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Núcleo Lixo Zero Santa Tereza e a Gestão Comunitária de Resíduos Urbanos

A Lixo Zero é uma organização civil autônoma, sem fins lucrativos, fundada em
2010. Ela representa a Zero Waste International Alliance (ZWIA), movimento
internacional de organizações que trabalham com o conceito de lixo zero. Em Belo
Horizonte, atua o Coletivo Lixo Zero BH, fundado em 2017, em parceria com os
coletivos Lixo Zero Contagem e Lixo Zero Nova Lima.

Meu objeto de estudo é a Rede Lixo Zero Santa Tereza (RLZST), que
atualmente administra um núcleo de operações na Rua Anhanguera (NA), inaugurado
em agosto de 2019, e um núcleo na Rua Bom Despacho (NBD), inaugurado em janeiro
de 2020. Anteriormente, em 2018, foi instalado o primeiro local de coleta e
compostagem de resíduos orgânicos da RLZST na Feira Terra Viva, localizada também
no bairro Santa Tereza.

Localização dos NLZ no bairro Santa Tereza

Fonte: elaborado pelo autor (21/11/2022)

A organização opera em parceria com diversas entidades públicas e privadas,


sendo elas: Escola Municipal Prof. Lourenço de Oliveira (EMPLO), Associação
Comunitária do Bairro Santa Tereza (ACBST), Instituto Nenuca de Desenvolvimento
Sustentável (INSEA), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Cooperativa
Solidária de Trabalhadores e Grupos Produtivos da Região Leste (COOPESOL Leste),
Roots Ativa/Spiralixo, moradores, alguns bares do bairro Santa Tereza e o Portal
SANTATEREZATEM.

A criação dos núcleos operacionais da RLZST ocorreu através de uma parceria


entre a Spiralixo, um dos braços operacionais do Roots Ativa, e a atuação da
COOPESOL Leste no bairro. A COOPESOL Leste, em parceria com a RLZST e a
EMPLO, implantou em 2017 a Coleta Seletiva Solidária de recicláveis secos (CSS). A
coleta, que inicialmente só ocorria na EMPLO, foi estendida para 11 das principais ruas
do bairro, atendendo mais de mil famílias (SOUZA, 2021).

Em 2018 o Spiralixo elaborou, em parceria com a RLZST, o projeto Vida


Composta em Santa Tereza. Os moradores do bairro que aderissem ao projeto, mediante
o pagamento de uma mensalidade, receberiam um balde para a separação de seus
resíduos orgânicos. Esses moradores podiam assim levar seus resíduos semanalmente ao
ponto de recebimento do projeto, e após três meses recebiam os produtos da
compostagem feita com seus resíduos, como adubos e mudas.

A atuação desses dois grupos ocorreu por anos de forma independente, até que
começaram a colaborar em alguns eventos realizados no bairro, como o IV Encontro
Nacional de Agroecologia (IV ENA) e a 5ª edição do Mercado Vivo + Verde. Com a
atuação conjunta da COOPESOL Leste e do Spiralixo, foi possível a idealização do
atual modelo de coleta e recebimento de resíduos utilizado pela RLZST, combinando as
áreas de atuação e experiências dos dois grupos.

Os Núcleos Lixo Zero (NLZ) foram concebidos de forma a conciliar as


demandas dos grupos operadores: a COOPESOL buscava maior integração com a
comunidade do bairro de meios de integração de catadores autônomos em seus
trabalhos; e o Spiralixo buscava um ponto para servir de base para suas atividades.
Sendo assim, foram constituídos o NA e o NBD, com o objetivo de descentralizar o
manejo de resíduos, permitindo a colaboração entre os dois grupos.

Nos Núcleos Lixo Zero (NLZ) ocorrem diversas atividades voltadas para a
preservação do meio ambiente e a redução da geração de lixo. Dentre as atividades
realizadas estão o recebimento e a compostagem de resíduos orgânicos, recebimento e
armazenamento de materiais recicláveis, plantio e manutenção de uma horta urbana e a
operação de um empório onde são comercializados produtos da própria Rede Lixo Zero
e de parceiros como o Roots Ativa. Os produtos variam desde alimentos orgânicos até o
adubo fertilizante produzido pela compostagem feita no local. Também são disponíveis
para compra minhocários para a realização da vermicompostagem doméstica. Tanto a
horta quanto a loja são abertos para o público geral.

Realizei duas visitas ao NBD, nos dias de 15/09/2022 e 24/09/2022. Eu já havia


visitado o núcleo outras vezes, para comprar os produtos comercializados da horta e do
empório, mas nunca tinha feito uma visita para o núcleo com um olhar etnográfico. O
NBD realiza suas operações em um lote previamente desocupado, cedido pela dona do
imóvel, que mora na mesma rua. Ao chegar no local vejo a área de recebimentos de
recicláveis à direita, e uma rampa à esquerda que leva para o empório, onde são
dispostos os produtos à venda.

