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De longe avistava, o fundo de uma camarinha simples levantada por barro avermelhado e coberto

de palha cinzas, contorções e desesperados gritos de dor, era dona Alice se preparando para trazer
ao mundo mais uma vida que ocuparia espaço naquelas terras secas e de pouca produção, era
uma tarde onde o sol escaldava e dona Alice sentia-se derreter por cima da cama dura improvisada
de Barros coberto por panos brancos que logo depois avermelhados ficariam quando dona Alice
colocasse a criança para fora. Ali ouviam-se choros e soluços que transmitiam alívio e ao mesmo
tempo preocupações, era Maria que havia chegado ao mundo e entrou em contato com a escaldante
temperatura da região quente conhecida como Paudarco . Naquele momento Dona Alice se sentia
realizada, e não contava com a decepção ao olhar para a estrada e se deparar com Manoel, pai de
Maria e marido de dona Alice, vindo de longe costurando a estrada de coloração avermelhada o que
parecia estar sendo arrastado pela leveza do forte vento que suspirava poeira suja. Ao entrar pela
porta estreita de um susto ele desperta e sem entender nada ele questiona “oxente Alice, e Maria já
nasceu foi?" Ao final dá uma gargalhada. Alice já contava com aquela cena que se repetia
incansavelmente todas as outras vezes em que ele chegava chapado e ao ver a situação, apenas
suspirou um aro forte e descontente.
Filhos de Deus e guiados por Olodum, eram povos sofridos em uma época de seca e contavam
inocentemente com as poucas águas barrentas dos açudes, feitos por eles mesmos para armazenar
uns poucos goles do ouro escasso. Ao anoitecer ouviam-se gritos de entusiasmo e felicidade das
inocentes crianças tão pouco nutridas, que ao se aproximar das 18:00 horas enchiam-se de pirão
branco que lhes eram servido, e se deliciavam sem expressões de descontentamento e se
mostravam fortemente orgulhos pelo que comiam. Digo-lhes de passagem “minhas crianças eram
felizes”.
Passaram-se 15 anos desde que presenciei a cena naquele rancho velho, hoje Maria já se encontra
crescida e a Inocência e contentamento já não a descrevem mais, comparando-se a uma escrava é
domada por seus senhores. Maria, agora só trabalha .

Pela manhã bem cedo, de longe a léguas observava seus poucos vizinhos que por ali passavam
com cadernos e livros velhos embaixo do braço comemorando a ida à escola, e por não fazer parque
daquele grupo considerado “ o futuro da nossa gente” entristecida baixava sua cabeça com seus
cabelos negros e brilhosos caindo sobre seu rosto. Manuel lá de longe a gritos autoritários mandara
Maria labutar, sempre exclamando a mesma frase “ escola de menina é casa para varrer “ uma fala
que a faz acreditar que de fato sua função naquelas terras era apenas viver para seus senhores.

