Você está na página 1de 3

Núcleo Lixo Zero Santa Tereza – Entrevista com Clênio Argolo

No dia 22/10/2022 realizei uma entrevista semiestruturada com Clênio Argolo,


um dos funcionários da Rede Lixo Zero Santa Tereza (RLZST) com quem eu havia
conversado anteriormente em uma das visitas que fiz ao Núcleo Bom Despacho (NBD).
A entrevista não pôde ser realizada em pessoa devido a conflitos de agendas, portanto
foi realizada através da plataforma Microsoft Teams, com duração de aproximadamente
1 hora e meia.

Abri a entrevista agradecendo Clênio pela sua disponibilidade, e expliquei que


estava realizando um estudo etnográfico sobre o NBD e as pessoas que o frequentam,
seja a trabalho ou não. Pedi a Clênio que me contasse sobre o funcionamento no NBD, e
sobre a proposta do projeto em relação à gestão de resíduos sólidos urbanos. Clênio me
disse o projeto busca articular a reciclagem popular, envolvendo a parceria com
cooperativas de catadores, juntamente com a agroecologia urbana, difundindo esses
conceitos na comunidade e promovendo a segurança alimentar. Os Núcleos Lixo Zero
(NLZ) são espaços onde todas essas ideias são trabalhadas e divulgadas, buscando
conscientizar a população sobre a importância do trabalho realizado pela RLZST. Além
do NLZ da Rua Bom Despacho, onde visitei e já conhecia há mais tempo, também
existe um NLZ na Rua Anhanguera (NA), também no bairro Santa Tereza, onde são
realizadas as mesmas atividades do que no NBD.

Clênio me contou sobre a origem da RLZST, que se deu através de uma parceria
da Spiralixo, um dos braços operacionais do Roots Ativa, e a atuação da COOPESOL
Leste no bairro. A COOPESOL Leste, em parceria com a Rede Lixo Zero e a Escola
Municipal Prof. Lourenço de Oliveira (EMPLO), implantou em 2017 a Coleta Seletiva
Solidária de recicláveis secos (CSS). A coleta, que inicialmente só ocorria na EMPLO,
foi estendida para 11 das principais ruas do bairro, atendendo mais de mil famílias.

Em 2018 o Spiralixo elaborou, em parceria com a RLZST, o projeto Vida


Composta em Santa Tereza. Os moradores do bairro que aderissem ao projeto, mediante
o pagamento de uma mensalidade, receberiam um balde para a separação de seus
resíduos orgânicos. Esses moradores podiam assim levar seus resíduos semanalmente ao
ponto de recebimento do projeto, e após três meses recebiam os produtos da
compostagem feita com seus resíduos, como adubos e mudas.
A atuação desses dois grupos ocorreu por anos de forma independente, até que
começaram a colaborar em alguns eventos realizados no bairro, como a 5ª edição do
Mercado Vivo + Verde. Com a atuação conjunta da COOPESOL Leste e do Spiralixo,
foi possível a idealização do atual modelo de coleta e recebimento de resíduos utilizado
pela RLZST, combinando as áreas de atuação e experiências dos dois grupos.

Segundo Clênio, os Núcleos Lixo Zero (NLZ) foram concebidos de forma a


conciliar as demandas dos grupos operadores: a COOPESOL buscava maior integração
com a comunidade do bairro de meios de integração de catadores autônomos em seus
trabalhos; e o Spiralixo buscava um ponto para servir de base para suas atividades.
Sendo assim, foram constituídos o NA e o NBD, com o objetivo de descentralizar o
manejo de resíduos, permitindo a colaboração entre os dois grupos.

