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TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0

1. Elabore 05 exercícios de estudo do texto abaixo, utilizando como prática a Linguística Textual. (1,0)
2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: ANNELISE E DEBORAH MIRIAM
CAPIM GUINÉ (Raul Seixas) Sagui trepado no pé da goiabeira
Sariguê na macacheira, tem inté tamanduá
Plantei um sitio no sertão de Piritiba Minhas galinha já não ficam mais paradas
Dois de pés de guataíba, cajú, manga e cajá E o galo de madrugada tem medo de cantar
Peguei na enxada como pega um catingueiro
Fiz aceiro botei fogo, vá ver como é que tá Num planto capim-guiné
Pra boi abaná rabo
Tem abacate, genipapo, bananeira Eu tô virado no Diabo, eu tô retado cum você
Milho verde, macaxeira, como diz no Ceará Tá vendo tudo e fica aí parado
Cebola, coentro, andú, feijão de corda Com cara de veado que viu caxinguelê
Vinte porco na engorda, inté gado no currá
Num planto capim-guiné
Com muita raça fiz tudo aqui sózinho Pra boi abaná rabo
Nem um pé de passarinho veio a terra semeá Tô virado do Diabo, eu tô retado cum você
Agora veja, cumpadi a safadeza Tá vendo tudo e fica aí parado
Começou a marvadeza, todo bicho vem prá cá Com cara de veado que viu caxinguelê
Num planto capim-guiné Num planto capim-guiné
Prá boi abaná rabo Pra boi abaná rabo
Eu tô virado no Diabo, eu tô retado cum você Eu tô virado no Diabo
Tá vendo tudo e fica aí parado Eu tô é, eu tô é retado cum você (Hum acuma?)
Com cara de veado que viu caxinguelê
Tá vendo tudo e fica aí parado
Sussuarana só fez perversidade Com cara de viado homi, que viu caxinguelê
Pardal foi prá cidade Acumá? Acuma é?
Piruá minha saqué, qué, qué Don d'hoje ele chega meu nego
Dona raposa só vive na mardade Oxenti
Me faça a caridade, se vire dê no pé A piritiba, uma saudade arretada

TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0


1. Elabore 05 exercícios de estudo do texto abaixo, utilizando como prática a Linguística Textual. (1,0)
2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: ARIANE E GRAZIELE
SONETO DE SEPARAÇÃO
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente dá calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E dá paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo, o distante
Fez-se dá vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente

TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0


1. Elabore 05 exercícios de estudo do texto abaixo, utilizando como prática a Linguística Textual. (1,0)
2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: CALINE E DENISE
PENÉLOPE – Conto de Dalton Trevisan
Naquela rua mora um casal de velhos. A mulher espera o marido na varanda, tricoteia em sua
cadeira de balanço. Quando ele chega ao portão, ela está de pé, agulhas cruzadas na cestinha. Ele
atravessa o pequeno jardim e, no limiar da porta, beija-a de olho fechado.
Sempre juntos, a lidar no quintal, ele entre as couves, ela no canteiro de malvas. Pela janela da
cozinha, os vizinhos podem ver que o marido enxuga a louça. No sábado, saem a passeio, ela, gorda, de
olhos azuis e ele, magro, de preto. No verão, a mulher usa um vestido branco, fora de moda; ele ainda de
preto. Mistério a sua vida; sabe-se vagamente, anos atrás, um desastre, os filhos mortos. Desertando
casa, túmulo, bicho, os velhos mudam-se para Curitiba. Só os dois, sem cachorro, gato, passarinhos. Por
vezes, na ausência do marido, ela traz um osso ao cão vagabundo que cheira o portão. Engorda uma
galinha, logo se enternece, incapaz de matá-la. O homem desmancha o galinheiro e, no lugar, ergue-se
caco feroz. Arranca a única roseira no canto do jardim. Nem a uma rosa concede o seu resto de amor.
Além do sábado, não saem de casa, o velho fumando cachimbo, a velha trançando agulhas. Até o
dia em que, abrindo a porta, de volta do passeio, acham a seus pés uma carta. Ninguém lhes escreve,
parente ou amigo no mundo. O envelope azul, sem endereço. A mulher propõe queimá-lo, já sofridos
demais. Pessoa alguma lhes pode fazer mal, ele responde.
Não queima a carta, esquecida na mesa. Sentam-se sob o abajur da sala, ela com o tricô, ele com
o jornal. A dona baixa a cabeça, morde uma agulha, com a outra conta os pontos e, olhar perdido,
reconta a linha. O homem, jornal dobrado no joelho, lê duas vezes cada frase. O cachimbo apaga, não o
acende, ouvindo o seco bater das agulhas. Abre enfim a carta. Duas palavras, em letra recortada de
jornal. Nada mais, data ou assinatura. Estende o papel à mulher que, depois de ler, olha-o. Ela se põe de
pé, a carta na ponta dos dedos.
— Que vai fazer?
— Queimar.
Não, ele acode. Enfia o bilhete no envelope, guarda no bolso. Ergue a toalhinha caída no chão e
prossegue a leitura do jornal. A dona recolhe a cestinha, o fio e as agulhas.
— Não ligue, minha velha. Uma carta jogada em todas as portas.
O canto das sereias chega ao coração dos velhos? Esquece o papel no bolso, outra semana passa.
No sábado, antes de abrir a porta, sabe da carta à espera. A mulher pisa-a, fingindo que não vê. Ele a
apanha e mete no bolso. Ombros curvados, contando a mesma linha, ela pergunta:
— Não vai ler?
Por cima do jornal admira a cabeça querida, sem cabelo branco, os olhos que, apesar dos anos,
azuis como no primeiro dia.
— Já sei o que diz.
— Por que não queima?
É um jogo, e exibe a carta: nenhum endereço. Abre-a, duas palavras recortadas. Sopra o
envelope, sacode-o sobre o tapete, mais nada. Coleciona-a com a outra e, ao dobrar o jornal, a amiga
desmancha um ponto errado na toalhinha.
Acorda no meio da noite, salta da cama, vai olhar à janela. Afasta a cortina, ali na sombra um
vulto de homem. Mão crispada, até o outro ir-se embora.
Sábado seguinte, durante o passeio, lhe ocorre: só ele recebe a carta? Pode ser engano, não tem direção.
Ao menos citasse nome, data, um lugar. Range a porta, lá está: azul. No bolso com as outras, abre o
jornal. Voltando as folhas, surpreende o rosto debruçado sobre as agulhas. Toalhinha difícil, trabalhada
havia meses. Recorda a legenda de Penélope, que desfaz a noite, à luz do archote, as linhas acabadas no
dia e assim ganha tempo de seus pretendentes. Cala-se no meio da história: ao marido ausente enganou
Penélope? Para quem trançava a mortalha? Continuou a lida nas agulhas após o regresso de Ulisses?
No banheiro fecha a porta, rompe o envelope. Duas palavras… Imagina um plano? Guarda a
carta e dentro dela um fio de cabelo. Pendura o paletó no cabide, o papel visível no bolso. A mulher
deixa na soleira a garrafa de leite, ele vai-se deitar. Pela manhã examina o envelope: parece intacto, no
mesmo lugar. Esquadrinha-o em busca do cabelo branco — não achou.
Desde a rua vigia os passos da mulher dentro de casa. Ela vai encontrá-lo no portão — no olho o
reflexo da gravata do outro. Ah, erguer-lhe o cabelo da nuca, se não tem sinais de dente. Na ausência
dela, abre o guarda-roupa enterra a cabeça nos vestidos. Atrás da cortina espiona os tipos que cruzam a
calçada. Conhece o leiteiro e o padeiro, moços, de sorrisos falsos.
Reconstitui os gestos da amiga: pós nos móveis, a terra nos vasos de violetas úmida ou seca…
Pela toalhinha marca o tempo. Sabe quantas linhas a mulher tricoteia e quando, errando o ponto, deve
desmanchá-lo, antes mesmo de contar na ponta da agulha. Sem prova contra ela, nunca revelou o fim de
Penélope. Enquanto lê, observa o rosto na sombra do abajur. Ao ouvir passos, esgueirando-se na ponta
dos pés, espreita à janela: a cortina machucada pela mão raivosa. Afinal compra um revólver.
— Oh, meu Deus… Para quê? — espanta-se a companheira.
Ele refere o número de ladrões na cidade. Exige conta de antigos presentes. Não fará toalhinhas
para o amante vender? No serão, o jornal aberto no joelho, vigia a mulher — o rosto, o vestido — atrás
da marca do outro: ela erra o ponto, tem de desmanchar a linha.
Aguarda-o na varanda. Se não a conhecesse, ele passa diante da casa. Na volta, sente os cheiros
no ar, corre o dedo sobre os móveis, apalpa a terra das violetas — sabe onde está a mulher.
De madrugada acorda, o travesseiro ainda quente da outra cabeça. Sob a porta, uma luz na sala.
Faz o seu tricô, sempre a toalhinha. É Penélope a desfazer na noite o trabalho de mais um dia?
Erguendo os olhos, a mulher dá com o revólver. Batem as agulhas, sem fio. Jamais soube por
que a poupou. Assim que se deitam, ele cai em sono profundo.
Havia um primo no passado… Jura em vão, a amiga: o primo aos onze anos morto de tifo. No
serão ele retira as cartas do bolso — são muitas, uma de cada sábado — e lê, entre dentes, uma por uma.
Por que não em casa no sábado, atrás da cortina, dar de cara com o maldito? Não, sente falta do
bilhete. A correspondência entre o primo e ele, o corno manso; um jogo, onde no fim o vencedor. Um
dia tudo o outro revelará, forçoso não interrompê-la.
No portão dá o braço à companheira, não se falam durante o passeio, sem parar diante das
vitrinas. De regresso, apanha o envelope e, antes de abri-lo, anda com ele pela casa. Em seguida esconde
um cabelo na dobra, deixa-o na mesa.
Acha sempre o cabelo, nunca mais a mulher decifrou as duas palavras. Ou — ele se pergunta,
com nova ruga na testa — descobriu a arte de ler sem desmanchar a teia?
Uma tarde abre a porta e aspira o ar. Desliza o dedo sobre os móveis: pó. Tateia a terra dos
vasos: seca.
Direto ao quarto de janelas fechadas e acende a luz. A velha ali na cama, revólver na mão,
vestido brando ensanguentado. Deixa-a de olho aberto.
Piedade não sente, foi justo. A polícia o manda em paz, longe de casa à hora do suicídio. Quando
sai o enterro, comentam os vizinhos a sua dor profunda, não chora. Segurando a alça do caixão, ajuda a
baixá-lo na sepultura; antes de o coveiro acabar de cobri-lo, vai-se embora.
Entra na sala, vê a toalhinha na mesa — a toalhinha de tricô. Penélope havia concluído a obra,
era a própria mortalha que tecia — o marido em casa.
Acende o abajur de franja verde. Sobre a poltrona, as agulhas cruzadas na cestinha. É sábado,
sim. Pessoa alguma lhe pode fazer mal. A mulher pagou pelo crime. Ou — de repente o alarido no peito
— acaso inocente? A carta jogada sob outras portas… Por engano na sua.
Um meio de saber, envelhecerá tranquilo. A ele destinadas, não virão, com a mulher morta,
nunca mais. Aquela foi a última — o outro havia tremido ao encontrar porta e janela abertas. Teria visto
o carro funerário no portão. Acompanhado, ninguém sabe, o enterro. Um dos que o acotovelaram ao ser
descido o caixão — uma pocinha d’água no fundo da cova.
Sai de casa, como todo sábado. O braço dobrado, hábito de dá-lo à amiga em tantos anos. Diante
da vitrina com vestidos, alguns brancos, o peso da mão dela. Sorri desdenhoso da sua vaidade, ainda
morta…
Os dois degraus da varanda — “Fui justo”, repete, “fui justo” —, com mão firme gira a chave. Abre a
porta, pisa na carta e, sentando-se na poltrona, lê o jornal em voz alta para não ouvir os gritos do
silêncio.
TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0
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2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: CAMILA DA SILVA E TAINARA
TU E EU

