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Fecho a janela e o meu último bafo reflete-se no vidro e embacia-o. Percorro com os
olhos a mancha suave á minha frente e tal e qual uma folha ela pede-me que a marque. Por
muito que me digam que os vidros se sujam quando fazemos inscrições nos lugares
embaciados, a vontade de deixar-mos uma marca - que não raras vezes é uma interpretação
da nossa emoção mais atual - é tão importante e esclarecedora que quando não surge
espontaneamente ficamos tão vazios por fora como já estaríamos por dentro. A força
desnaturada de enganar a candura da natureza leva-me momentaneamente a hesitar. Tento
ter forças para romper essa barreira de conceitos estéticos e vaidades pessoais. Agarro-me á fé
que me diz que lá dentro é tão puro como um vidro que se embacia pelo bafo quente na noite
fria. De súbito largo o mundo e entrego-me nu á expressão mais básica que se poder conceber.
A de comunicar.
Quando termino a figura que os meus dedos desenharam no vidro, olho-a por
momentos e penso no que ela significará. Voltam a cercar-me estéticas e vaidades e depois de
livrar-me delas, fico em silencio no pensamento, deixando apenas um dos sentidos trabalhar
em mim. A visão. Olho-a e perscruto-a e não a julgo nem a construo. Ela está simplesmente ali.
Sento-me á mesa e olho para o papel... A brancura assusta-me. Respiro fundo e tento
imaginar a noite lá fora, naquele exato segundo em que eu já não estou a olhá-la. Imagino-a,
desde as ruas, aos campos lavrados, ás cordilheiras e... ao bafo quente que me sai da boca.
Quando olho para a figura no vidro, rio-me.
E aí vamos nós!