Sacos de ráfia onde são acondicionados os recicláveis no LEVA

Fonte: fotografado pelo autor (15/09/2022)

No resto do lote são mantidas a horta e as baias de compostagem, que utilizam


os resíduos orgânicos recebidos dos beneficiários. São chamados beneficiários os
moradores do bairro que, mediante o pagamento de um valor mensal, podem levar seus
resíduos domiciliares aos NLZ, além de receberem descontos nos valores dos produtos
do empório.
Horta urbana administrada no NBD

Fonte: fotografado pelo autor (15/09/2022)

Em ambas visitas conversei com Renata, uma funcionária da COOPESOL Leste


que avalia os materiais recicláveis recebidos para assegurar sua qualidade e integridade.
Ela me disse que o local de recebimento desses materiais é chamado LEVA, ou Local
de Entrega Voluntária Assistida. Perguntei se os beneficiários realizavam corretamente
a separação de seus resíduos orgânicos e recicláveis, e a Renata me disse que sim, e que
ao se tornarem beneficiários eles recebem um arquivo em PDF contendo todas as
instruções necessárias para a separação correta de seus resíduos. São beneficiarias do
NBD, ao todo, 80 famílias do bairro, que destinam mais de 90% de seus resíduos ao
Núcleo.

Na minha primeira visita, Renata mencionou que um dos idealizadores do


Núcleo, chamado Thiago, poderia me dizer mais sobre o projeto e seu funcionamento,
mas ele não estava lá naquele dia. Peguei o contato dele com a Renata, e consegui
conversar um pouco com o Thiago pelo WhatsApp, que me contou sobre o trabalho que
é realizado nos Núcleos da RLZST, mas que infelizmente não tinha disponibilidade no
futuro próximo para uma entrevista ou algo do tipo.
Na segunda visita que fiz ao NBD conversei também com Clênio, um dos
membros da RLZST, que são trabalhadores membros das diversas organizações que
compõem a RLZST, ou voluntários. Perguntei a ele sobre como funciona a operação de
compostagem que é feita no local, e como o adubo resultante é usado na horta. Ao meu
ver a compostagem é uma das atividades mais importantes realizadas no local, devido
ao seu baixo custo de implementação (considerando também que a técnica utilizada nos
NLZ necessita de pouco manejo) e capacidade de absorção de resíduos orgânicos, que
compõem grande parte dos resíduos sólidos gerados em núcleos urbanos.

Leira de compostagem no NBD

Fonte: fotografado pelo autor (15/09/2022)

Clênio me disse que o método de compostagem utilizado por eles foi criado na
Universidade Federal de Santa Catarina, também conhecido como “Método UFSC”.
Nesse modelo, os resíduos orgânicos são dispostos em cima de pallets, que permitem a
aeração da leira de compostagem sem a necessidade de reviramento manual dos
resíduos.

Em ambas as visitas me apresentei como um aluno da UFMG que estava


realizando um estudo etnográfico sobre o NBD, e fui muito bem recebido e tratado.
Meu objetivo com essas visitas ao NBD foi entender mais sobre seu funcionamento
como uma alternativa de destinação dos resíduos domiciliares dos moradores do
entorno, e como ocorrem ali as interações e vivências entre as pessoas. O uso de um lote
vago para a implantação no Núcleo é, na minha opinião, um ótimo exemplo sobre uso
social do espaço urbano, uma vez que transforma um local anteriormente em desuso
para um centro de coleta e tratamento de resíduos, divulgação de iniciativas
ambientalmente relevantes como a agroecologia urbana e formação de relacionamentos
e laços afetivos entre as pessoas que frequentam o espaço.

Como mencionei, já tinha visitado o NBD antes, mas sem um olhar etnográfico.
Nessas visitas recentes percebi nas pessoas com quem interagi um interesse e paixão
grandes pelo trabalho que realizam, senti que acreditam na importância desse trabalho.
Fui recebido com muita gentileza e atenção pelas pessoas com quem conversei, e todos
foram muito solícitos para responder minhas perguntas. Ao meu ver, o NBD é um
modelo de descentralização de coleta de resíduos bem sucedido, considerando a
situação atual da coleta seletiva em Belo Horizonte, que só atende 55 dos 487 bairros da
cidade. É especialmente relevante no contexto do bairro Santa Tereza, que possui
15.526 habitantes (IBGE, 2010), mas não é contemplado pela coletiva seletiva da
prefeitura. Sendo assim, se tornam necessárias novas alternativas de disposição
ambientalmente consciente de resíduos sólidos urbanos, que devem partir
prioritariamente de organizações e movimentos civis em parcerias com órgãos e
instituições públicas comprometidas com a causa ambiental.
Referências Bibliográficas

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo 2010.


Rio de Janeiro, 2010.
SOUZA, M. A. LIXO ZERO? Uma pesquisa-ação na co-construção de uma solução
territorial para os resíduos sólidos urbanos. Tese de Doutorado – Programa de Pós-
Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Minas Gerais, Minas
Gerais, 2021.

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