esta era a principal expressão usada no Velho Testamento, para falar da
Sua comunicação. O mistério do Pai e do Filho e a questão da incumbência delegada ao Espírito não eram bem claros
então. Is 32:l5: "Até que se derrame sobre nós o Espírito lá do alto". Cap. 44:3: "Derramarei o meu Espírito sobre a tua
posteridade, e a minha bênção sobre os teus descendentes". Aquela sublime passagem de Zacarias 12:10 está sempre
em nosso pensamento: "E sobre a casa de Davi, e sobre os habitantes de Jerusalém, derramarei o Espírito de graça e
súplica". Pois bem, a expressão, como sabemos, é tomada da comparação do Espírito à água. Talvez, principalmente,
com referência a eficácia e abundância.

O Espírito é, pois, dado, enviado, derramado.

3. A terceira coisa a considerar é a Sua permanência conosco.


De modo geral, está escrito que Ele ficaria conosco.
De modo particular, a Sua permanência é por habitação em nós, Jo 14:17.
A promessa é de que Ele permaneceria com os discípulos para sempre, Jo 14:16.

Assim, pois, sendo o Espírito enviado e dado, permanece com as almas dos crentes. Ele não os abandona, embora
possa manifestar-Se de várias maneiras, em Suas operações. Isto veremos a seguir.

II

Tendo exposto de onde e como o Espírito Santo nos é dado como Espírito de consolação, passo a considerar:

4. O Seu agir em nós e para conosco. Trataremos agora da maneira como Ele age e como são as Suas operações. A
seguir consideraremos as formas de operação resultantes do Seu agir em nossa alma.

. Ele age eficazmente, como indica o termo no original, 1 Co 12:11: "Um só e o mesmo Espírito opera todas estas
coisas". Essa passagem refere-se à sua distribuição de dons, mas o mesmo se dá com a comunicação de graça e
privilégios, Ele o faz por Sua operação. ...Assim, pois, o que temos da parte dEle, nós o temos por Sua eficaz operação.
...Ao comunicar-nos graça ou consolação, Ele próprio opera-as eficazmente em nós.

. Ainda, sobre a maneira como Ele opera, no mesmo versículo é dito que o Espírito distribui, ou reparte, a cada um
como quer. O fato dEle distribuir inclui escolha, juízo e liberdade. Tal é o procedimento do Espírito em Suas dádivas: a
um Ele dá especialmente uma coisa; a outro, outra. A um, numa medida, a outro, noutra. Assim, na Sua soberania, os
santos são conservados em constante dependência dEle. Ele distribui como quer - quem não estaria contente com a sua
porção? Quem pode requerer aquilo que Ele distribui como quer? O que fica ainda mais evidente, -

. Ao considerarmos que Ele dá aquilo que nos comunica. Eles "começaram a falar noutras línguas, conforme o
Espírito Santo lhes concedia que falassem", At 2:4. Ele lhes concedia - isto é, gratuitamente. Tudo o que Ele nos
concede é por dádiva. Por aí podemos observar que, na nossa salvação, a operação de uma das Pessoas não fere a
liberdade das outras. O amor do Pai, enviando o Filho, é livre; e este enviar de modo algum fere a liberdade e o amor do
Filho, que por Sua vez dá a vida livremente. Assim também, a satisfação apresentada ao Pai pelo Filho e a compra por
Ele efetuada não ferem a liberdade da graça do Pai, em perdoar-nos e aceitar-nos mediante elas. E o fato do Pai e do
Filho enviarem o Espírito não desmerece a Sua liberdade nas operações, mas o que Ele dá, dá-o livremente. E a razão
disto é que, no agir de uma das Pessoas, está o conselho das três e de cada uma livremente.

5. Resta agora considerar as formas de operação dAquele que assim age e que foi enviado como vimos. Isto farei,
simplesmente tomando-as daqui e dali, como as acho espalhadas nas Escrituras. Começarei das gerais para as
particulares. Por certo não penso em reuni-las todas, mas insistirei nas mais evidentes.

Apenas, deve-se observar que continuo a falar do Espírito principalmente (senão somente) como consolador. ...
... Ficarei nas coisas que o Espírito opera como consolador, naqueles e para com aqueles a quem foi enviado.
II

5. As formas de operação do Espírito Santo em nós, ou para conosco, resultantes do


Seu agir em nós.... Passemos a considerá-las:

A primeira é aquela de Jo 14:26: "Ele vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho
dito". Há duas partes nesta promessa:
De ensino.
De trazer à lembrança.

Sobre o ensino falarei mais adiante, ao tratar da unção que Ele nos dá. Assim,
. A primeira promessa geral a respeito do Espírito como consolador é esta: que Ele traria à lembrança dos Seus as
coisas ditas por Cristo - "Ele vos fará lembrar de tudo..." Consideremos a promessa --

a) Quanto às coisas ditas, propriamente. - Nosso Salvador promete aqui a Seus apóstolos que o Espírito
Santo traria às suas mentes, por uma operação eficaz direta, as coisas que Ele havia dito. Isto para que, por Sua
inspiração, eles fossem capacitados a escrevê-las e pregá-las, para o bem e proveito de Sua Igreja. Assim nos diz Pedro
na segunda epístola, 1:21: "Homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo..." (Isto é, ao escreverem a
Escritura.) Inspirados = carregados, levados além de si próprios, para falar as Suas palavras e o que Ele lhes
compunha. Os apóstolos por certo haviam esquecido muito do que Cristo lhes dissera; e o que conservavam
naturalmente na lembrança não era fundamento suficiente para escreverem como norma de fé para a Igreja. Pois a
palavra de profecia não vem do próprio impulso de nenhum homem; não vem de nenhuma idéia, lembrança ou
entendimento particular. Por isso Cristo promete que o Espírito Santo faria essa obra, a fim de que pudessem
comunicar infalivelmente o que lhes entregasse.