Somos diferentes, tu e eu.


Tens forma e graça Gostas daquelas festas
e a sabedoria de só saber crescer que começam mal e terminam pior.
até dar pé. Gosto de graves rituais
En não sei onde quero chegar em que sou pertinente
e só sirvo para uma coisa e, ao mesmo tempo, o prior.
- que não sei qual é! Tu és um corpo e eu um vulto,
És de outra pipa és uma miss, eu um místico.
e eu de um cripto. Tu,multo.
Tu, lipa Eu,carístico.
Eu, calipto.
És colorida,
Gostas de um som tempestade um pouco aérea,
roque lenha e só pensas em ti.
muito heavy Sou meio cinzento,
Prefiro o barroco italiano algo rasteiro,
e dos alemães e só penso em Pi.
o mais leve. Somos cada um de um pano
És vidrada no Lobão uma sã e o outro insano.
eu sou mais albônico. Tu,cano.
Tu,fão. Eu,clidiano.
Eu,fônico.
Dizes na cara
És suculenta o que te vem a cabeça
e selvagem com coragem e ânimo.
como uma fruta do trópico Hesito entre duas palavras,
Eu já sequei escolho uma terceira
e me resignei e no fim digo o sinônimo.
como um socialista utópico. Tu não temes o engano
Tu não tens nada de mim enquanto eu cismo.
eu não tenho nada teu. Tu,tano.
Tu,piniquim. Eu,femismo.
Eu,ropeu. Luis Fernando Verissimo

TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0


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(1,0)
2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: GABRIELLEN E JOSÉ CARLOS
RAP CONTRA O RACISMO – HELLEN ROCHA
E aí brother você tem que se ligar
No que eu te falar
Se prestar muita atenção você vai se amarrar
Então vamos lá
Afro-brasileiro eu vou contar para você
Nossa igualdade você tem que entender
Você é negro e eu sou branco tanto faz
Nos temos direitos iguais
E queremos buscar a paz
Todos lá atrás falando coisas iguais
A gente racista
Afro-brasileiro é assim que tem que ser
Se você for forte você vai me entender
Não ligue, não de bola pro que falam de você
Racismo?! Tô fora
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1. Elabore 05 exercícios de estudo do texto abaixo, utilizando como prática a Linguística Textual.
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2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: ELISÂNGELA E RAUL
A PRINCESA E A ERVILHA
Era uma vez um príncipe que desejava se casar com uma princesa. No entanto ele desejava uma princesa
de verdade. O príncipe viajou pelo mundo para encontrar sua noiva, mas sempre havia algo de errado.
Muitas meninas se apresentavam como princesas, mas ele tinha muita dificuldade em descobrir se elas
eram princesas de verdade. Por fim, ele teve que voltar para casa e estava muito triste porque queria
muito uma princesa de verdade.
Em uma certa noite, começou uma terrível tempestade; trovejou muito e foi uma noite difícil no castelo.
No meio da tempestade, alguém bateu no portão do castelo e o próprio rei foi abrir para descobrir quem
era.
Era uma princesa que estava do lado de fora, mas ela estava em um estado terrível por causa da chuva e
da tempestade. A água escorria de seus cabelos e roupas; entrava no topo dos sapatos e saía no salto,
mas ela dizia que era uma princesa de verdade.
_ Bom, logo veremos se isso é verdade, _ pensou a velha Rainha, mas a princesa não disse nada.
A rainha foi para o quarto, tirou toda a roupa de cama e colocou uma ervilha. Depois, pegou vinte
colchões e empilhou-os em cima da ervilha e depois, colocou mais vinte colchões de penas em cima dos
colchões. Era ali que a princesa dormiria naquela noite. De manhã, eles perguntaram como ela havia
dormido.
- Oh, terrivelmente mal! - Disse a princesa. - Mal fechei os olhos a noite toda! Deus sabe o que estava
na cama. Eu parecia estar deitada sobre alguma coisa dura, e todo o meu corpo está marcado e dolorido
nesta manhã. Isto é terrível!'
Eles perceberam imediatamente que ela devia ser uma princesa de verdade quando conseguiu sentir a
ervilha em vinte colchões e vinte camas de penas. Ninguém além de uma princesa de verdade poderia
ter uma pele tão delicada.
TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0
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(1,0)
2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: EMANUELA E FELIPE
O ESPELHO