Em uma noite de lua bonita onde as falhas secas sombreavam a escuridão , Maria se encontrava ao
chão sob a luz do candeeiro quebrando e limpando a mamona, que naquela estação do ano era a
única fonte de renda da família, e como sempre em um dos domingos seriam vendidas na feira
para comprar um ou dois quilinhos de alimentos. Sempre que a seca vem, traz consigo dificuldades
que entre elas está a fome, minhas crianças, moças e rapazes buscavam ânimo para continuar
labutando em uma terra infértil e com isso, apenas com 15 anos de idade Maria era uma moça que
não mais sonhava, todas suas expectativas foram descartadas durante uma infância de muito
trabalho e exploração. No dia seguinte ainda bem cedo por volta das 4:00 da manhã pegou seu aió
velho e pela estrada levantado poeira ela seguia, seguia com pensamentos questionadores "será
que um dia minha vida vai fazer sentido?" " Quando Serei feliz ?" " Porque será que eu passo por
tanta coisa ruim" " aí meu Deus, oh meu Olodum livrai-me dessa despreza" Seguiu.
Chegando na feira dirigiu-se até o armazém e vendeu sua fonte de sobrevivência, voltou para casa
contente já que teria comprando seus quilinhos de alimentos. Já era bem tarde quando chegou a seu
destino, o sol já se encontrava no meio do céu azul. Ao chegar deparou-se com Lucileia sua irmã
mais nova que sem piedade alguma exclamou " Maria, contei tudo pra mainha viu" ela sem entender
esperou que se pronunciasse novamente " mainha vai te mostrar que não se deve mentir" e nesse
momento Alice com sangue nos olhos chicoteou Maria que inocentemente não soube revidar por não
saber o motivo pelo qual apanhava, dos seus olhos não saiam uma gota de lágrima. Horas depois
de ter apanhado Alice entrou no quarto que Maria dividira com seus três irmãos, e olhou em seus
olhos, Maria a perguntou a perguntou o motivo pelo qual apanhou e ela revidou " você está
envergonhado nossa família, não se envergonha em mentir!!" Ainda sem entender, Alice continua "
não sei com que cara olharei para seu pai, e nem sei qual será a reação dele ao saber que a filha se
vende em troca de alimentos, quando aos domingos vai sozinha até a feira!" Maria se assustou e
deu um pulo " não acredito que a senhora está me acusando dessa forma" . E depois daquele dia
ela nunca mais foi a mesma, sentiu-se cada vez mais deprimida e insuficiente, se perguntava a todo
momento o porquê que sua irmã mais nova lhe acusava de algo tão bárbaro que naquela época era
um escândalo, o por quê ela tinha que expressar seu ódio por ela de tal forma. Naquele momento
todos os sentimentos tomaram conta de Maria, tristeza, dor e ódio como seu sentimento maior,
pensou algumas vezes em se livrar de sua irmã, mas como sempre pensa antes de agir, procurou
outra forma de vingança essa que não mudaria apenas sua vida, mas também a de toda sua família.
Na calada da noite, quando os galhos balançavam pedindo que ficasse e a lua a vigiava em seus
passos curtos e silenciosos, que gritavam por ficar. Com medo e incertezas Maria decidiu que a partir
daquele dia ou dava tudo certo ou dava tudo errado, e mesmo sem saber para onde ir ela seguiu
com o coração em prantos. No dia posterior quando seus irmãos a buscaram na cama para preparar
o café preto, ela já não estava mais lá, o seu irmão mais novo Pedro correu para os braços de sua
mãe e a todo momento a questionava " Mainha cadê Lia?" Quieta ela ficava, já que mágoas e
incertezas faziam com que ela sentisse seu coração se estilhaçar e com o orgulho que a oprimia ela
queria demonstrar aos seus outros filhos que tudo estava bem. Ainda naquele dia quando Manoel
chegou e se deparou com a casa vazia com a ausência de Maria ele desesperadamente exclamou
" onde Maria se encontra?", mesmo sem querer passar o sentimento de dor , Alice tremia de medo
, Manoel era um homem duro, ardiloso e tinha cabeça de vaca, se ela contasse o que havia
acontecido ele nunca a perdoaria já que dizia sem hesitar " quem cuida da menina mulher é a mãe "
como se fosse seu dever educa-la e ensina-la como se comportar diante as pessoas de Paudarco.
Horas depois Alice não tinha mais como esconder o que havia acontecido e de forma clara ela
explicou a Manoel, que não soube reagir de outra forma a não ser se mergulhar em um mar de ódio
e desprezo declarou com clareza para sua família que a partir daquele dia Maria não seria mais
considerada membra da família Jesus. Quando os boatos começaram a circular Maria já se
encontrava bem longe dali, engolindo a dor e o sofrimento, no entanto decidida que jamais voltaria
de novo para aquela terra maldita. Seguia sem rumo vez ou outra encontrava um cidadão de bem
na estrada que lhe levava até o ponto de parada e desse jeito viveu Lia, buscando um lugar que
fosse só seu, longe de tudo e de todos aqueles que só a explorava.
A vida de Maria desde o início era feita de tormentos, e cansada da exploração, de não ter
direitos nem um e ainda por cima ser acusada de urgia pela sua própria irmã, a qual a invejava por
motivos que só ela sabe, decidiu então buscar sua felicidade em um ambiente que cheire a paz e
mesmo que o motivo que há tenha levado, fosse o pior de todos, essa foi a sua chance e hoje ela
acredita que tudo em sua vida aconteceu por algum motivo e que ela seria a pessoa que ia descobri-
lo sozinha.

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