b) Quanto à consolação do que fora dito. - Parece que boa parte da intenção desta promessa é consolar. O
Mestre vinha falando a eles de coisas apropriadas a consolo. Dando-lhes preciosas promessas de suprimentos que
teriam da parte dEle nesta vida; contando-lhes do amor do Pai; da glória que estava providenciando para eles; - coisas
que produzem uma emoção e conforto inexprimíveis, e fazem despertar um gozo cheio de glória. Esta é uma razão pela
qual era conveniente para os crentes que a ausência corpórea de Cristo fosse suprida pela presença do Espírito.
Enquanto Ele estava com eles, as promessas celestiais que lhes fazia pouca eficácia tinham em seus corações. Quando o
Espírito veio, oh, como fez cheias de gozo para eles todas as coisas! Aquilo que era Sua obra particular, que Lhe
pertencia em virtude do Seu ofício, estava reservado a Ele. E isto é obra dEle até o fim do mundo: trazer as promessas
de Cristo às nossas mentes e corações, dar-nos a consolação contida nelas, o gozo e a doçura delas, muito além do que os
discípulos acharam nelas quando Cristo em pessoa as proferiu. Pois a graciosa influência daquelas palavras estava
ainda restringida, para que a dádiva do Espírito pudesse ser glorificada. Assim, notemos as palavras que vêm após a
promessa, no verso 27: "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou"; sendo enviado o Consolador para trazer à lembrança o
que Cristo disse, a conseqüência é paz, e um coração livre de perturbação. Tudo o que nós já recebemos de paz, alívio,
consolação, gozo, amparo, em qualquer tempo, através de operação, promessa ou qualquer coisa realizada por Cristo,
pertence a este ministério do Consolador. Em vão aplicaríamos as nossas capacidades naturais em lembrar, trazer à
mente, considerar as promessas de Cristo. Nada conseguiríamos. Mas quando o Consolador o faz, o resultado é
completo.

O que devemos ter em mente agora, bem como nos pontos seguintes, é a maneira como o Espírito faz essa obra: Ele o
faz com poder, ou seja, eficazmente. Por isso a consolação das palavras e promessas de Cristo às vezes se manifesta
contra toda oposição, em meio às condições mais tristes e escuras possíveis. Ele vem, e faz os homens cantarem no
cárcere, regozijarem-se nas chamas, gloriarem-se na tribulação. E a Sua consolação irromperá em prisões, em torturas,
em meio a tentações, e nas maiores angústias. Como se dá isso? O Espírito opera eficazmente; o Seu poder está ali.
Quando Ele opera, ninguém o impede. Se Ele trouxer à nossa lembrança as promessas de Cristo para nossa consolação,
nem Satanás nem homem, nem pecado nem mundo, nem morte pode interromper o nosso conforto. E às vezes o céu
está negro e a terra treme sob os pés dos santos; calamidades e angústias, públicas e pessoais, parecem tão cheias de
horror que eles estão para desmaiar pelas apreensões. Da consolação do Espírito vem o seu grande alívio e recobrar de
ânimo. E a consolação que experimentam na angústia não depende de condições externas nem da estrutura interior de
seus corações, mas das operações poderosas e eficazes do Espírito Santo - às quais eles se entregam pela fé.

A substância de todas as nossas consolações está entesourada nas promessas de Cristo. Porém, todos nós sabemos
por experiência que na mera letra elas são ineficazes, por muito que as consideremos e meditemos nelas! Por outro
lado, às vezes saltam ao nosso coração, conquistando-nos com preciosa vida e vigor! Assim, logo que a alma começa a
sentir a vida de uma promessa a lhe aquecer o coração, aliviando-a, agasalhando-a, sustentando-a, livrando-a de
temores, de emaranhados, de aflições, ela pode - sim, deve - reconhecer que o Espírito Santo está ali, operando.

. A obra geral seguinte parece ser aquela de João 16:14: "Ele me glorificará, pois receberá do que é meu e vo-lo
anunciará". A obra do Espírito é glorificar a Cristo - Aquele que O enviou. E se um espírito não glorifica aquele Cristo
que ali falou aos Seus discípulos, isto é sinal evidente de que é um espírito falso, o que quer que ele pretenda ser. E tais
são muitos que estão pelo mundo. Mas, o que fará este Espírito, para que Cristo seja glorificado? Ele "receberá do que é
meu". O que são estas coisas está no verso seguinte: "Tudo o que o Pai tem é meu". Nosso Salvador não está falando aí
da essência e das propriedades essenciais do Pai e do Filho, mas da graça que nos é comunicada por elas. Isto Ele
chama de "o que é meu", sendo o fruto da Sua compra e mediação. É neste sentido que Ele diz aí que as coisas do Pai
são Suas - as coisas que o Pai, em Seu eterno amor, providenciou para serem dispensadas mediante o sangue de Seus
Filho. "Estas coisas", dizia Ele, o Consolador receberá. Elas Lhe serão confiadas, para que as disponha para o vosso
bem e proveito; e isto me glorificará". Segue-se então: "Ele as mostrará, exporá, vos fará conhecidas". Assim, pois, é Ele
consolador: revela às almas de pecadores as boas coisas que o Pai providenciou e o Filho adquiriu. Mostra-nos
misericórdia, graça, perdão, justiça, aceitação diante de Deus. Faz-nos saber que estas são as coisas de Cristo, que Ele
obteve para nós. Mostra-as a nós para nossa consolação e firmeza. Essas coisas o Espírito declara eficazmente às almas
dos santos e faz que as conheçam, para seu próprio benefício. Leva-os a conhecer que elas são originalmente as coisas
do Pai, preparadas desde a eternidade em Seu amor e boa vontade. Leva-os a ver que lhes foram compradas por Cristo
e entesouradas .... para uso deles. Então Cristo é engrandecido e glorificado em seus corações. Então conhecem o
Salvador e Redentor que Ele é! Só quando o Espírito Santo opera desta forma na alma é que ela descobre e enxerga a
eterna redenção que Cristo lhe comprou! E então O honra e glorifica. "Ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão
pelo Espírito Santo", 1 Co 12:3.