Esboço de uma nova teoria da alma humana


Quatro ou cinco cavalheiros debatiam, uma noite, várias questões de alta transcendência, sem que a
disparidade dos votos trouxesse a menor alteração aos espíritos. A casa ficava no morro de Santa Teresa,
a sala era pequena, alumiada a velas, cuja luz fundia-se misteriosamente com o luar que vinha de fora.
Entre a cidade, com as suas agitações e aventuras, e o céu, em que as estrelas pestanejavam, através de
uma atmosfera límpida e sossegada, estavam os nossos quatro ou cinco investigadores de coisas
metafísicas, resolvendo amigavelmente os mais árduos problemas do universo.
Por que quatro ou cinco? Rigorosamente eram quatro os que falavam; mas, além deles, havia na sala um
quinto personagem, calado, pensando, cochilando, cuja espórtula no debate não passava de um ou outro
resmungo de aprovação. Esse homem tinha a mesma idade dos companheiros, entre quarenta e
cinquenta anos, era provinciano, capitalista, inteligente, não sem instrução, e, ao que parece, astuto e
cáustico. Não discutia nunca; e defendia-se da abstenção com um paradoxo, dizendo que a discussão é a
forma polida do
instinto batalhador, que jaz no homem, como uma herança bestial; e acrescentava que os serafins e os
querubins não controvertiam nada, e, aliás, eram a perfeição espiritual e eterna. Como desse esta mesma
resposta naquela noite, contestou-lha um dos presentes, e desafiou-o a demonstrar o que dizia, se era
capaz. Jacobina (assim se chamava ele) refletiu um instante, e respondeu:
- Pensando bem, talvez o senhor tenha razão.
Vai senão quando, no meio da noite, sucedeu que este casmurro usou da palavra, e não dois ou três
minutos, mas trinta ou quarenta. A conversa, em seus meandros, veio a cair na natureza da alma, ponto
que dividiu radicalmente os quatro amigos. Cada cabeça, cada sentença; não só o acordo, mas a mesma
discussão tornou-se difícil, senão impossível, pela multiplicidade das questões que se deduziram do
tronco principal e um pouco, talvez, pela inconsistência dos pareceres. Um dos argumentadores pediu ao
Jacobina alguma opinião, - uma conjetura, ao menos.
- Nem conjetura, nem opinião, redarguiu ele; uma ou outra pode dar lugar a dissentimento, e, como
sabem, eu não discuto. Mas, se querem ouvir-me calados, posso contar-lhes um caso de minha vida, em
que ressalta a mais clara demonstração acerca da matéria de que se trata. Em primeiro lugar, não há uma
só alma, há duas...
- Duas?
- Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro
para fora, outra que olha de fora para entro... Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de
ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior
pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há casos, por
exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; - e assim também a
polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro
que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que
é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da
existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira.
Shylock, por exemplo. A alma exterior aquele judeu eram os seus ducados; perdê-los equivalia a morrer.
"Nunca mais verei o meu ouro, diz ele a Tubal; é um punhal que me enterras no coração." Vejam bem
esta frase; a perda dos ducados, alma exterior, era a morte para ele. Agora, é preciso saber que a alma
exterior não é sempre a mesma...
- Não?
- Não, senhor; muda de natureza e de estado. Não aludo a certas almas absorventes, como a pátria, com
a qual disse o Camões que morria, e o poder, que foi a alma exterior de César e de Cromwell. São almas
enérgicas e exclusivas; mas há outras, embora enérgicas, de natureza mudável. Há cavalheiros, por
exemplo, cuja alma exterior, nos primeiros anos, foi um chocalho ou um cavalinho de pau, e mais tarde
uma provedoria de irmandade, suponhamos. Pela minha parte, conheço uma senhora, - na verdade,
gentilíssima, - que muda de alma exterior cinco, seis vezes por ano. Durante a estação lírica é a ópera;
cessando a estação, a alma exterior substitui-se por outra: um concerto, um baile do Cassino, a rua do
Ouvidor, Petrópolis...
- Perdão; essa senhora quem é?
- Essa senhora é parenta do diabo, e tem o mesmo nome; chama-se Legião... E assim outros mais casos.
Eu mesmo tenho experimentado dessas trocas. Não as relato, porque iria longe; restrinjo-me ao episódio
de que lhes falei. Um episódio dos meus vinte e cinco anos...
Os quatro companheiros, ansiosos de ouvir o caso prometido, esqueceram a controvérsia. Santa
curiosidade! tu não és só a alma da civilização, és também o pomo da concórdia, fruta divina, de outro
sabor que não aquele pomo da mitologia. A sala, até há pouco ruidosa de física e metafísica, é agora um
mar morto; todos os olhos estão no Jacobina, que conserta a ponta do charuto, recolhendo as memórias.
Eis aqui como ele começou a narração:
- Tinha vinte e cinco anos, era pobre, e acabava de ser nomeado alferes da Guarda Nacional. Não
imaginam o acontecimento que isto foi em nossa casa. Minha mãe ficou tão orgulhosa! tão contente!
Chamava-me o seu alferes. Primos e tios, foi tudo uma alegria sincera e pura. Na vila, note-se bem,
houve alguns despeitados; choro e ranger de dentes, como na Escritura; e o motivo não foi outro senão
que o posto tinha muitos candidatos e que esses perderam. Suponho também que uma parte do desgosto
foi inteiramente gratuita: nasceu da simples distinção. Lembra-me de alguns rapazes, que se davam
comigo, e passaram a olhar-me de revés, durante algum tempo. Em compensação, tive muitas pessoas
que ficaram satisfeitas com a nomeação; e a prova é que todo o fardamento me foi dado por amigos...
Vai então uma das minhas tias, D. Marcolina, viúva do Capitão Peçanha, que morava a muitas léguas da
vila, num sítio escuso e solitário, desejou ver-me, e pediu que fosse ter com ela e levasse a farda. Fui,
acompanhado de um pajem, que daí a dias tornou à vila, porque a tia Marcolina, apenas me pilhou no
sítio, escreveu a minha mãe dizendo que não me soltava antes de um mês, pelo menos. E abraçava-me!
Chamava-me também o seu alferes. Achava-me um rapagão bonito. Como era um tanto patusca, chegou
a confessar que tinha inveja da moça que houvesse de ser minha mulher. Jurava que em toda a província
não havia outro que me pusesse o pé adiante. E sempre alferes; era alferes para cá, alferes para lá,
alferes a toda a hora. Eu pedia-lhe que me chamasse Joãozinho, como dantes; e ela abanava a cabeça,
bradando que não, que era o "senhor alferes". Um cunhado dela, irmão do finado Peçanha, que ali
morava, não me chamava de outra maneira. Era o "senhor alferes", não por gracejo, mas a sério, e à
vista dos escravos, que naturalmente foram pelo mesmo caminho. Na mesa tinha eu o melhor lugar, e
era o primeiro servido. Não imaginam. Se lhes disser que o entusiasmo da tia Marcolina chegou ao
ponto de mandar pôr no meu quarto um grande espelho, obra rica e magnífica, que destoava do resto da
casa, cuja mobília era modesta e simples... Era um espelho que lhe dera a madrinha, e que esta herdara
da mãe, que o comprara a uma das fidalgas vindas em 1808 com a corte de D. João VI. Não sei o que
havia nisso de verdade; era a tradição. O espelho estava naturalmente muito velho; mas via-se-lhe ainda
o ouro, comido em parte pelo tempo, uns delfins esculpidos nos ângulos superiores da moldura, uns
enfeites de madrepérola e outros caprichos do artista. Tudo velho, mas bom...
- Espelho grande?
- Grande. E foi, como digo, uma enorme fineza, porque o espelho estava na sala; era a melhor peça da
casa. Mas não houve forças que a demovessem do propósito; respondia que não fazia falta, que era só
por algumas semanas, e finalmente que o "senhor alferes" merecia muito mais. O certo é que todas essas
coisas, carinhos, atenções, obséquios, fizeram em mim uma transformação, que o natural sentimento da
mocidade ajudou e
completou. Imaginam, creio eu?
- Não.
- O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou
que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade. Aconteceu então que a
alma exterior, que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou de natureza, e passou a
ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o que me falava do posto, nada do que me falava do homem. A
única parte do cidadão que ficou comigo foi aquela que entendia com o exercício da patente; a outra
dispersou-se no ar e no passado. Custa-lhes acreditar, não?
- Custa-me até entender, respondeu um dos ouvintes.
- Vai entender. Os fatos explicarão melhor os sentimentos: os fatos são tudo. A melhor definição do
amor não vale um beijo de moça namorada; e, se bem me lembro, um filósofo antigo demonstrou o
movimento andando. Vamos aos fatos. Vamos ver como, ao tempo em que a consciência do homem se
obliterava, a do alferes tornava-se viva e intensa. As dores humanas, as alegrias humanas, se eram só
isso, mal obtinham de mim uma compaixão apática ou um sorriso de favor. No fim de três semanas, era
outro, totalmente outro. Era exclusivamente alferes. Ora, um dia recebeu a tia Marcolina uma notícia
grave; uma de suas filhas, casada com um lavrador residente dali a cinco léguas, estava mal e à morte.
_Adeus, sobrinho! adeus, alferes! Era mãe extremosa, armou logo uma viagem, pediu ao cunhado que
fosse com ela, e a mim que tomasse conta do sítio. Creio que, se não fosse a aflição, disporia o
contrário; deixaria o cunhado e iria comigo. Mas o certo é que fiquei só, com os poucos escravos da
casa. Confesso-lhes que desde logo senti uma grande opressão, alguma coisa semelhante ao efeito de
quatro paredes de um cárcere, subitamente levantadas em torno de mim. Era a alma exterior que se
reduzia; estava agora limitada a alguns
espíritos boçais. O alferes continuava a dominar em mim, embora a vida fosse menos intensa, e a
consciência mais débil. Os escravos punham uma nota de humildade nas suas cortesias, que de certa
maneira compensava a afeição dos parentes e a intimidade doméstica interrompida. Notei mesmo,
naquela noite, que eles redobravam de respeito, de alegria, de protestos. Nhô alferes, de minuto a
minuto; nhô alferes é muito bonito; nhô alferes há de ser coronel; nhô alferes há de casar com moça
bonita, filha de general; um concerto de louvores e profecias, que me deixou extático. Ah ! pérfidos! mal
podia eu suspeitar a intenção secreta dos malvados.
- Matá-lo?
- Antes assim fosse.
- Coisa pior?
- Ouçam-me. Na manhã seguinte achei-me só. Os velhacos, seduzidos por outros, ou de movimento
próprio, tinham resolvido fugir durante a noite; e assim fizeram. Achei-me só, sem mais ninguém, entre
quatro paredes, diante do terreiro deserto e da roça abandonada.
Nenhum fôlego humano. Corri a casa toda, a senzala, tudo; ninguém, um molequinho que fosse. Galos e
galinhas tão-somente, um par de mulas, que filosofavam a vida, sacudindo as moscas, e três bois. Os
mesmos cães foram levados pelos escravos. Nenhum ente humano.
Parece-lhes que isto era melhor do que ter morrido? era pior. Não por medo; juro-lhes que não tinha
medo; era um pouco atrevidinho, tanto que não senti nada, durante as primeiras horas. Fiquei triste por
causa do dano causado à tia Marcolina; fiquei também um pouco perplexo, não sabendo se devia ir ter
com ela, para lhe dar a triste notícia, ou ficar tomando conta da casa. Adotei o segundo alvitre, para não
desamparar a casa, e porque, se a minha prima enferma estava mal, eu ia somente aumentar a dor da
mãe, sem remédio nenhum; finalmente, esperei que o irmão do tio Peçanha voltasse naquele dia ou no
outro, visto que tinha saído havia já trinta e seis horas. Mas a manhã passou sem vestígio dele; à tarde
comecei a sentir a sensação como de pessoa que houvesse perdido toda a ação nervosa, e não tivesse
consciência da ação muscular. O irmão do tio Peçanha não voltou nesse dia, nem no outro, nem em toda
aquela semana. Minha solidão tomou proporções enormes.
Nunca os dias foram mais compridos, nunca o sol abrasou a terra com uma obstinação mais cansativa.
As horas batiam de século a século no velho relógio da sala, cuja pêndula tic-tac, tic-tac, feria-me a alma
interior, como um piparote contínuo da eternidade. Quando, muitos anos depois, li uma poesia
americana, creio que de Longfellow, e topei este famoso estribilho: Never, for ever! - For ever, never!
confesso-lhes que tive um calafrio: recordeime daqueles dias medonhos. Era justamente assim que fazia
o relógio da tia Marcolina: - Never, for ever!- For ever, never! Não eram golpes de pêndula, era um
diálogo do abismo, um cochicho do nada. E então de noite! Não que a noite fosse mais silenciosa. O
silêncio era o mesmo que de dia. Mas a noite era a sombra, era a solidão ainda mais estreita, ou mais
larga. Tic-tac, tic-tac. Ninguém, nas salas, na varanda, nos corredores, no terreiro, ninguém em parte
nenhuma... Riem-se?
- Sim, parece que tinha um pouco de medo.
- Oh! fora bom se eu pudesse ter medo! Viveria. Mas o característico daquela situação é que eu nem
sequer podia ter medo, isto é, o medo vulgarmente entendido. Tinha uma sensação inexplicável. Era
como um defunto andando, um sonâmbulo, um boneco mecânico. Dormindo, era outra coisa. O sono
dava-me alívio, não pela razão comum de ser irmão da morte, mas por outra. Acho que posso explicar
assim esse fenômeno: - o sono, eliminando a necessidade de uma alma exterior, deixava atuar a alma
interior. Nos sonhos, fardava-me orgulhosamente, no meio da família e dos amigos, que me elogiavam o
garbo, que me chamavam alferes; vinha um amigo de nossa casa, e prometia-me o posto de tenente,
outro o de capitão ou major; e tudo isso fazia-me viver. Mas quando acordava, dia claro, esvaía-se com
o sono a consciência do meu ser novo e único -porque a alma interior perdia a ação exclusiva, e ficava
dependente da outra, que teimava em não tornar... Não tornava. Eu saía fora, a um lado e outro, a ver se
descobria algum sinal de regresso. Soeur
Anne, soeur Anne, ne vois-tu rien venir? Nada, coisa nenhuma; tal qual como na lenda francesa. Nada
mais do que a poeira da estrada e o capinzal dos morros. Voltava para casa, nervoso, desesperado,
estirava-me no canapé da sala. Tic-tac, tic-tac. Levantava-me, passeava, tamborilava nos vidros das
janelas, assobiava. Em certa ocasião lembrei-me de escrever alguma coisa, um artigo político, um
romance, uma ode; não escolhi nada definitivamente; sentei-me e tracei no papel algumas palavras e
frases soltas, para intercalar no estilo. Mas o estilo, como tia Marcolina, deixava-se estar. Soeur Anne,
soeur Anne... Coisa nenhuma. Quando muito via negrejar a tinta e alvejar o papel.
- Mas não comia?
- Comia mal, frutas, farinha, conservas, algumas raízes tostadas ao fogo, mas suportaria tudo
alegremente, se não fora a terrível situação moral em que me achava. Recitava versos, discursos, trechos
latinos, liras de Gonzaga, oitavas de Camões, décimas, uma antologia em trinta volumes. As vezes fazia
ginástica; outra dava beliscões nas pernas; mas o efeito era só uma sensação física de dor ou de cansaço,
e mais nada. Tudo silêncio, um silêncio vasto, enorme, infinito, apenas sublinhado pelo eterno tic-tac da
pêndula. Tic-tac, tic-tac... - Na verdade, era de enlouquecer.
- Vão ouvir coisa pior. Convém dizer-lhes que, desde que ficara só, não olhara uma só vez para o
espelho. Não era abstenção deliberada, não tinha motivo; era um impulso inconsciente, um receio de
achar-me um e dois, ao mesmo tempo, naquela casa solitária; e se tal explicação é verdadeira, nada
prova melhor a contradição humana, porque no fim de oito dias deu-me na veneta de olhar para o
espelho com o fim justamente de achar-me dois. Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado com
o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumada, difusa, sombra de
sombra. A realidade das leis físicas não permite negar que o espelho reproduziu-me textualmente, com
os mesmos contornos e feições; assim devia ter sido. Mas tal não foi a minha sensação. Então tive medo;
atribuí o fenômeno à excitação nervosa em que andava; receei ficar mais tempo, e enlouquecer. - Vou-
me embora, disse comigo. E levantei o braço com gesto de mau humor, e ao mesmo tempo de decisão,
olhando para o vidro; o gesto lá estava, mas disperso, esgaçado, mutilado... Entrei a vestir-me,
murmurando comigo, tossindo sem tosse, sacudindo a roupa com estrépito, afligindo-me a frio com os
botões, para dizer alguma coisa. De quando em quando, olhava furtivamente para o espelho; a imagem
era a mesma difusão de linhas, a mesma decomposição de contornos... Continuei a vestir-me.
Subitamente por uma inspiração inexplicável, por um impulso sem cálculo, lembrou-me... Se forem
capazes de adivinhar qual foi a minha idéia...
- Diga.
- Estava a olhar para o vidro, com uma persistência de desesperado, contemplando as próprias feições
derramadas e inacabadas, uma nuvem de linhas soltas, informes, quando tive o pensamento... Não, não
são capazes de adivinhar.
- Mas, diga, diga.
- Lembrou-me vestir a farda de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava defronte do
espelho, levantei os olhos, e... não lhes digo nada; o vidro reproduziu então a figura integral; nenhuma
linha de menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfim, a alma exterior.
Essa alma ausente com a dona do sítio, dispersa e fugida com os escravos, ei-la recolhida no espelho.
Imaginai um homem que, pouco a pouco, emerge de um letargo, abre os olhos sem ver, depois começa a
ver, distingue as pessoas dos objetos, mas não conhece individualmente uns nem outros; enfim, sabe que
este é Fulano, aquele é Sicrano; aqui está uma cadeira, ali um sofá. Tudo volta ao que era antes do sono.
Assim foi comigo. Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, recuava, gesticulava, sorria e o
vidro exprimia tudo. Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro. Cada
dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e sentava-me diante do espelho, lendo olhando, meditando;
no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar mais seis dias de
solidão sem os sentir...
Quando os outros voltaram a si, o narrador tinha descido as escadas.

TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0


1. Elabore 05 exercícios de estudo do texto abaixo, utilizando como prática a Linguística Textual.
(1,0)
2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: FRANCIELE E JOÃO PAULO
TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0
1. Elabore 05 exercícios de estudo do texto abaixo, utilizando como prática a Linguística Textual.
(1,0)
2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: DÉBORA FERNANDES E VITÓRIA EDUARDA
DENTRO DE UM ABRAÇO
Onde é que você gostaria de estar agora, nesse exato momento? Fico pensando nos lugares paradisíacos
onde já estive, e que não me custaria nada reprisar: num determinado restaurante de uma ilha grega, em
diversas praias do Brasil e do mundo, na casa de bons amigos, em algum vilarejo europeu, numa estrada
bela e vazia, no meio de um show espetacular, numa sala de cinema assistindo à estreia de um filme
muito esperado e, principalmente, no meu quarto e na minha cama, que nenhum hotel cinco estrelas
consegue superar – a intimidade da gente é irreproduzível.
Posso também listar os lugares onde não gostaria de estar: num leito de hospital, numa fila de banco,
numa reunião de condomínio, presa num elevador, em meio a um trânsito congestionado, numa cadeira
de dentista.
E então? Somando os prós e os contras, as boas e más opções, onde, afinal, é o melhor lugar do mundo?
Meu palpite: dentro de um abraço.Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher
apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário? Dentro de um
abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se
faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve.
Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um
recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incerta, o futuro não amedronta,
estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso.
O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se
faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz
nenhuma se faz necessária, está tudo dito.
Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio
a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num
final de tarde à beira-mar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais
ama?
Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor, senão dentro do primeiro abraço? Alguns
o consideram como algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele. Até entendo que há momentos em
que é preciso estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é
legítimo, mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria. Entrando na semana dos
namorados, recomendo fazer reserva num local aconchegante e naturalmente aquecido: dentro de um
abraço que te baste.
(MARTHA MEDEIROS)

TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0


1. Elabore 05 exercícios de estudo do texto abaixo, utilizando como prática a Linguística Textual.
(1,0)
2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: INGRID E MARIA LÚCIA
TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0
1. Elabore 05 exercícios de estudo do texto abaixo, utilizando como prática a Linguística Textual.
(1,0)
2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: MARIA CLARA E VITÓRIA DIAS
A MOÇA TECELÃ
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-
se ao tear. Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios
estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios
cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de
prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a
moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e
para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe
estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o
tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.
Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou
em como seria bom ter um marido ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a
entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo,
chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de
entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua
vida.
Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda
mais a sua felicidade. E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo
os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas
que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu
que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa
acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou
que fosse de pedra com arremates em prata.
Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços.
A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo
para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da
lançadeira.
Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto
quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: —
Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas,
as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os
seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E
descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de
um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias,
os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha.
E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura acordou, e, espantado, olhou em volta. Não
teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés
desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o
emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando a devagar
entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.
MARINA COLASANTI
TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0
1. Elabore 05 exercícios de estudo do texto abaixo, utilizando como prática a Linguística Textual.
(1,0)
2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: TALLYS E MARIANA MAZARO

O apoio do mundo
Um homem sustenta nas costas a larga coluna sobre a qual repousa o mundo.
— Não saia daí — havia sido sua consigna — . Ou o mundo desaba.
E ele não saía.
Nem bastava, para demove-lo, a certeza de que quando morresse tudo desabaria
igualmente. Pois morto, já não correria risco de ser esmagado.
TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0
1. Elabore 05 exercícios de estudo do texto abaixo, utilizando como prática a Linguística Textual.
(1,0)
2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: MICHELE E NATAN
POR VIA DAS DÚVIDAS

Voltando de um comício pelo interior, um ônibus lotado de políticos sai da pista, capota e cai num
barranco na Curva da Morte, na estrada que liga Três Corações a Cambuquira.

Seu Quinzinho da Curva, que tinha este apelido por morar no tal lugar onde sempre havia acidentes,
acordou incomodado pela barulheira, pegou um enxadão e foi ver o que aconteceu.
Ao se deparar com a tragédia, rapidamente começou a cavar uma grande vala para enterrar os corpos.

Alguns dias depois, um homem da polícia bateu à sua porta e fez várias perguntas sobre o acidente.

Seu Zezinho contou a verdade. Que era um ônibus cheio de políticos fazendo propaganda de eleição.

“E onde estão esses políticos?”, interrompeu o policial.

“Eu enterrei eles naquela vala lá adiante!”

“Mas… estavam todos mortos?”, indagou o policial.

Seu Zezinho coçou a cabeça, a barba… e respondeu:

“Bão, arguns falava que não… mas o senhor sabe como é político: eles mente pra burro! Aí, num
acreditei e, por via das dúvidas, enterrei todo mundo!”.

Autor: Braz Chediak

TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0


1.Elabore 05 exercícios de estudo do texto abaixo, utilizando como prática a Linguística Textual. (1,0)
2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: MIRELLA E IZABELLA

MENINA

 Clara, Débora, Denise. Qualquer um. Lara, Joana, Renata. Talvez Milena. Andressa. Carolina. Mariana,
Luíza, Cristina. Paloma. Patrícia. Priscila.

Escolher um nome era uma liberdade gigantesca, ainda que dolorida. Mas talvez toda Liberdade seja
assim, meio satisfação, meio dor. Vai saber.
Ela suspira um pouco olhando para o teto. Queria que a vida fosse simples como nos filmes que tanto
assistia agora que muita gente havia se afastado e seu tempo sozinha se estendia. Uma tia disse que era
normal, mas ela não achava normal, não. Onde as amizades eternas? A Veruska estava sempre com ela e
agora... cadê? As meninas da escola, os meninos da rua. Tudo sumido no momento mesmo em que a
barriga ficou impossível de esconder. Já estava de nove meses. Deitava com os pés para cima para
desinchar um pouco, quase sempre sem muito sucesso. Enquanto isso, lia um livro da escola – estava no
último ano. Se se esforçasse, talvez conseguisse terminar, mesmo com a criança, mesmo com tudo o que
vinha junto. E entre um capítulo e outro de Geografia ou História, entre uma conta e outra de
Matemática ou Física – Letícia, Luana, Larissa – tentava achar um nome para aquele corpinho de
menina que crescia dentro de si.

Tentava também criar uma narrativa sobre o pai que nunca mais entrou em contato. O da bebê, pois o
seu próprio nunca esteve tão presente. Silencioso e grande, um olhar duro caindo sobre ela todas as
vezes que se cruzavam pelo corredor da casa.

Conhecera o rapaz pela internet. Relacionavam-se à distância. Mas um dia ele decidiu visitá-la e deixou
algo que ela não pôde recusar, não soube recusar, não conseguiu. Afinal, era algo que ela sequer sabia
que havia recebido. Acordou no dia seguinte com um vazio estranho no peito, sentindo, com um quê de
tristeza, que o clima havia mudado. Colocou uma blusa e ficou olhando para as pessoas que passavam
em frente ao seu portão, os séculos passando rápido. O clima havia mudado.

O rapaz começou a se afastar. Demorava para responder mensagens, não atendia telefonemas. No fim do
mês, quando tentou ligar pela última vez, teve certeza de que ele havia trocado de número. Chorou, se
desesperou, emagreceu. Depois foi acostumando: o tempo cicatrizaria.

Mas ela teve um enjoo e, então, atrasos. Descobriu que seria mãe. E fizeram questão de que descobrisse
também que tudo o mais em sua vida seria modulado por esse fato: seus passeios, suas escolhas, sua
alimentação. Os relacionamentos. As roupas. Tudo seria visto e revisto, analisado e julgado a partir de
sua nova identidade:

Mãe.

Como se não fosse mulher. Como se não pintasse vaidade. Como se não fervesse desejo. Como se não
prostrasse cansaço. Ela seria mãe. Uma mãe que não sabia onde o pai da criança estava, que fora
abandonada como uma coisa gasta. O pai sequer sabia que seria pai – e ela não tinha certeza se queria
que ele soubesse mesmo. Por isso, escolhia também um nome para um pai imaginário. Marcelo,
Maurício, Murilo. Alguém que fosse bom, doce, companheiro, mas que – uma pena! – havia morrido
num acidente de moto, carro, avião. Helicóptero talvez, mais dramático.

Podia até mudar a narrativa a cada vez que contasse. Será que faria diferença? Tudo que sua menina
precisava estava ali: a mãe. O resto era acessório. Só ela seria fundamental.

Tinha medo do próprio futuro. Havia de encontrar pessoas que não quereriam estar com ela por ela ser
mãe sozinha – mãe solteira, eles dizem. Outras pessoas se aproveitariam de sua fragilidade emocional.
Ela sabia, não era estúpida. Viu acontecer com uma colega de sala no ano anterior, viu acontecer com
uma vizinha. As histórias podiam variar no começo – as narrativas de abandono são sempre renovadas –
mas a sequência era a mesma: mulheres solitárias e quebradas por dentro. Tudo o mais era decorrência.

Tinha arrepios ao pensar nisso e voltava a se concentrar no livro. Meia hora depois, Jéssica, Janaína,
Juliana. Um movimento na barriga, uma pontada nas costas. E a grande angústia de não ser mais uma
pessoa inteira. De ser duas, mas não ser nem meia. Olhava para o grande espelho da sala sempre que
passava por ele. Não reconhecia seu rosto, seu corpo. Parecia uma qualquer coisa outra que não fosse
um si mesma, qualquer coisa estranha em que ela parecia que nunca mais se encaixaria. No espelho, ela
pairava acima ou em volta desse corpo que já não era o seu. Chegava a ter medo de esquecer quem fora
um dia, tão descolada que estava de si.

Ela não queria se perder nos caminhos. Não queria se esquecer de quem era. Desconhecia se isso era
possível, mas tinha um medo e uma angústia desesperada. Queria ser um bicho-mãe, mulher-onça,
rodeando a cria, sempre inteira, sempre forte. Só não sabia ainda como fazer isso. Talvez existisse
algum botão, algum código. Talvez precisasse de uma senha que pudesse digitar e desbloquear essa
nova função de si. Só não podia deixar de ser mulher.

Bruna, Bianca, Beatriz. Daiana. Daniela. Não tinha idade, não tinha preparo, não fizera nada da vida até
então. Não era justo que fosse assim, não era justo que de repente ela tivesse que tomar a própria vida
nas mãos e saber bem direitinho o que fazer com ela. Nem sabia bem o que queria da vida já tinha sido
instada a cuidar dela toda. Como?