Foram elaborados dois projetos de integração dos serviços dos grupos


operadores: o Lixo Zero Bares e Restaurantes (LZB) e o Lixo Zero Residencial (LZR).
O primeiro foi criado em cooperação com uma proprietária de um bar da região,
visando a adesão dos estabelecimentos da região à um programa de coleta de seus
resíduos. O segundo projeto foi elaborado com participação de moradores do bairro, que
queriam dispor de seus resíduos de forma mais adequada do que a coleta seletiva
comum realizada pela prefeitura. O LZB, apesar de ter obtido bons resultados
inicialmente, foi descontinuado após a pandemia, enquanto o LZR continua em
operação apesar de dificuldades causadas pela pandemia.

Perguntei Clênio sobre como um morador poderia se tornar um beneficiário da


Rede, e quais serviços são oferecidos a eles. Os moradores podem se tornar
beneficiários mediante o pagamento de uma taxa mensal de R$45,00. Além de poderem
levar seus resíduos domésticos (devidamente separados entre orgânicos e recicláveis) ao
NLZ de sua escolha, os beneficiários desfrutam também de um desconto sobre os
produtos comercializados nos NLZ.

Clênio também explicou que os beneficiários são incluídos em um grupo do


WhatsApp juntos com os funcionários da RLZST. Nesse grupo são discutidas questões
administrativas sobre o projeto, processo denominado como gestão dialogada. Dessa
maneira, ocorre em forma de diálogo a elucidação de quaisquer dúvidas sobre o
funcionamento do projeto e a sensibilização dos beneficiários sobre a importância do
trabalho realizado pelo grupo. A participação dos beneficiários nos processos
administrativos da RLZST, assim como a sugestão de alterações nas atividades
existentes e a criação de novas iniciativas, demonstra a natureza comunitária da gestão
dos NLZ, onde a voz dos moradores é ouvida e participa ativamente na tomada de
decisões. Essa participação ocorre não só no grupo de WhatsApp, como também em
assembleias periódicas e nas conversas entre as pessoas nos NLZ.

Conversei com Clênio sobre minhas visitas ao NBD, e sobre como eu já


conhecia o espaço anteriormente, mas nunca tinha me aprofundado sobre seu
funcionamento. Parabenizei os envolvidos no projeto pela importância do trabalho que
realizam, assim como pela inclusão da população nas tomadas de decisões sobre as
atividades dos NLZ. Clênio agradeceu meu interesse nas atividades da RLZST, e me
convidou a visitar os NLZ quando quisesse. Eu o agradeci novamente pela sua
disponibilidade e solicitude, e encerrei a entrevista.

O conceito de gestão comunitária dos resíduos sólidos urbanos já era algo que eu
associava à RLZST, mas antes da entrevista com Clênio eu não tinha conhecimento
sobre o nível de envolvimento dos beneficiários da Rede na tomada de decisões
administrativas sobre as atividades dos NLZ. Achei muito interessante esse modelo
descentralizado de gestão de resíduos, especialmente no contexto atual da coleta seletiva
em Belo Horizonte, que só atende 53 dos 487 bairros da cidade.

No Sagrada Família, bairro onde moro, é feita coleta seletiva somente em


algumas ruas do bairro, sendo a minha rua excluída dessa cobertura. Faço a separação
do material reciclável por alguns dias e levo na rua mais próxima que é atendida pela
coleta seletiva, que fica a 3 quarteirões da minha casa. No meu caso, é um preço
pequeno a se pagar para garantir que esse material reciclável não será destinado à um
aterro ou lixão, mas para aqueles que moram em bairros onde a coletiva seletiva não é
realizada isso não é uma possibilidade, na maioria das vezes.

Iniciativas como a RLZST seriam muito interessantes, ao meu ver, se replicadas


em outros bairros da cidade. Existem lacunas nos serviços públicos de coleta seletiva e
reciclagem que podem ser preenchidas pela atuação de projetos de gestão comunitária
descentralizada de resíduos, em parceria com cooperativas de catadores e associações de
cidadãos. Esse modelo possibilita o empoderamento da população no que diz respeito à
destinação final de seus resíduos sólidos, assim como uma conscientização e
engajamento com as questões ambiental, alimentícia e de uso social do espaço urbano.

Você também pode gostar