. Por Ele "o amor de Deus está derramado em nossos corações", Rm 5:5. O contexto mostra bem claramente que é do
amor de Deus por nós, não do nosso amor a Ele, que se fala aqui. ... Deus derrama abundantemente o Espírito sobre
nós; então o Espírito derrama o amor de Deus em nossos corações. O que se passa é o seguinte: o Consolador dá-nos
uma doce e rica evidência do amor de Deus e nos persuade desse amor, de modo que a alma é arrebatada, deleitada,
saciada. Isto é obra dEle, e Ele a faz eficazmente. O Espírito dá à alma pobre e pecadora a consoladora persuasão de
que Deus em Cristo a ama, deleita-Se nela, agrada-Se dela, tem para com ela pensamentos de ternura e bondade. E a
Sua persuasão atinge a alma toda, com todas as suas faculdades e afeições. Ora, dar a uma alma o sentimento
transbordante dessas coisas é misericórdia inexprimível.

Isto nós temos de maneira particular pelo Espírito Santo. É Seu trabalho particular. O que nós temos do céu neste
mundo reside aí.

. Outra forma de operação que temos dEle está em Rm 8:16: "O mesmo Espírito testifica com o nosso Espírito que
somos filhos de Deus". Pois bem, como o crente tem permanecente nele algo do princípio que trazia na sua antiga
condição, ele é às vezes questionado sobre se é filho de Deus ou não. O Espírito sobrevém e dá testemunho neste caso.
Por uma palavra de promessa ou de outra maneira, Ele domina o coração com uma persuasão confortadora de que o
crente é filho de Deus. Por isso se diz que o Espírito "testifica com o nosso espírito". E ao mesmo tempo nos capacita a
realizar atos de obediência filial, dóceis e como convém a filhos; o que vemos pela expressão: "Abba, Pai", que Ele coloca
em nossos lábios, Gl 4:6. ...

Quando Ele fala, a alma conhece a Sua voz. Há nela algo grandioso demais para ser efeito de um poder criado.
Quando o Senhor Jesus Cristo, por uma palavra, aquietou a fúria do mar e do vento, todos os que estavam com Ele
conheceram que havia poder divino ali presente, Mt 8:25,27. E quando o Espírito Santo, por uma palavra, silencia os
tumultos e tempestades levantados na alma, dando-lhe imediata calma e segurança, ela reconhece o Seu poder divino e
se regozija na Sua presença.

. O Espírito Santo nos sela. Fomos "selados pelo Espírito Santo da promessa", Ef 1:13; e: "não entristeçais o Espírito
Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da redenção", cap. 4:30. ...Aquilo de que estou persuadido quanto à
mente de Deus no assunto, comunicarei de maneira breve. Num selo, duas coisas se consideram: natureza e finalidade.

A natureza do selo consiste na comunicação da imagem ou dos caracteres do selo à coisa selada. Isto é selar alguma
coisa: estampar ali a imagem do selo. Neste caso, a comunicação eficaz da imagem de Deus a nós seria o estarmos
selados. O Espírito, nos crentes, realmente comunica a imagem de Deus à alma, em justiça e verdadeira santidade,
sela-nos. Ter esta estampa do Espírito Santo ...é estar selado pelo Espírito - tomando-se a figura quanto à natureza do
selo. E neste sentido está escrito que o nosso Salvador é selado por Deus, Jo 6:27 - Ele trazia sobre Si, no cumprimento
de Seu ministério, aquela estampa do poder, sabedoria e majestade de Deus.
A finalidade do selo. - Indica propriedade, distingue e guarda em segurança. Os homens põem seu selo sobre o que é
propriedade sua e desejam guardar seguro para si. Então, evidentemente, neste sentido se diz que os servos de Deus
estão selados (como em Ap 7:4), isto é, marcados com a marca de Deus. Os crentes são selados, pois, quando são
marcados para Deus, para serem herdeiros da herança comprada e para serem preservados para o dia da redenção.

. Ele é um penhor para nós. 2 Co 1:22: Deus "deu o penhor do Espírito em nossos corações"; cap. 5:5: "o qual nos deu
também o penhor do Espírito"; como também em Ef 1:13,14: "fostes selados com o Espírito santo da promessa, o qual é
o penhor da nossa herança". Nas duas primeiras passagens se diz que nós temos o penhor do Espírito; na última se diz
que Ele é o penhor. ...O Espírito mesmo é o penhor, como está expresso na última passagem. A consideração do que se
entende aqui por "Espírito" e por "penhor" trará alguma luz sobre o que é este privilégio que recebemos pelo
Consolador.

É o Espírito Santo mesmo, considerado pessoalmente, que é o nosso penhor.


2 Co 1:22: Deus "deu o penhor do Espírito em nossos corações"....Gl 4:6: "Deus enviou aos nossos corações o Espírito de
Seu Filho"; isto é, a pessoa do Espírito, pois nada mais se pode chamar de Espírito de Seu Filho. E, em Ef 1:14 : "o qual
é o penhor".... O Espírito da promessa, Ele mesmo, é o penhor. Dando-nos este Espírito, Deus nos dá este penhor.

Arrabon - penhor. Nem o grego nem o latim tem uma palavra para expressar exatamente a idéia contida em nosso
texto. Os latinos fizeram palavras para ela, "arrha" e arrhabo", baseados no termo grego. A palavra grega não é mais do
que o hebraico "herabon". Esta palavra, como pensam alguns, veio através dos mercadores de Tiro, sendo uma boa
palavra comercial. É traduzida por alguns em latim como "pignus", penhor; mas essa não pode ser a intenção aqui.
Penhor [para nós] é aquilo que alguém dá ou deixa sob a custódia de outrem, como garantia de que alguma outra coisa
lhe será dada ou apresentada em pagamento. Porém, o que se procura dizer em nosso caso é que a coisa deixada é
parte daquilo que está para vir, e apenas uma parte dela; isto segundo o uso comercial da palavra, de onde é tomada a
figura. Está traduzida de maneira excelente no inglês: "earnest" = "entrada" "sinal". Uma "entrada", ou "sinal", é a
parte do preço de alguma coisa, ou parte de uma doação. Parte essa, dada de antemão, para assegurar à pessoa a quem
é entregue que, no tempo aprazado, receberá o todo que lhe está prometido.

Vejamos o que se requer para que uma coisa seja esse penhor (sinal):
Em primeiro lugar, precisa ser a confirmação de uma promessa ou ajuste. Primeiro é prometido o todo, então é dado
o sinal, para o bom e verdadeiro cumprimento daquela promessa.