Yara, Yasmin, Yeda. A mãe se amansaria um pouco quando visse a cria da filha. Já estava quase
amável, faltava pouco para mostrar o coração – ele estava ali, só um pouco amargado de ver a filha
numa vida que ela, como mãe, não havia desejado. Mas eram ligadas pelo sangue que correu de uma
para a outra, não havia como aquela picuinha se manter por muito tempo. A mãe logo amansaria.

Tatiana, Tamires, Tereza. De repente uma dor mais forte puxa por dentro, rasga por dentro. É angústia?

É a criança. Ela quer brotar. Um pouquinho antes da data planejada, mas a menina deve querer ajudar
sua mãe a resolver todas essas dúvidas, muita coisa sem resposta para uma mulher que ainda é tão
criança.

Todo mundo corre para o carro, hospital agora, a mãe já começa a chorar, o pai quase emana carinho e
ela, de repente, acha que tem sorte. A colega de classe foi expulsa pelo pai, e o seu, ainda que duro,
estava ali, dirigindo o mais rápido que podia, olhando pelo retrovisor para ver se estava tudo bem. Não
era o que ela queria, mas era sorte. Sabendo como as coisas são, podia ter sido bem pior.

No carro, cheia de dor, o medo agarrou mais forte. Agora ia ser mãe de verdade. Não dava para adiar.
Segurou apertado a barriga como se pedisse para sua menina ficar ali mais um pouquinho, até que ela
entendesse, até que ela se acostumasse, até que ela estivesse pronta para começar a lutar para ser o que
ela pensou que seria sempre, mulher, mulher, mulher, eu sou mulher, continuo sendo mulher! E
segurava a barriga, confusa, pois sabia que a menina queria ser menina também, estava cansada de ser
um bichinho guardado no ovo, era hora de respirar.
Lutava durante o trajeto até o hospital, cheia de dor, cheia de grito. E nem sabia o nome da menina. Era
Denise, e dor, Cecília, e dor, era Luana, e dor, era Vitória, Valquíria, Verônica, dor, dor, dor. O corpo
todo crescendo e pulsando sozinho, contraindo e dilatando contra a vontade, mostrando seu lado mais
carne, seu lado mais sangue, o lado mais instintivo de si. Reverberando. Era Renata, era Marcela, era
Ana, Ana, Ana. Ah! Era Ana.

E era um bichinho tão bichinho que ela não sabia como podia ser daquele jeito, se movimentando
daquele jeito, existindo. Deu leite, deu afeto. E lançou um cansado olhar de bicho sobre todas as coisas.

THAYS PRETTI

TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0


1.Elabore 05 exercícios de estudo do texto abaixo, utilizando como prática a Linguística Textual. (1,0)
2.Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: JAQUELINE JADE E JULIANA
MÃE SABE NÉ?
_Próxima
_ Pois não, a senhora é ... – Olhou nos papeis a sua frente, e falou rápida – Dona Anunciata dos Santos.
O que a senhora deseja?
_ Desejava mesmo é ... que não tava aqui, né, mas tô.
_ E eu também. E tô sem tempo. A senhora percebeu que só tem eu aqui e toda aquela multidão para eu
atender? Então, começa. O que trouxe a senhora aqui? Seu marido? Companheiro? – um silêncio
assustador. – Pode falar minha senhora, ele desceu o cacete na senhora?
_ Não. É,... – falava engasgado, baixinho, quase não se ouvia.
Entrei junto com ela, queria saber o caso daquela senhora de cabelos pretos escorridos com raízes
brancas. Tinha os braços grandes, até meio desproporcional para sua estatura média. As mãos esguias,
os dedos finos, unhas rentes. Cortadas? Não. Ruídas. A testa franzida, os olhos esverdeados, sofridos,
baixos, sem luz. Ela me pareceu que um dia fora muito bonita. Seu corpo magro, a calça jeans rota
estava larga. Se tivesse sido comprada por ela, não deveria ter reparado que aquele não era o seu
número. A camiseta de malha marrom parecia enferrujada, assim como me parecia sua alma.
Eu estava naquela delegacia fazendo pesquisa. Participava de um projeto junto à universidade. Nosso
objetivo era levantar dados de como andava a saúde dos funcionários públicos que trabalhavam com
seres humanos. O projeto era grandioso. Dividido em etapas, anos, setores. O nosso grupo ficou
responsável pelos funcionários dos departamentos policiais. E a minha contribuição dentro do grupo era
conseguir os dados na Delegacia de Mulheres. A pesquisa não andava. Mal conseguia falar com as
funcionárias, obter os dados que catalogamos. Mas agora isso não vem ao caso. Eu, como estudante,
obtive a permissão para ouvir as narrativas. Foi a forma que a delegada encontrou de me dizer: “- Vê se
eu tenho condições de atender estudantes?” Não disse. Permitiu que eu entrasse em silêncio e em
silêncio permanecesse.
A voz soou mais alta. Embora não fosse gritada, demonstrava a irritação da delegada.
_ É o quê, minha filha, fala?
A voz da declarante ainda fugidia.
_ É que eu acho que matei meus fios. Vim me entregá.
_ Ãh? A senhora o quê?
_ Tão lá dentro do quartim deles. Vim me entregá.
_ A senhora acha que matou? Então a senhora tá lo lugar errado, falou furiosa. A delegada passou a mão
nos cabelos, pegou o telefone. Pensou um pouco, soltou o aparelho e fixou o olhar duvidoso na figura
esquelética a sua frente. _ Me diga como isso aconteceu? Foi uma defesa de agressão? Me explica isso.
O silêncio que se iniciou naquele momento me deixou com um pouco de receio. Tinha ouvido denúncias
de agressões cometidas por esposos, companheiros, namorados, pais, filhos. As declarações eram
sempre de muita violência; mas nenhuma era de assassinato. Percebi que minhas mãos estavam ficando
geladas. Será que deveria sair da sala? A delegada não me olhava, ninguém me dava um sinal. Fiquei.
_ Eu acho que matei. É... matei. Os dois, ... juntim.
A delegada com a metade da mão na testa continuou a olhá-la. Sua respiração parece que havia sumido.
Só os olhos permaneciam fixos no espectro feminino que começou a falar e, durante toda sua narrativa,
não sei se por não poder ouvir direito, porque o volume da voz dela era muito baixo, ou porque não
havia o que falar, ela não fora interrompida.
_ Eu... eu era bebê, bebezinha, meu pai abandonô nóis tudu pequenininha pra minha mãe. Aí ela
trabaiava fora. A gente ficava pra casa dusotro, né, no sítio. Ela, ela trabaiava em restaurante, ela
trabaiava e a gente ficava na casa da vó né, das tia, sempre anssim. Aí a gente foi crescenu, tinha ...
é ...teve umas irmãs que daí já casô com treze anu, não guentava, sabe. Eu mesmo casei com dezoito
anus com esse homem né, tive meus fio com ele. Ele é mais véio que eu 30 anos. Mas sempre foi um
homem bom. Trabaiadô, cuida de nóis. Só não cunversa, mas é o jeito dele. Já acostumei. A gente mora
num sítio lindo. Tem fruta, café. Ele, o pai dus meninu, trabaia na cidade. É trabaiadô que só. Falo
sempre pros meninu. O pai é anssim mesmo. Num dianta ocêis querê mudá ele. Num gosta de falá
muito. Mas fala o necessário. Dá o que pode pro céis, pra nóis. A gente tem que respeitá. Mas eles num
escutaru. Eles nunca escutá eu.
Eu e provavelmente a delegada e a secretária não entendíamos o porquê daquela narrativa. E eu entendia
menos ainda o silêncio da delegada que, com a mão na testa, ouvia sem interrompê-la. E ela continuou.
_Tive meus fios, hoje meus fios ... é... tenho um fio de 23 anos, nunca me deu um trabaio. Se a senhora
vê a carteira de trabaio dele, é excelente e os dois menor, os gêmeo, que eles são gêmeos, também não
tinha me dado, até i pra cidade estudá. Começô a me dá trabaio. Aí conheceu uma turma lá, se
envolveru. Acho que deve tê puxadu algum tipo de droga, alguma maconha né, porque num sei, num sei
explicá. Em casa... sempre em casa nunca faltô nada, nada, nada, nada. Nada de comê, nada de vesti,
nada. Nunca, nunca ouviru palavrão ou um erro di nóis, porque nem na minha famíia tem isso, nem na
dele, o pai dus meninu. Tem polícia na minha famíia, mas não tem bandidu. Só falta a conversa do pai,
que eles reclama, mas só isso, mas a gente respeita. A gente não. Os gêminhu não.
O ... o pai deles não gosta de bar, nunca foi num bar. Bebe uma pinguinha, mais só dentru de casa. Fuma
né, só dentru de casa, não vai em bar, nunca gostô, meu fio casado também, tem é,... oito ano quase de
casamento, mais porque casô tão cedo ele?, que ele num guentô a regra de dentro de casa né. Assim,
dentro de casa, que nem eu tava falanu, tem de tudo, mas tem horário, tem horário pra almuça, tem
horário pra jantá, tem horário procê ficá na televisão. Até eu tenho regra. É um pai muito ... não gosta de
coisa errada, nunca compramu nada fiadu. Me ensinô a não comprá nada fiado. “Se tivé dinheiro cê
compra, se não tivé cê não compra”. Anssim. Só que daí eles não gostava daquela ... daquelas regra
sabe. Eles não queria regras. Eles queria ficá a vontade. Um pai bom que só. Bom de regra. Mas não é
bom tê regra? Tudo mundo fala que é bom as regra ! Mas os gêmeo ... Gêmeo né! Um fazia, outro fazia,
parecia que imitava um o outro. Eu escondia tudu do pai. Tentei cunversá, aconselhá, explicá. E eles só
pioraru. Começaru a roubá os sítio da vizinhança, por causa das droga. Quando começô os roubo já
desconfiei. Mãe conhece né, mãe sabe. Não perguntei, mas sabia, dava conseio, dava bronca mesmo.
Um dia ia até baté, num bati, devia tê batidu, tê perguntadu. Nem perguntei, nem bati. E se o pai ficasse
sabenu? Ia largá tudo nóis. E daí? Como nóis ia fazê pra vivê?
Engoliu em seco. Parou de falar. E a ausência de sua voz possibilitou um silêncio assustador. Eu queria
sair dali, mas estava envolvida com aquele caso. De repente, observei que os seus olhos estavam fixos
em mim e, como se ela tivesse adivinhado o meu pavor, rompeu o silêncio.
_Eu sou uma emprestávi. Só sei trabaiá na roça. Nunca consegui aprendê a lê, sô burra, sabe. Tudo
mundo sabe que sô burra, não aprendo nada. Só sei cuidá da casa, fazê cumida. Isso eu sei... Fazê bolo.
Tudo mundo gosta dos meu bolo. Vem gente dus sítio longe pedi pra fazê os bolo de aniversário, até de
casamento eu já fiz. Faço. Só isso que sei fazê. Se não fosse o pai deles eu morria de fome, porque sabê
cozinhá é uma coisa, mas que nem ele fala né, “se não tivé mantimento, serve pra quê?”.
O silêncio constrangedor voltou. Nesse momento tive medo de me mexer, de ser observada por ela
novamente. Não me mexi.
_Como eu tava falano, mãe sabe né. Começaru a roubá muito. Sei que foi eles. Todo mundo já
desconfiava dos geminhus. É assim que são conhecidus: os geminhus. Eu dava conseio, falava com eles
como dévi sê as coisa certa da vida, mas na verdade eu nunca perguntava preles se era eles. Eu sabia que
era. Pensei até em falá pro pai deles, mas não falei né, pra quê? Não fala direito nem comigu, não ia
sabê cunversá diritu cus meninu também. Ontem à noite eles sumiru. Tava com o coração apertadu, eu
né, eu... sabia que tinha acontecido alguma coisa. O pai chegô, oiô em volta, mas num perguntô, porque
não pergunta nada. Saí pra vê se achava eles, já era escuro. Procurei na vizinhança toda. Depois ouvi
baruio de polícia. Nem conseguia me mexê. Tava com uma coisa no peito, uma angústia sabe, um
aperto, um medo. O peito doenu. Daí a vizinha do outro sítio, não o mais perto de nóis, o outro. O mais
longe, veio em casa perguntá aonde tava os geminhu, porque o casal de veinhos do sítio mais pertu tinha
sido morto a paulada em casa. Não respondi nada pra ela. Não sabia deles. Só oiava pra ela. Foi embora.
Eu tinha medo, eu estava com uma dor no peito, vontade de saí gritanu, correnu. Fiquei esperanu eles.
Os gêminhu chegaru logo dipois. Oiei pra eles, tavam com cara de assustadu. Os zoinho deles tava
triste. Eu sabia. Eu sabia que tinha sido eles. Queria conversá com eles, dá conselhu, perguntá. Mas não
fiz nada disso. Eu tinha medo. Mas eu já sabia. Eu sabia que era eles. Tomaru banhu e foru durmi.
Novo silêncio. A delegada tinha o olhar fixo nela como se estivesse atenta aos detalhes daquela
narrativa. Mas eu tinha a impressão de que não a ouvia, parecia que não estava ali, parece que aquela
mulher de voz forte tinha desaparecido daquela cena, tinha fugido dali assim como eu gostaria de ter
feito. E o silêncio foi rompido outra vez.
_Entrei no quarto, eles é lindo, sabe. Os dois, sempre tão unidinhus, tão bonitos meus fios. Fiquei
olhanu eles bastante tempo, queria que eles fossi pequenininhu de novo, queria vê eles ali naquela
caminha tudu de roupinha de dormi. Quando era novinhus tinha até pijaminha igualzinho, que nunca
faltô nada pra eles. Senti meu coração que tava aceleradu. Sabia que eles ia ficá separadinhus, que ia
ficá presus separadinhus, que ia sofrê. Daí saí de dentro do quarto, fui no quintal, peguei o cabo do
machado e dei três cabadada em cada um. Dei primeiro no que chegô ao mundo primeiro, o mais véio.
Depois no outro, como vieru no mundo, um após o outro. Os dois juntim. Vieram junto e foram junto.
Daí vim aqui me entregá. Não vou contá pro pai deles. Ele não precisa sabê né. Ele é tão bom pra gente.
Não deixa faltá nada. Só não conversa.