É assim que o Espírito é esse penhor (sinal). Deus nos dá a promessa de vida eterna. Para confirmá-la a nós, Ele nos
dá O Seu Espírito; o qual, como primeira parte da promessa, assegura-nos do todo. Por isso nos é dito que Ele é o
penhor (sinal) da herança que nos é prometida e adquirida.

E podemos considerar: como Ele é penhor (sinal) no que se refere a Deus, que O dá, e no que se refere ao crente, que
O recebe.

Ele é um penhor (sinal) no que concerne a Deus. Deus O dá como parte excelente da herança em si, e da mesma
espécie do todo, como deve ser o penhor (sinal). A plena herança prometida é a plenitude do Espírito, no gozo pleno de
Deus. Um dia esse Espírito, que nos é dado agora neste mundo, terá removido perfeitamente todo o pecado e dor e nos
terá feito capazes de gozar a glória de Deus na Sua presença. Essa é a plena herança prometida. De modo que o
Espírito, que nos é dado para capacitar-nos a gozar a Deus em alguma medida, enquanto estamos aqui, é o penhor
(sinal) do todo. Deus faz isto com o propósito de assegurar-nos e dar-nos garantia da herança. Tendo-nos dado tantas
garantias fora de nós (Hb 6:17,18): Sua Palavra, promessas, aliança, juramento, e a revelação e descoberta de Sua
fidelidade e imutabilidade em todas elas - Ele Se agradou também, graciosamente, em dar-nos uma garantia dentro de
nós, Is 59:21, para que tenhamos toda a segurança de que somos capazes. O que mais pode ser feito? Ele nos deu do
Seu Espírito Santo - nEle, as primícias da glória, a suprema garantia do Seu amor, o penhor (sinal) do todo!

Ele é um penhor (sinal) no que concerne aos crentes: Dá-nos conhecimento do amor de Deus e nos familiariza com a
nossa herança.

Quanto ao amor de Deus. O fato de serem aceitos diante de Deus faz saber aos crentes que alcançam favor aos Seus
olhos; que Ele é seu Pai e os tratará como filhos. Ele envia ao nosso coração o Seu Espírito, "que clama: Abba, Pai", Gl
4:6. E o que os crentes deduzem daí? "Se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus e co-
herdeiros de Cristo", Rm 8:17. Temos, pois, direito a uma herança e certeza da mesma.

Quanto à nossa herança. Vemos, por 1 Co 2:9,10, que o Espírito nos familiariza com ela. Assim como o penhor
(sinal), sendo parte do todo, dá-nos conhecimento desse todo, o mesmo faz o Espírito. Ele é, pois, sob todos os aspectos,
um penhor (sinal): dado por Deus e recebido por nós, como a certeza da nossa herança e o começo da mesma. Os crentes
se alegram em todos os graciosos atos que mostram a operação do Espírito em seus corações, como em gotas do céu - e
anseiam pelo oceano.

. O Espírito unge os crentes. Nós somos ungidos pelo Espírito, 2 Co 1:21. Nós temos "unção do Santo", e sabemos
todas as coisas, 1 Jo 2:20,27. A base desta expressão encontra-se no uso de unções no judaísmo: no significado e
intenção dos tipos ligados às unções e nos ofícios a que os homens eram consagrados por meio delas. E, mais
proximamente, na unção de Jesus Cristo (de onde Ele é chamado o Messias e o Cristo).

Vou fixar-me num só lugar, que é a passagem onde são enumeradas as comunicações
do Espírito nesta unção de Cristo. Aliás, da parte de Cristo, nós somos feitos
participantes com Ele dessas comunicações, pela unção que recebemos. Isto, na nossa
medida. A passagem referida é Is 11:2,3: "Repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, o
Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito
de conhecimento e de temor do SENHOR", etc. Muitos dos dotes comunicados a Cristo pelo
Espírito, com O qual Ele foi abundantemente ungido, estão aqui enumerados. E são
salientados os de sabedoria, conselho e entendimento. Pelo que, é-nos dito que nEle estão
todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento, Cl 2:3. Assim, e como está em 1 Jo
2:20,27, vemos que a obra da unção é ensinar-nos. Como está na grande promessa de Jo
14:26: "ele vos ensinará", e no cap. 16:13: "ele vos guiará a toda a verdade". Parte
relevante da nossa unção pelo Espírito como nosso consolador é o ensino da vontade e da
mente de Deus.
São três os aspectos do ensino do Espírito:

Um ensino pelo Espírito como iluminador, trazendo convicção e iluminação. - O Espírito ensina o mundo (isto é,
muitos nele) pela pregação da Palavra. Como está em Jo 16:8.

Um ensino pelo Espírito como santificador. - Abrindo olhos; renovando o entendimento; resplandecendo em nossos
corações, para dar-nos conhecimento da glória de Deus na face de Jesus Cristo; capacitando-nos a receber coisas
espirituais sob luz espiritual, 1 Co 2:13; dando um conhecimento salvador do mistério do evangelho. Isto, em uns mais,
em outros menos, é comum aos crentes.

Um ensino pelo Espírito como consolador. - Tornando doces, úteis e proveitosas à alma as descobertas feitas da
mente e vontade de Deus sob a luz do Espírito como santificador. Aqui o óleo do Espírito é chamado de "óleo de alegria"
- que traz consigo alegria e gozo. E o nome de Cristo, descoberto por meio desse óleo, é um doce "ungüento derramado",
que leva as almas a correrem após Ele com alegria e contentamento, Ct 1:3. Sabemos, pela experiência diária, que
muitos têm muito pouco, em suas almas, do sabor, gosto e doçuras daquelas verdades que, todavia, como salvos,
conhecem e crêem. Mas quando somos ensinados por esta unção, oh, como é doce cada coisa que conhecemos de Deus.
Observemos o texto de João onde se menciona o ensino desta unção. Vemos que diz respeito ao ensino que o Espírito
nos dá do amor de Deus em Cristo, da luz do Seu rosto; a qual, como diz Davi, infunde alegria aos nossos corações, Sl
4:6,7.

Isto nós temos, pois, pelo Espírito. Ele nos ensina acerca do amor de Deus em Cristo. Ele torna cada verdade do
evangelho como vinho refinado, às nossas almas; e todas as suas boas coisas, como um banquete de delícias. Dá-nos
gozo e alegria ao coração em tudo o que conhecemos de Deus; e isto é a grande salvaguarda da alma, conservando-a
perto da verdade. O apóstolo fala do ensino desta unção como sendo o meio pelo qual somos preservados do engano. De
fato, quando alguém conhece uma verdade no poder, doçura, gozo e alegria que ela encerra, isso é grande garantia da
constância dessa alma em reter e preservar tal verdade. Facilmente trocarão verdade por erro os que não acham mais
doçura em uma coisa do que em outra. Todos os privilégios de que gozamos; toda a dignidade e honra de que somos
investidos; toda a nossa dedicação a Deus; nossa nobreza e realeza; nossa porção em todos os benefícios da Igreja e de
aproximação de Deus em adoração; a nossa separação do mundo; o nome pelo qual somos chamados, a liberdade que
gozamos - tudo emana e tudo são ramos desta forma de operação do Espírito Santo.

...Quando alguma das boas verdades do evangelho entra em nossas almas com vida, vigor e poder, dando-nos alegria
de coração e transformando-nos em sua própria imagem e semelhança, é que o Espírito Santo está em ação, está
derramando do Seu óleo.

. Ele é também chamado o "Espírito de graça e súplica". Assim é prometido em Zc 12:10. E o modo como Ele efetua
isto em nós está declarado em Rm 8:26,27, Gl 4:6. Por isso se diz: "orando no Espírito Santo". As nossas orações podem
ser consideradas de duas maneiras:

Como um dever espiritual requerido de nós por Deus. E então são movidas em nós pelo Espírito como santificador,
que nos ajuda a efetuar todos os nossos deveres. Ele o faz, elevando todas as faculdades da alma, de modo que todas
elas entram nesse exercício, cada uma desempenhando espiritualmente sua parte respectiva.
Como um meio de conservar comunhão com Deus. Pela oração, docemente aliviamos os nossos corações no seio do
Pai, e bebemos do Seu amor refrescante. Nada leva a alma a sentir-se tão arrebatada com o amor de Deus como o
exercício deste dever - quando o Espírito a move a íntima comunhão com Deus. E neste aspecto a oração pertence ao
Espírito como consolador.

Este era o ponto seguinte a considerar .... a saber, quais as particulares formas de operação do Espírito Santo em
nós e para conosco. As quais são: trazer as promessas de Cristo à nossa lembrança; glorificá-lO em nossos corações;
derramar o amor de Deus em nós; testificar com o nosso espírito do nosso estado e condição espiritual; selar-nos para o
dia da redenção; ser o penhor (sinal) da nossa herança; ungir-nos com privilégios, no que diz respeito ao consolo que
encerram; estar presente conosco em nossas súplicas.

IV

Insistimos nas formas de operação mais destacadas e conhecidas, resultantes do agir do Espírito Santo em nós.
Resta-nos considerar, de modo geral, os efeitos produzidos nos corações dos crentes por essas formas de operação.

. Consolação é o primeiro deles. Os discípulos andavam "no temor do Senhor e consolação do Espírito Santo", At
9:31. Por Sua obra para conosco e em nós, temos conforto e consolação. Toda vez que a Escritura menciona conforto e
consolação dada aos crentes (o que faz com freqüência), é ela o resultado próprio da obra do Espírito Santo para com
eles. E onde se menciona conforto e consolação, há sempre uma relação com tribulação ou perplexidade. Como vemos
em 2 Co 1:5,6: "Porque, como as aflições de Cristo abundam em nós, assim também a nossa consolação abunda por
meio de Cristo". Sofrimento e consolação são coisas opostas, sendo esta um alívio contra aquele. Todas as promessas ou
expressões de consolo no Velho e Novo Testamento são apresentadas como socorro contra aflições.

Nas formas de operação do Espírito antes mencionadas estão todas as fontes de nossa consolação. Nenhum conforto
há senão por elas. E nelas há consolo para toda e qualquer tribulação. Suponhamos um homem debaixo das maiores
calamidades que possam sobrevir a um filho de Deus; ou debaixo de todos os males enumerados por Paulo em Rm 8:35,
etc. Experimente esse homem aquelas operações do Espírito Santo antes mencionadas; e, a despeito de todos os males,
suas consolações serão abundantes. Suponhamos que ele tenha, todo o tempo, consciência do amor de Deus derramado
em seu coração; um claro testemunho interior de que é filho de Deus, aceito diante dEle; consciência de que está selado
e marcado por Deus como Sua propriedade; de que é herdeiro de todas as promessas de Deus; e assim por diante. É
impossível que essa pessoa não triunfe em toda a sua tribulação.

E esta consolação é permanente. Por isso é chamada de "eterna consolação", em 2 Ts 2:16: "Nosso Deus e Pai, que
nos amou e em graça nos deu uma eterna consolação". Isto é, consolo que não se desvanece, isto porque provém de
coisas eternas. Pode haver algum consolo perecível, dado por algum tempo através de coisas que perecem. Mas
consolação permanente, como temos pelo Espírito Santo, essa provém de coisas eternas: amor eterno, eterna redenção,
uma herança eterna.

É poderosa. Os herdeiros da promessa têm "poderosa consolação", Hb 6:18. Como às vezes vem contra nós oposição,
e tribulação cujos laços são poderosos, assim é forte, é poderosa a nossa consolação. Ela é abundante, e é invencível. Ela
é tal que abrirá caminho através de qualquer oposição. Ela robustece, firma e fortalece o coração, debaixo de qualquer
calamidade. Fortifica a alma e torna-a capaz de atravessar qualquer coisa a que seja chamada. E a consolação é
poderosa, porque vem dAquele que é poderoso.