FÁTIMA SENA

TEXTO PARA ATIVIDADE EM DUPLA - VALOR 3,0


1. Elabore 05 exercícios de estudo do texto abaixo, utilizando como prática a Linguística Textual.
(1,0)
2. Formule 05 questões de compreensão e 05 de interpretação do texto (2,0)
DUPLAS: JAQUELINE PEREIRA E LETÍCIA
O Rouxinol e a Rosa
Postado por Snaga em maio 16, 2008
Publicado em: - ÚLTIMOS CONTOS. Marcado: Séc. XIX, Wild. 8 Comentários
_ Ela disse que dançaria comigo se eu lhe levasse rosas vermelhas – exclamou o Estudante – mas estamos no
inverno e não há uma única rosa no jardim…
Por entre as folhas, do seu ninho, no carvalho, o Rouxinol o ouviu e, vendo-o ficou admirado…
_ Não há nenhuma rosa vermelha no jardim! – disse o Estudante, com os olhos cheios de lágrimas. – Ah! Como a
nossa felicidade depende de pequeninas coisas! Já li tudo quanto os sábios escreveram. A filosofia não tem
segredos para mim e, contudo, a falta de uma rosa vermelha é a desgraça da minha vida.
Eis, afinal, um verdadeiro apaixonado! – disse o Rouxinol. Tenho cantado o Amor noite após noite, sem conhecê-
lo no entanto; noite após noite falei dele às estrelas, e agora o vejo… O cabelo é negro como a flor do jacinto e os
lábios vermelhos como a rosa que deseja; mas o amor pôs-lhe na face a palidez do marfim e o sofrimento marcou-
lhe a fronte.
_ Amanhã à noite o Príncipe dá um baile, murmurou o Estudante, e a minha amada se encontrará entre os
convidados. Se levar uma rosa vermelha, dançará comigo até a madrugada. Somente se lhe levar uma rosa
vermelha… Ah… Como queria tê-la em meus braços, sentir-lhe a cabeça no meu ombro e a sua mão presa a
minha. Não há rosa vermelha em meu jardim… e ficarei só; ela apenas passará por mim… Passará por mim… e
meu coração se despedaçará.
_ Eis um verdadeiro apaixonado… – pensou o Rouxinol. – Do que eu canto, ele sofre. O que é dor para ele é
alegria para mim. Grande maravilha, na verdade, é o Amar! Mais precioso que esmeraldas e mais caro que opalas
finas. Pérolas e granada não podem comprá-lo, nem se oferece nos mercados. Mercadores não o vendem, nem o
conferem em balanças a peso de ouro.
_ Os músicos da galeria – prosseguiu o Estudante – tocarão nos seus instrumentos de corda e, ao som de harpas e
violinos, minha amada dançará. Dançará tão leve, tão ágil, que seus pés mal tocarão o assoalho e os cortesãos,
com suas roupas de cores vivas, reunir-se-ão em torno dela. Mas comigo não bailará, porque não tenho uma rosa
vermelha para dar-lhe… – e atirando-se à relva, ocultou nas mãos o rosto e chorou.
_ Por que está chorando? – perguntou um pequeno lagarto ao passar por ele, correndo, de rabinho levantado.
_ É mesmo! Por que será? – Indagou uma borboleta que perseguia um raio de sol.
_ Por quê? – sussurrou uma linda margarida à sua vizinha.
_ Chora por causa de uma rosa vermelha, – informou o Rouxinol.
_ Por causa de uma rosa vermelha? – exclamaram – Que coisa ridícula! E o lagarto, que era um tanto irônico, riu
à vontade.
Mas o Rouxinol compreendeu a angústia do Estudante e, silencioso, no carvalho, pôs-se a meditar sobre o
mistério do Amor.
Subitamente, abriu as asas pardas e voou.
Cortou, como uma sombra, a alameda, e como uma sombra, atravessou o jardim.
Ao centro do relvado, erguia-se uma roseira. Ele a viu. Voou para ela e posou num galho.
_ Dá-me uma rosa vermelha – pediu – e eu cantarei para ti a minha mais bela canção!
_ Minhas rosas são brancas; tão brancas quanto a espuma do mar, mais brancas que a neve das montanhas.
Procura minha irmã, a que enlaça o velho relógio-de-sol. Talvez te ceda o que desejas.
Então o Rouxinol voou para a roseira, que enlaçava o velho relógio-de-sol.
_ Dá-me uma rosa vermelha – pediu – e eu te cantarei minha canção mais linda.
A roseira sacudiu-se levemente.
_ Minhas rosas são amarelas como as cabelos dourados das donzelas, ainda mais amarelas que o trigo que cobre
os campos antes da chegada de quem o vai ceifar. Procura a minha irmã, a que vive sob a janela do Estudante.
Talvez ela possa te possa ajudar.
O Rouxinol então, dirigiu o vôo para a roseira que crescia sob a janela do Estudante.
_ Dá-me uma rosa vermelha – pediu – e eu te cantarei a mais linda de minhas canções.
A roseira sacudiu-se levemente.