É este, pois, no coração dos crentes, o primeiro efeito das importantes formas de operação do Espírito Santo antes
mencionadas. Pois bem, ele é muito amplo e extenso, abrangendo muitos aspectos do nosso andar com Deus. Tanto
assim que o Espírito Santo recebe daí o Seu cognome, referente a toda a obra que tem a realizar por nós. Ele é o
Consolador. Como Jesus Cristo, que pela obra de redenção e salvação é o Redentor e Salvador da Sua Igreja. Pois bem,
como não temos consolação senão pelo Espírito Santo, assim todas as Suas formas de operação para conosco produzem
certamente este efeito em nós, em alguma medida. Aliás, eu ouso dizer que qualquer coisa, na semelhança das coisas
descritas, que não traga consigo consolação não é do Espírito Santo.

. Paz é outro efeito. "O Deus de esperança vos encha de todo o gozo e paz no vosso crer, para que sejais ricos de
esperança no poder do Espírito Santo", Rm 15:13. O poder do Espírito Santo não se estende só à esperança, mas à
nossa paz em crer. O mesmo é na relação daquelas promessas de Jo 14:26,27: "Eu vos darei outro Consolador" - e
então? o que se segue a essa dádiva? "Paz". Disse Ele: "Deixo-vos a paz; a minha paz vos dou". E não é de outra forma
que Cristo deixa a Sua paz ou lhes dá a Sua paz, senão concedendo-lhes o Espírito Santo. A paz de Cristo consiste na
consciência que a alma tem de sua aceitação diante de Deus em amizade. Por isso nos é dito que "Ele é a nossa paz", Ef
2:14, porque destruiu a inimizade entre nós e Deus, ao cancelar o escrito de dívida que era contra nós. "Justificados,
pois, pela fé, temos paz com Deus", Rm 5:11. A base desta paz é a persuasão confortadora de nossa aceitação diante de
Deus em Cristo. Ela envolve livramento da ira, rejeição, maldição e condenação eterna - o que afeta toda a consciência.

E a paz é um ramo da mesma raiz que a consolação - é um resultado daquelas formas de operação do Espírito Santo
antes mencionadas. "Paz" é fruto do Espírito, Gl 5:22. O traço característico do Espírito é "vida e paz", Rm 8:6.

. Alegria é também deste número. O Espírito, como já expusemos, é chamado "óleo de alegria", Hb 1:9. Sua unção
traz consigo alegria, Is 61:3: "óleo de alegria em vez de pranto". "O reino de Deus é justiça, e paz, e alegria no Espírito
Santo", Rm 14:17. Tendo recebido a palavra... "com alegria do Espírito Santo", 1 Ts 1:6. Dar gozo e alegria ao coração
dos crentes é obra característica do Consolador. Rm 5:2 fala em nos gloriarmos, ou exultarmos, "na esperança da glória
de Deus". E isto procede do fato do amor de Deus estar derramado em nossos corações pelo Espírito, verso 5. Pois bem,
o Espírito opera esta alegria em nossos corações, ou de maneira direta, infundindo gozo na alma, de modo a prevalecer
contra todo medo e tristeza, enchendo-a de alegria, exultações, e às vezes de indizíveis transportes de mente; ou de
maneira indireta, levando a alma a considerar as coisas de Deus que são nossas por Cristo!

. Esperança é também um efeito daquelas operações do Espírito Santo em nós e para conosco, Rm 15:13.

As várias formas de operação do Espírito Santo no coração dos crentes produzem, pois, de modo geral, esses efeitos.
E se pudéssemos considerá-las aqui no seu fruto, com todos os ramos que brotam delas - em segurança, ousadia,
confiança, expectação, exultação, glória e outros - veríamos quanto é influenciada por elas a nossa comunhão com Deus.
V

Consideremos agora estas três coisas:

. Em quê o Espírito nos consola.


. Com quê Ele nos consola.
. O princípio do Seu agir e operar em nós para nossa consolação.

. Há três esferas no curso de nossa peregrinação, nas quais as consolações do Espírito Santo são proveitosas e
necessárias:

a) Em nossas aflições. A aflição é parte da provisão que Deus fez em Sua casa para Seus filhos, Hb 12:5,6. A
grande variedade das causas de aflição, dos meios pelos quais vem, de suas utilidades e dos efeitos que produz é, de
modo geral, conhecida. E há uma medida de aflições apontada a cada um. Estar totalmente sem elas é uma tentação, e,
portanto, de certa forma, uma aflição também. O que tenho para dizer é que: em todas as nossas aflições nós
precisamos das consolações do Espírito Santo. Faz parte da natureza do homem querer aliviar-se, quando embaraçado,
por todas as maneiras e meios.

Há dois grandes males que, ou um ou outro, geralmente apanham o homem quando em aflição e o impedem de
tratar devidamente com ela. O apóstolo menciona ambas, Hb 12:5: "Não desprezes a correção do Senhor; nem desmaies
quando por ele fores repreendido". As pessoas geralmente caem num desses dois extremos: ou desprezam a correção do
Senhor, ou desmaiam sob ela.

As pessoas a desprezam. Explicam o que lhes acontece como sendo coisa banal ou comum. Não percebem Deus ali.
Podem defender-se daquilo muito bem; consideram-lhe as causas instrumentais e acidentais, providenciam sua própria
defesa, e pouco levam em conta o Senhor Deus ou a Sua mão na aflição. E o fato aí é que tomam para si socorros com os
quais Deus não mistura a Sua graça. Voltam-se para outros remédios, que não os apontados por Ele. E perdem
totalmente os benefícios e proveitos de sua aflição. Isto acontecerá com toda pessoa que se aliviar de suas aflições
através de qualquer coisa que não sejam as consolações do Espírito Santo.
As pessoas desmaiam sob suas provas e aflições - o que o apóstolo reprova ainda no verso 12. Os primeiros
desprezam a assistência do Espírito por orgulho de coração. Estes a recusam por abatimento de espírito, e sucumbem
sob o peso de suas tribulações. E quem há, talvez, que não tropece num destes dois pontos? Nós nos habituamos a
considerar levianamente as correções do Senhor; a não prestar atenção nos Seus tratos conosco. Não fosse isso,
descobriríamos que o tempo de aflições compreende não pequena parcela de nossa peregrinação.

Pois bem, para que Deus seja glorificado e nós tenhamos proveito e progresso espiritual através das aflições, só há
um trato apropriado à nossa alma quando em aflição, e é pelas consolações do Espírito Santo. Tudo o que o nosso
Salvador promete aos Seus discípulos, quando lhes fala das grandes provas e tribulações que viriam sobre eles, é o Seu
Espírito, o Consolador. Ele lhes daria paz, em meio às aflições do mundo, e os guiaria e guardaria em todas as suas
tribulações. E isto levará a alma ao mais alto gozo e paz, descanso e contentamento, mesmo debaixo das maiores
aflições. Foi o que o apóstolo experimentou, como está em 2 Co 1:4-6. Lemos em Rm 5:3: "Nos gloriamos nas
tribulações". É uma grandiosa expressão. E como pode o nosso espírito ser levado a tratar de tal forma com as aflições a
ponto de gloriar-se nelas no Senhor? O apóstolo nos diz no verso 5, que é pelo derramar do amor de Deus em nossos
corações pelo Espírito Santo. Por isso lemos em 1 Ts 1:6 que os discípulos receberam a palavra "em tribulação, com
alegria do Espírito Santo", e em Hb 10:34, que com gozo permitiram a espoliação de seus bens. Isto é o que desejo
expressar: não há maneira de lidar com as aflições, nem progresso através delas, senão por meio das consolações do
Espírito Santo. Se, pois, não queremos perder o valor de nossas aflições, tentações e provas, aprendamos que só por
esse instrumento elas se tornam proveitosas.

b) O pecado é o segundo peso em nossas vidas, e sem dúvida o maior. E esta consolação é particularmente
adequada a esse peso. Em Hb 6:17,18, falando-se de refúgio, faz-se alusão a um fato dos tempos da lei. Quando um
homem matava alguém inadvertidamente e trazia sobre si a culpa do sangue, fugia depressa para uma cidade de
refúgio, onde estava livre. O nosso grande e único refúgio da culpa do pecado é o Senhor Jesus Cristo. Ao fugirmos para
Ele, o Espírito Santo nos ministra consolação. Sentimento de pecado enche o coração de aflição e desassossego; é o
Espírito Santo que nos ministra paz em Cristo. Sentimento de pecado traz uma apreensão, um temor de ira; o Espírito
Santo derrama o amor de Deus em nossos corações. Pelo sentimento de pecado Satanás e a lei nos acusam como objetos
do desagrado de Deus; o Espírito Santo testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Não há engenho ou
instrumento que o pecado arme ou use contra a nossa paz, contra o qual não haja esta ou aquela forma de operação do
Espírito Santo, própria e adequada para derrubá-lo.

[c] Em todo o curso de nossa obediência, são necessárias também estas consolações, a fim de que possamos
cumpri-la com bom ânimo, submissão e paciência até o fim.

Resumindo: em tudo o que nos concerne nesta vida e em toda a nossa expectação da outra, necessitamos das
consolações do Espírito Santo.
Pois bem, as nossas aflições, pecados e obediência são as grandes preocupações de nossas vidas. O que somos com
referência a Deus está compreendido dentro delas. E através de todas elas corre um fio de consolação do Espírito Santo,
que nos dá alegre saída, do começo ao fim.

. A segunda coisa a considerar, com o fim de ensinar-nos a apreciar devidamente as consolações do Espírito Santo, é
o seu conteúdo, isto é, com quê Ele nos consola. Todas as Suas consolações consistem em fazer-nos conhecer e
comunicar-nos o amor do Pai e a graça do Filho. De tudo o que há nesse amor e nessa graça o Espírito faz assunto de
consolação para nós. De modo que, de fato, temos nossa comunhão com o Pai em Seu amor e com o Filho em Sua graça,
pela operação do Espírito Santo.

Ele nos comunica e nos leva a conhecer o amor do Pai. Jo 16:27: "O mesmo Pai vos ama". O Consolador é dado para
nos fazer conhecedores disto. Em particular, que o Pai, a primeira Pessoa da Trindade, tem amor por nós. Por isto nos é
dito tantas vezes que Ele vem do Pai, pois que Ele vem da parte desse amor e para instruir os corações dos crentes
sobre ele; a fim de que sejam confortados e estabelecidos. Persuadindo-nos do eterno e imutável amor do Pai, Ele nos
enche de consolação. A consciência deste amor tem o poder não só de aliviar, como também de nos fazer regozijar-nos
em qualquer situação, com gozo inefável e glorioso. Não é com a multiplicação do nosso trigo, vinho e óleo que Ele
conforta as nossas almas, e sim com a luz da face de Deus sobre nós, Sl 4:6,7. "O mundo me odeia," pode dizer a alma
que tem o Espírito, "mas meu Pai me ama. Os homens me desprezam como hipócrita, - meu Pai me ama como filho. Eu
sou pobre neste mundo, mas tenho uma rica herança no amor de meu Pai. Vejo-me em aperto de todos os lados, mas na
casa de meu Pai há pão com fartura. Sob o poder de minhas paixões e pecados eu choro em segredo, onde ninguém me
vê; mas meu Pai me vê, e é cheio de compaixão. Com um sentimento da Sua benignidade, que é melhor do que a vida,
eu me regozijo na tribulação, glorio na aflição, triunfo como vencedor. Embora seja entregue à morte o dia todo, a
profundeza das minhas dores tem limite, e pode ser sondada; as minhas provações têm fronteiras, e podem ser
transpostas. Mas a largura, e altura, e profundidade do amor do Pai, ninguém as pode expressar!"

Ele nos comunica e leva a conhecer a graça de Cristo: todos os frutos de Sua compra, toda a formosura de Sua
pessoa. Através destas coisas o Espírito Santo ministra-nos consolação, Jo 16:14. Ele glorifica a Cristo, revelando aos
crentes as Suas excelências, como o primeiro entre dez mil e "totalmente desejável". E então mostra-lhes as coisas de
Cristo: Seu amor, graça, todos os frutos de Sua morte, sofrimento, ressurreição e intercessão; e com estas coisas
sustenta as suas almas. E cabe mencionar aqui, ainda, todo o refrigério que nos vem pelo perdão do pecado; o
livramento da maldição e ira futura; a justificação e adoção; com os incontáveis privilégios que os seguem, na esperança
da glória que nos foi dada.