_ Minhas rosas são vermelhas, tão vermelhas quanto os pés das pombas, mais vermelhas que os grandes leques de
coral que oscilam nos abismos profundos do oceano. Contudo, o inverno regelou-me até as veias, a geada
queimou-me os botões e a tempestade quebrou-me os galhos. Não darei rosas este ano.
_ Eu só quero uma rosa vermelha, repetiu o Rouxinol, – uma só rosa vermelha. Não haverá meio de obtê-la?
_ Há, respondeu a Roseira, mas é meio tão terrível que não ouso revelar-te.
_ Dize. Não tenho medo.
_ Se queres uma rosa vermelha, explicou a roseira, hás de fazê-la de música, ao luar, tingi-la com o sangue de teu
coração. Tens de cantar para mim com o peito junto a um espinho. Cantarás toda a noite para mim e o espinho
deve ferir teu coração e teu sangue de vida deve infiltrar-se em minhas veias e tornar-se meu.
_ A morte é um preço exagerado para uma rosa vermelha – exclamou o Rouxinol – e a Vida é preciosa… É tão
bom voar, através da mata verde e contemplar o sol em seu esplendor dourado e a lua em seu carro de pérola…O
aroma do espinheiro é suave, e suaves são as campânulas ocultas no vale, e as urzes tremulantes na colina. Mas o
Amor é melhor que a Vida. E que vale o coração de um pássaro comparado ao coração de um homem?
Abriu as asas pardas para o vôo e ergueu-se no ar. Passou pelo jardim como uma sombra e, como uma sombra,
atravessou a alameda.
O Estudante estava deitado na relva, no mesmo ponto em que o deixara, com os lindos olhos inundados de
lágrimas.
_ Rejubila-te – gritou-lhe o Rouxinol – Rejubila-te; terás a tua rosa vermelha. Vou fazê-la de música, ao luar. O
sangue de meu coração a tingirá. Em conseqüência só te peço que sejas sempre verdadeiro amante, porque o
Amor é mais sábio do que a Filosofia; mais poderoso que o poder.. Tem as asas da cor da chama e da cor da
chama tem o corpo. Há doçura de mel em seus braços e seu hálito lembra o incenso.
O Estudante ergueu a cabeça e escutou. Nada pode entender, porém, do que dizia o Rouxinol, pois sabia apenas o
que está escrito nos livros.
Mas o Carvalho entendeu e ficou melancólico, porque amava muito o pássaro que construíra ninho em seus
ramos.
_ Canta-me um derradeiro canto – segredou-lhe – sentir-me-ei tão só depois da tua partida.
Então o Rouxinol cantou para o Carvalho, e sua voz fazia lembrar a água a borbulhar de uma jarra de prata.
Quando o canto finalizou, o Estudante levantou-se, tirando do bolso um caderninho de notas e um lápis.
_ Tem classe, não se pode negar – disse consigo – atravessando a alameda. Mas terá sentimento? Não creio. É
igual a maioria dos artistas. Só estilo, sinceridade nenhuma. Incapaz de sacrificar-se por outrem. Só pensa e cantar
e bem sabemos quanto a Arte é egoísta. No entanto, é forçoso confessar, possui maravilhosas notas na voz. Que
pena não terem significação alguma, nem realizarem nada realmente bom!
Foi para o quarto, deitou-se e, pensando na amada, adormeceu.
Quando a lua refulgia no céu, o Rouxinol voou para a Roseira e apoiou o peito contra o espinho. Cantou a noite
inteira e o espinho mais e mais foi se enterrando em seu peito, e o sangue de sua vida lentamente se escoou…
Primeiro descreveu o nascimento do amor no coração de um menino e uma menina; e, no mais alto galho da
Roseira, uma flor desabrochou, extraordinária, pétala por pétala, acompanhando um canto e outro canto. Era
pálida, a princípio, qual a névoa que esconde o rio, pálida qual os pés da manhã e as asas da alvorada. Como
sombra de rosa num espelho de prata, como sombra de rosa em água de lagoa era a rosa que apareceu no mais
alto galho da Roseira.
Mas a Roseira pediu ao Rouxinol que se unisse mais ao espinho. – Mais ainda, Rouxinol, – exigiu a Roseira, –
senão o dia raia antes que eu acabe a rosa.
O Rouxinol então apertou ainda mais o espinho junto ao peito, e cada vez mais profundo lhe saía o canto porque
ele cantava o nascer da paixão na alma do homem e da mulher.
E tênue nuance rosa nacarou as pétalas, igual ao rubor que invade a face do noivo quando beija a noiva nos lábios.
Mas o espinho não lhe alcançava ainda o coração e o coração da flor continuava branco – pois somente o coração
de um Rouxinol pode avermelhar o coração de rosa.
_ Mais ainda, Rouxinol, – clamou a Roseira – raiar o dia antes que eu finalize a rosa.
E o Rouxinol, desesperado, calcou-se mais forte no espinho, e o espinho lhe feriu o coração, e uma punhalada de
dor o traspassou.
Amarga, amarga lhe foi a angústia e cada vez mais fremente foi o canto, porque ele cantava o amor que a morte
aperfeiçoa, o amor que não morre nem no túmulo.
E a rosa maravilhosa tornou-se purpurina como a rosa do céu oriental. Suas pétalas ficaram rubras e, vermelho
como um rubi, seu coração.
Mas a voz do Rouxinol se foi enfraquecendo, as pequeninas asas começaram a estremecer e uma névoa cobriu-lhe
o olhar, o canto tornou-se débil e ele sentiu qualquer coisa apertar-lhe a garganta.
Então, arrancou do peito o derradeiro grito musical.
Ouviu-o a lua branca, esqueceu-se da Aurora e permaneceu no céu.
A rosa vermelha o ouviu, e trêmula de emoção, abriu-se à aragem fria da manhã. Transportou-o o Eco, à sua
caverna purpurina, nos montes, despertando os pastores de seus sonhos. E ele levou-os através dos caniços dos
rios e eles transmitiram sua mensagem ao mar.
_ Olha! Olha! Exclamou a Roseira. – A rosa está pronta, agora.
Ao meio dia o Estudante abriu a janela e olhou.
_ Que sorte! – disse – Uma rosa vermelha! Nunca vi rosa igual em toda a minha vida. É tão linda que tem
certamente um nome complicado em latim. E curvou-se para colhê-la.
Depois, pondo o chapéu, correu à casa do professor.
_ Disseste que dançarias comigo se eu te trouxesse uma rosa vermelha, – lembrou o Estudante. – Aqui tens a rosa
mais linda e vermelha de todo o mundo. Hás de usá-la, hoje a noite, sobre ao coração, e quando dançarmos juntos
ela te dirá o quanto te amo.
A moça franziu a testa.
_ Esta rosa não combina com o meu vestido, disse. Ademais, o Capitão da Guarda mandou-me jóias verdadeiras,
e jóias, todos sabem, custam muito mais do que flores…
_ És muito ingrata! – exclamou o Estudante, zangado. E atirou a rosa a sarjeta, onde a roda de um carro a
esmagou.
_ Sou ingrata? E o senhor não passa de um grosseirão. E, afinal de contas, quem és? Um simples estudante… não
acredito que tenhas fivelas de prata, nos sapatos, como as tem o Capitão da Guarda… – e a moça levantou-se e
entrou em casa.
_ Que coisa imbecil, o Amor! – Resmungou o estudante, afastando-se. – Nem vale a utilidade da Lógica, porque
não prova nada, está sempre prometendo o que não cumpre e fazendo acreditar em mentiras. Nada tem de prático
e como neste século o que vale é a prática, volto à Filosofia e vou estudar metafísica.
Retornou ao quarto, tirou da estante um livro empoeirado e pôs-se a ler…
OSCAR WILD

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