. Em terceiro lugar, temos a considerar o princípio e fonte de todo o agir do Espírito para a nossa consolação. Pois
bem, este princípio e fonte é o Seu grande amor e infinita condescendência : Ele de boa mente procede do Pai para ser o
nosso consolador. Ele sabia o que seríamos, o que poderíamos fazer e como O trataríamos. Sabia que O iríamos
entristecer, ofender, apagar os Seus impulsos, contaminar a Sua morada; e, contudo, quis vir para ser nosso
consolador. Consideremos pela fé este amor do Espírito Santo.

VI

Veremos agora que há três formas gerais de comportamento da alma para com o Espírito Santo. São expressas de
forma negativa na Escritura, mas encerram deveres positivos. São elas:

Não entristecer o Espírito.

Não apagar os Seus movimentos.

Não resistir a Ele.

. A primeira advertência refere-se diretamente à Sua pessoa, quanto à Sua habitação em nós. Encontra-se em Ef
4:30: "Não entristeçais o Espírito Santo de Deus". Há um lamento em Is 63:10 sobre os que entristeceram o Espírito
de Deus. E parece que esta advertência é tirada dali. Há duas coisas que se inferem desta expressão.

Em primeiro lugar que o Espírito Santo é, em relação a nós, amoroso, cuidadoso, terno, interessado em nosso bem e
bom procedimento. Por isso é que, se procedemos mal, a expressão nos diz que O entristecemos - à semelhança do que
acontecerá com um amigo bondoso e amoroso, ante a conduta errada da pessoa que estima. E isto é o que devemos
principalmente observar nesta advertência: o amor, bondade e ternura do Espírito Santo para conosco. "Não O
entristeçais".

Em segundo lugar, que nós temos a capacidade de fazer coisas apropriadas a entristecê-lO.
O dever positivo incluído nessa advertência é este: que, em vista do amor, bondade e ternura do Espírito Santo,
busquemos santidade em todos os domínios. O Espírito Santo, que é o nosso consolador, deleita-Se com a nossa
obediência e Se entristece com os nossos desvios e loucuras. A consideração desses fatos torna-se um constante motivo
para o nosso íntimo andar com Deus em santidade.

. A segunda advertência é a que está em 1 Ts 5:19: "Não apagueis o Espírito". É o Espírito Santo mesmo que é
mencionado aqui. Não com referência direta à Sua pessoa (a cujo respeito encontramos o termo "entristecer", que
envolve afeição pessoal), mas a Seus movimentos, ação, e operações. O Espírito Santo era tipificado pelo fogo que ardia
sempre sobe o altar. É também chamado "Espírito de ardor". Ora, a oposição à ação do fogo é apagá-lo. Por isso a
oposição à ação do Espírito chama-se "apagar o Espírito". O Espírito está instando conosco, agindo em nós, operando
de várias formas para o nosso crescimento em graça e produzindo em nós fruto. "Cuidado, irmãos," é o que está
dizendo o apóstolo nessa passagem, "para que, pelo poder de paixões e tentações, não negligencieis as operações do
Espírito; não O impeçais, em Sua boa vontade para com as vossas vidas".

. A terceira advertência diz respeito ao Espírito é Sua obra no ministério da Palavra. Estêvão diz aos judeus, em At
7:51: "Vós sempre resistis ao Espírito Santo". E como o fizeram? Bem, da mesma forma que seus pais: "Assim vós sois
como vossos pais". E como foi que seus pais resistiram ao Espírito Santo? Perseguiram e mataram os profetas (verso
52). Quando se opunham aos profetas na pregação do evangelho, isto é, ao anunciarem a vinda do Justo, eles estavam
resistindo ao Espírito Santo. Pois bem, a resistência ao Espírito Santo é o desprezo pela pregação da Palavra, porque o
dom de pregá-la vem dEle. "A manifestação do Espírito é dada... para o que for útil", 1 Co 12:7. O Espírito Santo, pois,
estabelece um ministério na Igreja, separa homens para ele, supre-os de dons e capacidade para ministrarem a
Palavra. O não obedecer a essa palavra de pregação, a oposição a ela, o não cair diante dela chama-se resistir ao
Espírito Santo. Pelos exemplos de impiedade em outros, somos advertidos contra esse procedimento.

No ministério da palavra do evangelho, devemos contemplar a autoridade, sabedoria


e bondade do Espírito. É Ele que supre os homens de dons para esse fim e propósito. É de
Sua presença com eles que lhes vem o poder na palavra. E por causa disso, deve haver
sujeição a ela. Pois que o Espírito Santo, e Ele só, comunica os dons para esse fim.
Atentemos bem para cada forma de operação do Espírito Santo, em cada um dos pontos
antes mencionados. Observemos que são atos do Seu poder e amor para conosco.

Diante de cada operação de consolação que o crente recebe, sua fé deve pensar
claramente: "Isto vem do Espírito Santo: Ele é o Consolador. Eu sei que não há gozo, paz,
esperança ou conforto, senão quando Ele o opera, dá e comunica. E para poder dar-me
esta consolação, Ele de boa mente condescendeu neste ofício de consolador. Foi por amor,
e por isso Ele o continua a fazer. Também, Ele foi enviado pelo Pai e o Filho, para esta
finalidade. Por esse meio é que eu participo deste gozo - é pelo Espírito Santo. Participo
de consolação - Ele é o Consolador. Quanto valor eu dou a esse amor agora! Quanto
valor hei de dar a esta misericórdia que recebi!"
.........

Oh, as riquezas da graça de Deus!


.........

Haverá alguém que, professando o evangelho, nunca tenha indagado


seriamente se já foi feito participante do Espírito Santo? Se o Espírito
Santo não o habita, se Ele não é o seu Consolador, também Deus não é
seu Pai, nem o Filho seu Advogado, e nem o seu ser tem parte alguma no
evangelho. Oh! que Deus desperte alguma pobre alma para a
consideração destas coisas.

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JOHN OWEN foi um piedoso servo de Deus e


eminente teólogo inglês do século XVII
Publicamos aqui trechos edificantes
extraídos de seu extenso livro:
COMMUNION WITH GOD

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